FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA ESTÉTICA EM ALMADA NEGREIROS — DA MODERNIDADE AO VER (vol. II)

222
MARIA de FÁTIMA LAMBERT ALEXANDRINO ALVES de SÁ MONTEIRO FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA ESTÉTICA EM ALMADA NEGREIROS — DA MODERNIDADE AO VER — Volume II Dissertação de Doutoramento em Filosofia FACULDADE DE FILOSOFIA DE BRAGA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA Setembro 1997

Transcript of FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA ESTÉTICA EM ALMADA NEGREIROS — DA MODERNIDADE AO VER (vol. II)

MARIA de FÁTIMA LAMBERT ALEXANDRINO ALVES de SÁ MONTEIRO

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA ESTÉTICA EM ALMADA NEGREIROS

— DA MODERNIDADE AO VER —

Volume II

Dissertação de Doutoramento em Filosofia

FACULDADE DE FILOSOFIA DE BRAGA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Setembro 1997

2

Capítulo III "Doutrina Estética em Almada Negreiros"

0. Preâmbulo

Almada encontrou, devolvendo à Humanidade, o centro intemporal da

comunicação visual que legitimava, para cada época, em fundamento e

matriz, a continuidade do Humano na cronologia. O objectivo obsessivo que,

em Almada, transcendia a ordem imediata, estava "...para lá de uma lúcida

meditação da linguagem do desenho e sua gramática, muito próxima dos

temas de reflexão dos melhores representantes da arte moderna"1. A sua

doutrina procurou "abrir as fundações de um conhecimento pelos sinais

visíveis, a um tempo uma semiótica do visual, uma simbólica das formas

geométricas mais simples (as mais difíceis) ou, como Almada preferia dizer,

a antegrafia de formas de pensamento menosprezadas ou olvidadas pela

memória."2

A Tese visual dos sinais elementares foi enunciada, por Almada, como

directriz artística e princípio estético unificador, de raiz metafísica,

cosmológica e antropológica, no painel Começar (1968/69)3. Trabalho de

síntese demonstra, a nível plástico e no campo estético, as investigações

teóricas desenvolvidas pelo Artista, para retomar a descoberta da unidade do

Humano, colocam-no ao nível das figuras do pensamento ocidental mais

relevante sobre a existência da Humanidade como Todo na História — para

além da História. Recuperando uma concepção de História originária no mito

e perene na remanescência íntima de cada pessoa individual humana, na

vertente do primitivismo, a sua ambição foi regressar a uma visão directa e

pura das coisas "que se confina na ânsia de um absoluto de vivência onde a

componente extática se plasma através de uma reinvenção desse estádio

primordial paradisíaco."4

1Lima de Freitas, Pintar o Sete — Ensaios sobre Almada Negreiros, o pitagorismo e a Geometria Sagrada, p.35 2Idem, ibidem, p.35 3Começar foi realizado numa parede de treze por dois metros e meio. 4Celina Silva, "Rotas e posturas em Almada da Ingenuidade — do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras — Línguas e Literaturas, II Série, vol. IX, 1992, p.173. Com uma mínima alteração confronte-se da mesma autora, a 3ª Parte — "Do Poético como Poética", in Almada Negreiros — a busca de uma Poética da Ingenuidade, p.275. No início deste artigo — ou capítulo, consoante a versão que se queira consultar —, Celina Silva refere a pertença de um tal pensamento à "cosmovisão mitopoética de raiz romântica", evocando as figuras de Schiller e Schlegel, citadas por Lacoue-Labarthe/Nancy, L'Absolu Littéraire, e não os textos originais, redutos desse pensamento.

3

Para fundamentar, filosoficamente, o seu princípio estético "universal",

Almada citou, recorrendo de forma quase sistemática, aos autores, por ele,

considerados casos paradigmáticos da filosofia — racional e hermética — e

cultura europeias, portanto legitimadores de suas argumentações. Tomou-os,

simultaneamente, para modelos simbólicos de personalidade, nomeando-os

na decorrência da História: Hermes Trimegisto, Homero, os filósofos pré-

socráticos, Platão, Aristóteles… Estes e outros decidiram o percurso da sua

fundamentação para as divagações mais criativas, bem como para as

especulações esotéricas, preenchendo o espaço simbólico que conciliou as

pesquisas sobre o Número no domínio das artes, com os domínios

antropológico, cosmológico e ontológico, convergindo para o conceito de

pessoa individual humana.

Na pessoa pública de Almada — na sua mediaticidade e impacto —

reconhece-se o profetismo do Homem em unidade, considerado expressão

privilegiada de superação ôntica e ética, em termos societários: entre as

diferentes pessoas humanas individuais, que constituem a humanidade, e

mediante a linguagem constitutiva da Arte. Não pretendeu declinar a

constatação de abismos entre o artista e os outros, mas salientar no artista,

como pessoa individual, aquele que melhor se podia encaminhar para os

outros — melhor do que estes para ele o saberiam fazer, porque Almada era

Artista. No preâmbulo a "Aqui Cáucaso" Almada fixou a sua condição,

enfatizando a convicção cúmplice entre vida e arte, em que: Sobejamente se entende, nesta pergunta vida-arte, a vida precipitar-se ao que não compete à arte senão conceituar. E acontece o pior, o contraproducente: a precipitação da vida desvirtua o conceito em arte.5

Por contraponto, à pretendida universalidade antropológica — baseada na

cosmologia — da dimensão estética, que unifica a sua teorização sobre a

arte, concebeu uma argumentação específica sobre a Arte e os artistas no seu

tempo, estabelecida a partir da institucionalização da estética, num quadro

característico, próprio da tradição cultural europeia, transposta na sua

contemporaneidade. Quadro complexo, equívoco porventura, esse em que

dominaram motivações e paradigmas aparentemente oposicionais — mas não

inconciliáveis —, correspondendo ao questionamento de princípios vigentes

sobre Arte.

5"Aqui Cáucaso", Teatro , p.243

4

Almada teve consciência da "idade da arte", na cronologia da humanidade,

quando afirmava que, "A Arte é recentíssima, é uma descoberta europeia que

se pode localizar em meados do século passado, e apesar de ser uma dedução

retirada de toda a Arte passada, é por isto mesmo, uma novidade, uma

criação, uma consciência da maioridade da Humanidade e que a própria Arte

não tinha tido antes."6 Obviamente, Almada referia-se à Arte elaborada como

conceito, reconhecido em termos socioeconómicos e culturais, marcados pela

pragmática historiográfica da Arte, subjacente na mentalidade em ascensão

desde inícios do século. A Arte, na acepção que passou a tomar a partir de

meados do século XIX, privilegiadora dos valores estéticos como de

moderno, novidade e originalidade — que se completam per si —, não tinha

surgido nessa altura, apenas se confirmou, estabelecendo-se de modo

inabalável. No século XX, Almada acreditava que a Arte era o "centro da

ciência do Homem." Tornara-se a razão de ser das outras ciências que, só

mantinham a sua necessidade se articuladas com a Arte, pois a "Arte não é

apenas conhecimento, é prazer do conhecimento. E é com efeito o único

conhecimento que serve, aquele que nos dá prazer."7 1. A ingenuidade — categoria estética privilegiadora do humano 1.1. A definição etimológica da ingenuidade

Para o aprofundamento reflexivo, acerca do conceito de pessoa individual

humana, Almada destacou o princípio de ingenuidade como estado e atitude,

antropológico e estético, mais do que qualidade literária. Tornou-a um dos

pilares para a compreensão da sua doutrina, e constatável no domínio da sua

criação poética, ficcional e plástica.

O significado da ingenuidade na obra de Almada, acentua a presença

perpétua, no domínio da sabedoria genuína, exigida para a conquista da

unidade pessoal; fruto de encontro voluntário, embora "naturalmente"

recuperada. A ingenuidade existe como exigência pessoal e,

simultaneamente, é necessidade para concretizar obra:

O edifício da obra, criação humana, guarda a lei da Natureza pura e nada crescendo a Obra à ingenuidade

6"Duas palavras de um colaborador — na homenagem ao arquitecto professor Pardal Monteiro", Textos de Intervenção, p.115 7Idem, Ibidem, p.115

5

da Natureza, faz por a ingenuidade da Natureza reencontrar-se voluntária no homem.8

Almada Negreiros organizou a sua argumentação epistemológica sobre a

ingenuidade partindo da etimologia de "ingénuo", na sua história e no

significado mais comum:"...é o [aquele] que deixa ver livremente os seus

sentimentos, que é natural, que é simples, que é naïf"9.

Na Etimologia, Ingennus, surgiu com o sentido primitivo no direito romano,

para designar a condição daquele que nunca tivesse sido escravo.10 O

contexto do termo relacionava-se ao posicionamento sociopolítico do

indivíduo, à sua situação pessoal e no seio da colectividade. Durante a Idade

Média manteve-se o sentido original da palavra, embora efectuadas algumas

adaptações às condições sociais vigentes. Após o Feudalismo, a palavra

perdeu gradualmente o sentido originário, até ser entendida, e utilizada,

como sinónimo de simplicidade, de naturalidade, de naïveté. Passou a ser

usada para nomear a qualidade-característica daquele indivíduo que

mostrava livremente os seus sentimentos, sem constrangimentos de situação;

aquele que se expunha, natural e sem artifício, o simples, o "naïf"; sugeria

falta de elaboração de raciocínio e/ou oportunidade social e política, pois não

perseguia uma imagem social de sedução e poder, no quadro axiológico

vigente — porque ignorava os preconceitos e respectiva pragmática.

Almada destacou, em pleno século XX, o sentido socio-ideológico da

palavra — na perspectiva de uma teoria sobre a mentalidade e cultura

portuguesas —, importado da carga semântica anterior, quanto ao contexto e

utilização, ainda que sublinhando a remanescência da articulação

gnoseológica de "ausência" qualificadora, relativamente aos conhecimentos

codificados cultural e socialmente. Aplicava-se ao indivíduo livre de

preconceitos, não corrompido, não contaminado ética e socialmente, por isso

ingénuo, em reciprocidade, aos ingénuos primitivos "que estavam livres por

nascimento das duras leis da escravidão."11

Almada não elaborou, ou pretendeu, o elogio gratuito dos ingénuos, mas o da

ingenuidade, enquanto esta representa, por natureza e condição, o estado de

pureza em que são possíveis a vida e criação mais genuínas do poeta. A

ingenuidade não foi apresentada como constrangimento, antes condição,

8 "Reaver a Ingenuidade", Ver, p.63 9 "Elogio da Ingenuidade ou as desventuras da esperteza saloia", Ensaios , p. 141 10 Cf. Almada Negreiros, "Elogio da Ingenuidade ou as desventuras da esperteza saloia", Ensaios , p. 141 11 "Elogio da Ingenuidade ou as desventuras da esperteza saloia", Ensaios , p. 141

6

devidamente fundadora e necessária, para a colocação de si mesmo — e não

apenas para o poeta — perante o facto de ser pessoa singular. A ingenuidade

tomou em Almada uma consistência ontológica, assumindo uma

originalidade inédita no conceito. 1.2. Aproximação literária à noção de ingenuidade em Voltaire

Pretendendo elucidar a ambiguidade constitutiva do termo, que passa pela

convenção e pela significação específicas, mas também no plano

interpretativo, Almada recorreu à fundamentação literária — procedimento

aliás habitual para a legitimação das suas argumentações especulativas — ,

centrando-se em dois protagonistas de Voltaire12, nas obras Candide e

L'Ingénu, "premeditando sentidos distintos para cada um deles."13

Do Candide de Voltaire, salientou o protótipo do "ingénuo/pessoa",

articulando-o com o sentido complementar/alterno do personagem de

L'Ingénu". O ingénuo-Candide vive inúmeras desventuras ao longo do

enredo, entre as quais a significativa passagem por Lisboa, no dia em que

precisamente ocorria o terramoto de 1755, encarando a viagem como

metáfora e ambição para a aquisição dos conhecimentos necessários para a

aprendizagem individual — sentido conveniente aos pressupostos de

Almada: As verdadeiras desventuras da ingenuidade são afinal as lições que a vida fez expressamente para cada um de nós. Porque nós, o que sabemos, não é o que outros nos ensinaram, mas apenas o que nós mesmos aprendemos por nós, à custa da nossa ingenuidade.14

A ingenuidade de L'Ingénu revelava-se pureza espiritual e intelectual,

qualidade típica de quem é crédulo, quase sinónimo de simplicidade e

simplismo irrevogáveis e caricaturais...15 Ainda que Voltaire pretendesse

12No livro Poèsie Naïve et Poèsie Sentimentale, "Les Poètes Sentimentaux", Schiller ao evocar a abordagem de Voltaire sobre o tema da ingenuidade considera que: "Sans doute est-ce uniquement par la vérité et la simplicité de la nature que cet écrivain nous communique lui aussi parfois une émotion poétique, soit qu'il atteigne véritablement la nature dans un caractère naïf comme il l'a fait plusieurs fois dans son Ingénu, soit que, comme dans son Candide et dans d'autres oeuvres, il la cherche et la venge." Cf. p.155. Schiller considera ainda que, em ambas as obras, sob essa abordagem do cómico, pouco se encontrava de sério, encontrando-se apenas os termos da sua inteligência expressa, e não do seu sentimento. (O carregado apresenta-se como tal na obra consultada.) 13"O elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", Ensaios, p.149 14"O elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", Ensaios, (Estampa) p.125 15Trata-se de uma história que narra as desventuras de um rapaz branco, educado pelos índios Hurons, no Canadá francês que, desembarcado na Baixa-Bretanha, entra em contacto com a civilização europeia, deparando com seus absurdos e injustiças, assaz incompreensíveis segundo os seus padrões de educação e mentalidade. Apesar das dificuldades de encontro com um novo tipo de sociedade — hábitos, restrições e

7

construir o elogio dos selvagens, à maneira de Jean-Jacques Rousseau,

Ingénu realizou-se num meio que lhe era hostil — sobretudo

desconhecido —, contribuindo a ingenuidade para um maior

desenvolvimento da razão, sustentada em premissas específicas, geradora de

uma ordem de conhecimentos alternativo. A naïveté foi o ponto de partida

para aceder ao conhecimento, demonstrando, pela sua natureza intrínseca, ser

propícia à elaboração filosófica. E, Ingénu, a si mesmo se denominava, pois:

"...Je dis toujours naïvement ce que je pense comme je fais tout ce que je

veux."16 A possibilidade de exercer a vontade própria, alheia às constrições

societárias, permitindo-se cumprir um termo pessoal de valores e normas de

comportamento, provava ser a razão para a viabilidade de reencontro com a

unidade pessoal, perdida pela civilização ocidental, ao longo da sua história,

contaminada por decisões e actos meramente pragmaticistas.

Ingénu, como indivíduo superador dos condicionalismos societários, foi caso

único em que Almada se reviu na época do Modernismo, como réplica à

sociedade portuguesa dominante, com a sua irreverência, sabedoria

inconclusiva e vontade afirmativa, como se doutro mundo viera, mas da

realidade fosse achado. Com a diferença que a clarividência esclarecida de

Almada foi construída a partir de pressupostos e conhecimentos que

refutava, precisamente porque os conhecia enquanto que o Ingénu os

desconhecia, impondo as suas convicções fundadas na vivência primordial

em que desde sempre usufruíra da liberdade sem restrições — paradigma

originário de um estádio dir-se-ia estético no sentido kierkegaardiano.

O protagonista "ingénuo" agia num horizonte de liberdade, de não-

responsabilidade sociopolítica tipificadas ou institucionalizadas, num plano

existencial em que predomina o usufruto da vida instintiva. Ingénu soube

evoluir até ser um ingénuo que não fosse mais um "ingénuo", pois se tornou

filósofo pela e com a sua ingenuidade: "L'Ingénu qui n'était plus ingénu."17

Candide, representou para Almada, termo complementar de construção

paradigmática, significava o rapaz de espírito simples, que escutava e

acreditava em tudo inocentemente, embora dotado de qualidade e

sensibilidade excelsas, pois: "c'était un jeune metaphysicien en fort ignorant

costumes — o protagonista Ingénu tornou-se um filósofo intrépido e sabedor, demonstrando a oportunidade e exigência necessárias, expressas ao longo do livro, com intuito de realizar um apelo à razão, à lógica, contra a falsidade e o absurdo dominantes. 16 Voltaire, L'Ingénu , p.32. A ingenuidade de "Ingénu" era de origem natural, condição e estado inato. Era ponto de partida, não seria chegada, meta. 17Idem, Ibidem, p.96

8

des choses de ce monde."18 O Candide-ingénuo de Voltaire nunca se viu

vítima da sua ingenuidade, pelo contrário, a ingenuidade impulsionou as

acções que, consequentemente, lhe deram fama. Quando perdeu a

ingenuidade, tornou-se vítima da sua "esperteza saloia", situação para a qual

Almada, especialmente, alertou.19 As desventuras de quem perdeu a

ingenuidade eram amargas, mais amargas do que as decepções que algum

ingénuo pudesse sofrer: "tão tremendo como ficar-se um simples ingénuo

por toda a vida, é perder a ingenuidade para todo o resto da vida."20

Candide-Almada percebeu que conhecer, saber, viver e libertar-se

dependiam de uma procura em si mesmo, das possibilidades do seu

desenvolvimento pessoal: "Cultivemos o nosso jardim." Valia mais do que

procurar a felicidade à volta do mundo, ou a verdade através de sistemas

metafísicos. Almada, atendendo à fundamentação etimológica e ficcional,

desenvolveu uma noção que transcendia os protótipos definidos por

Rousseau e por Voltaire, servindo de sustentação para a sua poética e para a

sua estética centrada na pessoa.

1.3. A pragmática criativa da ingenuidade — presença e ficção modernistas

Há, com efeito, em toda a genial e multímoda criação de Almada-Negreiros, uma alegria primordial, uma inocência dos começos, uma atmosfera ingénua e primitiva, onde só ele sabe respirar.21

Superadas as efabulações literárias dos personagens "ingénuos" de Voltaire,

Almada entendia que o imaginário — primeiro da ficção e da teorização

depois — consistia num domínio propiciador, mesmo privilegiado, "onde o

efabular adquire cariz cognoscitivo"(...), de modo a que, a ingenuidade

contribuísse para construir "uma representação interpretativa e construtiva

do mundo e do eu."22 Fê-lo, anteriormente à teorização hermética da

Ingenuidade desocultada em Ver , ao desenhar os traços múltiplos que

moviam o indivíduo ingénuo, em obediência à sua perspectiva, integrando

nesse perfil, elementos herdados da praxis vanguardista, exaltando a

18 Voltaire, Candide, p.228 19 “É este o maior perigo que corre o ingénuo: o de querer ser esperto. Tão ingénuo que cuida, coitado, de que alguma vez no mundo o conhecimento valeu mais do que a ingenuidade de cada um.” "O elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", Ensaios, p.150 20Idem, ibidem, p.150 21David Mourão-Ferreira, "Saudação a Almada Negreiros", Hospital das Letras, p.141 22Celina Silva, "Rotas e posturas em Almada da Ingenuidade — do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras — Línguas e Literaturas, II Série, vol. IX, 1992, p.173.

9

originalidade, ainda que a originalidade, nesta acepção, não fosse acto

estético exclusivo — no âmbito de uma estética/poética para impacto

sociocultural em recepção imediatista —, antes necessidade de exercer a

individualidade pessoal no domínio da antropologia filosófica e simbólica

como fonte.

No domínio da ficção e da poesia, "a prática criativa da ingenuidade

antecede e prepara o caminho para o discurso teórico"23 que Almada viria a

desenvolver nas décadas seguintes. Efectivamente, as produções literárias

que Ellen Sapega designa por "manifestos da ingenuidade" apresentam-se

não como intervenções de intenção pública, promotoras argumentativas, mas

no formato de pequenos relatos, parábolas ou fábulas. O recurso a estes

formatos literários específicos — e respectivas implicações na área da

hermenêutica — obedeceu aos propósitos de Almada se assumir como Autor,

situado em suficiente afastamento psicológico como narrador, para

transmitir, através das opiniões manifestas, os propósitos moralizantes

expressos.

Para esclarecer — quase justificar — junto os leitores o que entendia por

"ingenuidade" e como aceder a esse estado, "os narradores "ingénuos"

assumem, regra geral, uma posição afastada da realidade que descrevem."24

A moralidade transposta nos relatos curtos e incisivos, pelo tom ironista e

efabulatório empregue, induzia, intencionalmente, à "boa" moralidade,

sobrelevando o plano ético, pessoal e social. Contudo, para além de valores

morais induzidos, era uma ética pedagógica que, sobretudo, procurou

induzir. Não se tratava de uma moralidade de intenção isolada,

descontextualizada, possuía uma finalidade centrípeta, na área do

educacional em continuum com outras especulações e reflexões do Autor,

nomeadamente, em romance (único), peças de dramaturgia, algumas poesias

e sobremaneira, nos ensaios e textos críticos.

1.3.1. "Histoire du Portugal par Coeur"

Para Ellen Sapega, "Histoire du Portugal par Coeur" é um dos textos mais

elucidativos da apologia da ingenuidade. No caso de "Histoire du Portugal

par coeur", a intenção não era, exclusiva ou mais especificamente "didáctica"

23Ellen Sapega, Ficções Modernistas — um estudo da obra em prosa de Almada Negreiros 1915-1935, p.79 24Idem, ibidem, p.80

10

pela via da ingenuidade nacional. É mais consentânea, quanto à resolução da

identidade pátria, uma assunção, não pela via exclusiva ou privilegiada da

ingenuidade, antes pela via da efabulação mítica restituída, a partir — isso

sim — da tradição popular que se viu enriquecida na imaginação visual e

arquetípica de Almada. Foi caso poético, para desvelar os termos do

inconsciente português, motivado — e portanto sendo mitificado — pela

situação "presente" do Autor.

A motivação prioritária de Almada ao conceber o texto na cumplicidade do

factual/histórico e do mítico, incorporou situações e protagonistas,

afirmativos emblemas e símbolos de Portugal. O texto, sendo revelador de

preocupações educacionais constantes, não usa a ingenuidade como factor

primordial, embora apreensível como modo estilístico. Ainda que a pátria

inventada pelo Autor seja dirigida sob auspícios do coração, fê-lo baseado na

sua memória estudada da própria história — como disciplina curricular e

fruto da mentalidade subjacentes à época. 1.3.2. Contos breves

Integrar-se-iam na ficção proclamadora da ingenuidade "O Cágado", "O

Dinheiro", "O Diamante", "O homem que não sabia escrever" e,

especialmente, "A Invenção do Dia Claro", textos demonstrativos de nítidas

preocupações sociais, morais, relacionadas com as de ordem estética, todas

perspectivadas para o fenómeno educacional a atingir. 25 Num primeiro

momento, Almada pronunciou as "lições de ingenuidade", experimentando

fábulas, parábolas ou relatos, recorrendo ao formato literário do conto breve,

divulgando-as em jornais, atingindo um público mais vasto e heterogéneo;

mais do que ensinar informalmente, induzia a teoria da ingenuidade que

apenas posteriormente veio a enunciar — 1936.

Almada provou nessas histórias que não confundia ingenuidade com

ignorância simplista ou natural, nem tampouco ser a ingenuidade, capricho

subjectivista; respondeu a desígnios que — embora apresentados pelo

protagonista como fundamentais — se soubessem interiorizados ou

25Sublinhe-se o termo educacional e não tanto didáctico, na acepção que Ellen Sapega pretendeu na sua obra, aplicando-o à questão. Educacional, porque não se refere a uma situação que pretendesse, fosse de que forma fosse formal, nem de qualquer tipo de ensino, nem de uma aprendizagem, instituída ou dirigida, mas indutora. E indutora, no sentido mais natural, precisamente porque se tratava de ingenuidade, ou na recuperação de uma ordem de saber remanescente, a detectar por cada um em si.

11

suficientemente autênticos no sujeito.26 Uma tal conclusão — presente na

argumentação de Ellen Sapega —, apreender-se-ia tanto da leitura de "O

Diamante", como de "O Homem que não sabe escrever"27: a ingenuidade não

advém da educação, nem do facto de ser (eventualmente) civilizado. A

fundamentação de condição, natureza e estado de ingenuidade, a sua

essências filosófica "consistem, sobretudo, na procura ou na recriação,

através do gesto criativo, de uma origem perdida."28

Em "O Homem que não sabe escrever", Almada tipificou as notas

biográficas, promotoras de um protagonista pseudo-ingénuo: pô-lo a viver

numas águas-furtadas na rua do Alecrim, e fê-lo chamar-se Domingos Dias

Santos. Outorgou-lhe formação básica de ensino oficial, mas tirou-lhe o

"saber escrever" — o dom discriminatório.29 Ao contrapor os elementos

constitutivos dessa formação, e o uso em que Domingos persistia, Almada

exprimiu a sua crítica ao ensino que fornecia uma educação que tornava

inoperante o dom da imaginação, o dom da criatividade, enfim, o dom da

expressão única de cada um.

26Efectivamente o fenómeno "ingenuidade" anunciou-se quando Almada fez a apologia da descoberta — a novidade e o invulgar — "O Cágado"; quando empreendeu efabulações nitidamente axiológicas acerca da natureza e igualdade entre os homens: rico/pobre, branco/negro...— "O Dinheiro", "O Diamante"; quando construiu paradigmas de situação individuada e acção pessoal — "O Homem que não sabe escrever", "Nome de Guerra", enfim, todas as vezes que configurou a ingenuidade como sustentação poética e propósito de acção intrínseca no humano, pressupostos fundamentais para a reconstrução do mundo. 26Reconstrução do mundo depois de Almada ter realizado a sua deconstrução do mundo em ficções como "K4 Quadrado Azul", "A Engomadeira", "Saltimbancos", "Mima-Fataxa", "Litoral", enfim, nas produções afectadas pela teoria sensacionista de Fernando Pessoa, e ainda sob auspícios do Cubismo e do Futurismo europeus, e não apenas, reflectidos, por sua vez, na teoria pessoana. O método comum a estas posições estéticas pressupunha a possibilidade de conceber simultaneamente, sob entradas designadas pela visualidade a apresentação literal e simbólica de corpos, objectos e conceitos em paridade de espacialização e temporalidade, o que viabilizava a mencionada deconstrução do mundo. 27"A Ingenuidade não é nem um estado natural ("selvagem"), nem um estado educado ("civilizado"), mas consiste na ultrapassagem dos dois estados, ou seja, é o assumir consciente da inocência." Op. cit., p.95 28Ellen Sapega, Ficções Modernistas — um estudo da obra em prosa de Almada Negreiros 1915-1935, p.84, citando a propósito Eduardo Lourenço in "Almada Ensaísta ?", Almada - compilação das comunicações apresentadas no Colóquio sobre Almada Negreiros, p.79. Efectivamente Eduardo Lourenço compara Almada ao herói do filme de Wim Wenders Paris-Texas: "Mas a sua vocação, a sua "direcção única", será a de converter as folhas em raízes e assim, de algum modo, como o herói do "Paris-Texas" de Wim Wenders, de caminhar com obstinação para a sua origem, para esse lugar onde tinha concebido e donde tinha sido expulso, lugar ao mesmo tempo pontual e infinito, onde o individual se articula com o universal, o problemático com o pontual, o evidente com o enigmático." 29Segundo a tradição hermética, o dom da escrita, que o deus Thot do Egipto criou, não se reconhecia exercício natural e espontâneo no protagonista. Ele tentava-se de ideias, mas chegado o momento do acto de escrita, bloqueava as ideias e não sabia escrever. Os temas que se propunha, feito de inspiração denotavam bem o teor castrativo de uma educação de lugares comuns e vazia de motivação: "uma dissertação sobre o Outono", "uma apologia da humildade", "uma tirada de sinceridades individuais e regionais", que o mesmo era dizer que nem mesmo assim, quando se dispôs a escrever sobre si mesmo — correndo o risco de parecer natural —, achou-se no mesmo problema. O que pretendia não era escrever meramente, queria expressar-se, e não sabia como, porque não conseguia ultrapassar os academismos, não dava o salto da imaginação, não conhecia as condições individuais de escrita para o seu pensamento. A tentativa de escrever sobre os egípcios teve de ficar adiada até ao dia seguinte para se ir encher ainda de mais "erudição", de mais "saber", na Biblioteca!

12

Quando irrompe na narrativa a figura da criada de pensão, "com ar de quem

não está em serviço", pois trazia um ar natural, torna-se explícita a intenção

do Autor: era preciso que se revelasse o fundamental, o espontâneo, o

ingénuo para poder criar. Mas afinal, os termos em que a criada dita a carta

estão cheios de lugares comuns, e o desenlace é algo absurdo, porque afinal

o elogio da ingenuidade não é, não se orienta, assim tão genuíno ou certo,

quanto o leitor esperava fosse. Como conclui Ellen Sapega, "...a única

moralidade possível situa-se fora da acção do enredo, no reconhecimento da

ironia da situação: nem o ser educado, nem o ser iletrado, têm a mínima ideia

em que consiste a expressão literária."30 Não coube aos protagonistas

retirarem a sua conclusão ou fazerem o diagnóstico da situação, que pertence

ao tempo posterior à própria leitura individual, essa extensão estético-poética

que se prolonga para além do fim da leitura, e que não é comummente

habitual nesse tipo de contos com poucas pretensões de reflexão crítica, em

que a "moral" surge expressa como tal.31

No caso de "O Diamante" e de "O Dinheiro", para além dos indícios relativos

à dimensão antropológica e ética, anteriormente abordados, saliente-se o

confronto das atitudes convencionalmente aceites, em termos de moral-

social, e o espontar da convicção para que o Autor avança. Asserção logo

presente na primeira dramaturgia constituída, posterior à estadia em Madrid,

e que antecedeu de mais perto o seu discurso supremo sobre a ingenuidade.

Deseja-se Mulher , não se pretendeu uma peça de teatro ingénua, antes a

revelação psicossociológica de tipos, diagnosticável nas atitudes de seus

protagonistas, esses sim denotadores da convicção extrema de ingenuidade: a

índole marcadamente afectiva configuradora do enredo, a expulsão de

valores pulsionais em solução bruta, sobretudo na figura feminina que sofre

transformações ao longo dos diferentes actos e cenas. O percurso,

tendencialmente masculino de iniciação dos personagens em demanda do eu

de Invenção do Dia Claro, História Verde, Nome de Guerra, Portugal, "As

Quatro Manhãs", compete em Deseja-se Mulher com a dominância e

consistência da Vampa que se metamorfoseia em prol — e legitimidade —

da sua auto-estima, equitativamente dividida entre si mesma e a imagem para

o outro, ou seja, ele.

30Ellen Sapega, op. cit., pp.91-92 31Durante o desenvolvimento das histórias apresentam-se os indícios que orientam a apreciação situacional a posteriori, ou seja implicam a reavaliação da situação desencadeada, sabendo-se que necessariamente ela tem de existir — isso logo desde o início. Nesse aspecto, será oportuno lembrar que a conclusão a retirar, só pode ser apreendida porque os elementos indutores são suficientemente fortes para lhe reconhecer consistência, e desde o início que se dirigem para aí.

13

A elaboração pessoal do conceito de ingenuidade foi-se consolidando, de

forma absoluta no Autor, incorporando dimensionamentos consecutivos, em

domínios absolutamente implicativos entre si.

14

1.3.3. "A História Verde"

Verde ia pela estrada, a única estrada que há, por onde vai toda a gente em caminhos diferentes. Ia para diante, como todos. 32

O auge da produção de ficção exemplar da ingenuidade33 foi atingido por

Almada na parábola protagonizada pelo "ingénuo" — em iniciação — do

manuscrito inédito "História Verde", datado de 5 de Maio de 1921, ano de

escrita de Invenção do Dia Claro. Ambos os textos, anteriores à ida para

Madrid, integram-se no que se pode designar como a pragmática ficcional da

ingenuidade e deve ser considerada a completude que constituem,

expressando o redimensionamento situacional e poético dos elementos

comuns entre si.

O procedimento estilístico de referência — como já afirmou anteriormente

— não se apresenta isolado, antes confirma uma intenção: sempre que

Almada pretendeu fixar alguma ideia ou conceito, recorreu à força retórica (e

dialéctica) da palavra — deslocada, paradoxal ou ornamentada na parábola,

para gerar maior impacto e irradicação — semântica e filosófica — nos

leitores.34 Aparentemente, a história destinar-se-ia a crianças, o que

corresponde à estratégia do Autor, pois é precisamente na infância que

domina a maneira de estar e ser em plena genuinidade, em modalidade

propiciadora de verdade e unidade pessoal.

Verde foi a cor autobiográfica que Almada se atribuiu. Iniciado o "caminho",

na metáfora simples e comum, com que evoca a vida, a estrada que cada um

toma e por onde todos vão sem excepção: Verde "ia para diante,

32"História Verde (autentica)" , manuscrito, Lisboa, 21.Maio 1921. 33Sem ser oportuno desenvolver-se uma procura e explicitação exaustivas relativamente às enunciações ou lateralidades do conceito de ingenuidade na obra de criação almadiana nesta tese, sublinham-se os traços caracterizados do conceito e as repercussões de uma perspectivação no âmbito da ontologia e antropologia filosófica (e simbólica), entendidas como fundamentos para a sua estética e poética. Nesse sentido optou-se por analisar os dois textos de ficção poética que acusam explicitamente ser fundamentação para a incidência acima apontada: História Verde e Invenção do Dia Claro. 34Segundo Ellen Sapega: "Todos os contos jornalísticos de Almada dependem do reconhecimento de moralidade exteriores ao enredo, quer dizer, nunca são apreendidas pelos protagonistas." Cf. Op. cit., p.93. No caso de "História Verde", manuscrito inédito, que não surge colectado em nenhuma das edições da Obra Completa de Almada e tampouco se tem notícia de ter sido publicado em qualquer jornal, revista ou número monográfico, não se tratará de atingir um público específico, mas uma história intimista que muito bem destinava os seus interlocutores intencionais. Talvez por isso mesmo, ao contrário dos textos anteriores seja mais nítida a conclusão que, mais do que moralista, será uma resolução ontológica e uma directriz psíquica de fundo, no âmbito da conquista da auto-estima, não para controle da relação intersubjectiva — embora pudesse ter sido essa a intenção inicial — mas acaba por se tornar uma consolidação elaborada do "eu", finalmente.

15

naturalmente, sem história, sem alegria, sem tristeza." Perante os obstáculos

que deliberadamente lhe eram colocados, muito simplesmente, passava-lhes

por cima, sem os magoar, e a muitos até os "ajudou ingenuamente a

levantarem-se do chão." Nunca tinha parado no percurso. Até que um dia

parou, finalmente, na estrada "única", quando passou mesmo ao lado de

quatro "coisinhas", de quatro cores: branca, roséa, encarnada e azul.35

A ficção desenvolve-se na ordem do programa iniciático, pois Verde iniciou

uma travessia, ousou a experimentação do caminho indecifrado, agindo

sobre si mesmo, o que significa a penetração no domínio esotérico, para

cumprir a demanda. Não se pode ignorar a fundamentação, cronologicamente

possível, nos fragmentos de Hermes Trimegisto, elucidativos da demanda

para alcançar o estádio de auto-gnose, a que toda a história remete.

Relembre-se que, na Invenção do Dia Claro, Almada citou em epígrafe,

precisamente, Hermes Trimegisto, atitude demonstrativa da importância que,

desde essa época, já atribuía ao hermetismo.

De notar que, a nível literário, sensivelmente no meio do texto, a narração de

Verde é interrompida, sendo substituída pela subjectividade dirigida pelo Eu

, factor salientador da ênfase ontológica (e autobiográfica) pretendida.

Alguns parágrafos após, é retomada a primeira modalidade do discurso, em

nome de Verde, significando a viabilidade de decisão sobre os diferentes

caminhos no poético para tomar o sentido verdadeiro autobiográfico da

criação. O sentido deste Eu que viaja entre a ficção autobiográfica e o

ocultamento do símbolo — verde, aproxima-se da acepção com que define o

"eu"36 na Invenção do Dia Claro, referência anteriormente realizada, e que

respeita a essa comunhão de personalidade realizadora que os diferentes

35Verde parou pela primeira vez, e, necessariamente, pensou que isso tinha algum significado específico, que era importante. Para estabelecer conversa com as quatro cores, usou uma estratégia: ir a "um lugar muito perigoso, lá mesmo em cima de uma rocha muito alta..." e trazer de lá quatro cores para cada uma das quatro coisinhas se sentir única. Se verde conseguiu chegar ao cimo daquela rocha foi por não ter duvidado disso nem durante um segundo. Só esta fé pode explicar que Verde tivesse feito uma coisa que estava completamente fora das forças de um homem." "História Verde (autentica)" , manuscrito, Lisboa, 21.Maio 1921 A coragem que o ingénuo não perdeu vem directamente do coração, e prevaleceu mesmo quando percebeu que duas cores tinham ficado pelo caminho — a encarnada e a azul. 36A definição deste eu não é a de acepção romântica, em que a pessoa assumida na expressão poética se identificava com a própria subjectividade do poeta. Como sublinhou Jorge de Sena, tratava-se de uma questão apenas de linguagem e "de caber nela ou não". Jorge de Sena, "Almada Negreiros Poeta", Nova Renascença, nº7, vol. IX, 1982, p.231. Segundo Jorge de Sena "Não se trata da identificação romântica, em que a pessoa se identifica com a subjectividade do poeta." O que permite perceber o que significou o corte infligido pelo modernismo à concepção romântica; o modernismo foi "a época que coloca a linguagem, o poema, a criação estética, acima do poeta, acima das emoções do poeta, acima da subjectividade do poeta." A subjectividade foi substituída pela fundamentação ontológica e antropológica do artista como pessoa, aquele que é à semelhança exemplar da humanidade, aqui em Almada Negreiros, ainda que de substância e forma utopistas.

16

"eus" partilham… é um "eu" transitivo, paradigma para a humanidade. Daí,

ser consentâneo com o objectivo da história, a transposição de identidades

que, afinal são uma e a mesma, e não o outro e o mesmo, como se poderia

interpretar: "Quando digo Eu não me refiro apenas a mim mas a todo aquelle

que couber dentro do geito em que está empregado o verbo na primeira

pessoa."37 Ou seja, Almada refere-se a todo aquele que saiba ser pessoa na

humanidade, através da criação poética, e subjacente às reflexões estéticas,

baseadas na personalidade, assumida pela via do ingénuo.

O "eu" sujeitou-se à demanda que o suplantou, subsumindo a sua

personalidade à concretização existencial suprema, promotora da dádiva

relacional fundada na auto-gnose. A ingenuidade foi disposição, vontade

inequívoca a quem respondeu pelo coração: Verde encarna a assunção desse

valor supremo que permite realizar a personalidade do indivíduo, por um

conhecimento e atitudes que, à semelhança da qualificação constante do

próprio título, são autênticos! 1.3.4. A Invenção do Dia Claro

Este manifesto poético da ingenuidade38 — de juventude — foi um primeiro

esboço, preâmbulo iniciático para as etapas da viagem exigidas a Antunes em

Nome de Guerra, e anteriormente detectadas — no texto iniciatório — por

Verde em "História Verde".

Ao longo do texto39, composto na fragmentaridade e convergindo para a

unidade temática, Almada construiu o caminho de auto-ingenuidade

ficcional, à medida que foi "inventando o dia claro". A articulação, entre a

consciência do mundo sem idades, e a humanidade deslocando-se, justifica a

máxima constante em epígrafe nos sucessivos momentos do texto,

emprestada formalmente de Rimbaud40, apelando a um mundo sem idade, em

37Invenção do Dia Claro , "Eu", p. 31. 38Ellen Sapega considera que o manifesto enuncia as "etapas de uma viagem que conduz espiritualmente à clareza imaginada da ingenuidade." Cf. op. cit., p. 99 39A Invenção do Dia Claro apresenta-se dividido em três partes , cujos subtítulos seguem: "Andaimes e Vésperas", "A Viagem ou o que não se pode prever" e "O regresso ou o homem sentado". 40"Nous savons donner notre vie Toute entière tous les jours. Bénnissons la vie! Saluons la naissance du travail Nouveau. Le monde n'a pas d'âges, l'hu- manité se déplace tout simplement. Je ne suis pas prisonnier de ma

17

que a humanidade apenas se deslocava, sendo a mesma em perpetuidade,

ideia que traduz a necessidade de impor a linguagem universal, para

entendimento de todos, como Almada pretendia, denunciando o cativeiro da

razão, recusando-lhe submissão.

Enquanto partícipe da humanidade, e estando no mundo, superou-o na

dogmaticidade — ideia suficientemente heideggariana para tão forte

convicção existencial. O indivíduo em processo de clarividência, da História

Verde, em ascensão iniciática para o cumprimento da tarefa, e à semelhança

dos trabalhos mitológicos salváticos, esse encontro em espelho do "eu"41, foi

transposto na Invenção do Dia Claro, para o primado do "mental como

visual", ou seja, a primazia do desenho.

Em consentaneidade, com os escritos anteriormente analisados, contendo as

reflexões teóricas e poéticas sobre a identidade pessoal, na Invenção, a

certeza da intransmissibilidade de ser individual versus necessidade de

desocultamento pessoal, foi assumida pela abordagem ingénua de forma

mais nítida. Almada recorreu a parábolas fragmentárias — divagações

efabulatórias umas, teorizações poéticas outras, invenções à semelhança dos

procedimentos de composição na música — organizando-se em

visualizações que se aproximam de cinematografias enfáticas.

A ingenuidade manifesta-se em níveis diferenciados de expressão, no texto

como todo compósito: poesia, visualidade, reflexão; realiza-se através de

procedimentos emprestados à retórica dos sentimentos e das ideias. Indicia o

factor iniciação quase como condição implícita à demanda do universo, na

viagem por si mesmo, dentro do quarto. A ingenuidade abordada nesta

perspectiva, poderia ter sido cúmplice das invenções visuais do desassossego

de Bernardo Soares42, nalguns tópicos explorados, nomeadamente, quando o

raison. Dieu fait ma force et je loue Dieu. Splendeurs des villes. Point de Cantique — tenir tou- jours le pas gagné."(Rimbaud) Na edição original francesa de Poèsies, publicada pela ed. Le Livre de Poche em 1972, encontrei dispersas algumas frases citadas por Almada, sem ser sob formato de um poema uno. Correspondem a fragmentos de diferentes poemas: p.ex. “Je ne suis pas prisonier de ma raison”, do poema em prosa “Mauvais Sang”, cf. p.176; “Le monde n’a pas d’âge. L’humanité se déplace, simplement.” in “L’impossible”, cf. pp. 195-196. 41Não seria certamente por acaso que, a anteceder a dedicatória a Fernando Amado, Almada apresentou o seu auto-retrato, prevendo que tão forte indício salvaguardaria a intenção de se mostrar eu exemplar para a constituição dos outros "eus". 42"Cheguei à janela com os olhos quentes de não estarem fechados. Por sobre os telhados densos a luz fazia diferenças de amarelo pálido. Fiquei a contemplar tudo com a grande estupidez da falta de sono. Nos vultos

18

semi-heterónimo pessoano desenvolve considerações imagéticas, de

consistência ontológica, como que pressupondo a abordagem de Almada em

estado de inocência simbólica, afectiva e natural — "Ácerca do Homem e da

mulher": "Lembro-me de uma oleografia que havia em minha casa. A oleografia estava cheia de amarello deserto. O amarello do deserto era mais comprido do que a vida de um homem se não fôsse o galope do cavallo onde o arabe rapta a menina loira.(...)"43

Fragmento a que segue descrição das duas seguintes oleografias, que Almada

retoma em estádio ainda de inocência nas "Confidências" apensas ao "Fim

do 1º dia", sob protecção do vocativo "Mãe":

"Mãe! a oleografia está a entornar o amarello do Deserto por cima da minha vida. O amarello do Deserto é mais comprido do que um dia todo! Mãe! Eu queria ser o arabe! Eu queria raptar a menina loira! Eu queria saber raptar. Dá-me um cavallo, mãe! Até à palmeira verde esmeralda! E o anel?! A minha cabeça amollece ao sol sobre a areia movediça do Deserto! A minha cabeça está molle como a minha almofada!"44

Obviamente que a paisagem de Almada teria de estar povoada e a acontecer

algo, o que contraria o estatismo ingenuista de Bernardo Soares, onde ele

próprio sabe ser ausência múltipla, de "intervalo entre mim e mim".45 Como

nota José-Augusto França, Almada era "homem de "figura" e não de

"fundo"46 que, no plano da criação plástica, sempre privilegiou a figura, "e

nenhuma árvore jamais ou só por excepção decorativa lhe saiu do lápis ou do

pincel."47 As excepções surgem na poética, e em alguma ficção, como na

História Verde em que até há "flores dificéis", e montanhas que, é certo,

cumprem funções, na ordem simbólica, servindo essa grande metáfora da

ingenuidade da "flor" que, a criança, obviamente, sabe desenhar e andou

dentro da sua cabeça, dentro do coração.48 A realidade expressa pela criança,

erguidos das casas altas o amarelo era aereo e nulo. Ao fundo do ocidente, para onde eu estava virado o horizonte era já de um branco verde." Bernardo Soares, Livro do Desassossego, vol. I, p.101. 43Cf. na Invenção do Dia Claro, a p.17 e ss. 44Idem, ibidem p.26 45Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, vol. I, p.25 46José-Augusto França. "Almada —porquê e para quê?", Almada — Compilação das Comunicações apresentadas no Colóquio sobre Almada Negreiros, p.21 47Idem, ibidem, p.17 48Cf. "A Flor", Invenção do Dia Claro, p.41; Como adiante se refere, quanto à impregnação no pensamento almadiano da teorização de Schiller, acentue-se já — em consentaneidade com a transcrição acima integrada — a ideia de que: "A mentalidade naive nunca pode ser uma qualidade do homem corrompido; apenas pode

19

pelo menos aparentemente, apenas pertencerá à idade da infância, em sua

autenticidade, embora seja desejo de maturidade artística e/ou poética.49

Acerca, ainda, das diferenças e aproximações, entre Fernando Pessoa e

Almada Negreiros, relativamente à questão da inocência e ingenuidade, por

remissão à infância, Eduardo Lourenço encontrou uma justificação profunda

nas próprias marcas biográficas do artista, ao considerar que contrariamente:

"Pessoa podia passar a vida a regressar ao "outrora feliz" que, afinal, sempre

tinha tido. Almada parece ter passado a sua a inventar a infância roubada, a

construir o lugar matricial da ingenuidade, a imaginar o diálogo maternal

abolido, apenas começado."50

A conivência entre a imagem visual e a palavra concretiza-se através da

ingenuidade — em estado de ingenuidade pessoal. Por sua vez, como

condição para a criação, a ingenuidade tem de ser promotora da verdade,

essa verdade, mais uma vez, metafórica, do menino que chegou tarde à

escola porque esteve a olhar para uma boneca.51 A verdade das pessoas

existe, provada pelo uso das palavras que tomam para si: "O preço de uma

pessoa vê-se na maneira como gosta de usar as palavras. Lê-se nos olhos das

pessoas. As palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos

olhos de cada um."52 As palavras que as pessoas usam são também os seus

próprios nomes, o que se associa directamente è relevância que atribuiu ao

"nome", um dos pressupostos em Nome de Guerra, evidência ambígua —

conceptual — da identidade pessoal. O nome de cada um apresenta (não

presentifica necessariamente) o próprio, "face às representações sociais que

são impostas"53, o que equivale à denominação sequente ao nascimento físico

de Antunes, o 1º, e à nomeação pessoal a que se referia Almada na Invenção.

A forma como Almada manipulou as palavras (e os nomes que não se

apresentam a denominar ninguém, pois pretendeu o símbolo do humano e

não o indivíduo específico) em Invenção do Dia Claro, foi o paradigma

pertencer às crianças e aos homens que têm a candura das crianças." Schiller, Poèsie Naïf et Poèsie Sentimentale, "Du Naïf", p.77. 49Neste sentido parece oportuno citar as considerações de Jorge de Sena acerca do tom em que se expressa o discurso em "A Flor": "Nós vemos que há todo um paralelismo aparente em que a realidade é definida (é cercada), esse paralelismo assume aspectos duma simplicidade aparentemente infantil, como se fosse um tom coloquial da criança que fala, quer dizer, é a procura de voltar a um imediatismo da expressão. Ao mesmo tempo, notem que este tom coloquial é extremamente inteligente, de um menino que fala sempre sabendo o valor que as palavras têm, conforme a posição que elas ocupam na frase." Jorge de Sena, " Almada Negreiros Poeta", Nova Renascença, nº7, 1982, p.234. 50Eduardo Lourenço, "Almada ensaísta?", Almada — Actas do Colóquio "Almada" , p.80 51Cf. "A Verdade", Invenção do Dia Claro, p.45 52Cf. "As Palavras", Invenção do Dia Claro, p.19 53Ellen Sapega, Op. cit., p.102

20

poético, clarificador do papel que competia à palavra na preservação e

refuncionalização da ingenuidade também se após a perda, for recuperada,

nisso consistindo a teorização que se propôs com o "Reaver a Ingenuidade"

— cumprindo a máxima suposição para a personalidade humana vivenciada.

A "invenção", sendo a do dia claro, é manifestamente convocação da Luz,

significando o conhecimento e a auto-gnose, o Absoluto e o Divino,

símbolos pressupostos de radicação metafísica e teológica que o Autor

retomou em produções poéticas e ensaísticas posteriores. 1.4. A emergência estética do conceito de ingenuidade

A fundamentação estética, no plano histórico, pode situar-se desde o

pensamento kantiano que abordou, brevemente, a noção de naïveté. Em

Kant, as considerações acerca da ingenuidade surgem em anotação à

"Analytique du Sublime"54, ao acentuar o facto de coincidirem na

ingenuidade dois tipos de sentimento, o sentimento físico do prazer e o

sentimento espiritual da estima. A ingenuidade era um estado de sinceridade,

próprio da condição primitivamente natural ao homem, "explodindo contra a

arte de dissimular, tornada uma outra natureza."55 Fenómeno efémero,

rapidamente anulado pela arte da dissimulação que sobre a ingenuidade

lançava o seu véu, o sentimento que provocava no fruidor era compósito, um

misto de lamento emotivo ("regret") e de boa disposição cordial ("rire parti

de bon coeur"); era manifestador de uma disposição, de certa forma

evenemencial; traduzia uma pureza de carácter ainda não totalmente arredada

da natureza humana. Significava um fenómeno isento de malícia, da

duplicidade enganadora que predomina habitualmente nas deliberações e

acções humanas.56 Na abordagem ao conceito de ingenuidade, Kant

54Kant, Critique de la Faculté de Juger, "Analytique du Sublime", Cf. p.161. Existe menção de Schiller à obra de Kant, nas Notas ao 1º artigo — "Du Naïf", confronte-se: "Kant na "Remarque" da "Analytique du Sublime"(...), distingue igualmente no sentimento do ingénuo estes três elementos, mas dá outra explicação.", ao que segue a transcrição do excerto aludido em Kant. Os três elementos que Schiller menciona como constitutivos desse sentimento particular que é a ingenuidade são: o cómico (moquerie), o respeito (respect) e a melancolia (mélancolie). Cf. Schiller, op.cit., p.69 55A tradução acima transcrita é da minha autoria e segue a versão francesa, por sua vez transcrita por Schiller, na versão francesa da edição de Robert Leroux. Numa edição recente da Critique de la Faculté de Juger, versão francesa de A. Philonenko (ed. J. Vrin, 1989) o texto de Kant é como segue: "La naïveté est un composé de ces deux sentiments: c'est l'explosion de la droiture originellement naturelle à l'humanité contre l'art de feindre devenu une autre nature." Cf. p.161. 56A esta ingenuidade Schiller chamou ingenuidade de surpresa, à qual contrapôs a ingenuidade que perdura, designada como ingenuidade de carácter, a que adiante se alude. Kant considerava ainda que era uma contradição falar-se de uma arte de ser ingénuo, mas que "representar a ingenuidade num personagem poético é uma arte certamente possível e bela, embora rara." Kant, Critique de la Faculté de Juger, p. 161. Na "Introduction" de Robert Leroux à versão francesa da obra de Schiller, Poésie Naïve et Poésie

21

acentuava não dever confundir-se ingenuidade com a "simplicidade franca",

aquela que não toma artifícios com a natureza, "pois ignora o saber-viver".

De Kant, a abordagem do conceito foi retomada e devidamente definida por

Schiller, referência imprescindível na argumentação teorizadora de Almada e

de inúmeras repercussões na sua metafísica do número e na radicação

antropológica humanista da sua estética e teoria da arte.

Na Estética romântica57 o conceito de ingenuidade é imprescindível para a

asserção estética e poética dos valores veiculados na própria criação poética,

designadamente em Schiller e Friedrich Schlegel que, em 1798 considerava

que "Naïf es lo que es o semeja natural, individual o clásico hasta la ironía, o

hasta el cambio continuo entre autocreación y autodestrucción."58 Quando se

tratava de algo relacionável apenas com elementos da ordem instintiva,

achava-se acriançado, pueril, algo imbecil; quando deliberado, surgia a

afectação. Ora, o ingénuo na ordem do estético, da beleza, quer-se

deliberação, ou propósito, e instinto simultaneamente. O que permitia a

assunção de valor intrínseco para a definição da beleza — segundo a

ingenuidade subjacente —, era, precisamente, a liberdade do artista, do

poeta. 1.5. Afinidades entre o pensamento schilleriano e almadiano 1.5.1. A definição de ingenuidade

A influência da teorização de Schiller, reflectiu-se em diferentes aspectos

inclusos na apologia da ingenuidade almadiana. O pensamento do filósofo

alemão, por sua vez, inscrevia-se na apetência, manifesta no início do

romantismo, sobre o restabelecimento dos valores estéticos gregos — no

Sentimentale, ed. Aubier, Paris, s/d., o tradutor chama a atenção para os motivos que antecederam a dedicação quase obsessiva de Schiller ao tema, nomeadamente o facto de ter empreendido em 1793 o seu estudo, "parce que les explications de la naïveté données avant lui, notamment celle que Kant avait énnoncée dans la Critique du jugement, ne le satisfaisaient pas pleinement. Schiller ne songeait alors qu'à disserter sur la naïveté, et la notion du sentimental, (...)"; Cf. op. cit., p.5. Nas Notas apensas ao 1º artigo Schiller depois de ter citado Kant, como acima se salientou, conclui: "Devo confessar que esta explicação não satisfaz totalmente, sobretudo pelo facto de afirmar, a propósito do ingénuo em geral, algo que é válido apenas para uma espécie dele, o ingénuo da surpresa de que falarei ulteriormente."Cf. p.121. 57Cf. a edição de Javier Arnaldo, Fragmentos para una Teoria romántica del arte — Novalis, F. Schiller, Schlegel,..., p.9. Saliente-se o facto da ambiguidade manifesta no pensamento europeu, relativamente à forma, como a teoria romântica, procurava, nalguns casos precisamente refutar os modelos canónicos do classicismo grego, opondo-lhes a expressividade, criatividade e imaginação subjectivista do artista. 58Friedrich Schlegel, "Fragmentos del Atheneum" (1798), in Fragmentos para una Teoria romántica del arte — Novalis, F. Schiller, Schlegel,..., p.137

22

âmbito de uma antropologia estética — e, sob forma ,das suas considerações

acerca da filosofia da história, para resolução da humanidade em queda.

Em Über naïve und sentimentalische Dichtung (1795)59, ao reflectir sobre a

questão da ingenuidade, Schiller estabeleceu na sua poética, a distinção entre

os poetas60 da Antiguidade, que sentiam de forma ingénua, e os poetas dos

"tempos modernos", ou seja, os românticos, que tinham deixado de ser

ingénuos. Os poetas antigos eram ingénuos pois pertenciam a um mundo por

si mesmo ingénuo, no qual se confundiam, enquanto os modernos viviam

num mundo artificial, aspirando reencontrar a natureza perdida.

Em Etwas über die erste Gesellschaft nach dem Leiftfaden der mosaischen

Urkunde (1790), Schiller tinha considerado que "o estado de natureza, era o

estado do homem que, no seio da sociedade primitiva estava animado apenas

pelo seu instinto, guiado apenas pelo seu sentimento."61 Para que o homem,

nesse estado, acedesse à verdade e ao bem — na dimensão transcendental —

bastava confiar no coração. A incidência psicosocietária, vigorava num

mundo carente de dimensão moral, dominado pela avidez e pelo medo: o

homem ingénuo vivia simultaneamente num mundo de inocência, mas de

servidão, ignorância e imoralidade. Ignorava a suprema dignidade humana,

sendo incapaz de honrar outrém.62 Ao romper com o instinto, que até aí o

dirigia, o homem encontrou-se dividido, entre o domínio da perversão e do

bem; a passagem do primado do instinto para o primado do entendimento,

trouxe-lhe as vantagens da cultura e seus inconvenientes. Donde concluir-se

que, nem o homem natural, nem o homem civilizado possuíam a perfeição

ideal — confronte-se com a conclusão moral tirada de "O Diamante". Ainda,

de acordo com os termos educacionais das parábolas de Almada, a solução

59A obra de Schiller que a partir daqui se refere é constituída pelas três seguintes dissertações: "Über das Naïf", "Die Sentimentalischen Dichter" e "Bechluss der Abhandlung über naïve und sentimentalische Dichter, nebst einigen Bemerkungen, einen charakteristischen Unterschied unter den Menschen betreffend", respectivamente "Du Naïf", "Les poètes sentimentaux" e " Fin de la dissertation sur les poètes naïfs et les poètes sentimentaux, augmentée de quelques remarques relatives à une différence caractéristique entre les hommes". Os três artigos foram reunidos em 1800, em Kleinere prosaische Schriften, sob o título Über Naïve und sentimentale Dichtung. 60Segundo Schiller, o poeta era o guardião da natureza. A relação que existe entre ele e a natureza é que determina a alternativa (modalidade) de sua qualificação como guardião da natureza: ou substância ou procura de pertença. Ou ele próprio é a natureza e então é ingénuo, ou procura a natureza, e é sentimental. Cf. artigo 1º "Du Naïf", p. 105: "Les poètes sont partout, de par leur concept déjà les gardiens de la nature. (...)"; e no artigo 2º "Les poètes sentimentaux", p. 127: "Le poète, nous l'avons dit dans notre précédent Essai sur le Naïf, ou bien est nature, ou bien il cherche la nature. Dans le premier cas il est poète naïf; dans le second il est poète sentimental." 61Robert Leroux, "Introduction", in Poésie Naïve et Poésie Sentimentale, p.7 62O estado natural — primado do instinto — corresponde ao estado físico, o primeiro dos três níveis em que Schiller situou o Homem ao longo da história da humanidade, ao nível do seu desenvolvimento e movimentações de mentalidade, nas Cartas sobre a Educação Estética.

23

não estava, nem no retorno à vida natural, meramente instintiva, nem

tampouco no simples uso da razão, da liberdade exclusiva.

Para Schiller, a solução implicava que o homem reencontrasse a unidade, a

simplicidade e a necessidade — próprias — do estado de natureza, em

liberdade. A perfeição ideal situava-se num estado de confluência e acordo

entre a razão e a liberdade do homem, aliadas ao seu instinto. Esta posição,

de síntese axiológica e simultaneamente cognoscitiva, no homem conduziu a

uma segunda noção de natureza63 segundo Schiller, em que a natureza se

caracteriza por ser um estado de unidade e concordância interior na alma

humana, entre o instinto e a razão — à semelhança do estado próprio da

humanidade primitiva. Tratava-se do estado de "naïveté", pelo menos na

acepção da ingenuidade correspondente como surpresa, herdada da

abordagem kantiana, se não fosse considerada em sentido mais amplo.

Schiller distinguiu entre a ingenuidade da surpresa64 (Kant) e a ingenuidade

de carácter, a qual se coaduna à concepção dominante em Almada. A

ingenuidade de carácter, das Naïve der Gesinnung, é em certa ordem

permanente, cujos traços são idênticos aos da beleza anímica ou do homem

estético, nela deixando de persistir a oposição entre sensibilidade e razão,

entre natureza e liberdade. No homem estético age a verdadeira natureza —

pois a natureza é ingénua; ele ajuíza sobre as coisas considerando as suas

relações verdadeiras, não no âmbito do artificial e/ou convencional:

"..comme la belle âme, il possède naturellement la grâce extérieure."65 1.5.2. A ingenuidade como princípio estético

A ingenuidade, como valor estético, suscita admiração enquanto existência

em si mesma, não enquanto forma; predispõe à vivência e suscita um

interesse de ordem intelectual e moral, não apenas uma emoção estética, na

medida em que encarna para as pessoas uma Ideia, "l’Idée de l’existence

nécessaire, autonome, une, harmonieuse et tranquille; cette existence, c’est

63"Os dois sentidos da palavra natureza a que Schiller progressivamente chegou, opô-los em Cartas sobre a Educação Estética e na Poesia Ingénua e Sentimental, sob os nomes de natureza real — wirkliche Natur — e de verdadeira natureza — wahre Natur —. À natureza real, tanto lhe chama natureza bruta — Zustand roher Natur — como natureza afectiva. (...) É a natureza que não foi ainda penetrada pela liberdade e pela razão (...). A verdadeira natureza humana é, pelo contrário, uma grandeza ideal, é a natureza bruta formalizada e estilizada pela razão."(Cf. Robert Leroux, idem, ibidem, p.12) 64 Relativamente à primeira, seria a ingenuidade que, advinda da sinceridade natural, espécie de irrupção no seio do mundo artificial e dissimulação, tornadas para o homem, a sua segunda natureza. 65Robert Leroux, "Introduction", op. cit., p. 11

24

celle qui fut autrefois la nôtre, mais que nous avons perdue et que notre tâche

est de retrouver."66

A posição de Almada surge em consentaneidade com a teorização

schilleriana, ao considerar a ingenuidade um estado anímico, uma atitude

intrínseca, endógena, que cada indivíduo transporta e pela qual deve pautar

todas as suas finalidades e actuações. Almada estendeu a noção de

ingenuidade, concebendo-a legítimo segredo de cada qual, autêntica idade

própria, o seu sentimento livre; considera-a ainda, e essencialmente, a alma

do corpo próprio, a luz intrínseca de toda a resistência moral no humano.

A ingenuidade de carácter, segundo Schiller, estava na criança, pois na

infância não existe artificiosismo ou duplicidade intrínsecas; existe no

camponês e no homem primitivo, pois nestes ainda não se verificavam as

dissidências e discordâncias acima mencionadas na noção de natureza. Mais

considerou ainda Schiller, que era carácter próprio do génio. Ao poeta

competia respeitar a ingenuidade das suas inspirações e sentimentos,

desviando-se de princípios que lhe fossem estranhos, e avançando, "sem

outro guia senão ele próprio, através dos embustes do mau-gosto e as

complicações da arte."

Almada considerou que, mesmo os indivíduos que mais genuinamente

possuíam tal qualidade de existência, podiam ser tentados a usá-la, para fins

deturpados, ao perseguirem tentativas ilusórias, para concretizar intuitos

enganadores. Procediam, sem a verdadeira consciência pessoal, da força e

capacidade profunda da própria ingenuidade, ignorando-lhe a potência

criadora. Considerava raros os ingénuos que persistiam para não abandonar a

ingenuidade, iludidos na facilitação que designou por "esperteza saloia"67.

O conceito de ingenuidade em Almada Negreiros predomina como condição,

capacidade vivencial — princípio antropológico — que proporciona a

criação poética — evoluindo como princípio estético e poético. O elogia da

ingenuidade referia-se primeiro ao Poeta, enquanto ser humano privilegiado

à sua posse e exercício, à semelhança do posicionamento de Schiller.

Acertava-se pela concepção de Poesia, que o poeta alemão sempre manteve

— reafirmada na Poesia Ingénua e Sentimental e anteriormente expressa nas

66Idem, ibidem, p. 11 67 A esperteza saloia representa bem a lição que sofre aquele que não confiou afinal em si mesmo, que desconfiou de si próprio, que se permitiu servir de malícia, a qual como toda a espécie de malícia não perdoa exactamente ao próprio que a foi buscar. Em português a malícia diz-se exactamente por estas palavras: esperteza saloia. "O elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.126

25

Cartas de Educação Estética. Seguia como directriz ética, a aceitação da

tarefa primordial e legítima do poeta que exprimia nas suas palavras a

humanidade, congruente com o seu conteúdo pleno e perfeição ideal.68 As

afirmações relativas à dimensão ideal da poesia implicam um conceito de

Beleza idealizada, que em Schiller, à semelhança de Almada, está imbuído

do compromisso com a Humanidade: "Pela Beleza o homem é conduzido à

forma e ao pensamento; pela Beleza o homem espiritual é reconduzido à

matéria e recupera o mundo sensível."69 Embora sejam evidentes os tópicos

proposicionais, relativos a ambas concepções de Poesia, e considerando as

diferenças constitutivas, verifica-se, segundo Schiller, existir "un concept

supérieur qui les embrasse toutes deux, et on ne s’étonne nullement que ce

concept se confonde avec l’Idée d’hummanité."70 No fundo, trata-se sempre

— de outra forma não poderia ser —, de duas formas de humanidade

diferentes, que tomam formas poéticas específicas, relativamente à expressão

de uma mesma humanidade.

A Beleza cria, efectivamente, no homem um estado intermédio, onde os dois

pólos oposicionais — vida física e inteligência — deixam de confrontar-se

em sentidos contrários, resolvendo-se em harmonia.71 A mesma ideia,

idêntica predisposição se revela no pensamento almadiano, quando entende

que, enquanto criadores, a acção dos poetas, ou melhor, dos criadores, dever-

se-ia realizar em estado de ingenuidade. A concepção de Almada sobre a

ingenuidade, segundo estes termos, insere-se na ordem genésica, tomada

como propiciadora da criatividade intuitiva, única e verdadeira, porque

emergindo no poeta-homem em estado "natural".

Neste sentido, em Almada, a ingenuidade — como concretização

generalizada — seria utopia, nomeadamente, se confrontada com a intenção

68"... o conceito de poesia não é outro senão a faculdade de dar à humanidade a sua expressão mais completa posssível..." Cf. Poesia Ingénua e Poesia Sentimental, 2º artigo "Os Poetas Sentimentais", p. 129. 69Schiller, Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, Carta XVIII, p.89. A definição do conceito é diferente, consoante estava afecta ao primeiro estado do poeta — de simplicidade natural —, ou ao segundo, o determinado pela cultura. No primeiro caso, a imitação mais completa possível é o intuito expressional desejado, na medida em que se adequa o estado do poeta, pois ele próprio está em harmonia com a natureza, é em verdade. Quanto ao segundo caso, considerando que a cooperação harmoniosa da sua natureza era apenas ideia, então procurava-se a elevação da realidade ao ideal, ou seja, era a representação do ideal que devia ser substância do próprio poeta. Cf. op. cit., pp.129-131 70Schiller, "Os Poetas Sentimentais", op. cit., p.131 71De acordo com a leitura que se faz de Schiller nas Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, "A beleza deve unir os dois estados opostos, suspendendo assim o antagonismo entre ambos. A essência da beleza é a liberdade, entendida como sentido harmonioso das leis, e suprema necessidade interior. Por meio da beleza, o homem é conduzido à forma e ao pensamento; é reconduzido à matéria e recupera o mundo sensível. A beleza liga os dois estados opostos que nunca se podem unir. Mª de Fátima Lambert, "Aproximações a uma definição da educação estética e da “formação de gosto”, Revista Portuguesa de Filosofia — Filosofia e Educação II, Janeiro-Junho - Tomo XLIX, 1993, Fascs. 1-2.

26

intrínseca que o poeta devia cumprir. Ingenuidade assim, seria apenas caso

de alguns, e não de todos os poetas. Para que todos os outros acedessem à

unidade pessoal individual, haveria que passar pela via intersubjectiva e pela

via evocativa (e recuperadora) da ingenuidade como consciência, como

percepção imanente, não necessariamente como estado permanente.

Em Almada, a revitalização do estado de ingenuidade, força única para a

unidade, era condição indispensável para a criação poética, surgindo com

propósito e instinto gerados em liberdade, alcançando proporções últimas,

para a constituição existencial do próprio homem.72 No significado mais

profundo, a "ingenuidade" é a:"...força vital de puro sentido poético, origem

e sangue da própria luz, terrível e bela como tudo o que vive" 73 e, portanto,

"representa em si o estado de pureza em que é possível a Poesia".74

De acordo com a directriz moralizante de Almada, a definição,

suficientemente reveladora para o público, do conceito de "ingenuidade"

revelou-se problema de valor gnoseológico, contextualizador do poético75,

com implicações éticas irrevogáveis. Constituiu-se em modalidade de

conhecimento, não das coisas e do mundo, entendido apenas como

abstractamente objectivado, respectivamente, nas próprias coisas e no

mundo, mas em ambos, como indicadores intrínsecos da pertença do homem

a si mesmo, no mundo, veiculados pelo poder da palavra, pelo poder do

nomear — situação centrípeta em Nome de Guerra.76 No domínio

antropológico, um conhecimento de ordem tão profunda passava

necessariamente pela condição sensível — e emocional — disponível, que

72"Aquele que nasceu livre não ignora nem combate os preconceitos, não perde o seu tempo com estas realidades forçosas dos outros, e pelo contrário, esclarece a sua própria ingenuidade, torna-a simpatia ou repulsa, amor ou ódio, e, com ingenuidade, com simpatia e com amor, com repulsa e com ódio, constrói realidade poética, essa a cuja luz nenhuma outra realidade resiste." "O elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.149 73Idem, ibidem, p.118 74Idem, ibidem, p.124. Como considera Celina Silva: "Impõe-se um estado, vivência específica, busca construtiva, onde a cada momento o processo de eclosão da linguagem no seu devir primeiro e último de poesia se cumpre." Cf. "Rotas e posturas em demanda da ingenuidade — do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras, Línguas e Literaturas, II Série, vol. IX, 1992, p.177 75Em Jacques Maritain a propósito da "inocência" de Dante, refere que "La naïveté bénie de Dante est si profonde que — au niveau pré-conscient de la créativité, dans les plus profonds recès nocturnes de l'intuition poétique — il croît réellement à cette unique et multiple identité. Sans cette croyance centrale toute sa poèsie l'aurait quitté." Parece não ser abuso de reflexão, dizer que a ingenuidade é o estado privilegiado da intuição criadora, o que articula com as considerações fundamentais de Almada acima desenvolvidas. Cf. op. cit., p.356 76Cf. Ellen Sapega, Ficções Modernistas — um estudo da obra em prosa de José de Almada Negreiros 1915-1925, quando considera que a "arbitrariedade do nome" é um problema de identidade, face às representações sociais que são impostas. No nascimento de um novo ser físico, exige-se-lhe a denominação, a atribuição de um nome, ideia expressa aliás pelo próprio Almada em Nome de Guerra: "As pessoas põem nomes a tudo e a si próprias", título do 1º Capítulo do romance, o que evidencia bem a importância que lhe reconhecia. Cf. Sapega, op. cit., p. 102

27

somente a ingenuidade proporciona e revela para fora, na linguagem da

poesia: "Porque na ingenuidade tudo é de ordem emocional. Tudo. O que

não acontece com as outras espécies do conhecimento onde tudo é de ordem

do intelectual."77

A força da ingenuidade baseada nas forças da ignorância — algo

profundamente íntimo e individual —, resolvia a falta de conhecimento com

as potencialidades do "instinto de inteligência", como o denominou

Fernando Pessoa78; a ingenuidade configurava-se memória íntima,

constituída essência poética. Este tipo de conhecimento pertencia ao

património colectivo, opondo-se ao exclusivamente instintivo e intuitivo —

propriedades individuais, pelo que Almada distinguiu este do conhecimento

afecto ao estado de ingenuidade. Acentua-o, exclusivamente de ordem

emocional, e compreende a articulação desse conhecimento na ordem do

afectivo (leia-se "emocional") com "...as pontas de meada intelectual"79, que

possibilitam a verdadeira criação poética e artística, pois: "...o essencial no

emocional é expressar-se. É então quando vem a Arte para servir o seu único

fim: o Homem."80 A ingenuidade — na ordem do instintivo e do intuitivo —

"apreende imediatamente o objecto, a inteligência, mediante um processo

lento de análise, retarda-lhe a apreensão."81 Pelo que será o estado e o

conhecimento mais adequados para que a força da Arte revele a vida, sendo

um processo intelectual e um conhecimento em estado de recepção. O

conhecimento dito intelectual não devia assumir-se como oposto, mas ao

serviço exclusivamente, por natureza, do emocional, ideia que Almada

salvaguardou, atribuindo ao "ingénuo" faculdades próprias de conhecimento,

as quais, ainda que anteriores à consciência, definiam "agora para depois os

seus mundos privados do inteligível e do sensível. E, estas faculdades

77"O elogio da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.126 78Fernando Pessoa aborda esta concepção num fragmento datado de 1932 sobre "Goethe" ao considerar que: "O Homem de génio é um intuitivo que se serve da inteligência para exprimir as sensações." Nesse mesmo excerto Pessoa compara a criação do génio a um processo alquímico, o que se concilia com a dimensão esotérica preponderante em Almada: "O génio é uma alquimia. O processo alquímico é quadruplo: 1) putrefacção; 2) albação; 3) rubificação; 4) sublimação. Deixam-se, primeiro, apodrecer as sensações; depois de mortas embranquecem-se com a memória; em seguida rubificam-se com a imaginação; finalmente se sublimam pela expressão." Cf. Obras em Prosa, p.269 79 "O elogio da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.126 80Idem, ibidem, p.126. Quanto ao próprio tom do discurso de Almada Negreiros, por si representante das teorizações acerca da força constitutiva da ingenuidade na poesia, Jorge de Sena in "Almada Negreiros Poeta" evidencia como "uma característica profunda da linguagem de Almada Negreiros, que é a de uma simplificação no sentido, não dum primitivismo propriamente, mas do que nós poderíamos dizer duma sofisticação da sua simplicidade. É na simplicidade, extremamente sofisticada, em que as coisas profundas parecem ditas sempre por acaso." Cf. p.227. 81Duilio Colombini, Almada Negreiros, p.40. O conhecimento intuitivo, baseando-se no instinto, possui um "carácter imediato, compreensivo da totalidade do objecto a que se volte, de cuja essência tende facilmente a inteirar-se; a inteligência, por ser analítica, tende a afastar-se dessa essência pela multiplicação dos aspectos ligados à causalidade do objecto cognoscível." CF. op. cit., p.39

28

próprias de conhecimento inato do "ingénuo" seriam actos de crença

revelada e não comunicada por outrém."82

Da cumplicidade entre o intelectual e o emocional, nasceu a categoria

estética de Graça, palavra latina que tem tanto de poético, quanto de

sagrado. A Graça estava por excelência na ingenuidade, permitindo a

assunção pessoal ao indivíduo: "A Graça é pura essência emocional sem

nenhuma cicatriz intelectual. A Graça é a chegada triunfal do conhecimento

ao Homem determinado. É o prémio do esperar. É a transfiguração do

indivíduo em pessoa."83 A supremacia da ingenuidade como categoria

estética por excelência, transfigurada em Graça, mesmo em Sublime,

implícita em Almada, concorda com Schiller, quando o poeta alemão

afirmava propiciar os pensamentos mais profundos, visionários e divinos nos

"génios", à semelhança dos expressos na inocência da criança:

La mentalité naïve entraîne nécessairement aussi un langage de paroles et de gestes qui est naïf lui aussi et qui est l’élément essentiel de la Grâce.84

Schiller, a propósito da noção de graça colocou, basicamente, a questão da

autenticidade na expressão, ao considerar que o entendimento ministrado

pelo ensino, na escola, às crianças, "parce qu’il redoute toujours l’erreur,

encloue ses paroles comme ses concepts sur la croix de la grammaire et de la

logique."85. Então, contrapõe a este tipo de procedimento formal para o

entendimento, a atitude e conhecimento — pela via da expressão —, do

génio que "d’un seul coup de pinceau heureux donne à sa pensée un contour

à jamais précis, ferme et pourtant tout à fait libre." 86

Entendida como conhecimento de ordem emocional87 e no domínio do

intelectual, a ingenuidade encontra-se na síntese, na unidade que incentiva a

82"Mito-alegoria-símbolo", Ver, p.272 83"O elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.126 84Schiller, Poésie Naïve et Poésie Sentimentale, "Du Naïf", p.87 85idem, ibidem, p.87. A ingenuidade é um estado que promove uma atitude de autenticidade, na ordem do espontâneo, revertendo a sua expressão em termos efectivamente tradutores da vivência que se pretende transmitir através, neste caso, da palavra por aferição ao objecto/conceito a expressar. Trata-se, portanto, de uma via de conhecimento afecta a uma ordem outra, em que predomina a expressão primordial de quem exprime. 86Enquanto no primeiro caso, o signo permanece eternamente heterogéneo e estranho à coisa significada, no segundo, a linguagem jorra do pensamento, por necessidade interior. O signo identifica-se tão intrinsecamente com a coisa significada que "mesmo sob o seu invólucro material, o espírito aparece a nu." Idem, ibidem, pp.87-89 87Confronte-se a posição de Celina Silva a propósito, que envereda, necessariamente, pela mesma acepção: "O conceito de Ingenuidade, lúcido e voluntário estado vivencial, adquire uma dimensão mito-poética onde a

29

expressão da individualidade, naqueles que não poetas. A ingenuidade é

segredo de cada um, pertença da sua verdadeira idade, seja ela qual for:"...é o

seu próprio sentimento livre, é a alma do nosso corpo, é a própria luz de toda

a nossa resistência moral."88 Um conhecimento que, como também Almada

sempre o promoveu e anunciou para si e para os outros, não precisa de seguir

determinismos formais — em termos de ensino —, nem qualquer sujeição à

regulação do pensamento em moldes convencionais. É um conhecimento,

por excelência, no domínio da "aiesthésis", no sentido originário, entendido

como proveniente de um campo profundo, do próprio sujeito que exprime

em convicção e consentaneidade de pensamento, sensação e expressão.

Privilegiados para o exprimir eram os génios, os poetas, porque propensos a

recuperar a atitude, vivência — erlebnis — mais comum na infância. 1.5.3. O estádio estético e o estado de ingenuidade

A recuperação, no entender de David Mourão-Ferreira, teria não tanto uma

intenção e concretização regressivas — um regresso, ou retorno —, mas uma

dimensão prospectiva, pelo que o "primitivismo" proclamado por Almada,

caso de "Pierrot e Arlequim", (e a propósito das esculturas de Rodin), se

situava — por analogia ao escultor —, na "...nossa época em que a

humanidade abre caminho para uma nova idade da qual nós seremos os

primitivos."89 Almada reafirmou em 1924, a convicção do caminho pela

experiência de um estado de "primitivismo" possuidor, em termos

epistemológicos, de nítida afinidade à definição do estádio estético em

Schiller nas Cartas de Educação Estética. Ideia que se coadunaria ao

posicionamento de David Mourão-Ferreira: "Tratava-se, portanto, de um

"primitivismo" que não é "regresso", tão-pouco nostalgia da barbárie: antes

travejamento e plataforma para um "humanismo" do futuro."90

Schiller atribuiu ao poeta a missão de educador da humanidade, a mais alta

dignidade para a Arte. O poeta moderno só cumpriria essa missão, se

ultrapassasse a perversão do estado civilizado e acedesse ao estado de

ingenuidade. Assim, seria reintegrada no seio da humanidade, a totalidade

primitiva — a inocência, a candura —, de que se afastara. O espírito poético

imortal na humanidade só desapareceria, totalmente, se a própria

espontaneidade, aliada à dádiva generosa, se institui via de conhecimento." Almada Negreiros — a busca poética da Ingenuidade, p.18 88"O elogio da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.150 89"Pierrot e Arlequim — Comentários", Teatro, p.66 90David Mourão-Ferreira, "Saudação a Almada Negreiros", Hospital das Letras, p.141

30

humanidade se perdesse a si mesma, ideia concordante com a argumentação

almadiana91 acerca, quer da condição intrínseca da humanidade,

proporcionada pelo mito da queda — mítico-poética —, quer pela sua

redenção em cada caso individual, pela reinvenção da ingenuidade.

O poeta ingénuo de Schiller, que Almada accionou em si, ao inventar o

protagonismo paradoxal de Antunes, teve de superar as vivências múltiplas

que o desviavam da sua demanda. Assim, em Antunes, houve que escapar às

armadilhas da própria ingenuidade, e não apenas à sua perda, de modo a

alcançar "um dificílimo equilíbrio", embora Almada como criador "natural e

espontâneo (...) em tudo quanto faz é sempre idêntico a si próprio."92 No

artista, havia que conciliar os termos constitutivos da realidade intrínseca ao

humano, e retomar as formas utópicas dessa mesma humanidade, via

possível pela criação da poesia.93

À semelhança da génese divina, o poeta ingénuo sustentava a sua obra nas

profundezas da necessidade interior, enquanto criador, "Il est l’oeuvre et

l’oeuvre c’est lui"94, sem clivagens, dissidências ou opacidade. Schiller

tomou para paradigma do poeta naïf, o exemplo dos primeiros poetas gregos,

fazendo corresponder a sua época ao dos poemas homéricos.

A preocupação pela formulação da verdade, vinculada na obra de Homero —

pese embora as mitificações que se lhe reconhecem —, era demonstrativa de

um indivíduo que viveu nesse estado de natureza, a que Schiller se referiu,

como já anteriormente Giambattista Vico o fizera, e como Almada lhe

reconheceu ser personalidade. Nele, por analogia ao que sucedia com o

génio, e seguindo as palavras de Schiller, "dans les oeuvres de son esprit,

l’innocence du coeur dans les relations de la s’exprime librement et

naturellement."95

91Verifica-se, portanto a afinidade com a posição de Schiller, na medida em que a nostalgia da humanidade perdida, nunca seria recuperada como outrora fora, nem o poeta voltaria a ser exactamente o mesmo tipo de poeta naïf, embora se pretendesse novamente o pintor do mundo ideal, assumindo o seu instinto forte e indestrutível — o instinto moral que o faz sempre retornar à natureza. Segundo Anatol Rosenfeld no Prefácio à versão brasileira de Cartas sobre educação estética, "Há uma circularidade ou espiralidade da coreografia conceitual que transforma retrocesso em progresso. O retôrno à natureza, como vimos, já não se refere à mesma natureza original, visto que no caminho foram percorridas todas as fâses da consciência. Já não se trata daquela natureza com que o homem físico começa e sim daquela com que o homem moral termina." Cf. p.23 92Idem, ibidem, p.141 93"A Poética da Ingenuidade consigna-se procura, reflexão vivida acerca do verbal encarado enquanto experiência e perseguido em experimentação;(...)" Celina Silva, Almada Negreiros — a busca poética da Ingenuidade, p.18. Cf. a ideia de Schiller, expressa por Robert Leroux: “O poeta naïf é um poeta realista que, envolvido por uma humanidade perfeita, mais não tem do que reproduzí-la, para ser, ao mesmo tempo que realista, o pintor de um mundo ideal; é, portanto, a seu modo, idealista também.” Cf. op. cit., p.15 94Schiller, Poésie Naïve et Poésie Sentimentale, "Du Naïf", p.105. 95Idem, ibidem, p.89

31

Constatam-se alguns aspectos que urgem sublinhar: em Schiller, pelo menos

aparentemente, o civilizado opondo-se ao natural, tomou proporções que

desvirtuaram o estado natural do homem, retirando-lhe as condições de

ingenuidade. Em Almada: "Antiga e "ingénua", eis como nascera toda a

civilização e toda a religião. E "Creta é mãe de toda civilização e de toda

religião em terra grega.""96 O início da civilização na perspectiva de Almada

coincide precisamente com o primado da ingenuidade a que Schiller se

referiu: nesse momento da humanidade o homem tomou conta de si mesmo

para começar a deteriorar o seu estado, embora, os gregos dos primórdios

civilizacionais tenham sabido evitar essa derrocada. Precisamente em Mito-

Alegoria-Símbolo, Almada cita Schiller, na versão que se transcreve:

"Os gregos não ocuparam a imaginação senão em reencontrar a relação humana na natureza inanimada (em oposição ao homem) e em emprestar uma vontade lá onde reina a cega necessidade", diz Schiller na Poesia Ingénua .97

E, continuava Almada as suas reflexões, referindo-se ao facto de, nas

palavras de Schiller se manifestarem ambas as palavras do logos e do

mythos, "pois o antropomorfismo foi modo da ficção pôr humanos por

divindades em oposição à vontade do homem."98 Neste sentido, são da maior

pertinência as considerações de Celina Silva, ao acentuar que "A

Ingenuidade, procurada e concretizada mediante o seu buscar textualizador,

corporiza uma cosmovisão mito-poética de raiz romântica(...)."99 É,

precisamente, nessa conciliação em que o ingénuo incorpora

constitutivamente logos e mythos ,que se configura a acepção substantiva

de Almada, entendendo-se a civilização emergente, em estado de

ingenuidade, impoluto de artificiosismo e opacidades ocultadoras do ser

primordial, da essência que é o acto poético — verdadeira poiésis : "...a

mesma antiga substância "ingénua" que torna possíveis todas as sabedorias

nos tempos.(...) [a] mesma antiga substância e que permaneceu "ingénua"

96"Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.247; saliente-se que a frase que inicia por "Creta é mãe...", se apresenta entre aspas no texto do próprio Almada, com indicação de nota 2), embora a referência de citação não forneça elementos quanto à proveniência de autor citado por Almada, pois tem o conteúdo que segue: "Citação actual (?)". 97Idem, ibidem, p.248. Confrontando a versão francesa de Poèsie Naïve et Poèsie Sentimentale atenda-se à tradução realizada por Robert Leroux do excerto que Almada cita de forma livre:"...l'imagination des Grecs est tout au contraire occupée à faire commencer la nature humaine dans le monde inanimé déjà et à concéder de l'influence à la volonté dans un monde où règne une aveugle nécessité". Cf. "Du Naïf", p.99 98"Mito, Alegoria, Símbolo", Ver, p.248 99Celina Silva, "Rotas e posturas em demanda da Ingenuidade — do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras — Línguas e Literaturas, II Série, vol. IX, 1992, p.173

32

através de conquistadas sabedorias poética e reflectida."100 E na praxis da

sua poesia — acto de criação — Almada usou a sabedoria da ingenuidade: "... perdido que foi o instante da presença irrepetível a que Heráclito sabia luar imprevisível inaudita claridade o despertar-nos à Luz ingenuidade sagrada lúcida ingenuidade realidade querida espectáculo podido guardado inteiro em ovo eterno secreto novo..."101

Na intimidade do mundo, em que existiram os gregos dos tempos homéricos,

na plena pertença à natureza que os homens dispunham, entre "celui qui

existe par lui-même et celui qui existe par l’art et par la volonté humaine"102,

não havia diferença, por causa do amor que, utopicamente, Schiller

considerava, todos votavam à natureza.

Embora privilegiando a ingenuidade como categoria estética — pela via

antropológica —, na sua teorização, Almada conciliou-a ao pensamento

grego posterior, revelado nos ensinamentos, nomeadamente, acusmáticos dos

pitagóricos, e estes princípios fundadores transmitidos nas considerações

platónicas e aristotélicas. Contudo, de Schiller, Almada reteve a consciência

100"Mito, Alegoria, Símbolo", Ver, p.247. Atenda-se à distinção explicitada por Almada entre ingenuidade inicial e ingenuidade reflectida, que correspondem respectivamente à sabedoria poética e à sabedoria reflectida, quando a propósito dos monumentos dóricos e jónicos, os toma como emblemas de uma e outra, na matriz da arquitectura grega:"...Desde séculos que nos monumentos dórico e jónico já estava também o "tentado e construído", o "edificado", o "realizado", mas o "encontrado" foi resvés ao oráculo de Delfos, e "no centro da Grécia", no sopé do Parnaso, no fim ao lado do início, precisamente como o fechar do SISTEMA com a ingenuidade reflectida, recuperando a ingenuidade inicial." Cf. Almada Negreiros, Ver, "Dórico, cânone da ingenuidade", p.202. 101"Presença", Separata de Bicornio, Abril 1952, p.7. Esta ideia do ovo como receptáculo do ser pessoal, fonte de origem individual no mundo, relaciona-se com uma das acepções dominantes na tradição hermética, sendo considerado como "ovo órfico", termo aliás empregue por Almada Negreiros no excerto "A Lira, primado da vista, primado da Luz", in Ver, cf. pp.164 e 165. Ao referir-se à remota origem da inseparabilidade do sagrado e sensível representada na "lira" de Apolo, (as 8 cordas correspondem aos quatro engendradores, dois do sagrado e dois do sensível, pressupondo dois engendradores anteriores para cada — o que soma 8), designa-a como "ovo órfico", "o ovo do Universo", "a Génesis do Universo". "Orpheu não confia no seu presente que é Euridice e fica com o anterior à sua engendração, o ovo órfico."(p.164) Segundo o Dictionnaire des Symboles, para os órficos, adeptos do renascimento, retorno periódico à existência, era proíbido comer ovos, na medida em que estes costumavam ser oferecidos aos mortos como alimento, como penhor para o renascimento. O ovo ligaria a vida na terra ao ciclo dos renascimentos, de que a vida tenderia a escapar-se, confirmando-se assim a significação fundamental do ovo como mágico, da origem da vida na terra. Cf. op. cit., pp.689-692. 102Schiller, Poésie Naïve et Poésie Sentimentale, "Du Naïf", p.97. Cf. a mesma ideia em Schiller, Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, Carta VI, p.46

33

da extensão — e direito de expansão —, e da autenticidade deste pensamento

"ingénuo"103, acedendo ao conhecimento supremo, reconheceu o aviso das

fronteiras onde terminava, quando passava a ser divagação cada vez mais

afastada do cânone substancial.

O que Schiller pretendia atingir, na sua análise da história da humanidade, à

luz do conceito de ingenuidade era um novo "estado natural", onde todo o

desenvolvimento espiritual e moral estivessem contidos, um estado de

conciliação dos opostos, pois "Como o alquimista, é pela dissolução que o

filósofo encontra a unidade, é pelo martírio do raciocínio técnico que

encontra a obra da natureza espontânea."104

Nas Cartas, Schiller estabeleceu a evolução da humanidade, que trazia o

homem do estado físico até ao estado moral, passando pelo estado estético,

que seria um estado transitório, intermediário. A definição do estado estético,

relativamente ao estabelecimento das três idades — numa abordagem afecta

à filosofia da história —, está explícita na Carta III105, tendo sido o carácter

utópico do seu conceito de educação estética muito criticado, "assim como a

tendência apologética visível nas Cartas que, de certa forma, pregam a

resignação em face de um estado de cousas violentamente criticado e

recomendam que se suporte o que o próprio Schiller julga detestável."106

Verifica-se que, ao longo das Cartas, o seu pensamento sofreu algumas

inflexões, que o levaram a reconsiderar a natureza e extensão do estado

estético, conferindo-lhe a substância de fim último, até que surgisse o

"homem estético", esse ideal absoluto, senhor do estado lúdico, único, em

que o homem seria íntegro e verdadeiramente homem. Como sublinha

Rosenfeld, o homem seria ele próprio uma obra-de-arte, tomaria a forma de

uma verdadeira obra-de-arte, pois resultaria das novas conquistas do

caminho percorrido pela humanidade até à assunção do homem estético.

A proximidade à atitude enraizada em Almada é manifesta, promotora da

unidade como resultante da síntese conciliatória entre termos,

tradicionalmente, oposicionais. A superação da dicotomia, a procura

103"A intuição ingénua, neste poeta moderno [Schiller], não pode deixar de referir-se à ideia." Prefácio de Anatol Rosenfeld à versão brasileira de Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, p.12. 104Schiller, Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, Carta I, p.34 105O estado estético seria "um terceiro caráter, aparentado com os outros dois, que estabelecesse a ponte do domínio das simples forças para o das leis, e que, longe de impedir a evolução do caráter moral, desse à moralidade invisível o penhor dos sentidos."Schiller, Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, Carta III, p.39 106Anatol Rosenfeld, Prefácio a Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, p.22

34

incessante da conciliação, no âmbito da sua estética antropológica manifesta-

se também nos termos com que define a ingenuidade, enquanto directriz

intrínseca, que constitui a via de criação do poeta, do artista.

A utopia estética, ânsia dominadora, sob a qual o pensamento de Almada foi

elaborado, representava a superação exigida ao homem/poeta,

restabelecendo-se, em si, a humanidade perfeita e una (integra) que fora

desfeita pelos "dilaceramentos da civilização especializada". O estado

estético da humanidade, no contexto da filosofia da história, situava-se como

meta última e primeira; era a utopia estética que se anunciava a partir da

evolução do filósofo alemão, ao longo das suas Cartas sobre Educação

Estética.107 No estado estético de Schiller, como na superação pela

ingenuidade da cisão da personalidade em Almada, a ingenuidade renascida

domina a nova ordem de conhecimento, concebido pela criação; seria a fonte

da completude e unidade do homem que cumprida a educação estética, essa

suprema via para a redenção da humanidade, traria uma nova salvação.

A educação estética significa em Almada o verdadeiro conhecimento

encontrado, pois apenas saber "é pouca coisa para quem conhece. O saber

desencanta o mistério. O conhecimento vive cara-a-cara com o mistério."108

A educação estética é domínio em que o conhecimento verdadeiro é "a

ingenuidade, e esta não serve a quem busque saber. A ingenuidade é o

resultado de nos termos abandonado asceticamente à nossa simpatia. É por

simpatia que surgem as faculdades mágicas do mistério exactamente em

Nós."109 1.5.4. Conclusão

O equacionamento da "ingenuidade" como categoria estética, e via

privilegiadora do poético, concerta-se com a funcionalidade artística do

conceito no pensamento europeu ocidental, ao tempo inaugural da

modernidade, momento em que a emergente consciência do moderno se

107As grandes preocupações estéticas, expressas por Schiller nas Cartas, têm a ver com o comportamento estético do homem, entendido como colmatar de toda a sua actuação psicossocial e política. "A luta travada ao longo das vinte e sete Cartas transcorre entre o “ser físico” e o “ser moral” e apenas se poderá resolver num terceiro ser, espécie de intermediário, que denomina precisamente por “ser estético”. A natureza deste terceiro ser é contudo transitória, uma vez que se deve compreender como uma etapa de passagem do ser físico (sensível) para o ser moral (espiritual)." Cf. Mª de Fátima Lambert, "Aproximações a uma definição da educação estética e da “formação de gosto”, Revista Portuguesa de Filosofia — Filosofia e Educação II, Janeiro-Junho - Tomo XLIX, 1993, Fascs. 1-2. 108"Prefácio ao livro de qualquer poeta", Poesia, p.39 109Idem, ibidem, p.39

35

manifestou por um duplo impulso: por um lado, um movimento retrospectivo

em direcção à origem, por outro, a procura do futuro, ou seja, traduziu-se na

vontade de regresso ao primitivo e na construção do progresso científico. Em

termos críticos, a oposição entre ambas direcções, entre ambas as tendências

é apenas relativa em aparência, "pués también el deseo de retorno se orienta

hacía el porvenir"110, comungando o intuito de romper com a continuidade da

tradição estabelecida, ignorando as suas regras, de modo a estipular um novo

começo. O primado do retorno — diligências e deliberação nesse sentido —,

da reinvenção dos valores primitivos e inocentes, manteve-se — na sua

forma dialéctica —, por sucessivas ideologias estéticas e críticas, ocorrendo

também no domínio das artes, estendendo-se assim às primeiras décadas do

século XX. A ingenuidade foi uma exigência da modernidade que Almada

tomou, a partir das suas próprias predisposições, "apoiado no seu mito

pessoal, transfigurá-lo-á em invenção de modernidade enquanto vontade de

origem e originalidade, já anunciada e inscrita, por Rimbaud e Nietzsche, na

dinâmica da cultura europeia.111

O estado de ingenuidade, conatural ao homem deveria ser "efectivado",

segundo se pode presumir, dadas as circunstâncias realizadoras susceptíveis

de superar os fenómenos a desenrolar. Ao referir-se ao estado de

ingenuidade como estado natural ao homem, não reflectiu apenas sobre o

conceito em abstracto, mas nas repercussões sentidas na realidade,

manifestas (ou latentes) nos fenómenos vividos por cada um, cumprindo o

sentido do colectivo e recuperando a unidade pessoal no mundo.112 A poética

da ingenuidade em Almada "radica na procura, em si mesma constituinte e

constitutiva, de um modo de se situar no universo, de ser o próprio através da

arte; instauração de um eu pleno, institui-se na concomitância da prática do

poético."113

O contexto artístico em que Almada recuperou a definição antropológica da

ingenuidade, propunha-se resposta contra o procedimento sistemático dos

artifícios da Arte académica, institucionalizado através das regras e normas

estilísticas, mas sobretudo imposto pelos condicionamentos sociopolíticos da

época (referência aqui às duas primeiras décadas do século). Nesta

110Guillermo Solana, "Crítica y Modernidad", Historia de las Ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, p.322 111Eduardo Lourenço, "Almada, ensaísta?", Almada — Actas do Colóquio "Almada" , p.80 112 O destino pessoal é individual, assim "como são individuais todos os berços na Natureza." Cf. "Dórico, Cânone da Ingenuidade", Ver, p.200 113Celina Silva, "Rotas e posturas em demanda da ingenuidade — do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras, Línguas e Literaturas, II Série, vol. IX, 1992, p.174

36

perspectiva, o decisivo investimento pessoal que competiu aos protagonistas

no Modernismo — Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Fernando Pessoa,

Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal e outros — assumido perante uma

sociedade portuguesa "leptidóptera", pouco propensa a alterações, achou-se

na "ingenuidade" comportamental — como utopia — das blagues e

performances dos protagonistas, num período em que o escândalo antecedia

um relativo e posterior sucesso!

2. Estética Artística 2.0. Introdução

A arte emergente nos primeiros anos do século XX, em Portugal, (à

semelhança do que também sucedia no resto da Europa), suscitava

complexidade em termos de recepção, quer a nível de interpretação, quer de

apreciação axiológica — nomeadamente, exigia uma formação artística e

conhecimento estético suficientes para a devida contextualização cultural.

Ao adoptar novas linguagens poéticas e plásticas, preteriu modelos

instituídos e avançou para valores que transcendiam os limites do

reconhecível, habitualmente apresentado nos domínios da criação artística.

As enunciações ou especulações teóricas, pretendiam conferir legitimidade

estética — poética e/ou artística — às obras realizadas, missão inteligente

partilhada por Pessoa e Almada, entre as doutrinas mais consistentes da

época. O teor elitista, equacionador das doutrinas, o hermetismo de

linguagem, ou pelo menos, a requintada elaboração de pensamento,

sobretudo no caso da estética pessoana, restringia a compreensão dos novos

desígnios criativos. A assunção pública e a autoconsciência, por parte dos

protagonistas mais destacados, de uma axiologia de exigência extrema, quer

nos discursos, quer nas produções, foram proclamadas por Pessoa quando

sintetizou a intenção estética comum: "Em Arte tudo é lícito desde que seja

superior."114

114Fernando Pessoa, Páginas de Estética, Teoria e Crítica Literária, p.130. Brevemente pretendem-se expor os termos mais abrangentes que orientaram uma das concepções subjacente na estética pessoana, justificada a sua enunciação, pela intenção, pela sua acção sustentadora achada nas reflexões de Almada, ao procurar uma afirmação pessoal na Arte, pela Arte, transcendendo a subjectividade como limite e restrição à vida e à humanidade.

37

A arte que Fernando Pessoa propugnava, confrontando-se pelo exercício e

transfiguração criativos, subsumida na teorização explicitada, manifestava

afinidade com a concepção de Ortega y Gasset, denominada por

"deshumanização da arte".115 Ortega considerava a arte moderna uma arte

impopular por essência, mesmo antipopular, pois dirigida a um grupo

exclusivo, vedada ao público que não sabia — ou podia — entendê-la 116; por

outro lado, denunciava o facto das criações artísticas modernas serem

concebidas sem intuito valorizador do humano, contrariando qualquer

propósito associado a valores éticos e antropológicos evidenciados.

Relativamente a esta crítica, focada no papel deshumanizador da arte, já se

marcava a distância em relação ao posicionamento pessoano que não se

reconheceria certamente nela, na medida em que "elevação" não significava

desprendimento dos valores, antes exigência realizadora do próprio homem e

da vida.

A classificação das artes estabelecida por Fernando Pessoa supunha três

tipos/níveis de arte: arte de entreter, arte de embelezar e arte de elevar.

Níveis que tendiam para a afirmação elitista da arte: elevar era a finalidade

suprema, o mais nobre e último objectivo da arte que ultrapassava o

"entreter" e o "embelezar".117 A arte que elevasse, porque suprema, era

profundamente triste, e pretendia "libertar", embora devendo agradar,

entreter e elevar superiormente: "A Libertação é uma elevação para dentro,

como se crescêssemos em vez de nos alçarmos."118

A concretização artística ambicionada, respondeu ao impulso inovador: "A

nossa arte é supremamente aristocrática, ainda, porque uma arte aristocrática

se torna necessária neste outono da civilização europeia,..."119 A ideia de uma

arte superior que contrariasse a facilitação e a vulgaridade do nível

intelectual predominou nas décadas vanguardistas, imbuídas de altos

propósitos, procurando um culto requintado de conceitos e intencionalidades

a impor. A arte expunha uma existência e uma missão muito concretas, a

cumprir: "Aquilo a que se chama arte moderna, aquilo que é por enquanto a

arte moderna, é apenas o princípio de uma arte - ou antes, a transição entre

115Cf. La Deshumanización del Arte, El Arquero, Madrid, pp.16-30 116"Na minha perspectiva, a característica desta arte nova, no ponto de vista sociológico, é que divide o público em duas classes: os que a entendem e os que não a entendem. (...) A arte nova não é para toda a gente, como o romântico, mas sim se dirige a uma minoria especialmente dotada.(...)" Ortega y Gasset, op. cit., p.16 117Cf. Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, pp.123-124 e p.139; e T.C.I., p.279 118Fernando Pessoa, Páginas de Estética, Teoria e Crítica Literária, p.30 119Idem, ibidem, p.159

38

dois estádios da evolução civilizacional: Entre o chamado Romantismo e a

arte que vai agora caminhando rapidamente para o seu auge."120

Na acepção estética de Fernando Pessoa, o fundamento teórico ao processo

artístico transposto nas artes ditas de "elevar"121 foi acompanhado,

simultaneamente, da progressiva ascensão para o domínio abstracto.

Contudo, toda a arte, por mais que se elevasse, não podia desprender-se,

desligar-se do entendimento, da sensibilidade, pois era a partir destas

capacidades do ser humano que tinha a sua própria origem. Assim, as artes

quanto mais superiores, mais tendiam, consequentemente, à abstracção —

música, literatura, filosofia — visando um máximo aperfeiçoamento, um

desprendimento do concreto/real, e o maior aprofundamento, pois abstracção

era sinónimo de revelação. Naturalmente as artes deviam orientar-se para a

abstracção, propondo-se elevar, embora a elevação fosse produzir uma arte

"triste": "...elevar é deshumanizar, e o homem não se sente feliz onde não se

sente já homem. É certo que a grande arte é humana; o homem porém, é mais

humano que ela. Ainda por outra via, a grande arte nos entristece."122

Destaca-se no discurso estético pessoano, a dualidade/binómio concreto-

abstracto: duas componentes necessárias procuram a conjugação que permite

a execução da obra, numa interferência mútua, em que as dimensões do

objectivo e do subjectivo se enfrentam. A arte, enquanto produto de uma

criatividade pessoal, expressa na obra a sua identidade; deve, contudo,

ultrapassar a singularidade/particularidade de raiz originária, de modo a

atingir a sua extensão/expansão a todas as possíveis individualidades, sendo

"transpessoal", mais do que "impessoal":

Tem a arte, para nascer de ser de um individuo; para não morrer, que ser como estranha a ele. Deve nascer no individuo per, que não em, o que ele tem de individual. No artista nato, a sensibilidade, subjectiva e pessoal é, ao sê-lo, objectiva e impessoal também.(...)123

120Idem, ibidem, p.159 121O conceito de 'elevação', articula-se com os de abstracção e beleza. E por 'elevação', se pode entender a possibilidade de concretizar o sentido último, mesmo o urgente despojamento, e sequencial/progressiva simplificação interna-externa de palavras, frases, volumes e formas, que conduz à essencialidade abstracta da visualização do mundo 'concreto', na interacção onírica e inconsciente: "Três são os elementos abstractos que pode haver em qualquer arte, e que podem portanto nela sobressair: a ordenação lógica do todo em suas partes, o conhecimento objectivo da matéria, e a excedência nela de um pensamento abstracto." Fernando Pessoa, Páginas de Estética, Teoria e Crítica Literária, pp.228 e ss. 122Idem, Textos de Crítica e Intervenção, p.144 123Idem, Páginas de Estética, Teoria e Crítica Literária, p. 141. Confronte-se esta ideia com a perspectiva de Almada, provavelmente influenciada pela máxima de Francisco de Holanda: "Não s'aprende o pintar, mas nasce." Da Pintura Antiga, p.375

39

As novas tendências vanguardistas, no Modernismo, rejeitavam a

sensibilidade nos moldes anteriores, em prol de uma verdade e razão

exclusivas, de necessidade sócio-cultural, perante um público que era

multidão — na acepção atribuída por Almada ao termo —, embora,

posteriormente, houvesse consciência crítica das transformações infligidas

pela arte da modernidade: "Nessa estética particular do princípio do novo

século pretende-se dar fim, por uma vez, àquela lentíssima demolição do

mundo velho, e acto contínuo esquematizar o novo panorama de vida. Nessa

estética paralisa-se momentaneamente todo o sentimento humano, e assim

lhe parece forçoso ante a impossibilidade de fazer distinguir o sentimento

velho do sentimento novo."124 Almada estava ciente de que, ao retirar a

componente emocional à criação artístico-literária, se esvaziava a condição

pessoal, do autor e do receptor, situação que teve de ser transcendida,

criticando o radicalismo a que se tinha chegado alguns países da Europa em

meados dos anos trinta, designadamente o desprezo que a colectividade

manifestava e exercia sobre o indivíduo pessoal humano — "indivíduos

apartados das suas próprias personalidades humanas."125

Quer teórica, quer artisticamente, à Arte na modernidade — e após o

Modernismo — interessava o indivíduo humano como princípio humanista,

expressa a sua relevância, através de modelos diferentes, aos veiculados no

ensino artístico ou nas mentalidades mais conservadoras. A "aristocracia do

espírito", como Almada a designava, nela incluindo os artistas e os autores

em geral (os verdadeiros), deveria propugnar uma Arte que respeitasse a

Vida, tomando o indivíduo humano como unidade superior para os seus

desígnios criativos, conciliado com a sua pertença à humanidade e dela não

se apartando.

A tarefa de Almada traduziu-se numa dupla perspectiva: quanto à afirmação

dos valores humanos integrando os princípios estéticos e artísticos, o que

significou na sua perspectiva, precisamente, uma arte superior, promotora do

conceito de pessoa; quanto ao estabelecimento de uma linguagem artística de

valor e vigência universais, ultrapassada a singularidade pessoal das

linguagens pessoais dos artistas, competência que o cubismo iniciara e o

abstraccionsimo cumpria.126

124"Fundadores da Idade-Nova", Textos de Intervenção, p.147 125Idem, ibidem, p.147 126Cf. “As modernas expressões da Arte segundo o pintor Almada Negreiros recem-chegado de Paris”, Diário de Lisboa, 22 Junho 1949

40

2.1. A definição da Arte — vida e criação 2.1.1. Arte como Todo

Arte não é uma opinião, é um conhecimento. E um conhecimento não admite opiniões. Ou é exactamente esse mesmo conhecimento ou não o é exactamente e então está errado.127

Arte significa a possibilidade do artista, no domínio da autoridade e

totalidade pessoais, criar. Em Almada, a noção de Arte compreende-se como

fenómeno plural, de valor superior, fundamento da pessoa humana individual

e pertença da humanidade, sua herança e devir. Significa todo movimento,

ou criação de movimento, para aceder ao social; é acto de comunicação

expresso na relação gerada entre o artista, as obras e os "outros" — para cada

um dos elementos que constituem o público. A Arte assim considerada, e

apesar de actualizar a sua linguagem pelos acontecimentos inéditos dos seus

artistas, não esquecendo o património da história da arte, de todos os povos,

sendo a Arte uma necessidade comum, desde sempre, na humanidade. Para

preservar esse objectivo de convergência, consubstancializa-se na Arte a

coordenação das manifestações pertencentes aos povos anteriores,

propiciadoras de "novos sentidos [que] nascem já com a antiguidade destes

precedentes."128

A este propósito supremo de Almada, subjaz uma noção de Arte, não

segmentarizada, mas que pressupõe a unidade de si mesma, porque dirigida

ao Todo que é a vida, "A Arte não é um aspecto da Vida; é o todo da Vida

visto debaixo de um aspecto."129 A exigência de completude implicada na

127 “Arte e Artistas”, Textos de Intervenção, p.75 128"O Cinema é uma coisa, o Teatro é outra", Ensaios, p. 120 129Almada introduz esta definição de Arte do seguinte modo, mostrando claramente não ser ele o seu autor, no texto de 1935 publicado em SW: "Contudo, um livro inglês actual e intitulado "As Artes Visuais" faz a definição de Arte da seguinte maneira: A Arte não é um aspecto da Vida; é o todo da Vida visto debaixo de um aspecto." Cf. "O Cinema é uma coisa e o Teatro é outra", op. cit., p.125. A frase surge ainda citada no artigo "Resposta final — do cheiro a bafio e outras singularidades", Textos de Intervenção, p.137: "Um dia tive a maior alegria da minha vida de Arte: encontrei uma definição perfeita de Arte — "Arte é o todo da vida visto debaixo de um aspecto." Todavia em nenhuma das referências menciona o autor do livro, embora se trate de uma referência que se percebe ser fundamental e que Almada já anteriormente citara num outro texto de 1934, pelas seguintes palavras: "No suplemento literário do Times do dia 12 de Janeiro de 1933 encontrei numa crítica a um livro intitulado "As Artes Visuais" e na qual estava a única definição de Arte que até hoje me satisfaz: "A arte não é um aspecto da vida; é o todo da vida visto debaixo de um aspecto." CF. "Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p. 106. Foi-me possível consultar o mencionado suplemento, sendo o autor J. E. Barton e o título não The Visual Arts mas Purpose and admiration - a lay study of the visual arts. A citação transcrita por Almada corresponde ao que seria o argumento de base do livro "Art is not one aspect of life: it is the whole of life seen in one aspect." Cf. The Times Literary Supplement, thursday january 12 1933, p.18.

41

ideia, não prescindia de consciencialização axiológica, de âmbito estético e

artístico, salvaguardados os aspectos específicos, reunidos nas inúmeras

aportações fundamentadoras que Almada encontrou em filósofos, estetas,

poetas ou pensadores.

Almada Negreiros viu conciliada por J.E. Barton, a exigência da sua

fundamentação teórica com a intenção criativa, para expressar a natureza,

intenção e realização da Arte, mediante a leitura dos tópicos gerais,

enunciados na recensão crítica da obra no Suplemento literário do Times.

Quando Barton considerava que, "Art is continuous, and genuine modernity

is not a denial, but only a fresh application in new circunstances of eternal

principles bequeathed to us by the art of all ages"130, afirmava uma das

grandes convicções de Almada, pressuposto substantivo da sua concepção e

praxis de Arte. Os princípios determinativos para o devir da Arte dependiam

de uma consciência efectiva acerca do conceito de tempo. Tempo que, da

localização — proxémia —, transpunha a sua condição reguladora para, além

da contaminação ou da obsolescência, imperar na superação que supunha ser

cumprida pelo artista em devir.

Do tempo passado, não interessavam os pressupostos ou convicções caducas,

mas os elementos transcendentes, que continham o "sinal" da genuinidade do

humano, quer em termos esotéricos, quer ontológicos. A reconfiguração, dos

princípios herdados na história de Arte, obrigava a uma consentaneidade,

entre estes e a prática vivida pela colectividade da época, que procurava essa

tradição. A dificuldade residia na capacidade dos artistas apreenderem a

natureza da mentalidade em processo, tomando-a como estipulação para o

exercício artístico a concretizar, o que solicitava também uma consciência

histórica que estabelecesse a correspondência entre a arte e a vida nos

diferentes períodos. Como paradigma dessa sabedoria sobre viver, Barton

retomou os ensinamentos dos Gregos através da sua Arte: "Grei art denotes a

rache "not only lógica in outlook, not only vibrating with intelligent life and

curiosity, but also a race that had found, for the time being, a happy and

subtle adjustment of body and soul."131 A arte contemporânea, segundo este

ensaísta, implicava como modelo os princípios imperecíveis da arte —

ordem, proporção e unidade. Princípios que deviam adequar-se às

circunstâncias da modernidade artística, bem como adaptar-se à atitude

manifesta de vida, comungando do ideal colectivo para substancializar a

Arte.

130J.E. Barton citado in The Times Literary Supplement, thursday january 12 1933, p.18. 131Idem, ibidem, p.18.

42

Em Almada, a noção de Arte, recuperada dos princípios intemporais, situa-se

numa perspectiva "vitalista" que atribui o primado à Vida, em toda a

abrangência e extensão da Arte. A Arte cumpre-se na criação, na fruição da

linguagem do artista, com intuito de comunicar a todos a vida132, pois a Arte

é "essa linguagem comum a todos os idiomas da Europa", na medida em que

a todos é possível conhecer as regras dessa mesma Arte — cujo património

lhes é comum —, se a tal se dispuserem. A Arte considera o património

comum da humanidade, na pluralidade das criações que preservam a

memória — individual e colectiva — dos próprios homens ao longo da

cronologia, servindo-lhes como impulso igualmente no devir: "A Arte é

sobretudo atitude universal da pessoa humana."133

A Arte procura a unidade, englobando a diversidade das suas manifestações

sob um denominador comum que é o indivíduo humano no seu todo, ou seja,

a humanidade; por outro lado, atingir a unidade suposta na Arte " não é

mistério para alguns, mas é um segredo que fica no segredo de cada

artista."134 Exige ao artista o domínio do mistério pessoal; alcançar o

conhecimento e sabedoria das coisas primordiais; cumprir a missão de

autoridade pessoal que é intransmissível — invisível para outrém —

portanto, segredo de si mesmo. O artista deve preservar a coerência,

realizando uma obra que contemple a atitude humana que a arte representa135,

designadamente, na postura ética consignadora do acto de criação; a

responsabilidade ética é plural e não significa restrição à liberdade de acto de

criar ou expressar, supondo a unidade do próprio indivíduo. 2.1.2. A unidade da(s) Arte(s)

Idêntica paridade relacional entre Arte e Artes se revela, segundo Duilio

Colombini quando a Arte como Todo é definida como o espírito que anima o

corpo de cada uma das artes em si, constituindo o poético; quando é

entendida como força latente desvelada pela ingenuidade, identificando-se

com Deus que é a Unidade por Absoluto. O pensamento estético de Almada,

envolve um plano teológico, fundado na concepção da Arte que é única

132A perspectiva de Almada, ao considerar a arte numa perspectiva vitalista, aproxima-se da noção pessoana, de incidência vitalista, quando atribuia à Arte a necessidade de vitalizar; Pessoa referiu-se, designadamente, ao facto de à arte moderna, estar subjacente: "o conceito moderníssimo da Arte que confunde vitalizar com deformar." Cf. [António Mora] Fernando Pessoa, "Arte e Natureza", Obras em Prosa, p.233. 133Orpheu — 1915-1965, p. 14 134"Encorajamento à juventude portuguesa para o Cinema e o Teatro", Ensaios, p.131 135Orpheu - 1915-1965, p.14

43

porque una, enquanto Deus se revela nela como "harmonia, proporção, como

número perfeito imanente no Universo, tanto apreensível como realidade

inteligível quanto sensível."136

A unidade da Arte — a nível factual —, reunindo a vida sob um único

aspecto, engloba as "Belas-Artes" e as "Belas-Letras", consideradas

disciplinas individuais na Arte como Todo de conhecimento: "A unidade da

Arte reúne-se a todas numa única autoridade e numa verdadeira

autonomia."137 O caminho da autonomia da Arte, sua meta primeira e

princípio constitutivo, simultaneamente, segue as suas leis íntimas, fora do

âmbito do conhecimento comum e alheio a outras linguagens.

A partir de uma teorização da questão primordial — unidade da Arte e sua

autonomia —, Almada considerou, por sua vez, a autonomia de cada uma

das disciplinas que a constituem em unidade: o desenho, a pintura, a

escultura, a arquitectura (e o teatro). Todas são unidades em si, embora

nenhuma represente a Unidade por excelência; sem que nenhuma se destaque

ou considere a Unidade primeira, ou a única, nem mesmo a Arquitectura,

apesar da primordialidade138 que Almada lhe reconhecia, argumentando a

partir da etimologia, e também de acordo com a valorização sociopolítica, no

contexto nacional específico da época.139

O significado da Arquitectura encontrava a origem da própria palavra Arte,

arguindo por uma prova filológica que justificava a afirmação: "Não será

Arte uma palavra feita com a primeira sílaba de cada uma das duas palavras

que foram a palavra architekton ? Ar de archos e te de tekton ? (...) Ligadas

ficam estas duas palavras Arte e architekton salta aos olhos da cara uma

única conclusão: architekton significa o operário-chefe da colectividade."140

Dada a função social e humana, que a Arte pretende realizar, quer como cada

136Duilio Colombini, Almada Negreiros, p.38 137"Encorajamento à juventude portuguesa para o Cinema e o Teatro", Ensaios, p.134 138Almada considerava etimologicamente a palavra Arquitecto, proveniente no grego da aglutinação de archos , que significa chefe com tekton -, que significa operário. Tendo-se perdido o sentido originário da palavra que não designava apenas o construtor da casa: "O operário é o indivíduo profissional dentro da colectividade. Por conseguinte, o operário-chefe não é a construção de casas o que tem de dirigir, mas sim outra coisa incomparavelmente mais importante: a construção da própria colectividade, a construção contínua da própria colectividade. Como se vê, o sentido da palavra arquitecto em grego antigo, é máximo de prioridade, de principal, de supremacia, de chefia, de comando, e não tem nenhuma das possíveis restrições dos tempos áureos das duas Renascenças." Cf. "Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p. 80 139Almada exprime essa ideia através dos seguintes termos: "Hoje, o momento é propício aos arquitectos. Não é uma casualidade. É a Arte, essa que está acima de todas as profissões e de todos os profissionais da Arte, que está arrumando as suas coisas." Cf. "Duas palavras de um colaborador — homenagem ao arquitecto professor Pardal Monteiro", Textos de Intervenção, O.C., p.116 140"Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.84

44

uma das artes (disciplinares), quer como Unidade da Arte, Almada

reconheceu que "não pode deixar de ser a própria cabeça da colectividade. E

é o que é: Arte é a cabeça da colectividade."141 Correspondia à necessidade

de ser Todo, por ser substantivamente um Todo, visto sob aspecto específico

e, pela liberdade do artista, configurava a complexidade dos campos

adjacentes — das diferentes artes —, constituindo o todo da vida. A Arte

começaria onde acabava a definição convencional das Belas-Artes — que

não eram sistemas infalíveis —, nomeadamente, na formação dos artistas. A

Arte não se esgotava, tampouco se perdia como especialidade organizada.

Note-se que, Almada sempre designou Arte no singular, raramente no plural,

e nunca o plural se referia ao universo da Arte, quanto às suas diferentes

expressões ou domínios, precisamente porque considerava que a Arte não

tinha plural, que apenas existia uma Arte, assim como concebia uma só

Estética. O motivo legitimador dessa unidade, da exclusividade de existência

era a sua subordinação a uma natureza única, que determinava a diversidade

de todas as coisas na cronologia do humano, na perspectiva cosmológica

igualmente: "Há um único conhecimento de tudo. Todas as coisas são

determinadas, determinadíssimas, com fronteiras inexpugnáveis, apenas a

capricho da própria redondeza da terra e das idades do tempo."142

O tempo e o espaço, em que as obras de arte e os artistas proliferaram, agiam

como elementos gregários, conciliando-se no Todo que é a Arte, através do

elemento comum que os transcende, a pessoa humana, a Vida — ideias, em

contraponto, ao posicionamento histórico sobre a acção e presença da Arte,

configuradora do tempo, segundo George Kubler.143 Almada, entendeu a

história da Arte, como fenómeno expressor da humanidade em devir,

transparecendo na afirmação do princípio de continuidade. A continuidade

das manifestações artísticas, e a criação das obras na cronologia humana,

ficou sendo parte integrante da própria História, não só da história da Arte —

facto motivado pela afectação da arte à colectividade, preservada embora a

sua autoridade e autonomia. A Arte só pode viver depois de criar a sua

própria autoridade de autonomia dentro da colectividade, luta que ao longo

da história empreendeu, para ser independente do poder, mesmo que com

riscos para a sua continuidade.

141Idem, ibidem, p.84 142Idem, ibidem, p.76 143Cf. George Kubler, La configuración del Tiempo.

45

A Arte é geradora de um mundo pela mão do artista, diferente daquele que o

historiador de Arte constitui. Ambos, artista e historiador de arte criam

mundo, sinónimo de todo, de algo que é inteiro, que converge para a

unidade, cada um na sua área, reservada a diferenciação de âmbitos e campos

de conhecimento — implicativos entre si: "uma coisa é arte e a outra tratar

de arte."144 O erudito de arte, como Almada o denominou, dependia da arte

criada, sem a existência da qual, não justificaria exercitar a sua erudição;

devia situar-se no presente, por referenciação ao passado que pode

privilegiar nas suas abordagens e, frequentemente, alheava-se das

manifestações artísticas, das obras de arte que lhe fossem contemporâneas:

podia ignorá-las! Demonstrando uma lucidez antecipatória, Almada fez

apologia de uma História da Arte fidedigna e objectiva, embora sublinhando

a personalidade do investigador, cujas fontes, no presente, deviam

contemplar a palavra e testemunho dos artistas; no plano da estética, é nítida

a apologia, senão a primazia, de uma estética artística, reflectindo sobre

questões de Arte, embora não prescindindo de problemáticas na ordem de

uma estética filosófica e, por vezes, de uma meta-estética — hermética.

A percepção vivencial do tempo difere, por necessidade, entre o historiador

de arte e o artista. O erudito de Arte ponderava no tempo, sobre realizações

que comportam, em si, uma carga histórica irrevogável; o artista, ao criar no

seu tempo presente, está no tempo, ainda que o tempo do artista possa ir

adiante da cronologia real: "O próprio da Arte é ir adiante do que acontecerá.

Porque o que aconteceu já foi escolhido antes pela Arte."145 Celebra-se a

relação profunda de sentido cúmplices entre o artista e a Arte, quando se

sabe que é ao artista que compete inventar o caminho da Arte. A Arte, ao

dirigir-se ao indivíduo, exige a dimensão individual — unidade pessoal —

do artista, a complexa dignidade dos seus sentimentos e pensamento, e

"nunca, por nunca ser, à sua profissão."146

Ao discorrer acerca das questões da Arte moderna, Almada mostrou cumprir

a invenção da via da Arte, ciente das dificuldades dum caminho que sabia

árduo, dificultado por aquela "gente que não traz os olhos em dia e que usa a

preguiça visual do presente, de bem que se sente a ver pelos olhos dos

mortos!"147 Criticou a mesquinhez, na validação da celebridade como

144"Duas palavras de um colaborador — na homenagem ao arquitecto professor Pardal Monteiro", Textos de Intervenção, p.113 145"Arte e Artistas", Ensaios, p.75 146"Idem, ibidem, p.76 147"Como trabalham os artistas plásticos — Almada Negreiros" in Diário de Notícias, 1 Abril 1943

46

legitimação para a obra, como obra de arte, o que não equivalia a ser

detractor do passado, como bem esclareceu em afirmações públicas em 1943.

O passado da Arte tinha de ser dinâmico na sua continuidade, na necessidade

interminável, na eternidade nova da vida de Arte, em síntese de toda a Poesia

na "obra-prima". Precisava, contudo, da nova visão que toda

contemporaneidade devia gerar: "A criação dos olhos de cada época é,

parece-me, a própria honra da Arte."148 A Arte moderna, na sua perspectiva,

devia recuperar o cânone, para superar a crise de situação, propiciada pelo

artista — como génio — que, desde Cézanne, se tinha comprometido na

demanda da eterna novidade de Arte.

Almada reflectiu sobre os aspectos relevantes, remanescentes no conceito de

Arte como unidade, focando-os na pluralidade da sua obra, respeitando a sua

doutrina sobre a pessoa individual humana e a Humanidade. Elaborou a sua

perspectiva, sobre a história da Estética e teorização sobre Arte,

seleccionando os tópicos mais elucidativos, para a coerência da sua

argumentação, baseando-se em autores proeminentes, mesmo

paradigmáticos, na cultura da humanidade: — Arte como Tekné; Arte e Ciência — Arte e realidade; — Arte e natureza; — Arte e poesia.

Recorrendo à argumentação sobre estes aspectos, fica sempre comprovada a

unidade da Arte, a concepção da Arte como Todo, intenção absoluta e

obsessiva no pensamento estético de Almada. 2.2. Arte como Tekné; Arte e Ciência

2.2.1. Arte e Tekné

Relativamente à concepção de Arte como tekné, Almada recuou até à

Antiguidade grega, para elucidar a acepção, que tinha um campo semântico,

consideravelmente, mais abrangente do que na actualidade; aplicava-se não

apenas às Belas-Artes149, mas também aos ofícios manuais. Não eram apenas

148Idem, ibidem. 149Como refere W. Tatarkiewicz: "Aquello que vinculava las bellas artes con las artesanías impresionó más a los antiguos y a los escolásticos que lo que las separaba; nunca dividieron las artes en bellas artes y artesanías. En su lugar las dividieron según su práctica requiriese sólo un esfuerzo mental o también un físico. A las artes del primer tipo los antiguos las denominaram liberales , o liberal (liberadas), y a las

47

os produtos resultantes do exercício de uma habilidade, tomados como arte,

mas a própria habilidade, a capacidade (técnica) em si. A habilidade

implicava, o conhecimento de determinadas regras e, portanto, não se

concebia uma arte que não tivesse as suas regras, os seus preceitos

estabelecidos como tal.

Arte, nos primórdios do pensamento estético grego, como tekné, significava

também, indistintamente — segundo Almada — ciência150, consistia tanto

numa habilidade mental, quanto manual. As obras dos poetas pertenciam ao

campo da poiésis (criação), sob augúrios das Musas e Apolo, junto dos

adivinhos e dos profetas. Eram considerados indivíduos de excepção pois

usufruíam de dons superiores, concedidos pelos deuses, inexistentes nos

restantes mortais; gradualmente foi-lhes considerado o domínio de uma tekné

específica.

Nesta acepção, o conceito de Arte incluía ciências como a lógica, a

gramática, porque reguladas por um conjunto de regras que conduziam o seu

próprio fazer. Daí a preponderância, quase a exclusividade, de terem sido

estabelecidas estéticas normativas e teorizações taxativas para a praxis

artística: o conceito de regra estava incorporado no conceito de arte,

agregado à sua definição como tal. Por esse motivo, Almada afirmava que,

mesmo no século XX: "Os cânones da estética continuam nas oficinas

profissionais."151

Na Metafísica, Aristóteles considerou que a Arte nasceu quando, de muitos

objectos experimentais, surgiu uma noção universal sobre os casos

segundas vulgares, o comunes; la Edad Media denominó las segundas como artes 'mecânicas'." CF. Historia de seis Ideas, p.40 Não se pense que todas as Belas-Artes — por exemplo a pintura e a escultura — eram consideradas artes liberais: a escultura como exigia um esforço físico era uma arte vulgar, assim como poderia acontecer com a pintura. 150Parece mais correcto afirmar que 'também' significava 'algumas' ciências e não todas as ciências. Em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias , 23 Junho 1960, Almada Negreiros afirmava que: "Havia por conseguinte um conhecimento que ficaria imutável para sempre. E é aqui que permanecem para todas as circunstâncias do espaço e do tempo todas as constantes encontradas primeiro. Estas constantes não são obra de homem: são por conseguinte sem opinião humana, separam-se em dois estágios do conhecimento que se chamam respectivamente arte e ciência. De modo que a arte e ciência (uma única palavra em grego: tekné) não são precisamente duas coisas, mas duas idades duma mesma e cuja anterioridade é da arte." 151"Arte e Política", Ensaios, p.80. A tendência que valorizava este conceito de Arte manifestou-se nas primeiras décadas do século XX, tomando uma configuração herdeira das teorias do grupo Arts & Crafts inglês (finais séc. XIX), que originou as opções sociopedagógicas — nos princípios subjacentes à estética e artificidade técnico-artística — da Bauhaus. Todavia, o movimento associado à Bauhaus, cumpriu propósitos de índole pragmática, bem como teorizadores, constituindo-se numa força de impregnação política que a ascensão do nazismo silenciou em 1932. Desse grupo fizeram parte nomes fundamentais no panorama artístico e cultural internacional e a sua herança propagou-se até à actualidade. Dentre os artistas que mais proximamente se podem associar às intenções e convicções de Almada salientem-se Kandinsky e Paul Klee, autores aliás citados pelo próprio Almada, conforme adiante se referirá.

48

semelhantes; por sua vez, o que caracterizava a tekné era a fusão do

pensamento e da produção que nela se encontrava; era aquela actividade em

que se manifestava o universal, dimensão consubstancial do pensamento; era

uma capacidade produtiva acompanhada de Arte verdadeira.152 Ao longo da

história, a Arte foi-se distanciando dessa acepção que lhe configurava em

exclusivo a capacidade de saber fazer algo. Situava-se no domínio do saber

fazer correctamente, o que equivalia a inúmeras capacidades, tomando

também a acepção que abarcava a ciência.

Na sua actualidade, Almada constatava que o âmbito da Arte estava

reduzido, representando apenas as artes plásticas, o que excluía todo o resto,

retirando-lhe a unidade: assim se tinha originado a cisão entre os

conhecimentos, fenómeno que os gregos tinham querido preservar ao reunir

Arte e Ciência na tekné, salvaguardando o conhecimento dos sentimentos

humanos: "Tekné e arte são palavras que encerram em si o único conceito

unânime no universo." (...) "É a íntima união do sentimento com o

conhecimento humanos, formando o entendimento da humanidade."153

Almada considerava que a única forma do artista cumprir as regras era sendo

independente. "As regras do pensamento universal só as pode encontrar cada

um isoladamente."154 Próximo da posição pessoana155, Almada reconheceu

que a estética existe quando se realiza a assunção da pessoa individual

humana, condição essencial para que aconteça a apreciação estética da obra

de arte como tal. A recorrência às regras do pensamento universal eram o

fundamento dessa assunção pessoal estética propriamente dita. Embora

fossem comuns, porque Almada se referia às regras primordiais, eram as

anteriores no humano, as que radicavam no conceito de Tekné. "O princípio

único e geral sobre o qual assentava a Tekné era simplicíssimo e entregue a

toda a iniciativa individual."156

152Cf. de Aristóteles a Metafísica, I, 1, 981 a; VI,1, 1025 b; Ética a Nicomano 1140 a. Considera como artes miméticas (poesia, dança, música, pintura, escultura), aquelas teknai que têm como procedimento central a imitação — mimésis — entendida esta última como actividade que brota do interior daquele que produz as imitações. Na Poética menciona a relação existente entre a imitação e a produção de imagens. A concepção de mimésis é diferente da que vigorava em Platão, pois este considerava-a um duplo afastamento relativamente à verdade, na medida em que a imitação produzia uma réplica por relação à natureza, que por sua vez era réplica do mundo exemplar das formas. (República, 602-603) 153"Arte e Política", Ensaios, p.82. Almada confirmava a sua convicção recorrendo à situação que nas antigas Universidades, se reunirem as artes e as ciências como todo: "O facto de as antigas universidades porem no plural artes deve seguramente ter estreita ligação com a Tekné dos Gregos, Ciência e Arte ao mesmo tempo."(Idem, ibidem, p.82) 154"Modernismo", Textos de Intervenção, p.60 155Cf. Fernando Pessoa, Obras em Prosa, p.235 156"Vêr e a personalidade de Homero", Ver, p.84

49

No âmbito do pensamento esotérico de Almada — na estética —,

considerava-se que o "princípio único e geral" que sustentava a Tekné ,

consistia na relação qualitativa dos nove algarismos com a mitologia

figurada. Almada designou esse princípio pela expressão Simetria,

equivalente neste domínio a Tekné.157 O paradigma da simetria seria, como

Almada o entendeu, o corpo humano nos seus cinco sentidos. A simetria é da

ordem da qualidade, assim como os números são da ordem da quantidade. A

simetria mede com os nove algarismos todo o mundo visível; a simetria

estabelece a regra do humano — e do mundo — visível, e ainda "no próprio

visível inclui a medida sensível do mesmo invisível."158 Daqui, se induz a

relevância que o conhecimento da geometria, tomou em Almada Negreiros,

ganhando proporções profundas, de ordem esotérica, no domínio do sagrado

e do hermético.

A geometria é a medição da natureza com o entendimento humano. E o entendimento não é mais do que a união íntima do conhecimento com o sentir humanos.159

A cisão a que Almada se referia, efectuou-se a partir do Renascimento,

quando se instituíram as raízes do moderno conceito de Arte, mediante a

distinção entre as artes ditas "nobres" (poesia, música, pintura, escultura...),

relativamente às habilidades estritamente artesanais. Paralelamente, data do

mesmo período, a assunção sociocultural do artista como individualidade, no

campo das artes, dissociado da representação social do artesão. Passou a

ocupar uma atitude impositiva, que lhe conferiu um estatuto destacado no

meio socioeconómico e político, daí decorrendo uma série de implicações,

que levaram ao culto da personalidade e a um extremo poder pessoal, por

parte de alguns artistas, verdadeiros paradigmas não só na história da arte,

mas na história em geral — os tais indivíduos enciclopédicos como Miguel

Ângelo, como Almada os denominava.

157Segundo o raciocínio de Almada a justificação encontra-se no facto de: "...não cabendo ao autor a autoridade para impor a palavra grega no seu significado, o mesmo não acontece quanto ao pobre sentido corrente que se dá à palavra Simetria, formada de duas palavras gregas, e tanto mais quanto é certo não estar em livro nenhum do mundo o simplicíssimo princípio da Tekné ou Simetria." Cf. "Vêr e a personalidade de Homero", Ver, p.84 158"Vêr e a personalidade de Homero", Ver, p.85. Adiante neste mesmo texto Almada afirma que o "nome verdadeiro de simetria é Magia Branca e em por oposição a Magia Negra que é transcendentalista, não se resume à combinação das linhas simples ou à dos algarismos entre si, ou melhor dito, a isto se resume mas com a verificação de cada combinação na natureza visível, isto é, o firmamento, os três reinos: vegetal, animal, mineral, a geografia física, as cadências e o ritmo do tempo, etc." Cf. "Vêr e a personalidade de Homero", Ver, p.86. 159"Arte e Política", Ensaios, p.81

50

2.2.2. Arte e Ciência

A Arte, na Grécia, nasceu "al servicio del ideal formativo de la paideia. Pero,

en la medida en que ese ideal formativo supone el despliegue sistemático de

diversas esferas autónomas, la práctica de las artes va a ir adquiriendo una

autonomía — mental e institucional — inexistente en otros contextos

culturales."160 Assim o compreendeu também Almada Negreiros, que nunca

se afastou do nascimento da arte e suas cristalizações — como

institucionalização cultural —, lado a lado com o nascimento da Filosofia-

Ciência e do ideal do pensador, do sábio que, por direito e dever, as

exerceram. Almada tomou, como missão prioritária, reinstituir na

colectividade do século XX a paideia, ou seja, "a institucionalización del

arte como un vehículo fundamental de humanización, de formación

antropológica de los ciudadanos de la polis."161

Desde a Grécia Clássica e, até sensivelmente, ao século XVI d.c., prevaleceu

a concepção de arte como "produção de acordo com regras" — arte versus

tekné; do século XVI até princípios do século XX, serviu como guiada pela

categorização estética, enquanto "produção de beleza". Num e outro

períodos, esteve sempre relacionada com o fazer, foi sempre produção de

imagens num espaço-ficção, como evidencia José Jiménez.162

A Arte é antecipação e originalidade, entendendo-se por originalidade aquilo

que é inédito no mundo. A Arte, na perspectiva afirmativa de Almada, era

antecedente à Ciência.163 O facto de ser criação, aproximava-a da Ciência164,

que igualmente se caracterizava por idêntica exigência de construção: "O que

importa à Arte e à Ciência é a criação de Arte e a criação de Ciência."165 Arte

e Ciência eram ambas conhecimento, cada uma, portadora dos seus

"binários", dos termos antinómicos, dos respectivos "ismos", todos

contribuindo para a sua consistência como conhecimento, precisamente,

porque a "simultaneidade destes saberes binários conduz e estabelece

conhecimento."166 Subjacente, está a ideia da abstracção, que a Arte e a

160José Jiménez, Imagénes del Hombre — fundamentos de Estética, p.66 161Idem, ibidem, p.65 162Idem, ibidem, cf. p.67 e ss. 163Orpheu 1915-1965, p.23. A Ciência seria assim consequência de Arte. 164Por Ciência, Almada entende: “A natureza do conhecimento chama-se ciência. Ora a ciência não é uma técnica científica, nem mesmo todas as técnicas científicas juntas. A ciência começa no encontro de constantes que não têm anterioridade noutras constantes. Chama-se ciência primeira ou metafísica." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23 de Junho 1960. 165"Encorajamento à juventude portuguesa para o Cinema e para o Teatro", Ensaios, p.132 166Orpheu 1915-1965, p.23

51

Ciência comungavam, ao tempo das reflexões de Almada, e sabendo-se

como era princípio cúmplice da sua celebração da arte moderna,

designadamente, quando Almada evidenciou na Arte as duas grandezas: o

natural e o geométrico, sendo este último necessidade de Ciência para a Arte,

e não apenas o anterior à Ciência, ou seja, o cânone.

Almada não entendeu a Arte, vivificada apenas na sua função gratuita, à

semelhança do que, tampouco concebia para a Ciência, o que lhes retiraria o

comum carácter humanista — no sentido mais profundo — conveniente —

competência máxima por definição:

Ciência sem Arte é ciência pela ciência, é a substituição das humanidades pela sociologia, é confiar demasiado nas estatísticas e de menos no instinto humano.167

Para além da criação, como exigência partilhada por ambas, para Almada era

imprescindível que a Arte se posicionasse, em qualidade, com a categoria de

Ciência, o que lhe reconhecia a finalidade e substância, efectivadoras de sua

razão e existência. Sem o concurso da Ciência, a Arte seria apenas "arte pela

arte", esvaziada da sua consistência intrínseca, tornada "mero deleite ou

passatempo", ou seja, desnivelada da sua autoridade pessoal — superior —

que o criador pretende assumir. Radicando na afirmação comum do

indivíduo humano, a Arte é inseparável da Ciência, pois "é a permanente que

existe entre o conhecimento e o instinto humanos: Arte é o instinto do

conhecimento, ciência é o conhecimento do instinto."168

A Arte exigia um conhecimento de ordem geral, enquanto à Ciência

pertencia um conhecimento particular, específico, determinado e unilateral

da natureza.169 A Arte era, efectivamente, um conhecimento afirmativo e

167"Arte e Política", Ensaios, p.82. Também Fernando Pessoa se debruçou sobre a relação entre arte e ciência, estabelecendo-lhes a distinção conceptual e pragmática. Por Arte entende "a mostra da vida", nela sendo essencial a expressão, independentemente daquilo que seja exprimido; quanto à Ciência, é "com ela que buscamos compreender o mundo que habitamos, mas para nos utilizarmos dele; porque o prazer ou ânsia só da compreensão, tendo de ser gerais, levam à metafísica, que é já uma arte." Cf. "Reflexões sobre Arte" [ms. 1914 ?], Obras em Prosa, p.218 168"Arte e Política", Ensaios, p.83 169Confrontem-se as reflexões de Almada com as de Fernando Pessoa quando este considera precisamente que: "A Ciência procura as leis particulares das cousas — isto é, aquelas leis que regem os assuntos ou objectos que pertencem àquele tipo de cousas que se estão observando. A Ciência é uma subjectivação, porque é uma conclusão que se tira de determinado número de fenómenos." Cf. "A obra de arte… criterios a que obedece" [dat.1916?], Obras em Prosa, p.217. O mesmo excerto é ainda incluído na op. cit., sob o título de "Reflexões sobre a Arte", p.219. Num outro texto datado provavelmente de 1919, Pessoa retoma o binómio para afirmar a natureza distintiva de arte e de ciência, na medida em que considera que "A arte difere da ciência — não como modernamente se crê, em que a arte é subjetiva, e a ciência objetiva — mas em que a ciência procura interpretar e a arte

52

impositivo, não de opinião, pois o conhecimento, tal como Almada o

concebeu, não admitia opiniões, ou seja, na medida em que o conhecimento

"ou é, ou não é" — princípio do terceiro excluído. Por outro lado, a Arte

exigia a autoridade humanista — a autoridade pessoal do indivíduo a

caminho da personalidade —, enquanto que a Ciência se limitava à

autoridade científica. Usando uma metáfora cosmológica, extremamente

visualizadora, Almada afirmou: "Enquanto que a ciência é sempre apenas um

sector cónico da esfera, a Arte é sempre a reprodução da esfera."170

Almada atendeu, ainda, à acepção de Ciência veiculada nos renascentistas,

nomeadamente, em Leonardo da Vinci, quando este a definiu como: "o

discurso mental que toma su origen en los primeros principios, más allá de

los cuales nada puede hallarse que forme parte de ella. La geometria , por

ejemplo, que estudia la cantidad..."171 Correspondeu este posicionamento a

uma das ideias fundadoras constante das estéticas do Renascimento que,

pretendendo aproximar o estatuto da Arte do de Ciência, lhe ditava a

necessidade de ser uma actividade predominantemente mental,

salvaguardada pela via da Geometria, ciência que lhe impunha a praxis

artística. Considerando a universalidade da pintura, por exemplo, Leonardo

conferiu-lhe afinidade científica, na medida em que "Una Ciencia es tanto

más útil cuanto más universalmente pueden comprenderse sus

produciones;(...)", donde ser exigido à pintura, como fim, o ser comunicável

"a todas las generaciones del universo, porque depende de la facultad visual,

y las impresiones de la visión pasan ao cerebro sin utilizar el oído."172

Também, porque a ciência da pintura cumpria as obrigações da invenção e da

medida: "invención de la materia que debe representar, y medida en las

figuras para que no aparezcan desproporcionadas; pero que él [pintor] no se

viste de aquellas tres ciencias (aritmética, geometría, perspectiva), antes bien

son las otras ciencias la que se visten de la pintura..."173

Indo ao encontro da sua análise da história da arte, Almada considerou que,

com Leonardo, a Arte "está em ocasião de rever a antinomia (número-

criar." Seguidamente ao considerar a arte moderna, Pessoa constata que esta ao procurar interpretar o que vê, está a assumir o papel da ciência, que "procura compreender uma cousa por meio das outras, interpretar uma série de fenômenos por meio de todas as outras séries de fenômenos..." A arte deveria "procurar reproduzir sem interpretar…"Cf. Pessoa, op. cit., p.233. 170"O Cinema é uma coisa, o Teatro é outra", Ensaios, p.126 171Leonardo da Vinci, Aforismos, 135, p.31. Na concordância com esta ideia se podem entender as várias publicações relacionadas com a teorização da pintura, de âmbito aprofundado, como no caso já citado de Léon Battista-Alberti e Luca Paccioli. 172Leonardo da Vinci, Aforismos, 319 e 320, pp.62-63. 173Idem, ibidem, 361, p.77

53

extensão) — geometria."174 Revisão fundamental, e definitiva, para o

primado do Humanismo no Renascimento, e que decidiu a vocação de todos

os pintores depois de Leonardo, tornando-os geómetras, à excepção do

próprio, que soube conciliar a Geometria e o anterior-a-Geometria.

Precisamente, porque a conciliação da Ciência e da Arte, anterior à Ciência,

devia ser procurada na "via inicial" da Antiguidade, o Universal.

A via da Ciência, por afinidade com a Arte, incluía princípios superiores, que

levaram Almada, a transcender a ciência enquanto conceito epistemológico,

privilegiando a via esotérica, o que se conciliava no conceito veiculado,

pelos autores renascentistas, como foi caso do hermetismo geométrico de

Albrecht Dürer175, em que se tratava, não de regras da pintura, mas de

autêntico cânone.

O que ainda não é ciência do homem é, todavia, ciência e está indistintamente em arte e em ciência. Por estas palavras se reconhece que a arte é sempre mais próxima na captação da imanência, esta mesma que a ciência procura confirmar.176

2.3. Arte e Realidade

A Arte era, na acepção de Almada, sempre uma transposição da realidade no

domínio das artes visuais. A realidade, sendo um conceito mais extenso que

o de natureza, abrangia as obras humanas, ou seja, a cultura — seus produtos

concretizados. No entanto os moldes em que se estabelece a relação entre

Arte e realidade, aproximam-se substancialmente dos predominantes na

relação entre Arte e natureza. As reflexões de Almada, acerca do assunto,

ponderaram a extensão de dependência que considerava intolerante, e foi

peremptório na sua condenação. A resposta encontrada nos seus próprios

escritos, critica a dependência absoluta que alguns artistas atribuíram à

relação da arte com a natureza — naturalismo, verdadeirismo —, pela cópia

fidedigna, não se limitando ao nível de necessidade relacional, entre Arte e

realidade.

174Orpheu 1915-1965, p.16 175As especulações de Dürer, sua ambiguidade e natureza são tratadas na sua complexidade por Julius Schlosser in La Littérature Artistique, através da recolha dos posicionamentos críticos acerca da questão. Cf. pp.287-292. 176Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23 de Junho 1960, concluindo o seu raciocínio: " Entende-se, portanto, que a arte e ciência, antes de cada uma se individuar, têm ambas a mesma nascença. É este o significado de ars sine scientia nihil de Jean Vignot, arquitecto do século XIII".

54

A Arte, como imitação da realidade, foi conceito predominante na cultura

europeia durante quase vinte séculos, admitindo-se diferentes acepções na

forma como a mimésis foi compreendida177. O intuito da primeira expressão

artística na Grécia, sob denominação de triunica choreia178, era expressar,

promovendo a exaltação dos sentimentos — e opunha-se às artes ditas

construtivas como a arquitectura, a pintura e a escultura, não sendo o termo

aplicado às artes visuais. Mimésis não levava a reproduzir a realidade

exterior, mas à expressão da realidade interior, seus instintos e sentimentos,

mediante movimentos, palavras e ritmos; era acção e não contemplação.

No século V a.C., mimésis adquiriu uma acepção filosófica, com a

consignação de reproduzir o mundo externo.179 Sócrates desenvolveu uma

outra acepção de mimésis , que significava copiar a aparência das coisas,

sendo decorrente das reflexões acerca da pintura e da escultura: formulou

então a teoria da imitação, tomando-a como função básica das artes plásticas.

Platão, no livro X da República elaborou a sua concepção de arte como

imitação da realidade de forma bastante extrema, pensou-a como cópia

passiva e fidedigna da realidade como mundo exterior, consequência da

pintura ilusionista que lhe foi contemporânea — e que criticava fortemente

—, próxima da acepção privilegiada pelo naturalismo , adoptado no século

XIX. A imitação não era caminho apropriado para a verdade, pelo que a arte

não devia imitar a realidade.

Aristóteles transformou a teoria e conceito de mimésis platónicos,

fundamentando-se na afirmação de que, a imitação artística podia representar

177Palavra que surge depois de Homero, procede de etimologia obscura, segundo W. Tatarkiewicz, teria sido originada com os rituais e mistérios dos cultos dionisíacos. No primeiro significado, bem afastado do actual, a mimésis representava os actos de culto que o sacerdote realizava: dança, música e canto. 178A choreia servia para apaziguar, para aliviar os sentimentos, para purificar as almas, encontrando-se associada ao âmbito que veio a corresponder à catarsis. Tomou depois uma significação ligada à representação da realidade pela arte, especialmente pelo teatro, no sentido do actor que imitava as acções da realidade. Cf. W. Tatarkiewicz, Historia de la Estetica, — La Estetica Antigua , vol I , pp.23 e ss. Do mesmo autor cf. também Historia de Seis Ideas, pp.301 e ss. Através da dança, por excelência, exprimiam-se os sentimentos, exteriorizavam-se as experiências vividas, combinando os gestos, sons e palavras. Foi também a choreia que serviu de base para explicar a origem da arte, segundo a qual esta não é senão uma expressão natural do homem, sendo-lhe indispensável e constituindo uma manifestação da sua natureza própria. Apenas posteriormente, a música, poesia e dança se desenvolveram como artes independentes, fora da triunica choreia, onde estavam fundidas em termos de expressão comum. Corresponde ainda à convicção do conceito de poesia como "encantamento", embora os gregos demorassem muito tempo a perceber a relação entre a poesia e as artes plásticas, já que a poesia era considerada expressão, e as artes plásticas não eram pensadas para serem interpretadas expressivamente. 179Em Platão, como em Demérito, encontra-se a aplicação da palavra para denotar a imitação da natureza, embora correspondendo a acepções diferentes, num e outro autor. Democrito entendia por mimésis a imitação de como funcionava a natureza. Com Platão e Aristóteles teve, respectivamente, duas variações de sentido diferentes, embora concordando genericamente com a teoria de Sócrates.

55

as coisas, de forma mais ou menos bela, relativamente àquilo que eram;

assim, abriu caminho a uma representação idealizada que promovia as

qualidades existentes, proporcionando uma cópia, na ordem da criação

pessoal, livre da submissão absoluta à realidade. Era imitação sobretudo das

actividades humanas, tornando-se gradualmente imitação da natureza, donde

se supunha proceder a perfeição de todas as coisas. Ambas concepções, de

Platão e Aristóteles foram as dominantes na Estética europeia ocidental e

perduraram, sob interpretações diversificadoras (contaminadas

frequentemente) — mas de matriz comum —, durante muitos séculos. No

Renascimento, a teoria da imitação foi conceito de base na teoria da arte e

teve novo apogeu, depois de ter sido submissa, condicionada, à dominante

religiosa durante a Idade Média que, prioritariamente, lhe conferiu funções

teológicas, embora persistisse, graças ao aristotelismo de S.Tomás.

Nos inícios do século XV, a teoria da imitação foi aceite, primeiramente nas

artes visuais, tendo-se conhecimento dos desenvolvimentos que Léon

Battista-Alberti (De Pictura) e Leonardo da Vinci (Tratado) expressaram nas

suas teorizações. Também Albrecht Dürer, introduziu a teoria na Alemanha,

e Poussin, mais tarde, em França (à volta de 1665). No panorama da parca

teorização estética portuguesa, saliente-se a obra de Francisco de Holanda

que, no Da Pintura Antiga , ao abordar os "preceitos" da pintura antiga —

retomado o cânone dos gregos — considera que o pintor deve pressupor a

"idea na pintura [que] é uma imagem que ha que ver o entendimento do

pintor com olhos interiores em gradissimo silencio e segredo, a qual ha de

imaginar e escolher a mais rara e eicelente que sua imaginação e prudencia

poder alcançar, como um exemplo sonhado, ou visto em o ceo ou em outra

parte, o qual ha de seguir e querer depois arremedar, e mostrar fóra com a

obra de suas mãos propriamente, como o concebeo e vio dentro em seu

entendimento."180 Esta ideia de Holanda, corresponde a uma via paralela, que

se desenvolveu no Renascimento, relativamente à teoria da pintura, que

procurava cumprir o postulado da mais próxima imitação da realidade, pela

superação. Holanda situou-se, nessa outra via que, à semelhança da

Antiguidade grega, estipulou o conceito de "superação da natureza",

"alcanzable no sólo en cuanto que la libre fantasia creadora puede

transfigurar las imágenes más allá de las posibilidades naturales, creando así

180Francisco de Holanda, Da Pintura Antiga, Cap. XV - "Da Idea, que cousa é na Pintura", pp.95-96. Holanda expôs a continuidade desta posição recuperadora do pensamento tomista (no respeitante à tradição segundo a qual, toda a representação é conforme a uma imago preexistente no intelecto do artista), afirmando que "a idea é a mais altíssima cousa na pintura que se pode imaginar dos entendimentos, porque seja muito conforme a si mesma, & como isto tever, ir-se alevantando cada vez mais e fazendo-se sprito e ir-se-ha mizclar com a fonte exemplar das primeiras ideas, que ha Deos." Cf. op. cit., p.97

56

figuras totalmente nuevas, como quimeras y centauros, sino también, y sobre

todo, porque, eligiendo y corrigiendo, la actividad menos inventiva del

intelecto artístico puede y, por tanto, debe traducir en forma visible un grado

de la Belleza jamás totalmente realizado en la realidad."181 A concepção de

Beleza, expressa segundo estes termos, decorre do primado do conceito de

electio , contraposta a imitatio, o que é, repita-se, idêntico aos termos

dilemáticos já presentes na Antiguidade grega.

No séc. XVII, predominou sob uma configuração, diga-se, uma versão

idealizante, que tornava legítimo à Arte, imitar a realidade, apenas nos

aspectos mais gerais e perfeitos. Relativamente à Poética, o termo imitação

apenas foi introduzida como conceito e teoria em meados do séc.XVI,

tomado da Poética de Aristóteles.182 Mesmo durante o período barroco e em

pleno academismo manteve-se como o centro das ideias sobre Arte; ao longo

do séc.XVIII era ainda tese de referência com Abbé Dubos e Vico (Scienza

Nuova), o que permite constatar historicamente a cronologia do seu primado.

Foi precisamente neste século que atingiu o seu apogeu, compreendida como

propriedade universal de todas as artes, e não apenas das artes "miméticas".

Sublinhe-se o facto de, ao longo da história da Arte, terem surgido teorias

afins à Teoria da imitação, integrando-lhe diversificações que, nalguns casos

criaram uma distinção nítida, como sucedeu com a posição de Piero della

Francesca e de Luca Pacioli183, segundo a qual, a arte não imitava a

realidade, antes a estudava, atendendo às leis que a regiam — pressupondo a

arte —, o conhecimento das leis da perspectiva e da luz, ideia afim ao

pensamento estético de Almada. Por outro lado, considere-se a ideia de que

181Erwin Panofsky, Idea — contribución a la historia de la teoría del arte , p.47 182Depois do período medieval, "La concepción artística del Renacimiento se caracteriza, por tanto, frente a la medieval, por una nueva concreción del objeto artístico y, por conseguiente, por una nueva personificación del sujeto artístico. (...) el y la literatura antiguas habían sobrevivido también en la dad Media, pero no habían sido el objeto, sino sólo el instrumiento y el alimento de la actividad intelectual; hasta el Renacimiento no surgieron la filologia y la arqueología; sólo esta época alcanza el redescubrimiento de la poética y de la retórica de la Antigüedad, por la misma necesidad por la que hace resurgir los antiguos cánones de la arquitectura y de las artes figurativas." Erwin Panofsky, Idea — contribución a la historia de la teoría del arte , p.50 183Segundo Julius von Schlosser in La Littérature Artistique, existia uma amizade pessoal entre Piero della Francesca e Luca Pacioli, tendo sido o primeiro, autor dos primeiros estudos a fundo a óptica e a perspectiva sobre uma base totalmente exacta e matemática, assim como sobre os problemas modernos da luz. Tratava-se de uma obra extremamente rigorosa e levada até aos mínimos detalhes, que demonstra uma grande evolução na forma de tratar o assunto relativamente a Alberti. Segundo Vasari, Pacioli teria copiado as teses do seu mestre, della Franscesca, para o seu Libellus de V corporibus regularibus (1509), dedicado às mesmas questões. Schlosser considera que, contrariando a acusação de Vasari, se trataria de um trabalho realizado em comum pelos dois autores e que "ce petit traité de Pacioli est l'oeuvre d'un pur mathématicien s'appuyant rigoureusement sur une base euclidienne; Pacioli revient de nouveau sur le sujet, d'un point de vue philosophique, dans son grand ouvrage sur la "divine proportion", où d'ailleurs il rend franchement hommage à Piero." Op. cit., p.174. Para além de que nessa altura, não existia propriamente a mesma consciência deontológica que hoje domina sobre o que era fazer plagiato.

57

as obras de arte não eram uma imitação, mas constituem, unicamente,

símbolos da realidade, ideia originária de Emanuel Tesauro na segunda

metade do séc. XVII: a obra de arte era uma metáfora, um símbolo.184

Não deixando de comparecer com as suas habituais exemplificações

complexas, Almada justificou a sua posição, de distinção clara, fundando-a

na solução estético-artística adoptada pelos gregos que, na tragédia punham

máscaras nos actores, para que estes servissem propósitos simbólicos do

individual e não o indivíduo específico, portador de uma identidade

localizada, sendo assim símbolos da humanidade. Daí a transposição da

realidade para o plano simbólico que evoca e representa a realidade: "...o

símbolo é realidade imaginada. É com símbolos que se expressa a arte."185

A posição de Almada, traduz a aceitação da ideia de que a Arte começa

quando a realidade é transcendida, quando não é copiada, mas inventada pela

imaginação do artista. Não admitiu uma arte realista, cujo propósito seria

apresentar apenas as coisas reais, não incluindo abstracções ou

transformações simbólicas, em que a pintura se tornou uma arte concreta,

fotográfica. Almada considerava que para haver arte, para que se pudesse

criar, a transposição da realidade era exigência incontornável, o que não

significava que a realidade não fosse ponto de referência, pois "o maior

estorvo para a representação (representar, tornar presente) da realidade é a

presença da própria realidade. Das duas uma: ou presente, ou

representada."186 Almada distinguiu, nitidamente, entre tornar presente —

que não é o mesmo que estar presente —, ou seja, representar, em termos que

se adequam a uma perspectiva e afinidade, à posição fenomenológica.

Almada afirmou, que a presença era a comparência concreta do fenómeno, e

de forma taxativa, no plano de efectividade; ou a representação do fenómeno

exigia a assunção, que era de ordem representacional, não imiscuindo ordens

de efectividade fenoménica.

A Arte implica realidade187, mas não precisa limitar-se à sua consignação

repetitiva: "Sem Arte não há realidade, há só natureza. A Arte tem que ver

184Cf. W. Tatarkiewicz, Historia de seis Ideas, pp.313-314. 185"Desenhos animados, realidade imaginada", Ensaios, p.158 186Idem, ibidem, p.158. Ao longo do texto Almada tece considerações acerca deste assunto, contextualizando-o no quadro da arte do cinema e na arte da fotografia; a primeira como arte em movimento, a segunda, da imagem estática. 187Em Pessoa encontra-se uma reflexão complementarizadora das de Almada, quando o poeta considera que "o artista tem de encontrar maneira de dar vida à obra de arte." (…) "não procura a arte reproduzir, dar a nossa sensação simplesmente; mas dar da nossa sensação aquilo que mais traduza a realidade dela." Uma vez

58

com a realidade, não com a natureza."188 Segundo a tradição, constante numa

definição de Arte que aposte na contraposição de termos, funda-se o conceito

de Arte como o oposto, por excelência, da natureza, e essa afirmação, como

lembra Almada "todos dizem". Foram os gregos, quem forneceu os

elementos que permitem compreender o homem na natureza, não podendo

opor-se-lhe, na medida em que, o facto de dois termos serem opostos entre

si, não significar irredutibilidade de equilíbrio ou harmonia. Pelo contrário,

os opostos exigem-se para a conciliação, portanto, no caso da relação entre

homem e natureza, a tendência é a cumplicidade: "Um oposto precisa de

outro oposto para se equilibrar; dois contrários destroem-se um ao outro."189

A Arte não se limita a ser cópia da natureza, é independente do processo de

reproduzir icónica da natureza. A autonomia da arte moderna, relativamente

à função representativa da natureza, era irreversível: "que a Arte já andava

farta de paisagem e de carne parecidas."190 Almada não recusava a natureza

como conceito ou existência, apreciava-a na sua perfeição, não fazendo a

criação de arte depender da sua afectação exacta.191 A posição de Almada

estava imbuída da tradição plotiniana, ao conceber que a imitação das coisas

não respeitava à concordância na arte aos elementos visuais apreendidos pelo

sentido, mas que a realidade se exteriorizava na obra, enquanto forma

interior ou ideia gerada no artista por intuição espiritual.

2.4. Arte e Natureza

Nas diferentes épocas, a ideia do conceito de natureza sofreu alterações,

resultantes da interpretação da arte e da interpretação da natureza. Como

sucede com outros conceitos que contribuem para o estudo do pensamento

humano na História europeia, também no referente à natureza, a influência

que o fim da arte, segundo a tradição expressa em Pessoa, era imitar perfeitamente a Natureza. O que significava "não copiá-la, mas imitar os seus processos." Cf. Pessoa, op. cit., pp.231-232. 188Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.17. Paul Klee in Théorie de l'Art Moderne, a propósito do "Credo du Créateur" afirma uma ideia próxima à manifesta — e complementar — por Almada quando escreve: "De même qu'un enfant dans son jeu nos imite, de même nous imitons dans le jeu de l'art les forces qui ont créé et créent le monde." Cf. op. cit., p.42. 189Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.17. Almada marca bem a diferença entre "oposto" e "contrário". 190"O Cinema é uma coisa, o Teatro outra", Ensaios, p. 120. Saliente-se o facto das ideias relativas à autonomia da Arte — enquanto subsumida à representação da natureza, ou seja, da realidade —, serem desenvolvidas fundamentalmente em dois textos, cujo tema aglutinador é a tecnologia audiovisual consolidada na época: cinema, fotografia, desenhos animados, por contraposição à pintura que se apropriara da sua independência na modernidade. 191"A natureza é um mundo perfeito, mas sem imaginação." Cf. Almada Negreiros, "O Cinema é uma coisa, o Teatro outra", Ensaios, p. 121

59

essencial veio da antiga Grécia. Aristóteles na Física indicou o âmbito da

natureza, à qual pertenciam as coisas que possuem, em si mesmas, o

princípio de movimento e repouso; nela se incluíam os animais, as plantas e

o homem, dado desenvolver-se também a partir de um embrião; abrangia

quer o processo natural, quer os produtos desse processo. As coisas que o

homem faz, existem por convenção, uma vez que são fabricadas, opondo-se

entre si, natureza e convenção, de acordo com a posição dos Sofistas.

Os produtos gerados na natureza — da natureza — implicam, quer a matéria,

quer aquilo que determinou as suas formas, ou seja, a sua essência, a força

que dirige a própria natureza. Verifica-se a dualidade de conceito: a natureza

como aquilo que designa o mundo visual evidente, e as forças, apenas

evidentes na mente, que se supõe terem configurado o mundo tal como é. Os

romanos adoptaram o termo natureza, para denominar a suma das coisas

visíveis, e também o princípio de geração das coisas naturais, e ainda a força

que as tinha produzido. Na Idade Média, mantiveram-se ambas acepções,

diferenciando entre natura naturans e natura naturata, ou seja, a natureza

criativa e a natureza criada. A natura naturans, invisível, era a fonte, a

essência, podia incluir Deus como o Criador — mas não fazendo parte da

Criação — e a natura naturata era, simultaneamente, a summa rerum e a

origo rerum , denominadora da Criação. A terminologia foi adoptada, tanto

pelos escolásticos, como pelos místicos, persistindo ainda em alguns

filósofos modernos — Giordano Bruno e Baruch Spinoza.

A Arte europeia, à semelhança da mentalidade predominante na Grécia

antiga, denota historicamente uma complexidade extrema "ya que el arte

depende de la naturaleza en sus diversos modos, pero cuando se analisa por

completo debe considerarse entre las cosas que existen "por convención",

porque se trata de una obra humana."192 Na história da Arte, verifica-se que a

determinação estética, foi oscilando entre imitar a natureza como natura

naturata, a visibilidade das coisas do mundo, e imitar a natura , a essência, a

estrutura do mundo, das coisas, do homem. Por exemplo, quando Léon

Battista-Alberti tratava o conceito de "natureza" na sua teoria da arte,

mencionava-a como sentido e origem das coisas visíveis no mundo,

entendendo-as de acordo com as proporções imutáveis e as leis latentes, não

manifestas mediante a simples análise visual. Vasari afirmou que a

arquitectura mostrava maior conformidade com a natureza, do que a pintura

192CF. W. Tatarkiewicz, Historia de seis Ideas, p.327

60

ou a escultura...referia-se às semelhanças quanto ao processo de criação —

natura naturans.

A natureza era perfeita, segundo os antigos, pois evoluía de forma ordenada

e determinada, harmoniosa e equilibrada, correspondendo ao conceito

cosmológico de criação, e assim se constituiu em modelo para as criações do

homem. Possuia, efectivamente, as proporções certas que havia que copiar

na arquitectura, na pintura e na escultura. A ideia do conceito de natureza

evoluiu, e com Aristóteles concebeu-se a mudança, na medida em que ficou

afirmada a possibilidade da Arte poder ser superior à natureza, ao conceber a

categoria estética de uma Beleza idealizada, modelo perfeito, para o qual

concorriam os elementos mais perfeitos que existiam isoladamente na

natureza, conformando-se num todo belo. Esta posição resultou na ruptura

com a ideia inicial da doutrina grega, acerca da supremacia da natureza sobre

a arte, impondo o conceito de beleza idealizada, baseada no cânone. Almada

prevaleceu sempre esta acepção categorial de beleza, e a ideia de imitação

aristotélica: "A imitação da natureza (Aristóteles) não é uma cópia exacta da

natureza, é não uma mas a síntese da natureza, a perfeição ideal que faz

servir a exactidão."193

No pensamento teológico, vigorando durante a Idade Média, a natureza era

símbolo vivo da criação de Deus, o que lhe conferia um grau analógico

absoluto de beleza e perfeição, princípio que foi formulado originariamente

pelos Padres da Igreja, baseados nas ideias sobre a Criação, manifestas no

Livro do Genesis. Deus era o Grande Artista, à semelhança do qual o

humano devia procurar, salvaguardadas as suas limitações, exaltar pela sua

criação, a excelência do acto divino.194 Durante o Renascimento, a natureza

foi avaliada de formas diferentes: na linha platónica, Marcilio Ficino195

atribuía-lhe uma modesta situação; Leonardo da Vinci196 considerava-a a

perfeição suprema; Bellori197 fazia-a inferior relativamente à Arte. A

193"O Número", Ver, p.181 194De acordo com as diferentes tendências da Estética Medieval, predominaram acepções diferentes, consoante os princípios privilegiados: na estética das proporções, na estética da luz e na estética do organismo. Esta manifestamente, integradora de maior relação ao privilegiar a criação à semelhança da própria organização subjacente nos produtos da natureza. CF. Umberto Eco, Arte e Beleza na Estética Medieval, pp. 106 a 123 195Marsilio Ficino dá primazia ao conceito de ideia como princípio estético por excelência e para a teoria da arte, assunto acerca do qual se confronte Panofsky, Idea — contribución a la historia de la teoría del arte , p. 52, p. 55, pp. 86-87. 196Cf. Panofsky, Idea — contribución a la historia de la teoría del arte , p. 47; Cf. do próprio Leonardo da Vinci, Aforismos, sobre o conceito de natureza, pp.39-43 e sobre a questão da imitação da natureza, como postulado para a praxis pictórica, vejam-se pp. 66-68. 197 Acerca da teoria de Bellori confrontar obra de Panofsky mencionada supra, pp. 96-97.

61

natureza, de modo geral, era celebrada pela riqueza do seu colorido e das

suas formas, pela harmonia das leis que a configuravam. Avaliava-se de

acordo com os parâmetros da razão, que foram radicalizados no período do

naturalismo racional, na 1ª metade do século XVII; a perfeição era atingível

pela razão e pela natureza; a Arte aspirava a ser tão racional como a

natureza. Posteriormente, a teoria veio a decair, alterada por diferente

concepção de natureza, prevalecendo a necessidade de relação entre a arte e

a natureza. A posição racionalista sobre a natureza, o culto que lhe era

atribuído, devolveu-lhe a excelência dos seus atributos visíveis novamente,

na sua diversidade e magnificência.

A teoria naturalista, reconhecia na arte, a superioridade relativamente à

natureza, ainda que tomando-a como modelo, a ela se submetendo, pretendia

excedê-la. As ideias e posições, sobre a relação entre ambos termos,

manifestos até aqui, pretendem exemplificar as dificuldades em entender, de

forma simplista, qual o quadro em que se situaria a utópica situação

relacional, se existisse sem necessidade de conciliação do humano com a sua

própria natureza de pertença.

Com o advento histórico na Arte, do realismo e do naturalismo, a relação

imperou na estética do século XIX, até à ruptura do Impressionismo,

preservando todavia a configuração imagética que a considerava, renovando-

a, tornada indispensável como tópico experencial de novas linguagens e

conceitos na praxis artística. Almada procurou expor os limites, as fronteiras

da natureza relativamente à arte, pois a "Arte não só não copia a Natureza,

como também apenas começa imediatamente depois de ter tomado

conhecimento dos próprios limites do que é natural."198

A noção de naturalismo que Almada criticou, confundia-se com a obsessiva

cópia da natureza, em termos picturais, sem consciência da distinção, o que

não significava qualquer supremacia saudável da arte, antes uma submissão

que inibia a criatividade do artista. A esse estilo esgotado, contrapunha

Almada, a inovação cubista e a exaltação futurista da vanguarda, embora

reconhecendo que: "O próprio artista não está ainda liberto da visão

fotográfica, nem de toda a estética naturalista passada para no novo caminho

aberto estar hoje em sua casa."199 A Arte por ser um complexo de criações

artificiais, é um mundo artificial, pelo que se opõe à natureza; "são dois

198"Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.70 199“As modernas expressões da Arte segundo Almada Negreiros recém-chegado de Paris”, Diário de Lisboa, 22 Junho 1949

62

mundos diferentes: um natural, espontâneo; outro, artificial, construído. De

comum entre ambos só há a vida."200 Precisamente porque são opostos,

implicam-se, não se excluem, disputam entre si a vida: "Para lá das fronteiras

naturais da terra nasce a Arte e Vida continua e, mais nova do que nunca e

tão imediata como sempre."201

Porque sabia a imprescindibilidade vital da natureza, por respeitar a sua

integridade, é que Almada reafirmava que não fosse copiada na pintura, pois

a natureza não admite interpretações que a adulterem. A natureza tem de ser

ela própria, presença inteira, única, infinita e imutável, que se deve

fotografar e nunca tentar pintar em simulacro ou ilusão. Almada reconhecia,

todavia, ser difícil conseguir esse propósito, consolidá-lo, nomeadamente,

por causa do público, pois este não sabe distinguir de forma correcta, o que é

a natureza e o que é arte, habituado que estava a ver uma pintura naturalista,

cujo propósito era representar muito directamente a realidade.202 O

compromisso manifesto, entre o artista e o público ,exigia que se

estabelecesse a comunicação, e o modelo que, artificialmente, melhor parecia

responder, consistia no reconhecimento imagético dos tópicos representados

na pintura, em conformidade com a aparência da natureza. Essa conjectura

era todavia falsa, na medida em que, predicava apenas a ilusão, a aparência,

confundindo os espectadores, os fruidores — marcante reminiscência das

ideias estéticas do platonismo, na condenação da pintura como falsa... Pelo

contrário, a configuração representacional do fenómeno pictórico

estabelecia-se solidamente através do livre exercício da imaginação,

propulsora da criação artística: "Enquanto a imaginação não estiver bem

assente nos seus legítimos alicerces individuais, a Arte não poderá começar

ainda a sua grande obra para todos."203

200"Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.70 201"Idem, ibidem, p.70. Na edição publicada pela INCM, parece existir uma gralha na frase que segue, constante do texto mencionado: "Porque a Natureza é exactamente o posto de Arte, o seu oposto." Deverá ser "oposto" e não "posto", para ser coerente com as considerações presentes. 202Esse teria sido um dos motivos que orientou o primado do "verdadeirismo" na pintura, até que esta veio a ser liberta pela fotografia, cuja natureza e características técnicas correspondiam adequadamente ao propósito de fixação fiel da realidade, da natureza. A fotografia é "a retratista da natureza", através da máquina que "mostrava às gentes o que elas tinham diante dos olhos!" Cf. Almada Negreiros, "O Cinema é uma coisa, o Teatro outra", Ensaios, p. 120 203"O Cinema é uma coisa, o Teatro é outra", Ensaios, p.124. Confronte-se com as reflexões de Paul Klee, mostrando-se a afinidade de ideias entre ambos: "...l'artiste n'accorde pas aux apparences de la nature la même importance contraignante que ses nombreux détracteurs réalistes. Il ne s'y sent pas tellement assujetti, les formes arrêtées ne représentant pas à ses yeux l'essence du processus créateur dans la nature. La nature naturante lui importe davantage que la nature naturée."Cf. Théorie de l'Art Moderne, p. 28 E ainda a metáfora da árvore, relativamente aos termos que cumpre a actividade criadora do artista moderno, cf. de Paul Klee, On Modern Art, pp. 13 a 21.

63

Almada salientou o papel da imaginação, com intuito de promover a

comunicação entre todos, pois é faculdade individual em cada um, e de cada

um, enquanto que o excesso e a obsessão de realidade na arte incapacitava

para toda e qualquer linguagem. A imaginação, enquanto motivação infinita

no campo realizador da arte, confere à Arte, a condição de linguagem

imortal, ultrapassando a intransponibilidade das diferentes linguagens,

parcelares entre si, na unidade da linguagem universal — a da comunicação,

por excelência —, a Arte.

Almada adoptou, uma noção de Arte fundada na liberdade, no campo

disciplinar (de expressão) em que se exercia a verdadeira criação — poiésis;

o artista precisava de independência para a cumprir, deixando-se impregnar

pela obra em génese: "Quem manda é a obra e quem sabe é o Autor, quem

manda é a Arte e quem sabe é o artista."204 Esta exigência aplicava-se nas

diferentes artes. Na pintura, o autor tem de inventar a sua pintura,

desenvolver o campo da sua personalidade, o que se resolve se ele souber

recuperar a essência da poesia, a imaginação, depois de, durante séculos ter

exercitado a sua capacidade fotográfica de fixação estática das imagens da

realidade. Se se entender técnica como habilidade de, excessivamente, copiar

as imagens da natureza, a realidade, então a técnica é prejudicial ao criar do

pintor, restringe-lhe a autonomia, procurando-lhe temas em que possa

explicitar o seu virtuosismo pictórico.205

Tomando a pintura, como paradigma da criação artística, ideia proveniente

da afinidade pessoal, Almada afirmava que "Pintar é falar consigo mesmo

para que alguém nos entenda", tarefa complexa, reconhecendo que, "A

pintura é a verdadeira arte para heróis".206 Justificava a convicção, por

confrontação com as vias da pintura desenvolvidas nas vanguardas, género

artístico em que se consolidou a impugnação do quadro axiológico anterior.

Competia à pintura recolher, "O novo mistério do mundo humano está

perfeitamente enunciado diante dos seus olhos. Hoje são necessários apenas

os heróis do novo mistério do mundo."207

204"Desenhos animados, realidade imaginada", Ensaios, p.159 205"A técnica é um prejuízo do pintor, um novo preconceito; a pintura é uma atitude da nobreza humana e não pode ser encarada apenas por uma profissão de oficina." Cf. "Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.103 206"Entre todas as outras artes foi sempre a pintura por diante das outras e hoje mesmo, na vida actual, a pintura moderna está senhora de si mesma incomparavelmente mais do que nenhuma outra arte."(...) "O pintor moderno está completamente virado para diante de si mesmo, sem sombra de nostalgia pelas costas." Cf. "Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, pp.109-110. 207"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.110

64

A Arte precisou da imaginação do artista para se realizar de acordo com as

exigências acima expressas, por imaginação significando a personalidade

individual humana, essa faculdade que Kant reconhecia ser o domínio do

gosto, em que a beleza se configurava em moldes tão íntimos da

experenciação estética também. A imaginação envolvia o "apuramento da

sensibilidade emotiva e uma promessa de reaparição da Arte."208 Pela

imaginação, como faculdade individual, o Homem pode viver na natureza,

sendo uma e outra os dois grandes valores que existem para a humanidade,

completando-se mutuamente. 2.5. Arte e Poesia

O acto da poesia é único, a "Poesia é senão por onde é para cada um."209

A Arte é constituída por expressões disciplinares que geram um todo: a

pintura, a escultura, a arquitectura, a música, a dança, o teatro, e também o

cinema...Todas as artes foram abordadas, a seu tempo, de acordo com a

intensidade, aprofundamento e uso que o Almada lhes deu — no domínio

criativo ou crítico. Singular situação é a da Poesia, expressão articuladora da

vida, que lhe configura unidade de sentimento, pensamento e imaginação. A

Poesia é o estádio supremo da Arte, como expressão e comunicação.

Almada, confrontando-se com a perspectivação esotérica que lhe atribui,

anunciou-lhe a missão suprema: assunção da Luz — o conhecimento — que

confere a autoridade pessoal até chegar à personalidade.210 A Arte é um processo intelectual; é um conhecimento em estado de recepção; mas só na Poesia é que se encontra o élan de cada qual.211

A Poesia, sendo de ordem superior, encontra na Arte, o seu único modo de

expressão; transcende-a, pois a Arte não se sobrepõe à Poesia, que é génese

íntima do poeta: "Quem fala são sempre as pessoas e nunca a voz que as

208"O Cinema é uma coisa, o Teatro outra", Ensaios, p.124 209"Poesia e Criação", Ensaios, p.166 210Cf. supra p.50, acerca da Poesia e Ingenuidade ver a respectiva abordagem neste mesmo capítulo. 211"Elogio da Ingenuidade ou as desventuras da esperteza saloia", Ensaios, p.147. Quanto à natureza da Poesia, segundo Almada, encontra-se afinidade com a convicção afirmada por Jacques Maritain ao afirmar que a Poesia se liberta no sentido poético que as obras de arte possuem quando são produto da unidade pessoal. A Poesia é produto da acção do autor, sendo a acção uma propriedade exigida por toda obra de arte. Cf. L'Intuition créatrice dans l'Art et dans la Poèsie, p.343

65

pessoas têm."212 A Poesia provém do mais recôndito de cada um, revela a

pessoa efectivamente, desvelada a sua essência, pela unidade criada. A

Poesia, no modo como Almada a concebe, aproxima-se da poética de

Jacques Maritain, incidindo na acção transcendente da Poesia.

A poesia ligada, por natureza, à Arte, considerando Maritain que, por sua

essência, se dirige à Arte; na ordem da criatividade, devido à sua comunhão

espiritual com o ser, a poesia transcende mesmo a Arte. A transcendência da

poesia advém-lhe de dois factos: é essencialmente libertação e actuação da

livre criatividade do indivíduo, na sua dimensão espiritual e, portanto, não

tem objecto. Não possui objecto, pois a Beleza, é em Maritain um correlativo

transcendental, um fim para além do fim213 — equivalente à Luz de Almada.

A Arte está na obra criada, como produto, ou seja, o objecto encerra a livre

criatividade do espírito num género particular, numa categoria particular; é

conhecimento, um conhecimento essencialmente orientado para a expressão

e acção, mas não é um conhecimento prático, no sentido restrito do termo. É

apenas de forma distante, através da arte, que o conhecimento poético está

em relação com o prático.

Por outro lado, a Poesia, de acordo a esta perspectiva, transcende a Arte,

sendo um conhecimento que, analogicamente, possui o carácter

contemplativo da Filosofia; é conhecimento da interioridade mesma das

coisas — ainda que sendo um conhecimento experencial totalmente diferente

do conhecimento teorético afecto à Ciência e à Filosofia. A Arte, por sua

vez, está totalmente comprometida com o conhecimento prático, em sentido

restrito, é conhecimento para fazer. A acção transporta o conhecimento

poético do seu próprio estado ou nível, para um estado mais objectivo e mais

universal, onde o conhecimento criativo é ainda incapaz de existir, em

termos de razão conceptual e lógica, mas é descomprometido da "noite da

subjectividade".214

Quanto ao conhecimento afecto à Poesia, Almada considera a relevância do

conhecimento sensível como elemento integrante, essencial da Poesia:

"Entendo por Poesia a aliança sagrada do conhecimento sensível e a acção

pessoal que se chama personalidade."215 A diferença entre Almada e Jacques

Maritain situa-se ao nível da procedência do conhecimento poético. Em

212"Elogio da Ingenuidade ou as desventuras da esperteza saloia", Ensaios, p.147 213Cf. Jacques Maritain, L'Intuition créatrice dans l'Art et dans la Poèsie, p.223 214Cf. Jacques Maritain, op. cit., p.345 215"Reaver a Ingenuidade", Ver, p.51; Cf. "Prefácio ao livro de qualquer poeta", Poesia, pp.35 a 39.

66

Almada provém, como se viu, do conhecimento sensível, esse tipo de

conhecimento que fundamentou no conceito de Aristóteles, citando-o: "O

conhecimento sensível é comum a todos; também é fácil e nada tem de

filosófico."216 O conhecimento poético não é conhecimento sensível no

sentido restrito, é conhecimento de ordem emocional, embora salvaguardada

a sua dimensão intelectual. O essencial no emocional é expressar-se, e o

conhecimento é serviço feito pelo intelectual ao emocional, donde nasce a

Graça, na sua dupla acepção, de sagrado e poético, Graça que está na

ingenuidade. É a chegada triunfal do conhecimento ao Homem determinado.

É transfiguração do indivíduo em pessoa, é luz e vértice da Poesia. A Poesia

é o conteúdo, aquilo que se deseja dizer, e a Arte é a maneira de dizer o

conteúdo. A Arte serve deste modo o seu único fim, o Homem, na medida, e

quando existe expressão, quando há Poesia, então a Arte revela.

Obviamente, em Almada, a Poesia é manifestação espiritual, na unidade que

o Autor concebia na personalidade, entre sensível e espiritual, entre sensível

e sagrado. O que se concilia com a posição em Maritain, que situava o

conhecimento poético, manifesto na experiência poética, emergindo do

préconsciente espiritual, um estado de conhecimento obscuro, inexprimido e

"saboroso" (fruído). Esta dimensão estaria igualmente presente em Almada,

se se atender à abordagem "obscura" — porque latente, a necessitar o

desvelamento pela poesia, em estado "de ingenuidade para criar poesia: "A

Arte é outra coisa — é dom conquistado e chamado Poesia!"217 A Poesia

reunia em si, segundo a tradição do próprio Homero, a possibilidade de

estender sem fronteiras o acto de comunicar — é universal. A Poesia era, na

perspectiva de Almada, "linguagem universal, ligando todos os povos

indistintamente ou errantemente de povo em povo, sem preferências, sem

predilecções."218

Acentuando a ideia de Almada, afirme-se que à Arte é dado ser Poesia, pela

experiência estética da pessoa individual. Portanto, a visualidade interior que

a Arte exterioriza, transparece para além da forma, se "dominar e conseguir

fazer durar e perdurar esse instante de meditada espontaneidade, no qual

surja a presença clara e luminosa do que é humano, ou seja, a um tempo

natural e imaginado, superior e universal."219 A Arte como presença estática,

216Aristóteles, Metafísica, A, 2, 10 citado por Almada Negreiros, "Reaver a Ingenuidade", Ver, p.53. Confronte-se a versão portuguesa do Prof. Joaquim de Carvalho: "O conhecimento sensível é comum a todos, e por isso fácil e não científico." Cf. Aristóteles, Metafísica, p.8, ed. Atlântida. 217"O Cinema é uma coisa, o teatro é outra", Ensaios, p.121 218Almada Negreiros in “Quem era Homero?”, Diário de Notícias, 16. Janeiro 1944 219Idem, ibidem, p.121

67

inclui todas as expressões, possíveis para atingir a visualidade interior —

oculta e obscura —, "essa aparição que transluz da matéria

manufacturada."220 Poder-se-ia aludir, ao que Maritain considera ser, a

Epifania da Intuição Criadora, para transposição ao pensamento de Almada.

Efectivamente, anterior ao acto gerador da Poesia, é a intuição criadora,

espécie de estado de ingenuidade, de inocência. É, por causa da sua relação à

fonte criadora e ao valor intencional, que se estabelece a diferença entre o

sentido poético e a acção — como actus secundus 221 para a existência da

obra criada.

3. Teorizações estéticas — utopia, pessoalidade e educação 3.0. Preâmbulo

A Arte é a própria linguagem do Homem, o seu conhecimento do Homem, a sua ciência do Homem, mas apenas o artista soube ver e expressar diante da Natureza.222

A estética propugnada por Almada Negreiros é potencializadora das

condições artísticas para a dignificação superior do humano — "caso

pessoal". É via e finalidade de superação "das formas em busca da harmonia

de sujeito e objecto, a sua vitória do espaço no tempo..."223 Em

consentaneidade com a analítica da pessoa individual humana, perspectivada

na singularidade dialogante para o colectivo, por via da abordagem

ontológica, a incidência primordial, reconhecível para a sua estética,

envereda pelos propósitos enfatizadores precisamente do humano como

unidade pessoal singular — consubstanciada em corpo e alma: "Numa

palavra: mostrar que a Religião, a Moral, a Sciencia e a Arte são meios e que

o Homem e só ele, em sociedade ou individualmente é o fim."224

220Idem, ibidem, p.121 221Cf. Jacques Maritain, op. cit., pp.343 e ss. Maritain recupera a terminologia aristotélica segundo a qual a existência é actus primus , e acto de todos os actos, enquanto que a acção é actus secundus , acto terminal emanente, uma sobreabundância — excesso — de existência, pela qual o ser se afirma, para além da existência substancial. A acção é distinta da essência do agente e do seu acto de existir. É de forma analógica que Maritain transpõe estas noções, aplicando-as às qualidades espirituais que são os elementos ontológicos do poema, ou da obra enquanto obra do espírito. 222“Duas Palavras a um colaborador. Homenagem ao Arq. prof. Pardal Monteiro”, Textos de Intervenção, p.113 223Alberto Pimenta, "Almada Negreiros e a Medicina das Cores", Colóquio - Letras nº 79, Maio 1984, p. 28 224"A entrevista da semana - José de Almada Negreiros fala-nos das suas ideias e das suas intenções", Revista Portuguesa, vol.I, nº2, p.11

68

Almada Negreiros equacionou, as questões relativas à definição de Arte, em

planos complementares, preocupando-se com as respectivas asserções

espistemológicas, para esclarecer a sua posição teorizadora. Contribuindo

para o estabelecimento do seu pensamento estético-antropológico, articulado

a reflexões (e especulações) de âmbito ontológico (e metafísico) e crítico

(sobre a radicação do caso português por confronto à cultura europeia

ocidental), debruçou-se sobre a situação, estatuto, funções e abrangência do

fenómeno artístico, pela via do Autor e pela via do seu público. Localizou a

abordagem na sua contemporaneidade, contextualizando-a no tempo e para o

tempo, motivado pelas questões afectas à theoreia e à praxis. da Arte.

Não podendo estruturar-se, artificiosamente, pelo risco de desvirtuar, um

pensamento que não nasceu de forma estruturada, pretende estabelecer-se

uma rede de conceitos, que viabilizem o sentido conjunto, e localizem o

campo de desenvolvimento estético e filosófico sobre Arte, criação artística,

sobre poesia...enfim, apreendendo-se o que constitui o núcleo estruturante

que se expande e suscita, simultaneamente, toda a obra de Almada

Negreiros. A grande causa — procedência e finalização — de uma convicção

inabalável, justificadora do facto é manifestada pela necessidade substantiva

dos conceitos (modernidade, nacionalidade, humanidade e personalidade)

anteriormente tratados, e radica na afirmação de que a Arte e a Vida

constituem um Todo e são unidade irrevogável entre si.

3.1. Estética Utopista

A estética da palavra permitiu a Almada Negreiros em 1917 o que a estética da forma lhe não permitiu. Não se trata de considerar a estética da palavra mais avançada que a da imagem.225

No período áureo da modernidade, num dos textos, manifestamente, de mais

impacto, "Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do século XX",

Almada anunciava a sua personalidade, pelo pasmo de si, pelo culto

paradoxal do eu: "Eu sou aquele que se espanta da própria personalidade."

Ao que, algumas frases após, complexificava a convicção de que: "A vida

pessoal, mesmo até a vida do Génio, não têm a importância que lhes dão os

velhos; são instantes mais ou menos luminosos da vida da humanidade."226

Por outro lado, Almada avançou, no período posterior ao Modernismo, com a

225Alberto Pimenta, "Almada Negreiros e a Medicina das Cores", Colóquio - Letras nº 79, Maio 1984, p. 28 226"Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do século XX", Portugal Futurista, p. 36

69

doutrina solicitada pela situação utópica da Arte, que se pretendia moderna,

"de hoje".

Correspondendo à aparente oposicionalidade de conceptualizões, com que

Almada configurou os seus textos dessa época, afirmava que a Arte não tinha

hipóteses, atribuindo à Arte uma responsabilidade sem alternativa, pois

levada a agir, de acordo com os termos axiológicos renovadores exigidos,

quer no âmbito do artístico, quer do estético; impregnada de valores

societários e antropológicos de fundamento e acção. A conjugação da

actividade do Autor, pela força e energia impositivas da sua personalidade

— qual Génio? —, serviria de "instante luminoso" para a humanidade, se

devidamente associada à assunção da arte, consentânea aos termos

constitutivos que lhe conferiu, e à responsabilidade junto do colectivo.

Apesar de em 1933, Almada rejeitar, por determinação epistemológica,

definições expressas sobre o conceito de Arte, o facto é que, também as

previu e foi consolidando ao longo dos anos; embora evitando estabelecê-las,

a título meramente gratuito ou retórico, salvaguardou-lhe a necessidade

doutrinária, para o desenvolvimento global da criação poética e para a

expressão da identidade do Artista na colectividade. Almada criticava

sobretudo a multiplicidade, do campo semântico nas definições —

porventura definições consecutivas —, que apenas servia de exercício sem

concretização, ao sublinhar que: "Há definições conhecidas de Arte e as

quais nos recusamos a citá-las aqui. A razão da nossa recusa é precisamente

essa de haver várias definições para uma única palavra."227

Para iniciar a abordagem epistemolégica do conceito, em Almada Negreiros,

recue-se até ao período inicial da sua actividade e obra para o público. Os

princípios basilares da Estética, que veio a desenvolver na maturidade,

encontravam-se já manifestos, em duas asserções definidoras, explicitadas,

precisamente, no texto alusivo à vinda a Lisboa dos Ballets Russes. Os

elementos estruturantes que Almada, sempre convocou, para definir, de

modo tão pessoal, os princípios substanciais da Arte e Criação, salientam o

propósito conciliatório do seu pensamento estético, com a efectividade de

atitude da praxis artística. A primeira afirmação taxativa sobre Arte

relaciona-a à Ciência e à Educação:

227"Modernismo", Textos de Intervenção, p.70

70

A Arte de hoje está definida, é uma Ciência concreta. Tem os seus deveres, os seus deveres de educação.228

A Arte proclamada nestes escritos, incorporando-lhe as considerações

latentes, caracterizava-se por ser um método matemático conveniente "para

aproveitar ou multiplicar as energias humanas em favor da civilização

Europeia."229 Para Almada, desde início, que apenas fazia sentido uma via da

Arte que respeitasse a Humanidade, atendendo na pluralidade de suas

dimensões primordiais: "A Arte de hoje mostra nos seus resumos e na sua

simplicidade todos os sentimentos comuns à Humanidade e explica em

seguida a evolução infalível desses sentimentos."230 Eis a segunda afirmação

aproximativa à definição de Arte, contendo igualmente os elementos do

posterior aprofundamento. Considerem-se pois: a forma como encara a Arte

como Ciência e a sua missão educacional; a Arte escrita na matemática dos

seres; a articulação entre a Arte e a Política — em termos ideológicos; a

inscrição da Arte na própria Humanidade, pela via do caso pessoal humano,

de cada um por si mesmo encontrado, pois "Arte é sobretudo atitude

universal da pessoa humana."231 Convicções profundas, de que Almada

estava imbuído, tendo avançado para aprofundamento filosófico,

demonstrado nas reflexões centrípetas acerca do significado mítico-histórico

e ontológico da humanidade, baseada no conceito nuclear, do caso pessoal

humano, de cada um e de todos. 3.2. A utopia ideológica — Arte e Política 3.2.1. A ideologização da Estética

Como atrás se referiu, já desde as primeiras afirmações públicas de Almada,

que este anunciou, com profundo empenhamento, a missão artística, de

substantiva intenção educativa, a exercer junto de um público que urgia

actualizar, à semelhança da "outra" Europa. Este objectivo era comum aos

diferentes discursos afectos ao Futurismo , nos diversos países que mais

gregariamente o assumiram, como foi o caso italiano e russo —

salvaguardando, de modo inevitável, as respectivas conciliações

228"Os Bailados Russos em Lisboa", Portugal Futurista, p. 2 229Idem, ibidem, p. 2 230Idem, ibidem, p. 2 231Orpheu 1915-1965, p.14

71

idiossincráticas. As manifestações públicas do Futurismo eram mais de

ordem estética (e performativa) do que de prática artística, pretendendo

implementar um processo de educação cultural em Portugal. Este processo

deveria ser conducente à emancipação geral das novas gerações, com intuito

prospectivo. Por outro lado, estava subjacente na própria definição do

movimento, a assunção por parte dos protagonistas mais directos, do seu

papel como educadores, como orientadores das massas, através da retórica

autoritária, que se acomodou posteriormente, nas intenções ideológicas

definidas pela política fascista — caso na Itália de Mussolini. Aliás, alguns

anos depois do episódio futurista em Portugal, e a propósito da vinda a

Lisboa de F.T.Marinetti, Almada não descuidou a sua ironia quanto ao

ideólogo estético de Mussolini:

Ouvimos na Sociedade Nacional de Belas-Artes o académico italiano F.T. Marinetti dizer depreciativamente que a Arte era um assunto meramente individual.232

Portanto, quando Almada assumiu em tom de desagrado, o que Marinetti

considerava ser a Arte de foro pessoal, não estava a propor uma estética

subjectivista que expressasse, de forma egoísta o eu individual, porque o

indivíduo só se configurava intimamente como pessoa, na asserção

relacional intersubjectiva, convergindo, com a manifestação da sua pessoa,

na pertença à humanidade — e na humanidade, através de cada um dos seus

respectivos núcleos colectivos, nacionalidade, colectividade, família. Ideia

basilar que Almada afirmou, na sessão pública de 1951, no Centro Nacional

de Cultura, de parceria e discussão com Fernando Amado:

O Mundo da Arte é sinónimo do mundo da personalidade; e portanto, a linguagem plástica deve ser acessível a toda a gente.233

232"Encorajamento à Juventude Portuguesa para o Cinema e o Teatro", Ensaios, p.132. O mencionado texto está datado de 1935, mas já anteriormente, em 1932, num outro artigo "Arte e Artistas", Almada referia o fundador do Futurismo — em termos algo equívocos —, também ao constatar o teor da relação subjacente, entre Arte e Política, quando considerava que Marinetti pertencia à raça dos condottieri e fora essencialmente um poeta, quando fundara o movimento futurista, "e bem pronto intervém decisivamente na política própria da sua colectividade." Considerava ainda que, ao agir desta forma, com a intenção prioritária do próprio Futurismo como grupo de acção estética e poética, Marinetti não fazia mais do que reagir violentamente, em igualdade de procedimento contra os movimentos sociais dos povos nórdicos, cuja supremacia se mostrava nítida relativamente aos meridionais. Assim, a "reacção provocada por Marinetti teve como resultado esplêndido a generalização do movimento que se estava localizando apenas no Norte da Europa: quando vencem os comunistas na Rússia surgem simultaneamente os fascistas em Itália. E as outras colectividades da Europa também procuram a expressão política que lhes seja própria, privativa e actual." Cf. op. cit., p.81 233Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.13

72

Portanto, a Arte e a Política não precisavam de se conciliar, na medida em

que não existiam para colaborar mutuamente, "e o único encontro possível

de ambas é nos resultados das suas acções particulares, ao produzir-se a

presença de uma e da outra na vida da humanidade."234 Tampouco estavam

destinadas a antagonizar-se, antes cada qual, saberia fixar-se na sua asserção

e necessidade, intrínsecas para a humanidade. Nem a Arte combateria

qualquer política, nem o inverso — utopicamente, é certo —, provocando-se

a rivalidade, a nível opinatório, decorrente da diversidade de

posicionamentos ideológico-políticos e da diversidade doutrinária sobre a

Arte. Ou seja, no domínio duplo de uma pragmática, quer de actuação

política, quer da artística, fruto das respectivas convicções enunciadoras,

seus dogmas e hermetismo. 3.2.2. A utopia nacionalista — o compromisso

As manifestações do colectivo, traduzem o sentido da nacionalidade,

reflectindo-se na Arte; dirigem-se à evidenciação no comum, dos propósitos

indispensáveis na vida da própria nação, assim como, a "Arte é tão

indispensável a uma Nação como as suas próprias fronteiras."235 A Arte,

através da acção do artista, intervém na vida comum da colectividade, por

imposição do movimento colectivo, mas parte a parte, por movimento do

individual plural. A Arte contudo não é apenas uma "ideia colectiva" —

como refere Heidegger 236 —, ela exige a acção e o poder deliberativo do seu

autor precisamente como singular. Não se trata — repita-se — de uma

estética subjectivista, mas uma concepção que está fundada nas exigências

do artista como pessoa, na personalidade do artista acedida — pelo domínio

do "segredo de como funciona o humano".237 Considere-se, nesta perspectiva

uma Arte de sentido humanista, fundada na necessidade de relação com o

234"Arte e Política", Ensaios, p.81 235"Duas palavras de um colaborador — homenagem ao arquitecto professor Pardal Monteiro", Textos de Intervenção, p.116 236Na Origem da Obra de Arte , Heidegger ao questionar-se sobre a natureza e estatuto do conceito de Arte afirma que: "Mesmo se a palavra arte designasse mais do que uma ideia colectiva, o que é evocado através desta palavra só poderia ser tendo como base a realidade das obras e dos artistas." Ao que segue a interrogação que contraria esta asserção anterior: "Ou não será o contrário? Porventura há obras e artistas apenas na medida em que há arte, e mais precisamente enquanto sua origem?", Cf. p. 11. O problema colocado pelo filósofo alemão aborda certamente um nível da questão que não se encontra sequer em dúvida em Almada, na medida em que o pensador português afirma a Arte, sendo ele próprio sujeito realizador da mesma, sem dúvida sobre a necessidade de seu acto, pensamento e obra. 237"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.103

73

colectivo, de prioritário sentido "político" — na acepção etimológica grega

remota, no sentido de polis.

Relativamente à competência do Estado, quanto à promoção das artes,

Almada considerava que era mais uma missão, do que um dever: "Um

Estado não pode descurar das coisas de Arte e muito menos a ponto de que o

próprio povo se tenha desinteressado de tal maneira dêste assunto como o

povo português."238 Sabia, no entanto, que a situação em Portugal, quer

oficial, quer a título particular não era credível, na medida em que

publicamente se consideravam os artistas, "assim como cada aldeola tem o

seu louco de aldeia", ajuizamento quase geral, determinador do tipo de

aceitação manifesta aos artistas. De acordo com estes termos, Almada

compreendia que ao artista convinha uma cumplicidade com o Estado,

convinha ao artista fruir um estatuto oficial: "Oficialmente a melhor posição

que atingirá o artista português é a de protegido."239 Devia existir

colaboração com o artista, quer particular, quer oficialmente, em termos que

preservassem a autonomia e responsabilidade do artista, consigo e com a

colectividade, e significassem uma necessidade para a Nação em si.240

Almada aspirava pela existência da Arte em Portugal, redenção dessa "nossa

secular falha nacional de cultura e arte"241 que viu — utopicamente —

configurada na Regra Unica que o cânone, descoberto nas pinturas de Nuno

Gonçalves, garantia historicamente. A sua consciência estética prezava a

necessidade de uma cultura e de uma erudição, simultaneamente universais e

nacionais, o que se orientava pela conjugação dos níveis sem exclusão, antes

exigência mútua.

Encarando a situação específica então vivida, Almada atribuía ao Estado a

exigência de se interessar pelas artes e de proceder, de forma a recuperar o

valor comum de manifestações — exposições — artísticas, de âmbito

verdadeiramente nacionais; não reconhecia competência nos poderes

públicos para formar artistas, competindo-lhes "não ignorar e reconhecer os

determinados valores que a humanidade e a sociedade lhes indicam."242

Almada referia-se designadamente "poderes públicos", promotores dos

238"S.O.S. Belas Artes", Vida Contemporânea, 1 (1) Maio 1934, p.88 239"Vistas de SW", Textos de Intervenção, p.126 240"Duas palavras de um colaborador - na homenagem ao arquitecto professor Pardal Monteiro", Textos de Intervenção, p.116 241A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves, p.11 242“Mensagem estética — os artistas raridades de excepção e outras palavras alto e bom som”, Textos de Intervenção, p.141

74

certames afectos às instituições nacionais de responsabilidade no sector: os

Museus, a Escola de Belas-Artes e a Sociedade Nacional de Belas-Artes.

Criticando o tipo de obras expostas nas exposições promovidas pelas

instituições ditas oficiais, estipulou a necessidade de uma Arte representativa

dos valores nacionais, uma arte do povo, uma arte do Estado, pois "cada país

tem a seu cargo uma longa e persistente tarefa de muitas gerações, a qual

consiste em fazer a ligação, uma ligação nacional, entre a arte erudita e os

costumes populares."243 Almada — em 1934 — sublinhava o facto de que:

"Cada país tem o trabalho nacional de fazer coincidir a arte erudita com a

sua arte popular. Isto é, o povo em si não falha nunca, está sempre nos seus

próprios costumes, mas, abandonado a êstes, entra em degenerescência ou

desfaz-se em emigração." Pelo que, cabia aos artistas, a renovação incessante

de "suas musas privativas e os seus sentimentos originais." A dificuldade

estava onde se achariam representantes suficientes, idóneos da raça

portuguesa, a quem competia direccionar a maneira de ser e de sentir

colectiva-nacional!244

O Estado, promotor do país como nação, tinha a sua cota parte de

responsabilidade. A postura oficial achava-se falha de responsabilidade e

consciência, propósitos superiormente presentes em Almada, motivo que o

levou a questionar a responsabilidade e competência dos académicos

directamente vinculados às instituições oficiais, aos quais, na maioria, não

reconhecia idoneidade. Não os achava "mentores sensitivos e estéticos", o

que lhes retirava a autoridade para se legitimarem como tal. O povo, como

constituinte supremo da nacionalidade, não podia ser culpado da inoperância

e incompetência de indivíduos que não existiam como tal; aqueles que

deveriam assumir a responsabilidade de Arte perante o povo, deveriam sair

do próprio povo, "e apenas o interêsse comum e colectivo os há de

reconhecer e até favorecê-los no seu mandato."245 A dificuldade começava —

repita-se — pela natureza e prática, de um ensino artístico que não

correspondia às exigências inerentes, um ensino que não podia promover em

termos públicos, em Portugal, "nem sequer tem uma rudimentar consciência

243Cf. "S.O.S. Belas Artes", Vida Contemporânea, 1 (1) Maio 1934, p.89. Almada posicionava-se segundo os parâmetros nacionalistas que viriam a ser subsidiados por uma política conveniente — em termos ideológicos e segundo acordo pragmático — próximo das finalidades definidas pela implantação do Estado Novo, política da qual se viria a dissociar posteriormente, ao empreender um caminho pessoal que transcendia a competência da nacionalidade propagandista. 244Cf. Idem, ibidem, p.89 245Idem, ibidem, p.89

75

da actualidade, capaz, portanto, de levar erudição e estética às camadas

profissionais e populares."246

A solução de Almada, residia, por consequência, na iniciativa pessoal dos

artistas que procuravam superar a situação, por si, não esperando que o

Estado deliberasse acerca das coisas de Arte, o que se traduzia na

enumeração de casos particulares que não respondiam à tarefa que ao Estado,

Almada atribuia.247 Urgia a actuação, consciência do dever, na ordem da

responsabilidade político-social do Estado, promotor de uma Arte de âmbito

nacional.

246Idem, ibidem, p.90 247"Nós acreditamos no Estado e acreditamos que Êle não pode de maneira nenhuma deixar de ser competente em todos os seus assuntos um dos quais se chama Arte." Cf. Almada Negreiros, "S.O.S. Belas Artes", Vida Contemporânea, 1 (1) Maio 1934, p.90.

76

3.2.3. Utopia estética do social

A política, tomada por Almada como sinónimo de social, apresenta as

urgências e actualidades deste, o que a caracteriza como um meio constante,

que "enche toda e qualquer realidade"248; por seu lado, o outro termo de

confronto, o humano, por natureza, é sinónimo que à Arte se obriga. Sendo

do humano, a Arte é invariável na "condenação" cronológica à história, é

perene, ou seja, a Arte é o social.249 "O social e o humano não são opostos,

nem sequer adversários"250, ambos são elementos essenciais na assunção da

Arte, não se opondo, nem se disputando, pois pertencentes à mesma, e única,

"humanidade na sua realidade actual e física e na sua eterna presença de

espírito."251 Esta ideia justificava-se porque Almada concebia, para o destino

da humanidade, uma única política universal, e ambas, Arte e Política,

integravam-se nessa única política universal, que transcendia as cisões e a

fragmentaridade dos fanatismos. A Política, tomada na sua irredutibilidade,

"por mais geral e total que seja"252, não conseguiria nunca atingir, o que

Almada designou, pelo unânime da Arte. O unânime era alcançável apenas

pela via do Espírito, era o encontro da consciência humana pessoal com a

consciência universal, consciências íntimas de cada pessoa humana. A Arte

afirma-se na conciliação, nunca no ódio ou negação dos valores supremos da

pessoa humana: "A grande diferença entre Arte e Política é a de que a Arte

não tem ódios."253

Almada aspirava ao restabelecimento de um tempo de concórdia, de

harmonia, entre a colectividade e os seus indivíduos, que se reflectiria na

conciliação do artista com a sua colectividade, pela comunicação — veja-se

também colaboração —, realizada pelo conhecimento e pertença do

sentimento universal.254 A colectividade não significava estrutura política em

abstracto, embora se prenda às suas determinações conceptuais e implique,

um agir complexo das componentes que nela se integram.

O papel do artista na colectividade, na sociedade, era caso indispensável,

intrínseco, dir-se-ia, conivente e natural, pois ele "é um resultado directo da

248"Arte e Política", Ensaios, p.84 249Almada Negreiros in Orpheu 1915-1965 evoca uma ocasião vivida por si mesmo, em Madrid, quando Federico Garcia Lorca teria afirmado: “— Arte social?! Frederico puxou escarro que não tinha e cuspiu-o para o lado: A arte é o social.” Cf. p.7 250"Arte e Política", Ensaios, p.84 251Idem, ibidem, p.84 252Idem, ibidem, p.85 253"Fernando Pessoa, o poeta português", Ensaios, p.139 254"Prometeu, ensaio espiritual da Europa", Ensaios, p.112

77

humanidade e da sociedade; é um lugar legítimo de determinadas

individualidades, e nas quais a acção dos poderes públicos poderá apenas

reconhecer os seus valores, social e humano."255 A posição expressa por

Almada, mostra afinidade às ideias estéticas de Schiller, e orienta-se pela

revalorização da Cultura e pensamento gregos, em moldes absolutamente

optimistas. Como acentua Vicente Jarque, Schiller encontrou na Grécia "una

especie de idealizado contrapunto de su diagnóstico pesimista de la

modernidad."256

A natureza da conciliação, a harmonia que Almada, utopicamente,

predestinava para a conveniente presença da Arte e artista na sociedade,

aproximava-se, pela via recuperativa, do sentido imanente no período áureo

da cultura e arte gregas em que, "No había, por tanto, contradicción entre

naturaleza y cultura, es decir, entre el individuo empírico, físicamente

determinado por su sensibilidad particular, y el sujeto ético, el ciudadano

comprometido con una racionalidad universal."257

A radicação do pensamento de Almada Negreiros, em autores de princípio

do século XIX, manifesta-se, designadamente, nos termos utopistas da

relação entre Arte e colectividade, em que Arte e humanidade se estabelecem

mutuamente, como acontece em Goethe, Hegel e Schiller. A acepção em que

Almada tomou o Romantismo, evidencia a relevância que lhe atribui,

nomeadamente, no respeitante à concepção de indivíduo, sozinho no mundo

com a sua própria genialidade — paradigma do artista na dimensão

antropológico-filosófica, na narrativa filosófica da História, e não apenas

como elemento charneira na corrente literária:

Por esse tempo nascia na Europa o Romantismo e era como uma libertação de todos os indivíduos, de todos aqueles que tinham legitimamente a sua vida para vivê-la, a hora dos Prometeus desencadeados.258

255"Mensagem estética — os artistas raridades de excepção e outras palavras alto e bom som", Textos de Intervenção, p.141 256Vicente Jarque, "Friedrich Schiller", Historia de las Ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, vol I, p.234 257Idem, ibidem, p.234 258"Direcção Única", Ensaios, p.45. Em nota de rodapé extremamente desenvolvida, inserta no texto "Prometeu, ensaio espiritual da Europa", referindo-se ao Romantismo , Almada Negreiros salienta o facto de que "O romantismo, que em geral se toma apenas como atitude literária, como o foi realmente na França, tem outro sentido bem mais veemente do que este lá no próprio país da sua origem, a Alemanha." Cf. op.cit., Ensaios, p.96 Ao que Almada segue o raciocínio, considerando-o um sucedâneo do protestantismo que, por sua vez, significou o "movimento geral do Norte, separando-se do Sul" e da obediência da cultura clássica greco-latina do Sul da Europa. O problema do conhecimento, convergindo para o Romantismo, como símbolo dicotómico do fenómeno colectivo, numa perspectiva societária, era que os nórdicos não admitiam

78

A incidência filosófico-histórica, dominante na abordagem estética de

Schiller, forneceu "un contenido más nitidamente antropológico, y más

objetivo, al formalismo estético desarrollado por Kant en la primera parte de

la Critica del Juicio"259, e não somente no respeitante à apologia da

ingenuidade que Almada retomou, para a sua doutrina, de missão

humanizadora da Arte no social.

Hegel, depois de Schiller, procurou uma unidade recuperadora da filosofia,

fundada na experiência estética, segundo as sistematizações resolutórias dos

dilemas kantianos — subjacentes no seu criticismo —, realizadas, quer por

Schiller e Goethe, quer por Herder, anteriormente. Assim, Hegel pretendeu

configurar uma análise da história em que a Arte — e a experiência estética

— era um caminho para o Absoluto, e não um fim em si. A sua dialéctica,

estabelecendo a autonomia da filosofia, trazia-a através da reconciliação do

finito e do infinito, da necessidade e da liberdade, vertida na dialéctica do

sujeito e objecto, e do sujeito com o Absoluto. A Arte obrigava a um

desocultamento, dado o seu carácter aparencial, pois a Beleza era uma

espécie de véu que encobria a verdade, na ordem do subjectivo. Para Hegel,

foi exigência tomar os três elementos que permitiam o desenvolvimento do

Espírito Absoluto: Arte, Religião e Razão. A estética de Hegel considera a

Arte como algo consequente ao passado — sendo uma das primeiras em

afirmá-lo, segundo Vicente Jarque —, de um modo quase exclusivo, o que o

levou a conceber a sua visão do "depois da Arte". Este modo de expressar a

situação da Arte, foi entendido por muitos como o anúncio — ou

proclamação — da morte da Arte, numa época em que dominava um

paradigma científico-técnico, numa sociedade, cuja mentalidade privilegiava

a racionalidade filosófica. Esta compreensão das reflexões hegelianas

poderia mesmo ver-se subvertida, na medida em que poderia incentivar

exactamente à posição contrária, ao "revelarse insospechadamente fecundo

en orden a una mejor compreensión tanto del presente como del porvenir del

arte."260

O compromisso do artista, conduz a posição que assume perante a

colectividade, o que sucede com a "aristocracia do espírito", e determina,

que existissem outras posições teóricas, enquanto que os do Sul o faziam. Entre os nórdicos e os meridionais persiste sempre a "eterna divergência das duas interpretações possíveis que ligam o particular ao geral o Norte representando o sentido do particular para o geral; o Sul o do geral para o particular." 259Vicente Jarque, "Friedrich Schiller", Historia de las Ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, vol I, p.233 260Idem, ibidem, p.227

79

igualmente, de forma bem clara e constante, a relação com as políticas, a

relação com o poder: "O artista e toda a aristocracia do espírito servem

lealmente o conhecimento e o espírito, e estão por conseguinte em franca

colaboração com tudo quanto esteja dirigido também para o conhecimento e

para todas as oposições do espírito."261

Almada, ao pretender a conciliação de princípios e propósitos entre a

colectividade e os seus indivíduos, crescendo a harmonia no domínio da arte

do humano, estaria a salvaguardar — e a assegurar —, a própria

continuidade da Arte, entendendo-a pertença íntima da humanidade.

Efectivamente, situando-a como algo do passado — a forma mais autêntica e

exigida da Arte — tornava-a, de forma paradoxal, viável na continuidade da

existência do próprio homem. 3.3. Recepção estética — paradigma e exigência 3.3.1. A concepção romântica do Artista

Eu não conheço pragmática nenhuma, seja para me apresentar ao público ou não. Por isso começo por dizer, estou verdadeiramente atrapalhado. (...) O Artista é para ser e pensar e dizer e ter um espectáculo, fornecer o espectáculo para todos, ele tem que ser profundamente pessoal para chegar ao impessoal e ser todos.262

As coordenadas temporais, na sua complexidade são irreversíveis,

condicionando a acção e posicionamento do artista como tal, na sua relação à

colectividade: não era questão de pertencer ao seu tempo cronológico, como

se viu, o artista está para além do tempo, pois pertence à Humanidade, ideia

de radicação romanticista que Almada tomou de Alfred Musset, citando a

obra emblemática Une Confession d'un Enfant du siècle.263 Ora, o artista

deveria cumprir a pertença à Humanidade, não sendo mero testemunho,

espécie de documento da sua época. A sua pertença efectiva à Humanidade é

uma exigência imprescindível para que ser Arte, pois "Sem a Humanidade

261"Arte e Política", Ensaios, p.86 262“Aquilo que eu pretendo dizer sobre Arte nem a Artistas posso di-lo, que eles não aceitam. Têm sempre qualquer coisa que depende deles, que não é a sua própria personalidade que vai paralela, mas não é. Não é a mesma. Essa é que é exactamente o difícil do Artista.” Excerto de uma palestra feita por Almada Negreiros na Fundação Calouste Gulbenkian, em 24 de Fevereiro de 1967, citado por Artur Nobre de Gusmão, "Do meu convívio com Almada", Almada - Actas do Colóquio "Almada" , p.52. 263Cf. "Modernismo", Textos de Intervenção, p.58

80

não existe nada neste mundo, nem a Arte."264 A afirmação de Almada,

proporcionada por Musset — outra das vias para a confirmação da sua tese

—, recupera a perspectiva afecta ao Romantismo, contextualizada na

valorização e imprescindibilidade da pessoa humana e da Humanidade na

Arte.265

O primado da melancolia, enunciado nos poetas românticos, elemento

necessário para a sua configuração simbólica como tal, seria consequência,

do desacerto, entre esses tempos diferenciados que o condicionam, na

medida em que o presente se apresentava irrealizado, propugnando a

possibilidade utópica do eu, "es mera inconsistencia, una dimensión vacía

con la que rivaliza el poeta: "El presente siglo [...] separa el pasado del

porvenir, sin ser lo uno ni lo otro."266 No caso de Almada, a posição dos

artistas, não deixava de manifestar uma certa melancolia, latente na sua

argumentação relativa ao conceito de ingenuidade.

Uma das resoluções para superar o estado de melancolia267, converte-a em

experiência estética privilegiada, referindo-a à cumplicidade actualizadora;

propondo-a para inflexão insurreccional, igualmente qualificativa dos

tempos românticos, — relacionando-a com as afirmações suscitadas pelas

convulsões político-sociais. Referia-se, designadamente, a sedimentação da

264Idem, ibidem, p.58 265Segundo Javier Arnaldo, numa muito recente análise do movimento romântico, pode retirar-se a principal ilação, a partir da obra de Musset, no respeitante aos moldes em que o poeta francês estabeleceu a experiência ontológico-estética do artista entre o seu tempo presente e o tempo do passado que o precedeu: é o primado da melancolia, essa vivência extremosa do eu, cuja marginalidade subjectiva dominou a criação poética romântica — na sua poetologia latente. Cf. "El movimiento romántico", Historia de las Ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, p.196 266Alfred Musset citado por Javier Arnaldo, "El movimiento romántico", Historia de las Ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, p.196 267No texto intitulado "Alegria e Tristesa", datado de 1 de janeiro de 1925, publicado in Artigos no Diário de Lisboa , pp.107-108, Almada teceu uma série de considerações relativas a esses dois estados anímicos, tratando a questão dos afectos, associados aos temperamentos, e nomeadamente salientando a categoria específica da "saudade", como o único caminho que vai desde a tristeza até à alegria: "a Saudade do que já passou e a Saudade do que há-de vir!" Parece-lhe ser indispensável a tristeza para a melhor recepção da alegria, oferecendo ao leitor uma metáfora dos seus sentimentos: "Sempre que vejo a "Melancolia" de Dürer fico, como ele, com a convicção de que "intenta de medir mal sem medida"; todavia a esperança não nos larga apesar de tudo, nem se nos acaba a fé deante de nós!" Curiosamente René Huyghe em Diálogo com o Visível, apresenta a gravura de Dürer — Melancolia — precisamente quando à disparidade do eu relativamente ao universo, quando o indivíduo sonha com a possibilidade de conciliação e diálogo: "Sonhamos com um elo mais seguro do que este acidente que nos força a só podermos existir num meio absolutamente diferente de nós próprios.", evocando a propósito a mencionada gravura que surge com a seguinte legenda: "O homem traduz pela arte a sua angústia perante o universo que lhe é estranho..."Cf. Huyghe, op. cit., p.536 É nítida a posição em que Almada toma a sua vivência estética da gravura, endereçando-nos para elementos integrantes da imagem em si que mostra uma figura alegórica da melancolia, destacada sob um fundo que aparece povoado de símbolos herméticos, alusivos ao número e à geometria, áreas privilegiadas na estética e arte de Almada — que apenas alguém iniciado saberia decifrar na integra —, enquanto Huyghe realiza uma aproximação de enquadramento nos termos ontológicos da relação do eu ao universo.

81

consciência político-social, promovida pelos românticos utopistas, que

atribuíam uma função política à Arte e uma impregnação ideológica às

teorias artísticas. Pense-se nas teorias estéticas, de âmbito sociológico-

utópico que iniciaram as proclamações críticas — artísticas e literárias —

visando a transformação da sociedade, para que a própria Arte saísse do

marasmo; teorias elaboradas, de acordo com a tradição sociológica da Arte (e

estética), reorientada por Almada, de acordo com as suas convicções e dentro

do espírito do seu tempo. 3.3.2. O artista, o autor e o(s) público(s)

A posição do artista na sociedade sendo um dos tópicos prioritários do

pensamento estético e crítico de Almada, foi tema motivador de importante

discussão pública — de nítidos propósitos educacionais —, entre o próprio

artista e Fernando Amado em 1951, focando-se, designadamente nas

modalidades de relacionamento com o público. A forma como considera o

público em si, é complexa e inovadora, reconhecendo-lhe aspectos

antitéticos, ultrapassáveis através de uma actuação consentânea do artista

como comunicador. Almada antecipou-se mesmo às reflexões mais directas

acerca dos moldes em que se desenvolvia a recepção estética.

Numa perspectiva, afecta à análise sociológica da arte, Almada reflectiu

acerca do fenómeno sócio-cultural e ideológico do público, e sobre o teor

das relações estabelecidas com o artista. Afirmou, com veemência, a

existência de público para a Arte e para o artista, questionando as

modalidades de relacionamento que — a nível pragmático — ocorriam.

Independentemente da arte ou das artes que domina, o artista confronta-se

sempre com público, está perante o público — perante cada uma das pessoas

que compõem o público —, expondo-se a pessoa do artista como presença,

por si ou pela sua obra, pois "ser artista é um resultado directo da

humanidade e da sociedade;(...)"268 O público tem uma existência societária,

é uma entidade colectiva específica, objectivo privilegiado pela Arte que a

todos se destina, salvaguardada a personalidade de cada um dos espectadores

que o constituem.269

268“Mensagem estética — Os artistas raridades de excepção e outras palavras alto e bom som”, Textos de Intervenção, p.141 269"O Cinema é uma coisa e o Teatro é outra", Ensaios, p.124

82

O artista teria de reconhecer no público, a condição relacional de alteridade,

ciente de que o "respeito pelos indivíduos [que] é a única ligação que temos

no diálogo das gerações, e no encontro da humanidade com a própria

humanidade."270 A Arte, sendo em Almada, fundamentalmente comunicação,

dirige-se a um receptor colectivo — comum — constituído no tempo e

espaço, da singularidade pessoal conjunta.

Por outro lado, Almada denunciou, uma outra acepção de público como

"entidade falsíssima", entendido como intermediário distanciador,

responsável pela ruptura mais directa com o criador, do artista, relativamente

aos outros considerados na sua pessoalidade, "...essa coisa que perturbou o

entendimento entre a Arte e a humanidade."271 Antes do público existir social

e culturalmente — dir-se-ia conceito contaminado pelas convenções

académicas —, o artista mostrava-se directamente à Humanidade, expunha a

substância dos "seus achados que os seus sentidos faziam nas próprias mãos

da natureza e do mundo."272 Com a invenção refractária do público, rompeu-

se a relação directa, coincidindo com a falência histórica das elites: "o

aparecimento do público não é senão a precipitada usurpação daquele lugar

que as antigas elites deixaram na verdade vazio, mas apenas para ser

ocupado pelas legítimas novas elites e nunca pelas massas sem bridão."273

No enquadramento das reflexões acerca da recepção estética, Almada

considerava que o artista ao conceber as suas obras, não podia ter como

intenção agradar ao público, pois fazer "Arte para todos é o contrário de Arte

para o público"274, antes enfatizando o grau de comunicabilidade

conveniente, para suscitar a "boa" recepção por parte do público. Almada

consciencializava a natureza verdadeira, do que deveria ser a genuína

recepção da obra, a desvelar pelos outros, porque genuína na pessoa do

artista. O posicionamento de Almada ponderava uma expressão anterior da

ideia, patente em Francisco de Holanda, um dos seus autores de referência

privilegiada. Francisco de Holanda considerava que, se o artista — o grande

270"Fundadores da Idade Nova", Textos de Intervenção, p.pp.148-149 271Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.12. A mesma ideia surge explicitada em "Arte e Artistas", quando Almada afirma que o público é uma personagem falsa, "não porque minta mas porque não tem sequer razão de existência (...), intruso, mas existe, confuso e inexplicável, atrapalhado e injustíssimo mas real, presente e tirano." Cf. op. cit., p.78 272"Arte e Artistas", Ensaios, p.77 273Idem, ibidem, p.78. Almada explica historicamente o aparecimento do público, ao tempo de Luís XIV, quando desligando-se da generalidade da humanidade, se constituiu um grupo restrito, "um pequeno burgo" dentro da própria cidade, uma cumplicidade de vizinhos de intenções questionáveis quanto ao bom entendimento geral. 274"Cinema é uma coisa, o Teatro é outra", Ensaios, p.124

83

pintor — nas suas obras e procedimentos, "determinar de contentar a todos e

ao povo, já nunca fará cousa de mestre nem dina do nome da pintura."275

Efectivamente, Almada sabia que o artista era independente dos seus

públicos, nesta acepção, devia gerir o grau de relacionalidade mediática, pois

não era esse objectivo, que servisse a missão da Arte ao todo da vida: o

sentido da Arte era a comunicação na autenticidade.

Conciliada a modalidade de relacionar as individualidades, e não as

subjectividades, a Arte para todos, implicava atender à imaginação de cada

um, no público, reconhecer personalidades individuais, à semelhança da

presença pessoal que o artista aliás é, procedendo de acordo com uma

intenção, não restringida pelo seu narcisismo. Por isso, Almada encontrava

no Teatro a Arte por excelência, que ao tempo, podia cumprir tal propósito

melhor que qualquer outra arte; considerava o Teatro uma disciplina de

predominância visual, apelativa de todos os sentidos em complementaridade,

integrador do domínio das artes plásticas. 3.4. A educação estética — a formação do gosto 3.4.1. Enunciação da problemática do gosto

Subjacente aos termos em que Almada estipulou o processamento da relação

entre o autor e o seu público e, mediante a reflexão que contribuía para a sua

definição de Arte, estava a discussão estética acerca do conceito de "gosto".

Questão fundamental para o estabelecimento das definições estéticas no

século XX, provinha de uma tradição quase obsessiva que a Estética

filosófica do século XVIII tinha implementado quando equacionou a

problemática relacionada com o padrão de gosto, como standard

determinador, analisando a sua elaboração normativa, detectando a sua

persistência, extensão e extrapolações socioculturais.276 Assim se

contextualize o tratamento do assunto no Autor, nos seus discursos e

criações, expressando propósitos educacionais e pedagógicos sem

complacência e revelador de uma atitude constante em toda a sua obra.

275Francisco de Holanda, op. cit., p.73 276A Estética inglesa já anterior a David Hume, introduzira os termos em que posteriormente foi estudada, por Hutcheson — "universality of taste"; Edmund Burke enuncia-a em moldes próximos aos de Hume: constatando-se a grande variedade, decorrem as diferenças irredutíveis nas apreciações de gosto; suspeita de existirem "princípios universais" tão legítimos, quanto os da razão, relativamente à norma de gosto. A Estética inglesa "assume, pois, o carácter subjectivo/pessoal da relatividade do gosto (de inferência cultural), bem como a existência inequívoca de diferentes gostos ou "moods"." Cf. Mª de Fátima Lambert, "Aproximações a uma definição da educação estética e da "formação de gosto"", Revista Portuguesa de Filosofia,

84

A abordagem estética do problema do gosto envolve tópicos fundamentais

para estabelecer uma resolução plausível, de acordo com a exigência

filosófica pretendida. Quando Almada tratou o assunto, não pretendeu um

aprofundamento exaustivo, nem tampouco absolutamente rigoroso — como

aliás sucede com a grande maioria dos temas afectos à sua possível estética

—, mas não deixou de evidenciar um cuidado na enunciação dos aspectos

suscitados, de modo a equacionar um quadro contextualizador adequado aos

seus objectivos — educacional e formativo junto do público,

designadamente ao reflectir sobre :

— a diversidade de gostos, de acordo com os quadros referenciais dos indivíduos que os formulam e estipulam como tal - em termos conceptuais; — a relatividade portanto dos juízos de gosto estabelecidos no âmbito estético, dada essa mesma diversidade; — a validade e extensão de um conceito de gosto formulado como tal, corresponde à inscrição numa categoria ou classe, à qual pertence quem o enuncia, nomeadamente em termos de educação e formação do gosto; — a amplitude, modalidade, sistematização dos termos implicativos para essa noção de gosto, procedem de diferentes domínios e dirigem-se a diferentes aplicações que não apenas o estético: têm uma aplicabilidade de âmbito sociológico, artístico, mesmo ideológico; — a normatividade manifesta - pragmática do gosto - no juízo de gosto, tende para uma aplicação restritiva e na consciência de que existe uma plularidade de juízos acerca do gosto - conceptualmente; — manifesta-se a irredutibilidade e impossibilidade de unidade - e mesmo de síntese unificadora - decorrente, no relativo ao valor universal de uma noção de gosto que pretenda ser imposta de forma excessiva, quanto à sua projecção determinada de raiz, o que não invalidava um certo acordo.

Por "gosto" entenda-se, no domínio estético, a capacidade de perceber a

beleza. A definição de "gosto" implica optar por uma direcção tendente à

noção privilegiada, ou seja, considerar se se trata de uma faculdade

autónoma — como o entendimento ou a sensibilidade —, ou de um sentido

especial. As experiências de gosto apresentam-se de forma espontânea e

imediata, e parecem não estar directamente dependentes da razão, antes da

sensibilidade. A capacidade de exercer uma experenciação do gosto é

85

universal, pertença da natureza humana, na medida em que qualquer

indivíduo pode ser afectado pela beleza — quer a aceite, quer a recuse.

Todavia, nem todas as pessoas exercitam essa capacidade. E, nem em todas

as pessoas persiste idêntica noção do que lhe assiste. Aqueles em quem

predomina uma consciência de sensibilidade, capaz de perceber a beleza,

elaboram os juízos que os outros seguem. O sentimento do gosto é da ordem

do prazer ou do desagrado, exercendo-se sobre obras singulares, obras de

arte ou da natureza, acerca dos quais se diz terem essa qualidade, sem exigir

acuidade de princípios racionais.

Almada toma uma posição bastante tolerante quanto ao domínio de actuação

de determinada noção de gosto expressa, manifesta a sua relatividade de

juízo — admitindo as metamorfoses do belo, e a procedência subjectiva que

a enuncia: "Que cada um tenha uma arte que é a maneira de apurar o seu

próprio gosto, a ninguém compete julgá-la; mas quando destine ao publico a

sua arte, desde esse momento é o público a servir-se e o artista quem

serve."277

Afirmou a pecularidade relativa com que cada um toma o seu gosto com uma

validade percepcional, eventualmente, como absoluta para si, na medida em

que é impositiva, pela convicção instintiva com que sobre si mesmo age:

"Quando se trata de gostar o raciocínio não tem nada que vêr. Gosta-se

porque se gosta, e isto é o bastante, e é tudo! O raciocínio anda lá por outros

lados. E digo mais: O verdadeiro segredo de gostar é um segredo verdadeiro,

não se lhe pode tocar com nada deste mundo, nem com o raciocinio, nem

com o juizo, nem com nada!"278

A diferenciação categorial que Almada estabeleceu, decorrente destes

comentários, relativamente às noções de beleza, bonito, lindo, delas

provocou interpretações subsequentes; fez ressaltar a relatividade de índice

de apreciação, dado o facto de cada um não abdicar de si mesmo, pois a cada

um a sua (existência) vida: "Por mais díspares que sejam entre si as várias

maneiras de existir, haverá sempre possível um acordo comum onde todos se

reunirão com a condição de não abdicarem de si mesmos. Daqui nascem

todas as interpretações do bonito e a edição do Bom Gosto."279

277"Teatro", Artigos no Diário de Lisboa , p.95 278"A Paixão dos portugueses por "La Goya" a artista admiravel da expressão", Artigos no Diário de Lisboa , p.105 279"Palestra da série "Renovação do Gosto" — metade de um preâmbulo curtíssimo como manda o tempo", Textos de Intervenção, p.151

86

Condição manifestamente imprescindível, era assumir uma atitude de

sinceridade para optar pela noção adequada, o que possibilitaria, o comum

entendimento do plano pessoal no colectivo: "Toda a sinceridade que

púnhamos no bonito, toda a experiência que tenhamos no Bom Gosto, se elas

não nos deixarem a passagem livre para diante, para mais, para não nos

repetirmos, para o Belo, melhor fora não terem nascido."280

A decisão com que se impunha a validação de um gosto, pretendendo-o com

legitimidade obcessiva quase a nível societário, obstruia as noções básicas de

relatividade e singularidade dos casos como seria de conveniência: "O

legítimo direito de agradar tem tal avidez de comunicação e de vitória que os

melhores dão consigo em vendilhões."281 Haveria que atender, com acuidade,

à amplitude do ajuizamento sobre o gosto, sobretudo na elaboração de juízos

críticos, no âmbito da crítica de arte, que não fosse verdadeiramente

fundamentada, sendo formulada apenas na base do senso comum.

O tipo de atitude dogmática, para que Almada alertou, provocava nos

indivíduos dificuldade em destrinçar os planos de categorização estética,

através de modelos axiológicos, baseados em modismos tacanhos e

pretensiosos: colocou o exemplo precisamente na equivalência — leveza de

exercício de ajuizamento —, entre o bonito e o bom gosto, por relação ao

Belo. Não tanto pelo que significam em si, mas pela utilização

indiscriminada que socio-culturamente lhe foi conferida: "O bonito e o Bom

Gosto passaram de iniciações de Arte, de metamorfoses do Belo, para tapa-

olhos de êxito, com carruagem melhor que o seu destino, mais valioso o

veículo que o passageiro!"282 A questão do gosto, em Almada é uma questão

educacional, no domínio societário e social, decorrente da formação

individual. Mantendo o imperativo educacional, Almada avisou sobre o

modo, como o público deveria exercer a sua acção, para que predominasse a

conveniente satisfação estética, que não se limitasse à oscilação pragmatista

de bonito ou de bom gosto vigentes, mas evidenciasse maior grau de

exigência: "Pobre gente que se resigna a viver sem gosto, sem gosto de

viver! Sem deixar em cada pegada um sinal bonito a fazer o guia na

correnteza do Bom Gosto!"283 A exigência que cada indivíduo deveria

ponderar, relativamente à experiência e apreciação estéticas pessoais,

280Idem, ibidem, p.158 281 "O bonito e o Bom Gosto, de via-láctea-terrestre passam a constelações de grandeza de tendinhas com imposto municipal. Novidades e antiguidades, já está tudo avaliado de antemão pela única fortuna que ainda ficou neste mundo: a fortuna redonda e sonora, sonora e cunhada, cunhada e legal!" Cf. Idem, ibidem, p.152 282Idem, ibidem, p.152 283Idem, ibidem, p.152

87

revelava-se na ordem ético-social, fundamental para uma verdadeira noção

de viver, pois o bonito , na sua acepção autêntica, possuía uma espécie de

sentido vital, contaminado pelo gosto comum, do gosto vulgar, predominante

no "povo", definindo-se pela valorização realizada no domínio da emoção

mais desafectada de indícios culturais procurados: "Cada um tem o seu matiz

próprio no mesmo serviço à causa do Belo em Arte: Bonito é um mero

vocativo de agrado; lindo , além do agrado, já implica admiração e até

arrebatamento. Mas isto é pura comprovação e talvez a não confirmem os

dicionários, fazendo-os simplesmente sinónimos."284

A situação prejudicial, ao nível de apreciação estética activa, Almada

discerniu-a na errada vivência do quotidiano colectivo, no sentido vulgar

implícito, afastada a memória dos valores superiores que julgavam as acções

e fenómenos vividos de outrora; ficava apenas o equívoco da memória

deturpada, que impedia uma forma adequada de existir no presente: "Não

tiremos do Passado senão o exemplo, e é o único que lhe poderemos tirar.

Buscando sermos os autores do Presente não caiamos em actores do

Passado."285 3.4.2. A tradição estética na argumentação almadiana

A análise da noção de "gosto" desenvolvida por Almada tem uma radicação

múltipla no domínio histórico, social e cultural, ideológico e ético. O que

manifesta a consciência da complexidade no tratamento da problemática,

situada no quadro representacional do colectivo; como fenómeno constante,

manifestamente um "problema de mentalidade" nacional, reflexo de

paradoxos fulcrais no caso português: "Devido a uma aceitação excessiva da

arqueologia em prejuízo da arte criação é que o bonito e o Bom Gosto

perderam aquele sentido vital que lhes é próprio."286 Filosoficamente,

Almada sabia não existirem leis absolutas para resolver uma problemática

que respeitava ao domínio privado, pessoal, de inscrição no domínio

colectivo, social, pelo que, também não haveria que pretender impor uma

obediência a pretensas leis. Haveria que considerá-las como indicações que

obrigassem, isso sim, a uma educação estética, elaborando os seus termos

referenciais dirigidos a uma consentânea avaliação das obras de arte.

284Idem, ibidem, p.151 285Idem, ibidem, p.153 286Idem, ibidem, p.153

88

A responsabilidade do artista conforma-se na perfeita consciência da sua

realização criativa; consolida-se em termos, artística e esteticamente

correctos, estando Almada ciente do empenhamento educacional junto do

colectivo, designadamente pela capacidade de endereçar uma formação do

gosto — em plena asserção pedagógica mesmo. A enunciação de autoridade

no assunto, que permite estipular a norma de gosto, será de ordem da

experiência sensível — certo empirismo que se apreende —, e não da

opinião recebida.

O tom imperativo, do discurso sobre o gosto em Almada, evidencia a

competência devida ao artista — como conhecedor e criador — para

conduzir à enunciação do que se denomina por "norma de gosto". O facto de

Almada proclamar, com uma tal convicção, as circunstâncias modais,

epocais e as intemporais, consoante os casos, definidores do predomínio do

próprio conceito, apela a uma concertação, devidamente fundada na

argumentação filosófica específica.

Em consentaneidade com o empirismo de Hume, parece evidente que em

Almada, a excelência de posição assumida como autoridade estética, denota

uma proveniência pessoal empírica, privilegiada como fundamento para o

saber e a autoridade: Almada, o artista, Almada, o pensador. A apreciação

estética directa, a que aludia Hume, era fruto de uma conjugação entre o

raciocínio e o sentimento, donde surgir precisamente a noção de "gosto". As

circunstâncias em Almada apontam para uma situação epistemológica,

elaborativa da noção bem próxima à do filósofo inglês. Sendo fruto de tal

equilíbrio, a verdadeira norma de gosto aparece sem sombra de contestação

naquilo que resiste ao tempo:

O valor intrínseco da própria norma de gosto está em definir-se como a regra segundo a qual, os diversos sentimentos dos homens podem ser reconciliados, ou pelo menos, permita a proposta duma decisão, confirmando um sentimento (agrado) e condenando um outro (desagrado).287

A norma de gosto, segundo este ponto de vista, usufrui de uma vigência

adstrita à época e mentalidade em que foi estipulada, perdurando nesse

contexto, embora se constate existirem obras de arte que, pelas suas

características encontram reconhecimento para além da cronologia

específica. Facto que coloca uma questão acessória, relativa às componentes

287 Cf. David Hume, Les Essais Esthétiques , p.82

89

constitutivas da experiência estética, radicando naquilo que efectivamente

são as características da obra de arte, as características de mentalidade, e a

sua autonomia. Relativamente à autonomia, considera-se a autonomia do

indivíduo não apenas do artista, mas daquele sujeito que percepciona a obra,

enquanto pertence a determinado meio, susceptível de uma cultura localizada

e que tem enunciadas as suas directrizes e princípios fundamentadores.

Almada direcciona a absoluta resolução da atitude pessoal/social tendente à

enunciação do gosto, resultante de critérios previamente definidos, ao artista,

ao autor, ou seja, a quem tem condições e conhecimentos para a realizar, a

quem, finalmente, é de competência, salvaguardada embora a sua

relatividade pessoal. A apreciação estética pessoal sobre o gosto, não deve

ser imposta a todos, não possui validade de ajuizamento absoluta. Por outro

lado, assinala a responsabilidade, não apenas de definir e ajuizar, mas do

artista fazer, de criar obras de acordo com esses parâmetros, em acertamento

de posição: "Tremenda a profissão de fazer sempre coisas bonitas! É assim

parecido com o fingir que não perdemos o Paraíso; um constante ignorar a

Desgraça; ver tudo cor-de-rosa."288

Em concordância com o posicionamento de Almada, ao conceber a

finalidade da Arte como comunicação, efectivamente dirigida ao público,

insistiu no papel activo do artista na sociedade, embora condicionado pela

natureza da obra ou acção a fazer, o que impunha restrições quanto à

liberdade do artista em criar, em prol do bem comum — a alegria.289 O artista

via-se condicionado pela fidelidade a si e a missão social da Arte, pelo que a

unidade de proceder em Arte, resolvia a antinomia.

Progredindo, segundo a história da estética, na abordagem à questão do

gosto, verifica-se que no esclarecimento kantiano, a viabilidade de analogia

universal se centrou nos fenómenos singulares que sugerem a concordância

às normas, articuladas entre si por um princípio geral, "transcendental", ou

seja, um juízo que age sem interesse, que não seja sobre si mesmo, portanto

um prazer desinteressado. Este tipo de prazer desinteressado não satisfaz

288"Palestra da série "Renovação do Gosto" — metade de um preâmbulo curtíssimo como manda o tempo", Textos de Intervenção, p.151. Manifesta-se a este propósito, certa afinidade com a posição de David Hume quanto ao facto de ser alguém que conheça e tenha a prática das artes, quem defina a norma de gosto, elaborada apenas pelo ajuizamento de peritos. O esteta, segundo Hume devia ser simultaneamente filósofo e perito em Belas-Artes. 289 "Se a meditar a posição do artista na sociedade, logo se verá que ela é precisamente a de fazer coisas bonitas. Quer dizer: a alegria é para distribuir por todos, mas o seu preço é a custas de Arte. O valor mais caro do mundo: a alegria!" Cf. "Palestra da série "Renovação do Gosto" — metade de um preâmbulo curtíssimo como manda o tempo", Textos de Intervenção, p.151.

90

qualquer interesse que se perspective em utilidade concreta, não carece

justificações externas, mostrando-se desinteressado.

Kant, ao definir o interesse como a satisfação, que se une à representação da

existência de um objecto, interesse relacionado com a faculdade de desejar e

cumprido com a satisfação do desejo, coloca a questão do juízo de gosto, da

beleza, em termos que "excluem" o objecto. O prazer estético surge no livre

exercício da imaginação e entendimento, enquanto faculdades de representar,

sem conteúdo objectivo. Nesse aspecto, poder-se-ia marcar a afinidade com a

argumentação de Almada, porventura pela confluência de componentes que

concorrem para encarar o "protótipo do gosto" que é, "para Kant, una idea

que cada cual debe sacar de sí mismo."290 Almada, ao propugnar a assunção

do indivíduo como pessoa, induz uma noção de gosto concebida pelo

próprio, na medida em que tudo deve partir e encontrar-se na pessoa

individual humana. O Belo não estaria tanto nas coisas, nos objectos, quanto

em si mesmo e na capacidade de o conceber — experenciar — como prazer

[gosto], o que entra em consentaneidade com a sua perspectiva global sobre

o fenómeno artístico e a assunção estética do sujeito individual, no exercício

da sua existência na humanidade.

A complexidade da definição pluralizada de Arte que Almada concebeu, do

completo e rigoroso esclarecimento da questão do "gosto", segue para o

aprofundamento da definição de Beleza, natureza e índole da sua

compreensão, no quadro do conhecimento, para posterior explanação das

consequências ajuizadoras que sustenta. 3.5. A educação do artista 3.5.1. A situação do artista

Em Almada, domina o princípio ético-social, regulador da actividade do

artista, culminando no propósito educacional a concretizar — já

anteriormente referido a propósito da questão da ingenuidade —,

salvaguardando na humanidade o caso de cada pessoa individual humana.

290José Jiménez, Imagénes del hombre — fundamentos de estética, p.200. Ideia significa em Kant um conceito de razão, enquanto ideal é a representação de um ser individual enquanto adequado a uma ideia; assim, segundo Jiménez, o "protótipo do gosto" será não tanto uma ideia , mas um ideal, o ideal de belo. Equivaleria o ideal à ideia platónica. O ideal de belo representar-se-ia não por conceitos, mas pela simples exposição, seria um ideal da imaginação, já que a faculdade da exposição é, para Kant, a imaginação. Cf. José Jiménez, op. cit., p.200

91

Assim, "o artista trabalha unissonamente para toda a humanidade e vai

naturalmente ao encontro dos amigos."291

A concepção de Artista articula-se com a concepção de Autor, ambas

recorrentes no seu pensamento crítico e estético, chamados à sua

argumentação para ajudar a compreender a natureza das Artes e suas

implicações na vida, no Todo da humanidade. O Autor, o Artista é tomado,

quer na singularidade, quer na paridade, quer na oposicionalidade, por

relação aos outros indivíduos. Os artistas são entendidos como seres de

excepção, indivíduos enciclopédicos, "indivíduos de perfeito conhecimento

geral, indivíduos libertos das grades de todas as profissões porque são

mestres em todas"292. Precisamente porque fazendo parte da humanidade, são

indivíduos que pertencem à Arte, sendo esta a sua parte substantitiva; seres

de qualidades excepcionais, aceitam-nas como herança e compromisso,

mandatados pela própria sociedade: "mandou-os que fossem, a humanidade e

a sociedade."293 Deviam dirigir — utopicamente — os destinos da

colectividade, mesmo a humanidade.

Por outro lado, o artista e/ou o autor apresentam-se, na argumentação de

Almada, como pessoas humanas vulgares, "gente de todos os dias, gente de

passar todas as idades"294. O artista é o indivíduo que usufrui a estabilidade

pessoal e a harmonia moral, ideia herdada da estética socrática — cuja

dominante incide sobre o aspecto ético-social do artista, fundamento que

perdurou nas estéticas sequentes, privilegiadoras da intervenção do artista,

responsável moral, em coerência com a responsabilidade cívica na

colectividade.

Colocando-se numa atitude nitidamente normativa e moralizante, Almada

penetra no domínio psicossocial da sua idealização do artista, afirmando que

o equilíbrio físico e moral são condições necessárias para que o artista possa

iniciar um verdadeiro trabalho de criação, devendo o artista como autor

prevalecer sempre o humano, a pessoa que produz a criação.295 Ao artista

291Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.12 292"Arte e Artistas", Ensaios, p. 83 293"Mensagem estética — os artistas raridades de excepção e outras palavras alto e bom som", Textos de Intervenção, p.141. 294"Cuidado com a Pintura", Textos de Intervenção, p.103 295Esta ideia surge explicitada em "Cuidado com a Pintura", onde Almada escreve: "Em pintura o primeiro é o pintor, isto é o autor, o humano que produz a criação." Cf. op. cit., p.103; ver ainda no mesmo texto p.108. Em "Arte e Artistas", Almada acentua: "Recordai e ligai: autor e artista são ambos da mesma ordem." Cf. op. cit., p.79

92

compete ser o utópico protagonista do humano, o que lhe exige ser um

indivíduo pessoal devidamente liberto em si mesmo, fruindo uma liberdade

absoluta que lhe confere a autêntica personalidade — experiência e matriz

efectivas da sua pertença à colectividade:

Nem o religioso, nem o profano, nem o místico, nem o pagão, nem o científico, nem o inspirado, nem o herético, nem o crente: o humano, restrita e profundamente humano.296

Quando Almada se refere à liberdade absoluta e ao facto do artista se achar

liberto, entende-o, por afinidade à situação de estado de Graça, equivalendo

— em termos místicos — ao significado que tem para o cristão a vivência e

posicionamento nesse estado. Missão simbólica do artista, mais do que

religiosa, de ordem esotérica, de um esoterismo estético, de raiz personalista,

articulava-se com uma profunda convicção humanista. O artista, na

concepção de Almada agia por necessidade, porque responsável

relativamente à Humanidade; a acção criativa exigida pela consciência do

artista, resultava de uma profunda vocação para a Arte, de modo a realizar

em genuína acertação ao seu "princípio de necessidade interior", na acepção

em que o estabeleceu Kandinsky em 1912.

A argumentação normativa de Almada incidiu num plano que apresenta

coincidência com enunciação do pintor russo, designadamente, no domínio

estrito do artista, perante si, no respeito pela sua interioridade exteriorizada

na Arte; ao sublinhar que as exigências do artista consigo mesmo têm

sentido porque ele pretende criar obras verdadeiras, cuja unidade não se

questiona, antes se presentifica na sua própria natureza de obra. O artista

encontra na obra, a confirmação de si, em estado superior de personalização,

podendo preocupar-se "essencialmente em libertar também o mundo das suas

próprias entranhas atávicas, as quais são afinal o único que faz ensombrar a

claridade e a luz."297 Como se pode deduzir, pelo acto de criação, no domínio

estético e no domínio do esotérico, a personalidade do artista — do pintor,

enfim do autor —, é transformada, configurada em objecto-presença — e

substância — da sua própria criação, porque apenas nesses moldes realizará

a verdadeira criação, transposição da unidade entre si e a obra, através do

acto genésico: "O pintor tem de apurar-se a si mesmo; fazer de si próprio a

obra-prima da criação, o homem."298

296"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.110 297Idem, ibidem, p.111 298Idem, ibidem, p.104

93

Por contraponto às directrizes utopistas que expôs, Almada constatou a

situação efectiva, verificando que os artistas, cientes da sua responsabilidade

no contexto da colectividade, dificilmente viam reconhecido o valor de suas

acções ou obras, pois não existia a consciência pública da necessidade de

Arte. Apesar da desconsideração que lhes era votada, os artistas mantinham

os seus compromissos, de ordem ética e societária, com a colectividade,

convicção que determinava os termos de relacionamento, subjacentes na

Arte, impregnada de valores antropológicos.299

A Arte do artista, porque de génese pessoal, fruto do seu conhecimento,

preserva a unidade que à Arte compete, por natureza específica. No criador

de Arte, o caso pessoal deixa de ser apenas assunto de carácter individual,

para ser de âmbito societário simultaneamente; é "resultado do seu mérito

pessoal e na sociedade em que vive."300 Por isso, o artista pode optar por não

cumprir as regras que lhe são mostradas — impostas mesmo nalguns casos

—, antes deve ele tomar a consciência dos seus actos: pode ser um desses

artistas que existem para não seguir as regras. Aos artistas fica a opção de

seguir ou não as regras, embora Almada mencione a necessidade delas

existirem, devendo ser discutidas. A atitude dos artistas, relativamente a esse

aspecto, depende das circunstâncias culturais e históricas em que se

inserem.301 As regras na Arte "não são para serem sabidas de cor mas para

servir a quem tenha alguma coisa para dizer."302 O verdadeiro artista, aquele

que precisamente as pode questionar ou discutir, exerce a sua acção e

vontade "por verdadeira superioridade a tudo o que o rodeia."303

A situação do artista como independente que se impõe, traduz a posição de

Almada acerca da formação artística — tema fundamental e integrador de

toda a sua teorização tão própria. O artista não é apenas um profissional que

domina as técnicas e os materiais, é esse "indivíduo enciclopédico" que

conhece o mundo e a humanidade.304 Como profissional, é o indivíduo que

299Era ao artista que cabia tomar os seus caminhos próprios, gerando as suas decisões criacionais: "...os artistas devem participar das necessidades colectivas, mas são os próprios artistas que devem orientar a forma como hão-de intervir e não outrém. "Encorajamento à juventude portuguesa para o Cinema e para o Teatro", Ensaios, p.134 300"Encorajamento à juventude portuguesa para o Cinema e para o Teatro", Ensaios, p.134 301Almada referia-se certamente ao facto das estéticas da modernidade terem incorporado a necessidade normativa para a praxis, substituindo a normatividade das anteriormente vigentes — em termos académicos, o que sucedeu com o Cubismo, exemplo com que avança. Veja-se "Modernismo", p.59 302"Modernismo", Textos de Intervenção, p.59 303"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.105 304Numa entrevista a António Valdemar, Almada referiu-se às lacunas do ensino superior, partindo duma comparação à indistinção anterior entre artes e ciências, atribuindo as responsabilidades, da situação que era

94

mais tardiamente chega à sua mestria, demorando a sua personalidade mais

tempo a formar, do que nos outros indivíduos. Donde se infere que, a

formação do artista não radica, exclusivamente, na área profissional artística:

a sua formação é global e abrange a sua unidade pessoal. Somente se

realizada nesses termos, promoverá a criação, possuindo genuína condição

de ser artista, recusando qualquer educação restritiva — ensino formal — ou

impositiva, geradora de cisões epistemológicas, prejudiciais ao

conhecimento adequado aos artistas: "é inadmissível a existência ou a

formação de uma escola oficial para artistas."305 3.5.2. O ensino artístico

A posição pedagógica, em Almada, relativamente ao ensino artístico,

coincide com a perspectiva contextualizadora, que assume a nível do ensino

na generalidade: recusa-o quase liminarmente306: "...Em Portugal educar

significa burocratizar. Ex.: Coimbra. Mas na maioria o portuguez é

analfabeto e em geral é ignorante…"307 As grandes razões que apresenta,

relacionam-se com a análise iconoclasta das organizações e instituições de

ensino superior, com os princípios orientadores, com a filosofia educativa, e

finalmente com a política educativa vigente, não demonstrando interesse em

aprofundar qualquer um dos aspectos.

As escolas oficiais são técnicas ou politécnicas e não podem nunca, mesmo reunidas em Universidade, formar enciclopédicos.308

A dogmaticidade de afirmação, impede o próprio questionamento do

problema: Almada foi taxativo, não admitia o tipo de ensino ministrado nas

presente, à actuação do Estado: “O grau de doutor do nosso Pedro Nunes na Universidade de Lisboa, era em Artes e Medicina. Por estas palavras se reconhece que por então a iniciação universitária era por conhecimento do cânone antes de uma especialidade. Mas desde o momento que a instrução oficial houve por bem separar vocação de profissão, a sua solução era efectivamente pelo conhecimento de formulário. De qualquer maneira, o conhecimento por formulário parece cumprir o dever canónico de não tocar opinião. Simplesmente ao invés do conhecimento por cânone, o universitarismo moderno, actual, desinteressa-se também e não deixa tempo para o desocultamento de cada vocação. Aos estados cada vez menos interessam as vocações que não sirvam exclusivamente o critério dos próprios estados. Ora, o dever sagrado de não tocar opinião, não significa de maneira nenhuma desinteressar-se dela e ainda menos tirar-lhe o seu legítimo tempo, esquecendo que cada vocação individual é a única fortuna deste mundo. O tapa-olhos do progresso e a auto-publicidade estadual só por si diminuem a humanidade e desflexibilizam a ordem." Cf. op.cit., 23 de Junho 1960. 305"Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.76 306Almada parecia ter em mente essa reflexão de Goethe em "L'Essai sur la peinture de Diderot" (1799) quando este considerava que: "...l'homme n'est pas fait pour enseigner, mais pour vivre, il est fait pour être actif et productif." Cf. Goethe, Écrits sur l'Art, p.190 307"Ultimatum Futurista às gerações portuguesas do século XX", Portugal Futurista, p.37. 308"Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.76

95

escolas de arte, ou melhor, não acreditava nele, exprimindo publicamente a

sua recusa: "Peço-lhes por tudo quanto há que não me perguntem a razão

pela qual eu não entrei na Escola de Belas-Artes. Eu senti a impressão, ao

ver aquela fachada, que tinha de estar outra vez mais dez anos a tirar os sete

dos liceus."309 Uma vez mais, na forma de parábola, narrada em fundamento

próprio, Almada transmitiu a força da desilusão, da rejeição do ensino

artístico instituído, porventura ainda agravada pela natureza de atitudes e

posicionamentos intrínsecos aos próprios académicos. Almada aceitava o

saber dos companheiros, aceitava o saber dos "Mestres secularmente mortos,

pois os professores vivos foram mestres de escorraçar"310, não aceitava

imposições e demagogias

Numa das suas narrativas autobiográficas, Almada acreditava-se desde cedo

"artista nato" e foi desenganado quando entrou curioso no reino do ensino

artístico, "já maravilhado por aquela porta que dizia Arte, quando vi os

balcões invisíveis dos senhores que tiveram o descaramento de entrar pela

porta dos artistas; eu teria morrido nesse instante de decepção, se a minha fé

fosse susceptível de ser perturbada mais do que por um instante."311

A rejeição generalizada pelo ensino universitário, designadamente, pelas

universidades em si, persistiu na argumentação de fundo transposta na

dramaturgia, pelo "2º Jovem", protagonista clarividente em "Aqui Cáucaso",

incrementando a intenção que pretendia atingir:

2º Jovem:"…O poder da Universidade limita-se ao triunfo profissional, pouco lhe importando o caso vocacional? (…) O que nos ensina a Universidade levará bem em conta o nosso tempo de mortais para profissão e vocação? Para ambas? Queremos que o homem não fique um acréscimo da sua profissão, queremos que o homem caiba inteiro na inimitável forma da sua vocação pessoal…"312

Almada criticava no ensino universitário o distanciamento persistente entre

os conhecimentos transmitidos e a Vida em si, o que marcava de forma

309"Modernismo", Textos de Intervenção, p.58. Ironicamente Almada considerava a Escola de Belas-Artes um local que não se conciliava com o que ele considerava ser Arte: "conheci pouco a pouco toda essa multidão que entrou na vida por aquela porta que tem Arte escrito em cima. Por último, eu julgava ter-me já enganado de porta e ter metido pela do Comércio ou por qualquer, menos a da Arte. Porém não era eu que me tinha enganado de porta, eram eles." Cf. "Modernismo", op. cit., p.58 310Orpheu 1915-1965, p.18 311"Modernismo", Textos de Intervenção, p.58 312"Aqui Cáucaso", Teatro, p.250

96

intransponível a dicotomia que transtornava a possibilidade do indivíduo em

formação se tornar pessoa. Criticava não apenas os procedimentos

metodológicos que regulavam a actuação docente, mas também os

pressupostos pedagógicos que os determinavam, paradigmaticamente

denunciados pelo fenómeno da leitura "interminável" e obsessiva que

contrariava proporcionalmente a brevidade da vida.313 Almada reiterou, em

discurso ironista, a convicção de que as "Universidades não deixam bem

medido o nosso tempo de imortais. Ora o mesmo que na natureza divina

ocupa o lugar da imortalidade, o mesmo, tem o mesmo lugar na nossa

natureza humana, a mortalidade."314

Almada sabia que o ensino artístico tinha de ser aceite, política e

pedagogicamente como um caso especial que, como tal, exigia uma atenção,

condições e investimento adequados: "Mas a Arte é uma outra coisa

diferente de tudo isto e inconfundível de espécie e acção."315 Nomeadamente,

porque vigorava no ensino artístico, o mesmo tipo de pedagogias na

formação superior, dos outros e diferentes profissionais das artes: pintores,

escultores, arquitectos à semelhança dos engenheiros, médicos, advogados...,

para os quais existia, efectivamente, um ensino que lhes transmitia o saber

dos "ofícios" — e sob esse aspecto, nenhuma profissão era menos importante

que outra, existindo as escolas adequadas a essas profissões. Se se apresenta

clara (e aceitável) a existência de "escolas oficiais para pintores, escultores,

arquitectos, músicos e literatos (...) assim também é evidente que é

inadmissível a existência ou a formação de uma oficial para artistas."316

Persistindo numa concepção educativa, exclusiva das profissões sobre o seu

domínio técnico, através do ensino de modelos técnico-profissionais

delimitados — paradigma pedagógico do ofício —, não serve à formação do

artista que exige a abrangência do conhecimento por si, pois a "Arte diz

respeito ao indivíduo e nunca, por ser nunca, à sua profissão". Assim manter-

se-ia "o erro capital de todo o sistema da Pedagogia que ainda hoje vigora

em toda a Europa.(...) A razão do erro está na importância exclusiva que se

313Como já se sabe desde A Invenção do Dia Claro , Almada começou por procurar um livro de Filosofia porque queria pôr Ciência na sua vida e a Filosofia era precisamente a Ciência que tratava da vida, e nesse caso, da sua própria vida. Na procura dos conhecimentos dos Mestres, pessoas a quem caberia salvar a humanidade, pois "...iam escrevendo as frases que hão-de salvar a humanidade, percebeu que não adiantava procurar vidas de outrém para copiar, que lhe servissem de modelo para ser. Compreendeu sim que as vidas das pessoas, à semelhança dos livros, tinham princípio, meio e fim, mas afinal não existiam "Tratados da vida das pessoas", à semelhança dos Tratados de Zoologia ou Botânica. A vida era feita de continuidade e termos próprios de cada um. Cf. Invenção do Dia Claro, pp.11-12 314"Aqui Cáucaso", Teatro, p.250 315"Arte e Artistas", op. cit., p.76 316Idem, ibidem, p.76

97

dá à instrução em prejuízo total da educação que fica a cargo dos

particulares."317

A educação do artista teria de ser uma "educação unânime"318, uma educação

que atendesse à vida na sua complexidade, gerada e desenvolvida pelo

próprio artista, à semelhança do caso pessoal do indivíduo humano que,

apenas por si, sabe encontrar (adquirir profundamente) a sua personalidade.

A educação do artista devia ser uma auto-gnose. Nesse caso seria absurdo

acreditar que se pudesse ensinar a alguém, devendo "cada um aprender por si

mesmo o que é pintura"319.Exigia uma cumplicidade simbólica, entre o artista

e a sua própria arte como universo — como todo, entendida a educação

como a "disciplina que cada um organiza" e entre todas as disciplinas

individuais, a Arte é a disciplina que ocupa o melhor lugar.320 "Eu perdi-me a vez de ser analfabeto esse segredo para não ser doutor e para não saber também o que as letras sabem do mundo e de mim. Eu perdi a vez de não ter instrução, a vez sagrada de não saber ler a vez daquele que não sabe que é como a de quem não vê…"321

A noção de educação é enunciada por Almada, num quadro axiológico de

ordem antropológica, em que domina o primado do humano, como demanda

e culminância. Subjaz-lhe a relevância atribuída ao conceito de pessoa e de

humanidade, na unidade e conciliação do Todo que é a própria Vida. A

educação "é um todo que coincide unanimemente com o todo da vida."322

Almada, com a acuidade e visionarismo que o caracterizam, avançava com

uma definição que hoje se poderia afirmar afecta a um paradigma dito

antropológico, salvaguardadas as suas especificidades e circunstâncias.323

317Idem, ibidem, p.76. A resposta à situação, Almada revela-a em entrevista a António Valdemar: "O modo pessoal de ouvir pela primeira vez histórias antes passadas é imprevisível ao pedagogo, é-lhe mesmo completamente interdito interferir no caso, e o que pode pedagogo que não tenha vocação consciente da sua inibição é estropiar as histórias e o entendimento alheio. O pedagogo não tem que atender aos casos pessoais mas ao cânone, o qual significa precisamente todos os casos, o que não acontece com as regras.” Diário de Notícias, 23 de Junho 1960. 318Almada reafirma esta ideia, justificada pelo conceito de Arte que privilegia: "A única razão de existência de arte é a unidade. A unidade apaga todas as fórmulas." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 21 de Julho 1960. 319"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.108 320Idem, ibidem, p.107 321"As Quatro manhãs - a 2ª manhã", Poesia, p.181 322"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.107 323Não se tratando de um estudo cuja focagem esteja directamente relacionada a este assunto, não pode deixar de desenvolver-se algumas considerações que permitem uma melhor compreensão da definição

98

Almada considerava, em duas asserções nítidas, as condições para que o

artista, designadamente o pintor, existisse como tal: a primeira é que

houvesse educação, a segunda, o desenho. Entendeu desenho como

capacidade intelectual de sentido integrador, como conhecimento

estruturante, como discernimento arquetípico, por obrigar ao exercício das

capacidades intrínsecas que o artista deve promover — e desenvolver para a

sua arte. 3.5.3. A Educação do artista

A educação do artista implicava, como se constatou, a formação do

indivíduo e a auto-educação do artista. A formação do indivíduo desenrola-

se na primeira idade, organizando-se a sua unidade individual, moral e física,

em função do equilíbrio da maturidade — "normalidade" — singular. A

auto-educação inicia-se na segunda idade, procurando a personalidade do

indivíduo. Almada sublinha a natural divisão subsequente das idades, pois

"Distinguimos, por conseguinte, a formação do indivíduo antes da auto-

educação do artista, e ficamos no momento em que está iminente o

aparecimento da personalidade do artista."324 Mediante esta visão do

fenómeno educacional no seu duplo dimensionamento, sobressai a primazia

do indivíduo, impregnado pelo exercício personalizador, que induz ao

domínio de um paradigma educacional focado no eu do indivíduo,

projectado na circunstancialidade causal da Arte. Almada teve aliás

consciência do facto, ao reconhecer que a arte era individualista. Posição que

muito abertamente assumiu e confirmou: "E é assim mesmo que eu também o

entendo: uma disciplina integramente individual que pode, quando muito,

servir para outros também"325, mas sem que seja esse objectivo constitutivo

ou direccionalmente constritor. Justifica-se ainda esta posição na medida em

que a Arte é "um dos vértices capitais na vida colectiva e na individual."326

As linhas orientadoras acerca da situação dirigem-se para uma estética de

cariz individualizador, mas não subjectivista, pois não exclui a força

constitutiva da Arte como disciplina, — termo que emprega Almada — que

serve os "outros", portanto promotora da intersubjectividade e no domínio do

assumida em Almada Negreiros, quanto à natureza, âmbito, características, finalidade, objectivos... da educação. Cf. Adalberto Dias de Carvalho, A Educação como projecto antropológico, designadamente, p.184 e ss. 324"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, pp.108-109 325Idem, ibidem, pp.108-109 326"O Cinema é uma coisa e o Teatro é outra", Textos de Intervenção, p.124

99

social. A construção da individualidade do artista tem de ser individual-

pessoal, donde a Arte como formadora ser, obviamente, individual, para a

colectividade, como produto, como finalidade e como função substantiva. A

Arte age sobre o indivíduo como responsável; o artista cria a obra, age

directamente pois, quer o conhecimento, quer a execução da Arte, não

admitem intermediários; cabe "inventar cada qual a sua."327

Voltar-se para si mesmo, implica no artista, a possibilidade de se relacionar

com os outros, ideia aliás subjacente à identificação do paradigma

antropológico quanto à filosofia da educação proposta por Almada. A Arte é

considerada "universalmente de todos os artistas", logo "é o meio mais sério

de pôr os homens a comunicar uns com os outros."328 Donde se poder

concluir que o paradigma predominante na sua perspectivação quanto à

educação a implementar — pela via do eu —, ser sobretudo um paradigma

estético, de radicação antropológica e ética, pois "o artista acima da estética

dirige-se a todos e da maneira mais geral.(...) Tem o direito de ser

compreendido."329 3.5.4. O Desenho

A dimensão formativa, no domínio do educacional, atribuída ao desenho —

a nível conceptual e da sua praxis — corresponde a uma das principais

convicções estéticas de Almada Negreiros, baseado na noção de desenho

como linguagem primordial do humano. O seu domínio pessoal do desenho

era da maior relevância, como o entendeu Fernando Amado, considerando-o,

a "alma da pintura".330 Almada, ciente das exigências do desenho, afirmava

que quem dominasse, com mestria essa linguagem, dominaria a sua condição

de ser pessoal. Núcleo da argumentação relativa ao primado do visual,

Almada caracterizava o desenho como:

— conformador de pensamento primitivo; — possuidor de sentido universal; — expressão da natureza infantil, pela via assuntória da intuição; — instituindo a consciência pessoal; — força intrínseca presente na vida de cada um e de todos os seres humanos.

327"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, pp.108-109 328Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.10 329Idem, ibidem, p.10 330Fernando Amado, “Os desenhos de Almada”, Variante, nº de Inverno, 1943

100

O desenho, não significava apenas o conjunto dos traços mais ou menos

simples, as linhas ou o gráfico que se prevê signifiquem algo existente — de

ordem representativa; mediante a completude que lhe atribuiu, quis legitimar

a sua relevância, sustentando-a em dois célebres aforismos, de autoria de

dois protagonistas da humanidade: Napoleão e Ingres. Almada citou a

máxima napoleónica, introduzindo-a no texto como segue: "A célebre frase

de Napoleão, dizendo: "vale mais um pequeno "croquis" do que um longo

relatório" contém todo o sentido do desenho."331

O valor formativo do desenho, enquanto dom e exercício educacional,

actuou em consentaneidade manifesta, e por transposição, ao trabalho

elaborativo do entendimento humano, indutor de conhecimento. A afinidade

ao entendimento reconhece-se pela forma como o próprio desenho se

desenvolve: rapidez, clareza, simplicidade, ou seja, as qualidades que

reconhece no desenho. O desenho impõe disciplina, condição única que

garante disciplina, assentimento e êxito: obriga a aceitação da obediência,

um tipo de obediência que significa lealdade para consigo mesmo, "para com

os nossos sentidos, orgãos do entendimento."332

A título de esclarecimento epistemológico, Almada distinguiu entre o

conceito de entendimento e o de inteligência, entendendo-a como a ligação e

harmonia existente entre os entendimentos pessoais; referiu-se ao

entendimento como pertença do pessoal, e à inteligência numa extensão

generalizada, última, cujo caminho é propiciado pelo entendimento. O

entendimento deve ser extremamente original, e não sabendo sê-lo, a

originalidade de autor deixa de existir, anulando-lhe a significação e a razão.

O entendimento exige maturação, à semelhança do que sucede ao desenho,

que exige uma movimentação interiorizadora no indivíduo, traduzidas nas

duas épocas consecutivas: a primeira época, "da atenção respeitando o

instinto, a outra, a da correcção do instinto procurando a harmonia."333

331"O Desenho", Ensaios, p.26. René Huyghe, em Diálogo com o Visual, cita igualmente esta frase de Napoleão, sustentando uma intenção próxima da ideia manifestada por Almada, referindo-se ao primado das imagens visuais como factor fundamental para a comunicação, abordando o assunto em termos históricos, e situando a nível mediévico — comunicação impressa —, a maior utilização, precisamente, das imagens fotográficas a acompanharem as notícias: "Quanto ao caminho percorrido, quando no começo do século XX, um quotidiano, o Excelso, lhe inverteu a proporção e lhe consagrou o essencial das suas páginas, invocando a frase de Napoleão, o grande precursor: "O mais pequeno esboço diz-me mais do que um extenso relatório!". Afirmava-se, com estas palavras, a preeminência da vista e desvelava-se a sua principal causa: a exigência da rapidez." Cf., op. cit., p.22 332"O Desenho", Ensaios, p.27 333Idem, ibidem, p.28

101

A explanação argumentativa de Almada, tinha a intenção de propor a

analogia, relativamente, às duas idades da educação, acima mencionadas: no

caso do desenho, numa primeira época, predomina a sinceridade primária ou

romântica; depois passa-se para a impassibilidade construtiva ou clássica,

por afinidade ao sentido com que Ingres entendeu a noção de clássico: "a que

não faz rir ou chorar".334 A primeira época corresponde — em termos

ontogenéticos — à espontaneidade da criança, à sua convicção, aquela

criança que — na parábola da Invenção do Dia Claro — desenhava a flor

que o adulto não sabe reconhecer.

Na história da Humanidade, o desenho começou por ser o conjunto de linhas

instintivos do homem, deixando, posteriormente, de ser apenas instintivo,

para estar condicionado pela inserção no meio, suas interacções e

condicionalismos. Por isso, nessa outra parábola de Almada, o frade passara

um ano inteiro a cumprir o mundo; seguiu simbolicamente os ciclos mítico-

cosmológicos da natureza, "andou um ano a ver", "até que as suas cores

deixaram de ser tintas e passaram a ser a sua autoridade pessoal."335 O

desenho implicava a aprendizagem pessoal no mundo.

Por esse motivo, Ingres referia-se ao desenho, na célebre frase, considerado-

o a integridade da Arte: "le dessin est la probité de l'art."336 O desenho,

efectivamente, corresponde à experiência da autoridade pessoal — que

implica a consideração integral da pessoa; factor que, aliás, o caracteriza

como Arte, à semelhança do modo como a personalidade individual está para

a pintura, pertencendo mesmo ao domínio da pintura. Ou seja, o desenho é

caminho para a pintura: a autoridade pessoal é caminho para a personalidade.

Ou não fosse o desenho, como escrevia Goethe, "le plus moral de tous les

arts".337

334Ingres citado por Almada Negreiros in "O Desenho", op. cit., p.28 335"O Desenho", Ensaios, p.25 336Ingres citado por Almada Negreiros in "O Desenho", op. cit., p.26 337Goethe citado por Almada Negreiros, "Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.80. Apesar de se ter consultado a versão francesa de Écrits sur l'Art, introdução de Tezevan Todorov e tradução e notas de Jean-Marie Schaeffer, não foi possível localizar esta citação mencionada por Almada, tendo-se encontrado uma reflexão que pode conter uma acepção com afinidade, quando no Ensaio que dedicou ao livro de Diderot Essais sur la Peinture (1799), Goethe interpreta que para se conseguir um desenho bem realizado de uma figura, Diderot lembra a necessidade de que a execução deve perfazer o Todo e não prejudicá-lo. Goethe concorda enfatizando que se exige mais ao desenho em si, pois: "Nous partageons sa conviction que, pour ce faire, il faut mobilisier les facultés spirituelles les plus élevées et le métier technique le plus habile de l'artiste." Entendam-se aqui "as faculdades espirituais mais elevadas" como sinónimo dessa exigência "moral" que Almada cita. Cf. "L'Essai sur la Peinture de Diderot", Écrits sur l'Art, p.212. Saliente-se que apesar de Goethe muito raramente se referir ao desenho, existe uma outra passagem em que sublinha o carácter de rigor e exigência que o desenho implica em termos de abrangência de conhecimentos e domínio, superiores aos exigidos pelo colorismo: "...il est aussi difficile de bien dessiner (...) nous semble-t-il, que le

102

O desenho, como conceito e praxis, não é assumido como absoluto,

consciencializa os seus limites (contorno) e o seu valor: "O desenho é o meio

e o homem a finalidade."338 O desenho, por si só, ainda não é o homem

fixado na sua personalidade, é via privilegiada para cumprir essa demanda

— pois exige nomeadamente reflexão —, embora o próprio homem também

nunca se fixe em posição, "nem antes, nem durante, nem depois da sua

personalidade."339 O desenho pressupõe, na sua segunda época, a elaboração

interior profunda, que o homem precisa, embora proceda com a clareza,

rapidez e simplicidade que o adjectivam. E seriam estas as qualidades que, a

nível educacional, o desenho promove e induz, logo nele se reconhece o

valor e necessidade para a formação do artista.

O desenho, cujo movimento pelo traço, é sempre infindo e possível,

simboliza o próprio movimento e transposição do homem na vida; mas

também exprime o equilíbrio e a estabilidade, a proporção estética e a

conveniência ética. Não é alheia, esta ideia de Almada perante o desenho, a

acuidade com que Francisco de Holanda o tratou em Da Pintura Antiga,

Tratado que o autor de Começar , tão bem compreendia e citava como

mestre: "... o qual desenho, como digo, tem toda a sustancia e ossos da pintura, antes é a mesma pintura porque n'elle está ajuntado a idea ou invenção, a proporção ou symetria, o decoro340 ou decencia, a graça e a venustidade, a compartição e a fermosura, das quaes é formada esta sciencia."341

O desenho era considerado por Holanda, como uma das realizações mais

difíceis e árduas para o homem: "...não ha hoje este dia debaxo das strellas

dessin nécessite beaucoup de connaissances, préssupose de nombreuses études, que l'activité du dessinateur est très compliquée, nécessite une réflexion suivie et une certaine rigueur;(...)" Cf. op-cit., p.217 338"O Desenho", Ensaios, p.28 339Idem, ibidem, p.29 340A concepção de decoro provém de Cícero e santo Agostinho, tendo sido igualmente tomada pelos árabes Avicena e Algazel, que a tomaram provavelmente dos gregos: "La belleza o el decorum es la cualidad que posee una cosa cuando es tal como debe ser." Em Cícero, o decoro aprecia-se sobretudo em relação à medida justa, sendo absolutamente necessário — não apenas num sentido moral — no âmbito artístico. É qualidade daquilo que está conforme com a necessidade de natureza, configurador da virtude interna. Cf. Edgar de Bruyne, La Estetica de la Edad Media, pp.39-41 341Francisco de Holanda, Da Pintura Antiga, Capitolo XVI "Em que consiste a força da Pintura", p.99. As qualidades que Holanda considerava serem indispensáveis à boa pintura eram: a invenção, a proporção e o decoro. A definição de invenção desenvolve-se a partir da p.90 da op. cit.; a definição de proporção, a partir da p. 98, e finalmente, a definiçã de decoro, a partir da p.163. A acepção com que Francisco de Holanda toma o desenho relativamente à pintura, tem muito próximas afinidades à posição de Leon Battista-Alberti manifestas no tratado De Pictura .

103

cousa mais deficil e ardua que o desenhar."342 Arte profunda, a que maior

engenho exigia, era, curiosamente, aquela de que se achava menos capaz,

dada a sua complexidade, reconhecendo-a como a mais presente e necessária

em tudo no mundo. O desenho, de forma simbólica, é o próprio homem

quando os traços e as linhas do desenho que configuram o corpo, encerram

em si "o fim da arte porque a strimidade havia de cercar a si mesma e acabar

em modo que prometa haver da outra banda outra cousa, e que mostre

também aquilo que se esconde."343 A ideia que em Holanda configura a

relevância do desenho, quanto às potencialidades intrínsecas que o

constituem e pelas quais se expressa, surge com afinidade manifesta, quer em

Alberti, quer no próprio Leonardo da Vinci.344 Estes sim, eram os Mestres

(que Almada quis), os indivíduos enciclopédicos por excelência!

3.5.5. Os Mestres de cada caso pessoal

Nós não precisamos de Mestres para chegarmos a mestres, bastam-nos os nossos sentidos aqui na cidade. O tempo se encarregará de acordar os nossos sentidos e de lhes trazer harmonia. Quanto ao resto, nós somos os interpretes do astro pequenino que tem o habito de apanhar encontrões.345

A formação académica de Almada Negreiros foi realizada, em termos

formais, no Colégio de Campolide, de 1900 e até ao seu encerramento no

advento da República em 1910. No último ano lectivo, em que frequentou o

Colégio dos Jesuítas, Almada preparava-se possivelmente para uma futura

entrada no ensino superior que posteriormente recusou em absoluto. Ao

342Francisco de Holanda, Da Pintura Antiga, Capitolo XVI "Em que consiste a força da Pintura", p.100 343"E em tanto ponho o desenho, que me atreverei a mostrar como tudo o que se faz em este mundo é desenhar; e fallando com os pimtores, tambem me atrevo a provar-lhes e fazer-lhes bom que val mais um só risco ou borrão dado pola mestria de um valente desenhador, que não ja uma pintura muito limpa e lisa e dourada e chea de muitas personagens feitas de incerta pintura e sem a gravidade do desenho." Cf. Francisco de Holanda, op. cit., pp.100-101 344Alberti desenvolveu considerações a propósito no De Pictura , cf. pp.110 a 114, quando se referiu à importância da pintura, para o exercício das outras artes e indicando-lhe qualidades que têm a ver com o domínio do desenho. Mas seria ao pensamento de Leonardo que mais se aproximava, segundo considera Angel González Garcia nas notas à versão portuguesa: "Pero Holanda parece más cerca de una concepción radical de la universalidad del dibujo, tal como la encontramos en Leonardo, Della differencia et anchora similitudine, che ha la pittura co' la poesi, Codex Urbinas Latinus 1270, fol. 12 v. "Il disegno, insegna allo architettore fare, chel suo edifitio si renda grato al'occhio, questa alli componitori di diversi vasi, questa alli orefici, tessitori, recamatori; questa ha trovato li carratteri, con li quali si esprime li diversi linguaggi, questa ha datto le caratte alli aritmetici, questa ha insegnato la figuratione alla geometria, questa insegna alli prospettivi et astrologi et alli machinatori e ingegneri." Cf. Francisco de Holanda, op. cit., p.101 345"Charlie Chaplin", Artigos no Diário de Lisboa , p.26. Cf. Invenção do Dia Claro, "O Livro": "Sonhei com um país onde todos chegavam a Mestres. Começava cada qual por fazer a caneta e o aparo com que se punha á escuta do universo; em seguida fabricava desde a materia prima o papel onde ia assentando as confidencias que recebia directamente do universo..."Este texto foi inicialmente publicado no Diário de Lisboa, de 6 de Julho de 1921, e consta da op. cit., cf. pp.12-13.

104

longo desses dez anos, recebeu uma formação profundamente humanista346

que o alertou desde cedo para múltiplas reflexões acerca da condição

metafísica, teológica e ética do ser pessoal, argumentando saberes que lhe

advinham da tradição filosófica grega e da filosofia escolástica, fundamentos

do ensino recebido e que iria usar para o desenvolvimento da sua obra de

maturidade. Almada soube elaborar os conhecimentos que lhe foram

transmitidos, seleccionou os seus mestres e proclamou os seus pensamentos: Almada não é o que dispensa os mestres, mas o que os traduz para Almada, e o que aconselha aqueles que têm o instinto de liberdade — quer dizer, os que são capazes de imaginar que o mundo foi feito para eles — a fazer o mesmo.347

O pensamento mítico-poético grego, a tradição hermética e os fundamentos

metafísicos, cosmológicos e éticos da filosofia grega, consolidaram uma

cultura ensaística fundada no pensamento humanista que sustenta todas as

realizações de Almada Negreiros. Ainda que o Artista sempre tenha

anunciado a recusa formal de mestres, recusado as formulações pedagógicas,

no sentido restritivo ou constritor, os conteúdos abordados foram

interiorizados, em prol de suas opções e direccionamentos de pensamento,

centrados nos princípios filosóficos, até aqui mencionados, e completados

com a pesquisa pessoal que o Autor sempre realizou, com o intuito de

comprovar para si, as suspeitas mais primordiais acerca do homem, da Arte,

da Vida.

A era do predomínio do raciocínio na construção do pensamento esgotara-se

em vinte séculos e mais...348 e Almada, em 1921, anunciava a necessidade de

agir sobre o pensamento, num longo discorrer sobre os termos antitéticos, em

que o raciocínio era sinónimo de hesitação. Os raciocínios, tendo sido

anteriormente esgotados numa modalidade lógica e epistemológica, tornada

obsoleta — na acepção utopista do conhecimento —, era preciso agir sobre

as ideias que "hoje são coreográficas, é o físico quem as experimenta e se

treina até à mímica rigorosa e inigualável.(...) Nós temos que pôr os pés sem

hesitação e ir ganhando o hábito do mais consistente; rápidos, sem irmos

346De acordo com os horários consultados das aulas no Colégio de Campolide, na altura em que Almada o frequentou, verifica-se uma carga lectiva forte nas disciplinas de Latim, Grego, "Philosophia"; de salientar também as disciplinas de Desenho, "Mathematica" e "Portuguez", no correspondente ao ensino secundário e complementar actuais. Almada entrou no Colégio de Campolide em 2.XI. de 1900, sendo-lhe atribuído o nº 64, com indicação de naturalidade "s. Tomé", de acordo com o Livro d'Ouro dos alumnos do Collegio de Campolide - 1849-1903. 347Eduardo Lourenço, "Almada, ensaísta", Colóquio sobre Almada Negreiros, p.84 348"Adão e Eva" de Jaime Cortesão", Artigos no Diário de Lisboa , p.38

105

mais depressa do que nós; inteiros, sólidos, com sombra própria e produzida;

rigorosos de fatalidade — na certeza consecutiva do acaso!"349 Não foi

apenas na época imediatamente posterior ao modernismo que Almada

exprimiu estas convicções; elas vieram a consolidar-se ao longo dos anos e

das muitas reflexões e experiências, efectivamente, "Acabou-se o sêgredo

das escolas, a nossa imaginação milenária tem belo terreno para edificações

ao lado das escolas. Diante de todos vamos edificar construções para que nós

e os outros fiquemos sabendo como se improvisará melhor."350

Do seu contacto com os Jesuítas de Campolide, Almada guardou uma

memória que colaborou na edificação da sua personalidade artística, porque

focada numa pedagogia humanista, segundo testemunho do próprio filho,

Arqtº José de Almada Negreiros. As condições que lhe foram facilitadas para

desenvolver o especial dom para o desenho, traduzia, ainda segundo este

testemunho, uma consciência pedagógica do director do Colégio, do que

veio a ser, muito mais tarde, o ensino especial para as crianças sobredotadas.

Ao nível dos autores estudados por Almada no Colégio, Baltasar Gracián

certamente privilegiou através dos seus aforismos e argúcia de pensamento,

uma influência inestimável no jovem Almada. O grande mestre do século

XVII que citava Camões como modelo de complexidade e excelência de

escrita, estipulou uma sabedoria conveniente à actuação ético-social e

pessoal, reguladora de uma pragmaticidade superior, de exigência espiritual

e intelectiva supremas. A agudeza de espírito que educava através da Arte da

Prudência, bem como a Arte do Engenho, serviram as lacunas que Almada

queria reverter a seu favor, para que fossem aceites as suas especulações. A

fundamentação argumentativa, a elaboração do discurso público, a escrita

insinuosa, não eram questões meramente estilísticas, mas uma proposta

legitimadora que visava o estabelecimento de princípios convincentes,

porque convictos. A necessidade de estipular conceitos, de recorrer a

artifícios, de saborear o requinte da consciência epistemológica do "gosto",

devidamente tratados em Gracián, foram definitivos para a maturação

conceptual, impulsionadora de especulações e resguardo de ataques

intelectuais, aos quais Almada sempre dava réplica com subtileza, incisivo

ou ironista, mas sempre vencedor.

O conhecimento, na opinião de Almada, não podia ser adquirido nas escolas,

pela boca dos mestres, o conhecimento era resultado da solidão de cada um:

349Idem, ibidem, pp.38-39 350Idem, ibidem,p.39

106

"Eu tenho ainda na boca o amargo das convicções e das sinceridades. Eu

aprendi com os conselhos de Deus a estar só e inocente."351 Estar só,

construir a sua educação é caso de poucos, "Ser o próprio é uma arte onde

existe toda a gente e em que raros assinaram a obra-prima!"352

As ideias assim manifestas encontraram, mais uma vez, fundamento e

certeza, nas posições elucidadas por Francisco de Holanda no Da Pintura,

mais nitidamente nos "Capitolo IX — Por onde deve aprender o Pintor" e

"Capitolo X — A segunda cousa por onde deve d'aprender"353, consistindo os

preceitos fundamentais para a praxis artística, sintetizadas no que segue: — não imitar nenhum outro mestre; — imitar-se antes a si mesmo; — servir como modelo de imitação a outrém, dada a sua consistência pela nova maneira de fazer.

Atenda-se também às directrizes de Holanda relativamente às Ciências que

aconselhava conhecerem-se: "as letras latinas e terladações gregas para

entender e gostar os tisouros da sua arte que polos livros stão escondidos,

sem os quaes elle não pode ter razão d'alguma cousa (...) e d'ali tomar a

filosofia natural, como filosofo excelentissimo, consirando e contemplando

continuamente a propriedade e natureza de cada cousa com mui grande

descrição e cuidado." Deverá ainda saber de teologia, a nobre história do

mundo, "tendo quase todas as antiguas cousas e historias recapituladas na

memoria, pois pola môr parte a operação da pintura consiste em renovar aos

homens e idade presente aqueloutros homens e idades que já passarão, e tudo

para doutrina e exemplo nosso."354

Importante era conhecer todas as fábulas, da poesia, pois na ficção e fantasia

radicava a verdade e a razão — o que é evidente em Almada igualmente.

Saber ouvir a música para conhecer a verdadeira harmonia, o que exigia o

estudo dos "números". Para além do conhecimento obrigatório, a qualquer

pintor, da geometria e das matemáticas e "prospectivas", enfim eram

necessárias muitas ciências e ofícios "que eu mando ter (...) ao

351"Uma reunião de artistas no banquete de homenagem ao distinto pintor João Vaz", Artigos no Diário de Lisboa , p.57 352"Nós todos e cada um de Nós", Artigos no Diário de Lisboa , p.93. Cf. a citação de Arquitas de Tarento, "Aquele que sabe tem que ter aprendido de outro ou achado ele só o que sabe. A ciência que se aprende de outro é, por assim dizê-lo, exterior: o que nós mesmos encontramos, a nós pertence e em propriedade." in "Dórico, cânone da ingenuidade", Ver, p.195. 353Francisco de Holanda, op. cit., pp.72 a 78. 354Idem, ibidem, pp.64-65

107

desenhador"355, que é difícil existirem em muitos homens juntos, quanto mais

num só, designando como paradigma do conhecimento Miguel Ângelo...Ao

que Holanda adiantava — algumas considerações após —, donde tomar as

fontes — conhecimentos — para servir a criação das obras: na natureza e na

arte grega. Estes dois paradigmas: o histórico de volta à natureza, vigente

desde Giotto; o de retorno à arte clássica, conhecidos através dos escritos de

Plínio e outras fontes antigas. Aparentemente antitéticos, ambos paradigmas

convergiam para o propósito estético igualmente presente em Vasari: "la

fusión de los paradigmas ya apuntados se expresaba también a través de una

homologación terminológica. El propio Leonardo, tan afecto siempre al

naturalismo del Quattrocento, no encontraba dificultad alguna en conciliar

ambos magisterios."356 Almada realizou a conciliação, ao basear a sua teorização no paradigma da modernidade que implicava a reinvenção do conhecimento mítico, poético, estético e filosófico, dos gregos e todos autores que ao longo da história da cultura europeia soube tornarem-se modelos de nova maneira: "Nós não combatemos os antigos. Nunca se deram aos antigos provas tão sinceras e conscientes de admiração. As irredutibilidades não somos nós que as fabricamos."357 Almada conheceu-os para conceber a sua teorização própria, associando esta perspectiva de tradição, por via do humanismo, com a demanda da ingenuidade, tão afecta à teorização romântica, sem exaurir os impactos ou extensões exclusivas, de um paradigma ou outro, neste caso, o paradigma do clássico — o cânone, e o paradigma da ingenuidade: "D'ali aprenda a fazer muito pouco e muito bem..."358

Almada trouxe do autor português do Renascimento grande afinidade, pois

sabia que a Renascença tinha sido a idade dos Artistas, "havia efectivamente

artistas, isto é, indivíduos enciclopédicos, indivíduos de perfeito

conhecimento geral. E sobretudo isto: indivíduos libertos das grades de cada

profissão porque são mestres em todas. Isto quer dizer: artistas."359 Os

Mestres que se lhe adequaram estavam na memória da humanidade, essa

capacidade do humano que precisamente distingue o homem do animal. a

memória como resíduo do entendimento e, portanto, cúmplice na memória

colectiva, profunda, inconsciente mesmo, para além da cronologia:

355Idem, ibidem, p.69 356Angel Gonzaléz Garcia, in Francisco de Holanda, op. cit., Nota 180, p. 75 A conciliação realizava-se através do desenho, para o qual ambos se mostravam cúmplices. 357Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.12 358Francisco de Holanda, op. cit., p.76 359"Arte e Artistas", Ensaios, p.83

108

Já há bastante tempo que os meus melhores mestres de hoje deixaram de existir neste mundo. Encontram-se todos na Eternidade, essa eternidade que não conhece anónimos. 360

A conciliação dos elementos constitutivos do universo, pessoa humana,

mundo e Humanidade, realizada nos fundamentos do conhecimento anterior

ao pensamento, fornece um dos termos para a superação de um saber apenas

feito de erudição profana e "cultura livresca". O conhecimento que Almada

pretendeu era da ordem do mistério361, estava na ingenuidade de saber,

atitude e estádio de anterioridade do humano, o mais simples,

simultaneamente: A unanimidade em conhecimento não pode deixar de ser o simples mesmo, desde o primeiro instante da humanidade igual ao primeiro instante de cada um.362

A condição fundamental que Almada expôs para resolução do problema,

relaciona-se com a percepção que cada um terá para encontrar mestres

"próprios", sabendo separar-se deles a tempo de não ficarem circunscritos

aos dogmas de outrém, nem apenas àqueles: haveria que ter a grande visão

dos mestres da humanidade, de todos, mostrados ao longo do tempo que os

revela.

4. Estética esotérica — a primazia de Ver

A Estética de Almada foi construída sob duas afirmações que quis

irrefutáveis. A primeira, destacou o conceito de pessoa como pessoa humana

na arte, ao manter "a obra da sua coerência com a atitude humana que arte

representa."363 A segunda, considerou ser a Arte, intrinsecamente,

Visualidade. Associando ambas, resultou a unidade pessoal vista Arte, ou

seja, "Arte é sobretudo atitude universal da pessoa humana"364, — leia-se que

a Arte é visualidade manifesta na atitude universal da pessoa humana.

Conciliam-se ainda as reflexões, anteriormente realizadas, acerca das

componentes constitutivas da Arte, à enunciação da tese visual procedente

da acção, obra e pensamento da humanidade, salientada a dimensão una da

pessoa humana na história.

360"Vistas de SW", Textos de Intervenção, p.120 361"O saber é pouca coisa para quem conhece. O saber desencanta o mistério. O conhecimento vive cara a cara com o mistério." Almada Negreiros, "Prefácio ao livro de qualquer poeta", Poesia , p.39 362Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23.06.1960 363Orpheu - 1915-1965, p.14 364Idem, ibidem, p.14

109

4.1. Os sinais primordiais da pessoa humana individual — a antegrafia

A Primazia da vista é natural do Homem, e tanto assim que os primeiros sinais feitos de sua mão foram, como não podiam deixar de ser, automáticos e só depois ele próprio os soube ler.365

A primazia da vista é natural, constante e permanente no homem,

manifestando-se visualmente nos primeiros sinais, de natureza automática,

surgidos antes do homem dominar o conhecimento capaz de os decifrar, de ir

além do seu automatismo. A primazia da vista persiste na história da

humanidade, viu e vê confirmada a sua presença em cada novo ciclo, em

cada início, em cada recomeço que o homem precisa; sempre que o homem

se mostrou num novo lugar do mundo, gerador de nova civilização e/ou

cultura (porque colectivo e sozinho), revelou-se na visibilidade dos sinais

antegráficos.

Os sinais antegráficos são sinais comuns, desveladores das origens do

homem, nos primórdios da assunção do humano; ao redescobrí-los,

significam as emoções, as motivações que fundamentam o pensar,

imaginar…; significam a predisposição e a vontade para comunicar, para

representar no seio das relações sociais, decisivas para a consciência

etológica, para a constituição da identidade do indivíduo, do grupo...

"O tempo dos sinais antegráficos foi o tempo em que os primeiros

movimentos do humano se configuraram em leis da primazia da vista sobre

os outros sentidos, em que estas são as leis da pintura e, também, as mesmas

da Ordem Universal."366

No domínio da gnoseologia, os sinais visuais significam a fundação

originária do conhecimento, "a um tempo uma semiótica do visual, uma

simbólica das formas geométricas mais simples (as mais difíceis) ou, como

Almada prefere dizer, a antegrafia de formas de pensamento menosprezadas

365"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.121 366Idem, ibidem, p.119. Num artigo intitulado "Almada — há 40 anos "ensina" arte moderna", Diário de Notícias, 21 de Julho de 1955, o autor — que não assina —, compara esta vertente das pesquisas e especulações de Almada com a posição de Fernando Pessoa: "E se é verdade que Pessoa era um cultor da Kabala e um ocultista, portanto, Almada repele esse culto, para se confessar muitíssimo mais lúcido. Há nos seus estudos e investigações actuais uma orientação que o aproxima daquele — ambos procuram uma síntese que explique os fenómenos universais e dê um sentido racional à vida do cosmos, tendência de todas as inteligências que se não resignam a aceitar os dogmas religiosos existentes — mas Almada, essencialmente plástico, alheia-se da "transcendência" inerente ao pensamento ocultista do poeta da "Ode Marítima" para se consagrar à imanência expressa na relação geométrica traduzida numa conjugação numérica. A relação 9/10 a que obedece o cânone que Almada encontrou, e que pode consubstancializar-se nos cinco sólidos regulares a que se reduz a harmonia de todas as formas estéticas, eis o fundamento do seu conhecimento "mágico".

110

ou olvidadas da maioria."367 Os sinais exprimiam o visível e o invisível do

Universo368, interior e exterior em simultâneo: o visível expresso através da

sua própria visualidade manifesta — mediante a percepção realizada; o

invisível manifesto pela visualidade desocultadora, fixada para

convencionalmente o expressar. Pela unidade de expressão do Universo

como Todo, os sinais permitiam reconhecer no homem — dentro e fora de si

—, a sua individualidade.369

Na sua perspectiva, Almada considerou que os sinais antegráficos serviam a

Humanidade muito para além do tempo, precisamente porque provenientes

do automatismo genuíno, sinais elementares feitos com traços e com a

intenção de chegar a todos os homens e em todos os tempos. Almada

designou-os por elementares pois neles estavam os Elementos: Fogo, Terra,

Água e Ar.370 Por princípio cosmológico — e por analogia — os sinais

guardavam em si371 a significação que fecundou as possibilidades da vida

humana, o acto, a obra e o pensamento — espécie de cosmogonia visual por

conivência do homem no mundo.

Nos sinais elementares, objectividade e subjectividade formam a unidade,

um único objecto, tal como estão, igualmente num sujeito comum. Percebeu

que o Homem procurara o "primeiro movimento irrepetível do mundo", o

movimento "presente em cada um de nós, porque esta é a única ponta firme

do fio que nos permitirá conduzir-nos através do labirinto sagrado e sensível,

este labirinto que se justapõe ao do Caos."372

367Lima de Freitas, Pintar o Sete, "Dar à manivela do mundo", p.35 368O Universo — visível e invisível — era representado inicialmente, por exemplo, pelo "sinal cretense da Lua com os cornos para baixo, esta figura da Lua que os olhos humanos nunca viam." Cf. "Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.108. O sinal mencionado é a labris, precisamente um dos primeiros sinais que em si comporta a concisão imagética do mundo, sendo o sinal repetido ininterruptamente desde os mais remotos documentos da Antiguidade, pela mão do Homem: "A primeira maneira como surgiu o sinal da labris , foi pela linha do Sol relativamente à Terra. A segunda, pelas fases da Lua, isto é, o período anual das relações entre o Sol, Terra e Lua. E agora vem aquela que deve ter sido a primeira no tempo mas seria menos compreensível se a tivéssemos posto antes; a representação dos dois sexos engendradores, o fálos e a cista." Almada referia-se ao fresco do edículo sagrado de Cnossos em que estão as duas representações. Cf. pp.109-110. Foi da labris, como primeiro sinal gráfico, seguido de dois outros sinais gráficos, as liras e as flordelis, e assim se encerrou a história do homem, respectivamente começo, meio e fim — labris, lira e flordelis. Da labris surgiu para a posteridade do humano o sentido dos seus três poderes: o acto, a obra e o pensamento. 369Os elementos primeiramente visíveis para o homem são o exterior e interior em simultâneo: "não tendo por que obstar ao exterior, há que fatalmente reconhecer dentro e fora de si, a sua parte, o individual." Cf. “Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.81 370“Ver e a personalidade de Homero II”, p.125 371Almada considerou impossível enumerá-los até à exaustão, salvaguardando-lhes a concisão da forma que lhes identificava as características comuns: “são linhas simples e conhecidas até dos mais ignorantes, são cruzamentos e repetições de linhas simples, como o fazem precisamente os que não sabem ler nem escrever.” Idem, ibidem, p.123 372Idem, ibidem, p.122

111

Almada designou o princípio enunciador da natureza e condição visíveis do

Universo como Todo, por princípio de conservação ou continuidade.

Significava a abertura de cada indivíduo humano, para desocultamento do

seu interior — o dentro de si em dimensão imagética; o não fechamento

sobre a sua individuação específica, promovendo de moto próprio a

compreensão íntima de exterior e interior, conferia-lhes a disponibilidade

para comunicar com outrém, demonstrada a vontade de comunicar, de

exprimir algo.

A natureza desta comunicação consistia no acto de desenhar sinais absolutos,

livres, abstractos e automáticos, sinais que exprimiam os dois únicos

sentimentos natos no homem: o sagrado e o sensível, sustentados no mais

forte instinto — a continuidade do humano. Era uma comunicação de ordem

transposicional, ou seja, não existia uma correspondência natural entre os

sinais e os elementos evocados — comunicados; existia uma

correspondência transposta, de elaboração simbólica, derivada da formação

de todos os símbolos, proveniente da acção subjectiva, dimensionada na

subjectividade. A ordem do simbólico era simultaneamente de cada um e de

todos, do sujeito singular no mundo, cuja objectividade está no primado de

uma subjectividade que se concilia com o dimensionamento do universal —

constitutiva em afinidade de todas as subjectividades na unidade do sensível

e do sagrado.

Em termos filogenéticos, foram a primeira expressão de todo o

conhecimento, representando "as primícias do primeiro encontro do

macrocosmos com o micro-cosmos"373, constituindo a linguagem visual na

"infância do mundo"374. Primordiais, estavam destinados a ser sempre

presentes no homem, porque do domínio do espírito — invisível — antes e

depois do próprio conhecimento antes da Ciência. A sua estrutura era a mais

arcaica fonte de conhecimento; a sua força persistente no homem foi

motivada na profundidade do inconsciente, no mais íntimo e comum do

humano; precisamente porque do mais genuíno, todos os homens os sabem

373Idem, ibidem, p.120; Cf. no Cap. II - 1ª parte “Convocação da Humanidade”, onde se transcreve excerto do Timeu acerca da criação do homem para o mundo e sua relação com o Universo, como (elemento) microcosmos perante o macrocosmos. 374"A linguagem visual é uma das componentes conceptuais essenciais da arte visual; mas, a arte , mesmo que considerada dum ponto de vista semiótico, comporta igualmente outras componentes de carácter emotivo e estético; todos esses elementos implicam a posse dum conjunto complexo de capacidades associativas, receptivas e comunicativas que, segundo os nossos actuais conhecimentos pertencem específica e exclusivamente ao homo sapiens ." Emmanuel Annati, Les Origines de l'Art - formation de l'esprit humain, p.53

112

imediatamente decifrar: linhas horizontais e verticais e todos do domínio

visual que as crianças conhecem e os artistas procuram deliberadamente

manter no património da visualidade.

Almada dispunha assim os pressupostos de uma estética e de uma imagética

baseadas na posição privilegiada do indivíduo humano, proporcionada a sua

manifestação por intermédio dos artistas, entre todos aqueles na humanidade

a quem respondiam por vontade e imposição profunda, os desígnios da

compreensão que transcendia a topografia do tempo: "E a pintura, se é a

vocação de alguns, é também a mesma vista de todos e sobretudo os da

mesma época."375 Vieram a originar as duas ciências visuais por excelência

— a astronomia e a geometria. Ciências ambas imprescindíveis para a

fixação do homem como presença diferenciada no mundo; serviram para

conhecer o mundo na sua mítica exigência maior, espécie de cosmogonia

visual: "o primeiro visível para o Homem foi o Céu e ele próprio na terra: o

céu na fixidez dos astros, ele próprio no que pode a mão."376

Na permanência e domínio que o desenho permitia, o homem compreendeu

que os astros permaneciam idênticos — apesar das mudanças visíveis; as

linhas podiam igualmente ser sempre as mesmas, apesar da diversidade de

concepção, garantia da presença — continuidade — do humano. Os astros,

as linhas e os sinais pertenciam à humanidade — por génese e determinação

divinas —, fruto da sua Criação, fixavam o seu testemunho, a sua herança e

justificando ultimamente a origem e destino comuns.377 Segundo Almada, a

antegrafia era perpétua geradora para a humanidade: "É ela que vai fazer

surgir e fecundar todas as possibilidades humanas no acto, na obra e no

pensamento, e assim mesmo continua a sentir-se obrigada à representação

gráfica no que hoje entendemos pelo mais pobre sentido do decorativo, a

formação de simples cercaduras que ficaram conhecidas para a posteridade

com o nome de gregas."378

375Idem, ibidem, p.78. Os sinais foram posteriormente afectados às artes menores, sem que se tenha percebido o seu significado primordial, que Almada pretendeu desvelar nos seus estudos sobre o assunto. 376"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, pp.123-124 377"Os caracteres universais da linguagem visual deixam supor que existem raízes comuns a todas as nossas diferentes culturas." Emmanuel Annati, Les Origines de l'Art - formation de l'esprit humain, p.62 Almada explicou a forma como os primeiros sinais terão surgido, pelo movimento de aproximação combinatória das linhas e traços entre si, encontrando o seu sítio para serem precisamente sinais: "um traço em pé, deitado, inclinado; dois traços, em cruz de pé, dois traços em cruz deitada; traços. Se juntarmos a estes traços os mesmos em curva e as combinações possíveis entre todas, teremos a devida correspondência entre o homem e o universo. Nasce a invencível simplicidade." Cf. "Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.81 378"Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.79

113

No âmbito da estética significava a constância do princípio básico, donde

emanou a origem comum para a arte. No âmbito da história da arte, as

origens da arte reveladas na arte dita primitiva, tendo-se disseminado nas

artes populares em diferentes geografias e tempos que, neste aspecto

mantinham a unidade absoluta do humano379, designadamente, dada a

dimensão simbólica. Procuraram genuinamente a harmonia,

consubstancializada no princípio de simetria, donde tomarem o algarismo 3

como base para os seus traçados, ajustando o homem à terra. A simplicidade

visual — desígnio constitutivo — da sua própria natureza, foi revelada no

sentido qualitativo e não tanto no quantitativo. Os sinais reflectem a

harmonia, a individuação e a conjugação dos três Elementos, constituindo-se

matriz visual — interior e exterior — para a Civilização e para a Cultura.

O domínio visual de Almada incluía, por uma espécie de absorção analógica,

a dimensão ontogenética, baseando-se na comprovação da teoria do primado

da vista por aquisição de conhecimentos sobre o mundo envolvente, sobre si

e sobre os outros no mundo, nos primeiros anos de vida do indivíduo,

correspondendo ao período em que "os sentidos ignorantes estão já acabando

o próprio espírito que o levará até ao fim da vida."380 Quer no processo

individual, quer na continuidade do Homem, sendo portadores da sua

antecedência, os sinais orientaram simbolicamente o destino comum,

respondendo ao eco originário do "programa do seu caminho".381 4.2. A universalidade da Arte

379Mencionem-se a propósito, os estudos etnográficos, publicados em artigos, por Virgílio Correia em 1915 na II série da Águia, sob título “A Arte Popular Portuguesa” que se colocam nesta perspectiva — e que certamente Almada Negreiros pode conhecer. Nesses textos, Virgílio Correia desenvolveu uma série de considerações acerca da universalidade constatável na arte popular, que teria as suas fontes precisamente na arte primitiva, que como se sabe — de estudos posteriores sobre o tema — contém toda uma série de sinais ditos elementares, que foram posteriormente integrados como elementos decorativos pelas artes menores, referência coincidente com a que Almada igualmente tece, quando se refere ao desprezo e ignorância a que os sinais elementares foram votados durante muito tempo. Cf. "Ver e a personalidade de Homero I", Ver , p.78. Certamente que, ao nível da arte popular, houve uma incorporação de elementos posteriores que vieram diversificar a própria utilização a que se destinavam, e também alterações de valor simbólico-religioso. Num estudo indispensável para o estudo das origens da Arte, da autoria de Emmanuel Annati, intitulado Les Origines de l'Art - formation de l'esprit humain, Paris, Albin Michel, 1989, encontra-se um paralelismo entre o pensamento deste Autor e as considerações de Almada relativamente aos sinais visuais dos primórdios da humanidade. Annati chamou à atenção para a importância do património visual da humanidade, cujos signos são testemunhos conceptuais, éticos e estéticos imprescindíveis ao seu conhecimento. Sublinha ainda a criatividade artística do primitivo, referindo-se à produção de uma arte visual anterior à escrita, salvaguardando mesmo a existência de uma conceptualidade primordial, anterior mesmo ao Homo sapiens : tendência manifesta para a conceptualização. 380"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.123 381Idem, ibidem, p.124

114

Almada quis reafirmar a sua convicção na universalidade da arte, enquanto

acto manifestatório de uma unidade genésica e promotora do humano,

através da universalidade consignada, designadamente na arte popular —

herdeira da genuinidade das artes primordiais e suas visualidades

automáticas: elementos, sinais… A obsessão de Almada pela tese visual —

prova da comunicação universal deliberada desde o início, princípio de

comunhão entre os homens, conciliava-se no domínio psicanalítico ao

conceito jungiano de "inconsciente colectivo", mais do que aos "resíduos

arcaicos"382 a que Freud se referiu. Os símbolos que constituem o

inconsciente colectivo aparecem em todo tipo de manifestações psíquicas

muito distantes para o homem moderno, e têm uma origem que se perde

efectivamente no tempo, o que explica que este tenha tanta dificuldade em os

compreender, assimilar ou mesmo aceitar. Segundo um discípulo de Jung,

Joseph L. Henderson o "inconsciente colectivo" é: "...parte da psique que

retém e transmite a herança psicológica comum da humanidade."383 Embora

se verifique como facto, quase irrefutável, a sua anterioridade, que ascende

aos primórdios do humano, os arquétipos persistem no humano, por toda a

viagem da Humanidade desde que existe como tal. Correspondem a um

tempo anterior, em que a percepção da realidade que o Homem podia,

"continha um número indefinido de factores desconhecidos —

acontecimentos psíquicos por exemplo."384, que Jung considerou

imprescindíveis para a compreensão dos movimentos do humano, em si cada

caso e no todo da Humanidade.

É constituído por inúmeras coisas que estão fora do alcance da compreensão

humana — se radicada exclusivamente no consciente — que ultrapassam os

limites da evidência lógica racional, das convicções mais convencionalizadas

pelo consciente (individual) colectivo do Homem, obrigando a considerar

um nível de existência que o conhecimento consciente não pode transpor.

Entre os símbolos que pertencem ao humano desde os tempos da "Origem"

— termo que Almada utiliza nesta acepção — há os de origem individual,

mas igualmente a grande imanência do originado no colectivo — cultura e

civilização implícitas: "Por isso o homem não dispõe só da memória, a qual,

por si apenas, é negação; o que se pretende é trazer o homem comum através

382Os "resíduos arcaicos" os elementos psíquicos que sobrevivem na mente humana há tempos imemoriais, e que, na perspectiva de Jung não servem para explicar esses "símbolos, cuja origem está soterrada nos mistérios do passado que não parece ter origem humana." Carl Gustav Jung, O Homem e seus Símbolos", p.55 383Joseph L. Henderson, "Os mitos antigos e o homem moderno" in Carl G. Jung, O Homem e seus Símbolos, p. 107 384Carl G. Jung, O Homem e seus Símbolos, p.23

115

dos tempos, e por isso o homem tem segunda faculdade nata, gémea da

memória, a imaginação."385

Os arquétipos, segundo Jung, são conteúdos do inconsciente do homem

actual, moderno, que se parecem com os produtos elaborados na mente do

homem primitivo. "Quanto mais pesquisarmos as origens de uma "imagem

colectiva" (= dogma) mais vamos descobrindo uma teia de esquemas de

arquétipos aparentemente interminável que, antes dos tempos modernos,

nunca haviam sido objecto de qualquer reflexão mais séria."386 Quando Jung

se refere aos arquétipos que representam por vezes sob forma de imagem

simbólica, sublinha que, "A sua origem não é conhecida; eles repetem-se em

qualquer época e em qualquer lugar do mundo — mesmo onde não é

possível explicar a sua transmissão por descendência directa ou por

"fecundações cruzadas" resultantes da migração."387 Não são formas

estáticas, mas factores dinâmicos que se manifestam através de impulsos, tão

espontâneos quanto os instintos: "Os arquétipos criam mitos, religiões e

filosofias que influenciaram e caracterizaram nações e épocas inteiras."388

Jung considerou que os pensamentos foram uma descoberta relativamente

tardia do homem, pois primeiro ele fora levado por factores inconscientes a

agir; apenas muito tempo depois é que começara a reflectir sobre as causas

que motivavam a sua acção.389 Afirmou que o conhecimento quanto mais

originário era, tanto mais impregnador, dominando, na sua própria

inexplicabilidade racional, usando de maior abrangência e extensão no

humano. Próxima desta argumentação, Almada considerava que o aumento

de conhecimento científico, provocava a diminuição do grau de humanização

no mundo, pois o homem se sentia isolado no cosmos, perdido o seu

envolvimento com a natureza, perdida também a sua "identificação

emocional inconsciente" com os fenómenos naturais: "E os fenómenos

naturais, por sua vez, perderam aos poucos as suas implicações

simbólicas."390

O retorno da memória do arquetípico afigurava-se próprio ao humano, que é,

permanentemente, a antinomia primeira: Memória-Esquecimento.391 Se o

385"Ver", Ver, p.232 386 Jung, O Homem e os seus Símbolos, p. 81 387 Idem, ibidem, p.69 388Idem, ibidem, p.79 389Cf. Jung, op. cit., p.81 390"Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.95 391"Somos a máquina estandartizada do organismo da Memória.", in "Galileu, Leonardo e eu", Teatro, p.237. Manifestamente, é relevante a contextualização no pensamento platónico, o qual, pretendia retomar

116

homem conseguisse recuperar a memória desse tempo paradigmático, tempo

em que ocorreram os mitos, em que se sabe a sua origem, então possuiria a

"força mágica-religiosa ainda superior à de quem apenas conhece a origem

das coisas."392 Pela via poética, pois inspirado pelas Musas, o poeta poderia

aceder à memória desse tempo das realidades originais. Nesse sentido o

poeta estaria num além-tempo, presente em toda a humanidade, do princípio

até ao fim do mundo. O poeta e o artista como Almada os coloca eram

indivíduos privilegiados para celebrar esta condição transfinita, omnisciente

do divino, do sagrado na criação humana.

De acordo, ainda, com a teoria da metempsicose de Platão, ao poeta era

conferido poder para se lembrar das suas existências pessoais anteriores. O

Mundo da Memória era o das Ideias, o mundo inteligível, enquanto que a

existência terrena era no Mundo do Esquecimento. Sem pretender restringir

o pensamento de Almada a estes termos exclusivos, o facto oferece-se em

termos de referenciação plausível, a uma "similitude de postura mítica no

caso do A. propender a mistério sagrado do íntimo pessoal como fonte de

conhecimento."393

Almada estabeleceu — no plano dir-se-ia analítico — a conciliação das

influências platónicas com dois aspectos antitéticos dos pensamentos de

Jung e Freud, quando pretendeu que competia à Arte realizar — pelo homem

— o retorno a esse estádio anterior, pelo que procurou a fundamentação da

ideia em Freud, citando-o através de René Huyghe, numa obra intitulada

Visão do Artista: : "A arte faz o retorno, como o mostrou Freud, à mentalidade pré-lógica dos primitivos que se expressam por símbolos; n'esta mentalidade pré-lógica a arte recolhe uma força de comunicação, d'ascendente que revolve o mais profundo do homem e que ignora a linguagem racional; a inteligência ordenadora não intervém senão para pôr em obra os elementos d'este

"no exercício do Logos filosófico, a um tempo exemplar, paradigmático, anterior à história, atitude que Mircea Eliade chama de prestígio dos tempos antigos e que se prende, em suma, à mitologia da Memória e do Esquecimento." Duilio Colombini, Almada Negreiros, p.32. Confronte-se Mircea Eliade, Images et Symboles quando refere: "Et dans la mesure où l'homme dépasse son moment historique et donne libre cours à son désir de revivre les archétypes, il se réalise comme un être intégral, universel. Dans la mesure où il s'oppose à l'histoire, l'homme moderne retrouve les positions archétypales." Cf. Op. cit., p.44. Segundo Eliade, o homem moderno encontraria uma nova dimensão existencial, totalmente ignorada, quer pelo existencialismo, quer pelo historicismo actuais: uma forma de ser mais autêntica e superior que parece integrar aspectos — em termos teleológicos — próximos aos objectivos supremos a realizar pela demanda de Almada Negreiros, privilegiada pela dimensão antropológica assumida e equacionadora das dimensões artística e estética. 392Duilio Colombini, Almada Negreiros, p.33, segundo enunciação do pensamento de Eliade. 393Idem, ibidem, p.34

117

modo recolhidos no inconsciente e cuja origem fica muitas vezes inexplicável para o próprio artista."394

Em Jung, a resposta à progressão até ao pensamento, como risco da perda da

condição primordial apresentava-se obvia: a enorme perda era compensada

pelos símbolos nos sonhos. No caso de Almada, a título pessoa, usou

diferentes vias: a via da literária, poética e a via utopista do Futurismo. No

exercício elaborativo do seu pensamento encontrou a fundamentação ao

superar a crise pela recorrência à redenção da humanidade na sua própria

origem. Origem simbólica e esteticamente centrada na pessoa individual

humana, expressa na coincidência e unidade dos sinais visuais integradores

da cronologia e da continuidade.

Almada pretendeu confirmar a sua tese visual quanto à origem comum de

uma linguagem anterior à escrita que reunisse a capacidade de compreensão

dos sinais que a constituíam, precisamente porque constituída por sinais

automáticos, simples, provenientes do instinto inicial e irrepetível. O

automatismo e a simplicidade da antegrafia determinaram a remanescência

do "único caminho sério" do homem, porque presença comum, em

simultâneo, sendo de cada um; mesmo quando o acto, a obra e o pensamento

parecem libertos do seu início automático, este persiste integralmente.395 4.3. Ver — Percepção e Conhecimento 4.3.0. Preâmbulo

O significado que ver possui em Almada Negreiros não se restringiu à

percepção visual, simplesmente considerada. O ver de Almada ultrapassa a

visibilidade do visível para extroverter, de forma simbólica (diga-se

hermética), o invisível tornado visível, carregado das aportações

394René Huyghe, Visão do Artista, citado por Almada Negreiros, "Mito-alegoria-símbolo", Ver, p.254. Apesar dos esforços desenvolvidos, em termos de pesquisa bibliográfica, não foi possível encontrar na bibliografia de René Huyghe qualquer referência a este título como livro; eventualmente tratar-se-á de algum artigo, pelo que se desenvolvem ainda esforços tendentes a resolver esta questão. Todavia, procurando em outros livros de René Huyghe foi possível encontrar afirmações associáveis a estas, nomeadamente em Diálogo com o Visível: "Para o homem primitivo, o mais natural era abandonar-se ao curso da sua existência sensível pois que sensações e sentimentos tecem a sua própria substância da nossa vida interior (...) Irrompem como resposta involuntária às circunstâncias externas e internas que nos afectam. (...) Mas a necessidade de se adaptarem, para sobreviver, ao mundo que os rodeia, não tarda que os force a formar dele uma representação suficientemente nítida para nela fundarem a sua acção. (...) estas noções são a princípio, imagens, recordações de experiências, dotadas de uma coloração afectiva que lhes confere um sentido: atracção, temor, repulsa...(...) No teatro interior, o homem, forçadamente limitado aos cenários e aos actores que conhece, tenta organizar num drama inteligível o jogo infinito e obscuro das forças entre as quais se acha comprometido.(...) Natureza interior e natureza exterior confundem-se." Cf. na op. cit., "A Idade pré-lógica", pp.38 e ss. 395Cf. "Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.79

118

arquetípicas, agregadas desde os primórdios da humanidade, tradição e

herança para quem a ver saiba aceder.

O primado da vista no humano corresponde a um facto irrefutável

cientificamente: "A diferencia de otros mamíferos, para los que el olfato o el

oído ocupan un lugar más elevado en la jerarquía informativa de los sentidos,

el ser humano es primordialmente un animal visual."396 À parte da

valorização simbólica que lhe atribuiu, para "O Menino de Olhos de

Gigante", a acuidade de ver como percepção visual era imprescindível, para

além do domínio artístico, agregava dimensões mais complexas.

Partindo de fenómenos e factos em que a primazia da vista se verificava, ao

longo da história da humanidade, Almada elaborou a sua tese visual da

antegrafia. Contrariou a cosmogonia hebraica, fundada na proposição de que

"No princípio era o Verbo, e o Verbo era Deus."397 Segundo este dogma, as

palavras tinham precedido as imagens, os nomes preexistido às coisas,

subvertendo os termos anteriormente mencionados quanto às evidências

psicológicas, por intervenção do Ser Todopoderoso. Contrariamente, na

Mitologia egípcia, tão mencionada por Almada, estava pressuposta a ideia de

que era a condição de visibilidade que conferia ao real o seu estatuto.

Todavia, na cosmogonia judaico-cristã dominava a excelência obsessiva

acerca do olhar e seus poderes imanentes. Deus iniciou a Criação com a luz

que tornava possível a visão, sendo requisito para a vida.

Almada fundamentou-se na tradição antropológico-cultural398 — de directriz

simbólica — que reconhece no olho como orgão da visão, símbolo portador

de uma carga semântica inigualável, salvaguarda a comum importância

consignada na linguagem mítica, nas efabulações e no pensamento pré-

filosófico para a essência e sobrevivência do humano nos primórdios da

396Ramón Gubern, La mirada opulenta — exploración de la iconosfera contemporánea, p.1. Segundo Dodwell, 90% da informação de um ser humano normal procede dos seus canais ópticos. A predominância da visão como função humana é de tal forma fundamental que a linguagem integra formulações pragmáticas radicadas nesse sentido, de valor extrapolador: ver significa também ouvir, conhecer... 397Encontra-se em Paul Klee a expressão estética profunda da ideia quando este afirma: "Au commencement, il y a bien l'Acte; mais au-dessus il y a l'Idée. Et puisque l'infini n'a pas de commencement ni fin, on doit admettre la primauté de l'Idée. Au commencement était le Verbe, traduit Luther. "Théorie de l'Art Moderne, "Credo du Créateur", pp.36-37. 398Na cultura vulgar, actualmente, encontram-se inúmeros referências a este símbolo em adágios e refrães populares, pertença do património cultural imaterial que, afirmam um tipo de sabedoria de profunda penetração comunitária. O poder do olhar reserva a capacidade de aceder a elementos de saber, dificilmente traduzíveis pelas palavras; permite chegar a informações provenientes de outros sentidos do corpo, em complementaridade e/ou correlação, a nível das sensações exteroceptivas e a nível das sensações propioceptivas também. Vulgarmente, apenas quando a informação visual é ambígua, insuficiente ou precária, é que o indivíduo procura decifrá-la recorrendo à ajuda de outros sentidos, nomeadamente a audição e o tacto.

119

cronologia. Quase universalmente, o olho como orgão da percepção visual, é

símbolo do conhecimento intelectual, transportando ainda a condição de

percepção sobrenatural, subsumido no Sol — fonte de vida — nas mitologias

bretã e gaélica, concepção que se estendeu também à franco-maçonaria. No

plano físico é o Sol visível donde emana a Vida e a Luz; no plano intermédio

(ou Astral), é o Verbo, o Logos, o Princípio Criador; finalmente, no plano

espiritual ou divino, é o Grande Arquitecto.399

399Cf. Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Dictionnaire de Symboles, p.687

120

4.3.1. A perspectiva psicofisiológica de ver

O sentido da visão é extremamente complexo, no processo visual humano,

na perspectiva anatomofisiológica: a imagem retiniana apresenta-se com

diferenças relativamente à percepção do sujeito, implicando processos

elaboratórios específicos. A imagem retiniana é um fenómeno óptico,

enquanto que a visão é um processo fisiológico que "desemboca en un

percepto (vivencia), aunque este proceso, (...), no pueda desarrollarse sin el

estímulo previo y necesario de aquel fenómeno óptico."400

A nível psicofisiológico, a percepção visual é um fenómeno dinâmico e

instável, é uma vivência sensorial que evolui em termos ontogenéticos.

Questiona-se quais os aspectos na percepção que são de ordem inata —

naturais e permanentes —, e quais procedem da aquisição — empíricos e

contingentes.401 A actividade perceptiva visual desenvolve-se e aperfeiçoa-se

com a idade do indivíduo, ainda que na maturidade se verifiquem

condicionamentos socioculturais que, simultaneamente, inibem certa

disponibilidade mais instintiva, sendo promotores de estereotipizações na

apreensão visual, motivados por hábitos e práticas relacionais. Como alertou

René Huyghe: "O homem só vê o que está habituado a ver, a ouvir o eco dos

seus pensamentos enraizados com os seus preconceitos, hábitos e crenças."402

Um dos posicionamentos teóricos, que apresenta notável afinidade com a

teorização de Almada relativamente a ver, encontra-se em Rudolph

Arnheim403, quando este considera que ver é um fenómeno não apenas

sensorial, mas já é um acto da inteligência, não sendo dissociáveis a

percepção e o pensamento, devendo falar-se de colaboração entre ambas

funções. Todavia, a nível da Filosofia e da Psicologia, ainda persistem as

atitudes de menosprezo e dissociação quanto ao primado (e valência) da

percepção visual, sendo as próprias artes discriminadas, por pertencerem

400Ramón Gubern, La mirada opulenta — exploración de la iconosfera contemporánea, p.9 401Segundo Ramón Gubern, op. cit., "...la percepción es el fruto de una combinación entre las capacidades innatas, la maduración del sistema nervioso y el aprendizaje, siendo este último requesito más decisivo para el hombre que para los restantes animales, mejor equipados de facultades innatas y menos dependientes del aprendizaje."Cf. pp.15-16 402René Huyghe, Diálogo com o Visível, p.9 403Lima de Freitas aponta a afinidade entre a perspectiva com que Almada estuda o número e alguns aspectos relativos ao assunto em Rudolph Arnheim — veja-se Ver, nota da página 124 —; aqui não se posiciona este assunto, mas não deixa de ser curioso que a perspectiva gestaltista se possa conciliar com as considerações de Almada relacionadas com a índole de ver, como conceito que ultrapassa a percepção visual, implicativo de um acto de inteligência.

121

sobretudo ao âmbito do percepcional.404 Arnheim parte da premissa de que

"the cognitive operations called thinking are not the privilege of mental

processes above and beyond perception but the essential ingredients of

perception itself."405 A percepção visual é considerada como uma actividade

que respeita à mente. O sentido da visão opera de forma selectiva, a

percepção implica a resolução de problemas, pois os perceptos estão num

fluxo, em constante modificação, e não seria suficiente uma percepção visual

da qual estivesse ausente a inteligência.406

Almada não supôs — ou não lhe interessou — a necessidade deste tipo de

abordagens que permitiriam uma substancial legitimidade das suas

convicções, pois a ordem do seu pensamento sobre ver se orientava por

vectores de transcendência, relativamente à ideia do sentido de visão que

autores como Arnheim e Gombrich — acerca da percepção visual —, ou

Merleau-Ponty — numa perspectiva fenomenológica — trabalharam, embora

sejam importantes para contextualizar o Autor português, dadas as afinidades

manifestas. O objectivo de Almada era outro, pois aquilo que pretendeu

comunicar "mostra-se, em grande medida, de natureza a-lógica e consiste

fundamentalmente numa gnose de acento visual, de expoente visionário,

como que um fulgurante saber dos olhos, da visão, da luz, que nenhum

discurso, a menos de ser de Poeta, poderá jamais diacronizar."407

Almada procurava a resposta para a reinvenção da Arte Moderna, a partir

dos "preceitos" da arte primitiva, que perduraram na arte ao longo da

cronologia na pintura dos mestres, elaborados em cânone.408 A ordem da

404"The arts are neglected because of they are based on perception, and perception is disdained because it is not assumed to involve thought." Rudolph Arnheim, Visual Thinking, p.3. À semelhança da posição de Almada relativamente à educação e seus princípios, Arnheim denuncia a atitude dos educadores quanto à negligência votada ao conhecimento visual e a urgência de uma mudança na actuação pedagógica que colmatasse esta situação, fruto nomeadamente da tradição filosófica do Ocidente, marcada pela dicotomia entre o sensível e o espiritual como irredutíveis. 405Rudolph Arnheim, op. cit., p.13.Cf. a clarificação que o Autor realiza quanto às operações a que se refere: "I am refering to such operations as active exploration, selection, grasping of essentials, simplification, abstraction, analysis and synthesis, completion, correction, comparison, problem solving, as well as combining, separating, putting in context." 406Cf. Arnheim, op. cit., Cap. "The Intelligence of Visual Perception", pp.37 a 53. Veja-se também Ramón Gubern, op. cit.: "La confrontación entre la teoría analítica de la visión, basada en puntos de fijación consecutivos, y la teoría sintética de la Gestalt encuentra su primer elemento de reconciliación cuando consideramos que las sucesivas imágenes retinianas, producidas por las trayectorias oculares, no están aisladas entre sí, como lo están las viñetas sucesivas de un cómic, sino que se superponen, traduciéndose así la exploración visual en un encadenamiento de centros de intéres, que son integrados por la memoria visual inmediata." (p.25) 407Lima de Freitas, "Prefácio" a Ver de Almada Negreiros, p.11 408Almada reconhecia nos pintores, cujo propósito fora renovar a pintura, afinidade à sua demanda do cânone, remetendo para Cézanne nomeadamente: "— Foi apresentar o exemplo que mais prova. Cézanne não fez outra coisa senão trabalhar no sentido do cânone. As formas que a natureza lhe apresentava reduziam-se a um certo número de figuras geométricas, essas figuras geométricas, quer ele tivesse ou não

122

visão em Almada direcciona-se para o seu fim (sentido) último, para o seu

princípio absoluto: "A gnose do ver completa-se na fusão última daquele que

vê e do que é visto, estando por isso além da ciência, que é renovação de

projecto."409 A unidade pressuposta no acto de visão correspondia à verdade

da própria visão em si, afecta a uma sabedoria perdida na cronologia,

envolvendo a consciência arquetípica do indivíduo pessoal, numa dimensão

ontológica, mesmo esotérica, substancializada no número. Almada foi o

"anunciador de uma nova visão", que iria recuperar essa sabedoria perdida,

jazente "no fundo do mesmo homem"410, ou seja, na memória

(transcendedora) do humano —apesar da sua diversidade como constituído

por indivíduos pessoais411 —, onde está precisamente o número, o cânone

supremo.

À semelhança de Paul Klee, quando este afirmava a autenticidade daqueles

artistas, os eleitos que mergulharam até ao encontro da Lei original, Almada

também subiu do Modelo até à Matriz, "à quelque proximité de la source

secrète qui alimente toute evolution. Ce lieu où l'organe central de tout

mouvement dans l'espace et le temps — qu'on l'appelle coeur ou cerveau de

la création — anime toutes les fonctions, qui ne voudrait y établir son séjour

comme artiste? Dans le sein de la nature, dans le fond primordial de la

création ou gît enfouie la clef de toute chose?"412

consciência disso, correspondiam à relação que eu achei e que é a chave da arte de todos os grandes pintores da antiguidade." Almada em extracto de entrevista publicada in "Almada — há 40 anos "ensina" arte moderna", Diário de Notícias, 21 de Julho 1955. 409Lima de Freitas, Almada e o Número, p.13 410Idem, ibidem, p.18. No "posfácio" da citada obra, Lima de Freitas escreve: "Almada foi o profeta de uma contra-cultura, de uma cultura-outra, anunciando o restabelecimento do esoterismo. Almada foi um iniciador, se não um iniciado."(...) Lima de Freitas referia-se "à verdadeira Tradição, do verdadeiro Esoterismo, capaz de englobar na unificação última a negatividade e o negrume, e que sob uma aparente diversidade constitui o âmago profundo da sabedoria humana onde quer que esta se manifestou, abrindo a via de um conhecimento não apenas intelectual mas integralmente vivido, ou o acesso a uma "psicologia" da supra-consciência (...), o mesmo é dizer, noutra linguagem, o entendimento de uma geometria secreta do ser, àqueles indivíduos chamados a ser os seus portadores — os "iniciados" — por essa razão incumbidos da missão sacrificial, quantas vezes anónima, de guiar, de harmonizar, de aliviar os males que atingem o homem e a sociedade quando estes se desviam das leis universais." Cf. p.194 411Almada afirma esta ideia recorrendo a um excerto de Henri Focillon que envolve uma postura afim relativamente ao assunto: "A origem da diversidade do homem não reside no acordo ou desacordo da raça, do meio e do momento, mas n'uma outra região da vida, talvez ela também afinidades e acordos mais subtis do que aqueles que presidem aos agrupamentos na história. Existe uma espécie de etnografia espiritual que se entrecruza através das "raças" melhor definidas, famílias d'espíritos unidas por laços secretos e que se reencontram com constância para lá dos tempos, para lá dos lugares. Talvez cada estilo e cada estado d'um estilo, talvez cada técnica requeiram de preferência tal natureza d'homem, tal família espiritual." Henri Focillon citado por Almada Negreiros, "Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.250, Cf. La vie des Formes, p.22. 412Paul Klee, Théorie de l'Art Moderne, "De l'Art Moderne", p.30. Almada afirmava a mesma ideia entrevista em 1955 que : "…o que torna angustiosa a situação da arte moderna é o facto deste cânone estar perdido.", Cf. "Almada — há 40 anos "ensina" arte moderna", Diário de Notícias, 21 de Julho 1955.

123

Para Almada, os sentidos não revelavam ao indivíduo apenas o mundo na

sua dimensão sensível, revelavam o próprio indivíduo a si mesmo, e aos

outros, verdadeira revelação pela liberdade pessoal: "É assim mesmo que se

estreia em incógnito o eu inconsciente do indivíduo. Essa prolongadíssima

estreia secreta, metade sonho, metade realidade; a sua estreia sozinho, sem

colaboradores."413 O mundo sensível não é a única realidade existente; é

condição necessária à existência de qualquer realidade, facto que contribui

para o reconhecimento da inseparabilidade, por natureza, à razão, em relação

de exigência.414 Almada fez a apologia da conciliação entre termos

antitéticos, princípio epistemológico que sustenta, invariavelmente, a sua

obra teórica. 4.3.2. Ver na tradição simbólica 4.3.2.1. A primazia da visão e da audição

Na sequência da tradição simbólica e teogónica sobre o primado da visão

(seguido da audição), Almada atribui a primazia sensorial àqueles sentidos

que melhor propiciam a percepção triádica, especificamente, o ver e o ouvir.

Ver e ouvir, originariamente, foram considerados sentidos superiores,

atendendo à colocação superior, a nível anatomofisiológico, no todo que é o

corpo humano: correspondiam a uma opção na criação divina, quanto à

organização natural, a mais conveniente, para a perfeição do corpo. Ambos

sentidos estipulavam nos indivíduos, duas espécies diferenciadas entre si,

consoante o predomínio da acuidade auditiva — os auditivos — e a acuidade

do visual — os visuais. Ver e ouvir, em cada indivíduo, não respondem

somente à funcionalidade natural; cumprem uma actividade socializadora,

junto da colectividade, exigida pela própria natureza do humano.

A sua responsabilidade de realização no domínio societário, obriga o

indivíduo a flexibilizar a acuidade dos sentidos — relativamente à radicação

estrita na natureza — de modo que contribua "para deduzir, para construir o

seu lugar nos novos dias do mundo."415 A diferenciação privilegiadora de ver

ou ouvir, equilibra-se na natureza da humanidade, motivada pela inevitável

concorrência — e completude — que acontece entre os indivíduos,

permitindo a potencialização intrínseca de cada um no todo. Almada

413"Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.72 414"Reaver a Ingenuidade", Ver, p.58 415"Arte Artistas", Textos de Intervenção, p.73

124

empreendeu a procura incessante da visão do "eu" como pessoa individual,

fundado nas complexificações profundas de Ver :

— Ver: olhar as coisa >>> ver as coisas;

— Ver: olhar os outros >>> ver os outros;

— Ver: olhar o mundo >>> ver no mundo;

— Ver: olhar o próprio >>> VER-se.

4.3.2.2. A Arte como visualidade

Na Arte como visualidade, Almada reconheceu duas grandezas, duas

visualidades, a visualidade geométrica e a visualidade naturalista. A Arte

implica ambas visualidades porque é um Todo, em Absoluto, em Unidade,

donde o ver na Arte englobar os planos anteriormente mencionados, para se

constituir visualidade precisa. É um ver que obriga todo o indivíduo pessoal

humano a ser unidade em si mesmo, convergindo toda a sua pluralidade

existencial na revelação e desocultamento que caracteriza a essência

imanentista da Arte e não apenas a sua natureza transcendentalista: Ver é como olhar, a conjugação natural perfeita dos cinco sentidos, porém, em ver, esta mesma harmonia é de sabedoria reflectida. Por conseguinte olhar é primeiro anterior a ver e depois posterior a este, ao passo que ver é primeiro posterior a olhar e passa logo a anterior deste.416

O objecto alvo, do visto e do olhado conciliam-se no indivíduo, convergindo

para o conhecimento, diferindo embora no momento em que uma e outra

acção ocorre, no indivíduo/sujeito que a vivencia. Olhar e ver são momentos

distintos que correspondem a "idades distintas de um mesmo homem, ou,

cada uma a idade única de um mesmo homem."417 O olhado após ter sido

visto, denomina-se por natural, resultando da atitude vivida pelo indivíduo

que o viu, "O natural é liberdade da Arte e da Ciência", salvaguardando que,

por sua vez, natural e sobrenatural tampouco são distintos, não sofrem

oposição, constituindo um todo único, "E há ligação porque são dois: natural

e Natureza, ou, sobrenatural e Natureza."418

A Natureza é anterior ao natural e ao sobrenatural; ambos são elaborações

denominadoras do homem, consequência de um acto de conhecimento,

implícitas as respectivas conceptualizações. Nesse sentido, o natural e o

416"Ver — I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria", Ver, p.221 417Idem, ibidem, 221 418Idem, ibidem, p.221.

125

sobrenatural consubstancializam-se depois de serem vistos, tornados

"visível"; anteriormente era o invisível, eram natura naturata , sem

acedência ao Homem, sem actualização realizada, na Natureza criada em

perfeita Harmonia, porque fruto da Génese Divina. Faltando-lhe ser o natural

e o sobrenatural do Homem, faltava-lhe cumprir a ingenuidade.

4.3.3. O visível e o invisível de Ver

E foi tirado de dentro do próprio homem o visível, os olhos de ver para pôr como óculos, nos olhos de olhar. E o visível era a Natureza, quer dizer: o que estava dentro do homem e lhe foi tirado por ele mesmo e agora se via, era afinal a Natureza.419

A condição de ser visível, direito e dever da Natureza para o Homem, exigia

o homem para ser; o invisível, afirme-se com Merleau-Ponty, exigia a

condição de vir a ser, não apenas o invisível seria o não-visível, "...ce qui a

été ou sera vu et ne l'est pas, ou ce qui est vu par autre que moi, non par

moi), mais où son absence compte au monde (il est "derrière" le visible,

visibilité imminente ou éminente, il est Urpraesentiert justement comme

Nichturpräsentiertbar, comme autre dimension) où la lacune qui marque sa

place est un point de passage du "monde"."420

Atendendo a Paul Klee, se "L'Art ne reproduit pas le visible; il rend

visible",421 vê-se reflectida a ideia de Almada sobre o conceito de visível

como Epifania do Ver no humano: pela mediação da Arte como acto do

Homem, para possibilitar à Natureza tornar-se natural, pois visível é também

o invisível tornado visível. Pela iluminação que o indivíduo realiza pela

Arte, o visível expressa o estado de ingenuidade, exclusivo de cada um,

competindo-lhe a "sabedoria reflectida [que] não é a de transformar ou

substituir a ingenuidade pessoal e, pelo contrário, a de fazer incidir a Luz

419Idem, ibidem, p.222. A procura do cânone está ainda manifesta em reflexões de Paul Klee, acerca da conveniência das partes quanto à representação e exprimindo a relação necessária entre o visível — elementos da natureza —, e o invisível — estrutura invisível do visível, o cânone: "L'Art pur suppose la coïncidence visible de l'esprit du contenu avec l'expression des éléments de forme et celle de l'organisme formel. Et, dans un organisme, l'articulation des parties concourant à l'ensemble repose sur des rapprts manifestes, basés sur des nombres simples." Cf. Paul Klee, Théorie de l'Art Moderne, "Le Credo du Créateur", p.34 420Merleau-Ponty, Le Visible et l'invisible , "Notes de travail", p.281. Encontra-se afinidade entre a posição do filósofo francês e Almada, quanto às implicações de ver , pois: "nous devons égaler par le savoir cette vision, en prendre possession , dire ce que c'est que nous et ce que c'est que voir, faire donc comme si nous n'en savions rien, comme si nous avions là-dessus tout à apreender." Cf., op.cit., p.18 421Paul Klee, Théorie de l'Art Moderne, "Le Credo du Créateur", p.34

126

sobre o nosso caso imprevisível como é imprevisível qualquer outro caso

humano."422

Visível e invisível constituem um todo único, à semelhança do visto e olhado

que mantêm a unidade na distinção. Na tradição hermética, o invisível é

eterno, desvela tudo sem se mostrar, manifestando todas as coisas

engendradas na sua aparência — a aparência é o próprio nascimento das

coisas; manifestando-se nas coisas, revela-se através delas, àqueles a quem

se quer revelar. O invisível é sempre, sem necessidade de manifestação: "Il

est toujours et rend toutes choses visibles."423 Apenas a inteligência pode ver

o invisível, pois ela é invisível em si — exigia-se uma genuinidade única que

alguns somente adquirem. Almada retomou a tradição do pensamento

ocidental, conciliando-a com a abordagem estética, concebendo uma estética

marcadamente esotérica, presente nalguns casos do pensamento moderno

sobre arte como sucedeu em Paul Klee.

Almada coloca a dimensão suprema de Ver , no desvelamento pessoal,

simbolizado na revelação da Luz, numa perspectiva hermética. No plano

filosófico, a possível aproximação ao pensamento fenomenológico de

Merleau-Ponty afirmado em Le Visible et l’Invisible, a propósito do

"desvelamento", compreende-se a necessidade — constitutiva — da visão

inscrita na ordem do ser que se desvela; que aquele que olha não seja

estrangeiro ao mundo que olha: sentido do homem no mundo. O olhar do

próprio é olhar-se "de fora", ver-se desde perspectiva externa, enquanto

inscrito no visível — próprio — exterior a si mesmo, desde um ponto de

vista determinado.424

"...sendo a visão, apalpação pelo olhar, é necessário que se inscreva na ordem do ser que nos desvela, é necessário que aquele que olha, não seja um estrangeiro ao mundo que olha."425

No pensamento estético-esotérico de Almada Negreiros, a chave platónica

determina o princípio de consciência pessoal da descoberta visibilizada pelo

próprio, num tempo propiciado após a sua efectuação factual. O acontecer

desvelador é apenas auto-conhecimento na vivência do tempo a posteriori,

422"Ver — I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria", Ver, p.223. 423Hermès Trismégiste, Le grand texte initiatique de la tradition occidentale, p. 33 424 Merleau-Ponty, op. cit., p.177 (A tradução é minha). 425 “ Desde que eu veja, é preciso que a visão seja secundada por uma visão complementar ou duma outra visão: eu próprio visto de fora, como me veria outrém, instalado no meio do visível, encarando-o desde determinado sítio”, Idem, ibidem, p.177 (A tradução é minha).

127

consciencializada a evidência da descoberta: "Saber é uma coisa, saber que

se sabe é outra. Esta tem de ser mostrada.426 No Ménon, Platão afirmou esta

ideia, procurando-a sólida, mediante as dúvidas que a rodeiam, quanto à

possibilidade de possuir uma coisa que se sabe já ou não se sabe: Ménon: "E como hás-de encontrar uma coisa de que não sabes absolutamente nada? Na tua ignorância, que princípio tomarás para te guiar nesta investigação? E, se por acaso, encontrasses a virtude, como a reconhecerias, se não a conheceste?" Sócrates:"...Não é possível o homem procurar o que já sabe, nem que não sabe, porque não necessita de procurar aquilo que sabe, e, quanto ao que não sabe, não podia procurá- lo, visto não saber sequer o que havia de procurar."427

A posição platónica que impera no pensamento de Almada, respeita de forma

bastante obvia à teoria das Ideias, cuja manifestação remanescentes

permitem aceder a um saber que não se sabe possuir, mas que só é possível

— cruzando com o diálogo de Ménon — precisamente porque já existente,

embora não consciente. A ideia já tinha sido anteriormente revelada, quando

afirma que "...de facto um conhecimento só nos serve depois de ter passado

há bastante tempo para nós."428 A descoberta não pertence apenas a quem a

faz, destina-se a todos aqueles que a não acharam inicialmente, donde a

razão da arte, da comunicação: Estes hão-de dar provas de que também fariam a descoberta. Serão estes afinal os segundos a sabê-la, e talvez os primeiros a sabê-la repetir.429

O pensamento estético esotérico culmina na assunção da "Sabedoria

reflectida porque nela a Luz é a Sabedoria mesma, a sagrada, esta que cada

pessoa recebe inteira unicamente pela sua ingenuidade, precisamente a que

tem olhos e não vê, a que tem ouvidos e não ouve."430 O homem — iniciado

— quis a Luz para ver, ao não possuir a visão directa. Quando tudo foi já

426 “Galileu, Leonardo e Eu”, Teatro), p.234. Ao que segue a explicitação e extensão da afirmação quando Almada considera que a descoberta "também pertence aos que não a acharam. Estes hão-de dar todas as provas de que também fariam a descoberta. Serão estes afinal os segundos a sabê-la, e talvez os primeiros a sabê-la repetir." A mesma ideia apresenta-se em "O Mito de Psique" quando Ele afirma : "Não te ensino nada. Longe de mim que aprendas comigo. Tu sabes isto de nascença. Eu só to dou a ver: que sejas tu a vê-lo!" CF. op. cit., p. 221 427Platão, Ménon, pp.39-40 428“Elogio da Ingenuidade ou Esperteza Saloia”, Ensaios, [Estampa], p.121 429“Galileu, Leonardo e Eu”, Teatro, p.234 430“Ver — I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria”, Ver, p.223.

128

visto, paradigma da unidade de pensar e sentir, cujo princípio supremo,

Almada reconheceu em Homero, existe o "paradoxo" da cegueira do

absoluto: "Ver, conjugação dos cinco sentidos, é pensar. Visão é d'auditivos

e de visuais. Homero era cego porque já tinha visto tudo."431 4.3.4. Ver e o Número — a tradição hermética 4.3.4.1. A tradição hermética para a Arte Moderna

Almada partiu do estudo dos painéis de Nuno Gonçalves432, ditos de S.

Vicente, em demanda do sentido universal na Arte Moderna: "Foi enquanto

prosseguia a solução do retábulo que tive a emoção mais compensadora nos

meus estudos, pois que me recordei do meu primeiro passo: bater-me pela

arte moderna."433. Obra paradigmática no caso português, Almada

reconhecia-a concertada à tradição434 europeia e universal — manifesta a

pertença de sabedoria e antiguidade; tradição que tinha transmitido — na

perspectiva sagrada — o cânone à Arte, às diferentes civilizações da

humanidade: "Não era absolutamente um resultado sobre os painéis a que eu

me acometia, mas exactamente àquilo que buscava a arte moderna depois dos

impressionistas. Isto é, ir ao encontro de um cânone."435

431"Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.257 432 Cf. Almada Negreiros in Entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 9 de Junho de 1960. 433Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 7 de Julho 1960. A ideia é aprofundada nas entrevistas seguintes desta série, designadamente quando considera: "No momento em que surgiu o movimento do “Orpheu”, os responsáveis pela vida artística e intelectual de então saudaram-no com a mais vigorosa hostilidade. Segundo o seu parecer, aquelas manifestações estéticas não eram válidas. Naquela altura os painéis de S.Vicente ganhavam nos meios cultos do País vasta audiência e, como paradigma da arte legítima, apontaram-nos a facção plástica daquele grupo." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 28 de Julho 1960. 434Almada procurou a medida nos seis painéis conhecidos e foi encontrá-la nas dimensões de outro painel que não se pensava pertencer aos seis: o Ecce Homo, mas que pertencia na realidade: foi a descoberta de Almada. "Destas minhas anotações tomei testemunhas, á minha partida para Madrid, em 1926, de pessoas que as conheciam desde 1916, como o arquitecto Carlos Ramos, dos poucos ainda vivos. E segui para Espanha com a minha descoberta da perspectiva dos ladrilhos nos painéis. Entretanto o dr. José de Figueiredo pela pena do dr. Joaquim Manso dizia no “Diário de Lisboa”: “Almada foi o único que trouxe uma novidade para os painéis.” (...) “Através da reconstituição da obra-prima da pintura primitiva portuguesa, demonstra-se a existência de uma Escola Portuguesa de Pintura, a qual não se limitou a legar-nos testemunhos do seu tempo e reinados, mas, além disto, atingiu altura de cultura que estabelece mensagem desta para a continuidade das gentes. É sem par para a extraordinária cultura visual dos portugueses através dos seu quatro nomes: Fernão Lopes, Autoria dos Painéis, Pedro Nunes e Luís de Camões." Cf. toda esta entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 30 de Junho 1960. Foi uma pesquisa de vida inteira, como se confirma: "Será significativo revelar que, sendo de Janeiro de 1926 a minha descoberta da perspectiva dos ladrilhos, apenas em Fevereiro de 1950 a tenha podido registar mundialmente. Isto é, levei mais de vinte anos a encontrar finalmente as distâncias exactas entre os seis painéis." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 28 de Julho 1960. 435Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 9 Junho de 1960. Na sequência desta afirmação, encontra-se a explicitação da mesma ideia em Paul Klee, quando este afirma, a propósito dos cubistas: "Cette école de philosophes de la forme, qui rassemble les tempéraments spéculatifs parmi les

129

A assunção do primado do visual — na perspectiva simbólica e esotérica —

no século XX, designadamente, em Paul Klee e Mondrian, redefiniu a

descoberta do invisível tornado visível (Klee) e da consciência da "nova

imagem da pintura" (Mondrian), posicionamentos relevantes para Almada,

que reconhecia à extensão estética e artística da sua tese. Confrontava-a por

afinidade complexificante às tendências de Malevitch, Kandinsky, Paul Klee,

Mondrian, aos "cubistas, enfim, de todas as feições tomadas pela arte

moderna depois da extraordinária revolução dos impressionistas."436 Almada

celebrava a imanência do cânone, gerador da Harmonia, expressão da

unidade da Arte em si, na Arte moderna tão contestada, apreciação

extemporânea, pois "Os abstractos, como os cubistas, o mais sério

movimento da arte moderna no sentido que importa, são os representantes

dessa tendência bem dos nossos dias, em que se traduz uma desorientação,

em grande parte resultante de se ter tido o pressentimento daquilo que se não

sabe. Na arte moderna há a consciência de se ter perdido qualquer coisa de

fundamental".437

Posicionamentos artísticos e estéticos conciliados, na sua tese, às

investigações desenvolvidas pelo geómetra Hambidge e pelos arquitectos

Ernest Mossel e Lund, onde reconheceu igualmente a confirmação dos seus

próprios estudos, "ambos dirigidos para o conhecimento antigo, imutável, ou

melhor dito, ambos dirigidos para o secreto perpétuo da criação de arte, a

obra do pintor Mondrian surgia no final estes meus estudos com a auréola de

uma apoteose."438 Ao citar o pintor holandês, Almada estava ciente da sua

fundamentação estética na tradição hermética. A composição pictural, em

Mondrian, corresponde a investigações aprofundadas dos princípios

pitagóricos, geometria sagrada, enfim, baseado no conhecimento dos textos

iniciáticos.

Almada tinha comprovado a existência da tradição hermética, na escola de

Nuno Gonçalves439, na descoberta da "chave"440, presente nos traçados

artistes, souffre d'une notable incompréhension de la part du public. Il n'est pourtant pas absolument nouveau de penser la forme en mesures précises susceptibles d'une expression numérique. Quel usage les maîtres de la Rennaissance n'ont-ils pas fait de la Section d'Or! La seule conséquence c'est que maintenant on tire du Nombre les conséquences ultimes jusqu'aux éléments de forme, tandis que les anciens maîtres se contentaient de déterminer métriquement les grandes lignes d'un schèma de composition..."Cf. Paul Klee, Théorie de l'Art Moderne, p.11. 436Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 9 Junho de 1960. 437Idem, ibidem, 21 de Julho 1955. 438Idem, ibidem, 9 Junho de 1960. 439Cf. A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , texto onde Almada expõe toda a argumentação acerca da sua descoberta da “chave” que permitia a autêntica

130

geométricos, propiciando-lhe "certa maneira de ver" os painéis441. A tradição

permitia unir os tempos antigos, aos tempos da modernidade; a ordem de ver

na tradição implicava o conhecimento hermético, sabedoria restringida a

determinados indivíduos, cuja via gnósica para aceder ao nível superior,

pressupunha o ver de ordem percepcional até à sua superação na dimensão

esotérica. Exigia, por outro lado, a acuidade de ver, afecta à arte moderna,

exteriorizada nas pinturas de Mondrian e Malévitch, percursores da arte,

"libertos depois do genial ponto final dos impressionistas."442

Tendencialmente, a arte abstracta respondia à procura de unanimidade que

Almada ansiava comprovar pelas suas argumentações estéticas. As soluções

plásticas assumidas por abstraccionistas geométricos como as subjacentes no

"suprematismo de Malévitch e o espectáculo nas telas finais de Mondrian

apareceram-me constante e sucessivamente sobretudo enquanto ia dando por

findos estes meus estudos sobre os painéis"443, concertavam-se com as suas

próprias opções picturais. A Arte moderna comprovava que era possível

recuperar o cânone, recuperar a tradição, recuperar o grande sentido

universal da Arte. 4.3.4.2. Ver e o Cânone — a Luz

acessibilidade ao conhecimento dos painéis, contrariando as teses anteriores. Cf. especialmente a p.8, quando Almada descreve a decifração geométrica para a constituição conjunta do políptico. 440“As distâncias matemáticas entre as seis tábuas são sempre a mesma, e como se a última se seguisse à primeira, a centésima parte do total das suas larguras mais cada distância entre as tábuas.” E é isto afinal que está contado no número de ladrilhos pintados no limite horizontal inferior das seis tábuas, e cada ladrilho igual à distância entre as tábuas, como se disse.” Esta distribuição consistia na aplicação do número perfeito ou téleon. Cf. A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , p.10 441René Huyghe in A Arte e a Alma, dedica especial atenção aos Painéis de S.Vicente, neles reconhecendo a expressão da "Hora de Portugal" e em Nuno Gonçalves, a "expressão da hora portuguesa". Daí se transcrevem breves excertos e significativos da afinidade ao pensamento de Almada, embora o historiador francês não faça menção directa à geometria sagrada, ao cânone. Quanto ao primeiro aspecto: "Cada povo, se é grande, tem a sua hora predestinada, o seu século predestinado. Passa, então, ao primeiro plano do palco da história. (...) Na arte de Nuno Gonçalves e da sua escola há mais, mesmo mais do que a contribuição do seu génio; há a realização de um novo estádio da alma ocidental largada à conquista de si mesma." Cf. op. cit., pp.273 e 274. Quanto ao segundo aspecto, Huyghe enfatiza a excelência da realização pictural, na assunção profunda do "realismo flamengo" que considera ter sido conseguido em plano superior: "O realismo português (...) ultrapassa a natureza e parece tender para aquilo a que chamarei a mais-do-que-natureza. Dir-se-ia que, inebriado pela sua conquistada ilusão de óptica, o artista já não se contenta com figurar fielmente as coisas, com dar a simulação da sua forma, do seu relevo, da sua matéria;..."Cf. p.282. 442Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 7 de Julho 1960 443Idem, ibidem, 7 de Julho 1960. Almada considerava que: “Nesta actual galáxia de arte abstracta, que assombrosamente cobriu o mundo e cada vez mais se aproxima de uma unanimidade, mas que, por enquanto apenas avassala a maioria, a libertação da incontinência impressionista faz-se dolorosamente, e apenas estes dois pintores assumiram o acto heróico desta libertação, delimitando hoje as barreiras ultrapassáveis do passo abstracto.”

131

Na Luz, onde existe a Medida — cânone da Ingenuidade — reside a

anterioridade humana remota, denominada por Almada, Ingenuidade pessoal,

à qual se seguia Ver — linguagem da Medida — depois do Número

e, depois ainda, a "restituição à Medida da ingenuidade de cada destino

pessoal como são individuais todos os berços na Natureza."444

O cânone resultou do conhecimento/encontro com o Número, propriedade da

primazia da vista que originou, de acordo com a Cosmologia platónica, a

Ciência Matemática445, ideia retomada por Luca Pacioli na Divina

Proportione quando afirmou: "…el saber tuvo su origen en la vista, tal y

como afirma él mismo en otro lugar cuando dice nihil est in intellectus quin

prius fuerit in sensu, es decir, que no hay nada en el intelecto que

previamente no se haya ofrecido de alguna manera a los sentidos. Y los

sabios concluyen que la vista es el más noble de nuestros sentidos."446

Destaquem-se ainda as referências que Pacioli faz, tanto no Proemio, como

no Cap. I, acerca das concepções antropomórficas e antropocêntricas das

proporções e da arquitectura447, em conformidade, aliás, às especulações

filosóficas e científicas desenvolvidas ao longo do Quatrocentto 448, e que

Almada tomou por referência.

444"Dórico, Cânone da Ingenuidade", Ver, p.200. Como escreve Antonio M. Gonzalez na Introdução a La Divina proporción de Luca Pacioli: "La Ciencia matematica se encuentra relacionada con el acto de ver. La visión constituye, pués, el elemento primordial que hace posible el conocimiento, de ahí que la vista sea el más noble de los sentidos: la puerta por la que el intelecto entiende y gusta." Op. cit., p.19 445A ideia provém de Platão, Timeu, quando se afirma que a visão está na origem da ciência matemática: "Resta-nos falar do ofício mais importante que eles [olhos] realizam, ofício para o qual Deus nos presenteou com eles. Parece-me que a vista é para nós a causa do maior bem, no sentido em que nenhuma das explicações actualmente propostas do universo poderia ter sido pronunciada se não tivéssemos visto os astros, nem o sol, nem o céu." Cf. Op. cit., p.273 446Luca Pacioli, La Divina Proporción, Cap. II - "Proemio del presente tratado llamado La Divina Proporción", p.32. A continuação afirma serem as matemáticas o "fundamento y la escala para llegar al conocimiento de cada una de las demás ciencias, por encontrarse en el primer grado de la certeza, como afirma el filósofo cuando dice Mathematicae enim scientiae sunt in primo grado certitudinis et naturales sequentur eas. Igualmente está escrito en la sabiduría que omnia consistunt in numero, pondere et mesura, es decir, que todo aquello que se encuentra distribuido por el universo inferior y superior se reduce necesariamente al número, peso y medida." Cf. p.33. O filósofo que cita é Aristóteles, indicação aliás presente, ao lado do texto, à altura da mesma citação. 447Antonio M. González continua esta ideia ao afirmar que "todas las medidas, afirma [Pacioli] se derivan del cuerpo humano y en él están señaladas por el dedo del Altísimo toda suerte de proporciones y proporcionalidades respecto a sus miembros." in "Introducción" a La Divina Proporción, p.26. Cf. também na op. cit., p.30, referência ao cânone segundo Leonardo da Vinci e p. 31 à dádiva do Altíssimo, pelo conhecimento a que ele, Pacioli, pôde aceder... Segundo Julius Schlosser in La Littérature Artistique, a mencionada obra de Pacioli é sobretudo constituída pela abordagem à problemática da "secção de ouro" da matemática antiga, impregnada de elementos místico-especulativos, desenrolando-se a discussão na teoria dos cinco corpos regulares, fundamentais para os métodos de construção no século XV. De sublinhar que os rigorosos desenhos alusivos aos sólidos geométricos regulares são da autoria de Leonardo da Vinci. 448A propósito da necessidade do cânone, Almada afirmava que: "O segredo das corporações da Idade Média estava na posse desse cânone. Os artistas modernos — inclusivamente Picasso — têm-no procurado debalde. Que é, no fim de contas, a ingenuidade da arte de Picasso senão uma ingenuidade voluntária, esse

132

Almada elaborou a síntese de duas tradições estéticas predominantes no

período medieval, ou seja, a estética da Luz449 e a estética das proporções

baseada no cânone, encontrando-lhes a conciliação, a unidade para

constituição do seu próprio pensamento nesse âmbito. Na tradição de Robert

de Grosseteste, essa conciliação subjaz, quando este afirma que a proporção

no mundo implica a ordem matemática em que a luz se materializa, "logo, ou

a corporeidade é a própria luz ou ela age desse modo e confere as dimensões

à matéria, na medida em que participa da natureza da luz e age em virtude

dela."450 Almada recuperou a ideia ao atribuir à ingenuidade metaforizada na

Luz, simultaneamente, o sentido universal, a determinação do destino do

indivíduo pessoal, suspenso no Universo pela sua própria existência, ou seja,

na ingenuidade dos seus sentidos; designa-a por ingenuidade inicial,

recuperada na via da Medida, ou seja, tornando-se ingenuidade reflectida. A

luz significa a verdade, cabendo a cada um a revelação da sua verdade pela

luz, porque possuidor da luz na unidade no humano; sentido assumido

individualmente, fruto da poesia e do pensamento, consubstancializada

nestes termos a sabedoria da ingenuidade.451

Almada considerava a Sabedoria reflectida e a sabedoria poética de

naturezas afins, pois geradas pela Poesia, fonte e origem do saber

transcendente que era a Metafísica, a "rainha das ciências da reflexão".452 A

distinção entre sabedoria reflectida e sabedoria poética consistia na

procurar da chave que pode fazer regressar a arte à idade de ouro?"; Cf. Almada em excerto de entrevista publicada in "Almada — há 40 anos "ensina" arte moderna", Diário de Notícias, 21 de Julho de 1955. 449Segundo os princípios da estética medieval da Luz, a Luz é a origem de "todas las operaciones ocurridas en el mundo de la experiencia, incluidas las operaciones vitales, psíquicas y espirituales." A Luz é concebida esteticamente em termos metafísicos e teológicos, é a essência mais pura, a beleza mais sublime, aquela cuja presença gera a maior fruição (Robert Grosseteste); é princípio de energia actuante sobre a matéria, é cor e splendor; da luz provêem as cores das coisas e o brilho que delas emana (s. Boaventura), tornando-as belas. A Luz é causa eficiente da beleza, difundida pelo Sol, torna visível as cores, criando o esplendor estético (Ulrich de Strasbourg). Cf. Edgar de Bruyne, La Estetica de la Edad Media, pp. 79-85. A concepção que melhor corresponde à intencionalidade de Almada parece também ser conveniente com a posição metafísica, segundo a qual, o homem tem uma imagem das ideias conformada em sombras frias e cinzentas ou aparências luminosas. "Si a los ojos del esteta de la proporción Dios es unidad, el esteta del color y del esplendor no puede representarse la divinidad más que como Luz."(...) "Puesto que Dios es lo bastante poderosos para multiplicar instantáneamente al ser e influir sobre la actuación del universo, Él es la Luz en estado puro." Cf. Edgar de Bruyne, op. cit., pp.83-84. 450Robert de Grosseteste citado por Umberto Eco, Arte e Beleza na Estética Medieval, p.63. Segundo Almada Negreiros em "O Mito de Psique", a concepção de Luz corresponde à de ideia que, por sua vez é "a simples", ou seja, toda a ideia é simples, "Toda a ideia é uma glosa da luz", da luz que é única, como cada glosa é única também, a glosa da luz. Cf. op. cit., p.217. 451A este propósito Almada considerava que nos primórdios da civilização grega, “Ao novo homem em Creta não são as conquistadas sabedorias poética e reflectida, só, que o podem mover, mas a mesma antiga

substância "ingénua" que torna possíveis todas as sabedorias nos tempos.”, "Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.247 452Idem, ibidem, p.249

133

"fronteira irredutível" do número. A sabedoria poética chegava ao número,

enquanto que a sabedoria reflectida partia do número, ou seja, pelo acto de

ver , encontrava o cânone, encontrava o número, porque o número é

imanente ao mundo.453

O número imanente no universo é bi-presente, possui uma presença de dupla

natureza, inteligível-sensível 454; enquanto inteligível é símbolo do Logos e,

o sensível representa o Mito. Assim distinguiu entre duas definições de

Harmonia, a que estava na relação numérica sensível ("domínio do peito"), e

a radicada no inteligível, ou seja, a do domínio transcendente do mental.

Enquanto a primeira corresponde a uma linguagem legível, a segunda é

incompreensível ao sensível, é de ordem acusmática455, constituidora da

Tradição e que perdura no tempo, nas gerações da humanidade — idêntica

por fundamento e base, embora tomando outras configurações.456 A

denominada bi-presença "inteligível-sensível"457 "tem o seu verificável ou

demonstrativo ao mesmo tempo que o seu imponderável secreto de agir "458,

no espaço da Harmonia em que são efectivamente.

Almada apreendeu no número, ambas dimensões de unidade na sua própria

natureza, o número concreto e o número abstracto, considerando-o binário. A

antinomia subjacente na sua natureza era portanto geradora, à semelhança de

453"O cânone não é obra do homem, é a captação que o homem pode da imanência. É o advento inicial da luz epistemológica. Por conseguinte, a Geometria é um, melhor, o sistema perfeito anterior ao desígnio do homem no conhecimento." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 16 de Junho 1960. 454"Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.249. "O imanente no universo é o número, o sensível é-lhe posterior como o inteligível." Idem, ibidem, p.252. 455Acusmático ou acroamático é definido por Almada em epígrafe in A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , como: “(o que se escuta) ou esotérico, da doutrina secreta, transmitida, oralmente, só aos iniciados.” Confronte-se ainda in Orpheu 1915-1965 a explicitação do termo “acusmata” relativamente, e por confronto, com o de “homem de ciência” a ser necessária a conciliação entre ambos, o que evidencia maturamente — cronologicamente — a posição anteriormente manifesta: “Acusmata é uma limitação. Matemática ou Homem de Ciência é outra limitação. O modo de prosseguir conhecimento é ir estabelecendo binários de duas limitações, de duas grandezas...” Cf. p.23 456Almada confirma esta ideia, chamando a citação de Henri Focillon in La vie des Formes: "Um exame, mesmo rápido, das diversas concepções do espaço mostra-nos que a vida das formas, renovadas sem cessar, não se elabora segundo dados fixos, constantemente e universalmente inteligíveis, mas que ela engendra diversas geometrias, no interior da mesma geometria, como ela se cria as matérias de que tem necessidade." Henri Focillon, op. cit., citado por Almada Negreiros, "Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.251, cf. Henri Focillon, LA vie des Formes, p. 35. 457Almada considerava que o conhecimento estava presente em cada pessoa logo desde o seu início vital, pelo facto de precisamente ser pessoa, pelo que "o instante mais unânime de toda a humanidade é logo depois e muito próximo da nascença de cada um. É neste instante onde o sensível e o inteligível ainda não se pronunciam que há unanimidade perfeita da humanidade, apesar das várias circunstâncias de cada pessoa. Estamos na primeira faculdade humana, o entendimento, por conseguinte, a faculdade sagrada, e todas as nossas outras faculdades não são afinal senão prosseguimentos da primeira, a legitimamente única. A teoria do conhecimento não só não pode deixar de iniciar-se no entendimento natal como pode ou deve limitar-se a ele." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23 de Junho 1960. 458"Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.251

134

outras antinomias a que se referiu, cuja conciliação revelava a unidade

sempre possível e condutora no Universo, designadamente, quando

considera a antinomia existente entre a Geometria e "anterior-a-Geometria"

— ordem de existência do cânone anterior ao cálculo, pois anterior ao

conhecimento —, o mesmo acontecendo com a Matemática, ou seja, binómio

cujos termos eram lógico e alógico.459

Almada consolidou a concepção de número perfeito — cânone460 — ao

convocar Francisco de Holanda, cuja argumentação em Da Pintura Antiga

afirmava nitidamente o princípio consignado por Almada, relativamente à

universalidade do cânone. Holanda designou-o, por "preceitos" da pintura,

comprovando a sua presença em vários povos, estendendo-se de "Levante e

Asia, que direi eu? Que toda fumega á antiguidade; mas o que é mais de

maravilhar que até o novo mundo da gente barbara do Brazil e Peru, que

ategora forão inotos aos homens, ainda esses em muitos vasos d'ouro que eu

vi, e nas suas feguras tinhão a mesma razão e desceplina dos antigos; que

não é pouco argumento de ja aquellas gentes serem n'outro tempo

conversadas, e de os preceitos da pintura antiga serem já semeados por todo

o mundo, até os antipodas."461

A ideia da universalidade da Arte, em Almada, afirmava ambas

universalidade e transcendência do cânone que "não está exclusivamente nos

exemplos da Idade Média, não está só nos exemplos da Suméria, não está só

nos de Creta, Gregos, Bizantinos, Árabes, Hebraicos, Românicos ou Góticos.

Ele está sempre e é por isso mesmo que ele é cânone. E cada época tira do

cânone as suas regras."462 O cânone era anterior ao conhecimento, fruto da

459Orpheu 1915-1965, pp.15-17 460"O mundo grego só "encontra" o "seu" número do VI para o V século, primeiro na música e depois na arquitectura, e o Tesouro dos Atenienses em Delfos fica significativamente perpetuado roçando o número as arestas do rochedo da Sibila. Só no V século surgem na Grécia os monumentos símbolos em número grego, isto é "reduzidos a número perfeito, que os gregos chamavam théleon"." Francisco de Holanda citado por Almada Negreiros, "Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.246. Por sua vez, Holanda citava Vitrúvio, De Arquitectura e Luca Paccioli, De Divina Proportione, citando Vitrúvio o qual por sua vez cita Platão. A citação que Almada faz de Holanda encontra-se no Da Pintura Antiga, Cap. XVII — "Da Proporção do corpo humano", e desenvolve a ideia da representação idealizada do corpo humano de acordo com a razão perfeita antropomorfizada: "E assi mesmo a razão das medidas, que em todas as obras parecem ser necessarias, as colegerão dos membros do corpo, assi como dedo, palmo, pee, cubito, e destribuiram-nas em perfeito numero, que os gregos chamão theleon. E deixo de screver o que mais Vetruvio prosigue n'este capitolo de prefeito numero e as openiões que sobr'isso toca, porque não fazem proposito." p.105 461Cf. Francisco de Holanda, Da Pintura Antiga, Cap. XIII — "Como os preceitos da pintura antiga forao por todo o mundo", ver nota 209, p.88. Almada cita este excerto de Holanda in A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , p.13. 462Almada Negreiros em Entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 16 de Junho 1960. “As leituras feitas de documentos antigos, e em aparte direi em documentos que foram desenterrados há trinta ou quarenta anos, como o vaso votivo proveniente de Suse na Suméria, confirmam o que eu digo. este vaso tem

135

ingenuidade natural, donde que a "leitura da linguagem do cânone num

primitivo é mais afim ao da sua mesma circunstância geográfica."463 O

cânone — em si — é imutável e permanente em cada pessoa humana, sendo

a interpretação [do cânone] sempre outra, sempre diferente, e antes do

cânone não havia nada. As diferentes interpretações originaram regras, essas

sim, perecíveis e caducas, válidas numa época, num estilo, numa civilização,

às quais sucedem outras épocas, outros estilos, outras civilizações. O cânone

tomou portanto diferentes denominações, consoante a cronologia do

humano: "Cânone e a relação nove/dez são uma e a mesma coisa. A relação

nove/dez é uma constante do cânone."464 A dupla acepção da Regra única,

consistia em duas comunicações distintas: a regra única da cultura universal

demonstrada comum a todos os povos, e por outro lado, a regra única

existente em cada povo.465 Almada concluiu a grande Arte exigia o cânone

para ser primitiva — veja-se genuína e ingénua — enquanto

consubstancializada em qualidade que a reconhecia Universal e Absoluta:

"Arte que não remete ao cânone não é primitiva."466

O cânone foi considerado por Almada de tal forma constitutivo, à

necessidade cultural e artística, de todos e de cada povo, que o elevava aos

propósitos superiores da U.N.E.S.C.O.: "O programa dos estudos culturais da

U.N.E.S.C.O. tem por seu alvo e meta, a Regra Unica da cultura universal, o

Téleon, ao qual aqui se chama a "chave", e se afirma pùblicamente ter sido já

reencontrado e estar em mão portuguesa."467 A comunhão universal —

salvaguardada a individualidade dos povos em si — manifesta na Regra

Única significava a possibilidade da conciliação e paz entre os povos do

um desenho gráfico cuja leitura feita por mim é nem mais nem menos do que uma declaração do cânone, ou seja, uma relação nove/dez, a relação nove/dez." 463Almada Negreiros em Entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23 de Junho 1960 464"Através da história do número e é do número que se trata, tem havido várias expressões, várias palavras que significam o cânone. Por exemplo, a começar pela primeira: número, década, théléon (na citação de Vitruvio quando diz: "o número perfeito a que os Gregos chamavam théleon"); e parece que foi Pitágoras quem primeiro usou os termos "número perfeito". E, ainda: “Outras expressões mais recentes também são significados da constante relação nove/dez. Por exemplo: “número de oiro”, que se pode considerar uma expressão do Renascimento. Simplesmente há aqui uma coisa que não podemos imediatamente comunicar e que é: a separação do número em duas grandes divisões - número em cálculo e número sem cálculo. Evidentemente o cânone é sem cálculo; as interpretações do cânone são invariavelmente cálculo ou não-cálculo. Mas “número de oiro” é cálculo a cavalgar o cânone mesmo. Glorioso equívoco este que fez eclipsar quase cinco séculos o cânone e estancar de súbito a Gloriosa Renascença de uma noite para uma manhã. Ora o número perfeito desconhece o “número de oiro”, e a inversa é impossível. São dois sistemas do mesmo número, paralelos entre si, e por sua vez paralelos ao número imanente. A este e a todos os sistemas do número, rege-os “a unidade, isto é, o ponto não-espacial” (Aristóteles)." Idem, ibidem. 465A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , p.13 466Almada Negreiros em Entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23 de Junho 1960. 467A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , p.14

136

mundo, pois na cultura universal não havia espaço para conflitos entre

continentes e povos, ideia de Almada que recuperava o ideal grego da

paideia, paradigma para a humanidade. O Cânone — a "chave" — não foi

apenas, um instrumento de investigação e de reconstituição, mas o mais

legítimo instrumento de paz e cultura universais, entre nações e

continentes."468

A presença no mundo, da pessoa individual humana, garantia que "A pintura

não tem, senão começo", era sempre reinvenção469. A ideia de Holanda

(citada por Almada) versada no pensamento estético de Almada, dirigido

pela ingenuidade poética, pela origem arquetípica do indivíduo e

colectividade, pela memória arcaica da humanidade, pela necessidade de

desocultamento do indivíduo pessoal, enfim, sintetizou na epifania do

sagrado presente no humano, a acuidade última de Ver. 5. Estética da criação 5.1. O domínio metafísico para a criação da obra humana

Confrontando-se o modelo metafórico, de abordagem ao tema da identidade

pessoal — auto-gnose — na "História Verde" e na Invenção do Dia Claro,

com a enunciação metafísica de Almada acerca do conceito, fica evidente a

complexidade de tratamento, a acuidade que lhe dedicou, ao longo de toda

uma vida.

A análise avançada em "Poesia e Criação", de 1962, fundamenta-se em

Heidegger que, na Introdução à Metafísica , invocou o primeiro canto do

Coro da Antígona de Sófocles. A incursão de Almada, no seio das

fenomenologias da existência, expõe-se em três pontos, segundo Fernando

Guimarães: "a desvelação da realidade, a fuga ao inautêntico, o

desocultamento ontológico ou "em linguagem", a poesia como criação."470

Na análise desenvolvida, encontrou três direcções471 para a sua configuração.

Uma, é de procedência vitalista — Nietzsche; a segunda, retoma o

pensamento arcaico grego; a terceira direcção é, precisamente, de ordem

existencial, e justifica-se, pois na obra almadiana, é constante a evocação —

ou como sugere Guimarães, a invocação —, do "nosso íntimo pessoal", da

468Idem, ibidem, p.13 469Francisco de Holanda, Da Pintura Antiga, p.375 470Fernando Guimarães, "Almada Negreiros, poeta", Almada — Actas do Colóquio Almada, p.115 471Cf. "Almada Negreiros, poeta", Almada — Actas do Colóquio Almada, p.112.

137

"vida", da "humanidade", ao que acresce, a invocação da "existência",

directamente designada como tal.

Almada, apelando à condenação do homem, para criar, estabeleceu-lhe o seu

próprio lugar.472 A condenação, de ordem imperativa, vinha, por herança

mitológica, de Prometeu473. À semelhança do pensamento sobre a

Humanidade ou sobre a pessoa, a estética e a poética — porque do homem

— são no domínio e consignação do antropológico, na ordem de criação,

realizável no humano, por roubo do "fogo "metafórico, para a obra de arte,

para a obra de poesia. Na acepção metafísica, consignou o homem, como "o

mais pavoroso, o que inspira terror pela sua violência"474, referindo-se a

todos aqueles que "não se resignam a ficar dentro do já desoculto, do

familiar e do ordinário."475 Nos comentários filosóficos de Almada, encontra-

se a justificação para a transcrição do 1º Canto do Coro de Antígona,

cúmplice na abordagem de Heidegger: Escreve o tradutor: "Na Introdução à Metafísica, Heidegger encontra no primeiro coro de Antígona a concepção donde o homem é designado o mais pavoroso, o que inspira terror pela sua violência.476

Heidegger, como Almada, chegou à pergunta ontológica originária, embora

um e outro agissem, por pensamento ou vocação, por meio de propósitos

teóricos diferentes, quanto à funcionalidade da demanda metafísica — e

hermética, no caso de Almada. Almada usou as considerações metafísicas,

para justificar, de forma irrevogável, o acto de criação, a que chamou "acto

vitalício do Poesia"477, conciliador do conhecer e da ingenuidade.478

472"Poesia e Criação", Textos de Intervenção, p.167 473Almada em "Poesia e Criação" escreveu precisamente que o lugar que o homem passou a ter de encontrar, o "seu onde", decidiu-se inevitável porque "Tinha roubado o Fogo onde o Fogo estava no seu lugar." Leia-se aqui mais uma referência ao mito de Prometeu. Cf. op. cit., p.167 474"Poesia e Criação", Textos de Intervenção, p.166; Segundo indicação do próprio Almada neste texto, a versão que seguiu do livro de Heidegger, foi uma tradução para castelhano de Emílio Estiu. Para esta Tese consultou-se a tradução francesa de Introduction `a la Métaphysique, de Gilbert Kahn e a versão portuguesa de António Manuel Couto Viana, da Antígona de Sófocles. Constata-se algumas diferenças nas traduções relativamente ao qualificativo empregue para ajuizar sobre a qualidade quase substantiva do homem: na versão portuguesa a mesma frase surge na seguinte tradução: "Há coisas prodigiosas, mas nenhuma como o homem!" (p.21); a versão francesa é como segue: "Multiple l'inquiétant, rien cependant/ au-delà de l'homme, plus inquiétant, ne se soulève en s'élevant."(p.153) 475"Poesia e Criação", Textos de Intervenção, p.166 476"Poesia e Criação", Ensaios, p.166. Tendo-se consultado a versão castelhana mencionada por Almada Negreiros, transcreve-se o original castelhano da citação acima realizada: "En la Introducción a la metafisica, Heidegger encuentra esta concepción en el primer coro de Antígona, donde el hombre es designado(...), lo más pavoroso, el que inspira terror por su violencia." Emilío Estiu, "Estudio preliminar", Introducción a la Metafísica, p.29 477"Prefácio ao livro de qualquer poeta", Poesia, p.36 478Heidegger, ultrapassando numa das suas últimas obras, o estado de deliberação sobre as posições metafísicas anteriores sobre o ser. Como sucedeu em Almada, não realizou esse propósito de forma linear,

138

A coincidência manifesta-se no encontro comum do arcaico, para chegar a

"un retorno al pensamiento presocratico."479 O retorno à madrugada do

pensamento filosófico, procurava repor, no caso de Heidegger, uma

perspectiva de revisão das ideias tradicionais sobre o passado mítico-

filosófico dos gregos, tarefa que já fora tentada por Nietzsche. Havia que

recuperar a autenticidade dos próprios conceitos, das palavras, desviados do

seu sentido originário, nomeadamente, pelas traduções latinas do grego, ao

tempo da sua introdução na cultura ocidental na era do Cristianismo.

No capítulo "Limitação do ser" da Introdução à Metafísica, a transcrição do

1º Coro, é introduzida a propósito da cisão entre ser e pensar. Heidegger

aprofundou a questão relativa aos termos em que o devir e a aparência —

pensamento —, como oposto ao ser480, traçando os três percursos possíveis

para a sua interpretação. O primeiro481 constituir-se-ia como a autêntica

substância do poema, que o atravessa como todo. Consigna o violento, o

prepotente, como carácter constitutivo, essencial da predominância de ser,

constituindo a potência do ser. Por outro lado, o homem em si realiza a

violência, vendo-se a sua razão exercida na violência, predomina o aspecto

decisório do ser: "Ao homem é-lhe impossível uma atitude passiva radical, já

que a prepotência do ser o arrebata do conformismo consigo mesmo,

simples e directa, pois "esforzarse por llegar a las cosas mismas, la filosofia no las facilita, sino que las agrava con dificultades.(...) se substituyen las cosas por esquematismos abstractos, que alejan de la naturaleza de las mismas, dificultar significará, sobre todo, retornar a la originario." CF. Emílio Estíu, "Estudio preliminar", Introducción a la Metafisica, p.7 479Idem, ibidem, p.14 480Heidegger, Introduction à la Métaphysique, Chap. IV "La limitation de l'être", III — Être et penser, p.124. Considerando que a palavra "ser" tem uma significação bem delimitada, havia que enunciar os termos em que se devia compreender. Reconstitua-se então o percurso que levou Heidegger até Antígona: nos primórdios do pensamento filosófico grego estava a origem da determinação do ser, pelo que procurou em Heráclito —o origem da filosofia ocidental —, uma primeira interpretação, iluminada pela referência fundada na acepção veiculada na Antígona. "L'être est l'objectif, l'objet. Le penser est le subjectif, le sujet. Le rapport du penser à l'être est celui du sujet à l'objet."(Cf. p.143) Heidegger presume que nos primordios do pensamento grego não se evidenciava propriamente uma oposição ainda, pois não tinham recebido uma formação epistemológica suficiente, concebendo a relação de modo ainda bastante primitivo. Em Parmenídes, o ser é unificado em si mesmo — pensar e ser são a mesma coisa. O ser predomina e como aparece, é preciso que haja a sua apreensão; para que o homem esteja interessado no acontecimento dessa apreensão, exige-se que o próprio homem "seja", que pertença ao ser. (Cf. p.147) Heráclito ao questionar o que é o homem envolve como termo oposicional os deuses, deles provindo a irrupção do próprio ser. A questão, segundo Heidegger, nesta sequência, seria de ordem metafísica e não antropológica, pois deveria procurar a essência do ser, ao sendo do homem, e portanto ultimamente ao ser.(Cf. p.151) Necessariamente procurou então o esboço poético do ser-homem nos gregos, a partir da leitura precisamente do 1º Coro de Antígona. 481No primeiro percurso, o ser do homem como "inquietante" só podia ser descoberto pelo projecto de poesia e do pensamento: qualificá-lo como tal, é colocar o homem nos "limites extremos e abismos abruptos" do seu ser. Como notou Heidegger, se nos gregos não existia ainda a noção de personalidade, a delimitação do ser do homem tinha de ser realizada pela asserção extrema de suas acções e dos sentimentos. Inquietante é o assustador, o verdadeiramente terrível, não dos pequenos medos, mas a potencialização do prepotente, o que provoca o terror, o pânico, o violento. Cf. Heidegger, op.cit., p.156

139

evitando que seja como as coisas são."482 O inquietante, a prepotência

projectam o homem para fora da sua quietude; afastam-no do íntimo, do

habitual, do familiar, da segurança tranquila; adquirem uma impositividade

decisiva, ordenadora de toda a sua vida.483

Actuando em termos de violência, os homens que assim procedem,

destacam-se dos demais na polis, tornando-se homens solitários, eminentes

na sua paradigmaticidade trágica, revelam-se criadores, homens de acção por

excelência: "ils deviennent en même temps des hommes sans frontières, sans

architecture ni ordre, parce que, comme créateurs, ils doivent toujours

d'abbord fonder tout celà."484

2º percurso: Acompanhamento das estrofes, acompanha-se o sofrimento do

homem no seu desvelamento, que consiste em revelar, pela actuação, o que

há de mais inquietante. Enuncia-se o mar e a terra num sentido cosmogónico,

mítico, de sentido matricial. A terra é a suprema deidade, predominância

indestrutível. O homem exercendo sobre ela a sua violência, perturba a

calma do crescimento, da germinação. Leva à maturação e prodigaliza, "com

superioridade tranquila", o inesgotável para além de todo esforço. Como nos

ciclos da vida na natureza, o ser do homem renova-se sempre em várias

formas, mantendo-se na sua via única: enquanto vivo, insere-se na

predominância do mar e da terra, impondo-lhes o seu jugo.485

O início da cronologia na história do Humano, aconteceu pelo mais primitivo

e anterior, exactamente, o mais inquietante e violento. Neste facto reside a

compreensão do carácter misterioso da origem, a autenticidade e

grandiosidade do conhecimento histórico — a mitologia. No que, esta

análise de Heidegger, coincide com a perspectiva de Almada. O ser

descobre-se como o elemento primordial: como mar, como terra, como

animal. Pelo entendimento, pela nomeação das coisas, pela linguagem,

acrescenta-lhe força e consolida-se o domínio sobre tudo: a prepotência

482"Poesia e Criação", Ensaios, p.166. Este excerto pertence ao "Estudio preliminar" de Emílio Estiu que segue: "Al hombre le es imposible una actitud pasiva radical, ya que la prepotencia del ser lo arrebata del conformismo consigo mismo, evitando que sea como las cosas son." Emilío Estiu, "Estudio preliminar", Introducción a la Metafísica, p.29 483""...être ce qu'il y a de plus inquiétant, c'est le trait fondamental de l'essence de l'homme, auquel les autres traits doivent toujours être rapportés." Heidegger, Introduction à la Métaphysique, p.158 484Idem, ibidem, p.159 485Ao enunciar, descrever e ilustrar os diferentes campos de actividade e de comportamento, próprios do homem, trata-se "en réalité d'un projet poétique de son être à partie de ses possibilités et de ses limites extrêmes." Cf. Idem, ibidem, p.161. Heidegger não segue a opinião daqueles que nestas estrofes encontram um canto que narraria a evolução da humanidade, desde o caçador selvagem, do construtor de pirogas até ao construtor de cidades, enfim, ao homem civilizado.

140

exerce-se, gerando a própria acção criadora, a fundação edificadora, enfim,

no acto poético. O acto poético exige um saber realizador, no que se acha

coincidência com o estudo sobre Prometeu, dádivas de Atena. Saber,

significa "ser visto", como nota Emílio Estiu; significa também poder

colocar em obra o ser, operacioná-lo como sendo algo determinado, realizar

o ente especificamente em obra.

Si les Grecs appellent tout particulièrement et au sens fort l'art proprement dit et l'oeuvre d'art, c'est parce que l'art est ce qui porte le plus immédiatement à stance en un adestant (en l'oeuvre) l'être, c'est-à-dire l'apparaître qui réside en soi-même.486

A obra de arte só é Obra, quando é feita, efectua o ser no sendo. Efectuar,

significa operar, colocar em obra: a obra de arte, segundo Heidegger, é

considerada como o ser sendo (das seiende Sein487), tudo o que aparece como

outro, significante e inteligível. A arte é saber, mas um saber realizador,

repita-se, que adquire forma de sendo , em si, que se ajusta a uma forma

apreensível, inteligível.

O 3º percurso, respeita ao enfrentamento realizado entre o Seiend

prepotente, em totalidade, e o Dasein exercendo a violência do homem,

levando-o à extrema delimitação, à ruína: "Or, l'homme est nécessité à un tel

être-là, jeté dans la nécessité d'un tel être, parce que le prépotent comme tel,

pour apparaître dans sa perdominance, a besoin pour soi du site de

l'ouverture au prépotent. L'essence de l'homme ne s'ouvre à nous que

lorsqu'elle est comprise à partir de cette nécessité par l'être même."488 Nos

termos em que o expõe Almada: Por necessidade está destinado ao desocultamento ontológico. Os poetas e os pensadores são os assinalados pelo signo da insatisfação: não se resignam a ficar dentro do já desoculto, do familiar e do ordinário.489

A essência do ser homem, experimentada no acto de criação poética,

realizada na obra pela prepotência, exclui-o dos demais, da polis. Leva-o

486Idem, ibidem, p.165 487Cf. Heidegger, Op. cit., p.166. Veja-se igualmente, na versão castelhana o "Estudio preliminar" quando Estiu, citando Heidegger, faz notar que, "Entre los griegos el "ser mismo 488Idem, ibidem, pp.168-169 489"Poesia e Criação", Ensaios, p. 166, citando Emílio Estiu, op. cit., p.29: "Por necesidad está destinado al des-ocultamiento ontológico. Los poetas y los pensadores son los señalados por el signo de la insatisfacción: no se resignan a quedar dentro de lo ya des-oculto, de lo familiar y de lo ordinario."

141

para longe dos outros, pela expulsão, decisão que o Coro legitima, voltando-

se contra o inquietante: "Un tel être-Là ne peut pas être vu dans le train de

vie ordinaire, dans un comportement quelconque."490 Esta perspectiva

heideggariana, para onde conflui a indiferenciação, reencontrada do dizer

poético e do dizer filosófico, interessou as diligências de Almada, em torno

ao conceito metafísico de ser homem/pessoal, naquilo que melhor exprime

de primordial, de fundador e de institutivo no originário. Pela poesia, pelo

pensamento, enfim, pela criação achava-se um povo, como escreveu

Heidegger, precisamente o povo grego. Almada terá visto nesta obra do

último Heidegger, sobretudo a intenção — pela menos na aparência — do

que Emílio Estíu afirmou ser, no estudo preliminar à tradução castelhana, a

"suposta contemporaneidade do arcaico"491

A acção violenta exercida pela palavra, expressa na linguagem poética,

atingia a insatisfação pela passividade; exigindo o ser inquietante a acção,

uma vez que "el ser de los entes se le revela al hombre en cuanto éste dice lo

que son."492 O poeta, o pensador, os mais pavorosos — prepotentes ou

inquietantes — acham a acção na obra que fazem. Decididamente não

deixam "as coisas tais como são", nem estão. Por palavras de Fernando

Guimarães: "o homem perde o essencial; pela poesia, procura reavê-lo."493,

expressam-se as afirmações de Almada: "O homem perde-se e a linguagem

faz-se."494 A poesia exige um ocultamento do já desoculto, acto estético que é

individual, próprio do poeta, pois a condição para a criação é única, porque

pessoal e intransmissível. Pela prepotência verificada no homem, e através

do acto criador que induz, configura-se a individualidade do mesmo homem,

nos limites extremos que o impedem de aquietar-se.

5.2. O acto, a obra e o pensamento 5.2.1. A origem da Arte

Há milénios que o homem edifica a sua obra não importa onde em toda a parte desde o primeiro dia da antiguidade que é menos antiga que o homem.495

490Heidegger, Introduction à la Métaphysique, p.170. Veja-se quando Almada cita ainda Estiu: "Por isso constituem um perigo para os amantes da estabilidade e eles — como dizem as últimas linhas do texto de Sófocles citado por Heidegger — não estão dispostos a conviver com semelhantes homens." "Poesia e Criação", Ensaios, p.166 491Emílio Estíu, "Estudio preliminar", Introducción à la Metafísica, p.14 492Idem, ibidem, p.29 493Fernando Guimarães, "Almada Negreiros, poeta", Almada — Actas do Colóquio, p.115. 494"Poesia e Criação", Ensaios, p.167 495Idem, ibidem, p.167

142

A tendência para criar, consubstancializa-se na possibilidade de acção

"dinâmica", sem que o homem deseje vê-la concluída em absoluto,

nomeadamente, essa que considera "a sua mais bela criação" — para

preservar a condição pessoal de criar. Criar implica o acto, a decisão de agir

por parte de quem vai agir; acto do humano sobre algo que vai ser originado

— a obra a fazer. A posse e domínio da vontade para a acção são tema

subjacente no pensamento europeu, simbolizado na célebre estruturação

mítica de Fausto na versão de Goethe, símile da Acção Divina: "No princípio era o Verbo" vejo escrito, E aqui já tropeço! Quem me ajuda? Tão alto sublimar não posso o verbo, Devo doutra maneira traduzi-lo, Se me inspira o espírito. Está escrito Que "No princípio era o Pensamento". — Medita bem sobre a primeira linha, Apressada não seja a pena tua! Anima, cria tudo o pensamento? Devera estar — "Era ao princípio a Força!"— No momento porém em que isto escrevo Diz-me uma voz que aqui não pare. Inspira-me A final o espírito! alvitre, Solução enfim acho: satisfeito, "No princípio era a Acção!" — escrever devo."496

Almada como o Fausto de Goethe, considerava a exigência de proceder, o

princípio de acção para criar obra, ordenada pelo primado do pensamento. A

obra, produto da criação do homem, pela repetição do acto, demonstra a

promessa de acção, via-se espelho da necessidade: "Natural ou não, toda a

acção é fora da Obra" (...) "A obra é possibilidade de acção porque é

adivinhação do caminho do próprio sem destruição da unidade sensível.

Adivinhar não é agir, é tornar livre a acção."497

A criação da obra de arte, imitando a criação do mundo, é substância do

pensamento simbólico e antropológico sobre o processo de personalização

estética, viabiliza a própria estética como tal. Em termos míticos, a Criação,

está simbolizada na vontade de concretizar o acto primeiro na relação par-

496Goethe, Fausto, "Quarto de Estudo" (1250-1264), pp.60-61 497"Ver", Ver, pp. 45-46. Parece existir afinidade entre os termos em que Almada coloca esta tríade e a explicitação de três conceitos afins em Aristóteles: O acto é a plenitude ou concretização do ser; a existência é o actus primus , e acto de todos os actos; a acção é actus secundus , acto terminal antes de agir. Portanto, seguindo os termos aristotélicos, apenas em Deus, a essência do agente e o seu acto de existir coincidem na acção, para a Obra. Por analogia estes elementos ontológicos aplicam-se à obra poética, à obra artística — enquanto obra do espírito. Cf. Jacques Maritain, L'Intuition créatrice dans l'Art et dans la Poèsie, pp.343-344.

143

ímpar (Eva e Adão), na qual subjaz a alteridade de relação, tornada efectiva

nos "outros e seus descendentes", condenou-os ao tempo no mundo. Mundo

organizado em termos perfeitos, ordenados, harmoniosos, fruto da

inteligência e deliberação divinas, herança para os homens imitarem: "Tudo o mais cá em baixo era dos outros e seus descendentes A Terra inteira E o mar E o ar Tudo medido Dividido tudo a régua e compasso Pelos outros e seus descendentes."498

Na linguagem hermética, Almada concebia os três poderes humanos —

acção, obra e pensamento —, devidamente distintos no conhecimento

comum denominado "Templo do Tesouro", sendo o "tesouro", a

individualidade pessoal. A Obra é o conhecimento comum, o Acto e o

Pensamento são pessoais e pertencem juntos, na obra comum, à

personalidade individual constituindo uma unidade triádica.499 A harmonia

da personalidade engloba os três poderes humanos, entre o universal e o

individual; a presença do sensível fica entre as duas presenças do sagrado:

"Quando a obra e o pensamento não estão uníssonos com a continuidade do

acto universal teremos a arquitectura e o livro mas o Homem não esteve

entretanto."500

Almada faz a apologia metafísica da unidade genésica, ao considerar a Obra

comum a todos; o conhecimento sensível não sendo acto de ninguém, como

acção que deve ser cumprida por cada um, portanto de todos, enquanto

unidade do Todo. Obra e conhecimento sensível são uma e a mesma coisa,

ou seja, são a possibilidade de acção; a obra é possível pela acção permitida

pela liberdade pessoal, presente apenas na personalidade individual. O

homem passa para a sua obra, mas a sua acção não fica nela, que é sua

criação, pois é livre nele próprio como pessoa humana desocultada no acto,

experiência estética.

Na argumentação de tradição neoplatônica, Almada considerou que a Obra

reflectia a imagem do Todo como perfeito e indivisível, mas não reflectia o

498"As Quatro Manhãs - a 1ª manhã", Poesia, p.179 499Cf. "Vêr e a personalidade de Homero I", Ver, p.79 500"A lira primazia da vista", Ver, p.133. Cf. Cap.II, 1ª Parte “Convocação da Humanidade”, pp.18 e ss., onde se realizou o aprofundamento deste aspecto na obra de Almada, de acordo com a perspectiva platónica.

144

poder activo da Causa. A Obra decide o conhecimento, mas não decide a

acção: inclui em si o logos e o sensível. Simbolicamente, a Obra, porque de

radicação na imitação divina, é a circunferência, unidade e harmonia que

responde à necessidade do imitador — o homem —, de modo que a

Harmonia do Todo, passe para cada um dos humanos. O homem (unidade

sensível) como artista, intérprete do Todo, imita a acção da Causa primeira; a

Causa activa — única — que por necessidade gera uma causa segunda, por

transposição da sua interpretação para um mundo imitado, que por sua vez

servirá de intérprete à nova Causa activa (homem, unidade sensível como

autor)501. Na obra que o homem cria — autor — ele é actor de si mesmo;

domina a possibilidade de acção, na medida em que interpreta, como actor

ou como autor.502 Toda a acção se realiza fora da Obra, realiza-se no próprio

homem como possível, no sonho, no êxtase, naqueles estados em que no

homem funciona a visão interior e involuntária, "tem sobre estes o poder de

demorar a luz do que é involuntário e interior, a ponto de que não se apague

antes de findar o momento."503

A verdadeira personalização constitui-se harmoniosamente na antagonia do

individual e do universal, em modo sincrónico — unidade —, pela

permanência da continuidade, garantida pela continuidade da criação, da

obra e do pensamento. Segundo a cosmogonia estética, de índice nos

elementos, o Homem é na Terra, na Água, no Ar. "Na Terra é o acto de

presença do Homem, na Água a obra da ligação da unidade, e por isso está

no meio, entre a Terra e o Ar; e o Ar é pensamento, o vigia da continuidade,

o fecho da trinitária unidade."504

Almada estabeleceu como princípio argumentativo, o pressuposto de que a

possibilidade de acção proposta pelo impulso primeiro para a Arte, revelou o

homem em obra: "Não importa, o perfil do homem ficou traçado, para

sempre, a obra."505 À semelhança da pergunta formulada por Heidegger no

início de A origem da obra de arte: "Onde e como há Arte?" 506, Almada

conciliava a origem da Arte, com a origem do homem, no artista como

501"Ver", Ver, p.46. Distingue-se a Causa primeira, da causa imitadora, pois esta não é activa, apenas imita, sendo posterior ao homem, assim como este é posterior ao Todo indivisível e à Causa Activa. Gera-se assim um mundo imitado que é a Obra. 502"Na criação própria do homem, a obra, o autor continuará sempre a ser o intérprete do que lhe é originariamente anterior, como o actor é intérprete do autor, (...) pois toda criação do homem, a sua obra, não é de maneira nenhuma acção mas legítima possibilidade de acção." Idem, ibidem, p.46 503"Reaver a ingenuidade", Ver, p.63 504"A lira primazia da vista", Ver, p.136 505"Poesia e Criação", Ensaios, p.167 506Martin Heidegger, A origem da obra de arte , p.11

145

pessoa, mostrando-se próximo da posição de reversibilidade, do filósofo

alemão, quanto à origem da obra, sendo a obra a origem do próprio artista,

"Nenhum é sem o outro."507

A obra, necessidade do mundo sensível — por si necessidade —, é a única

razão de existir a Obra. A Obra surgiu, quando nos primórdios da

humanidade, os sinais dispersos foram unidos entre si, correspondendo à

tendência do homem para configurar a unidade sensível que, quando perdida,

deve ser sempre procurada. Criar é um acontecimento primordial permanente

na humanidade, repetindo-se, reinventando-se em ingenuidade e

perpetuidade em cada personalidade individual: "Criar não é apenas a "obra"

ou o "pensamento", é também a "acção", a da personalidade individual."508

Almada aproximou-se da origem arquetípica da arte, evidenciando-a como

acto e obra de comunicação dos homens para os homens, tornada realidade,

pelo homem que é artista. Nesta perspectiva, a Arte é gerada pela acção do

artista — palavra ou imagem materializadas no seu ser constitutivo. Este

posicionamento concilia-se com o pensamento de Almada, quando este

afirma que "A obra é posterior ao homem. É poder do homem. É criação

humana."509 A Obra surge da necessidade humana de imitar o processo

genésico da natureza, "e na imitação criar a possibilidade de acção voluntária

do homem"510. Ao criar revela-se — a luz — a personalidade de cada

personalidade individual, de cada ser vivente: cumprida na recuperação do

dom ingénuo de "encontrar" que é o pensamento.

A noção de Obra que Almada considera, é num sentido Absoluto, referida ao

Todo, e não apenas no sentido de obra de arte; a Obra significa o dogma na

Religião, a demonstração na Ciência e o cânone na Arte. O conceito de obra

de arte que impôs, foi estabelecido pela sistematização metafísica dos

termos, de origem arquetípica, possível no agir humano, pela via das

descobertas sucessivas, através do desocultamento, do desvelamento,

simbolizado pela Luz — a Luz numa leitura pessoal —, fonte subjectiva

como espelho da Luz de sentido universalista.511

507Idem, ibidem, p.11 508"Mito-alegoria-símbolo", Ver, p.256 509"Reaver a Ingenuidade", Ver, p.59 510Idem, ibidem, p.59. "A Obra é serviço de conhecimento sensível. Religião, Arte e Ciência, numa palavra, Obra, é serviço do conhecimento sensível." Cf. também as mesmas ideias p.63. 511 "O único conhecimento de que o homem dispõe anterior e posterior a si é o sensível, e a Obra não é senão a luz de o ver, luz que imita a própria Luz." "Reaver a Ingenuidade", Ver, p.59

146

5.2.2. A continuidade como princípio estético

A obra como acto cumprido, impõe-se como presença do homem, por si,

constituinte de acto na continuidade do humano. A "continuidade" fora o

legado dos primeiros homens. A continuidade do conhecimento é permite

pela especulação sendo possível, própria num tempo anterior ao

conhecimento: O que investiga deduz de dados que lhe são fornecidos, mas que dados poderia oferecer o passado aos primeiros homens ? Era impossível a investigação. Mas especulação era possível. O único possível.512

Em "Galileu, Leonardo e Eu", Almada desocultou a condição humana da

"continuidade", quando o protagonista, o Homem, demonstra a necessidade

da especulação — pensamento — para salvaguarda da continuidade513: Homem: O principal, a continuidade. Mulher: Sem especulação não haveria continuidade? Homem: Não. Marcávamos o passo. Toda continuidade humana é a especulação que lha abre.514

A especulação estava no próprio destino do humano da relação homem-

mulher, par-ímpar, para afirmar a presença em perpetuidade, consistindo na

movimentação das ideias, dos actos, das obras como partícipes na dialéctica

— processo e dinamismo — para cumprir a cronologia da humanidade. Para

o corroborar, o Homem cita Camões:

"Que os nossos sábios magos encontraram Quando o tempo futuro especularam."515

O arco do(s) tempo(s), traçado por Almada em 1921 para o "Comício dos

"Novos" no Chiado Terrasse", fazia convergir no século XX, a projecção do

conjunto de todas as divisões cronológicas constitutivas desde o início do

tempo de Cristo, de todas as especulações permitidas pela modernidade. A

ideia da continuidade do humano, associada ao conceito de eternidade, foram

presenças nucleares no pensamento de Almada, obsessões mesmo:

512“Aqui Cáucaso”, Teatro, p.234 513Cf. referência à questão da continuidade na Humanidade, Cap. II, 1ª Parte — “Convocação da Humanidade”, 1.1. "Dimensão cosmológica de Humanidade". 514“Aqui Caúcaso”, Teatro, p.234 515 Almada cita Camões, Idem, ibidem, p.234

147

A continuidade humana sucedendo-se naturalmente pelas gerações é a noção perfeita da perpetuidade. A esta perpetuidade natural das gerações era necessário encontrar-lhe a paralela na luz quotidiana, na claridade. 516

A abordagem da questão reconhece as reflexões de Merleau-Ponty, em

Phénoménologie de la Perception, sobre o "princípio de continuidade",

inscrito na problemática totalizadora do "tempo"; na forma como o tempo é

não só percepcionado, mas essencialmente vivido: o passado é ainda

presente e o presente é já passado, deixa de existir presente e passado.517

Todas as experiências da pessoa individual humana, antes ou depois, —

emocional e intelectual —, pertencem ao tempo, porque a temporalidade é a

forma mais íntima e o carácter mais geral dos "fenómenos psíquicos". E, "le

mythe tient l’essence dans l’apparence, le phénomène mythique n’est pas

une représentation, mais une véritable présence."518

Almada seguiu as ideias da tradição hermética quanto à unidade e essência

da eternidade tomada da identidade: "...celle du monde est l’ordre, celle du

temps est le changement, celle de la géneration est la vie et la mort."519 O

Tempo, considerado no Todo, é unidade indivisível. "O Tempo é Acto

contínuo o Todo."520 Almada considerou que passado, presente e futuro "era"

no singular porque indivisível, sempre o mesmo Todo de tempo. Se

representado o Todo do Tempo pelo Círculo, o mesmo círculo representa

respectivamente os três tempos, sendo sempre o mesmo. À semelhança de

Platão no Timeu521, ao afirmar a correspondência entre a alma do mundo e a

alma do homem, entre o macrocosmos e o microcosmos, Almada concebe o

homem no mundo, sendo unidade da Unidade, cumprindo o Tempo do Todo,

pela continuidade imposta pela cronologia. Como unidade gerada pelo

Tempo, a criação do homem é novidade, pois a verdadeira novidade é

continuar.522 São diversos os aspectos da Existência divina e dispersam-se no espaço e no tempo. Ora dessa dispersão devemos sair, reunindo os membros de

516 "Ver e a personalidade de Homero I", Ver , p.93; Simbolicamente, a continuidade representa-se através da oliveira/ a Paz, carregando a união entre o sagrado e o sensível, pertença exclusiva de cada pessoa individual humana que tem o dom da Poesia, "única simultaneidade do simétrico e do transcendente no mundo." Cf. Idem, ibidem, p.90 517 Cf. Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception, 3ème. partie, II — “La Temporalité”, p.469 e ss. 518 Idem, ibidem, p.335 519Hermès Trismegiste, Le grand texte iniciatique de la tradition occidentale, p.54 520"Ver", Ver, p.55 521Cf. Platão, Timeu, pp.266-267. 522"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.133

148

Osíris de forma a estabelecermos uma síntese total feita de tudo o que passou e de tudo que existe ainda.523

O homem é variável como o próprio Tempo, o Grande Mestre, a que Almada

se referia, mas o tempo cumpre a síntese do Passado e do Presente, formando

tudo, formando o Infinito, ou melhor, criando o Infinito em unidade. E a

eternidade obsessiva a que aludia, evocando Santo Agostinho em Invenção

do Dia Claro: "A eternidade e um instante é a mesma coisa."524 Refere-se

Almada a uma espécie de absorção dos tempos no tempo, sendo o Tempo

(com maiúscula), correspondente ao sentido de Eternidade em Santo

Agostinho: "Na eternidade, ao contrário, nada passa, tudo é presente, ao

passo que o tempo nunca é todo presente." A ideia é explicitada, quando

Almada afirmava que, "A mais alta personalidade humana será aquela que,

em tudo o que cada um faça, sinta ou pense, ela estiver sempre presente a

todo instante como se cada instante fosse toda a sua vida."525 A eternidade

também era consciência efectivada pela existência individual do sujeito que

pressupõe a sua percepção: "A Eternidade existe mas não tão devagar!"526

O ritmo do tempo, decorrente na continuidade era simultaneamente

objectivo e mítico, incorporando-se ambas dimensões no Todo a que cada

indivíduo pertence em humanidade, na unidade sensível-sagrada. O desígnio

da criação, por um lado, o conhecimento e o livre arbítrio por outro, exigem,

em complementaridade, o silêncio da memória. As mitologias apagam-se mas acendem o seu singular. E este refaz-se constantemente onde não são possíveis empirismos, nem conclusões. Nós somos permanentemente a antinomia primeira memória-esquecimento. Somos a máquina estandartizada do organismo da Memória.527

Homero continha em si mesmo, na sua personalidade, o dito "génio da

continuidade", simbolizava o legado cultural grego: a pátria, a religião, o

estado, a ciência, o lar, a educação, os jogos, tudo aquilo quanto se referia ao

espírito, tudo o que apenas se pode representar em símbolo, "absolutamente

523"Uma reunião de artistas no banquete de homenagem ao distinto pintor João Vaz", Artigos do Diário de Lisboa, p.57 524Santo Agostinho citado por Almada Negreiros Invenção do Dia Claro , "Confidencias", p.38. Cf. Santo Agostinho, As Confissões, XI, 11, p.301. 525"Ver e a personalidade de Homero II"; Ver, p.148 526"K4 Quadrado Azul", epígrafe in Invenção do Dia Claro, p.30 527 Teatro, ibidem, p.237

149

tudo sem lá ter posto o nome comum Homero, e a sua função é também

Homero."528

Como princípio estético, o princípio de continuidade, é confirmado na

possibilidade pessoal da criação, actualiza a primordial condição —

metafísica — que subjaz à criação poética, concebendo-a como pessoal e

intransmissível, no que se refere, nomeadamente, à problemática da essência

e substância da obra em si, reveladas simbolicamente pela Luz, pelo Fogo.

Ambos significam a eclosão/desvelamento do conhecimento, a origem/fonte

emanadora no caminho encontrado. 5.2.3. Cultura e a Civilização — acto de presença do Homem

O acto de presença do Homem possui uma dupla afirmação para a

humanidade: no plano individual pessoal é a Cultura, no universal é a

Civilização. Nascido nos primórdios da humanidade, pelas manifestações

visuais que o Homem deu ao Mundo, iniciou-se a sua afirmação,

consolidada, superiormente, primeiro em Creta e depois na Grécia Antiga;

prosseguindo com o Cristianismo: "A longuíssima incubação da cultura e da

civilização faz-lhes caminhos paralelos, isto é, que nunca se encontrariam se

o acto de civilização não viesse coroar o sentido que estava de facto na

ordem da cultura mas por libertar em acto. Ora a cultura pode determinar

factos, mas só a civilização pode realizar actos."529 Acto e facto são de

naturezas diferentes, o acto é sagrado e sensível, e só pode ser representado

pela própria presença viva do Homem; o facto é apenas sensível, podendo

ser representado pela obra ou pelo pensamento.

A Obra é simultaneamente — na ordem do conhecimento — do [no] Mito e

do [no] Logos, em unidade. Não há Mito sem Logos, as alegorias e símbolos

separam o mundo de "criação de cultura"; no mundo da criação de arte

domina a linguagem alegórica e a sabedoria poética e no da criação da

ciência, a linguagem é simbólica e a sabedoria reflectida: "A linguagem das

alegorias é a das personalidades, a dos símbolos é a linguagem do número: o

universo e o homem."530 O número encontra-se no símbolo, mas o símbolo

assegura, não cria, pois remete para um significado universal, ao passo que

528 "Ver", Ver, p.236; O único, marca indelével do espírito grego que entrou em pessoa no universal do Cristianismo, foi Cristo, que Almada designou "génio da continuidade", o sagrado. 529"A lira primazia da vista", Ver, p.129 530"Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p. 246

150

"no mundo "ingénuo" a alegoria é metamorfose de criação da

personalidade"531, portanto particular.

Os símbolos constituem o percurso da Cultura, um a um são "marcos

geodésicos na orografia d'uma civilização", constituindo a unidade do

humano. Tudo é símbolo, ""tudo o que acontece não é senão símbolo",

porque primeiro "acontece", depois o mito faz a fábula que vem pôr aqui o

símbolo."532 O mito elabora-se de acordo com o pensamento sobre si mesmo,

na forma como Almada o considera, cumplicidade e conveniência: "Mito e

Logos são os domínios autónomos das duas criações da "Obra" maiúscula, a

bipresença de um todo "Obra".533 A Obra é entendida como bipresença "arte-

ciência", assim como pelo Todo se entenda bipresença "Obra-pensar"; pensar

pressupõe obra, onde o Mito é centrípeto, vindo do infinito para uma vontade

pessoal que por ele se deixa impregnar, germinando no seu próprio interior.

O Logos é centrífugo, "um centro imana d'ele, cresce de dentro para fora

como uma flor abre os sexos."534 Como no reino vegetal, na flor e fruto não

coincidem na cronologia dos seus ciclos, e uma tem de dar lugar a outra,

assim quando o Logos inteligível, matemático está, nasce a seguir o Logos

sensível: "E então o ciclo Mito-alegoria-símbolo seria o Logos-

antropomorfismo-número se tivéssemos conveniência em seguir o sensível

por este último."535

Almada considerava que o ciclo primordial de mito-alegoria-símbolo não era

apenas a história de uma civilização ou mesmo do mundo humano, mas a

história de toda a cultura (atitude de responsabilidade pessoal, para

competência universal), pois sempre, perpetuamente, o Homem nascerá

"ingénuo", repartindo-se no ingénuo os caminhos do Mito e do Logos.

531Idem, ibidem, p.246 532Idem, ibidem, pp. 247-248 Goethe citado por Almada Negreiros. Consultou-se a versão francesa dos textos sobre Arte de Goethe, tendo-se procurado situar a citação transcrita, o que não foi conseguido. Todavia saliente-se a relevância da distinção que Goethe afirma entre alegoria e símbolo, imprescindível para a compreensão deste aspecto em Almada: "...dans le symbole nous voyons l'universel dans le particulier, alors que dans l'allegorie le particulier n'est qu'un exemplum ilustrant l'universel." Nota de Jean-Marie Schaeffer, Écrits sur l'Art, "Maximes et Réflexions", p.310, nota 4 à Máxima 17 que consta: "Dans le véritable symbole le particulier représente l'universel, non comme rêve ou ombre, mais comme révélation vivante et instantanée de l'inexplorable." A teoria do símbolo em Goethe é fundada na seguinte máxima articulada à anterior: "Le particulier et l'universel coïncident: le particulier est l'universel tel qu'il apparaît selon la diversité des conditions." Op. cit., "Maximes et Réflexions", nº 48, p.317. E ainda: "Le symbole transforme l'apparition en Idée, l'Idée en image, de telle manière que dans l'image l'Idée reste infiniment agissante, inacessible et inexprimable, fût-elle exprimée dans toutes les langues." Idem, ibidem, nº 109, p.324 533"Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.253; a bipresença refere-se ao sensível e ao inteligível — ver texto supra — e portanto ao binómio Arte e Ciência. 534Idem, ibidem, p.253 535Idem, ibidem, p.253

151

Ingenuidade e perpetuidade eram dons, cujas realizações estavam,

respectivamente, em encontrar e em ser encontrado, pelo indivíduo pessoal

na humanidade.

A Cultura é constituída pelos produtos dos criadores que exprimem três

modalidades de realizações, consoante se trate de Arte, Filosofia ou Ciência,

não sendo nenhuma erudição da obra, do pensamento ou do acto, antes

posição respectiva, assumida pelos próprios criadores. Cada um deste tipo de

criadores possui o seu universo, que é constitutivamente diferente dos outros

dois; cada um percorre o seu ciclo usando os seus poderes próprios, ou seja,

cada um dos universos possui a sua arte, a sua filosofia, a sua ciência, a sua

obra e o seu pensamento, portanto exigida a sua acção própria, que lhe é

específica. O encontro da Cultura faz-se do encontro das personalidades

individuais — e não as suas especialidades intermédias —, porque "o

encontro dos três criadores é-lhes exterior, fora das suas obras ou do

pensamento, precisamente quando em cada um cessa a iminência da acção

para dar lugar efectivamente à "acção".

A Almada interessava confirmar, "no advento da civilização cristã a sua

legítima antecedência universal, pois que é em pleno paganismo que a obra e

o pensamento da cultura estabelecem os factos que hão-de determinar o acto

da nossa civilização, por conseguinte a nossa própria presença individual no

mundo."536 Era necessário que a cultura — facto pessoal — subsistisse ao

acto universal, ao acto civilizado. Apresentava-se-lhe apenas uma solução:

que a cultura passasse toda a circunstância para dentro do universal, o que

poderia surgir quando fosse verdade no humano que "A criação de arte ou a

de ciência são cada uma a "obra" na iminência da "acção". A criação de

filosofia é "pensamento" na iminência da "acção", isto é, fora d'elas mesmas,

na personalidade individual."537

5.3. O conceito de Beleza 5.3.1. Domínio mítico-filosófico — o apolíneo e o dionisíaco

Manifesta a exigência de Almada Negreiros relativamente ao conceito de

Arte, procurada a resolução no primado da vista, primado da Luz,

recuperando o cânone, atenda-se à riqueza de definição do conceito de

536 "A lira primazia da vista", Ver, p.129 537"Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.256

152

Beleza, em concordância e consentaneidade com os princípios

antropológicos, cosmológicos e metafísicos fundamentadores.

A Arte é o puro espírito que não ultrapassa o terreno e o humano, e dentro das suas fronteiras cabe não só o que é Belo como também o que é nobre.538

Proceder-se respeitando os diferentes domínios em que o conceito foi

abordado pelo Autor. No domínio mítico-filosófico, Almada localizou o

conceito de Beleza de acordo com a conciliação dos dois símbolos —

antitéticos — correspondentes à dominante apolínea e à dominante

dionisíaca.

5.3.1.1. A estética apolínea e a estética dionisíaca em Nietzsche

O primeiro período do pensamento estético em Nietzsche demonstra uma

nítida influência de Schopenhauer539 e Wagner — embora já se manifeste

uma postura crítica relativamente a ambos —, período impregnado pelo

pensamento grego arcaico, o que estabelece uma concepção da arte como

arte trágica, definida a partir da dualidade entre o espírito apolíneo e o

espírito dionisíaco, dois instintos impulsivos e profundos.

É, pois, às suas duas divindades que se refere a nossa consciência do extraordinário antagonismo, tanto de origens como de fins, que existe no mundo grego entre a arte plástica ou apolínea e a arte sem formas ou musical, a arte dionisíaca.540

A sua metafísica da arte, apoiada nestes dois princípios antitéticos,

desenvolveu-se no conceito de arte trágica, resultante da união inseparável

dos princípios, ou seja, a união da luz de Apolo com as trevas de Dioniso541;

538Almada Negreiros, excerto de entrevista publicada in Novidades, 6 de Abril 1952. 539A influência de Schopenhauer (que lia desde 1865) traduz-se no tratamento de questões relacionadas, por exemplo, com a perspectiva do pessimismo, desprezo pelo homem, ascetismo e ideia de austeridade, alusões ao pensamento hindu e sobretudo a ideia de redenção pela arte. Relativamente a Wagner, traduziu-se na proximidade de relação de amizade entre ambos (desde 1868), e pela admiração da sua obra musical. A diferença que o afasta da concepção da arte como superação do sofrimento e da morte de Schopenhauer reside no facto de que: "Mientras en Schopenhauer la función del arte reside en la negación de la voluntad de vivir, ya aquí Nietzsche se separa claramente de su maestro al otorgar al arte la función de afirmar la existencia aun en sus aspectos más dolorosos." Dolores Castrillo y Francisco José Martínez, "Las ideas estéticas de Nietzsche", Historia de las ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, vol I, p.343. 540Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.39 541Embora tenha iniciado a sua aproximação aos gregos, parecendo cumprir objectivos afecto à sua própria formação em Filologia, cedo usou essa aproximação obsessiva, para iniciar a critica do mundo moderno. A partir da Origem da Tragédia estabeleceu uma metafísica da arte que pretendia justificar a sua premissa de que a existência humana e o mundo apenas como fenómenos estéticos.

153

sendo Apolo aquele que "divinisa o princípio de individuação, constrói a

aparência"542 e Dioniso, como princípio de individuação perante o Caos,

pode superá-lo ao recuperar a unidade primitiva através da arte. "São forças

artísticas que brotam do seio da própria natureza, sem intermédio do artista

humano, forças pelas quais os instintos naturais se aproximam e se

satisfazem directamente."543

A Arte é o suplemento metafísico da realidade natural; as artes plásticas —

visualização plástica apolínea — pretendem ultrapassar o sofrimento do

indivíduo, graças à sua eternidade fenoménica, graças à beleza (aparência544)

que triunfa sobre o sofrimento inerente à própria vida, apagando-o de forma

artificiosa, paradigma do sonho libertador. Em contrapartida, na arte

dionisíaca — a música por excelência — a natureza fala pela sua própria

voz, sem disfarces, permitindo que, por alguns e breves instantes

(embriaguez545), o indivíduo se identifique com o ser original em si mesmo,

sustentador das formas e fenómenos mutantes; permite ao indivíduo estar em

comunidade, sem estar isolado, à semelhança do ser vivente único, de onde

tudo provém, como engendrador. Dionísio e Apolo não se opõem, portanto, como os termos de uma contradição, mas antes como dois modos antitéticos de a resolver: Apolo, mediatamente, na contemplação da imagem plástica; DIonísio, imediatamente, na reprodução, no símbolo musical da vontade.546

Dioniso é o deus afirmativo, impositivo e afirmador, metamorfoseia-se em

afirmações múltiplas que dissolve a individuação, procurando a

impessoalidade que determinaria um ser superior à pessoa, o que suporia o

fim da tragédia. Pelo retorno dionisíaco ao acto de culto primitivo, "O

A concepção de espírito dionisíaco apresenta transformações de definição, ao longo da obra de Nietzsche; a definição subjacente ao último Nietzsche é diferente da abordagem desenvolvida na Origem da Tragédiaa. "El Dinonisos del Nacimiento de la Tragedia encarna más la verdad del horror de la existencia que necesita ser velado por la belleza apolínea, mientras que el Dionisos último es, al mismo tiempo, la fuerza trágica que se sobrepone al horror de la existencia y la existencia misma como permanente criación de ficciones intensificadoras de la vida." Dolores Castrillo y Francisco José Martínez, "Las ideas estéticas de Nietzsche", Historia de las ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, vol I, p.341. 542Gilles Deleuze, Nietzsche e a Filosofia, p.20 543Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.45. 544Acerca do conceito de "aparência" confrontar A Origem da Tragédia, pp.40-41. 545Acerca da embriaguez como analogia ao estado dionisíaco confrontar A Origem da Tragédia, pp.43-44. 546Gilles Deleuze, Nietzsche e a Filosofia, p.21. Cf. Nietzsche quando se refere à embriaguez produzida pela música: "No ditirambo dionisíaco, o homem é arrebatado até à exaltação máxima de todas as suas faculdades simbólicas; experimenta e quer exprimir sentimentos até então desconhecidos (...) Depois só por símbolos poderá exprimir-se a essência da natureza; para esse novo mundo de símbolos é indispensável a simbólica dos lábios, das palavras, dos rostos, mas também todos os gestos e todas as atitudes da dança, ritmando os movimentos de todos os membros." A Origem da Tragédia, p.49

154

homem deixou de ser artista para ser obra de arte: o poderio estético de toda

a natureza, agora ao serviço da mais alta beatitude e da mais nobre satisfação

do Uno primordial, revela-se neste transe, sob o frémito da embrieguez."547 5.3.1.2. A conciliação das estéticas apolínea e dionisíaca

Contextualizadas as suas especulações acerca deste tópico nas leituras de

Nietzsche548 que aliás cita, conforme se constata, tendo em consideração as

diferentes citações que Almada faz do filósofo alemão, ao longo da sua obra

escrita, logo desde início admitindo a força da sua presença:

Quando entrei em casa, a seguir ao comício intelectual, abri o Zaratrusta, Frederic Nietzsche tinha, entretanto, escrito com o próprio punho: "Tu deves ser o martelo, eu puz o martelo na tua mão!" Para quê, Zaratrusta? para quê, o martelo?! "Pour cesser d'être des hommes qui frient, pour devenir des hommes qui bénissent."549

Almada refere-se à trama estética de Nietzsche expressa na Origem da

Tragédia, denominando-a "A genial descoberta de Nietzsche na oposição

Apolo-Dionísio" que se prestara a "agora ser esclarecida e servir plenamente

com a descoberta da personalidade de Homero feita neste livro que tem por

título Ver e foi começado com a pretensão de dar ao estético o lugar

principal nos poderes humanos que dirigem os povos."550 Almada afirmava

responder através dos escritos de Ver, ao desafio que Nietzsche lançara em

1870 com a mencionada obra em que irradicava a cultura e arte baseadas nos

princípios apolíneos dominantes na história europeia durante séculos.

Não será alheia a esta celebração de Nietzsche, a comum relevância que

ambos autores atribuíam a Homero, designando-o o filósofo alemão como o

poeta ingénuo, menção aliás trazida por Almada, para consolidar a sua

posição relativamente ao poeta grego. Homero foi, segundo Nietzsche, o

monumento vencedor sobre a perfeita ilusão apolínea: "Homero, artista

547Idem, ibidem, p.45. 548Para Almada, Nietzsche era o símbolo, o representante por excelência, da Ciência, como "seu último mais genial cultor o alemão Frederico Nietzsche...""Ver I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria", Ver, p.238. 549"A Reunião dos Novos — uma carta de José de Almada Negreiros em que este artista explica a sua atitude no Comício do "Chiado Terrasse" e onde se refere ao incidente com Leal da Câmara", (publicado in Diário de Lisboa, 21 de Dezembro de 1921), Artigos no Diário de Lisboa, p.66; está igualmente publicado este texto in Textos de Intervenção, pp.49-51. 550"Ver I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria", Ver, p.238.

155

ingénuo."551 Acompanhando-se o percurso de Apolo, segundo Almada em

Ver, para definir a antitetia relativamente a Dioniso, verifica-se que

procurando captar "relações e analogias no mais vasto do mundo sensível, o

visual, e não é para que fiquemos pelo curioso das coincidências, mas para

que se veja que estas relações, coincidências e analogias estão desde a

Antiguidade estabelecidas como princípios, fundamentalmente elementares.

Todos estes princípios estão íntegros na lira que Homero pôs nas mãos de

Apolo."552

Apolo é uma divindade a que Almada recorreu, quando definiu o simbolismo

do número (através da qualidade simbólica da cada um dos algarismos),

reconhecendo-o no quatro, e no sete, associado, em união a Hermes553: trata-

se da unidade sensível-sagrado, significando os algarismos, o Todo do

Universo. Outra das menções que Almada desenvolve de Apolo, relaciona-o

com Diana, enquanto significam respectivamente o Sol e a Lua. Apolo é

possuidor do arco de oiro, Diana domina o arco de prata; ambos filhos de

Zeus e de Letha, simbolizam a Luz e a Escuridão.554

A forma geométrica comum a ambos, em termos de representação visual, é a

esférica; em Apolo a forma é luminosa e activa porque masculino, em Diana

é luminosa e passiva, porque feminina. Ambos cumprem a unidade fraterna

que está colocada nos dois sexos: o falos e a cista. Por sua vez, a cista, o

orgão feminino, por excelência simbolizador da herança feminina, era

transportado em lugar principal, nas procissões sagradas, no âmbito do culto

a Dioniso, "tanto cai à mulher como ao homem, como a herança masculina

tanto cai ao homem como à mulher. Cada ser engendrado herda igual dos

seus dois engendradores, aparte isto, herda apenas um dos sexos."555 Dos

dois gémeos, Apolo e Diana, apenas um será engendrador na sua herança, e

551"Dórico, o cânone da ingenuidade", Ver, p.201. Nietzsche na Origem da Tragédia refere-se a Homero nos termos que seguem, a propósito das pessoas que pensavam "ter encontrado em Homero um artista desta espécie, um Emílio educado em plena natureza. Quando encontrarmos a "ingenuidade" na arte, reconheceremos o apogeu da acção da cultura apolínea..."(...) "Quão raramente atinge o artista essa "in-genuidade", essa total absorção na beleza da aparência! Admiramos o sublime inefável de Homero, porque o poeta foi para esta cultura popular apolínea o que o artista do sonho é para o sonho do povo e da natureza em geral." Op. cit., pp.53-54. Almada torna a citar a expressão introduzindo uma pequena variante quando escreve: "Homero é o exemplo do artista ingénuo", in "Mito-alegoria-símbolo", Ver, p.246 Em "Ver", Ver, Almada comenta o facto de Nietzsche ter considerado que "a questão homérica era um juízo estético e não uma questão histórica", cf. p. 233. 552"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.145 553"Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.97 554"E um e outro revezam-se na luta eterna que ambos sustentam da herança paterna e materna, na qual, a Luz e a Escuridão, ambas invencíveis, irão até ao fim do Mundo como duas partes inteiras da engendração, a do Pai e a da Mãe, os dois engendradores." Idem, ibidem, p.104 555Idem, ibidem, p.104

156

será Apolo556, pois Diana morre virgem. Apolo engendrará Orpheu e terá

cada um o seu presente.557 Apolo e Diana significam a concreção mítica do

ciclo diurno-nocturno, o ciclo do tempo solar-lunar, em que a vida do

humano decorre, à mercê dos deuses que os engendraram. Apolo está sempre

presente com o seu carro do Sol, puxado por quatro cavalos.

Apolo e Diana são o mundo, pois relativamente à Terra o Sol é metade Luz,

é o dia, e a outra metade é Escuridão, a noite, ao mesmo tempo. E a Lua é

metade Luz, a noite, e a outra metade Escuridão, o dia. São a conciliação, a

unidade dos oposicionais, complementares. A transposição no indivíduo

humano significa o tempo biface em que está: o quotidiano e o contínuo,

mediato e imediato; está sempre no tempo biface, a Luz e a Escuridão,

significando a Luz, a Verdade (Aletheia = o que não está escondido), mas

que tem a sua natureza, por contraposição à existência da Escuridão que lhe

reconhece presença. "O oculto da Escuridão (Letho, a obscura mãe de Apolo

e Diana) está exactamente aqui na Lua, numa das suas quatro fases, a

primeira, a sempre nova, a invisível."558 O sinal visual de representação é a

Lua com os "cornos" para baixo, uma posição da Lua nunca vista por olhos

humanos. Este sinal simétrico, a que já se aludiu anteriormente é a labris.

Apolo é o visível, o natural visto; é o visível da inseparabilidade entre o

sagrado e o sensível, é a simetria, a quadratura do círculo correspondendo-

lhe como síntese. A virtude de Apolo é a Graça, virtude sensível e sagrada

"que representa a ausência de atrito com toda a circunstância"559, o seu

símbolo visual é a lira, imitadora da Luz do Sol. Apolo tornou-se o símbolo,

pela Graça 560, da Poesia, ficando à cabeça das Musas, perpetuando o acto

poético criador, engendrador. Apolo surge, na linha para a continuidade do

humano, como primeiro termo, a que se seguem, primeiro Homero, depois

Ésquilo, e Aristóteles que vai ao Cristianismo, desenvolvida a unidade grega,

constituída pela semente, pela cultura e pela germinação: "A mais alta

556A herança de Apolo, como engendrador tem transposição para o artístico, estético, concordando com a perspectiva nietzscheniana como se pode constatar: "O mesmo instinto que está personificado em Apolo engendrou realmente todo o mundo olímpico, e assim, neste sentido, Apolo pode ser considerado como um deus pai. Que necessidade foi a de dar a luz esta sociedade de criaturas olímpicas?" Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.50. 557"A lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.164 558Idem, ibidem, p.106 559"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.126 560A Poesia significará segundo é dado pela afirmação de Almada, o produto do acto de civilização, simbolizado em Ésquilo, "o apolíneo, o apóstolo do universal, é o profeta do acto da civilização. Ele sabe que circunstância e universal, ambos, querem a Forma. Ele sabe que Forma é comum a circunstância e universal. Mas também sabe que toda a circunstância que deixou de ter como luz única o universal, deixou de existir, ainda que importune." Almada Negreiros, "Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.130.

157

personalidade humana será aquela que, em tudo o que cada um faça, sinta ou

pense, ela estiver sempre presente a todo instante como se cada instante fosse

toda a vida."561 A incógnita do futuro está na duração de dois cultos

religiosos, respectivamente oferecidos a cada ano, a Apolo e a Dioniso: "Os

mesmos dois cultos religiosos anuais a Apolo e a Dioniso, são a simetria e o

transcendente.562 O transcendente é indubitavelmente o despertador dos

longos letargos humanos, mas os marcos no caminho do Homem vão sendo

postos em seguimento, pessoa a pessoa, pela simetria. Tudo o que se passou

no mundo, se passa e se passará, é o desta dualidade humana da simetria e do

transcendente."563 Apolo é "aquele que fere de longe", Dioniso é "o que não

perde de vista nenhum caso humano".564

O culto a Apolo durava três trimestres e o de inverno pertencia a Dioniso. A

contagem simétrica do tempo era composta pela paridade entre um e outro: a

parte de Apolo no tempo era igual à de Dioniso. Apolo dispunha de três

vezes da lira de três cordas — a lira do humano — e Dioniso outras três

vezes da mesma lira. A diferença estava na presença eterna de Apolo que

divergia da de Dioniso; ambos tinham o mesmo passado (ovo órfico), o

futuro de ambos tampouco pode deixar de ser o mesmo, porque a

inseparabilidade do sagrado e do sensível é a mesma e o único em ambos, de

modo que divergem apenas no presente: o presente de Dioniso não é

cumprido, embora exista (repetição de Orpheu e Euridice), enquanto o de

Apolo será cumprido. "Daqui a serenidade de Apolo entre o passado e o

futuro, e a fé presente de Dioniso no futuro. Orpheu perde o presente por

olhar para trás, Dioniso perde-o por olhar para diante."565

561"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.146. Esta forma de conceber o início, continuidade e perpetuidade do humano, baseado nos termos míticos-antropomórficos leva a considerar o paradigma do humano como resultado da diversidade opositiva Apolo/Dioniso. 562Por transposição para o estético, esta ideia estava presente em Nietzsche quando este afirmava que; "a evolução progressiva da arte resulta do duplo carácter do espírito apolíneo e do espírito dionisíaco , tal como a dualidade dos sexos gera a vida no meio das lutas que são perpétuas e por aproximações que são periódicas." A Origem da Tragédia, p.39. 563"Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.87. "Foi esta simultaneidade do simétrico e do transcendente na pessoa individual humana que ficou posta na pintura chamada cubista e renascida neste século, na metade sul do ocidente da Europa." 564Referindo-se aos quatro filhos mais queridos de Zeus, Almada qualifica-os segundo as suas características dominantes; relativamente aos outros dois, Atena é o autómato de ver e Hermes, aquele que liga o número. Cf. "Dórico, o cânone da ingenuidade", Ver, p.202. 565"A lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.176. Nas mãos dos humanos, a lira de 7 cordas, transforma-os ora em Orfeu, ora em Dioniso, mas raramente em Apolo: a lira sinal da continuidade do humano — passado, presente, futuro.

158

No facsímile de uma das folhas manuscritas de Ver, onde Almada anotou o

"Trípode", sob o signo Sol surgem, Hercules, Apolo e Dioniso;566também aí

se constata que Almada atribuiu a Dioniso/Divino o algarismo 5,

pertencendo o 4 a Apolo. Ao considerar o conhecimento acusmático, Almada

continua a fazer corresponder a Apolo, o número 4, atribuindo o 8 a Dioniso,

segundo a geração par. A esta diz respeito o Dionisismo e o Orfismo,

correspondendo-lhes a ciência acusmática, precisamente; à geração do três, a

do ímpar, pertence o Apolinismo e o Pitagorismo (Matemáticos ou homens

da Ciência), sendo a criadora de Prometeu, a obra do homem. "A série dos

números é o casamento do Céu e da Terra."567 Assim se estabelece o par-

ímpar, resultando na unidade.

A arte apolínea, a atitude de Apolo, majestática e desdenhosa, eternizou-se

na arte grega, no seu modelo dórico (arte dórica e Estado dórico) 568 que

Nietzsche apenas aceita como explicável enquanto resistência e reacção do

espírito apolíneo, pois era uma arte de "tanta dureza e de tanta altivez, uma

fortificação tão maciça, uma educação tão guerreira, um princípio

governativo tão cruel e tão brutal."569 A arte apolínea foi concebida em

consentaneidade com a figura de Apolo, a imagem divinizada do princípio de

individuação570 que implicava a medida, "exigindo aos seus fiéis o respeito

pela medida, e, para que conservem a medida, a autognose."571 Segundo

Nietzsche, o espírito apolíneo, celebrando as suas obras na aparência, que

não é mais do que símbolo, não podia nunca exprimir perfeitamente a

profunda intimidade do ser, pois era uma linguagem — símbolos. A arte

apolínea demonstrava uma vontade, o que contrariava a concepção de

sentimento estético, "que é puramente contemplativo e destituído de

vontade" — perspectiva próxima da ideia de desinteresse estético em Kant; a

vontade era precisamente o inverso do estético, era o inestético.

566Cf. Idem, ibidem, p.168. Nietzsche, a propósito de Apolo e a sua ascendência substancializadora solar escreve que: "Em conformidade com a sua origem, o seu olhar deve ser "radiante como o sol"; ainda quando exprima o cuidado e a cólera, não deve desaparecer do seu rosto o reflexo sagrado da visão de beleza." A Origem da Tragédia, p.42. 567Cf. "Ver", Ver, p.216. A ideia do antropomorfismo divino a que correspondem a geração par e a geração ímpar, estabelecem o par-ímpar que não é sinónimo de fêmea-macho, pertencendo, segundo a abordagem desenvolvida in "Mito-alegoria.símbolo", quer Apolo, quer Dioniso à geração par. Cf. p.270. 568Esta concepção do dórico é absolutamente oposta à de Almada, quando considera o dórico, como o primado do cânone da ingenuidade. Confronte-se "Dórico — cânone da Ingenuidade", Ver, pp.189-200. 569Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.58 570O princípio de individuação era "o princípio pelo qual se cumprem os eternos desígnios do Uno primordial, a sua libertação pela luz, pela aparência, pela visão..."Cf. Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.56. A acepção conceptual deste princípio cumpre termos exigidos em Almada, mas não ultrapassa a sua limitação, na perspectiva nietzscheniana pois não ascende à concepção de visão com a dimensão que tomou em Almada, em que a visão encontra o cânone, a medida, não como disfarce, mas como verdade. 571Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.57

159

A arte dionisíaca, titânica e bárbara correspondia ao estado arcaico nos

gregos, cujo paradigma da luta foi Prometeu: o herói teve de ser punido

porque tinha ultrapassado a medida, a imposição. O castigo trouxe-lhe a

revelação do espírito dionisíaco: "Ele devia ressentir algo mais: toda a sua

existência, com tal beleza e medida, estava sobre o abismo escondido do

sofrimento e do conhecimento, e o espírito dionisíaco vinha agora mostrar-

lhe o fundo do abismo. Mas vede: Apolo não podia viver sem Dionísios!"572

A partir dessa afirmação, o homem passou a esquecer-se de todas as suas

medidas e dos seus limites, esqueceu-se de si próprio, "e caiu em pleno

êxtase dionisíaco". A arte dionisíaca por excelência, a música, inebriava e

"então oferece-se aos nossos olhares a obra de arte sublime e gloriosa da

tragédia ática e do ditirambo dramático, como alvo comum de ambos

instintos, cuja união misteriosa, depois de longo antagonismo, se manifestou

dando à luz ao mesmo tempo Antígona e Cassandra."573 É a conciliação do

pensamento de Almada e de Nietzsche, através da figura simbólica de

Prometeu: "O Prometeu de Ésquilo é, (...), uma máscara dionisíaca, ao passo

que, pelo sentimento, profundo de equidade (...), Ésquilo deixa perceber que

é descendente atávico de Apolo, o deus clarividente, o deus da individuação

e dos limites pelo espírito de justiça."574 A tragédia grega significava a

possibilidade de transcender o tempo, significava atingir o estádio estético,

precisamente enquanto este, o fenómeno estético justificam o facto do

próprio mundo existir eternamente. Prometeu como herói, protagonista

directo da tragédia grega, estabeleceu a conciliação, pois possuía dupla

natureza, a sua essência, apolínea e dionisíaca...

O fenómeno estético, o estádio estético enquanto garantes da eternidade do

mundo correspondem ao significado simbólico, quer da tese visual —

antegrafia — de Almada, quer da persistência no humano do cânone, ou seja,

entendidos como constituindo a linha de continuidade do humano, a

eternidade do mundo, absorvido no Uno primordial, ou como diria Almada,

na unidade do Todo. O homem só tem consciência dessa eternidade, dessa

continuidade, "no acto de produção artística, e na medida em que se

identifica com o artista primordial do mundo, é que o génio poderá saber

572Idem, ibidem, p.57 573Idem, ibidem, p.59 574Idem, ibidem, p.93. Quem libertou Prometeu do seu abutre foi precisamente a raça dionisíaca " e transformou o mito em arauto de sabedoria dionisíaca..."(p.96). Prometeu tornou-se no símbolo do conhecimento, aspecto privilegiado na interpretação que Almada tomou para o mito. Cf. Cap. II, 1ª Parte — “A convocação da Humanidade”, 2. "Prometeu - síntese da humanidade".

160

algo da essência eterna da arte; (...) o génio será então objecto e sujeito ao

mesmo tempo, será simultaneamente poeta, actor e espectador."575

Tomando o conceito kantiano de sublime como ponto de referência,

Nietzsche considerava que a arte tinha poder para transformar o

"aborrecimento" do que de horrível e absurdo a existência possui,

elaborando-o em imagens ideais de ordem sublime; o que acontece quando a

arte mostra o domínio sobre o horrível. Os gregos tinham sentido o horror da

existência, reagindo com esse instinto de viver, o mesmo instinto que era

necessário para a arte, "o mesmo instinto gerou também o mundo olímpico

que foi, para a "Vontade" helénica, o espelho onde ela via a sua imagem

transfigurada."576

A ideia é expressa em Almada, quando este afirma que "para viver é

necessário deixar viver: como se não acontecesse existência"577; quando

impositivamente afirma que "Tu nunca serás o teu próprio advento. Por

conseguinte não percas tempo: vive — deixa tudo pronto para que o teu

advento se faça."578 O que permitiria cumprir este desígnio era realizar o

instinto mais forte do homem, o da continuidade, através da obra. Se não

fosse o castigo da cronologia, se não fosse a história, o homem estaria na

conveniência da existência, a continuidade estaria cumprida por um eterno

presente; assim, tendo-lhe atirado à cara com a existência, houve que

transcendê-la pela arte trágica.579 O drama era, segundo Nietzsche, a

"representação apolínea de noções e de influências dionisíacas…"580

Na arte trágica, Dioniso surgiu sob diferentes máscaras, numa pluralidade de

figuras de heróis, ficando enredado simultaneamente nas "malhas da

vontade"; manifestando-se através de palavras e actos, estava exposto ao

sofrimento e ao erro, sujeito também ao desejo, e foi Apolo, com precisão e

clarividência, "intérprete dos sonhos, que revela ao coro o seu estado

575Idem, ibidem, p.66 576Idem, ibidem, p.52 577"Didacticon", Ver, p.68. Almada destinava ainda a acção irrefutável do homem: "O gesto da existência, apaga-o..."Cf. p.68. 578Idem, ibidem, p.67 579CF. Idem, ibidem, p.69. Nietzsche, acerca da força do estético afirmava: "quanto mais observo que na natureza os instintos estéticos são omnipotentes e que é irresistível a força que os obriga a objectivarem-se na aparência, tanto mais me sinto inclinado a admitir a hipótese metafísica de que o Uno primordial e verdadeiro Existente, eternamente sofrendo as suas íntimas contradições, necessita, para sua perpétua libertação, tanto da visão encantadora como da aparência jubilosa; e admito também que, completamente integrados nesta aparência de que somos dependentes, devemos concebê-la como absoluta Inexistência, quer dizer, como perpétuo devir no tempo, no espaço e na causalidade, ou, por outras palavras, na realidade empírica." Cf. Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.55 580Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.83

161

dionisíaco por esta aparência simbólica.(...) Do sorriso deste Diónisos

nasceram os deuses olímpicos; de suas lágrimas os homens."581

Tomando emprestados os termos de reflexão pessoanos, entender-se-ia o

princípio apolíneo como definidor de uma estética de radicação aristotélica e

o dionisíaco de consignação não-aristotélica, de acordo com o

posicionamento teórico de Álvaro de Campos. A primeira fundada no

conceito de beleza, a segundo no conceito de força.582

Almada conciliou — em unidade — os dois fundamentos, o apolíneo e o

dionisíaco (o aristotélico e o não-aristotélico), reconstituindo o Todo da

Arte, na medida em que recorre a elementos afectos a um e outro princípios,

gerindo a sua dicotomização em prol dessa mesma unidade; a Beleza

conciliada de ambos princípios está no número, no retorno fundamentador à

estética esotérica da escola pitagórica. 5.3.2. Domínio estético-metafísico

O Belo como categoria estética é na ordem do ideal, do absolutamente

perfectível, dominando uma perspectiva aristotélica583, que Almada radica,

necessariamente, na "imitação da natureza", não como análise da natureza,

não como cópia da natureza, mas como síntese, perfeição ideal tendendo

para a exactidão, sinónimo de "perfeição oposta à natureza". O exacto e o

perfeito convergem um para o outro, entre ambos estando o belo, o belo que

é o perfectível. O belo, sendo exacto e perfeito, cria o novo, cria o simples,

despindo a natureza, pois "a nudez na natureza é o simples no belo. A

natureza e o seu oposto que a "imita" só criam nus e simples."584 Na natureza

tudo nasce apenas individualmente, pelo que tudo nasce nu, trazendo a sua

própria florescência individual. O belo não se limita ao estético, que

corresponde apenas a uma quarta parte do belo, com as outras três: o ético, o

lógico e o religioso. O belo não se limita ao estético, nem o sagrado ao

religioso. Implicam-se as quatro partes. Visualmente, o belo corresponde ao

número formado pelos quatro ângulos rectos no círculo perfeito: o bom, o

581Idem, ibidem, pp.94-95. 582"Creio poder formular uma estética baseada, não na ideia de beleza, mas na de força — tomando, é claro, a palavra força no seu sentido abstracto e científico; porque se fosse no vulgar, tratar-se-ia, de certa maneira, apenas de uma forma disfarçada de beleza." Álvaro de Campos, "Apontamentos para uma estética não-aristotélica", Obras de Prosa, p.240. A força entendida por Campos nesta acepção cumpre um princípio vitalista, de energia, de força vital relacionada com o factor de actividade inerente à acção do artista, o que se articula com a perspectiva almadiana como se afirmou anteriormente. 583Cf. supra, neste mesmo cap., alínea respeitante à Arte e Natureza. 584Cf. "A lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.181

162

verdadeiro, o formoso e o santo. Os quatro são de dois modos, cognoscível,

exacto, e incognoscível, perfeito.585 Os quatro formam a unidade no belo que

é indivisível, conciliação do quadrado e do círculo, justapondo-se ao uno "as

divisões do quadrado e as do círculo, o que não é o mesmo que dividir o uno.

Para entendimento do que seja antropomorfismo é necessária esta ficção, a

legítima ficção (humana ou divina): a prévia justaposição do que é

intangível."586 O intangível é representado visualmente pelo ponto e pelo

círculo, alfa e ômega, abrangendo tudo o que lhe seja intermédio: define o

sagrado.

"O Belo é o caminho próprio da personalidade humana individual e de mais

ninguém. Não ignoram que só em mãos individuais cabe o Belo e que só no

Belo cabe a invencível Simplicidade."587 O Belo como qualidade do Todo é

o verdadeiramente profundo, por sua vez o profundo é o mais simples. Na

obra criada pelo homem, sujeita ao seu desejo de criação, perfeito e

simples588 são a mesma coisa, "um único que tem estas duas faces e três

idades: exacta, bela e perfeita. Estas duas faces e estas três idades são as da

unidade sensível."589 O simples em si também é belo, na medida em que é

belo exacto e perfeito, portanto é útil590, o que pode verificar mediante a sua

transposição — simbólica — visual: "A diferença que o quadrado faz do

círculo onde está inscrito é a mesma que faz o exacto do belo, sendo o

quadrado o exacto e o círculo o belo; e a diferença que o círculo faz do

círculo e do quadrado juntos, é a mesma que o belo (o círculo) faz do

perfeito (o quadrado e o círculo circunscrito). De modo que o quadrado é o

585 Cf. Idem, ibidem, pp.182-183 para a visualização do mencionado acima. 586"A lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.184. Almada considerava que, numa perspectiva onto-antropológica: "O belo é, ultrapassado o cognoscível, o ideal perfeito que traz consigo o símbolo da vida e da harmonia na saúde, hoje, no presente, na actualidade da inseparabilidade eterna do sagrado e do sensível." 587Idem, ibidem, p.172. "É todo este estratagema invisível da Graça e do Génio , do Belo e da Simplicidade , o que torna possível à personalidade humana individual vencer o salto visível do abismo, estabelecer continuidade vital do finito para o infinito, do seu ser engendrado para a criação da sua própria personalidade humana individual, a criação da presença da sua própria liberdade pessoal. a única a Liberdade." 588Relativamente à qualidade de "simples", relacione-se com o âmbito que Edgar de Bruyne lhe reconhece ao tratar a questão no quadro da estética medieva, e que se pode transpor para a perspectiva de Almada, quando o filósofo refere que "la percepción da las relaciones más simples explica los placeres más profundos de la belleza: los primeros números son los que, reunidos en relaciones fundamentales que se proyectan en el tiempo y el mundo de los movimientos o en el espacio y en el mundo visible, crean todo aquello que llamamos consonancia, orden, coadaptación, concordia, acorde, armonía, belleza." Edgar de Bruyne, La Estetica de la Edad Media, p.71 A simplicidade é a profundidade, é a medida, é portanto qualidade constitutiva do próprio número. 589"Ver", Ver, p.43 590Ideia consentânea aos princípios da estética socrática.

163

exacto, o círculo o belo e o quadrado inscrito sendo, estes dois, os dois

primeiros Todos."591

Na estética hermética, a representação geométrica do Belo é o círculo —

símbolo da perfeição, do Todo. O quadrado inscrito, como se sabe,

representa o domínio do sensível, faz parte do sagrado, mas não o abrange na

totalidade, não cobre o círculo, embora sensível e sagrado sejam de essência

comum, na sua inseparabilidade permitida a distinção de cada um. O sensível

embora da mesma essência, não tem o idêntico poder dentro da mesma

essência: distingue-se o que é cognoscível592 ( o quadrado) e o que é

incognoscível (o círculo que excede o quadrado) está dentro do inteligível e

inseparável do cognoscível no uno. O círculo é, simultaneamente, o Todo, o

logos e o sensível, representando-se as três ocasiões do logos (o Bem, o

Belo e o Justo) através: do quadrado inscrito no círculo; da diferença que o

quadrado faz do círculo; do círculo — portanto cada uma das ocasiões está

representada pelo círculo, pelo que são quatro vezes o mesmo círculo: o

Todo e os três momentos diferentes do logos. O Todo é a unidade comum,

sendo anterior a cada uma das unidades constitutivas da unidade. Por sua

vez, estes elementos representam respectivamente:

— O conhecimento que está seguro no quadrado em referência ao Todo;

— O conhecimento que sobre o seguro do quadrado se adivinha já no Todo;

— O conhecimento do Todo.593

Em termos de representação, passando das figuras planas às sólidas, Almada

considera apenas a única figura simbolizadora do belo em unidade, ou seja, a

esfera que circunscreve um cubo, sendo a parte visível — no plano visual —

o círculo. Num único sólido estão contidos, o Belo e o Simples594, o

Profundo e o Perfeito, e o Exacto, Belo e Perfeito, ao que corresponde na

Filosofia, respectivamente, o Bem, Belo e Justo. O Bem, Belo e Justo são

conhecimento sensível. O Bem é anterior ao Belo, o Belo é anterior ao Justo,

e anterior ao Todo, apenas a Causa. A quinta unidade universal é cada caso

591"Ver", Ver, p.43 592O cognoscível é a aprendizagem, o andaime da obra, é o homem; o incognoscível é onde a obra está pronta, é o homem livre. No cognoscível está o exacto e no incognoscível, está o perfeito. Cf. Almada Negreiros, "A lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.186. 593Cf. "Ver", Ver, p.55 594"Chamamos Simples o que é visível na esfera e Profundo o que na esfera nos fica invisível. As ocasiões do logos , Bem, Belo e Justo, representado cada um pela esfera, tomando nesta cada momento retrospectivo, e considerando o que cada um a uma simultaneidade do Simples e do Profundo. O Bem, o Belo e o Justo é cada um simultaneamente Simples e Profundo." Almada Negreiros, "Ver", Ver, p.56.

164

pessoal — a Ocasião. A "Ocasião dá entrada no conhecimento sensível à

acção, portanto pessoal."595

Com este modo de tomar a parte visível da esfera e a visível mais a invisível, se estabelece a reciprocidade do Simples e do Profundo, exoteria e esoteria, e bem evidente fica ser o visível a única maneira de ir dominar o invisível.596

O belo é um terceiro momento do inteligível, sendo o primeiro o saber —

património comum do conhecimento do homem; o segundo é o

conhecimento propriamente dito — saber comum captado por cada

personalidade individual; o terceiro é o belo, vivido o saber e o

conhecimento, cumpre a catarsis. A catarsis do belo acontece é à terceira vez

que o homem nasce, por analogia veja-se o caso de Antunes, a primeira vez,

nasce pela mulher, a segunda vez, nasce graças à intervenção da maiêutica

(Sócrates) e finalmente, a terceira vez, dá-se ele próprio à luz, vivencia-se em

experiência estética. É a vez do nascimento sagrado.

Por conseguinte, o lógico (verdadeiro), o ético (bom), o estético (formoso) e o religioso (santo) são os universais da personalidade humana, iguais no sagrado, no sensível e no belo.597

Na unidade dos quatro, surge um quinto, que é o perfeito, concretizado pela

unidade dos oposicionais constitutivos: o sujeito e o objecto contrabalançam-

se em igualdade simétrica. O bom é igual ao mau; o verdadeiro é igual ao

falso; o formoso é igual ao feio; e o santo é o contrário exclusivo do herege.

De modo que, respectivamente, o ético, o lógico, o estético e o religioso têm

cada um quatro iguais — opostos —, três que vão completar a sua

personalidade no Uno e aquele que no Uno joga a sua própria personalidade

— o domínio do belo, o achado do belo. O Uno é a integridade do objecto e

a personalidade do sujeito; a integridade é precisamente "a diferença que

595"Ver", Ver, p.55 596Idem, ibidem, p.44. Almada apresenta a enunciação dos termos mencionados, segundo a visualização que segue: "A leitura sensível da esfera fica: A parte visível da esfera..................................Simples A esfera.......................................................Profundo O cubo invisível inscrito na esfera....................Exacto A parte visível da esfera..................................Belo A esfera........................................................Perfeito" 597"A lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.188

165

cada um faz do outro, de outros e de todos os objectos ou de outro, de outros

e de todos os sujeitos."598

A Beleza é a forma, é a multiplicidade unificada que o Todo exige. A

concepção de Beleza concordante com a postura estética de Almada tem de

ser uma Beleza assumidamente idealizada, baseada na aplicação do cânone,

configurando-se na superação formal das próprias coisas existentes que

transcende. A Beleza — em termos conceptuais reguladores da praxis

artística — implica a harmoniosa relação entre os elementos que se

encontram em relação, essa relação simples, exacta e perfeita, proveniente

dos primeiros números: a partir da relação estabelecida entre par-ímpar. Os

números ímpares são derivados da unidade, "son el princípio de la identidad,

de la indivisibilidad, de la simplicidad, de la igualdad, de la constancia, de lo

total y de lo viril, la dualidad y los números pares que de ella resultan, son el

principio de la multiplicidad, de la divisibilidad, de la composición, de la

variedad indefinida, de la fluidez, de la ligereza móvil, de lo feminino."599 A

quantidade subsumia-se na qualidade, e as formas belas são aquelas em que

esta ordem e harmonia se exigem em justa proporção e simples assunção dos

termos antitéticos para a unidade.

As relações imutáveis que Almada tanto procurou na demanda do seu

pitagorismo remanescente, garantiam-lhe a constância, a permanência do

sentido da relação que constituía a Beleza, na medida em que, esta Beleza se

fundava no mundo imaterial dos Números, mundo esse, cujos princípios são

da maior simplicidade e pureza, inundando tudo, de uma forma que depende

do facto do homem ter dupla dimensão sensível e sagrada — unidade

estética. A Beleza artística ultrapassa o mundo da beleza natural, da beleza

corporal, transcende igualmente a beleza moral, pois é beleza expressiva do

indivíduo pessoal humano, nascendo da sua vontade e através do acto

deliberado para criar. A Beleza é de ordem sensível, de ordem lógica e na

ordem estética que lhe conforma a unidade.

Almada não procurou estabelecer uma linha de anterioridade entre a estética,

relativamente ao lógico; em vez de estética ele afirmou o sensível como

anterior, em universalidade, criticando a pretensão do lógico pretender ter

antecedido a estética. "É claro, por conseguinte que se separa o "sensível" do

"estético", fazendo entre estas duas palavras a mesma distinção que fazem

598Idem, ibidem, p.187. A igualdade, segundo Almada a entendia era a oposição, oposição realizada entre iguais, que exige que não sejam contrários, mas opostos possíveis de estabelecer essa igualdade. 599Edgar de Bruyne, La Estetica de la Edad Media, p.72

166

alma do espírito. O "sensível" a alma, o "estético" o espírito. Ora a alma

pode viver sem espírito; o espírito é que não pode existir sem alma."600

Manifesta a concatenação entre os termos, antes do estético já existia o

sensível, pois "A Estética (em grego: sentir) já é uma ciência, a ciência do

sensível."601 Em Ciência não era necessário haver precedência, ou prioridade

de uma sobre outra, pelo que não se pode afirmar a prioridade do

conhecimento sensível relativamente ao lógico, coincidentes na tese primado

do visual, na história da humanidade, anterior à conceptualização da história.

600"Ver I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria", Ver, p.224 601Idem, ibidem, p.224

167

6. Conclusão I

Na actualidade perdem-se na disparidade conceptual as definições de Arte e

Estética; quase aguentam qualquer especulação, parcial e comprometida, sem

que a sua existência ou legitimidade sejam afectadas. Após quase um século

em que se inventaram princípios subjectivistas e se anularam dogmas e

ortodoxias — na theoreia e na praxis — sobre os discursos da Estética e

das Teorias sobre a Arte, a presente sistematização das ideias almadianas

sobre esta disciplina e sobre esta realidade, não soluciona de forma restritiva,

tudo o que, de outro modo, e por outra pessoa, poderia ser uma

sistematização alternativa, fundamentada, por sua vez, noutras convicções ou

princípios. As reflexões de Almada constituem um pensamento original,

devidamente consistente, de acordo com os parâmetros em que assimilou a

diversidade de explanações sistemáticas de outrém, conciliadas na

confirmação da sua tese basilar e rentabilizando todos os elementos que

contribuem para a enunciação da sua doutrina.

A organização dos elementos substanciais do pensamento de Almada sobre

Estética e Arte focam-se sempre na pessoa individual humana como

princípio estético; incidem em Ver como categoria estética. A sua Estética é

uma estética de predominância antropológica, edificada sobre uma

fundamentação filosófica complexa, herdeira legítima da tradição histórico-

filosófica europeia, a cujos autores Almada apreendeu o fundamento dos

fundamentos, designadamente, a tradição hermética ocidental.

Na fase de juventude, a Arte, segundo Almada Negreiros, pretendeu ser um

valor absoluto; personificou a manifestação e acto de ruptura, adequadas às

circunstâncias da época; entendeu-se meio de acção sobre a colectividade;

foi exercício privilegiado da elite intelectual. Almada ele-próprio

protagonizou o fenómeno artístico, realizou a performance pessoal como

acto artístico e a sua criação significou vivência estética subjectiva.

À intenção interventiva nos planos cultural e artístico, cedo agregou a

consciência ético-social de promover uma missão civilizadora, recuperadora

do sentido de colectividade nacional, do retorno ideológico à Pátria em

ascensão — que se efectuaria no reencontro do caso tópico português ao

tempo do século na Europa do Mundo. À semelhança da utopia futurista,

168

Almada ele-mesmo simbolizou na sua praxis poética e escatológica, a

assunção revitalizadora da Pátria mítica.

Depois, a Arte continuou a desempenhar a recuperação da identidade

nacional que a maturidade exigia de profunda e simbólica incorporação na

identidade pessoal, decorrente da presença do colectivo no universal. A Arte

foi convocada com um sentido de responsabilidade acrescido pelo

desencanto das movimentações artísticas específicas que, afinal, viam

exaurida competência e arrojo. À Arte pertencia a missão social que não

podia confundir-se com a submissão a valores e imposições alheias,

designadamente, por parte de convencionalismos intelectualistas ou

compromissos políticos que a afectassem. Para que a acção do artista

pudesse corresponder à nobreza da intenção, Almada esclareceu o

fundamento da sua própria actuação, enunciou-lhe os termos do seu

relacionamento à colectividade, impôs-lhe a consciência cívica e virtuosa

que a paideia implementara como directriz imprescindível à valorização do

homem na polis. Os círculos concêntricos expandiam-se e retraiam-se, em

sístole e diástole, entre a projecção para todos e o retorno a si mesmo, em

demanda da pessoa genuína — pelo acto e experiência estética, geradora da

obra —, capaz de concentrar esforço unânime na criação.

Depois ainda, tendo a Arte recuperou a consciência do domínio universal —

tal como na cosmogonia — pela demanda da Criação como Todo, Ordem e

Número, consignando-os princípios para o tempo presente, numa

modernidade que se vivificava no arcaico. Assim se explica que a Arte

possuísse o genuíno sentido do individuado no colectivo, assumisse um

significado estético perpetuado na comunhão visual — visível e invisível.

Possuia um significado universal baseado no princípio de continuidade do

humano que era e é da humanidade, permitindo o entendimento a todos.

O significado da continuidade no humano, sendo da competência de cada

um, revelado pela cegueira mítica de Homero depois de ter visto tudo —

equivalente à assunção e/ou desocultamento ontológico — apropriou-se e

fixou-se no estado de ingenuidade.

O conceito de individual/pessoal implicando o conceito de

humanidade/universal, incluía o conceito de nacionalidade radicado, por sua

vez, no significado da história. Corresponde esta concatenação, numa

perspectiva sistémica, não apenas à leitura diacrónica da definição de Arte

como Todo em Almada, mas igualmente à pragmática da própria definição, à

consentaneidade do artista-criador e do pensador sobre Arte e Estética.

169

Almada fez a síntese das "suas" referências da história da estética, situando o

seu paradigma na proximidade da estética platónica — e suas revisitações

neoplatônicas — que incorpora a estética do número (pitagorismo), a estética

da luz (teofania estética) e a estética do símbolo (mitificação estruturada).

Partindo deste pressuposto há que contrariar a vinculação dogmática, pois se

verifica que cada uma das três vertentes em Almada possui uma

circunstância inclusiva específica e capaz de autonomia, designadamente,

devido à superação dos símbolos para aceder ao sinal que se lhe apresentava

como a presença verdadeiramente constante na humanidade.

A categorização estética do Belo dirigia-se em Almada para a aceitação

nítida da concepção idealizada, superadora do Belo natural, pelo primado do

cânone como sinónimo de perfeição ideal. O Belo assim concebido,

implicava a consciência da unidade prevalecente, caracterizando a obra como

Todo. A conciliação manifesta na sua obra, traduziu-se na resolução de

diferentes termos antitéticos, por analogias sucessivas: par-ímpar, homem-

mulher, sagrado-sensível, religioso-estético…, resultando sempre na

apologia da unidade, perspectivando-se no domínio teleológico da Arte em

si. A Arte foi terreno fértil, porque sensível e sagrada, para manifestar a

conciliação das oposicionalidades existentes — em termos conceptuais e

praxísticos também — paradigma para a conciliação na pessoa, e pela

conciliação da pessoa, a conciliação do Humano. O conceito de pessoa

culmina no acto estético do desocultamento, propiciado pela Poesia como

Criação. A obra criada — constituidora da Arte — pertence ao Todo, realiza

a Unidade que é a Vida.

A compreensão que Almada promoveu acerca da Estética como disciplina

independente e una, incide na responsabilidade ética do artista para com o

público, promovendo-lhe a capacidade de experenciar-se no sentido estético,

quer do objecto artístico, quer pelas especulações teorizadoras. As

considerações mais exigentes, as que se lhe afiguravam imprescindíveis,

dirigiam-se a pessoas, ao público denominado que solicitava a sua recepção

estética. A ideia fundamental baseava-se, ao nível de uma semiótica visual,

na possibilidade de propiciar a interpretação do conhecimento e da

informação, a assunção de opiniões, latentes nas suas produções. Implicada a

dimensão sagrada em cumplicidade com a dimensão sensível, a produção da

obra de arte — icónica ou verbal — significava a continuidade e persistência

do acto; traduziu-se na primazia da acção sobre a passividade do humano,

em aparência e normatividade matriciais.

170

II

A reinvenção na contemporaneidade do século XX de ideias e utopias, —

crise humanista e contaminação estética —, aparentemente distanciadas da

factualidade mediática exacerbada pelos artistas mais avançados, veio

confirmar Almada como visionário no cenário português neste fim de século,

quando a tendência de pluralizar o entendimento geral e abranger em acto de

comunicação genuíno o Universo foi reencarnada em Mito, não apenas como

procedência, mas como impacto no contexto em que é vivificado no

presente.

A análise cíclica da História que Almada retomou para de ímpeto optimista

superar a crise da nacionalidade, garantia a comunicação entre as gerações

— a herança grega sedimentada pela vontade e intencionalidade invocadora

de deuses, heróis, números ou regras comuns da visão utopista do homem a

transcender-se na criação, na poesia. Almada, na plena vivência do saber

genuíno dos gregos, procedeu na conformidade às suas estratégias e

especulações, fundamentando-as em autores paradigmáticos e convenientes:

a ideia motriz que cumpriu à sua maneira, pela obra e pelo acto coincidia no

tempo presente com a Memória do Esquecimento. A topografia dos

paradoxos em Almada resolvia as asserções especulativas, recriando a

atitude do grego que "depois de descoberta a verdade vestia-a de símbolo,

brincava-a em enigma, e levava, genialmente este enigma com toda a Arte

até ficar com uma aparência oposta à evidência."602

Almada foi um decifrador de enigmas, e nos casos em que a evidência era

inquestionável, transformou-a em mistério, para lhe encontrar sinal comum

de entendimento. Daí a necessidade psicoafectiva do mito, a empatia com a

via iniciática que, do solipsismo convencional, se estendia à universalidade

da comunhão do artista como educador informal, desbravador de ideias para

os outros descobrirem.

O seu empenhamento ético articulou as disciplinas convocadas para a

elucidação dos seus dogmas pessoais com a missão educacional, porventura

pedagógica constante. Concretizou a sua actuação em asserções aforísticas,

fragmentárias e recorrentes. A natureza do seu discurso adequava-se mais à

gestualidade da comunicação pública da sua presença no social, do que o

602““Quem era Homero?”, Diário de Notícias, 16 Janeiro 1944

171

rigor e progressividade epistemológica, a racionalidade discursiva para a

expressão escrita sistematizadora.603 A impetuosidade e convicção das suas

teses, a reconversão do pensamento em função de uma pragmática estético-

antropológica movimentou-o numa construção permanente e interminável, à

semelhança da constância e continuidade que anunciava persistir na

humanidade de todos os tempos.

Nesse caminho, que disse ter percorrido quase toda a vida por símbolos,

esgotou-se e esgotou-os. Precisou experimentar a estabilidade da "perpétua

actualidade"; quis a constância que os símbolos, enquanto produtos epocais,

não garantem. A sua necessidade de fixação cronológica, universal,

transcendeu as restrições de época ou de história restrita; ou seja,

interessava-lhe a Humanidade, convocação unânime da Vida, interessava-lhe

o sinal, porque constante, porque transcendendo tempo, espaço e gente. O

sinal que encontrou, desvelado pela genuinidade, mais do que pela

ingenuidade, tinha expressão escrita e visual. Enquanto escrita, foi

enunciado de acordo com o Esquecimento e com a Memória, na doutrina

esotérica da Estética em ver. Enquanto visual, foi gravado, intocável nos

traçados geométricos, no número, que, segundo Kant — evocado por

Almada em Começar , por sua vez citado de Alain — cada um tem de

conceber por si mesmo para todos.

Os procedimentos investigativos a que recorreu para legitimar as suas

suspeitas, intenções ou certezas, não foram pacíficos em termos

metodológicos para os academicismos ortodoxos. O próprio Almada se

orgulhava — parece-me — de ser "o pior dos investigadores. E se eu tenho

algum mérito, é este: fiz uma "especulação"! Uma única!"604 A especulação,

como se sabe. fazia movimentar o conhecimento e a própria Humanidade no

Conhecimento — iniciático, hermético, preensivo ou ingénuo. Movimento

que não impedia a fixação deliberada, a instauração duma dimensão, de uma

ordem desocultadora da identidade que torna premente a criação: criação

múltipla que não se esgotou, numa ou outra forma de Arte, mas que via a

Arte como Todo, porque "o que me interessa é o espectáculo! Espectáculo

quer dizer Ver!"605

603O formato estilístico, de confronto com a textualidade plural, engendradora de uma lógica muito pessoal, manifesta na recursividade assumida, impregnava a emissão para outrém, incorporava-se no pensamento pelo excesso, pelos movimentos de retorno, pela progressão subvertida das ideias em processo. 604Almada citado por Manuel Varella in “O que me interessa é ver”, J.L., 6 Abril 1993 605Idem, ibidem

172

Porto, 24 Setembro 1997

I. Bibliografia Teórica

1.Bibliografia Geral

1.1. Livros ACTAS del XII Congreso Internacional de Estética, La Modernidad como Estética, Madrid, Instituto de Estética y Teoria del Arte, 1993 ALLEAU, René — A Ciência dos Símbolos, Lisboa, Ed. 70, 1976 APOLLINAIRE, Guillaume - Alcools, Paris, Gallimard, 1920 — Calligrammes, Paris, Gallimard, 1966 — Chroniques d'Art, Paris, Gallimard, 1960 — Les Peintres Cubistes, Paris, Ed. Hermann, 1965 ARGULLOL, Rafael — El fin del mundo como obra de arte, Barcelona, Ed. Destino, 1990 BENJAMIN, Walter — Sobre arte, técnica, linguagem e política, Lisboa, Relógio d'Água, 1992 BOZAL, Valeriano — Mímesis: las Imagenes y las Cosas, Madrid, Visor, 1987 BURGER, Peter et allie — Estetica de la Recepción, Madrid, Arco Libros, 1987 BURGER, Peter — Teoria da Vanguarda, Lisboa, Ed. Vega, 1993 BUTOR, Michel — Les Mots dans la Peinture, Paris, Flammarion, 1980 CALINESCU, Matei — Cinco caras de la Modernidad, Barcelona, Tecnos, 1991 CALVINO, Italo — Seis propostas para o próximo milénio, Lisboa, Teorema, 1990 CASSOU, Jean — Situação da Arte Moderna, Lisboa, Europa-América, 1965 CHALUMEAU, Jean — Histoire Critique de l'Art Contemporain, Paris, Klincksieck, 1994 CIORAN, E.M. — A Tentação de Existir, Lisboa, Relógio d'Água, 1988 COMPAGNON, Antoine — Les Cinq paradoxes de la Modernité, Paris, Seuil, 1990 COOPER, Douglas — La epoca cubista, Madrid, Alianza, 1984 CORETH, Emmerich — Qué es el hombre ?, Barcelona, Herder, 1980 DE MICHELI, Mario — Las Vanguardias del siglo XX, Madrid, Alianza, 1990 DÉOTTE, Jean-Louis — Le Musée, l'origine de l'Esthétique, Paris, l'Harmattan, 1993 DIDI-HUBERMAN, Georges — Devant l'Image, Paris, Minuit, 1990 DONDIS, D.A. - La Sintaxis de la Imagen, Barcelona, Gustavo Gili, 1973

173

DUCHAMP, Marcel — O Engenheiro do tempo perdido, Lisboa, Assírio & Alvim, 1990 DUFRENNE, Mikel — Esthétique et Philosophie, 3 vols., Paris, Klincsieck, 1980 — Fenomenologia de la Experiencia Estética, 2 vols., Valencia, Fernando Torres, 1987 DURROZOI, Georges — Surrealismo , Coimbra, Almedina, 1976 DUVE, Thierry de — Nominalisme Pictural - Marcel Duchamp, la peinture et la modernité., Paris, Ed. Minuit, 1984 ELDERFIELD, John — El Fauvismo, Madrid, Alianza, 1983 ELGAR, Dietmar — Expressionism, Koln, Taschen, 1994 FAUCHERON, Serge — Kasimir Malévitch, Paris, Cercle d'Art, 1991 FERRY, Luc — Homo aestheticus, Paris, Grasset, 1990 FINEBERG, Jonathan — Art since 1940 - strategies of being, London, Laurence King, 1995 GIL, José — Metamorfoses do Corpo, Lisboa, A Regra do Jogo, 1980 — O Espaço Interior, Lisboa, Presença, 1993 GIVONE, Sergio — Historia de la Estética, Barcelona, Tecnos, 1990 GOLDING, John — Le Cubisme, Paris, Livre de Poche, 1965 GOMEZ de la SERNA, Ramón — Una teoria personal del Arte, Barcelona, Tecnos, 1988 HARRISON, Charles e WOOD, Paul (Edit.) — Art in Theory 1900-1990 - An Anthology of changing ideas, Oxford, Blackwell, 1992 HUXLEY, Francis —L'Oeil - Mythes et Métamorphoses, Paris, Ed. du Seuil, 1990 Il Futurismo , Milano, Fratelli Fabbrizi, 1970 JAUSS, Hans Robert — Las Transformaciones de lo Moderno, Madrid, Visor, 1995 JIMÉNEZ, José — Imagénes del hombre - fundamentos de Estetica, Barcelona, Tecnos, 1992 — Cuerpo y tiempo - la imagen de la metamorfosis, Barcelona, Destino, 1994 LE BRETON, David — Anthropologie du Corps et Modernité, Paris, PUF, 1990 MARCHÁN-FIZ, Simón — Contaminaciones Figurativas, Madrid, Alianza, 1986 — La estética en la Cultura Moderna, Madrid, Alianza, 1987 MARINETTI, F.T. — Manifiestos y Textos Futuristas, Barcelona, Ed. del Cortal, 1978 MERLEAU-PONTY, Maurice — Le Visible et l'Invisible, Paris, Gallimard, 1964 — Phénoménologie de la Perception, Paris, Gallimard, 1945 — Sens et Non-Sens, Paris, Nagel, 1966

174

MONDRIAN, Piet — La Nueva Imagen en la Pintura, Murcia, Consejeria de Cultura y Educación de la Comunidad Autonoma, 1983 MOUNIER, Emmanuel — O Personalismo, Lisboa, Moraes Ed., 1970 PAZ, Octavio - Los Hijos del Limo, México, Espasa-Calpe, 1993 READ, Herbert — La Escultura en el siglo XX, Barcelona, Destino, 1992 RENAUD, Alain — La Era del Individuo, Barcelona, Ed. Destino, 1993 REVERDY, Pierre — Nord-Sud, Self-Defence et autres écrits sur l'Art et la Poèsie - 1917-1926, Paris, Flammarion, 1975 — Le Gant de Crin, Paris, Flammarion, 1968 RILKE, Rainer Marie — Cartas a um jovem poeta, Lisboa, Contexto, 1994 ROCHLITZ, Rainer — Subversion et Subvention - Art contemporain et argumentation esthétique, Paris, Gallimard, 1994 RORTY, Richard — Contingência, Ironia e Solidariedade, Lisboa, Presença, 1992 STAGOS, Nikos — Conceptos de arte moderno, Madrid, Alianza, 1991 STAROBINSKY, Jean — Portrait de l'Artiste en Saltimbanque, Paris, Flammarion, 1970 STEINER, George — Presenças Reais, Lisboa, Presença, 1993 Traverses, nº 1 (1992), Paris, C.Georges Pompidou TRIAS, Eugenio — Lógica del Limite, Barcelona, Ed. Destino, 1991 VALIER, Dora — L'Intérieur de l'Art, Paris, Seuil, 1982 Via Latina, nº 3 (1991), Coimbra VALVERDE, José Maria — Breve Historia y Antologia de la Estética, Barcelona, Ariel, 1995 VOGT, Paul — Der Blaue Reiter, Barcelona, Blume, 1980 VV. — El Arte del Siglo XX - 1900-1940, 2 vols., Madrid, Salvat, 1990 VV. — Histoire d'un Art - La Sculpture - L'Aventure de la Sculpture Moderne - XIX è et XXè. siècles, Paris, Skira, 1986 VV. — L'Art Contemporain en question, Paris, Jeu de Paume, 1994 WINGLER, Hans M.— La Bauhaus; Weimar, Dessau, Berlin, 1919-1933, Barcelona, Gustavo Gili, 1980 WITTGENSTEIN, Ludwig — Lecciones y Conversaciones sobre estetica, psicologia y creencia religiosa, Barcelona, Paidós, 1992 WUNENBURGER, Jean-Jacques — L'Utopie ou la crise de l'imaginaire, Paris, Jean-Pierre Delarge, 1979 YOURCENAR, Marguerite — O tempo, esse grande escultor, Lisboa, Difel, 1984

1.2. Catálogos — Berlin - Moskou 1900 - 1950, Berlin, Prestel, 1995 — Escultura española do seculo vinte (pequeno formato), Santiago de Compostela, Consorcio da cidade de Santiago de Compostela, 1994 — Gargallo - exposició del centenari, Barcelona, Ajuntament de Barcelona, 1981

175

— Identity and Alterity, Venezia, 46. Esposizione Internazionale d'Arte, Marsilio, 1995 — Maillol, Barcelona, Fundació La Caixa de Pensions, 1979

I. Bibliografia Teórica

2. Fundamentação em/de Almada Negreiros

2.1. Artigos CRUZ, Mª Teresa — "Arte, Mito e Modernidade", Revista de Comunicação e Linguagens, "Moderno, Pós-Moderno", nºs.6-7, Centro de Estudos de Comunicação e Linguagem, 1988 LAMBERT, Mª de Fátima — "Aproximações a uma definição da educação estética e da formação de gosto", Revista Portuguesa de Filosofia - Filosofia e Educação II, Braga, Janeiro-Junho - Tomo XLIX, 1993, Fascs.1-2. MOURÃO, José Augusto — "O trabalho da figura: metamorfose/anamorfose", Revista de Comunicação e Linguagens, "Figuras", nº 20, Lisboa, Cosmos, 1994

2.2. Livros ALBERTI, Léon-Battista — Sobre la Pintura, Valencia, Fernando Torres, 1976 ANNATI, Emmanuel — Les Origines de l’Art - formation de l’esprit humain, Paris, Albin Michel, 1989 APULEIO — O Asno de Ouro, Lisboa, Publicações Europa-América, 1990 ARISTÓTELES — Metafísica, Coimbra, Atlântida, MCMLXIX — El Arte Poética, Madrid, Espasa-Calpe, 1979 ARNALDO, Javier — Fragmentos para una teoria romántica del Arte - Novalis, F. Schiller, Schlegel,..., Barcelona, Tecnos, 1987 ARNHEIM, Rudolf — Visual Thinking, Berkeley, University of Calofornia Press, 1969 BOSANQUET, Bernard — Historia de l'Estetica, 2 vols., Barcelona, Edicions 62, 1986 CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain — Dictionnaire des Symboles, Paris, Robert Laffont, 1969 COPLESTON, Frederick - Nietzsche, filósofo da Cultura, Porto, Tavares Martins, 1979 DE BRUYNE, Edgar — La Estetica de la Edad Media, Barcelona, Tecnos, 1994 DELACROIX, Eugène — El puente de la Visión, Barcelona, Tecnos, 1987 ECO, Umberto — Arte e beleza na Estética medieval, Lisboa, Ed. Presença, 1989

176

DIDEROT, Denis — Pensamientos sueltos sobre la pintura, Barcelona, Tecnos, 1988 ELIADE, Mircea — Images et symboles, Paris, Gallimard, 1952 ÉSQUILO — Prometeu Agrilhoado, Lisboa, Ed. 70, 1992 FREUD, Sigmund — Obra Completa, vol. XIII, Rio de Janeiro, Ed. Imago, s/d. FOCILLON, Henri — La vida de las Formas y Elogio de la mano, Barcelona, Xarait, 1983 GHYKA, Matila — Esthétique des Proportions dans la Nature et dans les Arts, Paris, Editions du Rocher, 1927 — Le Nombre d’Or, Paris, Gallimard, 1959 GOETHE — Écrits sur l’Art, Paris, Flammarion, 1996 — Fausto, tradução de Agostinho d'Ornelas, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1953 — Prometeu - Fragmentos de Juventude, trad. e prefácio de Paulo Quintela, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1955 GRACIÁN, Baltasar — Agudeza y Arte de Ingenio, Madrid, Espasa-Calpe, 1974 —A Arte da Prudência - oráculo manual, Lisboa, Planeta, 1994 GRAVES, Robert — Os Mitos Gregos, 3 vols, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1990 GUBERN, Román — La Mirada Opulenta, Barcelona, Gustavo Gili, 1992 HEGEL, G.W.F. — Esthétique, Paris, Flammarion, 1979 HEIDEGGER, Martin — Introducción a la Metafísica, Buenos Aires, Editorial Nova, s/d. — Introduction à la Métaphysique, Paris, Gallimard, 1967 — A Origem da Obra de Arte, Lisboa, Ed. 70, 1989 HERMÈS TRIMÉGISTE — Le Grand Texte Iniciatique de la Tradition Occidentale, Paris, Sand, 1996 HESS, Walter — Documentos para a compreensão da pintura moderna, Lisboa, Bertrand, s/d. HOLANDA, Francisco de — Da Pintura Antiga, Lisboa, INCM, 1984 — Diálogos em Roma, Lisboa, Livros Horizonte, 1984 HOMERO — A Ilíada, Lisboa, Europa-América, 1988 — A Odisseia, Lisboa, Europa-América, 1990 HUME, David — Les Essais esthétiques II - Art et Psychologie, Paris, J.Vrin, 1974 HUYGHÉ, René — A Arte e a Alma , Lisboa, Livraria Bertrand, 1960 — Diálogo com o visível, Paris, Livraria Bertrand, 1994 — El Arte y el Hombre, vol. 1, Paris, Larousse (ed. espanhola), 1966

177

JASPERS, Karl — A Situação espiritual do nosso tempo, Lisboa, Moraes Ed., 1968 JOLIVET, Régis — As Doutrinas Existencialistas, Porto, Livraria Tavares Martins, 1975 JUNG, Carl G. — O Homem e seus Símbolos, Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1987 — Psychologie de l'inconscient, Paris, Georg Ed., 1952 KANT, Emmanuel — Critique de la Faculté de Juger, Paris, J. Vrin, 1989 KIRK, G.S. et allie — Os Filósofos pré-socráticos, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1994 KLEE, Paul — Écrits sur l’Art - La pensée créatrice, vol. 1, Paris, Dessain & Tolra, 1977 — On Modern Art, London, Faber&Faber, 1979 — Théorie de l’Art Moderne, Paris, Denoël-Gonthier, 1985 MARITAIN, Jacques — L’Intuition Créatrice dans l’Art et dans la Poèsie, Paris, Desclée De Brouwer, 1966 NIETZSCHE — A Gaia Ciência, Lisboa, Guimarães Ed., 1977 — A Genealogia da Moral, Lisboa, Guimarães Ed., 1980 — Assim falava Zaratustra, Lisboa, Guimarães Ed., 1980 — Ditirambos de Diónisos, Lisboa, Guimarães Ed., 1993 — Ecce-Homo, Lisboa, Guimarães Ed., 1979 — O Anti-Cristo, Lisboa, Guimarães Ed., 1978 — Origem da Tragédia, Lisboa, Guimarães Ed., 1978 — Para além do bem e do mal, Lisboa, Guimarães Ed., 1978 ORTEGA y GASSET, José de — La Deshumanización del Arte, Madrid, El Arquero, 1976 PACIOLI, Luca - La Divina Proporción, Madrid, Akal, 1991 PANOFSKY, Erwin — Idea - contribución a la historia del arte, Madrid, Cátedra, 1989 — La perspectiva como forma simbolica, Barcelona, Tusquets, 1985 PLATÃO — A República, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983 — Fédon, Coimbra, Atlântica, 1975 — Fedro, Lisboa, Guimarães Ed., 1989 — Hípias Menor, Lisboa, INIC, 1990 — Íon, Lisboa, Inquérito, 1992 — Ménon, Lisboa, Inquérito, s/d. — O Banquete, Lisboa, Europa-América, 1977 — Sofista, Político, Filebo, Timeu, Crítias, Lisboa, Europa-América, s/d. PLINIO — Textos de Historia del Arte, Madrid, Visor, 1987 SANTO AGOSTINHO — Confissões, Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1977 SCHILLER, Friedrich — Poèsie Naïve et Poèsie Sentimentale, Paris, Aubier, s/d.

178

— Sobre Educação Estética, Herder, S.Paulo, 1963 — Escritos sobre estética , Barcelona, Tecnos, 1991 SÉCHAN, Louis — Le mythe de Prométhée, Paris, PUF, 1951 SCHLOSSER, Julius — La Littérature Artistique, Paris, Flammarion, 1984 SÓFOCLES — Antígona - Ajax - Rei Édipo, Lisboa, Verbo, s/d. SOLANA, Guíllermo et allie — Historia de las Ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, Madrid, Visor, 1996, 2 vols. TATARKIEWICZ, Wladislaw — Historia de la Estetica, vols.I, II y III, Madrid, Akal, 1990 — Historia de seis ideas, Barcelona, Tecnos, 1992 TEYSSEDRE, B. — La Estética de Hegel, Buenos Aires, Ed. Siglo XX, 1974 TROUSSON, Raymond — Prometeu na Literatura, Porto, Rés Ed., s/d. VICO, Giambatistta — Science Nouvelle, Paris, Gallimard, 1993 VINCI, Leonardo da — Aforismos, Madrid, Espasa-Calpe, 1965 VOLTAIRE — L’Ingénu - Micromegas, Paris, Bordas, 1980 — Cândido, Lisboa, Europa-América, 1973 VV . — Annuario do Collegio de Maria SS.mº Immaculada em Campolide, nºs de 1900-1901 a 1909-1910 — O Livro d' Ouro dos Alumnos do Collegio de Campolide - 1849-1903, Colégio de Campolide, 1903 — "O Nosso Colégio" - 1904-1905, Colégio de Campolide, 1905 — "O Nosso Colégio" - 1905-1906, Colégio de Campolide, 1906 — "O Nosso Colégio" - 1906-1907, Colégio de Campolide, 1907 — "O Nosso Colégio" - 1908-1909, Colégio de Campolide, 1909 — "O Nosso Colégio" - 1909-1910, Colégio de Campolide, 1910

3. Bibliografia sobre Arte e Literatura Portuguesas 3.1.Artigos

ACCIAUOLI, Margarida — "A Exposição de 1940: ideias, críticas e vivências", Colóquio (Artes), nº87, Dezembro 1990, pp.18-27 AMADEO — "A Arte Novíssima do Desenho", Ilustração Portuguesa, Dezembro 1912, pp.852-854 BACARISSE, Pamela — "Mário de Sá-Carneiro: a imagem da Arte", Colóquio (Letras), nº75, Dezembro 1983 CALVET, Carlos - "Matemática e Simbologia", Colóquio (Artes), nº 85, Junho 1990, pp. 12-24 — "Mitogeometria de Portugal", Colóquio (Artes), nº101, Junho 1994, pp. 26-35

179

COELHO, Nelly Novaes — Linguagem e ambiguidade na ficção portuguesa contemporânea", Colóquio (Letras), nº12, 1973, pp. 68-74 COLÓQUIO (Letras) — Modernismo e Vanguarda, Cadernos nº 2, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984 CRUZ, Liberto — "Viragem no romance português", Arquivos do Centro Cultural Português , vol. III, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1971, pp.616-632 GARCIA, Mário — "A Arte de ser português de Teixeira de Pascoaes", Brotéria, vol.119, nº23, 1984, pp. 164-180 JÚDICE, Nuno — "Entre o Modernismo e a Modernidade", Expresso, 6 Fevereiro 1993 LISTOPAD, Jorge — "Futurismo Póstumo", J.L., 17 a 23 Julho 1984 LOPES, Teresa Rita — "Pessoa, Sá-Carneiro e as três dimensões do Sensacionismo", Colóquio (Letras), nº 4, 1971 PICCHIO, Luciana Stegano — "Marinetti et le Futurisme mental des portugais", La Méthode Philologique - I - La Poèsie, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, pp.305-331 RODRIGUES, Angela Varela — "O poema em prosa na literatura portuguesa", Colóquio (Letras), nº56, 1980, pp. 23-34 SÁ, Cristina Manuela — "Modernismo, Orpheu, Presença e outros...", Porto, Letras & Letras, 7 Abril 1993 SANTOS, Carlos Oliveira — "Petrus: por dentro do século", J.L., ano IV, nº90 - 27.03. a 02.04. 1984 SARAIVA, Arnaldo — Encontro dos encontros, Porto, Paisagem ed., 1973 (artigo publicado no Jornal do Fundão)

3.2. Livros e Catálogos ACTAS do Colóquio Fernando Pessoa e a Europa do séc. XX, Porto, Fundação de Serralves, 1991 ACTAS do 1º Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, Porto, Centro de Estudos Pessoanos e Brasília ed., 1979 ACTAS do 2º Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, Porto, Centro de Estudos Pessoanos e Brasília ed., 1985 ACTAS do IV Congresso Internacional de Estudos Pessoanos - secção brasileira, I e II vols., Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1990 ALMEIDA, Bernardo Pinto de — Pintura Portuguesa no século XX, Porto, Lello&Irmãos, 1993 ALVARENGA, Fernando — A Arte Visual Futurista em Fernando Pessoa, Lisboa, Ed. Notícias, 1984 — A Socialização da Arte em Fernando Pessoa, Porto, Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 1984 ALVES, José da Felicidade — Introdução ao Estudo da Obra de Francisco de Holanda, Lisboa, Livros Horizonte, 1986

180

ALVES das NEVES, João — O movimento Futurista em Portugal, Porto, Divulgação, 1966 AMARANTE, Eduardo — Portugal Simbólico, Lisboa, Nova Acrópole, 1991 BALTÉ, Teresa — Hein Semke - A coragem de ser Rosto, Lisboa, INCM, 1989 BARATA, José Oliveira — História do Teatro Português, Lisboa, Universidade Aberta, 1991 BLANCO, José — Fernando Pessoa, esboço de uma Bibliografia, Lisboa, INCM e CEP, 1983 CHAVES, Joaquim Matos — Santa-Rita - Vida e Obra, Lisboa, Quimera, 1989 COSTA BARRETO (Ed.) — Estrada Larga, 3 vols., Porto, Porto Ed., s/d. CRUZ, Duarte Ivo — Introdução ao Teatro Português, Lisboa, Guimarães Ed., 1983 — Introdução ao Teatro Português do século XX, Lisboa, Espiral, s/d FERNANDES, José Manuel — Arquitectura Modernista em Portugal, Lisboa, 1993 FRANÇA, José-Augusto — António Pedro, Lisboa, Artis, 1970 —A Arte em Portugal no século XX, Lisboa, Bertrand, 1985 — A Arte e a sociedade portuguesa no séc. XX, Lisboa, Livros Horizonte, 1980 — Amadeo de Souza-Cardoso, Lisboa, Ed. Inquérito, 1972 — Amadeo de Sousa-Cardoso, Lisboa, Artis, 1960 — Cem Exposições, Lisboa, INCM, 1982 — Da Pintura Portuguesa, Lisboa, Ática, 1960 — Eduardo Viana, Lisboa, Artis, 1969 — O Modernismo na arte portuguesa, Lisboa, INCM, 1980 — Oito Ensaios sobre Arte Contemporânea, Lisboa, Europa-América, 1967 — Os Anos vinte em Portugal, Lisboa, Presença, 1993 — Os quadros da Brasileira, Lisboa, Artis, 1973 — Pintura Portuguesa Abstracta em 1960, Lisboa, Artis, 1960 — O retrato na Arte Portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 1981 — Situação da pintura portuguesa, Lisboa, Ática, s/d. GARCIA, Mário — Teixeira de Pascoaes, Braga, Livraria Cruz, 1976 GOMES, A.Sousa — O Simbolismo no Políptico de Nuno Gonçalves, Lisboa, Imprensa Moderna, 1932

181

GONÇALVES, Rui Mário — Arte Portuguesa 1992, Köln, Vista Point Verlag, 1992 — 100 Pintores Portugueses do século XX, Lisboa, Pub. ALfa, 1986 — Pintura e Escultura em Portugal, Lisboa, INCM, 1983 GUIMARÃES, Fernando — Conhecimento e Poesia, Porto, Oficina Musical, 1992 — Linguagem e Ideologia, Porto, — Os Problemas da Modernidade, Lisboa, Presença, 1993 — Simbolismo, Modernismo e Vanguardas, Lisboa, INCM, 1982 LAMBERT, Mª de Fátima — Acerca das tendências da Escultura portuguesa actual, Stª Mª da Feira, Museu Municipal, 1996 LOPES, Óscar e SIMÕES, João Gaspar — História da Literatura Portuguesa III, Lisboa, Estúdios Côr, 1973 LOURENÇO, Eduardo — Fernando Pessoa revisitado, Lisboa, Moraes ed., 1981 MACEDO, Diogo de — Amadeo Modigliani e Amadeo de Souza-Cardoso, Lisboa, Panorama, 1959 MARINHO, Mª de Fátima — O Surrealismo em Portugal, Lisboa, INCM, 1987 MENDES, João — Literatura Portuguesa IV, Lisboa, Verbo, 1979 MENDES, Manuel — Francisco Smith, Lisboa, Artis, 1962 — Jorge Barradas, Lisboa, Artis, 1962 NEVES, João Alves das — O movimento futurista em Portugal, Lisboa, Livraria Divulgação, 1966 PAES, Sellés — Da Arte moderna em Portugal, Lisboa, Panorama., 1962 PAMPLONA, Fernando — A Chave da Pintura de Amadeo de Souza-Cardoso, ideias estéticas de Amadeo de Souza-Cardoso através das suas Cartas inéditas, Lisboa, Guimarães Ed., 1983 PEREIRA, Paulo — História da Arte Portuguesa, vol. 3, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995 PERNES, Fernando — Emmérico Nunes, Lisboa, Galeria Espaço, 1973 PESSOA, Fernando — Livro do Desassossego, 2 vols., Lisboa, Ática, 1982 — Obras em Prosa, Rio de Janeiro, Ed. Aguilar, 1982 — Páginas de Doutrina Estética, Lisboa, Ed. Inquérito, 2ªedição, s/d. — Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literária, Lisboa, Ática, 1973 — Páginas Íntimas e de auto-interpretação, Lisboa, Ática, 1966 — Textos de Crítica e de Intervenção, Lisboa, Ática, 1980

182

— Textos Filosóficos, 2 vols., Lisboa, Ática, 1968 PINA COELHO, António — Os Fundamentos Filosóficos na Obra de Fernando Pessoa, 2 vols., Lisboa, Verbo, 1971 PORTELA, Artur — Salazarismo e artes plásticas, Lisboa, INCM, 1982 REBELO, Luiz Francisco — História do Teatro Português, Lisboa, Europa-América, — O Teatro Simbolista e Modernista, Lisboa, ICP, 1979 RÉGIO, José — Páginas de doutrina e crítica da "Presença", Porto, Brasília Ed., 1977 — Pequena História da Moderna Poesia Portuguesa, Porto, Brasília Ed., 1976 RIVAS, Pierre et allie — Pessoa, Poète Pluriel, Paris, Centre Georges Pompidou, 1985 ROCHA, Clara — Revistas Literárias em Portugal, Lisboa, INCM, 1985 SÁ-CARNEIRO, Mário de — Cartas a Fernando Pessoa, 2 vols., Lisboa, Ática, 1978 SAIAL, Joaquim — Estatuária portuguesa dos anos 30 (1926-1940), Lisboa, Bertrand, 1991 SASPORTES, José — História da Dança em Portugal, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1970 — Pensar a dança - a reflexão estética de Mallarmé a Cocteau, Lisboa, INCM, 1983 SEABRA, José-Augusto — Le Retour des Dieux - Manifestes du Modernisme Portugais - Fernando Pessoa, Paris, Ed. Champs Libre, 1973 SENA, Jorge de — Régio, Casais e a Presença e outros afins, 1977 SIMÕES, João Gaspar — História da Poesia Portuguesa do século XX, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1959 — José Régio e a História do movimento da "Presença", Porto, Brasília Ed., 1977 — Retratos de poetas que conheci, Porto, Brasília Ed., 1974 SUMMA ARTIS — Arte Portugués (José-Augusto França), vol. XXIII, Madrid, Espasa-Calpe, 1991 TABUCCHI, António — Pessoana Mínima, Lisboa, INCM, 1984 TEIXEIRA, F.A.Garcez — "O Significado dos Painéis de S.Vicente", Lisboa, ed. "Amigos do Museu", s/d. VV. — Cruzeiro Seixas, Lisboa, Soctip, 1989 VV. — Os Modernistas Portugueses - Escritos públicos, proclamações e manifestos - Textos Universais, Porto, CEP, s/d. VV. — Poesia Futurista Portuguesa (Faro 1916-1917), prefácio de Nuno Júdice, Lisboa, A Regra do Jogo, 1981

3.3. Catálogos

183

— Alternativa Zero, Lisboa, 1977 — Amadeo de Sousa-Cardoso, Catálogo da Exposição, Porto, Fundação de Serralves, 5 Março/19 Abril 1992 — Amadeo de Souza-Cardoso - "A 1ª Descoberta de Portugal na Europa do século XX", Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, C.A.M., 1983 — Anos de ruptura - uma perspectiva da arte portuguesa nos anos 60, (Vol. Artes Plásticas), Lisboa, Livros Horizonte, 1994 — António Dacosta, Porto, Fundação de Serralves, 1989 — Arte Portuguesa Anos Quarenta, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984 — Arte Portuguesa dos Anos 50, Beja, Fundação Calouste Gulbenkian, 1992 — Art Portugais - Peinture et Sculpture du naturalisme à nos Jours, Paris, Centre Culturel de la Fondation Calouste Gulbenkian, 1968 — 15 Desenhos, Porto, Galeria Alvarez, 1973 — Domingos Alvarez, Lisboa, INCM, — Eduardo Viana - exposição retrospectiva da obra, Lisboa, SNI, 1968 — Eduardo Viana, Catálogo da Exposição, Porto, Fundação de Serralves, 5 Março/19 Abril 1992 — Ernesto de Sousa - Itinerários, Porto, Casa de Serralves, 1987 — Jorge Vieira, Lisboa, Museu do Chiado, 1995 — Jorge Vieira, Porto, Galeria Nasoni, 1986 — Modernismo in Portogallo 1910-1940 - Arte e società nel tempo di Fernando Pessoa, Firenze, Leo S. Olschki Editore, 1997 — Os XX Dessins, Osvaldo de Sousa, Comissão Regional de Turismo da Serra do Marão, 1983 — Portuguese Art since 1910, London, Royal Academy of Arts, 1978 — Sonia e Robert Delaunay em Portugal e seus amigos, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1972 — Um ano de desenho - 4 poetas no Metropolitano de Lisboa - Pomar, Lisboa, C.A.M., 1984 — XX Dessins por Amadeo de Souza-Cardoso, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983

3.4. Revistas Portuguesas da Modernidade

— Athena, Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1983 — Contemporânea, Ed. Facsimilada, vol. I, nºs. 1,2,3 e vol. II, nºs. 4,5,6, Lisboa, Contexto Ed., 1984-85 - vol. III, nºs. 7,8,9, Lisboa, Contexto Ed., 1986 - vol.IV, nº 10, Lisboa, Contexto Ed., 1992 — Centauro, Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1982 — Exílio, Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1982 — Orpheu 1 - Reedição, Lisboa, Ática, s/d. — Orpheu 2 - Reedição, Lisboa, Ática, s/d. — Orpheu 3 - Lisboa, Ática, 1984

184

— Orpheu 3 - Porto, Ed. Nova Renascença, 1984 — Presença, 3 vols., Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1993 — Portugal Futurista, Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1981 — Revista Portuguesa, 2 vols., Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1983

II . José de Almada Negreiros

1. Bibliografia activa 1.1. Obras Completas

— Artigos no Diário de Lisboa, Obras Completas, vol. III, Lisboa, INCM, 1988 — Contos e Novelas, Obras Completas, vol.1, Lisboa, Estampa, 1970 — Contos e Novelas, Obras Completas, vol. IV, Lisboa, INCM, 1989 — Ensaios, Obras Completas, vol.5, Lisboa, Estampa, 1971 — Ensaios, Obras Completas, vol. V, Lisboa, INCM, 1990 — Nome de Guerra, Lisboa, INCM, 1986 — Poesia, Obras Completas, vol.4, Lisboa, Estampa, 1971 — Poesia, Obras Completas, vol. I, Lisboa, INCM, 1984 — Romance - Nome de Guerra, vol. 2, Obras Completas, Lisboa, Estampa, 1971 — Teatro , Obras Completas, vol.3, Lisboa, Estampa, 1971 — Teatro, Obras Completas, vol. VII, Lisboa, INCM, 1993 — Textos de Intervenção, Obras Completas, vol.6, Lisboa, Estampa, 1972 — Textos de Intervenção, Obras Completas, vol.VI, Lisboa, INCM, 1993

1.2. Livros, Artigos, Catálogos Antologia de Vanguarda - 4 Autores da novela portuguesa contemporânea (Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Manuel Lima, Luís Pacheco), s/l., Ed. Afrodite, s/d. — A Chave diz: Faltam 2 tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves, Lisboa, Livraria Sá da Costa, s/d. — A Engomadeira - novela vulgar lisboeta, Lisboa, Ed. autor, 1917 — "Amadeo de Souza-Cardoso", Lisboa, Catálogo da Exposição S.N.I., 1959 — Antes de Começar, Lisboa, Centro Universitário de Lisboa, 1965 (sob orientação do Fernando Amado) — Antes de Começar, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984 — "Assim fala Geometria", Lisboa, Diário de Notícias, 9.6.; 16.6.;23.6.;30.6.;7.7.; 14.7.; 21.7.; 28.7.1960 — "Aveiro - 1ªs impressões", Porto, Letras & Letras, 7 abril 1993

185

— "As 10 primeiras gravuras riscadas em vidros acrílicos", Lisboa, Coop. Gravura, 1952 — Deseja-se Mulher, Lisboa, Verbo, 1959 — "Deseja-se Mulher" - último acto, Tempo Presente, nº3, Julho 1959, pp. 57-68 — Direcção Única, Lisboa, UP, 1932 — "Elogio da Ingenuidade ou as desventuras da Esperteza Saloia", Revista de Portugal, nº 5, Coimbra, Out. 1938 — Nome de Guerra, Lisboa, Ed. Europa, 1936 — Nome de Guerra, Lisboa, Ed. Livros RTP, 1972 — Nome de Guerra, Lisboa, Ed. Círculo de Leitores, 1987 — "O Salão de Arte Moderna - Resposta aos Críticos", Lisboa, Diário de Lisboa, 24.12.1932 — "O Tio", Revista de Portugal, nº 1, Coimbra, Out. 1937 — Orpheu 1915-1965, Lisboa, Ática, 1965 — Pierrot e Arlequim, Lisboa, Portugália, 1924 — "Presença", Bicórnio, Abril 1952 — Ver, Lisboa, Arcádia, 1982 — 12 Desenhos de Almada Negreiros, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/C.A.M., 1984 — Ilustrações de Primavera da Lenda de Joaquim Manso, Lisboa, Ática, 1938 — Ilustrações de O Pórtico e a Nave, Lisboa, Ática, s/d — "O Jardim de Pierrette", Lisboa, ed. de Autor, 1918 — Os desenhos de Almada no Diário de Lisboa, (Coord. António Rodrigues), Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1993 — Os desenhos de Almada n'O Sempre Fixe, (Prefácio de José-Augusto França) Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984 — Prefácio a Um Homem de Barbas de Manuel de Lima, Lisboa, s/ed., 1944 — Sudoeste, Cadernos de Almada Negreiros, Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1982

1.3. Inéditos

— "História Verde (autentica)", manuscrito datado de Lisboa, 5 Maio de1921 — "O Pierrot que nunca ninguém soube que houve", manuscrito datado de Lisboa, 22 Março 1922

2. Bibliografia Passiva 2.1. Universitária

2.1.1. Dissertações de Licenciatura

186

PEREIRA PORTAS, Mª do Carmo — A Obra literária de Almada Negreiros - Esboço de um Estudo; Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1965 SILVA, Mª Manuela E. Ferraz da — José de Almada Negreiros - sua posição histórico-literária, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1967

2.1.2. Dissertações de Mestrado SILVA, Celina — Da Histoire du Portugal par Coeur - ao encontro da Ingenuidade, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1986

2.1.3. Dissertações de Doutoramento COLOMBINI, Duílio — Almada Negreiros (síntese da tese de doutoramento), F.F.L.C.H. da Universidade de S.Paulo, 1978 QUADROS FERREIRA, António — Painéis das gares Marítimas de Lisboa - Análise e recepção da Modernidade em Almada Negreiros, Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1993 SAPEGA, Ellen W. — Ficções Modernistas - Um estudo da obra em prosa de José de Almada Negreiros 1915-1925, Lisboa, INCM, 1992 SILVA, Celina — Almada Negreiros - a busca duma poética da ingenuidade, Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1993

2. 2. Outra

2.2.1. Periódicos ACCIAUOLI, Margarida — "Almada Negreiros, sem mestre e sem discípulo", D.N., 19 Julho 1984 ALBINO, Gaspar — "Em Aveiro ainda temos "Almada", Porto, Letras & Letras, 7 abril 1993 AMADO, Fernando — "Os desenhos de Almada", Variante, nº2, Lisboa, 1943 AMARAL, Ana Luísa — "A Cena do Ódio de Almada Negreiros e The Waste Land de T.S. Eliot", Colóquio (Letras), nºs.113-114, 1990, pp. 145-156 ANDRADE, João Pedro — "Nome de Guerra por Almada Negreiros - colecção dos Escritores Modernos Portugueses", Sol Nascente, Porto, Ano II, nº 30, 1 de Julho 1938, p.12. AZEVEDO, Fernando de — "Um espírito que se figura", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Out. 1984 BAPTISTA, Inês Barros — "Almada, meu pai", O Semanário ,8 abril 1993

187

— "Cem anos de solidão", O Semanário, 8 abril 1993 BARRENTO, João — "Nova edição da Poesia de Almada Negreiros", Colóquio (Letras) nºs.117-118, Setembro-Dezembro 1990, pp.225-226 BATOREO, Manuel Luís — "Os portugueses tiveram uma Cultura essencialmente visual", Lisboa, Diário de Lisboa, 14.7.1960 BIGOTTE-CHORÃO, João — "Almada Negreiros", Lisboa, Brotéria, 1994, vol. 138, pp. 237-247 BRAGA, Isabel — "Almada pum!", Diário de Notícias, 14 Setembro 1993 CAÇÃO, Idalécio — "Uma leitura de Cena do Ódio", Porto, Letras & Letras, 7 abril 1993

CAMPOS, Duarte — "Almada Negreiros, escritor e poeta", Lisboa, Brotéria, 1970, vol. 91, pp.196-200 CANDEIAS, Mª de Fátima — " "Nome de Guerra" ou a subversão irónica do romance", Cadernos do Centro de Estudos Semióticos e Literários, INIC, nº 1, 1985, pp.42-52 CAPELA, Carlos Schmidt — "Novas Considerações acerca d'"O Cágado" de Almada negreiros ou a respeito da mola propulsora", EPA, Estudos Portugueses e Africanos, Universidade Estadual de Campinas, nº 5, 1985, pp. 85-88 — "Uma trajectória: Almada Negreiros ou Almada Negreiros: uma trajectória ou vice-versa", EPA, Estudos Portugueses e Africanos, Universidade Estadual de Campinas, nº 4, 1984, pp. 169-199 CARLOS, António — "Escândalo na Sociedade Nacional de Belas-Artes", Lisboa, Diário de Notícias, 16 Janeiro 1958 CARVALHO, Paula Torres — "Lourdes Castro: "Com Almada todos os dias se começa"", J.L., 17 a 23 Julho 1984 COIMBRA, Rosa Lídia — "Revistando as revistas ... à procura de Almada Negreiros", Porto, Letras & Letras, 7 abril 1993 CORREIA, Natália — "Almada: Arqueólogo do Futuro", Contravento, nº4, 1971 — "Almada e a contestação", Diário de Notícias, 30 Setembro 1971 CRUZ, Duarte Ivo — "Almada - Estética e dramaturgia", Espiral , nºs. 6/7, Verão 1965, pp. 118-123 DACOSTA, Fernando — "Almada e Dantas a Nu", Caderno do Público , 4.4. 1993 ESPINA, Antonio — "Almada Negreiros", La Gaceta Literaria, nº 3, Madrid, 1 Julho 1927 FALCÃO, Vitor — "A obra de Almada Negreiros a propósito do Salão de Outono", D.L., 26 Janeiro 1925 FERNANDES, Mª João — "Almada: o grito claro", .JL. , ano IV, nº119, 16-22 Out. 1984 FERREIRA, Serafim — "Almada Negreiros (1893-1970)", Diário, 22 Outubro 1988

188

FERRO, António — "José de Almada Negreiros: O Imaginário na Terra dos Cegos" (Conferência de apresentação d' Invenção do Dia Claro, na Liga Naval), O Século (ed. da noite),Lisboa, 10 Março 1922 — "O Condenado.: a peça do escritor Sr. Afonso Gaio no Cinema", D.L., 3 Maio 1921 FRANÇA, José-Augusto — "Alma, Almada", J.L. , 3 Janeiro 1993 — "Almada antes e depois - ou não", Expresso, 14 Julho 1984 — "No limiar da Exposição do Mundo português", Colóquio (Artes) , nº 87, Dezembro 1990, pp.5-12 — "Nota de releitura de "A Confissão de Lúcio" e de "Nome de Guerra", Comércio do Porto, 10 de Abril 1956 — "Introdução ao Nome de Guerra ", Lisboa, Círculo de Leitores, 1987 — "O tempo de Pessoa no retrato de Almada", Fundão, Jornal do Fundão, 28.4.1963 — "Sudoeste-Europa-Portugal", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Outubro 1984 GALHOZ, Mª Aliete — "À Margem das "Obras Completas" de José de Almada Negreiros", Colóquio (Letras) , nº3, 1971, pp. 97-99 GOMES, Alexandra Reis — "Almada: a ocupação de um espaço", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Outubro 1984 GOMES, Paulo Varela — "Modernismo e Guerra", J.L., 17 a 23 Julho 1984 GOMEZ de la SERNA, Ramón — "Como Ramón Gomez de la Serna aprecia a Almada Negreiros", D.L. , 15.02, 1927 GONÇALVES, Mª Augusta - ""Por Alma de Negreiros", cem anos depois do seu nascimento - Poeta d'Orpheu, futurista e tudo", Público, 27. Novembro 1993 GONÇALVES, Rui Mário — "Para uma nova mentalidade" (inaug. C.A.M.), J.L., ano III, nº63 - 19.07 a 1.08. 1983 GONÇALVES, Rui Mário — "A importância de ser Almada", J.L., ano IV, nº 113 - 04-10. Setembro 1984 GUIMARÃES, Ana Paula — "A ler o "Cágado" de Almada Negreiros", J.L. , ano IV, nº116, 25 Set. -01. Outubro 1984 GUIMARÃES, Fernando — "A vanguarda como alegoria", J.L., 26 Outubro 1993 — "Almada à vista", J.L., 1 Junho 1993 — "Modernismo e vanguarda", J.L., 2 Março 1993 LIMA de FREITAS — "O Ver de Almada Negreiros", Porto, Nova Renascença, nº 10, Primavera de 1983, pp.169-178 LISTOPAD, Jorge — "Almada Negreiros no Acarte, Portugal interrogado", J.L., 15 Junho 1993 LOBO, Paula — "Almada poeta, futurista e tudo no Centro Cultural de Belém", Porto, Jornal de Notícias, 4 Novembro 1993

189

LOURENÇO, Eduardo — "Almada ou a indiferença", Expresso, 14 Julho 1984 LOURO, Regina — "Palhaço e génio", Caderno do Público , 4.4. 1993 MANCELOS, João de — "Nasci antes de mim: avant-lettrismo em Almada & outras meditações", Porto, Letras & Letras, 7 Abril 1993 MAGALHÃES, Isabel Allegro de — "Almada Mima-Fataxa em dois tempos", Colóquio (Letras), nº95, 1987, pp.49-59 MARGARIDO, Alfredo — "A Engomadeira ou o sentido da vulgaridade", Fundão, Jornal do Fundão, 28.4.1963 MARQUES, António Salvador — "O Enigma dos Painéis", D.N., 5 Maio 1994 MARTINS, Fernando Cabral — "A poesia incompleta", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Outubro 1984 — "O modernista como actor", Público, 29 Outubro 1993 MC NAB, Gregory — "Sobre duas "intervenções" de Almada Negreiros", Colóquio (Letras), nº 35, 1977, pp. 32-40 MELO, Alexandre — "Algumas datas para Almada Negreiros", Expresso, 14 Julho 1984 MELO E CASTRO, E.M. — "K4 Quadrado Azul", J.L., 16 Novembro 1993 — "Ver: em três tempos", J.L., 7 Setembro 1993 MOURÃO-FERREIRA, David — "Almada Negreiros", Lisboa, VELBC, 1º vol., 1963 — "Almada ou a alegria da totalidade", Lâmpadas no Escuro, Lisboa, s/ed., s/d., pp.166-172. — "Evocação de Almada Negreiros", Terraço Aberto, Lisboa, Círculo de Leitores, 1992, pp.204-227 — "Saudação a Almada Negreiros", Hospital das Letras, Lisboa, INCM, 1981, pp.139-142 NEGREIROS, Mª José de Almada — "Ainda não o conseguem engolir", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Outubro 1984 NEMÉSIO, Victorino — "Romance e Novela: ...Nome de Guerra , por José de Almada Negreiros...", Revista de Portugal, vol. I, Coimbra, 1937-38 NOGUEIRA, Albano — "Almada Negreiros", Imagens em Espelho Concâvo - (Ensaios), s/Ed., Coimbra, 1940 (Os Modernistas Portugueses, vol.V, Ed. Petrus, s/d) NOVAIS, José António — "Homenagem de Madrid a Almada Negreiros", D.N., 8 Dezembro 1983 OLIVEIRA, A. Lopes de — "Almada Negreiros e a polimorfidade artística", Novidades , 6 Abril 1952 OLIVEIRA, Mário de — "Almada Negreiros e o seu mundo sensível", Comércio do Porto, Porto, 12 Janeiro 1954 PEDROSA, Inês — "Almada até à Alma", J.L., 17 a 23 Julho 1984 PEDRO, António — "Almada - um dos artistas mais importantes do meu tempo", Fundão, Jornal do Fundão, 28.4.1963

190

—"Pequena informação a propósito de Almada Negreiros", Estrada Larga, vol. I, Porto, 1957, p.219 PERNES, Fernando — "Almada Negreiros", Colóquio Artes e Letras, nº 27 - Fevereiro 1964, pp.60-62 PIMENTA, Alberto — "Almada Negreiros e a Medicina das Cores", Colóquio (Letras) , nº 79, 1984, pp.23-29 PINHARANDA, João — "Almada - uma imagem pública", Público, 29 Outubro 1993 — "Almada: tempos de arlequim", J.L., 17 a 23 Julho 1984 — "... E também pintor", Caderno do Público , 4 Abril 1993 PINTO, António Cerveira — "Almada - futuro imperfeito", O Independente, 8 Abril 1993 — "À espera dos serviços da história", Expresso, 14 Julho 1984 — "Almada pum!", O Independente, 7 Fevereiro 1992 POMAR, Alexandre — "Ensaio geral para 1993", Expresso, 14 Julho 1984 PORFÍRIO, José Luís — "O triunfo" (C.C.B.), Expresso, 6 Novembro 1993 — "As gares: o melhor do séc. XX em Portugal", Expresso, 14 Julho 1984 PRÍNCIPE, Cesar — "Faz hoje cem anos que nasceu José de Almada Negreiros (da fazenda da saudade)", Porto, Jornal de Notícias, 7 Abril 1993 QUADROS FERREIRA, António — "Almada e o Portugal do séc. XX", J.L., 7 Setembro 1993 — "Almada e a Pátria portuguesa do século XX", J.L., 21 Dezembro 1993 REBELLO, Luís Francisco — "A tragédia da Unidade", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Outubro 1984 ROCHA DE SOUSA — "Arte portuguesa dos anos 50 - testemunho necessário", J.L., 2 Fevereiro 1993 RODRIGUES da SILVA — "Exposição de Almada no Museu do Teatro - O Grande Saltimbanco", J.L., 21 Dezembro 1993 — "Almada: Obra em vídeo e itinerário em guia", J.L., 29 Janeiro 1993 RODRIGUES, António — "O Menino d'olhos de gigante", Expresso, 14 Julho 1984 SAPEGA, Ellen — "Contos e Novelas de Almada Negreiros: testemunho de uma evolução estética", Colóquio (Letras) , nºs.117-118, Setembro-Dezembro 1990, pp.256-257 — "Fernando Pessoa e José de Almada Negreiros: reavaliação de uma amizade estética", Colóquio (Letras), nºs.113-114, Janeiro-Abril 1990, pp.169-174

191

SASPORTES, José Estevão — "Encontro com Almada ou Almada - ele próprio", Diário de Lisboa, 2 Junho 1960 — "É preciso ler Almada", Jornal do Fundão, 28 Abril 1963 SEGURADO, Jorge — "Almada em Madrid", D.N., 9 Setembro 1982 SEPÚLVEDA, Torcato — "Um homem com qualidades", Caderno do Público , 4.4. 1993 — "Centro Nacional de Cultura apresenta Pacheko", Caderno do Público , 4.4. 1993 SENA, Jorge de — "Almada Negreiros Poeta", Nova Renascença, nº7, vol.IX, 1982, pp.231-234 SERRALLER, Francisco Calvo — "El montaje equivocado de una buena iniciativa", Madrid, El País, 10 Diciembre 1983 SILVA, Celina — "Almada: do crepúsculo apoteótico à plenitude auroral", O Escritor, nº1, Lisboa, Revista da Associação Portuguesa de Escritores, s/d. — "Almada: sob o signo da pluralidade ou Metamorfoses da Vanguarda", Centro de Estudos Semióticos e Literários, INIC, nº 2, 1985, pp.31-42 — "Como Mnemósina vence Crónos: as metamorfoses de Odysseus, o Herói", Braccara Augusta, (separata) vol. XXXIX - Fasc. 86-87, Janeiro-Dezembro 1985 — "A Ficção da Pátria em Almada Negreiros", Revista da Faculdade de Letras - Línguas e Literaturas - II Série, vol. IV, 1987, pp.341-349 — "Mnémon: (re)fabulando uma pátria querida", Colóquio (Letras), nº120, 1991, pp. 65-78 — "Nótulas para o estudo do primitivismo em Almada Negreiros - um anti-saudosismo?", Nova Renascença, nº18 - Primavera 1985, pp.161-166 — " "Orpheu": le chant envoûtant de trois Narcisses (Quelques réfléxions-divagations axées sur des textes-souvenirs)", Revista da Faculdade de Letras - Línguas e Literaturas, II Série, vol X, 1993, pp.119-132 — "Rotas e posturas em Almada Negreiros da Ingenuidade - do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras - Línguas e Literaturas, II série vol. IX, 1992 SIMÕES, João Gaspar — "A alternativa órfica do modernismo português 1. Almada Negreiros", Diário de Notícias, 8 Abril 1971 SOUSA, Ernesto de — "Invariante: a geometria poética", Expresso, 14 Julho 1984 TAVARES, Cristina Azevedo — "Almada - A cena do ódio: a exposição não merecida", J.L., 16 Novembro 1993 — "Outra faceta de Almada: o escritor e o ilustrador", J.L., 28 Dezembro 1993

192

TORRES, Laura Luzes — "José de Almada Negreiros: Reaver a inocência", Máxima, Abril, 1993 TRIBUZZI, Ana Paula Cabrita Dias — "A aventura literária de Almada Negreiros", Porto, Letras & Letras, 7 Abril 1993 VARELLA, Manuel — "O que me interessa é Ver", J.L., 6. Abril 1993 VASCONCELOS, Flórido de — "Introdução a um estudo sobre geometria", Tempo Presente, nº14 , Lisboa, JUNHO, 1960 VASQUES, Eugénia — "A tragédia da des-unidade", Expresso, 1 Maio 1993 VENÂNCIO, Fernando — "Nome de Guerra : O encontro marcado", J.L., 26 Out. 1993 VIANA, António Couto — "Notas e Comentários - "Deseja-se Mulher", Tempo Presente, nº3, Julho 1959, pp. 71-72 VOUGA, Vera Lúcia — "Almada Negreiros, "Saltimbancos": de outro texto, outra leitura", Actas I Simpósio de Alteridade nas Culturas de língua portuguesa - o Outro, Lisboa, s/d. — " "K4 O Quadrado Azul" — Pôr-se a nascer outra vez", Centro de Estudos Semióticos e Literários, INIC, 1, 1985, pp.32-41

2.2.2. Artigos em periódicos (sem assinatura) — "A Ideia Modernista na Ribalta - Carta de Almada Negreiros", A Capital, ano 7, nº 2399, 20 Abril 1917, p.2 — "A morte de Almada Negreiros foi muito sentida em todo o país", Lisboa, Diário Popular, 16 Junho1970 — "A Questão dos Painéis - História ao acaso de uma importante descoberta e do seu autor", Lisboa, Diário de Notícias, 20, 21 e 22 de Março 1926 — "Almada concluiu os painéis da Faculdade de Ciências de Coimbra", Diário de Notícias, 24 Agosto 1969 — "Almada em Utreque", Lisboa, J.L., 12-18 Outubro 1993 — "Almada: há 40 anos "ensina" arte moderna" (entrevista) , Lisboa, Diário de Notícias, 21 Julho 1955 — "Almada Negreiros e Ângelo de Sousa", Lisboa, Público, 28 Maio 1993 — "Almada regressa de Paris e fala-nos do que são ali as modernas expressões da Arte", Diário de Lisboa, 22 Junho 1949 — "Almada - do Génesis a Fernando Pessoa", Diário de Lisboa, 27 de Julho de 1961 — "Almada Negreiros e Fernando Amado vão aparecer de braço dado no próximo espectáculo do Salitre", Diário de Lisboa, 15 Janeiro 1949 — "Artistas falam de Arte - Almada Negreiros", Diário de Notícias, 25 Fevereiro 1967 — "Cartas Inéditas", J.L., 06. abril 1993 — "Como trabalham os artistas plásticos: fala Almada Negreiros", Lisboa, Diário de Notícias, 1 Abril 1943 — "Descobri a personalidade de Homero", Lisboa, Diário de Notícias, 6 Janeiro 1944

193

— "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs.5-6 de Cidade Nova, Coimbra, 1951 — "Dois minutos com Almada Negreiros", Sempre Fixe, 27 Fevereiro 1936 — "Epistolografia: José de Almada Negreiros", O Escritor, Lisboa, Revista da Associação Portuguesa de Escritores, nº 2, 1993 — " "Homero" de Almada Negreiros", Vida Mundial, 20 Janeiro 1944 — "Inédito de Almada, de 1924 - "Portugal", em estreia no Acarte", Lisboa, J.L., 1 Junho 1993 — "O Elogio da Loucura - reportagem da 1ª Conferência Futurista", Lisboa, A Capital, ano 7, nº2394, 15.Abril 1917 — "Pacheco, Almada e Contemporânea", Lisboa, J.L., Fevereiro 1994 — "Painéis de Almada apodrecem em moradia degradada no Restelo", Lisboa, D.N., 17 Março 1990 — "Peça de Almada em Lyon", Lisboa, J.L., 8 Junho 1993 — "Porto celebra Almada", Lisboa, Expresso, 20 Novembro 1993 — "Uma entrevista com Almada Negreiros", Revolução, 5 Janeiro 1933 — "Quem era Homero?", Lisboa, Diário de Notícias, 16.1.1944 — "Querem fazer-me um filme porque sabem que vou morrer", Lisboa, Diário Popular, 16-6-1970 — "Vamos ouvir Almada Negreiros no Teatro Nacional", Lisboa, Diário de Lisboa, 7.1.1932

2.2.3. Livros e realizações mediáticas

ACTAS — Compilação das Comunicações apresentadas no Colóquio sobre Almada Negreiros; Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985 AMBRÓSIO, António — Almada Negreiros Africano, Lisboa, Estampa, 1979 BARREIRA, Cecília — Nacionalismo e Modernismo - de Homem Cristo Filho a Almada Negreiros, Lisboa, Assírio & Alvim, 1981 D'ORS, Eugeni - Arte Vivo, Madrid, Espasa-Calpe, 1976, "Almada Negreiros", pp. FERREIRA, Paulo — Correspondance de 4 artistes portugais: Almada Negreiros, José Pacheco, Souza-Cardoso, Eduardo Viana avec Robert et Sonia Delaunay, Paris, P.U.F., 1972 FRANÇA, José-Augusto — Almada, Português sem Mestre, Lisboa, Estúdios Côr, s/d — Amadeo e Almada, Lisboa, Bertrand, 1985 — Almada, português sem Mestre, Lisboa, Ed. Côr, s/d — Amadeo & Almada, Lisboa, Bertrand, 1986 — Os desenhos de Almada no Sempre Fixe - 1926-1935, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, CAM, 1984 — Almada, Lisboa, Artis, 1963 LIMA DE FREITAS — Almada e o Número, Lisboa, Arcádia, 1979

194

— Pintar o sete - Ensaios sobre Almada Negreiros, o pitagorismo e a Geometria Sagrada, Lisboa, INCM, 1990 MAIA, Mª Augusta - Almada - um percurso possível, Lisboa, IPPAR/INCM, 1993 NEGREIROS, Mª José de Almada — Conversas com Sarah Affonso, Lisboa, Arcádia, 1982 SOBRAL, Augusto — Almada, Dia Claro, (teatro), Lisboa, C.A.M., 1984 SOUSA, Ernesto de — Para o estudo da Escultura portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 1973 — Recomeçar, Almada em Madrid, Lisboa, INCM, 1983 — Almada Negreiros Maternidade - 26 desenhos, Lisboa, INCM, s/d — Um Nome de Guerra (multimedia), Lisboa, C.A.M., 1984

2.2.4. Nºs Revistas e Jornais especiais

— "O Mundo de Almada" - nºs 1 e 2 (Jornais da Exposição retrospectiva Almada Negreiros) Lisboa, CAM, 1984 — "Almada Inédito e polémico", (nº dedicado) Espaço T Magazine, nº 3, Set. 1980 — Colóquio (Artes), dedicado a Almada Negreiros, nº 60, Outubro 1970 — Colóquio (Artes ), dedicado a Almada Negreiros, nº 96, Março 1993 — Colóquio (Artes), dedicado a Almada Negreiros, nº 100, Março 1994 — Todo Almada, Lisboa, Ed. Contexto, 1994 (Tradução portuguesa do nº especial da Revista Poesia dedicado a Almada Negreiros, Madrid, Ministerio de Cultura, 1994)

2.2.5. Catálogos — Almada, a Cena do Corpo, Lisboa, Centro Cultural de Belém, 1993 — Almada, a Obra Gráfica, Lisboa, Palácio Galveias, 1993 — Almada e o Espectáculo , Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984 — Almada e as origens do Modernismo - Representação Portuguesa à XI Bienal de S.Paulo, S.Paulo, 1971 — Almada, o Escritor e o Ilustrador, Lisboa, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 1993 — Almada, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/CAM, 1984 — Almada, Madrid, Fundación Juan March, 1983 — Almada, Barcelona, Fundación Joan Miró, 1984 — Centenaire de la Naissance d'Almada Negreiros 1893-1993, Paris, Fondation Calouste Gulbenkian, Octobre 1993 — O Escaparate de todas as Artes ou Gil Vicente visto por Almada Negreiros, Lisboa, Museu Nacional do Teatro, Setembro 1993

195

— Pacheko, Almada e a "Contemporânea", Lisboa, Centro Nacional de Cultura/Bertrand ed., 1993 — Sarah Affonso e Almada Negreiros — exposição conjunta em Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 1996

196

ÍNDICE

VOLUME I

0. Introdução ........................................................................................................................ 5

Cap. I

"Manifestações de Modernidade em Almada Negreiros"

1ª Parte — Modernidade e Modernismo em Almada Negreiros

1. A exigência e noção de Modernidade ............................................................................ 9

1.1. As reminiscências históricas do "moderno" .............................................................. 11

1.2. A noção de Modernidade no século XIX ................................................................... 14

1.3. A noção de Modernidade e a Vanguarda ................................................................... 18

1.3.1. Da modernidade às vanguardas ............................................................ 18

1.3.2. A Vanguarda — conceptualização e pragmática .................................. 22

1.3.3. O sentido estético e artístico de Vanguarda .......................................... 24

1.4. Implicações de Modernidade e Vanguarda em Almada ............................................. 29

1.4.1. Acerca do "Novo" e do "Moderno" — como categorias estéticas ........ 29

1.4.2. Acerca da modernidade — pressupostos antropológicos ..................... 35

2. Almada — síntese histórica do Modernismo ................................................................ 43

2.1. A época modernista .................................................................................................... 43

2.2. Modernismo — o movimento e a ideia ..................................................................... 44

2.2.1. Almada na Geração de Orpheu............................................................. 49

2.2.1.1. O significado de Orpheu .......................................................... 49

2.2.1.2. Almada Negreiros em Orpheu — conciliação do icónico e do

verbal ............................................................................................................. 54

2.2.1.2.1. Almada "desenhador" em Orpheu 1 ..................................... 57

2.2.1.2.2. A colaboração prevista para Orpheu 3 .................................. 59

2.2.2. Almada em Portugal Futurista ............................................................ 60

2.2.2.1. "Os Ballets Russes em Lisboa" ............................................... 62

2.2.2.2. "Saltimbancos" ......................................................................... 66

2.2.2.3. "Mima-Fataxa Sinfonia Cosmopolita e Apologia do Triângulo

Feminino" ....................................................................................................... 70

2.2.2.4. "Ultimatum Futurista às Gerações portuguesas do século

197

XX" .............................................................................................................. 73

2.2.3. A colaboração de Almada na Contemporânea .................................... 78

2.2.4. A colaboração de Almada na Revista Portuguesa ................................ 81

2.2.5.A colaboração de Almada em Athena .................................................. 82

2.2.6. Almada, Sudoeste e tudo ..................................................................... 84

2.3. O rescaldo da vanguarda modernista .......................................................................... 85

2ª Parte — A Nacionalidade Mítica de Portugal

0. Preâmbulo .............................................................................................................. 89

1. Almada e o Saudosismo — a mitologização da nacionalidade ..................................... 91

1.1. Teixeira de Pascoaes — a alma lusíada ..................................................................... 92

1.2. Fernando Pessoa e o "Quinto Império" ...................................................................... 97

2. A definição da nacionalidade e da Pátria em Almada ................................................. 100

2.1. No "Ultimatum Futurista às Gerações portuguesas do século XX" ......................... 100

2.2. N’ "A Cena do Ódio" ............................................................................................... 104

3. Remitologização da nacionalidade .............................................................................. 109

3.1. A História de Portugal escrita por Almada .............................................................. 109

3.1.1. "Histoire du Portugal par Coeur" ........................................................ 110

3.1.2. Iconografia da História de Portugal .................................................... 111

3.1.2.1. Figuras históricas da Pátria .................................................... 113

3.1.2.2. Os mitos históricos fantasmáticos .......................................... 115

3.1.2.3. Topografia mítica da História ................................................ 116

3.2. A modernidade nacional pelo retorno ao mito ......................................................... 118

3.3. A ficção dramática de Portugal — a utopia da pátria ............................................... 122

4. Portugal no século XX — a constatação da crise ........................................................ 126

4.1. A definição da colectividade relativamente à inscrição no espaço .......................... 127

4.2. A definição da colectividade relativamente à situação no tempo ............................ 130

4.3. A Europa de Almada para a nacionalidade mítica ................................................... 135

5. A herança e o destino da nacionalidade — cultura e educação ................................... 142

5.1. A situação cultural e artística da nacionalidade ....................................................... 142

5.2. O Portugal verdadeiro — cultura e educação ........................................................... 149

Cap. II

"A Humanidade e a pessoa — conceitos nucleares em Almada Negreiros"

0. Preâmbulo ............................................................................................................ 155

1ª Parte — Convocação da Humanidade

198

1. A definição de Humanidade ........................................................................................ 155

1.1. Dimensão cosmológica de Humanidade .................................................................. 155

1.1.1. O número — origem e imanência do Universo .................................. 157

1.1.2. Os elementos — origem e substância da Humanidade ....................... 166

1.2. A perspectiva histórica da Humanidade — Mito e Filosofia ................................... 173

1.2.1. Concepção mítico-histórica da Humanidade ...................................... 173

1.2.2. Concepção cíclica da História ............................................................ 174

1.3. O acto de civilização para a Humanidade — a Europa ............................................ 179

1.4. A mitologia bíblica da génese do Humano .............................................................. 182

1.5. Metáforas ironistas da Humanidade ......................................................................... 185

1.6. Os casos paradigmáticos — os "génios" na Humanidade ........................................ 187

2. Prometeu — síntese da Humanidade, síntese da cultura europeia .............................. 192

2.1. A história do Mito segundo Almada ........................................................................ 192

2.1.1. A síntese mitográfica de Prometeu ..................................................... 193

2.1.2. Prometeu criador do humano ............................................................ 197

2.1.3. Prometeu e Athena ............................................................................ 198

2.1.4. A condenação eterna ........................................................................... 200

2.1.5. Prometeu e Tântalo ........................................................................... 202

2.1.6. Prometeu e Jesus Cristo ..................................................................... 204

2.2. Prometeu e a Civilização......................................................................................... 206

2.2.1. Prometeu, figura mítica do conhecimento .......................................... 206

2.2.2. Prometeu , símbolo histórico para a Europa ....................................... 210

2.3. A sedução estética e poética do mito ....................................................................... 214

2.3.1. Prometeu , revelador da unidade do Homem ..................................... 215

2.3.2. Prometeu, obra de arte ........................................................................ 216

3. Dimensão antropológico-filosófica da noção de Humanidade .................................... 218

3.1. A multidão — desindividuação pessoal ................................................................... 218

3.2. Humanidade — mística e pagã ................................................................................. 220

3.3. Destino do Homem na Humanidade ........................................................................ 222

2ª Parte — Convocação da pessoa individual humana

1. Dimensão antropológica do conceito de pessoa .......................................................... 225

1.0. Preâmbulo ............................................................................................................ 225

1.1. A história do corpo — a propósito da consciencialização do "eu" .......................... 225

1.2. Antropologia do corpo na obra de ficção de Almada ............................................... 230

1.2.1. Contextualização da temática ............................................................. 230

1.2.2. O corpo imaginário e o corpo simbólico ............................................ 231

199

1.2.2.1. "Frisos"................................................................................... 231

1.2.2.2. O corpo imaginário em "K4 Quadrado Azul" ........................ 238

1.2.2.3. O corpo imaginário [fantasmático] n’ "A Engomadeira" ...... 240

1.2.3. A visualidade do corpo feminino idealizado e simbólico em Nome de

Guerra .......................................................................................................... 243

1.2.4. O corpo idealizado através da relação primordial .............................. 244

1.2.5. O corpo no mundo — realidade e idealização .................................... 247

1.3. A emergência ontológica da pessoa humana individual .......................................... 251

1.3.1. Os auto-retratos — eu como corpo real idealizado ............................ 251

1.3.1.1. Corpo real próprio — eu idealizado ....................................... 252

1.3.1.2. Auto-retrato — via de existência ........................................... 255

1.3.1.3. O eu em processo ................................................................... 260

1.3.1.4. A construção definitiva do eu — revelação e encontro ......... 263

2. A representação plástica da pessoa em Almada .......................................................... 264

2.1. Influência da estética grega na representação do corpo............................................ 265

2.1.1. A Beleza idealizada ............................................................................ 265

2.1.2. A representação do corpo nas mitologias de Almada ......................... 267

2.2. Intersubjectividade e identidade própria .................................................................. 268

2.2.1. O binómio corpo-alma ........................................................................ 268

2.2.2. Evocação e representação na relação eu-tu ......................................... 273

2.2.2.1.Pares mundanos nos primeiros desenhos ................................ 273

2.2.2.2. Pierrot e Arlequim.................................................................. 273

2.2.2.3. Pares de Namorados/Amantes ............................................... 281

2.3. Figura feminina — retrato de corpo inteiro .............................................................. 282

2.4. Figura masculina ................................................................................................... 284

2.5. Cabeças — retratos femininos e masculinos ............................................................ 284

2.6. Bailarina(os), artistas e figuras de Circo .................................................................. 285

2.7. Maternidade 285

3. A definição do "eu" como unidade — a personalidade ............................................... 286

3.1. A dimensão sensível e sagrada da pessoa individual humana .................................. 286

3.2. A descoberta estética da personalidade .................................................................... 289

3.2.1. A invenção do eu pelo maravilhoso ................................................... 290

3.2.2. Antunes — paradigma da descoberta ................................................. 294

3.2.2.1. Os nascimentos de Lúcio n’ O Asno de Ouro ........................ 295

3.2.2.2. Afinidades cartesianas ........................................................... 296

3.2.2.3. Afinidades nietzschenianas .................................................... 297

3.2.3. Os nascimentos de Antunes ................................................................ 298

3.3. A consciência pessoal do eu e a crise da Humanidade ............................................. 301

3.3.1. A consciência de si mesmo ................................................................. 301

3.3.2. O homem no mundo ........................................................................... 301

200

3.3.3. A crise da pessoa na Humanidade ...................................................... 305

Índice do Volume I .......................................................................................................... 305

201

VOLUME II

Cap. III

"Doutrina Estética em Almada Negreiros"

0. Preâmbulo ................................................................................................................ 2

1. A ingenuidade — categoria estética privilegiadora do humano ...................................... 4

1.1. Definição etimológica da ingenuidade ......................................................................... 4

1.2. Aproximação literária à noção de ingenuidade em Voltaire ........................................ 6

1.3. Pragmática da ingenuidade — presença e ficções modernistas ................................... 8

1.3.1. "Histoire du Portugal par Coeur" ............................................................ 9

1.3.2. Contos breves ....................................................................................... 10

1.3.3. "História Verde" ................................................................................... 13

1.3.4. Invenção do Dia Claro ......................................................................... 15

1.4. A emergência poética e estética de ingenuidade ........................................................ 19

1.5. Afinidades entre o pensamento schilleriano e almadiano .......................................... 20

1.5.1. A definição de ingenuidade .................................................................. 20

1.5.2. A ingenuidade como princípio estético ................................................ 22

1.5.3. O estádio estético e o estado de ingenuidade........................................ 28

1.5.4. Conclusão ............................................................................................. 33

2. Estética Artística……………………………………………………………………… 35

2.0. Introdução………… ................................................................................................... 35

2.1. A definição de Arte — vida e criação ........................................................................ 42

2.1.1. Arte como Todo .................................................................................... 42

2.1.2. A unidade da(s) Arte(s) ........................................................................ 44

2.2. Arte e Tekné, Arte e Ciência ...................................................................................... 48

2.2.1. Arte e Tekné .......................................................................................... 48

2.2.2. Arte e Ciência ....................................................................................... 52

2.3. Arte e Realidade .................................................................................................... .55

2.4. Arte e Natureza 60

2.5. Arte e Poesia ..................................................................................................... 66

3. Teorizações Estéticas — utopia, pessoalidade e educação ........................................... 69

3.0. Preâmbulo 69

3.1. Estética Utopista … .................................................................................................... 70

3.2. A utopia ideológica — Arte e Política ....................................................................... 72

3.2.1. A ideologização da Estética .................................................................. 72

3.2.2. A utopia nacionalista — o compromisso .............................................. 74

3.2.3. Utopia estética do social ....................................................................... 77

202

3.3. Recepção estética — paradigma e exigências ............................................................ 80

3.3.1. A concepção romântica de artista ......................................................... 80

3.3.2. O artista, o autor e os públicos ............................................................. 82

3.4. A educação estética — a formação do gosto .............................................................. 84

3.4.1. Enunciação da problemática do gosto .................................................. 84

3.4.2. A tradição estética na argumentação almadiana ................................... 88

3.5. A educação do Artista ................................................................................................ 91

3.5.1. A situação do artista ............................................................................. 91

3.5.2. O ensino artístico .................................................................................. 95

3.5.3. A educação do artista ............................................................................ 99

3.5.4. O Desenho .......................................................................................... 100

3.5.5. Os Mestres de cada caso pessoal ........................................................ 104

4. Estética Esotérica — A primazia de Ver .................................................................... 109

4.1. Os sinais primordiais da Humanidade ...................................................................... 109

4.2. A universalidade da Arte .......................................................................................... 114

4.3. Ver — Percepção e Conhecimento ...................................................................... 118

4.3.0. Preâmbulo ........................................................................................... 118

4.3.1. A perspectiva psicofisiológica de ver ................................................. 120

4.3.2. Ver na tradição simbólica .................................................................. 123

4.3.2.1. A Primazia da visão e da audição .......................................... 123

4.3.2.2. A Arte como visualidade ....................................................... 124

4.3.3. O Visível e Invisível de Ver ............................................................... 125

4.3.4. Ver e o Número — a tradição hermética ........................................... 128

4.3.4.1. A tradição hermética para a Arte Moderna ............................ 128

4.3.4.2. Ver e o Cânone — a Luz ....................................................... 130

5. Estética da Criação… .................................................................................................. 136

5.1. O domínio metafísico para a criação da obra humana ............................................. 136

5.2. O acto, a obra e o pensamento .................................................................................. 141

5.2.1. A origem da Arte ................................................................................ 141

5.2.2. A continuidade como princípio estético ............................................. 146

5.2.3. Cultura e Civilização — acto da presença do Homem ....................... 149

5.3. O conceito de Beleza ................................................................................................ 151

5.3.1. Domínio mítico-filosófico — o apolíneo e o dionisíaco .................... 151

5.3.1.1. A estética apolínea e a estética dionisíaca em Nietzsche ....... 152

5.3.1.2. A conciliação das estéticas apolínea e dionisíaca .................. 154

5.3.2. Domínio estético-metafísico ............................................................... 161

6. Conclusão .................................................................................................................... 166

203

Bibliografia

I. Bibliografia Teórica…………… ................................................................................. 171

1. Bibliografia Geral… ............................................................................................ 171

1.1. Livros 171

1.2. Catálogos 173

2. Fundamentação em/de Almada Negreiros ................................................................. 174

2.1. Artigos 174

2.2. Livros 174

3. Bibliografia sobre Arte e Literatura portuguesas no século XX ................................. 177

3.1. Artigos 177

3.2. Livros e Catálogos 178

3.3. Catálogos 182

3.4. Revistas portuguesas da Modernidade 182

II. José de Almada Negreiros ....................................................................................... 183

1. Bibliografia Activa… .................................................................................................. 183

1.1. Obras Completas 183

1.2. Livros, Artigos, Catálogos 183

1.3. Inéditos 184

2. Bibliografia Passiva… ................................................................................................. 185

2.1. Universitária 185

2.1.1. Dissertações de licenciatura 185

2.1.2. Dissertações de Mestrado 185

2.1.3. Dissertações de Doutoramento 185

2.2. Outra 185

2.2.1. Periódicos 185

2.2.2. Artigos em periódicos (sem assinatura) 191

2.2.3. Livros e realizações mediáticas 192

2.2.4. Nºs Revistas e Jornais especiais 193

2.2.5. Catálogos............................................................................................................193

Índice Volume I……………………………………………………………………….....194

Índice Volume II…………………………………………………………………………200

Anexos I a X .................................................................................................................... 203

Lista Anexos...... ............................................................................................................ 221

204

ANEXO I

Lista dos Auto-Retratos de Almada Negreiros

1912 — Auto-caricatura: jornal A Briosa

1913 — Auto-retrato : Catálogo da "Exposição de caricaturas"

1915 — Auto-caricatura: publicada em O Jornal, 13.4.

1919 — Auto-retrato, desenho realizado em Paris e publicado na

Contemporânea, nº 1, Abril de 1922

1921 — Auto-retrato, desenho integrado na Invenção do Dia Claro;

1923 — Auto-retrato, (com chapéu e bengala), desenho a lápis sobre papel;

1924 — Auto-retrato, desenho, datado de 1924 e Madrid, 20.05.28

— Auto-retrato, (com gravata), lápis sobre papel, publicado em

Athena 2;

1925 — Auto-retrato num grupo, painel para o Café "A Brasileira", óleo

sobre tela;

1926 — Auto-retrato, desenho com a legenda: "pouco importa que eles não

me compreendam; o importante é que eu os compreenda";

— Auto-retrato, desenho com a legenda: "os olhos são para ver e o

que os olhos vêem só o desenho o sabe";

1927 — Auto-retrato, (com boné, réplica de desenho idêntico de 1926), óleo;

1928 — Auto-retrato, desenho em que segura numa das mãos uma prancheta

e noutra uma pena;

1930 — Auto-retrato, desenho;

1934 — Duplo Retrato , óleo - 1934-1936;

1938 — Auto-retrato, desenho;

— Auto-retrato, (como escriba, com dedicatória);

1940 — Auto-retrato, desenho;

1940 — Auto-retrato, arame e tinta-da-china sobre cartão;

1942 — Auto-retrato, desenho;

1943 — Auto-retrato, desenho tendo por fundo inscritas inúmeras citações

de: Delacroix: "Homero é nos antigos a nascente d'onde tudo saiu."; Braque:

"A arte é feita para perturbar, a ciência assegura."; Picasso: "Não procuro,

encontro."; Arquitas de Tarento: "Aquele que sabe tem que ter aprendido de

outro ou achado ele só o que sabe; a ciência que se aprende de outro é, por

assim dizê-lo, o exterior: o que nós mesmos encontramos a nós pertence e

em propriedade. Encontrar sem buscar é coisa difícil e rara; achar aquilo que

se busca é cómodo e fácil; ignorar e buscar (aquilo que se ignora) é

impossível"; Aristóteles, Metafísica: "Parece que a década é o número

perfeito."; Platão: "Redução a número perfeito, Théleon.", citado por

205

Vitúrvio e este por Luca Paccioli e por Francisco de Holanda, Da Pintura

Antiga.

c.1944 — Auto-retrato em família, aguarela sobre cartão;

— Auto-retrato em família, aguarela e lápis, não datado;

1949 — Auto reminiscência (auto-retrato), desenho feito em Paris;

— Auto-retrato, (olhos como mascarilha), tinta-da-china sobre papel;

1950 — Auto-retrato, desenho a lápis, datado de 30.10.1950;

— Auto-retrato, desenho não datado, em que se representa sentado a uma

mesa de café e a ler;

— Auto-retrato, (com raquette), desenho a esferográfica, não datado;

— Auto-retrato, desenho a lápis, não datado;

— Auto-retrato, (grego), desenho a lápis sobre papel, não datado;

— Auto-retrato, (olhos como óculos), tinta-da-china sobre papel, não datado;

— Auto-retrato, tinta-da-china, não datado;

— Auto-retrato, tinta-da-china, não datado;

— Auto-retrato com Sarah Affonso, desenho a lápis, não datado;

206

ANEXO II

Lista de Retratos de Arlequim, Pierrot e Columbina

— Arlequim, desenho a lápis, não datado;

— Arlequim, desenho a lápis colorido sobre papel, não datado;

— Arlequim, Pierrot e Bailarina, ilustração para cartaz da Companhia

Lucília Simões;

— Arlequim e Bailarina a cavalo, desenho a lápis, não datado;

— Arlequim e Bailarina, (com cavalo), lápis sobre papel, não datado;

— Arlequim e Bailarina, tinta da china e aguarela sobre papel, não datado;

— Arlequim e Bailarina a cavalo, 500X325 mm, lápis sobre papel, n/dat.

— Arlequim e Bailarina, óleo, não datado;

— Arlequim e Bailarina, (traços mecano-geometrizantes), desenho a lápis,

não datado;

— Cabeça de Arlequim, (traços geometrizantes), desenho a lápis não datado;

— Cabeça de Arlequim, óleo sobre tela, não datado;

— Arlequim e Pierrette, aguarela, não datado;

— Arlequim e Bailarina, têmpera sobre papel, não datado;

— Arlequim, (com mascarilha na mão), tinta-da-china sobre papel, Paris,

1920;

— Arlequim, (desmultilicação de mãos e gestos), desenho a tinta-da-china,

1921;

— Arlequim, (sentado com guitarra na mão), tinta-da-china sobre papel,

1921;

— Arlequim , (sentado a uma mesa de café com livro, cabeça apoiada na

mão), desenho de 1922;

— Arlequim, (sentado), de 1923;

— Arlequim, (sentado a tocar guitarra), aguarela sobre cartolina, 1923;

— Arlequim sentado a uma mesa, desenho, datado de1924;

— Arlequim, desenho a lápis, 1925;

— Arlequim de mãos postas, desenho a tinta-da-china, 1926;

— Pierrette e Arlequim, desenho a lápis, 1928;

— Arlequim e Columbina, aguada, Madrid, 1929;

— Arlequim e Columbina , desenho para a capa da Ilustração, nº 79, 16 de

Fevereiro de 1929;

— Arlequim sentado (to be or not to be), tinta-da-china, 1931;

— Arlequim, óleo, datado de 1937;

— Arlequim e Mulher, aguarela, 1938;

— Arlequim e Columbina, aguarela, tinta-da-china e lápis sobre papel, 1938;

207

— Arlequim, desenho, c. 1940;

— Arlequim e Bailarina, tinta-da-china, 1940;

— Arlequim e mulher, (Arlequim sentado e a mulher em pé abraçada a ele,

com tambor e chapéu no chão), desenho de 1940;

— Arlequim e Columbina, (ambos sentados num sofá, frente a um biombo,

tendo por trás uma janela aberta), desenho de 1940

— Arlequim e mulher tendo por fundo uma tela vista no verso e uma figura

que espreita, desenho datado de 1940;

— Retrato Clássico de Arlequim, óleo, datado de 1941;

— Arlequim, tinta-da-china e aguarela, 1952;

— Pierrot sentado, desenho a lápis, 1923;

208

ANEXO III

Lista dos Retratos de Pares 1

— Vendedeira de Flores e homem, têmpera sobre papel, 1915;

— Par sentado com sombrinha, tinta-da-china sobre papel, 1921

— Par à mesa, lápis sobre papel, 1924;

— Par sentado a uma mesa, lápis sobre papel, 1925;

— Mulher e marinheiro, tinta-da-china sobre papel, 1926;

— A "Soirée", lápis sobre papel, 1927

— Marinheiro e Rapariga, lápis sobre papel, 1928

— Briga, lápis e tinta-da-china sobre papel, 1929;

— Par (à mesa - mundano); tinta-da-china e aguada sobre papel, 1929;

— Casal, lápis sobre papel, 1929

— Par jogando cartas, tinta-da-china sobre papel, 1931;

— Repouso (ceifeiros), tinta-da-china sobre papel, 1932;

— Casal sentado num banco, lápis sobre papel, 1933;

— Repouso (ceifeiros e árvore), lápis sobre papel, 1937;

— A Sesta, lápis sobre papel, 1939;

— Par num banco de jardim, tinta-da-china e lápis, 1941

— Duas Figuras, lápis sobre papel, 1944;

— Par (mulher com monóculo), tinta-da-china sobre papel, não datado;

— Repouso (com casa no horizonte), lápis sobre papel, não datado;

— Par embriegado, esferográfica sobre papel, não datado;

— Par de Banhistas, lápis sobre papel, não datado;

— Par sentado (de fato de banho), lápis sobre papel, não datado;

— Casal sentado, tinta-da-china, não datado

209

ANEXO IV

Lista de Pares 2

— Gémeos (estudo para o fresco do Diário de Notícias), desenho, 1937

— Par Nu (grades de telas e desenho na parede da habitação), lápis sobre

cartão, 1939;

— Par Nu (agachado, ajoelhada), lápis sobre papel, 1939;

— Par abraçado (agachados), tinta-da-china sobre papel, 1945;

— Par brigando (contorção de corpos), tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Par Nu (linguagem gráfica simplificante), tinta-da-china sobre papel,

1948;

— Par Nu (linguagem gráfica simplificante/homem sentado), tinta-da-china

sobre papel, 1948;

— Par brigando (homem cravando punhal), tinta-da-china sobre papel,

1948;

— Par (mulher gesticulando e homem sentado a uma mesa), tinta-da-china

sobre papel, 1948;

— Par (dançando), tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Par (sentados, conversando), tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Par (acariciando-se), tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Par beijando-se , tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Par abraçado, tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Par (corpo contorcionado, ameaça), tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Par (homem chorando sobre corpo de mulher), tinta-da-china castanha

sobre papel, 1948;

— Par (três figuras nuas), tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Par (homem esganando mulher), tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Par (homem chorando a mulher), tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Par abraçado , lápis sobre papel, 1948;

— Par Nu (linhas ondulantes), lápis de cera e tinta-da-china, 1948;

— Homem com mulher às costas, (post-picassiano), 1948;*

— Par, (post-picassiano), lápis sobre papel, não datado;*

— Par abraçado (beijando-se), tinta-da-china sobre cartão, 1948;

— Casal abraçado, lápis sobre papel, 1948

— Par (figuras esguias, mulher em pé, homem sentado), desenho à pena,

1952;

— Par (mulher acariciando homem), desenho à pena, 1952;

210

— "Les persones sont tres etrangement diferentes" (abstracto), guache sobre

cartolina, 1957;

— Centauro e Mulher, lápis e guache sobre cartão, não datado

211

ANEXO V Lista Nus femininos

— Catálogo da Exposição de Caricaturas: Nu feminino com paleta na mão,

1913;

— Nu feminino sentado, aguarela sobre papel, 1915;

— Nu feminino de costas (em pé), lápis sobre papel, 1918;

— Homenagem a Amadeo de Souza-Cardoso, lápis de cor sobre papel, 1918;

— Nu (com cabelos de serpente, contorção corpo), lápis, 1923

— Nu feminino, (mulher debruçada com mãos pousadas nos joelhos), lápis

sobre papel, 1925;

— Nus femininos , tinta-da-china castanha sobre papel, 1926;

— Nu feminino com gato, tinta-da-china castanha sobre papel, 1926;

— Nu feminino de costas (sentada), lápis sobre papel, 1926;

—Mulher dormindo, tinta-da-china castanha sobre papel, 1926;

— Nu feminino sentado, (cabeça a 3/4, no chão), lápis sobre papel, 1926;

— Nu sentado, (com movimento de braço e mão), tinta-da-china sobre

papel, 1926;

— Nu feminino, lápis sobre papel, 1930

— Nu feminino sentado, (com as mão cruzadas sobre um dos joelhos), lápis

sobre papel, 1931;

— Nu feminino com criança (em pé), lápis sobre papel, 1933;

— Mulher despindo-se, lápis sobre papel, 1933

— Mulher de braços cruzados no ar (lábios pintados), lápis e lápis de cor

sobre papel, 1936;

— Nu ao espelho, (com drapejamento), lápis sobre papel, 1937;

— Nu feminino sentado (retrato de Sarah Affonso?), lápis sobre papel, 1938;

— Torso de mulher , técnica mista sobre cartão, 1938;

— Nu feminino sentado (rosto de perfil, olhos abertos, forma

geometrizante), sanguínea sobre papel, c. 1940;

— Nu (sentado com rosto de perfil e olhos fechados), lápis, c.1940

— Mulher nua sentada, óleo sobre tela, c.1940

— Nu (mulher sentada com rosto a 3/4 e mão no cabelo), lápis, 1941

— Homenagem a Luca Signorelli, óleo sobre tela, 1942;

— Mulher deitada , guache, 1943

— Nu feminino de costas, lápis sobre papel, 1946;

212

— Nu feminino de costas (cabeça encostada ao bordo de uma mesa), lápis

sobre papel, 1946;

— Figura de mulher (nu), guache, e aguarela sobre cartão 1947

— Figura, aguada e tinta-da-china, 1947

— Mulher nua a uma mesa, , tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Nu feminino, tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Nu feminino, tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Nu feminino, tinta-da-china sobre papel, 1948;

— Menina sentada à janela (laranja), aguada, lápis e tinta-da-china, 1948;

— Figura feminina sentada (post-picassiano), guache e lápis sobre papel,

1948;

— Duas mulheres abraçadas , tinta-da-china sobre cartão, 1948;

— Nu feminino com espelho (figura muito esguia), desenho à pena, 1952;

— Nu feminino (com a mão na cabeça), desenho à pena, 1952;

— Nu feminino (olhando o joelho), lápis sobre papel, 1952;

— Três figuras (duas a preto, uma a vermelho), esferográfica sobre papel,

1952;

— Desenho (Nu feminino geométrico-abstracto), lápis, 1957

— Escorço, (nu feminino deitado visto em diagonal - linguagem

geométrica), lápis sobre papel, não datado;

— Nu feminino, (mulher com perna levantada, mão segurando o pé), lápis

sobre papel, não datado;

— Nus femininos (duas figuras: uma em pé, outra sentada), lápis sobre papel,

não datado;

— Nu feminino de costas , esferográfica, guache e aguarela sobre cartão, não

datado;

— Mulher sentada penteando-se (numa cadeira), lápis sobre papel, não

datado;

— Mulher sentada penteando-se (no solo), lápis sobre papel, não datado;

— Mulher sentada penteando-se (écharpe nos joelhos), lápis sobre papel,

não datado;

— Mulher sentada penteando-se (numa cadeira, rosto a 3/4), lápis sobre

papel, não datado;

— Nu feminino (com movimento torção pescoço e braços, sentada no solo),

lápis sobre papel, não datado;

— Nu feminino sentado (num cadeirão), lápis sobre papel, não datado;

— Nu feminino sentado (num cadeirão com braço para trás), lápis sobre

papel, não datado;

— Nu feminino sentado (com fundo azul), lápis e aguarela sobre cartão, não

datado;

213

— Nu feminino sentado (mão apoiando a cabeça), lápis de cor sobre papel

(granate), não datado;

— Nu feminino sentado (com fundo vermelhão), lápis de cera, aguarela e

guache sobre cartão, não datado;

— Nu feminino de costas lendo, lápis e lápis de cera sobre papel, não datado;

— Mulher sentada escrevendo (dobrada sobre uma mesa), lápis sobre papel,

não datado;

— Mulher debruçada lendo (cabelo como cortina), lápis sobre papel, não

datado;

— Nu feminino (despindo uma camisola), tinta-da-china sobre papel, não

datado;

— Vela (figuras sentadas), (figura nua/figura vestida), guache e lápis de

cera, não datado;*

— Mulher nua e mulher vestida, têmpera sobre papel, não datado*

— Figura feminina deitada (post-picassiano), guache, aguarela e tinta-da-

china, não datado;

— Figuras com véus, tinta-da-china, não datado

— Mulher nua sentada à janela, aguarela e tinta-da-china sobre cartão

prensado, não datado

— Mulher sentada, aguarela sobre cartão, não datado

214

ANEXO VI

Lista Figuras Femininas — Retrato Corpo Inteiro

— Figuras femininas, guache, 1911

— Mulher , guache, 1916

— Mulher sentada a ler (sentada no chão), lápis sobre papel, 1918;

— Mulher sentada (num cadeirão), tinta sobre papel, 1919;

— Menina sentada (numa cadeira e de perfil), lápis sobre papel, 1919;

— Mulher sentada , aguarela sobre papel, 1920;

— Figura de mulher (vestido de folhos), lápis sobre papel, 1920;

— Desenho (mulher com galgo), lápis sobre papel, 1920

— Senhora sentada , lápis sobre papel, 1921;

— Figura feminina sentada (de pernas cruzadas), tinta-da-china sobre papel,

1921;

— Desfolhando o malmequer, lápis sobre papel, 1922*

— Desfolhando um malmequer, aguarela, não datado *

— Senhora sentada (com fundo de cortinado), aguarela e lápis sobre papel,

1922;

— Mulher sentada fumando (xaile e fundo azul), aguarela sobre papel, 1922;

— Senhora sentada com leque, aguarela sobre papel, 1922;

— Desenho (Varinas a dançar), 1922

— Tenista (Suzanne Liengler) , grafite sobre papel, 1923

— Senhora encostada à balaustrada, aguada sobre papel, 1923;

— Senhoras sentadas conversando, lápis sobre papel, 1923

— Rapariga sentada, lápis sobre papel, 1925

— La Argentinita , guache, 1925

— La Jota, lápis sobre papel, 1926

— Mulher sentada à mesa, tinta-da-china, 1926;

— Amadoras, lápis sobre papel, 1927

— Mulher sentada, tinta-da-china e aguada, 1928;

— Figura feminina, lápis sobre papel, 1928;

— Desenho (mulher sentada com chapéu), 1928

— Espanhola, tinta de água sobre tela, 1928

— Peixeira, lápis sobre papel, 1928

— Mulher vestida de homem, tinta-da-china sobre papel, 1929

— Desenho (mulher deitada a ler), 1930

— Banhista (com boné de marujo), lápis sobre papel, 1932;

— Mulher à varanda (ângulo aproximado), tinta-da-china sobre papel, 1933;

215

— Peixeira, lápis sobre papel, 1933

— Mulher sentada lendo (mesa redonda e livro aberto), lápis sobre papel,

1934;

— Mulher lendo (traço linear), lápis de cor sobre papel, 1936;

— Mulher num animal marinho, guache sobre cartão, 1937

— Peixeira e miúdo, lápis sobre papel, 1937

— Figura de mulher e pandeireta, guache e aguarela sobre papel, 1938;

— Mulher escrevendo (sentada no chão), lápis sobre papel, 1940;

— Figuras femininas, lápis sobre papel, 1940;

— Mulher tocando flautas (vestida com estrelas), tinta-da-china e lápis,

1940;

— Menina de chapéu (de flores e mãos tocando-se), lápis de cor sobre

papel, 1940;

— Menina de chapéu (de flores), lápis sobre papel, 1940;

— Mulher deitada escrevendo (estudo para a decoração a fresco dos

Correios de Aveiro), lápis sobre papel, 1940;

— Mulher deitada lendo (estudo para a decoração a fresco da Estação dos

Correios de Aveiro), lápis sobre papel, 1940;

— Composição com escultura alada, tinta-da-china e lápis, 1941

— Sereia (em cima de rochedo), tinta-da-china e lápis, 1941

— Três figuras femininas , tinta-da-china e lápis sobre papel, 1941;

— Três figuras femininas , tinta-da-china, aguarela e lápis sobre papel, 1941;

— Duas senhoras com saia de xadrez , tinta-da-china e lápis sobre papel,

1941;

— Figura feminina deitada, dedicado e incluindo verso de Fernando Pessoa.

"A Europa jaz, posta nos cotovelos: o rosto com que fita é Portugal"

(Mensagem) , lápis sobre papel, 1943;

— Mulher deitada (patamar de escadas), lápis sobre papel, não datado

(1943?)

— Duas mulheres e cão (luz de fundo), guache sobre cartolina, 1945;

— Mulher (à beira rio), lápis de cor sobre papel, 1946;

— Jogo de Cartas, têmpera sobre papel, 1947

— Meninas jogando às 5 pedrinhas, tinta-da-china e aguarela sobre papel,

1951

— Figura feminina, tinta-da-china e aguarela, 1952;

— Senhora sentada a uma mesa (com chapéu), aguarela sobre papel, não

datado;

— Meninas sentadas lendo , óleo sobre tela, não datado;

— Mulher à varanda (com cruzamento de eixos), guache sobre papel, não

datado;

216

— Rapariga desenhando (sentada no chão e de lado), lápis sobre papel, não

datado;

— Figuras femininas (post-picassiano), lápis e guache sobre cartão, não

datado;

— Três mulheres dançando , tinta-da-china e aguarela sobre papel, não

datado;

— Três figuras femininas (duas de frente e uma de costas), guache sobre

cartão, não datado;

— Senhora enfiando agulha, tinta-da-china sobre papel, não datado;

— Mulher e pássaro , guache sobre cartão, não datado;

— Mulher com compras e marçano, guache e lápis de cera sobre cartão, não

datado;

— Figura de mulher, (com fundo verde), tinta-da-china e aguada, não

datado;

— Retrato de três mulheres, (uma delas sentada), lápis sobre papel, não

datado;

— Duas mulheres, (uma delas lendo e de óculos), lápis sobre papel, não

datado;

— Figura de mulher, (movimentos de braços), tinta-da-china sobre papel,

não datado;

— Três figuras femininas (sequência de gestos individuais), lápis sobre

papel, não datado;

— Rapariga lendo, óleo sobre tela, não datado

— Rapariga cruzando os braços, óleo sobre tela, não datado

— Mulher e pássaro, guache sobre cartão, não datado

— Lendo o Orpheu 2 - estudo, guache, não datado

— Sevilhanas, lápis sobre papel, não datado

— Rapariga desenhando, lápis sobre papel, não datado

— Duas mulheres do povo, lápis sobre papel, não datado

— Varina, lápis sobre papel, não datado

— Menina tocando guitarra, lápis sobre papel, não datado

— Rapariga a dormir, óleo sobre tela, não datado

— Mulher a pentear-se, óleo sobre tela, não datado

— Cama do Gato, pastel sobre cartão, não datado

217

ANEXO VII Lista de Figuras Masculinas

— Toureiro, sanguínea, 1919

— Homem tocando guitarra, lápis sobre papel, 1919

— Homem com bengala sentado, lápis sobre papel, 1921

— Homem sentado a uma mesa, lápis sobre papel, 1922

— Senhor a uma mesa, lápis sobre papel, 1923

— Marinheiro tocando guitarra, lápis sobre papel, 1923;

— Guitarrista (com perna apoiada), tinta-da-china sobre papel, 1926;

— Marinheiro tocando guitarra , tinta-da-china e aguada, 1927;

— Marinheiro e raparigas, tinta-da-china e aguada, 1928

— Marinheiro (sentado na borda de uma barco), tinta-da-china sobre papel,

1931;

— Campino, lápis sobre papel, 1933

— Três Jovens, lápis sobre papel, 1935

— Picador, Toureiro e Futebolista, tinta-da-china e lápis, 1941

— Homem com pé apoiado num banco, tinta-da-china, 1946

— O pescador, tapeçaria de lã realizada em 1985 a partir de desenho

— Rapaz sentado à janela, lápis sobre papel, não datado

— Figura de Homem, (perna apoiada em banco), lápis sobre papel, não

datado

— Homem sentado com barrete, aguarela e lápis sobre cartão, não datado

— Tenista, tinta-da-china sobre papel, não datado

— Figura masculina sentada (banco de jardim), lápis sobre papel, não

datado;

— Guitarrista, lápis sobre papel, não datado;

— Rapaz sentado à janela, lápis sobre papel, não datado;

— Figura de homem (queixo apoiado na mão), lápis sobre papel, não datado;

— Rapazes brincando (desporto), lápis sobre papel, não datado;

218

ANEXO VIII

Lista de Cabeças/Retratos femininos e masculinos

— Retrato da 4ª Duquesa de Palmela, lápis sobre papel, 1921

— Cabeça de mulher, aguarela sobre papel, 1922;

— Retrato de mulher (com brincos e colar - mundana), aguarela sobre papel,

1925;

— Figura dormindo, lápis sobre papel, 1929

— Retrato de senhora (com rede no cabelo) lápis sobre papel, 1930;

— Desenho (retrato com mão na cabeça), 1930

— Rosto de mulher, lápis sobre papel, 1932

— Cabeça de mulher, lápis sobre papel, 1932;

— Rosto de mulher (velatura), lápis sobre papel, 1933;

— Cabeça de mulher, (olhar velado), lápis sobre papel, 1933;

— Cabeças, lápis sobre papel, 1934

— Rosto de mulher (com boina), lápis sobre papel, 1935;

— Varina (cabeça), óleo sobre tela, 1939;

— Milonga, desenho a lápis, 1940

— Rapariga com bivaque, lápis sobre papel, 1942

— Busto de mulher, lápis sobre papel, 1963

— Cabeça de mulher (com brinco), lápis sobre papel, não datado;

— Retrato de Sarah Affonso, lápis sobre papel, não datado;

— Retrato de Sarah Affonso, lápis sobre papel, não datado;

— Retrato de Sarah Affonso, óleo sobre tela, não datado;

— Retrato da mãe de Almada Negreiros, lápis sobre papel, não datado

— Cabeça feminina (mãos em prece), lápis sobre papel, não datado;

— Retrato de senhora, (blusa vermelha), guache sobre papel, não datado;

— Cabeça de rapaz, lápis e aguarela, 1920

— Retrato de Alfredo Cortez , lápis sobre papel, 1926

— D.Rufino Blanco Fomlona, lápis sobre papel, 1927

— Retrato de Fernando Pessoa, tinta-da-china sobre papel, 1935

— Retrato masculino, lápis sobre papel, 1937;

— Retrato do Arqt.º José de Almada Negreiros, lápis sobre papel, 1938;

— Retrato de Euetzer Martins, lápis sobre papel, 1948;

— Retrato de pintor Altberg, lápis sobre papel, não datado;

219

— Retrato de Gago Coutinho, lápis sobre papel, não datado;

— Rosto de Homem, lápis sobre papel, não datado

— Cabeça de velho com cachimbo, lápis sobre papel, não datado;

— Mousinho de Albuquerque, desenho, não datado

220

ANEXO IX

Lista de Bailarinos, artistas e figuras de Circo

— Bailarina (grand jeté), lápis sobre papel, 1933;

— Bailarinos , (dança rotacional), lápis e aguarela sobre papel, 1943;

— Bailarinas (com sabatinas), guache, 1945

— Bailarinos , gravura, não datada;

— Bailarinas (vestidas de cores), lápis de cera sobre papel, não datado;

— Bailarina (branco sobre preto), tinta-da-china e lápis sobre papel, não

datado;

— Par de bailarinos (branco sobre preto), tinta-da-china e lápis sobre papel,

não datado;

— Repouso da bailarina, lápis sobre papel, não datado;

Artistas e Figuras de Circo

— Acrobata, lápis sobre papel, 1920

— Uma Actriz, lápis sobre papel, 1922

— O Contorcionista, desenho, 1929

— Figuras de Circo (com cavalo), lápis de cera sobre cartão, 1933;

— Homem de Circo (equilibrista), tinta-da-china sobre papel, 1933;

— Saltimbancos, lápis sobre papel, 1938

— Figura de circo com cavalo, aguarela, 1939

— Meninas e cavalos, aguarela sobre cartão, 1942;

— Acrobatas (deitados), guache sobre papel, 1947;

— Acrobatas, guache sobre papel, 1947

— Figuras de circo, desenho à pena, 1952;

— Figuras de circo, (mulher com bola), tinta-da-china sobre papel, não

datado;

— Figuras de Circo (com camarote e público), lápis de cor sobre papel, não

datado;

— Acrobata, têmpera e lápis de cera sobre cartolina, não datado;

— Figuras e cavalo (com criança), lápis sobre papel, não datado;

— Atleta, lápis sobre papel, não datado;

— Fadistas, lápis sobre papel, não datado;

— Casal de artistas de circo, óleo sobre madeira, não datado

221

ANEXO X Lista de "Maternidades"

— Mãe e Filho, tinta-da-china sobre papel, 1926

— Sarah Affonso e filho, lápis sobre papel, 14.12.34;

— Maternidade, óleo sobre tela, 1935;

— Mulher e criança de perfil, lápis sobre papel, 1943;

— Maternidade (post-picassiano), óleo sobre madeira, 1948;

— Maternidade (amamentando), lápis sobre papel, não datado;

— Maternidade : série de 27 desenhos a tinta-da-china sobre papel, 8.1948;

— Homem, mulher e criança, lápis e aguada sobre papel, não datado;

— Família, guache e aguarela, 1940

— Família, lápis de cor e lápis de cera, 1968;

— Mulher e criança na praia, lápis sobre papel, não datado

222

Lista de Anexos

Anexo I Lista dos Auto-Retratos de Almada Negreiros ____________

Anexo II Lista de Retratos de Arlequim, Pierrot e Columbina ______

Anexo III Lista dos Retratos de Pares 1 ____________________________

Anexo IV Lista de Pares 2 ________________________________________

Anexo V Lista Nus femininos _____________________________________

Anexo VI Lista Figuras Femininas — Retrato Corpo Inteiro __________

Anexo VII Lista de Figuras Masculinas _____________________________

Anexo VIII Lista de Cabeças/Retratos femininos e masculinos _______

Anexo IX Lista de Bailarinos, artistas e figuras de Circo _____________

Anexo X Lista de "Maternidades" ________________________________

Anexo XI Manuscrito “O Pierrot que nunca soube” ________________

Anexo XII Manuscrito “História Verde (a autêntica)” _______________