FEDERALISMO E POLITICAS SOCIAIS

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FEDERALISMO E POLÍTICAS SOCIAIS Maria Hermínia Tavares de Almeida Há mais de uma década, o Brasil vive uma rica experiência de redesenho de seu sistema federativo. O sentido da mudança é claro, ainda que o curso seguido esteja longe de ser retilíneo. Ele aponta de forma inequívoca rumo à descentralização, ao fortalecimento da capacidade decisória das instâncias subnacionais de governo. As políticas sociais constituem um foco privilegiado para a análise desse processo. Desde 1930, a ampliação da ação governamental na esfera social caminhou junto com a centralização política e a concentração de poder decisório no Executivo federal. Mais do que isto: o sistema brasileiro de proteção social nasceu, expandiu-se e ganhou suas feições características durante os dois ciclos autoritários - o de Vargas (30/45) e o dos militares (64/84) -, quando o federalismo deu lugar, de fato, a um Estado quase unitário, ou pelo menos a uma forma exacerbada de federalismo centralizado. Em conseqüência, as políticas sociais não só estiveram associadas à crescente atividade da esfera federal - o que ocorreu na maioria das democracias federativas -, mas exibiram as marcas de concepções autoritárias, que consagraram o predomínio do Executivo federal, dos processos

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FEDERALISMO E POLÍTICAS SOCIAIS Maria Hermínia Tavares de Almeida 

 Há mais de uma década, o Brasil vive uma rica

experiência de redesenho de seu sistema federativo. Osentido da mudança é claro, ainda que o curso seguidoesteja longe de ser retilíneo. Ele aponta de formainequívoca rumo à descentralização, ao fortalecimento dacapacidade decisória das instâncias subnacionais degoverno. 

As políticas sociais constituem um focoprivilegiado para a análise desse processo. Desde1930, a ampliação da ação governamental na esferasocial caminhou junto com a centralização política ea concentração de poder decisório no  

Executivo federal. Mais do que isto: o sistemabrasileiro de proteção social nasceu, expandiu-se eganhou suas feições características durante os doisciclos autoritários - o de Vargas (30/45) e odos militares (64/84) -, quando o federalismo deulugar, de fato, a um Estado quase unitário, ou pelomenos a uma forma exacerbada de federalismocentralizado. Em conseqüência, as políticas sociaisnão só estiveram associadas à crescente atividade daesfera federal - o que ocorreu na maioria dasdemocracias federativas -, mas exibiram as marcas deconcepções autoritárias, que consagraram opredomínio do Executivo federal, dos processos

fechados de decisão e da gestão centralizada emgrandes burocracias. 

Assim, no Brasil, a questão da redefinição decompetências entre as esferas de governo refere-secentralmente - ainda que não exclusivamente - àspolíticas e programas da área social. É nesseterreno, por conseguinte, que se colocam com grandenitidez os dilemas envolvidos naquele processo. 

Este trabalho discute os condicionantes e ascaracterísticas mais gerais do processo de redesenhodas competências e atribuições entre esferas degoverno na área social. Na primeira parte, fazemosuma discussão rápida dos conceitos utilizados,tratando de esclarecer as relaçõesentre descentralização e federalismo. Na segundaparte, discutimos os condicionantes mais gerais datransformação, em curso, do sistema federativo noBrasil. Na terceira parte, tratamos dascaracterísticas da mudança que está se operando nasáreas de saúde, educação, assistência social ehabitação. Finalmente, na quarta parte alinhamosalgumas conclusões.

Federalismo e descentralizaçãoAs relações entre federalismo e descentralização

não são simples, quer do ponto de vista conceitual,quer do ponto de vista do funcionamento efetivo dossistemas federativos contemporâneos. 

Segundo a literatura especializada, ofederalismo é um sistema baseado na distribuiçãoterritorial - constitucionalmente definida eassegurada - de poder e autoridade entre instânciasde governo, de tal forma que os governos nacional esubnacionais são independentes em sua esfera própriade ação (1). 

Em sua forma original, bem como na definiçãonormativa, o federalismo se caracteriza pela não-centralização, isto é, pela difusão dos poderes degoverno entre muitos centros, nos quais a autoridade

não resulta da delegação de um poder central, mas éconferida por sufrágio popular. A idéia de que ofederalismo constitui uma estrutura não-centralizadaé defendida por Elazar (1987, pp. 35-36), aoenfatizar que:

 Não-centralização não é o mesmo que descentralização, apesar de

esta última ser usada - erroneamente - no seu lugar para descreversistemas federais. Descentralização implica a existência de umaautoridade central, um governo central que pode descentralizar ourecentralizar segundo seus desejos. (...) Em um sistema político não-centralizado, o poder é difuso e não pode ser legitimamentecentralizado ou concentrado sem romper a estrutura e o espírito daConstituição. Os sistemas federais clássicos (...) são sistemas não-centralizados. Todos têm um governo geral, ou nacional, que dispõe depoder em muitas áreas e para muitos propósitos, mas não um governocentral que controle todas as linhas de comunicação e decisãopolíticas. Em todos estados, cantões ou províncias não são criaturasdo governo federal, mas, como este, derivam sua autoridade diretamentedo povo. Estruturalmente, são substancialmente imunes à interferênciafederal. Funcionalmente, partilham muitas atividades com o governofederal, sem perder seus papéis de formulação de políticas e seuspoderes decisórios. 

Para usar outro tipo de imagem, descentralização implica hierarquia - uma pirâmide de governos com o poder fluindo do topo parabaixo - ou um centro com uma periferia. (...) 

A não-centralização é melhor, conceptualizada como uma matriz degovernos com poderes distribuídos de tal forma que a ordenação dos governos não é fixa. 

 Na verdade, o federalismo constitui um compromisso

peculiar entre difusão e concentração do poder político, emfunção de algum modelo compartilhado de nação e de graussocialmente desejados de integração política e de eqüidadesocial. 

Por serem estruturas não-centralizadas, ossistemas federais moldam formas peculiares derelações intergovernamentais, constitutivamentecompetitivas e cooperativas, e modalidades deinteração necessariamente baseadas na negociaçãoentre instâncias de governo (2).A existência decompetências comuns entre instâncias de governo é aexpressão mais clara da natureza não centralizada dofederalismo. Não é preciso dizer que as relações

intergovernamentais variam muito entre os diversospaíses que adotaram o federalismo, bem como ao longodo tempo em um mesmo sistema federal. 

Se as características acima apontadascorrespondem à descrição canônica do modelofederativo, as federações realmente existentessofreram, ao longo desse século, mudançasestruturais profundas. 

Do ponto de vista das relações entre esferas degoverno, a literatura especializada distinguiu trêstipos de arranjos federativos (3). O primeiro,chamado federalismo dual, constitui o modelooriginário, simultaneamente descritivo eprescritivo, no qual "os poderes do governo geral edo Estado, ainda que existam e sejam exercidos nosmesmos limites territoriais, constituem soberaniasdistintas e separadas, que atuam de forma separada eindependente, nas esferas que lhes são próprias"(Avir, 1981, p. 3). 

Os dois outros resultam da transformação do arranjodual, como conseqüência da tendência universal à expansãodo escopo do governo federal, isto é, de um processo maisou menos acentuado de centralização. Assim, o federalismocentralizado implica a transformação dos governos estaduaise locais em agentes administrativos do governo federal, quepossui forte envolvimento nos assuntos das unidadessubnacionais, primazia decisória e de recursos. Já ofederalismo cooperativo comporta graus diversos deintervenção do poder federal e se caracteriza por formas deação conjunta entre instâncias de governo, nas quais asunidades subnacionais guardam significativa autonomiadecisória e capacidade própria de financiamento.

Estes dois últimos tipos correspondem a padrõesde relacionamento que tanto podem descrever o perfilpredominante das relações entre instâncias degoverno, em dado período, como podem conviver lado alado, em diferentes áreas de ação governamental.Mas, nos dois casos, eles nomeiam relaçõesintergovernamentais nas quais a não-centralização,

característica do ordenamento federativo, convive deforma complexa e, freqüentemente, conflitante com alógica da centralização-descentralização (4). Emoutros termos, nesses dois tipos de federalismo, aexistência de competências comuns, típica dofederalismo, convive e se choca com o princípio dadefinição nítida de funções entre níveis de governo,característica dos Estados unitários. O que nossistemas unitários constitui superposição irracionalde funções, resultante da expansão desordenada daação governamental, é característica constitutivados arranjos federativos. 

O federalismo fiscal é a espinha dorsal dosistema, em qualquer de suas versões. A maneira comosão gerados e distribuídos entre as esferas degoverno os recursos fiscais e parafiscais, define,em boa medida, as características próprias dosdiferentes arranjos federativos. Todavia, suasfeições e sua operação efetiva são, também,fortemente condicionadas pelas características deinstituições políticas, especialmente os sistemaspartidários e eleitorais e as organizações deinteresses (5).

As transformações nos sistemas federaisresultantes da expansão das instâncias nacionais degoverno requerem mudanças nos modelos de análisecalcados na estrutura e operação do federalismodual. Esta não é a única dificuldade a serenfrentada. 

A análise concreta das formas federativascontemporâneas esbarra em problemas conceituais eempíricos relacionados ao tema da centralização-descentralização. Na literatura especializada emrelações intergovernamentais, o termo"descentralização" está longe de ter um significadopreciso. Ele tem sido utilizado indistintamente paraindicar graus e modalidades diversas de redução doescopo do governo federal em decorrência: a) do

deslocamento da capacidade de decidir e implementarpolíticas para instâncias subnacionais; b) datransferência para outras esferas de governo daimplementação e administração de políticas definidasno plano federal; ou c) da passagem de atribuiçõesda área governamental para o setor privado. 

Em outras palavras, o termo descentralização temservido para nomear processos de realocação defunções e recursos correspondentes para instânciassubnacionais; de consolidação, quando recursoscentralizados são utilizados para financiar funçõesdescentralizadas; ou de devolução, quando as funçõessão descontinuadas e, em conseqüência também osrecursos (Beer, 1988 p. XV). Entretanto, cada umadessas formas tem conseqüências muito diversas sobreas relações intergovernamentais. Experiências deconsolidação nas quais os governos locaisdesempenham funções descentralizadas sãoperfeitamente compatíveis com um alto grau deativismo e de capacidade decisória do governofederal. Constituem, mesmo, uma modalidade derelação freqüente no federalismo centralizado,especialmente nas áreas de políticas sociais. Já arealocação e a devolução supõem redefinição maisampla do escopo de atuação das instâncias federaise, no segundo caso, podem implicar redução daatividade de todas as esferas do governo, quandosuas funções são transferidas para a área privada. 

À imprecisão conceitual que cerca a discussãosobre centralização-descentralização soma-se o fatode que, neste século, o crescimento do governo nãofoi em parte alguma um processo de soma-zero. Aocontrário, centralização e descentralização têm sidofenômenos antes concomitantes do que mutuamenteexcludentes (6).Assim, não há razão para pensar quea descentralização implica inexoravelmente a reduçãoda importância da instância nacional. Ela poderesultar seja na criação de novos âmbitos de ação,

seja na definição de novos papéis normativos,reguladores e redistributivos que convivam com aexpansão das responsabilidades de estados emunicípios. 

Os processos de redefinição de competências eatribuições na área social, focalizados nestetrabalho, são parte de um fenômeno mais amplo depassagem de uma forma extrema de federalismocentralizado, construída sob o regime autoritário,para alguma modalidade de federalismo cooperativo,cujas feições ainda estão se definindo. Trata-se,pois, de um processo de descentralização comcaracterísticas específicas e distintas daquelas queocorrem em Estados unitários. Envolve o redesenhodas funções do governo federal e implica processosdiversos de realocação, consolidação e devolução defunções anteriormente situadas na órbita do podercentral. 

Condicionantes da mudança do federalismo centralizadoA democratização e a crise fiscal constituem os

dois macrocondicionantes da transformação do sistemafederativo brasileiro, na qual a redefinição dascompetências e atribuições na área social constituium capítulo. Embora contemporâneos, atuaram comimportância e pesos diversos ao longo do processo,ainda em curso, de redesenho da federaçãobrasileira. No início da década de 80, os impulsosliberados pelo processo de democratização foram maisimportantes que as limitações impostas pelasdificuldades econômicas. Depois de 88, osconstrangimentos econômicos ganharam destaque. 

A crise do regime autoritário e a transição paraa democracia, no Brasil, geraram poderosas correntesdescentralizadoras. 

Em primeiro lugar, o andamento singular datransição para a democracia conferiu preeminência

aos dirigentes políticos dos estados e, a partir de82, reforçou a liderança política dos governadores.As clivagens políticas estaduais foram decisivas naestruturação da maioria dos partidos políticos quese formaram a partir da legislação de 79. E osgovernadores de oposição desempenharam papeldecisivo na condução dos lances finais de uma lutacontra o regime autoritário, à qual a disputaeleitoral imprimiu sentido e ritmo. O impulso pelaredefinição descentralizadora do pacto federativofoi, em larga medida, conseqüência da importância dapolítica estadual e da liderança política dosgovernadores no restabelecimento da democracia (7).

Em segundo lugar, no contexto da luta contra umregime autoritário de fortes traços centralizadores,a descentralização se tornou, para as oposições,sinônimo de democracia, de devolução à cidadania daautonomia usurpada pelos governos militares. Segundoa percepção oposicionista dominante na época, adescentralização era condição para o aumento daparticipação, e ambas compunham uma utopiademocrática cujo horizonte remoto era o autogovernodos cidadãos. 

Finalmente, no terreno próprio das políticassociais, a proposta descentralizadora brotou dacrítica ao padrão de proteção social construídopelos governos autoritários: hipercentralizado,institucionalmente fragmentado e iníquo do ponto devista dos serviços e benefícios distribuídos(Draibe, 1986). Seu leitmotiv era a correção dasdistorções do sistema de proteção social, de forma atorná-lo um instrumento de redução das desigualdadessociais. A descentralização foi vista comoinstrumento de universalização do acesso e deaumento do controle dos beneficiários sobre osserviços sociais (8).

Ainda que nem sempre explicitado com clareza,para os críticos do sistema de proteção vigente a

descentralização deveria implicar a transferência decompetências e atribuições de outras esferas para osmunicípios, nos quais se supunha ser mais fácil ocontrole democrático exercido pelos cidadãos. Não setratava, pois, neste caso, de redefinir a naturezada intervenção pública de caráter social no âmbitode um novo pacto federativo que fortalecesse osestados, mas de redistribuir competências e funçõesde forma a incrementar o acesso da população aosserviços sociais, propiciando-lhe maioresoportunidades de controle. 

A Assembléia Nacional Constituinte (87/88) foi oestuário das correntes geradas na luta pelademocratização. Elas promoveram uma verdadeirarevolução descentralizadora. A Constituição de 88definiu um novo arranjo federativo, comsignificativa transferência de capacidade decisória,funções e recursos do governo nacional para osestados e, especialmente, para os municípios (9).Aumentou, também, o poder de um Legislativo onde asduas casas consagram - naturalmente, em grausdiversos - a representação desproporcionalcaracterística dos sistemas federais e são de fatoarenas de embate e negociação de conflitosfederativos (10).

Mudança de tal magnitude não poderia ocorrer dodia para a noite, como conseqüência automática denovas normas constitucionais. Ela supõe um complexoprocesso de trânsito envolvendo a promulgação delegislação complementar aos dispositivos daConstituição, definindo regras e novos instrumentospara realocação, consolidação ou devolução defunções entre instâncias de governo; a negociaçãodos conflitos resultante das mudanças propostas; aredefinição de objetivos e a reforma administrativados aparatos governamentais cujas atribuições semodificaram. 

Esse processo de transição, em si complicado,tornou-se mais difícil em razão da perda de comandodo governo federal, resultante tanto dasvicissitudes políticas dos três primeiros governoscivis para compor maiorias governantes estáveisquanto do quadro de crescentes dificuldadeseconômicas que afetaram a capacidade definanciamento não-inflacionário do Estado. 

Os constrangimentos políticos prejudicaram aação do Congresso, que se fortalecera com ademocratização, e do Executivo federal, que perderamuitas de suas funções e instrumentos deintervenção. A dificuldade de formar governosde maioria não só inibiu a definição de rumos clarospara a ação do Executivo. Redundou, também, emenorme rotatividade das equipes de governo e emesforços sucessivos e contraditórios de reformaadministrativa que minaram a eficiência dosministérios e agências públicas (11).

De outra parte, aumentaram as dificuldades definanciamento do setor público. Como se viuanteriormente, o governo teve diminuída suaparticipação no bolo de recursos tributários emcerca de 15,6%. Ao mesmo tempo, as despesas federaisse tornaram mais rígidas. Não só em decorrência daelevação do montante de transferências automáticaspara as unidades subnacionais, mas também damultiplicação de gastos vinculados na área social,da ampliação dos benefícios previdenciários e doaumento de despesas com pessoal, também resultantesde dispositivos constitucionais (Frischtak, 1994,pp. 18-31). Assim, aos problemas resultantes daprolongada febre inflacionária somaram-se osimpactos de dispositivos diversos da novaConstituição no sentido de agravar os problemas definanciamento do governo federal, limitando suasmargens de manobra e sua capacidade efetiva deatuação. 

No terreno específico das políticas sociais, afalta de um centro que comandasse o processo foiparticularmente notável e vem constituindo obstáculoimportante à continuidade da redefinição decompetências e funções nos marcos de um federalismorenovado. 

A deliberada ação descentralizadora, por partedo governo federal, se torna necessária por duasrazões: em virtude da forma como a Constituição de88 lidou com as atribuições das instâncias degoverno e devido à maneira pela qual se dá ofinanciamento das ações na área social. 

A Carta Constitucional não definiu com clarezauma hierarquia de competências dentro da federação.Ao contrário, estipulou cerca de trinta funçõesconcorrentes entre União, estados e municípios, boaparte delas na área social. Nessas circunstâncias, adefinição de atribuições específicas e de áreas decooperação só pode resultar de políticasgovernamentais. 

Na maioria dos casos, a forma de financiamentopadece de indefinição semelhante, quanto ao grau deenvolvimento das diferentes instâncias e quanto àsformas de repasse dos recursos geridos pela União. Éo que se pode observar no Quadro I (página 94). 

Exceção feita à Previdência Social, ofinanciamento de todas as outras áreas depende doenvolvimento das três esferas do governo. Ascontribuições sociais arrecadadas pelo governofederal constituem parcela significativa do montantede recursos disponíveis. Seu repasse para as esferassubnacionais supõe transferências negociadas, quasesempre sem regras de partilha preestabelecidas.Nessas circunstâncias, um processo mais ou menosordenado de descentralização da decisão e do comandodas ações públicas requer empenho e políticasdefinidas no âmbito federal, que estabeleçam

competências, mecanismos de cooperação e critériosde transferência de recursos. 

Entretanto, o governo federal, peça fundamentalno processo de mudança, não foi capaz de formularalgo que se parecesse com uma estratégia deredefinição das funções dos três níveis de governona área social, que contemplasse as especificidadesdos setores que a compõem e a diversidade dassituações regionais. Ao contrário, cindiu-se entreiniciativas e proposições que espelhavam diferentesobjetivos e prioridades: os da área econômica dogoverno, empenhada em controlar a inflação, e os dediferentes segmentos da área social, comprometidoscom a continuidade das políticas de seu setor. 

A área econômica do governo federal, diante dosdesafios de uma difícil estabilização, passou aoperar segundo a lógica da emergência econômica(Torre & Palermo, 1992). Subordinou as reformassetoriais às necessidades da política de curtoprazo, cujo eixo era o ajuste do setor público. Suasiniciativas, com freqüência contraditórias, buscaramdesonerar a União de compromissos de gastos, deatribuições e de organismos correspondentes. 

Ademais, a busca desesperada de equilíbriofiscal tinha conseqüências diretas sobre ofuncionamento das políticas sociais e sobre suadescentralização, devido à importância estratégica ecrescente das contribuições sociais para a políticaeconômica de curto prazo (12). Criadas parafinanciar aação social do governo em diversasfrentes, essas contribuições parafiscais não sócresceram como porcentagem da receita tributáriabruta como também se tornaram peça-chave na operaçãodo governo federal (13).Com efeito, por nãoconstituir receita partilhada com as outras esferasde governo, sua transferência para estados emunicípios estava sujeita a negociação e podia seradiada. Em situações de aperto, parte dos recursos

delas proveniente poderia ser - e foi - utilizadapara o custeio de despesas típicas do TesouroNacional. Finalmente, em casos extremos, o governotinha a possibilidade de adiar a liberação derecursos proporcionados pelas contribuições, comoforma de administrar o déficit orçamentário. 

Por seu turno, alguns dos ministérios afetos àsáreas sociais se tornaram eixo de coalizõesdefensivas, que envolveram todos os gruposvinculados à operação de cada setor: burocracias equadros técnicos do Estado, parlamentares,associações profissionais e de interesses privados.Todos se irmanaram no empenho comum de escapar àsconseqüências do ajuste do setor público. 

A estabilidade e a capacidade de articulaçãodessas coalizões foram e são variáveis. Entretanto,em todos os casos sua lógica de ação foi sempresetorial e descomprometida com uma visão maisabrangente do que possa ou deva ser a atuação dogoverno federal no domínio social. 

A pressão das circunstâncias econômicas e aausência de coordenação no âmbito do governo federalpermitem que os requerimentos da políticaantiinflacionária e as visões setoriais continuempredominando sobre qualquer consideração mais ampladas atribuições e competências das três esferas degoverno, capaz de dar substância a um modelo defederalismo cooperativo. Dependendo do ministério edo setor, o governo federal ora quer manteratribuições que certamente podem ser mais bemexecutadas em outras instâncias do governo, ora querpassar adiante seus encargos ignorando custos edificuldades de transição. 

O Congresso Nacional, com uma pauta em largamedida ditada pelo Executivo e carente de mecanismosde filtragem e ordenamento das demandas regionais esetoriais, tampouco é capaz de visão estratégica eabrangente. 

 

 

Em nenhum dos casos são criadas condições favoráveisà definição de atribuições e de formatos organizacionaismais adequados a um modelo estatal federativo edescentralizado, que, bem ou mal, vem se gestando há quaseuma década.

Da mesma forma, estados e municípios não são capazesde definir com clareza seus papéis quando a lei estabeleceucompetências concorrentes e resistem, de forma crescente, aassumir funções que o novo modelo lhes atribui, em que pesea transferência de recursos promovida pela Constituição de88. Desejam a descentralização sempre e quando ela forfinanciada pelo governo federal. 

Nessas circunstâncias, o conflito entre os níveis de governo tende a se acirrar e a assumir distintas formas, todas com efeitos paralisantes sobre a redefinição do pacto federativo em bases cooperativas. 

Entre a permanência e a mudança: quatro experiências de reforma (14)

As forças que se opuseram ao autoritarismo eimpulsionaram a democratização convergiam quanto ànecessidade de reforma profunda das políticassociais, consideradas ineficazes e iníquas. A metaera promover mudanças que garantissem eficácia eeqüidade. A descentralização era considerada meio econdição para atingir esses objetivos. 

Todavia, embora houvesse uma inclinaçãogeneralizada pela descentralização, não existiu umaverdadeira política de descentralização queorientasse a reforma das diferentes políticassociais. Ao contrário, lógicas particularespresidiram a redistribuição de competências eatribuições - ou a ausência dela e a manutenção dostatus quo - nas diferentes áreas. Diversos foramseus pontos de partida, suas forças motrizes, seusritmos e suas formas. Diferentes são seus impassesatuais.

As formas e os ritmos da descentralização nasáreas que estudamos dependeram de um conjunto de

fatores que convém especificar: a) a presença ouausência de políticas deliberadas dedescentralização de âmbito federal; b) a natureza eo poder das coalizões reformadoras; c) ascaracterísticas prévias de cada área, do ponto devista de suas estruturas e das relaçõesintergovernamentais que estas supunham. Desse pontode vista, as principais características do processode descentralização nas quatro áreas estudadas estãoresumidas no Quadro II (página 96). 

Das quatro áreas, a de saúde foi a única em quea reforma resultou de uma política deliberada eradical de descentralização, definida no âmbitofederal, envolvendo Executivo e Legislativo. 

Em essência, a reforma promoveu a racionalizaçãodos serviços de saúde por meio da integração dasredes federal, estadual e municipal e damunicipalização do atendimento primário; dadefinição das fontes de financiamento; doestabelecimento de funções para as instâncias degoverno; da criação de mecanismos automáticos detransferência de recursos no interior da redepública e no setor privado. 

Embora a descentralização e a unificação dasredes fossem propósitos presentes desde o início, areforma não partiu de um modelo pronto e acabado. Omodelo foi se desenhando, desde 83, até ganharfeição definitiva em 88, com a criação do ServiçoÚnico de Saúde (SUS), completada pela Lei Orgânicada Saúde (1990). A descentralização contida nomodelo SUS é radical: implica a realocação decapacidade decisória, de recursos e funções nosmunicípios. 

O SUS constituiu, seguramente, a mais audaciosareforma da área social empreendida sob o novo regimedemocrático. Ainda que a implantação do novo sistemaesteja longe de se haver completado, e muitos sejam

seus impasses, no estágio atual já significa umatransformação profunda do sistema público de saúde. 

A existência de uma política nacional de reformaé, sem dúvida alguma, a principal explicação para oavanço e a profundidade das mudanças levadas a cabo.A reforma da saúde constitui um caso exemplar dedescentralização que veio do centro (Moura Castro,1983).

De outra parte, a existência de uma políticanacional resultou em boa medida da presença de umacoalizão reformadora, que foi capaz de inscreversuas propostas na agenda política, mobilizar a seufavor segmentos da opinião pública, negociá-las comas agências governamentais, transformá-las em artigoda Constituição, em legislação ordinária e emprática concreta dos governos. 

Uma elite profissional com característicasespeciais constituiu o núcleo dessa coalizão, que,de início, animou e deu prumo àsmudanças (15).Tratava-se de um grupo coeso quanto aodiagnóstico e aos objetivos gerais da reforma, comcapacidade de formulação de políticas, liderança emseu meio e capacidade de organização, estreitaligação com associações profissionais de saúde,vinculação com entidades internacionais e,sobretudo, com conhecimento da máquina pública ealguma experiência de governo, adquirida durante operíodo dos militares e atualizada com aredemocratização, no Ministério da Saúde, emsecretarias estaduais e municipais. 

Para além da capacidade de articulação política donúcleo animador da coalizão, a importância dos serviços desaúde pública para a grande massa do eleitorado tornou areforma um projeto potencialmente valioso para prefeitos,secretários de Saúde estaduais e municipais, governadores eparlamentares, que, em momentos diversos, engrossaram aaliança reformadora.

 

  

 

Por outro lado, como observa Vianna (1993), aestrutura anterior da área de saúde facilitou adescentralização. O comando centralizado das decisões, docontrole sobre os recursos e de parte da rede de prestaçãode serviços na instância federal conviveu com a existênciade redes estaduais e municipais. Embora relegadas a funçõessecundárias e carentes de recursos, elas constituíram umabase inicial importante para o processo dedescentralização. No começo da reforma, estados e, em menormedida, municípios já tinham experiência de operar suaspróprias redes, com tudo o que isso implica. 

A inspiração descentralizadora que impulsionou areforma da saúde e deu feição ao SUS pouca atençãodispensou à dimensão federativa da organização, doEstado brasileiro. O projeto que se foi desenhandoaté a implantação do SUS supunha um Estado unitáriodescentralizado, no qual permaneceria grande o papeldo centro como motor, financiador e coordenador deum sistema de saúde municipalizado. Não se imaginoucom clareza um papel ativo para os estados, nem secontou com a autonomia, o poder e a iniciativa queestados e municípios dispõem sob o sistema federalna Constituição de 88. Tampouco se previu apossibilidade de o governo nacional perder acapacidade de orientar a implementação do sistema desaúde descentralizado. 

Entretanto, foi exatamente isto que começou aocorrer a partir dos anos 90. Em primeiro lugar, osritmos e as formas de implantação do SUS variaramsignificativamente de estado para estado. A reformatributária da Constituição de 88 facilitou oprocesso descentralizador, na medida em quemultiplicou os recursos nas mãos de estados emunicípios. Mas as respostas foram muito diversas,em função da disposição política e das condiçõesfinanceiras, administrativas e gerenciais dosgovernos (16). De tal forma que, hoje, o SUS temcaracterísticas muito diversificadas no conjunto dopaís. (17)

Em segundo lugar, a autonomia política própriadas unidades que compõem a federação, especialmentedos municípios, dificulta a racionalização cabal dofuncionamento do sistema de saúde descentralizado,especialmente no que diz respeito a ações que supõemcoordenação regional. 

Finalmente, no período recente o agravamento dosdesequilíbrios fiscais do governo federalcomprometeu significativamente sua açãocoordenadora, estimuladora e, sobretudo,financiadora do processo de descentralização, comconseqüências importantes para a continuidade dareforma. (18) 

De um lado, a falta de rumos políticos exacerbounas instâncias federais, especialmente no Ministérioda Saúde, as resistências burocráticas ecorporativas à descentralização e a uma redefiniçãode seu papel, que pode implicar perda de poder, derecursos e mesmo de empregos. 

Por outra parte, a diminuição dramática dosrecursos federais destinados à saúde e airregularidade das transferências federais paraestados e municípios aumentou a incerteza quanto aosrumos do SUS. Diminuiu, na mesma proporção, adisposição dos estados em desenvolver políticasativas de descentralização; e a dos municípios emassumir plenamente as responsabilidades de gestãodos equipamentos e de prestação de serviços.

O futuro do SUS depende da disposição e,especialmente, da capacidade dos municípios deassumir a plenitude das funções que lhe cabem nosistema. Esta não é uma questão simples. Onde amunicipalização avançou, os governos locaisenfrentaram uma demanda em expansão e tiveram que sehaver com mudanças dramáticas da escala dos serviçosde saúde. (19) Essas mudanças não apenas significampressão sobre os gastos municipais, mas tambémsupõem a existência de capacidade gerencial para

operar um sistema complexo, além de recursos humanosqualificados, nem sempre ao alcance dos municípios. 

A perda de rumos políticos e, sobretudo, a crisefinanceira do governo federal, estão transformando apolítica descentralizadora em descentralizaçãocaótica. Esta progride ao sabor da capacidade dedemanda das clientelas, da disponibilidade derecursos e do engajamento político dos executivosestaduais e municipais e do ainda complicado jogo dealianças e oposições entre governadores e prefeitoseleitos em um sistema pluripartidário. Nessascircunstâncias, é razoável prever que se acentuem asdiferenças de nível e qualidade de atendimento nointerior do SUS. E que, em conseqüência, a políticade saúde não chegue a ser uma política social emsentido forte, nem se torne instrumento paraassegurar patamares mínimos de eqüidade e bem-estar. 

Das quatro áreas estudadas, a de assistênciasocial (20)foi a que mudou menos, do ponto de vistada redistribuição efetiva de competências eatribuições entre instâncias de governo. Enormeinstabilidade institucional no nível federal, algumamudança no plano constitucional legal e nenhumreordenamento efetivo de funções caracterizaram aassistência social na última década. 

Três fatores inter-relacionados parecem ter sidoos principais responsáveis pela ausência de reformaefetiva de cunho racionalizador e descentralizador:a inexistência no âmbito federal de uma políticanacional de reforma; a importância do aparatofederal de assistência como instrumento depatronagem e de negociação política entre aPresidência da República, suas bases no Congresso eseus apoios nos estados; e a fragilidade política dacoalizão de apoio às propostas reformistas.Secundariamente, as características estruturais daárea - de seu aparato institucional e de sua

clientela - não facilitaram o desabrochar deiniciativas consistentes de mudança. 

Não faltaram diagnósticos das vicissitudes dapolítica brasileira de assistência. Mas eles nãotiveram como conseqüência uma política nacional queorientasse esforços efetivos de reforma. No planofederal, Executivo e Legislativo tomaram rumosdiversos, inviabilizando uma autêntica políticanacional. Com maior ou menor ênfase na intervençãosocial e em meio a mudanças institucionaisfreqüentes, (21) os governos civis não abriram mãodos instrumentos federais tradicionais da políticade assistência. Ao contrário, acrescentaram-lhesnovas formas de atuação. Por seu turno, o Congresso,de maneira muito lenta e contraditória, produziu umalegislação que possibilita uma mudança moderadamentedescentralizadora, mas que até o momento não ganhouvida. 

Já em 86, a Comissão de Apoio à Reestruturaçãoda Assistência Social, criada pelo governo federal(Portaria n° 3.764/86) consolidou os diagnósticoscríticos e apontou os principais problemas daassistência social no país: concepçãoassistencialista e utilização clientelista dasações, insuficiência de recursos, fragmentaçãoinstitucional, superposição de ações realizadaspelas três instâncias de governo, excessivacentralização financeira e político-administrativadas políticas e programas federais e baixa qualidadede atendimento. Ofereceu, também, sugestões:abandono das práticas clientelistas; substituição davisão assistencialista por uma concepção queassociasse a Assistência Social à garantia decondições mínimas para o exercício pleno dacidadania; prioridade de atendimento aos grupossocialmente mais frágeis (crianças, idosos edeficientes); descentralização político-administrativa por meio da municipalização dos

serviços; participação da sociedade na definição egestão das políticas; e reestruturação dofinanciamento e criação de um fundo permanente,formado fundamentalmente por recursos federais deorigem fiscal. 

As conclusões da Comissão não se materializaramem iniciativas de reforma definidas e impulsionadasa partir do governo federal. De um lado, asinstituições tradicionais da área - LegiãoBrasileira de Assistência e Funabem - mantiveramsuas atividades costumeiras, pouco articuladas e,com freqüência, superpostas às iniciativas deestados e municípios, além de largamente utilizadascomo recurso de patronagem política. 

Novas políticas assistenciais formaram o núcleoda retórica e da ação federal na área social,durante o primeiro governo civil. Assim, aSecretaria Especial de Ação Comunitária - criada em85 e logo transformada em Secretaria Especial daHabitação e da Ação Comunitária - comandou umaintervenção social de escopo múltiplo; que ligavadiretamente o governo federal a organizações egrupos comunitários e cuja pièce de resistente foi oPrograma Nacional do Leite. (22)

Entretanto, o trabalho da Comissão ajudou asedimentar diagnósticos e proposições que informaramo debate constitucional e acabaram inspirando asconcepções e preceitos relativos à assistênciasocial presentes na Carta de 88. Seu carátermodernizador era patente. A nova Constituiçãoincorporou a assistência à seguridade social,definindo-a como direito indispensável para garantirum limiar ao exercício da cidadania; criou a rendamínima vitalícia para idosos carentes e deficientesfísicos; estabeleceu a gestão político-administrativa participativa; preconizou amunicipalização da assistência social; definiu commais clareza as formas e fontes de financiamento,

destinando ao setor 10% dos recursos do orçamento daseguridade social, além de recursos ordinários doTesouro e dos orçamentos de estados e municípios. 

Os princípios constitucionais materializaram-sena Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) quecumpriu um longo e acidentado percurso até suasanção pela Presidência da República em 93. (23)

A preocupação central da Loas não foi adescentralização, mas o estabelecimento de um novomodelo, não assistencialista, de assistência social,a ser assegurado por mecanismos participativos dedecisão. Apesar disso, promovia alguma reorganizaçãode competências e atribuições entre esferas degoverno, bem como nos órgãos definidores, gestores efinanciadores das ações assistenciais.

Mas a descentralização proposta não era radicale a definição de funções não estava isenta deambigüidades. A mudança maior dizia respeito àUnião, que passava a ter funções mais normativas ereguladoras do que executivas. Todavia, o governofederal retinha significativo poder para celebrarconvênios com entidades assistenciais e, mesmo, paraatuar diretamente nos casos de ações emergenciais.Não eram explícitas as formas e os mecanismos detransferência de funções e agências federais -especialmente da LBA - para outros níveis degoverno. Não havia partido claro pelamunicipalização, ainda que se ampliasse a esfera deação dos municípios e se imaginasse para os estadosatribuições supletivas e de coordenação de ações deâmbito regional. Estados e municípios mantêm amplaárea de competências concorrentes na prestação deserviços assistenciais e nas situações deemergência. Finalmente, não havia clareza sobre asformas de transferência dos recursos federais para ofinanciamento das atividades redistribuídas paraestados e municípios. Em outros termos, não sedefiniram com precisão modalidades e mecanismos de

cooperação entre as três instâncias do sistemafederativo. 

O impulso reformador foi suficiente parainscrever uma concepção moderna de assistênciasocial na Constituição e para produzir umalegislação orgânica racionalizadora, ainda queambígua do ponto de vista da redistribuição decompetências e funções. Entretanto, não logrou seinstalar no poder Executivo. Nesse território, quasesempre, a política assistencial continuou a serconcebida e praticada como moeda de troca de acordospolíticos e como recurso de patronagem e de escamboeleitoral. 

Do aparato do Executivo federal ligado àpolítica de assistência não veio qualquer iniciativaconsistente de reordenamento, que significasserealocação de capacidade decisória e de recursospara as instâncias subnacionais. A aliança entreministros interessados no uso político-eleitoral dosprogramas assistenciais e a burocracia do ministérioe dos grandes aparatos - especialmente da LBA - foium poderoso fator de bloqueio das mudanças naestrutura e nas formas tradicionais de operação daassistência social no plano federal.

No período recente, incipientes propostasdescentralizadoras foram apresentadas à discussãopelas autoridades da área econômica empenhadas noajuste fiscal. Não constituíam propriamente umprojeto de política de descentralização. Sugeriamuma forma radical de devolução, com a extinção doMinistério do Bem Estar Social, a exclusão daassistência social do orçamento da Seguridade e atransferência de todas as ações de corteassistencial para as unidades subnacionais. Seuobjetivo não era reformar e modernizar a assistênciasocial, mas cortar gastos. 

De outra parte, não surgiram pressões de estadose municípios pela reforma e racionalização do

conjunto da área de assistência social, embora sejamnumerosas as ações assistenciais inovadoras nosníveis subnacionais. Ao que tudo indica, asiniciativas assistenciais autônomas de estados emunicípios multiplicaram-se como conseqüência doefeito conjunto da crise econômica e dademocratização, ampliando carências e demandas.Entretanto, essas iniciativas, por sua próprianatureza, não induziram mudanças nasrelações já cristalizadas entre as instâncias degoverno. 

A fragilidade das tendências reformadorasreduziu o alcance e o impacto do impulsoracionalizador e modernizador. Faltou, neste caso,uma elite profissional capaz de nuclear e dar rumo auma coalizão mudancista e que aliasse concepçãoclara do novo modelo assistencial com experiência degestão pública e forte penetração nos centros dedecisão da política assistencial no Executivo. Osprofissionais atuantes no debate parecem ter dadoprioridade antes aos princípios que aosprocedimentos necessários para assegurar umaconcepção não-assistencialista da assistênciasocial. Parecem também ter se preocupado mais emgarantir um modelo participativo do que em propiciara descentralização da política assistencial.

Na ausência de coalizões descentralizadoraspoliticamente poderosas e de uma política nacionalde reforma, as características estruturais da áreade assistência social parecem ter contribuído para oimobilismo. De uma parte, embora muito ampla, aclientela dos programas assistenciais não temcapacidade alguma de articulação e ação coletiva.Por conseguinte, não chega a ser uma força depressão a favor da racionalização e melhoria dasações assistenciais. De outra parte, ascaracterísticas do aparato institucional daassistência social não são as mais propícias ao

surgimento de uma cultura organizacional reformistae racionalizadora. Parecem antes favorecer asresistências corporativas e burocráticas à mudança,tanto no plano federal quanto nos demais níveis degoverno.

Com efeito, os aparatos federais combinam fortecentralização decisória e de recursos com elevadapulverização na execução, com freqüência a cargo deuma miríade de associações comunitárias conveniadas.Há grande fragmentação de agências e programas,precária articulação entre níveis de governo egrande descontinuidade nas ações. Essa estruturacria fortes contrapesos conservadores, na medida emque favorece a penetração dos interessesclientelistas e uma percepção segmentada ecorporativa por parte das burocracias. 

A Loas resultou de um movimento para reformar aassistência social, a partir de mudanças nofuncionamento das instituições existentes, pelaintrodução de novos mecanismos de decisão -participativos - e novas formas de gestão dosrecursos. As dificuldades para aprová-la e colocá-laem prática estimularam novas iniciativas no campoassistencial. Suas relações com as políticas einstituições preexistentes não são claras. Masimplicam mudanças no papel do governo, queultrapassam muito a questão da redefinição decompetências e atribuições entre os componentes dafederação. O Programa de Combate à Fome e à Misériae o Projeto de Renda Mínima em tramitação noCongresso, nascidos fora da área de assistênciasocial, expressam novas concepções de política e dasfunções do governo na área de assistênciasocial. (24)

Em conclusão, ainda que a área de assistência social tenha experimentado doses iguais de conservadorismo e inovação, não avançou na

construção de estruturas cooperativas que dessem vida a um novo federalismo. 

A área de habitação sofreu mudanças dramáticasno desempenho efetivo de papéis pelas diferentesinstâncias de governo. Essas mudanças nãoresultaram, porém, de uma transformação do marcolegal que promovesse a redistribuição de funções oude políticas governamentais deliberadas. Foramconseqüência da desarticulação progressiva dainstância federal. Esta deveu-se a mudançasinstitucionais e, principalmente, à redução drásticados recursos que alimentaram a política habitacionalcentralizada por mais de vinte anos. Foi um casoexemplar de descentralização espontânea, ou porausência: na medida em que o governo federal foiperdendo capacidade de ação, os estados e municípioscomeçaram a desenvolver políticas próprias,assumindo de forma autônoma a responsabilidade pordecisões sobre programas e por seu financiamento. 

No início da Nova República, a reforma dapolítica habitacional freqüentou a agendagovernamental. Além de ser objeto de uma comissãoespecial que produziu recomendações para areformulação do Sistema Financeiro da Habitação, atecnoburocracia do Banco Nacional da Habitação (BNH)articulou proposta de sua substituição por um BancoNacional de Desenvolvimento Urbano descentralizado eregionalizado (Mello, 1993). 

Entretanto, recomendações e propostas não setransformaram em política governamental - não houveda parte do governo federal decisão para transferircompetências e funções a estados e municípios.Tampouco chegaram a sedimentar uma coalizãoreformadora capaz de formar consenso em torno de umaproposta viável de mudança e de inscrevê-la naagenda do governo e do Congresso. 

As mudanças produzidas não alteraram acentralização política e financeira no plano

federal. Mas enfraqueceram o poder decisório e decomando da instância nacional. Implicaram a extinçãodo BNH como agência reitora, a distribuição dasfunções que ele concentrava por quatros órgãoslocalizados em três ministérios e, em conseqüência,a fragmentação de poder e capacidade decisória atéentão concentrados. 

O fechamento do BNH resultou da surda disputapolítica interburocrática pelo controle dos recursosdestinados a desenvolvimento urbano e habitação, quetradicionalmente opôs as autoridades monetárias aobanco. Não foi ditado por uma opção governamentalpor outro tipo de política habitacional. Suaconseqüência foi a perda de eficiência dosistema. (25) 

Paralelamente, os recursos disponíveis minguaramem virtude da sensibilidade extrema da principalfonte de financiamento, o Fundo de Garantia porTempo de Serviço (FGTS), ao agravamento da situaçãoeconômica. (26)

O declínio do Sistema Federal de Habitaçãoalimentou no período recente esforços no sentido dedefinir uma nova política de habitação. Sãonumerosos os setores que afirmam a necessidade deuma política nacional: bancos privados; CaixaEconômica Federal, gestora do FGTS; empresários daconstrução civil reunidos na Câmara Brasileira daIndústria da Construção Civil (CBIC); empresários dosetor de comercialização de imóveis (Secovi);secretários estaduais de habitação reunidos em FórumNacional; entidades públicas estaduais oumunicipais, gestoras de programas habitacionais parabaixa renda (Associação Brasileira das COHABs);movimentos populares por habitação; associações demutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).Parlamentares também vêm participando ativamente dodebate, desde 92. Todos parecem convergir quanto aointeresse de continuar atribuindo papel ativo à

instância federal. Entretanto, divergem fortementesobre a oportunidade de criação, a natureza e asfunções de uma nova agência federal. A falta deconsenso bloqueia a formação de uma coalizão capazde sustentar uma alternativa viável à situaçãopresente. 

O colapso da política nacional de habitação deumargem à proliferação de iniciativas estaduais emunicipais autônomas. A importância da moradia paraas camadas mais pobres da população e seu inequívocorendimento eleitoral, além do interesse das empresasde construção na continuidade dos programasgovernamentais, constituíram poderosos estímulos àação dos governos subnacionais. 

O próprio formato anterior da política comandadapelo BNH criou condições propícias para que estadose municípios assumissem funções crescentes na áreada habitação popular. Com efeito, o modelo anteriorcombinava forte centralização política e de recursosna agência federal com significativa autonomia deestados e municípios para a organização das agênciaspromotoras - COHABs - no gerenciamento dosprogramas, na contratação das construtoras privadase na seleção dos beneficiários. Adquiriram assimexperiência, capacitação técnica e de gestão einstrumentos de política que puderam ser mobilizadospara o desenvolvimento de políticas autônomas. 

As iniciativas descentralizadas assumiramdiversas formas e multiplicaram-se por muitosestados e municípios, especialmente nas capitais.Enquanto alguns estados tratam de montar seuspróprios esquemas para ampliar a oferta de moradiaspopulares, os municípios realizam prioritariamenteprogramas de urbanização de favelas, oferta eregularização de lotes urbanos, assessoria técnicapara projetos de autoconstrução e muitosecundariamente construção de moradias. 

Nos dois casos, a maioria das ações não chega aassumir feição de políticas institucionalizadas,cuja continuidade ultrapasse o período de ummandato. Ao contrário, as iniciativas dependemfortemente das orientações e prioridades dosgovernantes de turno. Apenas no estado de São Pauloconstruiu-se um sistema estadual de habitação, cominstituições especializadas e recursospróprios. (27)A baixa institucionalização e aconseqüente instabilidade não constituem os únicosproblemas dessa modalidade de descentralização dapolítica habitacional. Ela dá margem a uma formabastante desequilibrada de atendimento das carênciashabitacionais da população mais pobre, na medida emque parte de uma distribuição regionalmente desigualde recursos próprios e capacidade técnica eadministrativa mobilizável. Nesse sentido, adespeito do mérito e dos resultados das iniciativas,a descentralização espontânea da política dehabitação pode confirmar, ou senão ampliar, asdisparidades inter e intra-regionais. 

Do ponto de vista da redistribuição decompetências e funções entre instâncias de governo,a área de educação caracterizou-se por escassasmudanças no plano institucional-legal e numerosas evariadas experiências de descentralização. 

Os traços estruturais da área definiram a formacomo ela sofreu o impacto do sopro descentralizadordos anos 80. Com efeito, a existência decompetências diferenciadas mas não exclusivas -referidas à organização federativa - e adescentralização caracterizaram o sistema público deeducação desde suas origens. De um lado, a ausênciade delimitação clara de competências exclusivas dosdiferentes níveis de governo permitiu que osgovernos federal, estaduais e municipais atuassem emtodos os níveis de ensino. (28)De outro lado, osestados foram desde sempre os principais

responsáveis pela oferta pública de formação básicae secundária. Assim, na educação, a tendênciacentralizadora que, entre os anos 30 e os 70,alterou as feições do federalismo brasileiro emoldou de forma particular as áreas sociais,implicou um compromisso entre o fortalecimento dainstância federal e a permanência de grande poderdecisório nos estados. 

Em conseqüência, reformar a área de educação doponto de vista das relações entre esferas de governoimplicava tanto a descentralização quanto adefinição precisa das responsabilidades exclusivasde cada instância. O primeiro tema foi objeto deintenso debate e experimentação na última década,enquanto o segundo não recebeu maior atenção. (29) 

O impulso descentralizador dos anos 80 situava-se em dois planos. De um lado, objetivava diminuir acentralização no plano federal. A meta eratransferir algumas funções desempenhadas peloMinistério da Educação - responsabilidade pela redede escolas técnicas e gestão da Merenda Escolar- bemcomo estabelecer mecanismos automáticos de repassede recursos, que limitassem o poder de decidirdiscricionariamente sobre a utilização da parcelafederal do salário educação. De outro lado, apontavapara a realocação das capacidades decisória eadministrativa concentradas nos estados, por meio damunicipalização do ensino e/ou da autonomia daescola. 

As modificações foram poucas no que diz respeitoà redução de funções e poder centralizados nogoverno federal. As escolas técnicas foramrepassadas para as instâncias subnacionais. Amerenda escolar apenas começou a serlentamente descentralizada. Mas, o ministériomanteve pleno controle sobre a parte da cota federaldo salário educação que deve ser aplicada emprogramas municipais. Reteve, também, algum poder de

manipulação sobre a parcela a ser destinada aosestados, de acordo com critérios redistributivos. 

No âmbito federal, não houve política dedescentralização, nem sequer esforçodescentralizador consistente. Todavia, ainstabilidade política manifesta na troca freqüentede ministros e de suas equipes diminuiu de fato acapacidade de decisão e de ação do governo nacionalna área de educação. (30)Isto não impediu, mas decerta forma alentou, as resistências da burocraciado ministério à realocação de funções para asinstâncias subnacionais. A instabilidade no comandopolítico ampliou as margens de manobra dos gruposburocráticos interessados em manter competências,atribuições e recursos do Ministério da Educação. 

Em contrapartida, as experiências dedescentralização da rede escolar, nos últimos dezanos, foram numerosas e diversificadas. Nãochegaram, contudo, a configurar um movimento dedescentralização amplo, uniforme e consistente. Namedida em que as redes de ensino básico e de segundograu eram majoritariamente estaduais, as mudançasforam necessariamente descentralizadas e dependeramde decisões e do empenho dos governos estaduais. Emconseqüência, variaram muito quanto a natureza,ritmo, intensidade e continuidade do processo dedescentralização. 

Neubauer Silva & Cruz (1994) assinalam que, naárea da educação, as políticas de descentralizaçãovêm tomando dois rumos básicos: o da municipalizaçãoe o da desconcentração. No primeiro caso, hátransferência de competências, atribuições,instalações e equipamentos do Estado para osmunicípios. No segundo, ocorre delegação limitada deatribuições, dentro do mesmo nível de governo, paraunidades administrativas regionais ou locais, paraescolas ou para instituições privadas oucomunitárias. 

Além desses dois caminhos de reforma deliberada,ocorreu também uma espécie de municipalização porausência, análoga àquela observada na área dahabitação. Típica de regiões menos desenvolvidas,ela resultou da incapacidade do governo estadual deresponder à demanda por novas vagas, que passou aser atendida pelas administrações municipais maissensíveis - porque mais próximas - às pressões daclientela. 

Nenhum dos dois caminhos levou, até o presente,à transformação cabal e duradoura na organização dosistema de ensino básico e secundário. Em outrostermos, nos estados que enveredaram pelamunicipalização, o processo está longe de tercompletado a realocação de funções para osmunicípios. Da mesma forma, a autonomia da escola,ou mesmo o estabelecimento de estruturas de gestãodesconcentradas, não constituem característicasdefinidoras de nenhum sistema educacional estadualou municipal. As experiências de descentralização edesconcentração são incipientes; poucas, até agora,ultrapassaram o período de um mandato. Nenhumalogrou se transformar em política de Estado, cujacontinuidade se impõe aos governantes de turno. 

Assim, no que diz respeito às funções da áreafederal, apesar de existir um diagnóstico consensualsobre os efeitos perversos da centralização derecursos do Fundo Nacional para o Desenvolvimento daEducação (FNDE), (31)da operação da Fundação deApoio ao Estudante (FAE) e da própria maneira como oministério exercia suas funções normativas,reguladoras e de planejamento, não existiu umapolítica nacional de descentralização. O processo demudança vem sendo lento e emperrado, pelaresistência da burocracia do ministério, mas,também, por decisão política de ministros,interessados na utilização político-eleitoral dosrecursos do FNDE. 

As forças favoráveis à redução das funções dogoverno federal formaram uma coalizão instável, quecareceu de projeto reformista, continuidade e forçade pressão suficientes para desencadear e sustentara descentralização. O Fórum de Secretários Estaduaisde Educação foi a espinha dorsal da coalizãomudancista, que em momentos diversos incluiu a eliteintelectual e profissional da área, parlamentares,secretários municipais e suas associações. Aredefinição descentralizadora das competências efunções de governo foi apenas um dos objetivos dasforças comprometidas com a reforma e a melhoria daeducação. A defesa do ensino público gratuito contrao assédio dos grupos ligados ao ensino privado e oestabelecimento de percentuais fixos do orçamentopara gastos com educação, nos três níveis degoverno, ocuparam na agenda reformista um lugar maisdestacado do que a descentralização. 

A municipalização e a desconcentração não forame não podiam ser objeto de política nacional. Ogoverno federal carecia de poder e instrumentos parapromover urna descentralização a partir do centro. Areforma descentralizadora só podia ser uma políticade âmbito estadual e, por conseguinte, dependentedas variadas condições políticas, financeiras eadministrativas de cada estado da Federação. Osdiferentes rumos e ritmos verificados são, assim,conseqüência da extrema variedade de orientaçõespolíticas, da disponibilidade de recursos humanos efinanceiros e da forma como os sistemas de ensinoestavam estruturados em cada unidade subnacional. 

A descentralização da educação pública tem serevelado, simultaneamente, um objetivo consensual euma política de difícil implementação. Os que seopõem a ela como meta são tão poucos quanto aquelesefetivamente dispostos a sustentá-la.Municipalização (32)e desconcentração, embora não seoponham e possam coexistir, são processos com

lógicas, beneficiários e opositores distintos. Dasduas formas de descentralização, apenas amunicipalização tem impacto sobre o funcionamento daFederação, acarretando reorganização de competênciase funções entre níveis de governo. Por esta razão,convém examinar com mais cuidado os obstáculosinstitucionais, administrativos, financeiros epolíticos, a sua realização. 

Do ponto de vista institucional, a grandedificuldade reside na atribuição constitucional àstrês instâncias de governo de competênciasconcorrentes em todos os níveis de ensino. A faltade delimitação clara de competências e atribuiçõespara a união, os estados e os municípios dificulta areforma descentralizadora. De uma parte, coloca nasmãos dos governos, movidos por cálculos político-eleitorais, a decisão sobre a alocação dos recursosconstitucionalmente vinculados à educação (33) Deoutra, torna o processo de mudança largamentedependente da vontade dos governos, deixando amploespaço para que se robusteçam as resistências tantodos que não querem repassar atribuições quanto dosque não desejam assumi-las. 

Os obstáculos administrativos e financeirosresidem na distribuição desigual, entre os milharesde municípios brasileiros, dos recursos e,especialmente, da capacidade técnica para enfrentaros complexos problemas de gestão implicados naoperação de uma rede escolar. Na maioria dos casos,a municipalização requer políticas estaduais decapacitação de quadros técnicos municipais esuplementação de recursos para os municípios maiscarentes. 

Finalmente, as dificuldades políticas são demuitas ordens. Em primeiro lugar estão asresistências das burocracias estaduais, temerosas dever reduzidos seu prestígio e seus pequenos poderes.Não são menores os bloqueios erguidos pelas

associações sindicais estaduais dos diversossegmentos ligados ao ensino - professores, diretoresde escola etc. -, que se opõem à fragmentação dasestruturas representativas e à diferenciação deremunerações, que podem resultar da transferência deredes de ensino básico para os municípios.Entretanto, os obstáculos maiores nascem daincerteza quanto à continuidade da municipalização eda complexidade dos acordos entre autoridadesestaduais e municipais, em virtude da existência deum sistema pluripartidário fragmentado.

Isoladamente, nenhum desses obstáculos ésuficiente para bloquear a mudança. Mas sua operaçãoconjunta torna a realocação de responsabilidadespelo ensino básico um processo lento, sinuoso emuito desigual em termos nacionais. (34) 

ConclusõesAs mudanças nos poderes das instâncias de

governo constituem uma das questões centrais naagenda de reformas do sistema de proteção social dopaís. Em pelo menos três das áreas estudadas -saúde, habitação e educação - transformaçõesimportantes estão em curso. Em apenas uma delas - asaúde - o reordenamento de funções foi desencadeadopor uma política deliberada e de amplitude nacional.Mesmo assim, a descentralização tutelada esbarra emvicissitudes econômicas e políticas que a estãotransformando em um processo caótico. Nos outroscasos, a mudança em curso carece de diretrizesgerais que a enquadrem. 

As experiências em andamento indicam que épossível ir redefinindo funções sem que exista umapolítica nacional que oriente a mudança e estabeleçaem grandes linhas as novas responsabilidades dastrês instâncias. Entretanto, essa forma de mudar temconseqüências sociais e políticas igualmenteperversas. 

A crise fiscal e a perda de capacidade políticado Executivo federal e do Congresso Nacional estãona origem dos dilemas que envolvem a redefinição nasrelações intergovernamentais na área social. Nascondições presentes, o governo nacional oscila entrepropostas radicais de devolução imediata de funções,proposições setoriais que não tomam em consideraçãoos requerimentos do ajuste fiscal e iniciativas queespelham resistências setoriais à realocação deresponsabilidades para as instânciassubnacionais. (35) Nunca chega a oferecer respostaadequada aos desafios da construção de um novofederalismo. 

Na forma como se está processando, areorganização das competências e funções entreunidades de governo coloca três questões de granderelevância para o futuro do novo sistema federativoem via de construção. A primeira diz respeito àscaracterísticas do federalismo emgestação. A segunda, ao grau de desigualdade sociale regional que o novo arranjo federativo abrigará. Aterceira se relaciona com a duração e os resultadosprováveis do rearranjo de responsabilidades eprerrogativas das instâncias de governo. 

Com efeito, as mudanças em andamento nas áreassociais estudadas implicam o desmantelamento dofederalismo centralizado. Entretanto, não parecemestar criando espontaneamente as bases e mecanismosde funcionamento de um federalismo cooperativo.Vista do ângulo das políticas sociais, a construçãodesse arranjo cooperativo supõe a definição claratanto das responsabilidades exclusivas quantodaquelas compartilhadas pelas três instâncias degoverno na decisão, no financiamento e naimplementação das iniciativasgovernamentais. (36) Implica a transformação decompetências concorrentes, onde elas existem, a açãoconcertada e, em qualquer caso, a construção entre

os níveis de governo, de modalidades de colaboraçãoque permitam a utilização mais racional dascapacidades e dos recursos disponíveis. 

De outro lado, a descentralização em curso nasáreas sociais analisadas corre o risco de confirmar,quando não de agravar, as disparidades intra einter-regionais geradas sob o federalismocentralizado. A forma pela qual se tem processado orearranjo de competências, especialmente nos casosde descentralização por ausência, pode neutralizarou perverter o efeito de eqüidade que toda políticasocial tem por meta. Nessa medida, tende a alimentaras tensões que atravessam a federação, reavivam asdisputas regionais e minam a estabilidade de seupacto constitutivo. 

Finalmente, a reordenação das relaçõesintergovernamentais nas áreas sociais énecessariamente um processo de longa duração e adiferentes velocidades nos diversos estados eregiões. Mesmo que venha a ser orientado porpolíticas nacionais coerentes, jamais resultará emdistribuição uniforme de competências e funções emtodo o território nacional. Em outros termos, aparticipação relativa de estados e municípios - e deagências federais - no financiamento, decisão egestão de cada uma das políticas sociais variaráinevitavelmente pelo país afora. Por exemplo, emalguns estados a educação básica será integralmentede responsabilidade municipal, em outros apenasparcialmente e em outros ainda continuará decompetência estadual. O mesmo ocorrerá com a saúde eassim por diante. 

Enfrentar essas questões supõe trazer paraprimeiro plano a discussão sobre o modelo defederalismo cooperativo que se deseja e sobre aspolíticas mais adequadas para dar-lhe vida. 

No primeiro caso, a questão central é encontraras formas institucionais capazes de compatibilizar a

igualdade jurídica com as enormes assimetriaseconômicas e sociais, que se projetam emdesigualdades regionais. Nas áreas sociais istorequer uma distribuição de competências flexível enão uniforme, que leve em consideração a capacidadeefetiva das unidades subnacionais para assumir cadauma das funções. Requer, também, que se redefinam asatribuições do governo federal - isto é, doCongresso e do Executivo - nas áreas sociais, deforma a combinar a descentralização radical com umpapel ativo na compensação das desigualdadesregionais,(37) especialmente importante nascircunstâncias brasileiras. 

No segundo caso, o problema é transformar umprocesso desordenado de redefinição de competênciasem políticas deliberadas e contínuas, por meio dasquais se vá tecendo as formas novas de cooperaçãoentre as instâncias de governo. 

NOTAS*Este texto constitui versão modificada de relatório final da pesquisasobre "Redefinição de competências entre esferas de governo naprestação de serviços públicos na área social", realizada emcolaboração com o Núcleo de Políticas Públicas da Unicamp, no âmbitodo projeto "Balanço e perspectivas do federalismo fiscal no Brasil",do IESP-Fundap. A autora agradece a valiosa contribuição daspesquisadoras Ana Luiza d'Avila Vianna, Marta da Silva Arretche, NeideCruz, Rose Neubauer da Silva e Sandra Faria, responsáveis pelosestudos sobre saúde, habitação, educação e assistência social. Égrata, também, a Sonia Draibe, Vilmar Faria e demais pesquisadores doNúcleo de Políticas Públicas da Universidade de Campinas, quediscutiram uma primeira versão do trabalho. Este relatório foiapresentado, também, na mesa-redonda "Reforma do Estado e políticaspúblicas", durante o XVIII Encontro Anual da Associação de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) e se beneficioumuito das observações dos participantes.1.Lijphart (1984, pp. 170-171) identifica cinco característicastípicas dos sistemas federais, além do princípio cardeal de divisãodos poderes entre instâncias de governo. São elas: "Uma Constituiçãoescrita, bicameralismo, direito das unidades componentes de participardo processo de emenda da Constituição federal e de mudar suas própriasconstituições unilateralmente, representação igual ou fortementedesproporcional das unidades menores na Câmara Federal da legislaturabicameral e governo descentralizado." 

2. Elazar (1987, p. 67) afirma que o federalismo não é só umaestrutura com características específicas, mas um processo de governoque "implica um sentido de parceria entre as partes do pactofederativo, que se manifesta por meio da cooperação negociada em tornode questões e programas e que se baseia em um compromisso de barganhaentre todos os membros, para chegar a um consenso ou, na suaimpossibilidade, a uma acomodação que proteja a integridadefundamental de todos os parceiros". 3. Esses tipos foram elaborados para descrever o sistema federal dosEstados Unidos e suas mudanças (Acir, 1981, 1986). 4. Essa característica dos sistemas federais contemporâneos torna cadavez mais difícil definir os limites conceituais e empíricos queseparam o federalismo da descentralização, como observa Carl Schmidt(1968, p. 223): "A ampliação do escopo da cooperação efetiva entreagências federais e estaduais obscurece as diferenças entre um arranjofederal de trama apertada e um governo efetivamente descentralizadocomo o da Inglaterra- de tal forma que há alguns anos era possívelprever o dia em que `o caráter do Estado mudaria, ou se transformariaem uma espécie de unidade administrativa responsável pelaimplementação de planos e políticas federais'." 5. Estudos sobre o federalismo norte-americano sublinharam aimportância do sistema partidário fortemente estadualizado para amanutenção do equilíbrio federativo. Eles tendem, também, a associaras transformações ocorridas no sistema federal no sentido dacentralização à decadência das organizações partidárias estaduais elocais, ao aparecimento dos políticos independentes, à nacionalizaçãoda competição político-eleitoral resultante da influência crescente datelevisão e à multiplicação das organizações de interesse que atuam noplano nacional (Acir, 1986). 6."Enquanto os objetivos dos governos centrais em quase todas asnações industriais do Ocidente estão aumentando e com eles o grau decentralização do Estado-Nação, também crescem o escopo e o poder dasunidades de governo subnacionais e com eles o grau dedescentralização." (Goldsmith & Newton, 1988, pp. 359-360). 7. Linz e Stepan (1992, pp. 61-62) chamam a atenção sobre aimportância da seqüência eleitoral nos processos de democratização ena forma de estruturação do Estado-Nação. Tratando da democratizaçãoespanhola, sublinham a importância das eleições nacionais para soldarvínculos políticos nacionais e diminuir o peso político das tendênciasseparatistas: "Eleições, especialmente eleições, fundadoras, ajudam a criaragendas, atores, organizações e, mais importante ainda, legitimidade epoder. Um dos nossos mais fortes argumentos é que, se um país temproblemas de estaticidade, o fato de serem as primeiras eleiçõesnacionais ou regionais faz uma diferença crítica. Na Espanha, asprimeiras eleições foram nacionais. Acreditamos que elas ajudaram atranscender o problema da estaticidade naquele país." No caso doBrasil, as eleições fundadoras foram para o governo estadual edeixaram sua marca sobre a vida partidária e a questão federativa. 8. A descentralização foi também favorecida pelas agênciasinternacionais influentes na formulação e no financiamento daspolíticas de corte social, especialmente o BID e o Banco Mundial. 

9. A transferência de recursos foi significativa. Antes de 88, a Uniãoficava com cerca de 44,6% dos recursos tributários disponíveis, osestados com 37,2% e os municípios com 18,2%. Estima-se que em 93 essesvalores tenham sido: 36,5% para a União, 40,7% para os estados e 22,8%para os municípios (Afonso et al., 1993, p. 114). 10. Para uma boa descrição dos processos de decisão relativos àrepresentação dos estados na Câmara Federal e à distribuição derecursos tributários entre as unidades da federação, ver Leme, 1992. 11. Durante os cinco anos do governo Sarney e os dois anos da gestãoCollor de Mello foram feitas 35 mudanças institucionais que afetaram operfil de 25 órgãos federais, entre ministérios e agênciasgovernamentais. Cf. Andrade e Jaccoud, 1993. 

 

12. Este parágrafo baseia-se integralmente em Cavalcanti (1994). O mesmo autor enumera vinte contribuições sociais e as distingue entreas de caráter público e privado, em termos de sua destinação. As primeiras, que aqui nos interessam, incluem: contribuição para o Finsocial, contribuição sobre o lucro das empresas, para o PIS/Pasep, para o FGTS, de empregadores e empregados para a Seguridade, para a Seguridade Social do servidor público, o salário educação, para o Programa de Ensino Fundamental, cota de Previdência, sobre receitas deconcursos de prognósticos, para o ensino aeroviário, para o desenvolvimento do ensino marítimo, contribuições rurais e contribuições sindicais. 

13. Passaram de 83,21 % da receita tributária da União, em 88, para131,47%, em 92 (Cavalcanti, 1994, tabela 5). 14. A redação desta parte baseou-se inteiramente nos dados econclusões contidos nos relatórios de pesquisa do projeto Balanço eperspectivas do.federalismo fiscal no Brasil, realizados respectivamente por: Saúde,Ana Luiza Viana; Habitação, Marta Arretche; Educação, Rose Neubauer daSilva e Neide Cruz; Assistência Social, Sandra Faria e Ademir Alves. 15. A importância de elites profissionais nos processos de inovaçãodas políticas sociais é fenômeno universalmente reconhecido pelosanalistas. Sobre o tema, ver Heclo (1982) e Weir & Skocpol (1985). 16. Vianna (1993, pp. 45-46) observa que a descentralização suposta noSUS "exige contrapartidas de peso dos demais níveis de governo. Essascontrapartidas devem envolver: i) a formulação de novas políticas eprogramas pelos níveis estaduais e municipais; ii) implementação dereformas administrativas e técnicas; iii) maior participaçãoorçamentária; iiii) adoção de novas políticas para a área de recursoshumanos etc. O ciclo descentralizador só se torna virtuoso quando háessa combinação explícita de políticas e programas entre os diferentesníveis de governo". 17. Tomando como indicadores a participação do governo federal naoferta de equipamentos e a existência de políticas estaduaisdescentralizadoras, Vianna (1993) constatou três situações queretratam os níveis e ritmos desiguais de implementação do SUS. A

primeira, na qual se enquadram São Paulo, Ceará e Paraná, secaracteriza por fraca presença federal e forte empenhodescentralizador dos estados. A segunda, na qual se enquadram Roraima,Pará, Amapá, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul,mostra forte presença federal e fraca política estadualdescentralizadora. A terceira, finalmente, é aquela em que governocentral e estados têm presença e política descentralizadoras fracas.Ela inclui todos os estados do Nordeste e Goiás. 18. O gasto federal total em saúde teve a seguinte evolução entre 87 e93: 1987 = 100, 1988 = 106, 1990 = 87, 1991 = 73, 1992 = 60 (Ipea,cit. in Viana, 1994, p. 2). Para uma análise dos dilemas dofinanciamento à saúde ver Afonso (1993). 19. Pesquisa que acompanhou durante três anos a implantação do SUS emtrês municípios paulistas registrou uma verdadeira explosão dos gastoscom saúde, em conseqüência da municipalização. Em um deles, o gastoanual passou de 250 mil dólares, em 1989, para 4 milhões de dólares,em 1993 (Freitas Carvalho, 1994). 20. Ao contrário das demais áreas sociais, a assistência não possuicontornos nítidos, definidos pela existência de um locus único dedecisão e comando, seja ele ministério, secretaria estadual oumunicipal. No plano federal, quase todos os ministérios sociaisdesenvolvem programas assistenciais, alguns muito importantes, como oPrograma Nacional de Merenda Escolar, localizado no Ministério daEducação. Em menor medida isso ocorre, também, nos estados emunicípios. Neste texto, consideramos apenas aquelas agências,secretarias e/ou ministérios que têm a assistência como únicaatribuição. 21. Os dois grandes aparatos da política assistencial, a LBA e aFunabem, pertenceram ao Ministério da Previdência e da AssistênciaSocial de 74 a 88. Neste último ano, juntamente com os programas daSEHAC, passaram a formar o Ministério da Habitação e do Bem-EstarSocial. Em 89, foram incorporados ao Ministério do Interior. Em 90, aFunabem foi extinta e substituída pela Fundação Centro Brasileiro paraa Infância e Adolescência (FOBIA) que, juntamente com a LBA e outrosprogramas, foi integrada ao Ministério da Ação Social, posteriormentesubstituído pelo Ministério do Bem-Estar Social. 22. A SEHAC, em 88, deu lugar ao Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social. Além do Programa Nacional do Leite, que em 89 chegou aum atendimento diário de 7.620 mil crianças, a SEAC/SEHAC deu apoio aprojetos desenvolvidos por grupos e associações comunitárias, sobsupervisão e com financiamento conjunto de prefeituras municipais, nasáreas de "hortas comunitárias, telefonia comunitária, teatro amador,bibliotecas comunitárias, reparação de escolas primárias, hortas ealimentação escolares, cursos pré-profissionalizantes, centrosesportivos comunitários, mutirões habitacionais, saneamento básico,creches, campanhas de agasalhos, pontes e estradas, escolas rurais,postos médicos comunitários" (NEPP, 1989). 23. A primeira versão da Loas, elaborada pelo Congresso, foi vetada naíntegra pelo presidente Collor em outubro de 90. 24. O primeiro promove uma parceria público/privado na decisão eimplementação das ações assistenciais de características inéditas,

posto que o governo federal é minoritário na instância decisória e osgovernos subnacionais não têm qualquer participação. O segundo, na suaforma atual, supõe a substituição progressiva de todas as açõesassistenciais pelo pagamento de uma remuneração mensal mínima, querequer um aparato institucional de natureza bem diversa do atual. 25. Arretche (1994, p. 4) observa que: "O fechamento do BNH, apulverização de sua burocracia e a transferência das funções daqueleórgão para a Caixa Econômica Federal (CEF) representaram um duro golpepara a manutenção e/ou reestruturação das operações de ofertahabitacional pública: a instituição que passou á controlar o Fundo deGarantia por Tempo de Serviço (FGTS) não dispunha de instrumentos paraplanejar, formular e articular políticas alternativas, capazes de darconta das reformulações que se impunham crescentemente". 26. Em 90, os recursos do FGTS, que representavam 97,5% do totalalocado para habitação e urbanismo, caíram 81 % em relação a 80. Em92, eram 30% dos recursos alocados em 80 e representavam 90,6% dototal (Arretche, 1994). 27. Minas Gerais também caminhou na direção da institucionalização deuma política estadual de habitação, com a criação de um fundoalimentado com recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias(ICMS). 28. Neubauer da Silva & Cruz (1994, p. S) enfatizam as conseqüênciasnegativas do exercício de competências concorrentes, em lugar de açõescoordenadas entre as três instâncias. Seu resultado foi a falta deplanejamento da expansão da oferta de educação básica e o agravamentodas diferenças setoriais e regionais. 

29. A questão das responsabilidades das três instâncias foidiscutida sob o ângulo do gasto com educação, e não sob o ângulo dascompetências e atribuições. Assim, a Lei Calmon estabeleceu aobrigatoriedade de percentuais mínimos de gasto, para governo federal,estados e municípios, posteriormente transformada em preceitoconstitucional na Carta de 88. 30. Em oito anos (de abril de 85 a dezembro de 92), sete ministrosocuparam a pasta da Educação. Destes, quatro foram do PFL, dois doPMDB e um sem partido, mas próximo do PSDB. 31. Formado com recursos do salário-educação, uma das contribuiçõessociais acima mencionadas. 32. Os limites da municipalização não são claros. Freqüentemente éentendida como transferência para os municípios da responsabilidadepelo ensino de primeiro grau. Nos processos em curso, ela implica, àsvezes, a transferência da responsabilidade apenas pelos quatroprimeiros anos do ensino básico. Não há uma definição clara sobrecompetências com relação ao ensino secundário. Ainda que a lógica doargumento descentralizador conduza a transformá-lo, também, ematribuição municipal, parece existir um consenso tácito de que elecontinuará na órbita dos estados. 32.Os casos de alocação perversa dos recursos não são poucos. Noestado de São Paulo, os municípios são responsáveis por apenas 12% daoferta de vagas para primeiro grau. Dos 29 que possuem ensinomunicipal de terceiro grau, doze não têm rede de primeiro grau.

Tampouco é prática incomum a utilização dos recursosconstitucionalmente vinculados à educação em obras de melhoria urbanae em serviços de transporte, sob a alegação de que facilitam o acessoà escola. 34. No presente, a soma de dificuldades está produzindo reaçõesperceptíveis à descentralização, bem como à vinculação constitucionaldos recursos, entre prefeitos e secretários municipais de educação ealgumas de suas associações. 35. O debate sobre a compatibilização entre encargos e recursos dastrês instâncias de governo, proposto pelas autoridades federais,espelha bem a perspectiva limitada com a qual vem se tratando 0 temado novo formato das relações intergovernamentais. É certo que aredefinição do pacto federativo implica a redistribuição de encargospara estados e municípios, beneficiados pela redistribuição derecursos fiscais promovida pela Carta de 88. Entretanto, não é menosverdadeiro que a nova pactação federativa supõe, também, a discussãosobre a atuação federal na redução de desequilíbrios regionais,setoriais e sociais. Essa questão não está contemplada naqueledebate. 36. "(...) the contractual sharing of public responsabilities by allgovernments in the system appears to be a central characteristic offederalism. Sharing, broadly conceived, includes common involvement inpolicy making, financing and administration of governmentactivities. (...) Sharing can be based on highly formal arrangementsor informal agreements" (Elazar, 1987, p. 185). 37. A definição das responsabilidades e atribuições da instânciafederal está intimamente vinculada ao tema da relação entre o novofederalismo e os desequilíbrios socioeconômicos que se manifestamespacialmente. Todo sistema federal supõe mecanismos de compensação,entre os quais as políticas sociais. Sua radicalidade depende domodelo de sociedade de fato prevalecente e, em conseqüência, da maiorou menor tolerância com as desigualdades regionais.  BIBLIOGRAFIA

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