Etnologia brasileira (1999)

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, ETNOlOGIA BRASllEIRA Eduardo Viveiros de Castro JDEOLOGIA Oil" nNOlOGIA BRASllEIRA o objetivo do projeto As Cienci.s Sociais no Brasil: Ten- deneias e Perspectivas nao e uma institueional das ciencias socials brasileiras, e sim urn balanc;o teorico. Ao enqua- Jrar a discussao em termos de etnolog;a (instirucionalmente) brasikira, po rem, ele suseita por fors:a quest6es referentes as particularidades da disciplina tal como praticada no pais, sua dependencia de paradigmas furmulados no exterior e outros assuntos conexos, que exigem urn tratamento diferente de urn simples 'estado da arte', o que se entende por (e/n%gia brasiJeira'? Esta pergunta nao se aqui ao reecrte empfrico convencionado, mas define 0 objeto mesmo do presente artigo, que e a ideia de uma etnologia brasileira. Para responder a eh, sera. necessaria teeet algumas considera,oes sobre • natu"eza e a qualidade da ptodu,ao etnol6gica nacional; nao se trata, caotudc, de apreciar substanti- vamente a contribui,ao dos esrudos sobre os povos indigenas no

Transcript of Etnologia brasileira (1999)

,

ETNOlOGIA BRASllEIRA

Eduardo Viveiros de Castro

JDEOLOGIA Oil" nNOlOGIA BRASllEIRA

o objetivo do projeto As Cienci.s Sociais no Brasil: Ten­deneias e Perspectivas nao e uma av~Jiac;ao institueional das

ciencias socials brasileiras, e sim urn balanc;o teorico. Ao enqua­

Jrar a discus sao em termos de etnolog;a (instirucionalmente)brasikira, porem, ele suseita por fors:a quest6es referentes asparticularidades da disciplina tal como praticada no pais, suadependencia de paradigmas furmulados no exterior e outrosassuntos conexos, que exigem urn tratamento diferente de urnsimples 'estado da arte',

o que se entende por (e/n%gia brasiJeira'? Esta pergunta nao se

~efere aqui ao reecrte empfrico convencionado, mas define 0

objeto mesmo do presente artigo, que e a ideia de uma etnologia

brasileira. Para responder a eh, sera. necessaria teeet algumas

considera,oes sobre • natu"eza e a qualidade da ptodu,aoetnol6gica nacional; nao se trata, caotudc, de apreciar substanti­

vamente a contribui,ao dos esrudos sobre os povos indigenas no

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Brasil (ou mais precisamente, na America do Sul) a teoria antro­

polagica'. Nao se trata, tampouco, de uma sodologia do campointelectual, ou de uma antropologia da antropologia. Esses mo­

dos de analise exigem ralentos (e gostos) que me faltam, e caberi·

am me1hor a partes menos interessadas gue eu. A embocadura

escolhida e de out~a ordem, algo como uma 'epistemologia poli­

tica' cia etnologia fcita no pais, pois a ideia de uma etr..ologia

brasileira esta na origem de uma ideologia cia etnologia brasileira

- llIna idcologia brasileira da etnologia - cujas origens c implica­

c;6es merecem uma discussao.

Estarei aproveitando esta ocasiao, parranto, para tomar par­

te e partido em urn debate que pohrizou grandes extens6es do

meio ctnoJ6gico nos l'Jltimos ttinta anos. A despeito de ret perdi­

do algo de Sua pertinencia objetiva (ou talvez justamente POt

iS50), esse debate nao pareee proximo de perder sua candencia

poIitica na academia nativa, ao contririo do que eu acreditava e,

nao sem otimismo, previra (Viveiros de Castro, 1992, 1995, 1996a).

Com efeito, urn recente ataque a etnologia americanista contem­

poranea (Oliveira FO, 1998), em que se propoe, entre outras teses,

uma viagem de volta aos anos dourados da antropologia brasild­

ra - as decadas de 50 e 60 -, levou-me a conc1uir que, s, 0

debate sobre a "ethnology Brazilian style" (Ramos, 1990a) pode

nao oferecer mais muito interesse, continua entretanto a revelarcertos interesses.

A GRANDE DIFEREN<;A

o debate a que estou me referindo opoe duas concep~oes do

objeto da etnologia. Ele foi recentemente qualificado de "cisao

que evitamos abordar, na verdade urn divisor de aguas entre dois

1. Alga gue ja fiz, para aspectos espedficos da produlfao na :irea, em publica­lfoes anteriores: Viveiros de Castro, 1992, 1993a, 1993b, 1995, 1996a.

modos distintco de construir 0 conhecimento sobre as sodedades

indigenas e 0 desenvolvimento social" (A. Lima, 1998: 263). Tal

cisao au divisor distinguiria "duas grandes vertentes" dos esrudos

anrropo16gicos sobre popula~oes indigenas, sempre mencionadas

polos comentadores e c1assificadores da produ~ao intelectual, e as

vezes roruladas de etn%gia cldssica e etn%gia do contato fnteritnico.EIas sao assim caracterizadas pelo autor (Ioc. cit.):

Uma fa e::tnologia cl:issicaJ c1epuracb. de compromissos com a admi­nistras:ao publica, voltada puramente para 0 desvendamento das 'dimen­soes internas' da vida dos povos indfgenas; outra [a escola do cantato

intcrctnicoJ 'c1csccndentc' din;:ta de preocupac;:6es administrativas, via DarcyRibeiro, Eduardo Galvao e Roberto Cardoso de Oliveira, em suas passa­

gens pelo SPI, na presenl)::l em instilncias como 0 CNPI, voltada somentepara 0 estudo das interac;:oes corn a 'sociedade nacional' etc.

Lima hesita entre ver tal dicotomizac;ao do campo como

cApressao de uma oposi<rao tearica real - "na verdade urn divisor

de aguas entre dois modos distintos de construir 0 conhecimen­to" - au como mera imagem (err6nea, supoe-se) "profundamen­te arraigada no sensa comum antropa16gico brasileiro", oPC;ao

adotada na passagem acima, de tom deliberada e equanimemente

distan(.:iada2.O autor tern razao em hesitar, pois ela e provavel­ment~·ambas as coisas, e nenhuma debs. E provavel tambem que

tal percepc;ao dualista renda mais em ambientes como 0 MuseuNacional ou a UnB do que na USP, por exemplo. No Museu

::'-Jacional das duas tlltimas decadas, 0 surgimento de uma linha

sistematica de pesguisa em 'etnologia c1assica' em paralelo acris­talizas;ao de uma variante fundamentalista da escola do 'contata

2. Naa tao distanciado assim, pais a ~utor assumid. com d:treza 0 partido deurn dos dois "modos distintos de construir a conhecimento sobre as socie­dades indfgenas eo desemlOlvimento foe/a!" (grifo meu). A urn etn61ogo 'chissi­co' certal'i"'.ente nao ocorreria mencionar uma 'teoria do desenvolvimentosocial' como parte·do equipamento analftico cia disciplina.

112 EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO ETNotOGlt\ BRASILEIRA

I113

interetnico' toenau tal distinc;ao especialmente sensivel, e mesmo

mais acentuada, com 0 correr dos aoos.

Em beneficia dos improvaveis leitores nao-etnologos (ou

distraidos) deste arrigo, esclarec;o que'sou uma das encarnac;6es

aruais cia 'etnologia chl.ssica' naquela instituic;ao, e que por 'vari­ante fundamentaIista' cia Dutra tradic;ao refire-me ao trabalho de

]. Pacheco de Oliveira F' e seus discipuJos'. Estou ciente de que

essa variante nao se identifica mais com as teacias cia 'situac;~o

colonial' ou cia '£rio;:5.o interetnica', das quais, entretanto, reco­

nheceu-se recentemente "caudadria" (Oliveira po, 1998: 56). Ela

privilegia agora conceiros como 'etnicidade', 'invenc;ao cia tradi­c;ao', 'territorializac;:ao' etc., e reivindica auto-definic;:6es mais va­gas e ambiciosas, como 'amropologia hist6rica' (op. cit.: 69). Mas

como a tal tftulo nao faltam pretendentes de outras e muito di­

versas origens teodcas, a maioria delas perfeitamente cLissica,

continuarei a me referir as variantes atuais daquela tradic;:ao pelas

express6es genericas lteoria do contato' ou 'escola contatualista'.

Seria certamente bairrismo pretender que a "cisao que evita­

mos abordar" possua a mesma pregnaneia ou salieneia em escala

nacional. Isto posto, 0 fato de ela se manifesrar com mais vigor em

eertos contextos e periodos nao a reduz a uma oposic;:ao puramen­

te local e conjuntural; e 0 fato de ser ideo16gica nao a terna uma

oposic;:ao ilus6ria. Resta saber 0 que a dicotomia exprime efetiva­

mente, e quais as lil'oes gerais que se podem extrair deja.

"Note-se a grande diferenl'a que existe no estudo de grupos

indfgenas quando se os coneebe como siluados no Brasil, ou quandose os compreende como parte do Brasi1." Esta observac;:ao de

Mariza Peirano (1992: 73) nao indica apenas uma grande diferen­c;:a entre as muitas presentes em nossa disciplina; ela revela, a

meu jufzo, a grande diferen~a que atravessa e organiza 0 campo

3. A qual se filia (mas com uma agenda propria) A. C. Souza Lima, 0 autorora comentado.

de estudos indigenas, cortando, por assim dizer, a pr6pria nOl'ao

de 'etnologia brasileira' peIo meio: ha os que ficam com 0 subs­

tanti-;,:o, e ha os que fieam com 0 adjetivo.A formula de Peirano remete a seus fundamentos urn dualismo

que outros eomentadores (e a pr6pria autora, em outros momen­

tos) exprimiram de modo menos feliz, associando-o a polaridades

classificat6rias duvidosas: foco rlaS 'dimensoes internas' das socie­

clades indigenas versus foeo nos processos de 'contato interetnico',pesquisadores ;"estrangeiros' Vi. 'nacionais', 'etnologia classica' VJ.

'etnologir.. engaj'ada' e outras oposic;:6es semelhantes. Durante boa

fJarte do periodo em exame, agrande diferenfa identificacla par Peiranofoi ativamente projetada sobre (e portanto ocultada por) essas po­laridades, no interesse cia fabricac;:ao de uma imagem normativa cia

'emologia brasileira': politizada, comprometida com a luta indige­

na, preocupada com a construc;:ao da sociedade nacic,nal, a,ticolo­

nialista, processualista, materialista, historica, dialetica e outras tantas

virtudes. Do outro Jado estaria uma certa amropologia metropoli­tana e seus agentes nativos, mentalmente colonizados e portanto

colonialistas, es-eravos de paradigmas suspeitos - paradigmas

esseneialistas; naturalizantes, exotistas e mais urna enfiada de peca­

dos politico-epistemoI6gicos4•

Vou (:ontesrar aquelas polaridades acionadas nas luras de

cIassificac;:ao academicas, argumentando que elas sao

equivocamente simplistas, au e.s6io objetivamente superadas, au

sempre foram meramente falsa.s. Isso nao significa que recuso 0

dualismo gue lhes e subjacente: nao s6 0 reputo muito real, como

penso ser ele uma estrutura de longa durac;:ao da antropologiabrasileira. Vau reafirmar ral contraste, mas yOU ao mesma tempodefender uma inversao das atribuic;:6es de valor entre as 'duas

etno!ogias'. Vma vez que se retrac;:am as oposic;:6es entre elas ate

4. Como a de Lima, esta caracterimc;:ao das duas etnologias brasileiras eumacaricatura: e1a procura justamente explicitar uma representac;:ao caricaturalcorrente no cotidiano da academia nativa.

114 EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO ETJ\;()LOGIA BRASILEIRA 115

a altemativa formuJada por Peitano, fica mais claro 0 que estarealmente em jogo.

ROTAt;AO DE PERSPECTIVA

A 'grande diferenc;a', disse eu aeima, remete a uma estrutura

de longa dura<;ao no campo etno16gico. Com efeito, ela havia

sido claramente percebida, mais de quarenta anos arras, par urn

dos fundadotes da etnoJogia 'classica' no Brasil (e que foi tam­

bern urn dos inspiradores da 'etnologia do contatd). Florestan

Fernandes, em urn celebre artigo critico, evoeava as explicac;6eshist6rieo-eulturais entao em voga sabre a colonizac;ao e indicava

uma illternativa de grande importancia para a trajet6ria ulteriorda disciplina:

A hip6tese [de Gilberto Freyre] de que os fatores dinamicos do pro­cesso de calonizac;:ao c, par canseC]uencia, do de destribalizac;:ao, se inscre­viam na orbita de influencia e de ac;:ao dos brancos, seria a unica etnografi­camente relevame? Nao seria necessario estabelecer uma rotac;:ao de pers­pectiva, C]ue perl111tisse encarar os mesmos processos do angulo dos fato­res dinamicos que operavam a partir das instituic;:6es e organizac;:6es saciaisindigenns? ([1956-57] 1975: 128).

A po.::rtinencia dessas perguntas vai alem do desafio hist6ri­

co que Florestan identificava: comp::eender a dinamica de im­

plantac;ao do sistema colonial nos seculos iniciais da invasao eq­

ropeia - mesmo porque tais processos nao estao esgotados e, sob

alguns aspectos (a 'destribaliza~ao'), nao parecem caminhar na

dire~ao entao vista como inexodvel. Vai tambem aMm do desa­

fio intelectual com que Florestan se identificava: construir uma

etnologia universitftria relativamente autonoma frente as expecta­

tivas ideol6gicas das camadas dirigentes - mesmo porque tal

autonomia sed sempre, e por vezes muito, reIativa. As perguntas

sao pertinentes porque elas indicam urn dilema aparentemente

consubstancial a uma disciplina cuja condi<;ao de possibilidade eo fato cia articulac;ao hist6riea entre indios e brancos. Ou bern a

etnologia, consciente de que tal articulac;ao e urn processo de

dominac;ao colonial, define seu ohjeto como cons/itt/ido historica,

polftica e teortcamente pela dominac;ao, e parranto sua tarefacomo sendo ade cartografar criticamente tal constituic;ao (com

as olhas em uma -furuta reconstituic;ao menDs desfavora.vel aos

indios); au oem, buscando a perspectiva das "instituic;6es e orga­

nizac;6es sociais indigenas l1, ela conc1ui que, longe de estarem

unilateralmente englobadas peb situac;ao colonial, essas estrutu­ras tornam tal situac;ao como urn con/exll) de ejetuapio entre outros,

e assim a extrapolam de multiplas formas, que cabe a etnologia

compreender (de modo a valorizar as possibilidades indfgenas de

'coJoniza<;ao do colonialismo').

Mas trata-se realmente de urn dilema etnoJ6gico? OU eJe

11.aO esta, na verdade, illdicando a grande diferenc;a entre 0 pon­

to de vista da anrtopologia e uma abordagem alheia ao manda­

to epistemo16gico dessa disciplina? Pois a escolha, em ultima

analise, e entre uma perspectiva centrada no p610 colonial, uma

socio!ogia do Brasi! indigena (Cardoso de Oliveira, 1978) que toma

as indios como parte do Brasil, e uma perspectiva centrada no

p6lo nativo, voltada para a construc;ao de uma ver:ladeira socio­

IO...f!/a il1dige1JCl, isto e, uma antropologia dos indios situados no

Brasil. A alternativa e clara: au se tornam os povos indigenas

como criaturas do olhar objetivante do Estado nacional, dupli­

cando-se na teoria a assimetria politica entre os dois polos; ou

se b~<;ca determinar a atividade propriamente criadora desses

povos na constituis:ao do 'mundo dos brancos' como urn dos

componentes de seu proprio mundo vivido, isto e, como mate­

ria-prima historica para a 'cultura culturante' dos coletivos indi­

genas. A segunda opc;ao pareee-me a uniea opc;ao - se a que se

cesej" fazer e antropoJogia indigena. E 6bvio que se podem

estudar os indios sob outras perspectivas; a antropologia nao

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tern direitos de exclusividade sobre essa ou qualquer outra fra­

I'ao da humanidade. 0 problema so comel'a quando se pretende

substiruir globalmenre a abordagem distinriva e a agenda varia­

cia cia etnologia por uma doutrina monolitica que taffia 0 'canta­

ta interetnico' como pedra filosofal da disciplina.

AREA DE FRlC<;Ao INTERETN6l0GICA

A alternativa eclara para mim; mas essa nao e, com certeza,

a opiniao dominante. Ao contratio, estima-se que "a principal

caracterfstica cia antropologia brasileira e, ;ustamente, sua preo~

cupal'ao com a sociedade nacional" (Crepeau, 1995: 142-143,

que avaliza a observal'ao com uma longa lisra de auroridades).

No caso dos estudos indigenas, isso significa que nossa antropo­

logia teria se disringuido por nao clissociar "a investigal'ao dos

grupos tribais do contexto nacional em que estao inseridos" (Car­

doso de Oliveira, 1988: 154, em Crepeau op. cit.: 143). Estamos

falando, edara, cia teoria do cantata interetnico, que ja se disse

ser "the rrademark of Brazilian erhnology" (Ramos, 1990a: 21),

e mesma "a contribui~ao tearica mais original trazida ate hoje

pela antropologia brasileira" (2arur, 1976: 6; ver tambern Peirano,1998: 118-119).

Mas, entre set a principal caracterisdca e set a contribuic;:aote6rica mais original, vai uma certa distancia. 0 que e 'caracteris­

ticamente' brasileiro na antropologia brasileira pode nao ser 0

que eantropologicamente mais original, ou sequer mais caracte­

risticamente antropologico. A frase de Crepeau, sobre a antropo­

logia brasileira em geral, e neutra quanto a isso; ja a de Cardoso

quer nitidamente marcar urn ponto a favor de nossa etnologia.

Note-se, entretanto, a exata formula~ao da segunda: os 'grupos

tribais' esta.o inseridos no contexte national. Isto e, e1es sao parte

do contexto da sociedade nacional, 'inseridos' ('encapsulados', di-

rao ourros) como esrao em urn contexte que os engloba e expli­

ca. Em troca, para a etnologia que concebe os indios como situa­

dos no Brasil, se algo e parte de alguma coisa, so pode ser 0

'Brasil' que e parte das sociedades indigenas: parte, justamente,

do contexto de/as, isto e, de sua 'situa~ao historica'. Quando se

estuda uma sociedade indigena, com efeito, epreciso nao se dei­xar impressionar pelas evidencias da presenc;a da sociedade colo­

nizadora, mas apreende-la a parcir do contexto indigena em queela esd. inserida e que a determina como tal.

A concepc;ao que, no justo dizer de Peirano, compreende os

indios como 'parte' e parte, ela propria, antes de uma sociologiapolitica (no limite, administrativa) do Brasil que da antropologiaindigena; A extensa linha de investigac;ao derivada dessa concep­

c;ao tro,uxC'j aportes preciosos para 0 entendimento dos processos

de sujeil'ao das sociedades indigenas pela sodedade invasora - 0

que aumentou, em particular, nossa compreensao desta ultima,

enriquecendo a historiografia e a sociologia nacionais. Por outro

lado, Silas contribuic;6es ao conhecimento antropologico das so­ciedades indigenas situadas no pals estiveram e estao, a meu

juizo, algo aquem do que sua importincia ideologica na acade­

mia nacional permitiria esperar. Isso e especialmente problemati­co em vista da aspirac;ao dessa etnologia 'caracteristica', manifes­

tada par algups de seus representantes atuais, a se constituir em

abordagem exdusiva e excludente, a unica episremologica e poli­

ticamente r-orreta, chegada para desqualificar uma visao suposta­

mente traaidonalista, cega a realidade avassaladora cia construfao

do objeto 'indio' pdo disposirivo colonial (e, por seu bral'0 acade­

mica, a etnologia classica)5.

5. Gastaria de advertir que nno esteu induindo Roberto Cardoso de Oliveirana lista dos Cjue veem a etnalagia do cantata como a unica abardagemadmissive1 para :l. e"tnoJegia brasileira. Ao cantririo, Cardoso sempre mos­trou largue:;;:l. de vistas e curiosidade teorica. Alem disso, embora eu tenhadiscordancias de fundo com 0 modo pe10 gual tanto Darcy Ribeiro (de que

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Estamos, ao que pareee, diante de uma 'contradis:ao

irredutivel' entre duas concep~6es do objet~ da etnologia, taoirredutivel quanta as contradic;6es interetnicas famosamente ana­

lisadas por Roberto Cardoso. Como nestas, hi 0 lado dos indios

e ha 0 lado dos brancos, entenda-se: 0 ponto de vista dos POVO!

indfgenas e 0 ponto de vista do Estado national Esses sao as dais

atratores conceituais gue polarizam a ideia de etnologia brasilei­

ta. (Urn ponto de vista, advirta-se, nao euma 'opiniad, e multo

menos uma 'representac;ao' parcial de uma realidade _ interetnica,

no caso - cia qual apenas 0 observador cientifico retia uma visJo

global)'. Entre os dois pontos de vista nao hi media~ao possivel,

pois se trata agui de uma oposic;ao hierarquica, para falarmos

como Dumont, onde 0 que esta em disputa e 0 lugar de valor

concejtual dominante. (Nao e que nao haja uma 'visao global',

portanto; e gue hi dtlas: cada ponto de vista e perfeitamente

global.) A guestao e a de decidir 0 gue e 0 'contexto' de gue, e,

reciprocamente, quem esd. 'inserido no contexto' de quem.

Esse dualismo nao e, portanto, a resultado perverso"de 'uma

postura dualista e reducionista'. E inutil dizer gue os estudos de

contato interetnico levam em conra (espera-se!) a 'visao indigena'

- pois 0 gue esta em jogo e a visada do etn61ogo, a partir da gual

a visao indigena pode dar aver coisas muito diversas. Nao adian-

falarei adiante) como Roberto Cardoso viam ou veem 0 objeto da etnologia,nao m,;= passaria peIa cabe~a minimizar suas contribui~6es decisivas a nossadisciplina e a causa indfgena no Brasil. Darcy foi 0 principal responsave1por uma maior conscientiza~ao das camadas urbanas (e das elites didgen­tes) do pais guanto a situa~ao indigena; 'Cardoso, por sua vez, nao s6modernizou amplos setores da pratica e da reflexao etno!6gicas, difundin~

do urn ideal de trabalho cientifico na area, como foi 0 fundador da p6s~

gradua~i'io em antropologia social no pais. Meu 'problema' e com a capturahegemonizante gue seus sucessores e discipulos realizatam da ideiade.um';l etnologia brasileita, inventando uma 'boa' trndi~i'io _ gue, paradoxal.mente, pretende~se 'ni'io~tradicional', em oposilii'io ao 'tradicion:llismo' datradilii'io alheia.

6. Sabre a 'visi'io global', vet Oliveira ro, 1988: 59 n.33.

ta tamcem argumentar que 0 contato interetnico gera uma 'estru­

tura unific'tlda' (ou, quem sabe, urn 'campo situacional') em que

as institui~6es coloniais sao parte'do mecanismo de reprodu~ao

das institui~i3es nativas. Se nao hi dualismo, entao par que se fala

em 'institui~6es coloniais' e 'institui~5es nativas' (Oliveira po,1988: 10)? Se hi contato interetnico, e preciso gue haja algo em

cantata: e nada mais substancialista e naturalizante gue a fisica

ingenua do 'contato' e da 'fric<;ao', gue nao melhora tanto assim

quando se a substitui pela metafora igualmente fisica do 'cam­

pO'7. Mas se, como penso, nao existe esse objeto chamado (contato

interit11ico', eporgue nao ha outro modo de contar a historia senaodo ponto de vista de uma das partes. Nao existe 0 ponto de vista

de Sirius: Hao hi 'situa~ao hist6rica' fora da atividade situante

cos agentes. 0 problema, porranto, com a 'grande verrente' da

etnologia contatualista nao e, como Lima sup6e que se sup6e,

gue ela esteja "voltada somente para as intera~6es com a 'socic­

dade nacional''' (cf. Jtlpra), mas sim gue ela est" voltada para as

sociedades indigenas a partir do Estado nacional, pois e nesse

p6lo gue ela fixou a perspectiva. No limite, alias, poder-se-iam

dispensar as sociedades indigenas e suas 'intera~6es' com a socie­

dade naeional, ficando s6 com esta ultima e suas 'constru~6es'

das sociedades indigen2s.

E igualmente equivocada uma outra aIega~ao usual contra aemologia nao-contatualista: a de gue ela operaria com uma dis­

tin~ao entre aspectos internos e externos, privilegiando as 'di­

mensoes internas' dos coletivos indigenas devido a uma paixao

pre-cientifica pela interioridade (Oliveira FO, 1988: 27). Agui talvez

valha a pena explicar gue a preocupa~ao da etnologia nao­

contatualista contemporanea - melhor chama-la apenas de antro­

pologia indigena - nao e com as 'dimensoes internas' da vida dos

7. Os cricicos do 'modelo narurali7.:,tdo de socied:lde' nao se privam de met:1.~

for~,s naturalisras - as mais em moda arualmente si'io hidraulicas: fluxos,correntes etc,

120 EDL:ARDO VIVf.:IROS DE CASTRO

121

povos indigenas. Em primeiro lugar porgue, ao contrario do gue

parecem erer Oliveira au Lima, seus praticantes naG consideram

que as dimens6es externas, tal como sao determinadas pelos di­

versos regimes sociocosmo16gieos indigenas, sejam a IDeSIr..:l coi­

sa que a sociedade nacional - iS$o seria muita presunc;:ao

etnocentrica. Em segundo lugar porgue, uma vez fixada a pers­

pectlVa no polo indigena, ludo einferno a efe - inclusive a 'soeieda­de envolvente'. Todas as re1ac;:6es sao internas, pois uma socieda­

~e n~o existe antes e fora das relac;:6es que a constituem, 0 que

mc1U1 suas rela<;6es com 0 'exterior'. Mas essas re1ac;5es que a

constituem 56 podem set as relac;5es que ela constitui "0 contata

intere/niea", disse urn desses autores, "e {...J urn Jato constitutivo,que preside a propria organizaS;ao interna e ao estabelecimentoda identidade de urn grupo otnico" (op. cit.: 58; grifos originais).

a problema e saber qtleJJJ 0 consfittl;' pois nao hi fatos sem alguem

que os fac;:a. Fatos constitutivos sao fatos constituidos8• Dizer queo fato interetnico preside a "propria organizas;ao internal' - mas

entao ha urn 'interno'? - de urn coletivo humano e toma-Io comCi

urn faro transcendente, como principio causal superior e exterior a

uma organizac;:ao qL1C cle expJica mas que nao 0 explica (e muitomenos 0 'compreende'). 0 ponto de vista que 0 constitui, portan­

to, est<l situado ftra da 'organizac;:ao interna' do grupo: 0 fatoconstitutivo da organizac;:ao indigena nao e constituido por ela,

A critica a suposta cnfase classica nas dimens6es internasdas sociedades indigenas deriva assim de uma concepC;ao queconverte 0 fato da domina,ao politica em principio de governo

ontol6gico. 0 interior e 'presidida' pela exterior - e este ultimo evista como autoconstituido. Enquanta a antropologia indigena tOffia

o 'exterior' e 0 'interior' como dimens5es simultaneamente cons-

8. Como diria Bachelard, les jaits Jont jait.r - ate mesmo os 'fatos constitutivos'.E eles nao sao feitos 56 pdo nnalista, mas tambem pelos agentes que des'fazem'. Ou sera que os partidarios da abordagem processualista do coma·to acreditam em fatos sem fazedores e em processos sem sujeito?

tituidas por urn processo indigena de constitui,ao gue nao tern

nem 'dentro' nem 'fora' - anterior como ele e a essa distinc;:ao aque efe 'preside' e, portanto, exterior a si mesmo -, a sociologia

politicista do contato interetnico, ao tomar ambos como dimen­

s6es de urn dispositivo colonial gue engloba do exterior a reali­

dade indigena, vc-se forc;:ada a contra-reificar no plano conceitualuma dimensao subordinada do 'interno'. (S6 acredita em 'dimen­

soes internas' quem nao as leva a serio, portanto; ou vice-versa.)

Finalmente, pode bern ser gue 0 fato interetnico 'presida' aorga­

nizac;ao de urn 'grupo etnico'; mas nem toda sociedade indigena

e urn grupo ttnko, nem todo grupo etnico e 0 tempo todo urngrupo ttnico, e nenhum grupo etnico t apenas urn grupo etnico.A reduc;:ao dos multiformes e multi-situados coletivos indigenasa situac;:ao uniforme de 'grupo etnico', tornada norma do oqjeto

etnofogico, e uma das conseqiiencias de se tomar esse fato constitu­

tivo particular, que e° fato interetnico, como sendo 0 fato cons­titutivo geral: a razdo, em todos os sentidos da palavra, da exis­

tcncia social de. tais coletivos. E 0 contato interetnico acaba as­

sim virando, para usarmos .lma expressao cara a escola

contatualista, urn (obsraculo epistemologico',Ao criticar a 'emologia cIa~sica' po: privilegiar 0 'interior'

dos coletivos indigenas, Oliveira P e Lima parecem, em suma,fazer uma confusao entre uma metajfsica do interioridade e uma

ol1tofogio dos reforoes il1terl1oJ. Esta ultima caracteriza varias aborda­gens antropo16gicas anti-empiristas, nao devendo nada, diga-se

de passagem, adualidade sociedade indigena/sodedade a16gena'.

9. Ver, por exemplo, 0 comentario de A. Cell (1995) sobre The gender oj the gift(Strathern, 1988), urn dos livros de maior impacto sobre a antropologiacontemporanea. Essa ontologia das rela<;oes internas pode ser c1assificadade 'idealista' em oposi<;ao a concep<;ao empirista das re1a<;oes externas,como fa'!. Cell; mas 0 marxismo tambem ji foi assim e10quentementeinterpret2.do (Ollman 1976, cap. 3:' 'The philosuphy of internal relations').Para urn born desenvolvimento filos6fico desta posi<;ao,ver G. Simondon

(1964).

122 EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO ETNOLOGI,\ BR:\SIU'.JRA 123

Como essa filosofia das rela,ces internas nao se confunde, justa­

mente, com nenhuma fantasmatica substancialista cia interioridadc,

pode-se tanto dizer que tuclo einterne asociedacle indigena estu­

dada, inclusive a socieclade colonial, como dizer que tudo 'he. /

externa, inclusive as-Fontes nativas de institui~ao cosmol6gica'do

sociuslO• Na verdade, tal imaginario cia interioridade autoctone pa­

reee persistir principalmente no seia cia tcoria do cantato, code

eIe faz as vezes de espantalho que se precisa exorcizar como

preludio a uma anexac;ao discursiva das sociedades nativas pelas

dimensoes, agora sim, infernas cia sociedade nacional: pois apenas

esta, na medida em que se encontra unificada e representada por

urn Estado, exige e estabelece uma verdadeira interioridade mc­

tafisica (Deleuze & Guattari, 1980: 445). E par falar em mites de

interioridade, recorde-se gue nao foram propriamente os etnalogos

chlssicos gue inventaram essa contradis:ao em termos, a noc;ao de

'cololtialis!Jlo i1lferno', nem gue a aplicaram aos estudos de fricc;ao

interetnica.

A INVEN<;Ao DA TRADI<;AO

Mas retomemos a reprcsentac;ao dualista da etnologia bra­

sileira a partir de uma versao ao mesmo tempo mais explicita c

menos polemizante. Aleida Ramos, ent urn artigo significativa-

10. Ver, par exemplo, as considerac;oes de Viveiros de Castro (1986) sabre asArawetc como habitando uma 'socicdadc scm interior', e todo a extensoargumento ali e alhures (id., 1993b,c; 1996c) e1aborado sabre as valoresconstitutivos da alteridade nas sociologias amazonicas. Seria prova de igno.rancia ou de ma-fe associar a amropologia indigena sui-americana dos anos89 em diante a qualquer imaginirio da interioridade, visto que ela se consti­tuiu justamente em t"uptura com de, e de qm modo que nada deve it inspira­<;ao funcionalista das teorias do contato imeretnico (ver Viveiros de Castro,1992: 191-192). E, se cheguei a opor abordagens 'externalistas' e 'internalistas'da etnologia suJ-americana (1995a: 10), foi para rejeitar ambas.

menre intitulado "Erhnology Brazilian style", apresenta a uma

audiencia norte-americana as contribuic;oes brasileiras aetnologia,

destacando "duas perspecrivas" (1990a: 14) influentes em nos­

sa academia. E importante registrar que A. Ramos nao ve as

duas perspectivas como opostas, mas apenas como distintas; e,

de fato, a propria autora deu contribuic;6es importantes para

ambas as linhas 11•

A primeira perspectiva representa, groJ'so modo, 0 gue vamos

aqui chamando de 'etnologia c1assica'. Ainda que devendo alga

aos rrabalhos pioneiros de Nimuendaju au Baldus, diz Aldda

Ramos, ela derivaria diretamenre dos estudos sabre as povos Je,

realizados no ambito do Harvard-Central Brazil Project, coorde­

nado par D. Maybury-Lewis, que reuniu quatro etn6grafos ame­

ricanos (J. Lave, J. Bamberger, T. Turner e.J. C. Crocker) e dais

brasileiros (R. DaMatra e J. c. Melarti). A autora ve nas pesquisas

desse grupo, cujo pica de atividade se deu no final dos anos 60",

a origem de uma tematica depois desenvolvida par pesquisado­res como M. Carneiro da Cunha, A. Seeger e E. Viveiros de

Castro sabre as concepc;ces de pessoa e de corporalidade pr6­prias as sociocosmoJogias indigenas. Ela indica brevemente a co­

nexao dessa linha de investigac;ao com algumas questoes tearicas

da epoca, notadamente com 0 consenso estabelecido no Con­

gresso de Americanistas de 1976 (Overing Kaplan, org., 1977)

11. Como foi 0 caso de muitos antrop61ogos de sua coorte geracional, influen­ciados peIo modelo cardosiano da fricc;ao mas que tiveram uma formac;:ao'classica' no e:>:terior (Alcida Ramc)s, R. DaMatta) ou que simplesmentecram bons etn6grafos. 0 artigo de Alcida Ramos nao pretende exaurir aproduc;ao etnol6gica, e seu usa ilustrativo clas duas linhas de pesquisaap6ia urn certa numero de teses substantivas de que trataremos mais adi·ante. Cito 0 artigo na pagina<;ao da c.:dic;ao brasileira (em ingU:s) aparecidana 'Serie Amropologia' cia VnB; nao tcnho comigo a versao publicada naCnl/lim//ll1/hropo/o..f!J', no mesmo an,).

12. A publica<;ao conjuma dos resultados do Harvard-Central Brazil Projectdeu-se apenas em 1979 (Maybury-Lewis, arg., 1979).

sobre a necessidade de se buscar uma nova linguagem para des­

crever as sociologias amazonicas. Alcida Ramos evoca, por fim,

as numerosos desdobramentos contemporaneos dessa perspecti­

va em plena expansao, cia arre ao ritual, do parentesco ao caniba­lismo, do corpo acosmologia (Ramos, 1990a: 14-16).

A segunda perspectiva eilustrada exclusivamente por nomes

nacionais, e teeebe maior atenc;ao cia autora: trata-se cia tradic;aoconrarualista (op. cit.: 16-22). A. Ramos comel:a por sublinhar a

preocupac;ao desde cedo manifestada pela etnologia brasileira em

documentar os mecanismos de dominac;ao etniea e a tran'sforma­c;ao das sociedades indfgenas "from self-sufficient units to helpless

appendages of the national powers". A aurora mostta como essa

preocupac;:ao nacional (que ela contrasta com a 'etnografia do

rescaldo' propria da anrropologia indigena norte-americana) ja se

percebia nas pesquisas sobre aculrurac;ao iniciadas nas decadas de

40-50 em Sao Paulo. A abordagem aculrurativa seria reformulada

pelas figuras-chave da ernoJogia brasileira das duas decadas se­

guintes, Darcy Ribeiro e R. Cardoso de Oliveira, ambos egressosdo meio academico paulistano, mas gue ido transferir para 0 Rio

de Janeiro 0 ccntro de gravidade da diseiplina. Aldda Ramos suge­

re gue a Hmarkedly nationalist phase of Brazilian history" em quese deu a formac;ao desses autores influenciou os rumos que eIes

imprimiram aetnologia. Assim, Darcy Ribeiro reria vindo politiz"r,

em varios sentidos, a problematica formalista cia aculturac;ao, de­nunciando 0 etnocidio gue se escondia sob esse rotulo neutro,

inserindo-o no quadro da expansao diferencial da fronteira econo­

mica nacional e prevendo a extinc;ao sociocultural dos povos indi­

genas, em urn livro de enorme impacto (as Indios e a civiliZOfaO).Acrescente-se a isso urn engajamento ativo no Servic;o de Protec;ao

aos indios, onde Darcy Ribeiro iria se definir como continuador da

obra de Rondon e formular uma tcoria governamentalista do

'indigenismo', de grande influenda sobre a problematica latino­

americana de mesmo nome. Roberto Cardoso, por sua vez, vitia a

o esrilo brasiJeiro de etnologia de que fala 0 artigo e,portanto, associado pela autora a essa segunda perspectiva: trinta

13. Em sua produlYao mais recente sobre as 'antrorJologias perif6ticas', Cardo~

so de Oliveira continua de certo ~odo tematizando a Guestao do 'comato',56 Gue agora nao mais no plano dos indios, e sim dos antrop610gos.

was .definitely established as a trademark of Brazilian ethnology. Forthe best part of three decadcs, many studcnts of indigenous societies havebeen stimulated by Cardoso de Oliveira and have taken to the field one oranother version of his model of interethnic friction (pp. 21-22).

125I~TN01.oGJA BRASJLEIR,\

romper com 0 paradigma aculrurativo ainda subscrito por Darcy

Ribeiro Gunto a quem rrabalhou no SPI). Inspirado na noc;ao de

'situac;ao coloni.:.:1', extraida da sociologia africanista de Balandier,Cardoso de Oliveira deslocou 0 foco ana!itico da culrura para as

relac;6es sociais, ao propor 0 conceito de fricc;ao interetnica. Se

Darcy Ribeiro polirizou a aculrllrac;ao, Cardoso de Oliveira a

sociologizou, Ianc;ando mao de uma paleta ecletica de referencias,

do marxismo a etnociencia, do estruturalis.mo a fenomenologia.

Mais tarde, ele ida migrar da problematica da 'fricc;ao' para a da'identidade', e depois para a da 'etnieidade' - ern urn percursorepetido POt varios de seus discfpulos -, sem abandonar a quesraogeral do contato interetnico lJ

Como bern diz Alcida Ramos, "Cardoso de Oliveira's

influence on Brazilian anthropology cannot be overemphasized"

(p. 22). Embor. tenha tido, como seu antecessor, uma expressiva

participac;ao no campo do indigenismo latino-americano, toman­

do assento em organismos internacionais e escrevendo textos

programaticos sobre a 'quesdo indigena', a influencia de Cardo­so de Oliveira sobre a antropologia deu-se essencialmente noplano universitario. Fundador c conduror de instituic;6es, referen­

cia intelectual central de pelo menos duas gerac;oes de antropolo­gos, foi grac;as asua atividade gue 0 tern? do contato interetnico

II

I

EnUARDO VIVEIROS DE CASTRO124

126 EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO /;Tl"OLOGI,\ BRI\SII.EIRA 127

anos de cantata interetnieo tornaram 0 terna a 'nossa' marca

registrada. Que marcou, alias, mais que a etnologia propria­

mente dita: como mostta Aldda Ramos, a guestao do cantata

logo se articulou a quesrao cia 'fronreica' e do 'campesinato'.

estancia na origem cia linha de estudos rurals desenvolvida no

Museu Nacional e alhures. Com efeire, acrescento, assim como

a soeiologia do cantata buscara instrumentos "de compreensao

e de exp1icas:ao cia reaJidade tribal, vista naD mais em si, mas em

rela,ao it sociedade envolvente" (Cardoso de Oliveira, 1967:

187), a sociologia do Brasil rural a ela associada iria criticar, em

termos multo semelhantes, as abordagens 'culturalistas' dos es­

tudos de comunidade produzidos nas decadas antedotes: estes

desdenhatiam a hist6ria, naD veriam a realidade como 'proces­

so', isolariam a comunidade do contexto ou sistema politico­

economico mais amplo etc. 14•

Comentcmos J Jprescntaltao das duas perspectivas par

Alcida Ramos. Observe-se, de saida, 0 carate: notavelmente

desequilibrado dos respectivos ternarios: de urn lado, 0 contata

interetnico; de olltro, a pessoa e a corporalidade, mas tambern 0

parentesco, a organizaltao sociopolitica, 0 xamanismo, a mitolo­

gia, 0 ritual ... - e, acrescente-se, 0 contato interetnico. Na ver­

dade, 0 discurso tearico sobre 0 contata, nos termos em que ele

foi articulada peb esco]a que vamos chamando por esse nome,

nao chegou a contribuir significativamente para a compreensaodos fenomenos e dimensoes estudados ·pela 'outra' etnologia15.

14. Mas, assim como algumas das monografias etnograficas resultantes cia en­tao nova perspectiva friecionista e situacional se desatualizaram mais rapi.damente gue os estudos inspirados nas abordagens 'classicas·. assim tam­bem os estudos de comunidade das decadas de 40 e 50, com todos os seusdefeitos. continuam a valer a pena ser lidos.

15. Como diz Ortner dos analogos estrangeiros do contatualismo: "The accountSprocluced from such a perspective are often·tJuirc unsatisfactory in termsof traditional anthropological concerns: the actual organization and cultureof the society in question" (1984: 143).

Esta, em troca, vela a incorporar a tema do contato em sua

agenda, aprofundando uma orienta,ao de que ja se podiam ver

sinais desde 0 inicio dos anos 70..Note-se tambern que 0 esquema de A. Ramos, ao projetar

tematicamente a 'dsao que evitamos abordar', procede a uma

redultao de urn esquema tripartite tradicionalmente utilizado nos

sobrevoos da etno1ogia brasileira. Refiro-me it c1assifica,ao, pro­

posta por Florestan Fernandes e seguida por varios comentadores,

que indexava as pesCJuisas etnalogicas sob as rubricas: 'organiza­

<;ao social e politica'; 'religiao e mitologia'; e 'muclanlta cultural'

au 'so~iai' (depoi~'fricc;aointeretnica e et"nicidade')16. No arranja

de Alcida Ramos, os dais primeiros temas estao contidos dentro

da primeira perspectiva. Isso corresponde, a meu ver, a algo real:

a decada de 70 viu ruir a barreira entre 'sociedade' e 'cultura',

'instituic;ao' e 'representac;ao', que justificava a diferencialtao en­

tre aqueles temas (Overing Kaplan, 1977; Viveiros de Castro,

1986; Riviere, 1993). 0 fim dessas distin,oes tradidonais, que

podem ser Hdas em sentido tanta funcionalista quanto marxista,

deve-se it influenda fundamental de uma figura que 0 texto de A.

Ramos s6 menciona de modo muito alusivo. Estou-me referindo,

natural mente, a Levi-Strauss, cuja antropologia tinha como trac;o

distintivo "the eradication of the Durkheirnian distinction between

the social 'ba:3e-' and the cultural 'l'eflection' of it" (Ortner, 1984:

137). A presenlta do estruturalismo na ernol..:>gia americanista sera

comentada adiante.De seu lado, a escola do contata ensaiou alguns passos

no sentido de articular os teroas da organizaltao social e da

mudan,a. Mas ela 0 fez ao pre,o de uma exacerba,ao daquela

16. )'ernandes [1956-195711975, 14455.; Baldus 1968, 21; Schaden, 1976, 8-9;Melatti, 1983: 35-45. Outras comentarios modificaram ligeiramente 0 es­quema tripartite, introdu7jndo os tcrr.as das 'rebs:6es com .) ambiente' e osestudos de arte e tecnoiogia material (Seeger & Viveiros de Castro, 1977;

Melatti, 1982).

128 EnU,\RDO VIVEIROS DE C\STRO

plo de Sahlins veio desestabilizar de vez a polaridade, ji entao

prec:iria, entre as etnologias da tradil'ao e da mudanl'a. Tal

desestabilizal'2.0 se reflete nos parigrafos finais do arrigo de Alcida,

em que a autora registra multo rapidamente a surgimento do que

seria uma terceira perspectiva na etnologia brasilei~a, a saber, ainteresse crescente pela 'etno-hist6ria' (ap. cit.: 25). E significativo

que, dos poucos autores que ela cita aqui, a malaria pertenc;a ao

contexto academico paulista; e interessante tambem observar que

esta maioria --. e isso' ficaria ainda mais claro na abundante produ­

<;ao sabre hist6ria indigena, contempad.nea au posterior a data

do artiga -, esteja tearicamente identificada antes com paradig­mas da 'etnologia classica' que com 0 contatualismo18• A implan­tac;ao paulista dessa terceira perspeetiva pareee-me signifieativa

porque foi justamente em Sao Paulo que as doutrinas ~e Dar~y

Ribeiro e Cardoso de Oliveira tiveram menor penetra<;ao aeacle­

mica19• Em outras palavras, a esquemati7.aC;aO dualisla, presente

em comentaclores como Mariza Peirano, Alcida Ramos, A. C.Souza Lima e eu mesmo, reflete sobretudo a etnologia produzida

na area de influencia inteleetual desses dais grandes antrop6Io­

gos, que de cetta forma inventaran-I a tradtfao cia 'etnologia brasi­

leira'. Ao faze-lo, cles ou (no caso de Roberto Cardoso) seus

epigonos definiram 0 que se fazia fora desse ma_rc~ normativoCvIDO constituinda uma eontratradiC;ao - tao 'brastlelra' quanta aoutra, eu ditia, mas talvez menos ocupada com sua pr6pria

distinc;ao entre 0 'social' e a 'cultural' - no interesse, e claro) do

primeiro conceito - que ji havia sido erradicada pelo estrutura­lismo. Ela revelava com isso sua dependencia de urn estrato

mais arcaico do campo tcarico, no qual se defrontavam 0

'culturalismo' norte-americana e os varies 'funcionalismos' bri­

ranicos. A sociologla do cantata contempocanea permanece presa

a essa dicotomia, e sua dilec;ao por autores como Gluckman e

Barth remonta i cruzada anticulturalista (e pre-estruturalista)

das decadas de 50 e 60, a 'epoca de ouro' de 'nossa' etnologia.

Confrontados mais tarde com a eclosao de urn vigoroso

culturalismo politico indfgena, as contatualistas se veda obri­

gados a readmitir a detestada noc;ao de cultura - residual mas

irredutivcl, ja advertira Carneiro da Cunha (1979) - pela porta

dos funclos, isto e, disfarc;:ada de 'etnicidade', e tamhem a

reinvidicar alguns p6s-tud610gos (afteralagists, diria Sahlins) egres­50S da tradis:ao norte-americana 17.

Do lado da 'etnologia chissica', areunHo dos dois primeirostemas da triparti<;2.o tradicional, oeorrida na decada de 70, se­

guiu-se, na decada de 80, a incorporac;ao do tema da 'mudan<;a'.

A inspiral'ao para esse movimenro veio de Marshall Sahlins, que

em urn opusculo publicado qll 1981 reformulou de urn golpe a

questao das rela<;6es entre estruturas socioculturais e transforma­c;ao historica, oferecendo finahnente ao tema do 'contato inten~t­

nico' uma possibilidade de interpretal'ao antropol6gica. 0 exem-

ETl"OLOG1A RRASII.E1RA 129

17. No caso especifico de Roberto Cardoso,' observe-se que seu trabalho [oimostrando uma influencia crescente das abordagens hermeneuticas, o. quesugere urn retorno itGuela problematica da 'cultura' que ele havia contribufdopara afastar do horizonte da sociologia do contato. Esse deslocamento eposterior afase propriamente 'indigena' do autor; mas ele ja estava prefigurndona passagem da teoria da 'frics:ao' ao fenomeno da 'identidade etnica' defini­do como relevando do "dominio do ideoI6~co" (Cardoso de Oliveira, 1976:

xi-ss.). Poi assim que a cultura come~ou a reingressar na teoria do contato:como ideologia (nada de tipicamente brnsileiro russo; ver Ortner, 1984: 140).A etnicidade foi 0 retorno da culturn como metarrepresenta~ao.

Ij

18. 0 trabalho de M. Carneiro da CU~1ha e seus alunos, em particular, estamuito mais pr6ximo da etnologia da 'primei~a persp~ctiva' praticada p.el~

presente autor 'Gue da variante fundamentalista da segunda perspectlvapresente em minha jnstituj~ao carioca. ,

19. Isto St zplica sobretudo it USP, <..jue, devido ao deslocamento ~o polodinamico da etnologia para 0 Rio de Janeiro, passou por urn penodo decerta retra~ao> do Gual come~ou a se recuperar e~ me~dos dos a~os 80.Quanto a Unicamp, Roberto Cardoso. veio a. e~sl.nar la, mas ent~o se,usinteresses ja se dirigiam para outros obJetos: hlstorla da antropologla, pos­modernidade, hermeneutica.

130 l£nuARDo VIVEIROS DE,CASTRO ETNOLOGIA BRASJJ.E1RA 131

brasilidade, confiando em que esta seria antes a conseqiiencia

que a causa de seu fazer etnologico.

as comentarios de Alada Ramos sobre a carreira e obra de

Darcy Ribeiro e Cardoso de Oliveira pedem adendos. A politizal'ao

do tema da acultural'ao efetuada por Darcy Ribeiro estava associa­cia a dais componentes de sua personalidade tearica: de urn lado, a

fascinas:ao pelos esquemas grandiosos do neo-evolucionismo ame­

ricana (apimentado, diz a aurora, POt uma certa "marxian

inclination"), 0 qual se constituiu em' ruptura com 0 paradigma

hoasiano dominante nos estudos de aculturac;:ao; de outro, a deci­sao de inserir a problematica indigena assim redefinida no quadrodas 'teorias do Brasil' formuladas na decada de 30. Isso 0 levou ,escrever uma serie de amplos panoramas hist6rico-culturais de P?uca

repercussao academica (mas ver, i'!fra, 'A marca nacional'). Darcy

Ribciro propos-sc, na vcrdade, a ser urn Gilberto Freyre indigenista

e de esquerda, que iria reeantar a formac;:ao d3. nacionalidade a

partir do duo europeu-indigena (e nao do europeu-africano). Suapreocupac;:ao ultima era com '0 indio' como ingrediente-chave damistura sociocultural brasileira, e sua visada politica era 0 naciona­lismo de Estado, como 0 mostra sua identificac;ao com Rondonnos tempos do SPI e sua carreira publica posterior.

A ruptura de Roberto Cardoso com a tradil'ao da acuIturas:aoseguiu caminhos diversos, maS nao inteiramente. 0 conceito defricl'ao interetnica deve tanto a Balandier quanto ao modelo dasreIal'oes raciais de Florestan Fernandes, professor de Roberto Car­doso. Como observa Mariza Peirano, a etnologia de R. Cardoso "emarcada par urn dialogo teorico com os estudos sobre reIac;oesraciais e nao com os Tttpinambti"; as monografias indigenas deFlorestan Fernandes nao podiam assim "servir de inspiraC;ao para

a abordagem que caracterizou a antropologia indigena no Brasil" (1992:73-74; grifo meu) 20 . Se Darcy Ribeiro foi 0 Gilberta Freyre

20. Se Florestan rernandes antecipou a tese da grande diferenfa entre os 'indiossituados no Brasil' e os 'indios parte do Brasil', nao e possive! identificar

indigenista, Roberto Cardoso, de cerra maneira, tambem pos 0

indio no lugar do negro - sO que nos termos 'c1assistas' de FlorestanFernandes, nao nos raciaIistas do s0c1010go pernambucano. A etniafoi vista como urn analogo da c1asse social: a fricc;ao interetnica era"0 equivalente logico ... do que os sociologos chamam de 'luta declasses'" (Cardoso de Oliveira, 1978: 85). Esse enquadramentodos povos indigenas no esquema das relal'oes raciais e da luta de

classes, em que pese a sua bem-vinda radicaIidade interpretativa,enraizou ainda mais firmemente a etnologia em uma 'teoria doBrasi1'21.

A outra matriz te6rica direta da sociologia indigenista deRoberto Cardoso foi, como se sabe, a 'teeria cia dependencia' deGunder Frank, Stavenhagen e outros menos votados, que utiIiza­va 0 n;1qmo modelo da luta de classes para pensar as rela,oesirltcrnadonais. A escola do contato iria se articular diretamentecom as discussoes da epoca sobre a troca desigual, 0 colonialis-

simplesmente suas monografias tupinamba a primcira conceps:ao. Comoobserva Mari7.a Peitano, os indios de Plorestan rernandes eram, digamosassim, anteriores a tal distins:ao: "os Tupinamba nao foram construidoscomo objeto em termos de um grupo distinto li/uado em territorio brasilei­ro, eles eraftlO Brasil de 1500" (Peirano, 1992: 74). Mas hi de se convir gueentre ser metaforicamente todo 0 Brasil, como neste caso, e se-lometonimicamente, como no caso da visao contatua!ista, vai sempre umagrande diferens:a.

21. A formatar;ao da . 'guestao indlgena' nas linhas da 'guestao racial' talve7.poss'!' tamberr. ser interpretada como uma estrategia de enobrecimentopolitico da primeira, dando-Ihe uma visibilidade e uma pungencia de gueela nao ;_l:~sfrutava. Observe-se gue 0 pape! paradigmitico desempenhadopelas rel~c;:"ks raciais (entenda-se, negros/brancos) dentro do imaginarioteorico da etnologia do contato foi herdado por sua progenie, s6 Cjue agorao drculo esta-se fechando: a sociologia indigena derivada do eSCjuema dasre1as:6es raciais comes:a a servir de modelo para se pensar oS 'remanescen­tes-emergentes' de guilombos, e e a 'etnicidade' que vern sobredeterminaras relas:6es de classe (Arruti, 1997). !~iio sei se 1 antropo1c'gia das 'popula­r;6es' afro-brasileiras precisa mesrno desse aporte enviezado, ou se e1a janao esta bem mais adiante, como atestam alguns trabalhos admidveis(j\1alcelin, 1996).

132 EDUARDO VIVEIROS DE C,\STROf~n..:or.()GIA IlRl\SILEIRA 133

rno 'interna', as famigeradas 'faemas de transic;ao' ao capitalismo

etc. 22. Negros, ca:.nponeses, 0 'Brasil': tais foram as fontes

analogicas utilizadas pela escola do cantata para pensae a "reali­

dade tribal"; para pensa-Ia, isto e, "nao mais em si, mas em rela­

<Tao asociedade envolvente", como disse Cardoso de Oliveira.

Essa oposic;ao entre tomar a 'realidade tribal' em si au em

relapio it sodedade envolvente e reve1adora: aqueIa realidade 'em si'

aparece como subsdncia, e nao como complexo imediata e intrin­

secamente re1acional; e 0 'em relac;ao' - em relac;ao a soeiedade

envolvente, notc-se, nao COlli a sociedade envolvente - significa: oa

gualidade de parte ontologicamente subordinada. A re1a,ao de que

se fala e uma relac;ao eotre parte e todo, e 0 'em relas:ao' indica

qual 0 ponto de vista global se est. assumindo. A sociedade indi­

gena nao evista como relational, mas como relativa - relativa a urn

absoluto que ea soeiedade envolvente, a qual ocupa 0 trono do em

si que se recusou a 'realidade tribal'. Contra essa alternativa entre

tomar seu objera em si ou em oUlro, a antropologia indigena esco­

Iheu rama-Io CO~1l0 constituindo desde 0 inicio urn para ·si,. isto e,como urn sistema auto-intencional de relas:6es. 0 'em si' e 0 'em

relas:ao' sao, nesse caso, sin6nimos, nao antonimos.

Por fim, cabe observar que a oposis:ao entre uma 'etnologia

classica' ou 'tradicional' e a etnologia da 'marca registrada' nao eurn acidente peculiar ao contexto academica nativo; se 0 rebati­

mento ideo16gico sobre a 'brasilidade' e brasileiro, sua codifica­

s:ao teorica traz marcas estrangeiras. POls tal polarizas:ao emuitosemelhante aquelas que marcaram outras tradis:6es nacionais, comoo cabo-de-guerra entre 'materialistas'·e 'idealistas' que dividiu a

antropologia norte-americana dos anos 50 aos 80, ou a polemica

dos antropologos 'marxistas' contra os 'estruturalistas' na Frans:a

p6s-68. Urn mesmo ar de familia perpassa as tres. 0 debate

22. Nesses termos, nao scri:t descabido ver 0 Indio eo 1I/100do dos brancos (CarGo~

so de Oliveir::t, 1964) como a eCo indigena e setentrional do Capil4!ismo eescrt1lJidiio no Brasil mendional (E H. Cardoso, 1962).

amerit',10 teve menos eco no pais, devido apequena popularida­

de do 'oat"rialismo cultural' (ou 'ecologia cultural,) em nossas

plagas; mas 0300 se deve esquecer que Darcy e seus associadosmais diretos eram adeptos entusiasmados dessa corrente, e que

ela se opunha, em sua tradu<;ao brasileira, ao mesmo 'tipo de

gente' - os malditos idealistas - anatematizado pdos descenden­

tes da esco!a da fric,ao, que importaram da Fran,a 0 ant"gonis­

rno entre Balandier (e demais africanistas de persuasao 'rnarxis­ta') e Levi-Strauss (e demais americanistas de persuasao 'estrutu­

ralista') e 0 utilizaram como chave de classifica<;a023 • E importan­

te por em continuidade essas tres polariza<;6es, pois isso permitever que a ruptura cosmol6gica entre a 'fase Darcy Ribeiro' e a

'fase Roberto Cardoso' da emologia do contato foi menos pro­

funda do que se pode pensar. Assim, 0 esquema de tipo 'teariada dependencia' adotado peIa ernoIogia contatualista, que veio a

fazer sucesso mundi.1 na antropologia dos anos 70 sob 0 nome

generico de 'Political economy school', tern pelo menos urn pon­to em comum com 0 materiaIismo eco16gico-cuItural, como ob­

servou perspicazmente S. Ortn" (1984)24. As pesquisas inspira­

das no paradigma antropoIogico da 'economia politica', diz Ortner,

Have shifted the focus to large-scale regional political/economic

s ,'stems [...1 Insofar as they have attempted to combine this focus with

t;aditional fieldwork in specific communities or micro-regions, their research

23. Para urn examedo debate entre africanistas e americanistas na Pranr;a, verTaylor, 1984 (comentada em Viveiros de Castro, 1992) e Albert, 1995

(comenrado em Lima, 1998). .24. 0 artigo de Sherry Ortner c uma discuss:'io brilhante dos rumos da teona

antropo16gica d~s anos 60 aos meados da decAda de 80. Entre suas quali­dades esta a de relativi7,ar as virtudes teologais de certas enfases ja entao, eainda em moda no pais e alhures. Sua leitura e instrutiva tambem porperm:tir uma estreita correlar;:i.o entre a antropologia feita no Brasil c atcoria intcrnacional. La como ca, alias, 0 paradij,'1l1a da 'Political economyschc<)l' (tambem conhecida como ~teoria do sistema mundial' etc.), "overlapswith the burgeoning 'ethnicity' industry" (op. cit.: 142).

25. A ascendencia te6rica deste conceito de 'situas:ao' remonta as 'analisessit~acjonais' cia Escola de Manchester (Gluckman, principalmente) e aotransacionalismo de r. Barth - duas versoes do paradigma que Kuper (1992:5) chamou de 'malinowskiano'. Ver tambem Ortner, 1984: 144-145 n. 14.

has generally taken the form of studying the effects of capitalist penetrationupon those communities f...1 The emphasis on the impact of external

forces, and on the ways in which societies change or evolve largely in adaptation

to such impact, tics the political economy school in certain ways to thecultural ecology of the sixties, and indeed many of its current practitionerswere trained in that school [...1But whereas for sixties cultural ecology,often studying relatively 'primitive' societies, the important external forceswere those of the natural environment, for the seventies political economists,generally studying 'peasants'. the important external forces are those ofthe state and the capitalist world system (op. cit.: 141-142).

Com efeito, entre a natureza (americana) e a historia (euro­peia), desaparecc a sociedade (indigena). Atirados de urn lado

para a outro peb necessidade natural e pelas necessidades docapital, as povos indigenas sao vistas como registros contingen­tes de realidades mais eminentes. a 'capitalismo ou 0 Estado

colonial disputam assim com a ordem natural 0 papel sobrenatu­

ral de Grande Objetivador. Longe de estare11J situados no Brasil,

os Indios, segundo ambas essas concep~6es, saO situados pelo Bra­sil: ora pelo Brasil ccol6gico, ora pelo Brasil politico. (Quando,

mais tarde, 0 ecologico se tornou uma manifesta~ao privilegiadado politico, as coisas se complicaram para os dois lados.)

Aqui talvez valha a pena dirimir uma ambigiiidade entre a

referencia puramente cartografica da 'situa~ao no Brasil' de quefala Peirano e 0 uso conceitualmente motivado da palavta 'situa­~ao' pe1a escola contatuaJista, em que ela costuma apatecet adjetivadacomo situa~ao 'hist6rica'25. A ambigiiidade e posslve! porque emambos os casas a no~ao de 'situa~ao'etomada no sentido substan­tivo de 'condi~ao', isto C, como facticidade: uma 'situa<;ao histori­

ca' euma 'condi<;ao' temporalmente circunsctita. Os indios de quefalamos esrao situados geogtaficamente no paIs, sem duvida; e 0

26. A escola do contato se compra7. em criticar os 'modelos organicistas' desociedade (Oliveira F', 1988). Mas as no~6es de 'contexto' e de 'contextu~

ali7.as:ao' que ela privilegia nao deixam de recordar um 'modelo ambientalista'que ve os obje~os que se esruda (organismos vivos ou coletivos humanos)como jnscri~c3es locais de uma ordem hist6rico~narural que as transcende,explica e produ7.. 0 'contexte histurico' ocupa agui 0 lugar magico-teoricoda 'mture7.a' como exterioridade objetiva; a contextua1i7.as:ao eurr.a natura­

li7.asao ;<, prcstas:ao.27. Estou pcnsando em ct610gos como Von Uexkiill, bi6logos como R.

Lewontin, antrop6logos como T. Ingold, e fil6sofos como G. Simondon.

135I~T(\;Ol.0GJ/\ BRASI1.E1RA

'Brasil' e, certamente, urn clemento de sua 'situa<;ao' hist6rica, nes­

sa acep<;ao passiva. Mas, na f6rmula de Peitano, a 'situa<;ao' visaindicar urn carater circunstancial; lJara a escola do contato, ao con­trario, cIa designa uma propriedade condicionante dos coletivosindigenas: a simafao define 0 situado. A noc;ao de situa<;ao hist6ricafunciona como amllogo do conceito de ambiente ecologico de urn

organismo, mas sob uma perspectiva adaptacionista que ve a uni­

dade 'situada' ou 'ambientada' como sendo 0 resultado de ptessoesexternas objetivas que a penetram e constituem; 0 ambientado eparte e produto do ambiente". Contra semelhante entendimento, a

antropologia indfgena contempodnea wma a no<;ao de situa<;aono mesmo sentido em que a biologia fenomeno16gica toma 0 parorgarlismo/ambiente27

. Uma situa<;ao cuma dfao; ela eurn sttuar. 0'situado' nao e definido pela 'situa,ao' - de a define, definindo 0 que

conta con10 situdfao. Por isso, ao introduzir 0 'Brasil' oa 'situac;ao

historica' dos indios, nao estou simplesmente dizendo em outtas

palavras que 0 dispositivo colonial explica ('situa') as sociedades

indigenas. 0 CJue Peirano chamou 'Brasil' s6 e parte da situa<;aohist6rica das sbciedades indigenas porque ele e urn dos objetos de

urn trabalho hist6rico ativo de posifao em situafJo realizado pe/as

sociedades indigenas. A etnologia dos Indios 'situados no Brasil'esra interessada assim, entre muitas outras coisas, em saber comoos Indios sima!!lo Brasi/- e, portanro, como e1es ,se situam, no Brasile em outtOS 'contextos': ecol6gicos, sociopoliticos, cosmicos ...

j

I,

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO134

136 EDUARDO VIVEIROS DI~ CASTRO r~T[\;01.0GJI\ BRASILEJRA 137

A TRADIC;Ao DA INVENC;Ao

E digno de nota gue a ordem de expoSl~ao adorada porAIcida invecta a sequencia temporal das duas perspectivas apre·

sentadas, e que eI~ naD se preocupe em comentar as origens

te6ricas cia primeira del as, evocada apenas no marco etnografico

do Harvard-Central Brazil Project. Ofere~amos agui uma outranarrativa28

as ultimos ttinta arros, aD mesma tempo em que assistiram

a urn enerme avanc;o quantitativa e qualitativo nos estudos indi­

genas, vitam tambem uma diferenciac;ao cia linguagem ate entaD

comum aos etn6Iogos e aos outros cientistas sociais do pais.

Ainda que sendo, em boa medida, lima consequeneia cia institu­

cionalizac;ao cia p6s-graduac;ao, cia acumulac;ao de conhecimentos

e da expansao da popula~ao de pesguisadores, fatores gue con­

duzem it especializac;ao, esse afastamento foi sobretudo 0 resulta­

do de uma mudan~a de horizonte na etnologia brasileira. A pro­

por~ao gue se come~ou a dedicar uma aten~ao mais aprofundada

as institui~6es e organiza~6es sociais indigenas, que se passaram

a adotar protocolos mais rigorosos de pesquisa, com 0 aprendi­

zado das lfnguas nativas e estadas mais prolongadas no campo, eque 0 intercambio setorizado com espeeiaIistas de outras partes

do mundo se intensificou, os marcos de inscri~ao do objeto sedeslocaram. As rela~oes entre as sociedades indigenas brasileirase outras sociedades morfologicamente semelhantes de outras partes

do mundo, bern como as conexoes historico-estruturais entre as

diversas forma~6es sociais indigenas do continente, passaram a

oeupar um lugar de destague na reflexao etnol6gica, reduzindo

(sem chegar a inverter) a hegemonia de uma abordagem gue via

as indios essencialmente como urn capitulo - findo ou menor ­

da hist6ria e sociologia do Brasil, isto e, como popula~6es cujo

28. uma \'ersao mais completa se encontra em Viveiros de Castro, 1992 e1996,.

I

j!I

II

interesse antropol6glco se resumia as suas contribui~6es a cultu­

ra nacional ou a seu papel de simbolo - passado ou perene - dosprocessos de sujei~ao politico-economica que se exprimiriam demodo mais 'moderno' na dinamica da luta de classes de nossocapitalismo autoritario.

Se 0 deslocamento acima mencionado, que come<;ou timi­

damente no final dos anos 60, desembocou em um modo de

investiga<;ao distante das preocupa~6es caracteristicas da ideolo­gia do ~ation-buildingJ- e com isso afastou parte cia etnologia das

demais ciencias sociais, quase sempre entretidas com ternas bra­

sileiros -, contribuiu tambern para urn divorcio entre duas linhasde pesquisa presentes na etnologia universidria das decadas an­

tedares e que atc cntao haviam convivido scm problemas, prati­

cadas sucessiva ou simultaneamente pelos mesmos pesquisado­res (nacionais e estrangeiros): a linha dos estudos preocupados

em descrever etnograficamente as formas soc:iocultu.::ais nativas,

mais tarde identificada como 'etnoiogia classica'; e a linha dos

estudos de ::.diltura<;ao au mudan~a social, mais tarde associada ano<;ao-emblema de 'cantata interetnico' e seus derivados. Essa

fratura, gue chegou, emre 1975 e 1985 aproximadamente, a defi­nir alga como Iinhagens antagonistas - os etn61ogos dos 'indios

puros ou isolados' versus as dos 'indios aculturados ou campone­

ses' -, continua, como vimos, em vigor em alguns centros do

pais, embora com sua significa~ao tearica bastante esvaziada, emvista das mudanc;as ocorridas a partir dos anos 80, tanto na pcati­

ca antropol6gica como na prcsel1~a politica dos povos indigenasnos cenifios national c internacional, que dissolvcram a oposi­

~ao cvolueionista cntre 'tradi~ao' e 'mudan~a', 'indios puros' e

'indios aculturados'.Mas essa dissolu~ao nao tomou a dire~iio gue se poderia

imaginar - porque 0 que se dissolveu era, justamente, imagimirio.

Assim, depois de anos de polemicas acerbas, em gue os partida­

rios cia etnologia do contato martelavam que a condif'io camponesa

,,',

138 EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

,

ET"'OLOGI,\ BRASILEIRA 139

(com op~ao de 'proletariza~ao') era 0 devir hist6rico inexor:lvel

das soeiedades indigenas, e gue a descri~ao dessas soeiedades

como entidades socioculturais autonomas supunha urn 'modelo

naturalizado' e a-hist6rico, cis que de rcpente as indios comec;am

a reivindicar e terminam por obter 0 reconhecimento constituci­

onal de urn estatuto diferenciado permanente dentro da chamada

'comunhao naciona!'; cis que des irnplementam ambiciosos pro­

jeros de retradicionalizac;ao marcados por urn autonomismo

'culturalista' que, por insrrumentalista e etnicizantc, DaD emenos

primordialista nem menDs naturalizante; cis, por fim, que algu­

mas comunidades rurais situadas nas areas mais arquetipicamente

'camponesas' do pais poem-se a reassumir sua condic;ao indige­

na, em urn processo de tranifigurafiio itnica que e 0 exato inverso

daguele anuneiado por Darcy Ribeiro (1970) em profeeia acredi­

rada, com urn retoque au outro, pelas gerac;:oes subseqiientes de

teoricos do cantata. Estes agora descobrem que ague estudavam

como se fossem 'comunidades rurais que apresentavam a parti­

cularidade de ser indigenas' cram, na verdade, 'comunidades indi­genas que tinham a particularidade de ser camponesas'29. Redistri­

buic;:ao das qualidades primarias e secundarias, do necessario e doacessorio? Em face das preocupac;:oes 'metafisicas, caracteristicas

da escola contatualista, com a natureza tiltin/a de seu objeto (nattI­

reza que ela as vezes chama, por curiosa antifrase, de 'constrw;ao'),tal reviravolta deve estar sendo dificil de administrar30•

A partir do inicio dos anos 70, a etnologia suI-americana

iniciou urn amplo c concertado saIto adiante na cobertura

etnografica do mundo indigena; ao mesmo tempo, ela procedeu a

uma completa atualizac;:ao teorica dessa "fronteira fossil" da an-

29. P;tr;t(raseio ;tqui Arruti (1997: 13), que b,7, 0 contr;tste para 0 C;tSO dosestlll!os sohre comunidades negras. () indio 'gencrico' rcvc:lou-:'iC urn cam­pones realmcntc muito particular, sobretudo agor;t que alguns 'campone­ses' genericos estao virando indios muito particul;tres.

30. Sobre a "nature7,;t ultima dos grupos etnicos", ver Oliveira PO, 1998: 61.

I,"

,

II

II

tropologia gue era 0 americanismo tropical ate enlao (faylor,

1984). No caso brasileiro, isso significou uma decisao de se res­

tabelecer 0 equilibrio entre a sociologia do contato, que havia

progredido inuito nos anos anteriores (desdobrando-se em com­

pHcadas discussoes sobre 0 campesinato e os modos de produ­

c;:ao~, e a antropologia indigena, que permanecia notavelmentepobre dos pontos de vista descritivo e conceituaPI. A consdencia

desse descompasso entre a proliferac;:ao de estudos interetnicos ea pouco que efetivamente se sabia sobre os sistemas nativostornava necessario estender 0 avanc;:o realizado pelo grupo de

Maybury-Lewis e outros especialistas no Brasil central ate outras

areas culturais, em especial ate a Amazonia brasileira, criando

uma inlerlocu~ao com pesguisadores como P. Riviere eJ. Overing,

que haviam comec;:ado uma reflexao rigorosa sobre as sociologi­

as nativas do escudo da Guiana. Esse movimento, como eu disse

adma, teve comO urn de seus objetivos a elabora~ao de paradig­

rna.:; apropriados aos regimes indigenas, isto e, ele efetuou uma

c!itica 'amazonizante' das linguagens analiticas importadas deoutras regioes estudadas pela antropologia, notadamente a Africae a Oceania, fontes principais dos modelos etnologicos da epo­

ca32• Em fun~ao desse prop6sito - caracterizar de modo mais

31. Para, se ter uma ideia, ate ;t public;tt;ao da monografia de M~.ybury-Lewis

sobre os X;tvante (1967), a descrit;ao teoricameme mais sofisticada de quese dispunha sobre uma sociedade indigena situada no Brasil consistia nasduas teses de Florestan sobre os Tupinamba, baseadas em uma 'etnografia'\'elh;t de quatro seculos e vnadas :m uma lin!,TUagem analitica de dificildeglutill=ao nos anos 70. Do ponto de vista descritivo, 0 trabalho deNimuendaju era evidentemente urn marco, mas justamente por ser anoma­10 em sua alt;t qualidade etnografica. Sua influencia sobre Levi-Strauss emais tarde sobre 0 grupo de Maybur:'-Lewis e do conhecimento gera!'

32. Assim, enquanto os 'rnode1os africanos' do estrutural-funcionalismo foramdcfinidos pelo novo amcricanismo l.:0n10 um .los prind[Jais entravcs ;toentendirnento adequado dos regimes indigenas, a sociologia do contatoveio a lu7. as~istida just;tmente por urn 'modelo africano', 0 conceito de;situ,,~ao c}lon:~I' de Balandier. Seria interessante pensar sobre uma possiM

140 EDUARDO VIVEIROS IJE CASTRO I~Tr-;()I.OGIA BR/\SILEIRA 141

preciso as sistemas sociocosmo16gicos indigenas -, a questao do

cantata interetnico [oi tratacia, ao menos de inicio, alga perfunc­

toriamente. De seu lado, os capitulos dedicados aos 'elementos

de organizal'ao social' das monografias produzidas pelos te6ricos

do cantata mostrav~m que estes continuavam prisioneiros cia su­

perficialidade emognifica e da linguagem tipo16gica de que nos

queriamos livrar33•

As decadas de 70 e 80 assisriram a urn renascimento da

etnologia americanista em escala mundial. 0 primeiro resultadc

foi a proJiferac;ao de etnografias tecnieamente modernas, nas quais

as influencias europeias superavam as norte-americanas, mais fortes

nas decadas anteriores34• Logo em seguida, sinteses comparacivas

regionais, tematicas ou conceituais, foram construindo urn cam­

po problematico comum, em urn trabalho que prossegue". A

vel conex:l.o entre esse 'africanismo' conceitual e aCjuda projec;:ao do mode­10 das 'rehu;ocs raciais' sabre as 'relac;:6es interetnicas'.

33. "Traditional studies ... often presented us with a thin chapter on 'historicalbackground' at the beginning and an inadequate chapter on 'social change'at the end. The political economy study inverts this relationship, but onlyto create the inverse problem" (Ortner, 1984: 143). De fato, os estudostipicos da escola do contato interetnico espremiam urn capitulo, geralmen­te inadequado, sabre 'organi7.aC;:iio social' entre longas partes dedicadas ao'historical background' (mas cntendido apenas como hist6ria do contato) ea 'social change' (e a questao de saber 0 Cjue, exatamente, estava a passarpor tal processo permanecia algo misteriosa).

34. Maybury-Lewis, 1967; Riviere, 1969; Basso, 1973; DaMatta, 1976; OveringKaplan, 1975; Melatti, 1978; Carneiro da Cunha, 1978; C. Hugh-Jones,1979; S. Hugh-Jones, 1979; Seeger, 1981; Chaumeil, 1983; Albert, 1985;Crocker, 1985; Viveiros de Castro, 1986; Lea, 1986; Descola, 1986; Townsley,1988; McCallum, 1989; Ramos, 1990b; Gow, 1991.

35. Vcr Overing Kaplan, org., 1977; Seeger tl ai, 1979; Turner, 1979; Overing,1981; Butt Colson & Heinen, orgs., 1983-1983; Kensinger, org., 1984;Riviere, 1984; Turner, 1984; Menget, org., 1985; Hornborg, 1988; Viveirosde Castro & Carneiro da Cunha, orgs., 1993; Descola & Taylor, orgs., 1993;Viveiros de Castro, org., 1995; Henley, 1996a. Em Viveiros de Castro,1996a, encontra-se um mapeamento das diferen~as internas ao campo te6­rico do novo americanismo.

contribuil'ao da emologia feita no Brasil a esse renascimento foi

decisiva, como atestam as referencias a uma "escola de pensa­

menta europeia-brasileira" (em oposis:ao a uma e:scola norte-ame­

ricana) ou a uma "teoria brasilcira do parentesco"36. Alguns tex­

tos da decada de 70 escritos por pesquisadores brasileiros, alias,

anteciparam quest6es s6 levantadas bern mais tarde pela antropo­

logia, como os arrigos seminais de DaMatta (1970) e Carneiro da

Cunha (1973) sobre as rela,6es entre mito, ritual e hist6ria, ou 0

artigo de Seeger ,t al. (1979) sobre a corporalidade, que prefigu­rava a tematica do (embodiment' hoje dio em voga e que teve, nao

obstantt.: sua difusao restrita, urn certo impacto na disciplinaJ7•

Essa expansao da antropologia indigena nas duas decadas

passadas levou muitos etn610gos, cuja carreira se iniciou no co­

me~o dos anos 80, a reverter certas pre-escolhas te6ricas, passan­

do da sociologia do contato a antropologia indigena. Vanessa

Lea (1986) e Peter Gow (1991), por exemplo, que sairam a estu-

36. Ver, p. ex., Riviere, 1993; Whitehead, 1995: 70; Henley, 1996a, b, gue assimse referem ao trabalho de etn610gos 'cHlssicos' em atividade no pais, nao a'ethnology Bra7.ilian style'.

37. Comentando ~ mudanc;:a de rumos da etnolcgia americanista iniciada nasegunda metade dos anos 70, Riviere escreveu recentemente: "It was thepublication of 'A constru~ao da. pessoa nas sociedades indigenas brasilei­ras' (Secg..:r et aI., '1979) that proved decisively influential. These authorsrejected W!lflt they labelled as the African model. .. and went to make somepositive proposals. They argued that, in Lowland South America, societiesare structured in terms of the symbolic idioms (names, essences etc.) thatrelate to the construction of the person and the fabrication of the body.This set of ideas have been very ir.fluential, although one suspects that itsfull impact has been lost because not only that work but much of theresulting literature has been published only in Portuguese" (1993: 509).Esse balan~o de Riviere da uma boa ideia do peso contempod.neo daetnologia feita no Brasil: um terc;:o de suas referencias e compos to detrabalhos escritos por brasileiros (naturais, culturais ou institucionais). Umaconsulta as outras bibliografias 00 coletanea em Cjue e1e apareceu reforc;aesta impressao (Descola & Taylor, orgs., 1993), Cjue pode ser confirmadaem trabalhos mais recentes (Hirt7.el, 1998, Surrales, 1999).

142 EDUARDO VIVEIROS DE C,\STRO I~TNOJ.OGIA BRASIJ.E1RA 143

dar os Kayapo c os Piro munidos do ideario da escola do conra­

to, visando documentar os processos de penetrac;ao do capitalis­

rno e do colonialismo na vida indigena, terminaram escrevendo

estudos detaIhados justamente sabre 0 parentesco - esse emble­

rna cia antropologia <;hissica -, ao perceber que essa era a dimen­

sao que as indios Ihe colocavam a frente38• Trocaram, assim, a

sodologia da 'quesrao indigena' por uma anrropologia das ques­toes indigenas, tornaclas teoricamente acessiveis a partir dos arros70: rora,ao de perspecriva.

Mas, nesse momento, comec;ava tambem a set passive1 uma

retomada do tema do cantata e cia hist6ria em novas bases. Is50

foi realizado, entre outros. pot Gow, que em sua monografia

sabre as Pita cla Amazonia peruana adotou uma estrategia que

demoliu a distinlYao entre os 'indios puros' e seus etn61ogos 'pu­cistas', de urn lado, e os 'indios misturados' e seus etn61ogos

'radicais') de outro. Escrevendo sobre urn grupo indigena que

pareeia tipificar urn estado avanlYado de aculturalYao, acampone­samento e sujeis:ao aos poderes nacionais, Gow mostrou comoso se poderia atingir uma compreensao adequada do mundo vivi­do piro atraves de sua inserlYao no panorama construido pelaetnologia dos indios 'puros'. Rejeitando explicitamente a pers­pectiva da sociologia do conraro e da ernkidade (1991: 11-15),0autor lanlYou mao dos trabalhos de Overing e de Viveiros deCasrro sobte as filosofias socials amaz6nicas (op. cit.: 275---281,

290 ss.) para argumenrar que 0 estado 'aculrurado' dos Piro erauma transformas:ao historica e estruturaldos regimes nativos 'tra­dieionais' e, mais que isso, que a transftrmafao era urn processoinerente ao funcionamento desses regimes - regimes que semp,re

38. Compare-se esse movimento com aquele realizado por etn6logos que co­me~aram seu trabalho alguns anos antes. Assirn, Oliveira po (1988: 11~12)

conta como abandonou seu projeto inicial de estudar a ideologia de paren­tesco dos Ticuna par:o mer~ulhar em uma analise do campo indigenistalocal.

riveram a 'acultura,ao' por origem e fundamenro da 'culrura', e a

exterioridade social por polo em perpetuo movimento deinteriorizas:ao39. Gow mostraria, aIem disso e sobretudo - contra

estere6tipos ainda hoje em vigor -,. que a obra arnericanista deLevi-Strauss oferecia instrumentos rnuito mais ricos para se en­render a inscri,ao remporal do mundo vivido dos Piro que as

teocias metacolonialistas do contaro e cia sujeir;ao40•

A dita 'etnologia chissica', assim, incorporou a quesrao do

contato interetnico, valendo-se dos conheeimentos que viera acu­mulando desde as decadas anteriores. 0 terna da transformar;aofoi dissociado da teoria do 'acamponesamento' (que parece tersido, alias, sepultada sem muita pompa p:>r seuS antigos fieis) ede outras objetivas:5es igualmente redutoras, passando a se ins­crever no plano mesmo dos pressuposros sociocosmol6gicos dosregimes nativos. Recusando-se a tamar 0 mundo indigena comosimples cenario de manifestar;ao de uma estrutura de dominar;aoalogena, como urn arbitrdrio cultural (Oliveira po, 1988: 14) comvalor meramente particularizador de uma dinamica geral de su­

jei,ao - arbirdrio de mediocre rendimenro analitico, dada a pres­sao inexorivel exercida pelos "processos homogeneizadores" pr6­prios da situar;ao colonial -, a etnologia 'cIa.ssica' estendeu suapropria visada reorica de urn modo que lhe permitiu redeftnir osbrancos, 0 Estado ou 0 capitalismo como outroS tantos daquelesarbitrdn'os bist6ricos com que sempre se houveram e haverao ossisremas narivos (Alberr, 1988, 1993; Gallois, 1993; Gow, op. cit.;S. Hugh-Jones, 1988; Turner, 1991, 1993; Vila,a, 1996a). Para

39. "'Accult'..lration' is only possible here if 'acculturation' is a traditional featureof indigenous Amazonian societies" (Gow, 1999: 2). Essa id6ia foi esbo~adaem minba tese sobre as Arawete (1986; ver tamb6m Carneiro da Cunha &

Viveil0s d~ Castro, 1985), e mais tarde desenvolvida em urn trabalho sabrea representa~ao jesuitica dos Tupinamba (Viveiros de Castro, 1993c), noqual a influencia redproca do trabalho de Gow p. se faz presente.

40. Este tema de uma hist6ria 'Ievi-straussiana' cia !.mazonia iodigena e 0 focode urn livro em preparas:<iu de Gow (1998).

144 EnUARDO VIVEIROS DE CASTRO ETr-.;OLOGI,\ BR,\SILEIR,\ 145

1S50 foi-lhe indiscutivelmente necessaria abriresses sistemas, aban­

donando as imagens conceituais de' 'sociedade' e de cC!11tura'

legadas pelo funcionansmo bdtanico ou pelo culturalismo amed­

cano. Embora inspjr~da oa critica estrururalista as concepc;oes

totalizantes do objeto vigentes nos paradigmas antedares, scmc­

Ihante abcrtura foi <icima de tudo 0 resultado - e este e urn

detalhe absolutamente fundamental - de uma ananse mais fina

das premissas socioculturais nativas, nao de urn apriori objetivista

que rcivindicassc urn "maior naturalismo" (Barth, 1992) para

este ou aque1e modelo analitico geral que 0 pesquisador, criador

c criatura de seu pr6prio arbitdrio te6ric,o, imagina set a perfeita

tradu<;ao da rcalidade. A nova soci%gia indigmo que emergiu dos

aoos 70 teve como instrumento e objetivo, porranto, uma

indigenizarao da socioJogia - e [oi isso que lhe deu seu carater pro­

ptiamentc antropologico.

Para que essa incorporas;ao da hist6ria e do 'contato' acon­

tecesse, entretanto, foi precisa primeiro liberar a perspectiva es­

trutural cia interpretas;ao excessivamente britanica que ela sofrera

por parte dos etnologos do Harvatd-Central Brazil Project. Ori­

entado pelas leituras que Needham e Leach haviam feito de Levi­

Strauss, 0 grupo de Maybuty-Lewis, como outros etnografos da

Amazonia de entao, dedicou-se a aplicar as principios da analise

estruw.ral a sociedades e cosmologias particulares, expurgando

assim 0 cstruturalismo de alguns de seus .aspectos mais radicais

(Ortner, 1984: 137), e evitando a questao da rela~ao entre as

estruturas indigenas locais e 0 fundo hist6rico-cultural pan-ame­

ricano. A referenda principal do grupo eram as obras da primeira

e mais 'durkheimiana' fase de Levi-Strauss, notadamente As es­

tmtt/raJ clementares do parentesco e os artigos sobre 0 Brasil central,

em que 0 antrop6logo frances retomava a etnografia de

Nimuendaju; e seu tema par excelencia £oi a 'organizas;ao dualista',

particularmente pregnante no caso das sociedades ]e e Bororo.

Alem disso, se Levi-Strauss era a inspira~ao teorica (ou sobretu-

do tematica) principal desses estudos etnograficos, sua orienta­

s;ao metodol6gica devia mais as monografias fundonalistas da

tradi<;ao briranica. Seu objetivo era descrever cada sociedade es­

tudada como urn sistema total, ou 'holista', para em seguida inse­

ri-lo em uma serie cornparativa cornposta de outeos sistemas do

mesmo tipo (Gow, 1999), 0 que nao corresponde nem ano~ao de

comparas;ao de Levi-Strauss, nem asua ideia do que conta como

'unidade' comparativa.

Abra-se urn parentese. Que muitas das mais influentes

etnografias sul-americanas das decadas de 70 e 80 tenham sido

cortadas peIo moJde das monografias cJassicas inglesas, nao ha

como contestar. Que eJas dcvam ao estruturalismo antes uma

agenda tematica e alguns ptincipios tearkos limitados que uma

orienta<;ao sistematica, tambem e verdade41• Quee1as (e aqui nao

me refiro apenas as do grupo de Maybuty-Lewis) tenham dedica­

do pouca aten<;ao a hist6ria, adotando urn cerro holismo

aprioristico e urn certo descontinuismo, como notam Gow (op.cit.) ou Albert (1988), eis outro fato. Mas tais limita~6es nao

podem de fotma alguma servit pat a desqualificar in limine a con­

tribuiS;ao dessas monografias a etnologia do continente - uma

contribuiS;ao incomparavelmente maior que a trazida pelos estu­

dos aculturativos au friccionistas das dccadas anteriores e poste­

eiores. Ao contdrio, Gow apoiou-se justamente nelas, argumen­

tando que os principios que as etn610gos identificaram como

constitutivos do fechamenro holista dos sistemas indigenas eram

as mesmos acionados pelos Pita para situarem 0 sistema interet­

nico em que estavarn 'situados' - c assim fez desapatecer a dis-

41. Ver Viveiros de Castro~ 1992. Taylor, em urn aeesso de fundamentalismo(este estruturalista), mostra-se surpreendentemente dura com 0 grupo doHarvard.Central Brazil Project: "aux U.S.A. par ailleurs, l'influence reelleJe Lcvi~Strauss a etc en grande partie etouffce au profit d'une sorte demorphologisme pseudo-structuraliste diffuse notamment par Maybury-Lewis

et ses disciples.. ." (1984: 217).

146 EDUARDo VIVEIROS DE CASTRO I~TNOI.OGII\ BRASII.P-IRA 147

tinc;ao entre sociedades 'puras' tradieionais e part-societies campo­

nesas, porgue as primeiras se mostraram muito mais abertas e as

segundas muito mais indigenas do que se imaginava. Albert, porsua vez, parriu de sua esplendida analise estrutural cia cosmologia

yanomami (1985) para produzir uma reflexao nao menos inova­dora sabre a 'etnicizac;ao' do discurso xamanico-poHtico indigena

(1993). De minha parte, utilizei urn enquadramento aparente­

mente 'holista' para questionar precisamente a imagem autocontida

dos sistemas amazonicos e a representac;ao totalizante de 'socie­

dade', tendo como contraponto rerotica a etnografia centro-brasi­

leira (Viveiros de Castro, 1986). Alguns autores da escola

contatualista, ao conrdelo, parecem tet tornado as limitac;6es da­

quelas monografias pioneiras como pretexto para ignorar sua exis­

tencia - e a de tada a etnologia amazonica que se seguiu -, dando

prova de estreiteza te6rica e de desinteresse etnognifico. Os gru­

pos que os contatualistas estudam (ou 'constroem') sao tanto mais

parte do Brasil quanto menos situados estaO na America indigena,

parecendo flutuar em urn vacuo hist6rico-cultural. Nao sao sequer

parte de si mesmos, como as vezes se constata em certas obras

dessa escola, em que a fra,ao akm-fronteira de urn povo lndfgenatransnacional e objeto de urn profunda silencio descritivo ....:.. e mes­

mo cartografico (Oliveira po, 1988: 8). Peche-se 0 parentese.As proximas levas de etnologos influenciados polo estrutu­

ralism042 iriam partir da tetralogia Mitoltfgicas, que deram ao

americanismo urn instrumento de alcance continental (Levi-Strauss,

1964-1971). A publica,ao de seu primeiro volume (0 crll , acoZido) dcsempenhou 0 mesmo papel paradigmatico que 0 indio,

a mtlndo dos brancos, aparecido no mesmo ano (Cardoso de Olivei­ra 1964), teve para a escola do contato. Sendo, a primeira vista,

urn estudo puramente formal dedicado' as mitologias amerindias,

42. P. e:.;:., B. Albert, M. Carneiro cia Cunha, Ph. Descola, Ph. Erikson, P. Gow,C. Hugh~Jones, S. Hugh-Jones, T. Lima, A. Seeger,A.-c. Taylor, G. Townsley,

e E. Viveiros de Castro.

;

as MitolOgicas revelavam algo que os etn610gos que iniciavam seu

trabalho na Amazonia nao 'demoraram a perceber: que os mate­

riais simb6licos de que as soeiedades sul-americanas lanc;am mao

para Sf. coostituir, e assim as estruturas construiveis peIo analista,

eram refratarios as categorias tradicionais cia antropologia. Prin­

cipios cosmol6gicos embutidos em oposi,6es de qualidades sen­siveis, uma economia sirnb61ica da alteridade inscrita no corpo e

nos fluxos materiais, urn modo de artieulac;ao com a 'natureza'

que pressupunha uma sociaIidade universal - eram esses os ma­

teriais e processos que pareciarn tamar 0 lugar dos idiomas

juralistas e economieistas com que a antropologia descrevera as

sociedades de outras partes do mundo, com seus feixes de direi­tos e deveres, seus grupos corporados pe'rpetuos e territoriaIizados,

seus regimes de propriedade e heran,a, seus modos de produ,iiolinhageiros. Longe de se constituir em conteudos 'supere5trutu­

rais' au 'culturais' das formac;6es sul-americanas, aqueles mate­

riais e processos articulavam diretamente uma sociologia indigena.

E por i5S0 que as Mitologicas ensinavam mais sobre as sociedades

amerfndias que, por exemplo, os textos antigos do mesmo autor

sobre a chefia ou a guerra na America do SuI, permitindo, alias,

uma recupera,iio niio-durkheimiana da problematica de As estru­

turas elementares do parentesco. Antes que se impusesse a constata­

c;ao de que os modelos analfticos chlssicos eram inadequados

para as socledades gue estudavamos, as Mit%gicas (e os estudosdelas derivados: Levi-Strauss, 1975, 1985, 1991) foram a prlmei­

ra tentativa de apreender as sociedades do condnente em seus

pr6prios termos - em suas pr6prias relac;6es -, bern como de

fornecer urn inventario geral do repert6rio simb6lleo a partir do

qual cada forma,ao social gera suas diferen,as especificas.Enguanto os etn610gos do contato estavam preocupados

em sublinhar os processos homogeneizadores que submergiriam

os arbitrarios cuI turais indigenas {'m uma condic;ao de 'indianidade'

generica, os etn610gos estrururalistas da Amazonia nao se con-

148 EnU,\RI)O VIVEIROS DE C,\STROI~Tr-.:()LOGJA IH:ASII.EJR,\ 149

tentaram em produzir descric;6es particularizantes de sistemas

discretos, mas logo buscaram restabelecer a continuidade entre as

diversos sistemas indigenas - seja analisando as processos de inter­

transformac;ao estrutural, seja determinando as modalidades de

'abertura ao exterior' pr6prias a cada sistema - e situar os proces­

50S de articulac;:ao entre 'instituic;:.6es nativas' e 'instituic;6es coloni­

ais' nesse quadro hist6rico-socio16gico nativo. Pais, se hi processos

homogeneizadores presididos pele Estado e a sociedade invasora,

nao os hi menos do lado indigena; e certasestruturas cosmo16gi­

cas pan-americanas (Viveiros de Castro, 1996b) devem certamentetet codeterminado as processos de instituic;:ao do indigenato. Mas

quanta a isso pouco sc sabe, porque as estudiosos dos processos

de governamentaliza~ao ou territorializac;:ao parecem semprecorrelacionar 0 polo indigena ao particular ou passivo, e 0 p6lonacional ao universal ou ativo. E verdade que des insistiram bas­

tante sobre 0 cara.tet multiforme, nao-monoJitico, historicamente

variavel das 'agencias' de contato, e isso desde a teoria das frentes

de expansao (Darcy Ribeiro). Mas, ao faze-lo, eles visavam justa­mente mostrar como urn mesmo grupo indigena, em situac;:5es

moldadas por agencias de contato (ou frentes de expansao) diver­

sas, diferenciava-se em fotmas organizacionais discintas, tornando­

se sernelhante a outros grupos semelhantemente 'situados':

A minha ideia era de que a situa<;ao de encapsulamemo r...1de urnsegmento de urn grupo indigena par urn tipo especifico de agente de con­t;lto gerava padr6es de or~niza<;iio social de urn tipo bern deterrninado,que aproximariam :ujuclc scgmcnto de olltras tribos (ou segmentos detribo) opesor do diversidade mlttlral. Paralelamente, isso separaria urn tal seg­mento de outros scgmcmos dil mesmo tribo, os CJuais apesar do homogeneido­

de mltllral possufssem uma diferente situa<;iio de comato (Oliveira p. 1988:13; grifos rneus).

Ve-se bern como a situa~ao define exaustivamente 0 situa­

do: este e tornado como materia plastica e passiva pronta a rece­ber uma forma que. par especifica. nao funciona menos como

II

universal constitutivo; exercendo-se apesar cia cultura. A diversi­

dade ou ho,oogeneidade 'cultural' dos grupos indigenas aparece

como urn 'arbitrario' inerte, em oposic;ao aJiversidade ou homo­

geneidade 'social' ativamente imposta pela~... agentias de contato.

Contraste-se essa concepc;:ao da 'agencia' do contato (no sentido

ingles de agency como 'agenciona}idade') com a visao -cia agenda

nativa presente, par exemplo, em alguns estudos 'estruturalistas'

recentes sobre a missionariza~ao de sociedades amazonicas, ondeos efeitos 'culturais' de agendas religiosas distintas sao examina­

das a luz de suas possibilidades de reinterpreta~ao polos pressu­postos 'sociais' de urn dado grupo indigena (Vila~a, 1996a, b).Mais geralmente. essa preocupa<;:ao em mosttar como a sujei<;:aoao Estado geta uma condic;:ao comum "apesar das difetenc;as deconteudo derivadas das diferentes tradic;:6es culturais envolvidas"

(grifo meu) - isto e, ptossegue 0 autor, urn "modo de set caracte­

ristico dos grupos indigenas assistidos pelo 6rgao tutor [...Jgue

eu poderia chamar agui de indianidade para distinguir do modode vida resultante do arbitrario cultural de cada urn" (Oliveira po,1988: 14; grifos originais omitidos) - essa preocupa~ao contrasta

de modo notivel com a abotdagem gue identifica urn 'modo de

ser caracteristico' tanto dos grupos indigenas 'indianizadas' peloEstaclo cOlJlo'dos grupos menos afetados por esse processo (Gow.1991). Neste ultimo caso, 0 foco e sobre a continuidade

interindigena visivol apesar das 'diferen~as de conteudo' derivadas

das diferentes sitlJafoes de contato envo/vidas.Se me preocupci em registrar a grande influenda de Levi­

Strauss sobre a etnologia dos ultimos trinta anos, cleva entretanto

subJinhar gue a ptOdu~ao do periodo esta muito longe de ser

epigonaJ. Na verdade, a maioria do gue foi escrito pelos pesgui­sadores influenciados por Levi-Strauss (a come~ar polos mem­bros do grupo de Maybury-Lewis) foi, de uma forma ou de ou­

tra, escrita 'contra' aspectos genericos ou espedficos da obradesseantro!Jologo; e. muitos dos americanistas rejeitariam qual-

43. 0 melhor exemplo disso eTerence Turner, urn dos criticos mais veeementesdo paradigma estI"Uturali~ta, mas que em suas analises mitologicas (p. ex.,Turner, 1980, 1985) ou em suas interpreta~oes cia estrutura social dos Jedo Norte (p. ex., 1984) nao se furta a trabalhar com 0 instrumental ar.:1.liti­co ou com as intuilfoes interpretativas de Levi-Strauss. A esse pos-estrutu­ralismo em sentido proprio (mais ou menos simpatico a Levi-Strauss) daetnologi'l americanista deve-se contrapor a der,nonizalfao do antrop6logofrances par alguns contatualistas brasileiros (que nao estao sozinhos nisso:ver, p. ex., Hill, org., 1988), eternamente obcecados por uma imagem­fantasma do estruturalismo como paradigma que e preciso 'superar', masque ao mesmo tempo escrevem como se a obra de Levi-Strauss e, emparticular, sua obra etnol6gica, nunca tivesse existido. Entre negar 0 que seincorporou e negar a que sequer se comelfou a digerir vai uma grandediferenlfa. Nem todo antiestruturalismo e 'p6s-', pois pode bern ser 'pre-',

quer associa<;ao com 0 torulo 'estrururalismo'. Mesmo aqueles

mals alinhados com a inspiraqao estrutural dedicaram-se justa­

mente a problematizar, carrigir ou subverter ceeras teses ou enfa­ses cia obra levi-straussiana. Recordem-se~ por exemplo, as modi­

ficaqaes do modelo das Mit%gicas exigidas por sua ap1icaqao a

urn corpus discursivo circunscrito (S. Hugh-Jones, 1979); ou a

transforma<;ao bastantc dnistica cia n0i,Tao de (estrutura elementar

de parentesco' no contexte amaz6nico (Viveiros de Castro, 1993a,

1998a; A.-C. Taylor, 1998); ou ainda a inversao da enfase sobre a

leitura 'totemica' e metaforizante cia oposi<;ao Natureza/Cultura

em favor de processos de tipo metonimico (Descola, 1992; Vi­

veiros de Castro, 1986, 1996b; T. Lima, 1996). Mas pouco impor­tao 0 ponto e que praticamente toda a etnologia cia America do

Sui praticada fora do marco do contatualismo e pos-estrutura/ista

no sentido correto cia expressao, isto e, ela sup5e a exisrencia

anterior cia obra de Levi-Strauss e reconhece que os termos de

mais de urn problema etnol6gico crucial foram decisivamente

estabelecidos ou reformulados por esse antrop610go. A etnologia

suI-americana atual e escrita apartirde Levi-Strauss, mesmo quan­

do eescrita contra ele4J . 0 ponto merece aten<;ao porque, para as

americanistas, a obra de Levi-Strauss nao estci assoeiada apenas

(para alguns, seguer principalmente) ao estrururalismo como 'es­

cola', e seu autor nao eapenas mais urn dos names destronadospelas mu~an<;as sobrevindas no mercado consumidor de maitres ti

penser. Trata-se de uma obra e de urn autor que se referem privile­

giadamente aetnologia americana, que propuseram teses e argu­

mentos especfficos a respeito dessa re<:tlidade. e que introduziram

a pensamento indigena na teoria antropol6giea geral, retirando-o

do gueto em gue jazia desde 0 seculo XVI. Em suma, a influen­

cia de Levi-Strauss sobre 0 amerieanismo se deve tanto ao fato

de que a anr:ropologia estrutural esteve em evidencia academica

durante alguns anos, quanta ao fata, mais importante e menosvisfvd aos observadores externos, de que esse autor e urnamericanista, tendo erguido a parte principal de sua obra a partir

cia etnografia do continente44. Quanto ao mais, diga-se apenas

151I£TN()LOGJA BRAS1J.IiJRA

como atesta a progressao regressiva da antropologia em direlfao a ... - aSartre, par exemplo, outro kone dos anos dourados (De1acampagne &

Traimond, 1997; Levi-Strauss, 1998).44. Em urn artigo que discutiremos mais adiante, Oliveira (1998: 49) menciona

um juh:o de A.-C. Taylor sobre 0 'arcafsmo' que caraterizaria a etnologiaamel'icanista, para iniputar tal tralfO a intluencia daninha de Levi-Strauss.Registro a'-jui meu protesto. Oliveira econhccido por insistir sobre a impe­riosa nccessijc:dc metodol6gica de contextuali7.alfaO, e par acusar seus co­legas de "coffiI.dc::.:a abswllfao dos contextos em que sao gerados os cladosetnograficos" (op. cit.: 67). Mas a caridade come9a em casa: ele teria andadobern se apJicasse sua propria !ilfao ao usa 'lue fa? do juizo de Taylor (1984).Com efeito, Oliveira procede amais romp/eta abstralfao do contexto em queesse v"eredicto sobre 0 arcafsmo foi gerado, au melhor, ele opera umadescontextualizalfao tendenciosa que inverte 0 sentido original do juizo.Quem for ao texto de Anne-Christine Taylor (1984) vera que a pecha elanlfada sobre a situalfao da etnologia suI-americana anlen'or a influencia doestruturalismo, estendendo-se 300 que a autora estima ser uma Jeitura insufi­cienlemmle estruturalista da obra levi·straussiana (raylor, op. cil.: 217, 229).o Gue ela ve como arcai7.ante sao as marcas deixadas na disciplina pelaetnologia alema da virada do seculo e, em seguida, pelo materialismo eco­l6gico-cultural. De resto, Taylor exclui duas vezes a etnologia brasileira desua acuSalfao ("sauf au Bresil": pp. 21'7, 229), que ela parece dirigir sobre­tuda a etnologia norte-americana. Ness~s duas ve7.es, a isenlfao se acompa-

EDUARDO VIVEIROS Dli CA.STRO150

152 EnUARDO VIVEIROS DI~ C,\STROI~Tr\(l1.()C!,\ IIR,\SJJ.I·:IR,\ 153

que a influencia cia antropologia estrurural sabre varies

americanistas contemporaneos e uma entre muitas outras influ­

encias, algumas bern distantes do paradigma levi-straussiano.Conhec;o ate estruturalistas p6s-modernos...

DIGRESSAo: PARIS, PARA

Hi poueos meses, apresentei, em urn simposio em

:tYfanchestcr que reunia principalmente historiadores cia cultura

ocidental, urn texto sabre algumas concepc;:oes amerindias de 'na­

tureza' c 'cultura' e suas diferenc;as frente avulgata cosmo16gicacia modernidade. Durante as debates, urn dos participantes me

provocou: "Seu trabalho e muito interessante; mas seus indios

parecem tcr estudado em Paris ... " Respondi que, oa realidade,havia ocorrido exatamente 0 contrado: que alguns parisienses

haviam estudado na Amazonia. Atgumentei gue minha analisedevia tanto ao estruturalismo frances quanto este devia antes aetnologia amedcanista e, dessa forma, aos 'meus' indios: nao fora

o Para que estivera em Paris, mas sim Paris no Parol. ..

Meu interlocutor, urn cavaIheiro que depois me foi apresen­

tado como Stuart Hall, um dos pais fundadores dos CulturalStudies britinicos (versao original), pareceu dar-se por satisfeitocom isso. Eu, entretanto, nem tanto. Parecia-me que a espetadela

pedia uma resposta mais refletida. A parte 0 tema 6bvio da in­

fluencia de Levi-Strauss na produ~ao etnol6gica sabre a America

indfgena, havia uma questao fundamental embutida nas palavras

de Stuart Hall: 0 que a antropo/~gia deve teoricamente aos povos queesttlda? Qu, inversamente: as diferen~as e mutac;5es internas ateoria antropoI6gica se explicam principalmente (e para todos os

nha de urna referencia causal a Levi-Strauss, cuja influencia no Brasil, di7. a:\Utor,l, tcria sido m;lior que em outro~ pai~c~ onde se fa;>; ctnologiaamcricanista.

:11

1!)

I.~

efeitos hist6rico-criticos, exclusivamente) pe1as estruturas e con­

junturas dos campos intclectuais e contcxtos academicos de onde

provem os antropologos? Parafraseando ague!a cita<;ao deFlorestan - pais se trata, no fundo, da mesrna questao: seria essa

a rJnica hip6tese teoricamente relcvante? au nao seria necessario

estabelecer uma 'rota~ao de perspectiva' que mostrasse como nu­

merosos conceitos, problemas, entidades e agentes propostos pe­

las teorias antropol6gicas se enrafzam no esfor~o imaginativo das

sociedades mesmas que elas pretendem explicar? Nao estaria ai a

originalidade da antropologia, nessa sinergia dial6gica entre as

concep~5es e pd.ticas provcnientcs dos mundas do 'sujeito' e do

'objeto'? Reconhecer isso ajudaria, entre outras coisas, a ameni­

zar nosso complexo de inferioridade frente as impropriamente

chamadas 'eiencias exatas', e a trocar nosso cansado repert6rio

cdtico da 'desnaturaljza~aa' e auttOS cliches analogos.

The description of the kula is on a par with that of the black holes.The complex systems of social alliance are as imaginative as the complexevolutionaty scenarios conceived for the selfish genes. Understanding thetheology of Australian Aborigines is as important as charting the greatundersea rifts. The Trobriand land tenure system is as interesting a scientificobjective as the polar icecap drilling. If we talk about what matters in adefinition of a science - innovation in the agencies that furnish our world_ anthropology might weiJ be dose to the top of the disciplinary peckingorder (Larour, 1996a: 5).

Cuido que e precise levar a serio a ideia de que as socieda­

de~ e culturas que sao objeto da investiga~ao antropo16gica influ­

enciam, de modos variados e decisivos, as teodas sobre a socie­

dade e a {ult:Jra forrnuladas a partir dessa investiga~ao - inclusi­

ve de modo a por sob suspeita rfldical as conceitos mesmos de

'sociedade' e 'cultuta' (Sttathetn, 1987, 1988). Quem duvida dis­so aceita urn construtivismo de mao uniea que, sob pena de autO­

implosiio solipsista, c for<;ado a dcscmbocat na narrativa usual: a

antropologia, ate 0 exato momento em que escreve 0 autor da

154 EnUJ\RDO VIVEIROS DE C,\STRO I~Tl\()l.OGIA BRA$II.f\IRA 155

denuneia, sempre andou malconstruindo seu objeto, mas agora

(por que semp"e agora?) viu-se a lU2 e elavai come~ar a consrrui­10 adequadamente. Na verdade, quando se leem diagnosticos como

o de Fabian (1983), e sobretudo quando se 1eem as 1eituras quesao feitas de Fabian e assemelhados, nunea se sabe se estamos

diante de mais uma crispa~ao de desespero cognitivo diante dainacessibilidade cia coisa-ern-si) ou cia ve1ha taumaturgia ilumi­

nisra em que 0 autor encarna a razao 'universal chegada para

dispersar as rrevas da supersti~ao. (Ver Argyrou, 1999, para umaanalise Lucida dos pressupostos ultra-ortodoxos dessa antropolo­

gia 'heterodoxa').

Estoll parranto sugerindo, entre outras coisas, uma releva-n­

cia espedfica para a velha problematica do 'regionalismo' antro­

po16gico, isro e, a organizac;ao transnacional e tradicional cia dis­ciplina em subespecialidades como americanismo, africanismo

etc., hoje execrada por essencialista, pre-pos-globali2a~ao e inde­cencias similares (ver Fardon, 1990). Esse regionalismo vern sen­do interpretado exclusivamente em termos dos condicionantesno plano do 'sujeito' de conhecimento, que sao obviamente fun­damentais, merecendo-Ihes ser aplicado todo 0 desconstrucionismoa disposi~ao na pra~a. Mas e1e tambern possui uma dimensao derealidade no plano do 'objeto' que costuma ser minimizada, quandonao soberbamente ignorada: como se os amerfndios devessemseus mundos vividos e concebidos aos americanistas ... 45

45. Assim, a analise, de resto exce1ente, feita por A.-C. Taylor (1984) sobre oscondicionames do 'americanismo tropical', em nenhum momento se per­gunta qual a comribuis:ao objetiva das formas socioculturais nativas docontinente para a construs:ao da imagem etnol6gica do 'indio'. A hist6riaintelectual europeia (e latino-americana), acoplada ao modo de inser!yao daAmerica indigena na empresa colonial, parece explicar tudo. F: .somentea,goro, quando sc assistc a ''tme radicalc transformation dans Ie rapport deforce entre societes indigenes et societes dominantes en Amerique duSud", com os povos indigenas se organizando e articulando urn discursopoli~ico, que a agencia indigena e reconhecida pela autora.

Certamente nao penso que a antropologia seja 0 espelho da

natureza - au, no caso, da sociedade (alheia). Mas tambem naopenso que e1a seja simplesmente 0 espe1ho da nossa sociedade.Nao ha historia e sociologia que disfarcem 0 subjetivismo dessatese, nem seu irritante paternalismo epistemo16gico, que trans­

forma os 'outros' em fics:oes da imaginas:ao ocidental sem qual­quer voz no capitulo. Duplicar tal subjetivismo por urn apelo adialetica da produs:ao objetiva do 'outro' pelo sistema colonial e,para usarmos a expressao ingIesa, acrescentar urn insuIto a umainjuria46

• Parece-me visceralmente antiantropo16gica uma atitudeque, vez por outra, poe a cabes:a de fora: a de achar que tododiscurso sabre os povos de tradis:ao nao-europeia s6 serve parailuminar nossas 'representas:oes do outro'. Isso procede da con­vics:ao de que a antropologia, inevita'lelmente exotista e

prirnitivista., nao passa de urn teatro perverso (0 tom e sempremoralizante) no qual a 'outro' e sempre 'representado' segundoos interesses sordidos do Ocidente. 0 problema e que, de tantover no Outro sempre a Mesmo - de dizer que sob a mascara dooutro somas 'n6s' que estamos olhando para n6s mesmos -, 0

passo e curto para ir direto ao assunto que 'nos' interessa, asaber: nos mesmos. Pessoalmente, esteu rnais interessado em sa­ber como as outros -'representam' os seus outros que em sabercomo n6s a fazeroos; afinal, as outros saO outros porque seusoutros sao outros que as nossos (nos, par exemplo).

A alternativa a esse construtivismo de mao unica nao e, por­tanto, urn objet:vismo transcendental; nem, de resto, urn subjetivis­rna invertido que tomasse as chamadas 'teoria~: nativas' como refle­

xoes autotransparentes sabre as mundos vividos de que sao parte. JaLevi-Strauss (1950) havia famosamente argumentado que as teoriasinciigenas sao elementos do problema que se apresenta ao observa-

46. Vcr Sahlins, 1997a: 52 eI ptlJsim para cssa possibilidade de expropriatyaoontologica das sociedades indigenas' pelas teorias do 'Sistema Mundial' epelos criticos do 'orientalismo'.

156 EnU,\RDO VIVj·:/ROS Of( C\STR(l I~Tj\;( ll.(l(lIA liP ,\SIU,rR,\ 157

dot, nao sua soluc;:ao. Sem duvida: RidS 0 mesnlO ie apliea tis leona!

antropologicas. A alternativa, ponanto, s6 pode ser urn construtivismo

de mao dupla, no qual a antropologia reconhes:a que Suas teaciassempre exprimirarn urn compromisso, em continua renegoeiac;:aohist6rica, entre os mundos do observado e do observador, e quetoda anrropologia bern feita sera sempre uma 'anrropologia simetri­

ca' em busca de urn mundo comum (Latour, 1998).

a MARCO NACIONAl

Voltemos ao problema da 'ethnology Brazilian style', e exa­minemos seus drulos de brasilidade, que nao sao assim tao pa­

tentes. as estudos indigenas no Brasil sempre contararn com urn

contingente expressivo de praticantes estrangeiros; como se sabe,

nossa etnologia comec;ou em larga medjda com des, dos natura­

listas viajantes do seculo passado aos pesguisadores e professo­

res gue se fixaram no pais a partir das decadas de 20 e 30, e gue

ate 0 iokio do perfodo em revista tiveram urn peso determinante.

Mas ja nos anos 40-50 em Sao Paulo, enos anos 50-60 tambem

no Rio, inicia-se 0 processo de substituis:ao de importac;6es aca­

demicas, com a furmac;ao crescente de etn61ogos do pais e no

pais. Com a crial'aO dos cursos de p6s-gradual'ao em antropolo­

gia a partir de 1968, a participal'ao nacional na produl'ao etnol6gica

cresceu vertiginosamente, e hoje a imens"a maiaria de pesquisas

em cursa no Brasil e feita por brasi1eiro~.Apesar disso, ainda saomuitos os grupos indigenas que 56 foram estudados de modo

aprofundado POt pesquisadores vindos do exterior; em muitos

casos, devido aprecedencia hist6rica e ao estilo etnografico esco­Ihido, a monografia de referenda permanece sendo estrangejra. Etambem digno de nota gue a etnologia seja ainda hoje a area de

atual'ao preferencial de pesguhadores 'estrangeiros'. Uma propor­

c;ao muito consideravel dos etn61ogos em atividade nas universida-

des do p:lis ede origem estrangeira, em todos as graus possiveis

de aculturaiiao (do sotaguc carregado a meta certidao de nasei­

mer~to). Esse numero eprovavelmente maior do que 0 encontra­do em todas as outras sub-areas, somadas, da antropologia.

A importancia hist6rica da produs:ao estrangeira, como se­ria de se esperar, e tambern reconhedda em outras dendas so­

dais, mas sua inddencia nao foi exatamente a mesma em todas

elas. No caso da historiografia do Brasil, por exemplo, Laura

Mello e Souza observou gue as ob'as influentes escritas por nao­

brasileiros dedicaram-se antes adimensao politico-economica, ao

passo gue a hist6ria ,ultural foi uma provir.da desde cedo ocu­pada par p~squisadoresnativos. N a etnologia teria sido 0 inversoque ocorreu, 2> se acreditar em uma observas:ao freqiientementefeita: a de que 0 foco nas sociedades indigenas como 'totalidades

soeioculturais' seria caracteristico dos pesguisadores vindos de

fora, os nadonais preferindo analises polfticas e economicas das

situal'oes de contata interetnico (Melatti, 1982: 266; Ramos, 1990a:

2; Peirano, 1992: 72-73).Tomando-se de modo puramentc impressionista a marcante

presens:a estrangeira na etnologia, visive1 ain:la hoje, algumas ideiasc.ruzam a mente. A primeira e que os estrangeiros seriam maissensiveis a urn ideal de exotismo e prirnitividade que, ate bernpouco, nao seduzia muito os brasileiros - estes pareciam prefedr,reciprocamente, oS exodsmos da rnodernidade metropolitana. Asegunda e que os cientistas sociais brasilei...-os privilegiariam, por

soeiologicamente mais representativas e ideologicamente mais

relevantes, outras populas:5es e categorias sociais do pais: naoseria entao por acaso gue os ern610gos (culruralmente) brasilei­

ros tenderiam a favorecer precisamente os processos de articula­

I'ao da sociedade nacional com os povos indigenas, isto e, 0cantata interetnico. 0 interesse pela 'alteridade radical', ainda

gue inter n<: as frortteiras do pais,. nao seria porranto uma caracte­

ristica tipicamente nacional (peirano, 1998: 116-119). Nao estau

158 EOU,\RDO VIVEIROS DE C,\STRO . ETNO/.OGJA BRASJLE1R,\ 159

convencicla de que esse seja realmente 0 caso; pois, se fosse,

entao 56 nos restaria conduir que 0 pais e sua etnologia tern,felizmente, muitos brasileiros 'atipicos'.

A associa~ao entre 'etnologia cia tradic;ao' e 'estrangeiros'~ de

urn lado, e 'etnologia cia mudanc;a' e 'nacionais', de outro, eempiri­

camente discutfvel. Urn dos primeiros ctn61ogos universitarios a se

interessar pelos estudos de mudan,a cultural no Brasil foi Herbert

Baldus, e nas decadas seguintes pesguisadores como James e Virginia

Watson, Charles Wagley, Kalervo Oberg e Robert Murphy ilustra­

ram-se nessa linha de pesguisa (ver as referencias em Melatri, 1983:

20-21)". a mesmo se aplica ao interesse mais recente pela historia

do cantata interetnico, em que se podem recordar as trabalhos de

Thomas ([1968], 1982), Hemming (1978, 1987) au Davis (1977).

Por sua vez, 0 primeiro grande estudo sabre urn sistema social

indigena tornado como 'totalidade sociocultural' foi levado a cabo

pelo brasileiro, para nossa honra, Florestan Fernandes.

E verdade gue, a partir do final dos anos 50 ate a final da

decada de 70, a problematica da mudan,a foi-se identificando a

uma linhagem especifica de etn6logos nacionais, origimiria do

cruzamcnto cia etno-sociologia paulistana com a indigenismo do

SPI. Refiro-me, e claro, aos ja citados Darcy Ribeiro, Roberto

47. Mariza Peirano, ao contrastar 0 interesse estrangeiro pelas "caracteristicas

intrinsecas dos grupos indigenas" com 0 nacional pdo tema do cantata,ressalva que "antropologos restra.ngeirosl radicados no Bra.siI ja tratavam darelacao entre grupos indigenas e sociedade nacional, mas geralmente emartigos distintos daqueles ~m que analisavam 0 sistema social indigena" (1992:72-73, n. 15). E verdadc; mflS isso nao quer dizer que os antrop61ogosnativos passaram a tra.t'l! conjuntflmente das duas coisas. Vados deles conti­nuaram escrevendo aniiliscs distintas, com urn livro ou artigo sobre 0 conta­to e outro sobre as 'caracteristicas intrinsecas' (exemplos: R. Cardoso, R.Laraia, R. DaMatta,]. C. Melatti). Alem disso, muitos simplesmente encapara.m

juntos, como capitulos de uma mesma obra, as dais temas. E, por fim, varios

fic:l.ram so com metadc do objcto, tratando cxclusivamente da relas:ao entregrupos indigenas e sociedade nacional, que passava assim a caracteristica

intrinseca ('constitutiva', dir-se-a mais tarde) do grupo estudado.

Ij

II

Cardoso de Oliveira e a seus seguidores. Nesse mesmo period0,

par sua vez, as pesguisadores estrangeiros (mas tambem alguns

nacionais) tenderam a se concentrar em certos avanc;os da teoria

antropologica gue niio punham em primeiro plano a situa,iio

colonial. Estou-me referindo, eclaro, ao estruturalisrno. Mas con­

vern nao esquecer que Cardoso de Oliveira e seus alunos opera­

ram em ambas as frentes pot algum tempo (alguns deles perma­

nentemente), e que D. Maybury-Lewis, cabe,a do grande projeto

'estruturalista' de estudo dos indios do Brasil central nos anos

60, coordenou tambem, juntamente com Cardoso, 0 Projeto de

Estudo Comparado Nordeste-Brasil Central, gue esta na origem

da linha de pesguisa sabre a campesinato do Museu Nacional.A partir dos anos 80, 0 numero de etn6logos de origem 'me­

tropolitana' que vern trabalhando, no Brasil e em outros paises lari­

no-arnericanos, sobre temas como missionarizac;ao, governamentali­

zac;ao, territorializac;ao, etnicidade e ctnopolitica veio crescendo sem

cessar. Ao contrario, entretanto, da tradic;ao nacional de estudos de

cantata iniciada no fim dos anos 50, e mais particularmente de sua

posteridadt: fundamentalista, esses pesguisadores, e varios de seus

colegas brasoeiros menos identificados com tal tracli,iio, tambem

trabalham sabre outros assuntos. Os processos e estruturas do con­

tate interet:nico sao tornados como parte da circunscincia hist6rica

das sociedades indigenas, enola 0 conrrario.a segundo e bern mais importante problema e a brasilidade

dos povos estudados. 'Etnologia brasileira', mais gue etnologla

feita par brasileiros, denora muitas vezes sirnplesmente a antro­

pologia dos indios situados em territorio nacional (Schaden, 1976:

4). Como as demais ciencias sociais no pais, el1tretanto, ~ etnologla

instirucionalmente brasileira trata apenas, com rarissimas exce­

c;6es, de 'populac;6es' juridicamente brasileiras48• As raz6es para

48. Essa hist6r:,a i~ (oi con tada e analisada muitas vezes, para as ciencias sociais

em geral c a antropologia em particular, a etnologia inclusive. Ver, porexemplo: Plorestan 1956-1957 [19751; Velho, 1980; Peirano, 1981, 1992; e

160 EOU,\RDO VIVEIROS DE CASTRO 161

isso sao variadas; algumas delas sao ate razmiveis. Trinta ou qua­

renra anos arras, sabia-se bern pOlleD sabre todas as sociedadesnativas sul-americanas; a concentra<;ao de esforc;os dos pesquisa­dores nacionais, que se formavam entaD, sabre os indios situados

no Brasil era uma eS,colha 16gica. Ourtas fatores, parem, menosligados a decis6es relativas ao estado do conhecimento fcram,do au mais relevantes para determinar essa focalizas:ao sabre

sociedades indigenas situadas no Brasil: fatores inerciais, como a

especializa~ao regional dos form.dores de novos ernologos e a

ausencia de uma rradic;ao de estudos em aurtas areas au paises;

au fatores econ6micos, como a pouca disponibilidade de recur­

50S para pe~quisas de campo no exterior. Mas, acima de tudo,

fatores ideol6gicos, em especial a premissa partilhada par suces­

sivos governos de toda cor politica, pelas agendas finandadoras

nativas au alienigenas, a intelectualidade progressista ou conser­

vadora, a Igreja, a imprensa e as porta-vozes da classe dominante

em geral - a premissa de que a tarefa primacial das ciencias

sociais brasileiras e conhecer a chamada realidade brasileira. Co­

nhecer para transforma-la, e claro, resolvendo problemas brasi­

leiros como a questao indigena. Esse compromisso, ao menos

verbal (mas onde entra urn forte desejo de autoconvencimento),

com a expectativa de se fazer uma Hciencia social interessada"

(Peirano, 1992: 79) - 0 que nao Ii sempre sinonimo de uma

ciencia social interessante - foi decisivo para fixar nossa etnologia

no estudo de indios dentro do territ6rio brasileiro. E 0 padrao

resultante foi 0 esperado: "Paris pensa a mundo, Sao Paulo pensa

o Brasil, Recife pensa 0 Nordesre" (Reis, 1991: 30)".

a rnesa-redonda da Anpocs publicada na Revilla Brasileira de Ciencias Sociais16 (1991).

49. Urn paddo, alias, recomendado por alguns. Veja-se 0 que escreve Oliveira(1998: 51) sobre os indios e os etnologos do Nordeste: "E ~ partir de fatosde natureza politica - dernandas quanto aterra e assistencia forrnuladas aoorgao indigenista - que as atuais povos indigenas do Nordeste sao coloca­dos como objcto de atenqao para os antropologos sediados nas universida-

Acontece, naturalmente, que a 'quesr2.o indigena', gue legiti­

rna tantas carreiras academicas no pais, nao existe como tal para

as indios. Para eles nao ha 0 'problema dos indios', au, par outra,

urn dos (maiores) problemas dos indios Ii 0 problema dos bran­

cos. Com issa estau apenas chamanclo a atenc;ao para 0 fata de

que as fronteiras geopoliticas contemporaneas esrao muito longe

de definir (ainda que sobredererminem de varias maneiras) os

conjuntos socioculturais pertinentes dos pontes de vista antro­

pologico e indigena, e que porramo a concenrra~ao da produ~ao

brasileira sobre os povos aqui local:zados traduz antes urn apriori

ideologico dos pesquisadores que propriedades objetivas do uni­

verso estudado. Vale recordar que 35 dos 206 povos indigenas

no Brasil, lisrados em 1994 (Ricardo, 1995)''', rem parte de seu

contingente em paises limitrofes; que entre eles estao alguns dos

povos demograficamente mais importantes, como os Guarani, os

Ticuna, as Makuxi eos Yanomami; e que vados povos, inclusive

dois dos quatro precedentes, tern a fraC;ao mais numerosa de sua

popula<;ao :dtuada alem das fronteiras nacionais.

o reconheeimento de que a localiza<;ao dos povos indige­

nas denrro dos limites do pais nao Ii uma condi~ao fundanre (se

des da regiao. 0 que ai ocorre exernplifica uma trajet6ria possivel de insti­tucionalizaqao para uma amropologia periferica, tal como observado porPeirano (1995b: 24): em lugar de definir suas praticas por dia,logos teori­cos, operam mais com objetos politicos ou, ainda, com a dimensao politicados conceitos da antropologia". f~ a exata formula de F. w: Reis; apenas, nolugar de Paris, ponh~Hc algllma mctropoJe anglo·saxa (nada de estrutura­lismo); no lugar de Sao Paulo, 0 Rio de Janeiro (0 Museu NacionaJ, depreferencia); mas 0 Recife pode ficar no mesmo Jugar. Quanto a isso deobjetos politicos rnais que dialogos teoricos (que nao e bem 0 que dissePeirano), note-se que, logo apos essa hierarguinqao de preferencias, Oli­veira admoesta alguns etnologos nordestinos por nao terern desenvolvidourn "discurso teorico e interpretativo", por terem se mostrado regionalistase particularizantes, e por nao terem feito urn "esforqo de conceitua~ao"

(op. cil.: 51-52). Entao a peri feria da peri feria predsa das luzes leoncas daperi feria? .

50. Hoje ja se contam 215 povas.

162 EOU,\RDO VIVEIROS DI~ CASTRO I~TNOr.OGIA llRASILEIRA 163

as hi) cia constituis:ao social desses povos, mas apenas uma cir­

cunstaneia adventicia au superveniente, tern se exprirnido no usa

cada vez mais ccmum do locativo (indios no Brasil' em Iugar do

tradicional genitivo 'indios do Brasil', de forte conotac;;:ao posses­

siva51 . Com iS50 esta-se recusando a gramatica cia integras:ao e cia

assimila,ao que por tanto tempo guiou a doutrina do Estado

para as povos indigenas, e que persiste como projeto oficioso em

diversos setofes oficiais. Essa pequena reforma lingiifstica per­

mite, por exemplo, que se titem rodas as conseqiiencias do fato

de que a trajet6ria historica das sociedades nativas nao comes:ou

com a partilha europeia do continente: assim, urn livro intitulado

His/6ria dos indios no Brasil (Carneiro da Cunha, org., 1992) inclui

ensaios sabre popula<;6es localizadas no Chaco e na Amazonia

subandina52.

51. Ver, por exemplo, Grupioni, arg., 1994; Lopes cia Silva & Grupioni. orgs.,1995. A conso1idas:ao cia forma 'indios no Brasil' se cleve ao Projeto POllOS

Illdi.get/os no Brasil, iniciado em 1978 peIo Centro Ecumenico de Documen­

ta<;ao e Informas:ao.52. Por [alar em reformas lingiiisticas, as etn61ogos ninda nao nos pusemos de

acordo sabre a ortografia dos emonimos indfgenas. A convens:ao de 1953cia ABA sabre a 'gratia dos names tribais' nunca foi integralmente respeita­

da, e a nomenchl.tura oficial cia Punai emcramente aleatoria. Hi uma fortetendencia de se abandonar a pratica tradicional em etnologia - que segueaqui a convenc;:ao da ABA, fortememe marcada por uscs proprios do ingles_ de se grafarem os etnonimos com inicial mailiscula (mesmo quando en';fun~i'io sintiitica detcrminativa), sem flexi'io de numero au genero e usancoleWIS nao reconhecidas pela ortografia de palavras portuguesas. As alter­nativas, cntretanto, ni'i(, sao uniformes. Alguns etn6Jogos preferem seguiras manuais de reda~i'i(J da imprensa (cujas inconsistendas si'io apontadaspar Ricardo It 995: 341), abrasileirando lingiiisticameme as etn6nimos comsua transforma~ao em gentflicos convendonais: tudo em minuscula, comflexilo de numcro (mas nao de genera, sahe-se hi par yue), scm letras nao­oficiai~. Outros mamiveram os etnonimos, quando no nominativo, cominicial mailiscula, mas passaram a utili7.ar inieial mimiscula nOs usosdeterminativos; continuaram nao aceitando 0 plural portugues e mantendoletras como lV, key. Nenhum desses usos e neutro. Hi quem rejeite aconven~i'io dOl ABA par sua suposta pretensao de estabelecer uma nomen-

I

II

i

Isso posta, as membros individuais dos coletivos indige­

nas localizados no Brasil saO cidadaos brasileiros, sendo-lhes

constitucionalmente reconhecidos 0.rganizac;5es socioculturais

diferendadas e direitos originarios sobre as terras que ocupam.

Alem dis so, uma parcela muito significativa da popula~ao indi­

gena no pais fala alternativa ou exclusivamente 0 portugues, e

esta em interac;ao regular com grupos, agencias e instituic;:5es da

sociedade envolvente. Sobretudo, os indios no Brasil foram e

sau alvo de politicas publicas especificas, tendo sido submeti­

dos a uma serie de dispositivos homogeneizadores - a comec;arpor uma condic;ao jurfdico-administrativa uniforme - que, ao

incidirem sobre formac;6es socioculturais muito diversas, cons­tituiram a categoria historica 'indio brasileiro' como correlato e

objeto desse processo de governamentaliza~ao.0 estatuto deri­

vativo, digamos assim, desse objeto nao diminui seu 6bvio inte­

resse do ponto de vista da antropologia, nao s6 porque as

etnologos tiveram, neste seculo, uma participac;ao de destaque

em sua criac;ao e recriac;ao juridicas, como porque a condic;ao

de 'indIO brasileiro' e urn elemento do contexte de reproduc;ao

social das popula~6es assim definidas, e tern sido urn instru­

menta estrategica de mabilizal):ao palftica.

datura ciemffica de tipo boranico au 7.0016gico - isto e, por 'naturalizar' associedades indfgenas (Vidal & Barreto GO, 1997; 160 n.1). Mas hi quementend:! (e esto~ coin estes) que pior que tal 'naturali7.acyao' e a 'acultura~ao'

for~ada pdo abrasileiramento dos etnonimos. Alem disso. se os brasileirostem 0 Brasil au as escoceses a Escocia, enquanto os povos nativos nao ternpaises ou patrias que se possam esc rever com inicial maiuscula. tambem ecerta que seus nomes designam uma colctividade unica. urn povo ou so­ciedade, e nao urn somat6rio de individuos (Ricardo, 1995). Por isso. escre­ver, par cxcmplo, os /Irtlweli, em lugar de os cm:me'h, eurn modo, certamcn­te simb61ico, de reconhecer urn coJetivo lingiiistico, etnico e territorialdiferenciado dentro da 'comunhao nacional'. (A yuCStaO e outra, natural­mente, quando sao as proprios indios que decidem como se haved degrafar seu etnonimo, como aeon tee..: nos grupos que utili7.am a escrita, emportugues e/ou no vermiculo nativo).

164 EDUARDO VIVEIROS DE CASTROI~Tr-:OJ.OGIA BRASII.~.IRA 165

liSO posto. por sua vez, eprecise insistir em urn ponto funda­

menta). Patafraseando a observa~ao de Levi-Strauss (1958: 17)

sobre 0 funcionalismo: dizer que nao h:i sociedade indigena forade uma situa~ao de cantata com a soeiedade nacional eurn trufsmo;

dizer, porem, que tudo nessa sociedade se explica pda situa~ao de

cantata com a sociedade nacional e urn .absurdo. Se alguns traba­

Ihos se mostraram poueo atcoros a tacias as consequencias do

truismo, outros hi que continuam a apostar teoricamente no ab­

surdo. Mas a etnologia brasileira naD precisa dessa ultima hip6tese,

a menos que sc contente em set urn ramo menor cia sociologia

politica do Brasil. A necessidade de se 'romper' com 0 'sen:::o

comum' que identificaria a condic;ao de indio a uma essencia etni­

co-cultural naturalizada (quantificavel em graus de pureza, por exem­

plo) nao pode desembocar em uma nova reifica~ao,desra vez savante,que toma - talvez confundindo 0 discurso da constitui~ao com 0

texto da Constitui~ao, 0 constitutivo com 0 constitucional - a

categoria juridico-politica 'jndio', expressao de uma certa rela~ao

com 0 Estado, como se eIa encetrasse 0 alfa e 0 omega da existen­

cia dos coletivos assim (auto-)identificados, e porranto todo 0 inte­

resse que des podem ofcrecer aetnolo,6>1a. Tais coletivos certamen­

te tern outras coisas com que sc ocupar alem de 'ser indios', e a

etnologia deve segui-los. Ela s6 nao 0 fara se, em nome de alguma

pretensa cesura epistemol6gica (uma ruptura com 0 'exotismo',

talvez?), termine par se sujeitar de fato a uma censura epistemologicaque profbc a aproxima<;:3o a tudo aquila que, na vida dos povos

indigenas, nao traga estampado bern visivcl 0 signa da sujeic;ao. Se

assim proceder, a etnologia estaca aceitando ser 0 mero reflexo

te6rice (positivo ou negativo, pouco importa) do movimento obje­tivo de anexal'ao sociopolitica dos povos indigenas pelo Estadonacional, que os transformou em popu1a~5es indigenas, isto e, em

objetos administrativos de urn Estado-sujeito (Foucault, 1979)53.

53. A subsunc;ao dos povos indigenas e outras minorias etnicas do pais pdoconceito generico de PopJl!afoe.r m/;metida.f (Arruti, 1997: 14), a parte 0 que

Recusar essa missao especular nada tern que vet com uma

busca de 'indios isolados' ou de 'areas prestrvadas' da vida social

indigena, e tampouco com uma celebra~ao da 'rt:sistencia' das

culturas nativas face aos processos hist6ricos de espoliac;ao e

domin"~ao. Quando digo absurda a ideia de que tudo em umasociedade indigena seja constituido pela situa~ao de contato, esse

'tudo' nao pode evidentemente ser tornado em extensao, como se

houvera pedacinhos da sociedade a salvo da infec~ao colonial,isto e, como se uma sociedade fora urn objeto composto de

partes. 0 gue estou dizendo e que i impossive/ que um co/,livo huma­no seja constituido seniio pelo que ele proprio constitui. Estoll dizendo,

em suma, que 0 que a hist6ria fez desses povos e inseparavel doque csses povos fizeram da hist6ria. Fizeram-na, antes de mais

nada, sua; e se nao a fizeram como lhes aprouve - pois ninguem

o faz -, nem par isso deixaram de faze-I a a sell modo - pois

ninguem pode faze-Io de outro''.

manifesta do tradieionaJ lJ1irhji<j Ihil1kil1g a respeito da uniao dos excluidos(no caso em pauta, 'indios' e 'negros'), fa7. dessa condit;ao comum desubmissao - ou seu inverso reativo, a 'resistencia' - a esseneia e a razao detais 'popuJa<;:6es'. A .rl!jeifoo lOr!1a-.re prillcipio de .f11~jeli/J(/fao. E recorde-se aquiuma obscrva<;:ao dc Pcir;mo, fcita no contexW de uma compara<;:ao entre asamropologias brasileira e indiana em seus comuns sentimentos de inferio­ridade diante da metropole: "No caso brasileim, os :,entimentos de inferio­ridade ViS-O-L'iJ os centros europeus e norte-americanos sao tam bern [comona indial :TI<ltcantes. No entanto, 0 engajamento politico do intelectual 0

ajuda na 5l'il procura de identidade: estudando 0 indigena, 0 campones, 0

negro, 0 caipir:l. :lS classes nrhanas ,_'mpobreeid:ls, 0 antropologo esta esco­lhendo como objeto de cstudo os grupos 'dcspossuidos' ou 'oprimidos' dasocicdade" (Peirano. 1995b: 25).

54. Estc paragrafo c uma intcrpreta<;:ao do que Peter Gow escreveu nas pagi.nas finais de um livro em preparac;ao (1998) sobre os Piro cIa Amazoniaperuana: "The present study would have achieved little if all it said wasthat what Pire people have done, historically, is react to those features ofthe ongoing consequences of EUlOpean colonial expansion t~at haveimpinged upon them. It is necessary to demonstrate th,at the speCIfic formof successive colonial situations arose from the ways PIro people set aboutconstituting them, and that this so not because, in the sentimental language

166 EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO ETro.;OI.OGIA 1~RAS1J.EIRA 167

A mesma observas:ao se aplica igualmente, portanto, ao in­

teresse pela dimensao historica dos fen6menos estudados pela

etnologia, da gual hoje se faz grande e justo caso (nao hi guem

nao afirme 0 ideal de uma 'antropologia hist6rica', e poucos nao

castigam ritualmente uma 'enfase na sincronia' supostamente ca­

racterisrica de tudo 0 gue veio anres na disciplina). Do fato de

gue toda sociedade e apreendida pelo observador em uma situa­

t;ao hist6rica determinada naD se segue que tudo 0 que ele obser­

va naguela sociedade possa set atribufdo a uma situac;ao hist6rica

determinavel, e em particular a uma situac;ao gerada e gerida peID

sistema colonial. Recorde-se a advertencia de M. Strathern (1992:

152) a proposito da ernologia da Nova Guine: "The great rrap of

historical analysis is presentism: the assumption that what goes

on in the postwar, pacified Highlands, for example, can be put

down to the f.act that it is a period of postwar paeification"55.

Com efeiro, no caso dos indios no Brasil como em gualquer

outro, 0 objeto cia etnologia possui uma realidade bern maior gue

aguela projetada peJas fronteiras historicas, politicas e discursivas

do mundo dos brancos.

of resistance theories, Piro people are not passive victims but active agents.For much of their recent hi:;Wfy, Piw people have indeed been passivevictims of exploitation, brutality and injustice, in situations where they hadno S:l}' :locI no means to fight b:lck, and it w,ould be ~rotesque for me topretend that this is not so. Instead, the reason why it is necessary todcmonstr:lte that the specific form of successive colonial situations arosefrom the ways Piro pecple set· about constituting them is because Piropeople are produced sod:lll}' by other Piro people, and hence have nochoice other than to constitute the world around them in ways that areintrinsically meaningful to them. And, sad though it is to say, this js trueeven of how they have had to live as passive victims of exploitation,brutality and injustice. Par, as Marx pointed out, people make history, butthey do :lot make it as they please".

55. A autora esta-se referindo ao periodo do p6s-guerra (de 1945), quando seiniciou a penetrac;:ao da administrac;ao australiana nas populosas terras altasda Nova Guine e a consequente 'pacificac;ao' das relac;6es intergrupais naregiao.

Nao e incomum gue a etnologia praticada pelos estudiosos

do contato, em seu ala de mostrar a penetrac;:ao massiva do siste­

ma colonial na vida dos povos autoctones, termine par retroprojetar

urn universo pre-colombiano marcado exatamente par aquelas

caracteristicas que des tanto criticam na imagem que os 'etn6logos

chissicos' fadam das sociedades indfgenas contemporaneas. As­

sim, a mundo social amerfndio anterior ao contato com as eu­

ropeus e visto em termos descontinuistas, est:iticos e naturali­

zantes. Como .~e a hist6ria s6 come~asse, para esses povos, a

partir do mo.-nento em que e1es come~am a se transformar em

apendices do Estado nacional. Eo so a partir dali gue eles setornam objetiva e subjetivamente 'desnaturalizados', isto e, his­

toricos, situacionados e assim por diante: "[a] situa~ao de con­

tato interetnico de certo modo desnaturaliza os codigos cultu­

rais em gue uma pessoa foi socializada .. " (Oliveira F", 1988:

59). D,-se com isso a impressao falsa de gue os indios viviam,

"de certo modo", dentro de universos sodol6gicos e cognitivos

insulares, sem nenhuma noc;:ao de alteridade e nenhum disposi­

tivo interernico ate 0 advento desnaturalizante dos europeus56.

56. Quando roi justamente () contr:irio tIue aconteceu: como se sabe, os 'indiosi:wlados', se jamais existiram, S;\O urWl crja~;\() p6s-colonial, pois a etnillinv?;:;ora rompeu 0 tecido soeiopolitico que Iigava, com maior au menordcnsicladc, todos os pavos do :mbcontincnte (Viveiros de Castro, 1993b).Por isso, a caracteri7.ac;ao feita por Alcida Ramos cia trajet6ria hist6rica dospovos indigenas - "from self-sufficient units to helpless appendages ofthe national powers" (cr. mpra) - 56 pode ser tomada como correta nosentido 6bvio de que os poval'> prc-colombianos eram politicamente inde­pendentes dos Estados europeus, que vieram a di7.ima~Ios demograficamen~e

e sujeitar politicamcnte. A nOl):ao de contato interctnico e sempre concebl­da CO"l1() se referindo primordialmente ao contato entre indios e brancos(para uma excec;ao, ver Ramos 1980; mas 0 conceito aqui passa a set 0 de'relal):6e:; intertribais'). A ideia de que ute contato interetnico possui umaforc;a desnaturali7.aclora toda particular, funcionando como uma especie desociologia pcitica que rempe os veus da illutio cultural, desempenha urnpape! importante, e igualmente questiomivel, nas reflex6es de Terence Turner(p. ex., 1993) sabre a hist6ria dos Kayap6.

168 EDUARDO VIVEIROS 01, CASTROI~Tr-;OJ.OGIA llRASILEIR,\ 169

Alem das provas em contrario fornecidas pela arqueoIogia e

pcla hist6ria, as analiscs clas mitologias indigcnas sabre a 'can­

tata' e as 'brancos' mostram justamente como a consrruIYao so­

cial do (outro' sempre foi urn dos remas centrais do pensamento

amerindio, e como os europeus foram situndos ativamente por

esse sistema cosmoI6gico (Levi-Strauss, 1991).

Assim, muito do que se faz sob a torulo de 'anrropologia

hist6riea', ou em nome de uma recusa bem-pensante cia sempre

mal-entendida distio<;ao levi-straussiana e,ntre 'sociedades frias' e

'quentes' (p. ex. Hill, org., 1988), come~a por nao mostrar inte­

resse nas hist6tias indigenas, reduzindo-as a uma historiografiado 'contato', c termioa por produzir uma descontinuidade abso­

lura entre 0 muncio pre-colonial, code evolufam 'unidades auto­

suficientes', e urn mundo 'historico' povoado de apendices cons­titufdos pelo contato interetnico57, Em nome de urn ataque ao

dualismo entre soeiedade indfgena e sociedade nacional, subscre­

ve-se urn outro, que se poderia chamar de cognitivamentecolonialista, entre os fndios 'antes' e 'depois' dos europeus (ver

Viveitos de Castro, 1996a: 192-194)".

57. Por isso me parece importante que urn livro como a His/rJdo dos indios noBrasil traga capitulos dedicados it arqueologia e it Iingufstica historica, rom­pendo com a conceps:ao truncada e etnocentrie~ da 'historia indigena'como algo que comes:a com a invasao europeia. E digno de nota que os'antropologos historicos' da escola do contato nao pares:am considerarrelevantes as contribuis:6es da arqueologia pre~colombiana e dos estudosde historia cultural: sua sociologia poHtica do contato tern pouca coisa quever com uma historia indfgena, pois nao e, nem muito historica, nem muitoindfgena.

58. "History is often treated as something that arrives,like a ship, from outside thesociety in question. Thus we do not get the history 0/ that society, but theimpact of (our) history on that society" (Ortner, 1984: 143). A mesma ideia eexprirnida por Gow (1998): "For all the criticisms of Levi-Strauss ~nd

structuralism, the various advocates of an anti-Levi-Straussian histoncalanthropology regularly smuggle synchronic analysis back into the work, but indisguised form. Often, this take the form of a concern for 'contact'. Bypositing a unique moment in which two formerly separate social systems or

A MARCA NACIONAL

Hi mais, nesse assunto da brasilidade da etnologia brasilei­ra, que uma questao de cidadania dos pesquisadores au dos pes­

quisados. Ha a questao de sua hipotetica especificidade estilfstica,

ternatica, teorica - enfim, cultural, com 0 perdio da rna palavra.

a que seria mesmo 0 'brasileiro' cia etnologia brasileira?

Essa quesdo da brasilidadc substantiva cia etnologia feita

no pafs nao e meramente academica59. Ela nos remete, alias, a

cultures came into contact, anthropologists are able to specify a base-lineperiod (and preferably date) from which reproduction becomes potentialtransformation. 1...1In the Introduction, I quoted the celebrated statement byWolf: 'The global processes set in mc-tion by European expansion constitutetheir history as well. There are thus no 'contemporary ancestors', no peoplewithout history, no peoples - to use Levi-Strauss's phrase - whose historieshave remained cold' P982:3851. Careful reading reveals that Wolf's claim impliesthat th~tf: were indeed once people without history, peoples whose historieshad remained cold, and that \.liaS before the global processes set in motion byEuropean expansion. And rcaders of the second chapter ~f Wolf's boo.k,"The world in 1400", arc entertained by a broad-brush portralt of the world In

that year, devoid of any discussion of the status of this knowledge or of howit \.liaS acquired, and quite silent on the cvident disparities in our knowledge ofwhat was happening in London, Rome and Paris in that year when comparedto parallel events on the Bajo Urubamba, in CU7,CO or Ipanema."

59. Como tampouco 0 e a uso, tao caracterfstico de cenos a~ademi~os, ~a

qualificas:ao pejorativa 'meramente academica'. Quem se expnme aSSlm na.etern 0 direito de se queixar quando chegam os inimigos neoliberais da UnJ­

versidade r:lblica cobrando 'produtividade' e 'retorno para a sodedade', ~xisteenganas:ao, pregui's:a e 0 que mais se queira m academia; so nao eXlste. a'meramente academico'. Na atual canjuntura de estrangulamento financelroe de ataqu( ideologico it cienda e a universidade, em que tan~o se recorre auma retOrir:.1. antiacademica que lanp suspeis:af) de superflUidade contra aciencia 'pura' e a pesquisa 'b:.i.sica' - nao falta quem sugira que deve~os

importar os fundamentos de fora, dedicando-nos a implementar seus denva­dos tecnologicos -, 0 celebre 'compromisso politico' dos antropologos edemais cientistas sociais tern que incluir a defesa intransigente do 'puramen­te academico' e do 'nao~aplicado',9 cantrario de 'antropologia pura', alias,nao enecessariamente 'antropologia aplicada', mas pode bern ser 'antropolo­gia diluida' (Levi-Strauss, 1973: 37),

170 EDL'ARDO VIVEIROS DE CASTROETNO!.OGIA BRASILE1RA 171

palpitantes debates do final dos anos 70, ocasiao em gue Darcy

Ribeiro ressuscitou uma rerotica cam ao nacionalismo isebiano.

A questao naa e meramente 'academica' potgue a etnologia bra­

sileira naa se ocupa apenas cia teoria cia identidade etnica aplica­cia aos indios (brasileiros), mas pareee preocupar-se tambem com

o gue poderiamos chamar de etnicidade teatica dos antropalogos

(brasileiros), e esses dais temas as vezes terminam entre1ac;:ados 6U•

o tema aparentemente arcaico da virtualidade ou realidade

de LIma 'cicncia brasilcira' continua na agenda de alguns etn61ogos.

A oposic;:ao entre 'nativistas' e 'cosmopolitas' eantiga, e atravessa

Dutras eiencias sociais; mas em etnologia ela pareee ret uma

pungencia toda sua, em parte por causa do pape! simbalico dosindios no imaginario cia brasilidade, em parte devido ao

descolamento reorico entre a etnologia dos fndios no Brasil e a

dos fndios do Brasil, e em parte, finalmente, grac;as apenetrac;ao

tardia da 'tcoria tla dcpendencia' (esse caso rnro de sucesso da

ciencia social 'periferica 1 na metr6pole - se foi isso mesmo que

acontcccu) dcntro da antropologia muodial, na qual ela continuaa servir de referencia para algumas das abordagens ditas 'p6s­

colonialistas'.

Mas talve;;; haja, sim, um aspecto propriamente academiconessa discussao. Penso agui na voga recente de estudos sobre os'estilos nacionais' de antropologia e on quesrao das 'antropologias

perifericas', em evidencia tambem no Brasil61• Uma vez reconheci­

do seu indiscutivel valor histarico-antropolagico (i.e., academico),

e precise cuidar para que os resultados descritivos e interpretativos

60. Como ja se observou, a respeito da tradi~ao da' antropologia nacional de seconcentrar em popula~oes brasileiras, em contraste com as antropologiasmetropolitanas: "Em geml nao s6 estudamos 'nos mesmos' ... como a'diferen<;a' e construida as avessas: gemlmente estarnos nos perguntandoqual a nossa cspccificidade, em que somospeculiares, 0 que nos sepam edistingue" (peirano, 1995a: 53).

61. Vcr: Gerholm & Hanner;~, orgs., 1982; Cardoso de Oliveira, 1988; Cardo.~o

de Oliveira & Ruben, orgs., 1995.

desses estudos nao acabem por se converter em imperativos cate­

garicos - a 'antropologia brasileira' sendo a antropologia gue os

brasileiros dcvcmos fazer62• E curioso, diga-se de passagem, que esse

interesse pelos estilos nacionais de antropologia seja contempod­

neo da desafei~ao das vanguardas tearicas pelo chamado 'regiona­

lismo' antropol6gico, ja referida aeima. Mas nao esta mllito claro 0

gue se ganha (e 0 gue se perde), ao se substituir urn .legado

essencialismo regionalista no plano do objeto por urn virtualessencialismo nacionalista no plano do sujeito.

Tome-se por exemplo 0 ensaio sobre 0 povo brasileiro, 0

Iivro-sfntese da trajetaria inte!ectual de Darcy Ribeiro (1995),

escrito pelo jovem etnalogo J. M. Arruti (1995). Ela i!ustra bern

a dupla aspira~ao de atl/alidade e de brasilidade gue parece moti­

var varios ctnologos brasileiros. Arruti propoe ali urn argumen­to sobre a 'pos-modernidade' da obra de Darcy, mas seu tema eessencialmente 0 ideal darciano (gUt 0 autor faz seu) de uma

antropologia abrasileira, gue respondcria anecessidade de umaII/eoria de !lOS ItJeSIIJOS". Longe de anacronicas, diz Arruri, seme­

lhantes questaes "i~am Darcy Ribeiro ... para urn debate de

grande atllalidadc, inicialm<.:nl"c proposm por antrop61ogas ori­

ginarios de ex-calonias asiaticas e africanas e, mais recenternen­

te, reapropriado pelos chamados pas-modemos" (1995: 237)".E naSSO autar canclui:

62. Em caso contrario ? Bern, em caso contrario, par exemplo, a Funda<;aoFord nao financia .

63. Suponho que esses antropologos a que 0 autor esta-se referindo sejamTala! Asad, Edward Said (que e mais urn antiantropologo honorario), HomiBhabha (idefll), Arjun Appadurai, Lila Abu-Lughod e outros. Estes autores,angl6fonos e instalados em geral nas grandes t.niversidades americanas eeuropeias, sao na realidade muitfssimo mais 'metropolitanos' do que osantrop61ogos brasileiros, pelos criterios mesmos de Arruti. Quanto ao de·bate, trata-se da discussao muito em voga sabre os condicionantes macro­e micropoliticos do projeto epist.emologico da antropologia, debate quedesembocou, ao cabo das ultimas decadas, em uma especie de nova doxarevis;:)nista e tiipercriticista, a qual nao faltam mottes anunciadas e herdei-

172 [~DUARDO VIVEIROS DE CASTROEn"OLOGIA BRASII.EIRI\ 173

Ao pretender criar uma 'antropoiogia brasileira', nos dais sentidos

contidas pcln cxprcssao, Darcy Ribeiro liga.se [...1aos ja citadas antrop6­logos-nativos, a antropologia periferica que teora se desvencilhar dos dis­cursos metropolitanos e fundar uma visao propria r...1Mas falar em dife­rentes antropologias nacionais, como sugerem os perifericos, naD significa­

ria negar, justamente, a uiliversalidade fundadora cia proposta antropoI66i­

ea? Como nos lembra Mariza Peirano, a afirmac;ao dessa incompatibilidade56 epassive! enquanto nao nos damos conra de que 0 modelo do universal

com que a antropologia mctropolitana trabalha eeminentemente ocidental

c, no limite, e, ele mesmo, parte de ideologias nacionais. Levando em conta

que 0 pensamento anrropol6gico e parte cia pr6pria configurac;ao

sociocultural de que emerge e que sua forma predominante moderna e 0

Estado-nas:ao.. [...1 na nossa relac;ao com as fontes te6ricas tradicionais

existc uma assimetria cuja origem e0 fato colonial. a dilema cia antropolo­gia brasileira, como de outras antropologias perifericas, que tern sido ex­

presso na dualidade entre ser antrop6logo e ser nativo ... [...J Para nossa

(wlrop%.gitl !JIalllelllCtI, Darcy Ribeiro prop6e que e1a abandone a aspirac;ao

inalcans:avd de set europCia e se fac;a original (op. cil.: 243; grifo meu).

Ja vimos tantas vezes esse filme .. , Darcy costumava casti­

gar, e Arruti agora 0 secunda, os antrop610gos brasileiros por

serem colonizados. Isso nao impediu os dois autores de aderir a

paradigmas tao pouco aut6ctones quanto 0 materialismo cultu­

ral e 0 neo-evolucionismo ianques de Julian Steward e LeslieWhite (caso de Darcy), au as narrativas europeias da 'inven<;ao

da tradi~ao' e da 'ctnieidade' de Eric Habsbawm e Fredrik Barth

(ef. Arruti, 1997). Alem disso, se as p6s-madernas, esses

supercosmopolitas dcliquesccntes, jil. 'rcapropriaram' 0 discurso

dos autrop6logos egressos das antigas colonias do imperio oci-

ros presuntivos da disciplina (Wade, org., 1996), mas em <.jue tambem secome/fam a perceber sinais de esgotamento, ease ouvir vozes dissidemes(Sahlins, 1993, 1995, 1997" b; Latour, 1996" b; Argyrou, 1999). Valh, 0

que valeI' tal debate - no maximo, digamos assim, cintjuenta por cento do"Iue se estima no mercado acadcmico -, sua captura como superficie deinscri/fiio das falhas ideol6gicas internas a etnologia brasileira esta baseadaem uma serie de mal-entendidos deiiberados.

dental, entilO cantinuamas nassa repugnante cantubernia com

as metrop0.i.itanos.

Mas ate ai tudo bern: todo mundo POt aqui tern mesmo asideias fora do lugar. 0 problema e outro. A obta de Darcy, em

particular esse livro tesenhada pot Atturi, sob a pretexto legiti­

mo e interessante de indigenizar 0 'povo brasileiro') termina eabrasileirando os povos indigenas, cuja existencia presente e vis­

ta como residual, toda a enfase tendo sido df:slocada para 0

apatte indigena a brasilidade mcsti~a. Os desaflos que as indios

continuam lan~ando as ideolagias do Estado-na~iiae da btasilidade

siia varridas para debaixa do tapete.

"Teoria de nos mesmos"? Nos mesmos quem? A alegadaanalogia do que faz Darcy com 0 anticolonialismo dos antrop6­logoS 'perifericos' e muito prohlematica64 , Ela naturaliza uma

identifica<;ao etnico-cultural (defensavel, talvez, no caso dos an­

tropologos africanos e asiaticos em que pensa Arruti) entre os

anrrop610gos brasileiros e os indios, contra os antropologos 'me­tropolitanos' e seus'discursos', Seria born avisar os indios dessa

parceria, porem - indios que tern em geral a diferen<;a entre eles

mesmos ~ os 'brancos' brasileiros por infinitamente maior que a

diferen<;a. entre esses ultimos e os 'brancos' estrangeiros6s , Nova-

64. Ela repete em outro registro a dificultosa importaljao do conceito de 'si­tua/fao colonial' de Balandier pela teo ria cardosiana do contato, das condi~

/foes africanas para as brasileiras (ver Turner [1988: 2401 e Ramos [1990:201 para esse problema).

65. Por exemplo: os indios Yawalapfti do Alto Xingu, que conheci em 1975­1977, chamavam os brancos (e negros) brasileiros de karaiba, as europeusc norte-amcricanos cram classificados como karaiba-ktfftlo, 'super-brasilei­ros' (0 sufixo -klima tern 0 sentido de 'outro, grande, poderoso, sobrenaru­ral'), Ja os japoneses e outros orientais, "Illt eventualmente visitavam 0

Xingu eram classificados como pl/laka-ktInJo, 'supedndios xinguanos'. Ou­tras popuia/f6cs :tribais 'ex6ticas', como os Iatmul ou os Nuer, cujas foto­grafias os Yawalapfti viam em mc~s livros, [oram-me classificadas comowarqyu-kl/"!IO: 'superindios bravos', A palavra warCIJu aplica-se a todos osfndios n:-ic-xinguanos, e tern a conota/fao de primitividade e selvageria. as

IBIBLIOTECA CEiJTJ?AUI PUCRS

174 EnU,\RDO VIVEIROS 01·: CASTRO I~Tl\;OL()Gli\ IlRASIJ.E1RA 175

mente, estao-se nacionalizando as indios para melhor se poder

indigenizar os antropologos nacionais e, de tabela, esta-se usan­

do 0 colonialismo 'interne' que oprime economica e politicamen­te os indios - colonialismo exercido pela sociedade e pelo Estado

brasileiros, nao por uma porencia metropoJitana - para fundar

analogicamente esse requisit6rio pequeno-burgues contra urn co­

Ionialismo 'externo' que alienaria intelectualmente as antrop6Io­gos natives. Mas nao vai ser pegando essa carona nos problemas

cnfrentados pelos indios que a antropologia brasileira ("nos daissentidos") vai resolver seu inexistente dilema.

Quanta ao ideal de uma originalidade e autenticidade

"mamelucas", observo apenas que ele destoa de cetras melodiasantropologicas de vanguarda, apreciadas pelo partido teorico de

Arruti (mas que ell tambern gosto de ouvir de vez em quando),

sabre a cultura como fluxes e cortentes, hibridismos multilocali­zados e diasp6ricos e assim por diante. Criticarn-se com virulen­cia as concep~6es organicistas, reificadas e esseneializadas decultura - mas pelo jcito so quando aplicadas aos indios, porque,

no caSo dos antrop610gos nativos, tudo bem66• Cabe tarnbem

Yawalapiti se identificavam com ° componente biotipicamente 'indio' dahumanidade 'civilizada' em oposis:ao a seu componente 'nao-indio', masem oposis:ao tam bern ao componente 'nao-civili7.ado' da l-tumanidade 'nao­fndia'. Nao se tratava, portanto, nem de uma oposis:ao naeionalista entre'brasileiros' (indios ou nao) e 'estrangeiros', nem de uma oposis:ao e\"olu­cionista simples entre povos 'tradieionais' e 'modernos'. Em outros casas,e possfve! que determinado grupo indfgena se veja como muito proximodos setores da sociedade nacional que partilham aspectos importantes deseu modo de vida (os camponeses ribeirinhos cia Amazonia, par exemplo)e com quem ele interage regularmente. Mas ai serao os indios e as campo­neses Gue se distinguirao em comum dos representantes da eultura domi­nante urbana.

66. Quando aplieadas pelo.r fndios, tudo bem tambem (Oliveira ro, 1998). Pare­ee assim que os mandamentos da p6s-antropologia - 'nao essenciali7.aras';'nao naturaliz:mis'; 'nao exoti7.anis'; nao IOtalizaras'; 'nao dieotomizaras';'nao cobis:aras os diseursos metropolitanos do proximo' etc. - precisam sercompletados par duas clausulas de exces:ao., A primeira: 'aos nativos sera

iudagar se nestes tempos de multiculturalismo, como se diz, ca­

bern tais exorta~6es aautenricidade:

Em tempos de multicultutalismo, vale lembtar a indaga~ao formula­

da por Radhakrishnan: "por que eu nao posso ser indiano sem tet de ser

'2.utenticamente indiana'? A autenticidade c urn Jar que construimos para

nos mesmos ou eurn gueto que habitamos para satisfazer 2.0 mundo domi­nante?~' (Oliveira P, 1998: 68).

Boa pergunta: par que a antropologia nilo pode ser brasilei­

ra sem ter que ser 'autenticamente brasileira'? Se lernbramos tudoo que deve a 'antropologia social briranica' aos franceses, ou a'antropologia cultural americana' aos alemaes ... Mas talvez seache que a hibridismo seja menos chocante quando pradcadoentre metropolitanos consencientes - mesmo se envolve, como eo caso do namoro franco-americano atual (desconstrucionismo

pra d., pragmatismo pra hi), urn certo risco de cross-sten'lization.Quanta ao argumento sabre a particularidade cultural do

universalismo (esta ideologia europeia ...), manejado par Arruti

para justificar a busca de uma antropologia autenticamente brasi­leira, caberia indagar se ele se aplicaria, por exemplo, a ffsicabrasileira, isto e, se esta tambem deve se desvencilhar dos "dis­

cursos metropolitanos". Se me respondem que antropologia nilo

e fisica, eu ponderaria que a fisica, afinal, e igualmente "parte dapropria configuras:ilo cultural de que emerge" (essa formula deArruri e de urn culturalismo irnpecavel) e que, alias, a distin~ao

entre ciencias da natureza e da cultura e mais ocidental que aOTAN. Se me respondem que a fisica brasileira tambfm deve serautentica, s6 posso perguntar em que consistiria essa brasilidade:o que seria uma teoria mameluca da gravlta~ao quantica? Onde

as quarks caboclos?

permitido tudo ague se profbe ·~.os antrop61ogos'. A segunda: 'a certosantrop610gos sera permitido detinir-se como nativos'.

176 EOU,\RDO VIVEIROS DI~ CASTROI~Tt\:()I.OGI/\ BRASII.EIRA 177

a paradoxa do universalismo particular einteressante. A idi:.ia

de que a antropologia deve buscar universais ehoje (quase univer­

salmente) questionada em nome da descoberta antropol6gica de

que 0 universal e particular (ao Ocidente). Mas, se 0 universal euma manifestas:ao do particular, e se e por isso que nao 0 almeja­

mDS mais, seria porgue desejamos urn universal menos particular,

isto e, mais universal? au talvez porgue percebamos que 0 verdadei­1'0 universal esempre particular Qogo, procuremos 0 nosso proprioparticular)? Mas, oeste caso, desejar 0 particular e desejar 0 verda­

dciro universal. 0 que me recorda uma frase ironica de Antonio

Candido, citada por Mariza Peirano: "Para nos a Europa ji e 0

universaL .. ". Ela pareee sugerir que devemos abandonar esse uni­

versal, POt ainda particular, e buscar urn outro, mais universal. Isso

nao seria querer ser mais europeu que a Europa? Esta 6bvio que 0

apelo aos particulares nao resolve 0 problema dos universais - s6

da para sair dessa em diagonal. Ao poeta da provincia, aconselha­

se: se gueres ser universal, canta tua aldeia. Mas, n6s, os antrop61o­

gos da provincia, nao gueremos tal universalidade, se bern entendi.

Ou queremos? De qualquer modo, a antropologia se define por

querer ser universal cantando as aldeias dos outros. Donde se con­

elui que ... antropologia nao e poesia, apesar de algumas disposi­

~6es recentes em contrario?

o colonialismo cultural e mesmo uma chave-de-galao, urn

gigantesco dotlble bind hist6rico. E, como de todo dGtlble bind, s6 se

sai dele, ou fingindo ignod-Io, ou devolvendo-o ao remetente,

acrescido de mais uma torc;ao - por exemplo, injetando uma

certa dose de realidade em nossos 'dialogos' imaginarios com a

produC;ao internacional, gue, religiosamente invocados em toda

introduC;ao de tese ou relat6rio de auto-avaliaC;ao, consistem 0

mais das vezes em urn feroz ataque a uma teoria estrangeira it luz

de outra teoria estrangeira, ambas as quais permanecem, grac;as aimpenetrabilidade de nosso vernaculo (entre outras coisas), im­

pavidamente alheias ao que se faz com seu nome e em seu nome

por estas bandas. Se e para 'dialogarJ, e nao tern muito outrO

jeito, entao seria preciso comec;ar a rebater para a matriz nossas

lucubrac;6es perifericas, e a meter a colher na sopa metropolitana.

Resta ver se isso interessa a toda a "antropologia mameluca".

A ETNOLOGIA DO COMPROMISSO

As avaliac;6es da produC;ao ernol6gica brasileira, como ob­

servei acima, costurnam contras~ar duas vertentes tematico­

estilisticas, associando-as a uma guestao de origem dos pesquisa­

dores: os estrangeiros mais interessados na cultura e organizac;ao

social, os nacionais concentrando-se no contato interetnico e na

situaC;ao poHtico-economica dos povos indigenas. Algumas con­

siderac;6es de contexto hist6rico e intelectual sao aduzidas para

essa diferenc;a, mas em ultima analise a explicac;ao apela para urn

maior "compromisso politico" ou "responsabilidade social" dos

etn610gos nativos (Ramos, 1990a). Ji 'limos 0 que pensar da

divis6ria estrangeiros/nativos. Voltemos ao artigo de Alcida Ra­

mos, examinando agora suas teses subsrantivas sobre a etnologia

a brasileira.o artigo anuncia urn duplo prop6sito: (1) apresentar para

urn publico antropol6gico nao-brasileiro algumas das caracteris­

ticas da etnologia feita no Brasil; (2) discutir a questao da respon­

sabilidade soei;l dos etn610gos para com os povos que esrudam.

as dois t('l[,:;-:\, entretanto, revelam-se urn s6: 0 trac;o distintivo

da etnologia brasileira e a responsabilidade soeial dos antrop610­

gos. Nosso ativismo e urn atavismo. Alcida ligani essa responsa­

bilidade social ao terna favorito da etnologia nativa: "The privilegedfocus of Brazilian ethnology on interethnic relations [...J is

associated with an attitude of political commitment to the defense

of the rights of the peoples studied" (p. 3). Urn leitor excessiva­

mente sutil poderia extrair dai 0 corohirio: brasileiro que nao

178 EOU,\RDO VIVEIROS DE C,\STRO ETNOLOGIA fiRASJ1.EIRA 179

estuda rela~5es interetnicas nao faz uma emologia tipicamente

brasileira - e nao tcm compromisso com a defesa dos dirdtos

dos indios. Essa entrelinha virtual eoa verdade uma representa­

l'aO explicita (com a qual estou certo de que Alcida nao concor­

cia) de certos setores cia etnologia nacional; edesnecessario enfa­

tizar Slla utilidade nas batalhas por hegemonia academica. Ela ea

internaliza<;ao de uma acusas:ao tradicional dos agentes do

indigenismo de Estado contra as etn6logos: enguanto as primei­

ros 'fazem alguma coisa' pelos indios, as segundos 56 querem

saber de suas teses etc. A acusal'ao (ate porque da foi comprada

pelos indios em certas ocasi5es) sempre caIoll fundo oa consci­

encia dos etn61ogos, que se defendem reafirmando seu compro­misso politico e responsabilidade social, e evocando a figura

emblematica de Nimuendaju (Schaden, 1976: 18-19). Uma outra

saida e transferir a pecha de academicismo alienado para os outrOJ

antrop610gos, os estrangeiros, tratando-os assim como os funcio­

narios do SPI e da Funai tratavam todos os antrop610gos, gringos

ou da terra. Seja como for, carecia de se fazer uma boa descons­

trUl;:ao do tema do 'compromisso politico', esse mantra da etnologia

brasileira - nao hi quem nao fale nisso, como nao faltou quem

utilizasse isso para valorizar uma insers;ao na administras:ao

indigenista (Zarur, 1976)67.Nao ha, evidentemente, nada a objetar ao compromisso po­

litico dos etn6logos brasileiros; como apraticamente todos os

etn6logos no Brasil" (Ramos, op. cit.: 6), t'ambem tenho hi meus

engajamentos. a que me incomoda sao os miasmas paternalistas

que as vezes parecem emanar de tais testemunhos de compro­

misso, e que exprimem, a meu ver, a longa hist6ria de envolvi­

mento e identifical'ao da etnologia brasileira com os apardhos

67. Para indicac;6es sobre 0 tema do 'soci," (ofllulilnmJI' no imagimirio das cien­cias sociais brasileiras, ver as referencias em Peirano, 1998: 116, e maisespecificamente sua tese de 1981.

indigen.ist'.5 de Estado". 0 discurso etn61ogico sobre os indios

foi, em varios momentos, urn discurso feito de dentro do Estado,

e para os ouvidos do Estado. Voltemos urn momento aquela

caracterizas:ao semijocosa que 1'1. Lima faz da "cisao que evita­

mos abordar": de urn lado, uma etnologia "depurada de compro­

missos com a administrac;:ao publica" e voltada para as "dimen­

saes internas"; de outro, uma linha "'deseendente' direta de preo­

cupaS;aes administrativas, via Darcy Ribeiro, Eduardo G.alvao e

Roberto Cardoso de Oliveira, em suas passagens peIo SPI, na

presens:a em insta.ncias como 0 CNPI, voltada somente para 0

estudo das interal'0es com a 'sociedade nacional'" (1998: 263). Acaricatura me parece, no fim d2.S cantas, razoavelmente fie! aaoriginal; mas eIa pede alguns retoques. Assim, muitos etn6logos

brasiIeiros nao mosttam, de faro, grande ..=ntusiasmo por "com-

68. Quero deixar bern daro gue nao e:;tou me referindo a A1cida Ramos, cujocompromisso com 0 destino dos Yanomami s6 merece admiraIYao. E querodeixar igualmente claro gue nao 'sou contra' gue se trabalhe na Funai oupara a Funai, ou gue se colabore (nobom semido) com 6rgaos responsa­veis por politicas publicas gue visem au afetem os indios etc. Nao achegue trabalhar nas· agendas indigenistas condene alguem ao fogo eterno ­mas tamb6m nao acho gue canonize alguem. 0 gue me parece efetivarnen­te inaceitavel e 0 usa do discurso emo16gico para legitimar a participaIY3.onessas instancias, ou 0 usa da participas:ao nessaS instancias para legitimaro discurso etno16gico, e sobretudo a definiIYao dos objetes e objetives dapratica etnol6gica a partir do pomo de vista dessa:; instancias. Nao pensogue exista gualquer afinidade especial entre 0 ponto de vista da etnologia eo dos 6rgaos indigcnistas (oficiais Oll alternativos). Enfim, gostaria tam­bern de dizer gue 0<10 tenho obviamente nada a opor, muito pelo contrario,ao projeto de uma antropologia do Brasil - sejam estudos amropoI6gicosde grupos soeiais nao-indigenas localizados no pais, sejam analises de ins­piraIYao antropol6gica sobre as ideologias da naeionalidade, do carater na­donal etc. E multo menos me oponho ao valioso trabalho de desconstru­IYao hislorico·sociol6gica do indigenismo de Estado, ou a uma intervenIYaopolitica e te6rica ae nossa disciplina sobre a 'guest:io indigena

l• Varios

anttopologos vern mostrando gue e possivel fazer uma antropologia doBrasil. e da questiio indigena, g~e nao seja tributaria das obsessoes da

nacionalidade.

180 linU,\RnO VIVEIROS DE CASTROI~T!\;()J.OGI,'\ BR/\SII,EIRA 181

promissos com a administralYao publica", 0 que naD significa que

eles nao tenham seus compromissos politicos - au contraire, pode­

dam dizer alguns. E verdade ainda que a maioria deles nao se

tem distinguido no estudo soeiol6gico e hist6rico da politica

indigenista, tema que a Dutra tradic;ao incorporou recentemente

com grande sucesso; mas aqui caberia tambem pancierar que 0

esmiuc;amento analftico cia administrac;ao dos indios nao legitima

automatica e/ou retrospectivamente urn engajamento paralelo

(oficial ou oficioso) na mesma, aincla que na forma de ~partjcipa­

c;ao critica', Quanta aDutra linha, oh:.;crve-se, antes de mais nada,

que seus 'precursores' Darcy, Galvao e Cardoso fizeram urn bo­

cado de etnologia cl{lssica, c nao cstiveram sempre voltados "50­

mente para 0 estudo das interac;6es ctc." - 0 que foi 0 caso de

alguns de seus sucessores. E sobre ser essa linha descendente de"preocupac.;:6es administtativas", aqui me parece que Lima pega

leve na caricatura. Pois existe, siro, uma certa heranc.;:a em muito

do que se fe7- em nome de uma 'antropologia da a<;aO'69, naD

somente do olhar administrativo do colonizador, mas sobretudo

da postura definidora dos ide610gos da emia dominante: 0 Esta­

do naeional e tornado como espa<;o analitico natural de 'contex­

tualiza<;ao' dos povos indigenas. A emptesa tearica de

'desnaturalizal'ao' do conceito de sociedade (indigena), encarecida

pelos representantes do contatualismo, emuitas vezes finaneiada

corn a moeda da essencializa<;ao do Estado, que se ve promovido

ao estatuto de instancia transcendente de" que as sociedades indi­genas derivam suas modestas e incertas cotas-parte de realidade.Hesitando entte set urn discurso sobre 0 Estado, urn discurso a

partir do Estado c um discurso do Estado, boa parte dessa socio­

logia indigenista au metaindigenista termina sendo mesmo euma

69. 'Antropologia cia a<;iio' niio se refcre a uma teoria cia ac;ao social; 0 termo

(oi l.:ll1pn:gado cm ccl"\o pc.:riodo para dcsign:lr (J indigenismo pr:Hicado

relos contatualistas: nao se trata portanto de uma antropologia da as:aoindfgena, mas da antropologia como :H;iio indigcnista.

i;,

__J

ciencia de Estado (Deleuze & Guattari, 1980: 446ss., 464ss.). 0 que

nao chega a ser muito diferente da suposta cumplicidade origin;'­

ria da etnologia cH.ssica, isto e, da antropologia, com 0 imperia­lismo metropolitano.

Apenas recentemente os antropologos comec;:aram a anali­

sar de modo competente os instrumentos juridicos de sustenta­

I'ao do aparelho colonial (Carneiro da Cunha, 1987, 1992; A.Lima, 1992; Perrone-Moises, 1992) e a reconstituir os processos

de 'governamentalizal'ao' nesse setor (A. Lima, 1995). Isso tra­

duz urn deslocamento muito imp·:>rtante cia posi<;ao de enuncia­

,ao do discurso etno16gico em face do indigenismo ofieial - sem

que esteja excluida, entretanto, a possibilidade de que em alguns

casos 0 novo discutso dos etnologos continue a estar sendo diri­

gido aos ouvidos do Principe. A proporl'ao, porem, que os indioscomec;:am a enunciar urn discurso proprio para 0 Estado brasilei­

ro e os brancos em geral (Ramos, 1988; Albert, 1993), 0 compro­

misso politico perene dos etnologos brasileiros talvez seja alivia­

do de seus ambiguos contrapesos: 0 poder que eles sempre exer­ceram como mediadores e porta-vozes dos indios (Ramos, 1990a:

24) - poder nem sempre distinguivel do velho esquema da

?atronagem7n _ e a incomoda intimidade, de classe senao de cre­

do, que quase sempre mantiveram com as poderes constituidos.

Intimidade essa, alias, que sugere que a dist:incia objetiva entreos etnologos e os indios e muito maior do que imaginam as

rantasias identificatarias da "antropologia mame1uca".

70. Podcr m~n()'", talvc%, que 0 de sellS congcncres latino-americanos, maspacler de mesrna naturC7.a, haja vista 0 complcxo continental do 'indigenismo'.Em sua analise do americanismo no contexto hist6rico-cultural da Ameri­ca Latin I, Taylor sublinha 0 "Wltut ties [ortement valorise de l'anthropologie

dans CLS pays, et lIel role politique non-ncgligea~)lc gue jouent Jes ethnologues

Jatino-amcricains dans Jcs politieJues dl.: leur pays aI'egard des populations

indigenes; H. [<'avre a fait remarquer gue l'ethnologie etait, par excellence,

une 'science politique' en Amerique latine" (1984: 220).

182 EOV ..\RDO VIVEIROS DF CA.STRO r~Tt'o:()1.0GJ/\ BRASII.I\JRA 183

o 'compromisso politico' da ernologia ja foi atribuido asraizes gue csta C outras cicncias sociaisbrasileiras deitam nosmodernismos nacionaJistas dos aoos 20', enos projetos de cons­

tru~ao de uma 'identidade naciona]' (ver Peirano, 1981, 1992);isso reda dado anossa antropologia em geral urn sabot humanisticodiverso do de outras tradi<;6es antropologicas, mais marcaclas

pe1as eiencias naturais (Ramos, op. cit.: 7). 0 contraste nao me

pareee indiscutivel, sc pensarmos nos paralelos presentes oa an­

trapologia norte-americana cia mesma epoca (como no esfor<;o

dos boasianos em pensar a identidade nacional de la: Stocking,1989). 0 gue e realmente problematico, entretanto, e a oposi~ao

sugerida por Alcida Ramos entre a antropologia brasileira, guia­

da pelo ideal do nation-huilding, e as antropologias britilnica eamericana, instrumentos de urn processo de empire-building (op.tit.: 26 n.6)". Nao ha duvida de gue ha diferen~as significativas ­nao tivemos antrop610gos em nenhum Projeto Camelot, salvo

engano -, mas e preciso sublinhar com 0 trac;o mais grosso pas­

sivel gue, do ponto de vista dos povos indigenas, nosso nation­building e urn caso puro e simples de empire-htfilding. Esguecer issoe subscrever a ideologia dos (indios do Brasil', que os recorta

com a tesoura do Estado e os veste com 0 trajo da brasilidade:(l ..JBrazilian Indians are otfrothers, they are part of our country,

they constitute an important ingredient in the process of buildingour nation[ ...J" (op. cit.: 9). Enrendo 0 gue isso 'possa guerer

71. E faltaria en'luadrn 0 caso cia antropologia francesa, urn pouco mais com­plicado 'luando se introdu7. sua vertente americanista. Com efeito, se osantrop6logos marxistas franceses operavam no ambito do imperio colonialfrances (pois eram ou sao africanistas na maioria), estando assim associa­dos - criticamente, e claro ... - a versao gaulesa do empire·bnilding, osamericanistas da<.:juele pais, e penso sobretudo em Levi-Strauss, parecemter estado mais envolvidos com 0 que poderiamos chamar de processo de'Jpecif!S-bflt"/di,~e(, herdeiros Gue cram do seculo XVIII mais que do XIX(Taylor 1984), e voltados como estavam para 0 estabelecimento de univer­sais sociologicos au cognitivos da especie humana.

marcar no confronta com uma audiencia norte-americana; mas

se nao reconhecermos) d. entre n6s, que formula~6es como "os

indios sao parte de nossa pais" ou "as indios sao nossos outros"

depend em de urn gesto imperial e colonial (nao existe isso decaloniaIismo interno; interno do ponto de vista de quem?), conti­

nuaremos na decada de 20 ou 30. E, se cs indios sao realmente'nossos outros', s6 pode ser porque somos as outros (entre ou­

tros) deles, pois nao?

A LINGUA PRESA

o artigo de Alcida Ramos traz tambern observa~6es pene­trantes sobre certas deficiencias do estilo etnol6gico nacional. 0

principal problema apontado e 0 ritmo descontinuo das pesgui­sas de campo: 'Rarely has a Brazilian ethnographer spent a wholecontinuous year in the field' (up. cit.: 11). A pratica usual Sao

visitas curtas, distribuidas ao lange de urn largo periodo de tem­po. Isso tern como consequencia 0 fata de que ainda sao raros osetn610gos brasileiros que mostrarn uma proficiencia razoavel nalingua do grupo que estudam; a maioria utiliza interpretes ou

concentra a interlocuc;ao nos individuos au setores do grupo que

falam portugues. Alcida Ramos sugere urn correlato muito im­

portante dessa situac;ao:

Giving priority to the theme of interethnic relations, important asit is, rna)' very well work as an alibi to dispense with the need to learn theIndian language, as it presumes a long standing experience of the Indians

with nationals and a faid)' good command of Portuguese on their part

(op. cit.:ll).

Logo em seguida, porem, a aurora acha qualidades nessas

insuficiencias (visitas curtas, baixa competencia lingiiistica). Ar­

gumenta gue nosso estilo "p~oduz resultados muito diferentes

=

184 EOU,\RDO V1VlilROS DE CASTRO I~TN()LOGIA BRASILEIR,\ 185

do tipo tradicional de emografia a Malinowski", que ele desmen­

te assim a "mistica do trabalho de campo prolongado" e que ele

compensa suas carencias por urn "envolvimento cumulativo e de

longo prazo com 0 povo estudado, urn foco teorico concentra­do" etc. Em vez de ritar fotografias nitidas, diz A. Ramos, faria­

mos cinema, etnografia em movimento. Nada disso me convence

nem urn pouea. Se 0 estilo tradicional nativo e tao born assim,

por que, desde a cria<;ao da pos-gradua<;ao no pais, esperamos

que os estudantes de doutorado passero pela menDs urn aoo

fazendo trabalho de campo, como a autora observa (lac. cit.)? Por

que, alias, 0 trabalho de campo inicial ?rolongado e 0 aprendiza­do cia lfngua seriam impedimenta a urn envolvimento cumulativo

e de longo prazo?72 E fidl vet que as notaveis progressos quali­

tativos alcan<;ados pela etnologia brasileira nas duas ultimas de­

cadas se fizeram em propon;ao direta ao aumento do tempo

media de permanencia continua no campo e a urn melhor mane­

jo das linguas nativas7.,.

Tais argumcntos de ripo 'em compensar;:ao' - como aquele

outro avan<;ado por Alcida Ramos sobre 0 que ganham moral e

poliricamenre os ern6logos brasi1eiros, ao se envolverem com a

lura indigena (perdcndo, diz cJa com alguma ironia, urn tempo

que poderia ser gasto "in theoretical thinking and in sharpening

methodological tools"; op. cit.: 4) - soam como uma tentativa

pouco habil de eximir a etnologia brasileira de suas responsabili­

dades teoricas. 0 compromisso politico com os povos indigenas

nao pode servir de desculpa para despreparo tecnico, mediocri-

72. A carreira da propria aurora e a melhor prova de gue uma coisa naoimpede a outm.

73. Antes gue alguem pense nisso, deixem-me esc1arecer que nao estou meinduindo entre as excet;6es honrosas. Minha pesguisa entre os Arawetepadeceu das mesmas deficicncias apomadas por Alcida Ramos: meu traba­lho de campo inicial foi curto (10 meses), e meu contrale da Ifngua arawetee relativamentc restrit0.

dade dcscritiva e indigencia reflexiva, como e610 freqiientemente

o caSo nos grotoes academicos do pais. 0 melhor desmentido a

esses argumentos e 0 trabalho de emologos como a propria Alcida

Ramos on Bruce Albert, que produziram brilhantes interpreta­

c;:6es da organi~ac;:ao social e ritual dos Yanomami, analises ino­vadoras do 'contate', reflex6es sobre a trabalho etnografico, ex­

tenses materiais linguisticos e etnograficos de apoio a ac;:6es de

saude e assistencia, detalhadas justificativas de demarcac;:ao terri­torial, denuncias e articulac;:oes politicas contra invasoes genocidas

do territ6rio yanomami, polemlcas cientHicas contra idiotices

pseudodarwinistas de outros antropologos etc.

A questiio da lingua me parece fundamental. Penso queAlcida Ramos esta coberta de razao em dizer que a foco nosprocessas de cantata inted:tnico tern servido como alibi para 0

nao-aprendizado cia lingua, e tern limitado grandemente as possi­

bilidades de pesquisa. Acho tambem dificil encontrar vantagens

compensatorias nessa ausencia, Eclaro que ela nao e incapacitante:

como atestam algumas pesquisas conduzidas predominantemen­

te na lingua de contato, dependendo da, condi<;oes sociolinguis­

ticas, da sensibilidade do etnografo e do tempo de permanenciano campo, e possivei obterem-se resultados que pouco devem

aos obtidos pelo procedimento c1assico. A questao nao se presta

a narmatizac;:6es genericas. Urna vez que raramente se passa no

campo 0 tempo necessaria para se adquirir urn dominio fluente

cia lingl.".a nativae so entaa camec;:ar a fazer a pesquisa - a que de

ql1alquer modo e impa~sfvel, pais toda pesquisa comec;:a no diaem que se poem os pes na aldeia, ou antes -, as coisas se resu­

mem aalternativa pratica: au a pesquisa e 0 resultado do que se

pode aprender, enqllanto se aprendia a lingua; ou ela e 0 resultado

do que se pode aprender, sem se aprender a lingua. Cada termo

da alternativa tern seus pros e cantraS,

Mas pode haver nisso m~is que um ?roblema de estrategia

de trabalho. A decisao merodologica de se trabalhar com infor-

===,cc=.==

186 EDC.\RDO VIVEIROS DE CASTRO ETr-.;OJ.OGI,\ flR,\SI1.EIRA 187

mantes bilingiies e traciutates pareee-me sec ao mesmo tempo

causa e conseqiiencia daguda decisao tcarica assumida por tan­

tos etn61ogos contatualistas: a decisao de se minimizar au

secunda.rizar 0 'arbitrario cultural' nativo,. em favor dos 'proces­

sos homogeneizadores' volrados para a subordina~iio das ordens

socioculturais indigenas. Urn dos instrumentos cruciais de tal

subordina~ao e a lingua do polo etnico dominante. Por iS50, a

op<;ao de se trabalhar no vernaculo do colonizador nao direciona

apenas a pesquisa para os aspectos exprimfveis nesse c6digo,

sobrevalorizando-os e cxcluindo muitas vezes perspectivas cruci­

ais, como a da parcela feminina da popula~iio ou a de fac~aes

menos ligadas as agendas de cantata: ela etlma escolha po/ifica tantoquanta metodolrJgicaJ implicando 0 acesso diferencial alingua domi­

nante pelos interlocutores do 'dialogo' etnografico74• A alternati­

va acima enunciada nao eportanto neutra, e nao pode ser avalia­

da simples mente em termos do maior ou menor conhecimento

obtido: ebern possivel que uma pesquisa que se fez enquanto seaprendia a lingua nativa tenha sido, sob alguns aspectos, menos

rica (se 0 aprendizado foi incipienre) que aquela que se fez semse aprender a lingua nativa - mas, se assim 0 foi, foi justamente

porque 0 etnografo decidiu recusar, nesse plano crucial que e 0

controle do codigo de comunica\=ao, uma assimetria a seu favor.

Esse modo de formular 0 dilema esri supondo que a profi­

ciencia na lingua nativa, ainda que raramente atingida pelos

74. Tal acesso diferencial e 0 caso mais comum; a assimetria de competencianao se veri fica, naturalmente, quando os indios se sentem taO ou mais avontade falando 0 portugues que a lingua nativa, ou dominando 0 primeiromelhor que 0 antrop610go. No caso da pesquisa de Gow (1991) entre osPiro, que e urn exemplo de boa etnografia conduzida em uma lingua nao­nativa, 0 autor, angl6fono, teve que aprender 0 espanhol amazonico, mui­tissimo menos familiar a ele que aos Piro. Essa euma situalfao bern' diversadaquela em que 0 etn6grafo trabalha em sua propria lingua, tendo apenasque se adaptar ao [alar regional (a cujas especificidades, entretanto, de as

ve7.es permanece surdo).

emalogos brasileiros, seja um ldeal consensual, talvez apenas

rnenos valorizado e perseguido por alguns. Mas hi a possibilida­

de de que aquela censura episremolagica acima aludida esreja

operando tambem aqui, e que tal ideal seja discreramenredesencorajado em certos circulc s, POt exotista, e:sseneialista ediversiomirio em rela\=3.o ao unico prop6sito legitimo da ernologia,

a saber: a 'desnaturaliza\=ao' integral da condi\=ao indfgena, sua

redu\=ao a uma categoria polftica mediante urn combate sem guarrel

a todo 'culturalismo'. As lfnguas indfgenas, nesse caso, sao urn

obstacub 6bvio, pois, ainda que a lingua niio seja a esseneia da

culrura (Ingold, org., 1991), ha de se convir que ela e uma dasmais convincentes aparencias d,t cultura. Mas nao acredito quenenhum etn610ga chegue realmente a condenar a opc;:ao de se

realizar a pesquisa na lingua nativa, ou so admita 0 estudo depovos indfgenas gue falem exc1usivamente 0 porrugues. Contratal absurdo ediffcil achar 0 que 0izer73

. Seja como for, ele casada

bern com uma cetta sofisticaria p6s-moderna, a cujos olhos osgrupos indigenas que nao utilizam urn vernaculo proprio (ou nao

tern uma aparencia ffsica distintiva etc,) apareceriam como mals

autenticos - justamente porgue menos 'autenticos' aos olhos'naturaliz2.ntes' do 'sensa comum' - que aqueles grupos que 0

fazem. 0 C;Le niio passa de um modo mais complicado de se cair

no conto da autenticidade.Volrando a questaes niio-hiporeticas. A ernografia de gru­

pos monolingiies (no vernaculo indigena ou no portugues), evi­

dentemente, nao oferece escolha, e, no caso das popula\=oes que

fazem uso exclusivo do portugues, tampouco problemas - apa-

75. 56 posso aqui lembrar 0 que disse J. Gledhill sobre a suposta 'mistica' daautoridade etnografica, denunciada por Clifford e congeneres: " 'Beingthere' does not, of course, grant absolute authority to the observer, but itsure as hell improves on not being there at all" (1996: 48). Diga-se 0

mesmo no presente caso: falar a H~gua nativa nao da superpoderes cientifl­cos ao etn6grafo, but it sure OJ hell ...

188 EDUARDO VIVEIROS DE C\STRO ETt'>:OI.OGIA I~RASII.E1RA 189

rentemente. Na verdade, a condw;ao cia pesquisa em portugues,junto :l urn povo indigcna que s6 fala essa lingua, nao deveria

dispensar a pesquisadar de uma reflexaa saciolingiiistica, pois,aDs lermos as monografias produzidas em tais condic;:6es, poueo

ficamas sabenda sobre que especie de portugues falam os indios,que devires minoritarips atravessam essas apropriac;:6es cia lingua

dominante, e como se houve 0 etn6grafo para aprender essas

oJdras linguas. Ou, por Dutra: vemos, sim, 0 emprego freqiientede uma conven~aa que consiste em grafar as falas (em portu­gues) indigenas de urn modo estranhamente pseudofonetico, quevai muito alem do simples respeito as contrac;:oes-padrao do 005­

so registro oral. A intenc;:ao dessa grafia bizarra, suponho, eres­saltar a oralidade do contexto de interlocuc;:ao, e as peculiaridades

prosodicas dos falares nativos. Ja vi issa feito tambem em algunsrrabalhos sabre 'papula~6es campanesas', afro-brasileiras etc. 0resultado equase sempre desastroso, recordando a literatura 'cai­

pira' e outras tentativas do genero, e criando urn contraste pro­

fundamente exotizante com a prosa ortograficamente normalizada

que envolve essas cita<;oes. E sintomatico que esse tipo de 'trans­

cri<;ao' 56 pare<;a marcar, nas monografias antropol6gicas, a fala

de minol~ias ctnicas, raciais c soeiais - a dcspcito do fato de que a

imensa maioria das formas assim grafadas deveriam se-Io do

mesmo exato modo fasse 0 antrop610go au qualquer outro mem­

bra da elite Ietrada a pronuncia-Ias76. Uma coisa, e coisa essen­

cial, e preservar a ossatura sintatica do discurso do informante,

os idiomatismos do grupo ou regiao, e eventualmente (com

discernimento) as tor<;oes distintivas do porrugues falado pelos

indios; outra e esse arremedo de grafia 'cor local'. Pois, se J.

inten<;ao e de rigor ct:1ografico, entao seria preciso usar uma

verdadeira transeri<;ao fonetiea; e, se e mesmo de rigor, entao seria

76. Na minha cidade, guando se fala depressa, se £ala, por exemplo: "eli numgue sabc di coisa ninhuma". Mas nunca vi etnografias da classe mediacarioca lJsando tal conven<;ao de transcri<;io.

preciso tambem adatar as tecnicac; da etnometodologia e da ana­lise conversacional.

o MAL-ESTAR DA (ULTURA

as 6ltimos quinze anos viram a cansolidac;ao cia antropolo­

gia indigena no pais, com dois centros desempenhando urn papelde destaque: a Museu NacionaI, ande se estabilizou a linha de

pesquisas err. etnologia amazonica, marcada na decada de 90 pelaelabora~ao de uma serie de etnografias de boa (em alguns casas,excepcional) qualidade e por uma c:oncertada atividade te6rica77;

e 0 eixo USP-Unicamp, ande ressurgiu a pesquisa etnograficasistematica e onde se iniciou uma linha de pesquisa em antropo­

logia hist6riea que vern se mostrando muito feeunda, entre ou­

tras eoisas par sua eapacidade de ineorporar a tradic;ao dita 'c1<is­

sica', e assim de despolarizar tematicamente 0 campo78. No Mu­

seu Nacional, ao contrario, oeorrcu urn aumento cia polarizac;ao.

Em paralelo ao grupa de pesquisadares em etnalogia amazonica,estabeleceu-se uma linha de investiga<;ao sabre temas como ter-

77. Ver as monografias de: T. Lima, 1986, 19~15; Pausto, 1991, 1997; Gonljal­ves, 1993, 1995; Silva, 1993; Teixeira-Pinto, 1998; Vilalja, 1992, 1996a. Vertambem os estudos reunidos em Viveiros de Castro, org., 1995. Para algunstrabalhos de corte te6rico ou comparativo, ver, p. ex., Viveiros de Castro,1993a, 199Gb, 1998a, b; Viveiros de Castro & Pausto, 1993; T. Lima, 1996;Pausto, 1999.

78. Ver, por exemplo: Gallois, 1988; Mene7.es Bastos, 1990; Miiller, 1990; VanVelthem, 1995; Vidal, org., 1992. A estes se devem acrescentar tres estudosde grande gualidade, elaborados no comeljo dos anos 80, Clue marcam arctor.1ati,. do impeto d:l etnologia uspi:lna: Azanha, 1984; Ladeira, t 982;Lope~, da Silva, [1980], 1986. Na linha da hist6ria indfgena e do indigenismo,ver: Calavia, t 995; Carneiro da Cunha, 1986, 1987, org., 1992; Farage,1991; Wright, 1992; Monteiro, 1994; Perrone-Moises, 1997. Urn grandeprojeto etnografico e hist6rico, coordenado por D. Gallois e L. Vidal, esdern andamento na rcgiiio da Guiana.

190 I~DLJ'\RDO VIVEIROS DE CASTROI~T"'OL()GIA BRASjl.EIRA 191

ras indfgenas, etnicidade, processos de governamentaliza<;ao e

hist6ria do indigenismo que logo assumiu urn peso consideravel

nos contextos local e nacional. A produ,ao dessa veneme, lidera­

da por J. Pacheco de Oliveira, e copiosa; suas contribui,oes aoconhecimento cia situa<;ao territorial dos povos indigenas, em

particular, sao cia mai~ alta re1evancia. Mais recentemente, a aten­

,ao da equipe se voltou para a paisagem indigena do Nordeste,code vern ocorrencia urn fascinante processo de 'etnogenese':vadas comunidades ate entao percebidas como 'camponesas' es­

tao a reassumir identidades etnicas e culturais diferenciadas.

A primeira vista, a ptesen,a de duas Iinhas rao diversas depesquisa sobre grupos indigenas seria urn salutar sinal de pluralismo,ou mesma sugeriria uma certa comp1ementaridade de abordagens79 ,

Mas nao e bern isso que se passa. A vertente de estudos sabre

tetras e processos de cantata desenvolveu uma filosofia de traba­

lho algo fechada, tendendo a julgar a maioria do que e feito forade seu ambito como estando marcado por serias deficiencias te6ri­

cas e, pior, etico-politicas. A produc;:ao academica desses pesquisa­

dares mostra, assim, poucos indicios de comercio inte1ectual com

a numerosa florac;:ao de estudos etnol6gicos iniciada nos anos 70,

inclusive com as investigac;:oes sobre contate ou etnicidade realiza­

das a partir de outras abordagens. Foram essas caracteristicas que

me levaram a chamar tal escola de 'variante fundamentalista' cia

teoria do contato. Ainda que eu esteja pronto a reconhecer a rele­

vancia de seus aportes empiricos, vejo 0, projeto teorico dessa

vertente apenas como uma ressurgencia, em forma exacerbada,

claquela antropologia 'ripiea' estabelecida nos anos 50-60 e deslocadapela etnologia suI-americana das decadas seguintes. Isso nao signi­

fica que eu subestime sua imporrancia politica, devida a uma in-

79. Recorae-se que R. Cardoso de Oliveira falava, por exemplo, em umacomplementaridade de abordagens entrt: as anidises estruturalistas dossistemas de parentesco e as analises historico-sociologicas das situatyoesde contato.

tensa atuas:ao na interface da pesquisa universiraria com outtas

esferas institucionais e a uma ampla disseminac;:ao por centros aca­

demicos fora do eixo Rio/Sao Paulo80•

Como exemplo do trabalho do grupo, examinarei urn artigo

de J. P. de Oliveira po (1998), no qual 0 autor apresenta os resul­tados das pesquisas de sua equipe junto aos indios do Nordeste

e, ao mesmo tempo, trava 0 que chama de urn "debate" com os

"americanistas europeus", designas:ao que inc1ui (au visa princi­

palmente, como qualquer leitor avisado percebera) os americanistas

neio-europeus, isto e: as etnologos brasileiros que nao rezam pela

carrilha de sua escola. Nao vou me deter aqui sobre os abundan­

tes equivocos do artigo no que se refere a antropologia de Levi­Strauss, ou sobre a leitura tender:.ciosa que faz de alguns autores

(ver IIIpraJ n. 44)., Meu interesse reside nas teses tearicas de Oli­veira a respeito do processo nordestino de etnogencse, pois elas

dao continuidade as suas reflexoes mais antigas sabre 0 objeto

da etnologia, que vieram tendo urn papel importante na presente

discussao.

o artigo comec;:a par observar que os povos indigenas do

Nordeste praticamente nao foram estudados pelos etn6logos, para

quem eles nao passariam de remanescentes deculturados em fase

terminal de acamponesamento. 0 carater 'misturado' das cultu­

ras indigenas da regiao lhes daria uma "baixa atratividade" para a

etnologia, pois, carecendo de "distintividade cultural", elas nao

ofereceriam 0 necessaria distanciamento em relac;:ao ao observa­

dor. Com efeito, diz 0 autor, 0 olhar tcorico dominante s6 conse-

80. A vertent.: ::ontatualista tern uma certa pl'esenc;a em Brasilia, mas e!a e alitcmperada PO! Jiversas outras orientatyoes c temperamentos teoricos. raleido pape! de destaque do Museu Nacional e do eixo USP-Unicamp naetnologia dos ultimos quinze anos. A UnE, naturalmente, continuou sendourn dos centros mais prolfficos de jxodutyao etnologica, mantendo umaprodutyao constante~ Mas e!a nao chegol!, neste periodo mais' recente, aconstituir grupos de pesquisa fort~mente integrados, como foi 0 caso daUSP-Unicamp e do Museu Nacional.

192 EnU,\RDO VIVEIROS DE CASTRO f I~TNOI.OGII\ BRA$ILEIRA 193

guiria enxergar "entidades descontinuas e discretas" (p. 49),e

assim reria se mostrado insensive1 ao muncio cia mistura nordesti­

na, code tal concepc;ao exotizante e descontinuisra do objeto

etnologico nao encontrava apoio. Oliveira e severo com varias

antropologos, por conta disso: de Levi-Strauss a Darcy Ribeiro,

passando por Galva9, Lowie, Metraux, estendendo mesma sua

censura a "maioria dos etn61ogos que estuda as populac;5es au­

toctones sul-americanas" (p. 49).

E indiscurlvel que as sociedades indigenas do Nordeste fo­

ram poueo estudadas. Oliveira meSillO, por exemplo, fez sua pes­

quisa de campo (a partir de 1975) entre os Ticuna da Alta Ama­

zonia, nao no Nordeste, embora outros alunos de Roberto Car­doso ja tivessem pesquisado na regiao81

• a interesse cia escolacontatualista pelo Nordeste 56 tornau impeto, no Museu Nacio­

nal, na dccada de 90. Por isso, a critica que Oliveira faz a toda a

etnologia precedente parece-me algo descabida. Alina], vime anosarras, era ele proprio quem falava em "descaracterizat;ao cultu­

ral" e em "desarticulac;:ao cia organizac;:ao social" dos grupos in­

digenas do Nordeste, aludindo mesmo a um "processo de

proletarizac;ao" que as impedia de "preservar sua condic;ao cam­

ponesa" (Oliveira FO, 1978)82. Hoje sua visao mudou, porque

mudou a realidade: "0 fato social que nos tl/limos vinle ana! vern se

81. No pref:.i.cio de 1970 a segunda edic;:ao de 0 indio e 0 mundo dos broncosCardoso menciona que a disscrtac;:ao de P. M~ Amorim sabre as Potigua~(Museu Nacional, 1971) deveria seI "0 ponto de partida pam. urn estudocomparativo dos remanesccntes indfgenas do Nordeste, situados no limiardas sociedades aborigene e nacional, como urn tipo particular de camponesdo territ6rio br<lsileiro". 0 atua} interesse cia equipe de Oliveira sabre 0

Nordeste remonta, assim, a urn antigo projeto de Roberto Cardoso (quenao e referido no artigo de Oliveira),

82. Neste trabalho de 197R, () autor contmstava tambcm os indios nordcstinos,camponescs pre-proletarizados, com os indios alto-xinguanos - isto e, os'indios misturados' com os 'indios pures' -, e localizava os Ticuna r•.,catcgoria intermecli:lria de "campcsinato comunal".

impondo como caracteristico do lado indigena do Nordeste e 0

chamado processo de ernogenese, abrangendo tanto a emergenciade novas idenridades como a reinvenftio de etnias ja reconhecidas"

(id., 1998: 53; grifos meus). E certamente in)usro acusar de cego

quem nao via 0 que endo era invisivel, a que inclui 0 acusador,Alem dissa e sobretuda, e patente que Oliveira e sua equipe so

foram se interessar pelos indios do Nordeste a partir do momen­

ta em que esses passaram exatamente a aspirar a urn estatuto

'de~contfnuo' e 'discrete" isto e, a reivindicar identidades e terri­

torios diferenciados, e a e1aborar sua propria distintivldade cultu­

ral frente a 'condic;ao camponesa'.Tal canstatac;aa nos leva ao a:::.sunto que interessa, Que a

distintividade in fiim' dos povos indigenas do Nordeste seja a

resultado de um projeto politico dos povos envolvidos, isto e,

que ela seja u:na 'distintivizac;ao' ativa e nao urn dado cultural

passivo ou 'naturalizado', isso niio mudll nada: nem 0 fato de que a

auto-objetiva~ao dos indios do Nordeste como coletivos diferen­

eiados precedeu e guiou sua recente objetivac;ao etnologica pelo

contatualismo, nem 0 fa to de que eles se tornaram objetivamentedifereneiados, Duvidar desse ultimo fato e supor, por contraste,

que os coletivos indigenas 'naturalmente' distintos (os grupos

mais 'isolados' da Amazonia, por excmplo) sao mesmo natura!~

mente distintos, e nao culturalmente, isto e, politicamente distin­

tos, e que sua distintividade nao e 0 resultado de urn processo

ativo e continuo de diferenciac;ao poHtica: difereneiac;ao frente aaurros coletivas humanos, aos espiritos, aos animais83

• Mas esse

83. Esse processo - urn 'devir-indio', diriam Deleuze e Guattari -, entretanto,nao e nem puramente 'diferenciante', nem simplesmente 'cultural', Eleenvolve t<lnto uma diferenciayao !la/waf frente <l outros coletivos humanos,aos cspfritos, <lOS animais, (juanto llma illcorpomrtio cultural desses outroscoletivos, dos espfritos, dos animais ... Nao sao so os indios do Nordesteque tOtr.aram (e continuam tomaq.do) sua distintividade cultural 'interna'do 'exterior' t~ a naturalizar<lm - nao no sentiao pejorativn com que 0

~-~-~-~--

194 l~nL'i\RD() VIVEIROS DE C,\STROJ~TI\;OI,()GL\ BRASII.ElR,\ 195

processo eexatamentc 0 me.rmo que aque/e j?or q"c passam agora as indios

do Nordeste. B/es eslcla l'irando indios de novo, enqllanto as outros indiossimplesl/lcnte nao pC/raram de viral' indios esse tempo todo. Essa i a ,;nica

diferenra: pois todos es/ao llirando indios exatamente do mesmo jeila. Se

assim nao fosse, 0 processo de reculturas:ao dos indios do Nor­deste seria uma ilusao - no que estou muito lange de erer. Ao

contdrio, as vezes penso que as te6ricos cia etnogenese polftica

sao as primeiros (e talvez os unicos, entre os etn61ogos) a nao

acreditar que os indios do Nordeste sejam rea/mente indios. Com

sua obsessao pda cliche 'critica' cia dcsnaturaliza<;ao, esses tead­

cos parecem ecnceber a cultura em reinven<;ao pelos indios do

Nordeste como uma espede de placebo sociologico - uma 'ilu­

sao bern fundada', uma 'inven<;ao da rradi<;ao' ou outro oximoro

conceitual do genera. Mas como toda cultura e inventada, pais

toda cultura e inven,ao (Wagner, 1981), a 'inven,ao da tradi,ao'

eapenas 0 modo pelo qual 0 olhar curto do soci61ogo objetivistaapreende a tradtfdo da iJwenfdo. E uma 'ilusao bem-fundada' nao e

uma ilusao, au so ilude as que se creem depositarios dos bans

fundamentos cientificos da realidade. (A prop6sito, a questiio dt

saber se as etnias emergentes do Nordeste estao virando indios

de novo au 'pela primeira vez' - porque algumas dessas comunida­

des nao teriam 'continuidade historica demonstravel' com algum

povo pre-colombiano - nao faz 0 menor sentido. A descontinui­

dade historica vale exatamente 0 mesmo que a continuidade his­

t6rica; 0 devir-indio envolve uma rela<;ao dos povos indigenas

com seu passado, mas se trata de uma relapio presente com 0 passado,

nao de uma relafiio passada com 0 presente.)Sigamos. Oliveira mostra como os indios do Nordeste se

constituem au constituiam em uma eategoria problematiea do

ponto de vista administrativo - 'indios mistllrados' semelhantes

termo e utilizado pela critica ocidental do fetichismo, mas no sentido detransformar ativa e deliberadamente a cultura em natureza.

em sua ling:'", 2parencia e modo de vida as popula,oes campo­

ocsas: maus fr...:sucscs, pertante, Dara 0 6rgao indigenista (e para

os etnologos 'puristas') -, e como sua ressurgenda etnica colo­

eou problemas diferentes, de natureza mais fundiario-assistencial

que geopolitico-ambiental, daqueles enfrentados hoje pelos indi­os da Amazonia". 0 grande problema, de c"ja solu,ao os outros

dependem, e 0 de reverter a esttgma da 'mistura', de modo a

assegurar urn eStatuto de indianidade juridica plena. Isso explica

a procc::sso dito de etnogenese. 0 referendal teorico de Oliveira

para pensar esse proeesso e "a bibliografia inglesa e norte-ameri­

cana sobre etnicidade e antropologia politiea, e - e importante

acreseentar - [os] estudos brasileiros sobre contato interetnico"

(p. 53). 0 aporte espedfieo do autor a esse repertorio eo eoneei­

to de Utern'torializa,eCio H•

A inspira<;ao mais remota desse conceito e a classica oposi­

<;ao evolueionista entre 'parenteseo' e 'territorio', societas e civitas,

estabelecida POt Morgan (p. 54). So bern compteendi Oliveira,

84. Daqueles enfrentados hqje, sublinhe-se. Os indios da Amazonia so come­c;aram a ser tornados em termos 'ccoI6gicos' c 'geopoliticos' nos ultimosvinte 'tr"os, mais ou menos. Ate entao, seus problemas eram vistos comode natt:re,:a igualmente 'fundiaria' e 'assi~tencial' (0 que eles continuamsendo, em particular no que concerne aquestao da saude). A transferen­cia do interesse de Oliveira para 0 Nordeste tern, por isso, aspectos decontinuidade. A situac;ao atual dos indios do Nordeste mostra certasanalogias com a situac;ao amazonica na epoca da atuac;ao mais intensadesse etn610go ali: opal' Punai/terra indigena continua no centro de suaspreocupac;oes. Em boa parte da Amazonia atual, com as te'-ras incligenasrelativamente garantidas e a runai am piamente al'jada de sua func;ao demediador, em v'ista do estabelecimento de form as de interlocuc;ao diretados indios com os poderes locais e com ONGs nacionais e internacio­nais, as preferencias tematicas de Oliveira perdem algo de sua r.elevancia.Acrescente·~e a isso 0 fata de que os indios amazonicos preclsam cadave7 mClla:~ <.los antrop610gos como mcdiadorcs poHticos, ao passo que,no casa do Nordeste, esses sao m~Jis que be:n-vindos, pois sua presenc;an0 grJ?o indigena serve de evid~ncia publica da reivindicada indianidade

do grupC'.

196 liDuARDO VIVEIROS DE CASTROI~TKOr.OGIA BRASII.I'.IR,\ 197

seu conceito de territorializac;:ao exprime a ideia de que a incor­

pora~ao de uma socicdade indigena pelo Esrado nacional envol­ve uma passagem do 'parentesco' ao 'territoria' como principia

de constituic;ao social, OU, pelo menos, a instaura<;ao de uma"nova rclac;ao cia sociedade com 0 territoria" (Ioc. cit.). A territori­

alizac;ao por incorporacyao a urn Estado, ele mesmo territorialmente

organizado, produz uma modifica<;ao no que poderfamos chamar

de natureza tf/lima cia sociedade indfgena: urn "processo de reor­

ganiza~ao social" (p. 55) que implica, enrre outras coisas, uma

'etnificac;:ao' cia sociedade, isto e, 0 "estabelecimento de uma iden­

tidade etnica diferenciadora" e uma "reelaborac;:ao cia cultura e cia

relac;ao com 0 passado".

A ressurreic;ao cla polaridade parentesco/tetrit6rio POt Oli­

veira me parece rica em implica<;oes, digamos, simbolicas. Comefeito, 0 autor escolheu teoticamentc a polo do territorio, en­

quanto a etnologia 'classiea' do Museu Nacional tern se distingui­

do exatamente por suas contribui<;oes a uma (eoria do parentes­

co. Isso parece corresponder as preferencias mais profundas das

respectivas 'vertentes': a primeira ficau com a civitas nacional, a

segunda com a societas nativa. E interessante ainda que, em seu

modelo de territorializa<;ao, Oliveira va atribuir ao processo de

territorializafdo e ao nexo territorial 0 mesmo carater sociogeneticoque os processos de aparcntamcnto e a relac;ao de parentesco desem­

penham nas analises da vertente 'cHissi.ca'. Assim, diz 0 autor

sobre os grupos etnicos nordestinos, "a relac;ao entre a pessoa e

o grupo etnico seria mediada pelo territ6rio" (p. 65), ao passo

que a relayao entre a pessoa e os coletivos em que ela se indui

sao, no caso do outro modele, mediadas pelo parentesco. Na

verdade, a etnologia amazonica vem mostrando como muitas dasformayoes sociais daquela regiao convertem continuamente 0 'ter­

rit6rio' (a co-residencia) em parentesco, ao definirem os residen­

tes de urn mesmo grupo local como parentes (Viveiros de Castro1993a). No caso do modelo que Oliveira parece estar conceben-

II

do para os indios do Nordeste, e a parentesco que se convette

em teeritorio. E como sc nessn situac;ao 0 conceito de mistura

corporal- os indios misturados - necessitasse de uma contraparti­

da na pureza tern"torial- os territorios indigenas discintos reivindi­

cados peJos indios. Compare-se tambem essa concepc;ao da situa­

yao nordes:tina, em que a hist6ria C0 territ6rio, com a visao dos

'indios misrurados' estudados por Gow (1991), para quem a

ComunidadNativa (a coletividade indigena reconhecida juridicamente

pelo Estado peruano) e as terras que lhe cabem sao apenas supor­

tes para a prodw;:ao e 0 exerdcio do parentesco, e para quem"history is kinship"85. Parece haver, entretanto, urn discurso e uma

pratica do parentesco nas comunidades nordestinas (p. 61), masinfelizmente fieamos sabendo muite> pouco sabre isso, porque navisao de Oliveira 0 territ6rio englobn 0 parentesco a ponto de

eclipsa-lo.o eonceito de territorializac;ao, diz 0 autar, euma extensao

das ideias de Barrh sobre a identidade erniea como processopolitico: "afastando-se das posturas cult:.Iralistas, Barth definia

urn grupo etnico como urn tipo organizacional, onde uma socie­

dade se uti·'i::?va de diferenl'as cultutais ... " (p. 55). Essa parifra­

se feita por Oliveira sugere uma reifica(;ao ou mesmo personifi­

cac;.ao da sociedade, curiosa contrapartida daquele afastamento frente

as postUTaS mlturaJistas que veriam cada 'cultura' como urn 'isola­co'. A parte isso, a reoria da etnicidade de Barth e bern parecida

com a noc;.ao levi-straussiana da 'cultura' como conjunto de afas­

tamentos significativos contextualmente definidos, fortemente

criticada par Oliveira em seu artigo. No caso da etnicidade, natu­

ralmentc, quem 'significa' as afastamcntos sao os agentes, nao 0

analista, e essa significa~ao e urn "ato politico" (p. 55). Mas

85. E curioso que Oliveira, neste artigo em que elabora tao detalhadamemc anOyao de 'indios misturados', nao tenha achado necessario fazer nenhumarf"ferencia ao livro de Gow, que trata de um povo que se define exatamentenesses termos.

--_._-----------_.

198 EDL:AR[)() VIVEIROS n" CASTRO ETl\;OLOGIA BRASII,EIRA 199

como rao hem mostrou Carneiro cla Cunha (1979), a etnicidacle elima transforma~ao cspecifica da logica totemica analisada porLevi-Strauss: cIa ea variante politicamente moderna do totemismo,

perrencendo aesrrutura 'totem, casta' discutida em 0 pensamento

selvagem. (0 que distinguiria a ctnicidade do totemismo, entretan­

to, e0 set moderna, nao 0 ser politica, pois 0 totemismo eem si

mesmo, urn dispositivo politico. Ou, se quisermos usar a polari­

dade evolucionista revivida por Oliveira, 0 totemismo esti para 0

muncio do 'parcntesco' como a etnicidade para a universo do'territoria'.)

Urn comenrario geral sabre a 'polftica' e 0 'politico'. A esco­la de Oliveira utiliza liberalmente as farmas substantivas, adjetivas

e adverbiais dessas palavras em suas interpretac;5es, identifican­

do-se, alem disso, com 0 que chama de 'antropologia politica'. A

cultura, alias, parece s6 ter sido readmitida no cenario contatualista

porque ela foi 'politizada', isto e, porque ela pode ser redefinida

como a continuac;:ao da politica por outros meios, grac;:as ao usc

efetivamente politico da distintividade cultural por parte dos gru­pos nordestinos (0 que explica a 'alta atratividade' dos indios doNordeste para cssa escola). Em lugar, porranto, de por a politicana cultura, os neocontatualistas poem a cultura na politica. Movi­

mente aparentemente interessante; mas 56 aparentemente.

o recurso invariavel ao 'politico' Funciona como 0 instru­mento de realizac;:ao daquele trabalho cdtico que os contatualistas

estimam mais que tudo: a desnaturalizac;:ao das categorias antro­

pol6gicas e dos fenomenos sociais. Trabalho merit6rio - se ele

eome~asse por se aplicar aproptia no~ao de 'politica'. Com efei­to, e dificil dcsnaturali/.:ar 0 que quer que seja a partir de uma

concepc;:ao violentamente naturalizada do 'politico', que a ve como

uma especie de eter do mundo social,substancia mistica a medi­

ar universalmente as a<;:6es humanas. Nada mais caractedstico de

certos impasses da antropologia contemporanea que esse proces­

so conceitual de essencializafoo da polifica, expressao, por vezes, de

urn naturalismo sumado (na verdade, uma teOrIa da natureza

humana) que suhscreve principios grandiosos e vagos como 0

"carater central do conflito para C) entendimento dos fatos so­

ciais" (Oliveira F', 1988: II)". as partidarios desse politicismogeneralizado pretendem estar desnaturalizando a sociedade, mas

apenas para melhor renaturaliza-la no elemento universal do po­

litico (talve~ na ilusao de que ele seja naturalmente

desnaturalizado), que passa entao :1 funcionar como segunda natu­reza, isto e, como 0 equivalente naturalizado da 'cultura', nos

termos do tradicional dualismo 'natureza/cultura'. Essa antropo­

logia politica, com sua retorica pre-fabricada do 'conflito', das

'estrategias' e dos 'recursos' e bern diferefite de uma verdadeira

antropologia da politica (Goldman & Palmeira, 1996), que socome~a quando se pergunta 0 que pode ser uma dimensao do 'poli­tico' em sociedades diferentes cia nossa. Pois nao epossivel por a

cultura na politica sem por 0 politico na cultura87

• E, enquanto

alguns ainda se afanam em desnaturalizar a sociedade (trabalho

86. Este princfpio tem um valor heurfstico tao pequeno quanto 0 de se.... hipo­

tetir:.~) contnirio conscnsualista e 'equiJjbrista'.87. ralci no dualismo natureza/cultum (jut: wntinua a orien:ar 0 desiderato da

'desnaturaliza<;ao'. Mas ha, eclaro, os que unificam, como bons 'm~t~rialis­tas' a dicotomia entre 0 mundo fisico da energia e 0 mundo POhtlCO dojnt~resse nos termos de uma termodinamica universal da escdsseZJ esse te~a­chave da cosmologia ocidcntal com profundas ralzes religiosas (Sa?hn.s,1996). Mesmo entre as dualistas, cncontram-se sinais dessa .dependencmfrente a metafisica naturalista da escasse7.. Nao adianta mUlto dourar. a

piluia ;;legando que as recursos escassos, objet? e ca~sa ~aqu_ele con?1t,ode interesses postulado como principio e .fim da Vida soc.lal, naa, sao ~e~mv~~sunjv~~:':l.lmente, mas sim "recursos sOClalmente valorJ7.ados (Ollvelra r.,

1988: 11). Tudo que se consegue com isso e \ro~~7.i~ urn n:ons:r? c,oncel­tual que poderfamos bati7.ar com 0 nome de utlhtarJsmo ~lm~ohco ',Mas,como os fundamentos propriamente simb6licos da valo!l7.a<;ao social ~e

tais 'recursos' niio podem ser examinados - sob pena, seja ~: tau.tologla,

seja (horre.rco riferm.~ de culturalismo cxplieito -, sua, ~omposl~ao vlra umaespecie de caixa-preta (0 'arbitd.;i() cultural'), permltlndo aSSlrn 0 retorno

clandestino de um utilitarismo sem adJctivos.

200 EDC,\RDO V[V[~IROS D)~ C,\STRO I~T~()LOGJA BR,\SILEJR;\ 201

de Sfsifo, pais naturalizar-se eprecisamente a func;:ao cia socieda­

de), os etnologos 'c1assicos' e outros antropologos ja passaram

ao programa mais interessante que e0 de desnaturalizar a natureza,

desmontando as essencias,· fisicas au politicas, com que se tco­

tam reduzir as rnundos indigenas as categorias cia razao ociden­

tal. A nattlralizariio da politim praricada pdo neocontatualismo, a

anttopologia contrapoe, parranto, uma politizarao da natureza, queproblematiza a distinc;:ao - polftica, naturalmente - entre huma­

nos e nao-humanos, cultura e natureza, sociedade e ambiente

(Latour, 1991, 1998; T. Lima, 1996; Viveiros de Castro, 1996b).Fim do comendrio.

o aportc cspceifico do ccocdta de territorializac;ao em rela­

<;:ao as propostas de Barth i diz Oliveira, seria a ideia de que a

etnifica\'ao dos grupos terrirorializados, e a propria nO\,ao de

grupo etnico, depende do processo de rerrirorializa\,ao: e 0 Esra­

do-na<;ao que etnifica, ao territorializar. A hip6tese seria muito

interessante, se levassemos a coisa por caminhos outros em que aleva Oliveira. Em suas maos, a territorializac;:ao etnificante se

transforrna em verdade, na acepc;ao hegeliana da palavra, dos po­

vos indfgenas, como ja acontecia com os antepassados desse con­

ceito: a situac;ao colonial, a indianidade. ''A noc;ao de territoriali­zac;:ao tern a mesma func;ao heuristica que a de situac;:ao colonial

[... ] da gual descende e e caudataria em termos teoricos" (p. 56).

Ela e sobretudo caudataria do conccito de indianidade, proposta

pelo proprio autor em seu estudo sobre os Ticuna (id., 1988)".De fato, ela e sua radicalizac;ao: no caso ticuna, ainda havia urn

'arhitnl.rio cultlJral' anterior (hist6rica c logicamente) ao processo

de indianizac;ao, e ainda se falava em 'instituic;5es nativas' que

seriam infiltradas e tomadas pelas 'instituic;5es coloniais'. No casonordestino, tal como visto por Oliveira, tt/do i posterior ao proces-

88. Estc conceito, por sua vez, e descendent!.: direto do conceito darciano de"indio generica".

so de territarializa\,ao. Os indios atuais do Nordeste sao criados

pelo Estado ex nihila, vista que 0 foram a partir de urn substrata

sociocultural aniquilado pela sociedade invasora: as instituic;6es

nativas saO instituidas pelas instituic;oes coloniais, isto e, clas sao

instituifoes coloniais. A civitas produziu a societas. 0 processo de

territorializac;ao e

o rnovimento pdo qual urn objeto politico-administrativo vern a setransformar em uma coletividadc organizacla, formulando uma identidadepr6pria, instituindo mecanismos de tomada de decisao e de representa<;ao,e recstruturando suas formas culturais (inclusive as que 0 relacionam como meio ambiente e com 0 universo religioso). E ai volto a reencontrarBarth, mas sem restringir-me a dimensao identidria, venda a distin<;ao e aindividualiza<;ao C0mo vctores de organi:,.;a.<;i'io social (id., 1998: 56).

o discurso e profundamente ambfguo. Urn objeto palftico­administrativo vern a se transformar em uma coletividade organizada.

Isto e, a criatura parece dotada de certa autonomia frente ao

criador. Mas, ao mesmo tempo, afirma-se que 0 processo de

territorializac;ao

trouxc consigo a imposi<;ao aos indios de institui<;oes e cren<;as

caraterfsticas de urn modo de vida proprio aos indios que habitam as rescr­vas indigenas e sao objeto, com maior grau de compulsao, de exerdciopatcrnalista da tlIrcia (fato indepcndentc de sua diversidade cultural). Den~tre os componentcs principais dessa iJldicllliddde r...1cabe destacar a estru­

tura polftica c os rituais difcrcnciadorcs (p. 59).

Ou seja, 0 objeto politico-administrativo na verdade nao 'se

transforma' em coletividade organizac1a - ele i a organiZarao dessa

comunidade organizada; clc prove as 'instituic;6es' e as 'represcn­

ta<;6es' (as "crenc;as") da comunidade. 0 arbitrario cultural se

torna literalmente arbitrario. E se Barth ainda se "restringi[a] adimensao identiraria" dos grupos etnicos, Oliveira vai ver a terri­

torializac;ao etnificante como. fenomeno total, como potenda

sociogenetica. A condic;ao de grupo etnico e anterior ade grupo

202 linL:ARDO VIVEIROS DE CASTRO [~T!'o:()LOGII\ BRASII.EIRA 203

social; 0 grupo etnico produzir:i a sociedade, porque 0 Esrado

produziu 0 grupo ernico. Em outras palavras: 0 Estado nacional

criall a sociedade indigena. as povos originarios sao povos origi­

nados. Ori,gindrio, .ro 0 Estado.

Mas, com isso, 0 discurso contatualista se ve diante do pro­

blema de legitimar as culturas indigcnas nordestinas perante a

antropologia, visto que ele suspeita que esta suspeite que tais

culturas naD sejam 'autenticas'. 0 que aconteceu? Vejamos. Os

indios do Nordeste estao usando sua distintividade cultural para

afirmar sua distintividade cultural. Mas como 0 ernnlagocontatualista vi a distintividade cultural (que as indios us am)

como expressao hist6rica do Estado territorializador, a

distintividade cultural (que os indios afirmam) precisa set legiti­

mada de alguma outra forma. Se e que hi alguma outra forma. 0

mal-estar conceitual sentido aqui pelos contatualistas parece de­

rivar cia tradicional confusao entre genese e significac;ao (ou fun­

,ao) de uma forma ou fenomeno social. Do fato de que as insti­

tui~6es socioculturais indigenas se originaram historicamente de

urn processo de territorializac;:ao esratal nao se segue que sua

func;:ao presente seja a de exprimir esse processo, ou que sua

signijicaftlo indfgena tenha qualquer coisa a ver com ele. E exata­

mente is so que 0 processo impropriamente chamado (pois se

trata de um clevir, nao de uma genese) de etnogenese nordestina

esra mostrando, contra as interpretac,;:6es do processo de

'indianizaC;ao' caracteristicas da doutrina contatuaHsta. 1nterpre­

tac;6es que eia agora se ve forc;ada a modificar - mas das quais

nao consegue abrir mao inteiramente.

As culturas indigenas da Amazonia, como vimos anterior­

mente, haviam sido reduzidas por Oliveira ao regime do 'apesar

de',' as culturas indigenas do Nordeste vao continuar modalizadas

pela retotica do 'apesar'. S6 que agora vai ser precise inverter 0

argumento. Se os indios da Amazonia eram reduzidos a uma

comum indianidade colonial apesar de sua diversidade cultural (ou

I

1

a divers as indhinidades coloniais apesar de ~,ua unidade cultural),

no caso nordestino sera necessaria mostrar, ao contddo, que

estamos diante de culturas 'legitimas' ou 'autenticas', apesar de

elas terem sido constituidas par diferentes "fluxos e tradic,;:6es"

culturais, apesor de nao serem distintivamente distintas - pois par­

tilhadas por grupas indigenas diferentes -, e apesar de terem a

func,;:ao primariamente diacritica de afirmac;:ao de uma indianidade

imposta pelo Estado (pp. 59-60). Assim, adverte-se 0 leitor: "para

que sejam legitimos componentes laos olhos de quem?] de sua

cultura atuai, nao epreciso que tais costumes e cren<;as sejam [...Jrra,os exclusivos daquela sociedade" (p. 59). E se a enfase no

caso dos :ndios cia Amazonia era sobre os "processoshomogeneizadores", agora vai ser precise dizer que "0 processo

de territorializa<;ao nao cleve jamais ser entendido simplesmente

como de mao unica, dirigido ex rernamente e homogeneizador.. ,"

(/oc. at.). Com efeiro, em uma situa<;ao de 'mistura' na qual 0

vetor politico indigena esca orientado exatamente para uma

'desmistura', e preciso ao mesmo tempo afirmar a homogeneizarao}indispensave1 aeconomia te6rica do conta':ualismo (a territoriali­

za<;ao impoe uma situac;:a.o de indianidade que e "independente

da diversidade cultural" [p. 59]), e "ega-la, porque os proprios

indios escao a faze-laoAssim, por exemplo (pp. 60-61), aprendemos que "os

Xukuru e Xukuru-Kariri l...] fazem a distinc;ao entre os 'indios

puro:;' (de familias antigas e reconhecidas como indfgenas) e os

'braiados' (produtos de inrercasamenro com brancos[...])". Inte­

ressante ver os indios misturados do Nordeste usando aquela

categoria tao detestada pe10s contatudistas - 'fndios puros',

essa coisa em que s6 os etn6logos classicos acreditam - e que

e1es fa<;am a distin<;ao entre 'puros' e 'misturados', isto e, a

exata d~stin<;ao que Oliveira pretende desfazer com seu e1ogio

da mi.3t'J.!:a. 1sso me parece re~umir 0 paradoxo central da teoria

conratualisra: os povos que ela escolheu como objeto perfeito (cria-

204 I:OU\RDO VIVlilROS DE C\STRO J~Tr-;OI.OGIA IlRASII.EIRA 205

dos pelo Estado, etnificados, territorializados, vernaculizados,

nao-exotizaveis etc.) sao os principais interessados no discurso

que eia rejeita: 0 discurso cia cultura pura e sem mistura89 • Vai

ser preciso en/Cio nao acreditar nos indios.

A solul'ao para esse problema incomodo ea transformal'aOcia cultura em metafGra - em metafoca politica. Isto e, vai sec

necessaria adotar uma abordagem 'simbolista' cia cultura, para

usarmos 0 vocabulario da antropologia da religiao (Skorupski,1976). Os partidarios da abordagem simbolista sustenram que as

cren<;:as rcligiosas dos 'primitivos' nao podem set tomadas literal­

mente (pais, nesse caso, sedam absurdas), mas devem set inter­

pretadas como significando verdadeiramente Dutra caisa: a 'socieda­

de', ou alga do genera (0 'politico', por exemplo). Os contatualistas

gcneralizam, pOl' assim dizer, essa tesc para 'toda' a cultura. Visto

terem se proibido de interpretar as culturas indigenas como cul­

turas indigenas - ja que elas nao sao Ina verdade' culturas origi­

narias, e se tomadas literalmente 56 poderiam refletir 0 rosto doEstado que as criou -, interpretam-nas como significando rea/­

mente outra coisa: a vontade de obter terras, assistencia e identi­

dade juridica. As culturas indigenas nordestinas s~o 'autenticas',

pensam, com razao, os contatualistas - mas, pensam tambem

eles, elas nao sao autenticas pelas raz5es que os indios pensam.

Elas 0 sao potque das Jignificam os indios, nao porgue os indiossignijicdm com elaJ. Ou, em outras palavras: os contatualistas pen­

sam que os indios, com suas culturas, estao a significar apenas

sua propria indianidade; mas, para os indios, 0 que se significa

com elas e a realidade.

Com tais argueias teol6gicas sobre uma indianidade impos­ta que se transforma em autenticidade metaf6rica, os contatualistas

cacm nos brac;os de gucm menos se poderia csperar: de Emile

89. Tal paradoxo, {jue 0 contatualismo partilha com algumas outras abordagenscontemporftneas, jn foi :-:pontado por Sahlins (1997a, b).

Durkheim, 0 patrono, justamente, da abordagem simbolista. De­

pois de haver tl'ansformado a culmra em memfora da politica,

Oliveira transforma essa cultura politizada em religiao indigena.

Ao discutir 0 celebre ritual do tore, praticado por todos ou quaserodos os grupos nordestinos, 0 autor 0 define de inicio como urnritual politico, destinado a marcar as fronteiras entre 'indios' e

'brancos'. Mas isso nao 0 torna menos religioso, rnuito peIo con­

trario: ao se indagar sobre a "natureza ultima dos grupos etni­

cos", Oliveira (discordando respeitosamente de Barth, para quem

essa natureza seria "a politica'') afirma que, no caso nordestino,

"cada comunidade e imaginada como uma unidade re/igiosa e eisso que a mantem unificada e permite criar as bases internos para 0

exerdcio do poder" (p. 61; grifos meus). 0 autor menciona enta~

os 'encantados' (espiritos), evocados pelos indios para legitimar

sua relac;ao com uma originariedade irnemorial, e conclui que 0

processo de etnificac;ao envolve a criaC;ao de uma "comunhao de

sentidos e valores", exigindo uma "reafirma<;ao de valores mo­rais e de cren,as fundamentais que fornecem as bases de possibi­

lidade de uma existencia coletiva" (p. 66).Essa imagem das socicdadcs indfgcnas nordestinas, cons­

truida pelo discurso contatualista, e cUr10samente evocativa de

As formas elementares da vida re/igiosa. Ao buscar mostrar como a

etnogenese produz entidades autenticamente indigenas, Oliveirasai-se com entidades antropologicamente durkheimianas: uma vida

espiritual voltada para a celebra,ao do sentido de pertenl'a it

comunidade; rituais que marcam a fronteira entre 0 sagrado (os

membros do grupo, ou os indios puros) eo profano (os brancos,

os indios misturados); divindades que sao como totens territo­

riais a assegur::lr a liga<;ao entre 0 mundo historico e sua origemffiitica; e uma 'naturez<1 ultima' de tipo religioso, expressao de

uma cons:.",'.fnda co/etiva etnica. Ou seja: a etnogenese como

reencantamento da soeiedade. Mas poderiamos tambem dizer: a

etnogenese como naturalizac;a'o da sociedade, pois e para isso

-----~~--_._,...

206 Er)l).\RDO VIVEIROS [)I, CASTRO I~T1':()l.OGI" BRI\SII.E1R,\ 207

Clue serve a 'rcligiao' durkheimiana91l• E assim a solw;ao

metaforizanre do paradoxa 56 fez desloca-lo para mais adianre:

urn discurso tcarico dedicado a 'desnaturalizar a sociedade' se vediante de uma sociedade dedicada (como toda sociedade) a senaturalizar - c, suprema ironia) dedicada a faze-Io nos teemos (0

que e menos comum) formulados por urn pensador nao exata­

mente popular entre os contatualistas. Oliveira1

que havia comc­

c;:ado sua exposi~ao com uma acusac;ao a Levi-Strauss por seu

'arcaismo' tc6rico, acaboLl assim recuando para eras bern mais

arcaicas: primeiro, Morgan; agora, Durkheim.

Apus rcr transfotmado a cLlltura em meta fora, Oliveira pas­

sa enda em tevista as metaforas cia cultura. Exarninando as no­

c;:6es utilizadas para nomear 0 fenomeno em discussao, a autorccnsura, par (como scmpre) naturalizantes, 0 terma 'etnogenese',

que, segundo dc, "nan cabcria romar como conceito ou mesmo

no~ao", e a cxprcssao 'indios cmergentes', a qual "sugere associ­

a~6cs de natureza fisica e mcca.nica quanto ao estudo cia dinami­

ca dos corpos, 0 que pode trazer pressupostoS e expectativasdistorcidos quando aplicada ao dominio dos fenomenos huma­

nos" (p. 62). Scja... Mas, entre as no~oes recusadas como natura­

lizantes, uma chama a aten~ao:

90. Oliveim nao nos da muiws elementos sabre a vida religiosa dos povosnordestinos. Sua atenc;iio esd voltada cxclusivamente para os aspectos'durkhcimianos', como 51.: ",iu, cbs pniticas e idcins rcli!,riosas desses gru­pos, isw c, para sua func;iio de expressiio de lima conseiencia coletivaunificada. Nada ficamos sabendo, por exemplo, d1.s cllmensoes 'cootra­durkheimianas' da vida espiritual indfgena, como as acusac;oes de feitic;aria,ou sohre pn'tticas xamanfsticas. 'rnrigicas' etc. Assim como tudo que se dizsobre 0 parentesco sublinlu exdusivamcnlc sell papcl de opcrador ctnicode inclusao/exclusao, assim tambem 0 que lemos sobre a religiao giracxclusivamente em tOtoo de suas func;oes de separac;ao entre 0 'interior' eo 'exterior' do focillf - para recordarmos aquch distinc;ao tao criticadapclo.~ contntualistas. E onde foi parar, ali:is, () "carMer central do conflitopara 0 cntendimcnto dos fatos sociais", nessa visao profundamcntcconsensualista da etnohrenese nordestina?

Tambem outras noc;oes que ocupam lugares prccisos dentro de cer­

toS quadros tc6ricos podem vir a ser utilizadas com significados muira

deslocados e referidos a metifora naturalizantc acima cridcada: e 0 caso

dos conceitos de acamponesamemo/proletarizac;ao, cujo par e aplicado

par Amorim [...1para descrever urn cicio cvolutivo marcado pela fatalidade

[...1atribufda :. historia. (loc. (il.).

Foi s6 isso que pareee ter sobrado, no discurso dos

contatualistas, dos conceitos de acamponesamento e de

proletariza~ao. Sua aplica~ao a situa~:10 nordestina por urn pes­quisador anterior e desqualificada, pot imp1icar uma eoneep~ao

fatalista e evolucionista da hist6ria, Sem duvida. Mas Oliveira

(1978) ja usara largamente essas no<;6es, ainda que provavelmen­te Jentro dos tais quadros te6ricos mais precisos. Ele classifica­va entao os Ticuna como camponeses: ele tecusa, agora, a

pe'rtiocnciz; do conceito para 0 caso dos fndios muito mais lca~_poneses' do Nordeste. Por que cscolheu noo usar esse coneetto

agora? Por que, em suma, os ditos quadros teoricos nao sedam

aplid.veis a etnogenese? Seria talvez porque eIes nao tern nada a

dizer sebre' :::l~?

A ttansi~ao da fric~ao acamponesadora a etnicidade

indianizadora traduz urn reconhecimcnto cia inadequal1ao e im­precisao do equipamento teorieo do contatualismo. Triburario doptognostico darciano da desapari~ao das culturas indigenas, e em

seguida des tais "quadros teoricos" que previam com. precisao

cicntifica 0 aeamponesamcnro dos povos indigenas - nao cram

apenas as vers6es 'namralizamcs' que 0 faziam, ao contrario doque diz Oliveira -, 0 discurso eontatualista nao dispunha de es­

pal10 conceitual para a 'virada' indfgena da recultural1ao e da

retradicionalizac;ao. Na verdade, os contatualistas nao faziam amenor ideia de que tal processo Fosse acontecer. Para eles, os

indios do Notdeste eram definitivamente camponeses, e as da

Amazonia, se j:i nao 0 cram, estavam virando camponeses. Quando

os indios pre-camponeses da 'Amazonia come~aram a tirar suas

BIBLIOTECA Lt.;. ~·~:~;.·~-Li

PUCRS

-"._"-----~==~~~~

208 EOt.:AROO VJVHIROS rw CASTRO209

'raupas de branco', a se pintar de vermelho e a danc;ar com

cocares e bordunas na Pra<;a dos Tres Pederes - bern, nesse caso

ainda se podia achar alguma saida honrosa. Mas quando camponeses

do Nordeste comerara11l a virar indios -, at ficou claro que alga estava

muito errada. A tcoria do 'acamponesamento/proletarizac;ao' aca­

bou, assim, abandonada pe10s contatualistas. Ja naG era sem tem­

po; 56 acho que ela merecia urn enterte mais decente que a

proporcionado por esse arrigo.o discurso tcarico cia etnogenese representa a incorpora­

<;3.0, alga constrangida e recalcitrante, daquele 'culturalismo' QU­

trora e ainda tao vilipendiado pela escola do cantata, em parti­

cular por sua variante fundamentalista. Mas hi passos adicio­

nais a dar. Tendo aceitado a 'cultura' que os Indios lhe impuse­

ram, a discurso do contato precisa agora come<;ar a tamar suas

distancias do paradigma individualista e politicista que cle her­

dou de abordagens como a de Barth (nao que precise ir tao

lange a ponto de eneontrar Durkheim). Oliveira faz algumas

retlex6es nesse sentido. Ele havia come<;ado 0 attigo com urn

castigo nos culturalistas e outtOS essencializadores das culturas

aut6ctones; mas ele 0 termina aludindo a necessidade de se

"superar a polaridade" entre as teodas insttumentalistas e

primordialistas da etnicidade (p. 64) - tarefa nada facil -, evo­

cando todo urn imagimirio da origem e chegando, POt tim, aformular;6es de urn lirismo etnico que nao envergonhariam Herder.

o tema da "viagem de volta", tao bdamente desenvolvido por

Oliveira, poderia assim se aplicar em mais de urn sentido. Parece

que comec;:amos a assistir a uma viagem de volta da escola brasi­

Icira de ctnologia an paIs cIa cllltllra.

Essa viagem nao vai ser ficil. J-Ia enigmas e paradoxos no

caminho:

Enquanto 0 percurso dos antrop610gos foi 0 de desmistificar a no~

lTao de 'ralTa' e desconstruir a de 'ctnia', os membros de urn grupo ernico

encaminham-se, freqiientemente, na direlTao oposta, reafirmando a sua uni­

dade e situando as conexocs com a origem em pianos gue nao podem ser.ttravessados ou arbitrados peIos de fora (p. 65).

Pois bem - como reagir f-:-ente a esses enigmas? Devemos

tentar con' CIlcer os indios de que cultura pura e conexao com a

origem saomitos' da rna antropologia? (Talvez devamos ao con-. . 'trano, reconhecer que esses temas sao, ptecisamente, mlfieos, no

sentido antropol6gico do termo - donde sua for~a). au sera que

slmplesmente nao sabemos 0 que diz-..er a tal respeito, e pot isso nao

devemos dizer nada, como prop6e Oliveira, mas apenas nos re­

colher humildemente diante do misNrio desses "pIanos que nao

podem ser atravessados ou arbitrados peJos de fora"? A parte

essa saida mistica para 0 paradoxo da contradesrnistificac;a.o _

paradoxo que foi criado pela teoria dos contatual~stas, nao pelos

Indios que ela pretendia eompreender -, 0 autor nao parece ter

mesmo muito a dizer91• Nao deix:1, ademais, de soar estranha sua

sugestao implicita de que a anttopologia possa alguma vez ter

legitimamente reivindicado 0 direito de "arbitrar" 0 que quer que

seja. Pois, afinal, 0 "arbitrario cultural" e justamente aquilo que

nunea coube aos "de fora" arbitrar.

Em conclusao a seu arrigo, Oliveira da quatro li<;6es de

moral te6ricas aos "amerieanistas europeus" (sinedoque que, como

ja adverri, designa a etnologia nao-contatualista feita no Brasil ou

alhurcs). Nao yOU comentar tres dessa~; li<;6es, pois sao de rnuito

pequena valia. Mas uma delas merece uma rapida reflexao, tam­

bern eonclusiva, pois este ensaio ja vai demasiado longo:

91. Tenho as ve7.es a impressao de gue a sociologia da desnaturali7.at;ao rom­peu Tamas ve7.es com 0 senso comum gue este perdeu a paciencia ereso!veu romper de ve7. com cla. E se h" re10 menos uma diferent;aimportante entre as cii:ncias humanas c fisicas, e 'jue nas primciras asrupturas com ° senso comum costumam ser pagas na mesma moeda.

-

210 EDL'.\R])O VIVI~IROS DI~ C\STRO

211

fAls culturas nao sao ..:oextensivas as sociedades nacionais oem aos

grllPO~; crnicos. 0 (Iue as torna assim sao, por urn lado as demandas dosproprio!' grupos sociais (que atraves de seus porta-vozes instituem suasfronteiras). c, por outro, a complexa tematica cia autemieidade (que acaba

por confcrir uma posic;:ao de poder aD antrop61ogo, dcmarcando espac;:os

sociais como lcgitimos ou ilegftimos) (p. 68).

Leiam-se com cuidado essas proposic;6es. Comecemos pe1a

segunda parte, mais simples: a "complexa tematica cia autentici­

dade". Quanto a isso, 56 posso concordar com 0 autor: ela e de

fate coinplexa; mas nao e necessario tormi-Ia misteriosa, nem

imaginar que os antrop61ogos sejam co-autores do misterio. A

primeira parte cla lic;:ao, entretanto, eque e propriamente comple­

xa, ou, melhor dizendo, paradoxal. Atenc;:ao ao argumento: as

culturas nao sJo cocxtcnsivas as sociedades nacionais ou aos gru­

pos etnicos; 0 que as torna assim saO as demandas dos grupos

sociais. Muito bern; mas, afinal, elas Sao au nao sao coextensivas as

sociedades nacionais c grupos etnicos? Existiria por acaso uma

essencia, uma natureza cultural nao-coextensiva (as sociedades na­

cionais etc.), que C tornada aparencia coextensiva? Existiria algo

alcm, algo atras, algo antes das demandas dos "pr6prios grapos

sociais", algo que esses grupos t0rJ10m assim - assim coextensivo

a si mesmos? Mas isso seria supor que existe uma cultura qual­

quer, em algum lugar, esperando que uma demanda poHtica de urngrupo social venha se acoplar a eIa, tornando-a coextensiva. Isso

e naturalizac;:ao. Se nao e isso, se as culruras sao en'adas pclas

demandas dos grupos sociais, e se sao criadas como coextensivas

aos grupos sociais, bern, enta~ elas JaO realmente coextensivas.

Mas isso tambem c naturalizac;:ao.

Perturbado por varios paradoxos e preso em impasses di­

versos, 0 discurso contatualista nao tern muitas lic;:6es de moral a

dar aetnologia brasilcira. A conclama<;ao de Oliveira a urn retor­

no as "preocupac;:6es inavadoras e reflexoes bastante originais"

Ij

(p. 67) da antropologia brasileira das decadas de 50 e 60 nao me

entusiasma. Entusiasma-me ainda menos a lamentavel menc;:ao in

extremis a uma "dimensao etico-valorati'la do exercicio da cien­

cia" (Ioc. cit.), dimenSao a qual a escola contatualista teria urn

aces:-'o priviIegiado, e cia qual os "americanistas europeus" estari­

am - e a que se deixa entender - tristemente distanciados. Seme­

Ihante insinua<;ao nao contribui para 0 melhor enquadramento de

nenhum dos problemas tearicos ou praticos com que se defronta

a antropologia brasiIeira. Pais, guanto aetica e aos vaIores, penso

que estamos todos mais au menos da mesma lado. Aqui nao ha:

verdadeiro dualismo, Oem cisao que evitamos abordar, oem gran­de diferen<;a.

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