CDD: 185 Notas sobre o Princípio de Não Contradição em Aristóteles
ÉTICA: ADOTADA COMO PRINCÍPIO EDUCADOR, RESULTA EM UMA MODIFICAÇÃO NA SOCIEDADE.
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ÉTICA: ADOTADA COMO PRINCÍPIO EDUCADOR, RESULTA EM UMAMODIFICAÇÃO NA SOCIEDADE.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho não pretende abordar de forma profunda
alguma questão de relevância da história da educação, e
muito menos fazer uma análise crítica dos valores. A sua
pretensão é propor uma reflexão sobre a educação e o papel
que ela pode desempenhar juntamente com a ética, visando à
construção da cidadania.
Vivemos um momento de profundas transformações na
educação que refletem e acompanham as mudanças que afetam o
mundo atual. Assim, queremos com este estudo, responder a
seguinte questão: Que princípios fundamentam uma prática
pedagógica que contribua para a formação de um cidadão
ético? Pensamos ser responsabilidade de todos os educadores
defenderem a exigência ética da educação pautada nos
princípios de cidadania, democracia, justiça, solidariedade
e autonomia, pois só assim poderemos oportunizar um espaço
para o desenvolvimento das capacidades individuais e para a
garantia da igualdade de oportunidades em nossa sociedade
desigual.
Nosso estudo foi desenvolvido com base nas obras
de Marilena Chauí, Paulo Freire, Antonio Sidekum e
principalmente nos volumes do guia didático de Fundamentos
da Educação dos professores Vanderlei Carbonara, Sandro
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Sayão, Sergio Tieppo, todos voltados à educação e a ética.
Segundo estudos do guia didático, envolvendo a área de
Filosofia, não podemos ensinar nossos estudantes a ser
éticos e nem mesmo “implantar” neles nossos valores mais
significativos; trabalhar questões éticas na sala de aula e
ter preocupações e práticas éticas na escola em nada pode
confundir-se com moralismo ou doutrinarismo.
O presente artigo está organizado em tópicos
onde inicialmente abordaremos algumas considerações sobre
educação, em seguida, conceitos de ética; dentro destes
tópicos faremos uma pequena análise sobre a relação entre
ética e educação. Posteriormente uma breve reflexão sobre
cidadania e finalmente procuramos relacionar educação,
ética e cidadania com a prática pedagógica.
2. EDUCAÇÃO
A educação significa formação integral do ser
humano, isto é, o desenvolvimento de suas potencialidades
com uma fundamentação ética para sua formação integral, ou
seja, significa perseguir e possuir o ideal de ser humanos,
sociedade e mundo.
Segundo Sidekunn (2002), Todo povo que atinge
certo grau de desenvolvimento se sente naturalmente
inclinado à prática da educação, ela é o princípio por meio
da qual a comunidade humana conserva e transmite a sua
personalidade física e espiritual, mas o espírito humano
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conduz progressivamente à descoberta de si próprio e cria,
pelo conhecimento do mundo exterior e interior, formas
melhores de existir.
Conforme vimos nas leituras de filosofia do guia
didático, para Platão, a educação está relacionada com o
desenvolvimento humano, com a passagem de um estado ingênuo
de compreensão da realidade para um estado de elevação a um
nível de conhecimento da realidade em si.
Com o passar do tempo a compreensão de educação
vai se ampliando, abordando não só a compreensão da
realidade pelo sujeito, mas também o contexto de relações
que interferem nesse processo. Em linhas gerais costuma-se
tratar por educação o conjunto de procedimentos tomados
pelas gerações mais velhas para formarem as gerações mais
novas segundo valores considerados válidos num determinado
ambiente social.
2.1.ÉTICA E EDUCAÇÃO
A educação ética acontece quando os valores no
conteúdo e no exercício do ato de educar são valores
humanos e humanizadores: a justiça, a dignidade da pessoa,
a solidariedade, a democracia, a autonomia, o
desenvolvimento integral de cada um.
As relações entre ética e educação são múltiplas
e complexas, seja pela natureza de ambos, seja porque
vivemos um período crítico no qual os valores morais estão
muito conturbados. E é justamente nos momentos de crise que
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a educação moral se faz indispensável, embora sejam maiores
as dificuldades para praticá-la. Há complicadas e
problemáticas relações entre ética e educação o que
preocupa particularmente os educadores conscientes de sua
responsabilidade na formação de novas gerações.
Devemos oferecer aos nossos jovens, através da
educação e da ética, as ferramentas necessárias à
apropriação crítica de conhecimentos para a consolidação de
atitudes socialmente responsáveis. É na infância e
adolescência que o individuo tendo como base os valores que
recebeu, seja da família, na escola, dos amigos, da
religião ou das informações que recebe pela mídia, por meio
de todas as experiências que passou que o jovem vai
construir o seu próprio código de ética.
A educação é uma socialização das novas gerações
de uma sociedade e, enquanto tal conserva os valores
dominantes (a moral) naquela sociedade. A educação é também
uma possibilidade e um impulso à transformação:
desenvolvimento das potencialidades dos educandos.
Toda a educação é uma ação interativa: realiza-se
através da informação, da comunicação e do diálogo entre
seres humanos. Em toda educação há outro em relação. Por
tudo isso, a ética está implicada em toda educação. Uma
educação pode ser eficiente enquanto processo formativo e
ao mesmo tempo, eticamente mau, como foi à educação
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nazista, por exemplo. Pode ser boa do ponto de vista da
moral vigente e má do ponto de vista ético.
A educação ética (ou, a ética na educação)
acontece quando os valores no conteúdo e no exercício do
ato de educar são valores humanos e humanizadores: a
igualdade cívica, a justiça, a dignidade da pessoa, a
democracia, a solidariedade, o desenvolvimento integral de
cada um e de todos.
Nos termos colocados, pode-se perceber que não se
requer apenas a ética na educação, mas, sobretudo a
educação na ética. Diferentemente dos animais
irracionais, a natureza estabeleceu o indivíduo no cosmos
em estado bruto, inacabado; cabendo a esse indivíduo
educar-se pelo exercício da razão até atingir o estágio de
uma vida virtuosa.
Portanto a educação é um dos aspectos básicos na
construção de uma conduta ética, na medida em que somente
pela mediação da educação é possível deslocar ás paixões do
controle na natureza apara o controle da razão.
2.2. EDUCAÇÃO E ÉTICA SOCIAL
O Homem, segundo Kant, não é senão o que a educação
faz dele. Entende-se, então, que a educação deve dar ao
Homem condições para que possa conviver entre iguais,
tornando-os sujeitos de direitos e deveres. OS homens
estabelecem, para esta convivência, um compromisso ético-
político entre si, variando conforme a época.
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Educar é socializar as novas gerações, conservando e
transformando os valores dominantes daquela sociedade, e
isto significa desenvolver as potencialidades dos
indivíduos. É uma ação interativa que se faz mediante
informações, comunicação e diálogo entre as pessoas, pois
em toda educação há outro em discussão, e assim a ética
está implicada. Diante destas premissas, que relação existe
entre a educação, a ética e a cidadania? Para responder a
tal questionamento, faz-se necessário uma breve
retrospectiva ao mundo grego, de forma que nos proporciona
um maior número de conceitos e possibilita uma maior
compreensão do fenômeno.
A pedagogia, antes de ter autonomia, era parte
integrante da ética e da política, e elaborada unicamente
em atenção aos fins propostos pelo Estado. Pela sua
natureza prática/empírica, a pedagogia referia-se ao
primeiro adestramento da criança para a vida privada e
pública. Este adestramento passava necessariamente pela
palavra, que instaura uma relação indireta entre as
pessoas, midiatizada pelo conceito que tem uma dimensão
ideológica. Daí a preocupação de Sócrates com os conceitos
morais relativizados pelos Sofistas, o que iria dar
necessariamente numa moral relativizada pelo indivíduo como
medida das coisas e das palavras.
Sócrates é reconhecido como o fundador da moral
(moral para ele é sinônimo de ética), que não se baseava
simplesmente nos costume dos povos, mas na convicção
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pessoal, através do processo de consulta a seu daimon
interior, para compreender a justiça das leis. Ele se
preocupava com o agir.
Platão vai colocar o bem como forma ideal e perfeita
e que, para alcançá-lo, o Homem deveria trilhar a via do
conhecimento, libertando o espírito humano dos erros e
ilusões da doxa (opinião comum) e elevá-lo ao mundo da
clareza e da verdade (epistéme). O homem assim formado
estaria pronto para cumprir com o mais alto dever de
cidadania e usar o conhecimento para o benefício da Polis.
O compromisso ético-político da educação platônica é
criticado não só pelo idealismo, como também pelo elitismo
(o melhor sábio é o que deve governar). Aqui se estabelece
a relação saber-poder, que fundamenta a exclusão social.
Vale ressaltar, entretanto, que o pensamento platônico não
é discriminatório, lembrando o pensamento de Sócrates no
Ménon, pelo seu método dialógico, faz com que o escravo
resolva problemas de geometria até então desconhecidos por
ele, enquanto seu amo não consegue fazê-lo. De qualquer
forma, o direito à plena educação fica restrito aos que
provavam possuir alma de ouro. Mas, para Platão, importava
mais infundir na Polis um ethos bom e não dotá-la de um
amontoado de leis.
Na visão epicurista, no espaço educativo do jardim, a
filosofia era ensinada para todos (homens, mulheres e
estrangeiros), que necessitassem, e eles encontrariam no
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discurso filosófico a cura para os males. Isto seria
adquirido na philia que é o sentimento de amor pela
humanidade, colocado tanto no desejo de buscar a felicidade
terrena quanto no exercício do logos, capaz de libertar as
pessoas das garras da crendice.
No pensamento de Aristóteles, a ética vai designar as
concepções morais nas quais os homens têm fé. Para ele, o
único objetivo que o Homem persegue é o bem, não importa o
que ele faça. O bem supremo é a felicidade (eudaimonia). E
a felicidade surge da ética coletiva e da política. A ética
nasce dos hábitos que decorrem do adestramento numa relação
familiar, mas as dianoéticas decorrem da inteligência e
podem ser desenvolvidas por ensinamentos.
Aristóteles condena os Homens que se utilizam do
saber para objetivos nefastos. Ele diz que os mesmos não
conhecem a razão de ser da ciência. Isto é fruto do
moralismo intelectual, pensamento vigente em sua época.
Para tanto, é preciso ser virtuoso e respeitar os valores
morais segundo os quais cada um foi formado. É o
Eudaimonismo humanista ou o Intelectualismo ético.
As escolas morais são decorrentes do processo de
confederalização das cidades estado gregas, ou seja, da
centralização das decisões morais, políticas, econômicas e
sócio-culturais, centralizadas num processo de
racionalização das cidades-estado. O resultado desta
confederalização foi um desvirtuamento e o não
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pertencimento a uma comunidade específica e definida, como
num processo de globalização.
A Ética grega permeava, então, todos os campos de
atuação e o Estado (a Polis) significava mais do que uma
simples administração mecânica, ele era toda a finalidade
que levava a felicidade aos indivíduos e os motivava a boas
ações. Mas, esta administração estava fundamentada no
moralismo intelectual, o que levava obrigatoriamente a uma
gestão voltada para o conhecimento no sentido amplo e isto
quer dizer ético.
3. ÉTICA
3.1. CONCEITO
Podemos definir ética como sendo a reflexão
filosófica sobre o agir humana, a construção racional dos
valores do indivíduo para com a sociedade; apresenta-se a
ética como alteridade própria, ou seja, responsabilidade do
Eu para com o Outro de tal maneira que a liberdade
individual é posta em segundo plano a fim de que a justiça
assuma a primazia nas relações intersubjetivas.
Levinas em sua obra “Entre nós: ensaios sobre a
alteridade” (1997) descrevem a ética como o próprio humano,
enquanto humano, a ética não é uma invenção da raça branca,
da humanidade que leu os autores gregos nas escolas e que
seguiu certa evolução. O único valor absoluto é a
possibilidade humana de dar, em relação a si, prioridade ao
outro.
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Para que haja conduta ética, conforme Marilena
Chauí (2002) é preciso que exista o agente consciente, isto
é, aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e
errado, permitido e proibido, virtude e vício. A
consciência moral não só conhece tais diferenças, mas
também se reconhece como capaz de julgar o valor dos atos e
das condutas e de agir em conformidade com os valores
morais, sendo por isso responsável por suas ações e seus
sentimentos e pelas conseqüências do que faz e sente.
Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis
da vida ética.
Por ética entendemos uma orientação de vida
alicerçada na prática livre da virtude segundo pressupostos
da razão, mediante a qual o sujeito age com base em sua
consciência, alheio às coerções exteriores vontade do outro
e interiores tirania das paixões, tendo por finalidade a
síntese entre a harmonia consigo e a harmonia com os
outros.
A despeito de o indivíduo nascer potencialmente
ético, pois a ética tem como pressuposto a razão
(consciência de si e do mundo), não se pode entender a
conduta ética como algo exclusivamente dado, mas como uma
construção segundo a vontade pessoal e mediada pela razão
tendo por finalidade a plena humanidade na relação dos
indivíduos consigo e entre si.
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Em síntese, a ética é o recurso fundamental para o
aprimoramento da natureza humana no uso dos prazeres e na
escolha dos destinos da vida.
3.2.ÉTICA E MORAL
A ética não se confunde com a moral. A moral é a
regulação dos valores e comportamentos considerados
legítimos por uma determinada sociedade, um povo, uma
religião, certa tradição cultural... Há morais específicas,
também, em grupos sociais mais restritos: uma instituição,
um partido político... Há, portanto, muitas e diversas
morais. Isto significa que uma moral é um fenômeno social
particular que não tem compromisso com a universalidade,
com o que é válido, de direito e justo para todos os
homens. Exceto quando atacada: justifica-se se dizendo
universal, supostamente válida para todos. Mas, então,
todas e quaisquer normas morais são legítimas? Não deveria
existir alguma forma de julgamento da validade das morais?
Existe, e essa forma é o que designamos por ética.
A ética é uma reflexão crítica sobre a
moralidade. Mas ela não é puramente teórica. A ética é um
conjunto de princípios e disposições voltados para a ação,
historicamente produzidos, cujo objetivo é regular as ações
humanas. A ética existe como uma referência para os seres
humanos em sociedade, de modo a que a sociedade possa
tornar-se cada vez mais humana. A ética pode e deve ser
incorporada pelo?
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Unicamente, para entendermos como isso acontece na História
da humanidade, basta lembrarmo-nos que, um dia, a
escravidão foi considerada “natural”. Entre a moral e a
ética há uma tensão permanente: a ação moral procura uma
compreensão e uma justificação crítica universal, enquanto
que a ética exerce uma permanente vigilância crítica sobre
a moral, para reforçá-la ou transformar.
3.3.ÉTICA E CIDADANIA
As instituições sociais e políticas têm uma
história. É impossível não se reconhecer o seu
desenvolvimento e o seu progresso em muitos aspectos, pelo
menos do ponto de vista formal. Consideremos, por exemplo,
o caso do Brasil: a escravidão era legal até 120 anos
atrás; as mulheres brasileiras conquistaram o direito de
votar apenas há 60 anos e os analfabetos apenas há bem
pouco tempo. Chamamos isso de ampliação da cidadania.
Mas há direitos formais (civis, políticos e
sociais) que nem sempre se realizam como direitos reais. A
cidadania nem sempre é uma realidade efetiva, nem para
todos. A efetivação da cidadania e a consciência
coletiva dessa condição são indicadores do desenvolvimento
moral e ético de uma sociedade.
Para a ética não basta que exista um elenco de
princípios fundamentais e de direitos definidos nas
Constituições. O desafio ético para uma Nação é o de
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universalizar os direitos reais, permitindo a todos uma
cidadania plena, quotidiana e ativa.
4. CIDADANIA
Aprender a ser cidadão é, entre outras coisas,
aprender a agir com respeito, solidariedade,
responsabilidade, justiça; aprender a usar os diálogos nas
mais diferentes situações e comprometer-se com o que
acontece na vida coletiva da comunidade e do País. Esses
valores precisam ser aprendidos e desenvolvidos pelos
estudantes e, portanto, podem e devem ser ensinados na
escola.
Um aspecto importante a ser considerado nesse
processo é o papel ativo dos sujeitos do aprendizado,
estudantes e professores, que interpretam a conferem
sentido aos conteúdos com que convivem na escola a partir
de valores previamente construídos e de sentimentos e
emoções.
Para Aristóteles, cidadão é um indivíduo que
possui a potência de participação nas coisas públicas, o
que revela que a definição de cidadão estará inscrita na
categoria de cidadania. A partir desta interpretação que
utilizamos, cidadania é uma conquista do indivíduo através
de sua participação responsável nos assuntos públicos de
sua comunidade.
O ser humano precisa ser autônomo e a liberdade
só pode ser pensada a partir da compreensão de que o ser
21
humano é plenamente dono de si e capaz de decidir sobre
seus próprios atos na vida, tendo liberdade e
responsabilidade.
De acordo com Paulo Freire (2002), a liberdade,
que é uma conquista e não uma doação exige uma permanente
busca. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo
contrário, luta por ela precisamente porque não a tem.
Ainda nos diz Paulo Freire (2002), que a luta pela
humanização não se justifica apenas em que passem a ter
liberdade para comer, mas liberdade para criar e construir,
para admirar e aventurar-se. Tal liberdade requer que o
indivíduo seja ativo e responsável, não como um escravo nem
umas peças bem alimentados da máquina. Não basta que os
homens não sejam escravos; se as condições sociais fomentam
a existência de autômatos, o resultado não é o amor a vida,
mas o amor a morte.
É uma unanimidade no contexto educacional, a
afirmação de que a escola deve pautar a sua ação pedagógica
na formação de cidadãos, isto é, deve desenvolver as
potencialidades dos indivíduos para sua conquista de
cidadania. Partindo desse contexto, temos, assim, duas
questões essenciais a serem respondidas. A primeira é: o
que é ser cidadão? A segunda, não apresenta a mesma
simplicidade e consiste na pergunta: como se forma um
cidadão?
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Para responder a primeira questão, busco auxílio na
Política de Aristóteles, por encontrar neste pensador uma
reflexão cuidadosa e atual de cidadania. Aristóteles
elabora uma concepção política de indivíduo, em que o ser
humano é compreendido enquanto um ser político que deve
construir-se através de uma práxis ético-política no
interior da comunidade política, o que conduz
necessariamente a uma definição de cidadão como um
indivíduo que participa da esfera pública de forma ativa.
Na interpretação aristotélica, a cidadania não é
oportunizada nem pelo local de nascimento, nem pelos
direitos jurídicos (direito de acusar e de se defender no
tribunal), nem tampouco pelo nascimento (ARISTÓTELES, 1997,
p. III, 1, 1275 a 5-13; 2 1275 b 21-26). É importante
destacar o argumento utilizado que evidencia que esses
indivíduos só seriam cidadãos de uma maneira imperfeita,
bem como os jovens e os anciãos que já foram dispensados de
suas atividades públicas, pois não possuem a capacidade de
atividade na esfera pública no que diz respeito às questões
de justiça e de governo. Esta é a definição de cidadão para
Aristóteles: um indivíduo que possui a potência de
participação nas coisas públicas, o que revela que a
definição de cidadão estará inscrita na categoria de
cidadania.
A idéia defendida é que a cidadania não é uma pura
formalidade, um estado garantido pelo nascimento e por
direitos civis abstratos, o que lhe confere uma pertença
23
natural e legal à comunidade, mas, sim, que a cidadania é
uma atividade (ação humana), em que o cidadão conquista sua
cidadania em função de sua participação na esfera pública a
partir dos poderes deliberativos e judiciários. Destarte,
cidadão é entendido como aquele que pode participar nos
cargos deliberativos e judiciais da pólis e alcançar a
cidadania, o que garantirá a autonomia A partir desta
interpretação que utilizamos, cidadania é uma conquista do
indivíduo através de sua participação responsável nos
assuntos públicos de sua comunidade.
Mas como a escola pode formar um cidadão em uma
sociedade que parece estar apenas preocupada com questões
utilitárias particulares? Penso, sobretudo, em quatro eixos
fundamentais que se interligam. A escola deve possibilitar
o acesso e o domínio dos atuais meios de informação e
comunicação disponíveis, como computador, televisão, vídeo,
DVD, jornais, revistas, livros, internet. A única
possibilidade de formar um indivíduo autônomo é capacitá-lo
na utilização e na busca da informação, pois ele deve ter
acesso e saber utilizar estas ferramentas cotidianas. Isto
nos conduz ao segundo eixo, que é possibilitar aos
educandos o domínio dos múltiplos códigos culturais da
civilização. Pode-se partir do domínio dos diversos gêneros
textuais em uso, para se chegar ao domínio (parcial) da
cultura da sociedade: literatura, cinema, pintura,
escultura, filosofia, ciência, religião etc.
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Como é possível adquirir um sentimento de pertença à
nossa comunidade se desconhecemos o que ela produziu e
produz culturalmente? Como terceiro eixo, é necessário que
a escola desenvolva nos educandos a capacidade de
estabelecer relações com as informações obtidas, pois, sem
isso, não se alcança o conhecimento, sendo este o que dá
sustentação para a cidadania. Creio que aqui se apresenta o
nó górdio da educação básica brasileira, pois, em geral, a
escola trabalha apenas com informações desconectadas, o que
não propicia a aquisição do conhecimento por parte do
educando. Os três aspectos anteriores devem conduzir-
nos para um compromisso em estimular a participação
responsável dos alunos nas decisões e compromissos grupais,
o que nos encaminha ao princípio ético de democracia.
4.1. CIDADANIA E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
É preciso ter claro que as crianças estão em
processo inicial de constituição subjetiva, ou seja, de
descoberta e de definição do seu próprio Eu, portanto, não
se pode exigir delas uma resposta ética para a qual ainda
não despertaram isso vai sendo definido com o seu
amadurecimento.
O primeiro fator a ser pensado ao tratarmos da
dimensão ética do trabalho com crianças não é o conteúdo a
ser ministrado, mas a vivência a ser gerada no ambiente
educacional, sendo assim, a atitude ética do professor
junto aos seus estudantes apresenta-se como referência, bem
25
como a constante reflexão gerada a partir de sua
convivência diária. Não ensinamos alguém a ser ético; em
lugar disso, proporcionamos vivências e reflexões no
cotidiano de nossas crianças, de forma a agregar
problematizações e teorizações capazes de contribuir na
formação desses estudantes.
Paulo Freire (1997), como aspecto principal de
sua abordagem pedagógica constata que “formar” é muito mais
que treinar o educando no desempenho das tarefas. Chama à
atenção dos educadores a responsabilidade ética,
elucidando-os na arte de conduzir seres à reflexão crítica
de suas realidades.
Um planejamento pedagógico-filosófico não pode
confundir-se com lições de moral que se apresentam ao final
de uma história ou de uma atividade; uma educação para a
ética não tem como meta um modelo de sujeito e de sociedade
a ser alcançado, ao invés disso, devemos pensar no quanto
podemos contribuir com nossos estudantes ao ajudá-los a
pensar criticamente sobre suas relações interpessoais,
começando pelo princípio de trabalhar questões éticas na
sala de aula. Nosso papel não é o de ensinar a criança a
ser solidário com o próximo, ou que não se deva largar lixo
na rua: isso não seria educação, mas condicionamento.
Nosso papel de educadores consiste em
proporcionar vivências que despertem para a reflexão ética.
Para isso é importante problematizar diante dos mais
26
variados fatos do cotidiano, proporcionar atividades de
intensa convivência e outras que valorizam o isolamento de
modo a fazer uma ponte entre ambas numa roda de diálogo,
onde não devem ser impostas condutas, deve-se incentivar
para que cada criança emita seus próprios juízos a partir
do que as vivências lhe proporcionam.
5. CONCLUSÃO
Queremos então com este estudo mostrar que a
prática pedagógica de profissionais comprometidos com a
educação para pensá-lo e com a formação para a cidadania
deve estar fundamentada nos princípios éticos da justiça e
da igualdade de direitos. Busca-se com isso desenvolver a
autonomia moral dos alunos, tratando a verdade, o
conhecimento de si mesmo e do mundo, numa comunidade de
investigação ética, baseada no respeito mútuo e no diálogo.
A ação do professor deve resgatar o sentido de comunidade,
buscando o prazer, a sensibilidade e a beleza, para
envolver os alunos no exercício de pensar por si mesmo e
cada vez melhor a realidade de forma crítica, cuidadosa e
criativa.
Consideramos que é possível contribuir para o
desenvolvimento de cidadãos mais autônomos a partir da
prática pedagógica, baseada no diálogo, pesquisa e
investigação, tornando nossas crianças mais críticas,
responsáveis e conseqüentemente mais éticos.
27
Com efeito, a prática da educação pressupõe mediações
subjetivas, a intervenção da subjetividade de todos aqueles
que se envolvem no processo. Dessa forma, tanto no plano de
suas expressões teóricas como naquele de suas realizações
práticas, a educação implica a própria subjetividade e suas
produções. Mas a experiência subjetiva é também uma
riquíssima experiência das ilusões, dos erros e do
falseamento da realidade, ameaçando assim, constantemente,
comprometer sua própria atividade. Não sem razão, pois, o
exercício da prática educativa exige, da parte dos
educadores, uma atenta e constante vigilância diante dos
riscos da ideologização de sua atividade, seja ela
desenvolvida na sala de aula, seja em qualquer outra
instância dos planos macros social do sistema de educação
da sociedade.
Assim sendo, a escola se dá como lugar do
entrecruzamento do projeto político coletivo da sociedade
com os projetos pessoais e existenciais de educandos e
educadores. É ela que viabiliza que as ações pedagógicas
dos educadores se tornem educacionais, na medida em que se
impregna das finalidades políticas da cidadania que
interessa aos educando. Se, de um lado, a sociedade precisa
da ação dos educadores para a concretização de seus fins,
de outro os educadores precisam do dimensionamento político
do projeto social para que sua ação tenha real significado
como mediação da humanização dos educando. Estes encontram
28
na escola um dos espaços privilegiados para a vivificação e
a efetivação de seu projeto.
O envolvimento pessoal e a sensibilidade ética dos
educadores estão radicalmente vinculados a um compromisso
com o destino dos homens. É à humanidade que cada um tem
que prestar contas. Por isso mesmo é que o maior
compromisso ético é ter compromisso com as
responsabilidades técnicas e com o engajamento político.
Trata- se, pois, para todos os homens, de vincular sua
responsabilidade ética à responsabilidade referencial de
construção de uma sociedade mais justa, mais eqüitativa –
vale dizer, uma sociedade democrática, constituída de
cidadãos participantes em condições que garantam a todos os
bens naturais, os bens sociais e os bens simbólicos,
disponíveis para a sociedade concreta em que vivem, e a que
todos têm direito, em decorrência da dignidade humana de
cada um.
O respeito e a sensibilidade ao eminente valor
representado pela dignidade da pessoa humana não tornam
essa postura ética abstrata, idealizada e aliena ,ao
contrário, exigem o aguçamento da sensibilidade às
condições históricas e concretas de nossa existência –
afinal, suas únicas mediações reais. Esse aguçamento exige,
por sua vez, o pleno compromisso de aplicação do uso da
única ferramenta para a orientação da existência humana: o
conhecimento que precisa tornar-se, então, competente,
criativo e crítico. A mais radical exigência ética que se
29
faz manifesta, neste quadrante de nossa história, para
todos os sujeitos envolvidos na e pela educação é, sem
nenhuma dúvida, o compromisso de aplicação do conhecimento
na construção da cidadania.
Temos consciência de que não existem fórmulas
mágicas, regras pré-estabelecidas ou manual de instruções
que sejam infalíveis para a educação de nossas crianças,
mas não podemos perder de vista, que um de nossos grandes
desafios é contribuir para elas possam estabelecer seu
próprio referencial de conduta ética.
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