ÉTICA: ADOTADA COMO PRINCÍPIO EDUCADOR, RESULTA EM UMA MODIFICAÇÃO NA SOCIEDADE.

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8 ÉTICA: ADOTADA COMO PRINCÍPIO EDUCADOR, RESULTA EM UMA MODIFICAÇÃO NA SOCIEDADE. 1. INTRODUÇÃO Este trabalho não pretende abordar de forma profunda alguma questão de relevância da história da educação, e muito menos fazer uma análise crítica dos valores. A sua pretensão é propor uma reflexão sobre a educação e o papel que ela pode desempenhar juntamente com a ética, visando à construção da cidadania. Vivemos um momento de profundas transformações na educação que refletem e acompanham as mudanças que afetam o mundo atual. Assim, queremos com este estudo, responder a seguinte questão: Que princípios fundamentam uma prática pedagógica que contribua para a formação de um cidadão ético? Pensamos ser responsabilidade de todos os educadores defenderem a exigência ética da educação pautada nos princípios de cidadania, democracia, justiça, solidariedade e autonomia, pois só assim poderemos oportunizar um espaço para o desenvolvimento das capacidades individuais e para a garantia da igualdade de oportunidades em nossa sociedade desigual. Nosso estudo foi desenvolvido com base nas obras de Marilena Chauí, Paulo Freire, Antonio Sidekum e principalmente nos volumes do guia didático de Fundamentos da Educação dos professores Vanderlei Carbonara, Sandro

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ÉTICA: ADOTADA COMO PRINCÍPIO EDUCADOR, RESULTA EM UMAMODIFICAÇÃO NA SOCIEDADE.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho não pretende abordar de forma profunda

alguma questão de relevância da história da educação, e

muito menos fazer uma análise crítica dos valores. A sua

pretensão é propor uma reflexão sobre a educação e o papel

que ela pode desempenhar juntamente com a ética, visando à

construção da cidadania.

Vivemos um momento de profundas transformações na

educação que refletem e acompanham as mudanças que afetam o

mundo atual. Assim, queremos com este estudo, responder a

seguinte questão: Que princípios fundamentam uma prática

pedagógica que contribua para a formação de um cidadão

ético? Pensamos ser responsabilidade de todos os educadores

defenderem a exigência ética da educação pautada nos

princípios de cidadania, democracia, justiça, solidariedade

e autonomia, pois só assim poderemos oportunizar um espaço

para o desenvolvimento das capacidades individuais e para a

garantia da igualdade de oportunidades em nossa sociedade

desigual.

Nosso estudo foi desenvolvido com base nas obras

de Marilena Chauí, Paulo Freire, Antonio Sidekum e

principalmente nos volumes do guia didático de Fundamentos

da Educação dos professores Vanderlei Carbonara, Sandro

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Sayão, Sergio Tieppo, todos voltados à educação e a ética.

Segundo estudos do guia didático, envolvendo a área de

Filosofia, não podemos ensinar nossos estudantes a ser

éticos e nem mesmo “implantar” neles nossos valores mais

significativos; trabalhar questões éticas na sala de aula e

ter preocupações e práticas éticas na escola em nada pode

confundir-se com moralismo ou doutrinarismo.

O presente artigo está organizado em tópicos

onde inicialmente abordaremos algumas considerações sobre

educação, em seguida, conceitos de ética; dentro destes

tópicos faremos uma pequena análise sobre a relação entre

ética e educação. Posteriormente uma breve reflexão sobre

cidadania e finalmente procuramos relacionar educação,

ética e cidadania com a prática pedagógica.

2. EDUCAÇÃO

A educação significa formação integral do ser

humano, isto é, o desenvolvimento de suas potencialidades

com uma fundamentação ética para sua formação integral, ou

seja, significa perseguir e possuir o ideal de ser humanos,

sociedade e mundo.

Segundo Sidekunn (2002), Todo povo que atinge

certo grau de desenvolvimento se sente naturalmente

inclinado à prática da educação, ela é o princípio por meio

da qual a comunidade humana conserva e transmite a sua

personalidade física e espiritual, mas o espírito humano

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conduz progressivamente à descoberta de si próprio e cria,

pelo conhecimento do mundo exterior e interior, formas

melhores de existir.

Conforme vimos nas leituras de filosofia do guia

didático, para Platão, a educação está relacionada com o

desenvolvimento humano, com a passagem de um estado ingênuo

de compreensão da realidade para um estado de elevação a um

nível de conhecimento da realidade em si.

Com o passar do tempo a compreensão de educação

vai se ampliando, abordando não só a compreensão da

realidade pelo sujeito, mas também o contexto de relações

que interferem nesse processo. Em linhas gerais costuma-se

tratar por educação o conjunto de procedimentos tomados

pelas gerações mais velhas para formarem as gerações mais

novas segundo valores considerados válidos num determinado

ambiente social.

2.1.ÉTICA E EDUCAÇÃO

A educação ética acontece quando os valores no

conteúdo e no exercício do ato de educar são valores

humanos e humanizadores: a justiça, a dignidade da pessoa,

a solidariedade, a democracia, a autonomia, o

desenvolvimento integral de cada um.

As relações entre ética e educação são múltiplas

e complexas, seja pela natureza de ambos, seja porque

vivemos um período crítico no qual os valores morais estão

muito conturbados. E é justamente nos momentos de crise que

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a educação moral se faz indispensável, embora sejam maiores

as dificuldades para praticá-la. Há complicadas e

problemáticas relações entre ética e educação o que

preocupa particularmente os educadores conscientes de sua

responsabilidade na formação de novas gerações.

Devemos oferecer aos nossos jovens, através da

educação e da ética, as ferramentas necessárias à

apropriação crítica de conhecimentos para a consolidação de

atitudes socialmente responsáveis. É na infância e

adolescência que o individuo tendo como base os valores que

recebeu, seja da família, na escola, dos amigos, da

religião ou das informações que recebe pela mídia, por meio

de todas as experiências que passou que o jovem vai

construir o seu próprio código de ética.

A educação é uma socialização das novas gerações

de uma sociedade e, enquanto tal conserva os valores

dominantes (a moral) naquela sociedade. A educação é também

uma possibilidade e um impulso à transformação:

desenvolvimento das potencialidades dos educandos.

Toda a educação é uma ação interativa: realiza-se

através da informação, da comunicação e do diálogo entre

seres humanos. Em toda educação há outro em relação. Por

tudo isso, a ética está implicada em toda educação. Uma

educação pode ser eficiente enquanto processo formativo e

ao mesmo tempo, eticamente mau, como foi à educação

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nazista, por exemplo. Pode ser boa do ponto de vista da

moral vigente e má do ponto de vista ético.

A educação ética (ou, a ética na educação)

acontece quando os valores no conteúdo e no exercício do

ato de educar são valores humanos e humanizadores: a

igualdade cívica, a justiça, a dignidade da pessoa, a

democracia, a solidariedade, o desenvolvimento integral de

cada um e de todos.

Nos termos colocados, pode-se perceber que não se

requer apenas a ética na educação, mas, sobretudo a

educação na ética. Diferentemente dos animais

irracionais, a natureza estabeleceu o indivíduo no cosmos

em estado bruto, inacabado; cabendo a esse indivíduo

educar-se pelo exercício da razão até atingir o estágio de

uma vida virtuosa.

Portanto a educação é um dos aspectos básicos na

construção de uma conduta ética, na medida em que somente

pela mediação da educação é possível deslocar ás paixões do

controle na natureza apara o controle da razão.

2.2. EDUCAÇÃO E ÉTICA SOCIAL

O Homem, segundo Kant, não é senão o que a educação

faz dele. Entende-se, então, que a educação deve dar ao

Homem condições para que possa conviver entre iguais,

tornando-os sujeitos de direitos e deveres. OS homens

estabelecem, para esta convivência, um compromisso ético-

político entre si, variando conforme a época.

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Educar é socializar as novas gerações, conservando e

transformando os valores dominantes daquela sociedade, e

isto significa desenvolver as potencialidades dos

indivíduos. É uma ação interativa que se faz mediante

informações, comunicação e diálogo entre as pessoas, pois

em toda educação há outro em discussão, e assim a ética

está implicada. Diante destas premissas, que relação existe

entre a educação, a ética e a cidadania? Para responder a

tal questionamento, faz-se necessário uma breve

retrospectiva ao mundo grego, de forma que nos proporciona

um maior número de conceitos e possibilita uma maior

compreensão do fenômeno.

A pedagogia, antes de ter autonomia, era parte

integrante da ética e da política, e elaborada unicamente

em atenção aos fins propostos pelo Estado. Pela sua

natureza prática/empírica, a pedagogia referia-se ao

primeiro adestramento da criança para a vida privada e

pública. Este adestramento passava necessariamente pela

palavra, que instaura uma relação indireta entre as

pessoas, midiatizada pelo conceito que tem uma dimensão

ideológica. Daí a preocupação de Sócrates com os conceitos

morais relativizados pelos Sofistas, o que iria dar

necessariamente numa moral relativizada pelo indivíduo como

medida das coisas e das palavras.

Sócrates é reconhecido como o fundador da moral

(moral para ele é sinônimo de ética), que não se baseava

simplesmente nos costume dos povos, mas na convicção

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pessoal, através do processo de consulta a seu daimon

interior, para compreender a justiça das leis. Ele se

preocupava com o agir.

Platão vai colocar o bem como forma ideal e perfeita

e que, para alcançá-lo, o Homem deveria trilhar a via do

conhecimento, libertando o espírito humano dos erros e

ilusões da doxa (opinião comum) e elevá-lo ao mundo da

clareza e da verdade (epistéme). O homem assim formado

estaria pronto para cumprir com o mais alto dever de

cidadania e usar o conhecimento para o benefício da Polis.

O compromisso ético-político da educação platônica é

criticado não só pelo idealismo, como também pelo elitismo

(o melhor sábio é o que deve governar). Aqui se estabelece

a relação saber-poder, que fundamenta a exclusão social.

Vale ressaltar, entretanto, que o pensamento platônico não

é discriminatório, lembrando o pensamento de Sócrates no

Ménon, pelo seu método dialógico, faz com que o escravo

resolva problemas de geometria até então desconhecidos por

ele, enquanto seu amo não consegue fazê-lo. De qualquer

forma, o direito à plena educação fica restrito aos que

provavam possuir alma de ouro. Mas, para Platão, importava

mais infundir na Polis um ethos bom e não dotá-la de um

amontoado de leis.

Na visão epicurista, no espaço educativo do jardim, a

filosofia era ensinada para todos (homens, mulheres e

estrangeiros), que necessitassem, e eles encontrariam no

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discurso filosófico a cura para os males. Isto seria

adquirido na philia que é o sentimento de amor pela

humanidade, colocado tanto no desejo de buscar a felicidade

terrena quanto no exercício do logos, capaz de libertar as

pessoas das garras da crendice.

No pensamento de Aristóteles, a ética vai designar as

concepções morais nas quais os homens têm fé. Para ele, o

único objetivo que o Homem persegue é o bem, não importa o

que ele faça. O bem supremo é a felicidade (eudaimonia). E

a felicidade surge da ética coletiva e da política. A ética

nasce dos hábitos que decorrem do adestramento numa relação

familiar, mas as dianoéticas decorrem da inteligência e

podem ser desenvolvidas por ensinamentos.

Aristóteles condena os Homens que se utilizam do

saber para objetivos nefastos. Ele diz que os mesmos não

conhecem a razão de ser da ciência. Isto é fruto do

moralismo intelectual, pensamento vigente em sua época.

Para tanto, é preciso ser virtuoso e respeitar os valores

morais segundo os quais cada um foi formado. É o

Eudaimonismo humanista ou o Intelectualismo ético.

As escolas morais são decorrentes do processo de

confederalização das cidades estado gregas, ou seja, da

centralização das decisões morais, políticas, econômicas e

sócio-culturais, centralizadas num processo de

racionalização das cidades-estado. O resultado desta

confederalização foi um desvirtuamento e o não

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pertencimento a uma comunidade específica e definida, como

num processo de globalização.

A Ética grega permeava, então, todos os campos de

atuação e o Estado (a Polis) significava mais do que uma

simples administração mecânica, ele era toda a finalidade

que levava a felicidade aos indivíduos e os motivava a boas

ações. Mas, esta administração estava fundamentada no

moralismo intelectual, o que levava obrigatoriamente a uma

gestão voltada para o conhecimento no sentido amplo e isto

quer dizer ético.

3. ÉTICA

3.1. CONCEITO

Podemos definir ética como sendo a reflexão

filosófica sobre o agir humana, a construção racional dos

valores do indivíduo para com a sociedade; apresenta-se a

ética como alteridade própria, ou seja, responsabilidade do

Eu para com o Outro de tal maneira que a liberdade

individual é posta em segundo plano a fim de que a justiça

assuma a primazia nas relações intersubjetivas.

Levinas em sua obra “Entre nós: ensaios sobre a

alteridade” (1997) descrevem a ética como o próprio humano,

enquanto humano, a ética não é uma invenção da raça branca,

da humanidade que leu os autores gregos nas escolas e que

seguiu certa evolução. O único valor absoluto é a

possibilidade humana de dar, em relação a si, prioridade ao

outro.

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Para que haja conduta ética, conforme Marilena

Chauí (2002) é preciso que exista o agente consciente, isto

é, aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e

errado, permitido e proibido, virtude e vício. A

consciência moral não só conhece tais diferenças, mas

também se reconhece como capaz de julgar o valor dos atos e

das condutas e de agir em conformidade com os valores

morais, sendo por isso responsável por suas ações e seus

sentimentos e pelas conseqüências do que faz e sente.

Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis

da vida ética.

Por ética entendemos uma orientação de vida

alicerçada na prática livre da virtude segundo pressupostos

da razão, mediante a qual o sujeito age com base em sua

consciência, alheio às coerções exteriores vontade do outro

e interiores tirania das paixões, tendo por finalidade a

síntese entre a harmonia consigo e a harmonia com os

outros.

A despeito de o indivíduo nascer potencialmente

ético, pois a ética tem como pressuposto a razão

(consciência de si e do mundo), não se pode entender a

conduta ética como algo exclusivamente dado, mas como uma

construção segundo a vontade pessoal e mediada pela razão

tendo por finalidade a plena humanidade na relação dos

indivíduos consigo e entre si.

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Em síntese, a ética é o recurso fundamental para o

aprimoramento da natureza humana no uso dos prazeres e na

escolha dos destinos da vida.

3.2.ÉTICA E MORAL

A ética não se confunde com a moral. A moral é a

regulação dos valores e comportamentos considerados

legítimos por uma determinada sociedade, um povo, uma

religião, certa tradição cultural... Há morais específicas,

também, em grupos sociais mais restritos: uma instituição,

um partido político... Há, portanto, muitas e diversas

morais. Isto significa que uma moral é um fenômeno social

particular que não tem compromisso com a universalidade,

com o que é válido, de direito e justo para todos os

homens. Exceto quando atacada: justifica-se se dizendo

universal, supostamente válida para todos. Mas, então,

todas e quaisquer normas morais são legítimas? Não deveria

existir alguma forma de julgamento da validade das morais?

Existe, e essa forma é o que designamos por ética.

A ética é uma reflexão crítica sobre a

moralidade. Mas ela não é puramente teórica. A ética é um

conjunto de princípios e disposições voltados para a ação,

historicamente produzidos, cujo objetivo é regular as ações

humanas. A ética existe como uma referência para os seres

humanos em sociedade, de modo a que a sociedade possa

tornar-se cada vez mais humana. A ética pode e deve ser

incorporada pelo?

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Unicamente, para entendermos como isso acontece na História

da humanidade, basta lembrarmo-nos que, um dia, a

escravidão foi considerada “natural”. Entre a moral e a

ética há uma tensão permanente: a ação moral procura uma

compreensão e uma justificação crítica universal, enquanto

que a ética exerce uma permanente vigilância crítica sobre

a moral, para reforçá-la ou transformar.

3.3.ÉTICA E CIDADANIA

As instituições sociais e políticas têm uma

história. É impossível não se reconhecer o seu

desenvolvimento e o seu progresso em muitos aspectos, pelo

menos do ponto de vista formal. Consideremos, por exemplo,

o caso do Brasil: a escravidão era legal até 120 anos

atrás; as mulheres brasileiras conquistaram o direito de

votar apenas há 60 anos e os analfabetos apenas há bem

pouco tempo. Chamamos isso de ampliação da cidadania.

Mas há direitos formais (civis, políticos e

sociais) que nem sempre se realizam como direitos reais. A

cidadania nem sempre é uma realidade efetiva, nem para

todos. A efetivação da cidadania e a consciência

coletiva dessa condição são indicadores do desenvolvimento

moral e ético de uma sociedade.

Para a ética não basta que exista um elenco de

princípios fundamentais e de direitos definidos nas

Constituições. O desafio ético para uma Nação é o de

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universalizar os direitos reais, permitindo a todos uma

cidadania plena, quotidiana e ativa.

4. CIDADANIA

Aprender a ser cidadão é, entre outras coisas,

aprender a agir com respeito, solidariedade,

responsabilidade, justiça; aprender a usar os diálogos nas

mais diferentes situações e comprometer-se com o que

acontece na vida coletiva da comunidade e do País. Esses

valores precisam ser aprendidos e desenvolvidos pelos

estudantes e, portanto, podem e devem ser ensinados na

escola.

Um aspecto importante a ser considerado nesse

processo é o papel ativo dos sujeitos do aprendizado,

estudantes e professores, que interpretam a conferem

sentido aos conteúdos com que convivem na escola a partir

de valores previamente construídos e de sentimentos e

emoções.

Para Aristóteles, cidadão é um indivíduo que

possui a potência de participação nas coisas públicas, o

que revela que a definição de cidadão estará inscrita na

categoria de cidadania. A partir desta interpretação que

utilizamos, cidadania é uma conquista do indivíduo através

de sua participação responsável nos assuntos públicos de

sua comunidade.

O ser humano precisa ser autônomo e a liberdade

só pode ser pensada a partir da compreensão de que o ser

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humano é plenamente dono de si e capaz de decidir sobre

seus próprios atos na vida, tendo liberdade e

responsabilidade.

De acordo com Paulo Freire (2002), a liberdade,

que é uma conquista e não uma doação exige uma permanente

busca. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo

contrário, luta por ela precisamente porque não a tem.

Ainda nos diz Paulo Freire (2002), que a luta pela

humanização não se justifica apenas em que passem a ter

liberdade para comer, mas liberdade para criar e construir,

para admirar e aventurar-se. Tal liberdade requer que o

indivíduo seja ativo e responsável, não como um escravo nem

umas peças bem alimentados da máquina. Não basta que os

homens não sejam escravos; se as condições sociais fomentam

a existência de autômatos, o resultado não é o amor a vida,

mas o amor a morte.

É uma unanimidade no contexto educacional, a

afirmação de que a escola deve pautar a sua ação pedagógica

na formação de cidadãos, isto é, deve desenvolver as

potencialidades dos indivíduos para sua conquista de

cidadania. Partindo desse contexto, temos, assim, duas

questões essenciais a serem respondidas. A primeira é: o

que é ser cidadão? A segunda, não apresenta a mesma

simplicidade e consiste na pergunta: como se forma um

cidadão?

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Para responder a primeira questão, busco auxílio na

Política de Aristóteles, por encontrar neste pensador uma

reflexão cuidadosa e atual de cidadania. Aristóteles

elabora uma concepção política de indivíduo, em que o ser

humano é compreendido enquanto um ser político que deve

construir-se através de uma práxis ético-política no

interior da comunidade política, o que conduz

necessariamente a uma definição de cidadão como um

indivíduo que participa da esfera pública de forma ativa.

Na interpretação aristotélica, a cidadania não é

oportunizada nem pelo local de nascimento, nem pelos

direitos jurídicos (direito de acusar e de se defender no

tribunal), nem tampouco pelo nascimento (ARISTÓTELES, 1997,

p. III, 1, 1275 a 5-13; 2 1275 b 21-26). É importante

destacar o argumento utilizado que evidencia que esses

indivíduos só seriam cidadãos de uma maneira imperfeita,

bem como os jovens e os anciãos que já foram dispensados de

suas atividades públicas, pois não possuem a capacidade de

atividade na esfera pública no que diz respeito às questões

de justiça e de governo. Esta é a definição de cidadão para

Aristóteles: um indivíduo que possui a potência de

participação nas coisas públicas, o que revela que a

definição de cidadão estará inscrita na categoria de

cidadania.

A idéia defendida é que a cidadania não é uma pura

formalidade, um estado garantido pelo nascimento e por

direitos civis abstratos, o que lhe confere uma pertença

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natural e legal à comunidade, mas, sim, que a cidadania é

uma atividade (ação humana), em que o cidadão conquista sua

cidadania em função de sua participação na esfera pública a

partir dos poderes deliberativos e judiciários. Destarte,

cidadão é entendido como aquele que pode participar nos

cargos deliberativos e judiciais da pólis e alcançar a

cidadania, o que garantirá a autonomia A partir desta

interpretação que utilizamos, cidadania é uma conquista do

indivíduo através de sua participação responsável nos

assuntos públicos de sua comunidade.

Mas como a escola pode formar um cidadão em uma

sociedade que parece estar apenas preocupada com questões

utilitárias particulares? Penso, sobretudo, em quatro eixos

fundamentais que se interligam. A escola deve possibilitar

o acesso e o domínio dos atuais meios de informação e

comunicação disponíveis, como computador, televisão, vídeo,

DVD, jornais, revistas, livros, internet. A única

possibilidade de formar um indivíduo autônomo é capacitá-lo

na utilização e na busca da informação, pois ele deve ter

acesso e saber utilizar estas ferramentas cotidianas. Isto

nos conduz ao segundo eixo, que é possibilitar aos

educandos o domínio dos múltiplos códigos culturais da

civilização. Pode-se partir do domínio dos diversos gêneros

textuais em uso, para se chegar ao domínio (parcial) da

cultura da sociedade: literatura, cinema, pintura,

escultura, filosofia, ciência, religião etc.

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Como é possível adquirir um sentimento de pertença à

nossa comunidade se desconhecemos o que ela produziu e

produz culturalmente? Como terceiro eixo, é necessário que

a escola desenvolva nos educandos a capacidade de

estabelecer relações com as informações obtidas, pois, sem

isso, não se alcança o conhecimento, sendo este o que dá

sustentação para a cidadania. Creio que aqui se apresenta o

nó górdio da educação básica brasileira, pois, em geral, a

escola trabalha apenas com informações desconectadas, o que

não propicia a aquisição do conhecimento por parte do

educando. Os três aspectos anteriores devem conduzir-

nos para um compromisso em estimular a participação

responsável dos alunos nas decisões e compromissos grupais,

o que nos encaminha ao princípio ético de democracia.

4.1. CIDADANIA E A PRÁTICA PEDAGÓGICA

É preciso ter claro que as crianças estão em

processo inicial de constituição subjetiva, ou seja, de

descoberta e de definição do seu próprio Eu, portanto, não

se pode exigir delas uma resposta ética para a qual ainda

não despertaram isso vai sendo definido com o seu

amadurecimento.

O primeiro fator a ser pensado ao tratarmos da

dimensão ética do trabalho com crianças não é o conteúdo a

ser ministrado, mas a vivência a ser gerada no ambiente

educacional, sendo assim, a atitude ética do professor

junto aos seus estudantes apresenta-se como referência, bem

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como a constante reflexão gerada a partir de sua

convivência diária. Não ensinamos alguém a ser ético; em

lugar disso, proporcionamos vivências e reflexões no

cotidiano de nossas crianças, de forma a agregar

problematizações e teorizações capazes de contribuir na

formação desses estudantes.

Paulo Freire (1997), como aspecto principal de

sua abordagem pedagógica constata que “formar” é muito mais

que treinar o educando no desempenho das tarefas. Chama à

atenção dos educadores a responsabilidade ética,

elucidando-os na arte de conduzir seres à reflexão crítica

de suas realidades.

Um planejamento pedagógico-filosófico não pode

confundir-se com lições de moral que se apresentam ao final

de uma história ou de uma atividade; uma educação para a

ética não tem como meta um modelo de sujeito e de sociedade

a ser alcançado, ao invés disso, devemos pensar no quanto

podemos contribuir com nossos estudantes ao ajudá-los a

pensar criticamente sobre suas relações interpessoais,

começando pelo princípio de trabalhar questões éticas na

sala de aula. Nosso papel não é o de ensinar a criança a

ser solidário com o próximo, ou que não se deva largar lixo

na rua: isso não seria educação, mas condicionamento.

Nosso papel de educadores consiste em

proporcionar vivências que despertem para a reflexão ética.

Para isso é importante problematizar diante dos mais

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variados fatos do cotidiano, proporcionar atividades de

intensa convivência e outras que valorizam o isolamento de

modo a fazer uma ponte entre ambas numa roda de diálogo,

onde não devem ser impostas condutas, deve-se incentivar

para que cada criança emita seus próprios juízos a partir

do que as vivências lhe proporcionam.

5. CONCLUSÃO

Queremos então com este estudo mostrar que a

prática pedagógica de profissionais comprometidos com a

educação para pensá-lo e com a formação para a cidadania

deve estar fundamentada nos princípios éticos da justiça e

da igualdade de direitos. Busca-se com isso desenvolver a

autonomia moral dos alunos, tratando a verdade, o

conhecimento de si mesmo e do mundo, numa comunidade de

investigação ética, baseada no respeito mútuo e no diálogo.

A ação do professor deve resgatar o sentido de comunidade,

buscando o prazer, a sensibilidade e a beleza, para

envolver os alunos no exercício de pensar por si mesmo e

cada vez melhor a realidade de forma crítica, cuidadosa e

criativa.

Consideramos que é possível contribuir para o

desenvolvimento de cidadãos mais autônomos a partir da

prática pedagógica, baseada no diálogo, pesquisa e

investigação, tornando nossas crianças mais críticas,

responsáveis e conseqüentemente mais éticos.

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Com efeito, a prática da educação pressupõe mediações

subjetivas, a intervenção da subjetividade de todos aqueles

que se envolvem no processo. Dessa forma, tanto no plano de

suas expressões teóricas como naquele de suas realizações

práticas, a educação implica a própria subjetividade e suas

produções. Mas a experiência subjetiva é também uma

riquíssima experiência das ilusões, dos erros e do

falseamento da realidade, ameaçando assim, constantemente,

comprometer sua própria atividade. Não sem razão, pois, o

exercício da prática educativa exige, da parte dos

educadores, uma atenta e constante vigilância diante dos

riscos da ideologização de sua atividade, seja ela

desenvolvida na sala de aula, seja em qualquer outra

instância dos planos macros social do sistema de educação

da sociedade.

Assim sendo, a escola se dá como lugar do

entrecruzamento do projeto político coletivo da sociedade

com os projetos pessoais e existenciais de educandos e

educadores. É ela que viabiliza que as ações pedagógicas

dos educadores se tornem educacionais, na medida em que se

impregna das finalidades políticas da cidadania que

interessa aos educando. Se, de um lado, a sociedade precisa

da ação dos educadores para a concretização de seus fins,

de outro os educadores precisam do dimensionamento político

do projeto social para que sua ação tenha real significado

como mediação da humanização dos educando. Estes encontram

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na escola um dos espaços privilegiados para a vivificação e

a efetivação de seu projeto.

O envolvimento pessoal e a sensibilidade ética dos

educadores estão radicalmente vinculados a um compromisso

com o destino dos homens. É à humanidade que cada um tem

que prestar contas. Por isso mesmo é que o maior

compromisso ético é ter compromisso com as

responsabilidades técnicas e com o engajamento político.

Trata- se, pois, para todos os homens, de vincular sua

responsabilidade ética à responsabilidade referencial de

construção de uma sociedade mais justa, mais eqüitativa –

vale dizer, uma sociedade democrática, constituída de

cidadãos participantes em condições que garantam a todos os

bens naturais, os bens sociais e os bens simbólicos,

disponíveis para a sociedade concreta em que vivem, e a que

todos têm direito, em decorrência da dignidade humana de

cada um.

O respeito e a sensibilidade ao eminente valor

representado pela dignidade da pessoa humana não tornam

essa postura ética abstrata, idealizada e aliena ,ao

contrário, exigem o aguçamento da sensibilidade às

condições históricas e concretas de nossa existência –

afinal, suas únicas mediações reais. Esse aguçamento exige,

por sua vez, o pleno compromisso de aplicação do uso da

única ferramenta para a orientação da existência humana: o

conhecimento que precisa tornar-se, então, competente,

criativo e crítico. A mais radical exigência ética que se

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faz manifesta, neste quadrante de nossa história, para

todos os sujeitos envolvidos na e pela educação é, sem

nenhuma dúvida, o compromisso de aplicação do conhecimento

na construção da cidadania.

Temos consciência de que não existem fórmulas

mágicas, regras pré-estabelecidas ou manual de instruções

que sejam infalíveis para a educação de nossas crianças,

mas não podemos perder de vista, que um de nossos grandes

desafios é contribuir para elas possam estabelecer seu

próprio referencial de conduta ética.

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