Estudo de Conceitos de F´ısica Térmica utilizando um ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE S ˜ AO CARLOS CAMPUS SOROCABA CENTRO DE CI ˆ ENCIAS E TECNOLOGIAS PARA A SUSTENTABILIDADE DEPARTAMENTO DE F ´ ISICA, QU ´ IMICA E MATEM ´ ATICA Estudo de Conceitos de F´ ısica T´ ermica utilizando um Simulador Mecˆ anico Wesley Moura Boracchi Cristino UFSCar - Sorocaba Outubro/2018

Transcript of Estudo de Conceitos de F´ısica Térmica utilizando um ...

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO CARLOS

CAMPUS SOROCABA

CENTRO DE CIENCIAS E TECNOLOGIAS PARA A SUSTENTABILIDADE

DEPARTAMENTO DE FISICA, QUIMICA E MATEMATICA

Estudo de Conceitos de Fısica Termica utilizandoum Simulador Mecanico

Wesley Moura Boracchi Cristino

UFSCar - Sorocaba

Outubro/2018

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO CARLOS

CAMPUS SOROCABA

CENTRO DE CIENCIAS E TECNOLOGIAS PARA A SUSTENTABILIDADE

DEPARTAMENTO DE FISICA, QUIMICA E MATEMATICA

Estudo de Conceitos de Fısica Termica utilizandoum Simulador Mecanico

Wesley Moura Boracchi Cristino

Trabalho de Conclusao de Curso apresentado

ao curso de Licenciatura Plena em Fısica da

Universidade Federal de Sao Carlos, campus

Sorocaba, para obtencao do tıtulo de Licenciado

em Fısica.

Orientacao: Prof. Dr. James Alves de Souza

UFSCar - Sorocaba

Outubro/2018

Agradecimentos

Agradeco a Deus por essa primeira etapa concluıda em minha carreira

profissional e por ter me ajudado em todos os momentos da vida. A Ele toda

honra e minha eterna gratidao.

Agradeco ao Prof. Dr. James Alves de Souza por ter me orientado neste

projeto demorado, sempre me motivando e apoiando mesmo nos momentos mais

crıticos de minha formacao. Sua enorme paciencia, cooperacao, mente inovadora

e empolgadora foram essenciais para a viabilizacao deste trabalho. A ele meu

profundo agradecimento e enorme carinho, muito obrigado professor!

A minha famılia que sempre me incentivou e apoiou em todos os anos

de minha graduacao. Ao meu pai Hugo Boracchi Cristino e mae Noemia Costa

Moura Cristino, pela liberdade, amor e apoio incondicional aos meus estudos. Ao

meu irmao Willian de Moura Boracchi que sempre me ajudou, mesmo em seu

pior momento de vida. A minha amada cunhada e eterna jovem Lucinei A. C.

L. Boracchi, que sempre elogiou o projeto, a qual partiu deixando saudades, e a

quem dedico este trabalho.

Agradeco aos meus amigos e a todos meus professores, por todo o ca-

rinho, conhecimento partilhado, conselhos e todas as experiencias universitarias

convividas em todos esses anos.

A minha futura, com amor.

Sumario

1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

1.1 Problema de Pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

1.2 Hipotese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.3 Objetivos Gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

1.4 Objetivos Especıficos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

1.5 Justificativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2 Referencial Teorico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2.1 Ensino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2.1.1 Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel . . . . . 9

2.1.2 Fısica Termica no Ensino Medio: Proposta Curricular do

Estado de Sao Paulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

3 Fısica Termica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

3.1 Termodinamica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

3.1.1 Gas Ideal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3.1.2 Lei de Boyle-Mariotte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

3.1.3 Lei de Charles . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3.1.4 Lei de Gay-Lussac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

3.1.5 Obtencao da Equacao de Estado Termica dos Gases Ideais 19

4

3.1.6 Primeira Lei da Termodinamica . . . . . . . . . . . . . . . 21

3.1.7 Segunda Lei da Termodinamica . . . . . . . . . . . . . . . 29

3.2 Teoria Cinetica dos Gases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

3.2.1 Calculo Cinetico da Pressao . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

3.2.2 Energia Cinetica Media de Translacao . . . . . . . . . . . 38

3.2.3 Livre Percurso Medio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

3.2.4 Movimento Browniano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

3.3 Mecanica Estatıstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

3.3.1 O Problema do Passeio Aleatorio . . . . . . . . . . . . . . 44

3.3.2 Microestado de um Sistema, Espaco de Fase e Entropia . . 47

4 Metodologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

4.1 O Simulador e o Analogo Mecanico de um Gas Real . . . . . . . . 51

4.2 Construcao do Simulador Mecanico . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

4.2.1 Motor e Engrenagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

4.2.2 Pistao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

4.2.3 Manivela e Pivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

4.2.4 Cilindro de vidro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

4.2.5 Base . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

4.2.6 Esferas e embolos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

4.2.7 Bases Especiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

4.2.8 Circuito Eletrico do Simulador Mecanico . . . . . . . . . . 62

4.2.9 Montagem Final . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

5 Simulacoes e Analise dos Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . 67

5.1 Simulacao da Lei de Boyle-Mariotte . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

5.2 Simulacao da Lei de Charles . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

5.3 Simulacao da Lei de Gay-Lussac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

5.4 Simulacao da Primeira Lei da Termodinamica . . . . . . . . . . . 80

5.5 Simulacao da Segunda Lei da Termodinamica . . . . . . . . . . . 84

5.6 Simulacao da Expansao Livre de um Gas . . . . . . . . . . . . . . 91

5.7 Simulacao da Mistura de Dois Gases . . . . . . . . . . . . . . . . 93

5.8 Simulacao da Evaporacao de um Perfume . . . . . . . . . . . . . 97

5.9 Simulacao do Problema do Passeio Aleatorio . . . . . . . . . . . 100

5.10 Simulacao do Livre Percurso Medio . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

5.11 Simulacao do Movimento Browniano . . . . . . . . . . . . . . . . 106

6 Consideracoes Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108

Referencias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

Resumo

Nesta monografia apresentamos a proposta e os resultados obtidos de

onze simulacoes mecanicas, idealizadas para que sejam empregadas no estudo

didatico de conceitos de Fısica Termica para o Ensino Medio. Para tanto,

construımos um simulador mecanico composto por um cilindro de vidro trans-

parente disposto verticalmente, contendo pequenas esferas plasticas em seu in-

terior. Cada esfera representa uma partıcula (atomo ou molecula) de um gas

ideal. As esferas foram colocadas em movimento, em uma especie de agitacao

termica, atraves de um pistao acoplado a um motor eletrico. A ideia central

desenvolvida foi a representacao de caracterısticas microscopicas de processos

termicos, cujos efeitos se manifestam no estado macroscopico do sistema fısico

representado. Nestas simulacoes demonstramos as causas e relacoes microscopicas

que explicam as Leis de Boyle-Mariotte, de Charles, de Gay-Lussac, da Primeira e

Segunda Leis da Termodinamica. Demonstramos tambem o carater probabilıstico

de processos irreversıveis, como a expansao livre de um gas e a mistura de

dois gases diferentes. Adicionalmente, foi possıvel descrever o significado de

livre percurso medio, simular o problema do caminho aleatorio e a origem do

movimento browniano. A descricao mecanica quantitativa realizada, aliada a

potencial capacidade de vizualizacao dos fenomenos simulados, pode permitir

uma abordagem mais dinamica e compreensiva dos conceitos de Fısica Termica,

contribuindo como ferramenta facilitadora no processo de ensino-aprendizagem,

alem de poder promover uma aprendizagem mais significativa.

Palavras-chave: Ensino de Fısica Termica, simulacao no ensino de Fısica, leis dos

gases ideais, leis da Termodinamica, Teoria cinetica dos gases, mecanica estatıstica.

i

Abstract

In this work we present a proposal of a mechanical device constructed

and designed to simulate several experiments in the area of Thermal Physics,

for didactic use in High School. The central idea is to represent the microscopic

characteristics of thermal processes, in which its effects are manifested in the

macroscopic state of the represented physical system. In this way, we also

inserted some concepts related to Statistical Mechanics to be introduced in the

Physics classes. In this work we conducted eleven simulations carried out in

a single apparatus, where we demonstrate the causes and microscopic relations

to explain the Laws of Boyle-Mariotte, Charles, Gay-Lussac, First and Second

Laws of Thermodynamics. The probabilistic feature of irreversible processes, such

as the free expansion and the mixture of gases, was also demonstrated. With

our mechanical simulator we were able to discuss the meaning of the mean free

path, to present the problem of the random walk and the cause of the Brownian

motion. Additionally to the visual analogy, we measured some properties in

the representative mechanical system, which led to interesting results similar

to those obtained for real gases, such as the adiabatic curve and the absolute

zero prediction. The quantitative mechanical description along with a potential

visualization of simulated microscopic phenomena allow a more dynamical and

comprehensive approach to Thermal Physics concepts. It can also contribute to

facilitate the teaching-learning process promoting a more meaningful learning.

Keywords: Teaching of Thermal Physics, simulation in physics teaching, ideal gas

laws, laws of thermodynamics, kinetic theory of gases, statistical mechanics.

ii

Lista de Figuras

3.1 Diagrama da pressao P em funcao do volume V de um gas ideal

mostrando duas isotermas de Boyle para diferentes temperaturas

T1 e T2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3.2 Diagrama V× T da lei de Charles para tres diferentes pressoes. . 18

3.3 Diagrama P×V apresentando os processos isotermico, de A a B, e

isobarico, de B a C, para a obtencao da equacao de estado termica

de um gas ideal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.4 Partıcula de massa m se movendo em uma dimensao sujeita a uma

forca ~F partindo de um estado inicial na posicao x1 seguindo ate

o estado final em x2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

3.5 Colisao de uma unica molecula com velocidade v com um pistao

preso a uma mola. A componente em x da velocidade da molecula

e invertida de vx1 para −vx1 enquanto que a componente em y, vy1,

permanece a mesma antes e depois da colisao. . . . . . . . . . . . 35

3.6 .(a) Trajetoria tıpica de uma molecula de um gas, cırculo fechado,

colidindo com as moleculas de outro gas, cırculos abertos. (b) A

colisao entre duas moleculas ocorre quando os centros das mesmas

se aproximam de uma distancia d. (c) O mesmo numero de colisoes

de qualquer molecula seria observado se o diametro da molecula

fosse aumentado de 2d. Neste caso todas as outras moleculas

seriam reduzidas a pontos geometricos. . . . . . . . . . . . . . . . 40

iii

Lista de Figuras iv

3.7 Trajetoria aleatoria de uma partıcula que realiza movimento brow-

niano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

3.8 Deslocamento de uma partıcula em uma dimensao, eixo x, a partir

de uma origem arbitraria O para ilustrar o problema do passeio

aleatorio ou passeio do bebado. A partıcula pode se deslocar para

direita ou para esquerda dando saltos sempre do mesmo compri-

mento l. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

4.1 Representacao do simulador mecanico com seus principais elementos. 51

4.2 Conjunto formado pelo motor e volante (peca destacada). A cor-

reia mostrada a esquerda e posteriormente acoplada ao eixo do

motor, transferindo o movimento a volante. . . . . . . . . . . . . . 54

4.3 (a) Coletor universal de amostras utilizado como pistao. (b) Peca

em forma de disco (em destaque) para apoio do CD/DVD no leitor

do DVD player e (c) e mostrado o pistao com o suporte. . . . . . 55

4.4 Montagem da manivela. A esquerda mostramos as dimensoes do

palito de sorvete cortado, no centro a manivela pronta com furos e

a direita e mostrado o parafuso utilizado como pivo e suas dimensoes. 55

4.5 Articulacao da manivela atraves dos pivos, monstrando em (a) o

pivo fixado a volante e em (b) o pivo fixado ao suporte do pistao.

(c) Conjunto Motor-manivela-pistao pronto. . . . . . . . . . . . . 56

4.6 Cilindro de vidro utilizado como recipiente do gas de esferas na

montagem do simulador mecanico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

4.7 Pecas em madeira tipo MDF utilizadas para a confeccao da base

do simulador mecanico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

4.8 Amplificacao da figura 4.7(d), mostrando as dimensoes dos furos

para a construcao do painel do dispositivo. . . . . . . . . . . . . . 58

4.9 Base montada sem o painel. A esquerda apresentamos a vista

lateral da base e a direita sua vista frontal, mostrando o seu interior

e os furos realizados na parte de tras da mesma. . . . . . . . . . . 58

Lista de Figuras v

4.10 A esquerda mostramos o calco, feito de palitos de sorvete, utilizado

para a fixacao do motor na base. A direita e apresentado o motor

fixo a base. Note que o cilindro de vidro foi utilizado para sustentar

o pistao na posicao vertical. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

4.11 A esquerda mostramos as esferas plasticas utilizadas para repre-

sentar as moleculas do gas nas simulacoes e a direita o conjunto do

embolo, mostrando da esquerda para a direita o embolo, a cruz e

o extensor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

4.12 (a) Base do tipo grade linear para a simulacao do problema do

caminho aleatorio. Cada posicao da grade foi numerada como -2,

-1, 0, 1, 2, da esquerda para a direita. (b) Base do tipo grade com

9 celulas numeradas dispostas em uma configuracao 3 × 3 para a

simulacao da Segunda Lei da Termodinamica. (c) Base do tipo

recipiente confeccionada para as simulacoes da mistura entre dois

gases e expansao livre de um gas. (d) Base tipo frasco com tampa

para a simulacao da evaporacao de um perfume. . . . . . . . . . . 62

4.13 Circuito eletrico montado para realizar o controle do aparelho

simulador mecanico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

4.14 Painel com as chaves e botoes de comando. . . . . . . . . . . . . . 64

4.15 Simulador mecanico completamente montado e pronto para fun-

cionar. Do lado direito tem-se a fonte de tensao selecionada na

posicao de 15 V. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

4.16 Tampa tipo lupa para a simulacao do movimento browniano. A

esfera mostrada representara uma partıcula de polen. . . . . . . . 65

4.17 Aparelho simulador e todos os acessorios confeccionados. O con-

junto sera capaz de simular e estudar diversos fenomenos na area

de Fısica Termica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

Lista de Figuras vi

5.1 O aumento da pressao mecanica no gas de esferas se da pela adicao

dos discos sobre o embolo, fazendo com que o volume mecanico di-

minua. Note no interior da caixa de vidro a direita, uma regua gra-

duada utilizada para facilitar na determinacao do volume mecanico

do sistema a medida que PM varia. . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

5.2 Grafico da pressao mecanica PM em funcao do volume mecanico

VM obtido dos dados da Tabela 5.2. A curva vertical pontilhada

tracejada corresponde ao valor mınimo VM0 do gas de esferas. As

isotermas mecanicas de Clausius de TM1 a TM11 correspondem a

temperaturas diferentes, ou seja, k (TMi), para i = 1, 2, . . . , 11,

diferentes e TM11 > TM1. A curva solida preta e uma adiabatica

do tipo apresentado na eq.(5.4). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

5.3 Grafico de PM vs VM mostrando uma adiabatica, curva solida

preta, ajustada nos pontos obtidos com o nosso simulador para

k = 1, 4 × 10−11 J e γM = 3, em comparacao com duas outras

adiabaticas para γM = 1, 66 (curva tracejada pontilhada azul) e

1, 4 (curva tracejada vermelha), em analogia a gases ideais mo-

noatomicos e diatomicos, respectivamente. . . . . . . . . . . . . . 74

5.4 Altura do embolo h em funcao da posicao angular do potenciometro

θ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

5.5 Energia cinetica media calculada em funcao do volume mecanico

obtido na simulacao da transformacao isobarica. . . . . . . . . . . 78

5.6 Quantidade de discos n introduzidas no eixo do embolo em funcao

da posicao angular do potenciometro θ para simulacao de uma

transformacao isocorica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

5.7 Energia cinetica media em funcao da pressao mecanica. Os pontos

foram obtidos na simulacao de um processo isocorico. . . . . . . . 81

Lista de Figuras vii

5.8 Grafico de UM , calculados pela teoria cinetica dos gases, em funcao

do produto PMVM medidos na simulacao. A curva solida vermelha

e o ajuste linear dos pontos obtidos na simulacao. O coeficiente

angular da reta e dado por α = 0, 0599± 0, 0003. . . . . . . . . . 82

5.9 Variacao da energia mecanica ∆UM devido ao aumento da posicao

angular θ do potenciometro. A curva solida vermelha mostra o

ajuste linear dos pontos. Seu coeficiente angular e da ordem de 10−7. 84

5.10 Base tipo grade 3 × 3 mostrando uma das configuracoes possıveis

que o sistema pode assumir para duas esferas. O anagrama asso-

ciado a esta configuracao e dado por EVVVEVVVV, sendo E a

celula que contem uma esfera e V uma celula vazia. A sequencia

do anagrama e obtido pela numeracao das celulas apresentada na

figura 4.12(b). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

5.11 Probabilidade de ocorrencia de macrovalores para 2 esferas na

grade 3× 3. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

5.12 Probabilidade de ocorrencia de macrovalores para 3 esferas na

grade 3× 3. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

5.13 Esferas ocupando inicialmente uma unica cavidade do recipiente

para simular a expansao livre de um gas. . . . . . . . . . . . . . . 92

5.14 Probabilidade de retorno das esferas apos espalhamento no recipiente. 94

5.15 Base tipo recipiente mostrando dois conjuntos de esferas de cores

diferentes dispostos separadamente, um em cada cavidade, para si-

mular a mistura irreversıvel de dois gases durante o funcionamento

do simulador mecanico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

5.16 Probabilidade de separacao espontanea das esferas. . . . . . . . . 96

5.17 Frasco contendo as esferas verdes representando o perfume e o ar

do quarto sendo representado pelas esferas azuis. . . . . . . . . . . 98

5.18 Apos varias agitacoes as moleculas de ar e de perfume ficam total-

mente misturadas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

Lista de Figuras viii

5.19 Mesmo apos muitas agitacoes, as moleculas de ar e de perfume

tendem a permanecer misturadas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

5.20 Posicao inicial da esfera para simular o problema do passeio aleatorio.101

5.21 Probabilidade de se encontrar a esfera em cada uma das posicoes

m = −2,−1, 0, 1, 2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

5.22 Percurso livre medio em funcao do tempo decorrido entre colisoes

para diferentes numeros de esferas. . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

5.23 Simulacao do movimento browniano observado para uma partıcula

suspensa, grao de polen, ao colidir com moleculas de agua, esferas

azuis em movimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

Capıtulo 1

Introducao

A Fısica mesmo enquanto disciplina escolar aborda os mais variados

assuntos. Podemos incluir desde temas relacionados aos fenomenos atomicos,

na escala microscopica da materia, ate temas relacionados aos gigantescos astros

abordados pela astronomia. Essa variedade de assuntos pode tornar a fısica esco-

lar atraente para os estudantes que perceberao, ao longo do tempo, a existencia

de leis fundamentais que regem os mais diversos fenomenos naturais, levando-os

a compreensao dos conceitos mais basicos deste universo harmonioso em que

estamos inseridos [1].

Ao mesmo tempo em que a Fısica escolar pode despertar o interesse pelo

conhecimento e o gosto pela ciencia, a tarefa de lecionar essa disciplina ainda

e permeada por dificuldades, das quais podemos citar a abstracao recorrente

de alguns conceitos que se apoia num ferramental matematico, nem sempre tao

simples de ser ensinado [2]. Outro problema enfrentado e o fato da Fısica lidar

com materiais e diversas situacoes que estao distantes do cotidiano simples dos

estudantes tais como, movimentos planetarios, fenomenos subatomicos, materiais

radioativos, intervalos de tempo muito pequenos ou gigantescos, entre outros.

Uma ferramenta importante no Ensino de Fısica, que complementa a

metodologia da experimentacao, e o emprego de simulacoes [3]. As simulacoes

didaticas sao representacoes que visam ilustrar por analogia fenomenos reais.

A utilizacao de quadro-negro para fazer representacoes ou a apresentacao de

1

1. Introducao 2

fotografias e imagens esquematicas na sala de aula nem sempre e suficiente para

representar da melhor maneira um fenomeno fısico, pois podemos estar interes-

sados na dinamica do mesmo. A simulacao, por outro lado, permite trabalhar a

dinamica de fenomenos de tal forma que o professor pode fazer com que os alunos

tenham uma melhor compreensao.

As simulacoes existem nas mais diversas formas. Essencialmente, elas po-

dem ser mecanicas, onde ha o emprego de uma maquina ou dispositivo que simula

de forma analoga o fenomeno que pretende-se ensinar. Esta pode ser tambem

computacional, em que o professor pode executar um programa de computador

para o tratamento de fenomenos em uma aula demonstrativa ou os alunos podem

interagir com os mesmos atraves de animacoes cujos parametros envolvidos no

sistema fısico, como massa, coeficiente de atrito, forca, energia, entre outros,

podem ser controlados virtualmente por eles. As simulacoes mecanicas, que e

o nosso interesse nesse trabalho, possuem o carater interessante e motivador de

tratar um fenomeno fısico em uma escala diferente daquela do fenomeno real

atraves de analogias. Fenomenos na escala atomica, por exemplo, podem ser

representados por simuladores mecanicos em escala macroscopica, fazendo com

que o tratamento abstrato e completamente matematico do sistema em estudo

ganhe um caracter visual, tornando o tratamento didatico do mesmo um pouco

mais viavel para os alunos, pois eles estarao vendo o que pode, a princıpio, estar

acontecendo entre os atomos constituintes do sistema.

Uma das areas da Fısica que necessita de certo grau de abstracao e

imaginacao e a Fısica Termica, em que sao trabalhados os conceitos de Ter-

modinamica, Teoria Cinetica dos Gases e Mecanica Estatıstica. Nesta area

sao considerados sistemas com um grande numero de partıculas constituintes

se movendo mecanicamente, o que da origem a um novo tipo de movimento

chamado de movimento termico. Este tipo de movimento e caracterizado pela

acao combinada das partıculas constituintes do sistema. Na Termodinamica sao

estudadas propriedades macroscopicas gerais de sistemas em equilıbrio atraves

de duas leis basicas, junto com uma serie de outros resultados experimentais,

enquanto que na Teoria Cinetica dos Gases e na Mecanica Estatıstica sao tratados

modelos moleculares em que o conceito de atomo e necessario. O ensino dos

1. Introducao 3

conceitos da Fısica Termica, sobretudo os relacionados a escala microscopica da

materia, exige certo esforco por parte do professor para fazer com que os alunos

compreendam o comportamento da materia nesta escala e que os relacionem

com os fenomenos macroscopicos. Matematicamente, o sistema mais simples

que se pode trabalhar e aquele constituıdo por um gas ideal. Experimentos em

fısica termica realizados na escola secundaria permitem a verificacao apenas de

grandezas macroscopicas e a compreensao microscopica fica a cargo da imaginacao

dos alunos, impulsionada pelas explicacoes do professor.

Neste trabalho simulamos a acao combinada das partıculas constituintes

de um sistema fısico, particularmente um gas, utilizando um simulador mecanico

que nos permite explicar propriedades macroscopicas a partir do seu compor-

tamento microscopico. Com o nosso dispositivo conseguimos demonstrar quali-

tativamente e quantitativamente varias propriedades e fenomenos termicos que

podem ser tratados em qualquer nıvel de ensino. Isto pode permitir, por exemplo,

que o professor do Ensino Medio nao fique limitado a termometria e calorimetria,

podendo abordar tambem conceitos muito importantes da Termodinamica, Teoria

Cinetica dos Gases e Mecanica Estatıstica, tornando o ensino da Fısica Termica

mais enriquecido e atraente para os alunos desse nıvel de ensino.

No Capıtulo 2 apresentamos a Teoria da Aprendizagem Significatica de

Ausubel e dos temas referentes a Fısica Termica no Ensino Medio, com enfoque

para o currıculo oficial do estado de Sao Paulo. Tambem sao apresentados

neste capıtulo todo o referencial teorico referente as leis dos gases ideais, leis

da Termodinamica e conceitos da Teoria Cinetica dos Gases, como o calculo

cinetico da pressao, o percurso livre medio e o movimento browniano. Tambem

sao abordados conceitos pertencentes a Mecanica Estatıstica, como o problema do

caminho aleatorio, o conceito de microestado de um sistema e o carater estatıstico

da entropia. No Capıtulo 3 apresentamos brevemente alguns detalhes sobre a

construcao do simulador mecanico utilizado e no Capıtulo 4 apresentamos os

resultados obtidos a partir das simulacoes realizadas. No Capıtulo 5 fazemos

nossas consideracoes finais e gerais acerca dos resultados e potencialidades do

dispositivo construıdo.

1. Introducao 4

1.1 Problema de Pesquisa

Existem diversos simuladores no meio educacional que tratam de fenomenos

da Fısica Termica. A maioria deles e computacional e envolve a Teoria Cinetica

dos Gases, como as simulacoes phet, disponibilizadas gratuitamente na internet

pela Universidade do Colorado. Geralmente estes sao compostos por animacoes

que representam os comportamentos naturais de fenomenos de maneira virtual.

Os simuladores computacionais sao importantes ferramentas para o ensino de

Fısica, uma vez que demonstram de maneira dinamica e didatica os conceitos

fısicos envolvidos [3]. Entretanto, algumas simulacoes computacionais utilizam

modelos e equacoes aproximadas que podem limitar a analogia do resultado da

mesma com o fenomeno real que pretende-se estudar, como por exemplo, o nao

tratamento de forcas de atrito presentes no sistema e a influencia da vizinhanca

no mesmo. Ja nos simuladores mecanicos, nos somos obrigados a lidar com tais

influencias, pois e muito difıcil elimina-las ou ate mesmo minimizar os efeitos das

mesmas. Isso pode tornar a analogia mais interessante em termos didaticos, pois

estas influencias tambem estao presentes no fenomeno original. Com o simulador

mecanico podemos tambem minimizar a complexidade do fenomeno original,

fazendo com que os alunos utilizem conceitos previos para o entendimento do

mesmo. A ligacao entre o conhecimento previo e o que se deseja aprender, como

defende David P. Ausubel, contribui para uma aprendizagem significativa [4].

Um simulador mecanico ou uma montagem experimental, pode ser mais

bem aproveitado se for util para a descricao de diversos fenomenos fısicos. Exis-

tem poucos recursos didaticos, como experimentos e simuladores, para o ensino da

Fısica Termica [5], ainda mais se for considerado aqueles em que o tratamento do

atomo se faz necessario. Isso nos motivou a construir o nosso simulador mecanico

para responder a seguinte pergunta de pesquisa: Quais sao as possibilidades

de simulacoes e resultados que podem ser alcancados por um unico simulador

mecanico para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem de conceitos de Fısica

Termica no Ensino Medio? Neste trabalho mostramos que e possıvel descrever

varios fenomenos atraves de analogias criadas que propomos com o simulador

mecanico construıdo, respondendo muito bem a pergunta de pesquisa.

1. Introducao 5

1.2 Hipotese

O simulador mecanico foi concebido para ser utilizado na analogia de

diversos fenomenos diferentes envolvendo, em sua maioria, o comportamento de

gases. Se o fenomeno simulado nao representar de forma adequada o fenomeno

real alvo, perde-se o sentido de sua utilizacao, uma vez que havera prejuızo

na interpretacao dos resultados analisados e as analogias desejaveis nao serao

percebidas. Assim espera-se que seja possıvel representar com suficinte fidelidade

o fenomeno alvo, de modo que os resultados obtidos pela simulacao realizada seja

compatıvel com os resultados experimentais reais.

Espera-se obter a relacao correta entre os fenomenos simulados e os reais,

tanto qualitativamente, atraves da visualizacao dos fenomenos, quanto quantita-

tivamente, a partir dos dados coletados das simulacoes. Nossa proposta vai alem

de apenas obter o analogo do fenomeno real, nos tambem pretendemos prever o

comportamento do sistema real atraves do simulador. Ou seja, apos a modificacao

de uma das variaveis determinantes do fenomeno em estudo, esperamos que o

simulador responda de maneira analoga ao sistema real alvo. Deste modo, a

simulacao sera um procedimento experimental que devera estar em concordancia

com o experimento real e assim, espera-se que expressoes e curvas de graficos

obtidas sejam analogas as teoricas ou equivalentes aos dos experimentos com

gases reais.

Sinteticamente, espera-se que as simulacoes mecanicas sejam complemen-

tares a metodologia da experimentacao, auxiliando a aprendizagem do que se

pretende abordar para tornar mais completo o seu entendimento. Diferente-

mente dos experimentos didaticos reais, as simulacoes mostram diretamente o

comportamento microscopico dos sistemas representados, como se estivessemos

utilizando uma lente de aumento para revelar os constituintes da materia. Por

isso, o emprego do simulador e desejavel mesmo durante a realizacao de um

experimento, pois ele trara uma hipotese plausıvel do que pode estar ocorrendo

no interior “invisıvel” do fenomeno.

1. Introducao 6

1.3 Objetivos Gerais

Propor diferentes simulacoes mecanicas que possam ser empregadas por

professores do Ensino Medio para facilitar a compreensao dos principais conceitos

de Fısica Termica. Visa-se a demonstracao do comportamento microscopico

de um gas ideal para viabilizar a abordagem da Fısica Termica nos assuntos

referentes a Termodinamica, a Teoria Cinetica dos Gases e conceitos introdutorios

de Mecanica Estatıstica, em aulas para o Ensino Medio. Para isso tivemos que

construir um simulador mecanico com capacidade de poder representar, de forma

simples, variados fenomenos relacionados a essas areas de interesse de estudo.

1.4 Objetivos Especıficos

Os objetivos especıficos sao os seguintes:

(a) Analisar os conteudos referentes a Fısica Termica na Proposta Curricular

para o Ensino Medio do Estado de Sao Paulo.

(b) Verificar na literatura o uso de simulacoes no ensino de Fısica Termica e

as teorias de aprendizagem que embasam a proposta do emprego das simulacoes

mecanicas.

(c) Atraves do uso do simulador, descrever os principais conceitos e obter relacoes

matematicas analogas aquelas referentes a Fısica Termica (Termodinamica, Teo-

ria Cinetica dos Gases e Mecanica Estatıstica).

(d) Construir e descrever a montagem do simulador mecanico a partir de mate-

riais de relativo baixo custo.

(e) Utilizar o simulador mecanico para simular a Lei de Boyle-Mariotte, a Lei

de Charles e a Lei de Gay-Lussac, trabalhar a Primeira e Segunda Leis da

Termodinamica, a expansao livre de um gas, a mistura entre dois gases e o caso

da evaporacao de um perfume no ar, simular o problema do caminho aleatorio, o

movimento browniano e o percurso livre medio.

(f) Analisar os resultados das simulacoes e as potencialidades de seus empregos

1. Introducao 7

no ensino e as limitacoes do simulador mecanico construıdo.

1.5 Justificativa

As simulacoes propostas perpassam pelos conceitos centrais da Fısica

Termica, logo se tornam muito interessantes de serem implementadas como re-

curso introdutorio ou complementar as aulas de Fısica no Ensino Medio. Como o

intuito dessas simulacoes e tornar mais compreensıveis os fenomenos, o emprego

delas pode facilitar e melhorar o processo de ensino-aprendizagem. Essa area

requer abstracao e a utilizacao de simulacoes mecanicas pode facilitar a compre-

ensao de conceitos importantes, ao mesmo tempo em que confere maior significado

e compreensao das equacoes matematicas envolvidas. Para o professor, trata-se

de uma possibilidade de facilitacao de seu trabalho.

Assim, com um unico dispositivo construıdo, e possıvel abordar uma

gama de conceitos pertinentes. O simulador construıdo pode ser utilizado em

varias aulas para diferentes turmas, pois se este for bem construıdo e manipulado

de maneira adequada, podera ser utilizado ao longo de alguns anos.

Capıtulo 2

Referencial Teorico

A Fısica Termica, em especial a Termodinamica, consolidou-se como uma

das mais importantes areas da Fısica, recebendo merecido destaque ao contribuir

de forma definitiva no desenvolvimento das maquinas termicas entre os seculos

XVII e XVIII, alavancando os processos produtivos e desencadeando a Primeira

Revolucao Industrial [1]. As Leis da Termodinamica permitiram o entendimento

de certos aspectos relacionados a energia, transformando profundamente nossa

maneira de entender o universo. Por outro lado, a Teoria Cinetica dos Gases, cujas

primeiras ideias remontam do seculo XVII, constituiu-se como um dos primeiros

modelos explicativos da materia na escala microscopica e serviu de apoio para

a hipotese atomica. Por fim, a Mecanica Estatıstica contribuiu em explicar os

resultados e as leis da Termodinamica a partir do comportamento microscopico

de um numero muito grande de partıculas que constituem o sistema, utilizando

para isso as leis da mecanica e a teoria das probabilidades.

Neste trabalho, esses campos de estudo serao abordados de forma mais

detalhada. Inicialmente sera discutido as relacoes que existem no ensino da Fısica

Termica, sobretudo no Ensino Medio.

8

2. Referencial Teorico 9

2.1 Ensino

As simulacoes propostas foram concebidas para facilitarem o processo de

ensino-aprendizagem e assim tornar o ensino de Fısica Termica mais prazeroso e

interessante, tanto para o professor, quanto para o aluno do Ensino Medio. Nos

achamos mais conveniente referenciar nossa proposta na Teoria da Aprendizagem

Significativa de Ausubel. Esta e descrita sucintamente na proxima secao e os

conteudos abordados no Ensino Medio, em um contexto nacional, com maior

enfoque para o Estado de Sao Paulo, sao apresentados na secao subsequente.

2.1.1 Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel

A Teoria da Aprendizagem Significativa, ou Teoria da Assimilacao, e um

modelo cognitivista concebido por David Paul Ausubel (1918 - 2008) que procura

explicar como se dao as estruturas internas mentais no processo da aprendizagem

e acomodacao do conhecimento [4].

Em relacao a outras teorias de aprendizagem, como a de Jean Piaget

(1896 - 1980), a Teoria da Aprendizagem Significativa preocupa-se mais espe-

cificamente com o cotidiano da sala de aula. Ausubel retoma a importancia

da aprendizagem por descoberta, mas principalmente valoriza a aula do tipo

expositiva.

Segundo Ausubel, a aprendizagem pode se dar de duas formas distintas.

A primeira e a aprendizagem por descoberta, onde o aprendiz descobre de maneira

mais independente alguma relacao, princıpio ou lei que envolve o conhecimento

a ser assimilado. A segunda forma de processamento da aprendizagem e o da

recepcao, onde o aprendiz recebe a informacao pronta e atraves de sua propria

atuacao efetiva sobre o material oferecido amplia seu conhecimento baseando-se

em concepcoes ja existentes em sua estrutura cognitiva [6]. Aulas expositivas sao

proprias para a aprendizagem por recepcao.

O ponto chave da Teoria da Aprendizagem Significativa e a utilizacao do

conjunto de ideias ja existentes na estrutura cognitiva do aprendiz para servir de

2. Referencial Teorico 10

ancora para a acomodacao de novos conceitos. Desta forma a aprendizagem se

processa por meio de uma especie de ampliacao de conhecimentos anteriores do

aprendiz. E dessa relacao entre ideias ja assimiladas com as novas que surge a

aprendizagem significativa. As novas ideias devem se relacionar com as ideias ja

existentes na estrutura cognitiva de maneira nao arbitraria e substantiva. Nao

arbitraria significa dizer que as novas ideias devem ter relacao logica e explıcita

com as ideias ja existentes na estrutura cognitiva do aprendiz. Substantiva quer

dizer que o aluno aprendeu o sentido e significado daquele novo conhecimento,

podendo explica-lo com suas proprias palavras [7].

Esse tipo de aprendizagem tao enfatizado por Ausubel se contrapoe com

a chamada aprendizagem mecanica. Esse tipo de aprendizagem nao e desejado,

pois os novos conhecimentos nao se relacionam com nenhuma das ideais relevantes

pre-existentes na estrutura cognitiva do aprendiz. Assim, a assimilacao do novo

conhecimento se da por meio de memorizacao, e por isso o aprendiz nao consegue

reproduzir a nova informacao com outras palavras, ja que esse novo saber nao tem

significado para ele [7]. Em outras palavras, a aprendizagem mecanica e arbitraria

e nao e substantiva. Por essas caracterısticas, a aprendizagem mecanica faz com

que a nova informacao fique armazenada por curto perıodo de tempo.

Para haver a desejada aprendizagem significativa, duas condicoes preci-

sam ser satisfeitas. A primeira condicao e que o material de aprendizagem deve

ser potencialmente significativo. A segunda e que o aprendiz deve apresentar pre-

disposicao a aprender. Segundo Ausubel nao existe material que seja puramente

significativo, quer seja um livro, aula, ou qualquer outro instrumento didatico,

mas sim, potencialmente significativo, pois o significado nao esta no material,

mas nas pessoas [7].

Assim um material potencialmente significativo e aquele que pode efe-

tivamente relacionar as ideias presentes na estrutura cognitiva do aprendiz com

o novo conceito abordado. A segunda condicao enfatiza justamente o papel do

aprendiz no processo da aprendizagem significativa, pois ele deve querer assimilar

o novo conhecimento, baseando-se nos conceitos previos que ja tem, ja que e

o aprendiz que confere significado ou nao ao novo conhecimento. Se o aluno

2. Referencial Teorico 11

nao apresentar pre-disposicao a aprender, mesmo servindo-se de um material

potencialmente significativo, nao ha aprendizagem significativa. Neste sentido o

aprendiz e corresponsavel por sua propria aprendizagem.

Nossa proposta de construir um simulador mecanico, cujo funcionamento

e baseado em conceitos mecanicos ja adquiridos pelos estudantes, quer seja atraves

da escola ou mesmo oriundos do proprio cotidiano dos alunos, pode constituir-se,

sob a perspectiva da Teoria da Aprendizagem Significativa, como um material po-

tencialmente significativo. As simulacoes baseadas em conceitos mecanicos como

velocidade, forca, energia e pressao constituirao saberes ancora sobre os quais os

aprendizes poderao alicercar os novos conceitos da Fısica Termica, como tempe-

ratura e energia interna. Alem disso, a propria realizacao das simulacoes poste-

riormente descritas constituirao verdadeiros experimentos, onde sera possıvel in-

crementar a aprendizagem por descoberta. A utilizacao de saberes pre-existentes

para adquirir novos conhecimentos, faz da nossa proposta, uma boa abordagem

pautada na aprendizagem significativa.

2.1.2 Fısica Termica no Ensino Medio: Proposta Curri-

cular do Estado de Sao Paulo

No ambito do ensino, a Fısica Termica constitui-se num dos principais

temas que devem ser abordados na disciplina de Fısica a nıvel de Ensino Medio.

No estado de Sao Paulo, por exemplo, de acordo com o currıculo oficial, e

reservado para o ensino dessa area o perıodo correspondente a dois bimestres. Ela

esta presente nos Parametros Curriculares Nacionais (PCN) no eixo estruturador

“Calor, Ambiente e Usos de Energia” [8]. Desta forma ela se faz presente em

todas as colecoes de livros didaticos aprovados pelo Programa Nacional do Livro

Didatico (PNLD) de 2018.

A maioria desses livros didaticos apresenta esse tema no segundo volume,

direcionado para o segundo ano do Ensino Medio. Os principais temas abordados

sao a Calorimetria e a Termodinamica. A Teoria Cinetica dos Gases tambem e

abordada entre esses dois temas principais. E importante salientar que alguns

2. Referencial Teorico 12

conceitos introdutorios da Teoria Cinetica podem aparecer em livros didaticos do

Ensino Fundamental. A Mecanica Estatıstica nao aparece de forma pronunciada

nos livros didaticos de Ensino Medio. Porem, a insercao de assuntos introdutorios,

como neste caso, utilizando o nosso simulador pode permitir a interpretacao

estatıstica de alguns conceitos, como o de entropia, tornando o tratamento mais

detalhado e aprofundado desses assuntos mais viavel e interessante nas salas de

aula.

O Currıculo oficial e uma referencia comum de temas e conteudos para

todas as escolas (cerca de 5000) que integram a rede estadual paulista de ensino,

a qual acolhe 3,5 milhoes de alunos [9]. Para a disciplina de Fısica, o Currıculo

aponta seis temas estruturadores, sendo um deles referentes a Fısica Termica.

O tema no currıculo oficial tambem e “calor, ambiente e usos de energia”. Os

conteudos abordados neste tema sao referentes a calorimetria, a primeira e se-

gunda leis da Termodinamica, as maquinas termicas, teoria cinetica da materia e

aquecimento global [10]. Dessa forma, uma gama de conceitos de Fısica Termica

devem ser trabalhados pelos professores da rede publica do estado de Sao Paulo,

assim como no paıs inteiro. A utilizacao de um dispositivo capaz de simular

os principais conceitos de Fısica Termica, como o que estamos propondo nesta

monografia, pode facilitar o trabalho do professor e promover uma aprendizagem

dinamica e significativa.

Capıtulo 3

Fısica Termica

Neste capıtulo discutiremos em detalhes a Fısica envolvida nos princi-

pais fenomenos simulados em nosso dispositivo, abordando conceitos da Termo-

dinamica, da Teoria Cinetica dos Gases e da Mecanica Estatıstica.

O tipo de movimento estudado na Fısica Termica e o movimento termico.

Este movimento e decorrente da acao combinada dos constituintes do sistema,

o que faz com que o mesmo adquira qualidades incrıveis observadas em suas

propriedades eletricas, magneticas e termicas. Por isso nao faz sentido em fa-

lar sobre a temperatura de um unico atomo, pois temperatura e um conceito

termodinamico obtido pelo movimento termico de um numero muito grande

de partıculas. E isso que significa dizer que se trata de uma acao combinada

ou coletiva dos constituintes do sistema, sejam estes atomos ou moleculas. O

movimento termico e o foco de estudos da Termodinamica, da Teoria Cinetica

dos Gases e da Mecanica Estatıstica, cada um com sua forma particular.

3.1 Termodinamica

Na Termodinamica sao estudadas propriedades macroscopicas gerais de

sistemas em equilıbrio termodinamico atraves de duas leis basicas fenomenologicas,

a Primeira e a Segunda Leis da Termodinamica. O equilıbrio termodinamico se da

quando o sistema esta em equilıbrio quımico, termico e mecanico. Alem de suas

13

3. Fısica Termica 14

leis basicas, e considerado uma serie de outros resultados experimentais para o

estudo dos fenomenos. Como o foco de estudo da Termodinamica e o movimento

termico, esta nao se ocupa apenas de fenomenos termicos. Ela e responsavel

tambem por outros fenomenos decorrentes da acao combinada dos constituintes

do sistema, como os fenomenos de magnetizacao e polarizacao, por exemplo.

A Termodinamica como ciencia surgiu no inıcio do seculo XIX, antes da

compreensao microscopica da materia [11]. Uma vez que a nocao de atomos e

partıculas microscopicas era um tanto vaga na epoca em que foi desenvolvida

[12], a Termodinamica lida apenas com nocoes macroscopicas para estabelecer

relacoes com as transformacoes de energia entre sistemas. O desenvolvimento

das maquinas termicas baseou-se na Termodinamica e o emprego de tais dispo-

sitivos na industria levaram a profundas transformacoes no modo de producao,

a chamada Revolucao Industrial, cujo inıcio se deu na Inglaterra e, posterior-

mente, estabelecendo-se em toda a Europa e Estados Unidos. Os conhecimentos

produzidos pela Termodinamica trouxe implicacoes praticas que transformaram

a sociedade e a compreensao de suas leis promoveram profundas mudancas no

modo de como entendemos a energia e suas transformacoes [1].

Um sistema termodinamico basicamente e composto por uma amostra,

sendo o caso mais simples uma massa de gas que e delimitada por uma fron-

teira. Toda a regiao externa a fronteira e chamada de vizinhanca. No equilıbrio

termodinamico (condicao em que os parameros macroscopicos nao se alteram

em relacao ao tempo), qualquer objeto macroscopico pode ser descrito por um

conjunto de variaveis, as quais fornecerao as grandezas macroscopicas do mesmo,

chamadas de variaveis de estado. Para fluidos homogeneos, o estado do sistema

pode ser completamente caracterizado por qualquer par das grandezas pressao

(P), volume (V) e temperatura (T) [13]. A terceira variavel pode ser obtida

atraves da equacao de estado do sistema dada por:

f(P, V, T ) = 0 (3.1)

3. Fısica Termica 15

3.1.1 Gas Ideal

Os sistemas termodinamicos mais simples de serem analisados sao os ga-

ses. No nosso dispositivo nos simularemos particularmente sistemas que envolvam

o comportamento de gases. Teoricamente trataremos um gas como um sistema

ideal, composto por partıculas que nao interagem entre si, ou seja, a energia desse

gas e basicamente cinetica. A esse modelo e dado o nome de gas ideal ou gas

perfeito. Nestas condicoes e possıvel obter a equacao de estado termica desse

sistema de maneira bem mais simples, utilizando as leis de Charles, de Boyle e de

Avogadro, as quais trataremos mais adiante. Esta e tambem chamada de equacao

de Clapeyron [13] e e dada por,

PV = nRT, (3.2)

em que n e o numero de mols do gas e R e a constante universal dos gases.

Para escrevermos a eq.(3.2) na forma geral dada pela eq.(3.1) basta fazermos

PV − nRT = 0, de modo que f(P, V, T ) = PV − nRT .

Para gases reais, as equacoes de estado termicas sao obtidas empirica-

mente ou atraves dos metodos da Mecanica Estatıstica. Mais de 150 equacoes

de estado ja foram propostas para gases reais. Dependendo das condicoes de

temperatura e pressao um gas real pode ser considerado ideal. Se este estiver

a baixas pressoes ou temperaturas distantes daquelas correspondentes aos seus

pontos de liquefacao, teremos uma condicao em que as moleculas estarao mais

afastadas e interagindo o mınimo possıvel. Dessa forma, o gas real se comportara

em boa aproximacao como um gas ideal [13]. Exemplos de gases reais que podem

ser considerados ideais a temperatura e pressao ambientes sao o hidrogenio, o

helio, o nitrogenio, entre outros.

Outra particularidade dos gases ideais, e que tambem e muito util para

defini-los, e que a energia interna U do mesmo depende apenas da temperatura

do gas, ou seja, U = U(T ). Esta relacao e conhecida como Lei de Joule, pois

foi Joule quem primeiro a observou em seus experimentos com gases. A equacao

de energia de um sistema termodinamico e tambem conhecida como equacao de

estado calorica e e util para a determinacao das capacidades termicas do sistema.

3. Fısica Termica 16

A equacao de estado termica e assim chamada por possibilitar a obtencao da

temperatura do sistema.

A partir do seculo XVII uma serie de experimentos com gases foram con-

duzidos, mostrando que estes poderiam apresentar comportamentos semelhantes

numa ampla variedade de condicoes, principalmente naquelas em que definimos

o gas ideal. A partir de estudos do comportamento dos gases com relacao a

sua pressao, volume e temperatura foi possıvel obter relacoes conhecidas como

Leis dos Gases. A seguir daremos particular atencao a estas relacoes porque um

dos objetivos do nosso trabalho e obter o analogo destas leis a partir do nosso

dispositivo mecanico.

3.1.2 Lei de Boyle-Mariotte

Uma das principais leis empıricas dos gases ideais foi estabelecida em

1662 por Robert Boyle, e independentemente em 1676 por Edme Mariotte, por

isso sendo conhecida usualmente como lei de Boyle-Mariotte [13]. De acordo

com a lei de Boyle, o volume V de uma dada massa de gas M e inversamente

proporcional a sua pressao P , quando sua temperatura T e mantida constante,

ou seja,

PV = k = constante. (3.3)

Esta lei e melhor verificada quando o gas esta a baixas pressoes e altas tempera-

turas, representando portanto uma descricao de um processo isotermico de um

gas ideal.

A constante k da eq.(3.3) depende da temperatura, da massa e da na-

tureza do gas. Para o mesmo gas temos que k = k(T ), de modo que, para cada

temperatura obtemos uma isoterma diferente para o gas, como ilustrado na figura

3.1. Pelo diagrama da pressao em funcao do volume do gas apresentado na figura

3.1, note que uma isoterma e representada por um ramo de hiperbole de acordo

com a eq.(3.3).

Conforme a lei de Boyle, a Figura 3.1 mostra que se a temperatura do

gas for mantida constante o seu volume final se expandira para duas vezes o seu

3. Fısica Termica 17

volume inicial V0 se a pressao aplicada no sistema for diminuıda pela metade do

seu valor inicial P0

2e vice-versa.

FIGURA 3.1: Diagrama da pressao P em funcao do volume V de um gas ideal

mostrando duas isotermas de Boyle para diferentes temperaturas T1 e T2.

Fonte: Os autores.

3.1.3 Lei de Charles

A proxima lei que consideramos e a lei de Charles, que foi descoberta

em 1787 por Jacques Charles [13]. Nesta Charles observou que o coeficiente de

expansao isobarica (pressao constante), dado por,

β =1

V0

(∂V

∂θ

)P

, (3.4)

onde θ e a temperatura. Tem o valor β ≈ 1273

C−1 para todos os gases analisados

por ele. O valor atual e β ≈ 1273,15

C−1, o que mostra que o valor obtido por

Charles e bastante razoavel considerando as condicoes experimentais da epoca.

Pela eq.(3.4) nota-se que o que esta sendo investigado e como o volume

V do gas varia com sua temperatura empırica θ, quando a pressao P no gas e

mantida constante. Considerando a variacao de volume ∆V = Vθ−V0 correspon-

dente as temperaturas θ e 0C, respectivamente, ambos a pressao de P = 1atm

tem-se,

β =1

V0

(∆V

∆θ

)P

⇒ βV0 =Vθ − V0

θ.

3. Fısica Termica 18

Rearranjando a equacao acima e substituindo o valor de β obtemos,

Vθ = V0 (1 + βθ) ∴ Vθ =V0

273, 15(θ + 273, 15) .

Note que o termo entre parenteses e a conversao da temperatura empırica θ,

dada em graus Celsius, para a temperatura absoluta T , dada em Kelvin, ou seja,

T = θ + 273, 15. Consequentemente, para θ = 0C temos T0 = 273, 15K. Dessa

forma a equacao acima torna-se,

V

T=V0

T0

= k, (3.5)

e a lei de Charles pode ser enunciada como:

A pressao constante, o volume de um gas e diretamente proporcional a sua

temperatura absoluta.

Quanto mais baixa a pressao no gas, melhor esta lei e verificada. Essa

lei esta representada no diagrama V× T da figura 3.2.

FIGURA 3.2: Diagrama V× T da lei de Charles para tres diferentes pressoes.

Fonte: Os autores.

Na Figura 3.2 se pode perceber a relacao linear entre o volume e a

temperatura absoluta de um gas. Quando o volume e hipoteticamente nulo,

a temperatura do gas chega a 0K. Esse e o menor valor possıvel que se pode

atingir para a temperatura na escala absoluta, sendo por isso chamada de zero

3. Fısica Termica 19

absoluto. E importante salientar que o volume de um gas nao pode ter valor

zero no zero absoluto ou qualquer outra temperatura. Fisicamente isso significa

que o gas se desintegraria naquela temperatura, o que e absurdo, pois cada

partıcula tem um tamanho mınimo e portanto um volume mınimo incompressıvel.

Apesar da eq.(3.5) nos dizer que V = 0 para T = 0K, o que temos e o volume

mınimo possıvel do gas nestas condicoes, dado pelo empilhamento das partıculas

constituintes do sistema.

3.1.4 Lei de Gay-Lussac

No inıcio do seculo XIX o quımico frances Joseph Louis Gay-Lussac

descobriu uma relacao entre a pressao e a temperatura de uma massa fixa de

gas mantida a volume constante. O enunciado dessa lei e o seguinte:

A pressao P de um gas com massa e volume fixos e diretamente proporcional a

temperatura absoluta T do gas.

Dessa forma, a equacao que descreve a lei de Gay-Lussac e dada por,

P

T= k = constante (3.6)

Note que se fizermos o diagrama da pressao P em funcao da temperatura

T , a eq.(3.6) nos fornecera um conjunto de retas semelhantes ao apresentado na

figura 3.2 para a lei de Charles. Neste caso as retas de menor inclinacao serao

aquelas para volumes fixos do gas maiores, com todas as retas convergindo para

T = 0K, da mesma forma que na figura 3.2.

3.1.5 Obtencao da Equacao de Estado Termica dos Gases

Ideais

A relacao entre as variaveis de estado P, V e T de um gas ideal foi

estabelecida pelo fısico e engenheiro frances Benoıt Paul-Emile Clapeyron. A

equacao de estado termica do gas ideal ou equacao de Clapeyron, e uma sıntese

3. Fısica Termica 20

das leis de Boyle e de Charles. Esta pode ser obtida a partir de um processo

isotermico, descrito pela lei de Boyle, seguido de um processo isobarico, o qual e

descrito pela lei de Charles. Na Figura 3.3 apresentamos os dois processos em um

diagrama P ×V . O processo isotermico se da de A a B, partindo dos parametros

termodinamicos iniciais (P0, V0, T0), os quais definem o estado inicial do gas, ate

o estado intermediario dado por (P, VX , T0). O processo a pressao constante e

dado de B a C ate o estado final (P, V, T ).

FIGURA 3.3: Diagrama P× V apresentando os processos isotermico, de A a B,

e isobarico, de B a C, para a obtencao da equacao de estado termica de um gas

ideal.

Fonte: Os autores.

Partindo do estado inicialA (P0, V0, T0) ao estado intermediarioB (P, VX , T0)

em um processo isotermico, temos pela eq.(3.3) da lei de Boyle que,

P0V0 = PVX

Seguindo do estado B ao estado C (P, V, T ) atraves de um processo

isobarico tem-se pela eq.(3.5) da lei de Charles que,

VXT0

=V

T

Combinando as dois resultados acima para eliminarmos o volume inter-

3. Fısica Termica 21

mediario do gas VX obtemos,

P0V0

T0

=PV

T= k = constante. (3.7)

A constante k depende apenas da natureza do gas e de sua quantidade e

pode ser obtida da Lei de Avogadro. Esta lei foi proposta por Amedeu Avogadro

em 1811 e estabelece que volumes iguais de todos os gases, nas mesmas condicoes

de temperatura e pressao, contem o mesmo numero de moleculas. Para gases reais

esta lei apresenta pequenos desvios do comportamento ideal, mas continua sendo

uma boa e util aproximacao na maioria dos casos. Quanto mais proximo das

condicoes de gas ideal, melhor esta lei e verificada.

Nas condicoes normais de temperatura e pressao (CNTP), as quais cor-

respondem a temperatura de T0 = 273, 15K, ou θ = 0C e pressao de P0 =

1atm ≈ 1, 013 × 105Pa, 1 mol de qualquer gas ocupa sempre o mesmo volume,

dado por V0 = 22, 4l = 2, 24 × 10−2m3. Substituindo estes valores na eq.(3.7)

obtemos que k ∼= 8, 314 JmolK

. O valor dessa constante e o valor da constante

universal do gases R, de modo que para um mol do gas ideal tem-se,

V0 = RT0

P0

.

Como o volume V e proporcional a quantidade de gas, uma massa de n

moles, nas mesmas condicoes, ocupa um volume n vezes maior, ou seja, V = nV0.

Dessa forma, obtemos finalmente a equacao de estado termica de um gas ideal,

PV = nRT. (3.8)

Como exemplo de gases reais que podem ser considerados ideais a tempe-

ratura ambiente T = 300K e pressao de P = 1atm temos o hidrogenio e o helio,

cujas temperaturas de liquefacao sao, respectivamente, dadas por TH ∼= 20K e

THe ∼= 4K.

3.1.6 Primeira Lei da Termodinamica

Um dos primeiros enunciados mais originais sobre o princıpio de con-

servacao de energia, que viria a ser conhecido como uma das primeiras versoes da

3. Fısica Termica 22

Primeira Lei da Termodinamica, e creditado ao medico alemao Julius Robert von

Mayer. Em 1840, Mayer conseguiu um emprego a bordo de um navio que estava

de partida para a ilha de Java. Ao fazer uma sangria em um dos tripulantes

quando chegaram na atual Indonesia, percebeu que o sangue venoso que jorrava

possuia coloracao vermelho brilhante ao inves de vermelho escuro, como estava

acostumado a observar. Mayer chegou a conclusao de que o corpo humano nao

necessitava de tanta energia para tornar a temperatura constante nos tropicos,

necessitando de menor quantidade de oxigenio, o que fez com que o sangue venoso

se tornasse mais brilhante. Ele foi capaz tambem de fazer uma associacao entre

a energia produzida pela ingestao de alimentos e o trabalho mecanico produzido

pelo corpo humano, percebendo intuitivamente que calor e trabalho estavam

relacionados com a energia. Em ultima analise, Mayer considerou que uma

mesma quantidade de alimentos poderia gerar quantidades diferentes de calor

e trabalho mecanico, sendo constante a soma dessas duas quantidades. Mesmo

sendo o primeiro a postular a primeira lei da termodinamica, Mayer nao foi capaz

de generalizar suas conclusoes para diferentes sistemas fısicos, devido a falta de

habilidades matematicas e conhecimentos em Fısica [14].

A Primeira Lei da Termodinamica foi estabelecida como resultado de

investigacoes teoricas e experimentais no domınio da Fısica e da Quımica, sendo

concluıda com a descoberta do equivalente do calor e trabalho, isto e, com a

descoberta do fato da transformacao de calor em trabalho e de trabalho em calor,

a qual e efetuada de acordo com uma relacao quantitativa constante, dada por

1cal = 4, 186J . Essa relacao mostra que uma unidade de quantidade de calor,

dada pela caloria (cal), e equivalente a 4, 186 unidades mecanicas de energia, dada

em Joule (J). Este resultado e comumente conhecido como o equivalente mecanico

do calor. O estabelecimento deste princıpio de equivalencia foi o ultimo estagio

na formulacao do aspecto quantitativo da Lei de Conservacao e Transformacao

de Energia.

Dentre os personagens historicos de grande importancia para a sistema-

tizacao da Primeira Lei da Termodinamica, alem de Mayer, vale a pena citar as

constribuicoes de Benjamin Thompson, o conde Rumford, James Prescott Joule

e Hermann von Helmholtz. Thompson, durante sua inspecao na perfuracao de

3. Fısica Termica 23

canhoes em Munique em 1797, observou que o aquecimento do metal durante

a perfuracao era decorrente da conversao da energia transmitida pelo trabalho

mecanico do torno em uma nova forma de energia, chamada de energia termica.

Baseado em seus experimentos ele publicou o trabalho “Uma Investigacao Ex-

perimental sobre a Fonte de Calor que e Excitada pela Friccao”, na revista

Philosophical Transactions of the Royal Society em 1798. Este trabalho foi a base

de varios desafios para o estabelecimento de teorias sobre o calor, desencadeando

uma revolucao na Termodinamica no seculo XIX. Seu experimento inspirou o

trabalho de Joule em sua obra “Sobre o Equivalente Mecanico do Calor”, onde

ele fornece a primeira relacao quantitativa entre calor e trabalho. Contribuicoes

muito importantes tambem foram fornecidas por Helmholtz em 1847 em seu

tratado “Sobre a conservacao da Energia”, em que ele descreve o princıpio da

conservacao de energia descoberto durante os seus estudos em medicina sobre o

metabolismo muscular [15].

Para obtermos a relacao matematica da primeira lei da termodinamica

vamos utilizar alguns conceitos conhecidos da mecanica classica. Quando estu-

damos o conceito de trabalho consideramos, por simplicidade, o movimento de

uma partıcula ao longo de um eixo de um sistema de coordenadas inercial. Isso

significa que o mundo da partıcula e constituıdo por uma linha, de modo que ela

nao pode se mover para os lados e nem para cima e para baixo, somente para

frente e para tras. Vamos considerar que a partıcula possui massa m e esta sujeita

a uma forca ~F partindo de um estado inicial na posicao x1 ate um estado final

na posicao x2, como ilustrado na Figura 3.4.

FIGURA 3.4: Partıcula de massa m se movendo em uma dimensao sujeita a uma

forca ~F partindo de um estado inicial na posicao x1 seguindo ate o estado final

em x2.

Fonte: Os autores.

Pela segunda lei de Newton temos que ~F = m~a, em que ~a e a aceleracao

3. Fısica Termica 24

da partıcula dada pela variacao de sua velocidade ~v no tempo, a qual pode ser

escrita como:

a =dv

dt=dv

dx

dx

dt= v

dv

dx,

onde utilizamos o fato de v = v[x(t)].

Substituindo na segunda lei de Newton obtemos que F = mv dvdx

. Como

estamos trabalhando em uma unica dimensao, podemos negligenciar a notacao

vetorial. Se integrarmos esta ultima equacao na posicao x obtemos:∫ x2

x1

Fdx =

∫ x2

x1

mvdv

dxdx =

∫ v2

v1

mvdv, (3.9)

em que utilizamos a definicao dvdxdx = dv. Podemos identificar o termo mvdv como

a diferencial de(

12mv2

), ou seja, d

(12mv2

), pois pela definicao de diferencial de

uma funcao f(v), temos que df = dfdvdv. Se f(v) = 1

2mv2 obtemos,

d

(1

2mv2

)=

1

22mvdv ∴ d

(1

2mv2

)= mvdv.

Logo, a eq.(3.10) pode ser escrita como:∫ x2

x1

Fdx =

∫ v2

v1

d

(1

2mv2

). (3.10)

A quantidade Fdx e chamada de trabalho δW da forca resultante F na

direcao do deslocamento dx, ou seja, δW = Fdx. A formulacao infinitesimal

do trabalho e dada por δW em vez de dW , porque o trabalho e uma diferencial

inexata. Fisicamente isso significa que o trabalho nao e uma propriedade fısica

do sistema, nao pode ser medido em um estado de equilıbrio. Nao faz sentido

dizer que nos vamos medir o trabalho do sistema. A definicao de trabalho e a

seguinte:

O trabalho e um metodo pelo qual energia e transferida ao sistema.

Na mecanica classica, sendo o trabalho dado por δW = Fdx, estamos

calculando a energia transferida ao sistema atraves de uma forca F . Para mover

uma cadeira de uma posicao inicial x1, por exemplo, ate uma posicao final x2

precisamos transferir energia para a cadeira. De que forma? Atraves de uma

forca. Por se tratar de uma diferencial inexata o trabalho depende do caminho,

3. Fısica Termica 25

ou do processo, pelo qual o sistema e conduzido de x1 a x2. Podemos generalizar

a expressao do trabalho W para conduzir o sistema entre dois pontos, 1 e 2, no

espaco tridimensional como,

W1→2 =

∫ 2

1

~F · d~r, (3.11)

em que ~F = Fxi + Fy j + Fzk e d~r = dxi + dyj + dzk. Portanto, o trabalho

definido na mecanica classica e dado pelo produto escalar da forca resultante ~F

pelo vetor posicao d~r. Se considerarmos Fy e Fz = 0 e d~r = dxi retornamos

ao caso de uma dimensao que tratamos anteriormente. Consequentemente, se

a forca no sistema estiver sendo aplicada no sentido contrario ao deslocamento

do mesmo, como uma forca de atrito por exemplo, o trabalho desta forca sera

negativo (W < 0). Se ~F estiver na mesma direcao do deslocamento tem-se que

W > 0. Em alguns casos pode ocorrer do trabalho independer do caminho. Nestes

casos particulares e possıvel definir uma energia potencial EP para o sistema de

modo que W1→2 = −∆EP . Este resultado e muito util porque nos permite

identificar uma classe de forcas na Fısica, chamada de Forcas Conservativas.

A outra quantidade obtida na eq.(3.10), dada por 12mv2 e chamada de

energia cinetica da partıcula, EC = 12mv2. Neste caso temos uma diferencial

exata, pois energia pode ser medida em um estado de equilıbrio, e portanto, esta

depende apenas do estado final e inicial do processo, no presente caso de v1 e v2.

Portanto, o trabalho de uma forca resultante ~F pode ser escrito como,

W1→2 = ∆EC , (3.12)

em que ∆EC = 12mv2

2 − 12mv2

1. Esta ultima expressao e conhecida como Teorema

Trabalho-Energia.

Este teorema e muito importante na Fısica, pois nao precisamos conhecer

a natureza da forca para o calculo do trabalho, como na eq.(3.11), pois ∆EC e

completamente determinado se v1 e v2 sao conhecidos. Nao precisamos saber

como a velocidade variou.

A primeira lei da termodinamica e um generalizacao do teorema trabalho-

energia. Se considerarmos a forca total aplicada no sistema como a soma das

forcas externas e internas, o trabalho da forca total W1→2 = WT tambem pode,

3. Fısica Termica 26

sem perda de generalidade, ser considerado como a soma do trabalho das forcas

externas W e e das forcas internas W i, de modo que,

WT = W e +W i = ∆(EeC + Ei

C

). (3.13)

Note que fizemos a mesma consideracao para a energia cinetica, sendo a energia

cinetica total do sistema dada pela soma da energia cinetica externa EeC , devido ao

movimento do centro de massa do mesmo, e a forca cinetica interna EiC , pensando

agora no movimento das partıculas constituintes do sistema em relacao ao seu

centro de massa.

Para as forcas internas consideramos apenas forcas conservativas, de

modo que W i = −∆EiP . Para as forcas externas temos tanto forcas conservativas

como nao conservativas, ou seja,

W e = W −∆EeP ,

em que W e o trabalho das forcas externas nao conservativas. Substituindo estas

expressoes na eq.(3.15) temos,

W = (∆EeC + ∆Ee

P ) +(∆Ei

C + ∆EiP

)= ∆E, (3.14)

sendo E a energia mecanica do sistema dada pela soma de sua energia potencial

mais cinetica, E = EP +EC . Note que se o sistema estiver livre da influencia de

forcas nao conservativas, como o atrito por exemplo, tem-se W = 0 e portanto

∆E = 0. Como o sistema esta sob a influencia de forcas conservativas apenas,

sua energia total se conserva. Vemos entao que a mecanica classica nao sabe lidar

com forcas que podem converter energia mecanica em energia termica, pois como

na observacao de Thompson, durante as perfuracoes dos canhoes, observa-se esse

tipo de conversao. Na mecanica classica a energia total do sistema e a energia

mecanica, e em casos em que o atrito esta presente, ela nao se conserva. Mas o

que ocorre com a energia do sistema para ela nao se conservar?

A resposta a essa pergunta e dada pela Termodinamica que fornece

uma generalizacao ao problema introduzindo mais um metodo de transmissao

de energia, chamado calor ou quantidade de calor Q, o qual e desconhecido

na mecanica classica. Outro ponto negligenciado pela mecanica classica e o

3. Fısica Termica 27

movimento das partıculas constituintes do sistema em relacao ao seu centro de

massa. Isso e feito porque este movimento nao altera o movimento do centro de

massa do sistema, o qual pode ser demonstrado pela conservacao do momento

linear [13]. Como as forcas internas no sistema sao forcas newtonianas, que sao

aquelas que obedecem a terceira lei de Newton, o efeito resultante e nulo.

Na Termodinamica como estamos interessados em estudar as proprieda-

des decorrentes do movimento termico do sistema, o comportamento coletivo das

partıculas constituintes e de extrema importancia. Por outro lado, nao estamos

interessados no conceito de atomos e moleculas propriamente dito, mas somente

no seu efeito. Dessa forma nos desconsideraremos os detalhes da energia interna

do sistema, ou seja, nao queremos saber sobre as contribuicoes da energia interna

de interacao das partıculas ou se a energia cinetica interna e devido a rotacao,

translacao ou vibracao das mesmas. Colocamos toda a parte de energia interna,

cinetica e potencial, em apenas uma variavel dada por U = EiC + Ei

P , de modo

que a eq.(3.15) pode ser generalizada como,

W +Q = (∆EeC + ∆Ee

P ) + ∆U. (3.15)

Este e o enunciado matematico da Primeira Lei da Termodinamica em sua forma

geral. No caso de sistemas como de um foguete, ou vapor em uma turbina, e

importante levar em conta as energias cinetica e potencial externas do sistema,

pois o sistema esta em movimento em um campo de forcas externos, como o gravi-

tacional. No caso em que o sistema e dado por uma amostra em repouso em uma

bancada de laboratorio ou localizada em um equipamento para caracterizacao

de suas propriedades, mudancas na sua energia cinetica e potencial externas sao

nulas ou desprezıveis, de modo que a eq.(3.15) torna-se,

W +Q = ∆U. (3.16)

Na Termodinamica existe uma convencao de sinal para o trabalho, que

diz que o trabalho positivo e aquele realizado pelo sistema sobre sua vizinhanca.

Com isso, a expressao acima torna-se,

Q−W = ∆U, (3.17)

3. Fısica Termica 28

a qual estabelece que a energia interna de um sistema e uma funcao de unico valor

de seu estado e varia somente sob a influencia de acoes externas, sendo igual a

energia fornecida ao sistema pelo calor Q (positivo) atraves de sua fronteira menos

a energia fornecida do sistema para a vizinhanca atraves do trabalhoW (positivo).

Em sua forma infinitesimal tem-se δQ− δW = dU , ou seja, o calor, assim como o

trabalho, e uma diferencial inexata e depende do caminho, ou processo, pelo qual

o sistema e movido de um estado inicial 1 ao estado final 2. Portanto, podemos

escrever o enunciado da Primeira Lei da Termodinamica como segue:

A variacao da energia de um sistema se da atraves da energia fluindo para o

mesmo, atraves do calor, menos a energia fluindo para fora do mesmo, atraves

do trabalho.

E importante deixar claro que, apesar das unidades de trabalho e quan-

tidade de calor serem Joule (J), estes nao sao formas de energia, sao metodos de

transmissao de energia. Poderia aparecer a pergunta: Se estes nao sao formas de

energia, porque a primeira lei diz que a soma dos dois e igual a energia? E muito

comum encontrarmos nos livros expressoes como, energia sendo transmitida na

forma de calor, entre outros. Isso e incorreto! A eq.(3.18) nos diz que a energia

adquirida pelo sistema atraves do metodo calor menos a energia fornecida pelo

sistema a vizinhanca atraves do metodo trabalho e igual a variacao da energia

interna do mesmo no processo de ir do estado inicial 1 ao estado final 2, ∆U =

U2−U1. Portanto, na equacao da primeira lei estamos realmente considerando a

energia adquirida ou perdida pelo sistema atraves dos metodos calor e trabalho.

Ou seja, Q e a energia adquirida pelo sistema atraves do calor e W e a energia

fornecida pelo sistema atraves do trabalho. Nos nao estamos medindo o calor

e o trabalho do sistema, isso nao faz sentido, estamos considerando a energia

adquirida ou fornecida pelo sistema atraves desses metodos, e essa energia nos

podemos medir.

3. Fısica Termica 29

3.1.7 Segunda Lei da Termodinamica

Vimos na secao anterior que para todo sistema, a Primeira Lei da Ter-

modinamica estabelece a existencia de um parametro de estado de unico valor,

dado pela energia interna U , o qual nao varia na ausencia de acoes externas

ao sistema. A Segunda Lei da Termodinamica, a qual trataremos nessa secao,

estabelece a existencia de um parametro de estado de unico valor, chamado de

entropia S, que, em contraste com U , permanece constante em sistemas isolados

para processos reversıveis e sempre aumenta em processos irreversıveis. Um

processo de transicao de um sistema a partir de um estado 1 para um estado 2 e

dito reversıvel se a transicao oposta do sistema, de 2 para 1, pode ser feita com

o sistema transitando pelos mesmos estados intermediarios ate atingir o estado

1. Ou seja, e possıvel realizar o mesmo caminho de 1 para 2 e de 2 para 1 se

o processo for reversıvel. Se isso nao puder ser estabelecido, o processo e dito

irreversıvel. Portanto, em um processo em que ha perdas de energia a transicao

de um estado inicial para um final, a entropia do sistema sempre aumenta.

E bem conhecido que a Segunda Lei da Termodinamica foi historicamente

estabelecida atraves da analise do trabalho de maquinas termicas. Tais maquinas

sao dispositivos capazes de realizar trabalho mecanico, operando em ciclos en-

tre duas fontes quente e fria, quando energia e fornecida atraves do calor [13].

A questao acerca das maquinas termicas era determinar como torna-la o mais

efeciente possıvel. Esse problema foi resolvido pelo engenheiro frances Nicolas

Sadi Carnot (1796 - 1832) em seu trabalho “Reflexoes Sobre a Potencia Motriz

do Fogo” de 1824 [16]. Carnot idealizou um dispositivo chamado de maquina

de Carnot, que apos realizar um ciclo completo, levava a substancia de trabalho

utilizada novamente ao seu estado inicial. O ciclo realizado por essa maquina e

conhecido como ciclo de Carnot.

Se considerarmos um processo cıclico como em uma maquina termica,

em que o estado final do sistema coincide com seu estado inicial, temos pela

primeira lei que Q = W , pois ∆U = 0. Este resultado mostra que e impossıvel

conceber um moto perpetuo de 1a especie, o qual criaria energia, pois o trabalho

W so pode ser concebido a partir de uma fonte de energia. Este resultado

3. Fısica Termica 30

tambem nos diz que a energia adquirida pelo sistema atraves do calor pode ser

completamente convertida em trabalho ou que a energia adquirida pelo sistema

atraves de trabalho pode ser convertida completamente em energia termica. A

formulacao inicial da segunda lei da termodinamica surge para expressar a lei de

conversao de calor em trabalho e de trabalho em calor e e dada pelas duas teses

independentes:

Q>→ W e W

=→ Q.

A primeira tese mostra que nao e possıvel converter todo calor em tra-

balho sem um compensacao em um processo cıclico. Isso ocorre porque a energia

termica adquirida pelo sistema nao altera somente o estado termodinamico do

sistema que esta recebendo a energia, ela altera tambem sua vizinhanca. Quando

damos ignicao no motor de um carro a energia termica adquirida pela explosao

no motor faz com que toda a carcaca do motor se aqueca, de modo que e

impossıvel converter essa energia termica em energia cinetica para colocar o

carro em movimento, pois ela se espalha por todo sistema mecanico de forma

irreversıvel. Neste caso e necessario uma compensacao para repor essa energia

perdida durante o processo de conversao em trabalho. Isso tambem significa

que e impossıvel conceber um moto perpetuo de 2a especie, pois se a conversao

completa de calor em trabalho fosse possıvel, o oceano e a atmosfera consituiriam

um reservatorio termico de energia inesgotaveis.

Ja a segunda tese e possıvel, pois a energia transmitida atraves do tra-

balho pode ser completamente convertida em qualquer outra forma de energia.

Como nas perfuracoes dos canhoes observadas por Thompson, toda a energia

mecanica do torno pode ser convertida em energia termica atraves da friccao da

broca com o metal.

A primeira e a segunda teses juntas da Segunda Lei da Termodinamica

estabelecem a natureza unilateral da variacao da entropia em processos naturais

em sistemas isolados. E justamente a nao equivalencia entre as duas formas de

transmissao de energia, dadas pelo calor e o trabalho, e que faz com que a segunda

lei exista.

3. Fısica Termica 31

Matematicamente, a mudanca da entropia em um sistema em equilıbrio

e dada por,

dS =δQ

T, (3.18)

ou seja, ela ocorre quando a transferencia de energia ao sistema atraves do calor

δQ ocorre a temperatura T (absoluta) constante. Note que se tivermos uma

transformacao adiabatica reversıvel, em que δQ = 0, a eq.(3.18) nos conduz

a dS = 0. Logo, para uma transformacao adiabatica a entropia do sistema

permanece constante.

Considerando um processo cıclico, a primeira lei nos fornece W = Q =∮δQ. Pela eq.(3.18) temos tambem que

∮δQ =

∮TdS, de modo que,

W =

∮TdS = T

∮dS 6= 0, (3.19)

se∮dS 6= 0. Se isso for verdade teremos a violacao da primeira tese da segunda

lei e consequentemente seria possıvel construir um moto perpetuo de segunda

especie. Como isso e impossıvel, temos que∮dS = 0. Esse resultado mostra que a

entropia e um parametro de estado de unico valor, uma vez que no processo cıclico

temos S1 = S2. Portanto a equacao integral da Segunda Lei da Termodinamica

para processos cıclicos reversıveis e dada pela igualdade de Clausius :∮δQ

T= 0. (3.20)

Se o processo for irreversıvel temos a desigualdade de Clausius [13],∮irr

δQ

T< 0. (3.21)

Uma vez que no processo cıclio temos S1 = S2, a desigualdade acima e equivalente

a dizermos que,

S2 − S1 >

∫ 2

1

δQ

T. (3.22)

Se considerarmos agora uma transformacao adiabatica irreversıvel, em

que δQ = 0, obtemos que S2 − S1 > 0, mostrando que a entropia no processo

aumenta. Esta e chamada de lei do aumento da entropia.

Com estes resultados podemos concluir que a entropia de um sistema iso-

lado nunca pode decrescer, ela nao se altera para processos reversıveis e aumenta

3. Fısica Termica 32

para processos irreversıveis, ∆S ≥ 0. Consequentemente, se um sistema isolado

evolui de forma irreversıvel de um estado inicial 1 para um estado final 2, seu

estado de equilıbrio sera aquele em que a entropia do sistema e maxima. Isso nos

permite descrever a entropia como uma medida da irreversibilidade de processos

termicamente isolados. A irreversibilidade de um processo sera nitidamente

observada em nosso dispositivo a medida que o mesmo funcionar partindo de um

estado bem definido e evoluir no tempo para estados cuja reversibilidade para

estados anteriores e praticamente impossıvel, mostrando que o sistema simulado

aumenta sua entropia.

Outra observacao interessante e que, uma vez que todos processos na-

turais (espontaneos) ocorrem de forma irreversıvel, segue que nesses sistemas

(isolados) a entropia sempre aumenta. Dessa forma, a segunda lei indica a

direcao de processos naturais fornecendo assim uma “seta do tempo” em sistemas

termicamente isolados.

3.2 Teoria Cinetica dos Gases

A teoria cinetica dos gases e o principal topico da Fısica Termica que

exploraremos nas simulacoes realizadas em nosso dispositivo mecanico. O mo-

delo microscopico desta teoria e bastante rudimentar, mas pode nos fornecer

explicacoes microscopicas de conceitos basicos da Termodinamica. Pretendemos

levar os alunos em uma viagem incrıvel, saindo da fısica macroscopica, descrita

pela termodinamica, a fısica microscopica sem a necessidade da formulacao da

teoria quantica.

Isso e possıvel porque a fısica considerada em um modelo teorico, classica,

semiclassica ou quantica, depende muito do tipo de propriedades que pretendemos

analisar. Propriedades e processos mecanicos de um sistema gasoso, como o con-

ceito de temperatura, entropia, processos de expansao e compressao volumetrica,

podem ser explicados de forma bastante satisfatoria atraves de modelos classicos

de atomos, como o nosso dispositivo mecanico. Propriedades mecanicas em

solidos e lıquidos tambem podem ser descritos por modelos atomicos classicos,

3. Fısica Termica 33

mas estes exigem modelos computacionais um pouco mais sofisticados como a

dinamica molecular, por exemplo. Nestes podemos simular o aquecimento e o res-

friamento de um solido, constantes elasticas, transicoes de fases estruturais, fusao

e recristalizacao do material, entre outros. Modelos semiclassicos ou quanticos sao

exigidos quando queremos descrever propriedades magneticas da materia, em que

os eletrons e seus spins desenvolvem um papel essencial, ou descrever interacoes

entre radiacao e materia em que o fenomeno de superposicao e fundamental.

Para performarmos um teoria molecular da materia, nao podemos sim-

plesmente fornecer as moleculas de uma substancia todas as propriedades da

propria substancia, pois muitas destas propriedades e decorrente do movimento

termico, decorrente do comportamento coletivo e ate mesmo cooperativo das

moleculas que constituem o sistema. A cor azul do sulfato de cobre, por exemplo,

nao e explicada postulando-se que este e composto de moleculas de cores azuis.

O fato de um gas ser capaz de expandir indefinidamente nao e explicado pela

asssercao de que este consiste de moleculas que podem expandir individualmente

de forma indefinida. O que nos tentamos fazer e levar em conta que propriedades

mais complexas da materia em um determinado volume (bulk) sao consequencias

de propriedades simples descritas pelo comportamento coletivo ou individual de

suas moleculas [17].

Portanto, assumindo que um gas monoatomico consiste de um grande

numero de partıculas levando em conta apenas suas velocidades, massas e um

tamanho finito, podemos explicar a equacao de estado observada para um gas a

baixas pressoes ou descrever propriedades como condutividade termica e tempe-

ratura e ate entender o papel essencial da existencia de partıculas no movimento

browniano ou na difusao de um gas.

Nosso simulador fornecera aos alunos o ponto de partida do desenvol-

vimento de uma teoria molecular para mostrar quais propriedades de um gas a

baixa pressao podem ser explicadas pelo modelo molecular mais simples possıvel

composto por um agregado de partıculas rıgidas com massa e velocidade apenas.

Varias pessoas contribuıram para o desenvolvimento da teoria cinetica

dos gases com ideias qualitativas que levaram a teoria atomica. Dentre estas

3. Fısica Termica 34

podemos citar Leonhard Euler, um matematico do seculo XVIII quem postulou

em 1729 que o ar era composto por minusculas esferas girantes. Considerando

que um gas fosse constituıdo por “bolas de bilhar”, Daniel Bernoulli escreveu em

1738 um tratado intitulado “Hidrodinamica” [18] em que apresenta pela primeira

vez uma abordagem estatıstica para estudar as partıculas que compoem um gas.

Varias outras contribuicoes importantes foram dadas para o desenvolvimento da

teoria cinetica no seculo XIX, dentre os quais podemos citar Herapath, Waterson,

Joule, Kronig e principalmente Clausius e Maxwell [19].

As hipoteses basicas da teoria cinetica sao as seguintes:

• Um gas e constituıdo por um numero elevado de partıculas (moleculas,

atomos, ıons).

• As partıculas possuem dimensoes desprezıveis em relacao ao volume ocu-

pado pelo gas.

• As partıculas que constituem um gas movimentam-se em todas as direcoes,

colidindo umas com as outras e com as paredes do recipiente que as contem.

• A forca entre as partıculas de um gas e desprezıvel, atuando somente

durante as colisoes. As partıculas se comportam como “bolas de bilhar”

microscopicas.

• Todas as colisoes que as partıculas que constituem um gas realizam entre

elas e as paredes do recipiente em que o sistema esta contido sao perfeita-

mente elasticas, isto e, a energia cinetica total se conserva.

3.2.1 Calculo Cinetico da Pressao

Se supormos que um gas esta confinado em um cilindro de comprimento

L, como o ilustrado na figura 3.5, as moleculas do gas em seu interior exercem

uma pressao contra suas paredes. Se olharmos para a parede do cilindro formada

por um pistao preso a mola do lado direito na figura, esta pressao e interpretada

na teoria molecular nao como um impulso estatico no pistao mas como um efeito

medio de varios empurroes resultantes das colisoes das moleculas do gas com o

3. Fısica Termica 35

mesmo. Isso significa que se supormos que o pistao e forcado por uma mola para

ficar em um posicao fixa, nao e de se esperar que ele permaneca em repouso

absoluto, mas sim que ele oscile em torno de uma posicao media, uma vez que o

mesmo esta sendo bombardeado constantemente por inumeras partıculas do gas.

Esse efeito nao e observado a olhos nus em uma situacao real, por mais sensıvel que

seja o pistao. Com o nosso dispositivo mecanico isso podera ser simulado em uma

escala aumentada trazendo o efeito aos olhos dos alunos. Sao exatamente esses

impactos moleculares aleatorios, os quais nao estao em equilıbrio o tempo todo,

e que sao os responsaveis pelo movimento Browniano de partıculas suspensas.

Em acordo com a primeira hipotese basica descrita na secao anterior, nos

assumimos que o gas e composto por um grande numero de moleculas, todas com

a mesma massa m percorrendo o espaco interior do cilindro. A direcao de suas

velocidades e randomica e a magnitude das mesmas diferem de uma molecula

para outra. Vamos analisar a colisao de uma unica molecula com o pistao. A

molecula possui massa m e velocidade v, como ilustrado na Figura 3.5.

FIGURA 3.5: Colisao de uma unica molecula com velocidade v com um pistao

preso a uma mola. A componente em x da velocidade da molecula e invertida de

vx1 para −vx1 enquanto que a componente em y, vy1, permanece a mesma antes

e depois da colisao.

Fonte: Os autores.

As componentes em x e y dessa molecula sao dadas, respectivamente, por

vx1 e vy1. Note que a componente vy1 da velocidade nao e alterada pela colisao

com o pistao. Consequentemente, se considerarmos todas as moleculas do gas, o

3. Fısica Termica 36

gas nao ira, em media, realizar qualquer tipo de movimento como um todo nesta

direcao. A energia interna do gas e dada pela soma de todas as energias cineticas

de suas moleculas individuais. Considerando um sistema isolado, a energia interna

do gas permanece constante, de modo que a energia cinetica media das moleculas

do gas tambem e constante. Nos assumimos portanto que a energia cinetica de

qualquer molecula nao e alterada em uma colisao com as paredes do cilindro, o

que significa que as colisoes sao perfeitamente elasticas.

Assim como a magnitude da componente em y da velocidade nao e

alterada antes e depois da colisao com o pistao, a magnitude da componente

em x tambem nao e. Contudo, sua direcao e invertida de vx1 para −vx1.

A forca media exercida no pistao por uma molecula e dada pela taxa

media de variacao temporal do momento linear da molecula, ou seja, temos da

segunda lei de Newton que 〈Fx〉 =⟨

∆p1x∆t

⟩. Uma vez que a velocidade em x de cada

molecula inverte em cada colisao, a variacao do momento da molecula em cada

colisao na direcao x e dada por −mvx1 −mvx1 = −2mvx1. Pela conservacao do

momento linear, o momento transferido ao pistao pela molecula devido a colisao

e,

∆p1x = 2mvx1. (3.23)

Para encontrarmos a forca media durante o tempo de uma colisao, terıamos

que dividir ∆p1x por este tempo. Contudo, apos a colisao com o pistao, a molecula

precisa viajar para a outra extremidade do cilindro e voltar para uma nova colisao

com o pistao. Antes da proxima colisao, a molecula nao colide com o pistao

durante todo o tempo que vai e volta no cilindro percorrendo a distancia de 2L,

em que L e o comprimento do cilindro. A forca media deve ser obtida durante o

tempo total entre colisoes, o qual e dado por:

∆t = 2L

vx1

. (3.24)

Das eqs.(3.23) e (3.24) podemos expressar a forca media exercida no

pistao por uma molecula como,

〈Fx〉 =2mvx1

2L/vx1

=mv2

x1

L(3.25)

3. Fısica Termica 37

A pressao media no pistao produzida por esta molecula e dada pela forca

media dividida pela area do pistao, a qual chamaremos de A. Logo,

P1 =mv2

x1

AL=mv2

x1

V, (3.26)

em que V = AL e o volume total do cilindro.

Considerando agora outras moleculas, com velocidades em x dadas por

vxi, i = 2, 3, . . . , N , a pressao media total P sera dada pela soma de todas as

pressoes medias das partıculas individuais dadas por Pi =mv2xiV

, ou seja,

P =∑i

Pi =m

V

(v2x1 + v2

x2 + v2x3 + · · ·+ v2

xN

). (3.27)

Sendo N o numero total de moleculas do gas confinadas no cilindro a

velocidade media ao quadrado da componente em x da velocidade de todas as

moleculas e dada por,

⟨v2x

⟩=v2x1 + v2

x2 + v2x3 + · · ·+ v2

xN

N, (3.28)

de modo que a pressao media no pistao pode ser escrita como,

P =Nm 〈v2

x〉V

. (3.29)

A magnitude da velocidade resultante de qualquer molecula e dada por

v2 = v2x + v2

y + v2z . Fazendo a media sobre todas as moleculas do gas temos

que 〈v2〉 = 〈v2x〉 +

⟨v2y

⟩+ 〈v2

z〉. Pela isotropia da distribuicao das velocidades

moleculares temos naturalmente que 〈v2x〉 =

⟨v2y

⟩= 〈v2

z〉, pois todas as direcoes

x, y e z sao equivalentes. Temos entao que 〈v2〉 = 3 〈v2x〉. Substituindo esse

resultado na eq.(3.29) obtemos,

P =1

3

Nm 〈v2〉V

⇒ PV =1

3Nm

⟨v2⟩. (3.30)

Analisando a expressao acima, percebe-se que quanto maior o volume

do recipiente menor sera a pressao obtida. Outra consideracao importante e a

relacao entre a velocidade media das partıculas e a pressao. Se as demais variaveis

permanecerem constantes, quanto maior a velocidade media, maior sera a pressao

produzida pelas partıculas.

3. Fısica Termica 38

3.2.2 Energia Cinetica Media de Translacao

A energia cinetica media de uma molecula do gas e dada por 〈Km〉 =

12m 〈v2〉. Se multiplicarmos 〈Km〉 pelo numero total de moleculas N obtemos a

energia cinetica media total 〈K〉 do gas, ou seja, 〈K〉 = N 〈Km〉. Na eq.(3.30)

podemos identificar a expressao Nm 〈v2〉 como sendo 2 〈K〉. Dessa forma, vemos

que o produto PV e igual a dois tercos da energia cinetica media total do gas,

PV =2

3〈K〉 . (3.31)

Comparando a eq.(3.31) com a equacao de estado termica de um gas

ideal (3.8) obtida na secao 3.1.5, PV = nRT , temos que:

〈K〉 =3

2nRT. (3.32)

Isso significa que a energia cinetica media de uma molecula e dada por 〈K〉N

, ou

seja,1

2m⟨v2⟩

=3

2

nRT

N. (3.33)

O numero de mols n e dado pelo numero total de moleculas N dividido

pelo numero de Avogadro N0 ≈ 6, 023× 1023 moleculas/mol, de modo que,

n =N

N0

⇒ n

N=

1

N0

.

Utilizando essa relacao na eq.(3.33), obtemos para a energia cinetica media por

molecula,1

2m⟨v2⟩

=3

2

R

N0

T. (3.34)

A razao RN0

aparece frequentemente em teoria molecular e e chamada de

constante de Boltzmann kB = 1, 38 × 10−23 J/moleculaK. Esta tambem e uma

constante universal, uma vez que e a razao de duas constantes universais R e N0.

Portanto, a eq.(3.34) pode agora ser escrita como,

1

2m⟨v2⟩

=3

2kBT, (3.35)

mostrando que a energia cinetica media por molecula depende somente de sua

temperatura e nao da pressao, volume, ou especie da molecula. Esse resultado

3. Fısica Termica 39

fornece uma interpretacao microscopica para a temperatura absoluta T , como

sendo a medida da energia cinetica media de translacao das moleculas de um gas

ideal. E por esta razao, que dizemos que esta energia e a energia de agitacao

termica do sistema [19].

3.2.3 Livre Percurso Medio

Quando derivamos a expressao da pressao exercida pelo gas nas paredes

do cilindro, veja secao 3.2.1, as moleculas do gas foram tratadas como pontos

geometricos viajando livremente de um lado para outro do cilindro sem colidir

com outras moleculas. Como nos partimos da hipotese de gas ideal, uma rarefacao

extrema do gas e esperada. Uma das objecoes quanto a este tratamento, e que

surgiu durante o desenvolvimento da teoria cinetica, foi que se as moleculas do

gas se comportam dessa forma, entao uma pequena quantidade de gas, como um

perfume borrifado em uma sala de aula grande, por exemplo, se espalharia por

toda a sala quase que instantaneamente. Consequentemente, se supormos que

os alunos estao espalhados pela sala, todos sentiriam o aroma do perfume ao

mesmo tempo. Na pratica sabemos que isso nao e verdade, pois se o perfume for

borrifado proximo a alguma parede da sala, os alunos que estao proximos a parede

oposta sentirao o aroma do perfume apos decorrido um tempo consideravel. Esta

lenta difusao das partıculas que constituem o perfume no ar e resultado das

colisoes entre as moleculas dos dois gases, perfume e ar. Estas fazem com que as

moleculas do perfume se movam em uma trajetoria irregular do tipo ziguezague,

como ilustrado na figura 3.6 (a).

A distancia que uma molecula percorre entre duas colisoes consecutivas

com outras moleculas e chamada de livre percurso e a distancia media entre

colisoes e o livre percurso medio. Na Figura 3.6(a) ilustramos alguns percursos

livres de uma molecula, representada pelo cırculo fechado, colidindo com outras

moleculas, cırculos abertos.

Para calcular o livre percurso medio de uma molecula vamos assumir que

as moleculas sao esferas de diametro d. Uma colisao ocorrera quando os centros

de duas moleculas se aproximam de uma distancia d [20], como ilustrado na figura

3. Fısica Termica 40

FIGURA 3.6: .(a) Trajetoria tıpica de uma molecula de um gas, cırculo fechado,

colidindo com as moleculas de outro gas, cırculos abertos. (b) A colisao entre duas

moleculas ocorre quando os centros das mesmas se aproximam de uma distancia

d. (c) O mesmo numero de colisoes de qualquer molecula seria observado se

o diametro da molecula fosse aumentado de 2d. Neste caso todas as outras

moleculas seriam reduzidas a pontos geometricos.

Fonte: Os autores.

3.6(b). Podemos reduzir as moleculas a pontos geometricos se considerarmos que

as moleculas possuem um diametro de 2d, ou raio d, de modo que teremos um

volume excluıdo no qual o centro de nenhuma outra molecula podera penetrar

neste volume, veja figura 3.6(c). Considerando o movimento desta unica molecula,

dada por uma esfera de diametro 2d, atraves do gas com uma velocidade media

〈v〉, esta varrera o volume de um cilindro em um tempo t, cuja seccao transversal

e dada por πd2 e comprimento igual a 〈v〉 t. A seccao do cilindro e a seccao de

choque total de colisao da molecula e o seu volume e descrito por,

V = πd2t 〈v〉 .

Se o numero medio de moleculas por unidade de volume e n, o numero

de colisoes no tempo t e dado por nV . A frequencia media de colisoes 〈f〉 no

intervalo de tempo t sera entao nVt

, de modo que,

〈f〉 = nπd2 〈v〉 .

O livre percurso medio 〈l〉 e a distancia media entre colisoes, ou a distancia total

percorrida por unidade de tempo, que e igual a 〈v〉 = 〈l〉t

, dividido pelo numero

3. Fısica Termica 41

medio de colisoes por unidade de tempo 〈f〉, ou seja,

〈l〉 =〈v〉〈f〉

=1

nπd2. (3.36)

Nesta ultima expressao e possıvel observar o efeito da quantidade N de

partıculas do gas em seu livre percurso medio, uma vez que n = NV

. Note que o

tamanho das partıculas, dado por d, influencia diretamente o livre percurso medio,

mostrando que quanto maior o diametro das partıculas, menor sera 〈l〉. Isso pode

ser facilmente explicado devido a diminuicao da disponibilidade de espaco para

a partıcula realizar seu movimento livre. Da mesma maneira, quanto maior a

quantidade de partıculas, menor sera o deslocamento livre. Deste modo, um gas

rarefeito tenderia a possuir um deslocamento livre medio de suas partıculas maior

em relacao a um gas com maior quantidade de partıculas por unidade de volume

com o mesmo diametro.

3.2.4 Movimento Browniano

Partıculas extremamente pequenas, chamadas partıculas coloidais, em

um lıquido de densidade menor que a das proprias partıculas nao se acumulam

no fundo do recipiente que contem o lıquido. Elas permanecem permanentemente

suspensas por todo o volume do lıquido. Essas partıculas sao grandes o suficiente

para serem observadas com um microscopio, e o seu numero por unidade de

volume em diferentes alturas no lıquido podem ser contadas. As partıculas

sao observadas para estarem em um estado de movimento contınuo chamado

movimento Browniano, apos o botanico ingles Robert Brown observar este efeito

em 1827, quando analisava ao microscopio minusculas partıculas de polen em

suspensao na agua. A princıpio, Brown pensou que este efeito era devido a

presenca de seres vivos no sistema, abandonando essa hipotese apos observar o

mesmo movimento em partıculas inorganicas em suspensao [17, 19, 21].

A explicacao correta para este efeito e dada pelo movimento randomico

das moleculas que constituem o lıquido colidindo com as partıculas em suspensao.

Esta explicacao foi primeiramente proposta por Delsaux em 1877, mas a primeira

teoria quantitativa do movimento Browniano foi publicada por Albert Einstein

3. Fısica Termica 42

em 1905.

O movimento de partıculas em fluidos ja e observado ha muito tempo.

O romano Tito Lucrecio em cerca de 60 a.C, ja argumentava que partıculas de

poeira suspensas no ar realizavam movimentos aleatorios devido as colisoes que

recebia das partıculas que constituiam o proprio ar. Em 1785, Jan Ingenhousz

estudou o movimento de partıculas de carvao submersas em alcool, percebendo

que tal movimento e aleatorio [22]. Na Figura 3.7 mostramos esquematicamente a

trajetoria de uma partıcula que realiza movimento browniano. Note a semelhanca

da trajetoria aleatoria da partıcula com aquela que apresentamos na Figura 3.6

quando consideramos a trajetoria tıpica de uma molecula de um gas colidindo

com as moleculas de outro gas.

O movimento browniano tem importancia historica, uma vez que serviu

de indıcio para a existencia dos atomos numa epoca em que a existencia dessas

partıculas era questionada. Em meados do seculo XIX diversos outros experimen-

tos foram conduzidos e concluiu-se que o movimento browniano era influenciado

por varios fatores, como a viscosidade do fluıdo, o tamanho e a densidade das

partıculas submersas.

FIGURA 3.7: Trajetoria aleatoria de uma partıcula que realiza movimento

browniano.

Fonte: Figura extraıda de [22].

O movimento Browniano representa efetivamente uma evidencia do mo-

vimento de agitacao termica na escala molecular, amplificado ate tornar-se visıvel

ao microscopio. A partıcula microscopica que realiza este movimento pode ser

3. Fısica Termica 43

pensada como uma “molecula gigante” sendo bombardeada continuamente pe-

las moleculas do fluido em que esta suspensa. Como os impactos moleculares

aleatorios nao estao em equilıbrio o tempo todo, isso faz com que a molecula

suspensa tenha o seu proprio movimento de agitacao termica. Com o nosso

dispositivo seremos capazes de simular o movimento Browniano de uma partıcula

suspensa fornecendo um efeito visual muito bonito. Conseguimos fazer com que

este efeito seja amplificado para tornar-se visıvel aos olhos curiosos dos alunos.

3.3 Mecanica Estatıstica

Pelo exposto na secao anterior, vimos que a teoria cinetica dos gases nos

permite deduzir e interpretar resultados observados em escala macroscopica, como

a equacao de estado de um gas, a partir de uma teoria molecular microscopica,

levando-se em conta o comportamento individual dos constituintes do sistema. Na

segunda metade do seculo XIX a teoria da constituicao atomica de toda materia

comecou a ganhar maior aceitacao de tal forma que sistemas macroscopicos

comecaram a ser analisados de um ponto de vista microscopico mais fundamental,

como sistemas consistindo de um numero muito grande de atomos e moleculas.

Como ja discutido anteriormente o foco de estudo da termodinamica e tambem

da mecanica estatıstica e o mesmo e consiste, principalmente, na analise das leis

do movimento termico em sistemas que estao em equilıbrio termodinamico. A

diferenca essencial entre essas duas areas consiste nos metodos de investigacao.

Na mecanica estatıstica fazemos uso de modelos moleculares da estrutura

de sistemas fısicos, em que o conceito de atomos e moleculas e essencial, a

partir de metodos matematicos da teoria de probabilidades. Nesta monografia

abordaremos apenas alguns conceitos da mecanica estatıstica que estao direta-

mente ligados ao simulador mecanico proposto. Os conceitos mais pertinentes

selecionados referem-se ao problema do passeio aleatorio, ao microestado de um

sistema, espaco de fase e entropia.

3. Fısica Termica 44

3.3.1 O Problema do Passeio Aleatorio

Sempre que quisermos descrever uma situacao ou fenomeno do ponto

de vista estatıstico, ou seja, em termos de probabilidades, precisamos utilizar o

conceito de ensemble. Um ensemble e uma idealizacao que consiste em considerar

um grande numero de copias virtuais do sistema, cada uma representando um

estado fısico possıvel em que o sistema pode estar. Em outras palavras, um

ensemble e um conjunto estatıstico dado por uma distribuicao de probabilidade

para o estado do sistema. A probabilidade de ocorrencia de um evento particular e

definida com relacao a este particular ensemble e e dada pela fracao de sistemas no

ensemble que e caracterizado pela ocorrencia deste evento especıfico [23, 24, 25].

Para discutir os conceitos basicos de probabilidades em mecanica es-

tatıstica, o exemplo mais simples e o passeio aleatorio em uma dimensao. Este e

util para ilustrar um processo de difusao do tipo do movimento Browniano dis-

cutido anteriormente. Este problema e tratado tradicionalmente como o “passeio

do bebado”.

No problema e considerada uma partıcula que se desloca para a esquerda

ou direita atraves de saltos de igual comprimento l a partir de uma origem

arbitraria sobre uma reta no eixo x, veja Figura 3.8. A partıcula se “comporta”

de forma similar a um bebado que, partindo de uma origem arbitraria, como um

poste por exemplo, tambem caminha para a esquerda ou direita atraves de passos

iguais. Como no caso do bebado, cada salto que a partıcula da para a direita ou

esquerda e completamente independente do salto realizado anteriormente.

FIGURA 3.8: Deslocamento de uma partıcula em uma dimensao, eixo x, a partir

de uma origem arbitraria O para ilustrar o problema do passeio aleatorio ou

passeio do bebado. A partıcula pode se deslocar para direita ou para esquerda

dando saltos sempre do mesmo comprimento l.

Fonte: Os autores.

3. Fısica Termica 45

Naturalmente, uma vez que o comprimento de cada salto e l, a localizacao

da partıcula ao longo do eixo x e da forma x = ml, em que m e um numero inteiro

que pode ser positivo, negativo ou zero. Toda vez que a partıcula da um salto,

ou o bebado da um passo, a probabilidade da mesma se deslocar para a direita e

p, enquanto que a probabilidade de se deslocar para a esquerda e q = 1 − p. A

pergunta de interesse neste problema e a seguinte: Apos a partıcula ter dado N

saltos, qual a probabilidade PN(m) desta ser encontrada na posicao x = ml?

A formulacao estatıstica do problema implica que e necessario considerar

um numero muito grande M de partıculas similares iniciando seu movimento

na mesma origem arbitraria. No nosso dispositivo, como a situacao nao muda,

ou seja, a partıcula que consideramos nao perde massa ou se deforma, podemos

repetir o experimento M vezes com a mesma partıcula.

Voltando ao problema, nota-se que o valor m deve estar compreendido

no intervalo −N ≤ m ≤ N . Denotando por n1 o numero de saltos para a direita e

n2 o numero de saltos para a esquerda, temos entao que o numero total de saltos

N e,

N = n1 + n2. (3.37)

O deslocamento lıquido da partıcula com relacao a origem e dado por,

m = n1 − n2. (3.38)

Se for conhecido que, em uma sequencia de N saltos, a partıcula deu n1

saltos para a direita, entao o deslocamento lıquido m a partir da origem pode ser

determinado. Combinando as eqs.(3.37) e (3.38) obtemos:

m = n1 − (N − n1) = 2n1 −N. (3.39)

Lembrando que nossa assercao fundamental e que saltos sucessivos sao

estatisticamente independentes entre si, temos que a probabilidade de qualquer

sequencia de passos n1 dada para a direita e n2 dada para a esquerda e obtida

3. Fısica Termica 46

pela multiplicacao das respectivas probabilidades, ou seja,

(p...p)︸ ︷︷ ︸n1 vezes

n2 vezes︷ ︸︸ ︷(q...q) = pn1qn2 . (3.40)

O numero de sequencias, considerando os saltos independentes, e dado

pelo fator combinatorio fornecido por,

N !

n1!n2!. (3.41)

Deste modo a probabilidade WN(n1, n2) da partıcula dar n1 saltos para

direita e n2 saltos para a esquerda, num total de N saltos em qualquer ordem, e

obtida pela multiplicacao da eq.(3.40) pelo numero (3.41). Isso fornece,

WN(n1, n2) =N !

n1!n2!pn1qn2 . (3.42)

Se fizermos n2 = N − n1 a eq.(3.42) pode ser escrita como:

WN(n1) =N !

n1!(N − n1)!pn1qN−n1 , (3.43)

a qual permite calcularmos a probabilidade da partıcula dar n1 saltos para a

direita. O mesmo poderia ser feito considerando a probabilidade da partıcula dar

n2 saltos para a esquerda se fizessemos n1 = N − n2.

A funcao de probabilidade dada pela eq.(3.43) e chamada de distribuicao

binomial [23], pois obedece o Teorema binomial descrito por:

(p+ q)N =N∑n=0

N !

n!(N − n)!pnqN−n. (3.44)

Como sabemos que a partıcula deu n1 saltos para a direita de um total

de N saltos, a probabilidade PN(m) da partıcula ser encontrada na posicao m

apos N saltos e a mesma de WN(n1), ou seja,

PN(m) = WN(n1) (3.45)

Das eqs.(3.37) e (3.38) obtemos as relacoes n1 = 12

(N +m) e n2 =

12

(N −m). Substituindo essas relacoes na eq.(3.42) obtemos:

3. Fısica Termica 47

WN(n1) =N !(

N+m2

)!(N−m

2!)p(N+m

2 )q(N−m

2 ) (3.46)

Lembrando que q = 1− p, a probabilidade PN(m) e entao dada por:

PN(m) =N !(

N+m2

)!(N−m

2!)p(N+m

2 ) (1− p)(N−m

2 ) (3.47)

No caso em que p = q = 12, obtemos a forma simetrica,

PN(m) =N !(

N+m2

)!(N−m

2!) (1

2

)N. (3.48)

Este e exatamente o caso que nos consideramos para o funcionamento do

nosso dispositivo mecanico. O dispositivo foi ajustado para termos o caso especial

em que a probabilidade da partıcula dar um salto para a direita ou esquerda sejam

iguais a 50%, ou seja, p = q = 12. Este caso e o mais simples, em geral temos

p 6= q. Se caso o simulador tiver algum desnıvel na face do embolo o caso mais

geral precisa ser considerado. Os detalhes da montagem do dispositivo sao dados

no Capıtulo 4.

3.3.2 Microestado de um Sistema, Espaco de Fase e En-

tropia

Na mecanica estatıstica, a analise de um sistema fısico em equilıbrio e re-

alizada pela especificacao dos estados microscopicos, ou microestados, do sistema,

os quais formam o seu ensemble, pelo estalecimento de um postulado estatıstico,

com o objetivo de usarmos a teoria das probabilidades, e pelo estabelecimento de

uma conexao com as variaveis do mundo macroscopico, ou seja, a termodinamica

[24].

Um sistema fısico de partıculas e governado pelas leis da mecanica, seja

classica ou quantica, dependendo do nıvel de descricao e do interesse particular

da analise. Se quisermos estudar propriedades mecanicas de um sistema, como

constantes elasticas, expansao termica, etc., a mecanica classica pode fornecer

3. Fısica Termica 48

uma descricao suficiente para as propriedades do sistema. No caso de proprieda-

des magneticas, por exemplo, um tratamento mais rigoroso pode ser necessario,

o que pode requerer o uso da mecanica quantica. Em todas estas situacoes, as

leis da mecanica fornecerao os meios para a especificacao dos microestados do

sistema.

Em nosso dispositivo nos simulamos um modelo discreto bidimensional de

gas com N partıculas (esferas) contidas em uma malha de area arbitraria. Esta foi

dividida em um numero determinado de celulas discretas que podem estar vazias

ou ocupadas por um unica partıcula. Dessa forma podemos simular o efeito de

impenetrabilidade do nucleo duro de potenciais interatomicos. Neste modelo de

gas, a especificacao microscopica dos estados do sistema consiste na identificacao

das configuracoes das N partıculas distribuıdas nas celulas da malha. O ensemble

estatıstico e o conjunto de todos estes estados microscopicos, com cada um

possuindo um peso probabilıstico. Devido a simplicidade dos modelos tratados

em nosso dispositivo, o tratamento das simulacoes realizadas sera puramente

classico.

Na mecanica classica, o estado de um sistema de n graus de liberdade e

completamente especificado se nos fornecermos n coordenadas generalizadas da

posicao q1, q2, . . . , qn e n coordenadas generalizadas do momento p1, p2, . . . , pn.

Nas simulacoes em 3 dimensoes em nosso dispositivo, por exemplo, temos N

partıculas livres no espaco Euclidiano, de modo que precisamos de 3N coorde-

nadas da posicao e 3N momenta para a especificacao de um estado do sistema.

Devido ao grande numero de coordenadas e momenta do sistema e conveniente

introduzirmos o espaco de fase do sistema, com 2n dimensoes, em que cada micro-

estado do sistema de n graus de liberdade e representado por um unico ponto (q, p)

deste espaco. O par (q, p) representa o conjunto de variaveis q1, . . . , qn, p1, . . . , pn.

Neste espaco de fase podemos representar todos os pontos (microestados) que

sao compatıveis com as condicoes macroscopicas, ou macroestados de um dado

sistema, como sua energia ou volume.

Para a determinacao dos microestados de nosso gas bidimensional nos

calibramos o dispositivo de modo que nao haja qualquer direcao preferencial para

3. Fısica Termica 49

as partıculas preencherem as celulas da malha. Ou seja, isso foi feito para que a

acessibilidade dos microestados possıveis em nosso sistema obedeca o postulado

fundamental da mecanica estatıstica, ou postulado das iguais probabilidades a

priori, que diz o seguinte [24, 25]:

Em um sistema estatıstico com energia fixa e fechado, todos os microestados

acessıveis sao igualmente provaveis.

A determinacao do numero de microestados acessıveis Ω do sistema e

essencial para a definicao estatıstica da entropia S, pois esta foi definida por

Boltzmann em 1877 como sendo proporcional ao logaritmo natural de Ω, ou

seja, ln(Ω). A expressao matematica que relaciona a entropia com o numero de

microestados acessıveis e dada por,

S = kBln(Ω), (3.49)

em que kB e a constante de Boltzmann.

No nosso dispositivo nos definiremos os macroestados do sistema de

acordo com cada configuracao dada pela disposicao das partıculas na malha

bidimensional. Para cada configuracao, ou microestado, do sistema teremos

apenas um macroestado correspondente. A recıproca nao e valida, pois diferentes

microestados podem representar o mesmo macroestado. Isso significa que macro-

estados que possuem maior numero de microestados, maximizam a entropia, pois

como mostra a eq.(3.49), quanto maior Ω, maior S. Dessa forma, o sistema evolui

espontaneamente para macroestados mais provaveis, isto e, para o maior valor

da entropia [26].

Este resultado esta de acordo com a lei do aumento da entropia obtida

na termodinamica, veja secao 3.1.7, em que o estado de equilıbrio do sistema

sera aquele em que sua entropia e maxima. Isso significa que o equilıbrio do

sistema e estabelecido justamente no macroestado mais provavel que o sistema

pode assumir, fornecendo assim um carater estatıstico para a entropia. Portanto,

com o nosso dispositivo seremos capazes de descobrir qual o macroestado mais

provavel do nosso gas bidimensional e introduzir qualitativamente aos alunos o

carater estatıstico da entropia fornecido por Boltzmann.

Capıtulo 4

Metodologia

Nesta monografia conseguimos demonstrar os seguintes conceitos e pro-

cessos, ja discutidos teoricamente no Capıtulo 3:

• A lei de Boyle-Mariotte;

• A lei de Charles;

• A lei de Gay-Lussac;

• A Primeira Lei da Termodinamica;

• O carater estatıstico da Segunda Lei da Termodinamica;

• A irreversibilidade da Expansao livre de um Gas;

• A irreversilibilidade da Mistura de dois Gases;

• O caso da evaporacao de um perfume no ar;

• O problema do passo aleatorio;

• O movimento browniano.

Para isso construımos um dispositivo multifuncional simples o suficiente

para ser construıdo por professores e utilizado no Ensino Medio. Outro fato a se

considerar e que a construcao foi idealizada para que fossem utilizados materiais

de facil aquisicao e de relativo baixo custo. Neste capıtulo forneceremos alguns

detalhes sobre a construcao do dispositivo.

50

4. Metodologia 51

4.1 O Simulador e o Analogo Mecanico de um

Gas Real

Nosso principal objetivo neste trabalho foi simular, de forma represen-

tativa, o comportamento microscopico das partıculas de um gas. Para isso

construimos um simulador mecanico composto basicamente de um cilindro de

vidro transparente disposto verticalmente e no seu interior sao dispostas pequenas

esferas plasticas, conforme ilustracao na Figura 4.1. Cada esfera representa uma

partıcula (atomo ou molecula) de um gas ideal. O dispositivo e baseado na ideia

original de Bernoulli, apresentada em sua obra “Hidrodinamica” de 1738 [18].

Nesta obra, Bernoulli explica pela primeira vez que um embolo que encerra um

gas num cilindro se mantem suspenso gracas a acao de multiplas colisoes das

partıculas constituintes desse gas sobre sua superfıcie interna.

FIGURA 4.1: Representacao do simulador mecanico com seus principais

elementos.

Fonte: Os autores.

Note na Figura 4.1 que o cilindro e limitado superiormente por um embolo

leve que possui liberdade de movimento vertical e inferiormente por um pistao

motorizado. O pistao e posto em movimento devido a acao de um pequeno motor

eletrico. O motor imprime movimento a um conjunto de pequenas engrenagens.

4. Metodologia 52

O centro da ultima roda dentada e acoplado ao centro de uma outra roda, daqui

em diante denominada volante. Um pequeno pino presente num ponto da borda

do volante, ao girar, provoca o movimento de sobe e desce de uma pequena haste,

a manivela, que se conecta de maneira articulada com o pistao atraves de outro

pino no interior do cilindro. O aparato possui funcionamento semelhante ao de

um motor de explosao interna de carros.

As esferas inicialmente repousam sobre o pistao no interior do cilindro

e o embolo permanece sobre as esferas imoveis. Isso nos permite definir um

volume mınimo para o sistema dado pelo empilhamento das esferas. Quando

o dispositivo simulador e ativado, o motor faz com que o pistao desloque-se

verticalmente em um movimento de sobe e desce no interior do cilindro. Isso

faz com que as esferas entrem em movimento caotico, tal como faz as moleculas

de um gas ideal segundo a Teoria Cinetica dos Gases. Quanto maior a tensao

eletrica fornecida ao motor do pistao, maior sera a frequencia de oscilacao do

pistao dentro do cilindro, e maior sera a agitacao das esferas que colidem o

tempo todo nas paredes internas do cilindro e com elas mesmas. A tensao

eletrica e controlada por meio de um potenciometro ou controlada externamente

atraves do seletor de voltagem de uma fonte de alimentacao universal. A esse

potenciometro ou seletor da fonte e atribuıda uma escala referente a posicao

angular de seu eixo, relacionada a velocidade do pistao e, consequentemente,

das esferas. Na simulacao, conforme se gira o potenciometro no sentido de menor

resistencia eletrica, maior sera o analogo da temperatura de um gas formado pelas

moleculas (esferas). Consequentemente, um movimento mais frenetico e intenso

devera ser observado. Nos chamaremos de temperatura mecanica TM o analogo

da temperatura simulada em nosso dispositivo para diferenciar da temperatura

real T de um gas.

O embolo permanecera suspenso devido as multiplas colisoes das esferas

abaixo dele. Um aumento na temperatura mecanica do sistema implicara em

colisoes mais intensas com a superfıcie interna do embolo, fazendo com que o

mesmo seja movido para posicoes mais elevadas. Isso e equivalente a expansao

do volume V de um gas real. O equivalente mecanico do volume V de um gas

real sera chamado de volume mecanico VM . Se empurramos o embolo para baixo

4. Metodologia 53

com o dedo e possıvel perceber um aumento da forca resistente que mantem o

embolo suspenso. Esta e proveniente das inumeras colisoes das esferas com o

mesmo. Nesta condicao, devera ser observado um movimento mais frenetico das

esferas, a medida que se comprime o volume mecanico do gas de esferas plasticas.

Essa compressao e o consequente aumento da temperatura mecanica do sistema,

equivale a aumentar a pressao P de um gas real. O equivalente mecanico de P

sera chamado de pressao mecanica PM .

Note que foi possıvel definirmos as variaveis mecanicas (PM , VM , TM) do

nosso sistema em analogia as variaveis (P, V, T ) de um sistema termodinamico

simples, no caso, dado por um gas.

O passo a passo da construcao de cada parte do simulador mecanico e

apresentado na proxima secao.

4.2 Construcao do Simulador Mecanico

A construcao do dispositivo segue apresentada abaixo por etapas que se

referem aos componentes e processos empregados na sua montagem.

4.2.1 Motor e Engrenagens

O motor e o conjunto de engrenagens foram obtidos a partir de um leitor

de disco de vıdeo digital (DVD player). O aparelho foi desmontado e a bandeja

de disco retirada. Essa bandeja, geralmente feita de plastico, possui um motor

de corrente contınua (DC) acoplado a um conjunto de engrenagens. Removemos

o motor com as engrenagens cortando-se a parte onde o motor e as engrenagens

ficam alojadas. O conjunto possui uma pequena correia de borracha que transfere

o movimento de rotacao do motor as outras engrenagens. Colamos com cola

adesiva instantanea uma roda plastica sobre a ultima engrenagem. Essa roda

compoe o disco de apoio para CD/DVD do leitor de discos de DVDs players,

computadores, aparelhos de som, entre outros. Essa peca constitui a volante do

nosso simulador mecanico. A Figura 4.2 mostra a porcao cortada da bandeja e a

4. Metodologia 54

roda plastica (volante) ja fixada.

FIGURA 4.2: Conjunto formado pelo motor e volante (peca destacada). A correia

mostrada a esquerda e posteriormente acoplada ao eixo do motor, transferindo o

movimento a volante.

Fonte: Os autores.

A peca apresentada na Figura 4.2 constitui o principal componente mecanico

do dispositivo simulador. A correia impede que o motor sofra danos caso haja

um travamento das engrenagens devido a um bloqueio do pistao no interior do

cilindro. Neste caso, a correia se desprende do conjunto fazendo com que o motor

realize seu movimento livremente, impedindo que o mesmo seja danificado. Para

recuperar a mobilidade do sistema, bastar liberar o pistao e reposicionar a correia

na volante.

4.2.2 Pistao

O pistao foi construıdo com um pequeno pote feito de plastico. Escolheu-

se um coletor universal para amostras, Figura 4.3(a), facilmente encontrado em

farmacias e de baixo custo. Qualquer recipiente cilındrico que tenha tampa e seja

ligeiramente menor que o cilindro de vidro pode ser utilizado.

Abaixo da bandeja de disco do DVD player se encontra o leitor de disco

que contem o motor DC. Ao eixo desse motor ha uma peca acoplada que pode

ser removida facilmente. Ela tem um formato de disco que serve para apoiar

o CD/DVD. A figura 4.3(b) mostra a localizacao desta peca. Removemos esta

peca para servir como suporte do pistao. Por meio de cola adesiva instantanea,

fixamos a mesma ao centro do coletor universal (pistao), conforme mostrado na

Figura 4.3(c).

4. Metodologia 55

FIGURA 4.3: (a) Coletor universal de amostras utilizado como pistao. (b) Peca

em forma de disco (em destaque) para apoio do CD/DVD no leitor do DVD

player e (c) e mostrado o pistao com o suporte.

Fonte: Os autores.

4.2.3 Manivela e Pivos

A manivela e a haste que articula o volante ao suporte do pistao. Essa

articulacao e dada atraves dos pivos, que sao eixos que permitem mobilidade nas

conexoes. A manivela foi confeccionada com um palito de sorvete. Dois pequenos

parafusos serviram como pivos. A Figura 4.4 mostra as medidas utilizadas para

a confeccao da manivela e dos pivos.

FIGURA 4.4: Montagem da manivela. A esquerda mostramos as dimensoes do

palito de sorvete cortado, no centro a manivela pronta com furos e a direita e

mostrado o parafuso utilizado como pivo e suas dimensoes.

Fonte: Os autores.

Apos confeccionar a manivela, esta foi acoplada a volante. A fixacao da

4. Metodologia 56

manivela foi feita com cola quente. Para conseguir o movimento de sobe e desce

do pistao fizemos uma articulacao entre a manivela e a volante e entre a manivela

e a base do pistao, conforme mostrado na Figura 4.5(a) e (b), respectivamente.

Os acoplamentos da manivela a volante e a base do pistao foram feitos

atraves de dois parafusos utilizados como pivos. As dimensoes dos mesmos estao

apresentadas a direita na Figura 4.4. Com a cola quente fixamos definitivamente

uma das extremidades dos parafusos. A outra extremidade permaneceu livre,

conferindo mobilidade a manivela. O conjunto motor-manivela-pistao e mostrado

na Figura 4.5(c).

FIGURA 4.5: Articulacao da manivela atraves dos pivos, monstrando em (a) o

pivo fixado a volante e em (b) o pivo fixado ao suporte do pistao. (c) Conjunto

Motor-manivela-pistao pronto.

Fonte: Os autores.

4.2.4 Cilindro de vidro

O recipiente do simulador mecanico que comportara o gas de esferas

foi adquirido em uma vidracaria. Este consiste de um cilindro com as duas

extremidades abertas e dimensoes mostradas na Figura 4.6. A parede do cilindro

de vidro possui espessura de 3 mm. O ajuste de seu diametro com o pistao deve

ser feito de modo que o pistao possa se mover quase que livremente pelo cilindro

para nao forcar o motor e comprometer a movimentacao das esferas no interior

do cilindro.

4. Metodologia 57

FIGURA 4.6: Cilindro de vidro utilizado como recipiente do gas de esferas na

montagem do simulador mecanico.

Fonte: Os autores.

4.2.5 Base

A base do dispositivo e responsavel pela sustentacao de todos os compo-

nentes. Ela foi construıda inicialmente por pecas separadas. As pecas podem ser

unidas por cola adesiva instantanea, cola de madeira ou adesivo de contato. O

material das pecas pode ser madeira tipo MDF. As medidas da base sao apresen-

tadas na Figura 4.7 e foram escolhidas para se ajustar aos demais componentes

apresentados anteriormente.

FIGURA 4.7: Pecas em madeira tipo MDF utilizadas para a confeccao da base

do simulador mecanico.

Fonte: Os autores.

4. Metodologia 58

A peca mostrada na Figura 4.7(b) possui um furo inferior e central com

diametro de 7mm. A peca da figura 4.7(d) constitui o painel do dispositivo

simulador. A Figura 4.8 mostra com maiores detalhes as dimensoes empregadas

para a confeccao do painel.

FIGURA 4.8: Amplificacao da figura 4.7(d), mostrando as dimensoes dos furos

para a construcao do painel do dispositivo.

Fonte: Os autores.

A medida dos furos realizados no painel, Figura 4.8, foram feitos para

ajustar os componentes eletronicos do simulador mecanico. A base montada sem

o painel e apresentada na Figura 4.9.

FIGURA 4.9: Base montada sem o painel. A esquerda apresentamos a vista

lateral da base e a direita sua vista frontal, mostrando o seu interior e os furos

realizados na parte de tras da mesma.

Fonte: Os autores.

A parte do motor constituıdo pelo proprio motor, as engrenagens, a

volante, a manivela e o pistao foi fixado no interior da base, como mostrado

4. Metodologia 59

na Figura 4.10. Antes de sua fixacao, foi necessaria a utilizacao de calcos para

ajustar a altura do sistema para que o pistao pudesse ser visualizado de forma

adequada na parte superior do furo da peca apresentada na Figura 4.7(e).

A altura adequada do calco foi de 40mm. O calco foi construıdo com

palitos de sorvete sobrepostos e colados com cola adesiva instantanea, veja Figura

4.10. A esquerda da Figura 4.10 mostramos todo o conjunto do motor fixado sobre

o calco no interior da base. A fixacao foi feita com cola adesiva instantanea.

FIGURA 4.10: A esquerda mostramos o calco, feito de palitos de sorvete,

utilizado para a fixacao do motor na base. A direita e apresentado o motor

fixo a base. Note que o cilindro de vidro foi utilizado para sustentar o pistao na

posicao vertical.

Fonte: Os autores.

4.2.6 Esferas e embolos

As esferas representam as moleculas do gas no nosso simulador mecanico.

Essas esferas sao feitas de plastico e sao projeteis de airsoft, um tipo de pistola

de brinquedo. As esferas sao coloridas e cada uma possui diametro de aproxima-

damente 6, 0 mm e massa em torno de 0, 12 g. Estas sao mostradas a esquerda

da Figura 4.11.

O embolo foi feito com bandeja de poliestireno expandido (isopor). Re-

cortamos um cırculo de 54, 0 mm de diametro e fixamos um canudo de plastico

no centro do cırculo com cola quente. O canudo e o eixo do embolo. A lateral do

cırculo que constitui o embolo foi pintada de vermelho para facilitar a visualizacao

4. Metodologia 60

de sua posicao quando for inserido no interior do cilindro.

FIGURA 4.11: A esquerda mostramos as esferas plasticas utilizadas para

representar as moleculas do gas nas simulacoes e a direita o conjunto do embolo,

mostrando da esquerda para a direita o embolo, a cruz e o extensor.

Fonte: Os autores.

Para aumentar a pressao sobre as esferas durante as simulacoes, nos

cortamos discos de papelao para serem utilizados como pesos adicionais no eixo

do embolo. Para acomodar estes discos uma nova peca, feita de canudo em forma

de cruz, foi acoplada ao topo do eixo. Se for desejado colocar mais discos durante

a realizacao das simulacoes, alem daqueles que a cruz suporta, basta acoplar um

extensor feito com um pedaco de canudo ao eixo da cruz. O conjunto do embolo

e mostrado a direita da Figura 4.11.

A massa do embolo e de 0, 251 g, a da cruz de 0, 15 g e a do extensor de

aproximadamente 2, 5×10−2 g, fornecendo uma massa total de aproximadamente

0, 40 g para o conjunto. E importante fazer alguns testes e ver se essas pecas nao

vao prejudicar a expansao do sistema mecanico devido as colisoes das esferas.

Se o embolo for feito com um conjunto de pecas pesados, esse efeito sera com-

prometido, pois o peso do conjunto sobre as esferas ja contribui para a pressao

aplicada sobre elas. Deste modo, o proprio embolo e seu conjunto sempre exerce

uma pressao sobre as esferas dada pelo seu proprio peso, da mesma forma como

no caso de um gas real confinado em um recipiente com embolo.

4. Metodologia 61

4.2.7 Bases Especiais

As bases especiais sao pecas de papelao que sao acopladas a parte superior

do pistao principal para realizar diferentes simulacoes. Esse acoplamento foi feito

com ımas. Sob a tampa do pistao foi fixado um pequeno ıma de neodımio e cada

base especial tem uma tarja magnetica na base. Assim, basta posiciona-la sobre

o pistao principal para realizar a fixacao. Foram confeccionadas 4 bases especiais,

a do tipo grade linear, do tipo grade 3 × 3, do tipo recipiente e do tipo frasco.

Todas estao apresentadas na Figura 4.12.

A base tipo grade linear, Figura 4.12(a), possui cinco espacos quadrados

de lados iguais a 8 mm dispostos linearmente. As laterais sao rodeadas por

paredes inclinadas para fazer com que as esferas nao saiam da grade e caiam para

fora da base. Essa base sera utilizada para realizar o experimento do problema

do passeio aleatorio descrito na secao 3.3.1.

A base do tipo grade apresentada na Figura 4.12(b) tem sua area dividida

em 9 celulas quadradas de 8 mm cada, dispostas em uma configuracao 3×3. Esta

sera empregada para simular a Segunda Lei da Termodinamica. Cada posicao e

numerada de 1 a 9 para a identificacao.

A base do tipo recipiente, Figura 4.12(c), foi confeccionada para ser

empregada nas simulacoes da mistura entre dois gases e da expansao livre de

um gas. Esta e constituıda por um recipiente retangular separado ao meio por

uma parede.

Por fim, a base do tipo frasco, apresentada na Figura 4.12(d), represen-

tara um frasco de perfume. Esta possui um reservatorio com tampa para guardar

as esferas que representarao as moleculas de perfume. Uma tampa superior

fechara o cilindro para impedir que as esferas saiam quando o dispositivo for

ligado. Um suporte de papelao contendo a imagem do quarto de uma casa foi

confeccionado para ilustrar a situacao que sera proposta.

As bases especiais podem ser trocadas rapidamente e sao as responsaveis

por parte da multifuncionalidade do simulador proposto.

4. Metodologia 62

FIGURA 4.12: (a) Base do tipo grade linear para a simulacao do problema do

caminho aleatorio. Cada posicao da grade foi numerada como -2, -1, 0, 1, 2, da

esquerda para a direita. (b) Base do tipo grade com 9 celulas numeradas dispostas

em uma configuracao 3× 3 para a simulacao da Segunda Lei da Termodinamica.

(c) Base do tipo recipiente confeccionada para as simulacoes da mistura entre

dois gases e expansao livre de um gas. (d) Base tipo frasco com tampa para a

simulacao da evaporacao de um perfume.

Fonte: Os autores.

4.2.8 Circuito Eletrico do Simulador Mecanico

O circuito do aparelho foi cencebido para o controle da velocidade do

motor que movimenta o pistao, o acionamento da iluminacao e o acionamento

permanente (botao contınuo) ou temporario (botao pulso) do motor. O circuito

opera com tensao de 15 Volts em corrente contınua.

O circuito possui dois modos de comando, um pelo painel (analogico) e

outro digital, caso o operador desejar controla-lo via arduıno. Nesta monografia

apresentamos apenas o controle via painel, mas o aparelho tambem tem conexao

4. Metodologia 63

para comando externo. A escolha para um ou outro tipo de comando se da atraves

de uma chave seletora. O aparelho e ligado atraves de uma chave geral e apos a

escolha da chave seletora para a posicao analogica, pode-se controlar a velocidade

da simulacao por meio de um potenciometro e de dois botoes que podem fazer

com que o pistao se mova continuamente ou descontinuamente, atraves de pulsos.

O circuito tambem possui um interruptor para permitir que o sistema possa ser

iluminado internamente para melhor observar as simulacoes. Na Figura 4.13

mostramos a montagem esquematica do circuito eletrico empregado no aparelho.

FIGURA 4.13: Circuito eletrico montado para realizar o controle do aparelho

simulador mecanico.

Fonte: Os autores.

A tensao no circuito e controlada por meio de um transistor TIP 42 e

um potenciometro do tipo linear. A escolha do potenciometro linear e preferıvel

e muito importante para as simulacoes, pois o deslocamento do seu eixo e dire-

tamente proporcional a variacao da velocidade do pistao, permitindo estabelecer

uma relacao entre a velocidade do pistao e a posicao do potenciometro facilmente.

As chaves geral e seletora de comando, assim como os botoes do modo contınuo

e pulso, foram organizados no painel do dispositivo, confome mostrado na Figura

4.14.

4. Metodologia 64

Caso se selecione a opcao digital pela chave seletora com o aparelho ligado

a fonte de tensao convencional, o aparelho funcionara em sua potencia maxima.

Neste caso a corrente eletrica ira ser direcionada diretamente ao motor, sem

passar por qualquer outro componente. Isso pode ser utilizado caso for desejado

que o aparelho opere em maxima velocidade em alguma simulacao. Entretanto,

na opcao digital a luz nao pode ser acionada. A opcao digital e apenas uma parte

do circuito que desabilita as funcoes do painel e permite o controle externo direto

do motor, ideal para insercao de microcontroladores como o Arduıno.

FIGURA 4.14: Painel com as chaves e botoes de comando.

Fonte: Os autores.

4.2.9 Montagem Final

Para finalizar a construcao e montagem do dispositivo inserimos o pistao

dentro do cilindro e fixamos o cilindro na parte superior do aparelho. O compar-

timento do circuito e do motor foram fechados e em volta do cilindro nos fixamos

paredes de vidro para possibilitar uma boa visualizacao do interior do cilindro.

Uma lampada de LED foi utilizada para a iluminacao do dispositivo durante as

simulacoes. Esta foi fixada ao redor da parte superior do cilindro. Na Figura 4.15

apresentamos o simulador mecanico finalizado e pronto para funcionar.

Confeccionamos tambem 18 discos de papelao identicos. Como ja discu-

tido anteriormente, estes serao utilizados para aumentar o peso do embolo sobre

as esferas em movimento, aumentando assim a pressao sobre elas. Cada disco

tem massa aproximada de 0, 33 g.

4. Metodologia 65

FIGURA 4.15: Simulador mecanico completamente montado e pronto para

funcionar. Do lado direito tem-se a fonte de tensao selecionada na posicao de

15 V.

Fonte: Os autores.

Para a simulacao do movimento browniano confeccionamos uma especie

de tampa para o cilindro. Essa tampa tem um furo circular onde foi colada

uma lente biconvexa de uma lupa de diametro igual a 100 mm. Ao centro

da lente colamos um fino barbante com uma pequena esfera de poliestireno

expandido (isopor) de raio igual a 5 mm fixada na outra extremidade. Essa esfera

representara uma partıcula de polen na simulacao do movimento browniano. Esta

e chamada de tampa tipo lupa e e mostrada na Figura 4.16.

FIGURA 4.16: Tampa tipo lupa para a simulacao do movimento browniano. A

esfera mostrada representara uma partıcula de polen.

Fonte: Os autores.

4. Metodologia 66

Para guardar todos os acessorios do dispositivo confeccionamos alguns

suportes especıficos para cada peca e todo o conjunto foi organizado em uma

caixa de madeira na forma de um kit didatico. Na Figura 4.17 apresentamos o

simulador mecanico e todos os acessorios construıdos para realizar as simulacoes

propostas.

FIGURA 4.17: Aparelho simulador e todos os acessorios confeccionados. O

conjunto sera capaz de simular e estudar diversos fenomenos na area de Fısica

Termica.

Fonte: Os autores.

Com o conjunto apresentado e possıvel simular 11 experimentos pertecen-

tes a area de Fısica Termica. As propostas de simulacao e os resultados obtidos

sao apresentados no proximo capıtulo.

Capıtulo 5

Simulacoes e Analise dos

Resultados

O uso do simulador mecanico se mostrou bastante eficaz para a abor-

dagem de temas da area de Fısica Termica. Neste capıtulo apresentamos as

propostas de simulacoes executadas neste trabalho e os resultados obtidos. Os

resultados sao provenientes de analises qualitativas e quantitativas dos fenomenos

e processos analisados. Como o dispositivo foi concebido para a realizacao de

simulacoes diferentes, a descricao de cada resultado segue separadamente a seguir.

Cada simulacao requer montagem ou ajuste especıfico para ser realizada. Nos

mostramos a seguir cada montagem necessaria, alem da analogia proposta entre

a simulacao, a teoria e o caso real.

Para todas as simulacoes, as partıculas dos gases serao representadas

pelas esferas. Para a simulacao das Leis dos Gases Ideais e da Primeira Lei da

Termodinamica, o cilindro e o embolo representarao um sistema real, semelhante

a uma seringa. Para todas as demais simulacoes haverao particularidades asso-

ciadas aos conceitos que se pretende fazer analogia, propondo-se representacoes

distintas e utilizando-se acessorios diferentes. Em todas as simulacoes o disposi-

tivo foi operado por meio do comando manual presente no painel, selencionando-se

a posicao analogico na chave de comando.

67

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 68

5.1 Simulacao da Lei de Boyle-Mariotte

A transformacao isotermica, descrita pela Lei de Boyle-Mariotte, rela-

ciona a pressao e o volume de um gas quando sua temperatura e constante. A

analogia requer que as esferas mantenham a mesma velocidade de translacao no

interior do cilindro, ja que a temperatura do gas depende unicamente de sua

energia cinetica, conforme mostra a eq.(3.35).

A simulacao deve ser realizada mantendo-se fixa uma posicao adequada

do potenciometro. Assim, uma quantidade determinada de esferas foi inserida

no interior do cilindro e o embolo montado sobre elas. Ao ligar o simulador,

giramos o potenciometro ate que o embolo alcancasse uma altura determinada.

Apos isso, nao alteramos mais a posicao do potenciometro, o que significa dizer

que a velocidade media das esferas e mantida constante.

A percepcao da relacao entre a pressao PM e o volume VM mecanicos

pode ser percebida de duas formas, uma qualitativa e outra quantitativa. A

forma qualitativa e obtida pressionando-se com a mao o eixo do embolo, de

modo a diminuir VM ocupado pelas esferas em movimento. A forma quantitativa,

mais detalhada, requer a utilizacao dos discos de papelao, cujo peso conhecido

e distribuıdo sobre a area inferior do embolo, o qual fornece a pressao mecanica

sobre as esferas. Os valores dos volumes mecanicos correspondentes sao obtidos

mais facilmente a partir de uma regua graduada posicionada verticalmente e

paralelamente ao eixo do cilindro, veja figura 5.1.

A cruz no eixo do embolo foi montada para acrescentarmos os discos e as

novas posicoes do embolo a cada adicao de disco foram aferidas. Conhecendo-se

as dimensoes do cilindro, foi possıvel obter os valores de VM ocupados pelas

esferas, assim como os respectivos valores das pressoes mecanicas aplicadas. Na

Figura 5.1 mostramos os discos posicionados sobre o embolo para a realizacao da

simulacao.

Atraves da eq.(3.30) foi possıvel obter os valores da velocidade quadratica

media de cada esfera em movimento. Da expressao 〈Km〉 = 12m 〈v2〉 podemos

obter o valor da energia cinetica media por esfera. Essas equacoes descrevem de

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 69

maneira coerente o sistema mecanico real formado pelas esferas em movimento.

Por fim, atraves da eq.(3.35) foi possıvel estimar a temperatura mecanica TM

do gas de esferas. Os valores de TM assim como os da energia cinetica media

por esfera devem ser constantes, pois estamos tentando simular um processo

isotermico. Como em todo sistema fısico, estamos limitados a barras de erros

em nossas simulacoes e os valores obtidos para as propriedades mecanicas podem

oscilar.

FIGURA 5.1: O aumento da pressao mecanica no gas de esferas se da pela adicao

dos discos sobre o embolo, fazendo com que o volume mecanico diminua. Note no

interior da caixa de vidro a direita, uma regua graduada utilizada para facilitar

na determinacao do volume mecanico do sistema a medida que PM varia.

Fonte: Os autores.

Vale ressaltar que se realizarmos um processo isotermico em um gas real,

o sistema trocara energia atraves de calor com a vizinhanca para manter sua

temperatura constante. Isso e necessario porque a medida que aumentamos a

pressao do sistema a temperatura pode aumentar. Esse processo de troca de

energia por calor nao existe no nosso simulador, portanto, a lei de Boyle sera

observada ate um certo limite de PM e VM , a partir dos quais TM podera variar.

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 70

Neste caso estarıamos simulando um processo adiabatico e o resultado pode ser

a obtencao de curvas adiabaticas do tipo PMVγM = constante, sendo γ > 1.

Isso pode ser muito vantajoso didaticamente para explicar as diferencas entre

os processos termodinamicos, o conceito de calor e ate introduzir o conceito de

entropia mecanica SM do gas de esferas em analogia a entropia S de um gas

real, uma vez que em um processo adiabatico a entropia do sistema se mantem

constante. Assim, existem muitas discussoes que podem ser conduzidas com os

alunos, pois estamos relacionando o experimento simulado e suas limitacoes com

a teoria.

Para obtencao da relacao entre PM e VM utilizamos 25 esferas para

compor o gas mecanico mantendo o potenciometro fixo em uma posicao ar-

bitraria. Estes parametros foram mantidos constantes durante toda a simulacao

na tentativa de observarmos a lei mecanica de Boyle PMVM = k (TM). Com este

analogo mecanico objetivamos observar as isotermas de Boyle, em que a constante

k = k (TM) depende da temperatura mecanica TM , ou seja, cada isoterma equivale

a uma unica TM .

Um ponto muito importante, e que geralmente nao e observado didati-

camente, e que um gas real possui um volume mınimo. Se partirmos da relacao

PV = k obteremos V = 0 para uma pressao aplicada muito grande. Isso nao tem

sentido fısico, pois implicaria que as moleculas de gas poderiam se desintegrar se

aumentassemos indefinidamente a pressao no gas. No sistema mecanico e mais

facil perceber a existencia de um volume mınimo VM0, pois como o sistema e

macroscopico o valor de VM0 pode ser observado e determinado pelo empilhamento

das esferas quando o simulador esta desligado. Portanto, introduziremos uma

correcao no volume para obtencao das isotermas, de modo que,

PM (VM − VM0) = k (TM) . (5.1)

No caso de um gas real terıamos P (V −V0) = k. Estas sao chamadas de isotermas

de Clausius. Portanto, com o nosso dispositivo tentamos observar o analogo

mecanico das isotermas de Clausius. Para as 25 esferas, o volume mınimo do gas

mecanico e dado por VM0 = 1, 37× 10−5 m3.

A obtencao da relacao entre PM e VM se deu pela insercao dos n discos

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 71

de papelao no embolo do sistema e pela medida da altura h correspondente

do embolo. O numero de discos e as alturas correspondentes do embolo estao

apresentados na Tabela 5.1. Note que, a medida que aumentamos a quantidade

de discos, a altura do embolo diminui, ou seja, isso e equivalente a dizer que,

a medida que aumentamos a pressao no gas de esferas, o volume ocupado pelo

mesmo diminui. Agora precisamos ver se esta relacao obedece a eq.(5.1).

TABELA 5.1: Numero de discos n adicionados ao embolo do sistema e altura h

correspondente do embolo.

n h (± 5 mm)

0 80

1 70

2 65

3 60

4 55

5 50

6 47

7 45

8 42

9 40

10 40

11 40

Fonte: Os autores.

A relacao entre a pressao e o volume mecanicos e obtida a partir dos

calculos dessas propriedades. Para o calculo da pressao consideramos a forca

peso dos discos Fp = nmg, sendo m a massa de cada disco, n a quantidade de

discos adicionados e g a aceleracao da gravidade, distribuıda na area do embolo

A. Precisamos tambem levar em conta o peso do proprio embolo sobre as esferas.

A essa pressao, devido ao peso do proprio embolo, chamamos de P0. Logo,

PM = P0 +FpA

= P0 +nmg

A. (5.2)

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 72

Para o calculo do volume mecanico ocupado pelo gas de esferas basta

multiplicar a altura h pela area interna do cilindro de vidro πR2C , sendo RC o

raio do cilindro, de modo que:

VM = πhR2C . (5.3)

Os valores de PM e VM correspondentes aos dados da Tabela 5.1 estao

apresentados na Tabela 5.2.

TABELA 5.2: Pressao PM e volume VM mecanicos obtidos, respectivamente, a

partir das eqs.(5.2) e (5.3) e dos dados da Tabela 5.1.

PM (Pa) VM (m3)

3, 77± 0, 10 1,61 ×10−4 ± 1, 17× 10−5

5, 42± 0, 14 1,50 ×10−4 ± 1, 17× 10−5

7, 07± 0, 18 1,38 ×10−4 ± 1, 17× 10−5

8, 72± 0, 22 1,27 ×10−4 ± 1, 16× 10−5

10, 36± 0, 27 1,15 ×10−4 ± 1, 16× 10−5

12, 02± 0, 30 1,09 ×10−4 ± 1, 16× 10−5

13, 67± 0, 35 1,04 ×10−4 ± 1, 16× 10−5

15, 32± 0, 39 9,8 ×10−5 ± 1, 16× 10−5

16, 97± 0, 43 9,2 ×10−5 ± 1, 16× 10−5

18, 62± 0, 47 9,2 ×10−5 ± 1, 16× 10−5

20, 27± 0, 52 9,2 ×10−5 ± 1, 16× 10−5

Fonte: Os autores.

Para verificar se temos realmente uma isoterma mecanica de Clausius, do

tipo da eq.(5.1), plotamos o grafico de PM vs VM apresentado na Figura 5.2. Note

que os pontos obtidos da simulacao nao podem ser ajustados por uma isoterma

de Clausius, eq.(5.1). Isso significa que a temperatura mecanica do gas de esferas

esta variando.

Na Figura 5.2 ajustamos uma isoterma para cada ponto obtido na si-

mulacao mostrando que a medida que aumentamos PM , consequentemente au-

mentamos TM . Isso e esperado porque a medida que PM aumenta, VM diminui,

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 73

e isso faz com que o numero de colisoes do pistao com as esferas aumente, au-

mentando assim a transferencia de momento para as mesmas e consequentemente

suas velocidades. Como estas estao relacionadas com a temperatura mecanica do

sistema, podemos concluir que TM realmente aumenta. Portanto, um processo

isotermico nao pode ser simulado em nosso dispositivo.

FIGURA 5.2: Grafico da pressao mecanica PM em funcao do volume mecanico

VM obtido dos dados da Tabela 5.2. A curva vertical pontilhada tracejada

corresponde ao valor mınimo VM0 do gas de esferas. As isotermas mecanicas

de Clausius de TM1 a TM11 correspondem a temperaturas diferentes, ou seja,

k (TMi), para i = 1, 2, . . . , 11, diferentes e TM11 > TM1. A curva solida preta e

uma adiabatica do tipo apresentado na eq.(5.4).

Fonte: Os autores.

Como o nosso sistema nao possui um analogo da energia transferida para

a vizinhanca atraves do calor para realizarmos um analogo do processo isotermico,

tentamos ajustar os pontos obtidos por uma curva adiabatica em que δQM = 0.

Esta e dada por:

PM (VM − VM0)γM = k, (5.4)

em que k e uma constante que dependera da entropia mecanica do sistema, k =

k (SM), em analogia a um processo adiabatico real em que temos P (V − V0)γ =

k(S). Em um processo adiabatico a entropia do sistema se mantem constante.

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 74

A constante γ de um gas real e dada pela razao entre as capacidades termicas a

pressao constante CP e a volume constante CV , ou seja, γ = CP

CV. Os analogos

mecanicos para a entropia e para as capacidades termicas nos nao levamos em

conta neste trabalho. A unica consideracao e que γM > 1, como no caso real.

A curva solida preta na Figura 5.2 mostra uma curva adiabatica dada

pela eq.(5.4) para k = 1, 4 × 10−11 J e γM = 3. Note que esta curva ficou em

excelente acordo com os pontos obtidos na simulacao. Como esperado γM > 1.

Na Figura 5.3 nos comparamos a adiabatica mecanica obtida com duas

adiabaticas para γM = 1, 66, em analogia a um gas monoatomico ideal a tempe-

ratura ambiente, como o Helio, e γM = 1, 4, em analogia a um gas diatomico ideal

como o oxigenio (O2) e hidrogenio (H2), para um modelo de molecula rıgida.

FIGURA 5.3: Grafico de PM vs VM mostrando uma adiabatica, curva solida

preta, ajustada nos pontos obtidos com o nosso simulador para k = 1, 4× 10−11

J e γM = 3, em comparacao com duas outras adiabaticas para γM = 1, 66 (curva

tracejada pontilhada azul) e 1, 4 (curva tracejada vermelha), em analogia a gases

ideais monoatomicos e diatomicos, respectivamente.

Fonte: Os autores.

O valor de γ em um gas real aumenta a medida que os graus de liberdade q

do sistema diminuem. Pelo teorema da equiparticao de energia e possıvel mostrar

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 75

que [19],

γ =q + 2

q. (5.5)

O valor mınimo de q, correspondente ao gas ideal monoatomico, e q = 3, pois as

moleculas estariam livres para se moverem no espaco, coordenadas x, y, z. Para

o nosso gas obtivemos γM = 3, o que pela eq.(5.5) nos fornece q = 1. Ou seja,

o nosso simulador mecanico simula um gas ideal em um dimensao. Isso esta em

pleno acordo com o funcionamento do nosso dispositivo porque a unica direcao

em que ha transferencia de energia para as esferas e a direcao vertical. Com isso

concluımos que, para simularmos um gas ideal em tres dimensoes, q = 3, seria

necessario construir um cilindro com pistoes nas direcoes x, y, z.

Note entao que simular um gas ideal com esferas plasticas rıgidas em um

sistema completamente mecanico, pode fornecer resultados realmente incrıveis

tanto do ponto de vista qualitativo quanto quantitativo.

5.2 Simulacao da Lei de Charles

A montagem para a demonstracao da Lei de Charles e igual a utilizada

na simulacao da Lei de Boyle-Mariotte. Tratando-se de uma transformacao

isobarica, a pressao mecanica do gas sobre as paredes do cilindro, como resultado

das inumeras colisoes das esferas, deve ser constante. Isso e facilmente obtido

coloncando-se uma quantidade fixa de discos no eixo do embolo, ou simplesmente

nao colocando nenhum disco, ja que o proprio peso do embolo sobre as esferas

exerce uma determinada pressao sobre as esferas em movimento.

Preferimos utilizar o embolo sem os discos, variando TM atraves do

potenciometro e verificando os novos valores de VM , dados pelas novas posicoes

do embolo. Conhecendo os valores de TM e VM podemos verificar o analogo

mecanico da lei de Charles de um gas ideal dada pela eq.(3.5), uma vez que

PM e constante. O experimento foi realizado com 25 esferas. A variacao da

altura do embolo em funcao da variacao da posicao do potenciometro foi visu-

almente perceptıvel durante o experimento. Deste modo, o aumento do volume

devido ao aumento da velocidade das esferas (quando nao se altera o peso sobre

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 76

o embolo), pode ser compreendido qualitativamente por meio da observacao e

tambem quantitativamente. Os resultados encontrados com o aparelho para esta

simulacao estao expressos na Tabela 5.3 a seguir:

TABELA 5.3: Relacao entre posicao angular do potenciometro e altura do

embolo.

Posicao do Potenciometro Altura do embolo (± 5 mm)

90 60

120 62

150 67

180 70

210 75

240 80

270 82

300 82

Fonte: Os autores

Como se pode perceber na tabela acima, a posicao do potenciometro esta

diretamente relacionada a altura assumida pelo embolo. Isso era esperado, uma

vez que o potenciometro e o responsavel pelo controle da velocidade das esferas.

Esferas mais velozes carregam maior momento linear que e transferido ao embolo

durante a colisao com ele. Essa transferencia de momento maior e traduzida na

aplicacao de uma forca maior, por isso o embolo e impulsionado para alturas mais

elevadas.

A relacao entre a posicao do potenciometro e a altura assumida pelo

embolo e linear, como se pode perceber no grafico apresentado na Figura 5.4.

Os pontos obtidos na simulacao foram ajustados linearmente pela equacao

θ = 0, 12h+ 49, 3, em que θ e a posicao angular do potenciometro em graus, e h

e a altura do embolo em milımetros. Tanto pelo grafico, quanto pela equacao do

ajuste, pode-se perceber que a altura mınima do embolo sustentado pelas colisoes

das esferas e aquela obtida quando o potenciometro assume a posicao angular de

0 graus (≈ 50mm). Entretanto na pratica isso nao ocorre, pois nessa posicao

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 77

do potenciometro a oscilacao do pistao e relativamente lenta e nao ha suspensao

estavel do embolo.

FIGURA 5.4: Altura do embolo h em funcao da posicao angular do potenciometro

θ.

Fonte: Os autores.

A extrapolacao da reta de ajuste torna-se muito mais interessante quando

se relaciona a energia cinetica media 〈K〉, obtida aplicando-se os dados nas eqs

(3.30) e (3.32), com o volume mecanico VM ocupado pelas esferas em movimento.

A analise a partir de 〈K〉 e essencialmente importante, pois como demonstra a

eq.(3.32), a temperatura (que e a grandeza que se deseja representar) depende

unicamente de 〈K〉. O grafico da Figura 5.5 mostra essa relacao.

Considerando o volume mecanico inicial VM0 = 1, 37 × 10−5m3 dado

pelo empilhamento das esferas do gas mecanico quando o motor esta desligado,

observa-se na Figura 5.5 que a energia cinetica media e diretamente proporcional

ao volume mecanico VM ocupado pelas esferas. E interessante notar que a reta

que passa pelos valores de VM obtidos na simulacao e extrapolada exatamente

no valor de VM0. Portanto nosso dispositivo mostra que 〈K〉 e nula quando

VM = VM0, ou seja, a temperatura mecanica TM tambem e nula para este volume.

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 78

Este resultado e realmente incrıvel, pois reproduz a Lei de Charles para um gas

ideal com a correcao no volume, sendo o volume mınimo caracterıstico de uma

temperatura nula mınima, chamada de zero absoluto. Vemos com isso que com o

gas de esferas unidimensional e possıvel introduzir conceitos dificilmente tratados

no ensino medio, como a previsao do zero absoluto.

FIGURA 5.5: Energia cinetica media calculada em funcao do volume mecanico

obtido na simulacao da transformacao isobarica.

Fonte: Os autores.

5.3 Simulacao da Lei de Gay-Lussac

Para a transformacao isocorica, no qual essa lei se baseia, utilizou-se a

mesma montagem experimental das simulacoes anteriores. A diferenca e que esta

lei requer que o volume mecanico do sistema permaneca constante, isto e, a altura

do embolo nao pode variar.

Para obtermos essa condicao controlamos simultaneamente a posicao do

potenciometro (TM) e a quantidade de discos sobre o embolo (PM). Deste modo,

estabelecemos uma posicao do potenciometro ate atingir a posicao desejada para

o embolo, ou seja, VM . Em seguida comecamos a adicionar discos ao eixo do

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 79

embolo e ajustar o potenciometro em novas posicoes, sempre mantendo o valor

de VM inicial.

Os pares (PM , TM) foram mais difıceis de serem obtidos em comparacao

com os procedimentos anteriores. Um processo isocorico tambem e muito difıcil

de ser concebido experimentalmente em sistemas reais, pois se a temperatura

do sistema varia, o mesmo se dilata. Apesar das dificuldades conseguimos obter

alguns pontos e verificar o analogo mecanico da lei de Gay-Lussac para um gas

ideal dada pela eq.(3.6).

A simulacao foi conduzida com 25 esferas sendo possıvel manter a altura

do embolo constante em torno de h = 67, 5mm. Devido as dificuldades em

conseguir pares (PM , TM) a um VM constante foi possıvel obter apenas tres pontos

nesta simulacao. Estes sao apresentados na Tabela 5.4.

TABELA 5.4: Relacao entre a posicao do potenciometro θ e quantidade de discos

n adicionados ao eixo do embolo para manter a altura constante.

θ n

150 0

210 1

270 2

Fonte: Os autores

A Figura 5.6 mostra o grafico dos valores apresentados na Tabela 5.4.

A partir das devidas correspondencias, ja descritas nas simulacoes anteriores,

podemos expressar esse resultado como sendo a energia cinetica media do gas de

esferas em funcao da pressao mecanica aplicada ao mesmo, como mostrado na

Figura 5.7.

Para o ajuste linear apresentado na Figura 5.7 nos tomamos como quarto

ponto PM = 0. Note que a reta ajustada passa perfeitamente pelos tres pontos

obtidos e por zero. Esse resultado mostra que quando a pressao mecanica e nula

a energia cinetica media das esferas tambem e nula, como esperado, pois se as

esferas nao se movem estas nao podem exercer nenhuma forca no embolo do

sistema a partir das inumeras colisoes no mesmo para mante-lo suspenso. Uma

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 80

vez que a energia cinetica media e nula, a temperatura mecanica do sistema

tambem e nula, de modo que o resultado para pressao nula tambem conduz a

discussao do zero absoluto.

FIGURA 5.6: Quantidade de discos n introduzidas no eixo do embolo em funcao

da posicao angular do potenciometro θ para simulacao de uma transformacao

isocorica.

Fonte: Os autores.

5.4 Simulacao da Primeira Lei da Termodinamica

Como ja discutido na secao 5.1 o nosso sistema nao simula transmissao

de energia atraves do calor, ou seja, o gas de esferas nao troca energia com a

vizinhanca. Portanto, o nosso simulador mecanico funciona como um sistema

de paredes adiabaticas em que δQ = 0. Pela primeira lei da termodinamica,

eq.(3.18), devemos entao ter Q = 0 e portanto ∆U = −W , ou seja, temos

uma situacao em que o trabalho independe do caminho, dependendo apenas dos

estados final e inicial do sistema.

Como em um gas ideal a energia interna depende apenas de sua tempera-

tura, U = U(T ), podemos descrever o analogo mecanico UM da energia interna do

sistema como sendo a energia cinetica do gas de esferas, ou seja, UM = 12Nm 〈v2〉.

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 81

FIGURA 5.7: Energia cinetica media em funcao da pressao mecanica. Os pontos

foram obtidos na simulacao de um processo isocorico.

Fonte: Os autores.

Sendo o trabalho de um gas dado por δW = PdV nesta situacao, podendo

ser positivo no caso de uma expansao ∆V > 0 ou negativo, em uma compressao

∆V < 0, podemos definir o analogo mecanico do trabalho do gas de esferas como

sendo WM = PM∆VM . Dessa forma o analogo mecanico da primeira lei para um

processo adiabatico fica ∆UM = −PM∆VM , ou seja,

(1

2Nm

⟨v2⟩)

= −PM∆VM . (5.6)

Como ja discutido podemos variar a energia cinetica das esferas, e con-

sequentemente TM , atraves do potenciometro. Os valores de PM e VM tambem

podem ser determinados facilmente, como descrito anteriormente. Dessa forma o

nosso disposito possibilita verificar um analogo da primeira lei da termodinamica

de forma bastante elegante. Ate onde sabemos, este e o primeiro experimento

didatico capaz de demonstrar o princıpio de conservacao de energia.

Como discutido anteriormente nos pretendemos verificar se o nosso sis-

tema conserva energia. Como o analogo para o conceito de calor em nosso

simulador nao existe, tentamos verificar que UM = PMVM , de acordo com a

eq.(5.6). Para isso medimos os valores de PM e VM e comparamos com o valor

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 82

correspondente da energia interna mecanica, dada pela energia cinetica media

do sistema, obtido teoricamente a partir da teoria cinetica dos gases. Na Figura

5.8 apresentamos os valores de UM calculados com relacao aos correspondentes

valores do produto PMVM medidos na simulacao.

FIGURA 5.8: Grafico de UM , calculados pela teoria cinetica dos gases, em funcao

do produto PMVM medidos na simulacao. A curva solida vermelha e o ajuste

linear dos pontos obtidos na simulacao. O coeficiente angular da reta e dado por

α = 0, 0599± 0, 0003.

Fonte: Os autores.

A curva solida vermelha mostra o ajuste linear dos pontos, cujo coe-

ficiente angular e dado por α = 0, 0599 ± 0, 0003. Se tivessemos conservacao

de energia deverıamos ter α = 1. O valor obtido mostra que os valores da

energia interna mecanica calculados deveriam ser bem maiores para o valores

de PM e VM medidos. A nao conservacao de energia em nosso sistema e de

certa forma esperada, porque alem de produzir muito barulho durante as colisoes

entre as esferas e o cilindro, as esferas sao amortecidas quando as colisoes entre

as mesmas e o embolo ocorrem. Como o embolo esta sendo sustentado pelas

colisoes as esferas basicamente transferem todo o seu momento para o embolo e

em seguida caem em direcao ao pistao sob o efeito da gravidade com uma energia

bem menor que a anterior a colisao. Ou seja, a colisao das esferas com o embolo

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 83

sao inelasticas. Se tivessemos colisoes completamente elasticas como suposto no

modelo, provavelmente observarıamos UM = PMVM e portanto α = 1.

Apesar da energia interna do nosso sistema nao se conservar, fizemos uma

outra simulacao para verificar se a energia interna depende apenas da temperatura

mecanica do gas de esferas, ou seja, do controle do potenciometro. Fixando-se o

embolo notamos que as esferas ficam cada vez mais velozes a medida que se gira o

potenciometro, isto e, a medida que se adiciona energia mecanica do pistao. Essa

energia e completamente transformada em energia cinetica das moleculas, pois o

pistao transfere momento para as esferas em colisoes aproximadamente elasticas.

Para realizacao desta simulacao procedemos de forma semelhante a si-

mulacao da Lei de Charles, considerando PM constante, transformacao isobarica.

Como o valor da variacao da posicao do potenciometro e constante, variando de

30 em 30 graus, ou seja, ∆θ = 30, esperamos que a variacao da energia interna do

sistema ∆UM , tambem deva ser a mesma. Em outras palavras, tentamos mostrar

que ∆UM = PM∆VM .

Na figura 5.9 mostramos ∆UM em funcao de θ. Neste grafico mostramos

que o sistema evolui do estado 1 para o 2 com o potenciometro posicionado em

θ = 30. Ao mover o potenciometro a passos de 30 movemos o sistema do

estado 2 para o 3 e assim por diante. Com isso, nosso objetivo foi demonstrar

que a variacao de energia interna de 1 para 2 e igual a mesma variacao de 2 para

3 e assim sucessivamente, ou seja, ∆UM21 = ∆UM32 = ∆UM43 = . . ., porque

nos sempre mudamos a posicao do potenciometro de um estado para o outro de

30. Como o potenciometro utilizado e linear esperamos que o equivalente da

temperatura mecanica fosse aumentando tambem de forma linear.

Para verificar se isso realmente ocorre fizemos o ajuste linear dos pontos

obtidos, curva solida vermelha da figura 5.9, e verificamos que o coeficiente

angular da reta e da ordem de 10−7, ou seja, praticamente zero. Este resultado

nos permite concluir que a energia interna mecanica depende unicamente da

temperatura mecanica do sistema, regulada pelo potenciometro, uma vez que

para uma gas ideal U = 12m 〈v2〉 = 3

2nRTN

. Mostramos portanto, que a energia

mecanica do nosso gas de esferas depende somente da temperatura mecanica do

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 84

mesmo, UM = UM (TM), como no caso de um gas ideal.

FIGURA 5.9: Variacao da energia mecanica ∆UM devido ao aumento da posicao

angular θ do potenciometro. A curva solida vermelha mostra o ajuste linear dos

pontos. Seu coeficiente angular e da ordem de 10−7.

Fonte: Os autores.

5.5 Simulacao da Segunda Lei da Termodinamica

Essa proposta e baseada nos artigos de Martin Sussman [27] e de Tim

Harman [28], alem de algumas adaptacoes realizadas a partir das ideias apresen-

tadas no artigo de Souza, Dias e Santos [26]. Estes artigos propoem experimentos

simples para uma abordagem estatıstica da Segunda Lei da Termodinamica. De

maneira semelhante, nos adaptamos os experimentos destes autores ao nosso

simulador mecanico. O experimento proposto se assemelha mais com o proposto

na referencia [26]. A diferenca com a nossa proposta e que o nosso experimento

e automatizado e apresenta uma configuracao diferente para a obtencao dos

microestados do sistema.

A ideia principal e associar os conceitos de microestado e macroestado a

um conjunto de esferas, cujas configuracoes representam os estados microscopicos

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 85

de um gas. Como ja discutido na secao 3.3.2 um conjunto de diferentes microes-

tados pode estar associado a um unico macroestado. O numero de microestados

associados ao mesmo macroestado e expresso pela entropia do sistema, eq.(3.49).

A partir desses conceitos e possıvel entender o carater estatıstico da entropia

utilizando nosso dispositivo.

Para simularmos isso utilizamos a base tipo grade 3×3. Como exposto na

secao 4.2.7, esse embolo possui nove celulas em um plano para a acomodacao das

esferas. Utilizando N esferas, com N < 9, observamos diferentes combinacoes

das mesmas na grade. Cada configuracao corresponde a um microestado do

sistema. Cada celula podera estar ocupada com uma esfera (E) ou vazia (V).

Utilizando as letras E e V nos estabelecemos cada microestado do sistema atraves

de um anagrama de nove letras. Por exemplo, para duas esferas, os anagra-

mas EVEVVVVVV e VVVVEVVEV sao microestados acessıveis do sistema. A

sequencia de 1 a 9 do anagrama e obtida na ordem estabelecida pela numeracao

das celulas apresentada na figura 4.12(b). Como as esferas e os espacos vazios

sao indistinguıveis entre si, a permutacao das letras E e V de um anagrama nao

forma outro anagrama diferente. A Figura 5.10 mostra uma das configuracoes,

ou microestados, possıveis do nosso gas hipotetico para duas esferas.

A quantidade Ω de anagramas e, portanto, de microestados que podem

ser formados e dado por:

Ω =9!

N !(9−N)!, (5.7)

em que (9 − N) e a quantidade de celulas vazias. O macroestado por

sua vez, e representado por um numero associado a cada microestado, o qual

chamaremos de macrovalor, em analogia a [26]. Esse numero e dado em funcao

da posicao em que as esferas se encontram na grade, ou de maneira mais simples,

no anagrama. Definimos o macrovalor como sendo a soma das posicoes de cada

esfera na grade. Por exempo, o microestado dado por VVVEVEVVE, possui

macrovalor 4 + 6 + 9 = 19. Nao e difıcil perceber que configuracoes diferen-

tes podem resultar num mesmo macrovalor, como por exemplo, a configuracao

VVEVVVEVE tambem tem macrovalor igual a 19. Isso esta em pleno acordo

com o fato de que um conjunto de diferentes microestados pode estar associado

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 86

a um unico macroestado.

FIGURA 5.10: Base tipo grade 3× 3 mostrando uma das configuracoes possıveis

que o sistema pode assumir para duas esferas. O anagrama associado a esta

configuracao e dado por EVVVEVVVV, sendo E a celula que contem uma esfera

e V uma celula vazia. A sequencia do anagrama e obtido pela numeracao das

celulas apresentada na figura 4.12(b).

Fonte: Os autores.

Como nos calibramos o pistao para nao lancar as esferas em alguma

direcao privilegiada, naturalmente nao ha configuracoes privilegiadas, ou seja,

estas sao igualmente provaveis. A probabilidade p de se obter qualquer um dos

microestados e dada por:

p =1

Ω(5.8)

Macrovalores com um maior numero de microestados associados terao

maiores probabilidades de ocorrerem. No dispositivo simulador, a mudanca de

uma configuracao para outra e obtida pressionando-se o botao pulso do painel.

Quando se pressiona esse botao, o pistao sobe e desce e as esferas sao lancadas, as-

sumindo uma nova configuracao. O sistema se comporta como em um lancamento

de dados.

Os resultados obtidos mostram o carater estatıstico da Segunda Lei da

Termodinamica, uma vez que macrovalores que maximizam a entropia sao os mais

provaveis de ocorrerem. Com isso podemos tambem discutir a lei do aumento

da entropia, mostrando que o estado mais provavel (S maximo) e o estado de

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 87

equilıbrio termodinamico do sistema. A simulacao da Segunda Lei da Termo-

dinamica baseou-se na proposta da compreensao estatıstica e microscopica da

entropia. Como indicado na metodologia, associou-se o conceito de microestado

de um gas as diferentes configuracoes (disposicoes ou arranjos) que as esferas

poderiam assumir na base tipo grade 3× 3.

Utilizando duas esferas, obtemos 36 configuracoes diferentes na grade,

com macrovalores variando entre 3 e 16. A Tabela 5.5 mostra algumas confi-

guracoes e seus macrovalores associados.

TABELA 5.5: Algumas configuracoes que as esferas podem assumir na base tipo

grade 3× 3 e seus respectivos macrovalores.

Configuracao Macrovalor

EEVVVVVVV 1+2 = 3

EVEVVVVVV 1+3 = 4

EVVEVVVVV 1+4 = 5

EVVVEVVVV 1+5 = 6

EVVVVEVVV 1+6 = 7

EVVVVVEVV 1+7 = 8

EVVVVVVEV 1+8 = 9

EVVVVVVVE 1+9 = 10

VEEVVVVVV 2+3 = 5

Fonte: Os autores.

Como cada configuracao e igualmente provavel, a probabilidade p de se

obter qualquer uma das 36 configuracoes num dado lance e de:

p =1

36≈ 2, 8%. (5.9)

Assim, foi possıvel calcular a probabilidade de ocorrencia para cada

macrovalor, bastando multiplicar 2, 8% para cada configuracao existente em cada

macrovalor. Pela determinacao de todas as 36 configuracoes e o calculo de todos

os macrovalores, obtemos a Tabela 5.6.

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 88

TABELA 5.6: Probabilidade de ocorrencia para cada macrovalor.

Macrovalor Quantidade de Configuracoes Probabilidade

3 1 2,8%

4 1 2,8%

5 2 5,6%

6 2 5,6%

7 3 8,4%

8 3 8,4%

9 4 11,2%

10 4 11,2%

11 4 11,2%

12 3 8,4%

13 3 8,4%

14 2 5,6%

15 2 5,6%

16 1 2,8%

17 1 2,8%

Total 36 ≈ 100%

Fonte: Os autores.

Pela Tabela 5.6 nota-se que os macrovalores 9, 10 e 11 sao os mais

provaveis de ocorrerem, pois sao os que tem a maior quantidade de configuracoes

associadas. Ja os macrovalores 3, 4, 16 e 17, sao os menos provaveis, com apenas

uma configuracao associada a cada um deles. Logo e bem mais provavel obter

macrovalores proximos de 10 do que proximos de 1 ou 17, num dado lance. Essa

relacao fica mais explıcita no grafico da Figura 5.11.

A curva obtida no grafico da Figura 5.11 e o ajuste da funcao gaussiana

definida por p = Ae−(x−xc)

2

2w2 , para xc = 10 (macrovalor central), A = 11 (maior

quantidade de microestados) e w = 4. Portanto, p e a probabilidade de se

obter determinado macrovalor num lance qualquer. Como a entropia e uma

grandeza que mede a quantidade de microestados para cada macroestado, aqui

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 89

representado pelos macrovalores, a entropia maxima sera aquela associada aos

macroestados com o maior numero de microestados.

FIGURA 5.11: Probabilidade de ocorrencia de macrovalores para 2 esferas na

grade 3× 3.

Fonte: Os autores.

A entropia de um sistema real atinge o valor maximo quando o sistema

entra em equilıbrio termodinamico. O equilıbrio se da justamente quando o gas

assume um macroestado mais provavel, isto e, quando a entropia e maxima.

Assim, no caso do gas formado pelas duas esferas, a entropia sera maxima

nos macrovalores centrais da gaussiana do grafico da Figura 5.11, sendo estes

representantes do “equilıbrio termico”. Pode-se com isso discutir com os alunos

que sistemas fısicos caminham espontaneamente para o equilıbrio termodinamico

por uma questao essencialmente probabilıstica. Ou seja, apos certo tempo e

mais provavel encontrar um gas na condicao de equilıbrio que fora dele, sendo a

entropia maxima um indicativo para qual macroestado o sistema vai evoluir.

Desse modo, a afirmacao da Segunda Lei da Termodinamica de que a

entropia nunca decresce em processos irreversıveis, processos espontaneos, pode

ser entendida estatisticamente. A entropia nesses processos nao diminui porque a

probabilidade disso ocorrer e muito pequena. Na simulacao proposta, a probabi-

lidade do sistema composto pelas 2 esferas assumir macrovalores (macroestados)

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 90

com poucas configuracoes (poucos microestados, pequena “entropia”) e muito

pequena. Assim durante os lances realizados, a maioria dos macrovalores obtidos

serao referentes a valores maximos de “entropia” e dificilmente havera diminuicao,

pois a chance de se obter macrovalores com poucas configuracoes associadas sera

pequena. Em sıntese, ao se manipular o simulador neste experimento se percebera

que nao sera facil fazer a “entropia” diminuir com o passar dos lances, embora

nao seja impossıvel, levando a compreensao de que o equilıbrio termodinamico e

dado pela configuracao mais provavel do sistema.

Realizando a simulacao com 3 esferas na grade 3× 3, observamos que a

quantidade de configuracoes possıveis do sistema aumenta. Neste caso serao 84

configuracoes diferentes e os macrovalores estarao compreendidos entre 6 e 24. A

probabilidade para a ocorrencia de cada configuracao num lance qualquer sera

neste caso de aproximadamente 1, 2%, ja que sao igualmente provaveis. Com isso,

obtemos analogamente o grafico mostrado na Figura 5.12.

FIGURA 5.12: Probabilidade de ocorrencia de macrovalores para 3 esferas na

grade 3× 3.

Fonte: Os autores.

Mais uma vez percebe-se que os macrovalores mais provaveis serao aque-

les proximos da regiao central da curva obtida pelo ajuste da funcao gaussi-

ana. Neste caso para 3 esferas, os macrovalores mais reincidentes serao aqueles

proximos de 16. Logo, estes valores centrais representarao o estado de equilıbrio

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 91

termico, pois apresentarao “entropia maxima”.

5.6 Simulacao da Expansao Livre de um Gas

Sabemos que a expansao livre de um gas e um processo irreversıvel. Para

entender esse fenomeno os livros didaticos geralmente consideram um recipiente

dividido ao meio por uma parede formando duas cavidades [19]. De um lado esta

o gas e do outro e feito vacuo. Ao remover a parede, as moleculas do gas ocupam

o espaco das duas cavidades. Sabe-se que, espontaneamente, todas as moleculas

do gas dificilmente estarao, em um determinado instante de tempo, ocupando

apenas uma das cavidades fazendo com que o sistema retorne a sua configuracao

inicial, uma cavidade vazia e outra com todo o gas.

Termodinamicamente dizemos que a reversibilidade deste processo e im-

possıvel, pois a expansao livre de um gas e irreversıvel. Na linguagem da mecanica

estatıstica dizemos que essa irreversibilidade e pouco provavel, ou seja, esta tem

carater probabilıstico. Se o gas fosse constituıdo por uma unica molecula, a

probabilidade da mesma estar em uma das cavidades, direita ou esquerda, num

determinado instante de tempo e 1/2, ou seja, de 50%. Para duas moleculas

indistinguıveis do gas a probabilidade e 1/2×1/2 = 1/22 = 1/4. ParaN moleculas

do gas a probabilidade Pel torna-se,

Pel =1

2N. (5.10)

Vemos entao que a probabilidade do gas retornar ao estado inicial, ou

de se concentrar exclusivamente em qualquer uma das duas cavidades, depende

do inverso da quantidade de moleculas que constitui o gas. Se tivermos N >> 1

entao Pel → 0. Mesmo tendendo a zero, probabilidade disso acontecer em termos

da mecanica estatıstica existe, diferentemente da termodinamica.

Nos simulamos o sistema descrito acima utilizando a base tipo recipiente.

Uma quantidade N de esferas foi posicionada em um unico lado desse embolo

especial. A figura 5.13 mostra a condicao inicial ara a realizacao da simulacao.

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 92

FIGURA 5.13: Esferas ocupando inicialmente uma unica cavidade do recipiente

para simular a expansao livre de um gas.

Fonte: Os autores.

A remocao da parede central do recipiente e simulada ao acionar o dispo-

sitivo, fazendo as esferas se agitarem e saltarem entre os lados. A irreversibilidade

do processo e demonstrada na tentativa de observar as esferas retornando a

configuracao inicial enquanto o dispositivo e mantido em funcionamento.

Com esta simulacao demonstramos estatisticamente a improbabilidade

que um gas, inicialmente ocupando um unico lado de um recipiente, tem de

retornar espontaneamente ao lado original apos sofrer expansao livre. A Tabela

5.7 mostra a relacao entre a probabilidade deste evento em relacao a quantidade

de esferas acumuladas inicialmente em um unico lado.

Essa relacao pode ser melhor entendida atraves do grafico da Figura 5.14

obtido atraves dos dados apresentados na Tabela 5.7.

A probabilidade das esferas voltarem a ocupar o mesmo lado de recipiente

e cada vez menor, a medida que se aumenta a quantidade de esferas. Para

um gas real, essa probabilidade tende a zero, devido ao enorme numero de

partıculas constituintes. Assim e praticamente impossıvel, ou improvavel, que

um gas se concentre espontaneamente em unico lado de um recipiente num dado

instante. Por isso a expansao livre de um gas e um processo irreversıvel. Essa

irreversibilidade esta associada tambem a entropia. O gas espalhado uniforme-

mente por todo o recipiente maximiza mais a entropia que quando esta a ocupar

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 93

espontaneamente um unico lado deste recipiente. As esferas espalhadas tem muito

mais configuracoes (microestados) em relacao a condicao em que ocupam um

unico lado. Logo, um gas qualquer tende a permanecer espalhado no recipiente

que o contem, pois esta e a configuracao mais provavel do sistema.

TABELA 5.7: Probabilidade de retorno espontaneo das esferas para um unico

lado de um recipiente fechado.

Quantidade de Esferas Probabilidade de Retorno

1 50,0%

2 25,0%

3 12,5%

4 6,3%

5 3,1%

6 1,6%

7 0,8%

8 0,4%

9 0,2%

10 0,1%

11 0,05%

12 0,025%

13 0,0125%

14 0,00675%

15 0,003375%

Fonte: Os autores.

5.7 Simulacao da Mistura de Dois Gases

Esta simulacao e semelhante ao caso anterior. Neste caso, em vez de

vacuo, consideramos dois gases distintos, A e B, com cada um ocupando uma

das cavidades do recipiente separadas por uma parede central. Termodinami-

camente, ao se remover a parede os gases se misturam e jamais se separaram

espontaneamente [29].

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 94

FIGURA 5.14: Probabilidade de retorno das esferas apos espalhamento no

recipiente.

Fonte: Os autores.

Como no caso anterior, nesta simulacao tambem estamos demonstrando

que a irreversibilidade do processo pode ser explicada estatisticamente.

As diferentes configuracoes que o sistema pode assumir inclui duas em

que os gases estarao totalmente separados. O gas A no lado direto e o gas B no

lado esquerdo, ou vice-versa. Matematicamente, o numero total de combinacoes

g, referente a soma das N partıculas que compoem os dois gases, e dada por,

g = 2N. (5.11)

Como a quantidade de combinacoes em que os gases estarao completa-

mente separados sao duas, a probabilidade Pm desse evento ocorrer e dada por,

Pm =2

g=

1

N, (5.12)

mostrando novamente que se tivermos N >> 1, Pm → 0. Podemos ate discutir

com os alunos qual a processo tem menor probabilidade de voltar ao estado inicial,

o de expansao livre ou o de mistura de dois gases distintos para um mesmo numero

de partıculas N .

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 95

Para essa simulacao utilizamos a base tipo recipiente. Inserimos uma

determinada quantidade de esferas verdes em uma cavidade do recipiente para

representar o gas A e uma outra determinada quantidade de esferas azuis na outra

cavidade do recipiente para representar o gas B. A Figura 5.15 mostra a condicao

inicial do sistema simulado.

FIGURA 5.15: Base tipo recipiente mostrando dois conjuntos de esferas de cores

diferentes dispostos separadamente, um em cada cavidade, para simular a mistura

irreversıvel de dois gases durante o funcionamento do simulador mecanico.

Fonte: Os autores.

Como no caso da expansao livre, a remocao da parede que separa os dois

gases foi simulada ao acionar o dispositivo, fazendo com que as esferas se agitem e

saltem a parede central, se misturando em um movimento caotico. Pela variacao

da quantidade de esferas em ambas as cavidades do recipiente e possıvel analisar

a probabilidade de separacao total dos gases misturados.

Partindo da eq.(5.12), pode-se construir a Tabela 5.8, a qual mostra a

probabilidade de dois gases, apos se misturarem, voltarem a se separar esponta-

neamente.

A separacao espontanea de dois gases torna-se cada vez mais improvavel,

a medida que se aumenta a quantidade de esferas em cada gas. Assim, a partir de

um certo numero relativamente grande de esferas, a separacao e extremamente

improvavel. Este tambem e um fato estatıstico, pois a completa separacao entre

as esferas, gas A na direita e gas B na esquerda, e vice-versa, sao somente duas em

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 96

meio a muitas outras configuracoes diferentes. Deste modo, a separacao completa

das esferas de mesma cor, cada uma de um lado no recipiente, e um evento muito

raro, mas nao e impossıvel pela mecanica estatıstica. O grafico da Figura 5.16

mostra a relacao entre a quantidade total de esferas e a probabilidade de separacao

espontanea em uma agitacao de um lance qualquer.

TABELA 5.8: Probabilidade de separacao espontanea entre dois gases em relacao

a algumas quantidade de esferas presentes em cada gas.

Gas A Gas B Probabilidade

1 1 50,0%

2 2 25,0%

3 2 20,0%

3 3 16,7%

4 3 14,3%

4 4 12,5%

Fonte: Os autores.

FIGURA 5.16: Probabilidade de separacao espontanea das esferas.

Fonte: Os autores.

Como se pode perceber, a probabilidade da separacao cai drasticamente

com o aumento das esferas. A curva obtida acima e um ramo de hiperbole

dado pela eq.(5.12). No caso de um gas real, o numero de partıculas seria

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 97

muito maior, da ordem do numero de Avogrado, e a probabilidade de separacao

espontanea tenderia a zero. Por exemplo, para 12

mol de gas A e 12

mol de gas B

misturados, a probabilidade de separacao seria da ordem de 11023

, o que torna o

evento praticamente impossıvel de ocorrer.

Esse resultado na verdade e mais uma faceta da Segunda Lei da Ter-

modinamica. Podemos considerar que o “macroestado da mistura” das esferas

apresenta muitas combinacoes (“microestados”) e em contrapartida, a condicao

da separacao so apresenta duas unicas combinacoes possıveis. Logo a entropia da

mistura e muito maior que a entropia das esferas separadas, e o sistema tendera

a permanecer neste estado de maxima entropia, equilıbrio termodinamico.

Outro aspecto interessante a se observar e o aumento da desordem do

sistema de esferas a cada agitacao promovida. Inicialmente as esferas estao

totalmente separadas, com cada cor de um lado do recipiente. Apos breve agitacao

em cada lance, a ordem inicial vai se perdendo, dando lugar a combinacoes

cada vez mais provaveis. Isso significa que a entropia associada vai ficando

cada vez maior, atingindo seu maximo quando as esferas estiverem totalmente

misturadas. Se todos os lances forem filmados e o filme fosse reproduzido de tras

para frente, verıamos as esferas desordenadas lentamente retornando aos lados

originais, ordenando o sistema. Esse efeito para nos seria muito estranho, pois

efeitos semelhantes nao ocorrem espontaneamente em nossa experiencia diaria.

Logo perceberıamos, corretamente, que o filme estava invertido. Assim, atraves

dessa simulacao pode-se tambem compreender porque o aumento da entropia

estabelece um sentido para processos espontaneos na natureza, ou seja, uma seta

do tempo.

5.8 Simulacao da Evaporacao de um Perfume

Nesta simulacao ilustramos a situacao em que uma pessoa deixa aberto,

desapercebidamente, seu frasco de perfume que esta em seu quarto. Apos certo

tempo, a pessoa encontra o frasco de perfume vazio e percebe que todo o per-

fume evaporou no ar, pois sente o aroma do mesmo pelo quarto. A finalidade

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 98

desta simulacao e demonstrar de forma ludica que as moleculas do perfume, que

agora se encontram misturadas as moleculas de ar do quarto, jamais retornarao

espontaneamente ao frasco, ou seja, que o processo tem uma probabilidade muito

pequena de acontecer.

Para isso utilizamos a base tipo frasco, figura 4.12(d), e o suporte ilus-

trativo que encena o quarto da jovem, como discutido na secao 4.2.7. Inserimos

algumas esferas verdes no frasco para representar as moleculas do perfume, e

este foi posteriormente tampado. Ao redor do frasco inserimos uma quantidade

maior de esferas azuis para representar as moleculas do ar. Para simular a

evaporacao do perfume retiramos a tampa do frasco e colocamos o dispositivo

em funcionamento. Isso provoca a agitacao do frasco fazendo com que as esferas

verdes saiam do mesmo, ao passo que ocasionalmente algumas azuis entram no

frasco. Essa agitacao promove uma mistura irreversıvel das esferas, ou seja,

a mistura das moleculas do perfume com as do ar. Como na simulacao da

secao anterior, podemos conduzir uma discussao com os alunos sobre a pequena

probabilidade das moleculas de perfume retornarem ao frasco, uma vez que o

processo e irreversıvel.

Essa simulacao teve carater apenas ilustrativo e assemelhou-se a simulacao

da mistura de gases. Posicionamos o frasco fechado com 18 esferas verdes repre-

sentando o perfume e 30 esferas azuis ao redor representando o ar no quarto,

conforme mostra a fotografia mostrada na Figura 5.17.

FIGURA 5.17: Frasco contendo as esferas verdes representando o perfume e o ar

do quarto sendo representado pelas esferas azuis.

Fonte: Os autores.

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 99

Abrindo-se a tampa do frasco e acionando o botao pulso, a agitacao faz

sair parte das esferas verdes do frasco e entrar algumas esferas azuis nele. A tarefa

de recolocar somente as esferas verdes no frasco, isto e, fazer o perfume retornar

espontaneamente ao frasco e muito difıcil. Essa tarefa foi tentada pressionando-se

e soltando-se o botao pulso e observando a configuracao das 48 esferas no intervalo

entre as pulsacoes. Apos alguns lances de agitacao, as esferas verdes e azuis estao

totalmente misturadas, conforme mostra a Figura 5.18.

FIGURA 5.18: Apos varias agitacoes as moleculas de ar e de perfume ficam

totalmente misturadas.

Fonte: Os autores.

Apos diversos lances de agitacao, o sistema tende a permanecer mistu-

rado. A fotografia da Figura 5.19 mostra o estado do sistema apos 30 agitacoes.

A dificuldade de se restabelecer a ordem original e um fato probabilıstico.

Assim como nos casos anteriores da expansao livre de um gas e da mistura de

dois gases, a difusao de um perfume no ar tambem e um fenomeno irreversıvel.

Isto torna-se mais claro considerando que as moleculas de perfume concentradas

espontaneamente dentro do frasco aberto e so uma dentre as inumeras outras

configuracoes que o sistema pode assumir, resultando num evento rarıssimo de

ocorrer.

Novamente ressalta-se que o reestabelecimento da ordem original nao e

algo estritamente impossıvel, nao ha nenhuma proibicao natural que impeca esse

evento. Entretanto ele nao ocorre porque e extremamente improvavel. Logo a

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 100

diminuicao espontanea da ordem de um sistema, que esta relacionada a entropia,

nao e absolutamente impossıvel, mas a sua ocorrencia e tao rara que geralmente

consideramos como um evento impossıvel.

FIGURA 5.19: Mesmo apos muitas agitacoes, as moleculas de ar e de perfume

tendem a permanecer misturadas.

Fonte: Os autores.

5.9 Simulacao do Problema do Passeio Aleatorio

Nesta simulacao nos demonstramos o significado da eq.(3.48). Para isso,

utilizamos a base tipo grade linear, que possui cinco espacos para acomodacao

das esferas dispostos linearmente, e uma esfera para representar a partıcula que

realizara o passeio aleatorio.

Primeiramente analisamos o funcionamento do dispositivo para ver se a

montagem oferecia algum tipo de interferencia que implicasse numa direcao pri-

vilegiada durante os saltos da partıcula. Montamos o dispositivo e posicionamos

a esfera na posicao central da grade linear (posicao 0). A Figura 5.20 mostra essa

condicao inicial.

Cada uma das cinco celulas da grade e demarcada pelos numeros -2,

-1, 0, 1, 2, conforme descrito na secao 4.2.7, figura 4.12(a). Ao pressionar o

botao pulso fazemos com que a esfera salte para outra posicao. Consideramos

como validos somente os saltos em que a esfera sai de sua posicao para outra

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 101

adjacente, a direita ou a esquerda, ou seja, nao consideramos os saltos em que a

esfera pula duas ou mais celulas de uma so vez. Isso foi feito para simular que o

salto para a direita ou esquerda tem comprimento l fixo, como descrito na teoria

apresentada na secao 3.3.1. Isso significa que se a esfera ocupar as posicoes -2 e

2 da grade linear, ela deve ser colocada novamente na posicao central da grade

para realizacao de novos saltos.

FIGURA 5.20: Posicao inicial da esfera para simular o problema do passeio

aleatorio.

Fonte: Os autores.

A contagem de saltos validos serviu para analisar se o dispositivo apre-

sentava funcionamento vicioso, ou seja, se havia tendencia de que os saltos se

realizassem mais para a direita ou mais para a esquerda. Foram realizadas 10

rodadas de 20 saltos validos cada uma, determinando-se quantos foram para

a esquerda e quantos foram para a direita. Os resultados das rodadas estao

expressos na Tabela 5.9.

Os resultados mostram que nao ha tendencia viciosa do dispositivo, com

probabilidade aproximadamente igual para saltos a direita e para a esquerda.

Esse resultado ilustra o deslocamento linear de uma partıcula de um gas, onde

nao ha direcao preferencial de deslocamento.

Utilizamos a eq.(3.48) para calcular a probabilidade de se encontrar a

esfera em cada uma das posicoes indicadas na grade linear a cada rodada (10

saltos validos).

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 102

TABELA 5.9: Probabilidade de saltos validos de uma esfera na grade linear para

direita (D) e para esquerda (E).

Rodada Saltos para Dir. Saltos para Esq. % D % E

1 11 9 55% 45%

2 14 6 70% 30%

3 9 11 45% 55%

4 13 7 65% 35%

5 15 5 75% 25%

6 11 9 55% 45%

7 5 15 25% 75%

8 7 13 65% 45%

9 8 12 60% 40%

10 11 9 55% 45%

Total 104 96 52% 48%

Fonte: Os autores.

Essas probabilidades representam a situacao real de uma partıcula ser

encontrada na posicao x = ml, apos realizar movimentos discretos e aleatorios

para a direita ou para a esquerda, num movimento unidimensional. Fazendo m

assumir os valores inteiros −2,−1, 0, 1, 2, l = 8mm e N = 10, mostramos na

Tabela 5.10 as probabilidades para a esfera assumir cada uma das posicoes apos

os dez saltos validos de uma rodada. As posicoes centrais sao as mais provaveis

de se encontrar a esfera ao final de uma rodada. O grafico da Figura 5.21 mostra

essa relacao.

Como a esfera obrigatoriamente deve ocupar cada posicao sem pular

posicoes adjacentes, a distribuicao de probabilidades para cada posicao e a indi-

cada pelo grafico da Figura 5.21. Se o salto valido considerasse o pulo de posicoes,

entao a esfera poderia ocupar qualquer posicao em um salto qualquer, isto e,

todas as posicoes seriam igualmente provaveis. Como a grade linear apresenta

apenas 5 posicoes, entao a probabilidade de se encontrar a esfera ao final de dez

saltos, seria igual a de qualquer salto intermediario. Todas as posicoes teriam

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 103

igual probabilidade (20%) de estar ocupada. E essa probabilidade independeria

da quantidade de saltos realizados.

TABELA 5.10: Probabilidade de encontrar a esfera em cada uma das posicoes

da grade linear apos dez saltos validos.

Posicao (m) Posicao (x) Probabilidade

-2 -16 mm 20,5%

-1 -8 mm 23,5%

0 0 mm 24,6%

1 8 mm 23,5%

2 16 mm 20,5%

Fonte: Os autores.

FIGURA 5.21: Probabilidade de se encontrar a esfera em cada uma das posicoes

m = −2,−1, 0, 1, 2.

Fonte: Os autores.

Como os saltos validos sao apenas os saltos adjacentes ao estado anterior

da partıcula (celula da grade), teremos a primeira posicao vizinha a esquerda

ou a direita. Assim para a esfera transitar em todas as posicoes durante os dez

saltos, deveria obrigatoriamente passar mais vezes pelas posicoes centrais que

pelas posicoes das extremidades da grade, ja que parte da posicao zero. Isso

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 104

evidentemente aumenta as chances da esfera ser encontrada nas posicoes centrais

que nas extremidades, explicando a distribuicao de probabilidades exibida no

grafico da Figura 5.21.

5.10 Simulacao do Livre Percurso Medio

Nesta simulacao discutimos qualitativamente o significado fısico da eq.(3.36)

atraves do calculo dos possıveis percursos livres das esferas em movimento caotico

em funcao de diferentes intervalos de tempo considerados entre colisoes. A ideia

aqui e verificar se a eq.(3.36) e aplicavel ao sistema mecanico de esferas. Dessa

forma poderemos tornar o conceito abstrato envolvido, em algo mais palpavel,

uma vez que as partıculas do simulador mecanico sao visıveis e o movimento

coletivo das mesmas pode ser observado.

Para isso utilizamos 25 esferas e os mesmos dados da simulacao da

Lei de Boyle-Mariotte, pois nessa simulacao a velocidade media das esferas e

constante. Utilizando a velocidade encontrada naquela simulacao, encontramos

o livre percurso medio das esferas para diferentes intervalos de tempo conside-

rados. Esses intervalos de tempo foram estimados, uma vez que visualmente e

impossıvel determinar o tempo medio entre as colisoes das esferas. Os resultados

sao apresentados na Tabela 5.11.

TABELA 5.11: Percurso livre medio 〈L〉 em relacao a diferentes intervalos de

tempos entre colisoes.

Tempo 〈L〉

0,0 s 0,0 mm

0,1 s 4,4 mm

0,2 s 8,8 mm

0,3 s 13,2 mm

0,4 s 17,6 mm

0,5 s 22,0 mm

Fonte: Os autores.

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 105

Como se pode perceber, o aumento do intervalo de tempo naturalmente

aumenta o percurso livre medio das esferas. Para intervalos entre colisoes acima

de meio segundo, o percurso livre medio ultrapassa 22 mm, o que e uma distancia

consideravelmente grande para a esfera percorrer sem colidir com outras esferas.

Isso indica que o intervalo de tempo entre colisoes deve ser relativamente pequeno,

pois percebe-se visualmente que as colisoes se dao em distancias pequenas.

Como se pode verificar na eq.(3.36), quanto maior a quantidade de es-

feras, maior sera o caminho livre medio para uma velocidade media 〈v〉 fixa. O

grafico exibido na Figura 5.22 mostra como a quantidade de esferas influencia no

percurso livre medio em relacao a diferentes intervalos de tempo entre colisoes.

Nota-se claramente que o aumento da quantidade de esferas faz diminuir o per-

curso livre medio das esferas. Na pratica, deve-se aumentar a energia cinetica

total do sistema para manter a velocidade media das esferas constante, quando

se aumenta a quantidade de esferas no cilindro.

FIGURA 5.22: Percurso livre medio em funcao do tempo decorrido entre colisoes

para diferentes numeros de esferas.

Fonte: Os autores.

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 106

5.11 Simulacao do Movimento Browniano

Nesta simulacao fizemos a representacao do fenomeno em que uma partıcula

de polen suspensa em agua realiza um movimento aleatorio tipo ziguezague. A

partıcula se movimenta dessa forma devido as diversas colisoes que sofre com as

moleculas da agua. A simulacao tem carater ilustrativo e mostra a origem do

movimento da partıcula de polen, ja que no caso real nao e possıvel visualizar as

colisoes dessa partıculas com as moleculas de agua.

Inserimos 30 esferas azuis no cilindro para representar as moleculas de

agua e posicionamos a tampa tipo lupa no dispositivo. Essa tampa possui uma

lente na qual uma esfera de isopor, bem maior que as esferas azuis, e presa ao

centro. Essa esfera representara a partıcula de polen. Ao ligar o simulador e

possıvel visualizar atraves da lente o movimento da esfera de isopor (polen) e

das esferas menores (moleculas de agua). A lente aumenta a imagem das colisoes

internas, permitindo uma melhor visualizacao do fenomeno. A proposta permite

o entendimento da causa do movimento browniano e representa uma proposta

dinamica e elucidativa para introduzir conceitos da Teoria Cinetica dos Gases no

Ensino Medio.

Conforme indicado na metodologia, essa simulacao e apenas ilustrativa.

Representamos como o movimento de uma partıcula de polen suspensa em um

lıquido ocorre a partir das colisoes das esferas em movimento. Para isso variamos

a velocidade das esferas menores, que representam o lıquido, e observamos como a

esfera maior, que representa a partıcula de polen, se movimenta apos as inumeras

colisoes com as esferas menores.

Verificamos que as esferas menores imprimem um movimento aleatorio na

nossa partıcula de “polen”, a qual oscila em relacao a sua posicao central, ja que

a mesma esta presa pelo cordao ao centro da lente. Na Figura 5.23 apresentamos

uma foto do sistema com o dispositivo ligado.

O aumento da velocidade das esferas evidentemente fez aumentar a agitacao

da partıcula suspensa, da mesma forma como observado na situacao real. O

experimento mostra as causas do movimento aleatorio da partıcula de polen,

5. Simulacoes e Analise dos Resultados 107

impossıvel de ser vizualizado num experimento real. Desta forma, simulamos

a origem microscopica do movimento browniano e mostramos como a Teoria

Cinetica pode ser tratada em um nıvel adequado, elegante e divertido para

a aprendizagem de conceitos e fenomenos microscopicos em qualquer nıvel de

ensino.

FIGURA 5.23: Simulacao do movimento browniano observado para uma partıcula

suspensa, grao de polen, ao colidir com moleculas de agua, esferas azuis em

movimento.

Fonte: Os autores.

Capıtulo 6

Consideracoes Finais

Diante dos resultados obtidos nota-se que as simulacoes mecanicas de-

senvolvidas apresentam muitas possibilidades para auxiliar a aprendizagem em

sala de aula. Elas podem ser utilizadas em aulas para abordar temas variados

da Fısica Termica, desde a teoria cinetica dos gases e leis da Termodinamica, ate

conceitos pertinentes a Mecanica Estatıstica.

A possibilidade de entender o macroestado de sistemas a partir da com-

preensao da dinamica interna de suas partıculas constituintes permite fazer a

ponte conceitual entre a Termodinamica, Teoria Cinetica e Mecanica Estatıstica.

Deste modo, os assuntos podem ser explorados de forma mais global e menos

abstrata.

Vale ressaltar que os resultados tambem puderam ser analisados quanti-

tativamente atraves da obtencao de curvas caracterısticas dos sistemas e processos

analisados similares as encontradas em experimentos reais. Nosso simulador nos

permitiu ate mesmo prever, atraves de extrapolacao grafica, a temperatura do

zero absoluto. O uso do nosso dispositivo para a compreensao estatıstica da entro-

pia e outro ponto muito interessante, pois foi possıvel demonstrar que fenomenos

irreversıveis podem ser explicados e entendidos por meio de probabilidades.

O simulador mecanico construıdo e um material potencialmente sig-

nificativo, uma vez que alem de permitir uma aprendizagem por descoberta,

ha a possibilidade de conferir um maior sentido a relacao entre as grandezas

108

6. Consideracoes Finais 109

termodinamicas, ja que o comportamento mecanico interno pode ser visualizado

e compreendido com base em conhecimentos previos dos aprendizes. Deste modo

o emprego do simulador em sala de aula para ensinar conceitos de Fısica Termica

pode contribuir para a implementacao de uma aprendizagem significativa, assim

como definida por Ausubel.

Acreditamos tambem que o emprego das simulacoes possa contribuir para

a diminuicao da abstracao recorrente no ensino da Fısica Termica no concerne o

papel dos constituintes do sistema em seu movimento termico que da origem a

propriedades macroscopicas. As simulacoes substituem as ilustracoes de livros ou

feitas em lousa, sendo potencialmente mais significativas, alem de mais dinamicas.

A interatividade do aprendiz com o objeto do saber tambem e outra vantagem do

emprego do aparelho construıdo. O carater ludico de algumas simulacoes podem

tornar a acao de aprender mais prazerosa.

De modo geral, o emprego das simulacoes em sala de aula pode constituir

um interessante metodo de aprendizagem. Sua relativa simplicidade e suas po-

tencialidades ilustrativas sao vantagens para implementacao em aulas no Ensino

Medio e ate mesmo como um complemento para a graduacao em Fısica ou outras

areas afins. O ensino de Fısica Termica pode ser beneficiado aplicando praticas

como essa proposta, facilitando a aprendizagem e criando o gosto pela ciencia em

nossos estudantes.

Referencias

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