ELANDIA FERREIRA DUARTE TÍTULO: CINEMA E EDUCAÇÃO

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO ELANDIA FERREIRA DUARTE CINEMA E EDUCAÇÃO: UMA CRÍTICA ONTO-MATERIALISTA FORTALEZA CEARÁ 2019

Transcript of ELANDIA FERREIRA DUARTE TÍTULO: CINEMA E EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

ELANDIA FERREIRA DUARTE

CINEMA E EDUCAÇÃO: UMA CRÍTICA ONTO-MATERIALISTA

FORTALEZA – CEARÁ

2019

ELANDIA FERREIRA DUARTE

CINEMA E EDUCAÇÃO: UMA CRÍTICA ONTO-MATERIALISTA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico em Educação do Programa de Pós-

Graduação em Educação do Centro de

Educação da Universidade Estadual do Ceará,

como requisito parcial à obtenção do título de

mestre em Educação. Área de concentração:

Formação de Professor.

Orientador: Prof. Dr. José Deribaldo Gomes

dos Santos

FORTALEZA – CEARÁ

2019

Para maínha, princípio e fim de tudo na minha

vida.

Para Elvis Pinheiro, porque eu o amo e porque

ele ama o cinema, e generoso, compartilha

esse amor com todo o Cariri.

Para Petra, Artur e Vinicius, por amor e com

desejos de que o mundo lhes seja leve, mas

não sendo, que tenham a revolução como

horizonte, o amor como força motriz e a arte

como respiros nos dias sombrios.

AGRADECIMENTOS

À minha família, pelo amor e apoio de sempre.

À Edilane, Karine e Rafaela, minha família em Fortaleza, pela ajuda no texto e pelo amor

compartilhado.

Ao meu orientador Deribaldo Santos pela parceria afetuosa e humanizada.

Ao grupo Sétima de cinema.

Ao instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário (IMO).

Ao Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação, Estética e Sociedade (GPTREES).

Ao Município de Brejo Santo, nas pessoas da secretária de educação Jacqueline Braga e da

prefeita do Município Tereza Landim.

A Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP),

pela concessão da bolsa de pesquisa.

“[...] O que vive

incomoda de vida

o silêncio, o sono, o corpo

que sonhou cortar-se

roupas de nuvens.

O que vive choca,

tem dentes, arestas, é espesso.

O que vive é espesso

como um cão, um homem,

como aquele rio.

Como todo o real

é espesso.

Aquele rio

é espesso e real.

Como uma maçã

é espessa.

Como um cachorro

é mais espesso do que uma maçã.

Como é mais espesso

o sangue do cachorro

do que o próprio cachorro.

Como é mais espesso

um homem

do que o sangue de um cachorro.

Como é muito mais espesso

o sangue de um homem

do que o sonho de um homem [...]”

(João Cabral de Melo Neto)

RESUMO

Partindo de uma crítica onto-marxista da realidade humana e do fazer científico, esta

dissertação empreende uma pesquisa a respeito da especificidade do cinema enquanto

linguagem estética e sua relação com a escola, instituição ontologicamente responsável pela

mediação e partilha do saber sistematizado entre os indivíduos. Tendo base no trabalho como

ato fundante do ser social, dos demais complexos sociais, determinante da vida em sociedade,

esta pesquisa empreende desvelar a relação entre escola e cinema na atual Crise Estrutural do

Capital, analisando as limitações e brechas humanizadoras, da utilização do cinema na escola.

Para tanto, faz uso de três categorias apresentadas por Lukács em sua Estética sobre a

especificidade da linguagem do cinema enquanto arte autêntica, sendo elas: O meio

homogêneo, que tem na imagem-sonora em movimento e na construção de um mundo

homogêneo, extracotidiano, seu campo de significação na película; a objetividade

indeterminada, responsável por significar para além da técnica e da forma, o mundo, a

subjetividade e, os sentimentos humanos no filme; e por fim, debatemos a categoria de

atmosfera anímica, que unindo e partindo das outras duas citadas categorias, busca evidenciar

através da totalidade da obra, a esfera psicológica da película, responsável direta pela

recepção do filme. Ensaiamos, ainda que de maneira inicial e lacunar, o diálogo dessas três

categorias lukacsianas: meio homogêneo, objetividade indeterminada e atmosfera anímica,

com as três categorias de análise da tragédia: meio, objeto e modo, debatidas na Poética por

Aristóteles. Por fim, advogamos que educação-escola, arte-cinema, são pares de complexos

que apesar de possuírem convergências e carregarem uma grande responsabilidade na esfera

educativa do ser social, cada um o faz ao seu caráter específico.

Palavras-chave: Cinema. Estética marxista. Educação. Escola. Ontologia.

RESUMEN

Partiendo de una crítica ontológica-marxista de la realidad humana y del trabajo científico,

esta disertación investiga sobre la especificidad del cine como lenguaje estética y su relación

con la escuela, institución ontológicamente responsable por la mediación y distribución del

saber sistematizado entre los individuos. Basándose en el trabajo como acto fundamental del

ser social, de los demás complejos sociales, determinante en la vida en sociedad, este trabajo

busca desvelar la relación entre la escuela y el cine en la actual Crisis Estructural del Capital,

evaluando las limitaciones y faltas humanizadoras de la utilización del cine en la escuela. Para

eso, se usa tres categorías presentadas por Lukács en su Estética sobre la especificidad del

lenguaje del cine como arte auténtica, que son: El medio homogéneo, que tiene en la imagen-

sonora en movimiento y en la construcción de un mundo homogéneo, extra cotidiano, su

campo de significación en la película; la objetividad indeterminada, responsable por significar

lo más allá de la técnica y de la forma, el mundo, la subjetividad y, los sentimientos humanos

en la película; e por fin, debatimos la categoría de atmósfera anímica, que uniendo y partiendo

de las otras dos anteriores, busca evidenciar a través de la totalidad de la obra la esfera

psicológica de la película, responsable directa por la recepción de la misma. Establecemos,

aunque de manera inicial e incompleta, el diálogo entre las tres categorías lukacsianas: medio

homogéneo, objetividad indeterminada y atmósfera anímica, con las tres categorías de análisis

de la tragedia: medio, objeto y modo, discutidas en la Poética por Aristóteles. En definitiva,

defendemos que la educación-escuela, arte-cine, son parejas de complejos que, aunque posean

convergencias y carguen una gran responsabilidad en la esfera educativa del ser social, lo

hacen de acuerdo con su carácter específico.

Palabras-clave: Cine. Estética marxista. Educación. Escuela. Ontología.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9

1.1 CINEMA E EDUCAÇÃO: NOTAS SOBRE UMA ARTICULAÇÃO .......................... 9

1.2 NO MEIO DO CAMINHO HAVIA O CINEMA... ...................................................... 20

2 PERCURSO METODOLÓGICO .............................................................................. 23

2.1 APONTAMENTOS SOBRE O MÉTODO: ILUMINANDO A REALIDADE

CONCRETA .................................................................................................................. 23

3 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................... 36

3.1 DO CINEMATÓGRAFO À PELÍCULA ...................................................................... 36

3.2 EDUCAÇÃO, CINEMA E EMANCIPAÇÃO HUMANA: ELEMENTOS PARA UM

DEBATE ONTO-MATERIALISTA ............................................................................. 41

3.3 RELAÇÃO ONTOLÓGICA ENTRE COMPLEXOS .................................................. 45

4 ESPECIFICIDADE EDUCATIVA DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA. 55

4.1 PRÓLOGO ..................................................................................................................... 55

4.2 ESPECIFICIDADE ONTOLÓGICA DO CINEMA EM LUKÁCS ............................. 59

4.2.1 Meio homogêneo: a imagem em movimento como estatuto ontológico do cinema.62

4.2.2 Objetividade indeterminada: potencialidade e limites estéticos do filme. .............. 70

4.3.3 Atmosfera anímica: totalidade e esfera psicológica da obra. ................................... 76

4.3 CINEMA ENQUANTO TOTALIDADE ESTÉTICA .................................................. 83

4.4 EPÍLOGO ...................................................................................................................... 88

4.4.1 Meio, objeto e modo, categorias aristotélicas e o diálogo com as categorias: meio

homogêneo, objetividade indeterminada e atmosfera anímica de Lukács. ............ 89

4.4.2 Técnica, reprodução e função da obra de arte em Lukács e Benjamin. ................. 93

5 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 97

5.1 POR UMA FORMAÇÃO DOS SENTIDOS QUE ALARGUE O OLHAR ................ 97

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 105

APÊNDICES .............................................................................................................. 110

APÊNDICE A - AGRADECIMENTOS VERSÃO SEM CORTES ........................... 111

APÊNDICE B - BREVE SINOPSE DOS FILMES CITADOS .................................. 115

9

1 INTRODUÇÃO

1.1 CINEMA E EDUCAÇÃO: NOTAS SOBRE UMA ARTICULAÇÃO

“A história deve ter um começo, um meio e

um fim, mas não necessariamente nessa

ordem”.

Jean-Luc Godard

Existem diversas maneiras de se debruçar sobre o estudo do cinema enquanto

linguagem estética. Antoine de Baecque (2010), no livro Cinefilia, defende que é justamente a

partir do desenvolvimento do ato de ver, estudar, conversar, refletir e escrever sobre cinema,

ou seja, tornar-se cinéfilo1, que se mostra possível contextualizar o cinema no percurso da

história e frente às outras linguagens da arte.

Anatol Rosenfeld (2009), no seu Cinema: arte e indústria, afirma que no cinema,

que é uma arte fortemente determinada pela indústria, estudar seu aspecto estético, é estudar

sua marginalidade, visto que para o capital, o que interessa nessa linguagem é o

entretenimento e a comunicação, não necessariamente humanização e catarse.

A peculiaridade em estudar cinema enquanto arte, é que mais que em qualquer

outra linguagem artística, nele se faz presente a indústria e sua força avassaladora de

formatação determinante e limitadora. Se nas outras linguagens, esse aspecto se faz presente,

na sétima arte, é exatamente por esse aspecto evolutivo da tecnologia, a partir do

desenvolvimento industrial, que se faz possível seu surgimento.

Há polêmicas, por parte dos teóricos e críticos cinematográficos em diversos

pontos de estudos relacionados ao cinema: o surgimento oficial se dá apenas com o

cinematógrafo Lumière, ou se estuda através das apresentações dos primeiros kinetoscópios

na américa?2 Ao falarmos sobre o realismo que se busca desde a consolidação do cinema

1 “Etimologicamente, a cinefilia é o amor pelo cinema. O cinéfilo não é, no entanto, exatamente um amador

erudito como o é, na maior parte do tempo, o amador de outras artes (teatro, pintura, música etc.). Pode-se

definir essa relação de duas maneiras opostas, uma negativa, outra positiva: para a primeira, a cinefilia procede

da neurose do colecionador e do fetichista. Sua paixão é acumulativa, exclusiva, terrorista. Ela favorece o

elitismo e o agrupamento em seitas intolerante (o cinema propôs alguns retratos de cinéfilos dessa espécie); para

a segunda, a cinefilia é uma cultura fundada na visão e na compreensão de obras. É uma experiência estética,

oriunda do amor da arte cinematográfica, uma das versões do simples amor da arte (AUMONT; MARIE, 2012,

p. 47)”. 2 Desenvolvido pelos Lumière, o cinematografo era uma máquina a manivela que possibilitava captar, revelar e

também projetar a imagem ao público. Era leve em comparação as outras máquinas utilizadas no mesmo período

(pesava cerca de 4 a 5 kg), podendo ser carregada com facilidade e não usava eletricidade. Já os Kinetóscopios

10

enquanto arte, de que realismo falamos? Do neorrealismo italiano3 ou do realismo defendido

por André Bazin4 (2014)?

Solidifica-se, no entanto, um ponto de convergência indiscutível entre todos os

teóricos e críticos de cinema: o de que o cinema é a arte da era industrial, nascido e forjado

nesta era. Entre todas as artes, é o cinema o maior dependente do desenvolvimento da

tecnologia, para seu aparecimento e sua consolidação estética, que só foi possível, com o

advento e desenvolvimento da sociedade capitalista.

Foi preciso, que a burguesia ascendente, ansiando se consolidar e buscando se

constituir enquanto classe, se pautasse no avanço da fotografia como forma de se registrar e

marcar sua existência, e ainda, a fortificação da busca da reprodução da imagem em

movimentos por cientistas, para que surgisse o cinema tal como vemos atualmente.

De início, a produção de filmes é obra de técnicos com interesses

preponderantemente comerciais. Um ou outro entre os ancestrais do cinema é

cientista, interessado em criar um novo instrumento de pesquisa cientifica, e há

mesmo, entre os inspiradores mais remotos, de quando e vez, um artista, desejoso de

ganhar dinheiro por meio de espetáculos de valor estético. Mas os técnicos e

industriais levam a palma, fato inevitável que decorre da importância do elemento

técnico e econômico na cinematografia; técnica aqui entendida não como conjunto

de recursos estéticos para criar uma obra de arte, mas como instrumento material e

mecânico para produzir determinado aparelhamento (ROSENFELD, 2009, p. 51).

Corroborando com essa posição é que Bernardet (2006, p. 15), reforça o

entendimento do cinema como arte burguesa, fundada no e pelo avanço tecnológico, possível

de existir apenas na revolução industrial, dentro da manifestação do capitalismo5.

eram basicamente caixas de projeção interna de filmes curtos de no máximo 15 segundos, para uma única pessoa

de cada vez, criado por William Kennedy Laurie Dickson.

Para aprofundar temática: SADOUL, Georges. História do cinema mundial. Lisboa: Livros Horizonte LTDA,

1983. v.1. 3 “Movimento cinematográfico italiano, surgido durante a guerra e oriundo, a um só tempo, da influência das

escolas realistas francesas (Renoir, Clair, Grémillon) e, de modo mais amplo, europeia (Pabst), e da reflexão

crítica, na própria Itália, notadamente em torno de Pasinetti, Barbaro, De Santis, do Centro Sperimentale e da

Revista Cinema. O princípio foi, inicialmente, “filmar com estilo uma realidade não estilizada” (Panofsky), e os

primeiros filmes que podem ser ligados a essa corrente foram realizados durante a guerra (Os secione, Visconti

1942; Quatro passitra le nuvole/ O coração manda, Blasetti 1942)” (AUMONT; MARIE, 2012, p. 212). Para

aprofundar temática: FABRIS, Mariarosaria. Neorrealismo italiano. In: MASCARELLO, Fernando (Org.).

História do cinema mundial. Campinas: Papirus, 2006. p. 191-217. 4 Bazin, defendia que quanto menos o diretor interferisse na imagem através da montagem, mais artístico seria o

filme. Segundo ele, “O cinema é a arte dor real”, por isso se diferenciava tanto das outras linguagens artísticas.

Isso não implicaria segundo ele, que o cinema não poderia ser poético, por exemplo, significando apenas que a

realidade deve ser a força motriz de um filme. Sobre isso ver: BAZIN, André. O realismo impossível. Belo

Horizonte: Autêntica, 2016. 5 “Capital e capitalismo (que existe há apenas 500 anos) exigem uma distinção não só histórica, mas também

ontológica, na medida em que a relação-capital que possibilita a riqueza móvel (expressa, no início, no fluxo do

capital-dinheiro – capital comercial) tem de passar por transformações e diversificar-se, até alcançar sua

predominância no tempo e no espaço, ao subordinar progressivamente o trabalho assalariado ‒ sua fonte de valor

– e apropriar-se do excedente social, reinvestindo-o continuamente, como requer sua acumulação ampliada.

11

[...] No bojo de sua euforia dominadora, a burguesia desenvolve mil e uma máquinas

e técnicas que não só facilitarão seu processo de dominação, a acumulação de

capital, como criarão um universo cultural à sua imagem. Um universo cultural que

expressará o seu triunfo e que ela imporá às sociedades, num processo de dominação

cultural, ideológico, estético. Dessa época, fim do século XIX, início do XX, datam

a implantação da luz elétrica, do telefone, do avião, etc. No meio dessas máquinas

todas, o cinema será um dos trunfos maiores do universo cultural. A burguesia

pratica a literatura, o teatro, a música, etc., evidentemente, mas essas artes já

existiam antes dela. A arte que ela cria é o cinema.

Para nós, torna-se claro que o cinema é por excelência a arte da burguesia e esse

fato, mais que ser levado em consideração, precisa ser dissecado ao analisar seu percurso

histórico e sua consolidação enquanto arte. Desta forma, nos parece tarefa no mínimo

ingênua, querer analisar o cinema e sua relação com a educação sistematizada, sem percebê-lo

atrelado à sociedade do capital, seus avanços tecnológicos, sua desumanização, seus limites,

possibilidades e contradições. Qual papel é possível do cinema assumir na formação humana

quando de sua utilização em sala de aula? É possível uma relação direta entre cinema e

educação? Quais limites a sociedade do capital impõe a essa relação? Portanto, nosso estudo

atrela cinema e educação em seu formato escolar - stricto senso -6, suas especificidades e suas

possíveis imbricações.

A educação, em sentido latto, colaboradora da humanização e conscientização do

ser social7, a partir do surgimento do trabalho, torna-se presente e necessária à vida humana,

já no sentido stricto, ou seja, de forma sistematizada, e com espaços específicos para que

aconteça e não apenas acoplada ao cotidiano, surge atrelada ao ócio.

Pensemos, inicialmente, a relação entre o cotidiano e a ciência no mundo primitivo,

pois é por meio do complexo científico que a sociedade se desenvolve até gerar

outras necessidades que, consequentemente, exigem a criação de outros complexos

O capital, como capital mercantil e usurário, aparece esporadicamente ou localmente nas sociedades antigas,

intervém nas atividades de troca e de empréstimo a juros e depende, até o princípio do capitalismo,

fundamentalmente de uma produção externa a seu campo de ação na circulação. [...]O capitalismo propriamente

dito corresponde ao momento em que o capital passa a reproduzir-se num processo de produção social que esteja

“dominado em toda sua extensão e profundidade pelo valor de troca” (MARX, 1983, p. 140), ao submeter toda a

produção mediante a separação forçada entre a força de trabalho e os seus meios de produção. (PANIAGO,

[2018], p. 8-9) 6 Mesmo sabendo que stricto, refere-se à educação institucionalizada para além da escola, como por exemplo

espaços de associações de bairros, Ong‟s, sindicatos etc. Para fins de entendimento, neste trabalho utilizaremos

escolar e stricto, como sinônimos. 7 “[...] Uma teoria que considera a moderna produção capitalista mero estágio transitório da história econômica

da humanidade tem, naturalmente, de utilizar expressões diferentes daquelas empregadas por autores que

encaram esse modo de produção como imperecível e final” (MARX, 2014, p. 41), Entendemos que o Capital e

sua estrutura social machista, se utiliza de inúmeros artefatos para subjugar nós mulheres, dentre eles, a

linguagem. Por isso, ao longo de todo o texto, buscaremos utilizar expressões amplas e que consideramos justas

para denominar a categoria “homem”, que abrange toda a totalidade dos seres humanos, incluindo logicamente,

nós mulheres, segundo o marxismo, o ser social.

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sociais, a exemplo da educação [educação em sentido stricto] e da arte. Nesse

período, a relação do sujeito humano com a natureza, vai, lentamente, se

distinguindo da exclusiva tarefa de atender às necessidades básicas imediatas. Passo

a passo, com recuos, avanços, saltos e retrocessos, a relação sujeito primitivo-

natureza-sociedade avança da mera satisfação das necessidades imediatas para se

confrontar com inúmeras possibilidades que possam atender a tais necessidades da

imediaticidade. (SANTOS, 2018, p. 40).

É com a complexificação das formas de trabalho e com o surgimento da burguesia

que a educação vai se concretizar como ferramenta indispensável para a consolidação da

sociedade burguesa e para escolarização da classe trabalhadora.

Saviani (2007) afirma que isso se dá porque no momento de ascensão da

burguesia enquanto classe ao poder, era imprescindível que se formasse a massa para

manipular as máquinas e trabalhar na indústria. A era industrial também forja o modelo de

educação institucionalizada tal qual conhecemos. Como suposto direito de todo cidadão e

hipotético dever do Estado. Sendo assim, a sociedade capitalista influencia diretamente de

forma até indispensável o modelo de educação sistematizada que temos, podemos afirmar sem

grandes sobressaltos, junto com Mészáros (2008, p. 35),

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu

todo - ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à

máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e

transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não

pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma

“internalizada” (isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou

através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e

implacavelmente impostas.

No contexto dessa reflexão, é que a teoria da escola dualista, elaborada por C.

Baudelot e R. Establet e apresentadas por Saviani (2007), no livro Escola e democracia,

apontam para um sistema de ensino dual, voltado para formação da classe burguesa e outro

para classe trabalhadora, sendo o sistema de ensino utilizado pelo capital para difundir a ideia

da classe dominante com o intuito de subordinar a classe trabalhadora a seus ideais.

Avançando na reflexão, Santos (2017)8 destaca, ainda, que além da divisão entre

latto e stricto que é da especificidade do complexo da educação humana, e que sofre essa

separação contundente com o advento da propriedade privada, no processo atual da crise

estrutural do capital, a divisão do sistema educacional, encontra-se com uma dupla

ramificação dentro da educação sistematizada. Sendo a primeira a educação propedêutica, que

visa à formação da classe burguesa e dirigente da sociedade, e a segunda a educação

8 Para maior aprofundamento ver: SANTOS, Deribaldo. Educação e precarização profissionalizante: crítica à

integração da escola com o mercado. São Paulo: Instituto Lukács, 2017.

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profissionalizante, voltada para conceber mão de obra para suprir o aparato tecnológico da

sociedade, com caráter livresco, empenhada em formar trabalhadores com o mínimo de

assimilação reflexiva do entorno social, agudizando assim, as possibilidades de formação da

consciência revolucionária no proletariado.

A dualidade que se processa com o surgimento da luta de classes é da natureza da

educação, seu caráter é separar a educação em sentido amplo de um lado e a estrita

de outro. Já a dicotomia, parida, por sua vez na dualidade, apresenta caráter de

restringir o que já era determinadamente restrito; por um lado, segue para a

burguesia o ramo propedêutico e, por outro, é destinado aos trabalhadores o ramo

profissionalizante. Essa separação, além de consolidar o preconceito em relação às

atividades manuais, destinadas como sendo exclusivas à classe trabalhadora,

caracteriza a impossibilidade da burguesia universalizar a educação, uma vez que, a

dicotomia estreada com o capitalismo, evidencia que tal fato representa universalizar

a produção (SANTOS, 2018, p. 15).

Vemos então, que a escola, tal qual a conhecemos, tem um ponto de convergência

no seu surgimento com o cinema e com a sociedade capitalista, destacando, claro, um

distanciamento temporal entre ambas. Estudar a relação desses dois objetos é, portanto,

estudá-los atrelados à revolução industrial e ao aguçado avanço do sistema capitalista. E isso

se impõe como forma de termos clareza e comprometimento no desvelamento da realidade e

suas múltiplas determinações. Analisar a relação educação sistematizada e cinema, como é a

proposta dessa pesquisa, é apreender as formas de organização educacional e estéticas

fundadas na sociedade do capital, seus limites, contradições e possibilidades.

Para realizarmos esse trabalho, partimos dos estudos de Georg Lukács9, tanto de

sua análise do cinema enquanto linguagem estética (1913a10

), (1963b11

), (1971) quanto de sua

leitura da natureza ontológica do trabalho na obra de Marx (2010a), (2012), (2013c) e de

obras do próprio Marx (2008), (2010), (2014), e de Marx em colaboração com o Engels

(2009), (2017). Isso porque entendemos que é a teoria Marxiana que nos possibilita uma

maior aproximação com a totalidade concreta e suas determinações com nosso objeto, o que

9 A grafia do nome do esteta aparece de duas maneiras diferentes nas nossas referências bibliográficas e nas

traduções utilizadas neste trabalho: György Lukács e Georg Lukács, iremos respeitar a escrita tal qual se

apresente na obra que estivermos citando no momento. 10

Tradução do texto em alemão: Gedanken zu einer Aesthetik des kino. In: Frankfurter Zeitung, v. 251, 1913.

Feita por Felipe Marineli, presente em CHAGAS, Rodrigo (Org.). Cinema, Educação & Arte. Boa Vista:

editora da UFRR, 2013a. p. 78-83. 11

Tradução do texto em alemão, cujo título original é: Film. In: Ästhetik Teil I. Die Eignart des Ästhetischen.

(Grezfragen der ästhetischen Mimesis). 1963, também presente em: LUKÁCS, Georg. Filme. Tradução de Lívia

Cotrim. In: CHAGAS, Rodrigo (Org.). Cinema, Educação & Arte. Boa Vista: editora da UFRR, 2013b. p. 83-

110. Ressalvamos, que foi de fundamental importância a tradução para o português desse capitulo da Estética, e

também do artigo de 1913, citado acima. A tradução nos possibilitou acesso aos textos lukacsianos com a

facilidade da leitura na língua materna. Destacamos ainda, que os outros volumes da Estética, precisamente os

volumes 1 e 2, citados ao longo deste trabalho, foram estudados do espanhol, por isso alertamos para as

divergências de datas nas referências ao longo da dissertação.

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nos aproxima, assim, da essência desse mesmo objeto, indo além da aparência imediata e dada

pela realidade alienada imposta pelo capital.

Partimos do trabalho como complexo fundante do ser social, como base da

formação da humanidade, pois entendemos junto com Marx e Engels (2009) e Lukács (2013c)

que é a partir do momento que surge a necessidade de transformar a natureza, é com o

surgimento do trabalho, que a humanidade se afasta de suas barreiras naturais e complexifica

seu modo de estar no mundo e em sua relação com a natureza, fazendo surgir o mundo dos

homens, no qual se faz necessária a linguagem, a arte, a educação e todos os demais

complexos que constituem ferramentas sociais de avanços do ser social em acumular cada vez

mais riquezas humanas.

Podemos distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião – por tudo

o que quiser. Mas eles começam a distinguir-se dos animais assim que começam a

produzir os seus meios de subsistência (lebensmittel), passo esse que é requerido

pela sua organização corpórea. Ao produzirem os seus meios de subsistência, os

homens produzem indiretamente a sua própria vida material (MARX; ENGELS,

2009, p. 24, grifo do autor).

Assim, o trabalho faz surgir o mundo dos homens e os demais complexos sociais

que significam esse mundo, e o próprio sujeito que nele se encontra inserido,

No trabalho estão contidas in nuce todas as determinações que, como veremos,

constituem a essência do novo no ser social. Desse modo, o trabalho pode ser

considerado o fenômeno originário, o modelo do ser social; uma vez que o

esclarecimento de suas determinações resultará num quadro bem claro dos traços

essenciais do ser social.

No entanto, é preciso ter claro que com essa consideração isolada do trabalho aqui

presumido está efetuando uma abstração; é claro que a socialidade, a primeira

divisão do trabalho, a linguagem etc. surgem no trabalho, mas não numa sucessão

temporal claramente identificável, e sim, quanto a sua essência, simultaneamente.

(LUKÁCS, 2013c, p. 44).

A primeira premissa da história humana é, pois, a existência de indivíduos

humanos vivos, que se definem ao manipularem o meio a sua volta numa relação dialética.

O trabalho, como essa potencialidade do ser social de modificar a si mesmo e o

meio em que está inserido, é o complexo determinante de toda a história humana e de todos os

outros complexos que constituem o ser social e, por isso, ao nos debruçarmos sobre os

complexos constitutivos do ser social, não podemos perder essa premissa: a determinação

ontológica do trabalho, ou como nos diz Lukács (2013c), a práxis da práxis,

Com os alemães, que não partem de qualquer pressuposto [voraussetzungslosen],

temos de começar por constatar o primeiro pressuposto de toda a existência humana,

e, portanto, também de toda a história, a saber, o pressuposto de que os homens têm

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de estar em condições de viver para poderem “fazer história”. Mas da vida fazem

parte sobretudo comer e beber, habitação, vestuário e ainda algumas coisas. O

primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios para a satisfação dessas

necessidades, a produção da própria vida material, e a verdade é que esse é um ato

histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, tal como há

milhares de anos, tem de ser realizado dia a dia, hora a hora, para ao menos manter

os homens vivos. [...] a primeira coisa a fazer em qualquer concepção de história é

observar esse fato fundamental em todo o seu significado e em toda a sua extensão,

e atribuir-lhe a importância que lhe é devida (MARX; ENGELS, 2009, p. 40-41).

Pensar o trabalho como forma de garantia do surgimento e da manutenção da

vida, é ter claro que as condições materiais de qualquer época, precisam ser levadas em

consideração em qualquer ato de investigação da ciência. Como ato fundador do ser social, o

trabalho carrega em si a eterna busca do novo, que ao nascer e suprir as necessidades de

subsistências do ser social, gera novas necessidades, sendo esse um ato histórico interminável

e contínuo, por isso sendo necessário acompanhar suas modificações e suas interferências

para cada época da história humana.

Cabe ainda ressaltar que essa determinação ontológica não é mecânica e sofre

também modificações, contradições e mútua influência, gozando de certa autonomia. Pelo

próprio pressuposto da dialética marxiana, é preciso entender que o trabalho só pode ser

descolado dos demais complexos sociais com fins de acordo didático, pois mesmo ele sendo

ato fundante do ser social, seu aparecimento é simultâneo, por exemplo, com o aparecimento

da linguagem. “[...] Por essa razão, a linguagem se desenvolverá de modo ininterrupto

simultaneamente com o desenvolvimento do trabalho, divisão do trabalho e cooperação,

tornando-se cada vez mais rica, maleável, diferenciada etc. (LUKÁCS, 2013c, p. 160).

Ele é determinante ontológico dos demais, pois é ele que faz surgir a necessidade

dos outros, mas voltamos a afirmar que esse distanciamento no surgimento é mera abstração

para fins de entendimento teórico e não pontuação datada.

Assim, durante toda a história da humanidade, a forma de subsistência humana,

ou nas palavras de Marx (2008) o modo de produção, determina de forma direta e ontológica

a vida objetiva e subjetiva do ser social. Aquilo que o indivíduo produz para sua subsistência,

sua vida material, determina, ainda que não de forma mecânica e sim dialética, sua

subjetividade. Aquilo que o ser social é, está diretamente atrelado à forma como existe

materialmente no mundo humano. Em suas palavras,

O engendrar prático de um mundo objetivo, a elaboração da natureza inorgânica é a

prova do homem enquanto ser genérico consciente, isto é, um ser que se relaciona

com o gênero enquanto sua própria essência ou [se relaciona], consigo enquanto ser

genérico. É verdade que também o animal produz. Constrói para si um ninho,

habitações, como a abelha, castor, formiga, etc. No entanto, produz apenas aquilo de

16

que necessita imediatamente para si ou sua cria; produz unilateral[mente], enquanto

o homem produz universal[mente]; o animal produz apenas sob o domínio da

carência física imediata, enquanto o homem produz mesmo livre da carência física, e

só produz, primeira verdadeiramente, na [sua] liberdade [com relação] a ela; o

animal só produz a si mesmo, enquanto o homem reproduz a natureza inteira; [no

animal,] o seu produto pertence imediatamente ao seu corpo físico, enquanto o

homem se defronta livre[mente] com o seu produto. O animal forma apenas segundo

a medida e a carência da species à qual pertence, enquanto o homem sabe produzir

segundo a medida de qualquer species, e sabe considerar, por toda a parte, a medida

inerente ao objeto; o homem também forma, por isso, segundo leis da beleza

(MARX, 2010, p. 85, grifos do autor).

Essa relação de dupla determinação entre sociedade e indivíduo, e também

indivíduo e indivíduo, se intensifica conforme a produção da vida material se coloca para

determinado tempo histórico. A divisão do trabalho e a forma como se apresenta na história,

se liga diretamente nas formas das relações internas e externas que exercem em uma

sociedade, nos complexos sociais existentes e nos indivíduos que a ela estejam ligados. Todas

as formas de divisão de trabalho determinam as formas de envolvimento dos indivíduos dessa

sociedade com seus respectivos complexos sociais.

Ficando inequívoco para nós, que para estudarmos o cinema e suas relações com a

educação escolar, precisamos partir do modo de produção atual, suas relações com a arte e a

educação, para desta configuração, termos maiores determinações categoriais do nosso objeto

e desta maneira nos aproximarmos de forma mais efetiva de sua essência e não esbarrarmos

meramente na sua aparência.

Pelo método de investigação a que esta pesquisa se soma, as categorias de análises

de qualquer objeto de pesquisa científica, tem sua base na história social da humanidade,

partindo da forma de produção da vida humana da época, tendo o trabalho como

ontologicamente determinante de toda a vida humana.

Já foi dito aqui que o cinema junto com essa forma de educação sistematizada que

conhecemos, nasce na era do capitalismo industrial, o que configura um imenso atrelamento

de ambos com o capital. E como nos alerta Marx e Engels (2017, p. 27),

[...] o sistema burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas

em seu seio. E de que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um

lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro,

pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que

leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e destruidoras e à diminuição dos

meios de evita-las.

O sistema do capital por seu metabolismo destrutivo e de autorregeneração se

modifica constantemente, o que coloca diante de uma pesquisa que se proponha assentada nas

bases marxianas de investigação do mundo, não perder esse movimento histórico e ter sempre

17

presente no seu percurso, a dialética e as contradições da realidade humana impostas pelo

capital. Sendo o modo de produção da vida humana o determinante de sua consciência e suas

relações sociais, qualquer fato social ao ser estudado precisa estar atento a esse pressuposto,

[...] Daqui resulta que um determinado modo de produção, ou fase industrial, está

sempre ligado a um determinado modo da cooperação, ou fase social, e esse modo

da cooperação é ele próprio uma “força produtiva”; e que a quantidade das forças

produtivas acessíveis aos homens condiciona a situação da sociedade, e portanto a

“história da humanidade” tem de sempre ser estudada e tratada em conexão com a

história da indústria e da troca (MARX; ENGELS, 2009, p. 43).

Partindo dessa premissa, nos parece necessário pontuarmos que no atual momento

o capital passa por uma crise estrutural sem precedentes12

iniciada, mais ou menos, no

começo da década de setenta do século XX, e que cada vez mais se agrava e atinge a

humanidade em toda a sua totalidade objetiva e subjetiva. A crise estrutural do capital, atinge

a sociedade em todos os seus âmbitos da economia, a política, a arte, até diretamente a

construção da subjetividade dos indivíduos inseridos nesse sistema. Toda ação humana por

menor que seja e por mais individualizada que se proponha, é atravessada por este fato: a

atual crise estrutural do sistema capitalista.

A relação direta apontada por Marx e Engels (2009) existente entre indivíduos e a

estrutura social e a política de sua época, a materialidade que forja e determina, sempre de

forma dialética e não meramente mecânica, a subjetividade coletiva da sociedade de um

determinado momento histórico, é que impõe para esta pesquisa esse entrelaçamento do

objeto aqui estudado, com a crise estrutural do capital. Na mesma esteira Paniago afirma que,

A crise que acompanha essa evolução para a produção destrutiva muda

substancialmente seu caráter em relação às crises anteriores. Ela se insere na história

do sistema do capital como uma crise que expõe o esgotamento das medidas

corretivas do passado e a eficácia deste modo de controle do metabolismo social

para garantir a reprodução social da população planetária. Ao mesmo tempo em que

a riqueza social total cresce e se concentra cada vez mais num reduzido grupo de

privilegiados do sistema, agravam-se os problemas sociais e expande-se a escassez

numa clara negativa das aspirações originais capitalistas, que prometiam a

abundância e a possibilidade a todos os indivíduos de usufruir de sua natureza

essencialmente benéfica e progressista (PANIAGO, [2018], p. 20-21).

12

Apoiamo-nos aqui na definição de Mészáros (2011), que indica que atual crise sofrida pelo capital, é sem

precedentes e não apenas mais uma crise cíclica como as anteriores, para ele a atual situação do sistema é

insuperável e nos levará irrevogavelmente ao socialismo ou a barbárie total. Para auxiliar-nos na apropriação do

conceito de Crise Estrutural do Capital defendido por Mészáros, nos embasamos no trabalho de PANIAGO,

Maria Cristina S. Mészáros, a crise estrutural e seus impactos na luta revolucionária dos trabalhadores. In:

Primavera Vermelha: da crise estrutural do capital à crise da alternativa socialista. Elementos para pensar a

revolução brasileira.

18

Se pensarmos o cinema no seu início, partindo da perspectiva do trabalho, temos

por exemplo, os irmãos Lumière contratando inúmeras pessoas para que cada uma de forma

individual, fosse operadora de câmera que captava as imagens para o filme. Fosse também, o

diretor desse mesmo filme, decidindo o que captar e que imagens usar para fazê-lo, e ainda

era a mesma pessoa responsável pelo “espetáculo” do cinema, cobrando os ingressos para a

entrada na sala e ainda operando a câmera para exibição.

Atualmente é completamente inviável, para não dizer impossível, pensar nessa

forma de fazer cinema, e aqui, para que fique claro, nos atemos a grande indústria e as

grandes produções do cinema mundial. Um filme como, por exemplo, Pantera Negra

(2018)13

, do ponto de vista da produção, distribuição e comercialização da obra, é impensável

sem uma equipe de centenas de pessoas. Desde os atores, diretores de som, fotografia, efeitos

especiais, até eletricistas, produtores, figurinistas etc., pessoas especializadas em seus ofícios,

detentores em sua maioria, de grande suporte técnico, mas que não participam da construção

da totalidade da obra, ficam restritos à sua especialidade.

O cinema, assim, dentro dos tramites capitalistas, mais que arte é uma indústria do

entretenimento, que subjuga o gênio do artista que com ele trabalha, preocupando-se com o

lucro que seus filmes podem gerar, sem, no entanto, ter como primordial a função social dessa

linguagem estética, que seria, como entende Lukács (2013b) a elevação da consciência

humano genérica dos produtores e receptores de suas películas.

E esse fato reverbera diretamente na sua feitura, na sua forma de concepção e

concretização, em filmes cada vez mais preocupados em vender, focados muito mais no

entretenimento do que numa concepção estética e ética14

de confronto com a realidade

alienada e submetida à desumanização do capital.

Mesmo o cinema que se coloca como contrário a essa concepção meramente

industrial do entretenimento, não pode fugir totalmente das determinações impostas pelo

sistema. Pensemos numa obra como Árabia (2018), poderíamos questionar que o filme foi

feito com investimento público, conseguido através de editais de fomento, como é feito a

maioria dos filmes brasileiros, e ainda assim, a película questiona de forma concreta e direta o

13

Ao final dessa dissertação encontra-se um apêndice organizado pela ordem em que os filmes são citados no

texto com as informações básicas e uma breve sinopse dos mesmos. 14

“A ética e a estética, com efeito, partilham da condição de que o conteúdo determina a forma. A ética, não

obstante, é orientada para a essência de seu conteúdo, o que secundariza a aparência da forma; o estético, para

poder conformar de modo realista seu material vital, manifesta-se na coincidência entre forma e conteúdo”

(SANTOS, em fase de elaboração, 2019). Entendemos, que embora ética e estética tenham especificidades

próprias, toda obra de arte autêntica não refigura de forma neutra a realidade posta na configuração alienada do

cotidiano, trabalhando a forma sempre em contorno dialético com o conteúdo. Afastando-se assim, da mera

cópia da realidade concreta, tendo como função desvelar essa realidade, questionando-a num eterno vir- a- ser.

19

contorno do modelo trabalhista na sociedade atual, dessa forma, se coloca contra o status quo

vigente. Mas, qual o alcance que esse filme conseguiu? Em quais salas ele foi exibido? Por

quanto tempo ele ficou em cartaz? Qual o incentivo em termos de propagada ele recebeu?

É claro que o Árabia (2018), assim como tantos outros realizados dentro do

mesmo processo de concepção de cinema, foram e são extremamente necessários e

importantes, mas não podemos perder de vista esse processo de múltipla determinação e de

pequena autonomia entre o modo de produção atual - o trabalho, cada vez mais especializado,

robotizado, tecnológico - com os demais complexos que formam o todo social, no caso

estudado aqui, a arte e mais especificamente o cinema, como linguagem que se coloca dentro

dela. Da mesma forma a escola, que está vinculada ao complexo da educação e do trabalho,

complexo fundante do ser social como já dito neste trabalho, também tem essa múltipla

determinação e essa pequena autonomia.

A escola, aparentemente universalizada, e solidificada na revolução burguesa, era

uma escola que precisava que a classe trabalhadora tivesse acesso ao saber sistematizado

acumulado historicamente como forma de garantir a acessão e permanência social da classe

burguesa. Estava assim, completamente atrelada à revolução industrial, a uma nova forma de

trabalho que emergia naquele momento histórico.

Hoje a escola se volta para difusão de um saber que está muito mais preocupado

na fragmentação apregoada como necessidade de falsa especialização, um saber que foca na

subjetividade e na aparência do fenômeno, sem desvelar essa aparência, sem se preocupar em

fazer a classe trabalhadora perceber a totalidade social, e assim, se colocar ativamente nela. É

uma escola voltada para formar trabalhadores passivos com saberes necessários para

manipular máquinas e se colocar no mercado de trabalho, ou apenas ser mão de obra

excedente na espera, mas incapaz de se pensar enquanto classe ontologicamente

revolucionária.

Pensar a crise estrutural do capital, é pensar todas as implicações que o sistema

impõe à vida humana, como a determina, como a desumaniza, mas é também pensar como

nós, de forma genérica e em totalidade social, nos colocamos frente a ela, como

dialeticamente interferimos nela, como modificamos nossas relações objetivo-subjetivas a

partir da concretude da mesma.

A questão fundamental é que o sistema do capital alterou sua estratégia como uma

autodefesa contra uma crise prolongada, acentuando o seu caráter destrutivo, o que

impossibilita um retorno aos “anos dourados” do capitalismo. A acumulação e a

expansão, que continuam incessantemente, não podem mais repor as taxas de

lucratividade na escala ascendente requerida pela acumulação ampliada do capital. A

20

ordem do dia no mundo é a elevação das taxas de mais-valia, atropelando todas as

lutas de resistência da classe trabalhadora ‒ despreparada que foi, ao crer que

poderia controlar politicamente, com as lutas e as conquistas defensivas, o apetite

insaciável do capital para acumular a riqueza alienada do trabalho (PANIAGO,

[2018], p.30).

Por isso, a necessidade histórica de percebermos a crise de forma radical, com

uma crítica que vá além de mediações que busque a transformação total do capital e

consequentemente, a transformação da vida humana.

Mészáros (2011) considera a crítica radical como forma de entendimento

ontológico dos problemas existentes no capital, percebendo que não podemos pensar a

revolução dos mesmos, sem termos consciência de sua raiz e seus desdobramentos que

atingem a humanidade na sua totalidade histórica.

Por isso, o esforço desta pesquisa que mesmo tendo como objeto o cinema e a

educação escolar, busca não perder de vista os dois complexos à que ambos estão

ontologicamente atrelados: a arte e a educação, e esses por sua vez, vinculados diretamente

com o complexo do trabalho, fundante de toda a história humana, refletidos à luz da totalidade

histórica atual, sendo assim, analisados em sua imbricação direta ao capital, na forma do

sistema capitalista.

Nesse sentido, e buscando aclarar o percurso desta pesquisa e sua relevância

científica, concomitante a nossa relação subjetiva com a temática, é que a próxima sessão se

volta a registrar os objetivos gerais e específicos deste trabalho, com o intuito de facilitar a

leitura e o desencadeamento teórico do presente texto.

1.2 NO MEIO DO CAMINHO HAVIA O CINEMA...

“Faço cinema como faço esporte, como me

alimento, como faço amor: buscando

satisfação”.

Roman Polanski

Marx no prefácio da primeira edição do O capital (2014) afirma, “todo começo é

difícil em qualquer ciência” e ressalta ainda, que o método de investigação de sua obra, difere

do método empregado para expor essa mesma obra. Pois, nem sempre o início da pesquisa é o

começo da exposição. E a pesquisa se inicia sempre no campo da abstração teórica razoável,

que precisa ser embasada e refutada pelo real, e para ele voltar, de forma mais completa e

desfragmentada: enriquecida. Como afirmamos anteriormente, esta pesquisa se pretende

21

embasada no método de investigação científico marxiano, e assim, não foge essa a regra

dialética, que começa pela apreensão do todo, para só depois assimilar as partes e então,

voltar à totalidade.

Sob o manto da ontologia materialista, portanto, posicionamos nosso objetivo

geral: analisar a função educativa do cinema e sua relação com a escola. Para que possamos

fazer jus à metodologia suscintamente apresentada, elegemos, como elementos parciais – mas

integrados ao principal objetivo – os seguintes objetivos específicos: 1) historiar o cinema

cotejando com elementos que o torne um atributo educativo; 2) entender as mediações pelas

quais a chamada sétima arte pode reclamar seu papel no processo educativo escolar; por fim,

3) com a utilização de obras cinematográficas – ver apêndice A – demonstrar como o cinema

se relaciona com a educação em sentido stricto.

Pretendemos que nosso texto siga o seguinte percurso expositivo: Na sessão 1

tematiza-se sobre a relação cinema, educação e totalidade social, onde, necessariamente, tem-

se que debater com o conceito de crise estrutural do capital de Mészáros (2011); com essa

relação realçada, na sessão 2, se abordará o percurso da pesquisa e a especificidade do método

marxiano de investigação científica; a sessão 3, por sua vez, abordará os seguintes pares

dialéticos: arte-cinema, educação-escola. Aqui se fará necessário retornar ao trabalho como

substrato da vida social. Com isso, na sessão 4: a análise do cinema enquanto arte, com base

em três categorias: meio homogêneo, objetividade indeterminada e atmosfera anímica,

apresentadas por Lukács no capítulo – film – da versão alemã de sua Grande Estética,

ganhará em tessitura teórica, o que possibilitará a presente exposição, tematizar com melhor

sustentação, o debate sobre o cinema apreendido pelo esteta húngaro. Já a sessão 5, que

pretende aprofundar os elementos da investigação que hora se desenvolve, objetiva apontar a

necessidade ontológica da escola possibilitar a formação estética dos sentidos, para uma

apropriação mais ampla e significativa quando da utilização do cinema no espaço escolar. Por

fim, com a segurança/insegurança de que esta pesquisa não se concluirá em um curso de

mestrado, a sessão 5 discutirá ainda as brechas de humanização existentes na função

educativa do cinema, que até agora, nos aparece como os trabalhos educativos para além da

utilização pedagógica de exibição de filmes em salas de aulas: cineclubes nos espaços

escolares, exibição, análise e debate de produção de filmes fora do circuito exclusivamente

comercial: ex: as produções pernambucanas dos últimos anos, dentre elas citamos: Baixio das

bestas (2006) e O som ao redor (2012), filmes nacionais de alcance internacional, que não se

limitam a serem entretenimento ou diversão, mas que buscam questionar o cotidiano alienado,

e assim se alçam ao estatuto de grandes obras autênticas. Inevitavelmente, esta conclusão

22

declaradamente inconclusa, destacará, com base no movimento contraditório próprio da arte

no sistema capitalista, algumas das possibilidades, embora que ainda somente em potência,

que possa aflorar da relação educação-escola e cinema-arte.

Ressalvamos enfim, que o presente texto, por inúmeros motivos, dentre eles a

mudança da temática de nosso projeto inicial de pesquisa, ocorrida em novembro de 2017, e

mais fortemente e de forma diretamente determinante, a produtividade imposta pelo capital ao

meio acadêmico, encontra-se com maturação inicial das categorias e questões por ele

levantadas, ainda assim, ansiamos que as mesmas tenham base sólida para contribuir com

pesquisas futuras.

Almejamos que apesar desse limite imposto ao mesmo, consigamos que a

abstração geral que pretende mover o seu debate seja razoável, e sua construção teórica, esteja

apta a ser compreendida, refutada e ampliada.

23

2 PERCURSO METODOLÓGICO

2.1 APONTAMENTOS SOBRE O MÉTODO: ILUMINANDO A REALIDADE

CONCRETA

“A partir do momento em que um homem

participou da história, que fez parte deste ou

daquele acontecimento, uma parte de sua

biografia é irremediavelmente historicizada”.

André Bazin

Marx inaugura uma nova forma de fazer ciência. O método marxiano é uma

ruptura no sistema científico ao advogar para si uma utilização para além da teorização

acadêmica. O método ao partir do real concreto, impõe o retorno para esse real de forma

elevada e reorganizada teórica e praticamente.

Marx funda uma ciência que centrada na história humana, interfere nessa história

buscando transformá-la, “Na realidade, e para o materialista prático, isto é, para o comunista,

trata-se de revolucionar o mundo existente, de atacar e transformar na prática as coisas que ele

encontra nesse mundo” (MARX; ENGELS, 2009, p. 36).

Talvez, por isso a existência de tantas dificuldades e limites de interpretação e

compreensão em torno desse modo de fazer investigação científica, tantas vezes entendida de

forma limitada e equivocada. Diferente dos filósofos que o precederam e que colocam na

evolução do ser sua possibilidade de quebra da alienação social, Marx (2010) coloca na

consciência formada e consolidada na materialidade, na forma de desenvolvimento das forças

produtivas, a real possibilidade da investigação e da transformação da história humana

Entendemos que é essa teoria a que pode nos oferecer uma maior proximidade

concreta com as múltiplas determinações sofridas pelo nosso objeto frente à totalidade

histórica. Isso porque o conhecimento que se pauta na teoria marxiana, não perde de vista que

o objeto, qualquer que seja ele, situa-se numa totalidade que o envolve, e não apenas nas suas

características singulares.

Já que para Marx (2008), o objeto é a soma de múltiplas determinações e precisa

ser levado em conta no processo de captação do mesmo, as categorias de universalidade e

singularidade para se compreender sua particularidade15

que é a categoria central para

15

“[...] através da análise da particularidade é possível entender a realidade de modo mais concreto, pois é esta

categoria que realiza a mediação dialética entre os âmbitos da singularidade e da generalidade e efetiva as

24

desvelamento do objeto pesquisado, possibilitando uma aproximação da forma mais objetiva

possível da realidade que o compõe.

Algumas determinações da produção da vida humana são essenciais e

permanentes em diversas épocas históricas, outras têm caráter de particularidade ligada

especificamente a uma época. No entanto, essa produção sempre interfere diretamente na vida

humana em cada tempo histórico. Se fazendo necessário nesta pesquisa, situar o cinema e a

educação frente às determinações da crise estrutural atual do capital, pois são essas

determinações cruciais para que consigamos desvelar nosso objeto para além da sua aparência

fenomênica e nos aproximemos de sua particularidade histórica,

[...] o objeto não é um objeto geral, mas um objeto determinado, que foi consumido

de uma certa maneira por mediação, mais uma vez, da própria produção. A fome é

fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozida, que se come por meio de uma

faca ou de um garfo, é uma fome distinta da que devora carne crua com ajuda das

mãos, unhas e dentes. A produção não produz, pois unicamente o objeto do

consumo, mas também o modo de consumo, ou seja, produz objetivamente e

subjetivamente. A produção cria, pois, os consumidores (MARX, 2008, p. 248).

O conhecimento, que toma por base a teoria marxiana, entende claramente que a

construção da ciência nunca foi neutra, nem desligada da totalidade social. Sempre esteve

estritamente ligada com as imposições sociais de sua época histórica, é determinada e

determina a vida do ser social. Tendo ainda como base o cotidiano concreto como alicerce de

início e fim no percurso constitutivo da sua feitura.

Trata-se, antes, de assimilar, também nesse caso, a concepção marxiana da

realidade: ponto de partida de todo pensamento são as manifestações factuais do ser

social. Isso não implica, porém, nenhum empirismo, embora, como já vimos, este

também possa conter uma intentio recta ontológica, ainda que incompleta e

fragmentária. Todo fato deve ser visto como parte de um complexo dinâmico em

interação com outros complexos, como algo que é determinado, tanto interna como

externamente, por múltiplas leis. A ontologia marxiana do ser social funda-se nessa

unidade materialista-dialética (contraditória) de lei e fato (incluídas naturalmente as

relações e as conexões). A lei só se realiza no fato; o fato recebe determinações e

especificidade concreta do tipo de lei que se afirma na intersecção das interações. Se

não se compreende tais entrelaçamentos, nos quais a produção e a reprodução

sociais reais da vida humana constituem sempre o momento predominante, não se

compreende nem sequer a economia de Marx (LUKÁCS, 2012, p. 338).

determinações objetivas que interferem nos dois extremos (TEIXEIRA, 2016). Não iremos nos deter, na análise

dessa categoria, visto não ser esse, o objeto de nosso estudo. Para maior aprofundamento da mesma, ler:

TEÓFILO, Rafaela Maria Teixeira. A particularidade como categoria central na estética de Lukács:

aproximações às determinações da decadência da arte no capitalismo contemporâneo. 134 f. Dissertação

(Mestrado em Educação) – Programa de pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual do Ceará,

Fortaleza, 2016.

25

Partindo da concretude da vida e não de sua idealização, é que o materialismo

histórico dialético entende a formação da subjetividade e da consciência do ser social, que

dialeticamente parte da materialidade da existência.

[...] na produção social da própria existência, os homens entram em relações

determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção

correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas

materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica

da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política

e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de

produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e

intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é

o seu ser social que determina sua consciência (MARX, 2008, p. 47).

Cabe esclarecer, que para o citado método de investigação, partir do concreto não

significa partir do cotidiano tal qual ele se apresenta. É necessário no primeiro momento

investigativo já ter possibilidades mínimas de abstrações referentes ao objeto pesquisado, o

que Marx (2008) chama de abstrações razoáveis. Todo fato filosófico se indagado a partir de

uma análise histórico-materialista-dialética do mundo, tem seu rebatimento assentado na

concretude da vida humana.

O que o método marxiano traz à tona é que essas abstrações forjadas na mente do

pesquisador, elas não são abstrações metafisicas, são construídas pelas mediações entre

sujeito e mundo concreto. O mundo sensível do ser social é a totalidade das atividades

sensíveis da humanidade que constitui esse mundo. A consciência do ser social é determinada

pela forma material de sua existência. As ideias, crenças, valores de uma sociedade, tem sua

base formada na vida concreta e material dessa mesma sociedade.

Não é possível desprender consciência da forma de existência do ser social. Os

indivíduos partem sempre da concretude de si para assimilar a realidade, a divisão do trabalho

imposta pelo capital, torna essa partida por vezes alienada, por isso a necessidade de

confronto com o real.

[...] A vida individual e a vida genérica do homem não são diversas, por mais que

também – e isto necessariamente – o modo de existência da vida individual seja um

modo mais particular ou mais universal da vida genérica, ou quanto mais a vida

genérica seja uma vida individual mais particular ou universal. Como consciência

genérica o homem confirma sua vida social real e apenas repete no pensar a sua

existência efetiva, tal como, inversamente, o ser genérico se confirma na consciência

genérica, e é, em sua universalidade como ser pensante, para si. O homem – por

mais que seja, por isso, um indivíduo particular, e precisamente sua particularidade

faz dele um indivíduo e uma coletividade efetivo-individual (wirkliches

individuelles gemeinwesen) – é, do mesmo modo, tanto a totalidade, a totalidade

ideal, a existência subjetiva da sociedade pensada e sentida para si, como ele

também é na efetividade, tanto como intuição e fruição efetiva da existência social

como uma totalidade de externação humana de vida. Pensar e ser são, portanto,

26

diferentes, mas [estão] ao mesmo tempo em unidade mútua (MARX, 2010, p. 108,

grifos do autor).

O que acontece é que na ciência se deve partir da realidade concreta do próprio

objeto e a ele voltar como forma de elevação de seu entendimento e não de meras abstrações

subjetivas do pesquisador.

Partir de uma abstração meramente subjetiva e não de uma abstração que se

assente na concretude do cotidiano, é desviar das determinações que a fazem ser o que é. É

equivocar-se no fazer ciência e na assimilação da totalidade do conceito que se relaciona

diretamente com a totalidade da vida humana. É a prática, o mundo real concreto que precisa

ser o solo de verificação de uma verdade abstrata. O pensamento descolado do real e sem

levar em conta suas determinações é esvaziado de cientificidade.

[...] O todo, tal como aparece no cérebro, como um todo mental, é um produto do

cérebro pensante, que se apropria do mundo da única maneira em que o pode fazer,

maneira que difere do modo artístico, religioso e prático de se apropriar dele. O

objeto concreto permanece em pé antes e depois, em sua independência e fora do

cérebro ao mesmo tempo, isto é, o cérebro não se comporta senão

especulativamente, teoricamente (MARX, 2008, p. 259-260).

Toda a consciência e subjetividade humana, estão completamente atreladas ao

modo de vida do indivíduo. Assim, é a materialidade social que determina a espiritualidade do

ser social de determinada época histórica. Fazemos, por isso dialeticamente somos16

.

O pressuposto determinante desta nova concepção filosófica, histórica e material

do mundo é o próprio homem, que ao determinar os meios de existência material da sociedade

em que vive, determina também de forma direta os meios que se forjam e se concretiza sua

subjetividade.

Esse modo de consideração não é destituído de pressupostos. Parte dos pressupostos

reais e nem por um momento os abandona. Os pressupostos são os homens, não

num qualquer isolamento e fixidez fantásticos, mas no seu processo, perceptível

empiricamente, de desenvolvimento real e sob determinadas condições. Assim que

esse processo de vida ativo é apresentado, a história deixa de ser uma coleção de

fatos mortos – como é para os empiristas, eles próprios ainda abstratos -, ou uma

ação imaginada de sujeitos imaginados, como para os idealistas.

Lá onde a especulação cessa, na vida real, começa, portanto, a ciência real, positiva,

a descrição [darstellung] da atividade prática, do processo de desenvolvimento

prático dos homens. Terminam as frases sobre a consciência, o saber real tem de as

substituir (MARX; ENGELS, 2009. p. 32).

16

Foi desenvolvida uma tese que aprofunda o debate da relação entre o trabalho e a formação do ser social,

desde á pré-história, buscando destacar a importância preponderante do trabalho como complexo fundante de

humanização e ferramenta indispensável na transformação do ser natural, em ser social: LOPES, Adriano Jorge

Torres. Trabalho, educação e sociedades homonínias na gênese do ser social: contribuições da antologia

marxiana para a formação de professores. 2018. 133 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-

Graduação em Educação, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2018.

27

É nesse sentido, que para uma pesquisa que se pretenda onto-materialista, como se

pretende esta nossa, o ponto de partida que é a realidade e é também o ponto de chegada, não

se limita a mostrar a concretude do objeto no cotidiano humano, mas almeja através da

abstração teórica desvelar a aparência, quanto mais for possível da realidade essencial desse

objeto.

Partir do movimento real do mundo humano carrega em si dificuldades de cunho

metodológico, visto que será a própria realidade que irá mostrar o caminho a ser percorrido,

além de que, qualquer abstração feita tomando a realidade como ponto de partida e chegada,

se descolada da história, é infértil e falha.

Ainda com Marx (2008, p. 62-63) temos o entendimento que “o trabalho é

condição natural da existência humana, a condição independente de todas as formas sociais,

do intercâmbio da matéria entre o homem e a natureza”.

Compreendemos que a transformação da natureza pelo homem, o trabalho, é

elemento fundante e imprescindível para juízo de qualquer objeto, visto ser a partir de seu

surgimento que podemos falar de realidade humana, repetindo aqui o que viemos dizendo

anteriormente.

Para o materialismo histórico dialético é radicalmente necessário partir do real, da

concretude social para, seguindo abstrações assentadas nesse real, analisar um objeto de

pesquisa a fim de diminuir tanto quanto possível, imprecisões, falhas, limitações e

incoerências na práxis. É a vida cotidiana humana, em confronto com uma base fundamentada

de abstração teórica que possibilita de forma qualitativa a absorção de qualquer objeto.

Sem perdermos de vista, que não se pode desprezar a história individual, nem a

local, podemos afirmar que a história humana é uma história mundial, e quanto mais o mundo

se industrializa e fortalece intercâmbio entre países, mais esse fato vem à tona e transforma os

meios de produção social. Esse fato é um fato concreto, perceptível na realidade e não apenas

uma abstração metafísica.

Por isso, nossa tentativa de situar o cinema de forma histórica e ampla, desde seu

surgimento, partindo de sua forma mais elevada de construção, para desta forma,

conseguirmos termos extensas determinações acerca de sua materialidade histórica, e então

conseguirmos desvelar sua aparência particular na sociedade capitalista burguesa atual e nos

aproximarmos com mais clareza de sua essência fenomênica.

28

Qualquer pesquisa, que leve em consideração a história como uma totalidade e

não apenas como abstrações isoladas, tem possibilidade de elaborar um saber não alienado, ou

pelo menos, mais próximo da essência do objeto estudado.

Portanto, contextualizar historicamente o objeto de pesquisa é imprescindível para

que se torne possível seu desvelamento, para além da aparência imediata, chegando a sua

essência, possibilitando seu conhecimento crítico e suas intersecções com os sujeitos que o

fazem e são feitos por ele, contribuindo ainda, com o caminho histórico de transformação da

realidade posta de imediato.

No prólogo de sua Estética (2017)17

, Lukács fala sobre a estética marxista. Coloca

que há e não há uma estética marxista, e ao colocar isso nos ilumina no sentido teórico do

debate referente se há ou não há um método de investigação científico marxiano, apesar de ser

uma citação longa, acreditamos ser de uma lucidez mediadora para aclaramento acerca da

questão do método marxiano,

[...] Encontramo-nos, pois, na paradoxal situação de que há e não há uma estética

marxista, de que há de conquistá-la, criá-la, inclusive mediante investigações

autônomas e que, ao mesmo tempo, o resultado não pode, senão, expor e fixar

conceitualmente algo que já existe de acordo com a ideia. No entanto, este paradoxo

se dissipa quando considerado todo o problema a luz do método da dialética

materialista. O arcaico sentido literal da palavra “método”, indissoluvelmente

enlaçado com a ideia de caminho de conhecimento, contém, com efetivo, a

exigência, posta ao pensamento de percorrer determinados caminhos para alcançar

determinados resultados. A direção desses caminhos está contida, com evidência

indubitável, na totalidade da imagem do mundo projetada pelos clássicos do

marxismo, especialmente pelo fato de que os resultados presentes nos parecem como

metas daqueles caminhos (LUKÀCS, 2017, p 16-17).

E continua, nos levando a entender que é no chão do cotidiano, no rebatimento da

teoria com a realidade concreta, que se faz possível um percurso teórico consistente

fundamentado neste método de investigação,

Dessa forma, embora não seja de um modo imediato, numa visível e simples olhada,

os métodos do materialismo dialético indicam, com clareza, quais são os caminhos e

como se deve percorrê-los se se pretende levar a realidade objetiva a conceito, em

sua verdadeira objetividade, e aprofundar na essência de um determinado território

de acordo com sua verdade. Somente realizando, e mantendo, por meio da própria

investigação, esse método, a orientação desses caminhos, se oferece a possibilidade

de tropeçar com o que se busca, de construir corretamente a estética marxista ou,

pelo menos, de aproximar-se da sua essência verdadeira (LUKÀCS, 2017, p. 16-17).

17

Utilizaremos aqui a tradução feita a partir da edição espanhola, iniciada pelo grupo de estudos “Estética de

Lukács: trabalho, educação, ciência e arte no cotidiano do ser social”, do Instituto de Estudos e Pesquisa do

Movimento Operário da Universidade Estadual do Ceará (IMO/UECE), com revisão final dos professores

Deribaldo Santos e da professora Francisca Galiléia P. da Silva, publicada em: VEDDA, Miguel; COSTA,

Gilmaisa; ALCANTÂRA, Norma (Org.). Anuário Lukács 2017. São Paulo: Instituto Lukács, 2017.

29

Nesse sentido, nosso entendimento de método difere diretamente da ideia de

receituário e de passo a passo a seguir e, se coloca como uma forma de perceber o mundo

social e a relação entre esse mundo e o objeto a ser pesquisado, no nosso caso especifico, a

relação entre cinema, educação e as determinações sociais impostas a ambos pelo capital,

como isso interfere nos mesmos e também como estes interferem na totalidade social.

É ainda, caro ao método aqui referido, que é o próprio objeto, entendido numa

sociedade de classes e sendo determinado pelo capital e também determinando a realidade

posta historicamente, que deve produzir os caminhos para seu desvelamento. Isso porque o

entendimento é que a realidade concreta é o pressuposto que determina a verdade da pesquisa.

É no confronto dos achados durante o percurso de análises e estudos sobre o

objeto, entendendo-o não como parte desmembrada e isolada do todo da sociedade, mas como

constitutivo direto dessa mesma realidade humana, que se vai conferir veracidade e

autenticidade as afirmações consolidadas pelo pesquisador, ou em outras palavras, é o

confronto do objeto com a realidade que vai validar a pesquisa, que vai lhe alçar de saber

cotidiano, limitado e fragmentado, a saber científico.

Buscando sempre não perder de vista as determinações do próprio objeto,

cercando-o teórica e concretamente, para que partindo das próprias determinações emanadas

de seu movimento, se possa perscrutar algo real. Isto é, com base na relação entre cinema,

educação e totalidade social, a representação teórica intelectual da pesquisadora possa

assimilar as manifestações efetivas da relação aqui investigada,

[...] um ponto de vista puramente metodológico, o imanentismo é uma exigência

inevitável do conhecimento científico e da conformação estética. Um complexo de

fenômenos não pode se considerar cientificamente conhecido senão quando aparece

totalmente conceituado a partir de suas propriedades imanentes, das legalidades

imanentes que operam nele. Na prática, como é natural, tal plenitude de concepções

é sempre somente relações estáticas e dinâmicas, etc., não permitem conceber como

forma, nem pensar que pode estar isento alguma vez de correções, limitações,

ampliações, etc. (LUKÁCS, 2017, p. 26).

Esse possível, não se aproxima da ideia de um conhecimento fragmentado e

subjetivo, e sim de um entendimento dialético das constantes mudanças históricas e sociais,

que interferem diretamente em qualquer complexo humano, fazendo com que sua

compreensão seja sempre aproximativa, mesmo levando em conta sua totalidade. Com efeito,

essa totalidade não é estática, e seu constante movimento carrega consigo a necessidade

científica de uma busca incessante pela totalidade de qualquer objeto de pesquisa. Logo,

30

[...] Somente é possível aproximar-se do objeto, paulatinamente, passo a passo,

contemplando-o em diversos contextos, de tal modo que a determinação inicial,

embora não se destrua – pois nesse caso seria falsa – vá se enriquecendo

constantemente e vá se aproximando à infinitude do objeto ao que se orienta: é por

assim dizer, um processo de astúcia. (LUKÀCS, 2017, p. 30).

Partindo desse sentido sempre aproximativo da realidade, iniciamos nosso

percurso de pesquisa primeiro estudando alguns intérpretes18

da estética marxista, tendo como

fundamentação teórica a Estética lukacsiana, para só posteriormente nos debruçarmos

diretamente na obra do próprio Lukács.

Nesse momento aproximativo do debate empreendido por Lukács (2013b) acerca

do cinema dentro da estética marxista, foi de extrema relevância podermos embasar nossa

investigação em estudos já consolidados e amadurecidos, explorados pelo grupo cearense

composto por professores e alunos da Universidade Estadual do Ceará (UECE), materializado

no Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação, Estética e Sociedade (GPTRESS)19

existente

desde 2006, e formalizado junto a plataforma Lattes do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 2010, em profícuo diálogo e trabalho

coletivo com a Universidade Federal do Ceará (UFC), concretizado na Linha de Pesquisa,

Educação, estética e sociedade, que em parcerias com outros grupos nacionais e

internacionais, vem há mais de uma década se debruçando sobre os estudos da estética

lukacsiana.

Fazendo surgir assim, inúmeros trabalhos e pesquisas tendo a estética e o

marxismo como base, consolidada em teses e dissertações, algumas delas citadas neste

trabalho e sem as quais esta pesquisa não teria sido possível de ser empreendida. Outros ainda

em fase de investigação e maturação teórica, que ainda assim, pelo caráter coletivo cultivado

pelo GPTRESS e pela de Linha de pesquisa, Educação, estética e sociedade, interferiram e

auxiliaram de forma direta e decisiva esse texto.

Ressaltamos, a importância do fortalecimento e consolidação de grupos de

estudos coletivos, em que se busca a maturação de uma investigação teórica junto a outros

18

Existem alguns livros que apoiam a leitura da Estética do Lukács, que pela sua densidade, podem ajudar

bastante na apreensão categorial basilar, das principais camadas abordadas nos quatro volumes em língua

espanhola da obra lukacsiana, aqui indicamos: TERTULIAN, Nicolas. Georg Lukács: etapas de seu

pensamento estético. São Paulo: UNESP, 2008; SANTOS, Deribaldo. Estética em Lukács: a criação de um

mundo pra chamar de seu. São Paulo: Instituto Lukács, 2018, e FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos

homens: o itinerário de Lukács. São Paulo: expressão popular, 2013. 19

Para acessar a história do surgimento e a consolidação do grupo nos estudos da estética lukacsiana, de forma

mais sistematizada e detalhada, ver: PAIVA, Augusto César Chagas; VIANA, Meire Nunes. A história do grupo

de Pesquisa Trabalho, Educação, Estética e Sociedade (GPTREES). In: SANTOS, José Deribaldo Gomes dos;

ARAÚJO, Adéle Cristina Braga; COSTA, Frederico Jorge Ferreira (Orgs.). Estética, cotidiano e formação

humana em Georg Lukács: um estudo sobre as questões preliminares e de princípio. Fortaleza: EdUECE,

2014. p.17-32.

31

pesquisadores, tornando o percurso da pesquisa menos solitário e mais rico de possibilidades

de captação da totalidade do objeto e com menos riscos de graves equívocos teóricos, visto a

coletividade possibilitar várias frações de abstrações razoáveis dentro do mesmo método de

pesquisa e ainda o debate do pesquisador com seus pares.

Acrescentamos por fim, a relevância do registro do pioneirismo desses estudos da

Estética de Lukács cultivados no Nordeste – de algum modo no Brasil – e as possibilidades de

diálogos e avanços coletivos nas áreas dos estudos marxistas sobre a arte, a educação e a

totalidade social em nível nacional e internacional.

Associada a participação nos grupos de pesquisas, e as leituras específicas da

teoria lukacsiana, fomos nos debruçando sobre livros e autores que tratam da história e teoria

do cinema enquanto arte. Gostaríamos ainda, de citarmos a leitura do livro do Sérgio Lessa O

revolucionário e o estudo: Por que não estudamos? Lançado pelo instituto Lukács no ano de

2014, e sua ajuda formidável para o entendimento de uma leitura, e um estudo imanente de

qualquer obra teórica. O livro auxilia iniciados nos pressupostos teóricos do marxismo, no

entendimento da criação do ambiente necessário para um estudo criterioso de pesquisa e para

leituras das obras, no intuito de não perdermos de vista a ideia do autor, nem cairmos no erro

de interpretações subjetivistas sobre elas.

Colada a essas leituras e estudos teóricos escritos, focamos também, por

necessidade imposta pelo nosso objeto, ampliar e qualificar nossa regularidade em ver

cinema, desde uma sistematização buscando ver obras completas em ordem cronológica de

cineastas, que entendemos que iriam nos ajudar no desvelamento das categorias de análise

específicas do filme, apresentados por Lukács, no capítulo da Estética (2013b) quantos idas

regulares as salas de exibição cinematográfica.

Citamos então os cinco diretores os quais estudamos sistematicamente suas obras,

como forma de confrontar as três categorias lukacsianas sobre a análise fílmica, (meio

homogêneo, objetividade indeterminada e atmosfera anímica), que serão essas categorias, o

centro do debate desse texto: Lars Von Trier, diretor dinamarquês; a obra dos dois irmãos

belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne; Terrence Malick, diretor americano; e por fim, também

por uma aproximação bastante pessoal, o diretor filipino, Brillante Mendoza.

A escolha desses cinco diretores, se deu logo quando mudamos o projeto de

pesquisa, em novembro de 2017. Inicialmente foi feito um recorte no sentido de ter na obra

fílmica um suporte de entendimento concreto das categorias lukacsianas. O intuito era partir

da categoria teórica de Lukács e carear com os filmes dos diretores, a fim de uma

compreensão sistematizada e concreta das categorias como forma de melhorar nossa

32

assimilação teórica e ainda auxiliar em quais conjuntos categoriais seriam de maior relevância

para serem debatidos neste trabalho.

Iniciamos com a categoria do realismo, e para o estudo dela se pautou a escolha

do confronto entre a apreensão estética feita por Lars Von Trier e a filmografia do Filipino

Brillante Mendoza. No segundo momento, para entendermos a relação entre som e imagem e

a preponderância ontológica da imagem, recorremos à obra dos irmãos Luc e Jean-Pierre

Dardenne. E por fim, imaginamos analisar os impactos da grande indústria hollywoodiana e

os limites impostos na realização de filmes carregados de autenticidade e as brechas

humanizadoras passiveis de existir no capitalismo, para isso o foco seria o Diretor americano

Terrence Malick.

Com o avançar da investigação, o estudo sistemático do capitulo da Estética de

Lukács (2013b) e principalmente com a leitura da obra de Aristóteles (2011) Poética, o objeto

foi exigindo e delimitando as categorias essenciais para serem estudadas em primeiro

momento investigativo e dentro do prazo de um mestrado, sendo elas: meio homogêneo,

objetividade indeterminada e atmosfera anímica. Desviando assim, do percurso inicial que

havíamos proposto.

Como nosso intuito em assistir ordenadamente as obras fílmicas dos citados

diretores, em nenhum momento era analisar as obras, e sim, ter apoio concreto na abstração

teórica das categorias apresentadas por Lukács (2013b), ao delimitarmos as três categorias

citadas acima, como foco de nossa apreciação, as referidas filmografias foram de imenso

apoio e suporte concreto de assimilação categorial da análise lukacsiana do filme.

O trabalho do diretor Terrence Malick, por exemplo, se mostrou uma rica

concreção das categorias de objetividade indeterminada, e os casos de hiperdeterminação e

hiperindeterminação, visto o cineasta explorar imensamente os fluxos de consciência em seus

filmes. Ou ainda, os filmes do Brillante Mendoza com suas características documentais, sua

busca em captar o cotidiano em sua alienação e negação da humanidade, foi preponderante

para o entendimento da categoria da atmosfera anímica.

As obras desses cinco diretores, apesar de não serem objetos de análise direta

deste trabalho, foram de extrema importância para entendimento categorial da apreciação

empreendida por Lukács (2013b) sobre o cinema. Termos assistido, metodicamente e em

ordem cronológica, a obra desses diretores auxiliou de forma indispensável à compreensão

analítica das categorias que iremos utilizar para síntese da linguagem cinematográfica dos

filmes em geral.

33

A seção base dessa pesquisa e também a mais complexa de ser elaborada por nós,

foi precisamente a seção quatro, da análise lukacsiana do filme. Pois foi a partir dela e da

delimitação das categorias de análise fílmicas: meio homogêneo, objetividade indeterminada e

atmosfera anímica20

, que se desdobrou para nós o início e o fim desta exposição.

Tendo no primeiro momento deste texto a exposição necessária de relação

ontológica entre os complexos da educação-escola e arte-cinema, como base do debate de

suas especificidades e imbricamentos, mas não identidade. Para no final depois da

apresentação da singularidade da linguagem cinematográfica advogar por um ensino

sistematizado dessa linguagem própria do cinema, e não apenas na sua utilização como

ferramenta pedagógica para auxiliar na apropriação de conteúdos escolares.

A publicação sobre o filme empreendida por Lukács, data de 196321

, e já tivemos

inúmeros avanços técnicos e tecnológicos com relação ao fazer cinema22

e que interfere

diretamente na linguagem cinematográfica. No entanto, acreditamos que essas categorias

abordadas por ele e debatidas por nós neste texto, continuam de extrema relevância para

compreender a especificidade do cinema enquanto linguagem da arte, visto se referirem à

totalidade da obra e não exatamente aos meios empreendidos para sua construção.

Temos, é claro, obras de extrema relevância em torno do estudo do cinema

enquanto linguagem estética, citamos aqui apenas a título de exemplificação algumas das que

tivemos acesso: Ensaio sobre análise fílmica, de Francis Vanoye e Anne Goliot-Leté (2012),

A significação no cinema, de Christian Metz (2014), A estética do filme, de Jacques Aumont,

Alain Bergala, Michel Marie e Marc Vernet (1995), A linguagem secreta do cinema, de Jean-

Claude Carrière (2014) e A linguagem cinematográfica de Marcel Martin (2011).

Todas essas obras em maior ou menor escala trazem a discussão do cinema

enquanto linguagem estética com significações próprias e únicas, passando pelas construções

imagéticas que o filme carrega: enquadramentos, ângulos, cortes, montagem etc.; e seriam um

bom suporte teórico para o estudo da relação cinema e escola, visto a escola de acordo com o

entendimento deste trabalho, ser espaço de construção de saberes sistematizados, que vão

além da reprodução dos saberes cotidianos, ampliando-os e em inúmeras vezes modificando-

os.

20

A escolha dessas categorias, se deu com base num diálogo direto, que enxergamos, entre as categorias: meio,

objeto e modo, utilizadas como método de análise da tragédia desenvolvidas por Aristóteles (2011) na sua

“Poética”. Ao logo da seção 4, esperamos deixar esse fato claro. 21

Reforçamos que neste texto estamos trabalhando com tradução para língua portuguesa feita pela professora

Lívia Cotrim, da publicação alemã desse capitulo da Estética de Lukács. 22

Pensemos por exemplo os filmes em 3D, a utilização da robótica em algumas obras cinematográficas, a

utilização da informática nas construções de efeitos especiais e em filmes de animação, ou mesmo o próprio

acesso em plataformas de exibição de filmes on-line como a Netflix, por exemplo.

34

No entanto, optamos por debatermos com Lukács (2013b) e as categorias

apresentadas por ele na sua Estética (1966), (1982), que consideramos centrais para percepção

e consolidação da especificidade e o potencial educativo do cinema, por algumas questões que

julgamos proeminentes.

A primeira delas, é o caráter extremamente atual e relevante da discussão

levantada por Lukács em 1963; a segunda, é que Lukács além de consolidar uma análise

marxista do cinema, resgata e faz emergir um marxismo ontológico, assentado na ontologia

do ser social, colaborando diretamente para uma leitura mais radical e clara do próprio Marx e

consequentemente de estudos estéticos marxistas; a terceira, é a escassez de trabalhos que

tenham como foco categoriais de análises gerais fílmicas que não se debrucem em analisar

filmes específicos, como é o que pretende esta dissertação; a quarta e última, é o

entendimento ontológico das especificidades de arte e educação23

, que reverberam

diretamente no entrosamento de cinema e escola, mas que não os confundem como iguais,

possibilitando assim, um debate sobre a utilização do cinema na escola concomitante a sua

utilização pedagógica, permitindo pensar o filme em si mesmo como suporte educativo e

humanizador, e que pode ser utilizado para espaços extraescolares, como formação de

cineclubes em sindicatos, associações de bairros, espaços na própria escola, mas que não se

configurem na utilização do cinema como ferramenta de mediação pedagógica de conteúdos

escolares na sala de aula propriamente e tendo como foco o próprio cinema.

Ressaltamos ainda que a pesquisa que por ora se concretiza neste texto, nasce

também de nosso amor pelo cinema, de nossa perspectiva teórica e vivencial que entende a

potência das experiências estéticas como catalizadoras de humanidade, e ainda do afeto pelas

pessoas que nos apresentaram a sétima arte, e que permitiram, a partir disso, nosso

melhoramento enquanto gente.

Aqui citamos os amigos extremamente queridos Ythallo Rodriguês, Harlon

Lacerda, Daniel Batata, e também, o Glauco Vieira, que possibilitaram as primeiras

experiências no fazer cinema, com o projeto Coração-travessia, trabalho de 2013/201424

23

Um rico debate da relação arte e educação, com bases assentadas no marxismo, se encontra em: SANTOS,

Deribaldo. Educação estética: algumas considerações críticas sobre arte-educação. In: Gesto&Debate. Mato

Grosso do Sul, RS: UFMS, 2018. Vol 15, Nº 1. ISSN 2595-3109. Disponível em: https://cdn-cms.f-

static.com/uploads/1154357/normal_5c0e90d654180.pdf. Acesso em: 11/02/2019. 24

Coração-travessia se constituiu em projeto de filmagem de dois filmes, um de ficção contando a história da

viagem de quatro amigos, Carlos, João, Hilda e Manoel, e de um documentário registrando os saraus poéticos

que seriam realizados ao longo da viagem. A empreitada durou vinte e quatro dias, em viagem de carro em que

estávamos eu, Daniel Batata, Harlon Lacerda e Ythallo Rodrigues. Saímos de Juazeiro do norte-CE seguindo o

seguinte percurso: João Pessoa-PB, Penedo-AL, Cachoeira-BA, Porto Seguro-BA, Vitória-ES, Rio de Janeiro-

RJ, Ouro Preto-MG, Belo Horizonte-MG, Codisburgo-MG, Brasília-DF, Barreiras-BA, São Raimundo Nonato-

35

ainda não finalizado e com o noite Azul25

, curta realizado em 2016 no Festival de cinema de

Triunfo, em Pernambuco; Elvis Pinheiro, amigo e educador/mediador de cinema na região do

Cariri, responsável quase que em totalidade pela formação, paixão e relação intelectual com a

sétima arte não apenas da autora deste texto, mas de inúmeros caririenses, e por fim, o grupo

de estudos Sétima de cinema, coordenado também por Elvis, do qual somos membro desde

seu surgimento em maio de 2012, que nos aguçou e continua a nos projetar uma formação

estética dos sentidos, qualificando assim nossa maneira de ver cinema, ver o mundo e também

se perceber nesse mesmo mundo.

Mesmo, partindo da complexidade que é trabalhar com base, na ontologia

marxiana de pesquisa26

, por partir das contribuições de Marx e Lukács, para um entendimento

completamente novo de ontologia, denominada por Lukács (2010a) como ontologia do ser

social que entende o trabalho como elemento imprescindível para o estudo da realidade

humana, fizemos sua escolha de forma consciente e comprometida, com seu caráter inovador

e revolucionário, entendendo-o muito além de um paradigma científico.

E ainda, como já ressaltado aqui, por vermos nele a possibilidade, mesmo que de

forma limitada e determinada, como tudo que se constitui na sociedade do capital, de nos

colocarmos ao lado da construção do saber voltado para a classe trabalhadora e da perspectiva

de revolução social, por meio da contradição imposta pelo metabolismo próprio desse

sistema.

Assim, esta pesquisa é um trabalho teórico, com bases no procedimento

metodológico da pesquisa bibliográfica e documental, tendo como método, a ontologia

marxiana.

Com a questão do método e do percurso da pesquisa aclarados, avançamos no

entendimento ontológico do cinema e da escola e suas respectivas relações com a arte e a

educação, para embasarmos nossa crítica pautada na ontologia marxiana da realidade. A fim

de partindo da premissa ontológica do trabalho como complexo fundante de todos os outros

complexos sociais humanos, termos uma visão mais concreta da totalidade de nossa

problemática.

PI, retorno a Juazeiro do Norte-CE. Na época, foi feito um diário de bordo que se encontra on-line, no seguinte

endereço eletrônico: http://diariodebordocoracao-travessia.blogspot.com/ 25

Já o Noite azul, foi feito parte também em percurso de viagem de carro, saindo de Juazeiro do Norte-CE até a

chegada da cidade de Triunfo-PE, e parte durante a estadia e participação no festival de cinema da cidade. Com

roteiro e direção de Ythallo Rodrigues e Glauco Vieira, e comigo atuando como a personagem principal, Amora.

O curta ainda não está disponibilizado, visto está inscrito para participação de alguns festivais de cinema, dentre

eles, o próprio festival de cinema de Trinfo-PE. 26

Ver: NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: expressão popular, 2011.

TONET, Ivo. Método científico: uma abordagem ontológica. Maceió: Coletivo Veredas, 2016.

36

3 REVISÃO DE LITERATURA

3.1 DO CINEMATÓGRAFO À PELÍCULA

“Filmes que são entretenimento dão respostas

simples, mas acho que isso é, em última

análise, mais cínico, já que nega ao espectador

espaço para pensar. É dever da arte fazer

perguntas, não fornecer respostas”.

Michael Raneke

Há inúmeras controvérsias e divergências quanto ao surgimento do cinema, isso

pensando esse surgimento, enquanto marco histórico datado e não como fenômeno histórico e

complexo que passa por evoluções e transformações até os dias atuais. Mundialmente é

recorrente a utilização da data de 1895, momento em que os irmãos Lumière exibem seus

primeiros filmes no grand café do Boulevard des capucines em París27

e o lançamento do

filme O nascimento de uma nação em 1915 com direção de D. W Griffith, como o início de

sua consolidação enquanto linguagem estética específica, consequentemente, de seu

fortalecimento enquanto arte autêntica.

Outras linhas de análises mais recentes, dividem o cinema em séries díspares,

cinema de atrações e cinema narrativo, passando por um cinema de domesticação, que teriam

datas e marcos de surgimento diferentes28

; há ainda os que colocam que o surgimento do

cinema, visto ele ser resultado de inúmeros avanços e conquistas científicas da humanidade,

está atrelado há inúmeros outros avanços científicos proporcionado pelo advento da sociedade

capitalista29

.

Como não é objetivo desse trabalho se debruçar sobre essa análise, nem a mesma

interfere de forma direta e/ou decisiva sobre nosso objeto, adotaremos essas duas datas, 1895

e 1915, apenas como forma de nos situarmos no tempo/espaço do debate sobre cinema e suas

interfaces e relações com a totalidade social.

Ressaltamos, que nos aproximamos da análise do George Sadoul (1983), no seu já

citado livro História do cinema mundial. v. 1, que aponta no século dezessete e início do

século dezoito o surgimento de inúmeros inventos que já buscavam o milagre da imagem em

27

Para maior aprofundamento ver: BERNARDET, Jena-Claude. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 2006. 28

Teoria defendida por Flávia Cesarino Costa, no seu livro, O primeiro cinema: espetáculo, narração,

domesticação. 2. ed. Rio de Janeiro: Azougue editorial, 2005. 29

XAVIER, Ismail (org). O cinema no século. Rio de Janeiro: Imago ed, 1996.

37

movimento e que são essas pesquisas e tentativas, importantíssimas para o surgimento de

aparelhos como o cinematógrafo dos Lumière, no final do século dezoito, que possibilitou

oficialmente a exibição coletiva de imagens em movimento, e que ao pensar a história do

cinema é preciso pensar em todo esse processo de transformação tecnológica e não apenas

numa data estanque.

Independente dessas divergências históricas, é convergente também, que o cinema

nasce muito mais como inovação tecnológica do que como arte propriamente consolidada,

como foi o caso das outras artes, o teatro, por exemplo.

O cinema por sua vez, surge atrelado às diversas invenções e descobertas

científicas do século XVIII-XIX. Lembremos que Thomas Edison, responsável pela luz

elétrica é o dono do laboratório em que o engenheiro L. Dickson cria o cinestócopio, umas

das primeiras máquinas capazes de criar e projetar pequenos filmes. Assim, a sétima arte

depende diretamente dos avanços na técnica pra existir30

e essa sua ligação com a ciência,

interfere de forma decisiva na sua constituição enquanto arte.

[...] De início o cinema foi exclusivamente uma técnica: a técnica do registro das

imagens em movimento. Isso se deu em 1985, na França, quando os irmãos Lumiére

apresentaram o seu aparelho a que denominaram “cinematógrafo”. Esse aparelho era

o término de uma série infindável de experiências realizadas pelo homem visando

captar as formas nos seus movimentos naturais. Desde as sombras chinesas,

passando pela lanterna mágica do século XVII e pelos aparatos da física prática e da

física recreativa, vinha o homem se empenhando no esforço de captar os meios

técnicos de representação do movimento. Poderíamos ir mais longe e descobrir as

primeiras manifestações dessa obsessão nos desenhos das cavernas e, que figuras e

bichos aparecem, mas várias faces de movimentos e depois nos frisos em série dos

monumentos e túmulos da antiguidade. O touro das cavernas de Altamira é,

também, um antepassado do cinema, pois o homem não se apaziguou na fixação

estática do movimento (SALLES, 2011, p. 112-113).

Os primeiros filmes apesar das limitações impostas pela técnica e pelos aparelhos

utilizados para filmagem já continham, (aqui parafraseando o Lúkacs (1966), quando o

mesmo fala da arte em geral e não numa linguagem específica) o germe da linguagem

cinematográfica. Eram cinema, ao mesmo tempo que não eram.

Num curto espaço de tempo, a burguesia percebe as possibilidades lucrativas que

o cinema pode proporcionar e passa-se de exibições individuais para exibições coletivas.

30

Técnica aqui, como aparelhos e avanços na modernização desses aparelhos, e não como técnica

especificamente ligada a criação do objeto artístico. Como já alertou Lukács (1971, p. 4) “Se debe distinguir

entre la renovación técnica y su tradución en términos artísticos”. (Se deve distinguir entre a renovação técnica e

sua tradução em termos artísticos, tradução da professora Neucilane Silveira, assim como todas as demais

traduções em espanhol presentes nessa dissertação). Van Gogh por exemplo, inova na forma de pinceladas nos

seus quadros e não nos pinceis que usa para pintar. Transforma assim a técnica da pintura, não os meios técnicos

que usa para pintar. Para maior aprofundamento nesse debate entre técnica e tecnologia: VIEIRA PINTO,

Álvaro. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: contraponto, 2005. v. 1.

38

Surgem assim, os famosos nickelodeons, em que eram vendidos ingressos por um nickel, para

exibição de sequência de filmes curtos, em torno de dois minutos cada.

Esses espaços, funcionavam em feiras, parques de diversões, circos, então de

busca científicas individualizadas, o cinema torna-se entretenimento coletivo, no meio de

tantos outros voltados para a classe trabalhadora, que impossibilitada pela escassez ou a

contradição de uma formação dos sentidos material e intelectual, de vivenciar catarses

estéticas genuínas, momentos de efetiva humanização e distanciamento do cotidiano alienado,

que só uma obra de arte autêntica pode proporcionar, eram obrigados a se contentar com o

entretenimento, que fica no raso de mexer com nossas emoções e sentimentos, no intuito de

nos poupar energia, enquanto a arte autêntica, por meio da catarse e o processo de

humanização que dispara em nós, nos toma mais energia do que nos dá, e mais que nos

emocionar, provoca em nós, uma proximidade com todo o gênero humano (VIGOTSKI,

2001).

Mas lá, mesmo lá, onde o cinema se coloca como limitado, meramente como

entretenimento, existem os que, como disse Bazin (2014) “foram possuídos pelas imagens” e

buscaram mais que entreter ou avançar na ciência, viram na nova forma de contar histórias

para além do que ela se mostrava, viram arte,

De início, a produção de filmes é obra de técnicos com interesses

preponderantemente comerciais. Um ou outro entre os ancestrais do cinema é

cientista, interessado em criar um novo instrumento de pesquisa cientifica, e há

mesmo, entre os inspiradores mais remotos, de quando e vez, um artista, desejoso de

ganhar dinheiro por meio de espetáculos de valor estético (ROSENFELD, 2009, p.

51).

É em 1915, como já citado aqui, com o nascimento de uma nação31

, que se

convencionou pensar o surgimento do cinema enquanto linguagem. É com esse filme que

temos as principais características apontadas para que a captação de imagens seja considerada

linguagem estética: cortes, montagem, história, construção narrativa etc.

É também a partir dele que começa a se complexificar as análises e feituras

fílmicas. Já não basta captar a imagem e fazê-la movimentar-se de forma realista, é preciso

que essas imagens contem uma história, tenham finalidades narrativas, manipulem o tempo e

o espaço e dê a quem as assiste a sensação de não estar no mesmo cotidiano desgastado e

corriqueiro.

31

Endossamos as críticas, posteriores feitas a obra, principalmente as que se referem a seu conteúdo racista e

xenófobo, no entanto, a análise aqui se centra em seu pioneirismo enquanto construção da linguagem narrativa

no cinema.

39

Um pouco mais adiante e com o advento do filme sonoro surgido na segunda

metade do século XX, começa-se a perceber as diversas potencialidades educativas e

pedagógicas do cinema, que extrapolam o puro entretenimento ou o deleite estético. A

Alemanha é bastante conhecida pelo uso do audiovisual durante a segunda guerra mundial

como forma de formação ideológica em massa. Posteriormente, Stalin segue o mesmo

caminho na perspectiva de utilizar o cinema como ferramenta ideológica32

e de repressão

social.

E porque a escolha do cinema para essa função de alienação social? Por seu

caráter de realidade, o filme possibilita um diálogo mais direto entre o espectador a obra e o

cotidiano, conferindo assim, maior veracidade ao que está sendo narrado. O cinema dentre as

linguagens estéticas da arte, é a que consegue carregar uma maior veracidade, pois transpõe

em imagens histórias cotidianas, possibilitando assim, repasse de ideologias dominantes de

forma mais imediata. Como nos comprova Bernardet (2006, p. 16),

[...] Uma arte que se apoiava na máquina, uma das musas da burguesia. Juntava-se a

técnica e a arte para realizar o sonho de reproduzir a realidade. Era fundamental ser

uma arte baseada numa máquina, baseada num processo químico que permite

imprimir uma imagem numa película sensível, tornar visível essa imagem graças a

produtos químicos, projetar essa imagem com outra máquina, e isso para uma

grande quantidade de pessoas. Essa complexa tralha mecânica e química permitiu

afirmar outra ilusão: uma arte objetiva, neutra, na qual o homem não interfere. Um

poema, sabe-se que foi escrito por alguém; uma música, composta e tocada por

alguém. Até uma paisagem ou retrato, por mais “fiel” que seja ao modelo, tem a

interferência da mão do pintor que coloca seus gostos, sua preferência por certas

cores, usa simpatia ou antipatia pela pessoa que ele pinta. Agora, o “olho mecânico”,

como alguns chamaram o cinema, ele não. Ele não sofre a intervenção da mão do

pintor ou da palavra do poeta. A mecânica elimina a intervenção e assegura a

objetividade. Portanto sem intervenção, sem deformações, o cinema coloca na tela

pedaços de realidade, coloca na tela a própria realidade.

Além dessa falsa neutralidade advogada nos primeiros tempos do cinema, existia

ainda a facilidade de acesso e ainda o alcance em larga escala da obra. Pensemos por

exemplo, que para fruição da literatura, é necessário saber ler ou ter alguém que faça a leitura

do texto, o que já interfere na apreciação da obra. No cinema, a interferência se dá,

primeiramente, pelo aparelho de projeção da película.

32

A partir dos fundamentos teóricos de Marx, existem compreensões distintas sobre a categoria ideologia. Como

este não é nosso objetivo de pesquisa, destacamos, resumidamente, duas das mais importantes: de um lado a

compreensão de ideologia como falsa consciência, partindo, “de algumas citações da Ideologia alemã, o

fenômeno ideológico é comparado uma câmara escura que inverte o real, de forma a mascarar as contradições

entre os homens e legitimar relações de dominação e exploração” (LESSA, 2016, p. 51); por outro lado, com

base na Ontologia de Lukács, temos a defesa da ideologia enquanto fundamento do pensamento humano, “para

Lukács, a ideologia é uma forma específica de responder às demandas e aos dilemas colocados pelo

desenvolvimento da sociabilidade” (LESSA, 2016, p, 55).

40

A representação do real pelo cinema, se constitui como caráter inequívoco por

diversas questões, entre elas temos, primeiro, a quase não intervenção humana na apreciação

estética do filme, na hora da exibição fílmica, nossa relação de vivência estética no cinema é

diretamente mediada por uma máquina. Segundo, temos a captação da imagem em

movimento, que se debruça a nossa frente, são imagens que aparecem a primeiro momento

captadas da realidade, por maior fantasia que esteja no filme, ela de alguma forma precisou

existir para se concretizar na tela. E em terceiro, a aproximação das imagens expostas na obra,

ao olho humano. O movimento cinematográfico capta a realidade transposta na tela muito

próximo a como nosso olho capta as imagens cotidianas.

No cinema, os recursos necessários para vivência da obra, em primeira instância,

deixemos isso claro, são de cunho tecnológico; projetores, aparelho de som, espaço físico etc.

a relação do espectador não passa diretamente por outra pessoa.

A possibilidade de o filme estar sendo apresentado em diversos lugares ao mesmo

tempo e atingir um número considerável de pessoas diferentes é algo extremante novo e

lucrativo. Mesmo no teatro, em que se atinge um número grande de pessoas

concomitantemente, é preciso a atuação dos mesmos atores no espetáculo, necessitando de

apresentações em várias sessões e diminuindo assim seu poder de alcance. No cinema, pode

se exibir o mesmo filme simultaneamente em vários países, sem comprometer a integridade

da obra, e isso confere ao cinema um alcance ideológico sem precedentes e o faz forte arma

de alienação burguesa.

Ele carrega ainda, por conta das imagens em movimento, a potencialidade de

aproximação com o cotidiano sem que necessariamente esse cotidiano seja questionado. Essa

relação tão direta e necessária com a indústria que ele mantém, é o que lhe possibilita chegar

tão próximo às classes populares, mas é também o que enfraquece sua constituição como arte,

pois lhe retira quase sempre, a função social que deveria exercer: aproximar o indivíduo de

sua generidade humana forjando sua autoconsciência.

Cumprindo sua função enquanto arte ou entretenimento, o cinema educa. Educa

para elevação humano genérica ou para reprodução social. Não podemos perder isso do nosso

horizonte analítico: como arte, ou como entretenimento, ao ver um filme o espectador é

levado a vivenciar emoções que formam seus sentidos e sua percepção de mundo.

41

3.2 EDUCAÇÃO, CINEMA E EMANCIPAÇÃO HUMANA: ELEMENTOS PARA UM

DEBATE ONTO-MATERIALISTA

“Um Cinema que „Educa‟ é um Cinema que

(nos) faz Pensar”.

Ismail Xavier

Para pensarmos na relação cinema e educação de forma precisa é necessário

demarcar de que tipo de educação estamos falando e por que essa relação se faz importante de

ser pensada. Isso porque, é possível analisar o cinema e sua relação com a educação latto, no

aspecto formativo que toda linguagem da arte carrega, que é a formação estética dos sentidos

humanos, a possibilidade de contribuição da formação humana.

E também é possível pensá-lo nos seu caráter mais formal por assim dizer, de

vínculos pedagógicos com a escola, instituição formal da educação stricto, nesse último

aspecto, pode-se colocar desde a exibição de filmes em sala de aula como forma de abordar

determinado tema ou conteúdo científico, até a feitura de filmes que tem como finalidade esse

eixo, digamos mais pedagógico, que nascem com o intuito de facilitar a absorção de

determinado assunto.

No primeiro caso, apontado aqui, o cinema cumpre o que toda arte autêntica

possibilita, segundo alguns teóricos marxistas, como Lukács (2011), Vigotski (2001), (2010)

deve formar os sentidos, nos elevar do cotidiano alienado e distorcido pelo capital e nos alçar

a condição de humanidade. Nos aproximando assim de toda a generidade humana e

humanizando nossos sentidos, como já apontado pelo próprio Marx (2010, p. 109),

Compreende-se que o olho humano frui de forma diversa da que o olho rude, não

humano [frui]; o ouvido humano diferentemente da do ouvido rude etc.

Nós vimos. O homem só não perde em seu objeto se este lhe vem a ser como objeto

humano ou homem objetivo. Isto só é possível na medida em que ele vem a ser

objeto social para ele, em que ele próprio se torna ser social (gesellschaftliches

Wesen), assim como a sociedade se torna ser (Wesen) para ele neste objeto. (grifos

do autor).

E o cinema, quando atinge a forma de arte autêntica educa, dentre outros, os

nossos sentidos visual-auditivo, amplia nossa percepção de realidade, nos possibilita avanços

na consciência individual e genérica, refigura o real, ampliando nossa percepção desse mesmo

real e também a de nós mesmos.

No segundo caso, por nós aqui apontado, que é a utilização do cinema com

vínculo pedagógico escolar, é possível que se consiga formar os sentidos e assim, nos

aproximar de uma maior humanidade individual e coletiva, mas correm-se mais riscos, de

42

apenas reproduzir a sociedade tal qual está, alienada, fragmentada e em crise. Reforçar

ideologias do capital e contribuir com sua manutenção no lugar de avançar rumo à revolução

social, que nós, enquanto marxistas, almejamos e lutamos para que se concretize.

Ao se debruçar na utilização do cinema como ferramenta, para se atingir aspectos

pedagógicos, secundariza-se sua função social enquanto arte, que é, colocado aqui de forma

sintetizada e restrita: como a possibilidade de aproximar o indivíduo de sua generidade

humana, elevando-o do cotidiano alienado e fazendo repensar e transformar, ainda que de

forma não imediata esse mesmo cotidiano. E assim, pode-se diminuir a função social do

cinema enquanto linguagem da arte.

É muito comum, que sejam exibidos filmes em sala de aula, como forma de

facilitar a abordagem de determinado conteúdo, como ilustração concreta do assunto a ser

debatido e exposto em sala, e não pelas suas capacidades singulares do próprio filme de

elevação do cotidiano fragmentado.

Não estamos com isso, colocando como errôneo e que por isso deva ser abolido a

utilização do recurso cinematográfico em sala. Exibir um filme pode ser extremamente rico e

uma experiência singular na vida educacional dos alunos (quem não guarda na memória

algum filme seguido de debate ocorrido em sua vida escolar?), estamos analisando e

pontuando aspectos críticos e limitados de como isso é feito. E também a necessidade de,

atrelado a isso, ocorrer na escola, espaços múltiplos que garantam abordagem do cinema

como linguagem estética própria, rica de significações e especificidades.

Estamos destacando o esvaziamento de seu sentido estético, quando de sua

completa vinculação a fala e ao sistema de ideias do professor, que faz a mediação dos

aspectos temáticos do filme, ou mesmo de conteúdo científico a ser trabalhado em sala, em

que o filme serve de mediação para sua captação, deixando em segundo plano, por vezes, as

propriedades do cinema como linguagem da arte. O foco acaba sendo mais na temática que o

professor quer e precisa trabalhar em sala, do que a análise do filme em si, o que configura

esvaziamento, como já supracitado, de sua da função social enquanto arte.

Usar um poema para explicar e facilitar a aprendizagem da gramática normativa,

pode ser uma mediação riquíssima e facilitadora das regras da língua portuguesa. A escola só

não pode deixar de trabalhar o poema por ele mesmo, analisar seu conteúdo sem desvincular

de sua forma. Debater o poema por ele mesmo, é papel imprescindível da educação

sistematizada, da mesma configuração deve ser com o cinema. Ele deve ter espaço de

aprendizagem de sua linguagem própria na escola.

43

Um bom exemplo desse fato, são os filmes que tratam da questão de professores

em salas de aulas: tais como: O triunfo (2006), O sorriso de Monalisa (2003), Escritores de

liberdade (2007), dentre outros, se analisados inclusos na perspectiva meramente ideológica

do professor, pode-se pensar a função do educador vinculada ao sacrifício individual e sua

vinculação com o amor a profissão, negligenciando seus aspectos inerentemente políticos e

sociais, as limitações impostas pelo capital a esses profissionais e a reprodução da sociedade

como forma de adequação dos educandos.

Se no entanto, se foca na análise do filme enquanto linguagem própria, envolta de

sentidos e especificidades, esse risco é diminuído, porque a análise da obra em si, vai mostrar

clichés cinematográficos comuns, o distanciamento dessas obras de uma realidade fílmica

coerente e embasada, falhas na verossimilhança, entre tantas outras coisas possíveis de serem

analisadas com base na própria obra, e assim chegar ao debate político e temático do filme, e

então tecer algumas conclusões acerca da obra.

Aqui não estamos advogando uma neutralidade impossível do espectador e do

mediador, de alunos e professores, mas sim, que a centralidade da obra seja o guia para o

trabalho com o filme e que isso não seja secundarizado em prol de uma pretensa visão

individual de mundo. E para que isso aconteça é preciso estudar o cinema e suas

especificações estéticas.

Essa “subutilização” do cinema, tem fortes vínculos com a própria forma do

cinema demarcar seu espaço na sociedade. Apesar de sua consolidação enquanto arte

autêntica já ter se efetivado há tempos, como ele foi uma linguagem nascida e fortemente

apropriada pela burguesia, como dependente direto da tecnologia para existir, são muito mais

abrangentes filmes voltados meramente para o entretenimento do espectador do que filmes

que busquem efetivamente dialogar com o real e a generidade humana. E assim o cinema se

torna cada vez mais vulgarizado como entretenimento do que como arte autêntica.

No cinema, as ilhas apontadas por Lukács (2013b) que buscam enfrentar o capital

e seu mercado esmagador, são extremamente difíceis de surgir e de resistir, frente aos

números elevados em termos financeiros de que um filme precisa para ser feito, distribuído,

exibido, ser comercializado e ter alcance social. Bernardet (2006, p. 62), debate essa

característica fortemente mercadológica presente na linguagem cinematográfica,

Antes de se tornar objeto de fruição (o espectador vendo o filme), o filme tem de

percorrer todo o trajeto de mercadoria que deverá ter características que assegurem a

série de operações necessárias até a compra do ingresso que possibilita o lucro.

Lembremos que o cinema é uma mercadoria abstrata e por isso a compra do ingresso

é sempre uma aposta no escuro. Quando compramos sapatos, podemos testá-los

44

antes, verificar se a cor nos agrada, se está bem feito, experimentá-lo para saber se

convém ao pé. Nada disso é viável com um filme, pois testar sua qualidade, testar a

possiblidade que ele tem de nos agradar, já seria desfruta-lo. Nisso, o filme é como

um fósforo: testá-lo já é usá-lo.

Nesse sentido, é coerente que ele seja tantas vezes utilizado como ferramenta

facilitadora para algo e não como linguagem em si mesma, singular e complexa, capaz de

suscitar avanços em torno da autoconsciência coletiva e formar os sentidos, humanizando-os.

Ressaltamos que não estamos defendendo que apenas especialistas possam

apreender o filme na sua autenticidade, como se a linguagem cinematográfica só pudesse ser

traduzida por quem entende seus códigos singulares. O que queremos enfatizar, é a ideia de

que o filme já carrega em si possibilidades transformadoras e que mais que a preocupação

com a temática e suas relações com os diversos aspectos sociais, o caminho é analisar a obra

em si, como forma de dizer algo. O próprio filme deve ser ponto de partida para se chegar ao

tema e não o contrário.

Há diferenças na projeção do filme em tela grande próprias às salas de cinema e a

tela da televisão utilizada em sala de aula. Toda a técnica utilizada pelo realizador:

enquadramento das imagens, planos, cor, textura, a captação do som, entre tantas outras

coisas que compõem o filme enquanto arte, foi feito e pensado para ser exibido em

determinada tecnologia, sendo assim, é necessário ter presente a noção que a utilização do

filme em sala de aula já empobrece a recepção, a vivência estética. Ficando aqui ainda mais

evidente a dependência do cinema frente à tecnologia.

A exibição do filme na televisão, data show ou computador é uma reprodução

empobrecida da obra, tal qual a reprodução de obras de pintura ou escultura em livros

escolares. Com a especificidade que no cinema, diferente da pintura e escultura, a obra só se

completa na sua exibição.

Destacamos isso e reafirmamos mais uma vez, a especificidade do cinema como

linguagem própria e única da arte, não com o intuito de preciosismo, mais como forma de

termos clareza de suas peculiaridades enquanto linguagem e dentro disso, termos lucidez de

seus limites e possibilidades quando de sua utilização no intuito de contribuição pedagógica

com a escola.

Então que fazemos? Paramos de exibir filmes em sala de aula? Cessamos de

utilizar filmes como contribuidores e mediadores pedagógico? Talvez essa não seja realmente

a pergunta a ser feita. Quiçá, seja mais rico nos perguntarmos quais potenciais educativos

efetivos o cinema carrega em si? Quais as dificuldades para que eles sejam explorados na

escola? Quais brechas de emancipação são passíveis de existir nesse espaço de educação

45

formal? Perceber esses limites impostos pode nos ajudar a termos maior aproveitamento de

seus recursos formativos na sala de aula dentro da atual conjuntura.

Isso nos leva a refletir as especificidades da educação sistematizada e da formação

dos sentidos através da arte. Arte e educação são complexos diferentes que por vezes se

imbricam, dialogam e interferem mutuamente um no outro, mas são diferentes, autônomos

entre si e carregam demandas e funções próprias dentro da sociedade a qual estejam inseridos.

Assim sendo, é preciso pensar a arte na escola, como um complexo social com

características específicas e que precisa de meios próprios a serem assimilados. É preciso

formar os sentidos, humanizá-los, é preciso educar o corpo para experiência formadora do

cinema enquanto arte. Isso nos leva as questões do próximo tópico: é possível para a escola,

neste momento do sistema do capital, completar essa tarefa, da formação dos sentidos? Se

sim, como? Se não, quais seriam possíveis formas de resistência e quais possibilidades

concretas a escola possui para colocá-las em prática?

3.3 RELAÇÃO ONTOLÓGICA ENTRE COMPLEXOS

“É verdade que prestamos atenção ao que as

histórias podem dizer, sobre as relações sociais

nos países ocidentais. Mas nossa intenção é

sempre fazer filmes sobre personagens em

suas ações específicas, e não usá-los como

porta-vozes em defesa de uma dada posição.

Se existe um ponto de vista político nos

filmes, ele precisa derivar da ação e não das

circunstâncias”.

Jean-Pierre Dardenne

O trabalho forma o ser social objetiva e subjetivamente, nesse sentido a

subjetividade humana, o que podemos colocar como essência humana, para o marxismo,

longe de ser imutável só pode ser pensada ontologicamente, atrelada e fundada pelo trabalho e

pela forma por ele assumida naquele momento histórico da humanidade, como já

demonstrado por Marx e Engels (2017, p. 38),

Será preciso grande inteligência para compreender que, ao mudarem as relações de

vida dos homens, as suas relações sociais, a usa existência social, mudam também

suas representações, as suas concepções e conceitos, numa palavra, muda a sua

consciência? Que demonstra a História das ideias senão que a produção intelectual

46

se transforma com a produção material? As ideias dominantes de uma época sempre

foram as ideias da classe dominante.

Desta forma, pensar uma pesquisa que proponha fazer uma crítica ontológica,

tendo o trabalho como complexo fundante, é também refletir todos os outros complexos em

princípio onto-histórico. É por isso que para analisarmos o papel exercido pela escola e pelo

cinema, nesse momento histórico da sociedade do capital, precisamos considerar sua função

social, na raiz de seu surgimento e qual função social assume nesse momento da história

humana.

A educação em sentido ontológico, surge através do trabalho e para o trabalho,

como forma de difundir saberes e conhecimentos capazes de perpetuar e garantir a

sobrevivência do ser social. Nasce assim, como forma de “produzir direta e intencionalmente,

em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo

conjunto dos homens” (SAVIANI, 2008a, p. 13), contribuindo para o ser social entender sua

história e entender a si mesmo como ser genérico e singular dialeticamente situado no mundo.

Cabe ressaltar, que partimos da absorção teórica de que a educação não se

confunde com o trabalho, apesar de com ele manter estrita relação. É carregada da

especificidade ontológica de repasse e reprodução dos conhecimentos acumulados

historicamente pela humanidade a cada indivíduo. A educação se liga ontologicamente à

garantia da reprodução e perpetuação do ser social. Na mesma esteira afirma Tonet (2005, p.

218),

[...] o trabalho é uma mediação entre o homem e a natureza, ao passo que a educação

é uma mediação entre o indivíduo e a sociedade. Não é preciso dizer que,

imediatamente, também o trabalho medeia a relação entre indivíduo e a sociedade,

assim como a educação medeia a relação entre o homem e a natureza. A educação,

contudo, não é a única atividade a mediar aquela relação. Outras também, como a

Linguagem, a Arte, a Política, o Direito, etc., cumprem essa função. Em nosso

entendimento, porém, o que distingue a educação de todas as outras atividades é o

fato de que ela se caracteriza não pela produção de objetivações – o que não quer

dizer que também não as produza -, mas pela apropriação daquilo que é realizado

por outras atividades. Assim por exemplo, cabe à atividade artística produzir obras

de arte, mas é por meio da educação – aqui entendida, obviamente em sentido

amplo, que inclui tanto a educação direta quanto a educação indireta – que o

indivíduo se torna capaz de tornar seu o universo contido na obra de arte. É por

intermédio disso que a atividade educativa contribui para a construção do indivíduo

como ser humano. É neste sentido ontológico que podemos dizer, com toda a

tranquilidade, que educação não é trabalho, embora seja, tanto quanto este, uma

atividade humana.

No decorrer da história essa função social da educação foi se complexificando e

tomando diversas formas, para este trabalho nos interessa a forma assumida por ela na

sociedade capitalista atual.

47

Partimos da compreensão que situar a educação histórica, ontológica e

dialeticamente dentro da vida humana, visando garantir de forma mais coerente e clara

possível seu desvelamento teórico e conceitual, para no segundo momento entendermos a

escola dentro dessa totalidade social e as determinações sofridas e que faz sofrer esse

complexo formativo do ser social. Trazendo à tona ainda, suas especificidades, limites e

interdependência com o complexo do trabalho e com os demais complexos sociais.

Ivo Tonet (2005) alerta para se perceber os limites da educação e seus

entrelaçamentos com a crise estrutural do capital, entendendo que ela, só pode contribuir

efetivamente com a emancipação humana se tiver claro as múltiplas determinações impostas

pelo capital e que precisa não focar na social democracia cidadã, mas ter no horizonte a

revolução socialista, como forma de ter claro a meta a ser alcançada, ainda que num tempo

histórico demorado e distante do nosso.

É de certa forma, o que apontou Lukács (2013c) sobre a dependência ontológica e

a autonomia relativa dos demais complexos sociais em relação ao trabalho, ato fundante do

ser social. Cabendo aqui, ressaltar que ele adverte ainda que não é por ser o ato fundante do

ser social que o trabalho fecha em si as possibilidades humanas, ele as inaugura, inicia o

processo de humanização do ser, mas não as encerra, ao contrário ele é justamente o

responsável pela infindável busca do novo presente no ser social.

Outros complexos, dentre eles, a educação e a arte, completam essa mesma

formação humana de modo a pleitear a omnilateralidade do ser social, visto que umas das

determinações da humanidade é a inacabável busca do novo.

De qualquer maneira, uma coisa é certa: quanto mais a sociedade se distancia de

suas origens “naturais” e se torna histórica, tanto mais se torna imprescindível nela o

momento educativo; quanto mais a sociedade se torna dinâmica – e é assim ao

máximo grau, uma sociedade tecnológica que, rapidamente, muda os processos

produtivos e aumenta os próprios conteúdos científicos – tanto mais se torna

necessária uma estrutura educativa que, gradativamente, adapte a este processo não

apenas as nova gerações (mesmo que se nasça homem, nem por isso se nasce

homem do século XX), mas também as gerações futuras. Cada vez mais, portanto,

aquela instrução que, originariamente, não é uma necessidade primária, mas um luxo

inessencial, torna-se uma necessidade indispensável para a produção da vida

(MANACORDA, 2010, p. 29).

Na sociedade capitalista atual, a educação encontra-se em uma empreitada

extremamente complicada e ambígua. Se por um lado, a complexificação do chamado mundo

do trabalho com seus maquinários e avanços tecnológicos, necessita do trabalhador

qualificado de forma ampla e irrestrita, por outro, temos a necessidade colocada pelo capital

48

de uma classe trabalhadora alienada e amorfa, distante da história e sem consciência de classe

e de seu poder transformador.

Se de um lado, é necessário compartilhar e difundir conhecimento sistematizado

como forma de evolução e perpetuação dos avanços alcançados historicamente, de outro, é

preciso garantir que esse saber seja alienado, doutrinador e limitado, para avalizar a

perpetuação do capital e da forma de sociabilidade desumana imposta por ele.

A descrença no saber científico e a procura de “soluções mágicas” do tipo reflexão

sobre a prática, relações prazerosas, pedagogia do afeto, transversalidade dos

conhecimentos e fórmulas semelhantes vêm ganhando a cabeça dos professores.

Estabelece-se assim, uma “cultura escolar”, para usar uma expressão que também se

encontra em alta, de desprestígio dos professores e dos alunos que querem trabalhar

seriamente e de desvalorização da cultura elaborada. Nesse tipo de “cultura escolar”,

o utilitarismo e o imediatismo da cotidianidade prevalecem sobre o trabalho paciente

e demorado de apropriação do patrimônio cultural da humanidade (SAVIANI,

2008b, p. 449).

Entender essa contradição imposta pelo capital à educação no seu atual momento

histórico, é poder enxergar com mais clareza e analisá-la de forma mais concreta ligada à

realidade, buscando a aproximação com o método marxiano de construção de conhecimento

humano, percebendo os limites de atuação desse complexo na sociedade capitalista.

Ficando mais desvelada a realidade contraditória e esmagadora da educação atual,

que assume no discurso o papel de salvadora, redentora de todos os problemas sociais, e na

práxis imposta pelo capital, reproduz de forma alienada e limitada o chão do cotidiano,

distante de buscar desvelá-lo, submetê-lo a críticas e análises, busca manter uma população

com conhecimentos rasos, disfarçados de profundidades subjetivas. É por essa contradição

que se esvazia a utilização da arte em suas diversas linguagens no espaço escolar

institucionalizado.

Se voltarmos um pouco no que já foi exposto no decorrer desse trabalho, veremos

que foi colocado a educação e o trabalho como complexos que se relacionam e se

determinam, com a autonomia relativa do primeiro em relação ao segundo. Sendo a educação

em sentido ontológico o complexo responsável pela difusão e perpetuação dos conhecimentos

construídos coletivamente pela humanidade.

A arte, também tem essa mesma dependência e também autonomia em relação ao

complexo fundante do ser social, só que diferente da educação que nasce imbricada

diretamente com ele, o surgimento do complexo artístico é cronologicamente tardio. Foi

necessário o afastamento mínimo das barreiras naturais e o aparecimento do ócio para que

fosse possível o nascimento da arte na sociedade humana.

49

Com Lukács (1966), entendemos o surgimento da arte, em sua natureza

ontológica ligada diretamente ao cotidiano, de forma imanente e subjetiva ao ser social. Uma

subjetividade nascida e forjada diretamente da objetividade, da realidade concreta humanizada

e desvelada pelo complexo estético, assim como por outros complexos, tal qual a ciência. Só

que na arte, essa refiguração da realidade tem especificidades próprias.

A arte assim entendida, surge como possibilidade de expansão da humanização do

ser social por meio da elevação de sua autoconsciência humano-genérica, e dos sentidos

humanos que não nascem forjados, precisam ser formados, humanizados (MARX, 2010).

Ressaltando para cada indivíduo sua participação na totalidade da história, e também sua

construção enquanto indivíduo singular partícipe da totalidade social, dotado de generidades

humanizadas pelo trabalho, e ainda de sua própria capacidade de se construir como membro

da sociedade humana.

Nesse entendimento, arte não parte de abstrações transcendentes, surge no chão do

cotidiano concreto se constrói no âmago da objetividade imanente do ser social, se coloca

como complexo que possibilita ao ser social repensar e refigurar a realidade humana a partir

da concretude da vida social, sem, contudo, perder de vista a possibilidade de invenção e

reinvenção dessa mesma realidade.

A arte no plano ontológico é necessidade humana, forjando a sua subjetividade, a

formação dos sentidos humanos. Tem função própria e complexa, tem em si a

responsabilidade de registrar a autoconsciência da história da humanidade.

Para a arte, na esteira do entendimento elaborado por Marx (2010) interessa é a

representação e refiguração do homem concreto situado de maneira histórica e social, e não

abstrata e genericamente. A arte partindo da generidade humana e da singularidade exercida

pelo fato representado no todo da obra, situa de forma particular o momento histórico

humano, levando a sua reflexão e desvelamento. Cumpre a função social de elevação da

humanidade, do desvelamento do real, da purificação do cotidiano e da humanização singular

do todo coletivo. Na mesma direção teórica temos,

[...] Uma obra de arte vivenciada pode efetivamente ampliar a nossa concepção de

algum campo de fenômenos, levar-nos a ver esse campo com novos olhos, a

generalizar e unificar fatos amiúde inteiramente dispersos. É que, como qualquer

vivência intensa, a vivência estética cria uma atitude muito sensível para os atos

posteriores e, evidentemente, nunca passa sem deixar vestígios para o nosso

comportamento. Muitos comparam corretamente a obra de arte a uma bateria ou

acumulador de energia, que a dispende posteriormente. De forma idêntica, toda

vivência poética parece acumular energia para futuras ações, dá a essas ações um

novo sentido e leva a ver o mundo com novos olhos (VIGOTSKI, 2010, p. 342-343).

50

A arte produzida na sociedade capitalista, como os demais complexos, tem

dificuldades de exercer sua função social ontológica. Fica, por vezes, limitada ao puro

subjetivismo egoísta e sem compromisso com a totalidade social e a generidade humana33

.

Esvaziada de sua imanência e de sua carga humanizadora da objetividade do cotidiano, perde-

se em refigurações transcendentes e distanciadas da concretude do ser social.

Ao pensarmos a escola e o cinema, ambos como derivados diretos dos complexos

da educação e da arte, na atual conjuntura do capital, percebemos os limites e dificuldades

enfrentados pelos mesmos para exercerem suas funções sociais pensadas em bases

ontológicas. Isso parece agudizar ainda mais, quando se busca trabalhar os dois coletivamente

em busca de construir a formação educativa dos indivíduos.

No atual momento histórico, em que a educação assume um papel de reprodutora

de uma sociedade desumanizada e desumanizadora, dividida em classes, numa crise estrutural

do capital sem precedentes na história da humanidade, cabe a educação a missão de perpetuar

alienação, difundir conhecimentos rasos que longe de contribuir para construção da

autoconsciência humano genérica da classe trabalhadora, se apega a repasses de

conhecimentos subjetivistas e reforçadores das desigualdades sociais e do entendimento de

que a história é estanque e que não é possível mudar o sistema do capital, no máximo é viável

adaptá-lo da melhor forma as necessidades dos homens e mulheres que nele se encontram

inseridos. A utilização da linguagem estética do cinema em sala de aula, não poderia por si só

reverter essa realidade educativa.

A escola vê-se então tendo de agregar mais uma tarefa: educar os sentidos, dar-lhe

formação social, humanizá-los. Não conseguindo nem cumprir sem contradições e limites, sua

função social de distribuir para cada indivíduo nela inserido o conhecimento construído

coletivamente, adiciona mais a missão, que logicamente também não consegue cumprir, de

educar esses mesmos indivíduos esteticamente.

E o que se concretiza é uma formação que mais distancia e dificulta o

entendimento de totalidade social, construída e forjada no trabalho. Vivências estéticas

empobrecidas de elevações do cotidiano alienado, acepções de si e do gênero cada vez mais

pautadas num subjetivismo minimalista e limitado.

Uma educação esvaziada de desvelamento concreto da realidade, amorfa e

paralisada em si mesma, pelo abarrotamento de funções sociais que não são suas, mas que a

33

Está sendo desenvolvida uma tese de doutorado pela aluna Rafaela Maria Teixeira Teófilo, sob orientação do

Professor Deribaldo Santos, ambos, com trabalhos já citados aqui, que visa se debruçar com maior poder de

análise, sobre esse fato aqui aludido por nós, apenas como forma de situarmos o momento atual vivenciado pela

arte visto isso reverberar em nosso objeto.

51

ela são direcionadas pelo capital, como maneira de esconder por baixo de uma cortina de

alienação cotidiana, a violência exercida por este sistema contra toda a humanidade.

Refletindo a formação estética nessa conjuntura, a situação fica ainda mais densa,

visto além de todos esses impeditivos de concretização de uma educação efetivamente

emancipatória, ter ainda a demanda específica da formação estética dos sentidos, que muitas

vezes é confundida com uma educação meramente técnica ou voltada para ampliar saberes

científicos com demandas pedagógicas alheias à arte, ou ainda e não menos raso, a ideia de

usar a arte como moralizadora dos indivíduos a ela submetidos.

[..] vemos que a pedagogia tradicional caiu num empasse nas questões da educação

estética ao tentar impor objetivos inteiramente estranhos e não inerentes a essa

educação. Daí resultou, em primeiro lugar, que essa pedagogia deixou escapar o

próprio significado dessa educação e, em segundo, frequentemente obteve resultados

contrários aos esperados. (VIGOTSKI, 2010, p. 331).

A formação estética dos sentidos humanos34

tem especificidades únicas e atende a

demandas especificas da formação humana, que são extremamente complexas e precisam ser

pensadas e refletidas à luz de si mesma, e não pelo mesmo caminho da formação educacional.

Formar os sentidos humanos, dar sensibilidade e percepção do mundo ao ser social, é tarefa

complexa. nem de longe simples ou natural. Somos seres históricos, de base biológica,

natural, mas de formação humana apenas pelo social.

Os nossos sentidos não estão apartados dessa verdade e para se concretizarem

enquanto humanos precisam ser educados, formados, humanizados. Apreciação estética,

vivenciar arte, precisa ser para qualquer indivíduo, mas requer esforço intelectual, emocional,

humano. É preciso fruir arte, para que sejam efetivadas no ser social catarses estéticas

qualitativas e que elevem sua autoconsciência individual para autoconsciência genérica.

Negar isso, é recusar a possibilidade da formação estética dos sentidos à classe trabalhadora,

tão recusada nessa sociedade capitalista desumanizadora e sugadora das nossas

potencialidades.

A formação dos cinco sentidos, é um trabalho de toda a história do mundo até aqui.

O sentido constrangido à carência prática rude também tem apenas um sentido

tacanho. Para o homem faminto existe a forma humana da comida, mas somente a

sua existência abstrata como alimento; poderia ela justamente existir muito bem na

forma mais rudimentar, e não há como dizer que esta atividade de se alimentar se

34

É Friedrich Schiller, em sua obra: A educação estética do homem: numa série de cartas. São Paulo:

Iluminuras LTDA, 2002. quem inicia o debate da necessidade de uma formação voltada para subjetividade e

fruição estética do indivíduo e influência todo o debate posterior a ele, inclusive o próprio Marx (2010). Apesar

de partimos neste trabalho do princípio marxiano da formação dos sentidos, que amplia a perspectiva da

educação estética não poderíamos deixar de aludir a este fato.

52

distingue da atividade animal de alimentar-se. O homem carente, cheio de

preocupações, não tem nenhum sentido para o mais belo espetáculo; o comerciante

de minerais vê apenas o valor mercantil, mas não a beleza e a natureza peculiar do

mineral; ele não tem sentido mineralógico algum; portanto, a objetivação da

essência humana, tanto no ponto de vista teórico quanto prático, é necessária tanto

para fazer humanos os sentidos do homem quanto para criar sentido humano

correspondente à riqueza inteira do ser humano e natural (MARX, 2010, p. 110,

grifos do autor).

Se fortalece, aqui o entendimento da necessidade da formação estética dos

sentidos por parte da escola. Percebendo, no entanto, que tendo o trabalho como determinante

da vida social humana e estando numa crise estrutural do sistema do capital, a educação

stricto, responsável pelo repasse do saber escolar, se encontra dentro dessa totalidade e com

inúmeros limites e contradições imposto pela atual conjuntura capitalista.

A escola fica assim, e junto com ela, todos que com ela estão envolvidos,

praticamente impossibilitada de avançar e de cumprir efetivamente sua função ontológica.

Seu poder de interferência na realidade social é limitado, e se pauta na contradição que o

próprio sistema possibilita.

E é ponderando nessa contradição que se podem pensar, possibilidades mínimas

de ações educativas que busquem se vincular a um outro tipo de sociabilidade humana, ou

como denomina Tonet (2005, p. 231) atividades educativas emancipatórias,

Se é verdade, como vimos antes, que o objetivo fundamental da educação é

contribuir para que os indivíduos façam suas as objetivações comuns ao gênero

humano para poderem construir-se como membros desse gênero, e tendo em vista

que esse objetivo, hoje, tem o nome de emancipação humana, então todas as

atividades deverão estar ordenadas em função dele.

Para realidade específica da formação estética, é preciso ter presente a

necessidade do indivíduo como sujeito subjetivo, dotado de singularidades emocionais que

precisam ser sentidas de forma concreta e plena. E ver na arte, nas vivências que ela pode

proporcionar possibilidades de elevação da condição humana desse indivíduo, seu

entendimento de si e do mundo, tendo a mediação educativa como forma de qualificar essas

vivências.

Perceber a formação estética como essa possibilitadora formativa dos sentidos

humanos, visto ser necessário ao ser social uma formação dos sentidos para apreciação da arte

e, ainda entender a escola, neste momento histórico como possível espaço, muitas vezes o

único possível, à classe trabalhadora para edificação desses sentidos. Entendemos, portanto

junto com Vigotski (2010), a relevância da escola operar a mediação concreta entre a

objetividade e a subjetividade dos estudantes, partindo do estudo da própria obra,

53

[...]a obra de arte é acessível nem de longe a qualquer um e a percepção de tal obra é

um trabalho difícil e cansativo do psiquismo. É evidente que uma obra de arte não é

percebida estando o organismo em completa passividade e não só pelos ouvidos e os

olhos, mas através de uma atividade interior sumamente complexa, na qual o

contemplar e o ouvir são apenas o primeiro momento, o primeiro impulso, o impulso

básico. Se o destino de um quadro consistisse apenas em afagar o nosso olho e o da

música em provocar emoções agradáveis ao nosso ouvido, a percepção dessas artes

não apresentaria nenhuma dificuldade e todos, com exceção dos cegos e surdos,

estariam igualmente chamados a perceber essas artes. Entretanto, os momentos de

percepção sensorial das estimulações são apenas os impulsos primários necessários

para despertar uma atividade mais complexa e em si carecem de qualquer sentido

estético. “Distrair os nossos sentimentos”, diz Christiansen “não é o objetivo final da

intenção artística. O principal na música é o que não se ouve, nas artes plásticas o

que não se vê nem se apalpa” (VIGOTSKI, 2010, p. 332-333).

Ainda é Vigotski (2010) que aponta que a vivência estética passa por três

momentos: 1. Uma estimulação; 2. Uma elaboração; 3. E uma resposta. Ancorados nesse

entendimento e como já apontado algumas páginas acima, advogamos que o caminho para

realizar essa tarefa na escola tendo como linguagem estética o cinema, é utilizá-lo por si

mesmo no espaço escolar.

É perceber no próprio filme, enquanto linguagem estética, sua função social de

formação estética dos sentidos humanos, enxergar suas potencialidades de elevação da

autoconsciência humano genérica, e não se limitar a apenas utilizá-lo como ferramenta

pedagógica. Exercendo a função de mediação entre a obra de arte e os estudantes, analisando

forma e conteúdo.

Perceber na junção técnica e linguagem, que poderia ser também colocado como,

forma e conteúdo do filme, suas possibilidades de formação humana. Usar a arte pelos

potenciais educativos e humanizadores que ela carrega em si mesma, e não apenas como

complemento pedagógico esvaziado de sua função social.

Nesse entendimento a escola assume o papel de ajudar a fruição do objeto

estético, desvelando-o na sua construção e na especificidade de sua forma, ressaltando que

para a estética marxista, a forma não se desvincula do conteúdo, principalmente quando

sintetizadas em uma obra de arte.

Entender de rima e métrica pode ajudar na vivência catártica de um poema, assim

como entender de notas e tons musicais pode ampliar a escuta de uma música, apreender a

construção e as significações imagéticas de um filme pode contribuir com sua apreciação de

forma mais ampla e qualitativa35

.

35

A partir da lei 13.006, que já prevê a inserção do uso de cinema na escola desde 2014, este trabalho advoga

pela sua apropriação estética enquanto estudo com conteúdos específicos, como brecha emancipatória no sistema

escolar. Sem, no entanto, esquecermos que é impossível avanços efetivamente transformadores dentro do

54

Para melhor entendimento sobre esse nosso posicionamento, nos debruçaremos

nas categorias apontadas por Lukács (2013b) da especificidade do filme enquanto linguagem

estética: meio homogêneo, objetividade indeterminada e atmosfera anímica. Suas

contribuições para humanização dos sentidos, sua ligação direta com a sociedade capitalista, e

os limites daí advindos.

sistema capitalista. Apesar de entendermos a importância do surgimento de leis dentro da democracia burguesa

que visem contribuir com a vida da classe trabalhadora e tendo nessas mesmas leis, um dispositivo que endosse a

luta pela sobrevivência da classe, pela contradição e negação da vida, existente no próprio sistema do capital, as

leis se tornam paliativo, ficando a cargo da classe dominante a devida execução e aplicação da mesma (vide as

prisões políticas, mascaradas de prisões criminais, o exílio político imposto para alguns representantes do

parlamento, existente nesse e em outros momentos históricos do nosso país). A lei funciona determinada pela

classe dominante, mesmo que haja contradições, perpetuando a desigualdade e a desumanização de uma classe

por outra, não sendo possível ao capital garantir o bem-estar mínimo, nem mesmo para a dita classe média, pois

o metabolismo do sistema está eclodindo e se tornando insustentável, como visto com Paniago [2018].

Lei nº13.006, de 26 de junho de 2014, que acrescenta ao artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional – LDBEN, o seguinte inciso § 8o “A exibição de filmes de produção nacional constituirá componente

curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no

mínimo, 2 (duas) horas mensais.”

55

4 ESPECIFICIDADE EDUCATIVA DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA

4.1 PRÓLOGO

“Acho que é uma função digna do cinema

mostrar o homem ao homem”.

Glauber Rocha

O cotidiano é a base de todas as objetivações humanas. Em Lukács (1966), o

cotidiano assume papel primordial na formação dos reflexos humanos do real. É a partir dele,

que construímos nossas percepções e entendimento de mundo, ou seja, nossos reflexos acerca

do mundo concreto que nos circunda.

O reflexo é a forma de apreensão do mundo humano através da consciência. É o

trabalho que possibilita ontologicamente essa mediação entre consciência humana e mundo

concreto. Há várias formas de captação da realidade através do reflexo, ou dito de outra

forma, a consciência se apropria e se relaciona com o mundo humano por inúmeras

configurações. A arte é uma delas, que difere e tem pontos de entrelaçamentos com a religião

e a ciência, por exemplo.

A gênese das formas de consciência pressupõe a discussão da relação entre sujeito e

objeto; relação que, ele [aqui se referindo ao Lukács], ganha características especiais

na atividade estética, fruto de um longo processo de desenvolvimento social. A

relação sujeito-objeto inicia-se, na vida material dos homens, com o trabalho: a

atividade prática que separou o homem da natureza, que transformou esta em objeto

da atividade humana e, consequentemente, fez do homem um sujeito. O trabalho é a

forma inicial do relacionamento entre o homem e o mundo e a base das diferentes

formas de consciência (= reflexo) daí advindas (FREDERICO, 2013, p. 120).

No trabalho, o reflexo construído pela consciência, para fazer avançar a sociedade

humana, precisa pegar o mundo na sua legalidade e determinações o mais próximo e coerente

possível da realidade. O reflexo é a realidade objetiva do mundo contida na consciência

subjetiva dos indivíduos, e essa consciência humana se constitui ontologicamente através do

trabalho como protoforma do ser social. A captação da imagem do mundo pela consciência,

quando refletida através do trabalho, se faz imprescindível que seja objetiva e o mais próximo

possível das determinações do próprio objeto. Na arte não.

Na arte, o reflexo tem responsabilidade não em ser fiel à realidade concreta da

sociedade humana, mas em ser fiel ao drama humano, ainda que para isso a arte deva captar

de forma correta os elementos que compõem a realidade humana, ela intensifica a

56

humanidade presente nesse mundo e, dessa forma, ela desloca o centro do reflexo do objeto

para o próprio ser social.

Continuando com Lukács (1966) a arte é a apropriação do real e a possibilidade

de pela subjetividade genérica e coletiva, dialogar com a subjetividade particular e individual

do ser social. É reflexo da realidade que difere, por exemplo, do reflexo da ciência, que busca

alcançar a verdade do objeto na realidade social a que está inserido. Já o reflexo estético, tem

como finalidade apreender a humanidade posta pelo ser social, contida nesse objeto na

realidade. Se o reflexo científico tem responsabilidade com a verdade do fato, na arte o

reflexo busca demonstrar a verdade humana genérica desse mesmo fato.

Na síntese científica, o reflexo transita do objeto para o sujeito, sendo o objeto o

preponderante. Na arte, o reflexo transita de indivíduo coletivo, para indivíduo particular,

sendo o mundo do ser social, o preponderante. Ela advoga assim, uma realidade criadora

humana, e não apenas a verdade contida no próprio objeto, como deve fazer a ciência. É a

isso que Lukács (1966) denomina, como reflexo desantropomórfico na ciência e reflexo

antropomórfico na arte.

Na relação com a religião, essa busca pela subjetividade humana existe de forma

correlata. Ambas, arte e religião, buscam trazer à tona a verdade da subjetividade humana, as

duas antropomorfizam o mundo social, transitam suas verdades entre seres sociais, e não entre

objetos e indivíduos – mesmo que no caso da arte haja uma objetividade concreta como solo

comum.

No entanto, a religião faz isso, esse trânsito entre sujeito coletivo e sujeito

individual, buscando afirmar um mundo além-humano, um mundo de deuses e para além da

realidade concreta cotidiana. Na arte, é justamente o inverso. A obra de arte autêntica,

fortalece a certeza de seu caráter humano, cotidiano, imanente ao próprio indivíduo. Desse

modo, segundo denominação do Lukács, a religião é transcendente e a arte imanente.

Portanto, com Lukács (1966) entendemos que a arte é antropomórfica e imanente,

a ciência é desantropormórfica e imanente, e a religião, antropomórfica e transcendente36

.

Esse fato incide diretamente sobre a nossa discussão, visto, Lukács (2013b)

definir o cinema, como um tipo de reflexo específico, que ele denomina como duplo reflexo.

Pois passa primeiro pela desantropomorfização, imposta pela fotografia, para só na totalidade

da obra, alcançar a antropomorfização necessária a toda linguagem estética.

36

Uma ótima síntese, clara e consistente dessas categorias centrais e basilares da estética lukacsiana que se

acham bem debatidas no primeiro volume do Estética, encontra-se em: ARAÚJO, Adele Cristina Braga.

Estética em Lukács: reverberações da arte no campo da formação humana. 2013. 114 f. Dissertação (Mestrado

em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2013.

57

Esse fato se dá pela fotografia que inicialmente é o elemento desantropomofizador

da realidade, e que em si não constitui uma linguagem artística - é uma mera reprodução

técnica do real - ressaltamos que aqui centra-se na fotografia fílmica, na imagem posta em

movimentos, utilizada especificamente para dar vida ao filme e não a fotografia em si mesma.

Isso implica dizer que se pegarmos um frame de qualquer filme de Charles Chaplin,

poderemos ter a imagem de reprodução de uma de suas cenas, mas não da unicidade de uma

de suas películas. No cinema a fotografia precisa ser antropomorfizada, se unindo com o todo

da obra, para só assim, se constituir arte.

[...] deixemos agora de lado os momentos de seleção arrangement, etc., nos quais o

filme apresenta algumas características comuns com a chamada fotografia artística;

é claro que essas tendências aparecem no filme de um modo muito mais intenso e

esclarecido do que na simples imagem fotográfica. Mas o essencial é que as

fotografias individuais (as quais, tomadas isoladamente, são necessariamente

fotocópias em sua objetividade) são de tal modo no filme, se tomam com tal ritmo,

se montam de tal maneira, etc., que sua impressão global reconduz à visão normal

do homem, o inverossímil volta a ser imperceptível, o novo, o que surge e se faz

manifesto com o novo meio, produz um enriquecimento da realidade visual e das

experiências vitais com ela relacionadas, do homem inteiro, exatamente igual a que

ocorre em qualquer outra arte, ainda que de maneira natural, e de acordo com as

novas formas de reflexão, também com um conteúdo novo (LUKÁCS, 1982, p. 21-

22, tradução nossa)37

.

É ainda pela fotografia que a realidade criada pelo filme pode se consolidar como

real. Todos os aspectos fílmicos, figurino, cenários, músicas, maquiagem etc., são voltados

para dar veracidade a uma dada realidade que será capturada pela fotografia cinematográfica e

transformada numa refiguração da realidade com mais ou com menos autenticidade. É

exatamente aí que se encontra o duplo reflexo que o filme contém, sua passagem de

desantropomorfizador para antropomorfizador do real.

[...] Se o filme pretende que um “milagre” produza um efeito autêntico, deve

preparar o fenômeno a ser fotografado de tal modo que sua aparência imediata tenha

caráter de realidade. Aqui se evidencia um contraste abrupto entre o filme e todas as

outras artes visuais: nestas a autenticidade só emerge como resultado final do

processo de transformação mimético-estético na refiguração da realidade; esta deve

ser criadoramente produzida por meio de princípios exclusivamente estéticos; tem

de autenticar a si mesma – na imanência da obra de arte – enquanto, à pior fotografia

é inerente uma autenticidade no sentido acima referido. Aí se expressa claramente a

37

[...] dejemos ahora de lado los momentos de selección arrangement, etc., en los que el film presenta algunos

rasgos comunes con la llamada fotografía artística; es claro que esas tendencias aparecen en el film de un modo

mucho más intenso y resuelto que en el la simple imagen fotográfica. Pero lo esencial es que las fotografias

individuales (las cuales, tomadas aisladamente, son necesariamente fotocopias en su objetivdad) se serian de tal

modo en el film, se toman con tal ritmo, se montan de tal modo, etc., que su impresión global reconduce a la

visión normal del hombre, lo inverosímil vuelve a ser imperceptible, lo nuevo, lo que surge y se hace manifiesto

con el nuevo medio, produce un enrequecimiento de la realidad visual y de las experiencias vitales, con ella

relacionadas, del hombre entero, exactamente igual que ocurre en cualquier otro arte, aunque como es natural, y

de acuerdo com las nuevas formas de reflejo, también con un contenido nuevo (LUKÁCS, 1982, p. 21-22).

58

afinidade profunda e plena de consequências entre cotidiano e filme. Em estreita

conexão – como causa e como efeito – com essa proximidade ao cotidiano, o mundo

visual do filme, em violento contraste com as outras artes visuais não é estático,

imóvel, mas permanentemente movimentado (LUKÁCS, 2013b, p. 89).

É por esse fato que por exemplo Dogville (2003), completamente estranho ao

nosso cotidiano imediato, com uma cidade exposta visualmente demarcada com giz, casas

sem portas ou tetos, imagens e acontecimentos simultâneos que nos saltam aos olhos na tela,

consegue refigurar, de forma autêntica, a realidade. Todos os aspectos que nos seriam

estranhos e desconexos, dialogam para nos envolver e nos fazer mergulhar crentes na

existência de tal cidade, que é povoada por indivíduos carregados de dramas humanos tão

nossos.

O mesmo poderia ser dito do Labirinto do Fauno (2006), uma mãe doente, um

padrasto frio e austero, general do exército de um país em guerra, no meio disso tudo, emerge

uma garotinha envolta nesse ambiente cinza, tristonho e desumanizador, que começa a ter

grandes conversas com um monstro de olhos fixados nas mãos. Fantasia de uma menina que

se vê obrigada a fugir da realidade como forma de sobreviver? Existência efetiva desse

monstro onírico? Toda a película nos leva a focar no drama vivenciado pela protagonista, tudo

no filme está a favor da forma fílmica,

[...] o filme pode – justamente em consequência de sua autenticidade fotográfica –

emprestar uma realidade e evidência significativas ao fantástico mais desvairado.

Como o filme pode tornar tudo crível, como pode conferir a qualquer objeto um

igual caráter de realidade, ele não encontra limites mesmo para a representação do

fantástico; também aqui pode haver transições no cotidiano e para além cotidiano,

também aqui vigora a escala emocional que vai da vivacidade ligeira até o terror

angustiante. Essas possibilidades ilimitadas fazem do cinema a forma mais popular

da mimese e abrem-lhe o caminho – sem dúvida apenas como possibilidade,

raramente realizada – para uma autêntica e grande arte popular (LUKÁCS, 2013b, p.

97).

E também, embora partindo de análise específica sobre a relação imaginação e

reflexo estético, nos serve de apoio o seguinte trecho de Vigotski (2010, p. 358),

[...] a lei básica da arte exige essa livre combinação dos elementos da realidade, tal

dependência de princípios em face da verdade do dia-a-dia que na estética se apaga

qualquer limite que separa o fantástico da verdade. Em arte tudo é fantástico ou tudo

é real, porque tudo é convencional, e a realidade da arte significa apenas a realidade

daquelas emoções a ela relacionadas. De fato, não se trata de modo algum de saber

se na realidade pode existir similar ao que é narrado no conto de fadas.

Assim, o filme pode transitar da realidade cotidiana com seus gestos e cargas mais

banais, para além desse mesmo cotidiano, criando uma realidade própria, tendo como

59

mediação direta e irrevogável, não o próprio ser social, como ocorre na literatura, ou no

teatro, mas primeiramente entre a máquina, para depois entre os indivíduos.

Para o cinema existir, ele precisa primeiro trafegar entre o campo

desantropomórfico da ciência, presente na câmera de captação fotográfica da realidade

filmada, para através da mediação criadora dos envolvidos na feitura do filme, se solidificar

na esfera antropomórfica necessária à criação estética.

4.2 ESPECIFICIDADE ONTOLÓGICA DO CINEMA EM LUKÁCS

“O cinema deve exprimir as linhas de força da

existência e se preocupar menos em ser cópia

da realidade”.

Claude Chabrol

Com o advento da era industrial, a mediação homem/mundo passa a ter um novo

determinante: a máquina. Claro que já existiam ferramentas de manipulação de produção

trabalhistas feitos pelo homem, machados, máquinas manufatureiras etc. (MARX, ENGELS

2009), mas todos, antes da industrialização mantinham uma relação extremamente dependente

das forças humanas para funcionar, o que já não se faz verdade, com o surgimento da

indústria tecnológica, que a cada dia se fortalece e se amplia.

O que nos leva à natureza ontológica do mundo dos homens. A arte não foge

dessa determinação. A literatura pensada dentro do princípio ontológico marxiano, tem seu

nascimento na palavra, a dança no ritmo do próprio corpo humano e na natureza orgânica, a

música também no ritmo e também no som e no silêncio, e o cinema na fotografia, mediado

pela câmera, que surge na era industrial.

A configuração de mediação entre o cinema e o receptor passa diretamente pela

ferramenta tecnológica e isso vai interferir no que Lukács (2013b) chama de reflexo estético

da realidade humana, ocorrendo no cinema um duplo reflexo. Sendo inicialmente

desantropomórfico - atua na relação obra-receptor pela apropriação de técnicas de

manipulação tecnológica, o que especificamente no cinema se refere às técnicas de

manipulação de captação de imagem, a fotografia cinematográfica - que no primeiro momento

tem um caráter externo ao criador da obra e ao receptor, sendo inicialmente fiel ao objeto

captado.

60

Contribui ainda para essa desantropomorfização do primeiro reflexo no cinema o

fato dele ser uma arte coletiva, que separa em partes específicas, sua feitura: direção de

fotografia, figurinista, desenho de som, iluminação, edição, direção etc., para a consolidação

da totalidade da película, sendo necessária uma unificação de todas essas partes, num todo

coerente e que evidencie para além da captação de imagens cotidianas e reais, uma absorção

da realidade social de cada indivíduo que veja a obra finalizada. Cada espectador do filme

deve se enxergar uno e coletivo, como sujeito singular de uma totalidade social da qual faz

parte. É preciso antropomorfizar esse primeiro momento desantropomorfizador do reflexo

fílmico.

Só pela mediação criadora humana, a fotografia, junto com os demais elementos

que compõem o filme, transita do mundo das coisas, para o mundo dos homens.

Antropomorfiza-se o reflexo inicial da fotografia e transforma assim, a assimilação direta e

externa da realidade em captação da realidade humana dessas mesmas coisas, incluindo aí a

percepção criativa de quem captura essa realidade,

[...] Minhas experiências mostram que em geral, inclusive nas transformações mais

revolucionárias, não é a técnica que decide o que deve expressar o conteúdo, mas

sim o conteúdo que determinará a aplicação da técnica (LUKÁCS, 1971, p. 11,

tradução nossa)38

.

As partes constitutivas da obra fílmica, separadamente não se configuram

enquanto arte autônoma. O roteiro por exemplo, pode ajudar ou atrapalhar na consolidação da

obra, mas faz parte da construção do filme, não como um gênero estético desvinculado disso,

com moldura própria, mas como parte constituinte da totalidade da película, assim como

cenário, figurinos, atuação, etc. No cinema as partes se fazem arte no coletivo e em prol da

totalidade do filme, não se sustentam isoladamente.

O filme é linguagem estética pautada na construção coletiva, por isso, se reforça aí

seu caráter inicial de reflexo desantropomórfico, muito mais próximo da técnica e da ciência,

é só na unidade das partes com a película finalizada, que se consegue atingir o caráter

antropomórfico e sua especificidade enquanto arte e com função social específica.

O duplo reflexo do filme se caracteriza por uma dependência entre ambos e sendo

necessário ao consolidar a obra, eles se encontrarem unidos e sem nenhum rastro de

dicotomia. Essas duas categorias de reflexos, desantropomórficos e antropomórficos, assim

como as demais que serão tratadas nessa seção, são separadas no cinema apenas para fins

38

[...] Mis experiencias me demuestran que en general, incluso en las transformaciones más revolucionarias, no

es la técnica quien decide lo que debe expresar el contenido, sino que es el contenido quien derterminará la

aplicación de la técnica (LUKÁCS, 1971, p. 11).

61

didáticos e de abstrações filosóficas. Na obra, ou eles se unificam, ou não atingem a

especificidade necessária ao campo das linguagens estéticas.

Faz-se necessário pensar o cinema para além da comparação com outros gêneros,

estéticos, como algo totalmente novo na sua totalidade. Para além de beber na fonte das outras

linguagens e ser por elas influenciado diretamente, o cinema carrega em si a potência de ir

além. Não no sentido de ser maior ou menor, mas como detentor de estatuto próprio e único

como todas as outras linguagens. Sendo ainda, o único na linguagem da arte, capaz de realizar

a mimese39

da vida cotidiana na forma que faz.

Para trazermos à tona esse campo de significação próprio do cinema, elegemos as

três categorias, que dentre as que são apresentadas por Lukács (2013b), se mostraram para nós

como as de essencial ligadura para análise de uma obra fílmica, sendo elas: meio homogêneo,

objetividade indeterminada e atmosfera anímica.

Partimos de dois pontos cruciais para essa definição. Primeiro, é que, como já

apontado anteriormente neste texto, na seção intitulada, Percursos metodológicos, existem

diversas obras que se debruçam sobre categoriais analíticas específicas para o cinema, e todas

elas, em menor ou maior grau, se voltam para o entendimento do filme enquanto linguagem,

carregada de significações próprias. Pautando, muitas vezes, essas categorias nas formas

técnicas de captação das imagens: corte, ângulo, duração, etc., como sendo constituintes da

especificidade da criação estética fílmica.

Entendemos que as três categorias lukacsianas, elencadas neste texto, conseguem

condensar além das técnicas de apreensão de imagens, construir arcabouço teórico de análise

sobre as obras, transpor aspectos de conteúdo e aspectos formativos do filme, dialogando mais

diretamente com nossa proposta de desnudar o cinema enquanto formação humana e

assimilação educativa.

Segundo, é que entendemos essas categorias: meio homogêneo, objetividade

indeterminada e atmosfera anímica, ter um diálogo direto com as categorias de meio, objeto e

modo, respectivamente, utilizadas para análise da especificidade da mimese poética, por

Aristóteles, na sua Poética (2011).

Nesta obra, Aristóteles toma como objeto de análise a poesia em suas diversas

formas de mimese, dentre elas estando a epopeia, a comédia e a tragédia. Sendo na defesa do

filósofo, esta última a forma mais elevada de representação do homem através da linguagem

39

Para maior aprofundamento no entendimento do conceito de mimese, no campo da estética marxista, ler:

COTRIM, Ana Aguiar. Contribuições de Karl Marx ao problema da mimese artística. 2014. 352 f. Tese

(Doutorado em Filosofia) – Programa de Pós-graduação em Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo,

2014.

62

poética. É importante deixar claro que para o estagirita, a arte não apenas imita a vida, ela

refigura o cotidiano por um canal próprio, ela constrói pra si uma mimese específica.

Logo nas primeiras páginas da teorização, o filosofo grego define três categorias

de análise das formas de mimese da poesia e as utiliza para defender sua posição em relação a

tragédia. Sendo elas: meio, que se refere ao elemento próprio de criação de dada linguagem

estética, na poesia ele define como sendo a linguagem verbal. Depois, somos apresentados a

categoria de objeto, que é definida por ele como o motivo de representação da mimese

poética, que é no caso da poesia o próprio homem e seus caracteres superiores, iguais ou

inferiores. Por fim, Aristóteles delineia a categoria modo, que é a forma que toma a mimese

poética, se materializando na narração, no modo misto ou no drama.

Vemos assim, que a mimese poética pode ser definida conforme esses três

elementos: meio, objeto e modo. Sendo essas categorias, subsídios analíticos da poesia. Para

nosso trabalho, partimos do entendimento que Lukács (1966), (1982) (2013b), dialoga

diretamente com essas categorias aristotélicas, ampliando-as e fazendo emergir rico dialogo

delas com o cotidiano, com o próprio ser social e com a totalidade humana.

Lukács, ao denominar meio homogêneo, objetividade indeterminada e atmosfera

anímica, dialoga com o filosofo grego e atualiza suas categorias levando em conta a

particularidade existente no seu tempo histórico. Ação que corrobora indubitavelmente com o

método marxista. Assim, nos pareceu profícuo centrar nosso trabalho na busca de assimilação

dessas três categorias e sua utilização para análise da linguagem fílmica.

Com essas questões preliminares alçadas, passamos então, à análise mais direta

das três categorias elencadas neste texto, como centrais no debate da especificidade do

cinema, enquanto arte autêntica, empreendida por Lukács (2013b).

4.2.1 Meio homogêneo: a imagem em movimento como estatuto ontológico do cinema.

“É uma linguagem feita de imagens. E no

verdadeiro cinema, cada objeto e cada luz

significam alguma coisa, como em um sonho”.

Federico Fellini

Aristóteles, na sua Poética40

, utiliza a categoria meio como forma de delimitar o

elemento primordial na esfera de criação poética. Na sua análise da tragédia, esse elemento

40

Trabalhamos com a tradução de Edson Bini, publicada pela editora Edipro em 2011.

63

implica na linguagem verbal, a linguagem na sua construção poética. Para ele, a linguagem

poética é o meio fecundo pelo qual se materializa a esfera criativa do campo estético da

tragédia. Partindo dessa análise aristotélica, entendemos, que o meio, é o elemento que se

configura como a delimitação ontológica de representação mimética de toda obra de arte.

Tendo cada linguagem um meio próprio de mimese estética.

Para nós, Lukács (1982), (2013b) amplia essa categoria, acrescentando a

necessidade de homogeneização do mundo humano heterogêneo na sua cotidianidade, envolto

de múltiplas determinações e apreensões por parte do ser social. No cotidiano, os reflexos são

heterogêneos, ao criar um mundo próprio, com o elemento específico a cada linguagem, a arte

homogeneíza o mundo, e assim refigura e qualifica o cotidiano, criando pra si um mundo, um

meio homogeneizado.

Todo reflexo de ordem superior, tal quais a arte e a ciência, tem potencial de criar

um mundo específico diferente do cotidiano, ainda que tendo nele sua base de surgimento.

“Não se pode produzir uma objetivação superior, se não quando todos os objetos conseguidos

e elaborados pelo reflexo, experimentam uma homogeinização correspondente a função do

tipo de reflexo de que se trata” (LUKÁCS, 1966, p. 190, tradução nossa)41

.

Cada linguagem estética da arte tem uma ferramenta de consolidação de um

mundo homogêneo próprio, capaz de criar uma realidade diversa da presente no cotidiano

heterogêneo. Lembremos que para a estética lukcasiana, o cotidiano é solo fértil de onde

surge e para onde voltam todas as objetivações humanas.

Já sabemos que o meio homogêneo, no reflexo estético, se encontra

insuperavelmente ligado ao sujeito, ao ponto de receber significação

necessariamente por essa característica enraizada na personalidade humana. Falamos

também do caráter concreto da subjetividade que aqui se manifesta. Sabemos ainda

que sua essência ineliminável não se identifica simplesmente com uma negação,

nem sequer uma fragilização, da objetividade, da fidelidade das formações estéticas

à realidade, mas sim o contrário, onde o caráter subjetivamente acentuado do reflexo

estético é um veículo capital de sua aproximação à realidade objetiva, cuja estrutura

específica do objeto do reflexo estético põe o mundo em interação com a atividade

humana e prescreve imperiosamente uma determinada subjetividade do seu órgão de

mediação (LUKÁCS, 1982, p. 32, tradução nossa)42

.

41

“No puede producirse una objetivación superior sino cuando todos los objetos conseguidos y elaborados por el

reflejo, así como sus relaciones, experimentan una homogeneizacion correpondiente a la función del tipo de

reflejo de que se trate” (LUKÁCS, 1966, p. 190) 42

Sabemos ya que el medio homogéneo, en el reflejo estético, se encuentra insuperablemente ligado al sujeto,

hasta el punto de que recibe su significación precisamente por ese arraigo en la personalidad humana. Hemos

hablado también del carácter concreto de la subjetividad que aquí se manifiesta. Sabemos también que su esencia

ineliminable no se identifica simplemente con una negación, ni siquiera un debilitamiento, de la objetividad, de

la fidelidad de las formaciones estéticas a la realidad, sino que, por el contrario, el carácter subjetivamente

acentuado del reflejo estético es un vehículo capital de su aproximación a la realidad objetiva, que la estructura

64

Vemos, que o meio homogêneo consolida ainda, o caráter humano da obra de arte,

ao possibilitar a passagem, sempre de forma dialética, entre cotidiano e extra cotidiano,

indivíduo-indivíduo e ainda obra-subjetividade do receptor. A partir da vivência estética, o

meio homogêneo, reforça o caráter imanente da obra de arte. Tira a obra da abstração de

transcendência e a alicerça no terreno do mundo humano.

Toda linguagem estética carrega a possibilidade de construir por intermédio do

meio que lhe é próprio, com especificações e determinações inerentes, o mundo próprio, que

unifica conteúdo e forma, e assim refigura o universo humano. O meio homogêneo é o que

confere estatuto de arte autêntica a uma obra, visto ser ele que permite o trânsito do receptor

da obra, entre cotidiano e um rasgo, uma elevação desse cotidiano através da vivência

estética.

Nesse sentido, para além da demarcação de elemento criador específico de

determinada linguagem artística, o meio homogêneo é o que define a potencialidade

humanizadora da obra. É ele que autoriza o diálogo do ser social cotidiano com sua

subjetividade e com a autoconsciência humano genérica da coletividade social.

É ele ainda, que confere a identidade estética de um artista. Aquela paridade com

sua obra, a autenticidade que liga toda a obra de um autor. Que mesmo utilizando sempre o

mesmo elemento de criação para sua refiguração estética de mundo, a partir de sua

singularidade, do todo social que lhe envolve e do elemento ontológico determinante que

utiliza para criar a obra, ele concretiza de forma sempre nova e diferente suas criações,

O reflexo científico é, como sabemos, um reflexo desantropomorfizador, o qual

impõe a seu meio homogêneo uma objetividade correspondente a essa atitude; a

eficácia desse meio e sua natureza essencial estão determinadas pela estrutura do

objeto de cada caso. Mas como o objeto do reflexo estético é o mundo do homem,

suas relações entre si e a de todos eles com a natureza, a estrutura e a diferenciação

do meio homogêneo devem ser, neste caso, muito diversas (LUKÁCS, 1982, p. 322,

tradução nossa)43

.

E em seguida acrescenta o autor,

específica del objeto del reflejo estético pone el mundo en interección con la actividad humana y prescribe

imperiosamente una determinada subjetividad de su órgano de mediación (LUKÁCS, 1982, p. 321). 43

El reflejo científico es, como sabemos, un reflejo desantropomorfizador, lo cual impone a su medio

homogéneo una objetividad correspondiente a esa actitud; la eficacia de ese medio y su naturaleza esencial están

determinadas por la estructura del objeto de cada caso. Mas como el objeto del reflejo estético es el mundo del

hombre, las relaciones entre los hombres y las de todos ellos com la naturaleza, la estructura y la diferenciación

del medio homogéneo tienen que ser en este caso muy diversas (LUKÁCS, 1982, p. 322).

65

O objeto desse reflexo tem que se apresentar, em efeito, não somente tal como é em

si, mas também como momento de interação entre a sociedade e a natureza, seus

fundamentos e suas consequências na sociedade. Na simples posição dos objetos vai

contida, pois, a relação humana com eles e a reação humana sobre os mesmos

(LUKÁCS, 1982, p. 322, tradução nossa)44

.

O meio homogêneo condensa a universalidade do elemento fundador para aquela

linguagem estética, com a individualidade criadora do artista e receptora do espectador,

fazendo emergir assim uma obra carregada de particularidade histórica. Possibilitando ainda,

diversidade inventiva nas artes, inclusive na obra de um mesmo artista.

Essa categoria analítica esclarece assim, que mesmo, os diretores

cinematográficos, Brillante Mendoza e o Terrence Malick, utilizando ambos o mesmo meio

de significação e criação de suas composições estéticas, qual seja, a imagem em movimento,

cada um a seu modo, consolida uma nova forma de utilização desse meio. Dando assim,

identidade contínua e descontínua as suas obras. Criando, para além do meio específico

cinematográfico, um mundo refigurado e sólido em cada filme, um mundo homogêneo e rico

de generalidades humanas.

Ao criar, um mundo próprio com determinações inerentes e homogêneas, que, no

entanto, não se deslocam do chão da realidade cotidiana humana, por meio das imagens em

movimento, o cinema consolida sua esfera humano genérica e possibilita, o afastamento,

ainda que em leve suspensão temporal, do cotidiano alienado e heterogêneo45

.

Desse modo, o meio de criação dessa unidade de elementos exclusivos do reflexo

estético proporcionado pelo cinema é a imagem em movimento. É ela o artefato central e

ontológico da inerência criadora dessa linguagem artística, ressaltando, que as imagens em

movimentos são apenas os elementos constitutivos intrínsecos do cinema criar seu próprio

canal de refiguração da realidade, de designar seu meio homogêneo.

Passível de ter peculiaridade artística apenas nessa transição, das imagens postas

no cotidiano meramente como reprodução da realidade, captadas pelo aparato tecnológico,

para uma assimilação que dê nova significação a essas mesmas imagens, carregando-as de

44

El objeto de ese reflejo tiene que presentarse, en efecto, no sólo tal como es en sí, sino también como

momento de la interacción entre la sociedad y la natureleza, sus fundamentos y sus consecuencias en la sociedad.

En la mera posición de los objetos va ya contenida, pues, la relación humana com ellos, la reacción humana a los

mismos (LUKÁCS, 1982, p. 322). 45

Não se quer afirmar com isso, que a arte consiga eliminar a alienação própria do sistema capitalista. O reflexo

artístico, por sua força depuradora, alça o sujeito humano ao patamar de uma objetivação superior. O Depois do

efeito catártico, contudo, não pode ser garantido pela refiguração estética, mesmo as autênticas. Sobre alienação

Ver: MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2010.

E também, LESSA, Sérgio. Alienação e estranhamento. In: MARX, Karl. Cadernos de Paris & Manuscritos

econômico-filosóficos de 1844. Tradução de José Paulo Netto e Maria Antônia Pacheco. São Paulo: Expressão

Popular, 2015. p. 449-491.

66

humanidade, de buscas e desejos sentidos coletiva e individualmente por todo sujeito social e

isso tudo carregado de coerência para a realidade retratada no filme,

[...] no filme já a forma primária, não estética, puramente tecnológica nada mais é

que um reflexo visual da realidade; pela rápida movimentação, pela sequência

continuamente vivenciável, ela transforma a imagem fotográfica em uma

antropomorfização, aproxima-a das formas aparenciais do cotidiano. A duplicação

da mimese, sua passagem para o estético, decorre desse fundamento; no entanto, ela

não deriva de maneira simples e evidente das possibilidades técnicas, mas deve ser

conscientemente criada, em conformidade com uma missão social frequentemente

implícita. Só então surge o meio homogêneo, a “linguagem” artística do filme

(LUKÁCS, 2013b, p. 86).

O meio homogêneo no cinema é a sua linguagem imagética, sua distinção

enquanto arte, sua capacidade de apanhar através de técnicas de captação de imagens em

movimento, (planos, cortes, duração de cenas, montagem, efeitos especiais, etc.) a alma

humana no mundo coisificado. Seriam assim, as técnicas utilizadas na absorção das imagens

com intuito de construir discurso que qualificam o cinema ao estatuto de arte. Que o cinema

utilize música, teatro, literatura, pintura para construir esse meio, em nada desconfigura essa

propriedade ontológica.

O meio homogéneo cinematográfico é a criação de um mundo próprio

consolidado no filme, através do trabalho dialético entre forma e conteúdo, sendo o conteúdo

o elemento preponderante na criação da película. É a utilização de técnicas de domínio das

imagens, em favor de significação do conteúdo do filme, o fator que permite uma formação de

identidade do autor com sua obra, da obra com o público e ainda, a incessante renovação da

linguagem peculiar do cinema.

Acreditamos que essa categoria dialoga diretamente com a categoria de homem

inteiramente, defendida por Lukács (1982), como estado intrínseco necessário à fruição de

uma obra de arte autêntica. É elevação do ser social da recepção heterogênea da vida humana,

a uma esfera de fruição homogênea da obra de arte. É o momento de inteireza e de totalidade

subjetivo-objetiva de uma vivência que ao mesmo tempo que se individualiza no diálogo do

sujeito fruidor com a obra, se conecta de forma elevada e humanizada diretamente com a

generidade coletiva de seu momento histórico.

O meio homogêneo do filme, se constitui assim, entre outras determinações, pela

realidade coesa para aquela narrativa fílmica, evidenciada na sua fotografia. Todos os

elementos constitutivos da película devem intensificar a sensação de verdade e autenticidade

da obra. Em Lukács (1982, p. 326, tradução nossa) vamos encontrar o seguinte aclaramento,

67

Em certos momentos do meio homogêneo – elementares ou complicados – a

dialética do conteúdo e a forma aparecem com tanta evidência na superfície que

frequentemente resulta difícil distinguir se, se trata de um problema formal ou um

problema de conteúdo. Assim ocorre, ao mesmo tempo, com a questão – de lugar

introdutório – de qual é a função do meio homogêneo no processo de aproximação

do comportamento estético à realidade objetiva46

.

É preciso que em sua totalidade o filme seja repleto de sentido estético coeso e

coerente. É por meio dessa percepção e da transfiguração mimética possibilitada aqui

duplamente, que uma xícara pode ser dançarina, um elfo existir e ter como característica

orelhas pontudas ou ser possível um homem com existência da força Jedi47

.

Essa possibilidade de uma coisa, objeto, animal, ter significação humana diferente

da realidade social, e sua representação imagética fazer sentido na película se solidifica

através do meio homogêneo de um filme.

A transição vida cotidiana/vivência estética proporcionada pela arte, que te tira do

meio heterogêneo das vivências diárias e te alçam ao meio homogêneo da obra de arte, no

filme, diferente das outras linguagens artísticas, ocorre de forma menos brusca e sem grandes

rupturas. Isso porque no filme a primeira mimese precisa ser vivida de forma a se tornar

verossimilhante, próxima ao cotidiano, para só depois criar conformidade própria.

Assim, o mundo fantástico do O Mágico de Oz (1939), a varinha mágica de Harry

Potter (2001), a necessidade do Drácula de beber sangue humano (1992), precisam todos eles

serem assimilados pelos espectadores, como elementos possíveis de serem encontrados no

mundo humano. Na literatura, uma criança com rabo de porco, fruto de amor verdadeiro, fica

a cargo da imaginação do leitor, de lhe dar detalhes e concretude.

Na transposição do romance Cem anos de solidão (1967) do Gabriel García

Márquez para o cinema, necessariamente essa criança ao ser concretizada de alguma forma

em imagem, precisa construir significado cotidiano e familiar aos nossos sentidos para depois

fazer total coerência com a mimese estética do filme.

Não estamos dizendo que o cinema não consegue deixar livre a imaginação do

espectador, já temos prova suficientes de filmes que carregam polêmicas com relação a

história e seu final, tanto quanto a polêmica do livro, Dom Casmurro (1997) do Machado de

Assís. A origem (2010), Magnólia (1999), The lobster (2015), são bons exemplos nesse

46

En ciertos momentos del medio homogéneo – elementales o complicados – la dialétctica del contenido y la

forma aparece con tanta evidencia en la superficie que a menudo resulta difícil distinguir si se trata de un

problema formal o un problema de contenido. Así ocurre, por de pronto, con la cuestión – de lugar seguramente

introductorio – de cuál es la función del medio homogéneo en el proceso de aproximación del comportamiento

estético a la realidad objetiva. (LUKÁCS, 1982, p. 326). 47

Nos referimos aqui há alguns universos fílmicos, envoltos de fantasia e mundos imaginários. A bela e a fera

(1991), a trilogia do senhor dos anéis (2001, 2002 e 2003) e toda a saga Star Wars (1977-2019).

68

campo. Estamos apenas enfatizando que a subjetividade humana contida em toda obra de arte,

é vivenciada de forma diferente no cinema, inclusive em relação a todas as outras artes

visuais.

No cinema os objetos e as pessoas necessariamente se aproximam da realidade

social, temos de acreditar que as imagens expostas na tela podem efetivamente de alguma

forma existir. Só o cinema carrega tão fortemente essa responsabilidade de primeiro parecer

crível, para só depois parecer fantástico,

Todo meio homogéneo nasce da necessidade dos homens de captar o mundo,

objetivamente dado, para si, que é ao mesmo tempo o mundo de suas alegrias e seus

sofrimentos e, sobretudo, o mundo de suas atividades, da construção de sua própria

vida interior e de seu domínio da realidade – desde um ponto de vista essencial

determinado, mais próxima e concretamente, mais intensa, profunda, ampla e

detalhadamente que segundo as possibilidades da vida cotidiana –, e de se aproximar

a ele a partir de uma problemática, necessariamente ignorando metodologicamente o

reflexo desantropomorfizador da realidade (LUKÀCS, 1982, p. 345, tradução

nossa)48

.

Voltemos ao exemplo do filho de Amaranta Úrsula e Aureliano Babilônia (1967),

que por ter nascido da relação entre duas pessoas da mesma família que se amam, nasce com

rabo de porco e é levado pelas formigas no final do magnífico livro do Gabriel García

Márquez.

Agora pensemos nesse mesmo fato, sendo adaptado para o cinema e de como

seria necessário na totalidade da obra, que as imagens escolhidas para relatar esse

acontecimento, não se limitassem a construção da cena, mas sim, a todo o universo imagético

do filme. Seriam necessárias muitas escolhas e determinantes imagéticas e poéticas para que

se conseguisse materializar no cinema o que foi expresso brilhantemente em palavras no livro.

Essa possibilidade de transposição imagética do cinema é sua força e ao mesmo

tempo, e contraditoriamente, sua fraqueza. É o que oportuniza um maior realismo na relação

cotidiano com o espectador, mas também é o que pode fazer com que a obra se construa no

puro kitsch49

ou entretenimento, sem ter força de catarse.

48

Todo medio homogéneo nace de la necessidad de los hombres de captar el mundo para ellos objetivamente

dado, que es al mismo tiempo el mundo de sus alegrías y sus sufrimeientos y ante todo el mundo de su actividad,

de la construcción de su propia vida interior y de su domínio de la realidad – desde um punto de vista esencial

determinado, más proxima y concretamente, más intensa, profunda, amplia y detalladamente que según las

posibilidades de la vida cotidiana, y de aproximarse a él a partir de una problemática por fuerza tiene que ignorar

metodológicamente el reflejo desantropomorfizador de la realidad (LUKÀCS, 1982, p. 345). 49

Segundo Merquior (2015), o kitsch, assim como as artes de massa, que nascem na era industrial, pode ser mera

cafonice. Exerce ainda, a função de facilitar a obra para o espectador, gerando através da obra uma reação

controlada. Impossibilitando assim sua verdadeira função, que seria a catarse. Entendemos que no cinema o

kitsch seria a mera distração cotidiana e o prazer, negando assim o contraponto indivíduo-humanidade genérica

que a obra de arte pode e tem como função social proporcionar. Sendo assim, um instrumento de alienação e

69

Em Lukács, o meio homogêneo se faz presente em toda obra de arte autêntica,

independente do elemento ontológico de criação de sua linguagem estética. lhe conferindo

identidade e consolidando a cismundanidade da obra. Permitindo ainda, o trânsito entre

receptor – obra- mundo social, e também, criador – obra – mundo social,

Os diversos meios homogêneos podem diferir muito não somente segundo as artes,

mas também segundo a personalidade dos artistas e até segundo as individualidades

das obras; mas todos tem a característica comum de transpor o receptor ao mundo

particular de cada obra – pensemos em elementos formais como a entonação, a

exposição, etc., - e de vincular-lhe precisamente por sua homogeneidade, por sua

intenção de orientação segundo o plano das vivencias evocadas (LUKÁCS, 1982, p.

493, tradução nossa)50

.

No cinema, frente as suas determinações de surgimento atrelados à ascensão

burguesa, à revolução industrial e ao mundo capitalista, a criação desse meio homogêneo que

distancia e aproxima ao mesmo tempo o espectador de um mundo humano genérico, foi

sempre de difícil apreensão e consolidação. Do mesmo modo, nem toda obra cinematográfica,

por utilizar o elemento ontológico do cinema - as imagens em movimento - irá conseguir

alicerçar um meio homogêneo rico de humanidade e de autenticidade.

No atual momento de crise estrutural, que reverbera diretamente nas objetividades

e nas subjetividades humanas individuais e coletivas, a arte em geral sofre dificuldade de

alicerçamento de um mundo homogêneo que se afaste do cotidiano heterogêneo, e o cinema

pelas questões apontadas acima, parece sofrer ainda mais as consequências de tal crise, visto

acabar produzindo obras que longe de questionar o real tal qual posto no cotidiano humano

imediato, busca reproduzir alienações e verdades subjetivas destituídas de historicidade.

ideologia da cultura repressiva. Temos ainda: “a palavra kitsch, no sentido moderno, aparece em Munique, por

volta de 1860, palavra bem conhecida do alemão do sul: kitschen, quer dizer atravancar e, em particular, fazer

móveis novos com velhos, é uma expressão bem conhecida; verkitschen, quer dizer trapacear, receptar, vender

alguma coisa em lugar do que havia sido combinado. Neste sentido, existe um pensamento ético pejorativo, uma

negação do autêntico. O Kitsch está ligado à arte de maneira indissociável, assim como o falso liga-se ao

autêntico” (MOLES, 2010, p. 10) Indicamos por fim, uma tese que além de tocar nessa categoria analítica no

cinema, faz uma análise das produções cinematográficas cearenses com base na estética lukacsiana: SILVA,

Marcus Flávio Alexandre da. Estética e audiovisual no Ceará: uma aproximação crítica à luz da ontologia

marxiana. 2011. 130 f. TESE (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação,

Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011. 50

Los diversos medios homogéneos pueden diferir mucho no sólo según las artes, sino también las

personalidades de los artistas y hasta según las individualidades de las obras; pero todos tienen el rasgo común

de transponer al receptor al mundo particular de cada obra – piénsese en elementos formales como la entonación,

la exposición, etc. – y de vincularle a él precisamente por su homogeneidad, por su intención de orientación

según plan de las vivencias evocadas (LUKÁCS, 1982, p. 493).

70

4.2.2 Objetividade indeterminada: potencialidade e limites estéticos do filme.

“Um filme significa mentir vinte e quatro vezes

por segundo - em serviço da verdade. Um

filme, é claro, é sempre uma mentira. Ele

nunca diz a verdade. Mas, mais do que

qualquer outra forma de arte, ele transmite a

impressão de que estamos observando algo

real”.

Michael Haneke

Todo reflexo humano de ordem superior contém determinações e indeterminações

do objeto na consciência do sujeito que se posiciona frente à uma dada realidade. Esse caráter

de indeterminação concreta dos objetos pela consciência humana é o que garante a eterna

busca do novo no ser social. É sua força transformadora constante e sempre indefinida frente

à natureza. É também o que propicia as renovações e avanços sociais.

Todas as relações humanas se pautam nessa dialética entre a necessidade de

apreensão concreta e mais real possível do objeto, a fim de garantir a própria sobrevivência do

ser social no mundo, e sua incapacidade de assimilar esse mesmo objeto em sua totalidade.

Lukács (1982), parte dessa premissa humana que abrange a totalidade da vida, para daí tirar

idiossincrasias do reflexo estético.

Segundo ele, toda obra de arte, transita entre essa determinação do objeto, como

forma de constituir seu meio homogêneo, aproximando-a da consciência humana através da

proximidade com o cotidiano e a objetividade do próprio objeto, como dialeticamente carrega

uma indeterminação objetiva desse mesmo objeto, aqueles fundamentos posto no objeto pela

própria consciência humana que o amplia e o refigura, fazendo com que o mesmo objeto

possa ser compreendido de diversas formas, por diversas pessoas. É o que garante segundo

ele, a relação fértil entre obra e receptor.

O que necessariamente corresponda à determinação visual do externo uma

indeterminação humano anímica do interno, a qual, certamente, e como já se expôs,

não está objetivamente de todo indeterminada, mas movendo-se em um âmbito de

jogo concretamente circunscrito no artístico. E há que observar que as obras nas

quais faltam total ou em grande parte esse âmbito, apesar de toda a possível

perfeição técnica, resultam vazias, ao mesmo tempo em que é característico das

maiores obras que seu âmbito de jogo de indeterminação do interior tenha mais

alcance, apontando mais energeticamente à profundidade quando comparado às

obras médias (LUKÁCS, 1982, p. 417, tradução nossa)51

.

51 El que necesariamente corresponda a la determinación visual de lo externo una indeterminación humano-

anímica de lo interno, la cual, ciertamente, y como ya se ha expuesto, no está objetivamente del todo

71

Essa relação determinação - indeterminação é ainda o que avaliza, a relação direta

e particular sujeito-objeto artístico na arte. O que possibilita as mais elevadas conquistas

humanas no campo estético, esse trânsito entre essência e aparência fenomênica da realidade

cotidiana refigurada para o estético, tendo sentido próprio na obra de arte.

A obra autêntica deve transitar entre a determinação e a indeterminação do mundo

humano e seus dramas contidos na sua depuração estética dos objetos. Na literatura essa

relação se dá pelo uso das palavras e na centralidade da narração em detrimento da mera

descrição visual dos seus personagens, partindo da determinação e se relacionando com a

indeterminação objetiva da obra. A preocupação se volta muito mais em significar as ações e

sentimentos humanos da história do que simplesmente descrevê-las (LUKÁCS, 2010b).

A potencialidade de figurar o mundo humano partindo do solo da cotidianidade,

sem ser mera descrição, mas trazendo a superfície da obra a subjetividade humano genérica,

retratações sem serem deterministas, e sem se nortear meramente na subjetividade individual

do artista criador da obra, e ainda a viabilidade de diálogo entre obra-receptor e o todo social,

constitui para Lukács (1982), um campo específico de alicerçamento de toda obra de arte

autêntica. É o que ele denomina objetividade indeterminada nas artes figurativas. Essa

expectação do cinema simbolizar a imagem cognitiva e esteticamente, vinculada à traços

humanos de forma a compor concretamente a totalidade da obra.

No campo cinematográfico, essa narração e não mera descrição se dá de forma

mais complexa e de difícil assentamento, visto a imagem já encerrar em si uma definição. É

preciso, unificar todos os elementos do filme: som, ângulos das imagens, cortes, cores,

cenários, figurinos etc., enfim, todos os aspectos do filme devem confluir para se criar um

mundo subjetivo que vá além do puramente imagético. A significação do mundo interno das

coisas e do sentimentos humanos, aqui é muito mais difícil de ser alcançada.

Essa significação do mundo humano em seu caráter mais subjetivo, possibilita,

que apesar de Machado de Assis (1997, p. 40), fazendo uso do personagem José Dias, defina

os olhos da Capitu como “[...] olhos que o diabo lhe deu...Você já reparou naqueles olhos

dela? São olhos de cigana oblíqua e dissimulada” e ainda mais a frente, outro personagem,

dessa vez o par apaixonado, o Bentinho: “Olhos de ressaca? Vá de ressaca. É o que me dá

indeterminada, sino que se mueve en un ámbito de juego concretamente circunscrito en lo artístico. Y hay que

observar que las obras a las que falta total o en gran parte ese ámbito, pese a toda posible perfcción técnica,

resultan vacías, mientras que es característico de las más grandes obras el que su ámbito de juego de

indeterminación de lo interior tiene más alcance, apunta más enérgicamente a la profundidad que el de las obras

medias (LUKÁCS, 1982, p. 417).

72

ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido, misterioso e enérgico, uma força que

arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca” (1997, p. 54), e

que mesmo assim, com essa determinação objetivada dos olhos, o leitor seja capaz de a seu

modo e com sua carga subjetiva e social, de no fim configurar o entendimento dos olhos de

Capitu, personificar a partir de seus aparatos estéticos e líricos, o que seriam esses olhos da

personagem.

A linguagem por ser um campo de significação humana e que relaciona

diretamente signo e significado, possibilita essa objetividade indeterminada para além dos

olhos físicos da personagem. Autoriza que eles retratem as sensações e significações desse

olhar em ambos José Dias e Bentinho, de formas diferentes e até opostas, e que ainda chegue

ao leitor, mesmo tendo sido determinada e direcionada com espaço criativo de recriação

estética, visto depender ativamente do leitor da obra a relação conceitual para esses olhos de

ressaca ou oblíquos e dissimulados.

Permite que através da profícua relação forma e conteúdo, determinação e

indeterminação, o leitor atinja a potência de dialogar diretamente de sua subjetividade humana

singular, com a subjetividade humano genérica, passível de ser sentida coletivamente por

qualquer ser social encerrada na busca do Bentinho apaixonado, em tentar captar a definição

do que contém os olhos da mulher por quem ele está apaixonado.

Bem mais complexa e difícil de ser realizada, é essa significação a partir da

minissérie52

intitulada Capitu (2008) adaptação do romance para televisão, dirigida por Luiz

Fernando Carvalho, que concretiza nos olhos da atriz, Letícia Persiles essa cena.

Personificando, e objetivando indeterminadamente, essa imagem criada através das palavras

por Machado de Assís, pois concretiza nos olhos da atriz, o exterior do que o diretor entende

por essa conceituação poética de olhos de ressaca, mas que tem uma enorme dificuldade para

fazer chegar no espectador essa subjetividade alcançada no livro, através da analogia feita por

José Dias e pela metáfora narrada por Bentinho.

Esse fato, específico do cinema, dentro das artes visuais, ao mesmo tempo em que

enfraquece essa possibilidade de transição direta entre sujeito-receptor e a obra, e sujeito-

criador e a obra, também possibilita ilimitada refiguração do cotidiano e uma veracidade, uma

confiança de verossimilhança com o cotidiano concebido na obra,

52

Apesar de se tratar de uma minissérie e não de uma obra cinematográfica, ambas compartilham do mesmo

elemento definidor de seu meio homogêneo, o que possibilita a utilização da mesma, para a finalidade aqui

posta.

73

[...] Como o filme pode tornar tudo crível, como pode conferir a qualquer objeto um

igual caráter de realidade, ele não encontra limites mesmo para a representação do

fantástico; também aqui pode haver transições no cotidiano e para além cotidiano,

também aqui vigora a escala emocional que vai da vivacidade ligeira até o terror

angustiante. Estas possibilidades ilimitadas fazem do cinema a forma mais popular

da mimese e abrem-lhe o caminho – sem dúvida apenas como possibilidade,

raramente realizada – para uma autêntica e grande arte e popular (LUKÁCS, 2013b,

p. 98).

E continua fazendo emergir na análise, as contradições imposta a linguagem

cinematográfica por essa sua probabilidade expansiva. Esse seu caráter múltiplo e amplo de

designação concreta ligada de forma direta ao cotidiano, nos levando a perceber o cinema

como uma das linguagens estética que sofre de determinados limites de expressão, que para

torna-se arte autêntica, necessita rompê-los,

No entanto, justamente essa ilimitada variedade, essa sensibilidade próxima à vida,

essa universalidade extensiva do filme constituem, ao mesmo tempo os limites de

sua possibilidade de expressão. Como arte da visualidade em movimento, à qual está

associado um complexo auditivo igualmente móvel, o filme não consegue exprimir a

mais elevada vida espiritual do homem, que a literatura, por meio da palavra

refundida poeticamente, consegue figurar diretamente, e as artes plásticas e a

música- de modos diferentes – podem figurar indiretamente, como objetividade

indeterminada (LUKÁCS, 2013b, p. 98).

Vemos que a objetividade indeterminada se liga diretamente à subjetividade do

objeto retratado, a interioridade da coisa em si. O cinema que precisa se distanciar da

objetividade meramente indeterminada do objeto, e conseguir significar os sentimentos

humanos, que ao concretizar na imagem essa exterioridade do objeto, tem dificuldades de

fazer relacionar a fruição subjetiva do mesmo de forma fluida e passível de dialogar de forma

clara com o espectador. Ao mesmo tempo em que pode potencializar a fruição estética do

filme, pois aproxima os fatos cotidianos diretamente com a realidade da obra, pode diminuí-la

no sentido de lhe determinar, ocorrendo uma hiperdeterminação ou hiperindeterminação da

obra.

A hiperdeterminação pode encontrar no excesso de detalhes explicativos da obra,

campo fértil de crescimento. No cinema, é notório o número de obras que buscam facilitar a

apropriação do filme por parte do receptor, utilizando esse recurso. obstaculizando o receptor,

na vivência estética, momento intenso de refiguração de si e do mundo que o circunda. É um

excesso de mediação e de motivação emocional que a obra propõe como forma de prender o

espectador, que acaba por vezes reduzindo o filme ao campo de puro entretenimento ou

mesmo puro Kistch,

Um detalhe está justificado artisticamente quando manifesta um caráter, uma

situação, etc., desde um novo ponto de vista relacionado com o problema capital,

74

ainda que seja através de muitas mediações, ou seja, quando manifesta algo de sua

essência que sem ele teria ficado oculto. A quantidade não tem, pois, completo

sentido estético senão relativamente às últimas intenções da obra. Assim referida

pode perfeitamente se tratar de um modo esteticamente racional, e a decisão sobre a

proporção correta, a determinação insuficiente ou o excesso errôneo pode sempre se

deduzir univocamente dos princípios (LUKÁCS, 1982, p. 414, tradução nossa)53

.

A hiperdeterminação presente em larga escala nas superproduções do cinema

hollywoodiano, por exemplo, empobrece a maioria de seus filmes, e nega ao audiente papel

ativo nas apreensões do mundo alicerçado na película. Esvazia a relação sujeito-obra que toda

arte autêntica carrega em si, fragmenta o potencial de trânsito entre a individualidade do

espectador e a generidade humana contida na obra. A hiperdeterminação empobrece a

antropomorfização e a relação receptor e obra.

A hiperindeterminação, por outro lado, é a aposta que a obra não deve fazer

nenhuma mediação com o espectador. A negação total de necessidade objetiva de

significações. É se guiar totalmente pela subjetividade criativa do autor da obra, acreditando

que seja possível um diálogo direto e rico com a subjetividade do interlocutor. É o

descolamento de entendimento da relação concreta entre objetividade e subjetividade,

consciência e existência humana. Muitos filmes ditos autobiográficos feitos atualmente, ou

mesmo a tendência vinda do pensamento pós-moderno de negar a concretude da subjetividade

humana, exemplificam essa tendência no momento histórico atual.

Se a relação dialética entre o interno e o externo, sua última identidade apesar de

toda a contraditoriedade de seus modos de manifestação, não fosse um fato objetivo

da vida, seria impossível a circulação entre os homens. Como é natural, seu reflexo

na consciência do homem deve conter também uma imagem mais ou menos

adequada da estrutura dialética objetiva. O momento de indeterminação que existe

para as relações entre os homens na interpretação do externo (incluindo aqui,

naturalmente, fatos, manifestações, etc.) fica sem suprimir por isso. O que no

cotidiano se chama conhecimento do homem é em muitos casos algo extremamente

inseguro, e quando dá resultados, a fonte destes é uma capacidade individual

sintética de tratar os casos singulares, capacidade conseguida pela o acúmulo de

experiências e observações (LUKÁCS, 1982, p. 417, tradução nossa)54

.

53

Un detalle está justificado artísticamente cuando manifiesta un carácter, una situación, etc., desde un nuevo

punto de vista relacionado con el problema capital, aunque sea a través de muchas mediaciones, o sea, cuando

manifiesta algo de su esencia que sin él habría quedado oculto. La cantidad no tiene pues completo sentido

estético sino relativamente a las intenciones últimas de la obra. Así referida puede perfectamente tratarse de un

modo estéticamente racional, y la decisión acerca de la proporción correcta, la determinación insuficiente o el

exceso erróneo puede siempre deducirse unívocamente de los princípios (LUKÁCS, 1982, p. 414). 54

Si la relación dialéctica entre lo interno y lo externo, su identidad última a pesar de toda la contradictoriedad

de sus modos de manifestación, no fuera un hecho objetivo de la vida, sería imposible al tráfico entre los

hombres. Como es natural, su reflejo en la consciencia del hombre tiene que contener también una imagen más o

menos adecuada de la estructura dialéctica objetiva. El momento de indeterminación que existe para las

relaciones entre los hombres en la interpretación de lo externo (incluyendo aquí, naturalmente, hechos,

manifestaciones, etc.) queda sin suprimir por eso. Lo que en la cotidianidad se llama conocimiento del hombre es

en muchos casos algo extremadamente inseguro, y cuando da resultados, la fuente de éstos es una capacidad

75

A relação conteúdo e forma tem de ser rica e vivaz em qualquer grande obra. Não

pode nem focar suas forças meramente na técnica, nem apostar apenas na subjetividade da

história contada. É necessário utilizar a forma em favor do conteúdo. Definir objetivamente a

subjetividade humana que a obra irá passar.

Dessa determinação visual do objeto, decorre ainda, a dificuldade de o cinema

conseguir transfigurar de forma poética a realidade, como o faz de forma muito mais sólida e

concreta a literatura por meio das palavras. No entanto, o impedimento e de não concretização

interior do objeto, por meio da forma imagética, não significa a incapacidade de criar uma

realidade poeticamente, e que dê margens criativas ao espectador. O cinema transita

dialeticamente entre objetividade determinada e objetividade indeterminada, o que lhe

configura força e ao mesmo tempo limites nessa fruição entre obra-espectador.

A objetividade indeterminada, permitida com maior clareza pela poesia, ao

utilizar a narração e a significação das palavras para criar um mundo próprio, concretiza com

tamanha força essa categoria partindo da determinação para conter indeterminação, e ainda a

objetividade indeterminada presente nas artes visuais como um todo, que precisa no entanto,

ter um nível de determinação do objeto, é a possibilidade de significação diversas que os

objetos e as coisas, carregadas com os sentimentos das pessoas são representadas na obra de

arte a fim de provocar sensações humanas no espectador.

No filme, diferente das outras artes visuais, a indeterminação tem oportunidade de

construir profícuo diálogo com a determinação por meio de aspectos externos a usa própria

linguagem estética, que são as imagens em movimento, tais quais letreiros e textos de ligação,

as narrações em voz over e em voz off55

, o acompanhamento sonoro, a trilha sonora, o

desenho de som do filme, etc. Um bom exemplo aqui, é o letreiro final do filme Dançando no

escuro (2000) de Lars Von Trier, sem o qual toda a película teria um sentido totalmente

diferente. Mas também pela própria criação imagética do diretor da película: o ritmo que

impõe através dos cortes, o que ele elege para por dentro e fora de campo da imagem, os

ângulos utilizados, etc.

A objetividade indeterminada, essa possibilidade em concretizar a subjetividade

humana, de se aproximar de uma concretização da consciência do ser social, também pode

individual sintética de tratar los casos singulares, capacidad conseguida por la acumulación de experiencias y

observaciones (LUKÁCS, 1982, p. 417). 55

“Primeiramente, cabe aqui diferenciarmos voz over de voz off. Na última o emissor está dentro da diegese (se

trata normalmente de um personagem) e apenas temporariamente fora da visão da câmera: se a virássemos,

poderíamos vê-lo. Enquanto isso, na voz ver temos o comentário de uma entidade que se coloca em um espaço e

em tempo diferentes dos do filme – fora da diegese ( WOLFF HACK, 2014, p. 50).

76

acorrer no cinema com grande potência, ainda que de maneira diversa e muito mais complexa

de construção que não esbarre apenas no subjetivismo vazio de significação do drama

humano. Na forma fílmica, visto o filme assumir um caráter de homogeneidade, dentro da

aparência transposta em imagens e sons heterogêneos do cotidiano, ela se consolida nessa

busca em unir elementos que compõem o filme, para além da determinação imagética.

Essa categoria, pode ajudar, a definir o caráter de elevação dos aspectos humanos

da obra. Aristóteles (2011), define como sendo o objeto de significação da poesia o próprio

homem e suas representações, de caracteres superiores concretizados na tragédia, ou de

caracteres inferiores, materializados na comédia. Com Lukács (2013b), mais uma vez vemos

uma expansão categorial da definição aristotélica, pois com ele, além da representação do ser

social é necessária uma ligação direta entre mundo cotidiano objetivo e a subjetividade

humana forjada no solo desse cotidiano. Aqui o cotidiano e a concretude da existência tomam

forma determinante sobre a obra de arte, garantindo assim uma antropomorfização da

realidade humana.

Como ressaltado, no momento atual, o cinema, assim como todas as artes,

encontra-se em período de imensa dificuldade de significação elevada da subjetividade

humana. Vemos então, uma total desvalorização pela apropriação objetiva do filme, de seus

elementos constitutivos, tornando a vivência estética subjetivista e oca de acepções catárticas,

ou por outro lado, um extremo apego ao fazer técnico da obra, uma hiperespecialização e

superprojetos pseudoestéticos, pautados em avanços tecnológicos, que nada ou pouco

contribuem para elevação da autoconsciência humana genérica do receptor.

4.3.3 Atmosfera anímica: totalidade e esfera psicológica da obra.

“Fazer filmes é combinar imagens e sons das

coisas reais numa ordem que as torne

efetivas”.

Robert Bresson

Com Marx (2010), entendemos que a consciência, a subjetividade e todas os

sentimentos humanos são forjados no cotidiano concreto. Como a arte é, em sua essência, a

possibilidade de diálogo entre a subjetividade do indivíduo com a subjetividade coletiva de

sua época histórica, sempre no campo da elevação e do devir, compreende-se que a primeira

preocupação do Lukács (1966) na sua Estética, seja aclarar essa preponderância do cotidiano

sobre a vida humana e de todas as suas objetivações.

77

Para entender a categoria da atmosfera anímica56

no filme, é preciso ter em mente

duas coisas: essa interferência do cotidiano na formação psicológica do espectador e a relação

que ela mantém com as duas outras categorias, meio homogêneo e objetividade

indeterminada, debatidas nas seções anteriores. Para criar um mundo independente,

homogêneo e que conduza uma rica relação de objetividade indeterminada, é preciso também

pensar nos aspectos psicológicos da recepção do filme, que não se descola da realidade

histórica na qual a película está inserida. A obra cria uma atmosfera psicológica que pode

elevar ou alienar o receptor.

O cinema quebra com a percepção da unidade espaço-tempo em relação ao

cotidiano. O momento presente, passado ou futuro no filme, se confunde diretamente com o

presente imediato do espectador. Cria uma atmosfera psicológica que transfere quem está

assistindo a película para dentro dela no momento imediato que está ocorrendo a fruição

estética cinematográfica.

[..] „Tudo é possível‟: essa é a concepção de mundo no „cinema‟. E como sua técnica

exprime em cada momento a absoluta realidade desse momento (ainda que apenas

empírica) a validade da „possibilidade‟ é elevada a uma categoria oposta à

„realidade‟; ambas as categorias são equalizadas entre si, tornam-se idênticas. „Tudo

é verdadeiro e real, tudo é igualmente verdadeiro e igualmente real‟: é o que

ensinam as sequências de imagem do cinema (LUKÀCS, 2013a, p. 80).

E continua, nos esclarecendo as probabilidades de um filme criar um espaço de

fruição psicológica fortemente crível,

Assim surge no „cinema‟ um mundo novo, homogéneo e harmonioso unitário e

variegado, ao qual correspondem o conto de fadas e o sonho nos mundos da poética

e da vida: a maior vivacidade sem uma terceira dimensão interna; encadeamento

sugestivo através da mera sequência; realidade estrita, ligada à natureza e

extremamente fantástica; o tornar-se decorativo da vida não patética, da vida

ordinária (LUKÀCS, 2013a, p. 80).

Essa potencialidade de vivência subjetiva psicológica do filme, como

representação humana, é o que Lukács denominou de atmosfera anímica. É partindo do meio

homogêneo e de sua constituição fluida aproximativa entre objetividade determinada e

indeterminada, que o filme se configura num mundo humano agudizado pela obra de arte, e

56

Em Aristóteles (2011) a categoria denominada „modo‟ é a responsável pela forma da criação e da

representação do objeto estético, que seria de acordo com ele e como já exposto aqui, o próprio ser social, que

pode ser representado no seu drama elevado ou em formas inferiores. Sendo assim, essa categoria é a que mais

se aproxima da forma de representação, logo é que se vincula a recepção da obra. Em Lukács (2013b) vemos,

que a categoria de atmosfera anímica, novamente parte da concepção aristotélica, ampliando-a. Pois aqui, essa

categoria ganha contornos psicológicos e sociais densos. Envolve tanto a criação, quanto a recepção. Condensa

assim, conteúdo e forma.

78

sustenta sua atmosfera anímica, que é capaz de suscitar, catarses e elevações humanas para

além cotidiano.

No cinema, as imagens, a cor, o tempo, o som etc., tudo que compõe o quadro57

e

até o fora de quadro na tela, é o que consolida a atmosfera anímica do filme. As escolhas,

todas elas, que consolidam as imagens, são o que garantem essa atmosfera psíquica que está

diretamente relacionada com o receptor, nela é que se faz necessário uma unicidade de todos

os elementos da filmagem que irão resultar na obra fílmica final, aqui se destaca a montagem

que irá conferir unicidade aos fragmentos da película,

[...]Todos os meios técnicos de filmagem (tipos de enquadramento, iluminação, etc.)

só alcançam um sentido estético como meios de expressão da unidade atmosférica,

da passagem de uma atmosfera para outra, dos contrastes de atmosfera; do mesmo

modo o corte, montagem, tempo, ritmo, etc. são apenas meios para conduzir os

receptores de uma atmosfera anímica para outra no interior da atmosfera em última

instância unitária do todo (LUKÁCS, 2013b, p. 103).

E adiante, caracteriza a atmosfera anímica como categoria basilar na relação

receptor e obra,

O veículo principal da recepção é, pois, a atmosfera anímica. Todas aquelas

inovações tecnológicas nas quais os empiristas e positivistas buscam e pensam

encontrar o novo e específico do filme são apenas meios para sintetizar, para essa

orientação estética da receptividade, atmosferas anímicas, a transição de uma para

outra, sua sequência, seus contrastes (LUKÁCS, 2013b, p. 103).

A atmosfera psicológica do filme está relacionada diretamente com o receptor.

Por conta dela é que se faz necessário uma integração de todos os elementos da filmagem que

irão resultar na obra final. Aqui é de suma importância a montagem, que irá conferir

homogeneidade aos fragmentos que compõem o filme. Lukács (2013b) para continuar falando

dessa categoria utiliza a cor como elemento exemplificador.

Podemos citar aqui como exemplo, Lavoura arcaica (2001), filme nacional que se

constitui com imagens em tons escuros e pouca luminosidade nas cenas em que os diálogos

têm sempre tom tenebroso, enevoado, pesado. Contrastando com as cenas de alegria, festas,

danças, as cenas de afeto, sempre luminosas, claras, leves.

57

“[...]O quadro, enfim, é um elemento importante plasticamente. Limite da superfície da imagem, ele

desempenha um papel na organização formal da tela pintada ou da foto. É paradoxalmente bem aparente em

algumas obras de pintura não figurativa (Mondrian), que recusam o enquadramento, mas trabalham com a

composição da superfície. Essa possibilidade considerada menor no cinema, é, no entanto, utilizada por alguns

cineastas, sem que se possa pensar que ela dá lugar a verdadeiros cálculos, como foi algumas vezes dito. [...] o

quadro define, portanto, os limites da imagem e o que está fora da imagem. Por isso, ele foi visto muitas vezes

como se abrindo para um mundo imaginário (a diegese da imagem). É a famosa metáfora da „janela aberta‟,

atribuída a Leon Battista Alberti, pintor e teórico italiano do século XV, e retomada notadamente por Bazin”

(AUMONT; MARIE, 2012, p. 249-250).

79

Esse jogo de luz que compõem as cenas e as imagens, utilizadas como forma de

contar a história de André e seu amor impossível, de inclusive dividir presente e passado na

narração do filme, interfere diretamente na totalidade da obra e na sua construção psicológica.

Ela vai moldando a recepção do drama vivido pelo protagonista no espectador. Ela vai

conduzindo a subjetividade do ator principal, a fim de que o receptor, antes de julgar suas

ações, veja a contradição da vida humana, o drama, o absurdo do mundo e suas imposições

aos sujeitos.

Pela atmosfera anímica o indivíduo se eleva e adentra o mundo da obra de arte.

No cinema, essa vivência se intensifica visto tudo confluir para que o espectador se concentre

durante a exibição da película. O espaço físico, a luz apagada e o silêncio exigido na sala de

exibição, criam um ambiente subjetivamente propício para a suspensão do cotidiano. Todos

os sentidos humanos são levados à concentração ao que está sendo exibido,

[...] O conteúdo humano dessa transformação pode se estabelecer dizendo que o

homem se afasta do contexto imediato e mediado da vida – relativamente como

veremos em seguida –, se desprendendo dele para se orientar temporal e

exclusivamente à contemplação de um concreto aspecto vital que reconfigura o

mundo como totalidade intensiva das determinações decisivas que se oferecem

desde certa perspectiva (LUKÁCS, 1982, p. 495, tradução nossa)58

.

É por esse fato, por essa necessidade de unidade e suspensão do cotidiano

concreto, para consolidação da atmosfera anímica, que A pele que habito (2011), de

Almodóvar, tem em todo o transcurso da sua narrativa, cores pastéis, neutras, diferindo de

quase toda a obra cinematográfica do diretor espanhol, mas fazendo todo o sentido e se

fazendo necessário a escolha dessas cores, para a atmosfera psicológica que está sendo

contada no filme.

Ou ainda, que o filme Irreversível (2002) comece com câmera na mão, com

imagens quase indescritíveis, nebulosas, frenéticas, desesperadas e vá se acalmando

imageticamente durante toda a película e termine com a cena bucólica de uma mulher deitada

na grama verde de um parque num dia ensolarado, sem que, no entanto, essa imagem traga

necessariamente calma ao espectador que assistiu todo o filme.

No filme, o ser social e as coisas têm múltiplas determinações para configurar sua

veracidade. Na forma fílmica, as coisas estão fortemente ligadas à aparência cotidiana que

carregam. É só na construção do conteúdo e na sua relação com essa forma necessariamente

58

[...] El contenido humano de esa trasformación puede formularse diciendo que el hombre se aleja del contexto

inmediato y mediado de la vida - relativamente, como veremos en seguida - , se desprende de él para orientarse

temporal y exclusivamente a la contemplación de un concreto aspecto vital que refigura el mundo como totalidad

intensiva de las determinaciones decisivas que se ofrecen desde una cierta perspectiva (LUKÁCS, 1982, p. 495).

80

cotidiana, que o filme alcança a atmosfera anímica necessária para construir o realismo

indispensável à toda arte autêntica.

Na fase atual, se dá ainda muita importância às possibilidades técnicas do cinema e

não se destacam os problemas de conteúdo; não devemos esquecer que em cada arte,

o significado direto das coisas está na atmosfera. Conheço poucas coisas tão

dramáticas na vida real como a cena de Macbeth, onde depois do homicídio se ouve

bater à porta do castelo. Esse fato de se chamar à porta não significa nada em si

mesmo, é unicamente o lado técnico da coisa. Aqui a essência é a relação entre os

dois elementos. O dever da dramaturgia cinematográfica é de descobrir a

problemática desses elementos. Estou convencido de que poderíamos captar muitas

coisas interessantes se examinássemos esses elementos desde o ponto de vista do

conteúdo, ou seja, que não se trata de chamar à porta em geral, mas sim de chamar à

Macbeth (LUKÁCS, 1971, p.14-15, tradução nossa)59

.

As escolhas, que consolidam e compõem a imagem fílmica, incluindo aqui o som,

ou a ausência dele, são o que geram sua atmosfera anímica e, consequentemente, validam sua

autenticidade ou não, enquanto arte. Pensar as imagens como construções interligadas ao todo

da história narrada no filme, com significações e interligações, que ajudam a construir essa

tonalidade psicológica da obra, é perceber a atmosfera anímica como totalidade no filme.

Podemos pensar, o som e seu papel na recepção da obra. Aqui citamos os irmãos

belgas, Luc e Jean-Pierre Dardenne, que em toda sua filmografia de longas-metragens

preocupam-se de maneira direta com a captação e significação sonora para obra. Vamos focar

no premiado Rosetta (1999), constituído inteiramente em som diegético60

.

Quando uma música aparece na cena em que a personagem Rosetta dança com o

amigo, na casa dele, que também é sua maior demonstração afetivo-corporal em quase toda a

película, a música toma uma proporção emotiva espetacular. Sem contar as longas

caminhadas feitas pela personagem, sobre as folhas secas até o trailer onde mora, ou o som do

vazamento de gás, indicando sua desistência da vida ou o som do secador aquecendo sua

barriga (seria por fome ou por cólica a utilização desse artifício pela personagem?).

59

En la fase actual, se le da aún mucha importancia a las posibilidades técnicas del cine y no se destacan los

problemas de contenido; no debemos olvidar que en cada arte, el significado directo de las cosas está en la

atmósfera. Conozco pocas cosas tan dramáticas em la vida real como la escena de Macbeth donde después del

homicídio, se oye golpear a la puerta del castillo. Ese hecho de que se llame a la puerta no significa nada en sí

mismo, es únicamente el lado técnico de la cosa. Aquí la esencia es la relación entre los dos elementos. El deber

de la dramaturgia cinematográfica es de descubrir la problemática de esos elementos. Estoy convencido que

podríamos captar muchas cosas interesantes si examinásemos esos elementos desde el puento de vista del

contenido, es decir que no se trata de llamar a la puerta en general sino de llamar a lo Macbeth (LUKÁCS, 1971,

p.14-15). 60

Para Souriau, os “fatos diegéticos” são aqueles relativos à história representada na tela, relativos à

apresentação em projeção diante dos espectadores. É diegético tudo o que supostamente se passa conforme a

ficção que o filme apresenta, tudo o que essa ficção implicaria se fosse supostamente verdadeira.

(AUMONT&MARIE, 2012, p. 77).

81

O som assim, se transforma em personagem, elemento indispensável para a

construção de toda a obra. Percorrendo a película do início ao fim, lhe conferindo realismo e

significação, ou ainda, e aqui continuando com o Lukács (2013b), preenchendo e fortificando

a atmosfera anímica a fim de interferir diretamente na fruição do receptor.

A palavra falada, o diálogo no cinema, aparece como mais um elemento

constitutivo na atmosfera psíquica, assim como a música. Enfatizamos a ampliação de música

para som, ou mesmo para a ausência de som, pois entendemos que trilha sonora, som

diégetico e até mesmo o silêncio em um filme, pode contribuir para a construção de

significados, e se fazer parte constitutiva de enorme relevância para construção da atmosfera

anímica da obra.

Filmes como Jonh Jonh (2007), de Brillante Mendoza, O som ao redor (2012), do

Kléber Mendonça Filho, ou O filho (2002), dos Dardenne, que recorrem ao som ao longo de

toda a película, e não apenas a música para consolidar sua atmosfera psicológica, são

exemplos concretos dessa relação de dependência recíproca e autonomia relativa entre

imagem e som no cinema.

Partindo da ideia de meio homogêneo no cinema como imagem-sonora61

em

movimento, entendendo o filme mudo também como sonoro, ainda que pela marcação da

ausência de som, podemos deduzir o papel do som no cinema para além de trilha sonora

musical. Vide os filmes dos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne, em que todo o som

apresentado na película emerge de dentro de sua atmosfera anímica contribuindo assim, não

para a minimização da preponderância ontológica da imagem no cinema, mas na ênfase da

sua relação dialética e direta com o a sonoridade.

Esse fato não invalida, que inúmeras vezes o acompanhamento de uma cena por

uma trilha sonora possa ampliar e reforçar seu alcance psicológico na recepção da película.

Apenas amplia a perspectiva de trilha sonora, centrada no acompanhamento musical das

cenas, para acompanhamento sonoro de todas as imagens postas em tela, inclusive o silêncio

sendo constituidor de sentidos.

Fica claro, que uma obra cinematográfica que se alça a arte autêntica, consegue

que todos os seus elementos: som, atuação, cenários, figurinos, cor etc., construam uma

61

Podemos falar da ausência do som no cinema quando de seu surgimento, não como escolha da linguagem

estética, mas como limite técnico inicial, que apesar disso, já impunha a necessidade da presença do som na

película. Para nós, a relação imagem e som no cinema, se coloca de forma análoga a relação trabalho e

consciência, na formação do ser social. A preponderância ontológica é sempre do primeiro, sem que isso

signifique uma limitação do segundo. Aqui, não podemos aprofundar esse debate, mas tem uma boa síntese do

som no cinema para além do acompanhamento musical e de sua ligação direta com as imagens, em:

MANZANO, Luiz Adelmo F. Som-imagem no cinema: a experiência alemã de Fritz Lang. São Paulo:

Perspectiva, 2014.

82

unicidade capaz de aferir integridade e poesia a obra finalizada, constituindo a atmosfera

anímica do filme.

No cinema, mais que em qualquer outra linguagem estética, a homogeneidade do

todo com as partes, principalmente pela introdução da duplicação mimética-tecnológica, se

faz indispensável a sua configuração mimética. Essa coesão da obra, que confere realismo

psíquico a atmosfera anímica do filme é um rico espaço ideológico. É por meio dessa

atmosfera que inúmeras ideologias podem ser repassadas, sendo conferido caráter de

naturalidade às mesmas.

Essa função social da atmosfera anímica do filme, carrega contradição. Por um

lado, é exatamente por ela que o filme se configura como arte popular e que dialoga mais

diretamente com as massas, é também por meio dela que ele pode servir de perpetuação de

ideologias alienadas. Vide a utilização do cinema pela ditadura nazista de Hittler na segunda

guerra mundial, e também seu papel de formação da população em geral, por Stallin com o

mesmo fim: elevação sem questionamentos das ideologias postas pelo estado naquele

momento, com endeusamento da figura do líder do governo.

Para citarmos exemplo oposto, ainda que em escala bem menor, pensemos no

neo-realismo italiano, já citado no início deste trabalho, e sua representação da Itália pós-

guerra, ou no cinema argentino atual e a elevação da cultura fílmica do País a nível mundial.

Destacamos ainda, que é precisamente por isso, que Benjamin (2000) no seu texto A obra de

arte na época de sua reprodutibilidade técnica62

, mesmo sem utilizar essa categoria

lucksiana termina seu texto falando da necessidade de politizar a arte, fato com o qual

concordamos, sem no entanto, acreditar que o cinema seja por ele mesmo capaz de

transformar a realidade social, ele pode ser elemento constitutivo da formação da consciência,

mas é o trabalho e as condições materiais que diretamente moldam o momento histórico e os

indivíduos que neles estão inseridos, o que abre, por seu turno, outras possibilidades de

refiguração cinematográfica.

Para o cinema, a categoria decisiva de consolidação estética é a sua atmosfera

anímica, todas as partes, unidades e elementos constitutivos da película devem dialogar entre

si para fortalecer e fundamentar essa atmosfera, imprescindivelmente.

62

Benjamin escreveu pelo menos três versões deste ensaio, uma francesa e duas alemãs. A versão francesa foi

publicada em 1936, a primeira versão alemã em 1955, e a segunda versão alemã, em 1989. Segundo referência

do próprio Lukács (2013b) ele teve acesso a primeira versão em alemão, datada de 1955. Essa versão teve

algumas traduções aqui no Brasil, trabalhamos neste texto com a tradução feita José Paulo Netto, em 2000. Para

maiores detalhes acerca dessas versões e traduções, ver: BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua

reprodutibilidade técnica. Porto Alegre: Zouk, 2014. Apresentação. Tradução e notas de Francisco de

Ambrosis Pinheiro Machado. [Segunda versão].

83

No cinema, por todas as questões apontadas nesse texto, mais que em qualquer

outra linguagem artística, a verossimilhança com a realidade, seu realismo concreto dentro do

mundo criado e consolidado na obra finalizada, se faz indispensável, é elemento fundamental

de sua concretização estética.

Com estas categorias alçadas, a próxima sessão se dedica a trazer para o debate a

questão da totalidade necessária a consolidação no cinema de uma obra autêntica. Nesta

linguagem estética, se faz necessário que todos os elementos dialoguem entre si, para criação

de um mundo específico e crível de existências. As três categorias, meio homogêneo,

objetividade indeterminada e atmosfera anímica, só funcionam em separado para fins de

entendimento teórico, no filme é necessário que se unifiquem e se consolidem como um todo

coeso. Sendo este, o centro do debate da próxima sessão.

4.3 CINEMA ENQUANTO TOTALIDADE ESTÉTICA

“O cinema só trata daquilo que existe, não

daquilo que poderia existir. Mesmo quando

mostra fantasia, o cinema agarra-se a coisas

concretas”.

Manoel Oliveira

A unicidade da obra no cinema, perpassa necessariamente pela aparência de

multiplicidades da rotina humana. Por isso, o cinema potencialmente ser uma arte que pode se

aproximar mais rápido e qualitativamente das massas e da classe trabalhadora. Ele pode

aparencialmente, representar o cotidiano heterogêneo e a partir dessa primeira mimese, elevar

esse cotidiano à esfera estética por meio de uma segunda mimese, específica e autenticamente

artística.

No mundo do ser social, a relação essência e aparência presente amplamente na

realidade cotidiana é muito mais complexa que essa mesma relação existente no mundo pré-

humano, puramente inorgânico e orgânico. No mundo fundado pelo trabalho, a generidade

humana é construída através da individualidade concreta e a formação social histórica em que

esses sujeitos estão inseridos.

A distância cada vez maior das barreiras naturais e consequentemente a

fragmentação da relação direta homem natureza e tudo que isso determina, é o que toda arte

autêntica busca ressaltar. A possibilidade de complexificação e humanização que toda

sociedade carrega coletivamente e que cada indivíduo carrega em si, é o que compõe toda

84

obra de arte autêntica. No cinema, essa dialética entre mundo humano e ser social e a

natureza, é construída na relação posta e sempre aproximativa, entre objetividade determinada

e objetividade indeterminada.

Pela possibilidade da aparência cotidiana que se aproxima do homem inteiro que o

filme carrega e da relação relativamente menos brusca e mais simples com o homem

inteiramente63

, é que o cinema, diferentemente das outras artes, tem contraditória e

dialeticamente, maior probabilidade de apenas reproduzir e aproximar o filme do homem

inteiro e da realidade alienada, reforçando a falsa consciência de mundo nesse espectador.

Quanto também, transitar do cotidiano alienado para o homem inteiramente, elevando e

soerguendo grande número de pessoas para uma autoconsciência humano-genérica.

O cinema é uma arte que nasce coletiva e tem uma fruição também coletiva.

Carrega em si possibilidades inúmeras de formação humana em grande escala.

A expectação de o filme transitar da realidade cotidiana mais banal ao mundo

mais fantástico, carregado de credibilidade, é que possibilita que essa linguagem seja uma

linguagem estética grande e popular. Essas facilidade de livre trânsito entre cotidiano e extra

cotidiano no cinema é o que configura tão fortemente seu poder educativo no sentido de

formação humana ampla.

Pensemos nos documentários64

, que apesar das especificações e diferenças de

construção da linguagem em relação a ficção, nos parece ser um bom modo de exemplificar

63

Acreditamos que essa categoria de homem inteiramente, seja uma rica possibilidade de aprofundamento da

análise do meio homogêneo no cinema, infelizmente pelo tempo necessário a maturação do conceito, e por não

ser central ao debate desse texto, não nos debruçaremos sobre ela, ficando para trabalhos posteriores. Para

entendimento inicial da mesma, vejamos o que diz Lukács (1982, p. 199-200): “[...] Sólo el medio homogéneo

produce, creadora y receptivamente, una concentración tal que todas las posibilidades y determinaciones

objetivas adormecidas en el fenómeno concreto de cada caso consiguen hacerse actuales de un modo sensible.

También en este caso es el hombre entero em que crea o recibe un tal mundo propio en un medio homogéneo. La

inexistencia real del medio homogéneo – inexistencia en el sentido de la práctica inmediata -, el carácter

puramente de reflejo que tiene ese medio, imponen al hombre un comportamiento puramente contemplativo; por

otra parte, a consecuencia del estrechamiento del reflejo del mundo, de la mimesis, a un solo órgano

(visualidade, etc.), se produce aquella concentración de todo el interés, aquella transformación del hombre entero

de la cotidianidad en el „hombre enteramente‟ que hace a éste capaz de recibir uma infinitud intensiva, de

reproducirla y gozarla adecuadamente”. ([...] Somente o meio homogêneo produz, criador e receptivamente, uma

concentração tal que todas as possibilidades e determinações objetivas adormecidas no fenômeno concreto de

cada caso conseguem se apresentar atuais de um modo sensível. Também neste caso é o homem inteiro o que

cria ou recebe o tal mundo próprio no meio homogêneo. A inexistência real do meio homogêneo – inexistência

no sentido da prática imediata –, o caráter puramente de reflexo que tem esse meio, impõe ao homem um

comportamento puramente contemplativo; por outro lado, a consequência do estreitamento da reflexo do mundo,

da mimese, a um só órgão (visualidade, etc.), se produz aquela concentração de todo o interesse, aquela

transformação do homem inteiro do cotidiano no “homem inteiramente” que faz este ser capaz de receber uma

infinidade intensiva de reproduzi-la e gozá-la adequadamente, tradução nossa). 64

A oposição documentário/ficção é uma das grandes divisões que estruturam a instituição cinematográfica

desde suas origens. Ela governa a classificação das “séries” nos primeiros catálogos das firmas de distribuição

que distinguem as “vistas ao ar livre”, as atualidades, “os temas cômicos e dramáticos”. Chama-se, portanto,

documentário, uma montagem cinematográfica de imagens visuais e sonoras dadas como reais e não fictícias.

85

essa viabilidade de elevar imagens e ocorrências cotidianas a concepções artísticas da

realidade.

Cabra marcado para morrer (1984), de Eduardo Coutinho, realiza de forma

magistral essa permuta entre esfera cotidiana e esfera estética. Cinema novo (2016) de Erick

Rocha, todo feito a partir de montagem de imagens arquivos, nada tendo sido filmado por ele,

é também outro bom exemplo desse trânsito de elevação de cotidiano a arte. Também, Si

vous salue Sarajevo (1993), do Jean-Luc Godard, que se constitui de uma foto que salta na

tela fragmentada junto a um discurso narrativo extremamente poético, que questiona

inclusive, a perspectiva da imagem em movimento, já que é construído de uma fotografia,

imagem estática da realidade, se constitui exemplo concreto dessa facilidade de trânsito entre

cotidiano e extra cotidiano presente no cinema.

Para citar ficções, propriamente ditas, e classificadas assim, exemplificamos com

as obras “baseadas em fatos reais” que já carregam no seu nascimento a categoria de ter

existido objetivamente na realidade humana. Dentre muitas, pode-se pensar, Um crime

americano (2007), realizado com base nos registros dos autos e interrogatórios de um

assassinato ocorrido em 1965, na cidade de Indiana, e Um só pecado (1964), do diretor

francês François Truffaut, roteirizado e filmado a partir de uma notícia de jornal.

Entendendo o audiovisual como amplitude de técnicas utilizadas para criar

inúmeras formas de expressão estéticas ou não, percebemos que é por meio dessas técnicas de

absorção estética da realidade que o cinema se constitui como a arte dentre todas que

potencialmente se aproxima mais concretamente da realidade e que isso também é o seu

aspecto mais complexo e perigoso de utilização ideológica. Fato já alertado por Walter

Benjamin (2000).

Pensemos no efeito Kulechov65

e no rebatimento da subjetividade de espectadores

da sétima arte. Cortes, montagem, manipulação de imagens, podem facilmente ser utilizados

[...] Mas fazer da realidade, por definição “afílmica”, um critério de distinção entre textos traz, evidentemente,

muitos problemas. Pressupõe-se que o filme documentário tem o mundo real como referência. [...]O

documentário não coloca apenas o problema do universo de referência. Ele concerne também às modalidades

discursivas técnicas: filme de montagem, cinema direto, reportagem, atualidades, filme didático a até o filme

caseiro. A evolução da história das formas no cinema está aí para demonstrar que as fronteiras entre

documentário e ficção nunca são estanques e variam, consideravelmente, de uma época a outra e de uma

produção nacional a outra. (AUMONT; MARIE, 2012, p. 86) 65

“A variante descrita com mais frequência do efeito Kulechov é aquela em que um mesmo plano aproximado

do rosto de um ator, escolhido o mais inexpressivo possível, é montado, sucessivamente, com vários planos que

o contextualizam de modo diferente e levam o espectador a interpretar diferentemente, e até mesmo perceber

diferentemente os planos de rosto: depois de uma mesa servida, o rosto parece exprimir fome; depois de uma

criança, ternura; depois de uma mulher nua, o desejo etc. Tal efeito teria sido evidenciado experimentalmente

por Lev Kulechoov, na época em que ele dirigia um ateliê na escola de cinema de Moscou. (início da década de

1920). Todavia, dessas experiências só restam vestígios fotográficos, aliás ambíguos, e as lembranças das

86

para fortalecimento das ideias burguesas de manutenção da sociedade, ou mesmo, como

também já nos alertou Benjamin (2000), para repassar, fortalecer e consolidar ideologias

fascistas e/ou da classe dominante.

Qual o ideal de amor representado pelos filmes de comédias românticas

hollywoodianas, que têm uma ampla maioria de público mundial consolidada? Qual

representação de regime econômico é exposta pelo cinema nacional? Qual a representação do

feminino que o cinema ajuda a consolidar socialmente? Quais espaços de representação e

existência, os negros podem exercer nos filmes? Quais papeis hegemonicamente são

interpretados por negros no cinema?

O cinema é, das linguagens artísticas, a que carrega em si mais possibilidades de

acesso quantitativo, visto ser possível exibir uma mesma película, no mesmo horário, em

lugares e com público diferentes, transporta também, a probabilidade do acesso qualitativo,

por trabalhar com todas as outras linguagens, unificando-as num todo homogêneo.

No entanto, no momento de crise estrutural do capital, ela acaba

predominantemente sendo alienada e esvaziada de autenticidade, produzindo um número mais

elevado de obras que visam o entretenimento e chegando até ao puro kitsch. Dificultando o

surgimento de filmes que configurem um mundo autêntico e elevadamente humano.

As pequenas ilhas de resistência que por ventura se colocam produzindo cinema

para além das necessidades imediatas do grande capital, acabam tendo representação ínfima

frente à indústria. Essa mobilidade na linguagem própria do cinema que possibilita transitar

entre cotidiano e extracotidiano, acaba sendo utilizada para mimetizar senso comum sem

elevação humana do drama apresentado na obra.

As três categorias abordadas neste texto: meio homogêneo, objetividade

indeterminada e atmosfera anímica, todas confluem para consolidar com meios específicos o

filme em arte autêntica, tendo como expressão dessa unicidade, por exemplo o realismo da

obra.

Realismo não como escola, mas como materialização da esfera estética da obra.

Realismo como aprofundamento do conteúdo humano genérico que o filme conduz, com a

potência de humanidade coletiva e individual que toda arte autêntica carrega em si,

Se não revelam traços humanos essências, se não expressam as relações orgânicas

entre os homens e os acontecimentos, entre os homens e o mundo exterior, as coisas,

testemunhas são pouco precisas e pouco provam. O princípio de „interação‟ que está na base do efeito Kulechov

é, entretanto, em geral, admitido, no que concerne à faixa-imagem (o som vem, em geral, impor uma

significação ainda mais forte, que contradiz esse efeito) (AUMONT; MARIE, 2012, p. 93).

87

as forças naturais e as instituições sociais, até mesmo as aventuras mais

extraordinárias tornam-se vazias e destituídas de conteúdo. É necessário não

esquecer que, na realidade, toda ação – ainda que não revele traços humanos típicos

e essências – contém sempre em si o esquema abstrato (embora deformado e

esmaecido) da práxis humana. É por isso que exposições esquemáticas de ações de

aventuras nas quais aparecem apenas sombras humanas podem, apesar disso,

despertar transitoriamente certo interesse (LUKÁCS, 2010b, p. 162).

Perceber o cinema, como linguagem que pode facilitar a mediação sujeito- mundo

circundante, é ter no cinema um objeto de reflexão da realidade social, que possa ser utilizado

na escola por ele mesmo, que não se negligencie sua própria potencialidade de educar. Ter

nele um suporte que ajude a questionar, perguntar, e não apenas canal de consolidar

conteúdos escolares.

[...] Não acredito que uma obra de arte, e em particular um filme, tenha que

responder necessariamente aos questionamentos que levantei. Insisto em encontrar

justa a posição de dois dos maiores artistas da minha juventude, Ibsen y Chéjov, os

quais sustentavam que o dever do escritor é o de expor questionamentos: as

respostas serão dadas pela história ou o desenvolvimento social. Se um filme como

obra de arte conseguiu fazer que as pessoas refletissem seriamente sobre uma

situação do passado ou do presente, atingiu seu objetivo (LUKÁCS, 1971, p. 14,

tradução nossa)66

.

Por todas as questões levantadas nessa seção é que nos baliza defender a

necessidade de uma formação dos sentidos preocupada em difundir ensinamentos

relacionados à linguagem cinematográfica e suas significações e não simplesmente a

utilização pedagógica do cinema em sala de aula.

Se faz imperioso atrelar o ensino das categorias e especificações da linguagem

cinematográfica, a sua utilização como mediação pedagógica em sala de aula, como via de

elevação dos sentidos humanos de alunos e professores. Se coloca como empreitada

possibilitar a formação estética dos sentidos através do cinema como canal construtivo de

atividades educativas emancipatórias (TONET, 2005) que contribuam com a formação da

autoconsciência humano genérica da classe trabalhadora.

É necessário que o cinema chegue à escola por ele mesmo, como conteúdo

especifico a ser aprendido e partilhado e não apenas como ferramenta pedagógica de

facilitação de aprendizagens de conteúdos. É cogente aprender a ler as imagens, mesmo

dentro dessa conjuntura histórica que nega à escola seu papel ontológico de repasse de saber

66

[...] No creo que una obra de arte, y em particular un film, tenga que responder necesariamente a las

interrogantes que plantee. Insisto en encontrar justa la posición de dos de los más grandes artistas de mi

juventud, Ibsen y Chéjov, quienes sostenían que el deber des escritor es el de plantear interrogantes: las

respuestas serán dadas por la historia o el desarrollo social. Si un film como obra de arte, ha logrado hacer que la

gente reflexione seriamente sobre una situación del passado o del presente, ha logrado su objetivo (LUKÁCS,

1971, p. 14).

88

sistematizado. Os esforços com as linguagens estéticas nesse espaço formativo de sujeitos,

deve ser centrado na sua divulgação e partilha de estatutos próprios e consolidados em si

mesmos. É preciso ensinar a ver cinema, pois o filme nos ajuda a viver.

4.4 EPÍLOGO

“O cinema é uma arte coletiva, o resultado

final depende de todos que estão envolvidos

no processo”.

Jô Marçal

Lukács, ao longo de sua Estética (1966), (1982), (2013b) dialoga dialeticamente

com inúmeros teóricos e diversas proposições, discordando, concordando e/ou ampliando

inúmeras vezes essas diversas perspectivas teóricas sobre o problema posto, que é a

especificidade do estético. Vai tecendo com ajuda desse debate e desse vasto campo científico

e filosófico uma teoria estética marxista com grande embasamento e solidez teórica.

No capítulo em que trata da análise da linguagem cinematográfica, na edição

traduzida por Lívia Cotrim, da Estética lukacsciana, especificamente sobre o qual este

trabalho busca se debruçar, não é diferente a existência desses diálogos e interferências de

teorias, sendo elas de base marxistas ou não.

Não é objeto de análise deste texto se voltar para esses entrelaçamentos teóricos

que faz Lukács, mas acreditamos que para análise do capítulo sobre o cinema, trabalhado por

ele, pelo rico entrelaçamento e mesmo pela interferência direta na construção teórica do

mesmo, tem duas obras que, ainda que não sejam trabalhadas detalhadamente, precisam ser

lidas, a fim de um entendimento mais amplo e seguro das considerações lukacsianas.

São elas a Poética de Aristóteles (2011), e A obra de arte na época de sua

reprodutibilidade técnica de Walter Benjamin (2000), na sua segunda versão e primeira

publicação alemã. Como já ressaltado, não é foco deste texto tecer um panorama do diálogo

do Lukács (2013b) com esses dois trabalhos, visto ser exigido uma densidade analítica e de

assimilação categorial que o presente recorte temporal desta pesquisa de mestrado, não pode

abarcar.

No entanto, acreditamos ser uma responsabilidade teórica, apontar ainda que de

forma inicial essas aproximações, que além de ter nos ajudado na compreensão da análise

empreendida por Lukács (2013b) sobre o filme, possa ajudar outras pesquisas centradas na

89

análise marxista sobre o cinema e permita também, auxiliar em possíveis pesquisas futuras

que se centrem em aprofundar as intersecções existentes entre esses teóricos.

4.4.1 Meio, objeto e modo, categorias aristotélicas e o diálogo com as categorias: meio

homogêneo, objetividade indeterminada e atmosfera anímica de Lukács.

“A realidade só passa a ter valor quando

submetida a uma transposição. Em outras

palavras, só é artista aquele que consegue criar

seu pequeno mundo. Não é nem em Paris, nem

em Viena, nem em Monte Carlo ou Atlanta

que vivem os personagens de Stroheim, de

Chaplin, de Griffith. Eles vivem no mundo de

Stroheim, de Chaplin, de Griffith”.

Jean Renoir

Na Poética, Aristóteles (2011) preconiza sua discussão sobre o conceito de arte e

os princípios miméticos por ele defendidos mediante classificação e explicação de cada uma

das categorias essenciais para definição e análise de uma obra estética. Nesse sentido, o

filósofo, em sua teorização, aproxima e distancia a epopeia e a comédia da tragédia, sendo

esta a arte mimética na qual que ele irá se concentrar ao longo de seu estudo. Tal qual faz

Lukács (1966) no primeiro volume da versão espanhola da Estética, que aproxima e distancia

religião e ciência da arte, sendo esta última seu objeto de investigação. No capítulo específico

da análise fílmica, Lukács (2013b) continua com essa metodologia de aproximação e

distanciamento entre linguagens da arte, inicialmente ora comparando o cinema com

arquitetura, ora com a música, por serem, segundo ele, exemplos específicos de duplos

reflexos estéticos67

.

Aristóteles (2011) parte logo de início de seu texto, da explicitação que a arte

produz uma mimese que não se limita à mera cópia da realidade, e que cada linguagem

67

Destacamos que no seu estudo sobre cinema Lukács (2013b) traz à tona outras categorias passíveis e

necessárias de serem estudadas, tais quais: a labilidade e a elasticidade do meio homogêneo na linguagem

fílmica, a ideologia e a capacidade da mesma de, pela representação própria do cinema, se fazer mais fortemente

presente nos filmes que nas outras linguagens estéticas, o realismo e a relação com a autenticidade da película,

entre outras. Como ansiamos desenhar, ainda que de maneira inicial e lacunar, o dialogo entre as categorias de

análise da tragédia desenvolvidas por Aristóteles (2011) com as categorias fílmicas analíticas desenvolvidas por

Lukács (2013b), elas não foram desenvolvidas neste texto, mas se colocam como possibilidades de objetos de

investigações futuras para pesquisadores que desejem se debruçar sob o estudo do cinema, tendo como base a

natureza ontológica da teoria marxiana. Ressaltamos, sobre isso, que o professor Deribaldo Santos se encontra

com redação em andamento do terceiro livro em que fecha sua trilogia sobre a Estética do autor húngaro. Santos,

em depoimento direto, esclareceu pretender publicar este livro, onde concentra o debate sobre labilidade,

elasticidade, entre outras categorias fílmicas de Lukács, em 2020.

90

poética, produz de forma singular uma representação do real, e apresenta três categorias de

análises capazes de explicitar as diferenças miméticas realizadas por cada linguagem da

poesia, sendo elas: meio, objeto e modo.

Em sua exposição, embora faça alusão a outras artes, Aristóteles dedica grande

parte de seu esforço para tratar da epopeia, da comédia e da tragédia, sendo esta última a arte

sobre a qual o autor irá se debruçar analiticamente, em virtude de sua concepção sobre

mimese estética. Assim, segundo a concepção aristotélica, é a poesia trágica que reúne todos

os atributos necessários a uma obra de arte. Nessa perspectiva, reiteramos que meio, objeto e

modo são as três categorias usadas pelo filósofo para construir sua análise da mimese estética,

conforme verificamos logo na introdução da Poética,

A poesia épica e a tragédia, bem como a cômica, a ditirâmbica e a maioria da

interpretação com flauta e instrumentos de cordas dedilhados são todas, encaradas

como um todo, tipos de imitação. Diferem, entretanto, entre si, em três aspectos, a

saber, nos meios, nos objetos ou nos modos de suas imitações. Tal como cores e

formas são usadas pelas pessoas (há as que as usam graças à arte, outras devido à

prática regular) para imitar e representar muitas coisas, enquanto outras, por outro

lado, usam a voz, também todas as artes supracitadas produzem imitação em ritmo,

discurso e harmonia quer isoladamente, quer em combinações (ARISTÓTELES,

2011, p. 39-40).

O meio se caracteriza pela especificidade da representação mimética daquela

linguagem estética, na compreensão do filósofo grego, o meio pelo qual se consolida a

tragédia que envolve a linguagem poética, quais sejam: ritmo, metro e som. Logo o meio

central de representação pressupõe a palavra, a linguagem na sua construção poética. O meio

seria assim a especificidade de cada linguagem da arte, seu elemento ontológico de criação da

mimese estética.

Acreditamos que o Lukács (2013b) amplia e reconfigura essa categoria no que ele

chama meio homogêneo para analisar o cinema. Ela se constitui na especificidade da

linguagem cinematográfica, ou seja, na imagem sonora68

em movimento. Mas vai além disso,

se constitui no elemento utilizado pra não só expressar uma mimese estética envolta em

beleza, antes é a maneira específica que cada linguagem utiliza para criar seu mundo próprio.

Para elevar o cotidiano da esfera heterogênea e fragmentada, para uma solidificação

homogênea e rica de significações sociais.

O meio homogêneo, apesar de sua natureza concreta (audibilidade, visibilidade,

linguagem, gesto), é um elemento da vida humana, da prática humana, devendo ser

68

Sonoro aqui, até pela ausência de som diegetico na película, como já exposto anteriormente, acreditamos que

seja necessária essa vinculação entre ambos.

91

retirado do fluxo contínuo da realidade. O meio homogêneo se transforma em

fundamento da prática na criação artística, na qual a imersão do artista no meio

homogêneo de sua arte, por sua realização na qualidade específica da própria

personalidade, abre a possibilidade de criação – já estudada – de um mundo próprio

como reflexo estético da realidade. Dito de um modo geral e abstrato, a produção de

um meio homogêneo no reflexo da realidade objetiva, no processo de transformação

do Em-si em um Para-nós, não é nenhuma novidade absoluta (LUKÁCS, 1982, p.

320, tradução nossa)69

.

Fica claro, portanto, que nem toda obra consegue solidificar de forma rica o

cotidiano. Desse modo, o meio homogêneo se enriquece de categoria objetiva e determinante

na criação da obra, indo para além do canal de criação próprio daquela linguagem estética, e

alçando a camada de concretização objetivo-subjetiva da obra, só alcançada por frutos de

artes elevadas.

A segunda categoria analisada por Aristóteles, é o objeto, aquilo que serve de base

para a mimese da poesia, que segundo ele, é o homem e seus sentimentos consolidados a

partir de caracteres: os de caráter inferior são representados na comédia, e os de caráter

superior representados na tragédia.

Na medida em que os artistas por imitação representam as pessoas em ação, sendo

elas necessariamente boas ou más (pois, o caráter [humano] quase sempre se ajusta a

esses [dois] tipos, porquanto é pelo vício e pela virtude que as pessoas se distinguem

no caráter), eles estão capacitados a representar as pessoas acima de nosso próprio

nível normal, abaixo dele, ou tal como somos (ARISTÓTELES, 2011, p. 41-43).

Aristóteles continua a exposição ressaltando que a representação do homem tem

diferenças e singularidades quando feita usando a comédia ou a tragédia.

[...] Essa diferença, inclusive, por si só, estabelece uma distinção entre a tragédia e a

comédia. Esta última tende a representar as pessoas como inferiores aos seres

humanos reais, enquanto a tragédia as representa como superiores (ARISTÓTELES,

2011, p. 41-43)

Em Lukács (1982), (2013b), entendemos a categoria de objetividade

indeterminada como uma aproximação a essa categoria do Aristóteles (2011). Lukács vai

buscar delinear a forma de representação do sujeito humano característico do cinema. Mas

novamente, ligando o reflexo estético consolidado na obra de arte, diretamente com o

cotidiano e com a sociedade. A categoria ganha então, tessituras novas e mais densas, e não se

69

El medio homogéneo, a pesar de que su naturaleza concreta (audibilidad, visibilidad, lenguaje, gesto) es un

elemento de la vida humana, de la práctica humana, tiene que ser algo retirado del flujo continuo de la realidad.

El medio homogéneo se convierte en fundamento de la práctica en la creación artística, en la cual la inmersión

del artista en el medio homogéneo de su arte, por su realización en la cualidad específica de la propia

personalidad, abre la posibilidad de la creación – ya estudiada – de un mundo própio como reflejo estético de la

realidad. Dicho de un modo general y abstracto, la produción de un medio homogéneo en el reflejo de la realidad

objetiva, en el proceso de transformación del En-si en un Para-nosotros, no es ninguna novedad absoluta

(LUKÁCS, 1982, p. 320).

92

solidifica apenas na representação do ser social, mas nessa representação de forma genérica e

que carregue humanidade, sendo assim capaz de transitar entre individualidade e coletividade.

A terceira e última categoria é o modo, a maneira como se pratica a imitação, ou

seja, a forma através da qual o poeta materializa o princípio mimético. Sendo assim, o

estagirita defende que a epopeia utiliza como modo mimético a narração, já a comédia e a

tragédia utilizam como modo o drama, a encenação, a partir do espetáculo cênico. Essa é a

categoria que mais condessa a relação receptor e obra.

Uma terceira distinção está no modo de imitação relativo a esses diversos objetos.

De fato, é possível representar em meios idênticos os mesmos objetos mesclando

narrativa e representação teatral, como faz Homero; ou numa maneira invariável,

sem qualquer alteração desse tipo; ou pela performance direta de todos os papéis.

São essas, portanto, as três distinções que servem de base à imitação, como dissemos

no começo, nomeadamente meios, objetos e modos. (ARISTÓTELES, 2011, p. 43)

No cinema, entendemos que Lukács (2013b) a traduz na categoria de atmosfera

anímica, que é a responsável por criar uma unicidade no filme, a fim de lhe configurar

realismo, fazendo com que o espectador vivencie a verdade contida na história narrada na

obra. É o fio condutor da recepção que deve estar vinculada a suscitar questões no espectador,

lhe tirar da normalidade alienada do cotidiano, sem, no entanto, ser mero facilitador de

verdades postas.

Se pensarmos no âmbito comercial e industrial do cinema, se configuraria aqui

nas determinações e classificações dos gêneros cinematográficos: comédia, suspense, musical,

romance etc., que são o modo de fazer e significar a película, criando cada um a seu modo,

maneiras de consolidar psicologicamente a história narrada no filme e suscitar emoções no

espectador,

[...] O filme, em contrapartida, tem o dever de representar os aspectos positivos e

negativos da sociedade e, como nesse plano pode haver um destaque essencial, deve

conseguir que o homem da rua reflita atentamente e com cuidado já que geralmente

costuma pensar nos temas por cima e sem refletir, reagindo unicamente no plano

sentimental. Se no cinema, uma pessoa entre dez, consegue encontrar seu próprio

caminho, o filme terá atingido seu objetivo (LUKÁCS, 1971, p. 13, tradução

nossa)70

.

70 [...]El film, por el contrario, tiene el deber de representar los aspectos positivos y negativos de la sociedade, y,

como en ese plano puede tener un relieve esencial, debe lograr que el hombre de la calle reflexione atentamente

y con cuidado ya que generalmente suele tocar los temas por encima y sin reflexionar, reaccionando ùnicamente

en el plano sentimental. Si en el cine, uma persona sobre diez logra encontrar su próprio camino, el film há

logrado su objetivo (LUKÁCS, 1971, p. 13).

93

Aristóteles (2011) debate com bastante densidade cada uma dessas categorias e

traz ainda mais elementos para analisar a especificidade da mimese contida na tragédia.

Lukács (2013b) debate a transposição das mesmas em toda a sua Estética. Pensamos com

base nesse fato, que essas três categorias, teriam força suficiente para solidificar nosso

trabalho, sem, no entanto, fechar o debate e as reflexões sobre o tema. E elas se consolidaram

ao longo da pesquisa, como categorias nodais de análise da especificidade da linguagem

fílmica.

Por isso, apesar de não aprofundarmos neste texto o diálogo entre Lukács (2013b)

e Aristóteles (2011), acreditamos de relevância a presença desse esboço inicial de diálogo

posto entre eles, a partir dessas três categorias.

4.4.2 Técnica, reprodução e função da obra de arte em Lukács e Benjamin.

“Tecnologia nenhuma é difícil de dominar

quando você entende da técnica do cinema.

Mas de nada adianta um parque tecnológico

sofisticado se você não tiver uma boa história

para contar. Esse é o paradoxo estético do

cinema”.

Milos Forman

Com o texto de Benjamin (2000), vemos um diálogo direto e que abarca todo o

capitulo lukacsiano acerca da sétima arte, sendo discutidas questões semelhantes em ambos,

como por exemplo, as diferenças de atuação e o desdobramento dessas atuações dos atores e

atrizes no cinema, a unicidade e a reprodução técnica na linguagem cinematográfica e a

relação cinema, arte e capitalismo.

Para além dessas categorias debatidas de forma mais explicitas no texto do Lukács

(2013b), enxergamos um diálogo implícito entre os teóricos postos nos dois textos: a questão

do trabalho como protoforma ontológica da formação do ser social e suas implicações para

todas as linguagens da arte, e a existência de um duplo reflexo, ou seja, uma dupla forma de

apreensão do mundo real através da consciência consolidada no filme.

No primeiro ponto, que é a questão do trabalho como fundamento ontológico da

sociedade humana, temos o Benjamin (2000) que disserta sobre dois valores relacionados à

obra de arte, segundo os quais seria para ele possível reconstituir toda a história da arte: seu

valor de culto e seu valor de exposição.

94

O valor de culto está relacionado à raridade de exposição de uma obra, quanto

menos exposta, mais autêntica. Partindo do entendimento do surgimento da arte no ritual

mágico, Benjamin (2000) aponta que quanto mais ela se distancia de sua origem, mais se

torna autônoma e seu valor de culto vai para o extremo oposto, que é o valor de exposição, de

tal modo, que quanto mais vista, mais a obra cumpre seu papel político. E é exatamente nessa

sociedade capitalista e tendo no cinema seu auge emancipador, que a arte pode alcançar e se

lançar a fazer a si mesma, como também interferir direta e politicamente na forma de

sociabilidade humana.

Vemos com esse conceito o debate durante todo o texto que pode levar a

interpretações e deslocamentos do centro do trabalho como protoforma humana. Para nós,

parece ocorrer um deslocamento ontológico da raiz possibilitadora da transformação da

sociedade capitalista, posta por Marx (2014) e (2008), entre outras de suas obras, e resgatada

por Lukács (2013c) em sua ontologia do ser social, em sociedade emancipada que é o trabalho

o elemento concreto que permite tal transformação.

É o trabalho, nas mãos da classe trabalhadora e não a arte, ou a educação, ou o

direito, ou a tecnologia, enfim, nenhum outro complexo humano, o único agente que pode

ocasionar a modificação radical da sociedade capitalista. A arte, a educação, ou qualquer

outra teleologia secundária, aqui usando a definição de Lukács (2010a), podem dialeticamente

auxiliar fortemente nessa tarefa, mas jamais ser protagonista dela.

Com leituras e aproximações iniciais, pareceu-nos que o texto de Benjamin abre

brechas interpretativas para colocar a arte, mais precisamente o cinema, como mola

propulsora de transformação social, o que evidenciou um distanciamento da ontologia

lukacsiana e um espaço fértil de debate a ser perseguido.

No segundo ponto, posto por nós aqui, seria mais um mote de convergência que

distanciamento entre os textos. Mesmo não usando os mesmos termos, categorias, ou mesmo

chegando a conclusões equivalentes, entendemos que a dupla técnica existente no cinema

posta por Benjamin (2000), dialoga diretamente com a definição de duplo reflexo

cinematográfico levantado por Lukács (2013b) no seu texto.

Benjamin (2000) traz à tona o caráter de dupla técnica do cinema, que precisa no

estúdio por meio da tecnologia e da técnica de filmagem, fazer saltar na tela, imagens que

sejam realistas, para só assim serem perceptíveis de veracidade para o espectador. A

montagem é que possibilita esse processo de transposição mimética, visto ser através dela que

ocorre a depuração da imagem,

95

[...] O filme não pode propiciar ilusão senão em segundo grau, isto é, após se ter

realizado a montagem das sequencias. Noutras palavras: a aparelhagem, no estúdio,

penetrou tão profundamente na própria realidade que, para devolver-lhe a pureza,

para despoja-la desse corpo estranho que a aparelhagem nela constitui, é preciso

recorrer a um conjunto de procedimentos particulares: variação dos ângulos das

tomadas, montagem reunindo várias sequências de imagens do mesmo tipo. A

realidade despojada do que a aparelhagem lhe acrescentou tornou-se aqui a mais

artificial de todas; assim, no mundo da técnica, a captação imediata da realidade

enquanto tal é agora uma simples quimera (BENJAMIN, 2000, p. 242)

Partindo da categoria de desantropomorfização e de sua relação com a criação

fílmica, Lukács (1982, p. 21) destaca, a seu modo, essa mesma especificidade presente na

linguagem cinematográfica,

[...] Assim, pois, a fiel cópia fotográfica da realidade é produto de uma técnica muito

desenvolvida e desantropomorfizadora e não tem nada a ver com a percepção

imediata sensível-visual da realidade na vida cotidiana, já que esta não pode de

nenhum modo constituir sua base, seu ponto de partida (LUKÁCS, 1982, p. 21,

tradução nossa)71

.

Ressalta ainda, a necessidade que o cinema consiga quebrar essa barreira de

distanciamento entre criador-obra-receptor, sendo necessário que em sua totalidade, um filme

faça a transposição entre a técnica desantropomórfica, para uma totalidade antropomórfica e

imbuída de sentido humano na obra

Poderia aparentemente argumentar contra essas afirmações que a moderna arte da

cinematografia se desenvolveu precisamente sobre esta base. Mas a contradição é

somente aparente, pois a inteira técnica artística do filme se baseia precisamente em

uma reantropomorfização da fotografia (LUKÁCS, 1982, p. 21, tradução nossa)72

.

Entendemos que essa posição de acordo teórico do Benjamin (2000) acerca do

cinema, apesar de chegar em conclusão divergente, dialoga diretamente com o que Lukács

(2013b) chama de duplo reflexo. O cinema na sua forma de mediação com o receptor passa

diretamente pela ferramenta tecnológica, ocorrendo no cinema um duplo reflexo da realidade,

sendo o primeiro desantropómorfico.

Pois atua na relação obra-espectador pela aproximação da vida cotidiana, através

das técnicas de manipulação da câmera para captação das imagens, que no primeiro momento

tem caráter externo à criação da obra estética do filme, buscando inicialmente ser fiel ao

71

[...] Así pues, la fiel copia fotográfica de la realidad es producto de una técnica muy desarollada y

desantropomorfizadora, y no tiene nada que ver con la apercepción inmediata sensible-visual de la realidad en la

vida cotidiana, por lo que está no puede de ningún modo constituir su base, su punto de partida (LUKÁCS, 1982,

p. 21). 72 Podría aparentemente argüirse en contra de esas afirmaciones que el moderno arte de la cinematografía se ha

desarollado precisamente sobre esta base. Pero la contradición es sólo aparente, pues la entera técnica artística

del film se basa precisamente en una reantropomorfizarción de la fotografía (LUKÁCS, 1982, p. 21).

96

objeto captado, e só pela mediação criadora do diretor do filme, junto com sua equipe, essa

fotografia em movimento da realidade captada pela câmera junto com os demais elementos da

obra, transita do mundo das coisas para o mundo dos homens. Antropomorfiza o reflexo

inicial da fotografia e transforma assim, essa apreensão da realidade em captação da realidade

humana, dessas mesmas coisas.

Parece-nos, assim, que essa categoria de dupla técnica em Benjamin (2000) e

duplo reflexo, em Lukács (2013b) pode possibilitar amplo e profícuo debate entre esses dois

teóricos. Mesmo, entendendo que esses apontamentos são inicias, acreditamos ser importante

expor aqui tais questões, pois mesmos elas não sendo o centro de nossa investigação, foi de

relevante contribuição e maturação para o andamento da proposição investigativa deste

trabalho e pode assim, auxiliar outros pesquisadores que queiram enveredar pelo debate do

cinema, com base na teoria marxista, e se coloca ainda como possibilidade de

aprofundamento futuro desta pesquisa.

Partindo então, como exposto durante o decorrer deste texto, do trabalho como

protoforma humana e definidor, sempre de forma dialética e não mecânica e determinista, da

existência e da consciência do ser social, é que buscaremos, na próxima sessão, ressaltar mais

uma vez, a relação direta entre modo de produção e formação dos sentidos humanos.

É o trabalho que determina todos os demais complexos sociais, e aqui em especial

focamos nossa análise nos complexos ontológicos da educação e sua relação direta com a

escola no momento atual, e o da arte com o cinema, nascido junto aos avanços da sociedade

capitalista do século XX.

Apesar de ambos os pares, educação-escola e arte-cinema, serem complexos

voltados mais diretamente à formação subjetiva do ser social, e de ambos cumprirem papel

educativo, cada um o faz a seu modo e com especificidades próprias, que não podem ser

negadas ou negligenciadas.

Pensar a função educativa presente nas linguagens estéticas, não como forma de

limitar suas possibilidades a mera utilização pedagógica de suas obras, para construção de

saber escolar nos indivíduos, e sim, como dispositivo de formação humana capaz de gerar

autoconsciência no ser social e desta forma, educar emancipatoriamente os sentidos humanos,

é que se propõe debater a sessão que se segue.

97

5 CONCLUSÃO

5.1 POR UMA FORMAÇÃO DOS SENTIDOS QUE ALARGUE O OLHAR

“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago

Kovadloff, levou-o para que descobrisse o

mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava

do outro lado das dunas altas, esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram

aquelas alturas de areia, depois de muito

caminhar, o mar estava na frente de seus olhos.

E foi tanta a imensidão do mar, e tanto fulgor,

que o menino ficou mudo de beleza.

E quando finalmente conseguiu falar,

tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

- Me ajuda a olhar!”.

Eduardo Galeano

Se com Marx (2008), entendemos que é o trabalho o ato fundante do ser social e

de que é ele que ao longo da história humana determina a vida e as relações sociais dos

indivíduos, nos fica claro que a mudança na forma de produzir a vida, ou seja, as mudanças

ocorridas no trabalho, advindas com a era industrial, época do surgimento do cinema, não

poderia deixar intacta o reflexo estético, possibilitado pela arte.

As linguagens estéticas amadurecidas nesse período histórico carregam em si a

contradição do maior afastamento do ser social das barreiras naturais, ao mesmo tempo em

que possibilitam avanços inimagináveis à humanidade.

A relação dialética entre produção objetiva da vida e produção subjetiva do

indivíduo acontece simultaneamente. Por isso a formação dos sentidos vinculada à

apropriação da linguagem específica do cinema pode interferir diretamente no modo do

indivíduo ser no mundo e no modo de fruir o filme.

[...] Parece bastante claro que na alimentação, por exemplo, que é uma forma de

consumo, o homem produz seu próprio corpo; mas isso é igualmente certo em

qualquer outro gênero de consumo que, de um modo ou de outro, o homem

produza” (MARX, 2008, p. 246)

Em uma sociedade que desumaniza e distancia o ser social de sua substância

amorosa e humana, educar para aprender a ver o mundo para além do cotidiano e assim

pensar a si próprio, parece-nos uma tarefe digna e necessária de ser buscada pela escola, ainda

98

que não possa ser plenamente concretizada por conta dos impedimentos impostos pelo capital

à humanidade no atual momento histórico.

Ressaltamos ainda, que aqui não advogamos um poder mágico e transformador da

sociedade pela arte, mas entendemos que o cinema pode funcionar como ponte eficaz de

diálogo com a classe trabalhadora, e assim contribuir dialeticamente, dentro de suas

limitações, com a formação de uma autoconsciência de classe no ser social.

A consciência humana é produto histórico, disso decorre que enquanto existirem

homens existirá um mundo humano consciente de si mesmo, ainda que de forma alienada. A

consciência humana se qualifica a partir do momento que a produção da vida material humana

também se complexifica.

Pensar a arte em geral, e o cinema, aqui debatido, como meio de criar

contradições e assim oportunizar ao sujeito que vivencia esteticamente o filme pensar sobre si

mesmo e sobre todo o seu entorno, é uma forma de minimamente avançar para o

entendimento primordial ao progresso para uma sociedade emancipada: superar o trabalho

alienado imposto socialmente a todos pelo capital.

[... a força de produção, o estado da sociedade e a consciência, podem e têm de cair

em contradição entre si, porque com a divisão do trabalho está dada a possibilidade,

mais, a realidade de a atividade espiritual e material, a fruição [gnub] e o trabalho, a

produção e o consumo caberem a indivíduos diferentes; e a possibilidade de não

caírem em contradição reside apenas na superação [aufgehoben] da divisão do

trabalho. É de resto evidente que os “espectros”, os “vínculos”, o “ser superior”, o

“conceito”, a “escrupulosidade” são meramente a expressão espiritual [geistlich]

idealista, a representação aparente do indivíduo isolado, a representação de grilhões

e limites muito empíricos dentro dos quais o modo de produção da vida e a forma de

intercâmbio àquele ligada se movem (MARX; ENGELS, 2009, p. 46).

Não é possível mudar apenas consciências sem atrelar a isso mudanças a nível

estrutural e coletivo. Pelo processo dialético entre vida material e espiritual, por vezes, a

consciência pode avançar para além da existência, ainda que de forma individual, visto, como

já posto, a relação entre ambas, não ser mecânica. Mas, ainda que haja avanços na consciência

singular de alguns seres sociais, serão avanços limitados pela materialidade objetiva, que

negam sua totalidade e sua concretude coletivamente. Mesmo que esses avanços sejam

coletivos, na sociedade do capital, pelo metabolismo próprio ao sistema, nem mesmo a classe

dominante consegue gozar de privilégios efetivos das ditas liberdades democráticas. Só a

transformação dos meios de produção possibilita a efetivação da emancipação humana.

Entender a determinação da consciência humana sofrida pela materialidade do

mundo não é negar sua importância e a capacidade de elevação no ser social, é entender seus

99

limites e suas possibilidades de diálogos e interferências coletivamente com a estrutura social

que a determina.

Não é esperar que vivências cinematográficas façam a revolução e mudem o

mundo humano, é criar através do cinema pontos de contradição e reflexão acerca do mundo

social que nos cerca e assim instigar e mostrar suas incoerências com o objetivo de que

busquemos sua mudança concreta, através da mudança na forma de produção de nossa vida

material atual, ou seja, a superação do trabalho alienado difundido na sociedade capitalista.

É preciso estar atento para não perder do horizonte a materialidade da história,

que apesar de se esconder por baixo de uma aparência apática, está ali presente na

materialidade do mundo e das pessoas. É necessário não perder o pressuposto do trabalho

como elemento fundador do ser social e também como elemento que precisa ser emancipado

primordialmente, numa revolução classista, para que assim seja possível um mundo humano

efetivado cotidianamente para toda a sociedade.

Para que a revolução proletária aconteça são necessários dois pressupostos básicos

e indispensáveis: que as forças produtivas do capitalismo tenham se desenvolvido a níveis

mundiais e que a massa marginalizada das riquezas produzidas socialmente chegue a

coeficiente estrondoso (MARX; ENGELS, 2009).

Fica claro assim, que a arte não tem poder de transformação radical da sociedade.

Advogamos, no entanto, que ela pode e tem potencial de ser ferramenta de formação e

contribuição na elevação da autoconsciência humana, sendo ponto de efervescência entre o

indivíduo e a sociedade, entre um indivíduo e os outros indivíduos e, por último e não menos

importante, entre o indivíduo e si mesmo.

A arte pode servir de bússola e de criação de novas necessidades subjetivas na

consciência humana, ela pode ajudar a potencializar e consolidar abstrações vindas da

realidade concreta e imposta pela força produtiva da época, “a verdadeira riqueza espiritual do

indivíduo depende completamente da riqueza das suas relações reais” (MARX; ENGELS,

2009, p. 55).

Para criar necessidades humanizadoras e de elevações humano genéricas através

do cinema é que acreditamos que seja preciso uma formação dos sentidos específica para ver

cinema de forma sensível e autêntica.

Compreende-se que o olho humano frui de forma diversa da que o olho rude, não

humano [frui]; o ouvido humano diferentemente da do ouvido rude, etc.

Nos vimos. O homem só não se perde em seu objeto se este lhe vem a ser como

objeto humano ou homem objetivo. Isto só é possível na medida em que ele vem a

ser objeto social para ele, em que ele próprio se torna ser social (gesellschaftliches

100

Wesen), assim como a sociedade se torna ser (wesen) para ele neste objeto (MARX,

2010, p. 109).

Educar e socializar os sentidos para que eles se humanizem e se historicizem. Para

viver a arte no momento atual de forma autêntica e indo além da mera aparência da realidade

e atinja a realidade exposta pela obra. Emancipar o olhar para que, assim como já nos alertou

Saramago (1995) além de ver, se consiga reparar no mundo. E com isso não advogamos uma

elitização da arte, ansiamos é que ela saia da redoma imposta pelo cânone e atinja as ruas e

zonas periféricas do mundo.

Se carregamos o potencial em nós, através do trabalho, de sermos seres sociais

sempre em busca do novo e de novas ampliações humanizadas, cabe aos educadores e a

qualquer um que busque e acredite na possibilidade de efetivação de nosso potencial humano

em totalidade, possível de se expandir apenas numa sociedade efetivamente emancipada, lutar

pelo acesso, pela fruição, pela formação dos sentidos humanos, pela vivência, e assim, pela

expansão humana genérica da classe trabalhadora.

Com efeito o educador, embora das formas mais diversas e mesmo nestas condições

históricas adversas, sempre tem uma determinada margem de manobra na sua

atividade: ele estrutura programas; seleciona conteúdos; escolhe materiais; confere

maior ou menor ênfase a determinados aspectos; é dele a opção por determinado

método; é dele a escolha de determinada relação com o educandos, etc. (TONET,

2005, p. 231).

Assim sendo, pensamos que ainda que em pequeno alcance, é possível ter no

horizonte e construir, ainda que envolta em muitos retrocessos e contradições, ações mínimas

na escola que tenham como fim, a elevação da autoconsciência humano genérica nos

educandos. E aqui, ressaltamos que não estamos, como tão em voga no momento atual,

culpabilizando o educador, ou lhe atribuindo funções outras que não a que precisa exercer

primordialmente: que é a partilha e ensino do saber sistematizado, em sua forma imanente e

desantropomórfica, em sua forma científica.

Compreender o cinema pelo próprio cinema é ampliar não apenas repertório

estético de forma desantropomórfica e científica, mas qualificar as determinações do objeto

pelo próprio objeto, para, a partir disso, e uma formação estética dos sentidos humanos, trazê-

lo para sua imanência subjetiva e vivenciá-lo de forma elevada e com maiores possibilidades

de incorporações essenciais e não meramente aparenciais e alienadas.

A necessidade do objeto que experimente o consumo foi criada pela percepção do

objeto. O objeto de arte, e analogamente qualquer outro produto, cria um público

sensível à arte e apto para gozar da beleza. De modo que a produção não somente

101

produz um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto (MARX,

2008, p. 248).

Cada sentido humano carrega especificidades de formação social únicas. Portanto,

quando se diz aprender cinema se centraliza diretamente nas potências estéticas formativas

que pode promover aos sentidos humanos, primordialmente visão e audição, de uma maneira

que nenhuma outra linguagem da arte pode proporcionar.

Se a formação da nossa consciência se assenta na concretude de nossa vida

material, é só através de vivências concretas e qualificadas com o cinema que se torna

possível vivenciar catarses cinematográficas e assim elevar-se enquanto gente na sociedade

que nos nega isso coletiva e cotidianamente.

Pressupondo o homem enquanto homem e seu comportamento como o mundo

enquanto um [comportamento] humano, tu só podes trocar amor por amor,

confiança por confiança etc. Se tu quiseres fruir da arte, tens de ser uma pessoa

artisticamente cultivada; se queres exercer influência sobre outros seres humanos, tu

tens de ser um ser humano que atue efetivamente sobre os outros de modo

estimulante e encorajador. Cada umas das tuas relações com o homem e com a

natureza – tem de ser uma extensão (Ausserung) determinada de tua vida individual

efetiva correspondente ao objeto de tua vontade. Se tu amas sem despertar amor

recíproco, isto é, se teu amar, não produz o amor recíproco, se mediante tua

externação de vida (Lebensausserug) como homem amante não te tornas homem

amado, então teu amor é impotente, é uma infelicidade. (MARX, 2010, p. 161).

Ainda, que essas vivências sejam apenas respiros no cotidiano sufocante, ou que

existam apenas como ilhas de arte autêntica como disse Lukács (2013b), elas são

imprescindíveis para a humanização da vida alienada.

A classe que domina os meios de produção material, domina também

consequentemente, a produção espiritual de sua época, por isso a necessidade da tomada de

poder pela classe trabalhadora, dos meios de produção da subsistência material da sociedade,

para que assim seja possível para além de respiros estéticos e ilhas de consciência espiritual

do ser social na totalidade histórica da humanidade, alcancemos efetivamente uma sociedade

emancipada .

Pensar o cinema para além do pedagógico mecanizado, qualificando inclusive a

sua utilização em sala de aula como ferramenta pedagógica se apropriando de categorias de

analises estéticas cinematográficas específicas, exibição e debate de filmes fora do circuito

puramente mercadológico, acesso a outras estéticas fílmicas, além hollywood, como

mulçumanas, africanas, a própria cinematografia brasileira, nos parece um fértil caminho para

professores buscarem minimamente elevar a utilização dessa linguagem artística na escola,

tendo sempre no horizonte que a arte tem meios próprios de captação da realidade, diferentes

102

da ciência, o que não impede, no entanto, que a ciência, encarnada no saber sistematizado

ofertado pela escola, possa contribuir com aspectos desantropomórficos de fruição estética.

A escola pode ser espaço de apropriação de saberes que podem contribuir com a

fruição artística rica, por meio da percepção das múltiplas determinações do objeto da arte,

mediada pela formação estética dos sentidos humanos. Educação não se confunde nunca com

a arte, mas a arte tem elementos educativos que interferem na formação humana, sendo assim,

é um bom espaço de formação de debate de professores essas possibilidades além junção arte-

educação, escola-cinema, pensar ambas como atividades que possam ser desenvolvidas

através do ensino escolar, porém cada uma com especificidades próprias.

[...] qualquer arte possui uma específica linguagem que torna necessária sua

“aprendizagem” para que se possa acessar o conteúdo vivencial das peculiaridades

das obras. No entanto, não se pode esquecer de que esse processo de

“aprendizagem” não é, por um lado, somente uma assimilação dos correspondentes

„vocábulos‟; tampouco, por outro, apenas uma determinada educação que apure o

juízo de gosto do receptor com a finalidade de conseguir certa inteligibilidade da

capacidade receptora da obra. (SANTOS, 2018, p. 44).

Lembramos que o ensino das especificidades próprias de cada linguagem estética

se conecta diretamente com o que é defendido por Marx (2010) como a necessidade de

qualificar os sentidos humanos, pela totalidade de assimilação das obras estéticas. Quanto

mais qualifico a vivência e a recepção das obras de arte, na mesma proporção possibilita-se a

humanização dos sentidos e a ampliação das potencialidades imaginativas e de diversidades

de reflexos do mundo no ser social.

Acreditamos, que as três categorias abordadas nesse texto: meio homogêneo,

objetividade indeterminada e atmosfera anímica, atreladas a essa perspectiva do fazer

educativo emancipatório, podem contribuir diretamente com professores da educação básica e

também da universidade, no trabalho com o cinema por ele mesmo, com objetivações próprias

e peculiares de sua linguagem, e assim auxiliar esses mesmos professores com a partilha e

consolidação de suas atividades educativas, que longe de terem força de redenção social, se

encontram contraditoriamente ligadas à estrutura social vigente, podendo ainda que

minimamente e de forma bastante limitada, serem frestas de luz em espaços tão escuros nesse

momento de crise estrutural atual.

A dominação do capital sobre o trabalho, com a mediação de suas personificações

(os capitalistas), encontra na base material da exploração sua sustentação; conta,

ademais, para a subordinação do trabalho, com a proteção das mediações políticas

através do auxílio do Estado, que atua como força complementar ao comando

hegemônico do capital (PANIAGO, [2018], p. 11).

103

Por isso a necessidade revolucionária de lutar para concretizar a superação desse

sistema desumano e que nega a totalidade do ser social,

Somente com a superação deste modo de metabolismo social alienado e explorador,

superando-se também a lógica do lucro e da reprodução do valor de troca, é que se

pode pensar numa ordem social em que os próprios produtores controlem os meios e

a finalidade de suas vidas. Durante todo esse processo, sem dúvida, a luta política

desempenha um papel vital, caso não se desvie do desafio estratégico inescapável:

superar o capital enquanto tal e não apenas como modalidades específicas de

capitalismo. (PANIAGO, [2018], p. 11).

Partindo deste entendimento, e tendo como horizonte uma sociedade emancipada

que não negue ao indivíduo sua totalidade enquanto ser, é que entendemos como sendo

diferentes e constituindo finalidades específicas, as definições concretizadas em

arte/educação, educação estética e formação dos sentidos.

No acordo entre arte/educação entende-se que dois complexos com determinações

e funções diferentes na sociedade, se confundem entre si e ambos cumprem o mesmo papel, o

que leva a confusão de finalidades e dos meios para que se cumpram esses propósitos. Assim,

a educação fica impossibilitada de exercer sua função ontológica de compartilhar saber

sistematizado, e tão pouco a arte consegue formar esteticamente e humanizar os sentidos do

ser social. Ficando ambas perdidas em subjetivismos e esvaziadas de suas funções

ontológicas.

Já na perspectiva da educação estética, temos um avanço na compreensão de que é

preciso educar para fruir arte. É necessário aprender as linguagens estéticas das obras de arte

para que seja possível vivenciar de forma mais qualificada as catarses oportunizadas por elas.

No entanto, pode-se cair no binarismo mecânico, em que a arte tem um papel específico e a

educação outro, e por isso em nenhum momento se entrecruzam, ou ainda, que cada uma

influência de forma solitária a formação humana do ser social. Como se fosse possível separar

a formação humana em compartimentos.

Entendemos junto com Marx (2010) que a formação dos sentidos humanos se

integra ao todo de sua existência. Que ao formar os sentidos para fruir arte humanamente,

estamos formando o ser social em sua integralidade e unidade complexa. Apesar de acontecer

de formas diferentes, o acesso à educação e à arte influi diretamente no ser social como uma

unidade. Ao ter acesso ao saber sistematizado, o ser social se amplia enquanto indivíduo e

também enquanto gênero, através de saberes científicos que influem mais diretamente no seu

reflexo desantropomórfico de mundo.

Ao ter acesso a arte, a fruição estética, o ser social humaniza seus sentidos, amplia

e qualifica sua autoconsciência humano genérica, influenciando, portanto mais diretamente na

104

constituição de seus reflexos antropomórficos. Esse fato, no entanto, não nega ou particulariza

a formação do ser social enquanto uma unidade, só esclarece que cada âmbito da existência

humana se amplia e se qualifica de modo diverso.

Portanto, a educação sistematizada no que concerne ao ensino de arte, deve se

voltar para a tentativa de abarcar o ser social como totalidade histórica e destacar o caráter

omnilateral que deve exercer a escola quando pensada dentro da raiz do materialismo

histórico dialético: ao formar os sentidos humanos, percebendo-os como uma totalidade una,

dialética e não fragmentada, se faz avançar na compreensão do ser social omnilateral,

destituído da fragmentação objetividade-subjetividade imposta a humanidade pelo capital e

agudizada no capitalismo.

Enfatizamos por fim, o caráter inconcluso dessa pesquisa, visto ser a ciência

campo de construção e da busca pelo novo constantemente. Apesar de nossa inteireza na

entrega, entendemos com o marxismo que todas as problemáticas humanas encontram solução

e verificação na prática humana. Assim, é no confronto do que aqui foi construído com a

realidade concreta objetiva que podermos apurar a veracidade do que aqui foi debatido.

“Chegamos a um tempo em que devemos

declarar guerra aberta à mediocridade, à

banalidade e à falta de expressividade, e fazer

da pesquisa criativa uma regra no cinema”.

Andrei Tarkovsky

105

REFERÊNCIAS

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110

APÊNDICES

111

APÊNDICE A - AGRADECIMENTOS VERSÃO SEM CORTES

Há quem acredite, no processo de inspiração para escrita, seja ela poética ou

científica. Eu como materialista, e concordando com o João Cabral de Melo Neto (2008),

quando ele afirma: “O que você fez espontaneamente é eco de alguma coisa que você leu,

ouviu ou percebeu de qualquer maneira”, creio que tudo que sou e que escrevi na vida, tem

bases nas relações humanas e afetivas que mantive ao longo dos meus dias. Tem ligação

direta com experiências e pessoas que me proporcionaram alegrias e tristezas, amores e

desafetos, já que a negação também nos afirma.

Com esse texto que ora se inicia, também não foi diferente. Nem de longe ele foi

escrito sozinho ou por pura inspiração da causalidade, foi construído com bases sólidas de

aprendizagens que só me foram possibilitadas porque estive entre gentes. Foi edificado ainda,

sem que fosse preciso me negar subjetivamente, já que como sempre disse meu orientador: “A

vida é sempre maior que a pesquisa. Não deixe de viver pra escrever”

Começo, assim, agradecendo ao companheirismo intelectual, as alegrias das

descobertas feitas no percurso desses dois anos de mestrado, a orientação humanizada,

afetuosa e sempre presente do meu orientador Deribaldo Santos. Deri, que sorte a minha,

esse encontro intelectual entre nós. A estrada foi mais leve e mais rica de descobertas porque

tive sua companhia na caminhada. Esse trabalho é nosso.

Em tempos em que a família está sendo usada pra justificar retrocessos e

preconceitos, a minha longe de ser idealizada como comercial de margarina, carregando

divergências e contradições, se faz presente em mim todos os dias. Mamãe, papai, Lena,

Van, Dilon e Jô, conseguimos!

E ainda refutando esse conceito de família tradicional e arcaico, que paira sobre

nós fortemente nos últimos tempos, eu sou sortuda e construí família também na capital

cearense: Rafa, pelos cafés regados a discussões teóricas e as cervejas que envolveram

gargalhadas, choros e trocas, e acima de tudo, amor. Karine, pela generosidade e empatia

com o outro, e ainda pela comprovação da certeza que eu já carregava, que “eu me

organizando posso desorganizar”. Edilane, pelas conversas literárias, pelas idas ao R.U, pelas

aulas compartilhadas. Todas essas vivências com vocês foram fortalecimento. Grata pela

possibilidade de ser e ter amor familiar longe do Cariri.

Rav’s e Loren, pelo amparo nos primeiros dias em Fortaleza e por terem me

ensinado com respeito e amor, que lar é acolhimento e não espaço geográfico.

112

Apesar de todo apoio, que tive durante a pesquisa, infelizmente o ambiente

acadêmico com seus prazos e castrações intelectuais é muito adoecedor. Consegui vivê-lo

humanamente, pelo apoio profissional e pela inteireza da entrega da psicóloga Amsraiane

Guilherme, a quem cotidianamente me sinto grata pelo encontro.

Comprovando que ausência também pode ser presença, a Samuel Gomes, que me

possibilitou levezas em dias pesados, e foi lente de aumento me ajudando a enxergar que no

amor não cabe metade.

As trocas possibilitadas em sala de aula e em mesas de bares, permeiam do início

ao fim esse texto: Adele, Lenha, Bárbara, Marília, Laís, Karla Costa, Laryssa, Maria

Aires, Kerginaldo, Rafaela Oliveira, Manu, Batata, Edson, Andrea, Normandi Júnior,

Ticiano, grata pelas partilhas teóricas e afetuosas. Mário, em especial, que também foi apoio

para surtos de inseguranças teóricas, companheiro de jogos no castelão e confidente em dias

ruins.

Gabriel Soares, Raquel Morais e ao professor Marcelo Magalhães pelos

debates e trocas relacionados ao texto A obra de arte na época de sua reprodutibilidade

técnica de Walter Benjamin (2000). A Edilane Cardoso, pela ajuda interpretativa e as trocas

conceituais e teóricas, pertinentes a obra de Aristóteles (2011) Poética. Samuel Alves, pela

ajuda com as referências bibliográficas, empréstimo de livro e pela conversa sobre a categoria

do Kitsch. Roberto Cunha, por ser quem primeiro me apresentou o debate empreendido por

Lukács acerca da estética marxista.

Nágella, pela leitura crítica e ajuda na primeira correção ortográfica do texto.

Ythallo Rodriguês pela procura e pesquisa empreendida aos filmes raros que não consegui

localizar, aqui destacando dois do diretor Filipino, Brillante Mendoza, pela leitura na primeira

versão desse texto e ainda pelo afeto de sempre. Bruna Frog, pela liberação da imagem

utilizada no convite para defesa desta dissertação e Daniel Batata, pela diagramação do

mesmo.

Letícia pelas longas conversas via WattsApp, que tantas vezes foram alivio em

dias sombrios. Raquel pela confiança de chorar e rir junto. Karla Gerlânia, pela amizade e

parceria desde os tempos do curso de Pedagogia. Judson, pelo amor compartilhado na

amizade de quase 15 anos.

Professores de graduação e pós-graduação do curso de letras da Universidade

Federal do Ceará (UFC): Marcelo Magalhães Leitão, Carlos Augusto Viana da Silva,

Márcio Ferreira Rodriguez Pereira, com os quais cursei disciplinas, e também todos os

113

colegas das respectivas turmas. A possibilidade de apreender o cinema, em diferentes espaços

e discussões, ampliou de forma efetiva essa pesquisa.

Todos os colegas de turma nas disciplinas ofertadas por Deri, sem exceção,

contribuíram com esse texto.

Aos Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário (IMO), da

Universidade Estadual do Ceará; Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação, Estética e

Sociedade (GPTREES) da Universidade Estadual do Ceará, coordenado pelo professor

Deribaldo Santos; Grupo de Pesquisa Ontologia do Ser Social, História, Educação e

Emancipação Humana (GPOSSHE), da Universidade Estadual do Ceará, coordenado pelo

professor Frederico Costa, Grupo de Estudos A Escola de Vigotski e a Formação do

Educador, da Universidade Federal do Ceará, coordenado pela professora Maurilene do

Carmo; ao Grupo de Estudos Estética, Marxismo e Formação Humana, da Universidade

Federal do Ceará, coordenado pela professora Jackline Rabelo, com mediação minha, da

Adele Araújo e da Rafaela Teixeira; e ao LITERACINE, espaço de exibição e debate de

adaptações literárias para o cinema, da Universidade Federal do Ceará, coordenado pelo

professor Marcelo Magalhães.

As professoras Lívia Cotrim, Maurilene do Carmo e Ruth Gonçalves, pelas

contribuições dadas quando de meu exame de qualificação, que foram determinantes para o

encaminhamento e construção deste trabalho.

Vida longa à espaços como o porto Iracema das Artes, onde participei

gratuitamente de curso de fotografia cinematográfica. Além de participação em máster

classes, exposições e exibições de filmes e de temas relacionados a sétima arte. Essas

vivências incidiram diretamente no meu percurso investigativo.

Estudar cinema já faz parte de meus dias há quase sete anos, que o Grupo Sétima

de crítica e teoria de cinema, fortaleça cada dia mais as vivências cinematográficas no Cariri

cearense.

Colegas da Universidade Regional do Cariri (URCA), Sineide, Marteana,

Eliacy, Zuleide, Cícera Nunes, Ana Maria, Gercilene, Claúdio, George Pimentel, Meires,

Thiago Chagas, Iara. Colegas da Educação Básica da cidade de Brejo Santo, Célia, Tais,

Cláudia, Cris, Rosana. Colegas da Universidade Federal do Cariri (UFCA), João, Karla,

Rodrigo, George Bal, Tiago. Amigos do grupo Sétima de crítica e teoria de cinema, Ailton

Jesus, Débora Costa, e Raquel Morais. Pelas leituras nos projetos que não foram aprovados,

pela torcida coletiva, pela leitura e apoio crítico nesse texto.

114

Terrence Malick, Brillante Mendoza, Lars Von Trier, Luc e Jean-Pierre

Dardenne, que de forma mais sistemática percorreram junto comigo esse percurso

investigativo. Beethoven, Pink Floyd e Sigur Rós, por aliviar o processo burocrático das

formatações da ABNT no texto. Camus, Rubem Fonseca, Mia Couto, João Cabral, Valter

Hugo Mãe, por me proporcionar respiros; leituras além teorias.

À classe trabalhadora, pelas lutas sindicais e estudantis, que buscam garantir a

materialidade financeira dos estudantes de pós-graduação. Como filha e integrante dessa

mesma classe, esse trabalho não teria sido possível sem os apoios institucionais, oriundos

dessas lutas.

Ao Município de Brejo Santo, nas pessoas da secretária de educação Jacqueline

Braga e da prefeita do Município Tereza Landim, pela prontidão no cumprimento do Plano

de Cargos e Carreiras que garante o afastamento do servidor para aprimoramento profissional.

A Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(FUNCAP), pela concessão da bolsa de pesquisa.

Por fim, ressalto que por sorte tenho muito mais gente das que aqui foram citadas

que me constrói e me ajuda a ser quem sou, aqui agradeço diretamente aos amigos, afetos e

vivências que por questões históricas, geográficas e temporais, influíram diretamente com

esse momento da minha vida, a todos os outros e outras que são importantes nos meus dias,

mas que não fizeram parte mais diretamente desse percurso investigativo, vocês sabem quem

são, grata pela reciprocidade cotidiana no afeto.

115

APÊNDICE B - BREVE SINOPSE DOS FILMES CITADOS

PANTERA negra. Direção: Ryan Coogler. Direção de fotografia: Rachel Morrison. Estados

Unidos: Marvel Studios, 2018.

Filme produzido dentro das grandes produções de histórias de super-heróis, em

sua maioria adaptadas de histórias em quadrinhos. Nos mostra na tela a vida de T‟challa,

príncipe que após a morte de seu pai se torna o rei de Wakanda, que na película é uma África

mais rica e mais avançada tecnologicamente que todos os países e continentes do mundo, mas

que esconde esse fato como forma de proteger seus cidadãos dos adventos do mundo externo.

Tem um elenco quase que inteiramente formado por atores negros

ARÁBIA. Direção: Affonso Uchoa e João Dumans. Direção de fotografia: Leonardo

Feliciano. Brasil: Pique- Bandeira filmes, 2018.

Um adolescente que cuida de si mesmo e de seu irmão, e ajuda esporádicas de sua avó,

encontra o diário de um operário de uma fábrica de alumínio da cidade interiorana em que

mora, após o mesmo ser hospitalizado e entrar em coma. Vemos então a história de André,

tendo como foco sua vida de trabalhador se desenrolar na película com ajuda de uma narração

em off. Um filme de narrativa linear e com poucos personagens.

BAIXIO das bestas. Direção: Cláudio Assis. direção de fotografia: Walter Carvalho. Brasil:

Parabólica Brasil e REC produtores associados, 2006.

Centrada na personagem auxiliadora, explorada sexualmente pelo avô, o filme expõe

diversas formas que o feminino é violentado por uma pequena comunidade de interior

periférico. As imagens fílmicas dessa película transitam da poesia áspera e dura de um interior

nordestino a desumanidade que o capital impõe aos indivíduos, que leva cada vez mais que

não nos reconheçamos no outro enquanto gênero humano.

O SOM ao redor. Direção: Kleber Mendonça Filho. Direção de fotografia: Fabricio Tadeu e

Pedro Sotero. Brasil: Cinemascópio filmes, 2012.

A película toda corre numa rua classe média da cidade de Recife, que vê o seu

cotidiano alterado com a chegada de três seguranças particulares contratados coletivamente

para proteção dos moradores que nela habitam. Para alguns desses moradores, esses

seguranças trazem mais desconforto que sensação de proteção. Apesar do foco na classe

116

média, a construção do filme se volta muito mais para uma crítica a forma de vida dessas

pessoas, do que como mera reprodução do seu dia-a-dia.

O NASCIMENTO de uma nação. Direção David Griffith. Cinematografia: G. W. Bitzer.

Estados Unidos: 1915.

O filme conta a história de duas famílias, a família Cameron e a família Stoneman,

durante o período da guerra civil nos Estados Unidos. Apesar das divergências políticas e

ideológicas existentes entre ambas, os jovens da família alimentam uma grande e reciproca

amizade entre si. Quando explode o conflito entre o norte da União e o sul escravocrata,

grandes perdas ocorrem em ambas famílias, acirrando assim, as diferenças existentes. Apesar

das inúmeras polêmicas éticas que giram em torno dessa obra, ela é imprescindível para a

história do cinema mundial pela sua inovação e seu caráter desbravador da linguagem

narrativa cinematográfica.

O TRIUNFO. Direção: Randa haines. Direção de fotografia: Derick Underschultz. Estados

Unidos: Alberta Film Development; Program of the Alberta Foundation f; Alberta Film

Entertainment; Granada Media; Magna Global Entertainment; Old Beantown Films, 2006.

Baseados em fatos reais, a película começa com a saída de Professor Ron Clark do

interior, Carolina do Norte, sua cidade natal, para buscar novos desafios em salas de aulas em

Nova York. A história se desenrola com Ron Clark, se deparando com inúmeros desafios e

contradições vivenciados pelos seus alunos de escola pública e suas tentativas metodológicas

e afetivas de se contrapor a realidade dura por eles vivenciadas.

O SORRISO de Monalisa. Direção: Mike Newell. Direção de fotografia: Anastas N.

Michos. Estados Unidos: Columbia Pictures Corporation; Revolution Studios, 2003.

Aluna recém-formada em uma universidade liberal viaja para assumir em outra cidade

o contrato de professora na disciplina de história da arte em escola de perspectiva tradicional e

só para mulheres. O filme se passa na década de cinquenta e traz à tona as contradições e

pressões sociais vivenciados pelas mulheres na referida década. Tem como atriz principal a

Júlia Roberts, que dá vida a Katherine, representada como mulher idealista e a frente de sua

época se distanciando, de alguma forma, do padrão esperado para uma professora de seu

tempo histórico.

117

ESCRITORES da Liberdade. Direção: Richard LaGravenese. Direção de fotografia: Jim

Denault. Estados Unidos: Jersey Films; MTV Films, Paramount Pictures, 2007.

Numa sala de aula composta de alunos periféricos e de diversos grupos étnicos, que

passam pelas mais diversas violências, a professora, Erin Gruwell inicia sua carreira docente.

Como tentativa de motivar esses alunos a se engajarem nas atividades escolares, ela estimula

que esses alunos escrevam, em diários, comprados e dados por ela a eles, suas impressões

acerca da leitura de livros indicados por ela. É um filme que também se inspira numa história

real.

DOGVILLE. Direção: Lars Von Trier. Direção de fotografia: Anthony Dod Mantle.

Dinamarca: Lions Gate Entertainment; California filmes, 2003.

Com um cenário que lembra uma cidade pequena, com aspectos interioranos

somos apresentados aos moradores e seus hábitos pacatos e sempre rotineiros, personagens

que se mostram a primeiro momento até um pouco tediosos via sua naturalização da rotina

diária. Fato que se modifica com a chegada de Grace, fugitiva de criminosos e que solicita aos

moradores a possibilidade de sua permanência da cidade, o que é aceito em troca de favores

manuais e trabalhistas que ela precisará fazer para todos na cidade.

O LABIRINTO do Fauno. Direção: Guillerme Del Toro. Direção de fotografia: Guillermo

Navarro. Espanha: Warner Bros, 2006.

Numa Espanha tomada pela ditadura militar, uma menina de nome Ofélia e sua mãe

doente chegam ao posto de um oficial do exército, novo marido de sua mãe e

consequentemente seu padrasto. Ao explorar a casa, Ofélia encontra um labirinto escondido,

em que se depara com um fauno, de olhos nas mãos e que revela que ela é uma princesa de

outro mundo além terra, e que precisa cumprir três tarefas para que seja possível o retorno ao

seu reino.

O MÁGICO de Oz. Direção: Victor Fleming. Direção de fotografia: Harold Rosson. Estados

Unidos: MGM; Turner Entertainment; Warner Bros, 1939.

Após um furacão, Doroty e seu cachorro Totó são levadas a cidade de Oz. Para

conseguir retornar para casa de seus avós, Doroty empreende uma viagem ao castelo do mago

da cidade. No caminho ela encontra um espantalho sem cérebro que resolve acompanha-la

para pedir um cérebro ao mago, um homem de lata sem coração que também resolve

118

acompanha-la, e por fim, um leão medroso que segue com ela na esperança de conseguir

coragem.

HARRY POTTER e a pedra filosofal. Direção: Chris Columbus. Direção de fotografia:

Jonh Seale. Estados Unidos: Warner Bros. Pictures, 2001.

O filme narra a história de um garoto que na véspera de seu aniversário de 11

anos, é levado para estudar numa escola de feitiçaria, situada num mundo bruxo paralelo ao

mundo cotidiano humano, denominado como mundo dos trouxas. O filme é baseado em um

livro da escritora J. K Rowling e é o primeiro de uma série de enorme sucesso em número de

público.

DRÁCULA de Bram Stoker. Direção: Francis Ford Copolla. Direção de fotografia: Michael

Ballhaus. Estados Unidos: Columbia Pictures, 1992.

Misturando mito, religião e um mundo fantasmagórico imaginário, a obra fala do

romance trágico entre um líder romano chamado Vlad Tepes, que é o Drácula e sua noiva

Elisabetha. Drácula ao defender a igreja e tido como morto o que leva Elisabetha ao suicídio.

Como pelos dogmas da igreja católica suicidas não podem entrar no paraíso celeste, Vlad ao

saber da morte da amada, promete dali por diante só beber sangue humano. Depois de séculos

vividos, Vlad, encontra o que acredita ser a reencarnação de sua noiva e a partir daí irá travar

uma busca desenfreada pela reconquista de sua amada.

A ORIGEM. Direção: Christophen Nolan. Direção de fotografia: Wally Pfister. Estados

Unidos: Warnes Bros. Pictures, 2010.

O filme transita entre mundo real e mundo dos sonhos. Conta a história de um ladrão

que entre no não-consciente das pessoas e lhes rouba segredos e informações geralmente

importantes para grandes empresas. Recebe a encomenda de no lugar de retirar ideias,

implantar uma ideia inexistente na consciência de alguém, algo nunca feito antes e que pode

acarretar sérias consequências inclusive pra si mesmo.

MAGNÓLIA. Direção: Paul Thomas Anderson. Direção de fotografia: Robert Elswit.

Estados Unidos: New line cinema, 1999.

Baseados em fatos fantásticos, como uma chuva de sapos, o filme narra histórias de

personagens diferentes que se entrecruzam por coincidências postas pela causalidade da

natureza. Toca em diversos temas polêmicos, tais quais incesto, drogas e violência.

119

THE LOBSTER. Direção: Yorgos Lanthimos. Direção de fotografia: Thimios Bakatakis.

Irlanda: A24, 2015.

Em uma sociedade distópica em que não é permitido nenhum dos seus membros

ficarem sozinhos sem estar envolvidos amorosamente com alguém. Sendo pego sozinha a

pessoa é enviada a um hotel onde terá quarenta e cinco dias para encontrar seu parceiro ideal e

casar com ele, ou será transformado no animal de sua escolha. O filme narra o encontro de um

homem que vai a este hotel por ter perdido sua esposa e sua paixão proibida por uma mulher

que é membro de um grupo rebelde, que luta pelo direito de todo individuo poder estar só.

DANÇANDO no escuro. Direção: Lars Von Trier. Direção de fotografia: Robby Müller.

Dinamarca: Fine Line Features, 2000.

Musical que narra a história de Selma, mãe solo e imigrante checa que mora e trabalha

numa fábrica nos Estados Unidos. E tem verdadeira adoração pela música. Selma carrega uma

doença genética na visão, que a vai tornando cega, para não permitir que o mesmo ocorra com

o filho, ele está juntando dinheiro para fazer cirurgia no menino. Pra não perder esse dinheiro,

e poder assim, garantir a cirurgia do filho, Selma terá que se submeter a uma escolha

extremamente desumana e cruel.

LAVOURA arcaica. Direção: Luiz Fernando Carvalho. Direção de fotografia: Walter

Carvalho. Brasil: Riofilmes, 2001.

Fazendo analogia direta com a parábola do filho pródigo da Bíblia, o filme narra a

história de André, sua saída da casa paterna e o transtorno vivido pela carga de um amor

proibido. Utilizando fortes recursos teatrais, um jogo de luz e sombra nas imagens e um rico

texto poético e lírico, a película faz uma releitura imagética deslumbrante do livro do Raduan

Nassar.

A PELE que hábito. Direção: Pedro Almodóvar. Direção de fotografia: José Luiz Alcaine.

Espanha: Paris filmes, 2011.

Após a morte de sua esposa queimada em um acidente de carro, um cirurgião plástico

tenta através de inúmeros experimentos no seu laboratório particular recriar um tipo de pele

que se assemelhe a pele humana. No transcurso da história, sua única filha é supostamente

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estuprada por um rapaz que acabara de conhecer. O médico em busca de vingança, aprisiona o

rapaz na sua casa e passa a desenvolver uma obsessão em relação a ele.

IRREVÉRSIVEL. Direção: Gaspar Noé. Direção de fotografia: Benoît Debie; Gaspar Noé.

França: Lions Gate Films Inc, 2002.

Começando pelo que seria o fim da história, o filme narra um dia na vida de Alex,

trazendo à tela a relação com seu namorado e com seu ex-namorado que é também amigo do

casal. Com imagens frenéticas, coloridas e de extrema sensação de incomodo, o filme passa

de eventos leves, como a ida a uma festa ou a leitura de livro no parque, a brigas com o

namorado, e ao estupro sofrido pela personagem, de forma violenta e crua.

ROSETTA. Direção: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne. Direção de fotografia: Alain

Marcoen. Bélgica: ARP selection, 1999.

Um filme que foca nas ações de uma jovem em busca de trabalho como forma de sair

do seu duro cotidiano vivido e dividido num trailer com uma mãe alcoólatra e que chega a

trocar sexo por favores concedidos pelo proprietário do trailer. A personagem é representada

como de personalidade determinada e impulsiva, se negando a passividade dos infortúnios

impostos pelo sistema.

JOHN John. Direção: Brillante Mendonza. Direção de fotografia: Odyssey Flores. Filipinas:

Seiko filmes, 2007.

Uma mulher que trabalha como mãe adotiva temporária deve entregar a criança que

está cuidando, o menino John John, aos pais americanos que vieram busca-lo. A película traz

à tona a relação afetivoemocional de todos da família com a criança, sempre em tom quase

documental como é característica da filmografia do diretor, aparentemente simples, o filme

toca em diversos aspectos humanos corrompidos e devastados pelo sistema capitalista.

O FILHO. Direção: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne. Direção de fotografia: Alain

Marcoen. Bélgica: ARP selection, 2002.

Em estilo quase documental, com a câmera exercendo papel ativo, acompanhamos a

vida de um professor de carpintaria de uma instituição voltada para atendimento a jovens

marginalizados. Vemos então a vida desse professor tomar diversas modificações com a

chegada de um jovem a suas aulas, que foi o responsável pelo assassinato de seu único filho.

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Com um transcurso lento de cenas e ações, e com ricos significados da imagem e do som, o

filme nos leva a perceber os entrelaces de humanidade que a vida impõe.

CABRA marcado para morrer. Direção: Eduardo Coutinho. Direção de fotografia:

Fernando Duarte; Edgar Moura. Brasil: Gaumont, 1984.

O filme narra a vida de um líder camponês assassinado na Paraíba em 1962. Com o

golpe militar de 1964, as filmagens foram suspensas, parte da equipe presa por alegação de

associação ao comunismo e o restante se dispersou. Após 17 anos, as filmagens são retomadas

e tenta-se reconstituir os fatos. Somos assim, apresentados a realidade da viúva do líder

camponês, e todas as implicações que ocorreram na sua vida, após a morte do marido e pós

golpe militar.

CINEMA novo. Direção: Erick Rocha. Montagem: Renato Valone. Brasil: Vitrine filmes,

2016.

Partindo de imagens de arquivos, entrevistas, cenas de filmes, making offs, filmagens

caseiras, sobreposições e uma música presente fortemente em todo seu percurso. O filme nos

aproxima da realidade do cinema novo brasileiro, um dos seus maiores movimentos

cinematográficos que teve repercussão a nível mundial.

SI VOUS salue Sarajevo. Direção Jean-Luc Godard. França: 1993.

A partir de uma fotografia de guerra de Ron Haviv, fotojornalista americano, o filme

nos mostra fragmentos de uma imagem na tela, junto a uma narração feita pelo próprio

Godard. Refletindo sobre exclusão, arte, regra e exceção, para ao final de seus dois minutos

de duração vermos saltar na tela a imagem completa. O filme é uma reflexão acerca da guerra

e do poder das imagens e da manipulação dessas imagens e da arte enquanto elemento de

reflexão humana.

UM CRIME americano. Direção: Tommy O‟Harver. Direção de fotografia: Byron Shah.

Estados Unidos: Showtime, 2007.

No ano de 1965, no subúrbio de Indianópolis, uma mãe aceita acolher duas irmãs,

filhas de um casal circense, em troca de ajuda em dinheiro. Com dificuldades financeiras e

afetivas irão ser iniciados maus tratos com as duas garotas, que irão tomar proporções

imensas, chegando a envolver longas estádias no porão, jogos violentos dos filhos dessa

mulher que as acolheu e até vizinhos da casa em que elas se encontram.

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UM SÓ pecado. Direção: François Truffaut. Direção de fotografia: Rauol Coutard. França:

Versátil,1964.

Um renomado editor e escritor, ao viajar para fazer uma palestra sobre Balzac,

conhece e se apaixona por uma aeromoça com quem inicial um caso extraconjungal. Para

manter o caso escondido da esposa e da filha, ele começa a justificar os encontros com a

aeromoça, com inúmeras viagens de negócios que começa a gerar desconfiança na sua

companheira.