Desejo Material
Transcript of Desejo Material
-1-
O DESEJO MATERIAL
UM ESTUDO SOBRE O PAPEL DO
MATERIAL DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA
EDSON DO PRADO PFUTZENREUTER
Dissertação apresentada como exigência parcialpara obtenção do título de Mestre junto aoPrograma de Pós—Graduação em Comunicação eSemiótica da Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo, sob orientação de Cecília AlmeidaSalles.
São Paulo — 1992
“O desconcertante encontro de acontecimentostão poderosos que escapam à extensão dasensibilidade e compreensão humanas, exige dacriação artística algo diverso dasexperiências banais, hauridas no primeiroplano da vida cotidiana. Estas últimas nuncarasgam a cortina cósmica, nunca explodem oslimites das possibilidades humanas; por issomesmo, ainda que provocando uma profundacomoção no indivíduo, se inserem facilmentenas formas de criação artística do homem. Aforma visionária, à qual já nos referimosrasga de alto a baixo a cortina na qual estãopintadas as imagens cósmicas, permitindo umavisão das profundezas incompreensíveisdaquilo que ainda não se formou. Trata—se deoutros mundos? Ou de um obscurecimento doespírito? Ou das fontes originárias da almahumana? Ou ainda do futuro das geraçõesvindouras? Não podemos responder a estasquestões nem pela afirmativa, nem pelanegativa.
C. G. Jung
“Uma das razões de ter escrito este livro éque acredito que muitas pessoas já estejamcansadas da fascinante obscuridade daconversa artificiosa, dos jogosmalabarísticos com frases feitas, doexibicionismo pseudocientífico, da buscaimpertinente de sintomas clínicos, da mediçãoelaborada das bagatelas e dos epigramasencantadores. A arte é a coisa mais concretado mundo e não há justificativa paraconfundir a mente de qualquer pessoa quequeira conhecê-la mais profundamente.”
R. Arnheim
DEDICATÓRIA
A Sílvia, pelas injeções de ânimo.
A Maria Helena, pela ajuda na revisão.
Aos meus pais, pelo apoio.
A Cecília, pela paciência e pela fé
AGRADECIMENTOS
Ao CNPQ pela bolsa de estudos que me concedeue que possibilitou a elaboração deste trabalho.
SUMÁRIO
Resumo 7
Introdução 10
1. A Arte como a atividade de formar uma matéria 14
2. A criação como um processo com propósito 36
3. Os materiais, ferramentas e técnicas empregados pelo artista 62
3 . 1 . O material da arte 67
3.1.2. O material e o imaginário 105
3.2. As ferramentas da arte 118
3.3. A técnica da arte 133
4. Conclusão 150
lustrações 155
Bibliografia 171
Para compreender a complexidade da relação do artista com a
matéria que é utilizada na execução de uma obra artística, a arte é
apresentada como um fenômeno duplo: técnico e intelectual.Por ser um
objeto, está ligada aos meios e processos de execução. Por isto, a
produção artística é, simultaneamente, uma atividade intelectual e
manual.
O processo de criação é entendido, com base na semiótica de
Charles Sanders Peirce, como a geração de um signo: a obra de arte.
Do pensamento deste autor, são úteis para o entendimento da criação,
os conceitos de causação final e causação eficiente. Embora as três
categorias fenomenológicas peircianas coexistam na criação, este
trabalho privilegia a secundidade devido à oposição que existe entre
a vontade do artista e o material que este usa.
Os meios utilizados na execução de uma obra, determinam a
forma que esta terá, mas são reinventados pelo artista, seja com a
invenção concreta de um novo instrumento ou com um novo uso. Para que
seja verificado este aspecto com maior profundidade, os meios são
entendidos como um conjunto formado por materiais, ferramentas e
técnicas.
O material usado na arte tem uma constituição natural, uso
comum e destinação artística, este último aponta para futuros
desenvolvimentos. Os outros dois, entretanto, ao mesmo tempo que
limitam, oferecem possibilidades que, para serem alcançadas, exigem
um diálogo entre o artista e a matéria. Neste diálogo, o artista
necessita de ferramentas que, assim como o material, conduzem a
-10-
criação e são escolhidas de acordo com a intenção do artista.
A técnica, na arte pode ser entendida como ofício,
disciplina ou retórica, podendo ser ainda uma virtualidade, uma
possibilidade de uso. A técnica que determina a arte não é só
aquela usada na produção artística, as inovações técnicas trazem
mudanças na percepção que permitem a criação de novas formas
representativas.
-12-
Este trabalho analisará o processo criativo através do
qual são produzidas obras de artes plásticas. Existem, neste
processo, vários fatores determinantes; serão enfatizados os
materiais, técnicas e ferramentas utilizados pelo artista.
A maneira como entendemos a arte muda ao longo da
história, mudando também, a valorização do aspecto material que
esta envolve. Utilizaremos o conceito de arte que a vê,
fundamentalmente, como uma forma, pois este permite mostrá-la como
uma materialidade formada e a criação, como ato de formar uma
matéria.
A maneira como podemos entender o processo criativo,
sofreu tantas mudanças quanto o conceito de arte. Já se acreditou
que a criação vinha de uma fonte exterior ao criador, alguma origem
divina. Este processo foi ainda considerado, por outros, como vindo
da mente do artista.
A visão de criação da qual partimos é dada pelo estudo de
crítica genética de Cecilia A. Salles. A critica genética
preocupa-se em analisar a gênese de uma obra de arte e, embora
esteja voltada principalmente para a literatura, os conceitos
utilizados nos estudos desta autora permitem uma aplicação às artes
visuais.
Analisando o processo desenvolvido por Ignácio de Loyola
Brandão em “Não verás país nenhum”, ela elabora uma teoria da
-13-
criação que pode ser extraída dos textos de Charles S. Peirce. Esta
teoria se fundamenta nos conceitos de causação final e eficiente.
Existe, em nossa visão do processo criativo, um elemento
condutor designado pelo conceito peirceano de causação final, que
será apresentado com mais profundidade no segundo capítulo. Outro
conceito de fundamental importância, é o de causação eficiente,
pois, para que o ideal da causação final seja alcançado, é
necessária a causação eficiente, que nos remete à luta com os
elementos que permitem alcançar um objetivo, referindo-se, nas
artes plásticas, aos meios utilizados pelo artista para dar
existência concreta a uma vontade artística. Representa, portanto,
um instrumental importante para o tema que abordaremos.
Procuraremos circunscrever as nossas afirmações ao
período moderno mas, com isto, não pretendemos dizer que faremos
uma análise histórica da forma como cada artista se relaciona com
seu material. A amplitude de um trabalho que se propusesse a isto
ultrapassaria muito as dimensões deste que estamos apresentando.
Nosso objetivo, então, é compreender a complexidade que
envolve a relação do artista com seu material durante a criação,
usando, para isto textos de estudiosos de arte e depoimentos de
artistas modernos.
A dissertação está dividida em três capítulos. No
primeiro, mostraremos as artes plásticas entendidas como uma
-14-
atividade, como um “fazer”; este conceito é importante, porque
permite evidenciar a materialidade que tanto nos interessa.
O segundo capítulo tratará do processo de criação
entendido como um processo com propósito. Serão abordados os
conceitos de causação final e eficiente, e a questão da
simultaneidade entre o pensar e fazer artísticos. O terceiro
capítulo tratará dos meios de produção artística. Veremos que estes
são reinventados durante a criação e que podem ser entendidos como
uma junção de técnicas, materiais e ferramentas. Analisaremos,
separadamente, cada um destes elementos.
-16-
Nossa intenção, neste capítulo é apresentar as artes
plásticas como a produção de objetos, como um “fazer”, como a
atividade de formar uma matéria, sendo necessário, para isto, que
entendamos a arte como uma forma e uma matéria formada. Embora não
faça parte de nosso interesse verificar as mudanças históricas
ocorridas no conceito de arte, não podemos ignorar o fato de nem
sempre ter sido aceito o conceito de arte do qual partimos em nossa
investigação.
Em função da existência de diferentes formas de conceber
a arte, é importante que mostremos o conceito do qual partimos.
Entendemos a arte como forma, da maneira descrita por Francastel.
Este autor se preocupa em resgatar as obras de arte como documento
histórico e sociológico, mostrando que esta função tem sido
relegada porque os especialistas destas ciências consideram somente
o documento escrito. Ele pretende mostrar que “não pode haver uma
Sociologia da Arte sem uma abordagem prévia dos problemas de
comunicação colocados por uma linguagem, a linguagem ou melhor, as
linguagens artísticas - figurativa, plástica, monumental,
decorativa” mas a obra de arte, produto destas linguagens deve ser
vista em si, “não constitui um sinal de uma realidade localizável
por outras vias e exprimível por outras técnicas”
(Francastel,1973:17), pois “não é um duplo de qualquer outra forma,
seja ela qual for, mas, realmente o produto de um dos sistemas
-17-
através dos quais a humanidade conquista e comunica sua sabedoria
ao mesmo tempo que realiza suas obras” (Francastel,1973:5).
Francastel preocupa-se com o receptor e este trabalho,
está interessado no produtor. Isto poderia contrapô-lo aos nossos
interesses, mas ele diz que “o diálogo do artista com sua obra
implica a participação do espectador” (Francastel,1973:17), não
excluindo a relação do artista com sua obra. Além disso, o artista,
também é o receptor não só da obra pronta, mas também, daquela que
está sendo feita.
Seu livro de ensaios: A Realidade Figurativa é dividido
em quatro partes, das quais, uma trata “das relações teóricas da
Arte com a Sociologia, a técnica, a história e a linguagem”
(1973:15). Ao incluir a técnica, seu estudo vem ao encontro de
nosso interesse pelos meios concretos de execução das obras
artísticas. Além disso, na parte referente à noção de objeto
figurativo, Francastel (1973:14) mostra que este é essencialmente
material:
“Nenhuma disciplina é mais apta que a disciplina dosartistas a nos oferecer um meio de penetrar maisprofundamente nas energias da vida do espírito, tomadanão em si como uma realidade intrínseca, mas no exatomomento em que se insere numa matéria para impor-lheuma ordem de modo algum sobrenatural mas imaginária”.
Neste estudo que apresentamos, o importante, no
desenvolvimento histórico, é que a maneira como o artista
relaciona-se com os materiais e as técnicas muda, assim como mudam
-18-
todos os aspectos da sociedade. “uma sociedade que se organiza
cria, ao mesmo tempo, suas necessidades e seus valores materiais e
morais assim como seus símbolos” (Francastel,1973:40).
Entre as várias maneiras de conceituar a arte, algumas
estão situadas entre os dois polos que a entendem como atividade
intelectual ou manual. Pareyson (1989:115) aborda esta questão
lembrando que “a antiga distinção entre artes liberais e artes
servis relegava para estas últimas, que têm necessidade do corpo
para a execução manual em que elas consistem, a pintura e a
escultura, de modo que uma nobilitação destas artes não foi
possível senão com uma atenuação de seu aspecto executivo e manual
e uma reivindicação de seu caráter “mental”, interior, espiritual.
Este processo de “espiritualização”, iniciado no renascimento,
culminou no romantismo, que em cada arte acentuou o aspecto
interior e espiritual da pura criação. Depois disso começou,
todavia, a delinear-se um retorno à concepção antiga da arte como
“fazer”, e se primeiro tinha-se buscado encaminhar as artes como a
pintura e a escultura às condições puramente mentais da poesia,
depois se fez o caminho inverso, e também à poesia quiseram
atribuir os aspectos fabris e, por assim dizer, manuais da pintura
e da escultura”.
Pareyson (1989:115) chama de espiritualização ou
“espiritualismo estético” o pensamento que vai de Schopenhauer a
-19-
Croce no qual “a produção da, obra de arte se esgota na figuração
de uma imagem puramente interna, e com esta nada tem a ver a
atividade sucessiva, que a exterioriza num corpo físico: atividade
que não só é secundária e supérflua com respeito à arte, mas não
tem nada de artístico, porque é antes, um ato prático dirigido ao
fim da conservação e da comunicação”.
O retorno à valorização da atividade operacional no
pensamento e na produção artística moderna, e explicado por
Greenberg (1965:96:97) através do que ele considera a essência do
modernismo, ou seja, uma civilização levar às últimas consequências
o exame de seus próprios fundamentos usando “métodos
característicos de uma disciplina não para subvertê-la, mas para
firmá-la ainda mais na área da sua competência”. Para justificar
sua atividade, a arte teve de explicitar “o que havia de único não
somente na arte em geral, mas também em cada arte em particular”,
limitando e consolidando sua área que coincidia “com tudo o que era
exclusivo da natureza de seus meios”.
A valorização do aspecto material não pretende afirmar
que a produção estética se resuma a estes fatores, “do mesmo modo
que cada homem participa em níveis múltiplos e variados de
civilização, assim também cada objeto está engajado ao mesmo tempo
em várias categorias de nossas atividades. A complexidade é a lei
de toda existência para os indivíduos e para as obras”
(Francastel,1973:80).
-20-
Queremos mostrar a arte como um fazer e o caminho que
optamos, para isto, passa pela definição desta como forma. O
conceito de arte como forma é recente, relaciona-se com o método
formalista de Wolfflin e Focillon. No entanto, a maneira como
entendemos “forma” origina-se dos estudos de Francastel (1973:10)
que não compartilha com a teoria da Forma destes dois autores pois
a forma não deve ser considerada “como uma coisa em si. As Formas
não têm vida autônoma; a cadeia das Formas não constitui um
universo que se desenvolva à parte; a Formas não possuem conteúdo
determinado e imutável; as Formas não remetem à sua própria gênese.
As Formas, além disso, não constituem objetos, coisas, elas devem
ser distinguidas dos suportes materiais que utilizam. Faltou a
Wolfflin e Focillon levar em consideração a noção de estrutura,
pois a Forma não é o objeto mas precisamente a estrutura”.
No Impressionismo, foram abandonados os aspectos
anedóticos da pintura e procurado aquilo que é essencialmente
pictórico, permitindo que a arte deixasse de ter outras funções e
passasse a ser, essencialmente, uma forma. Mesmo o modelo deixou de
ser importante, tornando-se unicamente um ponto de partida para o
desenvolvimento da forma representacional. “Toda a problemática da
arte moderna nasceu no dia em que Cézanne descobriu que, para o
artista, a maçã não era a maçã, mas um tema de observação”
(Francastel,1973:75).
-21-
Goossen (1986:93), referindo-se a Pollock, afirma que “a
pintura em si é agora uma coisa, e como tal refere-se menos a
“temas” estranhos a ela e às suas ilusões. Quase tanto como as
pirâmides, fala dela mesma e somente dela mesma. Não é mais uma
janela para o mundo, mas o mundo, imanente e autônomo”. Não se
remetendo a elementos externos, remete-se à matéria formada.
A ênfase na forma foi inicialmente confundida com a
desconsideração de outros valores que a arte pode conter mas, na
realidade, buscou-se mostrar que está na forma o que se costumou
chamar de conteúdo, “estendendo o dever e a capacidade de exprimir
e de significar a todos os aspectos da obra” (Pareyson,1989:58)
pois, na obra, não existe “nada de físico que não seja significado
espiritual, não tem nada de espiritual que não seja presença
física” (Pareyson,199:120). A importância de mostrarmos a
valorização da forma decorre desta sua existência como matéria
formada isto; entretanto, traz a questão da oposição
forma-conteúdo.
Venturi (1968:14) afirma a distinção “entre o assunto e o
conteúdo, e a identidade do conteúdo e da forma”. Devemos lembrar
que sua análise avança só até a pintura de Chagall; mesmo assim,
suas definições são importantes. Para ele, “o assunto é o que o
pintor representou. Mas o conteúdo é a maneira como representou. E
-22-
quando dizemos “como”, falamos da forma de um pintor, da forma de
sua imaginação. Por isso conteúdo e forma são idênticos”
(Venturi,1968:15).
Pareyson (1989:30) diz que a forma “é expressiva enquanto
o seu ser é um dizer, e ela não tanto tem quanto antes, é um
significado” e, uma vez que, na mistura de conceitos usados pela
crítica, associa-se conteúdo a significado e arte à expressão,
comprovamos a ligação entre conteúdo e forma, pois a troca destas
palavras resulta em que a forma é arte, quando é conteúdo.
Encontramos, em Kandinsky (1988:156), uma afirmação que vem ao
encontro de nossa discussão, ele diz:
“Visto que a forma nada mais é que a expressão de umconteúdo, visto que o conteúdo difere em cada artista,torna-se claro que pode haver em uma mesma épocadiferentes formas, que são igualmente válidas. Anecessidade gera a forma. As profundezas abissais sãohabitadas por peixes desprovidos de olhos. O elefantetem uma tromba. O camaleão muda de cor, e assim pordiante. O espírito de cada artista, portanto, seespelha na forma. A forma traz a marca dapersonalidade”.
Retornando a Francastel (1973:3,4), este autor afirma que
“a partir do momento em que o técnico cria não só um objeto mas uma
forma, ele age como artista, isto é como criador não apenas de
conceitos ou de objetos mas de esquemas de pensamento”. Mais
especificamente, de pensamento plástico, pois existe “um pensamento
plástico assim como existe um pensamento matemático ou um
pensamento político”. O pensamento plástico é “um desses grandes
-23-
complexos de reflexão e ação em que se manifesta uma conduta que
permite observar e exprimir o universo em atos ou linguagens
particularizadas”.
A forma, como vimos antes, é a estrutura, ou seja a
maneira como elementos estão organizados, por isto, quem cria uma
forma tem o “desígnio de inventar uma nova ordem na qual ele imporá
uma certa disposição das partes tanto aos elementos materiais como
aos imaginários. Em síntese, ele não só realiza, ele inventa”
(Francastel,1973:10).
No momento, o que nos interessa, na conceituação de arte
como forma é que esta se constitui de esquemas de pensamento
plástico e permite a valorização do aspecto material, pois “só há
estilo quando um artista impõe sua emoção e certa maneira
consciente de expressá-la. Não existe arte sem forma, no sentido
material do termo” (Francastel,1990:234).
Para falar de arte, Francastel utiliza o conceito de
relé, um dispositivo que controla um circuito elétrico em função
das variações nele mesmo ou em outro circuito. “O artista posto em
presença, por um estado de sensibilidade ótica particular, do fluxo
incessante de sensações registradas por seu nervo óptico, age
conforme uma dupla linha de atividade: balizar, na vaga indistinta
que o obseda, elementos isoláveis e classificá-los, fixá-los
materialmente em objetos utilizáveis como relés da lembrança e como
evocação da sensação” (Francastel,1973:112).
-24-
O relé faz o papel de mediador entre circuitos elétricos;
da mesma maneira a arte, ao representar algo para alguém, funciona
como um relé “entre o espírito criador e aqueles dos espectadores”
(Francastel,1973:107,110), condensando “uma experiência que se
oferece a outrem como um elemento da realidade complementar”.
Segundo Francastel (1973:107), “a dialética do percebido,
do real e do imaginário implica a noção de signo relé, ela não
exige a inserção de um termo suplementar”. Este conceito
relaciona-se com a diferenciação, feita por Francastel, entre a
imagem e o objeto figurativo. A imagem “nos introduz, como
dissemos, no domínio psicológico... Mas, enquanto que a análise dos
objetos figurativos assenta numa análise dos processos, dos meios,
das técnicas postas em ação pelo artista para materializar a imagem
surgida em seu espírito, a análise da imagem exige a reconstituição
dos esquemas de pensamento que conduziram o criador a realizar em
seu espírito uma reunião não de signos mas de elementos extraídos
simultaneamente de suas lembranças, das lembranças de outrem, de
suas sensações do momento e aliadas entre si por cadeias
relacionais que implicam sistemas precisos de associação e de
causalidade acessíveis ao ambiente”.
ARTE COMO MATERIAL FORMADO
Francastel (1973:107) afirma que a “a imagem é distinta
do conjunto de signos que constituem a obra, ou melhor, o objeto
-25-
figurativo que se oferece à nossa atenção” e o objeto figurativo é
diferente da imagem porque é essencialmente material. “Não se
poderia mais pensar que existe independente dos signos ou dos
elementos materiais uma espécie de realidade espectral desligada de
qualquer suporte flutuando no espaço e à qual se refere a
observação”. O objeto figurativo, por ser material, desempenha a
função mediadora de um relé. “o conjunto de signos fixados sobre um
suporte que constitui o relé entre o espírito criador e aquele dos
espectadores”.
A valorização da materialidade da forma pode parecer
incoerente com a afirmação anterior de que as formas “devem ser
distinguidas dos suportes materiais que utilizam”
(Francastel:1973:1O). Francastel, entretanto, diz que as formas são
distintas dos materiais porque “uma forma consiste na descoberta de
um esquema de pensamento imaginário a partir do qual os artistas
organizam diferentes matérias”. Além disso, como indicamos
anteriormente, “não existe arte sem forma, no sentido material do
termo” (Francastel,1990:234).
A obra de arte, por ser material, existe como objeto e,
“mesmo sendo possível manejar seu corpo sem fazer caso de sua
qualidade de arte, é, no entanto, impossível apreender seu valor
artístico sem, precisamente, ter em conta aquele corpo”
(Pareyson,1989:119,125). Isto porque a mudança deste corpo “não é a
mudança de alguma coisa de periférico ou de inessencial, mas é a
-26-
mudança da própria obra”. “Quantos homens sonharam com grandes
coisas que nunca foram expressas? Entre a intenção e a realização
existe toda diferença que separa um esboço de uma obra resolvida,
um grafismo ao alcance de todo mundo de um modo de expressão
plástica” (Francastel,1990:234).
Francastel (1973:50,51) afirma que esta união da arte com
a matéria existe “desde o início da evolução humana. Todas as artes
nasceram com efeito do manuseio da matéria” e que, ao mesmo tempo,
“toda ação do homem sobre a matéria comporta uma parte da atividade
livre e criadora, pela qual os valores plásticos se associam a
todas as tarefas utilitárias”.
Sabemos que a arte cria modos de ver que alteram nossa
sensibilidade, mas isto está diretamente relacionado com sua
materialidade, pois, “o trabalho da lapidação da sensibilidade
humana está relacionado com o próprio trabalho na lapidação de
outros materiais existentes na natureza” (Sogabe,1990,37).
Se necessitamos de um elemento material, isto não
significa que em todas modalidades artísticas este tem o mesmo
peso. Sogabe (1990:1), referindo-se às imagens obtidas por meios
eletro-eletrônicos, diz que estas têm uma materialidade fluida e
por isso os chama de Ymaterial. “Consideramos, porém, que Ymaterial
e material não são opostos, mas apenas energia organizada de forma
relativamente estável ou instável definindo características
diferenciadas”.
-27-
Em suma, “a presença de um elemento físico é
indispensável para a arte, quer ele apareça maciço e evidente como
nas pedras da arquitetura, quer ele se atenue até quase desaparecer
como nas páginas de um romance, onde o aspecto semântico das
palavras prevalece sobre sua consistência fonética, sem no entanto
cancelá-la de todo” (Pareyson,1989:117). “Todo símbolo tem uma
carne, todo sonho tem uma realidade” (Milosz, apud
Bachelard,1991:1).
A consideração pelo fazer artístico nem sempre foi
importante, este assunto “começou a interessar à meditação
filosófica quando os próprios artistas principiaram a meditar
sobre, principalmente sob o estímulo de poéticas que queriam o
artista consciente das próprias operações. Neste campo, as mais
frutuosas meditações de artistas foram deixando as outras em
silêncio, as de Goethe. de Poe, de Flaubert, de Valery, as quais
além de atestarem uma experiência concreta da arte como
dificilmente os filósofos teriam tido à sua disposição nos séculos
precedentes” (Pareyson,1989:139).
Ao falar da função mediadora do relé, Francastel
(1973:107) se refere às “imagens situadas no espírito”. O campo
significativo abrangido por este termo, espírito, não é muito
claro. Mas se, como afirmamos antes, a análise da imagem exige a
reconstituição de esquemas de pensamento, podemos, então, entender
espírito como mente, como o lugar onde estão sendo elaborados os
-28-
pensamentos. Mas isto não significa que existe, no espírito, algo
que, posteriormente, é plasmado fora deste.
“O erro consiste em pensar que existem funçõesinteiramente distintas do espírito e que se exprimeminteira e exclusivamente em serie de atos e de objetosdeterminados. Do mesmo modo que cada homem participa emníveis múltiplos e variados de civilização, assimtambém cada objeto está engajado ao mesmo tempo emvárias categorias de nossas atividades”(Francastel,1973:80).
O artista “não diz senão fazendo: a sua espiritualidade é
o gesto formante” (Pareyson,1989:58). Francastel (1973) diz que
arte e mão de obra humana são inseparáveis porque o artista da
forma aos objetos e às ideias. Ele cria mitos, lhes dá uma figura
de carne. Para este autor, não existem ideias. independente de uma
forma. A ideia só existe quando se exprime: escrita, desenhada,
pintada.” Quanto à execução, além de permitir que o objeto exista,
é importante porque o poder de expressão do objeto lhe é conferido
pela maneira como ele foi feito e é interagido dentro de um
sistema.
Para designar a simultaneidade entre o fazer e o pensar,
que existe na atividade artística, Pareyson (1989:32) usa o termo
extrinsecazione designando, assim, uma atividade na qual
“concebe-se executando, projeta-se fazendo, encontra-se a regra
operando, já que a obra existe só quando é acabada, nem é pensável
projetá-la antes de fazê-la e, só escrevendo, ou pintando, ou
cantando é que ela é encontrada e é concebida e é inventada”.
-29-
Usaremos, no entanto, o neologismo “extrinsecação”, já que, para a
tradutora do texto de Pareyson, este pareceu mais adequado, pois “o
termo português ‘exteriorização’ não constitui um equivalente exato
daquele” (N.T. In:Pareyson,1989:115).
Se arte é matéria formada, o artista “fabrica na intenção
concreta de satisfazer antes de mais nada a uma necessidade de
concretizar sua própria atividade que é uma atividade informativa
da matéria” (Francastel,1973:1l0) consistindo propriamente no
formar, “isto é, exatamente num executar, produzir, realizar”
(Pareyson,1989:32). “O ato artístico é todo extrinsecação, e o
corpo da obra é toda a realidade dela” (Pareyson,1989:119). Assim,
o artista dá “configuração a um complexo de palavras, sons, cores,
pedras” (Pareyson,1989:55), ele “jamais se envergonha de fazer um
trabalho manual. Sua arte é tanto uma conduta quanto uma
especulação” (Francastel, 1973:170).
Durante um grande período da história da arte, o artista,
em sua operação com os pigmentos, não se diferenciava do artesão.
Um artesanato necessário porque “as intenções não bastam por
argumentos (...) O que conta e o que fazemos, e não o que tivemos a
intenção de fazer” (Picasso,1988:267). O artista “não se limita a
sonhar, mas pretende dar vida a uma forma que viva de per si,
destacada dele, objeto entre objetos” (Pareyson,1989:118).
Referindo-se ao trabalho de Gauguin, Francastel (1990:176) lembra
-30-
que “o que o tornou pintor, foi o seu poder de exprimir, isto é de
precisar, de materializar certo número de detalhes precisos,
ordenados plasticamente”.
Temos de lembrar, ainda, que a arte, na sua origem não se
diferenciava da técnica, era techné, uma origem difícil de ser
negada porque a arte é ação, “uma batalha afetuosa com um material
que resiste, amizade com as ferramentas que estendem o corpo, um
namoro com o obstáculo, um jogo com o obstáculo no qual nunca se
estabelece controle suficiente para eliminar toda surpresa.
Pergunte para os gravadores e ceramistas. Eles lhe dirão que o que
é mais autêntico em arte é a feitura1. Esta feitura é a mão da
técnica que a arte, por necessidade, nega” (Duffrene,1980:166).
Não pretendemos, com estas afirmações, reduzir a questão.
O “fazer” em si não é arte; para isto, ele deve ser expressivo e
criar uma forma numa “atividade ao mesmo tempo intelectual e manual
em que se encontram elementos oriundos, não de dois termos: o real
e o imaginário, mas de três: o percebido, o real e o imaginário”
(Francastel,1973:92). A atuação sobre uma matéria é fundamental e,
para tornar possível esta atuação, a arte necessita de técnicas.
1 Traduzimos por “feitura” a palavra “tinkering” que designa a atividade de latoeiro podendo ser, também, o trabalho de consertar coisas de uma maneira amadorística. O “tinker” é o faz-tudo, o aprendiz de tudo e oficial de nada.
-31-
O termo expressão pode denotar uma atividade individual,
por isto Francastel não o considera adequado. A obra de arte,
enquanto signo plástico, não “é nem apenas expressivo (imaginário e
individual), nem representativo (real e coletivo), mas igualmente
figurativo (ligado às leis da atividade óptica do cérebro e às leis
das técnicas de elaboração do signo enquanto tal)”
(Francastel,1973:92).
Não discordamos de que a obra de arte dependa da
atividade óptica do cérebro e das técnicas de elaboração do signo,
mas tem ela, também, uma dimensão imaginária e individual e esta
dimensão tem necessariamente de ser verificada quando abordarmos o
processo criativo e o papel desempenhado neste, pelos materiais. O
artista deve, neste caso, ser visto como um indivíduo criador
fazendo parte de uma sociedade. Os artistas, por sentirem as
dificuldades da execução da obra, sabem o quanto a criação é uma
atividade física sobre a matéria. Poderiam dizer como Braque
(1989:266): “Sempre me ocupei e me preocupei com o material porque
há tanta sensibilidade na técnica como no resto do quadro. Eu mesmo
preparo minhas cores, faço a pulverização... Trabalho com o
material, e não com ideias”.
Vimos que a arte pode ser considerada como sendo,
essencialmente, uma forma mas Pareyson (1989:58) lembra que, a
“forma é uma matéria formada”, determinando a atividade artística
-32-
como a uma atuação sobre a matéria, sendo, desta maneira, uma ação,
um formar envolvendo, por isto, uma técnica.
Francastel (1973:49) afirma que existe uma oposição entre
arte e técnica pois “a maior parte dos teóricos da idade industrial
ostenta um desprezo desdenhoso em relação aos valores
desinteressados da Arte, enquanto que os artistas nutrem igual
desdém pelas atividades utilitárias do engenheiro. Esta oposição
não é nova. Em todas as épocas, houve homens para exaltar o útil e
oposição ao gratuito e reciprocamente”. Na verdade “a Arte e a
técnica sempre estiveram até hoje ligadas uma à outra”
(Francastel,1973:50). “Sem arte, a técnica seria apenas uma
atividade vã; sem a técnica a arte não passaria de um inútil jogo
de sombras fugidias” (Francastel,1973:62). A oposição destes
fatores “só se justificaria se a obra de arte fosse o produto da
fantasia verdadeiramente gratuita de um indivíduo, o que é
desconhecer absolutamente o papel da arte” (Francastel,1973:51)
pois esta “não só abre ao homem uma pequena janela sobre não se
sabe qual vago infinito; ela guia incessantemente sua mão e seu
espírito, é um dos caminhos pelos quais se exprime e, ao mesmo
tempo, um dos caminhos pelos quais orienta e particulariza a ação
de suas mãos.”
A arte é uma linguagem e, assim, “visa à organização e à
descrição do campo perceptivo da humanidade. Essa organização é
ativa, ela implica não no reconhecimento mas na criação de valores.
-33-
Todo objeto assim como todo signo é uma criação coletiva, um
terreno de encontro entre homens. O homem cria os objetos como as
palavras” (Francastel,1973:60).
Francastel compara as várias maneiras de se entender a
arte com um estudo que Georges Friedmann fez em 1946 onde mostra
que o trabalho em série “pode ser considerado, primeiro, como um
fato técnico, através do fato técnico, como um fato psicológico, e
enfim, através do fato psicológico, como um fato sociológico. O
mesmo ocorre com a obra de arte: ela deve ser, também, encarada,
primeiro como um fato técnico, depois como um produto da psicologia
coletiva e individual e finalmente como um testemunho sociológico”
Francastel,1973:32).
Confirmando a importância da técnica, nos anos sessenta,
Francastel, afirmava que estava surgindo outra civilização, “vemos
desenharem-se seus primeiros contornos especialmente no domínio
artístico. Estou convencido, em todo caso, que, para se
desenvolver, a arte não tem necessidade antes de mais nada de
ideologia mas de técnica; uma infusão de “hinduísmo” só poderia
acabar de desviá-la de seu verdadeiro caminho. O homem filosofa
depois e não antes de ter agido e a arte é, como a palavra, numa
larga medida, uma ação” (Francastel,1973:58).
Com estas colocações acreditamos que ficou claro o
caráter da arte como um “fazer” envolvendo técnicas, assunto que
-34-
será discutido com mais profundidade de mais adiante em nosso
trabalho quando discutiremos os meios.
A oposição da arte considerada como uma atividade de
produção material ou de produção simbólica leva a uma “antítese
entre intimismo e tecnicismo: naquele se reduz o fazer ao exprimir
e, neste, o exprimir ao fazer; naquele se afirma que não há outra
produtividade artística senão a figuração interior do sentimento,
neste se termina por sustentar que a produtividade da arte é a de
toda produção até do mero ofício” (Pareyson,1989:57).
Vemos, na verdade, que estes dois aspectos são
interdependentes porque a “Arte constitui um fenômeno duplo:
técnico e intelectual. A obra de arte é, efetivamente, sempre o
produto da imaginação e da habilidade de um artesão”. Desta
maneira, a arte é “geradora de uma coleção de objetos e de um tipo
particular de racionalidade. Ela se nos apresenta como constitutiva
de um duplo instrumental material e mental” (Francastel,1973:79).
Estes dois aspectos se referem a dois processos que envolvem a
operação artística: “um processo de formação de conteúdo e um
processo de formação da matéria, uma relação conteúdo-forma e uma
relação matéria-forma” (Pareyson,1989:57).
Francastel (1973), reforçando sua ideia de que a arte
oferece elementos onde a sociedade possa se reconhecer, afirma que
o artista integra dentro de um sistema, ao mesmo tempo material e
-35-
imaginário, elementos cuja disposição cria novos objetos
suscetíveis de reconhecimento, de conexão e interpretação. Isto
fica claro quando percebemos que o artista cria uma nova estrutura
figurativa, ao mesmo tempo que a executa; ele jamais se envergonha
de fazer um trabalho manual. Sua arte é tanto uma conduta quanto
uma especulação, propondo uma renovação que ocorre simultaneamente
no espírito e na matéria Francastel (1973:106,107) estabelece
também uma distinção entre “o objeto figurativo e a imagem, ou
seja, “médium” e a representação”. Como dissemos antes, o estudo da
imagem centra-se nos esquemas de pensamento que a gerou, enquanto o
do objeto nos remete à “análise dos processos, dos meios, das
técnicas postas em aço pelo artista para materializar a imagem”.
A fisicalidade do objeto figurativo faz com que ele ocupe
um lugar no espaço e tenha a estabilidade e durabilidade do
material com que foi feito. É o material que possibilita o
manejamento da obra por outros que não o criador. Encontramos um
bom exemplo para ilustrar esta distinção na afirmação de Sogabe
(1990:4) que “uma linha é um conceito que tanto pode ser um risco
de lápis sobre um papel, como um rastro de fumaça deixado por um
avião no céu”. Uma linha é uma imagem executada concretamente num
objeto figurativo.
-36-
Para a postura que encara o trabalho do artista como a
busca de uma renovação no espírito e na matéria, considerar a obra
significa “não tanto buscar o significado da sua realidade física
como, antes, saber considerar esta mesma realidade física como
significado: já que não se trata de distinguir interno e externo,
alma espiritual e corpo físico, pura imagem e intermediário
sensível, realidade oculta e invólucro exterior, mas de encontrar a
coincidência entre espiritualidade e fisicalidade”
(Pareyson,1939:119). Podemos resumir, então, esta questão com a
frase de Francastel:
“Uma vez admitido que a Arte não consiste na ação devestir modelos de ações ou pensamentos formadosanteriormente ou fora dela; desde que se compreenda queela age segundo uma razão que lhe é própria e queproduz obras que não são apenas o reflexo material deoutras atividades do espírito; desde que se leve emconta que ela manifesta no nível do ato individualantes de tornar-se eventualmente uma instituição, somoslevados a considerá-la, como toda forma de atividadeespecífica do homem, sob seu duplo aspecto concreto emental” (Francastel,1973:79).
No sentido de efetuar a análise do papel desempenhado, no
processo criativo, pelos materiais utilizados pelo artista,
apresentamos a arte como um fenômeno que não se reduz à produção de
objetos mas envolve este fator. É necessário, então, que vejamos a
maneira como é entendido, aqui, o processo criativo. Será este o
assunto do próximo capítulo.
-38-
O pensamento sobre a criação deve ser situado na
história, apesar de nosso interesse não ser histórico. Neste
sentido mostra-se útil um capítulo de um estudo de Arnheim
(1976:10) sobre o Guernica de Picasso no qual o autor afirma que
“os processos criativos não são os únicos baseados em impulsos
procedentes do exterior do reino dos conhecimentos. São, porém,
únicos, no sentido de que seus resultados dão a impressão de
estarem além e acima do que pode ser explicado pelos mecanismos
mentais que nos são familiares. Para o próprio artista seu
resultado é, frequentemente, causa de surpresa e admiração; um dom
procedente de algum outro lugar antes que o resultado detectável de
seus esforços”.
Este fato, junto com a dificuldade de controle destes
processos por parte do artista, trouxe a ideia de que a criação
vinha de fora, das musas. “O criador mortal pedia inspiração, termo
derivado, em nossa tradição ocidental, do hálito de vida que Deus
insuflou nas fossas nasais do primeiro homem, com o que o converteu
em espírito vivo depois de formá-lo a partir do pó do solo”
(Arnheim,1976:10).
Com o romantismo, os procedimentos internos é que passam
a ser mais valorizados e vistos como incontroláveis e
inexplicáveis. Não podemos, entretanto, dizer que estes processos
são inconscientes, pois este termo assumirá o significado que hoje
-39-
damos a ele com Freud que, ao contrário dos românticos, procura uma
explicação para estes processos, entre eles, a criação artística.
Arnheim, contrapõe, então, seu pensamento sobre a criação
aos de Freud e Jung. Freud admite sua dificuldade de entender a
criação, como podemos ver nas citações abaixo. Mesmo assim, procura
entender o processo visto como “um refinamento da produção
biológica, não só no sentido de que a arte e a ciência haviam de
desenvolver-se a partir do desejo de satisfazer os instintos
básicos, mas também, e de uma forma mais radical, de que o motivo
último de todo esforço artístico ou científico continua sendo este
mesmo desejo” (Arnheim,1976:13).
“Gostaríamos enormemente de descrever o modo pelo quala atividade artística se origina nos instintosprimitivos da mente, se não fosse aqui, justamente, quefalham nossas capacidades” (Freud,1969:120).
“Diante do problema do artista criador a análise, ai denós, tem de depor suas armas” (Freud,1974d:205).
Encontramos, porém, algumas pistas importantes para
entendermos o processo criativo quando, num pós escrito ao estudo
sobre um conto de Jensen, Freud afirma que existem, na obra deste
escritor, “dois outros contos com os quais Gradiva parece ter tido
uma relação genética que constituem estudos preliminares ou
tentativas anteriores de uma solução poética satisfatória da
psicologia do amor” (Freud,1976a:97,149). Da mesma maneira, seu
estudo Escritores criativos e devaneio, nos mostra que encontramos
no escritor e na criança brincando o aspecto lúdico, a fantasia e a
-40-
seriedade emocional, pois “a antítese do brincar não é o que é
sério, mas o que é real”. O adulto, porém, não brinca como a
criança, constrói castelos no ar e cria o que chamamos de
devaneios.
Em O Moisés de Michelangelo, Freud tenta entender o
motivo da atração que sente por aquela escultura, apresentando uma
formulação que se mostrou útil:
“A meu ver o que nos prende tão poderosamente’ só podeser a intenção do artista, até onde ele conseguiuexpressá-la em sua obra e fazer-nos compreendê-la.Entendo que isto não pode ser simplesmente uma questãode compreensão intelectual o que ele visa é despertarem nós a mesma constelação mental que nele produziu oímpeto de criar” (1972b:254).
Em Freud, então, a criação é entendida como um processo
envolvendo gênese, tentativas anteriores, aspectos lúdicos,
seriedade emocional, fantasia e intenção. Jung (1987:54,89) tem
propostas, no entendimento do processo criativo, que representam um
avanço em relação à Freud. Ele defende que à psicologia interessa
“apenas aquele aspecto da arte que existe no processo de criação
artística”, O que escapa à questão da criação, não seria atribuição
da psicologia pois, a arte requer uma orientação diversa da médica,
Jung afirma, também, a dualidade do criador. “Por um lado, ele é
uma personalidade humana, e por outro um processo criador
impessoal. Enquanto homem, pode ser saudável ou doentio (...). Mas
enquanto artista ele não poderá ser entendido senão a partir de seu
ato criador”.
-41-
Arnheim apresenta muitos conceitos orientadores ao
entender a criação como um processo que envolve uma
situação-problema e uma situação-meta, que pode ser provisória, a
qual conduz as ações no sentido de resolver aquele problema. A meta
representa, na criação, a intenção do artista que conduz as ações
no sentido e concretizar uma obra.
Existe um momento em que, mesmo provisoriamente, podemos
considerar concluído o processo criativo; quando a meta é alcançada
resultando numa obra. A verificação deste processo, que é nosso
interesse principal, não seria importante se o resultado existisse
totalmente independente do processo mas, ao contrário, “é preciso
dar-se conta de que a obra inclui em si o processo da sua formação
no ato que o conclui”. A obra de arte é, assim, “o próprio processo
em forma conclusiva e inclusiva. A obra no seu acabamento não é,
portanto, separável do processo da sua formação, porque é, antes,
este mesmo processo visto no seu acabamento” (Pareyson,1989:147).
Utilizando a semiótica de Charles Sanders Peirce,
concebemos o processo de criação como um processo de geração de um
signo: a obra de arte. Peirce não escreveu especificamente sobre a
criatividade artística mas, ele pode ser considerado um filósofo
preocupado com “o aspecto criativo do raciocínio - responsável pela
introdução de novas ideias” (Salles,1991:104), ou seja a abdução. A
própria semiótica peirceana é uma “semiótica criativa” porque
-42-
considera que o crescimento é inerente ao signo já que este “tem,
por sua natureza, o poder de gerar outro signo”.
Ao mencionar o crescimento sígnico, Peirce “está se
referindo ao modo de ação do signo, ou semiose em geral”. O signo,
entendido como uma relação dinâmica, só é signo quando
interpretado, exige, então, um interpretante mas “é preciso
reconhecer que o interpretante é ele mesmo um signo. (...)
Consequentemente, como um signo, o interpretante exigirá
interpretação” (Scott,1983:159). Temos, então, uma cadeia na qual
cada signo gera outro que “viria a ser regularmente e corretamente
interpretado num idealizado curso final da semiose”
(Ransdell,1983:42). Podemos então dizer, com Peirce (CP 5.316) que
o pensamento, como signo, “é o que é, só em virtude de se endereçar
a um pensamento futuro o qual é, no seu valor como pensamento,
idêntico a ele, embora mais desenvolvido. Desta maneira, a
existência de um pensamento agora, depende do que será no futuro”.
Não entraremos aqui nos meandros da classificação dos
interpretantes, mas é importante verificarmos que o crescimento
sígnico em direção ao interpretante final é regido por Causação
Final, trata-se de “um processo teleológico, um processo com
propósito. Deste modo a semiose é a ação do signo que se move por
-43-
causação final - causação final é a fonte do dinamismo que
impulsiona a ago do signo” (Salles,1990:16).
Para aqueles que não estão familiarizados com o
pensamento peirceano o adjetivo “final” pode levar a duas visões
erradas. De um lado, pode-se acreditar que pressupõe um
determinismo, assunto que será tratado posteriormente, ou ainda,
que existe uma interpretação definitiva. Como vimos o interpretante
final é idealizado assim, “cada ato particular de entendimento é
uma resposta a um signo através de outro signo, ocasião na qual a
cadeia infinita de signos se manifesta e prossegue”
(Santaella,1985:9).
É importante destacar que o processo de causação final é,
para Peirce, “um processo com um propósito - um processo evolutivo
com um fim” (Salles,1991:1). Como processo de geração de signos, a
semiose, “nem é limitada às atividades humanas nem dependente de
interpretadores humanos” (Scott,1983:164) mas, por estarmos
preocupados com a criação, concordamos com Salles (1991:1) que
estamos “discutindo uma manifestação da ação da mente que é
especificamente humana”. Na semiose, a causação final assume a
forma de intenção. O próprio Peirce afirma que “a ideia de
significado deve envolver uma referência a uma intenção”
(Peirce,1974:54).
Para Cecília A. Salles (1991:1), “o processo através do
qual os artistas seguem pode ser visto, em termos peirceanos como
-44-
um processo de causação final”. Encontramos afirmações de artistas
que comprovam esta afirmação, se entendermos a causação final como
intenção. Picasso (1935,1989:272) diz seus quadros são uma soma de
destruições, que faz “um quadro para destruí-lo em seguida. Mas no
fim nada se perde”.
Picasso diz que, se fotografássemos as mudanças ocorridas
durante a execução de uma pintura, “talvez então se perceberia qual
o caminho seguido por um cérebro para a concretização de seu sonho.
Mas o que é realmente curioso é observar que o quadro não muda no
fundo, que a visão inicial permanece quase intacta apesar das
aparências. Muitas vezes, depois de estudar uma luz e uma sombra
que coloquei no meu quadro, tento “quebrá-las” acrescentado uma cor
que cria um efeito contrário. Quando essa obra é fotografada,
percebo que o que eu introduzira para corrigir minha visão inicial
desaparece e que, afinal, a imagem dada pela fotografia corresponde
à minha primeira visão, antes das transformações trazidas por minha
vontade”. Da mesma maneira, Gabo (1989:334), ao procurar distinguir
“a escultura de qualquer outro objeto sólido”, afirma que um dos
atributos necessários àquela é ser “intencionalmente feita pelo
homem num espaço tridimensional”. A intenção seduz o artista e
regula o seu trabalho pois está cheia de significado para o
artista. A intenção do artista “determina as suas ações - cada
simples decisão que ele torna através de todo o processo
-45-
(Salles,1991:5). Ao longo do processo ele busca concretizar o seu
propósito.
A criação, então, é um processo sígnico, uma semiose,
regida por causação final. Esta representa, na criação, a intenção
do artista. Mas, se o fim a ser atingido depende de sucessivas
interpretações de signos sendo, por isto, alterado a cada
interpretação, podemos dizer, então, que o processo é infinito,
pois este fim idealizado, é tão mutante como as interpretações de
cada signo da cadeia semiótica e, se as obras de arte representam o
fim de um processo de produção, e o início de um processo de
recepção, como podemos, então, dizer que este processo gera obras
de arte? O processo que é logicamente infinito mas, é composto de
obras que são realmente executadas. Estas obras podem ser etapas da
produção, como nas provas de estado executadas na produção de uma
gravura ou uma obra definitiva, como diz Salles, um interpretante
final aceitável para o artista. Podendo ainda ocorrer que um
problema, surgido no processo da produção de uma obra,
transforme-se em outro processo é o que vemos nos estudos de
Picasso para a mulher que chora de Guernica. No início eram estudos
preparatórios, mas ganharam vida própria gerando gravuras e
pinturas que existem independente do quadro do qual, a princípio,
eram para fazer parte. (Fig. 1 e 2)
-46-
Picasso afirma que a visão, inicial de um quadro
permanece durante o processo. “O primeiro esboço de Picasso para o
Guernica contém muito da forma básica final...não só a cabeça do
touro, e sim seu corpo inteiro estão desviados com relação à cena,
como se este desvio fosse o pensamento básico, refinado mais tarde
quando se fez o touro voltar-se para o acontecimento ainda que com
a cabeça desviada. A ave está pousada no touro, no ponto exato onde
mais tarde volitará sobre a mesa. O cavalo parece jazer, morto,
sobre seu dorso, representando com isto o efeito extremo da
criminosa agressão, função mais tarde transferida à criança morta.
As patas traseiras do cavalo levantadas, são significativas como o
primeiro estabelecimento de uma vertical central elevada, que mais
tarde seria objeto de grande experimentação. A mulher empurra a
lâmpada através da janela; também ela se encontra em seu lugar
definitivo. A base horizontal dos corpos prostrados subjaz em toda
a cena principal, de modo mais simples e radical que o fará,
finalmente, o guerreiro” (Arnheim,1976:44). (Fig. 3 e 4).
A afirmação de uma permanência pode conduzir a ideia de
que não existe mudança no processo pois este estaria definido desde
o início. Na verdade, a ideia original só se define realmente
durante o processo, como podemos comprovar com os estudos sobre
criação e afirmações dos próprios artistas.
-47-
Pareyson (1989:141) afirma que o “estado de tateamento e
de aventura total é contrário à experiência artística: o decurso do
processo artístico é de algum modo orientado”. A tendência não
sendo é equivalente a um projeto no qual tudo o que será executado
já está definido. Mas, mesmo sem um projeto preestabelecido, o
artista, “está em condições de reconhecer e distinguir, no curso da
produção, aquilo que deve cancelar, ou corrigir e aquilo que, pelo
contrário, está bem conseguido e pode considerar-se como
definitivo” (Pareyson,1989:141). Podemos dizer, então, que o
processo criativo é composto da orientação para um fim e da
incerteza quanto a alcançá-lo guiado pela “teleologia interna do
êxito”.
A intenção, apesar de conduzir a criação não poderia
determiná-la totalmente uma vez que “a própria ideia de criação
está cheia de desenvolvimento, crescimento e vida;
consequentemente, não existe lugar, no processo criativo, para
propósitos pré-determinados e realizações mecânicas”
(Salles,1991:5).
A criação tem uma forma de determinação que não
corresponde à ideia que normalmente temos desta palavra,
envolvendo, segundo Ransdell (1983:45), um mecanismo teleológico
que poderia ser explicado por Peirce em termos de ‘feedback’ e
autocorreção compensatória. Ele a concebe, então,
‘ciberneticamente’, mas Peirce não usa o exemplo do termostato e a
-48-
razão para isto “é que este existe num sistema mecânico, no sentido
em que nenhum fator de acaso está envolvido no circuito
feedback/correção, enquanto sua concepção do teleológico parece
envolver o reconhecimento do acaso objetivo como jogando um papel
essencial no processo”.
A intenção, em função do acaso, feedback e autocorreção,
torna-se clara no decorrer do processo pois “nós não começamos
nenhum trabalho complexo com uma apreensão infalível de nosso
verdadeiro propósito (se temos alguma), só a teremos no decorrer do
trabalho” (Colapietro, apud Salles,1991:4).
Salles (1991:4) lembra que Peirce, falando sobre
personalidade, usa argumentos que se aplicam perfeitamente ao
processo criativo. A referencia à realização futura e definição
final do propósito são elementos essenciais da personalidade (e da
criação, em nosso caso). “Se os propósitos de uma pessoa já fossem
explícitos, não haveria lugar para desenvolvimento, para
crescimento, para a vida; e consequentemente, não haveria
personalidade, O mero cumprimento de propósitos predeterminados é
mecânico” (CP 6.157).
Ao vermos a obra acabada, temos a impressão de “um
desenvolvimento orgânico … um processo unívoco que vai da primeira
concepção da obra até o seu definitivo acabamento”
(Pareyson,1989:143), como se, desde o início, já estivesse definida
-49-
a forma da obra. Esta impressão existe, para o artista, quando,
“refazendo o caminho às avessas e rememorando a aventura ele
compreende que só podia fazer a obra daquele modo”
(Pareyson,1989:143). Não poderia ser diferente, pois sua concepção
da obra só se completa com a própria obra. A intenção do artista
“torna-se mais clara através do processo” (Salles,1991:4) pois
somente “por seus atos, por suas obras, cada forma de pensamento
toma consciência de si mesma” (Francastel,1973:87).
O artista é orientado, em suas tentativas, “pela
expectativa da descoberta e a esperança do sucesso...o êxito,
embora sendo apenas o objeto de uma esperança, exercita uma
verdadeira e própria atração sobre as operações das quais será o
resultado” (Pareyson,1989:141). A ação do artista é determinada
pela esperança em concretizar sua intenção que, “no começo do
processo, é ainda vaga, mas ele é confiante nesta vaguidão que ele
sabe que contém o futuro trabalho de arte. Ele parte deste caótico
(porém criativo) estado de busca, para um estado de ordem que a
realização da criação traz” (Salles,1991:5).
A causação final, por ser geral, remete à categoria
peirceana da terceiridade, cujo paradigma é a lei. Está é geral e
contrapõe-se à sua atualização que é particular. A causação final
determina que certas coisas tendem a acontecer, mas “alguma coisa
pode tender para algo e ser reconhecida como fazendo assim, sem
-50-
nunca realmente atingir isto para o qual ela está tendendo”
(Ransdell,1983:45). Deste modo, a lei não indica quando e como será
atualizada, podendo inclusive permanecer como uma possibilidade,
pois “o possível é necessariamente geral” (CP 4.172).
Ao falarmos em lei, em função do cuidado para que a
causação final não seja mal entendida, é importante colocar que ela
difere de uma lei que poderia ser expressa pela expressão: toda vez
que A, então B’. Este tipo de lei é apontado por Peirce “como um
caso limitado de uma tendência, isto é, um caso onde a tendência é
completamente rígida, tal que dado certo ponto de partida, a
tendência para certo fim é sempre preenchida” (Ransdell,1983:46).
Isto, como vimos, não corresponde nem à natureza da tendência, nem
à natureza do processo artístico que é composto de tentativas e
incerteza.
A causação final, tendência, lei ou intenção inicial não
determina de que modo particular será executada, “mas somente que o
resultado terá um certo carácter geral” (Salles,1990:25). Além
disso, “não está implícito na ideia geral que o artista tem a
respeito da futura obra, ou a descrição geral do resultado, como
ele irá alcançá-lo” (Salles,1991:6). Este resultado “pode ser
executado uma vez de uma maneira e outra vez, de outra”. A forma
como ele será alcançado diz respeito a uma causação de força bruta,
a causação eficiente.
-51-
A causação final é um modo de execução “de acordo com o
qual, uma descrição geral do resultado ocorre totalmente
independente de alguma compulsão para ser executado deste ou
daquele modo particular” (CP 1.211), não se relacionando, portanto,
com a forma que a intenção assumirá que, por sua vez, “depende de
uma causação de força bruta na sua atualização embora nunca seja
redutível a ela” (Ransdell,1983:46). A intenção é “um desejo
operativo - alcançá-lo implica lutar com todas as armas possíveis
que temos à nossa disposição” (Salles,1991:6). Sugere, então, “uma
maquinaria de eficiência para executar sua intenção - um mecanismo
inadequado, talvez - ainda que deva contribuir com alguma ajuda
para o resultado” (CP 1.269).
No início do processo, o artista se encontra diante da
situação sobre a qual vai agir. A causação eficiente “é uma
compulsão determinada por uma condição particular das coisas, e é
uma compulsão atuando para fazer com que a situação comece a mudar
de uma maneira perfeitamente determinada, e qual seja o caráter
geral do resultado, de nenhuma maneira diz respeito à causação
eficiente” (CP 1.212). O artista seduzido pelo seu ideal, procura
alcançar sua intenção, dá “passos concretos e físicos que tornam o
propósito possível de ser alcançado” (Salles,1991:6).
Ransdell (1983) nos mostra que a causação final implica
na determinação do passado pelo futuro que, representado no
-52-
processo criativo pela intenção do artista, “determina as suas
ações - cada simples decisão que ele torna através de todo o
processo” (Salles,1991:5).
Bachelard (1991:26) faz uma afirmação similar ao dizer
que a imaginação poética “é um dos fatores do trabalho; é o futuro
muito próximo, o futuro materialmente prefigurado, de cada uma de
nossas ações sobre a matéria” Desta maneira a intenção - futuro que
se quer materializar - conduz à ação.
Seduzido por sua intenção, o artista “é compelido a
dedicar o seu inteiro ser para a busca deste propósito”
(Salles,1991:3), A concretização exige que ele se discipline. Por
este motivo, Cecília A. Salles (1991:7) afirma que o autocontrole
faz parte da causação eficiente, o artista “submete-se à concreta
realização de seu ideal quando ele procura uma causação física
eficiente”. Ele é “compelido a exercer autocontrole - é o ideal que
o compele ”pois“ a causação física está, no caso do processo
criativo, impregnada de autocontrole. Ela não é totalmente cega, no
sentido em que, a consciência joga um papel importante e essencial
na busca por eficiência”.
O autocontrole. exige paciência e esta é “comandada pela
regra de esperança de realização do desejo, esperança de alcançar o
objetivo” (Salles,1991:4), pois, segundo Pareyson, as ações do
artista são orientadas por expectativa e esperança. “O processo de
criação exige paciência do – paciência para esperar a obra de arte
-53-
maturar”. Bachelard (1991:18,19) afirma que, na execução, existe um
tempo que “não pode se definir senão como o tempo ativo de um
trabalho”, no qual a matéria dá “esquemas temporais bem definidos à
nossa paciência”.
Ao buscar a existência real de seu propósito representado
pela causação final, o artista lida com materiais e técnicas que
determinarão as singularidades de uma determinada obra. A causação
eficiente refere-se, então, à forma particular da obra pois é “um
assunto inteiramente de hic et nunc (a ocasião singular)”
(Ransdell,1983:46). “É apenas a atualidade, a força da existência
que irrompe a fluidez geral e produz uma unidade discreta”
(CP 4.172).
A causação eficiente, por representar atos concretos
visando ao ideal, identifica-se com a técnica e os instrumentos
empregadas pelo artista. A execução num meio determinado envolve
tentativas do artista em impor sua intenção ao meio. Estas
tentativas podem mudar a meta no processo de autocorreção. A
singularidade da obra está ligada, então, a esta junção da
tendencialidade da causação final e da possibilidade de ser esta
corrigida na execução. Afirmamos anteriormente que artista
“concebe-se executando, projeta-se fazendo, encontra-se a regra
operando” (Pareyson,1989:32). Vejamos agora a concepção da obra de
arte.
-54-
A ação do artista está baseada em sua intenção, uma ideia
orientadora que vai se tornando clara no processo. Ao momento do
nascimento desta ideia, tem-se dado o nome de insight que pode ser
entendido como “uma tradução para o conhecimento humano das
manifestações do mundo, sejam elas naturais ou culturalmente
produzidas; portanto, um insight pode dar-se a partir de um
fenômeno natural ou após a aprendizagem de técnicas de produção ou
ainda após a reinterpretação de ideias ou conceitos”
(Laurentiz,198:6).
A afirmação da existência deste momento inicial, não
significa que não existam momentos de descoberta no caminho que
leva à obra, existem insights durante todo o processo de criação,
orientando as decisões que este processo exige.
Os elementos, que serão articulados neste momento de
descoberta do processo criativo, vêm da percepção que o artista tem
de seu mundo. Quer nos guiemos pela psicologia da Gestalt, quer
pela teoria da peirceana da percepção, veremos que existe um
aspecto interpretativo na percepção que nos permite identificar os
objetos e pessoas com os quais nos defrontamos cotidianamente.
O artista, entretanto, consegue afastar a sua percepção,
no momento da criação, deste uso prático. Matisse (APUD
Edwards,1984:18), questionado por Gertrude Stein, disse: “quando
como um tomate, olho-o como qualquer pessoa o olharia, mas quando
pinto um tomate, vejo-o de maneira diferente”. Os estímulos visuais
-55-
que poderiam vir a ser interpretados como objetos do mundo do
artista, tornam-se, então, uma “rede a explorar”. Este termo, usado
por Georges Bouligaud na análise do pensamento matemático, “convém.
admiravelmente bem para caracterizar o procedimento do artista no
estádio da invenção” (Francastel.1973:102).
O processo criativo não se constitui somente de insights,
faz parte dele “tudo o que o homem sabe, os conhecimentos, as
conjecturas, as propostas, as dúvidas, tudo o que ele pensa ou
imagina. Utilizando o seu saber, o homem fica apto a examinar o
trabalho e fazer novas opções. O consciente racional nunca se
desliga das atividades criadoras; constitui um fator fundamental de
elaboração. Retirar o consciente da criação, seria mesmo
inadmissível, seria retirar uma das dimensões humanas”
(Ostrower,1987:55). Francastel (1973:80) confirma esta concepção,
ao dizer que “a complexidade é a lei de toda existência para os
indivíduos e para as obras” pois “do mesmo modo que cada homem
participa em níveis múltiplos e variados de civilização, assim
também cada objeto está engajado ao mesmo tempo em várias
categorias de nossas atividades” Em termos peirceanos, vemos que as
três categorias coexistem na criação. “Poderíamos dizer que a
criação é um dos verdadeiros ninhos desta convivência harmônica das
três categorias peirceanas” (Salles,19990:16).
-56-
Existe uma convivência das três categorias. Este
trabalho, entretanto, enfatizará a secundidade. Desafiando o
insight, ao lidar com a materialidade concreta em que a obra será
formada, a secundidade desempenha um papel fundamental. As decisões
que o artista deve tomar em seu trabalho parecem ocorrer,
principalmente, em função da oposição dos materiais, “sobre a mesa
de desenho: à medida que as linhas e cores vão aparecendo, ao
artista vão parecendo corretas ou erradas, e elas mesmas parecem
determinar o que se deve fazer com elas” (Arnheim,1973:94).
A importância da execução/secundidade ocorre porque “A
operação que empreende realizar obras de arte...deve não tanto
concluir-se ou prolongar-se numa operação executiva ou
extrinsecadora como, antes, consistir propriamente nela”
(Pareyson,1989:116). Embora possa existir, em certos momentos, uma
ideia antes da execução, a ideia altera-se durante o fazer. “Na
verdadeira arte, a inspiração nunca é tão determinante que reduza a
atividade do artista à mera obediência, e o trabalho nunca é tão
custoso que suprima toda espontaneidade” (Pareyson,1989:146).
No pensar específico do artista, existe uma
simultaneidade entre o pensar e fazer, cuja importância nos leva a
encontrar referências a ela em vários autores. Ao contrário do que
poderia indicar a tendência, entendida como determinação mecânica,
-57-
“o artista não inventa em bloco, mas progressivamente em cada gesto
que o espírito comanda à mão” (Francastel,1973:28,79), porque a
“arte não consiste na ação de vestir modelos de ações ou
pensamentos formados anteriormente ou fora dela”.
Já que não existem “funções inteiramente distintas do
espírito e que se exprimem inteira e exclusivamente em série de
atos e de objetos determinados”, não podemos, desta maneira,
“considerar o pensamento de um pintor fora de seus meios, pois ele
só tem valor na medida em que é servido por meios que deverão ser
tanto mais completos (e por completos não entendo complicados)
quanto mais profundo for o seu pensamento. Não posso distinguir
entre o sentimento que tenho da vida e a maneira como traduzo”
(Matisse,1988:128).
O pensamento criativo, segundo Ostrower (1991:32),
envolve a imaginação, mas trata-se da imaginação criativa que se
vincula à “especificidade de uma matéria” teríamos, então, esta
imaginação “levantaria hipóteses sobre certas configurações viáveis
a certas materialidades. Assim, o imaginar seria um pensar
específico sobre um fazer concreto. Um carpinteiro, ao lidar com a
madeira pensa em termos de trabalhos a serem executados com
madeira”.
Indicando esta simultaneidade, Bachelard (1991:93) afirma
que “a mão trabalhadora... só pensa a apertando sovando estando
-58-
ativa”. Situação que gera “uma contínua incerteza e precariedade, …
porque, até o último momento, o mínimo desvio pode comprometer o
êxito” (Pareyson,1989:141).
A contemporaneidade da invenção com a execução existe,
mesmo quando se parte de um modelo, como no artesanato, o operário
“inventa, gesto após gesto, o método que lhe permite aproximar o
máximo desse modelo e, desse modo, provoca uma evolução permanente
dos processos de execução da própria aparência do objeto que ele
executa em série’ (Francastel, 1973:51).
Os artistas referem-se, naturalmente, a esta dualidade da
criação. Sabem que não é possível conceber seu trabalho “como uma
atualização puramente material de uma intuição capaz de tomar
consciência de si mesma apenas no plano intelectual”
(Francastel,1973:91). Eles dizem:
“Cada obra é um conjunto de signos inventados durante aexecução e para as necessidades do local. Saídos dacomposição para a qual foram criados, esses signos nãotêm mais nenhuma ação … o signo é determinado nomomento em que ele deve participar” (Matisse, apudFrancastel,1973:68).
“Um quadro não é pensado e fixado de antemão. Enquantoo produzimos ele segue a mobilidade do pensamento. Nomomento em que faço o quadro penso num branco e aplicoum branco” (Picasso,1989:272).
O pensamento do artista, ao ocorrer no momento em que
este trabalha, pode fazer com que a intenção se altere. Sogabe
-59-
(1990:36) nos mostra isto referindo-se às provas de estado de uma
gravura. Ele afirma que “todo diálogo com a imagem vai acontecendo
no próprio processo, muitas vezes se desviando do projeto inicial
quando este chega a existir”.
Scott (1983:166) afirma que uma investigação pode ser
conduzida em estúdios, laboratórios, ou experiências cotidianas e
que “o processo de raciocínio (como todos os modos de pensamento) é
conduzido através da interpretação e manipulação de signos”. O
pensamento então pode ser operacional um pensamento manipulativo.
Ele pode também ser corporificado no laboratório dos cientistas
onde os químicos fazem de seus apetrechos, “instrumentos de
pensamento, dando uma nova concepção de pensamento como alguma
coisa que é para ser feita com os olhos abertos, manipulando coisas
reais ao invés de palavras e fantasia” (CP 5.365).
Assim é o pensamento do artista no momento da criação, um
pensamento plástico, operacional, que “preenche total e
perfeitamente seu papel sem recorrer a outros meios de expressão
senão os que lhe são próprios” (Francastel,1973:341).
Se o “pensar” e o “fazer” são simultâneos na criação, o
meio empregado, a matéria que o artista trabalhará interage com sua
intenção. “O meio de expressão apresenta constantes surpresas e
sugestões. A obra, portanto, não é tanto uma réplica do conceito
mental quanto uma continuação da concepção e invenção que começou
na mente do artista” (Arnheim,1989:290).
-60-
É uma relação de diálogo entre o artista que concebeu “a
ideia que gradualmente toma forma no meio de expressão”
(Arnheim,1989:290) e a matéria em que consiste este meio. A matéria
tem características físicas e, por causa destas, o artista não pode
violar a matéria “para dobrá-la a seu propósito, porque, antes,
consegue fazer dela aquilo, que ele quer somente através da
inviolada vontade dela” (Pareyson,1989:124).
A relação do artista com seu material não é dominadora,
aproximando-se do diálogo, da cooperação, sendo “uma espécie de
obediência criadora” (Pareyson,1989:125). Este diálogo, “do qual
nasce algo misto da vontade do produtor e da vontade do meio,
opõe-se ao monólogo da imposição de nossos desejos à matéria que
seria tomada como amorfa e morta” (Sogabe,1990:6).
De um lado, a matéria domina, de tal maneira que o
artista “consegue fazer a sua própria vontade, precisamente fazendo
a vontade da matéria” (Pareyson,1989:125) e “deve saber interrogar
a matéria para poder dominá-la, e a matéria só se rende a quem
soube respeitá-la” (Pareyson,1989:125). Por outro lado, é o artista
quem constitui a matéria como artística, “imprimindo-lhe uma
disposição fértil de possibilidades e dela liberando uma multidão
de sugestões criativas e de iniciativas de obras”
(Pareyson,1989:124).
É difícil “imaginar alguém, que não conhece o meio,
realizar um projeto para tal meio” (Sogabe,1990:54), uma vez que “a
-61-
manipulação direta do material artístico, incrementa o sentido que
condiz, ou não, com determinado meio de expressão”
(Arnheim,1989:78).
Além disso, como já dissemos, o “insight pode-se dar …
após a aprendizagem de técnicas de produção” (Laurentiz, 1989:6).
Em sua oposição aos livres devaneios do artista, a materialidade do
meio, não só participa do processo de auto-correção, alterando a
ideia inicial, mas “apresenta constantes surpresas e sugestões”
(Arnheim,1989:290). É a partir do “próprio meio que surgem várias
ideias” (Sogabe,1990:54). Por isso, o artista “prefere a matéria
recalcitrante àquela fácil, porque … quanto mais vinculante é o
limite mais vasta será a possibilidade” (Pareyson,1989:125).
Ao lidarmos com a matéria, nos tornamos “materialmente
hábeis ao agir no ponto de equilíbrio de nossa força e da
resistência da matéria” (Bachelard,1991:21). Nossa força não é só
física, existe em função da intenção, então, este ponto é o
resultado final do diálogo. Neste momento, a vontade do artista e a
matéria mudaram e nas mudanças que ocorrem na concepção do artista,
em função da matéria, é que estão os limites deste estudo.
As modificações são tantas que podemos parafrasear
Drummond. Como os amantes de seu poema “O mito”, matéria e intenção
se compreendem, o artista não sofre mais na execução, a matéria não
-62-
brilha mais na potencialidade, agora são uma mesma coisa, “Uma
coisa tão diversa daquilo que pensávamos que fosse”.
-64-
Ao mostrarmos a arte como uma matéria formada ao longo de
um processo com uma tendência, destacamos a importância do material
na obra de arte. Dando continuidade a esta investigação, nossa
intenção é aprofundar a análise do papel desempenhando pelo
material como parte integrante de um fator da produção artística a
que chamamos de Meios ou, ao falarmos especificamente de arte,
Meios de Expressão, ou seja, tudo aquilo que o artista usa, ou pode
vir a usar, para dar corpo às suas concepções, experiências ou
ideias estéticas. A generalidade deste termo exige uma melhor
especificação, por este motivo, os meios de expressão serão
entendidos, neste trabalho, como um conjunto formado por materiais,
ferramentas e técnicas.
Arnheim (1989:121) deixa implícita a sua concordância com
esta classificação dos meios de expressão ao referir-se às obras
plásticas com intenção figurativa. Estas dependem do mundo visual
como modelo; sua natureza provém, contudo, “dos meios em que são
criadas: a folha de papel, a tela, o bloco de pedra, ferramentas e
materiais”.
Existem várias questões que podem ser levantadas no
entendimento da complexidade de cada um destes elementos e da
articulação deles, as quais serão abordadas separadamente. Antes,
porém, existem duas características dos meios de expressão que vêm
ao encontro de nosso interesse e, por esta razão, serão aqui
discutidas: o fato de o meio de expressão determinar a intenção do
-65-
artista e, ao mesmo tempo, este mesmo meio ser reinventado durante
o processo criativo.
O meio empregado pelo artista determina o que se pode
fazer com ele. Encontramos afirmações sobre isto em alguns estudos
sobre as Artes Plásticas. R. Arnheim, por exemplo, afirma que “as
condições perceptivas resultantes do meio escolhido estimulam e
determinam as concepções do artista” (Arnheim,1989:121). Quando um
artista se propõe a fazer uma pintura figurativa, ele “não pode
transcrever o que vê. Pode apenas traduzi-lo para os termos do meio
que utiliza” (Gombrich,1986:28). Braque destaca este aspecto
afirmando o quanto os motivos da pintura dependem dos meios: “O
motivo não é um objeto, é uma nova unidade, um lirismo que cresce
totalmente a partir dos meios” (Braque,1989:262).
A relação do artista com seus meios de expressão pode ser
entendida como “a relação entre as concepções da mente e os
obstáculos apresentados pelo meio ambiente” (Arnheim,1989:133) e
“inventar um novo instrumento é modificar este meio ambiente”.
Desta maneira, como o desenvolvimento de qualquer processo traz
mudanças em todas as partes que nele estão envolvidas, a inserção
de um novo instrumento muda o ambiente em que o artista vive,
oferecendo-lhe novas concepções e, o próprio instrumento lhe
fornece novas possibilidades de uso.
-66-
A realização concreta, permite que o potencial se
atualize, mostrando usos que podiam não estar previstos. Isto já
havia sido apontado por Arago (APUD Benjamim,1985:220), com
referencia à fotografia, era 1939. Apesar de não se referir às
possibilidades criativas, mas sim às científicas, ao defender a
concepção de uma pensão para Daguerre, na Câmara dos Deputados de
Paris, ele afirmou:
“Assim que os inventores de um novo instrumento oaplicam na observação da natureza, o que eles esperandoinstrumento é apenas um detalhe em comparação com asérie das descobertas subsequentes, das quais oinstrumento foi a origem”.
As possibilidades não se esgotam porque o instrumento é
sempre reinventado. No processo criativo os meios determinam um
caminho para a expressão mas, ao mesmo tempo, seu uso introduz
novos problemas à própria criação. Podemos dizer, então, que “o
artista forja em parte seu instrumento todas as vezes que realiza
uma obra. A cada feita ele inventa os termos e a relação dos.
elementos simultaneamente” (Francastel,1973:116).
O que estamos chamando de reinvenção do meio decorre de
novo .uso. Podemos ter, além disto, artistas que inventam
concretamente o seu meio de expressão. Mario Ishikawa desenha
utilizando-se da fuligem deixada pela queima de uma lamparina de
querosene e, para isto, necessitou criar vários tipos de bico para
as suas lamparinas que funcionam como pincéis diferentes (Fig. 5).
-67-
O meio é sempre inventado numa obra criativa, seja com a
invenção concreta de um novo instrumento ou com a reinvenção deste
pelo uso. Indicamos, antes, que os meios de expressão são vistos,
neste trabalho, como um conjunto formado pelos materiais,
ferramentas e técnicas. A determinação, ou tendencialidade,
exercida pelos meios existe, também, em cada um destes três
elementos, assim ela será analisada separadamente nas seções
referentes a cada um desses temas: o material, as ferramentas e a
técnica da arte.
-69-
A necessidade de mostrar a especificidade da matéria da
arte decorre do fato, afirmado anteriormente, de os processos, em
geral, envolverem um tal tipo de interação que, durante o seu
desenvolvimento, traz mudanças para todos os elementos que estão
neles envolvidos. A criação, como processo, não é uma exceção. Do
início ao fim da criação artística a matéria da arte muda e esta
mudança faz com que a mesma usada na arte seja diferente,
específica. Alguns autores estabelecem uma oposição entre material
e materialidade. Ostrower prefere este último, argumentando que ele
abrange “tudo o que está sendo “formado” e “transformado” pelo
homem. Se o pedreiro trabalha com pedras, o filósofo lida com
pensamentos, o matemático com conceitos, o músico com sons e formas
do tempo, o psicólogo com estados afetivos e assim por diante”
(Ostrower,1987:31).
Materialidade é, também, o termo preferido por Laurentiz.
Segundo este autor, “o conceito de materialidade não se opõe ao
conceito de matéria, vai além. A matéria é a preocupação com o
suporte material, ao passo que a materialidade abrange o potencial
expressivo e a carga informacional deste suporte, englobando também
a extra-materialidade dos meios de informação. Operar sobre a
matéria e sobre a materialidade determina maneiras diferentes de
comportamento. Operar sobre a matéria significa a presença de um
-70-
autor-dominador, que impõe ao suporte material as suas marcas
individuais” (Laurentiz,1988:104).
Julgamos serem ambivalentes os termos matéria e
materialidade. Nossa abordagem da matéria do artista pretende
mostrá-la principalmente, em termos peirceanos, como secundidade,
como elemento concreto que se coloca em oposição à nossa vontade,
como algo que resiste, é concreto, real, se impõe à nossa
consciência como força bruta, um objeto como obstáculo ao trajeto.
A oposição da matéria, não permite sua completa dominação, exige um
diálogo entre o artista e a matéria que vai contra a afirmação do
trabalho com a matéria ser um trabalho dominador.
Pareyson (1989:121) afirma que “são matéria da arte os
materiais físicos que servem ao artista, vistos na sua constituição
natural, no seu uso comum e na sua destinação artística”. Esta
definição será aprofundada posteriormente; no momento, o importante
é que ela destaca o caráter específico que a matéria passa a ter ao
ser usada pelo artista.
O artista, durante o processo criativo, escolhe uma
matéria e, independente do fato de ser esta, ou não,
tradicionalmente usada para a produção artística, como os pincéis
ou tintas que normalmente encontramos em lojas especializadas, a
relação estabelecida com ela é “de absoluta criação, já que o
artista a cria no próprio ato que lhe resgata a preexistência; por
-71-
outro, é de determinação, no sentido de que o artista sofre as
exigências da matéria e está obrigado a sujeitar-se a ela e a
servi-la” (Pareyson,1989:124).
Desta maneira, “a matéria tal como se encontra na obra é
totalmente diversa daquela que era primeiro” (Pareyson,1989:123).
Antes, matéria prima da possível produção artística, passa a ser
parte da obra acabada.
“Só se pode falar propriamente de matéria da artequando ela já está resolvida na obra acabada. O ato doartista é, ao mesmo tempo, aniquilador e criador,porque institui a matéria no próprio momento em que aestá abolindo” (Pareyson,1989:124).
Esta dualidade na caracterização da matéria ocorre porque
ela “é tal somente no interior do ato que a adota”
(Pareyson,1989:125); e o fim do processo, resultará “numa
identificação da obra com a sua matéria enquanto formada”.
A matéria é histórica e isto se dá por dois motivos.
Primeiro, “ela faz parte de um universo dinâmico, em constantes
transformações geradas por ele mesmo, e, portanto, histórico; esta
leitura distingue-se da visão do universo estático onde a matéria
era vista como algo imutável, logo, passível de reconhecimento
eterno. Segundo, a matéria, participante do mundo cultural e social
do homem, vive também um processo de mudança constante; ela fica
sujeita aos elementos mutáveis da natureza humana: a curiosidade, a
-72-
comunicação e a educação, responsáveis pelo seu caráter histórico”
(Laurentiz,1989:67).
O uso não artístico, chamado por Pareyson de uso comum”,
altera-se culturalmente e, a própria matéria, também, muda a partir
de sua escolha como meio de expressão, pois “o artista forja em
parte seu instrumento todas as vezes que realiza uma obra. A cada
feita ele inventa os termos e a relação dos elementos
simultaneamente” (Francastel,1973:116).
Das características específicas que o material assume no
processo de criação, a relação entre o uso comum e o artístico, por
sua complexidade, merece ser vista separadamente.
Retomando a definição de Pareyson: “são matéria da arte
os materiais físicos que servem ao artista, vistos na sua
constituição natural, no seu uso comum e na sua destinação
artística” (Pareyson,1989:121). A constituição natural diz respeito
às “leis determinantes e necessárias, tais quais as dá ótica, da
acústica, da estática, da química, da mineralogia,, da anatomia
etc” (Pareyson,1989:122). Estas leis são determinantes porque, o
constituírem o material, influenciam a linguagem artística que o
usa. A tinta, por exemplo, como matéria da pintura, depende da
química dos pigmentos e dos aglutinantes.
Quanto ao uso comum, “trata-se de um uso
pré-artístico...em que a matéria é assumida como meio para atingir
-73-
certos objetivos, segundo uma técnica codificável e aprimorável”
(Pareyson,1989:122). O material, entretanto, tem possibilidades
expressiva, o que Pareyson chama de “destinação artística” que,
embora já esteja presente no uso comum, só será alcançada quando
tiver um uso especificamente artístico.
É oportuna a discussão sobre a palavra destinação que,
por derivar de destino, traz implícita uma ideia determinista,
podendo significar a existência de um uso artística previamente
fixado. Pareyson (1989:122) não justifica este termo. Ao dizer que
a matéria é “predisposta pelo seu próprio uso comum” permite,
entretanto, o entendimento de destinação como predisposição, oque
relativiza o destino aproximando—o de tendência, possibilidade ou
inclinação.
Por outro lado, outros autores usam, também, este termo,
Focillon, por exemplo:
”as matérias possuem um certo destino ou, se quisermos,uma certa vocação formal. Elas têm consistência, cor,textura. Elas são forma como dissemos, e, por issomesmo, provocam, limitam ou desenvolvem a vida dasformas na arte”. (APUD Sogabe,1990:3).
A ordem em que Pareyson dispõe estes três aspectos da
matéria pressupõe que um esteja incluso no outro, O uso comum que
um material possa ter é determinado por suas características e a
destinação artística só é possível, em função do uso comum. Assim,
-74-
embora contrário a este uso, as características dos materiais,
negadas ou reafirmadas, continuam presentes no uso artístico.
Temos aqui, outra vez, uma via de mão dupla pois, se o
material usado na produção artística, traz possibilidades dadas
pelo seu uso comum, este também contém algo de artístico. “Assim
foi desde o início da evolução humana. Todas as artes nasceram coa
efeito do manuseio da matéria e, reciprocamente, em toda
intervenção do homem sobre a matéria existe uma parte de adaptação
que depende da estética, isto é, de uma intenção ou de uma
finalidade distinta da simples feitura” (Francastel,1973:50). Ou
seja, existe “uma gama completa de graus entre obras em que a
participação da arte é limitada ao mínimo indispensável e aquela em
que é exclusiva” (Francastel,1973:26).
Exemplificando com a madeira, esta oferece uma
resistência e é, ao mesmo tempo, manipulável, desde que se usem as
ferramentas adequadas. Estas características permitem que se
empregue a madeira na execução da estrutura de um telhado e, ao
mesmo tempo, na talha de um altar. Da mesma maneira, o beiral do
telhado pode ter algum entalhe decorativo, impregnando o uso comum
com o uso artístico.
A constituição da madeira é, também, o que permite o
trabalho de Christian Renonciat que, ao reproduzir neste material
objetos que têm uma constituição flexível, gera uma ambiguidade
entre a dureza real e a flexibilidade visual. Temos, também, o
-75-
“negativo” desta ideia em Oldemburg que constrói, com plástico,
objetos duros, tais como a sua escultura “Esboço para
Interruptores” de 1964. É exatamente a constituição natural destes
materiais, ao gerar ambiguidade, que confere significado a estes
trabalhos. (Fig. 6 e 7)
A dualidade está presente em vários aspectos da matéria
da arte. Ela é dada pronta e é inventada, tem um uso comum e uma
destinação artística, pode impedir ou permitir a criação. Quando
lidamos com uma obra pronta, a matéria não pode ‘em impedir nem
permitir a expressão por fazer parte desta mas, ao tratarmos do
processo do ponto de vista do produtor, os termos são adequados,
pois o artista é impedido de executar sua ideia inicial pelo
material e, à medida que dialoga com este, consegue fazer o que
deseja. Ao ser tomada como algo dado, sem possibilidade de mudança,
a matéria, por causa de sua constituição e a tradição em seu uso,
impede a produção artística. Por outro lado, se for entendida como
algo criado durante o processo de criação, ela possibilita a
existência da arte. A complexidade desta questão está no fato de as
mesmas característica físicas e tradição que impedem, também
permitirem a expressão artística.
Dos três aspectos da matéria apontados por Pareyson,
temos dois que são limitadores: as características físicas e a
tradição. O terceiro aspecto aponta para futuros desenvolvimentos:
sua destinação ou tendencialidade artística.
-76-
Atualmente, podemos ter “matérias exatas que respondem a
necessidades bem definidas. Por exemplo, a maravilhosa indústria
das matérias plásticas nos oferece agora milhares de matérias com
características bem determinadas ... mas o problema do trabalho
primitivo é completamente diferente. Então, é a matéria que sugere,
O osso, o cipó - o rígido e o flexível - que sem furar ou ligar. A
agulha e o fio continuam o projeto inscrito nessas matérias”
(Bachelard,1991,35).
Nossa argumentação anterior quanto à inclusão dos três
aspectos da matéria - constituição natural, uso comum e destinação
artística - permite afirmar que a matéria, ao mesmo tempo que
impede, permite a expressão artística. Isto ocorre porque os
fatores que limitam são os mesmos que oferecem possibilidades, os
que determinam são os mesmos que permitem a sua escolha.
Vimos antes que, durante o processo criativo, o artista
“constitui uma matéria” (Pareyson,1989:125) criando - a junto com a
obra e, neste ato, “liberando-lhe possibilidades formativas, sabe
interpretá-la na sua natureza autônoma e característica”
(Pareyson,1989:125). Sabe que o respeito pela sua natureza é a
única forma de explorar as potencialidades criativas.
O uso da palavra “liberar”, na citação acima, poderia
reservar ao artista o papel passivo de simplesmente atualizar o que
já existia em potência na matéria. Já argumentos contra esta ideia
em outros momentos, no entanto, convém lembrarmos que, apesar da
-77-
importância do texto de Pareyson, ele falha na precisão
terminológica, que é buscada na justaposição palavras com
significados diferentes. Encontramos, logo após “liberar”, o verbo
“interpretar” que está longe de envolver a ideia de passividade.
Em nenhum momento, Pareyson afirma a passividade, nem por
parte do artista, nem pela matéria. Esta não recebe a intenção do
artista, oferece possibilidades a ele, “ela entra com a sua
natureza muito especial, que é aquela e não outra: para conseguir o
seu desígnio, o artista deve ter isso em conta” (Pareyson,1989:124)
pois, como dissemos antes, ele só consegue fazer dela aquilo que
ele quer “através da inviolada vontade dela”. A relação envolvida é
similar a uma negociação em que a vontade inicial do artista e as
potencialidades da matéria, que podem ser a princípio
incompatíveis, chegam a um acordo e, para isto, ambas mudam.
O artista, durante a atuação concreta para atingir o seu
ideal, escolhe um material e, este ato “é, em primeiro lugar, um
verdadeiro e próprio diálogo do artista com a sua matéria, no qual
o artista deve saber interrogar a matéria para poder dominá-la”
(Pareyson,1989:125).
Bachelard (1991,48) comenta que, quando iniciamos o
trabalho de limar uma peça, “começa um duelo de duas vontades.
Queremos limar reto, queremos impor planos regulares. Mas parece
que a matéria, por sua vez, quer conservar uma rotundidade”.
-78-
Percebe-se, então, que “é por ser má vontade que a matéria é
vontade”.
Picasso (1989:267), numa declaração diz que “a arte é uma
mentira que nos faz compreender a verdade” e que, “o artista deve
conhecer a maneira de convencer os outros da veracidade de suas
mentiras”. Não discutiremos a questão da verdade da arte, o
importante aqui é mostrar o como esta afirmação permite confirmar a
necessidade do diálogo com a matéria.
Se todo enunciado depende de um corpo físico, podemos
dizer que “a maneira de convencer”, referindo-se à pintura
figurativa, diz respeito à maneira de usar este material visando a
conseguir uma ilusão verossímil da realidade. A obtenção desta
“mentira” depende, então, dos meios empregados, com os quais o
artista deve saber dialogar. Eles negociam, dialogam e, este
diálogo é definido, por Pareyson (1989:125), como “uma espécie de
obediência criadora”. Aqui encontramos, mais uma vez, a junção de
duas palavras antagônicas; a complexidade da relação com o
material, entretanto, engloba esta oposição porque “pode ser
resistência, obstáculo, causa de malogro, e é o artista quem sabe
fazer dela uma ocasião, um veículo, uma garantia de êxito”
(Pareyson, 1989:124).
-79-
Durante a produção artística, ocorre uma interação entre
a execução da obra, a intenção do artista, a percepção da obra
sendo executada, a avaliação desta e da intenção e, novamente, a
execução. O olhar configura os estímulos levantando possibilidades
que são experimentadas, podendo ser aceitas ou reiniciar o ciclo em
busca de outras opções.
No momento da “extrinsecação artística”, ou seja, este
misto de execução e criação a que Pareyson se refere, o artista,
sua intenção, o material em transformação e instrumentos usados
estão tão relacionados, tão rapidamente um influencia o outro, que
existe a sensação de uma totalidade. Em termos peirceanos, pode-se
dizer que existe uma predominância da primeiridade. Esta
predominância, entretanto, é aparente pois estão presentes na nela
a terceiridade e a secundidade que é a categoria que mais nos
interessa, pois na relação com o material está presente a
consciência da diferença, da relação com o outro na qual, este
outro é o material com limitações físicas e culturais que reagem à
intenção/ação do artista. As limitações do material são necessárias
pois, “em arte o progresso não consiste na extensão, mas no
conhecimento de seus limites” (Braque,1989:264).
O material, ao limitar, propõe soluções que permitem ao
artista atingir o seu ideal. “A limitação dos meios determina o
estilo, cria nova forma e impulsiona a criação” (Braque,1989:262).
-80-
O artista, então, só pode criar porque está limitado. Ele “tem
necessidade das resistências da matéria: prefere a matéria
recalcitrante àquela fácil, porque quanto mais árduo é o obstáculo
mais alta será a vitória, e quanto mais vinculante é o limite mais
vasta será a possibilidade” (Pareyson,1989 :125).
A matéria, ao limitar, determina o que pode ser feito coa
ela. Enfatizando este aspecto, Pareyson (1989:122) afirma que “a
obra resulta como é precisamente pela natureza de sua matéria”. Por
outro lado, “a escolha de uma matéria é operada com base na sua
natureza”, O artista, então, escolhe sua matéria em função da mesma
natureza que determina a obra, em outros termos, ele escolhe a
determinação à qual quer se submeter. Resta saber o que determina a
sua escolha de um material. Propomos intenção do artista como
reposta a esta questão.
A determinação da matéria é mostrada, também, por Arnheim
(1989:121), ao apontar o quanto a natureza das representações
visuais depende “dos meios em que são criadas”. Se entendermos as
“concepções do artista” como sua intenção, teremos, então, duas
afirmações: Com Pareyson, a intenção do artista determina a escolha
de um material e, com Arnheim, o material escolhido determina sua
intenção.
A complexidade que abrange todo o processo criativo
existe, também na relação da intenção com o material. Esta relação
-81-
é de complementariedade, e não de antagonismo, como poderia ser
inferido das duas afirmações anteriores, pois elas se referem a
momentos diferentes do processo. No caso de ter o artista uma
intenção definida, esta, por mais consistente que seja, pode mudar
ao ser posta à prova em sua extrinsecação, sofre alterações que são
determinadas pelo material, Mas este pode gerar ideias artísticas,
já que o insight iniciador do processo criativo pode ocorrer “após
a aprendizagem de técnicas de produção” (Laurentiz,1989:3).
A pintura figurativa resulta num signo cujo objeto “não
deve ser concebido num sentido limitado; ele pode incluir ações,
eventos e ideias, entre outras coisas. Um trabalho de arte, por
exemplo, pode ser uma exploração das propriedades do meio, a
qualidade formal dos elementos, as características da superfície
esculpida ou (como ocorre com muitos dos artistas do séc. XX), os
reais limites da arte” (Scott,1983:166).
A relação do artista com o material é importante porque,
na verdade, a ideia só surge quando existe possibilidade de ser
concretizada. Segundo Balazs (1985,81), “a psicologia e a
fisiologia mostraram que nossos pensamentos e sentimentos são
determinados à priori pela possibilidade de expressá-los”.
Por outro lado, a intenção do artista determina a escolha
de um material, pois ele escolhe um material cujas limitações sejam
mais adequadas à sua intenção. Venturi (1986:227), por exemplo,
-82-
diz, com relação à pintura, que “um certo tipo de visão apropriado
à técnica da aquarela não pode traduzir-se em óleo sem sofrer na
sua qualidade artística”.
Assim, a matéria determina a intenção mas, ao mesmo
tempo, depende desta. A possibilidade, por exemplo, em “construir
em concreto armado ou em plástico não dita as novas formas nem o
novo uso... não se esparrama concreto a metro por prazer”
(Francastel,1973:53). A ação com um material depende de uma
intenção.
Por estar dentro de um rede de relações, outras
determinações relativizam aquela exercida pelo material. Esta
existe em função das limitações físicas e culturais. Antes de
verificarmos estas limitações, convém reforçarmos a possibilidade
da escolha de materiais, pois estes não determinam a qualidade de
arte de uma obra. Hoje, com certeza, isto é um fato aceito, nem
sempre foi assim.
Uma das pessoas que trouxe esta possibilidade foi Marcel
Duchamp, a partir de seus ready-mades os elementos que são expostos
como obras de arte, são artísticos em função deste ato, podendo
aparecer como são, sem a necessidade de serem trabalhados para
tornarem-se artísticos. Esta herança duchampiana, entretanto, é
resultado de uma leitura de seu trabalho e não de sua intenção, o
que pode ser confirmado numa entrevista concedida a Pierre Cabanne
(1987:80) em 1967, na qual Duchamp disse que ready-mades era um
-83-
nome “bastante conveniente para essas coisas que não eram obras de
arte, não eram desenhos, e que não se encaixavam em nenhum dos
termos aceitos do mundo artístico. Por isso que fiquei tentado a
fazê-lo”. Podemos ver que seu interesse estava longe da criação do
que se entendia, na época, como arte.
Se o material, de alguma maneira, determina a obra, não o
faz quanto à artisticidade da mesma. “Os mosaístas pintam com
mármore ou madeiras coloridas. Mencionou-se um artista italiano que
pintava com matérias fecais; durante a revolução Francesa houve
quem pintasse com sangue. Pode-se pintar com o que se quiser, com
cachimbos, selos, cartes postais, cartas de jogar, candelabros,
pedaços de tela encerada, colarinhos, papel pintado, jornais”
(Apollinaire,1988:236).
Desta maneira, qualquer material pode ser usado em função
da intenção do artista. “Michelangelo encontrou no afresco o meio
apropriado para a sua visão, plástica e Ticiano na técnica do óleo
a via perfeita de sua visão pictorial. E como a visão plástica não
é superior à visão pictorial, o afresco não é superior ao óleo”
(Venturi,1968:238).
Ao referir-se à técnica do óleo, Venturi mostra que
confunde técnica com material. Este é um fato comum quando se trata
de pintura, pois chama-se uma técnica com o mesmo nome do material
que é empregado nela. Isto ocorre devido à influência que o
material tem sobre a técnica, o qual abordaremos adiante. Assim,
-84-
quando ele fala das diferentes técnicas, podemos entender como se
estivesse abordando os diferentes materiais.
Encontramos uma afirmação similar, porém, sobre a
escultura, em um texto de 1937 no qual Gabo afirma que “Se por
vezes o escultor prefere um material ao outro, isto deve-se apenas
à sua melhor tratabilidade. (...) Não há forma estética que proíba
ao escultor o usai de determinado tipo de material para as
finalidades de seu tema plástico; tudo depende da concordância de
seu trabalho com as propriedades do material escolhido.(...) As
emoções despertadas pelos materiais decorrem de suas propriedades
intrínsecas e são tão universais quanto quaisquer outras reações
psicológicas despertadas pela natureza. Na escultura, como na
técnica, todo material é bom, digno e útil, porque todo material
tem o seu valor estético próprio” ( Gabo, 1989 : 335)
LIMITAÇÕES DADAS PELAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS
A constituição natural do material impõe limitações ao
artista que determinam, por sua vez, a forma da obra, já que esta
“resulta no que é precisamente pela natureza de sua matéria”
(Pareyson,1989:123).
Segundo Gabo (1989:335), a “arte da escultura sempre
andou de mãos dadas com a técnica” e, para esta, a utilidade do
material “só é limitada pelas suas próprias qualidades e
-85-
propriedades. O técnico sabe que não podemos impor ao material as
funções que não são próprias da sua substância, assim, por exemplo,
seria falso o uso do vidro se o escultor negligenciasse a
propriedade essencial desse material, ou seja, a transparência”.
Existem afirmações que permitem comprovar a este fato em diferentes
modalidades das artes plásticas.
Em seu estudo sobre o material na arte, Sogabe (1990:7)
classifica os materiais usados na pintura em “três elementos
básicos que poderíamos denominar genericamente de: SUPORTE,
SUBSTÂNCIA E INSTRUMENTO” Pelo nome genérico de substância ele
designa os vários tipos de tinta. Estas podem se aplicadas de
maneiras diferentes e, para isto, necessitamos de instrumentos que
transportam a tinta para o suporte. Os pincéis, embora necessários,
não se incorporam à obra, ao contrário das tintas e suportes. Esta
classificação nos lembra que “um quadro - antes de ser um cavalo de
guerra, uma mulher ou uma anedota qualquer - é essencialmente uma
superfície plana recoberta de cores dadas numa dada ordem”
(Denis,1989:90). Um quadro é um suporte coberto de tintas que, por
sua vez, são organizadas com o auxílio de instrumentos. Estes
elementos, como materiais que são, conduzem a criação.
Apresentaremos exemplos que permitam o esclarecimento da
materialidade de uma pintura.
-86-
Sogabe classifica os suportes segundo a anatomia,
formato, dimensão, superfície e materialidade. No sentido de
abordarmos as influências do material, analisaremos melhor estes
elementos.
A forma do suporte desempenha um papel importante na
pintura corporal das civilizações que insistimos em chamar de
primitivas, a forma do corpo que determina o desenho. “O homem só
cobre com terra colorida e, ele segue, para isto, as linhas
naturais de seu corpo: não há nenhuma surpresa em se encontrar nas
extremidades do globo os mesmos desenhos ao longo das pernas ou em
torno dos seios” (Leroy-Gourhan,1971:27).
O suporte da pintura, “quase sempre foi relegado a
segundo plano tendo importância maior o que acontecia sobre a
superfície. Porém, principalmente a partir do construtivismo, os
materiais começaram a participar mais efetivamente no trabalho como
um todo, não com o seu simples uso mas sim utilizando suas
propriedades e qualidades como elemento estético” (Sogabe,1990:
23).
Quanto à materialidade, encontramos uma afirmação
esclarecedora num relato de Gauguin a respeito de um quadro, “De
onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?”, no qual se destacava a
textura do suporte, ele afirma: “Tudo foi feito de imaginação, à
-87-
ponta de pincel, numa tela de saco cheia de nós e rugosidades,de
sorte que o aspecto é terrivelmente grosseiro” (Gaugain,1989:68).
A superfície plana do suporte é usada por Arnheim para
explicar as formas de representação que diferem da perspectiva
renascentista. Segundo o autor, estes “métodos têm origem, não
menos legitimamente do que a perspectiva central, nas condições da
percepção humana, e meio de expresso bidimensional”
(Arnheim,1989:192). Isto - corre porque a bidimensionalidade do
suporte “impõe restrições que provêm de suas propriedades
perceptivas específicas: favorece determinados procedimentos e
desencoraja outros” (Arnheim,1989:170).
Arnheim (989:170) ilustra esta afirmação, mostrando uma
imagem (Fig. 8) do início do séc. XIV, na qual aparece a
representação de um tabuleiro de xadrez. A execução, numa
superfície plana, envolve uma regra segundo a qual, “todos os
objetos permanecem no plano de origem, exceto se houver razão para
tirá-los dali”. Desta maneira, “longe de cometer um engano, o
artista deu maior visibilidade ao seu tema ajustando-se a uma das
mais importantes propriedades do meio de expressão; e optou por
essa solução para que os observadores de seu quadro vissem o que
pretendia que vissem”. Podemos supor que era importante mostrar o
próprio jogo portanto, não haveria solução melhor do que deixar o
tabuleiro paralelo ao plano da representação.
-88-
A importância do suporte no desenvolvimento da forma, por
outro lado, não está ligada somente às representações medievais.
Podemos ver, numa hipótese de Alberti (APUD Gombrich,1986:93), que
a própria origem da arte dependeria do suporte. Em “De Statua”, ele
diz que “num tronco de árvore, num monte de terra, ou em alguma
outra coisa, foram acidentalmente descobertos, um belo dia,
contornos que exigiam apenas uma ligeira alteração para se
parecerem de modo surpreendente com algum objeto natural.
Observando isso, as pessoas procuraram ver se não seria possível,
por adição ou subtração, completar o que faltava para chegar à
semelhança perfeita”.
O material do suporte pode ser passivo, simplesmente
recebendo “camadas de tintas, mas sua própria expressividade se
apresentará na medida em que sua materialidade for melhor explorado
através de suas propriedades” (Sogabe,1990:16). Não podemos
esquecer, contudo, que durante um grande período da história da
arte, foi negado, ao suporte, a possibilidade de ser significativo.
Em termos concretos, ele era lixado e polido para que se
descaracterizasse. “Principalmente a partir de Cézanne, a estrutura
material da tela ganha valor, juntamente com Van Gogh e Gaiguin, a
forma, o gesto e a cor atingem uma certa independência e autonomia,
tornando-se visível o processo pictórico no próprio plano da tela”
(Sogabe,1990:25).
-89-
Os suportes podem ser também classificados em função de
seu tamanho, que “não só envolve instrumentos e procedimentos
apropriados, como requisita uma relação energética ou espiritual
completamente diferenciada no ato de pintar” (Sogabe,1990:16).
Goossen (1986:86), estuda as pinturas de grandes dimensões, que
considera “um fenômeno peculiar de nosso período”, analisando o
trabalho de alguns pintores.
Segundo este autor (1986:88), os quadros de Picasso não
presentam grandes dimensões. Picasso “parece ser incapaz de
afastar-se de sua concentração em torno de um ponto”. O tamanho da
tela relaciona-se com o ato de pintar e Picasso “sempre pintou com
o pulso … torna-se inseguro ao pintar com o braço todo, razão pela
qual provavelmente necessitou fazer tantos esboços para Guernica
que é tudo, menos espontâneo”.
Goossen (1986:88,89) diz que, ao contrário de Picasso,
Matisse pintava “de uma maneira que utilizava todo o braço”, de tal
modo que “mesmo os seus quadros pequenos parecem grandes. Não há
temor de largas extensões planas, de espaço lateral vazio, e
nenhuma sensação de tensa e exagerada busca por textura cor e
contornos apropriados”.
A expressão inclui o tamanho do suporte. Vemos que para
Pollock, por exemplo, a tela grande “parece ter surgido em primeiro
lugar da libertação física que ela permitia ao ato de pintar, e o
-90-
testemunho deste vigor é expresso totalmente (é parte da expressão)
nas suas pinturas’ (Goossen,1986:91).
As tintas são constituídas dois elementos principais:
Veículo, ou aglutinante, geralmente um tipo de cola, que tem como
uma das funções a de aderir à superfície e o outro é o Corante”
(Sogabe1990:22) ou pigmento, que caracterizam a cor. Ao falarmos em
cor, temos de lembrar que esta palavra pode ter significados
diferentes, ela “ora designa a matéria bruta posta pela indústria,
ora momento à disposição dos artistas, ora caracteriza, no sentido
estético, a sensação de variedade ou de prazer cromático
experimentada pelo espectador” (Francastel,1973:157).
Existe uma diferença entre o aspecto material e o aspecto
cromático da tinta. Os pigmentos que constituem a tinta têm a
característica de refletirem’ somente uma certa gama de ondas
luminosas, o que determinaria poucas possibilidades num trabalho
que não usasse muitas cores. Em termos cromáticos, entretanto,
“pode-se fazer uma obra muito colorida com negro e branco, ou com
uma única tinta” (Francastel,1973:157) bastando, para isto, “que o
preto e branco sejam cores, pois em muitos casos podem ser vistos
como cores, seu contraste simultâneo sendo tão provocante quanto o
vermelho e o verde, por exemplo” (Van Gogh,1988:28).
-91-
Estes dois aspectos da cor são explicitados numa frase de
Churchill (APUD Gombrich,1986:32). O pintor amador afirma que no
ato de pintar, a tela recebe, em código, a cor enviada pela
natureza. Ela passa “de luz para cor. Chega à tela sob a forma de
um criptograma. Até que seja posta em relação com tudo o mais que
esteja na tela não pode ser decifrada ou seu significado feito
aparente, traduzido uma vez mais de mero pigmento em luz. E a luz,
desta vez, não é da natureza mas da Arte”.
As cores, numa pintura, devem estar em relação umas com
as outras, já que a cor não é encontrada “na natureza com o aspecto
que entra na arte. Uma obra não é colorida na medida em que ela
acumula notações justas ou mesmo vivas, mas na medida em que ela
constitui um sistema de relações em que, por pouco que seja entra
em jogo uma variável de luz” (Francastel,1973:157).
Churchili usa um termo que, a nosso ver, não poderia ser
mais adequado: tradução. A luz deve ser traduzida nas cores das
tintas porque “em uma paisagem o céu pode ser mil vezes mais
brilhante que uma sombra densa, não obstante, o artista tem de
representar uma paisagem com uma paleta cujo branco é só umas
trinta vazes mais brilhante que o preto” (M. Luckiesh, apud
Kepes,1969:32). Assim, do mesmo modo que a bidimensionalidade do
suporte determina soluções gráficas, as soluções cromáticas têm
-92-
mais relação com as tintas que com a cor do modelo, mesmo quando a
intenção é realista.
Não podemos esquecer, por outro lado que, apesar de
importante, a cor não é o único fator determinante do tipo de
imagem que é executada. “Foi tão-somente em nosso mundo industrial
do século XIX que a fabricação sistemática de gamas de cores
cuidadosamente padronizadas e muito ampliadas começou”
(Francastel,1973:157). Mas os egípcios, por exemplo, com suas seis
cores fundamentais, não se achavam “particularmente desfavorecidos
desse ponto de vista em relação a muitas outras sociedades”
(Francastel,1973:157), mesmo assim, o desenho deles é muito
diferente do desenho de outras culturas anteriores ao século XIX.
Os tipos de aglutinantes utilizados conferem, à tinta,
características que se relacionam com o tempo de secagem, fluidez,
transparência e consistência. Um dos capítulos do estudo de Sogabe,
refere-se aos graus de transparência da tinta. Nos extremos desta
escala encontramos o óleo e a aquarela. Esta tintas determinam
obras diferentes. “Se, com uma técnica a óleo, um artista pode
realizar certas qualidades que o emprego da aquarela não permitia,
o contrário também é verdadeiro. Com a aquarela, um artista obtém
-93-
uma leveza, uma rapidez, uma delicadeza de efeito que a pintura a
óleo não consegue dar” (Venturi,1986:227).
Um outro fator estudado por Sogabe, nas tintas, refere-se
à impossibilidade de serem elas totalmente bidimensionais. Isto é
evidente quando é usado algum aglutinante denso, como a cera, na
encáustica ou o óleo de linho, na tinta a óleo, sem ser dissolvida,
resultando um certo relevo sobre o suporte. Em Gaugain, estes
relevos, estas “pastas maravilhosas desempenham um enorme papel em
sua obra, dão vida à pintura” (Francastel,1990:175).
A mesma influência do material que existe na pintura, vai
aparecer com mais força na escultura. Na pintura os materiais
permitem a execução de formas, na escultura eles são as formas. Na
execução de uma escultura, temos as operações de entalhar, modelar
e fundir, ou seja, “retirar volume, adicionar volume e reproduzir
volumes. Obviamente quando se pensa em volumes, pensa-se em espaço,
espaço ocupado por matéria” (Laurentiz,1989:78). Além destes, temos
a construção.
São os materiais que determinam a gênese de uma
escultura, “os materiais estabelecem a base emocional de uma
escultura, dão-lhe seu caráter básico e determinam os limites de
sua ação estética” (Gabo,1989:334). Este fato é evidenciado quando,
-94-
visando preservar a obra de um escultor, fundem-se num material
mais resistente, normalmente bronze, peças que haviam sido feitas
em outro. É o caso das “Bailarinas” de Degas executadas
originalmente em cera, ou das peças em gesso de Henry Moore. Falta
à reprodução a textura deixada na peça pelo gesto do escultor ao
usar a sua ferramenta. “As incisões dos instrumentos de esculpir e
as pressões contrações das mãos de um artista contribuem com
qualidades que diferem qualitativamente das formas que se obtêm ao
de tramar metal líquido num molde” (Arnheim,1989:192). Esta última
técnica neutraliza a textura, dá uma aparência uniforme ao gesto.
Não é outro o motivo do bronze ser o material preferido para a
execução dos inexpressivos bustos de fundadores das mais variadas
instituições.
LIMITAÇÕES CULTURAIS
Temos, além das limitações físicas da matéria, outras que
são culturais. Estas atuam, não permitindo certos usos da matéria,
apesar de serem estes tecnicamente possíveis. Temos um bom exemplo
disto na obra de John Flannagan. Este escultor “tinha o costume de
colecionar pedras cuja forma natural desgastada lhe sugeria algum
tema. Trabalhava o menos possível, para conseguir extrair da pedra
o conceito do tema, conservando, no possível, o volume natural
original. Sua obra “Jonas” (Fig 10 é um bom exemplo”
(Scott,1975:144). Ele escolhe pedras cuja forma seja escultórica e
-95-
as trabalha com a intenção de unicamente evidenciar a sua forma
natural. Seu trabalho depende, então, de técnicas extremamente
simples. A mesma proposta é usada, também, por Brancussi em “O
Beijo” (Fig. 10).
Antes mesmo da escolha deste elemento da natureza, a
existência da intenção de procurá-lo depende do modo como é
entendida a atividade esclarecida, bem como da função puramente
estética que esta veio a assumir no ocidente, no século XX. Sem a
valorização do material introduzida por Rodin e Degas, entre
outros, este trabalho não poderia sequer ser pensado.
Os acadêmicos tomam por modelo a escultura grega,
atribuindo a esta uma superfície lisa. Rodin mostra que esta ideia
é falsa pois existem muitas saliências na pedra. Ele ilumina com
luz artificial uma peça clássica e afirma que os gregos “nunca
suprimiram o detalhe vivo. Contentaram-se em subsumi-lo e fundi-lo
no todo. Como apreciavam os ritmos calmos, involuntariamente eles
atenuaram os relevos secundários que pudessem perturbar a
serenidade de um movimento, mas tiveram o cuidado de nunca
apagá-los inteiramente” (Rodin,1990:42). Esta característica
resultante do contato do buril com a pedra, negada pela escultura
acadêmica, será enfatizada por ele que chega, inclusive, a deixar
-96-
partes da pedra ou do bronze sem receberem acabamento, como vemos
em muitas de suas esculturas.
Degas, modelando suas bailarinas em cera, busca
apresentar um “tratamento rugoso das superfícies transformadas numa
sequência rápida e unificada de registros” (Zanini,1971:23), que
não são eliminados num posterior trabalho de acabamento, permitindo
assim, que a forma de execução se manifeste. Não estamos sendo
contra a uniformidade da superfície escultórica: “uma superfície
uniforme, polida e cintilante pode ser usada para um efeito
estético, como em certos bronzes da Renascença. Peças como estas
exploram a superfície uniforme, como um refletor de luz”.
(Read,1977:72)
Se, por um lado, a tradição no uso da matéria é um
obstáculo, determinando o que pode ser feito com ela, por outro, ao
reinventar sua matéria, abre um pouco mais o leque de
possibilidades de uso, oferecendo novas oportunidades e propondo
novos desafios
“a matéria chega ao artista já formada nas obras deseus predecessores, e, portanto, carregada dos frutosde uma longa convivência com eles, densa de regras,preceitos, astúcias, sagacidades, prenhe de modosoperativos, de possibilidades formativas, de embriõesartísticos: coisas que … de quando em quandoobstaculizam ou retardam, ou favorecem a sua produçãooriginal, constituindo uma técnica na qual ele pode
-97-
exercitar a própria habilidade, encontrar as própriaspossibilidades e que está como que incrustada namatéria” (Pareyson,1989:123).
As limitações culturais e físicas da matéria, então, ao
mesmo tempo impedem e permitem a expressão artística porque ela
está carregada não só de limitações mas, também de potencialidades.
As limitações culturais mudam no decorrer da história da arte,
enquanto as limitações físicas são fixas, já que dependem da
constituição da matéria. Esta pode ser alterada, mas teríamos,
então, um novo material.
No momento em que são descobertos novos materiais, como o
que ocorreu com a tinta acrílica ou alquídica, ou que certos
materiais que não tinham um uso artístico passaram a tê-lo,
evidencia-se a relação que existe entre a criação e os novos
materiais. Assim, dentro da visão diacrônica subjacente a este
trabalho, mostraremos alguns casos nos quais são usados novos
materiais. Esta questão assume uma grande importância pois, “nosso
século foi enriquecido pela invenção de muitos materiais novos”
(Gabo,1989:335).
Existe, entre o aparecimento de novos materiais e a arte,
uma relação que, como em outras que abordamos, é de indeterminação.
Desta maneira, “nenhum movimento ou escola de arte começa com o
resultado da descoberta de novos materiais ou invenção de novas
técnicas. Porém, quando novas ideias e processos estéticos
-98-
despertam, eles criam a necessidade de métodos com novas técnicas
que possam expressá-los mais apropriada e fluente do que com os
antigos métodos possíveis” (Meyer,1982:400, apud Sogabe,1990:8).
Xavier (1985:21), faz um comentário sobre Balázs, em sua
coletânea de textos, afirmando o que considera como “um dos
princípios básicos do seu pensamento” que se relaciona com o
desenvolvimento conjunto da arte e dos materiais inserindo-se,
então, na presente discussão.
A base do pensamento de Balázs (Xavier,1985:21), é que
“existe uma construção histórica da sensibilidade humana, uma
dialética pela qual os instrumentos de trabalho e a relação com a
natureza interagem com as formas de expressão do homem e sua
linguagem”. Um novo material permite, então, tal como foi afirmado
por Meyer anteriormente, a expressão de uma nova sensibilidade.
Acrescentando, a esta problemática, o modo de existência
das sociedades, encontramos a mesma ideia em Benjamin (1969:211).
Segundo este autor, “ao curso dos grandes períodos históricos,
juntamente com o modo de existência das comunidades humanas,
modifica-se também o seu modo de sentir e perceber. A forma
orgânica que a sensibilidade assume - o meio no qual ela se realiza
- não depende apenas da natureza mas também da história”.
-99-
Partindo desta ideia, vemos que não serve para o cubismo,
a pintura a óleo que foi, para a pintura renascentista, “uma
ferramenta que atendia ao seu anseio de reproduzir nos mínimos
detalhes a natureza”. Foi necessário, então, a criação de novos
meios “utilizando-se para isto dos mais’ diversos materiais, tais
como tiras de papel colorido, verniz, papel de jornal, aos quais se
acrescentavam tec1os oleados, vidro, serragem etc., quando se
tratava d reproduzir “detalhes reais” (Apollinaire,1989:262).
Este tipo de relação existe, também, entre a arte pop e a
serigrafia. Este processo de impressão -.um aprimoramento do
estêncil que se originou na China - apresentou um grande
desenvolvimento técnico durante a segunda guerra mundial como forma
de imprimir os números de identificação nos avisos, obuses e
tambores de combustível (Caza,1967). Este meio permite facilmente a
utilização de imagens fotográficas e, por isso, “vai servir como
uma luva aos propósitos dos artistas pop. No final dos anos 50
trabalhavam com uma concepção de colagem de uma variedade de
elementos, principalmente aqueles veiculados pelas mídias de massa”
(Sogabe,1990:43).
Mesmo a arte conceitual, em sua negação da execução e,
portanto, dos materiais, vai apresentar uma relação parecida com as
anteriores. Este movimento “nasceu com o intuito de valorizar o
processo e a ideia, eliminando o objeto de arte como mercadoria e
-100-
utilizando-se de meios de registro como a fotografia, os textos
escritos, os catálogos, os vídeos para divulgação, não restando
nada do evento” (Sogabe,1990:116).
Desta maneira, este tipo de produção artística na qual,
ao ser extinta, “a matéria na obra de arte cede lugar à informação”
(Sogabe,1990:116), não impede a divulgação dos trabalhos destes
artistas, que só é possível devido à existência de meios de
registro. Assim, também com a arte conceitual, o meio no qual se
realiza a arte de uma época, “não depende apenas da natureza mas
também da história”. (Benjamim,1969:211).
Ao depender de um meio material, a arte usa aqueles que
estão à sua disposição ou os inventa, mas o novo meio altera,
também, a produção artística que existia até então. “A descoberta
de um material como o concreto armado, a generalização do emprego
do ferro, a dos materiais isolantes e, amanhã sem dúvida a das
matérias plásticas, arruinaram o estilo anterior, cuja fonte
residia no emprego da pedra e da madeira” (Francastel,1973:53).
São renovados não só os materiais, mas também o seu uso.
No decorrer da história da arte, este fato evidencia-se com a
mudança da maneira de entender o acabamento da obra,assunto que
abordaremos a seguir.
A determinação cultural exercida pelos materiais
altera-se devido às mudanças na forma de uso que são introduzidas
-101-
por alguns artistas no decorrer da história da arte. Este fato
alcança grande expressão quando se trata da noção de acabamento da
obra de arte.
Venturi (1968:126), em sua análise da história da arte,
procura resolver a dicotomia entre forma e conteúdo, identificando
estes dois elementos. Por isto um “novo conteúdo exige uma nova
forma, com uma nova concepção do acabado em pintura. De Rafael a
Rembrandt, passando por Ticiano, há um progressivo abandono do
acabado”.
O abandono do acabado existe em função da intenção do
artista ao executá-la. Venturi (1968:126) distingue “o acabado de
uma expressão e o acabado das coisas representadas. Por exemplo,
Rembrandt compraz-se ainda em acabar cuidadosamente determinados
pormenores da Ceia de Emaús como os pratos e a faca que estão em
cima da mesa. Mas Goya limita rigorosamente o acabado ao próprio
efeito dramático”.
Apesar destes pequenos pormenores, o acabado da pintura
de Rembrandt é expressivo, pois seu interesse principal era a luz e
“o efeito de luz e sombra não permite ao pintor precisar os
contornos e cada um dos elementos” (Venturi,1968:126). Desta forma,
“a subordinação de todos os elementos de uma pintura, quer aos
acentos da luz, quer aos véus da sombra, limita o acabado”
(Venturi,1968:126).
-102-
Para a discussão sobre o acabamento na pintura, é
importante a doutrina de Castiglioni da sprezzatura, citada por
Gombrich (1986:168), em um capítulo dedicado ao estudo do papel do
observador na percepção de imagens criadas pelos artistas: “uma
única linha, traçada sem maior concentração, uma simples pincelada,
dada com desembaraço, como se a mão se movesse sem esforço ou
intenção e atingisse seu alvo como que por si mesma, revelam a
excelência do artista”. Para entendermos esta ideia devemos
“reconhecer nas pinceladas aparentemente soltas de uma “obra
descuidada” as imagens intencionais do artista”, ver “a perícia,
secreta e a sagacidade que se escondem sob esta deliberada falta de
acabamento”.
Um maior soltura no uso dos pincéis, acarretando menos
acabamento, significava uma expressão maior já em 1527, época do
texto de Castiglioni. Na verdade, durante toda a história da arte,
existiram obras com graus de acabamento variados, que dependiam de
uma concepção da arte, oriunda da sprezzatura, “na qual a
capacidade de sugestão do artista vai de par com a capacidade de
compreensão do público” (Gombrich,1986:168).
O papel do observador é deixado bem claro num discurso
sobre Gainsborough no qual Reynolds (APUD Gombrich,1986:172),
maliciosamente, destaca a “aparência descuidada e informe” da
pintura de seu rival, na qual, se vemos uma semelhança com o
modelo, é porque “a imaginação supre o resto” o que só é possível
-103-
com o conhecimento prévio do modelo. Por outro lado, o excessivo
acabamento não dá espaço para a imaginação do observador, não o
deixa adivinhar a forma.
Rembrandt abandona o acabado em troca de uma maior
expressão à medida em que consegue abstrair os detalhes e organizar
suas pinceladas como imagens que só são configuradas quando vistas
a uma certa distância. “Não enfiem o nariz nos meus quadros”, teria
dito ele, “ou o cheiro da tinta os envenenará” (APUD
Gombrich,1986:171).
Diferentes concepções do acabamento existiram juntamente
em muitos períodos da história da arte. Podíamos encontrar tanto o
“estilo polido” de Frans Halls, Ticiano ou Rembrandt, quanto para a
pintura da última fase destes dois pintores, nas quais existe um
abandono do acabado porque eles, assim com Constable, se valiam
“cada vez mais do direito que tem o artista de apresentar seus
quadros menos como registros do mundo exterior do que como
indicações de uma experiência artística” (Gombrich,1986:201).
No entanto, a regra geral era os artistas fazerem
concessões a um público despreparado. O que pode ser provado com as
pinturas de Constable. “Nas réplicas, pintadas para o público,
Constable mostrou uma habilidade de técnico, de realista minucioso,
cuidadoso, tenaz, terra a terra, bem como a sua preocupação pelo
êxito - que lhe permitiu viver, aliás modestamente. Mas quando
-104-
pintou para si próprio, de acordo com os seu ideais artísticos,
apenas se ocupou da luz, da sombra e do espaço, do seu entusiasmo
pela natureza, do seu amor pelo aspecto real desse campo inglês que
tanto amou” (Venturi,1968:151).
Ilustramos este fato com as duas versões de O carro de
feno, pintadas em 1821 (Fig. 11 e 12). “Na criação, o artista toma
posse do espaço e pinta-o de um modo pictural; na réplica,
reproduzi-lo segundo a perspectiva científica. (...) A primeira
tela é a interpretação poética da luz; a segunda, a visão empírica
ou prosaica de um objeto, de uma figura, de um acontecimento.
Nestas, tudo é acabado de uma maneira precisa que pertence à morte”
(Venturi,1968:150).
O que nos interessa, porém, é, que este abandono, aos
poucos, passou a ser uma opção de movimentos artísticos e não
atitudes isoladas de alguns pintores e a mudança na maneira de
concebê-lo se liga a uma progressiva valorização do material.
O método de representação, que busca a cópia fiel da
natureza baseando-se no conceito renascentista da pintura como uma
janela, “utilizava-se da tinta com aspectos predominantemente
descritivos, pois a imagem mantinha uma aspecto liso como numa
foto, quase sem a presença do material de que era constituída,
tentando-se transformá-la num material mágico, transparente”
(Sogabe,1990:24). A tinta, portanto é negada.
-105-
Com o impressionismo a tinta assume sua importância ao
ser “usada direta do tubo sobre a tela, na denominada pintura
direta” (Sogabe,1990:23). Com isto, este movimento consegue impor,
“após lutas memoráveis, o gosto de um acabado que tem a sua razão
apenas na expressão do artista e não na representação cuidadosa das
coisas a fim de dar a ilusão delas” (Venturi,1968:158).
O público que considerava a obra de Cézanne inacabada,
talvez não soubesse que ele dizia em 1874: “Devo trabalhar e
fatigar-me, mas não por esse acabado que os imbecis admiram. O que
habitualmente se aprecia é a habilidade manual que torna qualquer
obra antiartística e comum. Devo procurar atingir a perfeição
unicamente pelo prazer de pintar com mais verdade e sabedoria”
(APUD Venturi,1968:193).
Nas pinturas anteriores ao impressionismo a pincelada
acompanhava a forma, lembrando um levantamento topográfico do
modelo. Na pintura impressionista, ao contrário, “a direção das
linhas da pincelada já não ajuda na “leitura” das formas. (...) A
imagem, poder-se-ia dizer não tem mais nenhuma ancoragem firme na
tela - é conjurada apenas nas nossas mentes” (Gombrich,1986:174).
Desta maneira, “a substancialidade da tinta começa a se tornar
visível através das marcas das pinceladas” (Sogabe,1990:24) e isto
“é a ponta do iceberg abstracionista que começa a emergir na
-106-
superfície da tela e a desestruturar a janela ilusória”
(Sogabe,1990:24).
Podemos dizer, então, que as mudanças na maneira de
entender o acabamento da obra relacionam-se diretamente com as
alterações que são introduzidas quanto à forma de usar os
materiais.
O MATERIAL E O IMAGINÁRIO
Quando abordamos o processo de criação, verificamos que
existe nele uma convivências das três categorias peirceanas. Na
verdade estas só podem ser vistas como separadas, caso não se
apreenda a complexidade do pensamento deste autor, no qual as
categorias são concebidas como onipresentes em toda e qualquer
experiência e fenômeno.
O material artístico, como fenômeno, apresenta as três
categorias nosso foco, entretanto, estará na secundidade, pois as
limitações inerentes à sua constituição física reagem à intenção do
artista, impedindo que este faça, com o material, tudo o que possa
querer. A força bruta da secundidade, embute as possibilidades
expressivas que existem no material quando este é visto como
primeiridade. A terceiridade, englobando as duas categorias
anteriores, se apresenta como um conjunto de convenções dadas pela
tradição que limitam os materiais que possam ser usados, bem como
seus usos.
-107-
Os materiais, independente de serem artísticos, são
necessários, sem eles “a ascensão de toda a nossa cultura e
civilização teria sido impossível” (Gabo,1989:334), uma vez que o
ser humano, animal frágil, sempre precisou de materiais que o
auxiliassem na luta pela sobrevivência. nesta luta, “na carne, nos
órgãos, que nascem as imagens materiais primordiais. Essas
primeiras imagens materiais são dinâmicas, ativas; estão ligadas a
vontades simples, espantosamente rudimentares” (Bachelard,1989:9).
Vontades que lutamos para satisfazer. Desta forma, “amamos os
materiais porque amamos a nós mesmos” (Gabo,1989:334). Nestas
imagens, as quais Bachelard se refere, ternos também, uma
manifestação da terceiridade ligada aos materiais.
Bachelard é o autor que nos parece mais adequado para a
aproximação das referidas imagens, não em seus estudos de filosofia
da ciência, mas em seus estudos poéticos, ou como ele preferiria,
“noturnos”. Nestes, ele parte de imagens poéticas extraídas de
obras literárias ou plásticas para investigar a imaginação. No
presente estudo, importa a diferença que o autor estabelece entre
imaginação formal e material. Não encontramos uma definição
explícita destas imaginações que, no entanto, podem ser inferidas
na leitura de seus estudos. A imaginação material relaciona-se com
a vontade de agir, enquanto a imaginação formal seria
contemplativa.
-108-
A distinção entre as duas formas de imaginação, segundo
Pessanha (1986:XIV), “prende-se à crítica, esparsa ao longo da obra
de Bachelard, ao vício de ocularidade característico da filosofia
ocidental. De fato, desde os antigos gregos, o pensar é entendido
como um extensão da ótica. (…) Essa hegemonia da visão está, sem
dúvida, vinculada à desvalorização do trabalho manual na sociedade
grega escravagista, determinando, desde então a oposição entre
trabalho intelectual e trabalho manual”. Esta oposição esclarece as
duas formas de imaginação.
O trabalhador intelectual possui “uma mão ociosa e
acariciante que percorre linhas bem feitas” (Bachelard,1989:14).
Nesta atitude, a matéria passa a ser apenas objeto de visão,
passamos a “vê-la apenas enquanto figuração, formas e feixes de
relações entre formas e grandezas, como uma fantasmática
incorpórea, clarificada mas intangível” (Pessanha,1968:XV).
Conduzindo “a uma filosofia de um filósofo que vê o operário
trabalhar. No reino da estética, essa visualização do trabalho
concluído leva naturalmente à supremacia da imaginação formal”
(Bachelard,1989:14). Esta imaginação, então, é o “resultado da
postura do homem como mero espectador do mundo, do mundo-teatro, do
mundo-espetáculo, do mundo-panorama, exposto à contemplação ociosa
e passiva” (Pessanha,1968:XV).
A imaginação material, por outro lado, não é
contemplativa; “ao contrário, afronta a resistência e as forças do
-109-
concreto (…) numa atitude dinâmica e transformadora”
Pessanha,1968:XIX,XV). Ela recupera o “mundo como provocação
concreta e como resistência a solicitar a intervenção do homem
demiurgo, artesão, manipulador, criador, fenomenotérmico, obreiro—
tanto na ciência quanto na arte”.
A imagem da matéria é conhecida pelas mãos “Uma alegria
dinâmica as maneja, as modela, as torna mais leves”
(Bachelard,1989:2,14). Desta maneira, “a mão trabalhadora e
imperiosa aprende a dinamogenia essencial do real ao trabalhar uma
matéria que, ao mesmo tempo, resiste e cede como uma carne amante e
rebelde”.
A afirmação de Anaxágoras: “o homem pensa porque tem
mãos”, representa, então, uma ideia que está ligada à forma de
imaginação que nasce da crítica ao “vício de ocularidade”. Este,
por ser dominante, “fatalmente coloca toda a questão da imaginação
sob o jugo da imaginação formal, ignorando ou menosprezando a
imaginação material” (Pessanha,1986:XIV).
Na impossibilidade de estudar a imaginação material pura,
Bachelard, as estuda enxertadas era obras e é este enxerto “que
pode transmitir, à imaginação formal, a riqueza e a densidade das
matérias” (Bachelard,1989:11). Bachelard pretende, então, não
desvalorizar a imaginação formal, mas mostrar a importância da
imaginação material. Esta é definida como a que “dá vida à causa
material e se vincula às quatro raízes ou elementos primordiais que
-110-
Empédocles de Agrigento apontava como “as quatro grandes províncias
do cosmos: o ar, a água, a terra, o fogo” (Pessanha,1986:XIV).
A intenção de Bachelard é apreender a imagem surgindo do
estado de pura possibilidade poética que existe no devaneio, antes
de qualquer ação no sentido de concretizá-la. O devaneio é, para
ele, o germem da obra. “Se o sonhador tivesse a técnica com seu
devaneio faria uma obra. E essa obra seria grandiosa, porquanto o
mundo sonhado é automaticamente grandioso” (Bachelard,1988:13).
Bachelard se interessa, por exemplo, pela “modelagem em
seus primeiros tateamentos, quando a matéria se revela como um
convite para modelar, quando a mão sonhadora usufrui as primeiras
pressões construtivas. E inclusive só chamaremos a atenção nos
limites do sonho e da realidade, tentando surpreender antes os
sonhos de modelagem do que o sucesso de uma mão sábia e destra,
hábil em repetir o modelo oferecido aos olhos” (Bachelard,1991:76).
Seu interesse é pelo devaneio material que está associado aos
elementos materiais.
A cada matéria pertence um tipo de devaneio. A terra
ligam-se os devaneios da vontade e do repouso que são os dois
livros em que Bachelard (1991:3) se dedica ao estudo dos devaneios
da terra. Para distinguir estes dois devaneios ele recorre a “dois
movimentos claramente distinguídos pela psicanálise: a extroverso
-111-
e a introversão; de forma que no primeiro livro a imaginação
aparece antes como extrovertida e no segundo como introvertida. Na
primeira obra seguiremos sobretudo os devaneios ativos que nos
convidam a agir sobre a matéria. No segundo, o devaneio fluirá ao
longo de uma inclinação mais comum; seguirá essa involução que nos
traz de volta aos primeiros refúgios, que valoriza todas as imagens
da intimidade. Grosso modo, teremos então o díptico do trabalho e
do repouso”. Nesta estudo, enfatizaremos os devaneios da vontade,
devido ao nosso interesse pelo “fazer” artístico, pelo trabalho,
pela ação.
A imaginação é fundamental para a criação. Ostrower
(1987:32) especifica a imaginação que ocorre na criação, chamado-a
de imaginação criativa. Esta estaria voltada para a materialidade
de uma ação. A imaginação, segundo Bachelard (1989:17), é a
“faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade, que
cantam a realidade” e que nascem, portanto, da realidade. Fazendo
parte desta, a matéria não só permite a imaginação, mas “o pensar
só poderá tornar-se imaginativo através da concretização de uma
matéria, sem o qual não passaria de um divagar descompromissado sem
rumo e sem finalidade. Nunca chegaria a ser um imaginar criativo”
(Ostrower,1987:32).
Bachelard (1991:3) diferencia a imaginação criadora de
outras dizendo que a “imagem percebida e a imagem criada são duas
instâncias psíquicas muito diferentes e seria preciso uma palavra
-112-
especial para designar a imagem imaginada. Tudo aquilo que é dito
nos manuais sobre a imaginação reprodutora deve ser creditado à
percepção e à memória. A imaginação criadora tem funções totalmente
diferentes daquela da imaginação reprodutora. Cabe a ela essa
função do irreal que é psiquicamente tão útil como a função do real
evocada com tanta frequência pelos psicólogos para caracterizar a
adaptação de um espírito a uma realidade marcada pelos valores
sociais”.
Necessária para a criação, a imaginação origina-se do
devaneio poético. Este é normalmente visto como descontração,
ignorando-se os “sonhos de ação precisa que designaremos como
devaneios da vontade” (Bachelard,1991:3,40), um devaneio que é como
um sonho “superacordado, durante o qual o trabalhador apega-se
imediatamente ao objeto, penetra com todos os seus desejos na
matéria”.
Ao contrário do significado oriundo de Empédocles, em
nosso estudo a matéria existe, primeiramente, como concretude,
fisicalidade. Apesar disto, os devaneios da vontade nos interessam
porque a terra, “ao contrário dos outros três elementos, tem como
primeira característica uma resistência. Os outros elementos podem
ser hostis, mas não sempre hostis. Para conhecê-los inteiramente, é
preciso sonhá-los numa ambivalência de brandura e de malignidade. A
resistência da matéria terrestre, pelo contrário, é imediata e
constante” (Bachelard,1991:8).
-113-
As imagens da terra nascem da relação do homem com uma
matéria que “resiste e cede”, impede e permite. A concretude da
“terra” provoca, determina uma vontade que, devido à resistência da
matéria, só pode ser executada através de ferramentas.
Nas imagens vindas do fogo, da água e do céu, não se
encontra a oposição do real. Mas, “quando o real se faz presente,
com toda a sua força, com toda a sua matéria terrestre, podem-se
crer facilmente que a função do real descarta a função do irreal”
(Bachelard,1991:3). As imagens da terra são, desta maneira, um
onirismo ligado ao real concreto e à ação. Por sua ligação ao real,
elas “oferecem-se a nós em profusão num mundo de metal e de pedra,
de madeira e de gomas” (Bachelard,1991:1).
Pela ação, “julgamo-nos, pois, fundamentados para falar
de um onirismo ativo, isto é, de devaneios do trabalho fascinante,
de um trabalho que abre perspectivas à vontade”
(Bachelard,1991:40,1). São imagens tranquilas que “despertam em nós
alegrias musculares assim que tomamos o gosto de trabalhá-las”.
Estas imagens estão, então, ligadas à vontade e ao trabalho.
A imaginação é o “acelerador” do psiquismo, “vai
sistematicamente, depressa demais” (Bachelard,1991:21). As imagens
da terra vão mais rápido que a ação, executam em pensamento uma
vontade que não é contraditória, “mas ébria de oposição”. Por isto,
a imaginação necessita de uma oposição que
-114-
A necessidade da resistência da matéria não conduz a uma
relação de determinação, pois “no reino da imaginação, pode-se
dizer da mesma forma que a resistência real suscita devaneios
dinâmicos ou que os devaneios dinâmicos vão despertar uma
resistência adormecida nas profundezas da matéria”
(Bachelard,1991:20).
No campo do imaginário, podemos dizer que a matéria
provoca a ação “e acarreta uma cólera, uma cólera Imediata contra o
objeto. Resistência e cólera estão vinculadas objetivamente”
(Bachelard,1991:48,16). O impulso contra a matéria existe, então,
em função da resistência dela. Os materiais, ao resistirem, “trazem
a marca das ambivalências da ajuda e do obstáculo. São seres por
dominar”. Seres que exigem nossa ação pois “o mundo resistente nos
impulsiona para fora do ser estático, para fora do ser.(...) Somos
desde então seres despertos”.
Bachelard usa, ao mesmo tempo que fala em provocação, uma
imagem mais amena, referindo-se ao convite feito pela matéria:
“Antes mesmo que as matérias sejam designadas pelos ofícios
instaurados na sociedade, precisamos considerar as realidades
materiais verdadeiramente primordiais, tais como nos são oferecidas
pela natureza, como convites para exercer as nossas forças”
(Bachelard,1991:25).
Por causa do convite ou da provocação, “é impossível
ficar distraído, ausente, indiferente, quando se sonha uma matéria
-115-
resistente nitidamente designada” (Bachelard,1991:19,16). Pela
imagem da resistência, temos contato com as “violências que a nossa
vontade exerce contra as coisas”. Vontade que reagirá
diferentemente em função da dureza da matéria à qual se dirige.
A imaginação é “vontade de ser mais, de modo algum
evasiva, mas ébria de oposição” (Bachelard,1991:21,19). Esta
oposição é dada pela matéria que “recebe de nós todo um futuro de
trabalho; queremos vencê-la trabalhando. Desfrutamos de antemão a
eficácia de nossa vontade”. Para o artista, a matéria “não é vista
como hostil e causadora depenas e fadigas. É ao contrário,
oportunidade de realização pessoal, de expansão do universo
interior, de demonstração da força de vontade, incentivo à
imaginação criadora, centro dos sonhos” (Pessanha,1986:XI).
A matéria traz incita a um onirismo ativo, cujos
devaneios, levam à ação. A vontade imaginada exige a sua execução,
tenta um futuro que, no devaneio da vontade, está ligado ao
trabalho. “De imediato, a matéria recebe de nossos sonhos todo um
futuro de trabalho; queremos vencê-la trabalhando. Desfrutamos de
antemão a eficácia de nossa vontade” (Bachelard,1991:19).
Na execução, o tempo assume uma realidade palpável, pois
é o tempo inevitável da negociação entre a intenção do artista e a
natureza da matéria. É um tempo que “não pode se definir senão como
o tempo ativo de um trabalho” (Bachelard,1991:18,19), no qual a
-116-
matéria dá “esquemas temporais bem definidos à nossa paciência”.
Temos que aprender a esperar. No trabalho com a pedra, por exemplo,
este tempo é um litocronos que “se dialetiza no esforço do
trabalhador e na resistência da pedra”.
A oposição entre intenção e resistência caracteriza a
reação que o artista têm com a matéria. Nesta relação, a matéria,
ao invés de impedir a concretização de nossa intenção, de imediato
o parceiro objetivo e franco de nossa vontade” (Bachelard,1991:8).
Ela permite a “demonstração da força de vontade”
(Pessanha,1986:XII), ao colocá-la à prova em sua exigência de
concretização, pois “a matéria na nos permite enganarmo-nos sobre
as próprias forças” (Bachelard,1991:25) porque é a matéria que nos
revela as nossas próprias forças.
É a oposição que permite que nos percebamos. A formação
do caráter de um indivíduo, por exemplo, pode ser definida “como um
sistema de defesa do indivíduo contra a sociedade, como um processo
de oposição a uma sociedade” (Bachelard,1991:19,16). Pode-se falar,
então, de uma psicologia do contra. Se, no desenvolvimento do
indivíduo, temos a resistência da sociedade, “no mundo da energia a
resistência é material”.
Abordamos, ao longo deste capítulo, os devaneios ligados
aos elementos materiais, enfatizando aqueles relacionados à
-117-
“terra”, chamados por Bachelard de “devaneios da vontade”. No
estudo destes devaneios, o autor pretende caracterizar “a
imaginação da resistência, a substancialidade imaginária do contra”
(Bachelard,1991:17,18), entendida como tendo “um aspecto de
topologia: o retrato está contra a parede”. A “imaginação material
e dinâmica nos faz viver uma adversidade provocada, uma psicologia
do contra "que não se contenta com a pancada, com o choque, mas que
se promete a dominação da própria intimidade da matéria. Assim a
dureza sonhada é uma dureza que atacada incessantemente, e uma
dureza que renova sem cessar as suas excitações”.
Bachelard (1991:24) afirma que “na solidão ativa, o homem
o homem quer cavar a terra, furar a pedra, talhar a madeira quer
trabalhar a matéria. Então o homem não é mais um filósofo diante do
universo, é uma força infatigável contra o universo, contra a
substância das coisas”. Esta citação, além de introduzir a
necessidade de ferramentas, para furar a pedra, por exemplo,
caracteriza, mais uma vez, a “psicologia do contra”. Não é muito
difícil percebemos o quanto esta se relaciona com a oposição, a
ação e reação, ou seja, com a categoria peirceana da secundidade.
A conclusão, de fundamental importância neste trabalho,
que queremos extrair do passeio pelo mundo “noturno” dos devaneios
é que, não só o uso dos materiais está impregnado de secundidade,
-118-
sendo determinado pelas suas características físicas, mas também, o
seu caráter simbólico nasce da oposição àquelas.
-120-
Os materiais se opõem à intenção do artista com
diferentes graus de dificuldade que vão daqueles que oferecem uma
menor resistência, aos que são difíceis de serem trabalhadas,
estendendo-se entre os polos dialéticos extremos do duro e do mole.
É esta dialética que “rege todas as imagens que nós fazemos da
matéria íntima das coisas” (Bachelard,1991:15,16). Desta maneira,
ao trabalhamos matérias de durezas diferentes, apreendemos esta
dialética, “tomamos consciência de nossas próprias potências
dinâmicas, de suas variedades, de suas contradições”.
Afirmamos, anteriormente, que o artista tem necessidade
de oposição. Como a oposição depende da dureza da matéria, vemos
que esta nos conduz “a tipos de vidas dinâmicas bem diferentes, O
mundo resistente nos impulsiona para fora do ser estático, para
fora do ser e começa os mistérios de energia. Somos desde então
seres despertos” (Bachelard,1991:16,20). Além disso, “os devaneios
materiais mudam a dimensão de nossas potências; dão-nos a ilusão da
onipotência. Essas ilusões são úteis, pois já são um encorajamento
para atacar a matéria no seu âmago”. Desta maneira, os devaneios
materiais, nos preparam para o enfrentamento com a oposição dos
materiais, nos encorajam e, ao mesmo tempo, nos despertam para a
ação.
As imagens materiais não podem existir “sem essa
dialética de convite e de exclusão” (Bachelard,1991:15,18) que, em
-121-
nossa imaginação, pode ser alterada e até invertida, “sob a ação de
curiosas ambivalências até definir, por exemplo, uma hostilidade
hipócrita da moleza ou um convite provocador da dureza”. Convite
que não podemos aceitar sem algo que nos ajude a enfrentar esta
provocação. “Para um sonhador da dureza íntima, o granito é um tipo
de provocação, sua dureza ofende, uma ofensa que não vingará sem
armas, sem ferramentas, sem os meios da astúcia humana. Não se
trata o granito com uma cólera infantil. Será preciso estriá-lo,
poli-lo”.
Necessitamos, então, de ferramentas porque “de mãos
vazias as coisas são fortes demais...mas se temos uma faca na mão,
entendemos imediatamente a provocação das coisas”
(Bachelard,1991,30,29,16). Desta maneira, “se dermos uma ferramenta
a uma criança solitária. A ferramenta terá imediatamente um
complemento de destruição, um coeficiente de agressão contra a
matéria. (...) A ferramenta desperta a necessidade de agir contra
uma coisa dura”. Assim, “com o martelo ou a colher de pedreiro na
mão, já não estamos sozinhos, temos um adversário, temos algo a
fazer”.
Como diz Georges Blin, citado por Bachelard (1991,33):
“A voluptuosidade de entalhar deve ser em grande parte devida ao
prazer que se sente ao sobrepujar uma resistência objetiva:
alegria de ser ou de manejar o instrumento mais duro, de agir no
sentido da saliência mais contundente e de imprimir o seu projeto
-122-
na matéria que cede. Imperialismo ofuscante do relevo mais
resistente: do arado, do diamante, do punhal, dos dentes”.
Os devaneios da vontade, a que nos referimos
anteriormente, além de levarem ao trabalho, exigem ferramentas
porque “os verdadeiros devaneios da vontade são então devaneios
apetrechados, devaneios que projetam tarefas sucessivas, tarefas
ber. ordenadas” (Bachelard,1991:30). Podemos dizer, portanto, que
em decorrência das determinações culturais e físicas que os
materiais apresentam, o artista deve obedecer o material, ao mesmo
tempo em que alcança a sua vontade mas, dependendo do material ele
só estará aberto para o diálogo quando houver ferramentas.
Apesar das diferenças que existem entre “a ferramenta
manual rudimentar até a instalação industrial mais desenvolvida”
(McHale,1968:15), elas apresentam em comum o fato de sua evolução
estar “estreitamente ligada com a evolução do homem. Em geral, os
outros animais se adaptaram a seu meio por contínuas mudanças
físicas em seu próprio organismo. Ao contrário, desde o momento em
que começou a usar ferramentas, o homem tendeu a libertar-se de
toda nova evolução física imposta por fatores ambientais externos”
(Mchale,1968:15).
Leroy-Gourhan (1971), em “L’homme et la matire”, estuda a
estrutura técnica das sociedades, estabelecendo um quadro
classificatório das técnicas e ferramentas com as quais se
-123-
fabricam, produzem e consomem os elementos indispensáveis à vida
física dos povos do do contorno do Oceano Pacífico. Leroy-Gourhan
confirma, neste estudo, a concepção da evolução a que nos referimos
ao mostrar a existência de um paralelismo entre a curva da evolução
física e a curva técnica do progresso que marca da mesma maneira o
homem físico e os produtos de seu cérebro e de sua mão.
As ferramentas são necessária ao homem desde a sua origem
pois “através de seu desenvolvimento instrumental o homem controla
o meio físico para satisfazer a sua própria finalidade evolutiva”
(Mchale,1968:15).
Uma das caracterizações do homem primitivo é a do Homo
Faber, uma “criatura teórica que não teria como característica
humana senão a posse de ferramentas” (Leroy-Gourhan,1971:1O), este
termo, entretanto, é um “termo cômodo mas sem fundamento
paleontológico, engloba na realidade toda a longa seqüencia de
antropóides do qual o Homo Sapiens surgiu: o mais velho entre eles,
os australantropos, têm mais de um milhão de anos, eles já possuíam
nossa estatura vertical e talhavam ferramentas muito primitivas. A
partir deste ponto que, guardadas todas as proporções, não deve
estar tão separado do ponto de partida, os progressos do cérebro,
em volume e em organização, têm por corolário uma dupla série de
crânios e de ferramentas cada vêz mais variadas e aperfeiçoadas”.
-124-
Desde o início de seu processo evolutivo, o ser humano
necessitou dos mais diversos tipos de ferramentas que têm em comum
o fato de que suas “complexidades e prolongamentos instrumentais
reiteram as do próprio organismo humano” (Mchale,1968:15). Assim,
“até a idade moderna, o intrumento foi realmente o prolongamento da
razão” (Francastel,1973:50), tratava-se de “aparelhos cada vez mas
adequados que substituíram movimentos naturais da mão”
Leroy-Gourhan,1971:44) que, no seu papel apropriador, comporta
“quatro categorias de gestos: suspender com os dedos, pinçar entre
os dedos (apropriação interdigital), agarrar com a mão toda
(apropriação digito-palmar), conter com as mãos em concha”
(Leroy-Gourhan,1971:44).
As máquinas que surgiram posteriormente, por outro lado,
prolongavam ou, para usar o termo proposto por McLuhan, estendiam
outras partes de nosso organismo. Desta maneira “a ferramenta não é
mais absolutamente o prolongamento da mão; ela substitui
simultaneamente a mão e o cérebro do homem” (Francastel,1973:52).
O entendimento da ferramenta como uma extensão de nosso
organismo permite, “considerar o rádio como um meio de transmissão
comparável ao tambor, o terno como a vestimenta típica dos
indígenas masculinos e a metralhadora como uma arma de arremesso”
(Leroy-Gourhan,1971:316). Esta concepção das ferramentas permite
igualar os instrumentos que prolongam a mão às máquinas que lidam
-125-
com informação, estendendo o cérebro. No entanto, centramos nosso
estudo em aspectos que se apresentam na relação do criador com os
materiais e técnicas utilizados na produção artesanal de obras
artísticas e não veremos aqui a especificidade trazida pelas novas
tecnologias eletro-eletrônicas.
As ferramentas podem ser identificadas em função da parte
de nosso organismo que é estendida; para este estudo, entretanto,
independente de qual seja o instrumento utilizado, interessa
certificar sua influência no processo de criação que envolve,
também, a execução.
Assim, “se identificarmos o ser humano com a mente, o
corpo não será apenas o instrumento primordial do homem, mas também
o seu vizinho mais próximo” (Arnheim,1989:13’á,131). Este
instrumento “oferece meios de dar uma presença tangível às imagens
concebidas pela mente, no entanto atuando como intermediário e
tradutor, ele têm, como qualquer outro instrumento suas próprias
idiossincrasias. inevitável que as características próprias do
instrumentos influenciem o produto”. Além de serem importantes para
a sobrevivência do ser humano, as ferramentas, ou instrumentos,
assim como o material, determinam ou, para ser menos enfático,
conduzem as características gerais da obra a ser criada.
-126-
Leroy-Gourhan estuda as ferramentas que permitem a
existência humana. Sua classificação das ferramentas nos mostra
que, em função das características destas, existe uma adequação
entre o uso e o tipo de ferramenta empregado. Existem, no
desenvolvimento técnico, alguns meios elementares de ação sobre a
matéria, entre eles encontramos as percussões.
Este autor, ao classificar as ferramentas que usam a
percussão, nos mostra que cada tipo de ferramenta apresentará
resultados diferentes, determinando, então, o que será feito com
ela. Partindo do princípio que a maneira de atuar sobre a matéria é
que gera diferentes ferramentas, este autor classifica aquelas que
usam a percussão em função da forma como a força é aplicada, do
ângulo de ataque e da área atingida pela ferramenta.
Quanto à maneira de se empregar a força temos três tipos:
a percussão colocada que “consiste em aplicar a ferramenta sobre a
matéria imprimindo diretamente a força dos músculos”, tendo assim
uma grande precisão, mas nenhum aumento da força. A percussão
lançada na qual a ferramenta, com um cabo, é lançada em direção à
matéria, O cabo permite, o aumento da força, mas não oferece
precisão.
A terceira maneira nasce da “ideia de dissociar o
elemento percussor da força de percussão...ele combina as vantagens
-127-
próprias às duas primeiras maneiras: a ferramenta é colocada com
precisão sobre a matéria, a outra mão aplica com um percussor
separado o peso intensificado pela aceleração: esta é a percussão
com percussor” (Leroy—Gourhan,1971:48). Neste tipo de ferramenta
“as duas mãos aparecem em seu respectivo privilégio: uma tem a
força, outra a destreza” (Bachelard,1991,36).
Com relação ao “ângulo de ataque”, temos a percussão
perpendicular e a percussão oblíqua (Leroy-Courhan,1971:52) e,
junto destas, a percussão circular. “Seu fim é perfurar e todos os
instrumentos pontudos animados de um movimento de rotação a ela se
ligam” (Leroy-Gourhan,1971:55).
A área que pode ser atingida pela ferramenta permite
outra classificação. “Se a parte percussora é cortante, a percussão
será linear, se é um ponto será puntiforme, se ela move uma massa
muito grande, a percussão será difusa. A percussão linear, segundo
a posição do gume paralelo ao eixo da ferramenta ou perpendicular a
este eixo, será linear-longitudinal ou linear-transversal”
(Leroy-Gourhan, 1971:57). Combinando estas classes obtemos 22 tipos
de ferramentas. (Quadro 1)
Cada ferramenta, nesta classificação, mostar-se-á
adequada para um uso. Assim, “as percussões lineares-colocadas se
aplicam em geral ao trabalho delicado raspar, de esculpir sólidos
fibrosos, de cortar sólidos flexíveis; as percussões
lineares-lançadas são quase todas alojadas no trabalho mais
-128-
grosseiro da madeira ou dos sólidos plásticos...Os
puntiformes-colocados são caracterizados pela costura e a brunidura
de todos os materiais, os puntiformes lançados pelas armas de ponta
e instrumentos agrícolas, todos os difusos pela martelagem (em
particular dos metais), a moagem dos grãos” (Leroy-Gourhan1971:57).
O fato de cada ferramenta determinar seu próprio uso pode
ser verificado na relação entre o cabo das ferramentas de
percussão, que funciona como uma alavanca, e a força do braço.
Leroy-Gourhan (1971:64) analisa o tamanho dos cabos recorrendo a
fórmulas usadas pelos físicos. Como alavanca, o cabo pode
intensificar a força, assim, “com poucas excessões as ferramentas
são adaptadas para o seu uso e um machado não deve ter o mesmo
modelo de um cutelo; basta olhar um pouco mais para descobrir que
este machado não serve senão à escultura, ao tratamento quase
definitivo das superfícies esculpidas, a um trabalho que em geral
se confia à faca ou ao cinzel próprio para a madeira”.
Na produção artística a escolha da ferramenta será
fundamental uma vez que, na relação com esta, assim como ocorre com
o material, o artista encontrará limitações que são determinantes
por impedirem certos usos fazendo com que a ferramenta seja
adequada a outros. Determinações que ao mesmo tempo em que impedem,
permitem a expressão. O artista deve escolher, então, a
determinação que será mais adequada à sua intenção pois “certas
qualidades formais se ajustam tão bem à ferramenta que dela brotam
-129-
quase espontaneamente. Outras exigem esforços especiais, levando a
resultados deploravelmente artificiais, ou não resultando em
absolutamente nada” (Arnheim,1989:133). Se mesmo um artesão deve
saber “conciliar a liberdade de suas concepções com as
características dos instrumentos que utiliza” (Arnheim,1989:133),
para um artista esta questão é crucial pois os “instrumentos têm
especificidades que podem ser utilizadas na construção das
qualidades estéticas da imagem” (Sogabe,1990:31).
Arnheim (1989:133) exemplifica este fato com o braço
humano que, por ser “um instrumento capaz de girar em torno de um
ponto fixo, ele leva, de modo natural, a movimentos curvos e a
formas curvas. Um movimento em linha reta requer um controle
especial, não apenas para desenhar mas também para ferir um arco de
violino ou executar um gesto coreográfico”.
Algo similar ocorre, também, com a roda do oleiro ou o
torno mecânico que “impõe ao objeto uma certa regularidade de rigor
matemático no plano rotacional, enquanto, ao longo do eixo, o
artesão cria formas “livres” que não precisam obedecer a nenhuma
fórmula geométrica. Para apreciar um típico vaso de cerâmica, é
necessário perceber ao menos intuitivamente, a interação da rígida
circularidade na dimensão horizontal com a liberdade da forma
vertical” (Arnheim,1989:133). Na verdade, não existe liberdade,
mesmo na forma vertical, pois ela está limitada pela constituição
-130-
física do material, no caso a argila, mas este assunto já foi
discutido anteriormente.
Com o tear, temos uma determinação oposta a esta. Ao
trabalhar com este instrumento, “o tecelão não tem nenhuma
dificuldade com formas retas quando elas correm paralelas à trama,
mas o tear tem suas próprias regras: para produzir uma curva ou uma
diagonal é necessário forçar a estrutura da configuração do tecido”
(Arnheim,1989:133).
No caso da roda do oleiro ou do torno mecânico, Arnheim
afirma (1989:134) que “a condição matemática da circularidade é uma
restrição imposta pelo artista à sua imaginação visual, e a roda de
oleiro é o recurso tecnológico, que introduz a coerção com a máxima
precisão”. Temos, com isto, a impressão de que a restrição visual
ocorre antes da existência da ferramenta. Apesar da importância de
Arnheim para este estudo, não podemos concordar esta afirmação
relativa aos instrumentos.
Arnheim (1989:131) argumenta que a maioria dos
instrumentos têm afinidades com a geometria, mas este assunto não é
tão simples, pois foi o próprio homem quem optou por todas estas
formas cúbicas e criou máquinas para ajudá-lo a construí-las.
Assim, “lajes, cubos, cilindos e pirâmides maternaticamente
precisos são a encarnação de um dos extremos da escala em que todas
-131-
as coisas orgânicas e inorgânicas encontram sua configuração
específica”.
A conclusão é que existem fundamentos geométricos na
criação de formas que são também criações essenciais da própria
mente que podem depender do auxílio de instrumentos. Desta maneira,
“em princípio, o mesmo vaso de cerâmica poderia ser feito sem a
roda, embora se perdesse muito em termos de habilidade, e
dificilmente se poderia comparar o resultado com a perfeição do
produto “modelado” (Arnheim,1989:134).
Não podemos concordar com esta afirmação de que o mesmo
vaso poderia ser feito sem a roda de oleiro, pois teríamos, neste
caso, outro vaso de outro tipo que, se fosse circular, com certeza
seria mais perfeito quanto ao acabamento, mas o importante é que,
sendo executado na roda, modelado com as mãos ou ainda colocado, em
forma líquida (barbotina) num molde, o instrumento não só é
indispensável como contribui para a forma final.
Além disso, toda ferramenta, mesmo quando automatiza
gestos que já existiam antes dela, traz novas possibilidades que
não poderiam sequer ser pensadas sem a existência desta. As formas
que um vaso pode adquirir ao ser executado numa roda de oleiro, não
podem ser imaginadas sem o contato com este aparelho. Quando se
trabalha com modelagem se pensa em formas diferentes, formas que
nascem do contato da mão com o barro, formas que podem incluir a
circularidade, embora não a tenha como dominante. A roda, então,
-132-
não é um recurso, é a condição de existência das formas em que
domine a circularidade horizontal.
Se o instrumento tem determinações entre as quais o
artista deve escolher e se, quando uma nova ferramenta é
desenvolvida, ela traz novas possibilidades, podemos compreender
que “apesar da infinidade de instrumentos à disposição no mercado,
quando um artista modifica algum existente ou até chega a produzir
um totalmente novo, está buscando qualidades estéticas que só
aquele instrumento pode oferecer” (Sogabe,1990:31). É por isto que
“Courbet substituiu o pincel pela espátula para dar espessura às
tintas e aprofundar deste modo o efeito de luz” (Venturi,1968:134).
Como foi mostrado com relação a outros elementos
estudados no decorrer deste trabalho, as relações da ferramenta com
o material e a técnica envolvem dependência e determinação mútua. A
técnica envolve o uso de ferramentas para trabalhar os materiais,
mas algumas técnicas permitem o uso de materiais que não poderiam
ser usados sem elas. A técnica exige ferramentas, mas não se
restringe a elas, podendo com as mesmas ferramentas existir
técnicas diferentes. A técnica pode ser melhor entendida como um
método de trabalho que envolve não só as ferramentas, mas também
uma maneira de utilizá-las de acordo com uma intenção e de acordo
com o material. Este determina as ferramentas mas, se existe
-133-
ferramentas mais adequadas para trabalhar um ou outro material, a
intensão pode determinar o uso de ferramentas diferentes para
trabalhar o mesmo material.
-135-
Afirmamos, anteriormente, que os Meios de Expressão são
entendidos neste trabalho como um conjunto formado pelos materiais,
as ferramentas e a técnica. Esta última pode ser conceituada como a
maneira de usar os outros dois elementos. Existe, entretanto, uma
inter-relação complexa entre estes três termos. Segundo Gabo
(1989:335), “na escultura como na técnica o método de trabalhar é
determinado pelo próprio material”; similarmente, Leroy-Gournhan
(1971:19) afirma que “é a matéria que condiciona todas as
técnicas”. Esta afirmação se encontra em um livro no qual ele
estuda a técnica e estabelece uma classificação das ferramentas.
Estes três termos parecem estar sempre juntos
Encontramos referências a desenhos feitos com a técnica
do bico de pena ou a técnica do guache, mas o primeiro refere-se a
um instrumento enquanto o segundo, a um material artístico, uma
tinta. Pareyson (1989:128) define a técnica da arte comos o
“conhecimento da destinação de uma matéria e prática de sua
manipulação artística”, mostrando, mais uma vez, a dificuldade de
separá-la dos outros termos. Procuraremos entender esta
complexidade num sentido amplo e com relação à arte.
Leroy-Gournhan (1971:19), partindo da crença em que a
matéria condiciona as técnicas, adota uma divisão destas em função
de uma classificação dos materiais, dos meios elementares de ação
sobre a matéria e das forças. A primeira vai dos materiais sólidos
-136-
aos materiais fluidos: “os sólidos cujo estado não varia recebem o
nome de sólidos estáveis: pedra, osso, Madeira; aqueles que, por
aquecimento, por exemplo, adquirem uma certa maleabilidade são
chamados de sólidos semi-plásticos: é o caso dos metais; aqueles
que, maleáveis no estado de tratamento, endurecem ao secar ou por
cozimento, são os plásticos: cerâmicas, vernizes, colas; aqueles
enfim que, a todos os momentos de seu estado, são flexíveis mas não
maleáveis, têm o título de sólidos flexíveis: couro, fios, tecidos,
cestos. Os f1uids não comportam subdivisões, o modelo é a água e
eles englobam todas as matérias que, em estado normal de tratamento
e consumo, são líquidos e gasosos”.
Na classificação dos meios elementares, temos “as
apropriações nos diferentes dispositivos que revezam a ação direta
da mão humana, depois as percussões que caracterizam a ação no
ponto de encontro do instrumento e da matéria”
(Leroy-Gourhan,1971:43), para que se possa “quebrar, cortar,
modelar; o fogo que pode aquecer, cozinhar, fundir, secar,
deformar”; a água que pode diluir, dissolver, amolecer, lavar e
que, em soluções diferentes, por seus efeitos físicos ou químicos,
servirá para curtir peles, conservar, cozinhar; o ar, enfim, que
aviva o fogo, que seca ou que limpa” (Leroy-Gourhan,1971:18).
Quanto às forças, podem vir “dos músculos humanos, dos animais, da
-137-
água, do ar” que, para não serem desperdiçadas, são dirigidas e
amplificadas “pelas alavancas ou transmissões”
(Leroy-Gourhan,1971:18). A técnica é entendida como uma maneira de
atuar sobre a matéria com os meios elementares animados pela força
para alcançar algum objetivo. Leroy-Gourhan (1971:320) sintetiza
esta questão afirmando que, na inserção “dos meios e da matéria,
nós iremos encontrar dois objetos (ferramenta e PRODUTO)”; assim
temos a seguinte fórmula:
A ferramenta gerada nesta relação passa a ser outro meio,
não elementar, permitindo que a atuação sobre a matéria seja mais
eficiente. Podemos exemplificar este fato com a forja, um conjunto
técnico que emprega todos os meios elementares (as percussões, a
água, para refrigeração, o fogo e o ar que intensifica o fogo) para
agir sobre o ferro com a intenção de obter um produto, que pode ser
uma ferramenta (Leroy-Gourhan,1971:202), usando, também, a tenaz e
o martelo, ferramentas de apropriação e de percussão. A produção de
ferramentas tem sido uma atividade técnica presente nas várias
etapas do desenvolvimento humano pois, com elas, pode-se
potencializar os meios elementares, gerando novas técnicas.
Por este motivo, Gabo (1989:335) afirma que “o
conhecimento técnico aperfeiçoou os métodos de trabalhar de muitos
= ferramenta e produtomatéria
meio elementar
-138-
materiais antigos que antes não podiam ser usados sem dificuldade”.
Podemos verificar a mesma situação com relação a invenção do papel,
que “permitiu o uso de materiais anteriormente reservados à parede,
como a pedra (lapis-mattita) e o carvão (carbone, carboncino)”
(Rudel,1980:20).
Toda técnica apresenta soluções para as mais variadas
necessidades do homem, pois seu objetivo “é definir um processo de
ação que transforma uma saber em ato” (Francastel,1973:80). No caso
do desenho, existe o problema da linha, que representa uma divisão
de planos e a transição desta, no caso de uma superfície curva.
Este problema, que é fundamental na representação do nu e do
panejamento, foi -solucionado, durante muito tempo, com a técnica
de executar “hachuras primeiramente paralelas, depois
entrecruzadas, sem com isso renunciar às primeiras, conforme o caso
e o local; hachuras retas, depois circulares, envolventes como em
Rafael e Michelangelo” (Rudel,1980:21,20). No Renascimento, a
representação do traje ou do nu, não teria sido possível “sem o uso
de meios “novos” como a pedra negra e a sanguina, e depois, pouco a
pouco, o carvão, como se v claramente, desde o fim do século XV,
com Leonardo e Signoreili”.
A matéria condiciona a técnica, mas os materiais
diferentes com as propriedades físicas parecidas “terão
inevitavelmente a mesma manufatura”. Desta maneira “o cobre e a
cortiça, suscetíveis de receber una marca permanente pelo choque de
-139-
una matriz de estamparia, terão por instrumentos de fabricação,
tanto um como o outro, matriz e percussor; o fio de cânhamo, as
fibras de junco, o fio de ferro, se se trata de fazer um tecido por
entrecruzamento, terão todos os três o mesmo esquema técnico”
(Leroy-Gourhan,1971:161).
Por outro lado, o aparecimento de um material que tenha
características diferentes “determina sempre um novo método no
sistema de construção. Seria ingenuidade e pouco lógico construir
uma ponte de aço com os mesmos métodos usados pelos romanos para
construir pontes de pedra” (Gabo,1989:335), pois os objetos que
conservar. “a forma e a destinação antigas são objetos feios (...)
cujos aspectos são determinados pela imitação de velhas fórmulas
inspiradas em antigas necessidades e não em uma vontade razoável de
adaptação a programas e a meios de produção modernos”
(Francastel,1973:53).
A matéria determina não só a ferramenta adequada para
trabalhá-la mas, já que a ferramenta é também um produto feito com
materiais, determina a ferramenta que pode ser feita com ela. Vemos
isto com relação ao martelo, uma das mais importantes ferramentas
de percussão. Mesmo sendo indispensável para “rachar, martelar,
partir, polir, dividir a matéria para a recompor em seguida”
(Leroy-Gourhan,1971:47), seu uso parece ser ignorado até o
paleolítico superior. “A razão principal desta carência de
percussão colocada com percussor prende-se certamente ao fato de
-140-
que o sílex é impróprio para suportar choques violentos sem
quebrar” (Leroy-Gourhan.,1971:51).
A técnica e as ferramentas são determinadas pelos
materiais. Por outro lado, Francastel (1973:54) afirma que existe
uma determinação estética. Quando algum homem primitivo teve a
ideia de arranhar a terra com um gancho, ou pescar com um anzol, ao
dar a estas ferramentas uma forma, “obedeciam a um determinismo
mais amplo que o da simples realização do utensílio sugerido pela
imagem imediata da pesca ou da arrenda com um gancho. A faculdade
de adaptar um objeto ao conjunto das condições de vida de uma época
supunha pois algo mais que a pura técnica”. Na carroceria de um
carro moderno, encontramos “uma quantidade de chapas vazias que ali
estão para responder a necessidades não-mecânicas” que, mesmo
calculadas, “dão margem a uma escolha de possibilidades entre as
quais o homem decide segundo elementos propriamente estéticos”.
A técnica, então, “comporta uma parte de habilidade, de
adaptação, de pesquisa e de escolha dos meios mais conformes à
realização de um esquema geral de utilização prática do objeto, que
não depende senão da arte” que é, para o homem, “um dos caminhos
pelos quais orienta e particulariza a ação de suas mãos. Sem arte,
a técnica seria apenas uma atividade vã; sem a técnica a arte não
passaria de um inútil jogo de sombras” (Francastel,1973: 51,62).
-141-
As técnicas aceitam uma determinação estética mas, por
outro lado, comandam todas as artes - inclusive a pintura em suas
formas aparentemente mais gratuitas pois sabemos que esta, como
todas as artes, é ilusionismo, e que seus meios tal como seus fins
estão ligados a um determinado estado da sociedade, e mais, a um
estado de nossos conhecimentos teóricos e técnicos. A arte em seu
desenvolvimento não tem necessidade antes de mais nada de ideo1ogia
mas de técnica, O homem filosofa depois e não antes de ter agido.
(Francastel,1973).
Apesar desta dependência, existe um pensamento que opõe
estas duas atividades pois “admitir-se-ia com bastante facilidade
que, no mundo moderno, objeto é feio e a arte gratuita”
(Francastel,1973:52) e a “técnica é imperialista o suficiente para,
ao mesmo tempo, negar o fio que a liga com a arte e dizer que a
domina” (Duffrene,1980:167). Isto ocorre de Duas maneiras: “ou a a
técnica reduz a arte a um papel ornamental subordinado, declarando
que ela é exterior e insignificante,...ou a técnica repudia a arte
colocando-se rio lugar daquela”. É o que vemos com a proposta do
funcionalismo, de acordo com a qual o objeto produzido pela técnica
“é belo na medida em que meticulosamente assume sua tecnicidade”
(Duffrene,1980:167).
Francastel (1973:51) descreve dois atos que aparecem
sempre que um grupo de homens procura satisfazer alguma
necessidade: a imitação e a invenção. A primeira desemboca nas
-142-
técnicas, a segunda nas ciências e nas artes. Procurando mostrar a
existência de uma dependência mútua entre a técnica e a arte, ele
afirma que imitação e invenção brotam, por assim dizer do mesmo
ramo da vida das sociedades e que “a pseudo-oposição que se
pretendia estabelecer entre a arte e a técnica, só se justificaria
se a obra de arte fosse o produto da fantasia verdadeiramente
gratuita de um indivíduo, o que é desconhecer absolutamente o papel
da arte”. Mesmo assim, estabelece, uma oposição na qual privilegia
a arte, reservando somente a esta o poder de inventar.
Mas a técnica altera a estrutura social e, com ela, a
arte. Francastel (1973:22) exemplifica, com a técnica da pedra dos
séculos X-XI, que implica “a existência de uma outra tradição e de
um outro segredo que não aquele dos monges”. Esta técnica é, ao
mesmo tempo, “condição e consequência do surto de uma nova classe
de trabalhadores, ligado à independência crescente dos poderes
laicos em relação à igreja”. Isto implica uma transformação
completa do significado e da aparência das obras de arte.
Não existe concordância quanto à maneira de considerar a
técnica na arte. Pode-se afirmar “a autonomia da técnica,
singularizável fora das obras do artista” (Pareyson,1989:127,126),
como uma disciplina “inerente a todo um estilo, quando não a toda
uma arte”. Ou, pelo contrário, afirmar-se “que a técnica diz
-143-
respeito à arte na medida em que se identifica sem resíduo com a
criação, irrepetível e individual como a obra singular e a
possibilidade artística, inseparável da atividade do artista”. A
técnica ainda pode ser entendida como pura habilidade.
Pareyson (1989:129) mostra que a técnica pode ser
entendida na arte como ‘retórica, disciplina ou ofício. Como
retórica, a técnica relaciona-se com “aquelas regras que poderiam
ser chamadas as leis ‘positivas’ da arte ... as quais,
diferentemente das leis naturais que, como as da ótica, da
acústica, da estática são inalteráveis e invioláveis, são, pelo o
resultado de uma legislação histórica e, por isso, mutáveis e
contingentes”. Trata-se das determinações culturais quanto ao uso
de um material, às quais nos referimos anteriormente.
A técnica é uma disciplina, pois “há na arte alguma coisa
que se aprende”, a técnica da arte; existe “para cada arte unia
técnica, transmissível de um artista para outro e separável das
obras individuais: no aprendê-la consiste a disciplina que introduz
à arte” (Pareyson,1989:128).
Por fim, é ofício porque “não há arte sem ofício”. Este
“pode existir sem a arte, enquanto, pelo contrário, a arte não pode
passar sem ele”. Por isto “o artista consegue ser tanto mais
-144-
artista quanto menos se esquece de ser, antes de tudo, um artesão”
(Pareyson,1989:129).
Estas maneiras de entender a técnica tornam-se mais
claras quando vemos que estão relacionadas com o material, pois
“incluem-se nas matérias da arte as retóricas, é diálogo com a
matéria o ofício, está ligada com a matéria a técnica
transmissível” (Pareyson,139:13O,131). Lembrando que a matéria, na
arte, como é “aquela que é tal somente no interior de um ato de
adoção” e, em função de ser a autonomia da matéria afirmada ou não,
a disciplina “pode ser entendida como repetição mecânica ou como
retomada criadora, o ofício pode ser interpretado como repertório
de expedientes, extrínseca conformidade com uma linguagem artística
e supina obediência à matéria ou como aspecto fabril da arte; e a
retórica pode mostrar o aspecto de um código normativo
extrínseco ... ou revelar uma eficácia operativa”.
As regras da arte são diferentes daquelas de outras
atividades humanas porque “enquanto nas outras atividades a regra
se inspira em leis de caráter geral, na arte, pelo contrário, não
há outra lei senão a regra individual”. Faz parte da inventividade
artística a capacidade de inventar precisamente a regra da obra no
próprio ato de fazê-la”. Recuperando-se a eficácia poética das
regras, estas deixam de ser “cânones ou preceitos, fórmulas ou
receitas, mas tornam-se prescrições provocadoras e estimulantes;
-145-
não aparecem mais como constrangedoras, mas como cadeias
voluntárias, indispensáveis para afugentar a facilidade dispersa e
precisar a inspiração”. Podemos, então, tirar da arte precedente
“sugestões para operações novas e inventivas” (Pareyson,1989:130).
Como a técnica é inventada na criação, vemos que não
existem graus de qualidade entre as diversas técnicas pois, em
pintura, diz Venturi, (968:237) “existem tantas técnicas quantas
personalidades de artistas e cada técnica deve ser julgada segundo
a maior ou menor eficácia em revelar a personalidade e não segundo
a sua afinidade com uma outra técnica pela qual se teria uma
preferência arbitrária”. Assim, a técnica de Giotto realizou a sua
arte, a técnica de Rafael realizou a arte de Rafael, o mesmo
ocorrendo com Cézanne, Picasso ou Matisse.
Por outro lado, da mesma maneira que ocorre com o
material, existem determinações culturais que limitam o uso de
certas técnicas. Ao serem usadas na arte, estas são reinventadas.
Picasso usa uma técnica de construção na qual são unidos pedaços de
objetos como num colagem. “O cortar, modelar, e unir elementos de
madeira e outros materiais...supre uma extensão natural do tipo de
processo que emerge da colagem” (Tucker,198:70,60). Suas esculturas
“fazem coisas com o material, processo e assunto que simplesmente
nunca teria existido como possibilidade na escultura anterior”,
oferecendo uma “liberdade potencial, cujas implicações estão ainda
-146-
sendo desenvolvidas. Foi somente devido à Picasso...que se tornou
possível, literalmente ‘fazer’ uma peça de escultura - ou seja,
juntá-la de partes, como um marceneiro faria uma mesa ou uma
cadeira”.
A técnica pode ser inventada na criação porque, para o
artista, à medida em que novos materiais e técnicas vão sendo
admitidas para serem usadas na arte. A técnica é uma virtualidade,
uma possibilidade de uso, “sempre forneceu os meios, mas não passa
de uma virtualidade ou de um processo de aplicação”
(Francastel,1973:3).
Rodin (1990:78) diz que a técnica não pode ser
negligenciada, pois sem ela o artista “nunca atingirá a sua meta,
que é a interpretação do sentimento, da ideia. Um artista assim
estaria como um cavaleiro que esquecesse de dar aveia a sua
montaria”, mas “sem dúvida a técnica é apenas um meio”. A mesma
afirmação pode ser encontrada numa Carta de Cézanne a Émile Bernard
(1988:19), na qual este diz acreditar “no desenvolvimento lógico do
que vemos e sentimos através do estudo direto da natureza, sob pena
de ter de me preocupar depois com os procedimentos; os
procedimentos, para nós, nada mais são que simples meios de levar o
público a sentir o que nós mesmos sentimos”.
A afirmação de Francastel (1973:54) de que, num objeto
atual ou de ontem, “encontram-se expressas sensações e
-147-
encaminhamentos lógicos dos quais a técnica é a sugestão e o meio
mas não a origem exclusiva”, traz uma pergunta: se a técnica só
sugere, que é que determina que esta sugestão seja aceita? Mais uma
vez, encontramos a resposta na intenção do artista.
Assim como a matéria, a técnica determina as intenções,
as só no sentido em que exige uma intenção adequada às suas
possibilidades. A técnica serve a esta intenção. No caso do
Impressionismo, por exemplo, “algumas soluções manuais do passado
possuem afinidades exteriores com ele”. Trata-se, entretanto, de
elementos de feitura inseridos em contextos inteiramente
diferentes. Nunca antes de Monet havia sido concebida a ideia. de
fundar a representação integral do mundo na decomposição em cores
puras da luz” (Francastel,1973:207). Temos, então, técnica
similares servindo a intenções diferentes.
A intenção de Cézanne faz com que este use a técnica
impressionista mas de uma maneira diferente, procurando “não mais
registrar a dissolução da forma na luz mas descobrir o jogo de
ambiguidade que concilia o interesse dado à forma e aquele dado à
luz - seja aprofundando a técnica da nuancia, seja justapondo um
certo grafismo ao luminismo puro” (Francastel,1973:210).
As técnicas surgem para resolver os mais diversos
problemas que, entretanto, “não se impõem ao artista, mas é ele
quem sabe fazê-los nascer da matéria que lhe foi entregue pela
tradição; a técnica, de per si, só forma o artesão, mas é o artista
-148-
quem sabe torná-la capaz de mostrar a arte” (Pareyson,1989:124). Em
outras palavras, o artista, com uma intenção, ao agir sobre a
matéria, percebe os problemas técnicos que deve resolver.
A arte é inseparável da técnica, mas distingue-se desta.
Mostramos antes que, para Francastel (1973:80), a técnica tem o
objetivo de “definir um processo de ação que transforma um saber em
ato”, um método para agir. O objetivo da arte, entretanto, é
diferente, “visa definir um poder - suscetível de se transformar a
seguir em ato através de uma técnica”. Se, por um lado, só
penetramos na imaginação do artista porque “na medida em que o
artista materializou seu projeto”, por outro, “o que constitui a
realidade da Arte é, não o instrumento e o objeto que servem para a
apresentação, mas o esquema de ação que possui, naturalmente,
características estruturais” (Francastel:1973:81).
A técnica pode ter uma origem externa à atividade
artística, passando para o interior desta quando serve aos
objetivos artísticos, diferentes daqueles aos quais era
originalmente destinada, pois “qualquer melhoramento técnico, para
se tornar uma realidade artística deve previamente ser libertado de
seu automatismo” (Lotman,1978:32). A arte “passa a ser Arte
verdadeiramente apenas quando submete a técnica, única a
permitir-lhe manifestar-se, a finalidades que se situam, não no
-149-
real mas no imaginário. Mais do que qualquer outra atividade humana
ela é a dialética do real e do imaginário”.
O aparecimento do cinematógrafo ilustra bem esta questão.
Como técnica, logo se esgotaria “sem o apoio da fantasia ou, mais
exatamente, da arte, que veio oferecer-lhe programas para
preencher” (Francastel,1973:55). Precisou da fantasia de um artista
que mostrasse suas possibilidades através de uma intenção estética.
“Se o cinema não tivesse encontrado uma forma e se tivesse
permanecido como uma máquina de reproduzir o movimento, não teria
ganho na sociedade contemporânea a importância atual”
(Francastel,1973:55).
A relação entre arte e técnica é marcada pela
complexidade: a arte deve submeter a técnica, mas esta determina a
arte. Não só a técnica usada na produção artística determina a
arte, como podemos ver com o fato de as inovações técnicas trazerem
mudanças na percepção. Temos um bom exemplo disto com o
aparecimento da primeira versão viável da locomotiva, criada em
1825 por George Stephenson. “Seu impacto sobre a vida econômica foi
menor que o exercido nas consciências e nos hábitos de percepção
visual” (Ramirez,1976:53).
As ferrovias, cortando a paisagem mudaram-na
concretamente, porém, nos interessam mais as alterações perceptivas
que ocorrem durante uma viagem de trem, Estas foram relatadas por
Edward Stariley que reparou numa “nova relação tempo-percepção”,
-150-
exigindo que “a percepção dos objetos vistos da janela devia ser
instantânea”. Como consequência, “já não era possível nem desejável
“ler” os quadros e desenhos com a mesma deleitação e minuciosidade
com que se fazia no passado” (Ramirez,1976:54). A percepção passa a
ser impressionista. A locomotiva cria com suas linhas um novo meio.
“Este novo “meio natural” foi refletido por ilustradores populares
e por desenhistas a serviço das companhias ferroviárias. Em outros
casos, o impacto da locomotiva se acusava não só no tema, mas
também no tratamento “formal” que traduz o impulso da máquina e
essa exigência de instantaneidade perceptiva a que nos referimos
antes”.
Mostramos, anteriormente, que a criação ocorre em função
de muitos fatores, entre eles a percepção, desta maneira, a mudança
na percepção permite a criação de uma nova forma representativa. A
instantaneidade da percepção propiciada pela locomotiva pode ser
vista na pintura exposta por Turner em 1844, Chuva, vapor e
velocidade que é, “a nosso ver, um dos manifestos chave das
repercussões que a era da ferrovia teve na produção imaginária”
(Ramirez,1976:54). Uma técnica de transporte, mesmo indiretamente,
pode então, determinar a arte.
-152-
Concluiremos mostrando exemplos nos quais são retomados
os princípios norteadores deste trabalho. Afirmamos que a matéria
determina a obra de arte, mas esta determinação deve ser entendida
como uma tendência. Além disso, se a matéria determina a obra, a
ferramenta e a técnica, é determinada pela intenção do artista que,
por sua vez pode mudar durante o processo.
A influência do material pode ser reconhecida na seleção
dos meios com os quais executaremos uma obra. Se existem matérias
que se adequam melhor a uma certas ideias, o contrário também é
verdadeiro e, assim, escolhemos um material em função de uma
vontade artística, ou temos uma ideia em função dos materiais. Não
é outro o motivo de, entre os vários meios possíveis ser um o
escolhido.
Quando trabalhamos com formas tridimensionais a
influência do material é ainda maior. Por isto verificaremos as
duas manerias como Jules Struppeck trata o terna de sua escultura:
“Os Secretários do Clã” (Fig. 13 e 14). Estas peças mostram, numa
composição espiralada, três formas, que podem ser identificadas
como seguidores da Ka-Klux-Klan, curvadas sobre uma cruz. Ele
executou duas versões: uma em argila e outra em madeira.
O termo plástico, vem do grego plastikós, relativo às
dobras da argila, e do latim plastico, que modela; podendo
significar também a propriedade de adquirir uma forma. Neste
sentido, “a argila é o material plástico no sentido literal, o que
-153-
significa, sem dúvida, que qualquer forma pode lhe ser imposta”
(Scott,1975:165).
Como dissemos anteriormente, é a constituição natural de
um material que caracteriza suas limitações físicas. A quantidade
de água, conferindo plasticidade à argila, limita as opções
formais, pois até que esta seque, “somente um volume limitado pode
sustentar-se sem um esqueleto interior’. Pare que o forma
mantenha-se fisicamente estável, a natureza do material, “requer
que o volume da massa esteja dentro da base de sustentação. Ainda
assim, a massa não pode acumular-se demasiadamente sem que o peso
da parte superior deforme a argila da inferior” (Scott,1975:165).
Estas exigências fazem com que o cone e a pirâmide sejam
“a expressão lógica destas obras. Se deixamos cair areia de nossa
mão, de acumulará em forma cônica. Se raspamos as bordas da base do
cone e formamos linhas retas, resultará uma pirâmide.” Apesar de a
coesão da argila ser muito maior que da areia, em ambas “atuam as
mesmas forças” (Scott,1975:165).
Embora seja possível utilizar armações de madeira ou de
metal para para vencer as limitações deste material, se quisermos
cozer a argila, “a argila interior e a armação devem ser retiradas
quando a superfície secou o suficiente para suster-se por si
mesma”, pois a forma deve ser oca, tendo uma parede delgada. caso
contrário o peça quebrará durante o cozimento.
-154-
Tecnicamente, podemos obter uma peça de argila
modelando-a ou usando o torno. Este último permite a execução de
peças cilíndricas e ocas. “Com o outro método, se constrói a forma
maciça, com ou sem armação, e se escava. Em ambos casos, deve
conceber-se a forma de acordo com as limitações materiais e
técnicas” (Scott,1975: 165).
A peça a que nos referimos possui um volume cônico, “não
existem forma dispersas, sem sustentação ... Existem penetrações
através da massa, mas os volumes separados mantém a estabilidade
por contato e entrelaçamento. Embora esta seja uma forma que revela
grande imaginação e expressão plena, segue, não obstante,
organicamente da argila” (Scott,1975:166)
Afirmamos anteriormente que matéria determina a técnica
têm limitações e potencializardes. Isto é confirmado por Scott
(1975:167) pois, com a madeira, “tando o material como a técnica
apresentam uma série distinta de limitações e potencialidades
expressivas”.
A argila exige um método construtivo que constitui em
retirar ou acrescentar matéria ou ainda, modelar. Para modelar a
argila, não é necessário nenhuma ferramenta além das mãos, mas a
madeira exige ferramentas de corte, pois a ação adequada a este
material é a de entalhar, “de liberar a forma que se imaginou no
bloco” (Scott,1975:167). Neste trabalho, a direção das veias da
-155-
maneira restringem as possibilidades de corte, influenciando a
forma que pode ser obtida com este material.
A diferença entre estes dois materiais evidencia-se
quando reparamos nas formas redondas das duas versões da escultura.
As formas redondas da terracota parecem cones e cilindros, enquanto
a madeira apresenta planos com vértices desinibidos. “Estes planos,
ângulos e bordas são formas naturais da madeira e também o são os
sutis movimentos convexos e côncavos dos planos” (Scott,1975:167).
Estes movimentos são facilmente alcançados na argila porém, os
planos não são formas que brotam naturalmente deste material.
Desta maneira, “apesar de que em ambas composições a
ideia é a mesma; apesar de que suas qualidades expressivas são
peculiares, a forma total e cada componente separado diferem,
porque se projetam com meios distintos” (Scott,1975:166).
Lipchits (1960:160), disse que não está interessado nos
materiais: “Imaginemos que Rembrandt se encontrasse na rua sem
papel, pincéis, pigmentos ou tinta e subitamente desejasse fazer
desenho. Somente com uma parede branca, a sarjeta suja e seus dedos
ele seria capaz de fazer um desejo que se tornasse ouro puro -Das
voce pode imaginar alguém mais pondo seus dedos em ouro puro e
fazer unir desenho que se tornasse pura sujeira”. Mas sem dúvida as
características da parede, da água suja e do ouro impregnariam a
obra.
-173-
ALBERTI, Leon Batista. Da pintura. Campinas, Editora da Unicamp, 1989,160p.
ALMEDER, R. F. Peirce's theory of perception. Transactions of C.S. Peirce Society, 2 (6): 99-110, 1970.
ANDRADE, Mario de. Do desenho, In: Aspectos das Artes Plásticas noBrasil. Obras Completas. Vol. 12. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1965, p.69-77.
APPOLINAIRE, Guillaume.' Os Pintores' Cubistas. In: CHIPP, Herschell Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo, Livraria Martins FontEs Editora, 1988~ p.222-251.
ARNHEIN, Rudolf. El pensamiento visual. 2. ed. Buenos Ayres, Eudeba, 1973, 344p.
ARNHEIN, Rudolf. El Guernica de Picasso - Génesis de una pintura. Barcelona, Gustavo Gilli, 1976, 158p.
ARNHEIN, Rudolf. Arte e percepção visual. São Paulo, Livraria piOneira editora/Edusp, 1980, 504p.
ARNHEIN, Rudolf. Intuição e intelecto na arte. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1989, 344p.
BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios da vontade.Ensaio sobre aimaginação das forças. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora,1991, 318p.
BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. In: BACHELLARD,Gaston Os Pensadores. (Org. José A. Motta Pessanha). São Paulo, Editora AbrilCultural, 1978, p.181-345.
BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. 2.ed. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1986, 202p.
BACHELARD, Gaston. A Poética do Devaneio. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1988, 206p.
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. Ensaio sobre a imaginação damatéria. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1989, 202p.
BACKTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo,Huc1tec, 1798, 182p.
BALÁZS, Béla. O Homem visível. In: XAVIER, Ismail. A Experiência Cinema. 2.ed. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1991, p.77-83
-174-
BATTCOCK, Gregory. A Nova Arte. 2.ed. São PaulO, Editora Perspectiva, 1986, 288p.
BENJM4IN, Walter. A Obra de Arte na era da sua Reprodutibilidade Mecânica. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro, Editora Saga, 1969, p.207-238.
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1985, p.253.
BENJAMIN, Walter. Pequena história da Fotografia. In: Walter Benjamin. Coleção sociologia. São Paulo, Editora Ática, 1985, p.219-240.
BENJAMIN, Walter.Cleção organizada por Flávio R. Korthe. São Paulo,Editora Ática, 1985, p 256.
BERNSTEIN, R. J. Peirce's theory of perception. Journall of Semiotics, 2: 165-189, p.964.
BHATHACHARYA, Nikhil. A Picture and a Thousand of Words. Semiotica,52 (3/4):213-246, 1984.
BRAQUE, Georges. Observações sobre o método. In: CHIPP, Herschel Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1988, p.265-266.
BRAQUE, Georges. Pensamentos e reflexões sobre a arte. In: CHIPP, Herschel Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1988, p.265-266.
CAZA, Michel. Tecnicas de Serigrafia. Barcelona, Editorial Blume,1967, 356p.
CEZANNE, Paul. Correspondências. Reunidas e Organizadas por John Rewald. Buenos Ayres, El Ateneo, 1948.
CEZANNE, Paul. Carta a Émile Bernard. In: CHIPP, Herschell Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1988, p.19.
CHIPP, Hershel Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1988, 676p.
COELHO NETO, José Teixeira. Semiótica, Informação e Comunicação. São Paulo, Editora Perspectiva, 1983, 222p.
-175-
COLLAPIETRO, Vincent. Sonhos: o material de que são feitos os significados. Face. g: 123-41, Jan/Jun
DENIS, Maurice. Definição do Neo-Tradicionismo. In: CHIPP, HerschelBrowning. Torias da arte moderna. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1988, p.90-96.
DUFRENE, Mikel. Arte and technology: Alienation or Survival? In: The Mith of information: technolo and ostindustrial culture. Madison, Coda Press, 1980, p.165-170.
EDWARDS, Betty. Desenhando com o lado direito do cérebro. São Paulo, Tecnoprint, 1984, 214p.
EINSEINSTEIN, Sergei. A Forma do filme. Rio de Janeiro, Jorge ZaharEditor, 1990, 228p.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. São Paulo, Editora Hucitec, 1985, 92p.
FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa. São Paulo, Editora Perspectiva/EDUSP, 1973, 450p.
FREUD, Sigmund. O tema dos três Escrínios. In: Edição Standard Brasileira. Vol.12, Rio de Janeiro, Editora Imago, 1969, p.363-379.
FREUD, Sigmund. Leonardo da Vinci e uma lembança de sua Infância. In: Edição Standard Brasileira. Vol.11. Rio de Janeiro, Editora Imago, 1970, p.53-124.
FREUD, Sigmund. O Moisés de Michelangelo. In: Edição Standard Brasileira. Vol.13. Rio de Janeiro, Editora Imago, 1972b, p.349-380
FREUD, Sigmund. Tipos Psicopáticos no Palco. Edição Standard Brasileira. Vol.7. Rio de Janeiro, Editora Imago, 1972a, p.317-327.
FREUD, Sigmund. Alguns tipos de caráter encontrados no trabalhos psicanalítico. Edição Standard Brasileira. . Vol.14. Rio de Janeiro, Editora Imago, 1974b, p.349-377.
FREUD, Sigmund. Dostoiewsky e o Parricídio. Edição Standard Brasileira. Vol.21. Rio Janeiro, Editora Imago, 1974d, p.201-223.
FREUD, Sigmund. O Humor. Edição Standard Brasileira Vol.21. Rio de Janeiro, Editora Imago, 1974c, p.187-194.
FREUD, Sigmund. O Prêmio Goethe. Edição Standard Brasileira. Vol.21. Rio de Janeiro, Editora Imago, 1974e, p.237-245.
-176-
FREUD, Sigmund. Sobre a Transitoriedade. Edição Standard Brasileira. Vol.14. Rio Janeiro, Editora Imago, 1974a, p.343-348.
FREUD, Sigmund. Delírios e Sonhos na "Gradiva" de Jensen.Edição Standard Brasileira. Vol.9. Rio de Janeiro, Editora 1976a, p.11-98.
FREUD, Sigmund. Escritores Criativos e Devaneio. Edição Standard Brasileira. Vol.9. Rio de Janeiro, Editora Imago, 1976b, p.145-158.
FREUD, Sigmund. O "Estranho". Edição Standard Brasileira. Vol.17. Rio de Janeiro, Editora Imago, 1976d, p.271-314.
FREUD, Sigmund. Uma Neurose Demoníaca no Século XVII. Edição Standard Brasileira. Vol.19. Rio de Janeiro, Editora Imago, 1976e, p.85-133.
FREUD, Sigmund. Uma Recordação da Infância de "Dichtung und Wahrheit". Edição Standard Brasileira. Vol.17. Rio de Janeiro, Editora Imago, 1976c, p.181-195.
GABO, Naum. Escultura: a talha e a construção do espaço.CHIPP, Herschel Browning. Torias da arte moderna.São Paulo Livraria Martins Fontes Editora, 1988, p.334-341.
GAUGUIN, Paul. Carta à Daniel de Monfried. In: CHIPP, Herschel Browning. Terias da arte moderna. São Martins Paulo, Livraria Fontes Editora, 1988, p.66-69.
GIBSON, James. J. La percepción del mundo visual. Buenos Ayres, Ediciones infinito, 1974, p.320.
GOMBRICH, E. H. Arte, percepción e Realidad. Barcelona, Paidós,1983.
GOMBRICH, E. H. Arte e Ilusão. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1986, 384p.
GOSSEN, E. C. A Tela Grande. ,In: BATTCOCK, Gregory. A Nova Arte. 2.ed. São Paulo, Editora Perspectiva, 1986, p.85-106.
GREENBERG, Clement. A Pintura Moderna. In: BATCOCK, Gregory. A novaArte. 2.ed. São Paulo, Editora Perspectiva, 1986, p.95-112.
IBRI, Ivo Assad. Kósmos Noetós A arquitetura metafísica de Charles Sanders Peirce. São Paulo, 1986. (Dissertação de Mestrado - PUC).
-177-
IRVINS Jr., W.. Imagem Impressa y Conocimiento. Barcelona, Editorial Gustavo Gilli, 1975, 234p.
JUNG, C. G. O espírito na arte e na ciência. 2.ed. Petrópolis, Editora Vozes, 1987, 140p.
KANDISNKY, Wassily. Sobre a questão da forma. In: CHIPP, Herschel Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1988, p.154-170.
KEPES, Gyorgy. El lenguage de la visión. Buenos Ayres, Ediciones Infinito, 1969, 302p.;
KOFFKA, Kurt. Principios de psicologia da gestalt. São Paulo, Cultrix, 1975, 704p.
LAURENTIS, Paulo. A holarquia do pensamento Artístico. São Paulo, 1988. (Dissertação de Mestrado - PUC).
LEROY-GOURNHAN, Andre. L'ome et la Matière. 2.ed. Paris, Albin Michel, 1943, 348p.
LIMA, Luis Costa. Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro,Editora Saga, 1969, 338p.
LIPCHITZ, Jacques. Entrevista. In: KUH, Katharine. The Artist's Voice. New York, Harper and Row~ 1960. p.155-170.
LIPPARDI, Lucy. A Arte Pop. Lisboa, Editora Verbo, 1973, p.240.
LOTMAn, Yuri. Estética e semiotica do cinema. Lisboa, Editorial Estampa, 1978, 181p.
LOUREIRO, Ines Rosa Bianca Acerca do procedimento freudiano na análise de produções literárias. São Paulo, 1990. (Trabalho de Iniciação científica - PUC).
LOWENFELD, Victor. Desenvolvimento da Capacidade Criadora. São Paulo, Editora Mestre Jou, 1977, 446p.
LYOTARD, Jean Francois. O Pós Moderno. Rio de Janeiro, José OlimpioEditora, 1988.
MATISSE, Henri. Notas de um Pintor. In: CHIPP, Herschel Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1988, p.126-133.
-178-
MCHALE, John. Evolución de las Herramientas. Cuadernos Suma-Nueva Visión. 1 (11): 15-27, 1968.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação de massa como extenções do homem. 4.ed. 408p. São Paulo, Editora Cultrix, como 197?
MIDGLEY, Barry. Guia Completa de Escultura Modelado y Ceraminca. Tecnicas y Materiais. Madrid, Hermam Blume Ediciones, 1982, 222p.
MOHOLY-NAGY ,Lazlo. Nueva Visión. Infinito, 1963, p.190. Buenos Ayres, Ediciones
NIKOLAIDES, Kimon. The natural way to draw. Boston, Houghton Mifflin Company, 1969, 222p.
OSTROVER, Fayga. Criatividade e os processos de Criação. 2.ed. Petrópolis, Editora Vozes, 1977, 188p.
PAREYSON, LUIGI. Os problemas da estética. 2ed. São Paulo Editora Livraria Martins Fontes Editora, 1989, 180p.
PEIRCE, Charles Sanders. Colected Papers of Peirce. Edicted. by Charles Hardshorne and Paul Weiss. Cambridge, Massachussetts, The Belknap University Press, .1931, Vol. 1 e 2.
PEIRCE, Charles Sanders. Colected Papers of Peirce. Edicted. by Charles Hardshorne and Paul Weiss. Cambridge, Massachussetts, The Belknap University Press, .1933, Vol. 3 e 4.
PEIRCE, Charles Sanders. Colected Papers of Peirce. Edicted. by Charles Hardshorne and Paul Weiss. Cambridge, Massachussetts, The Belknap University Press, .1934-1935, Vol. 5 e 6.
PEIRCE, Charles Sanders. Colected Papers of Peirce. Edicted. by Charles Hardshorne and Paul Weiss. Cambridge, Massachussetts, The Belknap University Press, .1958, Vol. 7 e 8.
PEIRCE, Charles Sanders. Escritos Coligidos. In: Os pensadores Peirce e"Frege, São Paulo, Abril Cultural, 1974. p.7-199.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. São Paulo, Cultrix/Edusp, 1975, 164p.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Editora perspectiva, 1977, 337p.SãoPaulo,
PEIRCE, Charles Sanders. Writings of Chronological Edition. Bloomington Indiana University Press 1967-1971, Vol. 2.
-179-
PIERANTONNI, Ruggero. EI Ojo y Ia Idea. Fisiologia e estética de lavisión. Buenos Ayres, Paidós, 1984, 202p.
PESSANHA, Carlos Alberto Motta. Bachelard: as asas da imaginação. Introdução. In: BACHELARD, Gaston, O direito de Sonhar, 2.ed. São Paulo, Difel, 1986, p.5-31.
PICASSO, Pablo. Conversação. In: CHIPP, Herschet Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1988. p.270-277.
PICASSO, Pablo. Declaração. In: CHIPP, Hershel Browi1ing. Teorias da Arte Moderna. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1988, p.266-270.
PIGNATTI, Terisio. O desenho de altamira a Picasso. São Paulo, Editora Abril Cultural, 1982, 398p.
PIRENNE, M. H. Óptica, perspectiva y visión. Buenos Ayres, Editorial Victor Leru, 1974, 228p.
PLAZA, Julio. Videografia em vídeo-texto. São Paulo, 1983 (Dissertaçaõ de Mestrado - PUC).
PLAZA, Julio. Tradução Intersemiótica. São Paulo, Editora Perspectiva, 1987, p~218.
RAMÍRES, Juan Antonio. Médios de Massa e Historia del Arte. Madrid,Ediciones Cátedra, 1976, 324p.
RANSDELL, Joseph. Some leading ideas of Peirce's semiotics. Semiotica, 19 (3/4): 157-178, 1979.
RANSDELL, Joseph. Semiotic Objectivity. Semiotica, 19 (3/4): 261-288, 1979.
RANSDELL, Joseph. Peircean Semiotic. Não publicado. Cópia xerox da primeira versão cedida à Maria L. Santaella, 1983.
READ, Herbert. The Arte of Sculpture. 2.ed. Princeton, Princeton University Press, 1977, 123p.
RODIN, Auguste. A Arte. Conversas com Paul Gsell. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1990, 194p.
RUDEL, Jean. A técnica do Desenho. São Paulo, Zahar Editores, 1980,108p.
-180-
SALLES, Cecilia Almeida. Artistic process of creation as a process of final causation. No prelo, 1991.
SALLES, Cecília Almeida. O conceito de criação na teoria peircana. Manuscrítica. 2: 99-106.
SALLES, Cecília Almeida. Uma criação em processo. Ignácio de LoyolaBrandão e "Não verás pais nenhum". São Paulo, 1990. (Tese de Doutorado - PUC).
SALLES, Cecília Almeida. A forma do Conteúdo e o conteúdo da forma.No prelo, 1991.
SANTAELLA BRAGA, Maria Lucia. For a classificatjon of visual signs.Semiotica. 70: 59-78, 1988
SANTAELLA BRAGA, Maria Lucia. Semiótica, da teoria à prática; In: Anais do 1º Cong. Luso-Brasileiro de Semiótica. 1986, p.179-187.
SANTAELLA BRAGA, Maria Lucia. Dialogismo (M. M. Bhakitine e Ch. S. Peirce: semelhanças e diferenças). Cruzeiro Semiótico. Jan/85 1985.
SAVAN, D. Peirce's Semiotic theory of emotion. In: Proceedings of C. S. Peirce Bicentenial Int. Congress, 1981, p.319-333.
SCOTT, FRANCES W. Process from de Peircean point of view: some aplications to arte American Journal of Semiotics, 2 (1/2): 157-174, 1983.
SCOTT, Robert Guillen. Fundamentos del Diseño. 9.ed. Buenos Ayres, Victor Leru, 1975, 190p.
SIMONDON, Gilbert. Du mode d'existence des objects techniques. Paris, Aubier-Montaigne, 1969, 270p.
SOGABE, Milton. Material Y Material, 1990, (Disertação de Mestrado - PUC)
TUCKER, Willian. The Lenguage of Sculpture. London, Thames and Hudson, 1988, 174p.
VAN GOGH, Vincent. Carta à Émile Bernard. In: CHIPP, Herschell Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1988, p.28-29.
VENTURI, Lionello. Para “Compreender a Pintura Moderna: de Giotto aChagall. Lisboa, Editorial Estudios Cor,1968, 254p.