Desafios da reabilitação urbana no processo de planeamento: o património esquecido das aldeias...

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AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013 323 Desafios da reabilitação urbana no processo de planeamento: o património esquecido das aldeias Avieiras Ana Lídia Virtudes 1 Filipa Almeida 2 Universidade da Beira Interior (Portugal) Vários factores justificam a existência de assentamentos urbanos junto aos rios. A morfologia urbana é muitas vezes herdada da paisagem fluvial. A palafita sobre a água é uma das mais antigas tipologias da arquitectura vernácula, cuja origem e permanência pode ser entendida através de uma viagem à volta do mundo e através do tempo. As aldeias palafíticas Avieiras do rio Tejo expressam tanto a diversidade ecológica associada ao rio, como a diversidade cultural associada ao espaço urbano, sendo testemunhos de uma longa história de geografias comuns. Os assentamentos urbanos originais foram construídos pela comunidade piscatória proveniente da costa Atlântica, a partir de meados do século XIX e são parte de um fenómeno internacional, da acção do Homem face a condições adversas de sobrevivência, num forte espírito de resistência e perseverança na ligação ao rio. A morfologia urbana das aldeias Avieiras apresenta uma ou duas filas paralelas de casas, com variações em termos de dimensões do assentamento urbano, implantação do edificado e localização face ao rio. O acesso à aldeia faz-se por um ou mais cais de madeira, que varia de tamanho. Relatos da década de 1940 identificaram 80 aldeias Avieiras. Ainda assim, uma grande parte deste património; de grande valor paisagístico e diversidade funcional; é praticamente desconhecida ou quase desapareceu. Este artigo tem como objectivo reflectir sobre a reabilitação urbana das aldeias Avieiras do Tejo no contexto do processo de planeamento urbanístico, nomeadamente dos planos municipais de ordenamento do território. Several factors justify the existence of settlements near the rivers. The urban morphology is often inherited from the fluvial landscape. The stilt-house built by the waterside is one of the most ancient typologies of vernacular architecture, whose origin and permanency are understood by a journey across the world and time. The Avieiras stilt-house villages of the Tagus River express both an ecological and an urban space-cultural diversity and they are the testimony of a long history of common geographies. The original settlements were built by the fishing community coming from the Atlantic coast, at the beginning of the 19th century and are part of larger international phenomena, the action of men in a face of adverse conditions of survival, in a strong spirit of resistance and perseverance with strong bonds with the river. The urban morphology of the Avieiras villages features one or two parallel rows of houses with variations in terms of dimensions of the settlement, in terms of the localization of housing parts and in terms of localization in face of the river. The access to it was by one or more wooden pontoons which varied in size. Reports from the 1940s identified 80 Avieiras villages. A great part of this heritage; with a great scenic value and functional diversity; is practically unknown or has almost disappeared. 1 Professora auxiliar, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura - Universidade da Beira Interior – COVILHÃ (investigadora do Centro de Estudos Arnaldo Araújo, Porto e do C-Made, Centre of Materials and Building Technologies, DECA-UBI). 2 Doutoranda em Arquitectura, Universidade da Beira Interior.

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Desafios da reabilitação urbana no processo de planeamento:

o património esquecido das aldeias Avieiras

Ana Lídia Virtudes1

Filipa Almeida2

Universidade da Beira Interior (Portugal)

Vários factores justificam a existência de assentamentos urbanos junto aos rios. A morfologia urbana é muitas vezes herdada da paisagem fluvial. A palafita sobre a água é uma das mais antigas tipologias da arquitectura vernácula, cuja origem e permanência pode ser entendida através de uma viagem à volta do mundo e através do tempo. As aldeias palafíticas Avieiras do rio Tejo expressam tanto a diversidade ecológica associada ao rio, como a diversidade cultural associada ao espaço urbano, sendo testemunhos de uma longa história de geografias comuns. Os assentamentos urbanos originais foram construídos pela comunidade piscatória proveniente da costa Atlântica, a partir de meados do século XIX e são parte de um fenómeno internacional, da acção do Homem face a condições adversas de sobrevivência, num forte espírito de resistência e perseverança na ligação ao rio. A morfologia urbana das aldeias Avieiras apresenta uma ou duas filas paralelas de casas, com variações em termos de dimensões do assentamento urbano, implantação do edificado e localização face ao rio. O acesso à aldeia faz-se por um ou mais cais de madeira, que varia de tamanho. Relatos da década de 1940 identificaram 80 aldeias Avieiras. Ainda assim, uma grande parte deste património; de grande valor paisagístico e diversidade funcional; é praticamente desconhecida ou quase desapareceu. Este artigo tem como objectivo reflectir sobre a reabilitação urbana das aldeias Avieiras do Tejo no contexto do processo de planeamento urbanístico, nomeadamente dos planos municipais de ordenamento do território. Several factors justify the existence of settlements near the rivers. The urban morphology is often inherited from the fluvial landscape. The stilt-house built by the waterside is one of the most ancient typologies of vernacular architecture, whose origin and permanency are understood by a journey across the world and time. The Avieiras stilt-house villages of the Tagus River express both an ecological and an urban space-cultural diversity and they are the testimony of a long history of common geographies. The original settlements were built by the fishing community coming from the Atlantic coast, at the beginning of the 19th century and are part of larger international phenomena, the action of men in a face of adverse conditions of survival, in a strong spirit of resistance and perseverance with strong bonds with the river. The urban morphology of the Avieiras villages features one or two parallel rows of houses with variations in terms of dimensions of the settlement, in terms of the localization of housing parts and in terms of localization in face of the river. The access to it was by one or more wooden pontoons which varied in size. Reports from the 1940s identified 80 Avieiras villages. A great part of this heritage; with a great scenic value and functional diversity; is practically unknown or has almost disappeared.

1 Professora auxiliar, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura - Universidade da Beira Interior –

COVILHÃ (investigadora do Centro de Estudos Arnaldo Araújo, Porto e do C-Made, Centre of Materials and Building Technologies, DECA-UBI). 2 Doutoranda em Arquitectura, Universidade da Beira Interior.

RENOVAÇÃO URBANA, MEMÓRIA E TEMÁTIZAÇÃO

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This paper aims to analyse the urban rehabilitation of Avieiras stilt-house villages of the Tagus in the context of town planning process, in particular the municipal plans. Palavras–chave: Reabilitação urbana, planeamento urbanístico, aldeias Avieiras. Key-words: Urban rehabilitation, town planning, stilt-house villages.

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1. LIGAÇÃO DOS ESPAÇOS URBANOS AOS RIOS

Em todo o mundo, variadas razões que se prendem com a defesa, o comércio, as

comunicações, o aproveitamento do recurso água ou a sobrevivência, justificam a

fixação de assentamentos urbanos junto a linhas de água. A morfologia urbana destes

lugares é frequentemente herdada da paisagem fluvial.

A importância dos vales do Nilo ou do Danúbio e os sucessivos movimentos

populacionais que os percorreram deixaram marcas de assentamentos urbanos ao longo

das suas margens. Assim, as planícies aluviais desenham paisagens de longos

corredores e relacionam territórios muito diversos com diferentes recursos e

possibilidades de ocupação humana.

Os sistemas territoriais constituídos pelo binómio espaço urbano – rio, apresentam

elevada complexidade e são especialmente sensíveis. Este facto exige que a preservação

da sua coerência respeite a diversidade e a qualidade das interacções que se estabelecem

não só entre o rio e o espaço urbano mas também com a população que constitui as

comunidades locais.

Os aglomerados urbanos ribeirinhos proporcionam condições especiais quer em termos

de acessibilidades diversificadas, resultantes da navegabilidade e da acostagem, quer em

termos de contacto entre a malha urbana e a presença da água. Consequentemente,

carecem de um equilíbrio entre o carácter natural da linha de água e o carácter artificial

do assentamento urbano.

Entre outros factores, a atractividade pelas grandes cidades, foi deixando para trás

pequenas aldeias do espaço rural, cujas origens remetem à presença do rio, como sejam

as aldeias Avieiras do Tejo. Ainda que o valor estético das margens urbanas em

territórios rurais possa constituir um tema apelativo, estes pequenos aglomerados

urbanos, vetustos e disfuncionais, tornam urgente a preservação do património que os

constitui, colmatando o entendimento destes tipos de paisagem como meros cenários

sobre os quais a memória do passado se sintetiza numa abordagem pitoresca. Não se

pretende que constituam paisagens esvaziadas da sociedade e da economia locais ou

meros wallpapers mas, recursos infindáveis de emoções e experiências inesquecíveis,

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motivadores de intervenções variadas que justifiquem a sua sobrevivência e

enquadramento na sociedade actual. Neste âmbito, compete aos agentes do processo de

planeamento, nomeadamente aos Municípios, um papel decisivo na definição de

propostas de reabilitação urbana das aldeias Avieiras, inseridas numa praxis permanente

e contínua de qualificação destes territórios.

O que pode influenciar a reabilitação urbana das aldeias Avieiras no contexto dos

instrumentos de gestão territorial; ou seja; do processo de planeamento? É a questão de

partida, acerca da qual se pretende reflectir nesta comunicação.

2. ORIGEM E IMPORTÂNCIA DAS ALDEIAS AVIEIRAS DO RIO TEJO

As aldeias Avieiras das margens do rio Tejo, caracterizam-se pelo binómio rio -

diversidade ecológica / espaço urbano - diversidade cultural e testemunham a longa

história de geografias comuns e de relações de convivência entre ambos, cujas origens

se cruzam.

Avieiros é o nome atribuído aos pescadores da Vieira de Leiria que, devido a condições

físicas e económicas adversas agravadas no Inverno, foram trocando a pesca do mar

pela faina no rio. Aventuraram-se no Tejo, abundante em espécies lucrativas como o

sável e foram-se fixando na Lezíria em busca de melhores condições de vida. São

escassas as certezas quanto ao início destas migrações. Contudo, poder-se-á referir

tratar-se de um dos mais assinaláveis movimentos migratórios internos em Portugal da

segunda metade do século XIX, que deixou na paisagem elementos marcantes: a

arquitectura da casa palafítica e a morfologia urbana da ligação ao rio.

O carácter persistente dos assentamentos urbanos, a presença do rio e a arquitectura

precária e efémera das construções em madeira assentes em estacas, resultaram num

património único, ora mais preservado (como os casos do Escaroupim ou da Palhota),

ora abandonado, esquecido e em declínio acentuado (como o caso do Patacão), ora com

sucessivas e profundas acções de descaracterização urbanística e arquitectónica (de que

é exemplar o caso das Caneiras).

Como se pode observar na figura seguinte, de montante para jusante, do concelho da

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Golegã ao da Póvoa de Santa Iria na margem direita ou do de Abrantes ao de Samora

Correia na margem esquerda, o património desta vasta região que engloba o conjunto

das aldeias Avieiras unidas pelo Tejo, de grande valor paisagístico e diversidade

funcional, é praticamente desconhecido ou quase desapareceu.

01. Localização das Aldeias Avieiras do Tejo (fonte: Viana, M. (2010). “A Rota Turística dos Avieiros do Tejo: Uma Experiência Empresarial”, pp. 47)

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3. CANEIRAS: UM CASO EXEMPLAR DAS ALDEIAS AVIEIRAS

3.1. A PALAFITA COMO ARQUITECTURA

A arquitectura vernacular das construções palafíticas é universal. Por todo o mundo são

inúmeros os exemplos de edifícios em madeira assentes em pilares sobre a água quer à

beira mar, quer em domínios fluviais. A eficácia deste sistema construtivo tem vindo a

justificar a sua proliferação ao longo dos tempos.

Em Portugal, o caso mais marcante desta arquitectura em zona fluvial é a casa de

madeira das aldeias Avieiras. A pesca artesanal que marcou estes territórios testemunha

a sua localização, as soluções construtivas adoptadas, as técnicas e os materiais de

construção utilizados.

A casa Avieira construída sobre estacaria é de planta regular. A cobertura é de duas

águas e a madeira é o material de construção utilizado nos elementos verticais, o

tabuado.

As primeiras construções permanentes da casa Avieira, ainda que de natureza muito

precária, surgiram nas margens do rio para abrigo da família. Os Avieiros começaram

pouco a pouco a construir em terra firme com o Tejo à vista, as pequenas casas de

caniço (material sem qualquer custo, que crescia nos valados da envolvente), a que

chamavam “palhotas”. Já totalmente fixados e em condições económicas para tal,

foram paulatinamente substituindo o caniço pela madeira, dando origem às primeiras

construções palafíticas – as “barracas”. Estas barracas surgiram ora isoladas,

associadas a um núcleo familiar, ora agrupadas em duas ou três construções,

associadas a uma família ou a várias, com laços familiares entre si ou ainda, em

assentamentos urbanos com vários edifícios alinhados entre si. Trata-se de construções

desmontáveis que os pescadores traziam e fixavam junto ao Tejo em terrenos alheios,

cujos proprietários fundiários em alguns casos autorizavam, frequentemente a troco de

mão-de-obra nas culturas agrícolas.

Apesar das variações de núcleo para núcleo e, por vezes, dentro do mesmo

aglomerado urbano, é possível definir alguns traços comuns associados à matriz

original da arquitectura destas barracas de madeira:

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− Tabuado disposto verticalmente sobre o soalho assente em estacas;

− Estacas de madeira ou em troncos de árvores;

− Pintura exterior;

− Escadas exteriores de acesso à varanda que conduz à porta de entrada;

− Interior com três divisões; sala e quartos; cujas comunicações são tapadas por

cortinas, com paredes pintadas ou forradas a papel; lareira num canto da sala, sem a

função de cozinhar (a cozinha situa-se num anexo exterior); quartos simétricos mais

pequenos, com janela.

Actualmente, já não se identificam barracas de matriz arquitectónica original

totalmente em madeira. A procura de maior conforto e segurança foi originando

alterações como as estacas em alvenaria ou betão armado e a cobertura de telha,

presentes em grande parte dos casos existentes.

Uma observação mais atenta do tecido edificado revela a dicotomia entre os edifícios

que, embora assentes em estacas de betão, são construídos em madeira e aqueles que,

devido a posteriores ampliações, utilizam como materiais de construção o tijolo e o

betão armado, mantendo-se semelhantes aos primeiros em volumetria e na organização

do interior (ver figura seguinte).

02. Edifícios da aldeia Avieira das Caneiras.

As inúmeras alterações nos edifícios da aldeia das Caneiras dificultam a identificação de

uma matriz da sua tipologia habitacional. Contudo e de uma forma geral, esta tipologia

caracteriza-se pela construção em madeira sobre estacas de betão armado, algumas delas

rodeadas por tapumes formando arrecadações que impedem a passagem da água em

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situações de cheia. A cobertura de duas águas em telha portuguesa substitui a outrora

utilizada telha de canudo. A entrada da casa é efectuada por uma varanda de

gradeamentos coloridos que, na parte mais recente da aldeia, é em ferro e à qual se

acede através de umas escadas de madeira ou em betão armado. No interior da casa,

existem dois quartos e uma sala. A cozinha localiza-se num anexo, erigido ao lado ou à

frente da casa num plano inferior. Nas casas da borda d’água observa-se a

particularidade de terem um terraço voltado para o Tejo e um cais privado ao qual se

acede por uma escadaria.

A par do crescimento urbano que tem vindo a caracterizar esta aldeia surgem múltiplas

variações da tipologia habitacional. Aspectos como as dimensões da casa, os materiais

de construção utilizados, o número de pisos, a existência de instalação sanitária, a

presença da chaminé ou o tipo de cozinha variam. Consequentemente, observam-se

diferenças que evidenciam a leitura de momentos distintos quer na evolução e expansão

da aldeia, quer na alteração ou ampliação da casa Avieira. A igreja recentemente

construída em Caneiras é dos poucos equipamentos que caracterizam o conjunto das

aldeias Avieiras.

Apesar de viva e vivida; dada a dinâmica populacional que a caracteriza; e do razoável

estado de conservação dos seus edifícios, as Caneiras têm vindo a ser alvo de um

processo de transformação no sentido de uma crescente descaracterização do tecido

edificado, com consequências negativas na imagem urbana de todo o conjunto. As

palafitas vão sendo alteradas ou substituídas através de intervenções contemporâneas,

desajustadas da matriz arquitectónica e descontextualizadas do aglomerado urbano

como um todo, conduzindo à perda crescente da sua identidade urbanística.

3.2. MORFOLOGIA URBANA DE UM CONJUNTO RIBEIRINHO

A morfologia urbana das aldeias Avieiras caracteriza-se por uma rua estreita e recta,

geralmente paralela ao rio ao longo da qual se dispõem duas fiadas de casas palafíticas.

O cais, um ou vários, estabelece a ligação directa ao Tejo.

No caso das Caneiras, a aldeia Avieira localizada nas proximidades de Santarém, o

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processo de fixação do casario ocorreu de norte para sul com origens que remontam à

década de 1880. O núcleo original desapareceu nas cheias de 1941, tendo surgido outro,

com palafitas de estacaria em betão ou tijolo e a casa em madeira profundamente

alterada pela utilização de materiais diversos como a chapa ou o betão (ver figura

seguinte).

O núcleo urbano de Caneiras é composto por duas bandas de edifícios unidos pela rua

que o atravessa. Trata-se de um núcleo onde a pressão urbanística tem contribuído para

a acentuada descaracterização urbana e arquitectónica.

A partir da segunda metade do século XX, os Avieiros passaram a dedicar-se também às

searas em alternativa à pesca do sável que começava a escassear. A prosperidade

associada a esta nova actividade trouxe a casa de alvenaria. As estacas deixaram de ser

em madeira e passaram a ser em betão e uma porta foi aberta do lado oposto ao rio.

A partir da década de 1960 com o êxodo da população em busca de trabalho no sector

terciário, chegaram as novas construções em alvenaria, com incidência na rua que

conduz a Santarém, a grande cidade mais próxima. Muitas famílias permaneceram na

aldeia, numa residência precária, inapta para uma boa habitabilidade e traçada para uma

actividade; a pesca; que em muitos casos já não as ocupa.

03. Aldeia Avieira das Caneiras.

Do tecido urbano existente, o núcleo mais antigo implantado na borda d’água é

constituído por duas bandas paralelas de “barracas” alinhadas com o rio. O núcleo mais

recente situa-se mais para o interior do território e as construções estão implantadas em

ruas perpendiculares ao rio, resultado da posterior diversificação de um modo de vida

partilhado entre a pesca no Tejo, a agricultura na lezíria e os serviços na cidade.

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3.3. ENQUADRAMENTO URBANÍSTICO E GESTÃO TERRITORIAL

A conformidade das aldeias Avieiras com o sistema de gestão territorial, ou seja, o seu

enquadramento urbanístico, é complexa e legalmente difícil.

Esta complexidade revela-se à escala regional ou supra municipal, devido às inúmeras

figuras de planos, de âmbitos territoriais e entidades diversas, como o plano de bacia

hidrográfica do Tejo (um plano sectorial) ou o Plano Regional de Ordenamento do

Território (PROT), com a exigência (por questões administrativas) de elaborar um para

a margem direita e outro para a margem esquerda. Haverá justificação para que o PROT

do Oeste e Vale do Tejo; um plano do século XXI; não apresente uma única referência

às aldeias palafíticas do Tejo, num conteúdo intensivo de “promoção do

desenvolvimento regional” ou “melhoria da qualidade de vida”?

À complexidade da abordagem regional, acresce o cariz legal difícil da escala local. Por

um lado, pela aplicação espartilhada pelos inúmeros municípios de ambas as margens,

de planos municipais de ordenamento do território, como os Planos Directores

Municipais (em vigor) ou os Planos de Urbanização e os Planos de Pormenor (em

teoria, porque em regra inexistentes). Por outro lado, pela classificação dominante das

aldeias Avieiras como territórios não urbanos, como espaços de não-cidade, em verdade

de não-aldeia.

A situação actual revela que em termos genéricos as aldeias Avieiras do Tejo estão

classificadas nos Planos Directores Municipais; frequentemente os únicos em vigor;

como espaços rurais, com escassas possibilidades legais de edificar e nenhumas de

urbanizar. Consequentemente, os pedidos de licenciamento quer de novas edificações

quer de obras de alteração ou ampliação dos imóveis existentes são “simplesmente”

indeferidos.

A indivisibilidade fundiária é outro problema por resolver. Frequentemente o núcleo

original ou mais antigo da aldeia, constituído pelas inúmeras casas palafíticas; cada uma

delas associada a uma família; assenta numa única parcela fundiária, cujo proprietário é

amiúde “estranho” aos Avieiros.

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3.3.1. ESPAÇO AGRO-FLORESTAL COMO USO DO SOLO

O único instrumento de planeamento urbanístico em vigor na aldeia das Caneiras é o

PDM3 (Plano Director Municipal de Santarém) que data de 1995. De acordo com a

Planta de Ordenamento do PDM de Santarém (ver figuras seguintes), à escala 1:25000,

o aglomerado urbano das Caneiras está classificada como espaço agro-florestal4, ou

seja, como área adequada às actividades agrícolas e florestais de produção ou de

protecção. Parte da aldeia está ainda integrada na Reserva Agrícola Nacional (RAN),

cujo propósito é identificar os solos com maior aptidão para a prática desta actividade.

Verifica-se assim, que não foi portanto identificado no PDM de Santarém qualquer

espaço urbano que corresponda ao aglomerado urbano das Caneiras, o qual foi

indevidamente classificado à margem e excluído de qualquer possibilidade de

urbanização, de requalificação dos seus espaços públicos ou de intervenção no seu

tecido edificado quer nos edifícios existentes quer nas novas construções. Se é verdade

que os Planos Directores Municipais da década de 1990; como o de Santarém; têm sido

alvo de algumas críticas ainda que no compto geral o balanço que se possa fazer desta

figura de plano no processo de planeamento urbanístico seja positivo, ainda assim, não

se compreende como uma análise detalhada à escala concelhia pôde omitir as Caneiras.

3 Publicado em DR, a 24 de Outubro de 1995, alterado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 123/97.

4 De acordo com as disposições do art.º65º do Regulamento do Plano Director Municipal de Santarém.

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04. Enquadramento da aldeia Avieira das Caneiras na Planta de Ordenamento do PDM de Santarém, 1:25000 (1995).

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05. Enquadramento da aldeia Avieira das Caneiras na Planta de Ordenamento do PDM de Santarém (ampliação), 1:25000 (1995).

Nos espaços agro-florestais, os usos e actividades admitidos pelo PDM de Santarém

diferem em função da sua inclusão na Reserva Agrícola Nacional (RAN) e na Reserva

Ecológica Nacional (REN) (ver figura seguinte).

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06. Extracto do regulamento do PDM de Santarém – espaços agro-florestais (1995).

3.3.2. CONDICIONANTES AOS USOS DO SOLO

Parte do aglomerado urbano das Caneiras inclui-se apenas na classe de espaços agro-

florestais, não sendo abrangida pela RAN. No entanto, é também abrangida pela REN,

logo, os usos e actividades permitidos são idênticos aos da situação anterior, pois, o

regime da REN é ainda mais restritivo em termos urbanísticos (ver figuras seguintes).

A REN tem como objectivo proteger as áreas de maior valor e sensibilidade ecológica

ou susceptíveis de riscos naturais5, incluindo os cursos de águas e os respectivos leitos,

margens e zonas ameaçadas pelas cheias6. Estabelece os condicionantes à ocupação, uso

e transformação do solo, definindo aqueles que são compatíveis com os objectivos que

traça.

No que se refere a obras de construção, alteração e ampliação de edifícios, localizadas

junto aos cursos de água apenas é permitida a construção de cabinas para motores de

rega com uma área de construção não superior a 4m2.

Quanto a usos e actividades relacionadas com os equipamentos, o recreio e o lazer, o

regime da REN permite a instalação de equipamentos de apoio às zonas de recreio

balnear e à actividade náutica de recreio, espaços verdes de utilização colectiva e a

abertura de trilhos pedonais destinados à educação e interpretação ambiental nas

margens7. Ora, nos espaços incluídos na REN são interditas as operações de loteamento

urbano, as obras de urbanização, a construção e ampliação de edifícios, a construção de

5 Decreto-Lei n.º166/2008, art. 2º, n.º1.

6 Decreto-Lei n.º166/2008, art. 4º, n.º3 – alínea a), nº4 – alínea c).

7 Decreto-Lei n.º166/2008 - Anexo II.

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vias de comunicação, as acções de aterro ou escavação e ainda a destruição do coberto

vegetal.

Como justificar a interdição de todas estas acções num aglomerado urbano consolidado

e compacto como é as Caneiras?

07. Enquadramento da aldeia Avieira das Caneiras na planta da REN do PDM de Santarém, escala 1:25000 (1995).

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08. Enquadramento da aldeia Avieira das Caneiras na planta da REN do PDM de Santarém (ampliação), escala 1:25000 (1995).

Como foi referido, a RAN tem como objectivo geral proteger os solos com elevada ou

moderada aptidão agrícola. Estes solos devem ser afectos à actividade agrícola e

constituem-se como áreas non aedificandi, isto é, são neles interditas quaisquer obras de

urbanização, construção ou ampliação de edifícios, a menos que se trate de8:

− Instalações de apoio à actividade agrícola e pecuária;

− Habitações para os agricultores em exploração agrícola ou proprietários do terreno

caso não exista outra alternativa viável;

− Estabelecimentos de turismo rural;

− Estabelecimentos industriais e comerciais complementares à actividade agrícola;

− Equipamentos de produção de energia renovável.

São ainda permitidas obras de intervenção indispensáveis à salvaguarda do património

cultural, designadamente de natureza arqueológica, à recuperação paisagística e também

medidas de minimização determinadas pelas autoridades competentes na área do

8 Decreto-Lei n.º 73/2009, art. 22º.

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ambiente9. No caso das Caneiras, sobretudo no núcleo antigo das casas palafíticas,

grande parte das construções está incluída na RAN.

Por outro lado, o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação10 consagra o

princípio da protecção do existente, que estabelece que, se um prédio rústico já integrar

uma edificação, não podem ser recusadas obras de reconstrução ou alteração, desde que

resultem na melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação e não

originem ou agravem desconformidades com as normas em vigor.11 Neste caso, as

normas em vigor, ou seja, o PDM, interdita todas e quaisquer possibilidades neste

sentido.

09. Enquadramento da aldeia Avieira das Caneiras na Planta da RAN do PDM de Santarém, 1:25000 (1995).

9 Decreto-Lei n.º 73/2009, art. 22º, nº1, alínea j).

10 Decreto-Lei 26/2010 (republicação do Decreto-Lei nº. 555/99). Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

11 Decreto-Lei 26/2010, art. 60º, nº2.

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010. Enquadramento da aldeia Avieira das Caneiras na Planta da RAN do PDM de Santarém (ampliação), 1:25000 (1995).

Em síntese, de acordo com a Planta da REN que integra o PDM de Santarém, à escala

1:25000, verifica-se que as Caneiras, não só são abrangidas pela RAN (na área

correspondente ao núcleo palafítico) como também pela REN, desta vez, na sua

totalidade.

Assim, se os espaços agro-florestais forem abrangidos simultaneamente pela RAN e

pela REN, o que se verifica em grande parte desta aldeia, incluindo na zona onde se

situa o núcleo antigo das palafitas Avieiras, os usos ou actividades permitidas são o

turismo, o recreio e o lazer, as actividades agrícolas e florestais e a criação de infra-

estruturas.

Paralelamente, em termos urbanísticos entende-se que nos espaços não classificados

como urbanos, e portanto excluídos ou fora dos perímetros urbanos, tais infra-estruturas

são permitidas desde que não confiram aos territórios características de espaços

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urbanos. Assim, qualquer possibilidade de urbanizar, ou seja, de redimensionar as redes

de infra-estruturas (como o abastecimento de água ou a drenagem de esgotos), de

requalificar os arruamentos viários e pedonais (nomeadamente criando os passeios para

a circulação de peões), de prever espaços verdes ou equipamentos de utilização

colectiva, necessários ao bom funcionamento dos espaços urbanos é absolutamente

interdita nas Caneiras. Ora, a interditação da construção de obras de urbanização e a sua

melhoria num espaço urbano, consolidado, compacto, há muito existente, como é as

Caneiras, é uma contradição que os futuros instrumentos de gestão territorial a definir

para o local deverão resolver. Caso contrário, urge assumir a classificação de toda uma

história, de toda uma identidade, de todo um povo, de todo um património

arquitectónico e urbanístico único, como ruína urbanística e declarar a sua demolição,

delapidando este legado cultural da rota europeia !

3.3.3. INTEGRAÇÃO NO DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO

Pela consulta da Planta de Outras Condicionantes do PDM de Santarém (ver figuras

seguintes) a aldeia das Caneiras está abrangida pela servidão administrativa12 do

domínio público hídrico (DPH), correspondente à linha de água do Tejo. Este rio é

considerado um curso de água navegável ou flutuável, pelo que a área non aedificandi

onde é interdita qualquer possibilidade de edificar, é de 30,00 metros, contados a partir

da linha que delimita o leito13. Esta faixa inclui o núcleo palafítico Avieiro das Caneiras.

É indiscutível a inclusão não só das Caneiras; que neste contexto serve apenas de

exemplo; mas do conjunto de todas as aldeias Avieiras na servidão administrativa do

DPH do Tejo. No entanto, restarão dúvidas de que se deve à presença, à proximidade, à

ligação com o rio a existência destas aldeias? Existirão dúvidas quanto à adaptação dos

povos da borda d´água ao longo de todo o estuário do Tejo e desde os tempos mais

remotos, às situações de inundação? Não será de prever uma situação excepcional que

identifique, preserve e valorize este património cultural?

12

Por servidão administrativa entende-se o encargo imposto ao direito de propriedade em função dos interesses públicos concretos, neste caso a protecção da linha de água. 13

Lei 54/2005, art. 11º. Estabelece a titularidade dos recursos hídricos.

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011. Enquadramento da aldeia Avieira das Caneiras na Planta de Outras Condicionantes do PDM de Santarém, 1:25000 (1995).

012. Enquadramento da aldeia Avieira das Caneiras na Planta de Outras Condicionantes do PDM de Santarém (ampliação), 1:25000 (1995).

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3.3.4. O CADASTRO INDIVISÍVEL

As plantas cadastrais têm como principal função caracterizar e identificar os prédios

existentes em território nacional. Como se pode observar na figura seguinte, o núcleo

mais antigo das Caneiras, constituído pela fila de casas palafíticas, está na sua totalidade

incluído numa única unidade cadastral, ou seja, numa única parcela fundiária. Apesar

dos inúmeros edifícios e respectivas famílias que neles habitam, os cidadãos que

construíram e residem nas palafitas das Caneiras são o que se poderia designar por

“proprietários do coração”, pois, para efeitos legais não o são.

Do ponto de vista urbanístico, vários instrumentos são possíveis equacionar para

resolver a indivisibilidade actual da propriedade (a expropriação por utilidade pública, o

regime de propriedade horizontal entre outros) e possibilitar a sua atribuição a cada

família. Urge colmatar a discrepância entre os proprietários das casas Avieiras e o

proprietário do terreno onde as quais de implantam. Por que não se resolve?

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013. Levantamento cadastral da aldeia Avieira das Caneiras (prédio rústico do núcleo palafítico), escala 1:2000 (1960/70).

4. DESAFIOS DA REABILITAÇÃO URBANA NAS ALDEIAS AVIEIRAS

A reabilitação de rios e cursos de água é uma preocupação actual nos domínios

científicos e técnicos a nível europeu e noutras arenas internacionais. Nas aldeias

Avieiras são aspectos fundamentais da reabilitação urbana:

- A qualidade do espaço urbano no seu conjunto;

- A permeabilidade visual entre a aldeia e o Tejo;

- Os elementos marcantes que facilitam a legibilidade;

- A qualidade do tecido edificado (estado de conservação dos imóveis / afastamento em

relação à matriz arquitectónica local / os elementos dissonantes);

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- A densidade construtiva que se pretende manter baixa;

- A salvaguarda e valorização do património cultural através de formas de integração

das memórias colectivas associadas ao rio, à diversidade de usos, à atractividade da

frente ribeirinha, à funcionalidade e conforto dos edifícios ou aos espaços públicos e

equipamentos de utilização colectiva;

- O enquadramento no processo de revisão dos Planos Directores Municipais dos

concelhos onde se localizam as aldeias, da tarefa de repensar a delimitação destes

aglomerados populacionais como espaços urbanos, de modo a legalizar as edificações

existentes, permitir outras actividades e as acções de melhoria da urbanização;

- A elaboração de regras de edificabilidade e urbanização, de modo a garantir a correcta

manutenção e valorização quer dos edifícios quer de cada aldeia no seu conjunto;

- O repensar do cadastro encontrando mecanismos que devolvam aos proprietários das

casas a propriedade do terreno onde as mesmas se implantam.

Há que garantir que os “proprietários do coração” de cada palafita Avieira possam

também ter acesso ao direito de propriedade e serem simultaneamente proprietários das

suas casas do ponto de vista legal.

A acessibilidade, a travessia do rio, a existência de parques de estacionamento no

corredor fluvial constituído pelas várias aldeias, os transportes públicos, as ciclovias ou

os percursos pedonais, os locais de ancoragem e a navegabilidade do rio, são aspectos a

considerar em qualquer proposta de reabilitação urbana das aldeias Avieiras, que exige

uma abordagem de conjunto e entendimento entre os vários municípios.

Em síntese, a reabilitação urbana de trechos de cursos de água urbanos constitui um

processo complexo que envolve aspectos sociais, institucionais, económicos e a

população.

Urge estabelecer pontes entre os objectivos técnicos e científicos do planeamento

urbanístico, a requalificação ecológica do sistema ribeirinho do Tejo e a auscultação das

aspirações e valores da comunidade. Tais propostas deverão contribuir para a afirmação

das aldeias Avieiras como habitats voluntários de quem quer viver o rio.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VIRTUDES, A. (2010). “Urban Rehabilitation: the challenge of Town Planning in Portugal”, in

JOURNAL ARCHITECTURE, CIVIL ENGINEERING AND ENVIRONMENT, Nr.4

(ACEE 4/2010). The Silesian University of Technology, Poland.