CULTIVO DE ÁRVORES EM CALÇADAS -CONSTRUINDO, DESCONSTRUINDO E RECONSTRUINDO O SOLO
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XVI Congresso Brasileiro de Arborização Urbana - CBAU, 2012, Uberlândia, MG, p. 264-273
CULTIVO DE ÁRVORES EM CALÇADAS - CONSTRUINDO, DESCONSTRUINDO E
RECONSTRUINDO O SOLO
Amilton Alves de Morais1
1 Engenheiro Agrônomo Autônomo
Palavras-chave: Compactação, Fisiologia, Nutrição, Solo, Soluções
Introdução: Tomando como base o grande leque de disciplinas que traduzem a complexa
gama de tratamentos, definições e enfoques dados à chamada “Floresta Urbana”, florística
tem recebido destaque especial por parte da pesquisa e entidades diversas envolvidas na
difusão do conhecimento, com grande destaque para inventários (SOAVE JUNIOR et al.,
2011), resultando em trabalhos acadêmicos e ações de diagnose e cadastramento de
importância inquestionável no manejo e planejamento. Por outro lado, a visão do indivíduo
arbóreo como “cultura” e sua relação com o substrato (Solo), raramente é citada e/ou
mensurada. O presente trabalho faz uma breve análise comparativa entre o “Solo”
disponível e explorado pelo sistema radicular das árvores urbanas nas calçadas com solos
de constituição granulométrica similar (Neossolo Litólico), “solo franco” local e
substratos/estruturas produzidos especificamente para o plantio de árvores no ambiente
urbano impermeabilizado e compactado, sugerindo formas de manejo da parte subterrânea
com foco na metodologia de implantação de passeios, bem como dar subsídios à
implantação, pesquisa e desenvolvimento de soluções que resolvam ou minimizem os
conflitos entre os métodos construtivos e o cultivo propriamente dito.
Material e Métodos: Após pesquisa bibliográfica e documentação “in situ” de métodos de
cultivo de árvores sob pavimentos, partiu-se para a análise do meio físico natural e
urbanizado em pontos da Zona Leste da Cidade de São Paulo, com a observação de perfis
dos solos representativos da região, o comportamento e desenvolvimento do sistema
radicular em passeios instalados sobre estes tipos de solos e as implicações na fisiologia,
nutrição e capacidade de suporte do substrato encontrado pelas raízes nesta “condição
limite” (calçada). Estas observações foram confrontadas com um solo rochoso característico
de ambientes áridos, sendo tomado como exemplo um perfil na zona rural do Agreste
Pernambucano, e em seguida traçadas as correlações funcionais e estruturais com um dos
métodos de “solo manufaturado” - Structural Soil TM, desenvolvido pela Universidade de
Cornell. Outros métodos, ora em discussão, também são citados e comparados entre si.
XVI Congresso Brasileiro de Arborização Urbana - CBAU, 2012, Uberlândia, MG, p. 264-273
Nos exemplos de solos "Francos" (São Paulo e Pernambuco) foram efetuadas análises
químicas e granulométricas para embasar as correlações traçadas entre as diferentes
situações (solo "franco" x solo urbano sob pavimento x solo manufaturado).
Resultados e Discussão:
Da observação dos cortes no relevo original na cidade e periferia (Figura 1), chega-se a
grande variabilidade nas formações que originaram estes solos, podendo um mesmo talude
exibir rochas sedimentares com diversas composições, de folhelhos arenosos, siltosos,
argilosos ou micáceos, a rochas constituintes do complexo cristalino e depósitos
sedimentares não consolidados, o que se reflete na alta susceptibilidade a deslizamentos e
erosão. Como característica comum a todos eles, temos uma estreita faixa de solo
propriamente dito, com transição abrupta em profundidade alcançando imediatamente a
formação rochosa, sedimentar ou cristalina (Figura 1).
Figura 1
Nestas condições, é inevitável que após executados os serviços de terraplanagem, pouco
ou nada do Solo fértil seja preservado e disponibilizado para cultivo. Amostras de solo
retiradas nestas condições (subsolo com regularização mecânica sob asfalto) indicaram, em
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análise química, alta acidez e fertilidade (Tabela 1) em níveis inferiores aos mínimos
exigidos, até mesmo para o cultivo florestal, além de textura arenosa (Tabela 2).
Tabela 1 – Macronutrientes*
Amostra pH pH M.O. P resina H+Al K Ca Mg SB CTC V%
CaCh CaCl2 g/dm3 mg/dm
3 ------------------------mmol/dm
3 ------------------
AAT33 4,4 4,1 0 5 21 0,1 1 1 2 24 9
Tabela 2 – Análise Granulométrica*
AMOSTRA ARGILA SILTE AREIA
GROSSA
AREIA FINA AREIA TOTAL
..................................................... g.kg-1
...........................................
AAT33 54 213 460 287 732
Método Pipeta
Coordenadas Locais: 23°33’57”S, 46°27’45”O
(*) Laboratório de Fertilidade do Solo – Faculdade Cantareira
Aliado a isto, todas as técnicas construtivas hoje empregadas no País têm como base a
compactação, mesmo nos chamados “Pavimentos Permeáveis" (ARAÚJO et al., 2000).
Disto resulta que, no processo de desenvolvimento das raízes, estas encontrem menor
resistência física justamente na interface entre o solo (ou subsolo), a base arenosa e o
cascalho, fazendo deste meio seu substrato efetivo, o que leva fatalmente à elevação do
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passeio e ao corte das raízes (Figura 2).
Figura 2
Com as raízes sendo obrigadas a ultrapassar obstáculos e a "moldar" sua vascularização de
forma abrupta pelas deformações provocadas pelo concreto e até mesmo pelo material
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construtivo incrustado, é de se esperar redução do fluxo na condução da seiva (Figura 3).
Figura 3
Entretanto, a prática na cidade de São Paulo (região estudada) evidencia que a maior parte
das espécies implantadas lida muito bem com estes obstáculos até o momento do corte das
raízes, desenvolvendo-se vigorosa e rapidamente, com estado fitossanitário aparentemente
bom, já que utilizamos espécies tropicais e subtropicais, com alta capacidade de adaptação
e regeneração do solo, muito eficientes na absorção de nutrientes, potencializada por
associações com outros organismos (fungos, bactérias) e também pelos resíduos orgânicos
resultantes da atividade humana. Ao menos na zona metropolitana de São Paulo, a
arborização urbana sob pavimentos tem levado à "criação" pela própria árvore de uma zona
de exploração atípica para suas raízes, que encontra similares na natureza, em particular
certos tipos de solo de constituição granulométrica grossa: areia grossa a cascalho, como
nos solos do Semi Árido Nordestino, onde logo abaixo de um horizonte arenoso,
encontramos o predomínio de cascalho de dimensões variadas e com frequência formando
lajes (Figura 4 e Tabela 4). Neste caso, a predominância de cascalho com dimensões
semelhantes à brita utilizada para construção e a presença de particulado fino envolvendo-
os, remete aos substratos especificamente desenvolvidos, onde argila e/ou silte envolvem a
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brita através de "aglutinantes" artificiais (composição exata pode ser obtida na página do
Instituto de Horticultura Urbana do Departamento de Horticultura da Universidade de
Cornell).
Neste solo, a análise química também indicou baixa fertilidade e alta acidez, a despeito de
se tratar de formação original do semiárido, pouco intemperizado (Tabela 3).
Figura 4
Tabela 3 – Macronutrientes**
AMOSTRA pH P Na+ K
+ Ca
2+ Mg
2+ Al
3+ H
+ + Al
3+ M.O.
mg/dm3
_____________________cmolc/dm
3__________________ dag/Kg
13 5a 4,27 5,85 0,22 0,14 0,5 0,3 1,2 4,21 -
14 5b 4,24 4,82 0,14 0,12 0,5 0,3 1,4 6,02 -
15 5c 4,33 0,21 0,13 0,11 0,4 0,1 1,2 3,88 -
16 5d 4,44 2,26 0,20 0,13 0,3 0,1 1,4 4,21 -
17 5e 4,49 0,00 0,14 0,15 0,2 0,3 1,9 5,86 -
pH em água (1:2,5)
Análise M.O. efetuada pelo Método adaptado de Yeomans & Bremner (1988)
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Tabela 4 – Análise textural**
AMOSTRA % AREIA
GROSSA
% AREIA
FINA % SILTE % ARGILA
%
Cascalho1
13 5a 58,57 20,77 6,38 14,27 -
14 5b 56,41 23,98 1,91 17,70 -
15 5c 55,53 21,82 4,47 18,18 -
16 5d 56,50 18,98 1,54 22,99
161 5d 28,63 9,62 0,78 11,65 49,33
1
17 5e 44,09 18,18 0,20 37,54
171 5e 22,34 9,21 0,10 19,02 49,33
1
Análise realizada pelo Método da Pipeta
Coordenadas Locais: 8°45’58”S, 36°12’33”O
(**) Laboratório de Química do Solo – Departamento de Agronomia – Universidade Federal de Pernambuco
(1) Análise considerou apenas fração areia grossa, cascalho inserido pelo autor e demais percentuais alterados
proporcionalmente em volume.
O substrato "manufaturado" (Figuras 5 e 6) também leva a "defeitos" semelhantes aos
observados em nossas raízes que se desenvolvem em brita, com a diferença de que são
atraídas para poros mais profundos e permitem uma grande produção de radicelas, mesmo
que o conjunto não alcance a altura, volume de copa e massa seca correspondente ao
potencial genético.
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Figura 5
Figura 6
Atualmente, estão em evidência e têm sido discutidos anualmente pela Sociedade
Americana de Paisagismo e Arquitetura (ASLA), esta metodologia (Structural Soil TM), além
das defendidas por James Urban (Suspended pavement) e mais recentemente, uma
proposta reformulada de Robert Pine (Sand-Based Structural Soil) (Tabela 5). Do ponto de
vista científico e metodológico, as técnicas desenvolvidas em Cornell são as mais
criteriosamente avaliadas, pois cada produto, procedimento ou solução provêm de décadas
de experimentação, não só do produto, mas também das espécies a serem utilizadas neste
substrato. A proposta de James Urban tem contra ela o uso maciço de polipropileno como
material "estrutural", além de utilizar grandes volumes de solo que, segundo sua
argumentação, mantêm a "estrutura" original, mesmo passando pelo processo de extração e
transporte mecanizados. Já na proposta de Robert Pine, não foram encontrados resultados
experimentais para comparação, mas ao inverter os extratos (brita na superfície e areia na
zona de crescimento das raízes), disponibiliza ao sistema radicular poros mais estreitos,
mas de certo modo assemelha-se a alguns tipos de solos, como os de restinga.
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Tabela 5 - Comparativo entre métodos e solos "Francos" versus classe textural.
MÉTODO/SOLO % AREIA
GROSSA
% AREIA
FINA % SILTE % ARGILA
%
Cascalho1
LITOSSOLO1 22,34 9,21 0,10 19,02 49,33
SOLO URBANO2 45,36 28,30 21,01 5,33 -
STRUCTURAL SOIL TM
20,00 80,00
SAND-BASED
STRUCTURAL SOIL 100,00
SILVA CELLS 100% LOAM SOIL
LOAM SOIL3 Até 52% 28 a 50% 7 a 27% -
(1) Tabela 4, amostra 171
(2) Tabela 2
(3) LOAM SOIL ("Solo Franco")- USDA/NRCS
Conclusões:
Algumas cidades, como Chicago, preveem a adoção de práticas deste tipo no Plano Diretor
(MUNICIPAL CODE OF CHICAGO) enquanto Nova York (City of New York - Parks &
Recreation) regulamenta o uso ao impor condições, do que se pode aferir que a via legal
pode resultar em práticas defasadas ou precipitadas, e esta é uma área ainda em
desenvolvimento. Nas condições de cultivo que adotamos, convivemos constantemente com
a supressão de raízes e os riscos decorrentes. Faz-se urgente o incentivo à pesquisa e
desenvolvimento de materiais e técnicas de cultivo específicos, visando compatibilizar a
Arborização desejada com a calçada ideal. Assim como Day e Bassuk (1994) efetuaram
parte dos estudos básicos ao desenvolvimento da técnica através de produção científica
para culturas anuais, também podemos lançar mão de estudos semelhantes, abundantes no
País através de seus centros de pesquisa em solo e em fitotecnia e prontos para uso. Um
importante requisito para qualquer atividade atualmente é a “Sustentabilidade” dos
processos, produtos e serviços. Dois métodos refletem de certa forma condições existentes
na natureza (substratos com base em rocha e em areia), onde mesmo diante da pobreza do
meio, florestas, bosques e campos desenvolvem-se em sua plenitude. Estes métodos usam
insumos amplamente empregados na atividade urbana e não dão sinais de serem
substituídos por outros. Embora areia e rocha sejam provenientes de jazidas naturais
esgotáveis no longo prazo, o outro método utiliza o insumo mais raro e escasso: O Solo
Natural (Loan Soil), na definição do Departamento de Agricultura e do Serviço de
Conservação de Recursos Naturais dos Estados Unidos da América (SCHEYER, 2005).
Especificamente, adubos químicos e matéria orgânica necessitam interagir com a menor
fração constituinte do solo, a argila. No caso dos adubos químicos, imediatamente serão
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lixiviados, enquanto a matéria orgânica, após mineralizada, também perderá seus
nutrientes. O impasse só pode ser resolvido com “Experimentação Científica”, indicando a
técnica mais apropriada e que resulte no uso racional dos insumos, mesmo que o resultado
estético não seja o melhor.
Agradecimentos:
Dr. Nina Bassuk, Instituto de Horticultura Urbana do Departamento de Horticultura da
Universidade de Cornell – Ithaca – NY, por se dispor a guiar-me pessoalmente em visita
aos experimentos desenvolvidos na Cidade e no Campus Universitário (Figuras 5 e 6).
Prof. Dr. Rudi Arno Seitz (In memoriam), Universidade Federal do Paraná pela divulgação
de métodos alternativos de implantação de árvores em passeio e o fornecimento das
“palavras-chave” necessárias às buscas.
Referências:
ARAÚJO, P. R.; TUCCI, C. E. M.; GOLDENFUM, J. A. Avaliação da eficiência dos
pavimentos permeáveis na redução de escoamento superficial. Porto Alegre: Revista
Brasileira de Recursos Hídricos, v.5, n.3, p.21-29, 2000.
ASLA Annual Meeting Handout - The Great Soil Debate Part II: Structural soils under
pavement, September, 10 páginas. 2010
DAY, S. D.; BASSUK, L. A review of the effects of soil compaction and amelioration
treatments on landscape trees. Journal of Arboriculture, Savoy, v.20, n.1, p.9-18, 1994
SCHEYER, J.M.; HIPPLE, K.W. Urban Soil Primer: United States Department of
Agriculture, Natural Resources Conservation Service, National Soil Survey Center,
Lincoln, Nebraska (http://soils.usda.gov/use), 77 páginas. 2005.
SOAVE JUNIOR, M. A.; TOSETTI, L.L.; VIANA, S. M.; SILVA FILHO, D. F. Sem Título. 15º
CONGRESSO BRASILEIRO DE ARBORIZAÇÃO URBANA, CONGRESSO IBERO-
AMERICANO DE ARBORIZAÇÃO URBANA. Anais do Congresso, Recife. 03 páginas,
2011.
VARGAS, M. Os solos da cidade de São Paulo. Artigo técnico 17/2002, ABGE. São Paulo,
2002. 103 páginas..
Leitura Complementar:
MUNICIPAL CODE OF CHICAGO - Published by Order of the City Council, 1990; Current
through Council Journal of March 14, 2012
City of New York - Parks & Recreation; Michael R. Bloomberg, Mayor; Adrian Benepe,
Commissioner; September 2009