CRÍTICA MUSICAL E TROPICALISMO – UMA ANÁLISE DA COLUNA DISCOTECA BÁSICA DA REVISTA BIZZ (1986 -...

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UNIVERSIDADE FERDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E BIBLIOTECONOMIA DEPARTAMENTO DE JORNALISMO O SOL NAS BANCAS DE REVISTA: Crítica musical e tropicalismo – uma análise da coluna Discoteca Básica da Revista Bizz (1986-1996) Estudante: Carlos Eduardo Pinheiro Orientador: Prof Dra Ângela Moraes Goiânia 2013

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UNIVERSIDADE FERDERAL DE GOIÁSFACULDADE DE COMUNICAÇÃO E BIBLIOTECONOMIA

DEPARTAMENTO DE JORNALISMO

O SOL NAS BANCAS DE REVISTA:Crítica musical e tropicalismo –

uma análise da coluna Discoteca Básica da Revista Bizz (1986-1996)

Estudante: Carlos Eduardo PinheiroOrientador: Prof Dra Ângela Moraes

Goiânia 2013

CARLOS EDUARDO PINHEIRO DE A. FILHO

O SOL NAS BANCAS DE REVISTA: CRÍTICA MUSICAL E TROPICALISMO – UMA ANÁLISE DA COLUNA DISCOTECA BÁSICA DA REVISTA BIZZ (1986

- 1996)

Monografia apresentada ao curso de Jornalismo, da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás, concernente à obtenção do título de bacharelado em Jornalismo.

Orientadora: Profa. Dra. Ângela Moraes

Goiânia 2013

CARLOS EDUARDO PINHEIRO DE A. FILHO

FICHA DE APROVAÇÃO

O SOL NAS BANCAS DE REVISTA: CRÍTICA MUSICAL E TROPICALISMO – UMA ANÁLISE DA COLUNA

DISCOTECA BÁSICA DA REVISTA BIZZ (1986 - 1996)

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Jornalismo, da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia – Universidade Federal de Goiás, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo.

Orientadora: Profª Drª Ângela Moraes

Data da defesa/entrega: ___/___/____

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Orientadora: Profª Drª Ângela Moraes

Membro Titular: Ms. Sálvio Juliano Peixoto Farias

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 Capa da revista Bizz n.4, 1985 34

Imagem 2 Discoteca Básica - Os Mutantes. revista Bizz, n.10, p.72, 1986 58

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7Capítulo 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 10

1.1 Jornalismo Cultural e crítica 101.2 O Tropicalismo, a canção de protesto e a crítica 141.2.1 O Discurso internacionalista do tropicalismo 161.2.2 A Canção de protesto 191.2.3 A Crítica de primeira hora 21

Capítulo 2 - METODOLOGIA 292.1 A Análise de Discurso 292.2 O Discurso das Mídias 32

Capítulo 3 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS 353.1 Revista Bizz e Discoteca Básica 353.1.1 Revista Bizz 353.1.2 Discoteca Básica 393.2 Análise 403.2.1 Os Mutantes 403.2.2 Transa 423.2.3 Tropicália ou Panis et Circencis 453.2.4 Estudando o Samba 483.2.5 Expresso 2222 503.2.6 Fa-tal – Gal a Todo Vapor 53

CONCLUSÃO 56ANEXO – DISCOTECA BÁSICA 58BIBLIOGRAFIA 70

“O samba ainda vai nascerO samba ainda não chegou

O samba não vai morrerVeja o dia ainda não raiouO samba é o pai do prazer

O samba é o filho da dorO grande poder transformador”

(Caetano Veloso)

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Introdução

O objeto escolhido para este trabalho é a crítica musical brasileira na mídia. Para tanto,

escolhemos uma revista específica para melhor objetivarmos nosso estudo. Escolhemos a Revista

Bizz, primeiramente por entendermos que a publicação representa um marco no mercado editorial

brasileiro, alcançando sucesso de vendas e sendo reconhecida tanto por artistas, quanto pela própria

indústria do disco no Brasil. Além do tal reconhecimento, a revista foi escolhida por participar

ativamente no mercado musical, seja por meio de resenhas e críticas de discos e shows, ou por meio

da participação dos jornalistas envolvidos na publicação em ações próprias da indústria do disco. É

bom salientar que a revista Bizz foi a primeira publicação de grande alcance especificamente sobre

música no mercado editorial brasileiro.

Aprofundando nosso objeto de estudo, escolhemos uma seção específica da revista para a

análise. Trata-se da Discoteca Básica (DB). Normalmente publicada em formato de coluna, nas

últimas páginas, após as resenhas de discos, as DBs tinham a função de guia crítico de discos

considerados clássicos pela revista. Em cada edição, um disco, tanto de artistas nacionais, quanto de

artistas internacionais, era escolhido. Ao todo, nos vinte anos que a revista esteve em circulação no

país, foram 215 diferentes discos resenhados, por diferentes jornalistas, em diferentes fases da

revista.

Verticalizando melhor nosso objeto, escolhemos as críticas específicas de discos de artistas

brasileiros, notadamente os pertencentes ao movimento tropicalista. Entendemos que tais artistas

cumprem um papel importante, tanto na crítica cultural como um todo, por meio da sua participação

ativa nos debates políticos e estéticos no período da ditadura militar, como por ser uma baliza

importante para os críticos e artistas posteriores àquele período. Os artistas participantes do

movimento tropicalista estavam diretamente ligados ao debate sobre música popular no período e os

traduziram e incorporaram, seja através da estética, seja através do discurso, em sua obra. Portanto,

o conceito de música popular incorporado por estes artistas traz em si uma leitura/ compreensão da

cultura brasileira. Ora, as críticas a esses artistas estão diretamente e indiretamente ligadas àqueles

debates.

Neste sentido, as críticas escolhidas para a análise foram: Os Mutantes, Os Mutantes (1968)

– Edição 10, Maio de 1986; Caetano Veloso, Transa (1972) – Edição 26, Setembro de 1987; Vários

Artistas, Tropicália ou Panis et Circencis (1968) – Edição 41, Dezembro de 1988; Tom Zé,

Estudando o Samba (1976) – Edição 49, Agosto de 1989; Gilberto Gil – Expresso 2222 (1972) –

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Edição 126, Dezembro de 1995 e Gal Costa, Fa-Tal – Gal a Todo Vapor (1971) – Edição 132, Julho

de 1996.

Desta forma, a questão problema da pesquisa é em relação ao papel que a crítica musical

posterior ao período militar atribuiu a determinados artistas e qual o posicionamento destas críticas

em relação aos debates sobre música popular e cultura brasileira. Pretendemos esclarecer como se

formou o discurso da mídia e como ele se posicionou e equacionou em relação aos debates travados

nos meios acadêmico e artístico num momento de abertura política e econômica em uma revista

inserida no mercado editorial comercial do país.

Entendemos que o Brasil é um país privilegiado pela força de sua música popular, sendo um

traço importante da cultura brasileira. A música popular no Brasil teve papel determinante em

algumas políticas mobilizadoras e modernizadoras do Estado brasileiro: serviu como elemento

constituinte de identidade; serviu como propaganda de determinadas políticas governamentais;

como constituinte de identidades locais e afirmação de grupos sociais, minorias e etnias; como foco

de resistência e protesto contra a ditadura militar, etc.

Desta forma, entrar em contato com a bibliografia sobre música popular no Brasil, permite-

nos, não só entendermos aquelas mobilizações a que o objeto foi protagonista, como nos mune de

um arsenal teórico e conceitual necessários para a análise a que estamos nos propondo. O conceito

de música popular no Brasil foi construído a partir de diversos embates políticos e culturais e fez

parte central em diversos momentos da construção de um projeto de nação para o Brasil.

Assim, ao entrarmos em contato com os debates em torno da música popular, notadamente

na imprensa de grande circulação nacional, estamos diretamente inseridos nos debates sobre a

cultura e a política brasileira como um todo. A própria compreensão do que é música popular

professado pelo discurso da mídia nos diz como foram equacionados aqueles debates e como eles

foram (e são) propagados e reinventados de acordo com a conveniência e contexto.

Antes, porém, é necessário entrar em contato com os debates acerca do jornalismo cultural e

da crítica. Para isso, seguimos as reflexões levantadas por Faro (2006), Cardoso (2007) e Barthes

(2007). Os dois primeiros atendem especificamente sobre a realidade da mídia brasileira e sua

construção crítica, enquanto o último autor nos fornece um referencial teórico mais geral, atentando

mais sobre os traços filosóficos e sociológicos da crítica e como ela se constitui socialmente.

Como as críticas que serão analisadas estão em um recorte específico de artistas do

movimento tropicalista, é preciso contextualizar o movimento em si e suas relações e debates

estéticos e políticos. Desta forma, entramos em contato com a bibliografia voltada para os debates

sobre música popular brasileira, relacionando com o movimento estudado. Entretanto, no decorrer

da pesquisa, vimos a necessidade de analisarmos a crítica de primeira hora do tropicalismo e como

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o discurso sobre o movimento se constituiu com ajuda e em relação a essa crítica.

Também se fez necessária uma aproximação entre os estudos de Análise do Discurso e

mídia. Entendemos que a Análise de Discurso é um campo de estudo que oferece ferramentas

conceituais para a análise da linguagem enquanto acontecimento, observando as relações dela com

a memória, a história e o ambiente social em que foi produzida. A mídia tomada como prática

discursiva, produto de linguagem e processo histórico, permite ao analista observar e analisar tais

articulações (GREGORIN, 2007).

Deste modo, nossa metodologia foi construída a partir de um estudo teórico com base nos

estudos de mídia, na sua relação como o contexto de debates sobre a música popular no Brasil e a

formação da crítica especializada. Para tanto, entramos em contado com outras disciplinas,

principalmente a História, a Sociologia, a Antropologia e a Musicologia, atendendo sempre ao que

Braga (2011) chama de interações comunicacionais, ou seja, utilizamos as diversas áreas de

conhecimento “em função dos interesses específicos da Comunicação” (Braga, 2011, p. 67). Assim,

poderemos perceber, com ajudas das diversas disciplinas, qual o ângulo que devemos tomar na

nossa pesquisa.

Nosso trabalho de conclusão de curso ficou assim dividido: capítulo 1 – Fundamentação

teórica: Jornalismo, crítica e música, com os debates sobre a prática do jornalismo cultural, o

tropicalismo e a formação da crítica no Brasil; capítulo 2 – Metodologia, em que demonstramos

como a Análise de Discurso e os estudos sobre mídia podem nos ajudar com a análise do nosso

objeto; e capítulo 3 – Análise: Revista Bizz e crítica tropicalista, em que relatamos a história da

revista e sua importância no mercado editorial brasileiro, além da análise propriamente dita da

coluna Discoteca Básica, sob o recorte dos discos tropicalistas que apareceram na sessão.

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Capítulo 1 – Fundamentação teórica

No presente capítulo pretendemos fazer um apanhado sobre as relações entre mídia, crítica e

o movimento tropicalista. Primeiramente seguimos com algumas reflexões sobre jornalismo cultural

e crítica cultural. Em seguida prosseguimos com uma contextualização do movimento tropicalista,

sua emergência, seus discursos e embates no campo da cultura brasileira do fim da década de 1960.

Após esse contextualização passamos para a análise das críticas de primeira hora, que procuraram

definir e construir discursos sobre o movimento e que posteriormente foram evocadas,

ressignificadas ou refutadas por críticos e jornalistas envolvidos em outros tipos de debates e

contextos.

1.1 Jornalismo Cultural e Crítica

Buscando algumas definições sobre jornalismo cultural e crítica seguimos as reflexões

levantadas por Faro (2006). O autor, ao pretender conceitualizar o jornalismo cultural, observa

como diferentes agentes tratam o conceito. Em um primeiro momento, observa as leituras que falam

do objeto como intimidado pelo comercialismo. Para essa vertente, o jornalismo cultural estaria

completamente subjugado ao mercantilismo da sociedade contemporânea. O texto praticado por

jornalistas estaria acossado pelas pressões das assessorias de imprensa e pelas relações de poder

estabelecidas nas empresas jornalisticas. Esta seria uma vertente menos elaborada, presente em

reflexões de jornalistas num contexto extra-acadêmico. O autor cita o exemplo do texto do site

Comunique-se intitulado “Os desafios do jornalista que cobre Cultura” (FARO, 2006) para

exemplificar esse vertente.

Faro (2006) salienta que entre esse tendência a analisar as relações mercadológicas do

jornalismo cultural, a leitura acadêmica complexifica mais o objeto. O autor aponta a leitura de

Herom Vargas. Para Vargas, a imprensa contemporânea seria uma portadora de um “valor de troca”

e considera impraticável a produção dela sem estar vinculada ao sistema econômico que lhe dá

sustentação. Desta maneira, exercer o jornalismo cultural fora desses condicionamentos seria

apenas devaneio romântico. A crítica e o ensaio, elementos característicos do texto jornalístico

cultural, pertenceriam a um passado irrecuperável, fruto de um período que tais relações não se

davam de forma tão maciça.

Entretanto Faro contesta tal vertente. Assume, antes, que não enxergar tais relações

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mercantis do jornalismo cultural seria ingenuidade. Relativiza, assim, essa exclusividade negativa

do comercialismo sobre a prática. O autor trabalha com a hipótese da dupla dimensão do jornalismo

cultural: a que as praticas reiteram signos, valores e concepções de cultura de massa; e outra que

pratica discursos que revelam tensões contra-hegemônicas marcadas por uma forte presença autoral,

opinativa e analítica.

Trata-se de uma instância da produção jornalística reiterativa dos signos da cultura de massa, espaço em que se torna possível sua verificação como produto mercadológico e disseminados dos padrões da indústria cultural; de outro, como um outra instância, a do trânsito de produção e reflexão contra-hegemônicas, cuja identificação escapa à lógica linear das relações discursivas consagradas nos demais setores da produção jornalística e cuja incidência reflete os contextos políticos-ideológicos que cercam, em cada situação histórica, a prática dos profissionais de imprensa. (FARO, 2006, p.10)

Ao levantar essa hipótese, ressalta que a amplitude conceitual pouco rigorosa atrapalha uma

melhor definição do tema. Lembra que a assertiva “todo jornalismo é cultural” constantemente

atribuída por detratores seria vaga e diluída, caindo numa abstração que levaria a uma fragilidade

conceitual que somente denota incompreensão da atividade. Observa com reserva a tendência de

analisar a narrativa como definidora do jornalismo cultural. Tal tipo de análise ampliaria

desmesuradamente o objeto, deixando de lado a especificidade da prática e se ligando somente ao

estilo. Jornalismo literário, para Faro, não é o mesmo que jornalismo cultural.

Para maior rigor de conceitualização, o pesquisador deve se atentar para uma

particularização do fenômeno: leitura da prática jornalística. Faro observa que o conceito de cultura

presente no jornalismo cultural é relacional, menos amplo que requer a leitura que o trata como um

conceito antropológico. A cultura, no caso, é referente à produção artístico-intelectual, factual e

analítica, praticada na produção de conteúdos noticiosos ou não presentes nos cadernos, revistas e

sítios eletrônicos de conteúdo crítico. O jornalismo praticado desta forma é também produtor de

capital cultural, produzindo assim uma intersecção do mercado com o jornalismo.

O autor entende que essa intersecção se deu por sua formação histórica, em que intelectuais

e escritores se envolveram diretamente na produção de escrita na mídia imprensa, transformando o

jornalismo em segmento de reflexão pública, em que tais veículos produziram (produzem)

conteúdos culturais de serviço, mas também de interpretações intelectuais de naturezas diversas.

Nesta medida, o jornalismo cultural, para além de sua dimensão informativa e mercadológica, é também uma instância de categorias valorativas e históricas, negociadas entre os vários sujeitos que a produzem. A resenha, a crítica teatral, a crítica literária, a avaliação da filmografia, estão permanentemente formulando um olhar que extrapola o âmbito específico do fato motivador da pauta e do texto e se estende sobre a própria tensão decorrente da avaliação jornalística – ou da avaliação produzida para sua inserção no produto (o suplemento, a seção, a revista especializada. (FARO, 2006, p. 12)

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Já Cardoso (2007) identifica a crítica como fator marcante desta modalidade de escrita

jornalística. A exemplo de Faro, a importância da crítica cultural é demonstrada pelo autor na

participação dos intelectuais no processo histórico de formação do texto jornalístico de cunho

opinativo. Para Cardoso, basta observar a maneira, como no Brasil, escritores, artistas e acadêmicos

ajudaram a direcionar os rumos do Modernismo. Para isso, cita a crítica de Monteiro Lobato a Anita

Malfatti em jornal de grande publicação. Também foi através da grande mídia que Oswald de

Andrade respondeu às acusações de Lobato. Esse debate teria defino os rumos do movimento.

Entretanto, na passagem do século XX aqueles intelectuais e artistas cederam lugar

gradualmente para jornalistas de carreira ocuparem postos de crítica na imprensa. Seguindo Melo1,

o autor nota a formação de dois estilos de texto de apreciação analítica: a resenha e o ensaio crítico.

A primeira seria uma descrição da obra, de caráter mais informativo e mais breve. A segunda, mais

elaborada, teria maior fôlego por requerer do jornalista a constituição do campo artístico ao redor da

obra analisada, situando o leitor em um contexto histórico e social mais amplo.

De outra forma, Cardoso utiliza o termo genérico “crítica”, sem distinguir as duas

modalidades acima descritas. Ele observa na prática jornalística atual uma confusão entre as duas,

além de uma diminuição do espaço do jornalismo opinativo como um todo. Assim seria ineficaz a

distinção entre as duas.

A definição de Bourdieu2 para crítica é evocada por Cardoso. Segundo essa definição, o

crítico é um colaborador na atribuição de valor simbólico às obras de arte. Para isso é preciso, por

parte do jornalista, deixar muito claro a sua autoridade e erudição. Os críticos colaboram então com

os comerciantes de bens simbólicos ao emitirem valores sobre as obras, o que por consequência

interfere em seu valor monetário. É também do texto do jornalismo opinativo que emerge grande

parte do prestígio dado a determinado artista, influindo diretamente no campo de produção artístico-

intelectual.

Cardoso acrescenta nessa equação que o jornalista ainda tem o poder de revestir a obra de

arte com um véu que eufemiza as formas de publicidade embutidas nas relações entre imprensa e

mercado de bens simbólicos. O jornalista é, portanto, dotado de uma autoridade conferida pelo

público leitor (já que é a materialização da opinião dele) e pela classe artística.

Leenhardt3 chama a atenção para três elementos constitutivos da crítica: “a pessoa do crítico,

a particularidade dos objetos culturais e o público potencial da obra” (LEENHARDT apud

CARDOSO, 2007, p. 303). A crítica, através do olhar do jornalista, exerceria um papel entre a obra

e o público. Um primeiro contato entre os dois, por meio do autor do texto opinativo. Assim,

1 MELO apud CARDOSO, 20072 BOURDIEU apud CARDOSO, 2007.3 LEENHARDT apud CARDOSO, 2007.

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deveria ser muito mais que um fornecedor de opinião; mas atuar como um questionador.

Para isso, Leenhardt elenca dois critérios de registro da obra de arte: a objetividade da obra

e a leitura que se faz dela. A crítica é, portanto, um texto que descreve a obra e a vivência do escriba

em relação a ela.

Assim, com o objetivo de agir sobre o leitor, de causar nele alguma mudança ou simplesmente de promover nele reflexão, a crítica oferece ao leitor e consumidor de arte um ponto de vista analítico, intelectual e sensível que é expressado pela “sensibilidade intermediária” do autor do texto, ou seja, pela mediação feita pelo crítico. (CARDOSO, 2007, p.303)

Coelho4, por outro lado, aponta que o texto opinativo ao decorrer do século XX passou a

buscar um processo do que chama de “cientifização”. Ou seja, caminhou para análises menos

fundamentadas em julgamentos baseados no gosto clássico burguês. Tendência essa que se

aprofunda com maior influência do mercado sobre a imprensa. Essa forma de texto esconde

qualquer traço do enunciador sob o uso da terceira pessoa, deixando o texto crítico guiado por uma

“não-pessoa”, apagando assim a definição dos interlocutores. Segundo Cardoso, em busca de uma

pretensa clareza e objetividade, o jornalista, ao usar esse artifício, cairia em um positivismo.

Para afastar esse tendência, o autor reitera que o crítico deve transparecer sua visão

particular sobre a obra de arte, deixar claro seu caráter de coisa pessoal. Além disso, evidenciar que

o texto escrito sobre uma obra de arte se trata de uma leitura de alguém sobre ela. Para isso o crítico

deve ter uma formação e personalidade que permitam tal leitura idiossincrática.

Ora, se um crítico, jornalista cultural também ele, deve ser capaz de perceber a realidade de maneira diferenciada, penso que sua voz é o que deve ser preponderante no seu texto. Um bom texto de crítica cultural, acredito, deve trazer mais do que a descrição e a informação mais objetiva sobre o objeto artístico. O crítico deve deixar transparecer no texto essa sua “voz pessoal distintiva”, o seu ponto de vista, a sua apreciação sobre a obra. Sob a pena de, como alerta Coelho Neto, ser um “mero escrivinhador de serviço cultural” caso se limite a apenas relatar e descrever obras de arte. (CARDOSO, 2007, p 305)

Reforçando esse conjunto de definições sobre a crítica, lembramos de Barthes (2007). Para o

teórico francês, o objeto da crítica não é o “mundo”, mas o discurso. Um discurso sobre um

discurso. Uma linguagem segunda (metalinguagem) que é exercida sobre uma linguagem primeira

(objeto – obra de arte). É o atrito dessas duas linguagens que define o que é a crítica. Assim, não se

trata de descobrir verdades, mas validades. Pois uma linguagem não é verdadeira ou falsa, é válida

ou não: por válida entende como seguindo um sistema coerente de signos.

O papel da crítica é integrar a maior quantidade possível de linguagem que segue a lógica e

coerência da linguagem primeira (obra analisada). O crítico, portanto, ajusta a linguagem que lhe

oferece seu tempo (aproximações com escolas ou vertentes filosóficas) ao sistema formal elaborado

4 COELHO apud CARDOSO, 2007.

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pelo autor segundo a época dele e formação. Segundo Barthes, não é questão de descobrir verdades

ocultas, mas de ajustamento. Ou melhor, de “cobrir [a obra] o mais completamente possível com

sua própria linguagem” (BARTHES, 2007, p.162)

Reconhecer que ela não é mais que uma linguagem (uma metalinguagem, no caso) permite

que a crítica possa ser de modo contraditório mas autêntico “ao mesmo tempo objetiva e subjetiva,

histórica e existencial, totalitária e liberal” (BARTHES, 2007, p.163). Esse caráter conflitivo se dá

de um lado, por a linguagem não descer dos céus para o crítico, mas ser proposta por seu tempo,

fruto de um amadurecimento das ideias de sua época; por outro, fruto de escolhas a partir da

organização existencial do crítico (suas escolhas, prazeres, resistências, paixões). No fim, a crítica

promove o diálogo de duas histórias e duas subjetividades: a do crítico e do autor. “É uma

construção da inteligência de nosso tempo” (BARTHES, 2007, p. 163).

A crítica não é absolutamente uma tabela de resultados ou um corpo de julgamentos, ela é essencialmente uma atividade, isto é, uma série de atos intelectuais profundamente engajados na existência histórica e subjetiva (é a mesma coisa) daquele que os realiza, isto é, os assume. Uma atividade pode ser verdadeira? Ela obedece a exigências bem diversas. (BARTHES, 2007, p.160)

1. 2. O tropicalismo, a canção de protesto e a crítica

A canção popular no Brasil ocupa um lugar de destaque, tanto pelas diversas políticas a que

foi submetida, quanto pelo papel central na relação com diversos campos da cultura (política,

economia, identidades, etc). Por ser um produto cultural de importante destaque na realidade

brasileira, ela pode ser um lugar para pensarmos as diversas transformações ocorridas no último

século. Produto cultural esse que por vezes demonstra e reflete tais mudanças. Por ter sido também,

em diversas ocasiões, utilizado como meio para manifestações de repúdio às transformações ou para

expressar ideias, desejos e atitudes de grupos em contato com aquelas transformações, torna-se uma

fonte privilegiada para termos acesso ao imaginário social e cultural de um povo.

Notamos na literatura sobre a cultura brasileira alguns temas que perpassam grande parte do

século XX. Dentre tais temas, pelo menos um é recorrente na música feita no Brasil desde pelo

menos fins do século XIX, e, que pelo constante embate, foram chamados à tona em momentos

críticos. A saber: o problema da reprodução de “modelos exógenos” de música (ou a criação de um

modelo próprio) (TRAVASSOS, 2000). Tal tema reflete e foi produzido no ambiente de debates

sobre projetos de modernização do país. Assim, através da canção popular podemos entrar em

contato com tais projetos e refletir sobre a maneira como eles eram recebidos, sentidos, aceitos (ou

não), reformulados e expressados por diferentes grupos sociais – já que a canção circulava (e ainda

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circula) por diversos ambientes sociais.

Para Travassos, tais embates foram equacionados pela música popular de diversas maneiras

no Brasil. O samba nasceu, cresceu e se tornou gênero musical que expressava a identidade

nacional em um ambiente privilegiado. A influência da cultura estrangeira sempre foi um tema caro

para o Estado-Nação. O Brasil, por ser um país na periferia do modelo econômico capitalista e ter

uma diversidade cultural enorme, sofreu (e sofre) diversos níveis de gradação da influência de

diferentes culturas. Isso dificultou, até certo ponto, nossa afirmação identitária, sendo necessária a

criação de certas barreiras que dificultavam e estigmatizavam alguns elementos culturais, taxando-

os como estrangeiros e nocivos à ideia de brasilidade. Do mesmo modo foi necessária uma seleção

e construção de alguns símbolos como portadores daquele ideário que reunia todas as expressões

nacionais. O samba desta forma agiu como um repositório desse conjuntos de ideias e símbolos que

representavam o país.

Com a criação de elementos culturais que identificavam a brasilidade (no caso, o samba) e,

talvez por isso mesmo, o debate sobre a influência de elementos exógenos na música popular do

Brasil se acirrou. O samba, tomado como música que expressava a identidade nacional, passou a

simbolizar a defesa de tudo o que fosse o brasileiro. Portanto deveria ser exaltado e se manter, de

certo modo defendido daqueles símbolos externos, pois qualquer que fosse a alteração que não

respeitasse os paradigmas de música nacional era vista como rendição ao estrangeiro. São diversos

os casos de letras de sambas, da década de 1930 em diante, que expressam tal preocupação. A

inserção da guitarra elétrica num samba, como veremos mais tarde, por exemplo, pode ser vista

como uma rendição e alvo de polêmicas.

Assim, a escolha de um gênero que representava a brasilidade possibilitava a estigmatização

de determinados elementos musicais que não estavam de acordo com tal paradigma. Esse debate

perpassou toda a história do samba, após sua emergência como gênero musical considerado

nacional. Tal debate era, deste modo, sempre resgatado quando a brasilidade era posta em perigo

com aproximações demasiadamente perigosas (com o jazz, num primeiro momento ou o pop e a

guitarra elétrica já na década de 1960).

O samba, tido como gênero musical brasileiro por excelência, emerge na década de 1930,

como ponto de encontro de diversos interesses. Desde então, a música popular no Brasil se

relaciona, de alguma forma, com esse gênero específico, de maneira a tratá-lo como um ponto nodal

segundo o qual suas referências eram buscadas, reverenciadas ou negadas. Ou seja, os diversos

gêneros, subgêneros e estilos musicais feitos no Brasil buscaram numa espécie de “samba ideal” o

modelo musical ao qual queriam se ligar ou negar. Dessa forma, o samba serviu como legitimador

dos diferentes discursos musicais produzidos no país, como foram os casos da bossa nova, da MPB,

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do tropicalismo ou do rock, por exemplo.

Tais discursos musicais, para se legitimarem recorreram ao samba como modelo, por ele ter

sido dotado de uma especificidade que representava um modelo totalizante. Esse modelo tinha o

poder de guiar os ouvidos de todos aqueles que procuravam uma referência para constituírem sua

identidade enquanto gênero musical. A ligação entre o samba e brasilidade deu ao primeiro esse

poder de sintetizar um modelo de formação de identidades musicais. A brasilidade, expressa como

uma forma de conduta em relação aos diversos elementos culturais em dada realidade, era

sintetizada pelo samba, e ele se tornou um lugar em que os discursos convergiam com o fim de

travarem combate (ou manterem relação de aproximação ou distanciamento). Isso por estar, no

momento de sua construção como tradição, em contato com os intelectuais e as ideias que forjaram

o nacionalismo modernista, quanto por ser olhado com receio pelos “inimigos” de tal nacionalismo.

Travassos salienta que desta forma, observar a maneira como os diversos gêneros musicais

lidam com o discurso legitimador do samba, nos põem em contato com um embate surgido na

aurora de nossa modernização nacional e que perpassou grande parte de nossa história republicana.

Tais embates discursivos/musicais se deram não somente nas canções, mas foram ampliados e

repercutidos pelos meios de comunicação de massa, emergentes no Brasil na segunda metade do

século XX. Assim, localizar e reconhecer tais embates no campo da canção popular é necessário

para entendermos a maneira como a crítica especializada os equacionou, apropriou e/ou relacionou

no ambiente amplificado dos periódicos.

No nosso trabalho será, portanto, necessário analisar a maneira como o movimento

tropicalista lidou com o discurso nacionalista do samba e como tal movimento construiu seu

discurso legitimador, negando a ideia de uma brasilidade excludente das musicalidades exógenas.

Posteriormente, percorreremos tais embates no campo da crítica musical escrita simultaneamente ou

imediatamente posterior à emergência do tropicalismo, percebendo as diversas nuances discursivas

que tais críticos utilizaram para referendar ou não o tropicalismo. Para assim entrarmos de vez no

nosso objeto de pesquisa e analisarmos como ele equacionou os discursos, conceitos e noções

utilizados naqueles embates em uma revista de grande circulação, de alcance nacional, já na década

de 1980 e 90.

1.2.1 O discurso internacionalista do tropicalismo

Quando, em 1967, as músicas Domingo no Parque e Alegria Alegria, de Gilberto Gil e

Caetano Veloso respectivamente, foram ouvidas no III Festival de Música Popular da TV Record, o

estranhamento sentido por parte do público e do juri do festival apenas confirmou as discussões que

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os autores das canções colocavam em jogo naquele momento. Até então, as canções participantes

dos festivais seguiam determinados modelos estéticos-ideológicos fruto do engajamento político

dos participantes dos Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes. Apesar de

não tão rígidos como quer passar certa leitura partidária, o modelo vigente na chamada MPB

expressava preocupação dos autores com uma tradição nacionalista que se aproximava das teorias

de Mário de Andrade sobre o artista como porta-voz da nacionalidade “capturada” nas

manifestações populares (TRAVASSOS, 2000). Tais pressupostos também estavam em consonância

com o papel do intelectual exposto no manifesto de Carlos Estevam Martins para o CPC

(CONTIER, 1998).

Ora, a dessacralização do herói popular feita por Gil na sua música Domingo no Parque vai

de encontro a tais modelos. O trabalhador ali sucumbe às tentações da paixão cotidiana cometendo

um crime banal. Sem qualquer consequência maior ou comentário político; a canção apenas retrata

o acontecido, de forma despretensiosa. Por outro lado, o comentário musical obtido pelos arranjos

do maestro Rogério Duprat potencializam a confusão e inserem o ouvinte de forma participante na

canção.

O estranhamento inicial, logo dá lugar ao sucesso da canção, e foi obtido através da fusão

musical destacada já na introdução, onde se misturam temas polifônicos, com gritarias lembrando o

ambiente de parques de diversões, sons que se fundem e aos poucos se transformam em um som de

berimbau – instrumento que dá o ritmo e pontua os acontecimentos que logo se farão notar. Os

timbres da guitarra elétrica são ouvidos ao final canção quando o crime de um enciumado feirante é

relatado. A capoeira evocada pelo som do berimbau é antes o anúncio de um crime, efeito sonoro de

associação, do que uma busca por sonoridades que imprimem valores tradicionais representantes da

brasilidade - o que os sons polifônicos e a guitarra confirmam. O procedimento de montagem, com

a união entre letra, música, sons e ruídos, lembram uma montagem do cinema moderno – como os

closes e as fusões eisenstenianas (CAMPOS, 2005). Uma piscadela estética para os artistas de

vanguarda.

Alegria Alegria, apesar de não ter arranjos tão complexos quanto a música de Gil, choca

com os ideais de uma MPB mais ortodoxa. É uma marcha, mas o é de uma nova forma. A letra e a

guitarra deixam claro tal mudança. O ambiente fragmentado é sentido com certa alegria por um

transeunte que passeia “entre fotos e nomes” com “olhos cheios de cores” e o “peito cheio de

amores vãos”. Um personagem sem nome que caminha no ambiente violento e multifacetado de

uma cidade grande qualquer e que, ao que parece, não se preocupa com os temas do engajamento

nacionalista. O personagem não está envolvido na luta de classes ou não passa por uma

transformação que o faz ter uma consciência de classe. A marcha de Caetano em nada lembra os

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temas dominados por “violas” e “marias” presentes nas canções típicas daquele momento

(CONTIER apud NAPOLITANO, 1997). Nem mesmo quer validar seu discurso musical na

tradição – não naquela que colocavam o morro e o sertão como lugares onde a cultura popular

poderia ser encontrada “in natura”. Ele apenas “toma uma coca-cola” e se decide por “cantar na

televisão”.

O lugar da relação entre arte e política é deslocado na composição de Caetano. O compositor

retoma as experiências concretistas, olhando a realidade brasileira (tão cara à canção engajada) sob

um outro prisma. A relação com o público se dá pela inserção desse na montagem da canção, na sua

participação crítica como decifrador de símbolos; não pela aproximação psico-emotiva de uma

música como Disparada, do Geraldo Vandré. A referência a uma experiência urbana fragmentada,

assim como a música de Gil, entra em contato com a arte cinematográfica, do cinema moderno,

“como uma câmera na mão de Godard”, adianta Augusto de Campos (2005). Assim, o autor em seu

discurso quer romper com as barreiras do estabelecido como música nacional – ou pelo menos

assim valida seu discurso. Para isso institui uma nova forma de validação discursiva.

O discurso musical de Caetano e Gil, e dos simpatizantes do movimento tropicalista, é

pautado pela dicotomia “impasse” versus “evolução”. Essa dicotomia legitima o discurso musical

tropicalista na medida em que seleciona, organiza e institui formas de expressões musicais e

práticas estético-discursivas que servem aos seus interesses. Ou seja, localiza na MPB pós-bossa

nova, ligada aos CPC da UNE e apresentadas nos Festivais da Canção, uma série de características

que não estariam em consonância com as vanguardas artísticas e a modernidade. Desta forma, é

cunhado por Caetano Veloso o termo “linha evolutiva”. O termo se refere a uma certa tradição

musical brasileira que, não abandonando seu caráter local, acompanha as inovações técnicas e

estéticas da modernidade. Tal tradição teria seu inicio nas inovações estéticas da bossa nova, no

campo da música popular. O tropicalismo estaria, assim, “atualizando” aquelas inovações.

Assim, organizando e selecionando determinada tradição, o tropicalismo institui um olhar

perspectivo de forma linear sobre a história da música popular no Brasil, cindindo-a em dois pólos

opostos: um ligado à tradição nacionalista e outro à modernização da música. Pólo este que deveria

ser retomado, pois o pólo nacionalista, até então dominante, ao “folclorizar a música popular

brasileira” estaria atravancando sua evolução. Senão vejamos nas palavras do próprio Caetano

Veloso em famosa entrevista dada em 1966:

Ora a música brasileira se moderniza e continua brasileira, à medida que toda informação é aproveitada (e entendida) da vivência e da compreensão da realidade brasileira (…) Para isso nós da música popular devemos partir, creio, da compreensão da emotiva e racional do que foi a música popular brasileira até agora; devemos criar uma possibilidade seletiva como base na criação. Se temos uma tradição e queremos fazer algo de novo dentro dela, não só temos que senti-la mas

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conhecê-la. É este conhecimento que vai nos dar a possibilidade de criar algo novo e coerente com ela. Só a retomada da linha evolutiva pode nos dar uma organicidade para selecionar e ter um julgamento de criação. Dizer que samba só se faz com frigideira, tamborim e um violão, sem sétimas e nonas, não resolve o problema. (…) Aliás João Gilberto, para mim, é exatamente o momento em que isto aconteceu: a informação da modernidade musical utilizada na recriação, na renovação, no dar uma passo à frente da música popular(...)” (Revista Civilização Brasileira apud FAVARETTO, 2000, p.39)

Ora, quando Caetano diz que “não só temos que senti-la [a tradição] mas conhecê-la”, quer

dizer que aquela tradição do samba resgatada pela MPB se baseia numa idealização, não em um

conhecimento que promove a inovação. Ele separa a busca do passado promovida pelo tropicalismo

daquela suposta idealização. Mais adiante na entrevista/manifesto completa: “não me considero

saudosista e não proponho uma volta àquele momento [a bossa nova joãogilbertiana] e sim uma

retomada das melhores conquistas (as mais profundas) desse momento”, diz. (Revista Brasileira

apud FAVARETTO, 2000, p.39). O músico, portanto, crava um punhal na história da música

popular, separando-a em duas linhas paralelas, distintas e irreconciliáveis. Mas o faz de maneira a

preservar o passado que o interessa. Como um prestidigitador, funda uma outra tradição.

1.2.2 A canção de protesto

As pesquisas de Arnaldo Daraia Contier (1998) nos mostram que as relações das canções de

protesto com o engajamento cepecista e as inovações técnicas e estéticas modernas eram muito mais

complexas do que quer a leitura ideológica do tropicalismo. Carlos Estevam Martins, sociólogo

ligado ao ISEB, redigiu o primeiro manifesto do Centro Popular de Cultura, em 1961. Esse texto

acabou se tornando o discurso oficial do projeto nacional e popular na cultura – sob uma ótica

marxista. Nele, Martins defendia uma “arte revolucionária destinada à conscientização política das

massas” (CONTIER, 1998, p. 4). Quer dizer, o manifesto defendia o engajamento da obra de arte

em detrimento das concepções formalistas. Os produtores de cultura deveriam estar atentos à

importância da integração social e política do artista no âmbito de uma determinada comunidade.

Esse programa pregava sem meias palavras que o artista deveria assumir o papel de militante

político, capaz de interferir na libertação do povo brasileiro e condenava o artista despolitizado,

alienado e alheio aos problemas sociais.

Nesse manifesto, Martins elegeu o artista-militante como porta-voz do novo. Ou seja, todo

músico deveria atingir esse ideal de engajamento político e social, através do que ele chamava de

arte popular revolucionária. Uma arte caracterizada “pelo seu conceito radical no campo da política,

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almejando induzir o povo na busca da posse de si mesmo e adquirir a condição de seu novo drama”

(Contier, 1998, p.5). A partir daí que a canção de protesto ganhou a aura para os artistas e críticos. O

golpe militar de 1964 ajudou dando um inimigo palpável para combater. Tal canção deveria ter

clareza, simplicidade, tonalismo, temas sociais inspirados no folclore, tudo feito de maneira a

atingir o “povo brasileiro” (CONTIER, 1998).

Entretanto, ainda que houve certo rebaixamento estético em prol do didatismo em algumas

canções, as relações entre os signos sonoros e a política/linguagem variaram de compositor para

compositor. Contier (1998) aponta músicas como Ponteio, Borandá, Memórias de Marta Saré, de

Edu Lobo, Marcha da 4ª feira de Cinzas ou Influência do Jazz, de Carlos Lyra, com traços de

engajamento político nas letras, mas “os arranjos, as sonoridades aproximam-se de uma

modernidade não sintonizada com discursos verbalizados por Carlos Estevam Martins em seu

manifesto do CPC” (CONTIER, 1998, p.7). Assim, apesar das concepções de arte popular

revolucionária serem internalizadas pelos compositores engajados, por não existir um projeto

específico para a área musical e em função da historicidade das memórias sonoras desses

compositores e pela natureza polissêmica do signo sonoro, as sonoridades não reproduziam aqueles

modelos disseminados pelos discursos verbais do CPC. Desta forma, as letras das músicas estão de

acordo com tais modelos; mas as sonoridades, os arranjos, as melodias, aproximam-se de uma

modernidade que foge do esquematismo nacional-popular.

Ainda assim era interessante para os intentos de renovação que os tropicalistas propunham

estigmatizar a música popular engajada, a canção de protesto de base nacional-popular, como

“folclorizada” e “estagnada”. O que, aliado a transformações no próprio seio da MPB, como

repetição de temas e musicalidades; à censura do Estado Militar que reprimia a divulgação e

execução de músicas engajadas; à mitificação de alguns ídolos pela indústria fonográfica e

televisiva; além do desgaste do modelo de festivais e procura de novas faixas de consumidores de

música, levou ao esgotamento do modelo de canções baseadas no nacional-popular.

O movimento tropicalista, se aproveitando desse desgaste natural cunhou seu discurso em

cima de uma pretensa atualização da forma-canção, atacando o ponto fraco da MPB: o pop

internacional. O pop, por meio dos Beatles e da jovem guarda conquistava cada vez mais a

juventude, atingindo faixas de consumidores maiores e batendo de frente com a MPB. Caetano e

Gil se utilizaram da força propulsora que o pop oferecia para seus intentos de “modernizar a música

popular no Brasil”. Assumindo posturas tanto estéticas, quanto mercadológicas, de ataque frontal ao

modelo nacionalista, conseguiram chamar a atenção da imprensa que aproveitou o momento e

incendiou a rixa, tornando os compositores baianos rapidamente em heróis e o tropicalismo em

moda.

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A postura e o discurso de modernização de Caetano e Gil, desde o início, chamaram a

atenção de artistas de vanguarda que passaram ao largo do modelo nacional-popular

(NAPOLITANO, 1997). Os músicos de vanguarda do grupo Música Nova (Damiano Cozzella,

Rogério Duprat e Júlio Medaglia, principalmente) que já há algum tempo procuravam formas de

inovação musical, perceberam nos tropicalistas a oportunidade perfeita para seus intentos, unir a

música popular à música erudita de vanguarda. Outro grupo de vanguarda que se alinhou aos

baianos foram os concretistas (Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari), dando o

suporte teórico necessário para a afirmação discursiva tropicalista. E partiu de um deles, Augusto de

Campos, a primeira defesa no campo da crítica musical ao movimento tropicalista, como veremos

adiante.

1.2.3 A crítica de primeira hora

Paralelamente à emergência do tropicalismo em todas as suas frentes (as músicas de Gil e

Caetano; o sucesso da peça O Rei da Vela, de Zé Celso; o filme Terra em Transe, de Glauber

Rocha), o debate cultural em torno do movimento ganha as páginas da mídia da época. Estamos

falando de 1968. Foi uma sequência de manifestos e reações, que, de uma forma ou de outra,

acabaram por consolidar o nome do movimento na mídia de massa. O primeiro manifesto foi escrito

por Nelson Motta5. Chamado de Cruzada Tropicalista, o crítico produziu uma paródia do ufanismo

conservador ironizando a realidade político-econômica do momento sob vestes tropicalistas. Foi o

bastante. O texto acabou provocando uma série de reações na mídia e arte em geral. Em seguida, o

poeto Torquato Neto escreveu Tropicalismo para Principiantes, um manifesto com conteúdo

programático do movimento, ainda que também em tom de blague. O caso é que ambos os textos

provocaram uma sequência de réplicas e artigos, alguns se posicionando contra, outros a favor dos

baianos. Ajudando, assim, a consolidar a palavra Tropicalia ou Tropicalismo na mídia e tornando-a

“moda cultural” (NAPOLITANO, 1997)

A blague e a paródia, mesmo utilizadas por seus entusiastas, compunham elementos difusos,

virando alvos fáceis de críticas, aguardando, portanto uma sistematização mais profunda. Ela viria

com o disco-manifesto Tropicalia – Panis et Circesis, lançado em 1968, e com a força

crítica/discursiva da aproximação com os poetas concretistas, principalmente após o lançamento do

livro Balanço da Bossa e outras bossas, de Augusto de Campos (2005), com uma coletânea de

textos com defesas de primeira hora por parte do autor aos procedimentos tropicalistas.

De qualquer maneira, o braço musical do tropicalismo acabou por direcionar o debate,

5 MOTTA apud NAPOLITANO, 1997.

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devido à sua vitalidade, tanto midiática quanto crítica, e sucesso de maior alcance. Tendo os cabeças

do movimento agido como ponta de lança na imprensa, ao divulgar através de entrevistas alguns

dos pressupostos e aproximando a estética de outras manifestações artísticas. Gilberto Gil, em

entrevista em 1967, aproximou o movimento da estética internacional, ao afirmar que “a música

pop é a música que consegue se comunicar – dizer o que tem a dizer – de maneira tão simples como

um cartaz de rua, um outdoor, um sinal de trânsito” (GIL apud. NAPOLITANO, 1997). Enquanto

Caetano, em entrevista a Augusto de Campos, afirma que o movimento é comportamental e

musical. Além de provocar: “é também moda”, disse. Neste momento assumia publicamente o

nome tropicalismo dado até então “informalmente” pelos acontecimentos midiáticos e o aproxima

da antropofagia oswaldiana. “Acho bacana tomar isso que a gente está querendo fazer como

Tropicalismo. (…) O tropicalismo é um neo-antropofagismo” (VELOSO apud, NAPOLITANO,

1997). A polêmica se instala.

Chico de Assis, um dos nomes atuantes do CPC da UNE, ataca raivoso: “o tropicalismo

beira a pilantragem. Gil com seus gritos não agride a sensibilidade ou os valores, agride fisicamente

o ouvido” (ASSIS apud. NAPOLITANO, 1997). O compositor Sidney Miller escreve um longo

artigo que rebate o tropicalismo usando Mario de Andrade, contra a utilização de Oswald de

Andrade por parte dos baianos.

Não se pode querer ser universal quando universal tem dono. Comercialmente interessa mais não distribuir uma linguagem nacional, esquisita e apimentada, do que uma linguagem vulgar, por ser mais técnica e menos filiada a essa cultura específica, poderia ameaçar o produto original do país distribuidor, via de regra, tecnicamente mais perfeito e culturalmente mais gasto. (MILLER apud. NAPOLITANO, 1997)

O compositor afirma ainda que o tropicalismo, ao buscar referências no universo pop

internacional, não estaria atualizando esteticamente a música popular brasileira. Antes estaria

universalizando o gosto para afirmar a posição dos grupos que dominam o mercado. “Pura divisão

do mercado para vender” (NAPOLITANO, 1997).

O disco-manifesto dos tropicalistas acabou por selar a aproximação com os poetas

concretistas. O LP é uma suíte a emular o Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Bealtes,

lançado um ano antes. A capa traz todos os componentes do coletivo tropicalista: Caetano e Gil,

sentados segurando respectivamente fotos de Nara Leão e Capinam; Gal Costa ao lado de Torquato

sugerem um casal; Tom Zé aparece em pé a segurar uma mala de couro, como um retirante recém-

chegado do nordeste; ao fundo os Mutantes empunham guitarras, enquanto na esquerda o maestro

Rogério Duprat evoca Duchamp com um urinol servindo de xícara. As relíquias do Brasil são

montadas alegoricamente, uma a uma, em mosaicos musicais que aproximam Beatles, do

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atonalismo, Bertold Bretch de Vicente Celestino e sincretismo religioso com crítica social

(FAVARETTO, 2000) . O arcaico e o moderno convivem sem formar sínteses, num ambiente

fragmentado e caótico. São 12 músicas, que mantém uma relação entre si, ora pela temática, ora por

um chamado de fábrica que liga duas canções.

Esse LP foi o grande acontecimento musical do movimento, definiu o movimento e formou

um coletivo; além de selar de vez a aproximação com os concretistas. O que se seguiu ao

lançamento do livro-manifesto de Augusto de Campos (2005), com a convergência tornada pública.

Ao lado do disco, o livro assume uma importância histórica por ser uma espécie de manual de

criação estética, crítica musical e tratado mais bem acabado sobre as proposições do movimento,

além de criar o termo TFM (Tradicional Família Musical). O termo enquadrada os inimigos de

forma homogênea e institui a “nova tradição” da família tropicalista.

A aproximação entre os dois grupos começou em 1966. No artigo Da Jovem Guarda a João

Gilberto, Campos (2005) já citava Caetano Veloso como um ponto importante da música popular,

por figurar entre a bossa nova de João Gilberto e a jovem guarda. Mas até então o tropicalismo era

apenas um embrião. Foi mesmo com o artigo O Passo à Frente de Caetano Veloso e Gilberto Gil

que Campos textualmente se posicionou a favor dos tropicalistas. Ali, o poeta retoma o tema central

do artigo anterior atualizando-o para a realidade com os baianos já em plena atividade. A saber: a

música nacionalista, na visão de Campos, apelava à teatralização e bel-canto, caindo em um

expressionismo grandiloquente que a bossa nova tinha afastado da canção popular. Por outro lado, a

jovem guarda, aquela detratada pelos emepebistas radicais, estaria mais próxima da “sobriedade” de

João Gilberto, portanto mais “moderna”. O texto ainda afirma que o iê-iê-iê estaria dando uma lição

na MPB justamente por essa descontração e proximidade do público. Para Campos, Alegria Alegria

e Domingo no Parque são justamente a auto-crítica necessária na música popular:

“[pois as canções] são, precisamente, a tomada de consciência, sem máscara e sem

medo, da realidade da jovem guarda como manifestação de massa de âmbito

internacional, ao mesmo tempo que retomam a “linha evolutiva” da música popular

brasileira, no sentido da abertura experimental em busca de novos sonos e novas

letras.” (CAMPOS, 2005, p. 144).

A citação à “linha evolutiva” não é gratuita. Faz parte do projeto discursivo tropicalista

endossado pelo poeta concretista. A defesa dos baianos não para por aí. Ainda em 1967 Campos

escreve A Explosão de Alegria Alegria (CAMPOS, 2005). O texto começa já aproximando a bossa

nova joãogilberteana da marcha de Caetano através de duas canções símbolo: Desafinado e Alegria

Alegria. Enquanto Desafinado, de letra de Newton Mendonça e música de Tom Jobim, defendida

por João Gilberto, seria um desabafo contra quem não queria novos conceitos harmônicos na

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música popular, Alegria Alegria era um novo desabafo-manifesto contra aqueles que ameaçavam

interromper a marcha evolutiva da música popular brasileira. Por outro lado, coloca em oposição a

mesma Alegria Alegria e A Banda, de Chico Buarque. De acordo com ele, enquanto a segunda

mergulha no passado buscando pureza, a primeira se encharca de presente e “se envolve

diretamente no dia a dia da comunicação moderna, urbana, do Brasil e do mundo” (CAMPOS,

2005, p. 153).

É nesse texto que Campos nota a aproximação entre música popular e erudita através da

parceria entre Rogério Duprat e os baianos. Para além disso, cita pela primeira vez um parentesco

entre a Poesia Concreta e as letras tropicalistas usando Oswald de Andrade como ponto em comum

entre ambos. Tudo costurado de uma forma a opor as duas frentes – MPB tradicional e tropicalismo

– como visões diferentes de projeto para a nação. Escreve:

No estágio de desenvolvimento de nossa música, a discriminação proposta pelos “nacionalistas” só nos poderá fazer retornar à condição de fornecedores de “matéria-prima musical” (ritmos exóticos) para países estrangeiros. Foi a bossa nova que pôs fim a estado de coisas, fazendo com que o Brasil passasse a exportar pela primeira vez, produtos acabados de sua indústria criativa, e a ter respeitados, como verdadeiros mestres, compositores como Tom Jobim e intérpretes como João Gilberto (CAMPOS, 2005, p. 156)

Em artigo de 1968 intitulado É Proibido Proibir os Baianos (CAMPOS, 2005), escrito após

a polêmica participação de Caetano no III Festival Internacional da Canção, Campos continua na

sua cruzada para separar em dois pólos a música popular feita no Brasil. Naquela ocasião, o artista

baiano subiu ao palco acompanhado da banda Os Mutantes para defender a música É Proibido

Proibir. Vestidos em roupas de plástico, com um hippie norte-americano a fazer performances no

tablado, e arranjos atonais de Rogério Duprat, a apresentação foi imediatamente vaiada pela plateia.

Caetano em consequência fez um discurso que ficou canonizado nos anais da música popular

brasileira. O artista bradou em meio às vaias:

Mas é isso que é a juventude que quer tomar o poder?! (…) É a juventude que sempre matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem. Vocês não estão entendendo nada!(...)Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, não com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê-la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu! Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. Se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos (VELOSO apud FAVARETTO, 2000, p.141)

É contra esse “inimigo” que Campos escreve na ocasião. Antes de tudo, o poeta quer separar

semanticamente os detratores do movimento daqueles que professam seus preceitos. Para isso, é

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claro e direto. Retira o “ismo” do nome do movimento. Escreve: “ismo é o sufixo preferentemente

usado pelos adversários dos movimentos de renovação para tentar historicizá-los e confiná-los”

(CAMPOS, 2005 p. 261). A partir de então passa a usar Tropicália. Ora, o que faz a não ser

historicizar e confinar seus detratores, homogeneizando-os sob a sigla TFM e vinculando-os a um

nacionalismo tacanho, sem contradições ou nuances? Ao “arrancar” o tropicalismo de seu tempo,

Campos pode fundar outra temporalidade a seu bel-prazer, narrando os acontecimentos de acordo

com uma narrativa que se pretende hegemônica. Desta forma, associa os baianos a uma teleologia

aberta para o novo. Ora os aproximando da vanguarda da música erudita, ora atentando para a

revolução que empreendem no campo da própria linguagem da música popular. Aquele

esgarçamento dos modelos de festival e da música popular de base nacional-popular é jogado toda

sob a responsabilidade dos tropicalistas. Eles foram os heróis que sozinhos derrotaram “a velha

ordem”. Campos escreve que Caetano e Gil subverteram a ideia de festival ao entrar na competição

para provocar a audiência, não para agradá-la. Além disso, eles explicitariam o jogo de fantasia que

os outros participantes escondiam.

Escrevendo entre 1969 e 1970, o tom de Roberto Scharwz (1978) é outro. O clássico texto

Cultura e Política, 1964-1969 pretende fazer um balanço da esquerda brasileira desde antes do

golpe militar até o começo da década seguinte. O tropicalismo é tratado desta vez com menor

devoção. Assim como Campos, Scharwz vê no movimento algo de a-histórico, não pelas mesmas

razões. Antes, o crítico expõe as incoerências em relação às intenções revolucionárias dos baianos.

Para ele, a hegemonia cultural da esquerda foi conquistada a partir de uma aliança com a burguesia

nacional caindo num marxismo de “tintura rósea” populista, mas de grande alcance entre a

intelectualidade e classe artística do país. O crítico aponta os pontos mais bem acabados dessa

hegemonia da cultura da esquerda na década de 1960. Entre elas está o Movimento de Cultura

Popular do Pernambuco, sob o romance Quarup de Antônio Callado, e o método Paulo Freire de

alfabetização. Além dos Centros Populares de Cultura do Rio de Janeiro, com teatros improvisados

em portas de fábricas, sindicatos, grêmios estudantis e favelas. Esse ventos revolucionários

favoráveis teriam, segundo Scharwz, sido barrados pelo golpe militar e posterior repressão. Para

ele:

O golpe apresentou-se como uma gigantesca volta do que a modernização havia relegado; a revanche da província, dos pequenos proprietários, dos ratos de missa, das pudibundas, dos bacharéis em lei, etc. (…) Depois de 64 o quadro é outro. Ressurgem velhas fórmulas rituais, anteriores ao populismo, em que os setores marginalizados e mais antiquados da burguesia escondem a sua falta de contato como que se passa no mundo (…) À sua maneira, a contra-revolução repetia o que havia feito boa parte da mais reputada poesia brasileira deste século; ressuscitou o cortejo dos preteridos do capital (Schwarz, p. 71, 1978)

O tom do crítico é duro, por se posicionar favorável àquela hegemonia cultural de esquerda,

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que o peso do golpe militar rachou. E o tropicalismo seria um dos reflexos daquela contra-

revolução. Para Schwarz, enquanto a fase imediatamente anterior a modernização passaria pelas

relações de propriedade e poder, ideologia, chegando até as massas, o golpe de 64 foi a derrota

desse movimento. Com isso, o crítico vê um retorno de formas tradicionais e localistas de poder e

opressão. Aqueles arcaísmos e resíduos que seriam obstáculos aos avanços modernos, sobem

novamente à tona da realidade nacional. O que seria justamente a matéria-prima das alegorias

tropicalistas. O artifício retórico de Schwarz reconhece a característica do tropicalismo em

manipular símbolos reprimidos da matriz cultural brasileira e opô-las às manifestações da

modernidade que considerada libertadoras, para mostrar “as relíquias do Brasil”. Mas vê neste

procedimento uma submissão. Submissão aos anacronismos, grotescos à primeira vista, porém

inevitáveis à segunda, já que fruto daquele processo histórico e social. Coloca sobre o colo do

movimento a pecha de ambíguo; poderoso ao reconhecer a situação em que a cultura se encontra,

mas incapaz de resolver suas contradições. Como bom marxista, Schwarz cobra uma síntese dos

baianos. Escreve:

Sobre o fundo ambíguo da modernização, é incerta a linha entre sensibilidade e oportunismo, entre crítica e integração. Uma ambiguidade análoga aparece na conjugação de crítica social violenta e comercialismo atirado, cujos resultados podem facilmente ser conformistas, mas podem também, quando ironizam o seu aspecto duvidoso, reter a figura mais íntima e dura da contradição da produção intelectual presente. (…) O efeito tropicalista tem um fundamento histórico profundo e interessantes; mas é também um indicativo de uma posição de classe. (SCHWARZ, 1978, p. 75)

Schwarz vê nas alegorias tropicalistas o resultado primeiro da contra-revolução; um reflexo

direto da posição do Brasil, enquanto país periférico, na modernidade capitalista internacional,

como fornecedor de matéria-prima. Assim, aquelas atualizações modernas que Campos (2005)

celebra, Schwarz desdenha como símbolo de uma atualização ao capitalismo internacional. A

coexistência do antigo e do novo que o movimento evidencia paralisaria a crítica. “A imagem

tropicalista encerra o passado na forma de males ativos ou ressuscitáveis, e sugere que são nosso

destino, razão pela qual não cansamos de olhá-la” (SCHWARZ, 1978, p. 78)

Posterior a esse debate de primeira ordem, aparecem os textos de Celso Favaretto (2000) e

Heloísa Buarque de Hollanda (1989), ambos de fins da década de 1970. Esses textos tornaram

clássicos para os estudos dos anos 60 e sintetizam o fundo dos eixos percorridos pelos debates

acerca do movimento.

Favaretto, embora de maneira menos apaixonada e urgente que Campos, vê no tropicalismo

uma abertura cultural no sentido amplo, destacando a contribuição musical. O tropicalismo para o

estudioso deu autonomia à canção e tornou-a objeto verdadeiramente artístico (FAVARETTO,

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2000). A alegoria, na maneira como utiliza os baianos, é um procedimento de deslocamento e

condensação, com alto poder simbólico imediato. Para ele, as imagens tropicalistas seriam próximas

das construções oníricas; seriam ambíguas, mas desmitificadora. Ao construir uma alegoria do

Brasil, descolonizaria a crítica. Desta forma, ele trabalha com a ideia de explosão tropicalista

(NAPOLITANO, 1998), que significou uma abertura político-cultural para a sociedade brasileira,

superando os temas de engajamento da década de 60. Produto de uma crise, que o movimento

mesmo apresentou os caminhos para a solução. Ao contrário de Schwarz, Favaretto não vê nisso

uma paralisia, mas ante uma nova forma de crítica cultural.:

Assim compreendida, a alegoria tropicalista das relíquias do Brasil não petrifica o absurdo como um mal eterno. As ambiguidades da linguagem tropicalista não podem ser debitadas a uma visão fatalista, em que a história é tida como decadência, porquanto não há originalidade primitiva alguma a recuperar. O tropicalismo atualiza versões do passado, expondo-as como objetos a ver, através do brilho intermitente de imagens que fisgam as indeterminações do Brasil e afirmando o que ele não chegou a ser. (FAVARETTO, 2000, p. 127)

Heloísa Buarque de Hollanda (1989) vê, por outro lado, que o tropicalismo é fruto do

desgaste dos projetos de poder da esquerda e do fim das vanguardas artísticas. O movimento seria o

produto direto daquela crise. Para Hollanda, os movimentos de vanguarda buscavam estar em

sintonia com as bases da modernidade e professavam certa tendência de esquerda desde pelo menos

a Semana de 22. O tropicalismo surge justamente desconfiando dos mitos nacionalistas e do

discurso militante dos populistas cunhados nos CPC pelas esquerdas nacionalistas. O movimento

percebe os impasses do processo cultural e o esgarçamento do modelo nacional-popular e desconfia

dos projetos de poder apresentados até então. “Na Tropicália não há proposta, nem promessa, mas

inclusive uma crítica à intelligentzia de esquerda” (HOLLANDA, 1989, pg. 63). Em suma, a autora

observa que o movimento era uma implosão de um processo mais longo. A exaustão de um modelo

que desembocava no que ela chama de “desbunde”.

Seguindo Napolitano, “em poucas palavras, no primeiro autor temos a explosão

colorida, uma abertura cultural crítica, liderada pelo campo musical. Na segunda, uma implosão

político-cultural, perda do referencial de atuação propositiva do artista-intelectual na construção da

história” (NAPOLITANO, 1988).

É esse debate de forte cunho acadêmico que acabou por dar a avaliação histórica e estética

do tropicalismo, definindo padrões e maneiras de se pensar o movimento. Após o momento de

radicalismo do surgimento do movimento, mesmo aqueles que lhe opõe, como fica demonstrado

com Schwarz (1978), não lhe negou a radicalidade e abertura para novas expressões estéticos-

comportamentais. O tropicalismo acabou, de uma forma ou de outra, consagrado como ponto de

clivagem/ ruptura da cultura brasileira dos fins da década de 1960. Tratado como face brasileira da

28

contracultura ou como braço “popular” da vanguarda. O movimento conflui exatamente no

esgarçamento do modelo nacional-popular como eixo cultural e político do Brasil e assume a ponta

nos debates e produções artísticas e críticas posteriores.

Assim, ao observarmos esse movimento da crítica de primeira ordem sobre o tropicalismo,

conseguimos expor os argumentos, as contradições e os discursos que se solidificaram em torno do

debate sobre o tema. Será possível, portanto, olharmos com maior cuidado para o contexto

imediatamente posterior e reconhecer de que maneira aquelas linhas de forças, algumas já

pacificadas, foram evocadas, ressignificadas ou refutadas. Podemos então analisar como a crítica

musical em uma revista de grande circulação (no caso a revista Bizz), especializada em música,

pode lidar, avaliar e produzir discursos sobre o movimento tropicalista. Faremos isso através da

análise da coluna Discoteca Básica no último capítulo.

29

Capitulo 2 - Metodologia

Neste capítulo descrevemos o caminho metodológico utilizado para o presente trabalho.

Para isso, a Análise do Discurso (AD) e os estudos sobre mídia por meio de autores como Eni

Orlandi (2003), Maria do Rosário Gregolin (2007), Michel Foucault (1996), Michel Pêcheaux

(2002) nos ajudam. Tais autores evidenciam relações entre a materialidade da linguagem tal qual

formulada pela AD e os discursos produzidos pelas diferentes produções sociais de sentido

realizadas pela mídia.

A AD é um campo de estudo que oferece ferramentas conceituais para a análise da

linguagem enquanto acontecimento, observando as relações dela com a memória, a história e o

ambiente social em que foi produzida. A mídia tomada como prática discursiva, produto de

linguagem e processo histórico, permite ao analista observar e analisar tais articulações;

evidenciadas pelos agenciamentos das redes de relações daquelas instâncias inscritas na sua prática

e materialidade (GREGORIN, 2007).

Assim, cremos, a AD possibilita uma compreensão das produções de sentido que a mídia de

massa reproduz, divulga, reinterpreta e constrói, constituindo, reformulando e deslocando

identidades e saberes. Para isso precisamos demonstrar a maneira como a AD se constitui enquanto

campo de saber, quais são suas ferramentas metodológicas, e como ela pode ser fundamental para

nosso trabalho.

2.1. A Analise de Discurso

Para conceituarmos a AD seguimos a introdução que Eni Orlandi (2003) esboça em seu livro

Análise de Discurso – Princípios e Fundamentos. Segundo a autora, a AD procura entender a língua

enquanto trabalho simbólico, relacionado com o sujeito falante. Tal sistema teórico vê a linguagem

como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social. Portanto, não trabalha a

língua como um sistema abstrato, mas com a língua no mundo. Desta forma, a AD, segundo

Orlandi, considera o homem na sua história, levando em conta os processos e as condições de

produção da linguagem. Assim, articula de modo particular os acontecimentos das Ciências Sociais

e o domínio da linguística.

Diferente da Análise de Conteúdo, que procura extrair dos textos um sentido, buscando o

que ele quer dizer, a AD considera que a linguagem não é transparente. Antes, para Orlandi, a AD

coloca a questão: como este texto significa? Há assim um deslocamento de “o quê” para “como”.

Não uma ilustração de algo de antemão já sabido. O texto considerado pela tradição da Análise de

30

Discurso tem uma coerência interna própria, uma materialidade.

A AD se constitui sobre o tripé Linguistica, Marxismo e Psicanálise, segundo Orlandi. Do

primeiro, busca a afirmação da não transparência da linguagem. Mostra que a relação

linguagem/pensamento/mundo não é direta, em única direção, mas se faz termo a termo. Cada um

com sua especificidade. Do Marxismo segue o legado do Materialismo Histórico, trabalhando a

língua em sua forma material (não abstrata) da maneira como é apresentada na história. Assim, trata

a língua não só como estrutura, mas como acontecimento. A contribuição da Psicanálise vem

através do deslocamento da noção de homem para a de sujeito. Este por sua vez se constitui na

relação com o simbólico, na história.

A Análise do Discurso se distancia do modo como o esquema da comunicação dispõe seus

elementos ao definir o que é mensagem. A AD, desta forma, não trata apenas da transmissão de

informação no esquema emissor/receptor/código/referente e mensagem; observa um processo de

significação, produção de sentido e constituição de sujeitos - não meramente transmissão de

informação.

Assim, a Análise de Discurso teoriza a interpretação, colocando-a em questão, distinguindo-

se da Hermenêutica clássica. Trabalha os limites da interpretação, seus mecanismos, como parte dos

processos de significação. Não há, portanto, uma verdade oculta por trás do texto; há gestos de

interpretação que o analista maneja e que deve ser capaz de compreender.

Orlandi salienta que a AD se responsabiliza pela formulação que desencadeia a análise.

Torna cada análise única, a partir da formulação inicial do analista, que mobiliza conceitos

diferentes para a descrição de objetos diversos e isso interfere no resultado. Assim, o pesquisador

organiza sua relação com o discurso, mobilizando conceitos específicos, levando à construção de

seu próprio dispositivo analítico. “Portanto, sua prática de leitura, seu trabalho de interpretação, tem

a forma de seu dispositivo analítico” (ORLANDI, 2003, P.27).

Esse arcabouço construído pelo analista é fundamentado pela estrutura básica da AD. Para

Pêcheux (2002), a análise deve reconhecer na língua o erro, o deslocamento que ele provoca e

institui. Observando aquele real da língua que mencionamos acima. O papel do equívoco, da elipse,

da falta, do jogo de diferença, desloca a obsessão da análise linguística pela ambiguidade. Abrindo

espaço para esse “outro”, surge a possibilidade de interpretar, que se instala na descrição real da

língua. Mas, salienta o teórico francês, não há confusão entre descrição e interpretação. O discurso-

outro, presença virtual na materialidade descritível da língua, é o que justifica e mantém a disciplina

da interpretação. Uma ciência régia, totalizante, para Pêcheux, ao buscar um discurso anterior

àquele analisado, ao ter uma chave a priori, nega a possibilidade da interpretação do real da língua

no momento em que ela aparece. Daí a necessidade do corpus próprio.

31

Esse corpus deve ser montado evitando o erro destas leituras antecipadoras, que apagam o

discurso como acontecimento em uma sobre-interpretação a priori. Ou como escreve o autor:

Deste ponto de vista, o problema principal é determinar nas práticas de análise de discurso o lugar e o momento da interpretação, em relação aos de descrição; dizer que não se trata de duas fases sucessivas, mas de uma alternância ou de um batimento, não implica que a descrição e a interpretação sejam condenadas a se misturar no indiscernível. (PÊCHEAUX, 2002, p. 54)

Foucault (1996), ao salientar que nossa sociedade fez de tudo para controlar, impor limites,

condicionar a produção de discursos, aponta alguns grupos de funções que facilitaria ao analista

reconhecer e afastar o que chama de logofobia. Para analisar esse temor social de produção de

discursos livres, o francês aponta que devemos optar por três grupos de funções: “questionar nossa

vontade de verdade; restituir ao discurso seu caráter de acontecimento; suspender, enfim, a

soberania do significante” (FOUCAULT, 1996, p.51)

Ainda, o teórico levanta quatro princípios de método: descontinuidade, especificidade,

exterioridade e o da inversão. Esse último fala do reconhecimento do jogo negativo de um recorte e

rarefação do discurso. Enquanto a descontinuidade requer que os discursos sejam tratados como

práticas descontínuas, que se cruzam, mas também se ignoram e o excluem. Já a especificidade

mostra que não há o pré-concebido, que devemos decifrar; antes concebe o discurso como um

“violência que fazemos às coisas” (FOUCAULT, 1996, p.53). Por fim, a exterioridade requer o

reconhecimento da aparição do discurso enquanto tal, na sua forma exterior, não num núcleo

interior e escondido que devemos revelar.

De modo que o pequeno desnível que nos propomos introduzir e fazer atuar na história das ideias, e que consiste em tratar dos discursos enquanto séries regulares e distintas de acontecimentos e não em tratar das representações que possam existir atrás dos discursos, nesse pequeno desnível, receio reconhecer qualquer coisa como uma pequena (e odiosa talvez) maquinaria que permite introduzir na própria raiz do pensamento o acaso, o descontínuo e a materialidade. Triplo perigo que uma certa forma de história procura conjurar narrando o contínuo desdobrar de uma necessidade ideal. Três noções que deverão permitir ligar a história dos sistemas de pensamento à prática dos historiadores. Três direções que o trabalho de elaboração teórica deverá seguir. (FOUCAULT, 1996, p.53)

Segundo Orlandi, a escolha do corpus é em si um ato de escolha das propriedades

discursivas. É uma construção do próprio analista, que faz um recorte vertical, aprofundando no

material selecionado. Os dados, neste sentido, não são meramente ilustrações, eles tem

materialidade e memória próprias. Como se diz, o que se diz, em que circunstâncias, em suma, no

que o sujeito se marca, fornece pistas, deixa vestígios sobre como o discurso se textualiza. A partir

disso construímos, do material bruto, um objeto discursivo.

32

O objeto discurso não é dado, ele supõe um trabalho do analista e para se chegar a ele é preciso, numa primeira etapa de análise, converter a superfície linguística (o corpus bruto), o dado empírico, de um discurso concreto, em objeto teórico, isto é, um objeto linguisticamente de-superficializado, produzido por uma primeira abordagem analítica que trata criticamente a impressão de realidade do pensamento, ilusão que sobrepõe palavras ideias e coisas (ORLANDI, 2003 p.66)

É preciso, assim, ir e voltar, recortar, transformar o texto em objeto discursivo, delimitando

suas fronteiras e localizando de que maneira o sujeito se insere e torna o texto transparente. O ir e

vir entre a teoria, a consulta e análise é constante.

2.2 O Discurso das mídias

Pensar a mídia como prática discursiva ajuda a apreender as relações que ela estabelece com

outros dispositivos sociais que circulam na cultura como um todo. Por isso optamos por seguir o

caminho que estabelece essas relações e compreende as mídias de massa como manifestações e

práticas em sua materialidade, observando aqueles preceitos levantados pela tradição da AD.

Seguimos assim o caminho trilhado por Gregolin (2007).

A autora analisa identidades reconstruídas a partir de exemplos retirados das mídias de

massa. Para isso, fundamenta seu trabalho nas ferramentas obtidas através dos estudos da Análise

do Discurso. A autora procura entender a mídia como prática discursiva, em sua materialidade, o

que permite estabelecer relações com a história e memória, deslocando, reafirmando e

estabelecendo sentidos e identidades em um jogo que envolve tanto o leitor quanto representações

em diversas instâncias.

Atentando para os efeitos de coerência e unidade construídas nos textos, a partir da

delimitação de acontecimentos discursivos, Gregolin observa que os textos da mídia permitem “ao

leitor produzir formas simbólicas de representação de sua relação com a realidade concreta”

(GREGOLIN, 2007, p.16). Por ser o principal formador da “história do presente”, a mídia modela

uma historicidade que nos atravessa e nos constitui, através de um jogo de

rememoração/esquecimento, que permite movimentos interpretativos e criação de sentidos

diversos. Os efeitos identitários nascem desta dança de sentidos.

Para isso atenta-se para o interdiscurso e o sujeito como ideologias aparentes. A autora

segue Pêcheaux ao observar que o interdiscurso não é transparente (não significa algo além dele

mesmo), e Foucault, ao não ver o sujeito como origem dos sentidos. Por isso, observa, a coerência é

um dos efeitos da construção discursiva. Fruto de controles, delimitações, classificações,

ordenações e distribuições de acontecimentos discursivos dispersos.

33

Estes agenciamentos que constroem uma unidade, segundo a autora, são bem visíveis nos

textos da mídia. Ao fazer um papel de mediação (expressa em seu próprio nome), a mídia não

oferece a seus leitores a realidade em si, mas uma construção dela. Formata assim uma

historicidade, constituindo sujeitos situados em relação ao passado que ela apresenta, de acordo

com uma leitura do presente. Observar esse movimento de constituição do discurso midiático, a

forma como ele se projeta em sua materialidade, a maneira como ele apresenta uma suposta

transparência do interdiscurso e forja um autor, dotado de coerência, podemos descrever e

interpretar os jogos de sentidos postos em relações com o ambiente social em que foram

produzidos.

Como dispositivo social, a mídia produz deslocamentos e desterritorializações. Ao mesmo tempo, o trabalho discursivo de produção de identidades desenvolvido pela mídia cumpre funções sociais básicas tradicionalmente desempenhadas pelos mitos – a reprodução de imagens culturais, a generalização e a integração social dos indivíduos. Essas funções são asseguradas pela ampla oferta de modelos difundidos e impostos socialmente por processos de imitação e formas ritualizadas, pois estabelecem paradigmas, estereótipos, maneiras de agir e pensar que simbolicamente insere o sujeito na comunidade imaginada. (…) A profusão dessas imagens age como um dispositivo de etiquetagem e de disciplinamento do corpo social. (GREGOLIN, 2007, p. 18)

A construção de um corpus através de uma série verticalizada permite traçar aquela rede de

conexões entre a produção de discurso e suas relações com a sociedade. Deste modo, escolhemos

para nosso trabalho a análise da coluna Discografia Básica, veiculada na Revista Bizz, uma revista

especializada em música de circulação nacional. Especificamente procuramos focar nos discursos

produzidos em torno do movimento tropicalista. Para isso, escolhemos analisar os textos referentes

aos álbuns considerados clássicos daquele movimento musical efetuada pelos colunistas. Assim,

poderemos apreender os agenciamentos que os discursos produzidos pelos jornalistas envolvidos

estabelecem, mas também analisar a maneira como esses discursos se constituem, se afirmam e

formam relações com outros tipos de discursos anteriormente produzidos sobre o mesmo objeto.

Enfim, como eles fornecem, utilizam e reconstroem ideias sobre brasilidade, cultura e música

brasileira.

No próximo capítulo iremos localizar brevemente o ambiente em a Revista Bizz surgiu, sua

história, especificidade e qual sua importância como marco na história recente da imprensa

brasileira e a função da coluna Discoteca Básica dentro da revista. Feito isso, partiremos direto para

a análise de nosso objeto.

34

35

Capitulo 3 – Análise e Discussão de Dados

3.1 Revista Bizz e Discoteca Básica

Analisar a história da revista Bizz ajuda a entender parte da formação da crítica de música

pop no Brasil. Durante quase duas décadas, a publicação foi a mais importante no segmento,

criando não só um corpo de profissionais da imprensa especializado em crítica cultural, como

alcançando um público que se estendia por todo o país. A publicação surge num momento de

abertura política, em que o mercado fonográfico e editorial passava mudanças e consolidação.

Observar como a crítica se estabelece e se legitima em torno dessas transformações, ajuda-nos a

entender não só o discurso da mídia, como a sociedade que o circunda.

Escolhemos analisar a coluna Discoteca Básica. Entendemos que analisar a sessão em

questão permite entrarmos em contato com mais propriedade com inter-discurso da crítica

formulada pela revista. A seção era dedicada especificamente ao jornalismo de opinião e tinha por

temática a análise de discos considerados “clássicos” pelo corpo editorial. As escolhas,

delimitações, jogos de sentido, evocações, silêncios perpetrados pelos críticos favorecem ao analista

perceber os efeitos de constituição de coerência e autoria presentes nos textos. Além de fornecer

rico material que diz muito sobre a constituição do discurso da crítica cultural no Brasil.

Para tanto, verticalizamos nossa análise em torno dos discos de artistas que participaram do

movimento tropicalista. Entendemos que essas críticas, constituídas num contexto diverso do

movimento, mobilizou representações da história pregressa do tropicalismo, seus discursos e

discursos da crítica, além de constituir uma discursividade outra, em relação ao corpo crítico da

revista, seus leitores e a sociedade em que emergiram. Os textos analisados foram Os Mutantes -

1968 (PAPPON, n10, 1986); Caetano Veloso - Transa (ABRAMO, n26, 1987); Tropicalia ou Panis

et Circencis (ABRAMO, n41, 1988); Tom Zé – Estudando o Samba (MUGNAINI, n49, 1989);

Gilberto Gil – Expresso 2222 (SOUZA, n126, 1995) e Gal Costa Fa-Tal a Todo Vapor (SOUZA,

n132, 1996). 6

Antes de entrarmos na análise dos referidos textos, precisamos percorrer a história da

revista.

3.1.2 A revista Bizz

A Bizz surge em 1985, imediatamente após a primeira edição do festival Rock in Rio. Fruto

do retorno da Editora Abril ao mercado de público jovem. O festival foi utilizado como laboratório

de amostras para definir a linha editorial da revista e público-alvo. No entanto, os diretores da

6 Os textos completos das críticas no Anexo I no fim do trabalho.

36

empresa tinham certo temor de que uma publicação do tipo tivesse o mesmo fim que as tentativas

anteriores7. Por isso, além da pesquisa, a cautela transpareceu na primeira edição da revista. Na

ocasião, não havia seção de resenha e crítica pois “havia muito medo por parte da direção no que se

referia a um projeto segmentado. Havia medo de ofender artistas, ofender as gravadoras”

(ALEXANDRE apud OLIVEIRA, 2011, p. 276).

O primeiro número foi às bancas em agosto de 1985 com Bruce Springsteen8 na capa. Ao

contrário do que temiam os diretores, foi um sucesso. Vendeu 100 mil exemplares; 60% da tiragem

mensal foi vendida em apenas uma semana. Além de mais de sete mil cartas foram recebidas na

redação da revista, demostrando a receptividade e ânsia do público uma publicação do tipo

(OLIVEIRA, 2011). Após esse inicio vitorioso, a revista durou, sem hiatos, mais de 15 anos.

Em 1995, porém, ocorreu uma alteração radical: o nome mudou de Bizz para Showbizz. O

formato, passando para um tamanho maior, a linha editorial e projeto gráfico foram modificados.

Tais mudanças buscavam a aproximação do público adolescente, privilegiando fotos e matérias

voltadas para a vida de ídolos pop, buscando a sobrevivência em um mercado bastante

multifacetado (SAID; ALVES, 2009). Depois dessas mudanças, a revista durou mais seis anos e

saiu de circulação em 2001. Sob nova direção e em outro contexto, voltou a ser relançada em 2005,

sob o antigo nome. Nessa nova roupagem, durou apenas dois anos, fechando as portas em 2007.

Na ocasião de lançamento da revista, o rock nacional era efervescente, com diversas bandas

e artistas surgindo e tomando conta das rádios. A indústria fonográfica buscava nesses grupos o

mercado consumidor jovem e urbano, que se firmava e consolidava. É nesse período que as

principais bandas e artistas da década de 1980 tiveram maior expressividade nas vendas e lançaram

seus maiores sucessos, sem concorrência com os já medalhões consagrados da chamada MPB. O

pop-rock dominava, então, os corações e a mente da juventude brasileira no período:

Em agosto de 1985, entre as 25 canções melhor classificadas em vendagens e execução das rádios, 18 canções podiam ser consideradas pop-rock, das quais sete eram nacionais (RPM, Guilherme Arantes, Metrô, Léo Jaim com Kid Abelha, Roupa Nova e Kiko Zambianchi. O rock nacional ganhava espaço entre o pop-rock internacional e a MPB mais comercial (GROPPO apud OLIVEIRA, 2011, p.278)

É com esse contexto que a Bizz lida em seus primeiros anos. O que explica parte de seu

sucesso editorial. Se naquele início, a crítica e resenhas não existiam, logo passaram a tomar corpo.

Anteriormente dominada por músicos ligados ao jornalismo, justamente para evitar um desgaste

com a indústria fonográfica e artistas, o ambiente interno da revista passou a mudar com a entrada e

7 A revista Rolling Stone chegou ao Brasil ainda em 1972, mas durou apenas 36 números – editados entre fevereiro e janeiro do ano seguinte. Enquanto a revista Pop, da mesma editora Abril, com maior aporte financeiro e voltado para um público mais jovem e amplo, durou sete anos. Mas foi uma publicação insipiente, com várias mudanças editoriais e gráficas (OLIVEIRA, 2011).

8 Revista Bizz, n.1, Editora Abril, 1985.

37

ascensão do jornalista José Augusto Lemos. Com ele, foi instituído um corpo crítico com seções

dedicadas à resenhas e jornalismo opinativo. Nesse período que se instituiu as seções fixas como:

Showbizz, Air Mail, Ao Vivo, Porão, Parada Bizz, Cartas e Discoteca Básica. Eis uma definição

sobre as seções:

A seção Showbizz é uma composição de notas informativas do que acontece no show business: identifica as bandas e artistas solo que as gravadoras estão apontando para as novas gravações; […] A seção Lançamentos analisa os novos discos, nacionais ou estrangeiros, que começam a circular no país. São pequenas críticas, normalmente assinadas pela equipe da Bizz. […] A Porão se encarrega de mapear o que está acontecendo no underground do rock brasileiro e internacional. […] Ao Vivo acompanha os shows por todo o país: é uma seção relativamente simples, do ponto de vista das informações, porque são sempre narrativas dos colaboradores da revista que tentam recriar uma atmosfera mais “quente” de sua cobertura, acompanhando o movimento das bandas nos palcos e ginásios. […] Ainda tem as seções Letras, que em 1989 transformou-se em uma publicação específica, com circulação mensal, trazendo letras traduzidas; a Bolsa de Discos […] é um gráfico, opinativo, no qual críticos da Bizz e de outras mídias avaliam – em termos de ótimo, bom, interessante, razoável e lixo -, alguns Lps. (SOUZA apud OLIVEIRA, 2011, p.288)

O corpo crítico montado por José Augusto Lemos, na primeira fase da revista, era composto

basicamente por duas gerações: a surgida na década de 1970 – com Ana Maria Bahian e José

Emílio Rondeau – e a que começava a dar seus primeiros passos na década de 1980: Marcel Plasse,

Arthur G. Couto Duarte, Lorena Calábria, Antônio Carlos Miguel, Valdir Montanari, Luis Antônio

Giron, Tom Leão e Leopoldo Rey. Além do corpo de redatores da revista: Alex Antunes, Sônia

Maia, Bia Abramo, Celso Pucci e Thomas Pappon. Essa é considerada a fase clássica da revista,

momento que ficou definido a linha editorial que a publicação seguiria. Esses nomes ainda hoje são

lembrados e seguem ativos na crítica cultural brasileira (OLIVEIRA, 2011).

Seguindo a análise que Oliveira (2011) fez da seção Lançamentos, após a formação desse

corpo crítico, é possível observar melhor a história da revista e como a linha editorial foi construída

durante os anos. Em princípio, de acordo com a análise, houve uma cisão entre jornalistas e artistas.

De um lado, os músicos reclamavam de uma indisposição da revista com artistas do mainstream do

rock nacional; de outro, jornalistas se assumiam com uma postura “política” diante daqueles

artistas. A posição dos jornalistas da revista fica bastante clara com o depoimento de Alex Antunes,

que Oliveira reproduz:

Queria que a Bizz fosse um veículo na contramão, com opinião própria, que não misturasse redação e departamento comercial. Queria investir no lado bad boy porque isso aumentaria nosso espaço de manobra. No Brasil, o hype é algo sempre confundido com corrupção. Toda tentativa de fazer hype que começa a espocar nas colunas já faz com que todo mundo reaja supermal, […] Fazer o papel de vilão nos emprestaria uma credibilidade a ser usada na hora de produzir coisas legais. Mas esses processo, às vezes fugia do controle. […] éramos destruidores do mainstream. Nos instalamos num departamento da indústria para prestar um desserviço e obstruir

38

a própria indústria. (ALEXANDRE apud OLIVEIRA, 2011).

Essa sensação de autoimportância acabou por direcionar os rumos críticos da revista. Tanto

que a partir de maio de 1988, na seção Lançamentos, foi instituída uma nova maneira de fazer

crítica na revista: dois críticos passaram a avaliarem o mesmo LP. Uma tentativa de dar equilibrio e

diminuir as reclamações de artistas e leitores de uma suposta parcialidade. A prática não durou

muito. Apesar disso, Oliveira (2011) observa nuances, em que artistas mainstream como RPM eram

elogiados por sua qualidade técnica ou o Legião Urbana, que parecia manter traços louváveis de seu

período inicial.

O fato é que a consolidação da revista é coincidente com o período áureo do mercado do

rock brasileiro. O ápice desse mercado se deu de 1985 a 1987, exatamente o momento em que a

Bizz viveu seu auge em vendagens e repercussão, junto ao mercado, aos leitores e aos artistas. Já

em 1989, com o Plano Collor, e o ambiente recessivo, além do avanço da música sertaneja, do

mercado voltado para o público infanto-juvenil e a entrada da MTV no Brasil, a revista se vê

obrigada a buscar novos rumos. A partir daí, Oliveira (2011) observa três períodos distintos dentro

da seção Lançamentos: 1) permanência daquele tom severo destacado anteriormente; 2)

abrandamento do tom crítico, com entrada de jornalistas mais qualificados, assumindo postura

analítica; e 3) a partir de 1998 a revista assume um tom nostálgico, com reportagens de ídolos

consagrados, relembrando a fase áurea do mercado e da revista.

A troca de nome e formato em 1995 é uma resposta direta à fase difícil do mercado. A

Showbizz em sua roupagem mais adolescente e com ênfase na vida de artistas pop e fotos dura até

2001, quando a revista é vendida para a Editora Símbolo. Essa mudança trouxe o nome original de

volta. Sai de lado aquelas reportagens “descompromissadas” e entra uma série de reportagens sobre

os primórdios do rock brasileiro. Mas não durou muito, a revista foi descontinuada ainda em 2001

(OLIVEIRA, 2011).

A Bizz volta ao mercado em 2005. Adriano Silva, diretor do Núcleo Jovem da Editora Abril,

e o jornalista Ricardo Alexandre decidem publicar novamente a revista, seguindo uma brecha que

os jornalistas daquela sessão da empresa tinham para lançar edições especiais. Esse retorno foi

muito mais fruto de uma atitude nostálgica de alguns jornalistas do que propriamente uma análise

de mercadológica. O que fica claro nos subsequentes fracassos de vendas.

É importante ressaltar que não houve uma pesquisa – diferente do lançamento oficial da revista, em 1985 – que apontasse o público que tinha uma predisposição a consumir o tipo de informação que seria veiculado pela nova Bizz. Como afirmou Ricardo Alexandres, “o processo foi totalmente empírico. Começamos fazendo uma revista cujo aspiracional era o de leitores de mais de 30 anso, que seriam – deveriam ser – impactados pela marca BIZZ. Acontece que essa faixa etária, seguindo o próprio Ricardo Alexandre, “não sustentava uma operação minimamente viável para a Abril”. (SAID ;ALVES, 2009).

39

A estratégia adotada para manter a revista viável com poucas vendas era concentrar os

esforços na comercialização dos espaços publicitários, com projetos comerciais e ações

publicitárias em parcerias. Mas o negócio não se sustentou. O último número da Bizz saiu em julho

de 2007 com Los Hermanos na capa. Na ocasião, o grupo anunciou um recesso por tempo

indeterminado, o que foi aproveitado pela revista para também se despedir. A capa trazia a

manchete: O último show. A foto de capa trazia o grupo carioca com seus integrantes cabisbaixos.

Uma despedida melancólica.

3.1.2. Discoteca Básica

A Discoteca Básica foi publicada desde o primeiro número da revista. Analisava álbuns que

o corpo editorial da revista considerava como clássicos e essenciais para a formação do leitor.

Funcionava mais ou menos como um guia didático de discos que a revista classificava com

históricos e indispensáveis para um colecionador. A seção aparecia normalmente na última página

da revista, fórmula tradicional nas publicações mensais e semanais do Brasil. A seção era

essencialmente uma coluna, em que a visão pessoal do jornalista prevalecia sobre a descrição da

obra analisada. O jornalista era escolhido normalmente por afinidade ao artista ou banda analisada,

havendo uma rotatividade na redação, estabelecendo uma busca por variedade de estilos, artistas e

gêneros. A tendência era que os artistas ou discos analisados não se repetissem, embora nem sempre

foi possível manter esse acordo9. Nos primeiros anos da revista, a diagramação da seção era

simples, com apenas imagem da capa do disco analisado, a retranca com o nome da coluna

destacado e o nome do artista e do álbum. Com o tempo, a coluna passou a ter título, olho, foto da

banda, ficha técnica com faixas e descrição de lançamento, além de uma frase de algum artista

famoso sobre a obra (SOUZA apud OLIVEIRA, 2011).

Ao todo foram 215 Discotecas Básicas publicadas, número coincidente com as edições da

revista10. O primeiro disco analisado foi Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles,

assinado por José Emilio Rondeau. A última coluna foi do disco do Cartola (1976), assinada pelo

9 The Beatles, entretanto, aparece duas vezes: no primeiro número da revista, com o disco Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band e Revolver, na edição 191, de junho de 2001. Já o Pet Sounds, do Beach Boys, aparece na edição 23, de junho de 1987, e exatamente cem edições depois, com crítica assinada por Sérgio Barbo, em 1995. Enquanto David Bowie aparece com o álbum Low, no segundo número (setembro de 1985) e com Hunky Dory, na edição 189, de 2001. As recorrências podem ser explicadas pela mudança na direção editorial da revista. No caso da repetição do Pet Sound, a ideia era que com a mudança de Bizz para Showbizz, ocorrida em 1995, começaria uma nova fase na revista, portanto, seria possível a repetição de discos, o que acabou não se concretizando.10 Todos os textos da coluna podem ser lidos no sítio http://rateyourmusic.com/lists/list_view?

list_id=133037&show=50&start=0 (acessado em 21/06/2013).

40

jornalista Pedro Alexandre Sanches, na edição 215, de julho de 2007. Há a predominância de discos

de pop/rock nacionais e internacionais, embora há inserções de álbuns de jazz, samba, blues e soul.

Embora, como aprofundaremos melhor adiante, tais aparições podem ser interpretadas como parte

de uma tendência ao rockismo por parte da revista.

O primeiro álbum brasileiro analisado foi Amoroso (1977), de João Gilberto, assinado por

Nelson Motta, na edição 8, de março de 1986. Nela, o crítico usa palavras como “perfeito”,

“sofisticado”, “mitológico” e “precisão” para enfatizar a genialidade do músico. Além disso,

aproxima sua crítica daquela tropicalista ao evocar a "universalidade do regional" em Mario de

Andrade e o antropofagismo de Oswald de Andrade presentes na música de João Gilberto. Duas

edições depois, Thomas Pappon (1986), jornalista e músico integrante da banda Fellini, escreveu

sobre Os Mutantes (1968), disco da banda homônima. Primeiro álbum propriamente tropicalista

que aparece na coluna, com quem começaremos nossa análise.

3.2. Análise

3.2.1 Os Mutantes

Os Mutantes foi a primeira banda de rock nacional a ser analisada pela coluna, não por

acaso. Ela tem em torno de si uma aura que reluz à distância, em meio às tantas manifestações do

gênero no Brasil. A primeira característica para esse escolha é ser considerado um dos mais

inventivos grupos da década de 1960. Outra característica, ligada à primeira, é que, em meados da

década de 1980, data da análise do colunista, Os Mutantes estavam “esquecidos”, tanto pela mídia,

quanto pelo mercado. Como um banda tão criativa poderia estar sumida da memória dos

brasileiros? É a resposta que Thomas Pappon (1986) pretende dar. Seguimos o jornalista no texto:

A conhecida “falta de memória nacional” nada mais é do que a falta de disposição, compreensão e competência das instituições – desde o governo até a imprensa especializada – em apoiar a produção e preservação da cultura brasileira. Não é à toa que muita gente busca no rock americano ou inglês a sua fonte única de inspiração e conhecimento, enquanto as pérolas da MPB permanecem no esquecimento. (PAPPON, 1986)

A “falta de memória nacional” é a primeira expressão que salta do texto de Pappon. A

materialidade das palavras ali agenciadas evoca símbolos que remetem o leitor a um contexto

político amplo, a uma ideia de nação cravada no inconsciente coletivo. Falar sobre a “falta de

memória nacional” é uma tentativa de aproximar o leitor de um posicionamento político atávico,

41

que requer dele o enfrentamento, a crítica, um certo olhar sobre as instituições. O jornalista coloca a

imprensa especializada nesse jogo. Ela também faz parte dessas instituições que merecem ser

julgadas pelas falhas que cometem. E a falha é clara: “falta de disposição, compreensão, e

competência (…) em apoiar a produção e preservação da cultura brasileira” (PAPPON, 1986).

Temos aí uma série de agenciamentos que armam o discurso crítico. A “cultura brasileira”,

evocada no trecho selecionado, é o contraponto daquela “falta de memória”. Rincão simbólico que

necessariamente deve ser preservado. Vaga, abstrata e impalpável, mas que exerce seu peso

material no discurso. É em torno dela que o sujeito se mostra e se esconde. É por ela que texto luta,

para ela que o autor quer conquistar o leitor. Figura pálida que funda o sujeito. “Não é à toa que

muita gente busca no rock americano ou inglês a sua fonte única de inspiração e conhecimento”,

continua Pappon (1986). O esquecimento com que as instituições recobre a cultura brasileira

forçaria “muita gente” a buscar em outro lugar, que não nela própria, a inspiração. De quem

estamos falando senão do rock nacional oitentista? Não se dizia que Paralamas do Sucesso era um

“subPolice de província?” (ANTUNES, apud OLIVEIRA, 2011, p. 295).

A solução para o impasse seria a MPB esquecida. Mas ela está recoberta pelos escombros da

História. O presente massacra a riqueza que ela tem. Seria tarefa do discurso trazer essa riqueza à

tona. A pérola é resgatada pelo crítico, que presenteia ao leitor, seu parceiro na empreitada de salvar

a cultura brasileira das garras do esquecimento. Continuamos com o texto do jornalista:

A MPB está na pior – não temos qualquer música vital, forte ou espirituosa. Mas há vinte anos não era assim. Houve a bossa nova, a tropicália (anote aí: “bossa nova” não é invenção da vanguarda londrina), coisas que poderiam dar um forte impulso ao rock nacional, em busca de identidade. Realmente, não é justo que só a tal “geração AI-5” tenha conhecido o primeiro LP dos Mutantes, lançados em 68... eis as pérolas! (PAPPON, 1986)

Estamos na década de 1980, o tropicalismo não tinha mais aquela carga explosiva que o

diferenciava da MPB. Talvez fruto daquele mesmo esquecimento que deveríamos lutar contra.

Pappon (1986) relembra a história para o leitor confuso. A bossa nova e a “tropicália” estão

escondidas sob o véu de esquecimento uniformizador da sigla MPB. Seu poder de vanguarda está

contido, já que a MPB está na pior. É preciso relembrar seus nomes. Separá-las, dar de volta seu

lugar na História. Emergir com as pérolas na mão, diz o discurso. “Houve a bossa nova, a

tropicália” (PAPPON, 1986), ambas, lado a lado, compõem aquele par inseparável que o discurso

tropicalista instituiu e que a crítica posterior arregimentou. Eis a “linha evolutiva” de volta.

Relembramos que “ismo é o sufixo preferentemente usado pelos adversários dos movimentos de

renovação para tentar historicizá-los e confiná-los” (Campos, 2005, p. 261). O discurso tropicalista

42

reaparece triunfante.

Mas aqui o discurso tropicalista serve a outro senhor. O sujeito que emerge quer salvar a

cultura nacional, que sofre por não ter “qualquer música vital” (PAPPON, 1986). O rock nacional

seria o agente capaz de reavivá-la, através do forte impulso que o tropicalismo poderia dar. Para

isso o discurso traz à tona outra expressão que tem o poder de evocar símbolos atávicos: a“busca da

identidade”. Essa busca é uma missão, tanto quanto salvar a “cultura nacional”. Buscar a

identidade é lutar na história do discurso, é trazer do passado, simbolos, sentimentos, imagens e

palavras que forjam instituições. Instituições outras que não aquelas que esquecem. Aqui o discurso

remomera questões como mestiçagem e unidade nacional, aquelas mesmas que fundaram nossa

ideia de nação (VIANNA, 1995). Argamassa que reforça a estrutura moldada pelo tropicalismo em

torno da antropofagia oswaldiana (NAPOLITANO, 2001). Buscar aquela identidade é trazer de

volta a vitalidade para a música, o que passa necessariamente pelo resgate de Os Mutantes.

Após essa preleção, Pappon (1986) fala do disco propriamente dito. Descreve cada uma das

dez músicas do álbum com loas aos arranjos de Rogério Duprat: “isso com orquestração digna de

aberturas wagnerianas”; ou à inventividade dos componentes da banda: “O Relógio, de autoria do

grupo, um dos grandes momentos deste lado, graças à estranheza do contraste entre a melodia leve

e o non-sense da letra” (PAPPON, 1986). Já no fim do texto voltar a falar daquelas questões caras

ao discurso:

Sem nenhum preconceito, os Mutantes fizeram uma viagem psicodélica pela música universal, bastante influenciados pelos Beatles e auxiliados pelas partituras mágicas de Rogério Duprat. É um disco de MPB, tratado com o espírito efervescente da época, o espírito de libertação das formas e padrões. Por isso é um disco que os roqueiros brasileiros devem conhecer. Junte-se ao coro dos que exigem o relançamento dos LPs dos Mutantes. "Tem que dar certo..." (PAPPON, 1986)

A MPB volta depois de o desfile histórico evocado pelo discurso rememorar o poder que

concentra por trás de sua sigla. A MPB não é mais aquela que “está na pior”, mas a que porta a

condição de dar aos “roqueiros brasileiros” a identidade que os salvariam de ser eternos repetidores

da música estrangeira. Esse poder só pode ser acionado pelo resgate de Os Mutantes da “falta de

memória” que acomete nossas instituições. O crítico e o leitor são parceiros nessa missão.

3.2.2 Transa

Desde aquela crítica de Os Mutantes demorou cerca de um ano e meio para outro artista

brasileiro figurar na Discoteca Básica. A edição 26 da Bizz de setembro de 1987, que trazia Dinho

Ouro Preto da banda Capital Inicial na capa, analisou em sua última página o disco Transa (1972),

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de Caetano Veloso. Outra vez, não se trata de uma coincidência. A revista parecia seguir a “linha

evolutiva” para a análise de “clássicos” da música popular brasileira. E dentre os álbuns de Caetano

Veloso foi escolhido o que tem uma dosagem maior de rock em suas canções.

O artista baiano, quando gravou o disco, estava exilado em Londres, onde acompanhou in

loco a efervescência da cena roqueira local. Viu shows dos Rolling Stones, Jimmy Hendrix e Led

Zeppelin e, assim como Gilberto Gil, passou a incorporar a sonoridade daquelas bandas em suas

composições. Após uma breve passagem pela Bahia, em 1970, por ocasião do aniversário de

casamento dos pais, Caetano voltou para o exílio londrino e convidou Jards Macalé para tocar

violão, o percussionista Tutti Moreno e Moacir Alburquerque para o contrabaixo. Uma banda

montada para ser uma fusão entre um trio de rock e um grupo de brazilian jazz/bossa nova. O

álbum foi gravado em quatro sessões e o inglês Ralph Mace, tecladista em “The Man Who Sould

the World” (1970), um dos maiores sucessos de David Bowie, assinou a produção (VELOSO,

1997).

Bia Abramo escreveu a crítica da Discoteca Básica. Ela entrou para o cenário jornalístico

nos anos 1980. Não possui formação acadêmica na área, entretanto, é formada em psicologia pela

USP. Na revista Bizz, atuou um ano como redatora e logo assumiu o cargo de editora assistente.

Assim como Pappon, Abramo conta a história do tropicalismo:

No fim da década de 60 a música brasileira passava por um impasse. A força inovadora da bossa nova - a possibilidade de se fazer uma leitura sofisticada e universal do samba - já havia passado do auge. Os continuadores da bossa nova descambavam para a chamada "música de protesto". Na vertente oposta, a versão local do "iê-iê-iê", a jovem guarda não primava pela criatividade. A tropicália implodiu a questão quando fez a ponte entre essas duas atitudes aparentemente inconciliáveis. A liberdade formal do tropicalismo foi um sopro de novidade. Seestendia desde a escolha dos ingredientes de sua geléia geral - de Vicente Celestino aos Beatles, passando (claro) por João Gilberto, - até roupas e capas de disco, fortemente influenciadas pelo psicodelismo. (ABRAMO, 1987)

A história contada por Abramo (1987) não tem contradições; reina absoluta. Exatamente

aquela mesma história contada pelos tropicalistas e seus críticos. Está ali o “impasse”, palavra

central que deforma a gravidade do texto e conduz o discurso para um universo plano. O impasse

institui a luta entre bossa nova e a MPB engajada. Rememoração de um passado mitológico onde

os titãs reinavam. Traz à tona de volta Campos (2005) e sua retirada do tropicalismo do tempo. O

discurso relembra aquela dicotomia que instituiu os tropicalistas como abertos ao novo, voltados

para o futuro, e a MPB engajada estagnada num eterno passado. Polaridade que requer

posicionamento político de quem a olha. O sujeito que ali emerge precisa se posicionar, não há

escapatória. “A tropicália implodiu a questão quando fez a ponte entre essas duas atitudes

44

aparentemente inconciliáveis” (ABRAMO, 1987). Mas a jornalista, assim como a “tropicália11”,

resolve o impasse criado no próprio discurso: implode a ponte que separa a MPB do tropicalismo e

não deixa escolhas, apresenta o tropicalismo como vitorioso por pacificar todas as tensões. Resta à

crítica celebrar a vitória.

Continua mais a frente:

Se o tropicalismo foi uma resposta pop aos tradicionalistas da MPB, Transa é uma espécie de reflexão em tons cinzentos sobre esse período. (...) Não só pelo fato de ser cantado em inglês e português, mas por transitar em duas linguagens musicais: o rock e a MPB. Mesmo recheado de referências e citações dos Beatles ("Woke up this morning/ singing an old beatle song", em "It's a Long Way") e da bossa nova (trecho de "Chega de Saudades" que Gal canta em "You Don't Know Me"), ele declara sua independência de compromissos com qualquer forma de fazer música. (ABRAMO, 1987).

O jogo de palavras entre transa e transitar expresso no texto, nos remete à fluidez que o

discurso quer passar. Aquelas tensões entre formas discursivas opostas estando pacificadas pelo

próprio discurso tropicalista, resta o sujeito deslizar sobre si mesmo. Reafirmar sua forma

simbólica, reforçar sua vitória diante da narrativa histórica. O rock e a MPB, dois traços antes

opostos pela guerra simbólica, agora servem à reificação do referente. Nada escapa à sua narrativa.

Assim as referências e citações a Beatles convivem harmoniosamente com bossa nova e deságua

numa “independência de compromissos”. O discurso matou a história e serve-se do prazer de reinar

absoluto sobre as contradições. Gregolin (2007) lembra-nos que a mídia formata uma historicidade,

constituindo sujeitos situados em relação ao passado que ela apresenta, de acordo com uma leitura

do presente. O tropicalismo foi o agente deste procedimento de constituição de uma realidade.

E continua:

Transa é um exemplo de como podem ser inteligentemente trabalhadas as referências folclóricas e as cosmopolitas, o simples e o sofisticado. O resultado é o melhor disco de Caetano Veloso - que, apesar dos Meninos do Rio e outras babas afins posteriores, já teve momentos realmente brilhantes como compositor e letrista. E uma dica para quem tem má vontade com a música brasileira. (ABRAMO, 1987).

Depois das dicotomias resolvidas, resta polaridades. Palavras como “folcóricas”,

“cosmopolitas”, “simples” e “sofisticado” aparecem não como contradições, mas tem o papel de

reforçar a vitória do discurso. Soam como oxímoros. Não há mais contradição, apenas a celebração

da força do movimento tropicalista. O resultado de tais polaridades que se reforçam é quase

matemático: “o melhor disco de Caetano Veloso” (ABRAMO, 1987). Agora o texto pode voltar

soberano para o presente e relembrar que a MPB “está na pior”. Mas o trabalho já havia sido feito: o

discurso midíatico ofereceu ao leitores uma construção da realidade, uma historicidade formatada,

11 O “ismo” novamente desapareceu, deixando para trás a temporalidade do movimento musical, conforme apontado por Campos (2007).

45

conforme nos atentou Gregolin (2007). Ou nas palavras de Abramo (2007), forneceu “uma dica para

quem tem má vontade com a música brasileira”.

3.2.3Tropicália ou Panis et Circencis

A mesma Bia Abramo (1988) analisou o disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circencis

(1968). Antes, porém, dois discos brasileiros apareceram na Discoteca Básica: Ou não (1975), de

Walter Franco, e Acabou Chorare (1972), dos Novos Baianos. O primeiro foi analisado na edição

33 (1988), o segundo na edição 38 (1988). Novamente, a revista segue a “linha evolutiva” do

discurso tropicalista na hora de escolher os álbuns. O próprio Caetano Veloso (1997) cita o LP de

estreia de Walter Franco como referência na hora de fazer o álbum experimental Araçá Azul,

lançado em 1974. Os procedimentos de vanguarda tropicalistas, como o uso da tecnologia de

estúdio, aproximação com o concretismo e dodecafonismo (Campos, 2007) são radicalizados por

Franco. Enquanto os Novos Baianos seguem explicitamente a “linha evolutiva”, como uma

“atualização” dela. Assim, o terreno pisado pela Bizz não é dissonante, segue a narrativa do

discurso tropicalista mesmo internamente na escolha dos álbuns analisados.

Tropicália ou Panis et Circersis aparece na edição 4112. O disco, conforme já dito no

Capítulo 1, foi gravado e lançado coletivamente, como um manifesto de intenções estéticas e

musicais do grupo. São 12 faixas que compõem uma suíte, a evocar o Sgt Peppers Lonely Heart

Club Band, dos Beatles. Foi lançado originalmente em 1968 e tem a maioria das canções compostas

por Gilberto Gil e Caetano Veloso, embora apareçam músicas de Os Mutantes, Tom Zé, Torquato

Neto e Vicente Celestino.

Bia Abramo (1988) começa o texto com citações dos membros do coletivo de artistas e

depois segue com um mosaico multifacetado de referências históricas. Cita Rogério Duprat,

Gilberto Gil e Torquato Neto, passa por uma citação referencial onde aparecem os nomes de Nara

Leão, Ernesto Nazaré, Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha, Os Mutantes, Jefferson Airplane e Mamas

& the Papas. Em seguida, continua:

Maio de 68. Vietnã. Barricadas em Paris. Passeata dos cem mil, Rio de Janeiro. Primavera de Praga. Marthin Luther King. Flower power, 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Ai-5. Panteras negras. Arte Pop. Crimes, espaçonaves guerrilhas. Não são absolutamente memórias pessoais. Fragmentos da iconografia da época. O primeiro passo quando a tarefa é falar de alguma obra emblemática de uma época (sobretudo se você não esteve lá) é pesquisar todo o material disponível para reconstituir o clima e os acontecimentos que foram desaguar naquele produto em particular. Mas um discomanifesto como o

12 Bizz, n.41, Editora Abril, 1988.

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Tropicália ou Panis et Circencis fala por si só. E o que ele fala? (ABRAMO, 1988)

A enumeração de elementos díspares, compõe um ambiente discursivo fragmentado. O

mosaico construído com referências de lugares, datas, eventos, filmes e nomes evoca o ambiente

político/cultural da década de 1960, contexto histórico que produziu o tropicalismo. Evoca também

o próprio procedimento estético das canções do movimento, particularamente Alegria, Alegria, de

Caetano Veloso. A narrativa conduz sem descontinuidades ou contradições do ambiente macro para

o específico da canção. Cita textualmente a música (“crimes, espaçonaves, guerrilhas”), até

desembocar no universo íntimo: “não são absolutamente memórias pessoais”. Mistura política,

estética e subjetividade, como um típico produto daquele período. Ainda exige do leitor aquele

envolvimento participante que Favaretto (2000) aponta como um dos trunfos estéticos do

movimento. Ou seja, o texto mimetiza o tropicalismo, para provocar no leitor empatia e

aproximação com o objeto. Assim, crítico, leitor e objeto se tornam confidentes.

Como nas análises anteriores, observamos aqui também a necessidade de o crítico construir

uma narrativa histórica para situar o leitor. Desta vez, porém, a jornalista expõe textualmente esse

procedimento. Apresenta o ambiente da época, mas também sua materialidade enquanto texto. Para

isso se define enquanto autora, expondo as dificuldades e dúvidas de se dizer sobre aquilo que não

se presenciou e sobre a obra. A metalinguagem que Barthes (2007) aponta como característica

primeira da crítica. “Sobretudo se você não esteve lá”, a autora se revela. Assume a condição de

leitora daquela linguagem segunda de Barthes. Expõe também a trama que define o leitor como

uma projeção, uma antecipação, um “outro” residente no seio do próprio discurso (PECHEAUX,

2002). O leitor é aquele mesmo jovem da década de 1980 que a revista se direciona enquanto

produto editorial, por isso ele não esteve lá. Por isso é preciso construir um ambiente de mediação.

E como se dá esse ambiente de mediação, já que a autora se revela nas dificuldades de se

dizer sobre a obra? É preciso colocá-la, a obra, como irradiadora do discurso. “Um discomanifesto

como o Tropicália ou Panis et Circencis fala por si só. E o que ele fala?” (ABRAMO, 1988). A

autora seria assim somente um agente de mediação, deixa a memória discursiva agir em seu nome.

Só diz o que pode ser dito (ORLANDI, 2003).

Tropicália ou Panis et Circencis era para ser o manifesto tropicalista. Vinte anos depois é um documento histórico. Se a música não existia mais, era preciso romper com as camisas de força que regiam a música popular, as falsas dicotomias participação popular x invenção, local x universal. Vicente Celestino se encontra com os Beatles. O tropicalismo, como um momento de efervescência cultural, comunica-se diretamente com o modernismo da Semana de 22. E dá-lhe antropofagia: as referências de parentesco são explícitas e encaixadas em contexto novos. (ABRAMO, 1988).

47

O dito é aquilo que apontamos como discurso tropicalista, que aparece também nos outros

textos analisados, sem contradições. Assim, o disco não é somente um produto cultural vendido no

mercado, nem mesmo um manifesto estético do movimento. É sobretudo um documento histórico.

A função do crítico é ir a ele com o cuidado de um historiador, analisar como um escombro de um

passado que se tem acesso somente por aquele vestígio, mero acaso da História. Por ser um

documento histórico é com ele que devemos lidar, a partir dele que a narrativa se constroi, se

expande e, sem ele, a História desaparece. A narrativa então segue linear: “era preciso romper com

(…) as falsas dicotomias participação popular x invenção, local x universal” (ABRAMO, 1988).

Ora, não é essa mesma fala que forjou o discurso tropicalista? O interdiscurso se revela. A memória

atualiza o já dito . As contradições novamente ficaram para trás. Se institui assim aquela ilusão de

que não se poderia falar de outra forma. O esquecimento, assim, também se instala no discurso

(Orlandi, 2003). Modernismo e antropofagia saltam como fala primeira da obra enquanto portadora

do próprio discurso.

Continua:

Rogério Duprat orquestrou esses estilhaços de modernidade com todos os ritmos, instrumentos, ruídos e técnicas que estavam à mão. Em vez do violão e voz da bossa nova, aqui entram sirenes, distorção de guitarra, efeitos de estúdio, canhões (enquanto Gil rima Brasil e fuzil, com todas as letras) e órgão de igreja. Os metais pontuam ora o violão, ora a guitarra e o baixo, criando texturas distintas de sons. A geléia geral brasileira teve sua polaróide, em sons e imagens, nítida e multifacetada. (ABRAMO, 1998)

A “linha evolutiva” aparece novamente na aproximação entre a bossa nova e a modernidade

“à mão” dos tropicalistas. Assim, “em vez do violão”, os baianos usam uma série de técnicas e

aparatos tecnológicos disponíveis pela “modernidade”. A MPB tradicional, das “violas” e “marias”,

não precisa mais aparecer textualmente, está subentendida enquanto outra enumeração exerce sua

força: “sirenes, distorção de guitarra, efeitos de estúdio, canhões”. A MPB tradicional foi

planificada, emudecida, quase nada resta dela, apenas sua pálida presença no fundo de um discurso

vitorioso, jogada para trás de uma coleção de procedimentos estéticos considerados mais eficazes,

mais modernos. Vazio contramétrico numa melodia. No fim, o discurso pode voltar a si mesmo e

revelar novamente que se trata de uma mimese, um artifício para que ele não se diferencie de seu

objeto. O discurso crítico recobre a obra com sua própria linguagem, como nos lembra Barthes

(2007), e se faz novamente um objeto de mediação entre o leitor e uma construção específica da

realidade.

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3.2.4 Estudando o Samba

Após a análise de Tropicalia ou Panis et Circensis, o próximo álbum brasileiro que apareceu

na Discoteca Básica foi Loki? (1974), de Arnaldo Baptista, na edição 4313. Como se sabe, Arnaldo

Baptista era um dos líderes da banda Os Mutantes, mostrando que a revista ainda não abandonara

sua tendência tropicalista. Seis números depois14, o próximo álbum brasileiro que aparece na coluna

é também de um membro do movimento musical. Trata-se do disco Estudando o Samba (1976), de

Tom Zé.

Conforme apontado por Oliveira (2011), em 1989 a revista Bizz e o mercado fonográfico

passavam por crise. A Era Collor e o malfadado plano Collor provocaram recessão e consequente

recuo nas vendagens, aliado ao ambiente musical, que fechava o ciclo de ascensão e consolidação

do rock brasileiro oitentista. Além do sucesso radiofônico da música sertaneja e a entrada da MTV

no Brasil.

Tom Zé, assim como Os Mutantes, na década de 1980 era um artista proscrito. Após

participação central no movimento tropicalista e vitória no IV Festival Internacional da Canção,

passou a década de 1970 e 80 produzindo álbuns pouco expressivos em número de vendas, por

buscar buscar caminhos mais experimentais e herméticos para sua música. Até em meados da

década de 1980 cair em ostracismo, ficando de 1984 a 1990 sem lançar nenhum álbum.

A análise de Estudando o Samba acontece justamente no momento de resgate da obra do

baiano. O músico David Byrne (ex-líder do grupo inglês Talking Heads) “descobriu” Estudando o

Samba em uma loja de discos usados do Rio de Janeiro e lançou a coletânea Hips of Tradition

(1992), tornando Tom Zé famoso fora do Brasil. Essa história é contada por Ayrton Mugnaini Jr na

coluna Discoteca Básica da seguinte forma:

O Brasil é a casa onde os santos menos fazem milagres, uma estranha espécie de Instituto de Pesos e Medidas em que a cultura brasileira é "brega" e qualquer rebotalho estrangeiro é cultuado incondicionalmente. O que menos se macaqueia de fora é a ausência de preconceitos musicais, sendo um belo exemplo disso o nosso amigo David "Talking Heads" Byrne, sempre atento aos sons de todo o planeta, e que não conteve a sua admiração ao conhecer o trabalho de Tom Zé (uma espécie de seu equivalente brasileiro, pois, não tão mal comparando assim, ele poderia ser considerado um "David Byrne que não deu certo", que nunca teve o apoio de uma grande gravadora), mais precisamente a partir deste LP. (MUGNAINI, 1989)

A exemplo da análise de Pappon (1986) no disco de Os Mutantes, Mugnaini (1989) evoca o

13 Revista Bizz, n.43, 1989.14 Revista Bizz, n. 49, 1989.

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inconsciente coletivo brasileiro. Não mais as instituições que reproduzem a “falta de memória

nacional”; o que é agenciado aqui é o “culto ao estrangeiro”. Esse culto seria um sentimento

sempre presente no povo brasileiro, que não reconhece o valor de sua própria cultura, de seu

próprio país. Algo como uma doença da alma. Santos que não fazem milagre, “Instituto de Pesos e

Medidas”, palavras que tensionam o texto, corporificam, tornam eterno e enraizado o “problema”

de o brasileiro não valorizar sua própria cultura. É um problema de fé, também institucional,

sentimento atávico que nos chega através da História, de nossa ascendência colonial. O mito da raça

triste atualizado. A propensão do Brasil, diagnosticada por Paulo Prado (2002), ao mal da imitação

ressurge. O texto repete que somos condenados por nosso passado à melancolia e o amor ao

estrangeiro.

Por outro lado, não “macaqueamos” o que há de bom no estrangeiro. A saber: a ausência de

preconceitos musicais. “Macaquear” aqui é novamente uma propriedade intrínseca do brasileiro.

Vem de tempos imemoriais, estamos condenados a isso. O discurso traz à tona aqueles diagnósticos

sociológicos comuns na primeira metade do século XX, que procuravam o erro histórico do Brasil

em seu passado colonial. Mas por aquela mesma colonização, não conseguimos imitar o que o

estrangeiro faz de melhor. É preciso que um estrangeiro nos ensine a valorizar a “cultura nacional”.

David Byrne faz esse papel. Mas novamente o discurso se deixa levar pelo poder do interdiscurso.

O conjunto de formulações feitos e já esquecidos, saltam na materialidade do texto e comanda a

fala do autor. David Byrne torna-se “nosso amigo”; afinal, como estrangeiro, nos ensinou a

valorizar o que é nosso. Ele: “sempre atento aos sons do planeta”; nós: condenados a imitar.

E de novo a imitação prevalece. Tom Zé perde toda sua especificidade e se torna um David

Byrne “que não deu certo”. Ora, não deu certo porque não soubemos valorizá-lo. Somente podemos

reconhecer o valor do artista baiano se reconhecermos o que há nele que também existe no ex-líder

dos Talking Heads. É um movimento circular; o texto diagnostica o problema e o reitera, numa

mimese em que o interdiscurso conduz o intra-discurso. A memória histórica afirma seu poder no

dizível, não há mais nada a se dizer além daquela imitação, nem mesmo o texto escapa a ele e dá

todo o poder ao estrangeiro. Tom Zé não deu certo como Byrne porque “nunca teve o apoio de uma

grande gravadora” (MUGNAINI, 1989). Outra instituição que não reconhece a “cultura brasileira”.

O texto segue:

Tom Zé, para quem não se lembra, veio da Bahia junto com Caetano, Gal e Gil, sendo tão importante quanto eles, mas não tão famoso, por uma série de fatores: além de sempre ter sido mais "caseiro" - deixando escapar a chance de se projetar em Londres com eles, e se fixando em São Paulo numa época em que tudo parecia acontecer no Rio -, Tom Zé nunca sofreu a compulsão de se curvar perante os modismos ou pendurar melancia no pescoço para aparecer. (MUGNAINi, 1989)

50

Com a missão de salvar a “cultura nacional” do esquecimento, o discurso crítico segue em

sua cruzada. Já restaurou a importância de Tom Zé pelo reconhecimento estrangeiro. Agora parte

para o leitor. O trecho “para quem não se lembra” age como aquela antecipação do leitor acima

descrita. Funda uma subjetividade e faz saltar um sujeito do texto. A “falta de memória” é

combatida com a rememoração de uma instituição que tem o poder de mediação: a própria mídia. O

sujeito que sofre da falta de memória é localizado e logo colocado em outro tipo de agenciamento:

o reconhecimento da “cultura brasileira”. Ele só pode existir plenamente dessa forma. Trazido das

profundezas do esquecimento e recolocado nos eixos do discurso que restabelece a ordem das

coisas. Mais que isso. É preciso saber, ou melhor, se lembrar quais foram os motivos que fizeram

de Tom Zé um proscrito. “Caseiro”, “não se curvar”, “não pendurar um melancia no pescoço para

aparecer” são adjetivações próprias a Tom Zé que permitiram que as instituições que sofrem de

“falta de memória” deixassem o artista de lado. Assim, o sujeito localizado (leitor com falta de

memória) é colocado à serviço da cultura brasileira, através da mediação do discurso da mídia.

3.2.5 Expresso 2222

O jornalista e crítico Tárik de Souza na edição 12615 analisa o disco Expresso 2222 (1972),

de Gilberto Gil. Desde o último disco tropicalista, se passaram seis anos. Os tempos eram outros. A

revista também. Em outubro de 1995, a Bizz se transforma em Showbizz, com formato maior,

projeto gráfico privilegiando fotos, linguagem adolescente e ensaios sensuais. A primeira edição

nesse novo formato vai bem, vendeu 100 mil revistas, impulsionada pelo Plano Real e consolidação

do mercado jovem. Por outro lado, como apontado por Oliveira (2011), para dar contraponto à

tendência adolescente da revista, a Showbizz contratou críticos de renome para compor seus

quadros. Tárik de Souza é um deles. Ele começou a carreira em 1968 como repórter da Veja e já

havia trabalhado para outras publicações, como Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Opinião,

Pasquim e Som 3.

O disco de Gilberto Gil aparece na Discoteca Básica após uma sequência mais dispersa de

álbuns brasileiros. Aquela tendência tropicalista nas obras analisadas parece ter sido deixada para

trás16. Assim como o Transa, de Caetano Veloso, Expresso 2222 (1972) foi lançado depois do

15 Revista Bizz, n.126, Editora Abril, 1995.16 A sequência é: É Proibido Fumar, de Roberto Carlos (Revista Bizz, n61, 1990); Samba Esquema Novo, de Jorge

Ben (Revista Bizz, n62, 1990); Novo Aeon, de Raul Seixas (Revista Bizz, n80, 1992); Tim Maia, de Tim Maia (Revista Bizz, n87, 1992); Secos & Molhados, de Secos & Molhados (Revista Bizz, n112, 1994). O que se nota nessa sequência é que a maioria das obras analisadas é da década de 1970, excetuando o disco de Roberto Carlos, lançado em 1964. O que confirma o caráter rockista da crítica da revista Bizz.

51

retorno de Gil do exílio em Londres. É um álbum com pegada rock mais marcante, com o artista

baiano assumindo uma postura de band leader, como nas grandes bandas do gênero na Inglaterra.

Reflexo direto da cena que Gil presenciou na capital inglesa. O artista chegou a fazer show no

Festival da Ilha de Wight e assistir a shows de Led Zeppelin e Rolling Stones (VELOSO, 1997).

Apesar da tendência roqueira, Gil aprofunda a união entre a musicalidade “universal” e “regional”,

como Souza (1995) aponta:

Quando começou a circular o Expresso 2222 , em 72, a luz no fim do túnel era a locomotiva da ditadura vindo em sentido contrário. Como Caetano, Gilberto Gil voltava de um exílio de dois anos em Londres, após uma prisão arbitrária, e recomeçava a carreira a todo o vapor unindo as duas pontas básicas do ideário tropicalista. De um lado, o regionalismo fundador da tosca & revolucionária Banda De Pífanos De Caruaru ("Pipoca Moderna"). De outro, uma canção do exílio universalista, "Back In Bahia", que ao invés de palmeiras e sabiás, planta Celly Campelo e um velho baú de prata. (SOUZA, 1995)

A exemplo do texto de Abramo (1988) sobre o Transa, o jogo de palavras entre o nome do

álbum e a ditadura militar põe em movimento os sentidos. O Expresso 2222, que, na música de Gil,

leva para o futuro, é contraposto à locomotiva da ditadura vindo em sentido contrário. A tensão

entre a viagem adiante e o obstáculo provoca a expectativa do desastre. Mas o choque iminente é

evitado pela pacificação das oposições. Gilberto Gil, assim como Caetano Veloso, evitam a tensão

unindo as duas pontas do ideário tropicalista: o regionalismo e o universalismo. As dicotomias, as

outras vozes, as contradições são pacificadas novamente, o que sobra é a linearidade da narrativa

em prol do discurso vencedor. A fala de Caetano ecoa no fundo do discurso: “ora a música

brasileira se moderniza e continua brasileira, à medida que toda informação é aproveitada (e

entendida) da vivência e da compreensão da realidade brasileira” (Revista Civilização Brasileira

apud FAVARETTO, 2000, p.39). O que produz indiferenciação entre o discurso crítico e

tropicalista, fazendo com que o movimento iniciado com o jogo de palavras flua até a total

assimilação: “...um velho baú de prata” (SOUZA, 1995), cita textualmente Back in Bahia.

O texto continua sondando a união entre regionalismo e universalismo:

Entre os extremos dessa arqueologia há espaço para o nordeste agreste de João do Vale (mais Ayres Viana e Alventino Cavalcanti), turbinado por guitarras em "O Canto Da Ema" e a parábola da contaminação cultural, do repertório de Jackson do Pandeiro, "Chiclete Com Banana". A que fala em samba/rock antes de Lobão nascer e mistura Miami com Copacabana, quando a era Collor ainda era um brilho fugidio nos olhos psicopatas de seus genitores. Com anos-luz de antecedência, o forró-core e o mague-bit já pulsavam nos hormônios freventes da sucinta "Sai do Sereno" (Onildo de Almeida), em duo com Gal Costa, edificada numa única estrofe poética. (SOUZA, 1995)

52

A palavra “arqueologia” materializa o procedimento estético do artista como uma busca

pelas raízes de “nossa cultura”. Se o Tropicalia ou Panis et Circensis é um documento histórico,

Expresso 2222 é um estudo arqueológico, em que os achados criam patrimônios culturais. A

relevância do artista é a de um estudioso que traz à superfície tesouros, relíquias musicais. O

“nordeste agreste” é revelado e atualizado por guitarras. Gilberto Gil reveste a sua herança musical

de capital simbólico; o crítico, por expor essa engrenagem, o expande para si, seu discurso e o da

mídia, conforme nos lembra Cardoso (2007). Assim, do texto do jornalismo opinativo emerge parte

do prestígio dado ao artista, influindo diretamente no campo de produção artístico-intelectual e na

valorização da obra. A “valorização da cultura nacional” novamente está em jogo e é uma bandeira

hasteada para a conquista simbólica.

Com esse patrimônio em mãos, a narrativa segue adiante. O crítico pode brandí-lo no

presente para afungentar os perigos da história. Atesta a legitimidade da música de Gil por “...fala(r)

em samba/rock antes de Lobão nascer”; além disso, aproxima contextos históricos diversos e funda

continuidades entre a ditadura e o período Collor, como um inimigo que atravessou os tempos e

precisa ser combatido. A arma usada contra esse perigo é a mesma que afastou a ditadura: o

discurso tropicalista, que valoriza a cultura nacional enquanto pacifica as tensões com o universal.

Miami e Copacabana podem conviver em paz, sem o nacionalismo esquerdista, a repressão

ditatorial, nem mesmo a abertura neoliberal de Fernando Collor. A contradição sem conflitos da

“linha evolutiva” da música popular brasileira devasta tudo ao redor e planifica o terreno para o

reinado do discurso.

Da mesma maneira que combateu inimigos, o tropicalismo antecipou “com anos-luz de

antecedência” o “forró-core” e o “mangue-bit”. Esses estilos musicais surgidos no Brasil na década

de 1990 perdem sua atualidade frente à permanência histórica que o discurso quer instituir. Nada

resiste a seu poder de combate. Nem mesmo a vibração do sons de jovens que giram as rodas da

indústria no momento. Afinal, a força simbólica de portar as relíquias da “cultura nacional” faz

emergir sujeitos que aparecem para combater a luta justa. O discurso da mídia faz isso através das

continuidades, das permanências, estabelecendo relações com a história e memória, deslocando,

reafirmando e formando sentidos e identidades em um jogo que envolve tanto o leitor quanto as

representações. Da arqueologia à ditadura; da cultura nacional à era Collor; do nordeste agreste ao

Lobão, referências que servem à permanência do discurso. “De tão sólida, a teia do Expresso 2222

sobreviveu ao vírus do tempo”, diz o crítico.

53

3.2.6 Fa-Tal – Gal a Todo Vapor

Novamente Tárik de Souza (1996) é recrutado para a analise de um disco tropicalista, seis

edições depois daquela com a obra de Gilberto Gil17. O disco de Gal Costa é a gravação de uma

série de concertos da cantora no Teatro Tereza Raquel, no Rio de Janeiro, em 1971. O poeta e

letrista Waly Salomão assumiu a direção das apresentações da artista. Nesse período, com Caetano

e Gil exilados na Inglaterra, Gal Costa assumiu a frente do movimento tropicalista no Brasil, como

uma espécie de representante em terras brasileira das ideias e comportamentos dos artistas baianos,

tanto na mídia quanto no meio artístico. Essas apresentações foram compiladas num disco duplo,

com uma miscelânea de sambas tradicionais, canções folclóricas, músicas de Caetano e

interpretações de artistas que despontavam naquele momento, como Jards Macalé , Luiz Melodia e

Novos Baianos. Os dois lados do primeiro LP conta com nove músicas, toda interpretadas pela

artista com voz e violão. Na última canção, Vapor Barato, de autoria de Jards Macalé, Waly

Salomão, entra a banda elétrica, que permanece no acompanhamento até o fim do álbum.

Vamos a que Souza (1996) escreve sobre o Fa-tal – Gal a Todo Vapor:

Neste disco/show, além de segurar a barra tropicalista, Gal já rodava a baiana de maior cantora da MPB. Só ela vai dos cochichos de João Gilberto aos urros de Janis Joplin sem trair a Dalva de Oliveira que mora no sentimentalismo deste país de três raças tristes. Vapor Barato, também conhecido por Gal Fatal, é obra-prima. O repertório linka folk ("Fruta Gogóia", "Bota A Mão Nas Cadeiras"), emepebê antepassada ("Assum Preto", "Falsa Baiana") e o sotaque rock da época ("Hotel Das Estrelas", "Como 2 E 2", "Dê Um Rolê"), tudo dentro da atitude marginal que cutucava o sistemão com um jogo de da(r)dos poéticos. (SOUZA, 1996).

O crítico apresenta Gal como a “maior cantora da MPB”. A sigla novamente aparece sem as

tensões, sem aquela luta que estabelece o tropicalismo como simbolicamente mais poderoso. Aqui,

pelo contrário, MPB tem o poder aglutinador. Não é aquela que “está na pior”, mas que tem o poder

de síntese, de estabelecer em torno de si uma aura que fornece capital simbólico para o artista que

gravita em torno dela. Por isso Gal Costa é a maior. Ela só pode ser a maior cantora se for da MPB.

Fora dela não há nada maior, o poder de síntese e aglutinação é o que dá o referencial, a

abrangência é nacional e perpassa qualquer subgênero ou designação. A MPB é forte “o bastante

para demonstrar ao público que poderia dar a ele tudo o que desejava, inclusive novos

comportamentos mediados pelo rock” (NEDER, 2012, p.64). Essa liderança na hierarquia simbólica

foi construída com ajuda do movimento tropicalista, foi ele que testou os limites da sigla nos

festivais da canção e inseriu o comportamento rock como aceitável dentro da instituição (ULHÔA,

17 Revista Bizz, n.136, 1971

54

2001). Assim, não há contradição em se celebrar a sigla, o poder que ela assume enquanto memória

discursiva traz o movimento tropicalista como força motriz. A celebração discursiva continua em

marcha.

Gal Costa expõe o poder completo dessa vitória. João Gilberto é novamente evocado com

seus cochichos, agora do lado de Janis Joplin. A “linha evolutiva” da música popular brasileira salta

do discurso e se impõe novamente. Só que aqui o discurso quer aglutinar, tornar seu poder

impositivo sobre qualquer descontinuidade, elipse ou erro, por isso desliza pelos cânones e vaticina

“sem trair Dalva de Oliveira”. A traição seria deixar para trás a abrangência que a sigla tem, seria ir

da bossa nova ao rock, sem passar pelas relíquias do Brasil. A “cultura brasileira”, aquela

tradicional, que precisa ser resgatada, escavada, trazida ao presente, não pode ser esquecida; para

isso, é preciso agenciar uma série de recursos: documento histórico, a arqueologia, ou mesmo o

poder da MPB. É desse jogo simbólico que salta o sujeito, dele que se estabelece como a realidade

é montada pelo discurso, como os sentidos e instituições funcionam, como as memórias são

evocadas e as palavras ditas.

Trair significa deixar para trás “o sentimentalismo deste país de três raças tristes”. Desta vez

o mito das raças tristes não é um empecilho, pelo contrário, faz parte de nós. É o que nos define

enquanto nação. “Sentimentalismo” e “país” são duas palavras que não podem ser deixadas de lado,

são indissociáveis e fazem parte de nossa completude. A abrangência da MPB quer abarcar tudo, o

discurso cobrir todo o espectro da memória, toda a realidade partilhada em torno do sentimento de

nação.

O nome de Dalva de Oliveira rememora a valorização da mestiçagem de Gilberto Freyre,

aquele desrecalcamento que o sociológo empreendeu no Brasil e que colocou a união das três raças

como central para a nação. O sentimentalismo das raças tristes é mais um elemento com o poder de

síntese, que não pode ser esquecido, e que significa nossa origem enquanto povo – o que nos

unifica. Ou, como afirma Vianna, a “tendência de valorizar a mestiçagem é uma opção pela

“unidade da pátria” e pela homogeneização, como mostra o debate sobre a imigração no Brasil”

(VIANNA, 2004, p.71).

Continua Souza (1996):

Quase todas as faixas escolhidas têm dupla leitura. Desde o velho samba "Antonico", do genial Ismael Silva, um pedido de auxílio que vinha a calhar naquelas trevas, até os retratos a ferro e fogo da época, escritos por Macalé e Waly Salomão. Além da novo baiana "Dê Um Rolê" ("Enquanto eles se batem/Dê um rolê"), explodem os versos opressos de "Mal Secreto" (Massacro meu medo/Mascaro minha dor"), "Hotel Das Estrelas" ("Sob um pátio abandonado/Mortos embaixo da escada"), "Luz Do Sol" ("Quero ver de novo/A luz do sol") e a faixa-título, "Vapor Barato" ("Eu tou indo embora/Talvez um dia eu volte, quem sabe?"). Reciclada para o sucesso pelo

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filmaço Terra Estrangeira, de Walter Salles Jr., que fotografa grão a grão o exílio desértico da era Collor, esta música atesta que o país se repete como uma farsa constantemente reescrita. (SOUZA, 1996)

Novamente aqui os perigos da história são afugentados pelo poder do discurso. Ele que

perpassa as diferenças, edifica os sentidos e combate as monstruosidades. O “samba” e os “retratos

a ferro e fogo”, são poderes simbólicos que lutam contra as tensões localizadas na história, na

realidade opressora, que aparece sob a “explosão”, o “exílio”, o “deserto”. Figuras que assombram,

mas que o discurso combate e de onde retira seu poder. O inimigo é derrotado pela palavra. A era

Collor novamente é colocada como ponto de chegada. A continuidade entre o passado ditatorial e o

presente opressor (passado recente) é ressaltada, enquanto o discurso sai fortalecido. Afinal, não se

passa por todas as trincheiras sem derrubar inimigos. O tropicalismo passou daquele perigo, mas

agora é novamente evocado para derrotar o novo.

O discurso exerce sua força quando planifica, aglutina e aterra. Fora dele, a vida é

impossível. Assim, “o país se repete com uma farsa constantemente reescrita”. Somente dessa

maneira é que o eterno presente do discurso pode se reavivar: pela permanência, pelo homogêneo e

o mesmo reiterado. O “país” aqui não é aquele das raças sentimentais, da mestiçagem valorizada,

mas o das instituições que esquecem, da opressão dos Anos de Chumbo, do erro da era Collor. Ele

aparece na desesperança do eterno evocar do discurso, na sua reafirmação constante. É contra ele

que os sujeitos são constituídos, contra ele que a “cultura nacional” precisa ser valorizada. A música

é a peça chave nessa história constantemente reescrita e a mídia o agente mediador.

56

Conclusão

A análise da coluna Discoteca Básica da revista Bizz proporciona um levantamento da

crítica musical na mídia brasileira, ainda que restrito. Por contribuir com grande parte da recente

história do jornalismo cultural brasileiro, atingindo todo o território nacional, a publicação permite

olhar para as nuances que o discurso da mídia tomou durante a década de 1980 e parte do decênio

seguinte. A coluna analisada, por fazer críticas sobre discos considerados clássicos, e ter por

característica a rotatividade dos jornalistas envolvidos em suas linhas, direciona melhor esse olhar,

estabelecendo relações entre o discurso praticado e a memória discursiva evocada. Estabelece,

assim, um jogo de sentidos entre o passado e o presente, revelando como foi constituído o discurso

naquele momento.

Por verticalizarmos nosso estudo em torno das críticas feitas a discos de artistas

tropicalistas, pudemos entrar em contato com discussões em torno da música popular no Brasil.

Também percebemos como ela se relaciona com o ambiente cultural, político e social do país. Tanto

o engajamento de artistas nessas questões, como a crítica acadêmica e da mídia, permitem que se

equacione a maneira como aqueles âmbitos mais gerais da realidade brasileira podem ser pensados,

projetados, negados e criticados. O tropicalismo, por se envolver conscientemente nos embates em

torno da questão do nacional-popular, favorece ainda mais essa percepção.

O movimento elabora em torno de si um discurso baseado na crítica ao modelo nacional-

popular e, para isso, evoca uma “linha evolutiva da música popular brasileira” que leva a discussão

sobre cultura no Brasil para a dicotomia “impasse/ evolução”, contrapondo o discurso nacional-

popular a um discurso internacionalista-modernizante, alegando que o primeiro estaria

atravancando a evolução da cultura brasileira por sua ortodoxia cultural, ao evitar o contato com a

emergente cultura internacional-popular, principalmente o pop-rock. Para isso, o tropicalismo

associou-se a movimentos de vanguarda, relegados a segundo plano pelo nacional-popular, e

evocou a antropofagia oswaldiana como antípoda daquele modelo modernista-cepecista

(NAPOLITANO, 1997).

O debate cultural em torno do movimento ganha as páginas da mídia da época. Diversos

artistas, escritores e músicos saíram em defesa/crítica às concepções estético-discursivas dos

baianos. Ainda que de forma pulverizada e no calor dos acontecimentos, essas discussões ajudaram

a consolidar a palavra “tropicália” e “tropicalismo” na mídia, estabelecendo seus preceitos,

concepções, dando coerência interna e constituindo um discurso. A frente mais acadêmica desse

debate, liderada por Campos (2007) e Scharwz (1978), estabelece e fortalece os conceitos sobre o

57

movimento, dando amplitude e fôlego para aqueles debates.

Justamente esse fôlego acadêmico dos debates que podem ser observados com recorrência

na coluna analisada. A maneira como conceitos, ideias, imagens, palavras e frases são evocadas

pelos jornalistas da revista Bizz na Discoteca Básica, estabelece relações diretas e indiretas com

aqueles debates. A defesa da “cultura brasileira” é central no discurso construído pela mídia. Por

trazer consigo concepções com força simbólica suficiente para mobilizar identidades,

representações e subjetividades, a mídia modela uma historicidade e constrói a realidade. Desta

forma, pensar a mídia como prática discursiva ajuda a apreender relações que ela mantém com

outros dispositivos sociais que circulam pela realidade social. Essas práticas, em sua materialidade,

estabelecem pontes entre a história, a memória, deslocando, reafirmando e fundando sentidos e

identidades (GREGOLIN, 2007). A “cultura brasileira” age, assim, como mobilizador e catalizador

no discurso.

A “unidade da pátria”, a “cultura brasileira”, a “memória nacional”, enfim, toda uma gama

de ideias são evocadas em nome do discurso, para fortalecê-lo, reafirmá-lo e valorizar sua potência

diante de uma realidade diversa daquela em que os debates em torno do nacional-popular

aconteciam e que o tropicalismo tomou frente com uma contra-proposta. As tensões daquele debate,

ressignificadas pelo discurso da mídia, são planificadas; a linearidade do discurso vencedor

estabelecida e os embates esvaziados. O tropicalismo acabou, de uma forma ou de outra,

consagrado como ponto de clivagem/ ruptura da cultura brasileira dos fins da década de 1960.

Tratado como face brasileira da contracultura ou como braço “popular” da vanguarda. O

movimento conflui exatamente no esgarçamento do modelo nacional-popular como eixo cultural e

político do Brasil e assume a ponta nos debates e produções artísticas e críticas posteriores. Modelo

ideal para implantar o discurso de mediação da mídia em um momento de fortalecimento do

mercado editorial brasileiro. Nesse sentido, a Discoteca Básica, ao analisar os álbuns de artistas

tropicalista, funda novas subjetividades a partir de uma prática discursiva que estabelece relações

com o passado recente, evocando-o, transformando-o e ressignificando-o.

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Anexo – Discoteca Básica

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Os Mutantes

Os Mutantes (1968)

(Revista Bizz, n10, Editora Abril, maio de 1986)

A conhecida "falta de memória nacional" nada mais é do que a falta de disposição,

compreensão e competência das instituições - desde o governo até a imprensa especializada - em

apoiar a produção e a preservação da cultura brasileira. Não é à toa que muita gente busca no rock

americano ou inglês a sua fonte única de inspiração e conhecimento, enquanto as pérolas da MPB

permanecem no esquecimento.

"Que pérolas?", pergunta o leitor, atarantado. Pois é. A MPB está na pior - não temos

qualquer música vital, forte ou espirituosa. Mas há vinte anos não era assim. Houve a bossa nova, a

tropicália (anote aí: "bossa nova" não é uma invenção da vanguarda londrina), coisas que poderiam

dar um forte impulso ao rock nacional, em sua busca de identidade. Realmente, não é justo que só a

tal "geração AI-5" tenha conhecido o primeiro LP dos Mutantes, lançado em 68... eis as pérolas!

Pelo ineditismo para a época e pelo seu distanciamento dos clichês roqueiros, este pode ser

considerado o melhor disco do grupo (sem menosprezar os posteriores, Os Mutantes, de 69, e A

Divina Comédia ou Ando Meio Desligado, 70). Rita Lee, Arnaldo e Serginho Baptista faziam

música, está na cara, pelo puro barato de criar, de se divertir. Assim como outras obras-primas da

tropicália, este disco contou com o auxílio do George Martin (Nota: produtor dos Beatles)

brasileiro, Rogério Duprat. Sintetizar orquestralmente as idéias lisérgicas que os Mutantes

simplesmente jorravam não deve ter sido fácil, mas com certeza Duprat curtiu adoidado.

Vejam só: o disco abre com "Panis et Circensis", de Caetano e Gil. De repente a música se

interrompe como se alguém tivesse tropeçado no fio do toca-discos; em seguida ela continua para

acabar em meio a ruídos de sala de jantar, com talheres e conversas familiares. Tudo isso com

orquestração digna de aberturas wagnerianas. Depois vem "Minha Menina" (Jorge Ben) e "O

Relógio", de autoria do grupo, um dos grandes momentos deste lado, graças à estranheza do

contraste entre a melodia leve e o non-sense da letra (o relógio parou/ desistiu para sempre de ser

antimagnético, 22 rubis/ eu dei corda e pensei/ que o relógio iria viver/ pra dizer a hora de você

chegar).

"Maria Fulô", de Leonel de Azevedo e José de Sá Roris, cai num clima de quilombo, com

marimbas, Kalimbas e cuícas no maior samba. "Baby", de Caetano, é cantada (imaginem só) por

Arnaldo. A última faixa do lado A é "Senhor F" (O senhor F/ vive a querer/ ser senhor X/ mas tem

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medo/ de nunca voltar/ a ser senhor F outra vez), mais uma pérola de autoria do grupo, com arranjo

inspirado (assim como outros momentos desde LP) em coisas do Sargeant Peppers dos Beatles.

O lado B abre com "Bat Macumba" e segue com Rita cantando, à la Françoise Hardy, o clássico

francês "Le Premier Bonheur du Jour". "Trem Fantasma", Mutantes em parceria com Caetano,

destaca uma bela combinação de vozes com metais. "Tempo no Tempo", versão de uma música dos

Mamas & the Pappas, tem um solo de carrilhão no final, e "Ave Gencis Khan" (sic) encerra o disco

num pique de George Harrison, com fortes toques orientais.

É isso aí. De resto, só mesmo ouvindo. Os climas mudam, de faixa para faixa, da água para

o vinho. Sem nenhum preconceito, os Mutantes fizeram uma viagem psicodélica pela música

universal, bastante influenciados pelos Beatles e auxiliados pelas partituras mágicas de Rogério

Duprat. É um disco de MPB, tratado com o espírito efervescente da época, o espírito de libertação

das formas e padrões. Por isso é um disco que os roqueiros brasileiros devem conhecer. Junte-se ao

coro dos que exigem o relançamento dos LPs dos Mutantes. "Tem que dar certo..."

Thomas Pappon

61

Transa (1972)

(Revista Bizz, n26, Editora Abril, setembro de 1987)

No fim da década de 60 a música brasileira passava por um impasse. A força inovadora da

bossa nova - a possibilidade de se fazer uma leitura sofisticada e universal do samba - já havia

passado do auge. Os continuadores da bossa nova descambavam para a chamada "música de

protesto". Na vertente oposta, a versão local do "iê-iê-iê", a jovem guarda não primava pela

criatividade. A tropicália implodiu a questão quando fez a ponte entre essas duas atitudes

aparentemente inconciliáveis. A liberdade formal do tropicalismo foi um sopro de novidade. Se

estendia desde a escolha dos ingredientes de sua geléia geral - de Vicente Celestino aos Beatles,

passando (claro) por João Gilberto, - até roupas e capas de disco, fortemente influenciadas pelo

psicodelismo.

Transa é o segundo LP do Caetano Veloso pós-tropicalista e o primeiro depois de seu exílio

em Londres. Se o tropicalismo foi uma resposta pop aos tradicionalistas da MPB, Transa é uma

espécie de reflexão em tons cinzentos sobre esse período. Na edição original era um disco-objeto: a

capa se dobrava de maneira a formar um poliedro triangular. Foi produzido por Ralph Mace, o

inglês que já havia produzido em Londres o seu disco anterior (Caetano Veloso, de 1971).

Transa é um disco bilingüe. Não só pelo fato de ser cantado em inglês e português, mas por transitar

em duas linguagens musicais: o rock e a MPB. Mesmo recheado de referências e citações dos

Beatles ("Woke up this morning/ singing an old beatle song", em "It's a Long Way") e da bossa nova

(trecho de "Chega de Saudades" que Gal canta em "You Don't Know Me"), ele declara sua

indepedência de compromissos com qualquer forma de fazer música. Afinal, é como diz uma das

mais belas canções do disco, "Nine Out of Ten" (onde pela primeira vez ouvimos falar em reggae):

"the age of music is past".

Assim, canções com uma estrutura mais convencional convivem neste disco com faixas

como "Triste Bahia", um longo diálogo entre baixo e berimbau com trechos de um poema do poeta

baiano oitocentista Gregório de Mattos ("Triste Bahia/ Oh, quão dessemelhante/ estais e estou no

mesmo antigo estado/ a ti tocou-te a máquina mercante/ que em tua larga barra tem entrado") e de

cantos de capoeira e afoxé - mais de seis minutos de uma longa litania que acaba num crescendo

angustioso.

Ou então uma linda versão de "Mora na Filosofia", de Monsueto, com um brilhante arranjo

que alterna momentos de economia - apenas baixo, violão e voz - com climaxes ("Pra que rimar

amor com dor") com a percussão. Aqui, Caetano repete uma idéia utilizada no tropicalismo: a de

recuperar perolas esquecidas da MPB, rearranjadas de forma moderna - e às vezes bastante

62

inusitada -, coisa que irá repetir ao longo de sua carreira.

As letras falam o tempo todo de desterro - não o que ele viveu realmente, mas uma espécie

de desterro tanto em relação à cultura brasileira quanto em relação à cultura pop. Começa com "You

Don't Know Me" (em que Caetano faz um trocadilho com at all e Apple, a gravadora dos Beatles).

Daí vem "I'm alive/ vivo/ muito vivo" - com o duplo sentido de "I'm alive/ I'm a lie" - para concluir

depois: "That's what rock and roll is all about", sempre invadidos por trechos de canções folclóricas

e tradicionais.

Transa é um exemplo de como podem ser inteligentemente trabalhadas as referências

folclóricas e as cosmopolitas, o simples e o sofisticado. O resultado é o melhor disco de Caetano

Veloso - que, apesar dos Meninos do Rio e outras babas afins posteriores, já teve momentos

realmente brilhantes como compositor e letrista. E uma dica para quem tem má vontade com a

música brasileira.

Bia Abramo

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Various Artists

Tropicália ou Panis et Circencis (1968)

(Revista Bizz, n41, Editora Abril, dezembro de 1988)

"A música não existe (...). Sei que alguma coisa nova se cria a partir daí e o resto não me

interessa" (Rogério Duprat). "Ê bumba-iê-iê-boi" (Gilberto Gil & Torquato Neto). "Nara - Pois é... e

o Ernesto Nazaré e Chiquinha Gonzaga... e Pixinguinha... Os Mutantes - Pois é... e os Jefferson's

Airplane (sic) e os Mamas & the Papas... e..."

Maio de 68. Vietnã. Barricadas em Paris. Passeata dos cem mil, Rio de Janeiro. Primavera de Praga.

Marthin Luther King. Flower power, 2001 - Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick. AI-5.

Panteras negras. Arte Pop. Crimes, espaçonaves guerrilhas.

Não são absolutamente memórias pessoais. Fragmentos da iconografia da época. O primeiro

passo quando a tarefa é falar de alguma obra emblemática de uma época (sobretudo se você não

esteve lá) é pesquisar todo o material disponível para reconstituir o clima e os acontecimentos que

foram desaguar naquele produto em particular. Mas um discomanifesto como o Tropicália ou Panis

et Circencis fala por si só. E o que ele fala?

A capa apresenta os atores do carnaval tropicalista. Os Mutantes e suas guitarras elétricas.

Tom Zé, Caetano com Nara Leão (os mais belos joelhos da bossa nova) no colo (numa fotografia).

O Maestro Rogério Duprat prestando uma homenagem a Marcel Duchamp (que havia falecido em

67). Gal Costa com uma foto de Capinam. Torquato Neto (poeta e suicida). A contracapa descreve o

roteiro e inscreve a data lendária: maio de 68. Os padrinhos despejam suas benções: Augusto de

Campos e João Gilberto.

Tropicália ou Panis et Circencis era para ser o manifesto tropicalista. Vinte anos depois é um

documento histórico. Se a música não existia mais, era preciso romper com as camisas de força que

regiam a música popular, as falsas dicotomias participação popular x invenção, local x universal.

Vicente Celestino se encontra com os Beatles. O tropicalismo, como um momento de efervescência

cultural, comunica-se diretamente com o modernismo da Semana de 22. E dá-lhe antropofagia: as

referências de parentesco são explícitas e encaixadas em contexto novos.

A qualidade documental da Tropicália não o transforma num disco datada. Uma colagem mantida

unida com o cola-tudo privilegiado das musicalidades de Caetano Veloso e Gilberto Gil. A pérola do

brega, "Coração Materno", é de Vicente Celestino. O beguin "Três Caravelas" ("um navegante

atrevido saiu de Palos um dia/ ia com três caravelas/ a Pinta, a Nina e a Santa Maria") é uma versão

de João de Barro, e a nota regionalista, "Hino ao Senhor do Bonfim da Bahia", que fecha com tom

64

épico o LP, é de João Antônio Wanderley.

O humor é, sem dúvida, um conservante poderoso. "Lindonéia", um bolero na voz extra-

suave de Nara, anuncia que há "cachorros mortos nas ruas/ policiais vigiando/ o sol batendo nas

frutas/ sangrando, oh, meu amor, a solidão vai me matar de dor". Os primeiros acordes de "A

Internacional" servem como arauto a Caetano convidando a um passeio nos Estados Unidos do

Brasil, "debaixo das bombas/ das bandeiras/ debaixo das botas/ debaixo das rosas dos jardins/

debaixo da lama/ debaixo da cama". Em "Parque Industrial", o céu de anil e as bandeirolas saúdam

o avanço industrial.

Rogério Duprat orquestrou esses estilhaços de modernidade com todos os ritmos,

instrumentos, ruídos e técnicas que estavam à mão. Em vez do violão e voz da bossa nova, aqui

entram sirenes, distorção de guitarra, efeitos de estúdio, canhões (enquanto Gil rima Brasil e fuzil,

com todas as letras) e órgão de igreja. Os metais pontuam ora o violão, ora a guitarra e o baixo,

criando texturas distintas de sons. A geléia geral brasileira teve sua polaróide, em sons e imagens,

nítida e multifacetada.

Bia Abramo

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Tom Zé

Estudando o Samba (1976)

(Revista Bizz, n49, Editora Abril, agosto de 1989)

O Brasil é a casa onde os santos menos fazem milagres, uma estranha espécie de Instituto de

Pesos e Medidas em que a cultura brasileira é "brega" e qualquer rebotalho estrangeiro é cultuado

incondicionalmente. O que menos se macaqueia de fora é a ausência de preconceitos musicais,

sendo um belo exemplo disso o nosso amigo David "Talking Heads" Byrne, sempre atento aos sons

de todo o planeta, e que não conteve a sua admiração ao conhecer o trabalho de Tom Zé (uma

espécie de seu equivalente brasileiro, pois, não tão mal comparando assim, ele poderia ser

considerado um "David Byrne que não deu certo", que nunca teve o apoio de uma grande

gravadora), mais precisamente a partir deste LP.

Tom Zé, para quem não se lembra, veio da Bahia junto com Caetano, Gal e Gil, sendo tão

importante quanto eles, mas não tão famoso, por uma série de fatores: além de sempre ter sido mais

"caseiro" - deixando escapar a chance de se projetar em Londres com eles, e se fixando em São

Paulo numa época em que tudo parecia acontecer no Rio -, Tom Zé nunca sofreu a compulsão de se

curvar perante os modismos ou pendurar melancia no pescoço para aparecer. Além disso, ele

sempre gravou por selos menos fortes que as gravadoras multinacionais (Rozemblit, RGE,

Continental, exceto um obscuro primeiro compacto e algumas faixas inéditas pela RCA, em 1965),

conseguindo fazer apenas sete LPs durante dezesseis anos, quase todos grandes raridades. E este,

Estudando o Samba é o menos comercial deles.

Tom Zé - normalmente eclético e flertando com diversos gêneros de música popular - fez

deste LP um verdadeiro curso de samba, em todos os seus andamentos, estilos e épocas, sempre

filtrando-os por sua ótica pessoal: o samba de morro (na faixa "Se"), o samba amaxixado do inicio

do século ("Você Inventa") e o sambão ("Tô"). Mas ele também enveredou pela bossa nova em "A

Felicidade", de Tom e Vinicius - a única faixa do LP não composta por Tom Zé e transformada em

uma "bossa-valsa"! -, e até pelo minimalismo com um pé no rock e outro nas ladainhas do

Norte/Nordeste (não fosse Tom Zé um bom baiano), como demonstrou em "Mã", a música que

incluía os famosos cavaquinhos em afinações estranhas, marcando obsessivamente o ritmo.

Em seu estudo do samba, Tom Zé se revelou um aluno exemplar. Aquele que até chega a

ensinar algo aos mestres, alguns dos quais, por sinal, participam do disco: Heraldo do Monte, no

violão e guitarra, o maestro José Briamonte, nos arranjos orquestrais, o sambista Elton Medeiros, na

parceria em duas faixas ("Tô" e "Mãe Solteira"), e o percussionista Téo da Cuíca (tocando tambor

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d'água e outros instrumentos de sua invenção).

Já as letras de Tom Zé formaram um capítulo à parte, em que ele esbanjou sua ironia,

provocação e irreverência, como em "Tô" ("Tô te explicando pra te confundir / Tô te confundindo

pra te esclarecer"), "Se" ("Ah! Se maldade vendesse na farmácia / Que bela fortuna você faria... Me

contem / Como escrever de novo / Um jornal de ontem"), "Você Inventa" ("Você inventa Deus e eu

invento a fé / Você inventa o pecado e eu fico no inferno") e até mesmo os momentos mais líricos,

como "Mãe Solteira" ("Dorme, dorme meu pecado / Minha culpa, minha salvação").

O próprio Tom Zé iria relembrar posteriormente que, na época, Heraldo do Monte não

conteve uma expressão de espanto semelhante à feita por David Byrne, doze anos depois, ao

conhecer a originalidade de seu trabalho. Pois bem, quem se dispuser a estudar o samba, tem que

obrigatoriamente consultar este LP, no qual Tom Zé defendeu brilhantemente a sua tese sobre a

versatilidade, energia e eternidade do gênero.

Ayrton Mugnaini Jr.

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Gilberto Gil

Expresso 2222 (1972)

(Revista Bizz, n126, Editora Abril, dezembro de 1995)

Quando começou a circular o Expresso 2222 , em 72, a luz no fim do túnel era a locomotiva

da ditadura vindo em sentido contrário. Como Caetano, Gilberto Gil voltava de um exílio de dois

anos em Londres, após uma prisão arbitrária, e recomeçava a carreira a todo o vapor unindo as duas

pontas básicas do ideário tropicalista. De um lado, o regionalismo fundador da tosca &

revolucionária Banda De Pífanos De Caruaru ("Pipoca Moderna"). De outro, uma canção do exílio

universalista, "Back In Bahia", que ao invés de palmeiras e sabiás, planta Celly Campelo e um

velho baú de prata.

Entre os extremos dessa arqueologia há espaço para o nordeste agreste de João do Vale

(mais Ayres Viana e Alventino Cavalcanti), turbinado por guitarras em "O Canto Da Ema" e a

parábola da contaminação cultural, do repertório de Jackson do Pandeiro, "Chiclete Com Banana".

A que fala em samba/rock antes de Lobão nascer e mistura Miami com Copacabana, quando a era

Collor ainda era um brilho fugidio nos olhos psicopatas de seus genitores. Com anos-luz de

antecedência, o forró-core e o mague-bit já pulsavam nos hormônios freventes da sucinta "Sai do

Sereno" (Onildo de Almeida), em duo com Gal Costa, edificada numa única estrofe poética.

Antes da trilogia "Re" do autor (o ruralista/macrô "Refazenda", o funkiado "Refavela" e o

pop "Realce"), este "Expresso" para depois do ano 2000 já falava em estrada do tempo pré-infovias

de Bill Gates. A clássica faixa-título foi repaginada no recente "Acústico" de Gil com uma

acentuação de sua pisada de xaxado implícita na versão original. O disco de 72 também faz um

inventário ideológico da geração do desbunde com palavras de ordem com "O Sonho Acabou". Ao

mote de John Lennon, Gil acrescenta pitadas tropicalistas ("dissolvendo a pílula de vida do Dr.

Ross/na barriga de Maria") e um atestado de que os caretas perderam o bonde da história. "Quem

não dormiu no sleeping bag/nem sequer sonhou/ e foi pesado o sono pra quem não sonhou".

Além de uma distinção de perfis com o xifópago estético Caetano em "Ele E Eu" ("Ele vive

calmo/e na hora do Porto Da Barra/fica elétrico"), Gil manda o editorial do disco obra-prima em

"Oriente". "Se oriente rapaz/pela constatação de que a aranha/vive do que tece/ vê se não se

esquece". De tão sólida, a teia do Expresso 2222 sobreviveu ao vírus do tempo.

Tárik de Souza

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Gal Costa

Fa-Tal: Gal a Todo Vapor (1971)

(Revista Bizz, n132, Editora Abril, julho de 1996)

Em 1971, quando rolou o show Vapor Barato, transfomado num disco duplo gravado ao vivo

no Teatro Tereza Rachel, no Rio, Gal Costa, mais que musa, era a estrela sobrevivente da saga

tropicalista. Sob as botas do governo Médici (1969-1974), com os mentores do movimento, Caetano

e Gil no exílio, a juventude antenada da época vivia entre a guerrilha e os vapores baratos que

subiam dos charos acesos pela oposição lisérgica ao governo. Imantada por Gal, boa parte desta

fatia viajante da galera se reunia (no Rio) num trecho da praia da Ipanema repleto de dunas, onde

sena construído um emissário submarino de esgoto. Eram as "dunas do barato", ou como se dizia no

baianês da época. "as dunas de Gal".

Neste disco/show, além de segurar a barra tropicalista, Gal já rodava a baiana de maior

cantora da MPB. Só ela vai dos cochichos de João Gilberto aos urros de Janis Joplin sem trair a

Dalva de Oliveira que mora no sentimentalismo deste país de três raças tristes. Vapor Barato,

também conhecido por Gal Fatal, é obra-prima. O repertório linka folk ("Fruta Gogóia", "Bota A

Mão Nas Cadeiras"), emepebê antepassada ("Assum Preto", "Falsa Baiana") e o sotaque rock da

época ("Hotel Das Estrelas", "Como 2 E 2", "Dê Um Rolê"), tudo dentro da atitude marginal que

cutucava o sistemão com um jogo de da(r)dos poéticos.

Quase todas as faixas escolhidas têm dupla leitura. Desde o velho samba "Antonico", do

genial Ismael Silva, um pedido de auxílio que vinha a calhar naquelas trevas, até os retratos a ferro

e fogo da época, escritos por Macalé e Waly Salomão. Além da novo baiana "Dê Um Rolê"

("Enquanto eles se batem/Dê um rolê"), explodem os versos opressos de "Mal Secreto" (Massacro

meu medo/Mascaro minha dor"), "Hotel Das Estrelas" ("Sob um pátio abandonado/Mortos embaixo

da escada"), "Luz Do Sol" ("Quero ver de novo/A luz do sol") e a faixa-título, "Vapor Barato" ("Eu

tou indo embora/Talvez um dia eu volte, quem sabe?"). Reciclada para o sucesso pelo filmaço Terra

Estrangeira, de Walter Salles Jr., que fotografa grão a grão o exílio desértico da era Collor, esta

música atesta que o país se repete como uma farsa constantemente reescrita.

Gal inicia o disco pianinho, acompanhando-se ao violão até que sua voz de colocação

joãogilbertiana (confiram "Falsa Baiana", "Coração Vagabundo"), explode junto com guitarras e

microfonias. De "Pérola Negra" às canções do exílio enviadas de Londres por Caetano "Maria

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Bethânia" e "Como 2 E 2" , Gal cimenta o mito de cantora perfeita. Tem a técnica (por vezes

incorpórea) de Elis Regina e a comoção (nem sempre lapidada) de Maria Bethânia. É a rainha do

cool drama. Sua voz queima como gelo e corta feito diamante. A emissão límpida convive com a

sujeira da rouquidão provocada, o grito preso na garganta e a confidência invasora. O tropicalismo

gerou uma cantora fatal. Ou melhor, fa-tal.

Tárik de Souza

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Caetano Veloso: Caetano Veloso, Philips, 1967.

_____________ Caetano Veloso, Philips, 1969.

_____________ Caetano Veloso, Famous/ Philips, 1971.

_____________Transa, Phonogram, 1972.

_____________ Caetano e Chico Juntos, Phonogram, 1972.

_____________ Araçá Azul, Phonogram, Phonogram, 1973.

Gal Costa. Gal, CBD/Philips, 1969.

Gilberto Gil: Gilberto Gil, Philips, 1969.

__________Gilberto Gil, Famous/ Fonogram, 1971.

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Novos Baianos. Acabou Chorare, Som Livre, 1972. (relançado em cd: Som Livre, 2000).

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Vol. 4, Warner Music, 2000.).

Nara Leão, Nara Leão, CBD/Philips, 1968.

Rogério Duprat, A Banda Tropicalista de Rogério Duprat, CBD/Philips, 1968.

Ronnie Von. Ronnie Von, CBD/Polydor, 1968.

Tom Zé. Tom Zé, Rozenblit, 1968.

Gilberto Gil e Caetano Veloso. Tropicália 2. Polygram/Philips, 1993.