CONFERENCIAS - Fundación Ignacio Larramendi

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CONFERENCIAS SOBRE POR ANTOKIO AUGUSTO DE AGÜIiR Co:i',ii!ií:s.iri6 rtgio n a eiC])GSi(fio (le Londres do J87Í íviclo t uvfi da Ar.iilímii» Real dM Sciwiafls do Lisboa Professor dn tlintutii ila Kseoki Polytechnk'ft c do lustittito Indnstrial do Lisboa . Presídcalc ti» wn*ií¡!iD oílministraüvo da Associação Promotora da iBdastria Fabril Socio hmioíiu i» da Sotlodiute das Scieiíoias Medicaa de Lisboa R d.t Sociedaile Pliaj-iuíicciitica Li^ítana. ítonitro üi\ SociedadediíDiica do Paris, de Berlin e do lustituto Agrícola do Valencia etc. etc. etc. : A OONFERENOIA PllEÇO 130 RÉIS LISBOA mmm mu mmim s ca SECESSÕES CÂRYAIHO H U A D p CHIADO N.0 7 3 1876

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CONFERENCIAS SOBRE

POR

ANTOKIO AUGUSTO D E A G Ü I i R

Co:i',ii!ií:s.iri6 rtgio na eiC])GSi(fio (le Londres do J87Í íviclo t uvfi da Ar.iilímii» Real dM Sciwiafls do Lisboa

Professor dn tlintutii ila Kseoki Polytechnk'ft c do lustittito Indnstrial do Lisboa . Presídcalc ti» wn*ií¡!iD oílministraüvo da Associação Promotora da iBdastria Fabril

Socio hmioíiu i» da Sotlodiute das Scieiíoias Medicaa de Lisboa R d.t Sociedaile Pliaj-iuíicciitica Li^ítana.

ítonitro üi\ SociedadediíDiica do Paris, de Berlin e do lustituto Agrícola do Valencia

etc. etc. etc. :

A OONFERENOIA Pl lEÇO 130 R É I S

LISBOA mmm mu mmim s ca SECESSÕES CÂRYAIHO

H U A D p C H I A D O N.0 73

1876

COHERENCIAS SOBRE

V I N H O S POR

ANTONIO AUGUSTO DE A G U I A E

Commissarío regio na exposição de Londres (Te 1871 Socio effeclivo da Academia Real das Seicncias <l« LisLoa

Pt'ofoesoc il<i cliimica da Kseola Polyiccliaka e do lusiitwlo Indusfi'ial ele Lieboít Presidente do wmseJho administralivo da Associação Promotora da Industria Fabril

Socio l ionomlò da Sociedade das Scienciàs Medicas do Lisboa o da Sociedade Pliarmaceutiea Lusitana

Membro da Sociedade Chimica do París, de Berlín c do Instituto Agrícola do Valencia

etc. etc i etc.

LISBOA ACADEMÍà

1876

Esta obra foi registada na Bíbliotheca Nacional de Lisboa, para os fins designados no capitulo 2.°, titulo 5.°, livro 1.° parle â.a, do Código Civil Portuguez:

Havendo o actual ministro das obras publicas, com-mercio e industria, dado ordem para que as minhas con­ferencias não fossem publicadas por conta do Estado., pretendendo assim negar-me implicitamente o titulo e auctoridade, que me concedera, de commissario regio na exposição de Londres de 1874, e parecendo ao mesmo tempo querer applicar-me um castigo sem exem­plo, pelo nefando crime de haver exposto ao publico, apenas regressei da minha viagem, todas as verdades que tinha aprendido; vou agora encetar, á minha custa, a publicação d'este modesto trabalho, que dou á estampa, sem vaidade nenhuma, mas em cumprimento de um de­ver, a que não ha considerações que possa antepôr.

Como a auctorisação para se publicar esta obra, se recusasse já depois de estarem impressas algumas de suas folhas na Imprensa Nacional de Lisboa, julguei-me moralmente obrigado a continuar a publicação d'ella no mesmo estabelecimento, onde fôra tão bem recebido por varios amigos de antiga data. Não pude, porém, realisar o meu proposito, porque o conselheiro adminis-

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trador cTaquella imprensa pensou, quo, depois do que. se havia passado, precisava consultar o governo para saber se este consentiria ou lhe seria desagradável, que ali se imprimisse o meu livro, a expensas minhas, e com o caracter de uma publicação particularl!!

Á vista de tantos escrúpulos, e sem esperar pela res­posta, retirei o originai da Imprensa Nacional, eíui en-tregal-o á Typographia da Academia Real das Scien-cias, fugindo ás pequenas intrigas, que só podem ler por effeito desgosíar-me do serviço publico, e apagar em mim o enthusiasmo de que tenho dado algumas pro­vas, no desempenho dos meus deveres cívicos.

Sei que as minhas prelecções não podiam agradar a toda a gente; masj ahi está a imprensa livre para as combater, como já fizeram, ao que parece, sem grande êxito, pelo que se vae vendo agora.

Ha duas razões principaes, que me levaram a fallar dos vinhos portuguezes pelo modo por que o fiz. Foi a primeira, a certeza de que censurando vigorosamente o fabrico, poderia concorrer mais depressa para o aper­feiçoamento d'elle, visto quo pelos meios ordinarios, ha dez annos que varias pessoas escrevem a este respeito, sem resultado'proficuo; e a segunda, o ter acceitado a commissão, com inteira liberdade de dizer o que pen­sasse acerca dos nossos vinhos, sem excluir a questão que se refere á escala alcoólica; como se deprehende do seguinte trecho, que m'o aconselhava, de uma carta recebida em Londres e que me fôra para ali dirigida por pessoa de velha amisade.

«Li com o mais vivo.interesso as imporlímtifísiims ponderações que me fazes sobi-e a questão da graduação dos vinhos e escala alcoólica., vi com que conhecimento de causa tu apreciaste este negocio, e nSo posso em

priflcipio deixar de concordar comligo, mas, meu charo Aguiafj em coi­sas de administração o sobreludo em coisas económicas, não basta ter razio, é preciso ter opinião, e isto é o primeiro trabalho

Tu melhor do que ninguém, depois dos teus estudos, e merecendo, como mereces, a confiança publica, podes preparar a opinião pelos teus conselhos.»

Como perito, acrescentarei ainda, que não podia su­bordinar o meu roto senão á minha razão e á minha consciência, e embora houvesse proferido grandes he­resias, ninguém tornaria o sr. ministro responsável por ellas, só pelo facto de ter mandado imprimir o meu tra­balho.

Parece-mc, por tanto, sem fundamento o boato, que se propala, de não querer o governo tornar-se solidario commigo nas doutrinas que expuz. Se esta fosse a ra­zão do que se está passando, não leria de certo annun-ciado oflicialmenle as minhas conferencias desde a pri­meira ate a ultima.

Não quero entrar em considerações, que demonstrem o estado de profundo abatimento moral a que temos chegado. Alheio até aqui a todos os partidos políticos, não acharei facilmenle quem me defenda das injustiças dos meus próprios amigos.

Acceito o ver o livro incluido no Índice expurgato­rio, ao lado de pamphletos perigosos, e espero que a lição ha de aproveitar a mais alguém sem ser a mim, que me darei por satisfeito e recompensado, se o pu­blico acolher a publicação das conferencias, com be­nevolencia egual á que manifestou quando as ouviu.

Lisboa, junho de 1876.

0 auctor.

PRIMEIRA P A R T E

VINHOS FORTUGUEZES

Dir-me-heis o que a mim me dizem e o qué já tenho experimentado: Que se prégamos assim zombam de nós os puvintes... Zombem e não, gostem embora, e façamos nós nosso officio:

Pad-fe Antonio Vieira'(Sermões: Parte I, col. 81).

Pareceu-nos queos èscriptos de qualquer auetor se defendem a si pró­prios. É inútil sair a terreiro a quebrar lanças por elles. 0 publico lê-os; lê a critica; compara e julga. É quanto basta.

A. A.' Teixeira de Vmconcellm.

1 * CONFERENCIA E M 9 IDE ^O-OSTO IDE 13^5

No salão nobre do theatro de D. Maria II ..

S U M M A R I O

Vantagem das conferencias sobre os relatórios.—De como se orgánisou 'aíc.tii • posicüo povtugueza de vinlios, e qual era o caracter do programma-. publií-

cado pelos commissarios de Sua Magestade Britannica.—Quaes .sitóos deve* res do commissario regio.— Adiamento da exposição.— À cbmiriissãõ ífigíeza

. (oma o commissario regio por nm negociante (fe vinhos.—Reelamàçâp b arrei senlacfLO olficial do commissario.—Quem ficou com o titulo para os leitores do catalogo.

Idéa geral do edificio da exposição c descripç5o do local em que se fez a,ex­posição dos vinhos.— Adega porliigueza.—Porque molivo a exposição de vir nhos foi pouco frequentada.—Dadiva do governo aos hospitães de Londrès. — Historia das encommendas.— Origem da sociedade cooperativa de generai Scott.—Em Pall Mall restaurant valem mais as rolhas do que o vinho.

ínstruccões do commissario. — Plano das conferencias.—Regiões vinícolas.—¿ Algarve, historia dos seus vinhos na exposição.— Duas palavras, por incir dente, sobro a graduação dos vinhos.

Meus senhores!—Nada mais natural, para quem acaba de fazer uma digressão scientifica de dezeseis mezes, que se liga aos interesses mais importantes da patria, do que apresentar-se ao publico para lhe mostrar os resultados ide seus trabalhos e observações. Foi, por esse motivo, .qUe eu, animado dos melhores desejos de dizer o que aprendera & estudara, apenas restituido aos braços da minha familia e dos meus amigos, pedi a s. ex.a o ministro das obras pus blicas, que me deixasse fazer conferencias sobre qsiprinci-paes; assumptos de vinificação, e em especial ácerca da ex­posição de Londres. ; . Viajar é dilatar os horisontes das idéas. Acabara de fa-

zel-o em circumstancias favoráveis e proveitosas. Fôra v&t cebido no estrangeiro com inequívocas demonstrações

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sympathia. Tinha atrayessado os paizes em que pulsa o co­ração da civiíisação.

Voltara mais arrebatado, mais crente, com maior expe­riencia, e com vista nova. Tivera diante dos olbos os appa-relhos com que Lavoisier descobriu a composição do ar atmospherico. Pisara a terra em que nascera o inventor do caminho de ferro. Atravessara os campos em que se feriram as maiores batalhas. Sentira, entre as minhas mãos, a mão benevolente dos sabios mais dislinctos da nossa época. Vira o mar e a tempestade! Assistira ás maiores ex­periencias que nobilitam o genio do homem. Havia percor­rido a Inglaterra, a França, a Allemanha. Betlo quadro 1 O commercio, o trabalho e a meditação! Tudo isto me ene-briara. Senti sangae novo nas veias, mais agilidade no corpo, maior promptidão na elaboração do pensamenló. Beixei-me estimular pelo bafo vivificador da intelligençia em acção. Era outro e tão differentc, que apenas chegado â terra onde nascera, ardia em desejos de communicar a todos as remi­niscencias de tantas maravilhas. Apoderara-se de mim um movimento novo, análogo á força do vapor que impelle os mais pesados e preguiçosos mechanismos!

Como uma creança' a quem mostram o theatro pela pri­meira vez, procurei o publico para lhe contar as minhas impressões, do mesmo modo que ella, chegando a casa, as contaria aos irmãos, ainda deslumbrada pelas visualidades da scena, attonita com as peripecias do drama, commovida pela grandeza do espectáculo 1 . É verdade, que eu, pelo papel que me fôra distribuído, podia referir todas as impressões de viagem aos meus com­patriotas em um relatório! O meio, porém, era prosaico de mais e exigia tempo. Tive medo que me esquecesse alguma coisa com a demora. Nas carruagens dos caminhos de ferro não o poderá escrever, e quando o fizesse ninguém o leria talvez. . - Sirito, além d-isso, e sem querer, uma especie dé odio innocente ou antes repugnancia instinctiva aos relatórios, que escondem aos olhos do publico sob a monotonia d'este

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vocábulo, não poucas vezes trabalhos de grande estima e valor.

A opinião publica também lhes não é favorável. São livros que conservam com frequência o cheiro da tinta typogra-phica ató o momento de se esfacellarem nas balanças do merceeiro I Era preciso luctar e luctar com ardor contra a tendencia que temos de "fazer relatórios, e do cruzarmos os braços logo que elles sejam dados á luz.

Sc versam sobre exposições, estes trabalhos tomam cara­cter lúgubre para a maior parte dos seus leitores obrigados! Compõem-se geralmente do elogios e de lagrimas; de elogios que excitem a amisade das pessoas a quem a exposição le­gou a terça, e de lagrimas de consolação aos herdeiros que não foram contemplados no testamento! Sendo para alguns um cartão de visita de parabéns, tornam-se para quasi to­dos uma carta de pezames. Muitos teem apparecido na vés­pera de ser enterrado algum negocio publico! O côro dos descontentes abafa quasi sempre a voz dos triumphadores. A lista dos premios è a única pagina d:aquelles livros que sobrevive ao naufragio por algum tempo.

Os que não tiveram herança principiam a dizer mal do commissario e da exposição. Os que obtiveram legado guar­dam cuidadosamente o objecto que lhes proporcionou as distineções, para de novo figurarem com elle cm occasião opportuna, na seguinte exposição. Conheço um theodolito, que tem percorrido em triumpho quasi todas as cidades da Europa. Se fôra como nós, já lhe não chegava o peito para medalhas. Ha feijões e palitos, que viajaram mais do que eu, alcançando os primeiros premios nos palacios da in­dustria. Não se investiga, como o commercio se desenvolve, se a industria alarga as officinas ou assimilou novas ma­chinas, se a agricultura encontra mercados mais amplos pára os productos do solo. «Tive ou não tive.medalha», é a phrase que as brisas repetem, embora as manifestações do trabalho portuguez não tirem mais tarde um ceitil de lucro.

Devem comprehender agora o motivo das minhas impa-

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ciencias. É aqui sem preterição nem ceremonial, que vamos conversar plácidamente sobre o fabrico do vinho. E vou fa-zel-o da melhor vontade, porque me persuado que hão de ouvir-me muitas pessoas, que nunca por outra forma me chegariam a ler.

Isto não é relatório. Conversemos. Não trago medalhas para distribuir, porque também as

não houve. Mais um novo argumento que o condemnava. Relatório sem medalhast Quo extravagancia! Seria ar­

raial de saloios sem musica nem fogo de vistas. A exposição de vinhos, realísada em Londres o anno

passado, foi promovida pelos commissarios de Sua Mages-tade Britannica, que dirigiram a exposição universal de 1851. Vinte annos depois., os referidos commissarios inau­guraram, na capital da Gran-Bretanha, uma exposição in­ternacional permanente, no vasto edificio de «Royai Alb&rt Halh, que comprehendia todas as obras de bellas artes, incluindo a musica, e as invenções industriaes ou desco­brimentos scientificos mais modernos, e de que foi presi­dente honorario Sua Alteza o principe de Galles. Esta ex­posição extraordinariamente concorrida no primeiro anno, continuou a fazer-se com a maior regularidade até 1873; mas, diminuindo de anno para anno a concorrencia, os com­missarios resolveram, talvez-na esperança de despertar no­vamente a attenção do publico inglez, incorporar-lhe em 1874 uma nova secção, a dos vinhos, creando para este fim um conselho-especial de pessoas competentes, que soubes­sem realisar condignamente os designios da grande com- . missão central.

Em julho de 1873, publicou-se o programma da nova secção., e Portugal, que não havia comparecido nas expo-ções anteriores de objectos de arte e descobrimentos scien­tificos ou industriaes, pelo menos oíficialmente, depois de receber o convite da commissão ingleza, deliberou fazer-se representar na secção dos vinhos com os productos mais notáveis do seu solo vinícola.

O programma, que foi enviado a todas as nações, saíli

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redigido em termos inteiramente differentes dos program-mas das exposições anteriores. Não se compunha de phra­ses banaes, começando logo por admittir o publico a exa­minar os vinhos, em vez de crear jurys, que depois de realisada a exposição, dessem voto sobre o valor de pro­ductos, de que elle não teria tomado conhecimento. Por in­dole e natureza, a exposição dos vinhos se apresentou com um caracter o feição peculiar, qufí muito a distanciava de todas as festas análogas até então realisadas.

S. ex." o actual ministro das obras publicas, o conse­lheiro Antonio Cardoso Avelino, a quem competia a inicia­tiva d'este negocio, comprehendendo o alcance e a utili­dade da exposição, nomeou uma commissão de dois vogaes, os professores João Ignacio Ferreira Lapa e Antonio Au­gusto de Aguiar, cncarregando-os de redigirem instrucções,, que permittissem a melhor apresentação dos nossos vinhos, em harmonia com o programma da commissão ingleza, e nas condições de serem bem recebidos e poderem agradar nos mercados da Gran-Bretanha.

Posto que á primeira vista pareça fácil desempenhar tão honrosa incumbencia, é certo, que o conheoimento que as pessoas nomeadas tinham do estado da nossa industria vi­nhateira, as collocava em posição embaraçosa para se não dizer bastante difficil. De certo o comprehenderá, sem custo, quem esteja habituado a tratar dos negocios públicos com verdadeiro amor da patria.

Segundo o programma da commissão ingleza, seriam ad-mittidos os productores ou exportadores de vinhos como expositores. O fim que se tinha em vista, não era unica­mente a apresentação de garrafas com amostras. Pelo con­trario, o que se pretendia era habilitar o publico a fazer o exame das differentes qualidades de vinhos estrangeiros, provando-os elle!

Cada expositor podia e tinha o direito de dar ou vender, conforme o julgasse melhor aos seus interesses, copos de vinho ou pequenas garrafas de amostras aos visitantes; de­vendo mais tarde todo o vinho, que saísse ou fosse consu-

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mido nas adegas subterrâneas de Albert Hall, pagar os di­reitos respectivos á alfandega: clausula esta, principalmente pelo que dizia respeito ás provas, que não estava de ac-cordo com a liberalidade e cortezia, de que todas as na ções, e até a propria Inglaterra, haviam dado exemplo va­rias vezes, anteriormente, em occasiões semelhantes.

A commissão ingleza permittia ainda aos commissarios das differentes nações o estabelecerem mais tarde quaes-quer regulamentos, não fallando, como já apontei, nem em jurys nem em premios ou recompensas aos expositores. O verdadeiro jury seria o publico. A melhor recompensa, me­dalha ou premio, as encommendas, que os vinhos de me­lhor nota provocassem.

Acerca do local para a exposição, deliberaram os com­missarios inglezes fazel-a no vasto e soberbo edifício de Royai Albert Hall, que, na opinião das pessoas entendidas, offerecia as necessárias accommodações e abundancia de luz.

Bastava ler o programma para comprebender-se de súbito a feição pratica inteiramente utilitaria da exposição. E por isso mesmo as difficuldades para os commissarios portu-guezes subiam de ponto, pela indole especial das nossas coisas.

As nações vinicolas da Europa, mais adiantadas em vi­nificação e commercio de vinbos, preparam-se com extre­ma facilidade para estas festas internacionaes. Os governos d'essas nações não teem senão a dar o impulso, a despren­der a roda. Vinhateiros e commerciantes conhecem os seus verdadeiros interesses, e basta que um novo mercado se abra ou mostre tendencias, quando exista já, a alargar-se ainda mais, para concorrerem a elle sem que seja preciso rogal-os. Julgam, e julgam bem, que produzir e vender é a regra normal de que não devem afastar-se nunca, e por muito que produzam, por muito que vendam, vão até o fim do mundo com a esperança de venderem mais e de pro­duzirem melhor.

Portugal, por uma serie de causas complexas, em que

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muitos se perdem ao analysal-as, não chegou por emquanto a esta perfeição e prosperidade.

Os vinhateiros então, no caso especial de que nos occu-pamos, vendem tudo quanto fabricam no anno da produc-ção, bom e mau, e os negociantes de vinhos, mais familia-risados com os mercados do sul, que já foram ou são ainda nossas colonias, e que não exigem aperfeiçoamentos, fogem de entrar em novas e aventurosas especulações. Ninguém sae de sua casa para um sitio, a que não teuha ido muitas vezes antes com o pae ou o avô', sem o auxilio do governo. Quando se falia de qualquer empresa ou commettimento novo, todos á uma perguntam «mas o que faz o governo»? Se elle não fizer nada, pouco se pôde esperar da iniciativa particular. E tanto.isto é verdade, que o silencio mais pro­fundo acolheu a primeira publicação do programma da ex­posição de vinhos; não havendo, talvez, meia dúzia de pro­ductores, em todo o paiz, que, depois de o lerem, se prora-ptificassem a ministrar as amostras espontaneamente. De-: ram-se, como motivo para esta indiíferença, razões, a meu. ver, de extrema subtileza, e que não livram de censura os que por habito costumam apresental-as.

Certos os dois professores, que o governo chamara para organisar os trabalhos da exposição, das difficuldades da sua tarefa; sem grande esperança de obterem amostras gratuitamente, pelo menos em numero bastante que desse idéa da nossa riqueza vinícola, redigiram comtudo um pro*, gramma ou ordem de trabalhos, em que propunham o tra­tamento adeqúado dos vinhos obtidos nas adegas, para os apresentarem em Londres, depois de haverem passado pe- las manipulações mais vulgares que a arte aconselha.

Tratamento simples e racional, cuidadoso, mas sem luxo-nem bonitos.

Sabe-se, e é necessário que se repita, até que a opinião, se não atreva a vir negal-o, que o vinho portuguez, afora as especialidades qye todos conhecem, é em geral mal fa­bricado; e que muito d'elle se deteriora, passando a vinagre ou a peior ainda* quando o consumo, até hoje em equilíbrio.

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com a.producção» se'não encarrega de o fazer desapparecer depressa.

De todas as regras e preceitos que a arte aconselha, o sirvo-me calculadamente d'esta palavra, porque a scíencia devemos nós guardal-a para coisas mais elevadas, a fim de obstar a estas transformações nocivas, o álcool é o único meio que o vinhateiro e negociante tecm empregado, o mais dispendioso de todos os conhecidos, para protegerem a du­ração dos vinhos. D'onde se podia inferir, que, restringin-do-se os vogaes da commissão portugueza a pôr em Lon­dres os vinhos, taes como elles são produzidos, apresenta­riam ali somente ou o vinho genuino incompleto do pro­ductor, carregado de fermento e de substancias fermentes-civeis, que dá volta de um dia para o,outro, ou o vinho do commercio, que dá volta á cabeça, e a faz andar á roda pela excessiva aguardentação.

E ir a Londres, com estes productos, seria empresa glo­riosa para os leigos que sobem ao pulpito, e pregam as heresias com a beatitude seraphica dos doutores da egreja, perante auditorio que não os conheça: mas, não era pro-r prio que o aconselhasse, quem se não deixa cegar pelas ap-parencias, e que présa acima de tudo o nome e interesses da sua patria.

E.não se julgue, ainda assim, que não havia temeridade, da parte dos commissarios em pretenderem com tanta pre­cipitação e rapidez educar os vinhos. Não ha tratamento que o eduque e torne potável em seis mezes de edade de­pois da pisa. O vinho não se muda como o caracter da let-tra em quinze lições!

Era no entanto de absoluta necessidade comparecer em. Londres; e não existindo vinhos velhos nem vinhos de dois annos racionalmente preparados, que recurso, senão lançar mão dos que havia è correr o risco da tentativa? Ficava incerta a victoria, pois nada mais temerario do que fiar-mo-nos na seriedade do vinho novo.

Os vinhos do commercio, sem os excluir inteiramente^ não podiam fazer brilhar muito a exposição, , porque não

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satisfaziam aos caprichos dos consumidores estrangeiros, cuja opinião entre nós é tão pouco respeitada.

Afíigurou-se o nosso programma dispendioso. Exigia a compra dos vinhos por conta do governo, n'uma época em que ninguém pensara ser preciso compral-os. Além de des-pendioso, era demorado, incerto nos resultadosJ e como ás vezes succede, não conseguiu sobretudo inspirar a confiança precisa.

Houve quem receiasse que podia alterar o padrão naciO" nal do vinho lusitano, tirar-lhe o cunho de ingenuidade que o caracterisa; dando em ultima analyse productos de que não haveria mais tarde senão as amostras enviadas á ex­posição. Facto que depois succedeu ás que ali mandámos, sem termos nenhum trabalho com ellas.

Rasgou-se, por tanto, o programma e com bom funda­mento—a economia. Sem envolver por modo algum o meu amigo Lapa n'esta discussão, confesso que vi rasgar o pro­gramma com a satisfação de quem recebe uma noticia agra­dável. Dormi melhor n'aquella noite.

Regeitado o primeiro trabalho, foram os dois çommissa-rios novamente encarregados de redigir outro, o mais mo­desto possível." E assim o cumpriram, porque nenhum d'el-les se sentia inspirado de reprehensivel orgulho, nem sabe prestar culto demasiado á vaidade.

Uma sobrecasaca pode engendrar-se com panno de dif-forentes preços, e o alfaiate não se arrenega com o freguez quando este escolhe briche para ella em logar de cazimira.

Então fechámos os olhos aoá defeitos do vinho, e subor­dinando todas as aspirações a uma regra única, a mais stri-cta e severa economia, aconselhámos as simples trasfegas e collagens de que o vinho carece nas adegas. Gomo se vê, tudo se reduzia a lavar-lhe o rosto, antes de o fazer viajar.

Mas, emquanto isto se passava, corriam os dias e os me-zes com a costumada rapidez; ia-se avisinhando cada vez mais a época da abertura da exposição, os armazéns do de­posito destinados a receberem o vinho, continuavam vasios, não havia que collar nem que trasfegar! Reproduziam-se

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os annuncios da exposição na folha official e nos periódi­cos, multiplicavam-se os convites, os pedidos officiaes e exíra-officiaes aos vinhateiros. O papel, o correio, os typos de imprensa sentiam-se já fatigados de receberem, ouvirem e comporem a palavra exposição.

Nós todos nos occupavamos d'ella, e tudo se extinguia da mesma sorte, como uma voz sem ecco, uma phrase sem pensamento, um sonho sem realidade. Dir-se-hia que Por­tugal deixara em tal instante de ser paiz vinhateiro, ou pelo menos que tão prosperas cram as condições da sua indus­tria, que nenhum dos interessados tinha necessidade de le­vantar uma palha do chão por ella!

Acreditam no.contagio? Eu acredito e muito. Não só nas doenças^ em que os medicos o admittem. No mechanismo das sociedades ainda elle é mais fácil. E foi assim que o 'governo, vendo tão pouca sollicitude e inqualificável indif-ferentismo, a pouco e pouco se deixou accommetter egual-menle de desanimação. Tudo emmudecera, até os vogues da commissão que haviam esgotado a sua actividade na re­dacção de programmas.

Üm dia, e quando já poucos nos separavam do aprazado para a abertura da exposição, tocou-se outra vez a rebate nos acampamentos. Raiou uma nova aurora, que é a phrase do estylo. Como se fôra 110 mar, n'essas.scenas que a bordo fazerii verter lagrimas aos corações mais indifferentes, houve uma voz que gritou: «vinho pela prôa.» Saíram todos dos camarotes, a tripulação e os passageiros accumuíaram-se sobre o convez, e em vivos-transportes de alegria, repeti­ram uns aos outros: «vamos ter exposição.»

Reunira-se á commissão o sr. conselheiro Rodrigo de Moraes Soares,-director geral do commercio e industria, que estivera ausente de Lisboa até aquelle momento, por incommodo de saade; as opiniões anteriormente expostas, confessamol-o, achavam-se umas defronte das outras;.por vezes se recordaram os programmas como phantasmas de discussão, porém,. estando todos de accordo nos pontos fundamentaes, apenas com divergencias insignificantes nos

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meios práticos de realisar a obra, a amisade que: nos nne a todos, acabou de rasgar os programmas, a descripção ter­minou, e não havendo já tempo senão para.engarrafar o vi? nho á pressa, lançou-se mão d'este expediente, como .único meio de fazer alguma coisa.

A todos que se aproximavam de nós, repetíamos em coro: «Não se trata de apresentar no reino-unido vinhos que desafiem competencias nem disputem primazias, o que, se pretende somente provar é que possuimos inexhauriveis thesouros vinícolas. Vinhos que podem hombrear no futuro com muitas especialidades oenologicas distinctas. Não pen­sem que Portugal acabou no Porto e no Madeira, porque somos apenas conhecidos no estrangeiro. Vinhos de pasto, ha de ser mais tarde a nossa principal riqueza. Em Ingla­terra não faltam homens do bom senso. Para elles appellâ-mos. O que expomos agora é a massa geral dos nossos vi­nhos, e ninguém dirá que ella seja má, unicamente porque se notam vinhos defeituosos.»

Comprou-se o vinho, comprou-se a garrafa, comprou-sc a rolha, comprou-se o caixote. Até o recheio ou-a moinha, de arroz para apertar as- garrafas se comprou.

;Os delegados dos administradores de concelho .os agró­nomos de districto, os intendentes de pecuaria, toda a tri¿ pulação da grande esquadra de agricultura, invadiram as adegas, como almocreves ou negociantes, que a ellas fos­sem levados para fazer negocio. As garrafas purificadas com aguardente, encheram-so por funil de vidro, espichando o tonel. Sábia e prudente recommendação, dada por quem conhece de perlo as torneiras das vasilhas. Em meia dú­zia de dias, por um esforço prodigioso de quem dirigia sósinho tão pesado serviço, se conseguiu reunir uma col-, lecção de todos os vinhos commtms portüguezes, como nunca se vira até ali. Mais do que uma collecção de vinhos, senhores, uma collecção completa de todos os defeitos que elles podem tert E por tanto, sejamos lógicos, os materiaes necessários e indispensáveis para um estudo consciencioso;: independente e serio. ' v ;

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Tiüba desapparecido a individualidade do lavrador. O ex­positor era o governo, o vinhateiro tornara-se uma enti­dade imaginaria.

Todos poderiam fazer a analyse do vinho do governo, e uma exposição por semelhante methodo.

A critica podia ser severa e desassombrada. Ninguém tinha o direito de se offender com ella. Ficara o vinho condemnado a ouvir a historia completa

da sua vida. E eu, commissario, livre, inteiramente inde­pendente para interpor o meu voto.

Perante as considerações que vão ouvir, nSo ha pois vi­nhateiros! Ha vinho. E demais sabem que eu sou bastante delicado' para me não envolver n'nma polemica de pessoas. Abstraiamos d'ellas: que nenhum nome seja citado por mim senão para receber louvores. Ao vinho não prometto o- mes­mo, tenha paciencia, todo o mal que disser d'elle é para seu bem.

Mas se o vinho anonymo, apesar dos seus defeitos, en­contrar ainda assim quem o defenda injustamente, accres-cento, que por maior que seja a opposição levantada con­tra a critica, não ha senão um meio de a rebater com pro­veito—anniquilem os matcriaes que lhe serviram de fun­damento. Fora d'este campo é perder-se o tempo em de­clamações frívolas, que podem momentaneamente satisfazer a vaidade offendida, mas que impossibilitam o progresso', c não esclarecem as trevas. Deixem esclarecer as trevas, que não é sem tempo.

Os elementos naturaes de que dispomos, bem aprovei­tados, garantem-nos um lisonjeiro futuro; mas, é preciso trabalhar. Fazer bem a agricultura, não é entregar as nos­sas colheitas aos agentes atmosphericos, ao sol que tão pro­ductivamente allumia, é certo, o terreno que pisamos, e ao clima, que a nossa posição geographica nos permitte dis-fruclar.

Deixemos-nos de illusões! As leis naturaes, a cuja som­bra medram os melhores fructos, quando o homem as ignora ou desconhece, acabam sempre por destruir o que creara m

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A collecção de vinhos porUiguezes que esteve em expo­sição nas abobadas de Royai Albert Hall, compunha-se de ires classes principaes: vinhos genuinos ou de mesa, tam­bém chamados de pasto; vinhos naturaes, natural wne, como lhes chamam em Inglaterra; vinhos do commercio, melhor ou peior preparados, segundo os hábitos dos nego­ciantes portuguezes, e em harmonia com os mercados que exploram; vinhos do Douro, de tres qualidades ou classes, devendo advcrtir-se, que os vinhos tio Douro de primeira qualidade não soffriam comparação com os que existem de­positados nas docas de Londres, e fazem a grande repu­tação d'aquella privilegiada lavra.

Não foi possiveí remetter para Londres de uma única vez toda a collecção. Seguiram os vinhos viagem em successi-vas remessas, havendo eu precedido a primeira com al­guns dias de an^icipação, por me ter o governo designado para desempenhar na primeira cidade do universo as fun­ções de commissario regio.

Perfeitamente conhecedor da responsabilidade da commi-são, hesitei por muito tempo em acceital-a, mas animado pelos meus amigos, que não cessavam de recordar-me a conveniencia de conhecer os paizes estrangeiros, onde nunca tinha estado, depois de qualorze-annos de serviço publico no professorado superior, deixei-me vencer pelos seus con­selhos, chegando a enthusiasmar-me por ver chegado o mo­mento úè realisar o meu desejo mais ardente.

Não se adivinham as contrariedades nem os dissabores, que depois me trouxeram o arrependimento. Tudo se es­quece nos momentos de exaltação.

Um pouco reflexivo nas minhas deliberações, antes de responder affirmaíivamente ao convite, procurei comtudo explicar-me categoricamente sobre o modo por que eu en­carava a exposição, e para deixar um vestígio dos receios que me assaltaram, propuz e consegui/que um jury por-mguez (22 de março de 1874), composto de cenologos e provadores distinctos, fosse encarregado de proceder, an­tes da minha partida, á classificação de todos os vinhos em

tres categorías, com o intuito de alliviar-rae mais tarde da grave responsabilidade que contraíra.

O jury, que trabalhou sempre cora a maior intelligcncia e actividade, não só tornou muito menos pesada a minha tarefa, senão também escreveu, com toda a imparcialidade, a primeira pagina do livro negro dos actuaes viníios por-tuguezes. As pcovas, que deram origem á classificação ado­ptada, basearam-se nas indicações do paladar nacional; nem de outro modo fòra licito proceder.

Se o jury tomasse para typo o paladar dos estrangeiros, excluiria de certo a maioria das amostras. Reconheço com satisfação, que mo prestou grande auxilio e um óptimo ser­viço.

Foi excluido da prova, por desnecessária, o vinho do Douro. Passaram comtudo peia boca dos provadores seis cental e vinte amostras de vinhos communs, que tantas hòuve a classificar. Quatrocentas e oiíenta e duas de vi­nho tinto, e cento e trinta e oito de vinho branco. Aos tres grupos estabelecidos, correspondia a qualificação de bom, ordinario e mau. Com a primeira nota «bom» separaram-se duzentas e sessenta c sete amostras; com a segunda «ordi­nario» cento e oitenta e quatro, c com a terceira «mau» cento e sessenta e nove..

0;Vinho bom ficou em minoria, e todos os dias em Lon­dres decrescia a olhos visto, porque a muitos dos vinhos poríuguezes lhes acontece o que costuma succeder aos rapazes novos, que visitam os paizes estrangeiros, ou que deixamos á. solta. Perdem-se nas viagens, ou na socie­dade.

. Feito o computo total, embarcámos com destino a Lon­dres, perto de trinta mil garrafas de vinho! f Bom e mau tudo embarcou. Trinta mil soldados indisciplinados, para guerrearem tropas regulares e aguerridas no paiz da obe­diencia. •

Vinho duas vezes novo. Novo na edade e novo para o mercado de Londres, que sabe apreciar e costuma pagar por bom preço O vinho do Porto, da Madeira, e um que

n

outro, como Bucelías1 ou Carcavellos, no tempo em que lá iam parar; mas, que desconhece inteiramente os nossos vi­nhos genuínos, os quaes, como me dizia, ainda ha pouco, um homem muito versado na especialidade, hão de ser no futuro objecto do nosso mais importante commercio, que, por desgraça, accrescentava elle, não começou ainda.

Deve registar-se com louvor a primeira tentativa feita pelos governos, com o fim de pôr em relevo os vinhos ge­nuínos, que destinados a satisfazer exigencias novas, hão de dilatar ainda mais a fama dos recursos naturaes de que dispomos, fazendo que se propague quasi sem limites a cul­tura da vinha, e se utilizem grandes tractos de terreno, que podem vestir e calçar os homens que nos faltam para tantos emprehendimentos úteis.

Não è preciso dispor de vista muito perspicaz para com-prehender, apesar dos defeitos que apontei, que não está­vamos em circumstancias de realisar uma exposição por systema muito differente.

Não estávamos. Como sempre succede, depois das coisas acontecerem,

torua-se mais fácil a critica. Nem o governo nem os vinha­teiros, embora o primeiro deliberasse mais cedo ir á expo­sição, e os segundos acudissem logo ao convite, podiam no curto periodo de alguns mezes, operar a transformação da industria vinicola, porque eu estou convencido, que o fabrico dos nossos vinhos de pasto deve passar pela mais radical transformação.

Os -vinhos portugnezes quando se cotejam com a vastidão dos mercados são ainda hoje em limitada quantidade para a exportação. Por outras palavras. Eu vou proferir uma proposição, que vae levantar contra mim os mais altos cla­mores : não ha vinho t

Nós estamos persuadidos que Portugal é o primeiro paiz vinicola do mundo. Desculpável orgulho que se absolve pe­lar intenções. É um grande paiz vinicola, em relação â su-

1 No Blanchard's Hotel de Regent'strcet encontra-se o vinho de.Bu-cellas classificado como vinho allernSo.

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perficie de que dispõe; mas em referencia á grande massa de vinhos, que outros paizes produzem, figura, em quinto ou sexto logar. A nossa producção de vinho não desce de 3.720:000 hectolitros, e são estas as formaes palavras de um documento que faz fé. D'esta quantidade exportamos uni­camente segundo a média dos últimos cinco annos, 369:388 hectolitros.

Queiram ou nao queiram acreditar na estatística, conce­derei que elevem a producção até 4.000:000 ou 4.500:000 hectolitros; mas, assim mesmo augmentada, o certo é que todo este vinho desapparece no fim do anno. O que se não pode beber, e bastante se bebe, devora-o a caldeira ou se transforma em vinagre, e para o anno seguinte não fica de­posito apreciável. Ha, na actualidade, um equilibrio entre a producção é o consumo; parecendo-me, que o mercado nacional attinge exactamente o ponto de saturação. E em quanto o vinho não sobejar, não haverá pressa do intro­duzir melhoramentos, que o conduzam com segurança aos mercados estrangeiros.

0 commercio de vinhos em Portugal, que aproveita al­guns vinhos communs, conhece apenas dois ou tres mer­cados, o da America e o da Africa, que *e contentam com vinhos doces, fortes e tanninosos, de mil gostos incompa-tiveis, com muito corpo, com muita seiva, se quizerem, com muita agulha, muita medulla, com todos esses nomes que se teem inventado modernamente, para fazerem a photo-graphia falsa do vinho.

Era pois necessário, para cumprir com vantagem as indi­cações do programma inglez, principiar por comprar as uvas em cada districto vinhateiro, e depois fazer o vinho a pre­ceito, com todos os requisitos que reclamam os mercados do norte. Vinho que destrua a calumniosa opinião, que se fórmou, a respeito d'elle; que gele nos labios a palavra pérfida dos nossos adversarios, e que faça emmudecer a opinião formada pelos pamphletos ignóbeis, que se espa-Ih.am em Inglaterra com tanta insistencia e tenacidade.

A falta de instrucção especial e a divisão da propriedade

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oppõem-se egualraente ao progresso e desenvolvimento da industria vinícola. Dizia eu em 1867 n'uma obra que es­crevi sobre ella. «A nossa industria vinícola está nas mãos da pobreza, que não pôde, ou da ignorancia, que não sabe.» Acrescentarei agora: e também, ás vezes, nas mãos da r i ­queza, que não quer.

A Hespanha, cujas vinhas abraçam muito maior extensão de solo, tendo por tanto muito mais vinho do que nós, lu-cta também com difficuldades semelhantes; mas, apesar da propriedade se achar ali bastante dividida, já apresenta nos mercados de Londres e dos Estados Unidos notáveis pro­ductos aperfeiçoados do seu torrão vinhateiro. E alguns vi eu, que merecem o nome de vinhos de pasto, pelo esmero de seu fabrico.

É que os ricos já se vão pondo á testa do movimento e acceitando as innovações.

Não passarei adiante, sem fazer ainda outra observação, que se refere ao modo de apresentar os vinhos nas expo­sições.

Levámos a Londres quasi trinta mil garrafas de vinho, dizia eu ha pouco, que era ali completamente desconhecido. A nossa adega subterrânea causou verdadeira sensação, mas se eu tivera de ser encarregado outra vez de trabalhos aná­logos, confesso-vol-o, procederia por systema muito diffe-rente.

Todas as tentativas de introduzir vinhos de-pasto em qual­quer mercado, que se seguirem a esta que fizemos o anno passado, devem sempre ter em vista unicamente apresen­tar typos bem definidos e abundantes. Muitos dos typos, que nós distinguimos, devem mais aos erros dos vinhatei­ros que ás propriedades que possuem, a sua existencia. Carecem de ser deixados na sombra, para que não affron-tem nem façam desviar a attenção dos vinhos realmente característicos, fatigando-a sem necessidade. •.

Não teem existencia real e'justificada. Demais, sempre que quizermos dividir pequenas superfícies de terreno em muitas variedades de vinho, afastamo-nos de um commercio

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serio e lucrativo. O que se faz para lavras como Chateau-Lafite, ou Chateau Yquem, não contradiz o meu asserto.

Os vinhos desconhecidos e sem reputação, que se apre­sentam no mercado, teem de limiíar-se ao principio a pou­cas variedades. O trabalho mais dif'ficü é achar o typo ao gosto do consumidor, e o segundo trabalho é produzir esse typo abundantemente. Quem nunca fitou de perto as diffi-culdades praticas d'estas empresas, poderá sustentar o con­trario, mas os. que sc medem com elfas, conhecem de so­bra que é tempo perdido acreditar um geuero, cuja produc-ção seja escassa, ou muitos géneros que multipliquem os esforços do introductor sem compensação equivalente.

Procedam no futuro ás classificações, quando a abundan­cia por um lado, 13 a procura pelo outro, nos aconselharem a especialisar. Classificar vinhos, admittir typos, dar-lhes fóros de cidade n'uma época em qne não fabricamos sequer eom regularidade, não pôde ser senão trabalho de levianos que desmancham á tarde o que fizeram pela manhã.

Tal como eu entendo o assumpto, pela pratica que d'elle adquiri, digo-vos, que não temos vinhos de pasto genuí­nos por emquanto, nem verdadeiros typos também. Faze­mos mosto. Quem prepara vinhos, costuma ter adegas sub­terrâneas, quem bebe mosto, pôde contentar-se com laga­res e balseiros. O mosto é para o vinho o que são os me-taes para os minérios. O negociante de cobre não compra pyrites; ninguém se contenta, precisando de ferro, com he­matite. Andamos por emquanto no trabalho preparatorio dos vinhos. Nós, porém, não vemos'as coisas assim, e que* remos á força vender mosto , por vinho, dar minérios por metaes. . Todos os vinhos são typos 1 Se as cepas do meu quintal passam para o quintal do meu visinho. a mesma cepa pro­duz logo dois typos de uvas. Quem tem duas fazendas pe? gadas, sustenta que possue dois typos de vinho! Até diz o proverbio.«Cada vinha dá seu vinho!»

Pará Londres devem na actualidade reduzir a pequeno numero de variedades os vinhos que pretendam introduzir.

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Apresentar muitos typos, e de cada typo alguns gallões ê querer que o paladar do consumidor esteja a mudar a cada instante, ou que haja tantos paladares em ponto pe­queno como typos de escassa producção.

Escolher um typo, que represente a média dos vinhos de uma região, segundo o paladar mais commutn, e apresentar um único vinho que tenha largo consumo, é menor riqueza theorica, porém maior riqueza pratica.

Até no vinho os concelhos e as freguezias não querem perder a autonomia. Em logar de se dizer, vinho de Freixo de Espada á Cinta, vinho da Dos Trinta, vinho de S. Pe­dro dos Grilhões; digamos: vinhos do Alemíejo, vinhos do Algarve, vinhos da Beira, para principiar a exportação. N'um que n'outro caso, façamos alguma excepção á regra, quando for justificada e se mostrar necessária. Não tenho duvida em admittir; vinho de Collares, vinho de Bucellas, vinho do Lavradio, etc., etc. Mas sempre que haja uma loca­lidade, com dois, tres ou mais vinhos pouco differentes, que não possam aspirai' á distineção, fundam-n'os em um único typo, que satisfaça a um maior numero de consumidores.

Guerra aos typos plebeus que se criam por almudes; guerra aos typos., a que os francezes torcem o pescoço nas lotações, e que baptisam com toda a semeeremonia.

Estas considerações, que estão aliás no animo de todas as pessoas sensatas, devem aproveitar-se com a maior pru­dencia.

Concorra d'ora avante aos certamens internacionaes o vi­nho, e não o nome dos proprietários. Garrafas, que ao me­nos tenham por detraz de si pipas e toneis.

Mas eu não occulto as difficuldades, que já antevejo para a regeneração da nossa viticultura e processos de vinifica­ção. O paiz consideravelmente dividido, o que não é um mal, e sem confiança nas luzes theoricas, não pôde levar a effeito obra de tão grande tomo, sem meios.e recursos ex­traordinarios. Quem cultiva alguns hectares de vinha, para obter escassos hectolitros de vinho, com cuja venda conta para acudir com>pareimonia ás primeiras necessidades da

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vida, não pôde fazer modificações nos processos, nem tem tempo para as estudar, ainda que lhe assista a melhor von­tade. A pohreza é inimiga do progresso. O comtnerciante, mais rico que o lavrador, podia dar-lhe a mão e ensinal-o, mas o commercio actual vende o que compra sem fadiga, e dispõe de um consumidor para quem não ha vinho mau.

O vinho quando se exporta, já está vendido. Épois evi­dente, que se lorna necessário o apparecimento de uma ou­tra acção, poderosa, enérgica, intelligente e perseverante, que desenvolva a cultura da vinha, que esteja disposta a fabricar o vinho por systems diverso do actual, em harmo­nia com as exigencias dos novos mercados; que se sinta com coragem para o expatriar, sem outra carta de recom-mendação que não seja a boa qualidade d'eíle. Que o possa apresentar bem patrocinado, para resistir á opposição dos que por costume e necessidade guerream os concorrentes perigosos. Que tenha capital suflicientc para arrostar com as contrariedades dos primeiros annos de lucta até o mo­mento de se impor, quasi á força, ao consumidor, porque este desgraçadamente, em todos os paizes, anda tão longe da verdade e do seu interesse, que se torna a victima dos mais finos especuladores.

Nada mais difficil para quem inicia um commercio licito e verdadeiro, do que captivar a attenção do consumidor.

O consumidor é uma creança", que se illude com bagatellas. Um cartaz com lettras grandes, um letreiro doirado, um

attestado falso. 5 réis de abatimento n'mn genero fazem perder a cabeça ao consumidor.

0 consumidor é a verdadeira imagem da volubilidade. Vive de ser enganado, e foge de quem o engana menos, porque o serve mais caro. O consumidor é a borboleta do an nuncio.

Dois papeis, em quanto a mim muito differentes, e cem faces oppostas á primeira vista, tem a desempenhar a pes­soa a queifi o governo escolhe para dirigir os trabalhos de uma exposição.

O primeiro papel, apenas chegado ao paiz estrangeiro em que a exposição se realisa, é mostrar os recursos da na­ção que representa, engrandecel-a, nobiiital-a o mais possí­vel, desculpar-lhe os erros, desvanecel-os occultai-os quanto poder. Chama-so a isto saber do seu oflieio, cumprir bem os seus deveres, tratar dos interesses da sua patria, c sem faltar á verdade nem á consciência, é o melhor papel que pode distribuir-se a um homem de bons sentimentos, que acredita no progresso e desenvolvimento do seu paiz.

O outro papel, não menos nobre, não menos digno, n&n menos interessante, porém mais difflcil, é dizer na volta, no regresso á patria, a verdade toda aos seus compatriotas; senão a verdade absoluta, ao menos a verdade a que julga ter chegado, segundo o maior ou menor grau das suas fa­culdades intellectuaes.

Esta segunda face é sempre uma tarefa espinhosa. Com-tudo, assim como seria crime representar o paiz entre es­trangeiros, para lhes pintar com negras cores o quadro de uma industria incipiente, cheia de vicios e de pobreza, mas com futuro; crime maior se tomaria o voltar a elle, somente pai^ lisongear vaidades, elogiar toda a gente, acon­selhar o descanço e crear amigos. Fóra de casa devemos occultar os defeitos. Em familia, ao contrario, corre o im­perioso dever de nos aconselharmos, principalmente sendo os defeitos de tão fácil remedio. É verdade que até os mais humildes, na primeira impressão, nem sempre recebem bem os conselhos; mas, quando mais tarde lhes apreciam os fun­damentos, tendo tempo de reflectir sobre elles, nenhum ho­mem de bom senso deixa de acceitar a lição com reconhe­cimento.

Em Londres, esqueci-me dos defeitos dos vinhos portu-guezes, para lhes exalçar bem alto os dotes e qualidades. Em Portugal, sem desconhecer estas, porei bem em relevo os defeitos. Assim desempenho os dois papeis, a que ha pouco me referia, para que mais tarde o papel dos commis-sarios não tenha senão uma facef Pena è que se haja tor­nado excessivamente difíicil o discutir as questões vinha-

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leiras, em virtude talvez da sua muita facilidade. O assum­pto parece de tão pouca transcendencia, que são raros aguel-les, que se não acham com forças para tratal-o. Pretendem os possuidores - de cepas, que prevaleça a todas a opinião dos práticos. É quasi regra que não admitte excepção, pres-tar-se maior credito á palavra do boçal camponio das nos­sas aldeias, que dá cabo das melhores uvas do paiz, sem que Deus lhe peça contas nem os proprietários, do que es­cutar com benevolencia e atlenção, o homem instruido e competente, que põe de graça, sem outro móbil que não seja o adiantamento do seu paiz, á disposição do publico, todos os conhecimentos que são fructo de aturadas vigilias.

Notem porém que o oenologo não pôde continuar a ser o analphabeto. «Não importa, ouve-se dizer muitas vezes: nasceram-lhe os dentes na vinhal»

Nós gostamos de ver desapparecer os homens para lhes fazermos justiça. Á inveja com que os ferimos durante a vida, succede já tarde o sentimento de- admiração. Temos principalmente sympathia pelos mortos. É que na campa, os homens não fazem sombra a ninguém, nem podem ser nossos émulos. O bronze da estatua de Camõqs podia ter evitado que elle morresse de fomef

A minha voz é fraca e não tem ceco. Pode ser que não vibre além das portas d'esta sala. Mas também è fraco o grito do naufrago, perdido no oceano, comparado com o fragor da tormenta, e muitas vezes a Providencia ouve-o!

Se o lavrador deixasse de fazer sementeiras nunca con­seguiria arrecadar as colheitas. Lancemos a semente á terra, sem fazer caso das que se possam perder. Sempre alguma haverá qúe chegue a fructificar.

A exposição dos vinhos devia abrir-se no dia 7 de abril de 4874, segunda feira de paschoa'; mas, havendo.-se dis­tribuido as instrucções aos administradores de concelho no dia 2 de março, apesar da actividade e energia que todos desenvolveram nestes trabalhos, não foi possível pôr em Londres os productos com a necessária anticipação. As

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amostras de vinhos foram colligidas á ultima hora,.e so­mente no dia 0 de abril cheguei a Londres, deixando ainda atraz de mim, a primeira remessa, que se compunha de trezentas caixas com 7200 garrafas.

Pouco prejudicou esta demora o bom andamento dos ne­gocios da exposição. Visitando as adegas subterrâneas (cel­lars) de «Royal-Albert-Hall», no dia seguinte ao da minha chegada a Londres, que foi um domingo, encontrei todos os trabalhos muito atrazados. O espaço reservado ás diffe-reutcs nações, não dava idêa de que n'aquelle recinto sc devia abrir em breve uma exposição. Quasi todas as sec­ções estavam desertas. Poucas pipas e alguns operarios, eis tudo quanto se podia ver. Á saída, encontrei um aviso affixado á porta do edifício, em que a commissão ingleza, a pedido do governo de Portugal e de França, adiara a aber­tura da exposição para o I.0 de maio, noticia bastante agra­dável, e que me fez suppor que ella nos tinha adivinhado o pensamento.

E na verdade todos os paizes se esqueceram do dia mar­cado para a abertura, sendo Portugal ainda assim a nação que mais diligente se mostrara em cumprir as instrucções. Aos olhos do publico, porém, segundo resava o annuncio, passávamos nós e a França pelos mais preguiçosos!

O adiamento tornara-se uma necessidade. Permití i a-nos organisar com maior socego o serviço da installação. Os caixotes da primeira remessa appareceram em «AAbcrt-Hall» a 13 de abril. Foram abertos em acto continuo, princi­piando desde logo a separarom-se os vinhos por províncias 3 districtos.

Segundo as ordens, que o governo portuguez transmittira ts suas auctortdades em Londres, devia ali encontrar não ;ó o espaço de 100 metros quadrados para a secção por-ugueza, mas egualmente a mobilia e os arranjos indispen-vaveis para acudir de prompto á coHocação das garrafas e le algumas vasilhas, que Unhamos em pequeno numero.

Achei, com effeilo, a casa, que a commissão ingteza con-;edera ao nosso paiz, guarnecida de prateleiras em. de-

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graus, e de estreitos balcões para facilitar as provas aos visitantes.

Estes arranjos, que se poderiam ter feito com outra dis­posição, susceptível de accommodar maior numero de gar­rafas, estavam comtudo em, harmonia com o aspecto geral do cellar (adega subterrânea), deixando ver o vigamento do tecto e as paredes em osso; mas o peior de tudo foi, que ao nosso lado ficasse uma exposição, em ponto grande, de muitas pipas de vinho do Douro, com a forma mais mo­desta que se pôde dar a um armazém, em que o vinho deva de ser provado; fazendo lembrar os populares retiros que circumdam Lisboa, onde o povo costuma folgar aos domin­gos de tarde, quando vae espairecer ás hortas.

Não quero apreciar aqui as razões que houve para que isto succedesse, mas não posso encobrir que foi realmente lastimoso não ter Portugal obtido um cellar reservado e in­dependente para a sua exposição, susceptível de se fechar á chave, e que não fosse devassado por ninguém. Picaría­mos d'este modo inteiramente desligados de pessoas, que haviam nutrido a esperança de se tornarem os agentes e senhores da nossa exposição.

Este lamentável acontecimento não foi o primeiro des­gosto por que passei. Fui encontrar também em Londres pessoal já contratado para dirigir os negocios da secção portugueza, dando-se a notável coincidencia de ser o mesmo que dirigia as installações do expositor que se havia esta­belecido ao nosso lado. Tudo isto fôra uma casualidade, mas não podendo alcançar que os individuos indigitados pelo nosso consul para me coadjuvarem, acceitassem o lo­gar que lhes competia, cortei o nó gordio, despedindo-os a todos, havendo procedido com a prudencia compatível com a minha dignidade.

Não ficou sem consequências este procedimento. Os factos suceedidps em Londres, logo depois da minha chegada, po­dem aprêciarrse, á vista da correspondencia official para o governo. Cheguei varias vezes a persuadir-me, que havia alguém empenhado em contrariar as minhas ordens, porém

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pouco tardou que tudo se esclarecesse, quando soube pelo sr. Scrivenor, empregado superior da alfandega e secre­tario addido á commissao mgleza, que esta, por falta das de -vidas apresentações, nem sempre dava andamento aos meus pedidos, julgando-me, querem saber o que?!... Um com-merciante de vinhos, que tinha ido a Londres tratar dos seus negocios e da sua exposição! 11

Cai das nuvens com uma tal noticia, e tomei sem demora enérgicas providencias, não chegando inteiramente a des-embaraçar-me da influencia nociva que me perseguia, senão quando pedi para Lisboa uma apresentação official, qué fez conhecer á commissão ingleza a rainha qualidade de com-missario regio; prevenindo-me, em quanto esta não chegaya, com outra apresentação, que exigi do consulado portuguez. E tinham razão os commissarios inglezes em me julgarem negociante, porque no catalogo official da exposição figurava o sr. visconde Duprat como commissario portuguez. Erro typographico, sempre assim o considerei! mas vejam bem, que responsabilidade não tomou sobre si o leviano typogra-pho que o commetteu. Erro, que nunca se conseguiu emen­dar no catalogo, nas muitas edições d'aquelle livro 1 .

É este que tenho na mão. Para os leitores do catalogo nunca cheguei a ser commissariofíí Nem mesmo depois da apresentação official do governo 111

Tal foi a minha situação em Londres, até o dia 10 de junho, perante a commissão ingleza. Negociante de vinhos, ou talvez peor, quem sabe? Um caixeiro, é possível 1 ás or­dens dos patrões de Lisboa!

É de justiça confessar, que apenas a commissão ingleza teve as devidas informações acerca do lógar que eu des­empenhava, veiu á secção portugueza cumprimentar o ne­gociante de vinhos, e não esquecerei egualmente que foi a partir d'esse dia, que o general Henrique Scott principiou a auxiliar-me com a melhor boa vontade, prestando relevan­tes serviços a Portugal e aos vinhateiros portuguezes.

Quem o adivinhára mais cedo! Ha porém factos que ex­cedem todas as previsões.

CONF: P, I. 3

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O sumptuoso edificio de «Boyal Albert Hall» no seu ge­nero, como salão de concertos, o primeiro do mundo, quanto á grandeza e arrojo da concepção, foi o palacio escolhido pelos commissaríos reaes para servir de recinto ás expo­sições permanentes, que tiveram a ephemera duração de quatro annos!

Este grandioso amphitheatro, cercado de galerías e de formosos jardins, como os inglezes costumam fazer, foi ha­bilmente aproveitado para se exporem ao publico todas as maravilhas da arte moderna e os descobrimentos mais no­táveis do nosso século. Reunia todas as condições para at-trair a concorrencia. Espectáculos e concertos de dia e de noite, despertavam ainda mais a curiosidade do publico, que mesmo sem querer se encontrava com a exposição.

Ao lado de tantas maravilhas, devia realisar-se a expo­sição dos vinhos, e parece que nada seria mais fácil aos comínissarios, do que escolher em tão vasto edificio o me­lhor local e mais adequado ao fim a que se haviam pro­posto.

Foi, porém, o que não succedeu. Por um concurso de causas difQceis de perceber, a exposição dos vinhos, fugindo á luz do dia, foi esconder-se nas chamadas abobadas (vaults), em volta dos corredores subterrâneos, que circumdam o grande salão dos concertos. Abobadas, cellulas, adegas subr térraneas, como lhes quizerem chamar, que eram casas de acanhadas dimensões, e de bem pouco pé direito. Recebiam a luz por estreitas frestas ao iiivel da rua, pelas quaes tam­bém entrava o ar, que permittia a vida aos frequentadores forçados d'estas singulares masmorras 1

Tinham pensado, talvez, que para melhor colorido da ex­posição, convinha reproduzir, o mais ao vivo possivel, a scena da habitação do vinho, e tomaram por adega subter­rânea, o que servira até aqueile dia de casas de despejo e de arrecadação.

Aqueile edificio, capaz de rivalisar com os monumentos da antiga Roma, tão apropriado á grandeza da nação bri-tannica, cóntrastáva singularmente com a modesta recepção

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que fizeram aos vinhos de toda a terra. Admirava-se ali o mais singular de todos os caprichos humanos. Os inglezès tinham conseguido realisar uma coisa pequena.-

A pintura, a mechanica, a engenharia, a, physica» a in­dustria em todos os seus variados ramos, elevavam-se em caprichosos tropheos, sob os tectos de um templo maravi­lhoso, creado pelo genio da archilectura moderna. Os vi­nhos escondiam-se nas trevas, em apertados corredores e galerias, que seriam apropriadas para uma mina de carvão de pedra. Duas coisas inteiramente diversas estavam ali confundidas. Guardam-se os vinhos na escuridão, mas he-bem-se á luz, e só á luz sabe melhor o bebel-os e se po­dem apreciar. Mellia dó percorrer extensas galerias do edi­ficio desoccupadas, onde a exposição dos vinhos attrairia a attenção da altiva Londres, hem como o soberbo jardim talhado de molde para festa tão attraentel

Quizeram com a idéa de adegas subterrâneas talvez offe-recer aos vinhos um recinto mais seguro á conservação d'elles; porém, baldado empenho! No fim de algumas se­manas, viam-se trabalhar os vinhos de melhor nota. E a ex­posição achava-se convertida em uma enfermaria interna­cional de vinhos!

Gomo do mau ao péssimo ha muitas gradações, pede a verdade que confessemos não ser a adega subterrânea, destinada aos vinhos de Portugal, a peor de todas.

Ao abrir as portas marcava o thermomelro, collocado dentro d'ella, 58° Farenheit (média); mas, durante o dia e depois de accesos os bicos de gaz, que pareciam distribuir dos com o intento de submetter uma parte das amostras ao processo de Pasteur, êlevava-se em pouco tempo a 70o, não sendo raro, no auge da maior concorrencia, attiugir 84°. Da uma hora até as cinco da tarde, ficava o,vinho su­jeito á influencia de temperaturas bastante elevadas para adegas subterráneas, e dahi por diante alé odia seguinte, apagado o gaz, era influenciado por um grau de calor muito mais bíúxo, sendo as variações rápidas e os &eus limites extremos muito afastados.

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Outras adegas, porém, havia, em cujas paredes passavam os tubos dos caloríferos, e por isso asseverei que não era a nossa a que offerecia peores condições.

Os vinhos portuguezes resentiram-se extraordiíjariamente da hospitalidade. E então elles, tão mimosos e avessos ás viagens. Muitos ferveram, mas tiveram por companheiros até os mais valentões, que não se revoltam por bagateiias, como o Pomerol, o Sauternc, o Tokaj e o Chablis. •

Queixaram-se os expositores. Houve por varias vezes vi­vas reclamações; todavia, a exposição já não podia mudar-se, ou se podia, a mudança importava em declarar ao publico o pouco criterio que presidira aos trabalhos d'ella.

As garrafas do vinho portuguez eram tão numerosas, que podiam guarnecer quasi todo o espaço destinado aos outros paizes. Sobre as prateleiras, incluindo tres grandes étage-res que mandei construir depois da minha chegada a Lon­dres, cabiam apenas 3:200 garrafas de cada vez, e tendo eu perto de 30:000, nem espaço me restava para guardar os caixotes.

Recorri á commissao ingíeza, mas, apesar da força dos meus argumentos, apenas me concederam duas casas de arrecadação em differentes níveis, onde as temperaturas va­riavam a cada passo.

De um momento para o outro, ficava o vinho sujeito a differentes climas, desde o clima húmido e frio da casa de arrecadação, que ficava alguns metros abaixo do nivel do solo, e em que era preciso caminhar á entrada como os mi­neiros nos schistos de Mansfeld, até o clima tépido e ameno da adega da exposição. E de proposito não fallo das gar­rafas, que residiam ao pé dos bicos de gaz, as quaes sof-freram os rigores da zona tórrida.

Já de si adoentado, com decidida tendencia para indis­posições, cheio ás vezes de assucar, e outras vezes de fer­mento, com côres e corpo de apoplético, e seis mezes uni­camente devedade, etc., etc., em poucas palavras, mais prompto a perder-se do que a conservar-se, o vinho, pas­sado algum tempo, exigia todos os dias, que o medico lhe

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passasse a visita, para que o publico não viesse encontrar os doentes a recebel-o.

Não se descreve nem se imagina o que foi, nem o tra­balho que deu este serviço de clinica cenologica, que durou seis mezes! A estatística mortuária é por tal forma atter-radora, que devemos occultal-a, como se faz nas quadras epidémicas. À maior parte dos nossos famosos typos deram baixa ao hospital, e foram á valla sem acompanhamento.

E note-se para consolação dos que me escutam, allivio do commissario e boa reputação dos nossos vinhos, que ne­nhum morreu de doenças hereditarias ou congénitas. A or-ganisação era excellente, robusta, sadia e vigorosa. Predo­minavam as doenças agudas. Principal molestia, a fermen­tação. Não os tinham deixado crear com boa hygiene.

Contrariados em tudo, e sem a expansão natural do seu melhor elemento de vitalidade, faziam lembrar as torturas por que devem passar as creanças a quem os chiaezes alei­jam os pés. Os mais maduros e abocados resistiram menos. Nada havia que os salvasse, nem a seiva, nem a medulla, nem o avelludadol Tinham a sua hora chegada.

Outros apresentavam os achaques de quei o corpo se pol-lue, quando jaz por muito tempo na enxerga da pobreza, divorciada com o aceio. Sentia-se o fetidq, flavor do berço, acima de todos os flavores!

E devendo ser creados para lisonjearem os sentidos, con­seguiam atormental-os unicamente.

Foi pouco concorrida a exposição internacional de 1874. A primeira da serie, levada a effeito tres annos antes, tinha sido visitada por mais de um milhão de pessoas (1.142:144). Este numero elevado baixou, no anno seguinte, a pouco mais de metade (647:160), para, em 1873, ficar reduzido a qua­trocentos mil visitantes.

Ignoro o numero total de individuos que percorreram o anno passado as galerias e adegas de «Albert Hall»,mas sei que a estas ultimas, onde figuraram os vinhos, desceram apenas vinte mil visitantes (21:657). Esteve aberta a expo-

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sição- de vinhos seis mezes, ou cento e oitenta e quatro dias; descontando d'estes, aproximadamente, trinta feria­dos, restam-nos cento cincoenta e quatro dias, o que dá o numero de cento e quarenta pessoas em cada dia, n'uma cidade de quatro milhSes de habitantes! Ridicuia média., na realidade I

Varias causas contribuíram para este resultado. A pri­meira de todas, assás comprehensive! e naturãl, foi o pu­blico estar fatigado de exposições, e não é só o publico de Londres que o está, é o mundo também que começa a dar signaes de egual impaciencia e fastio. Tudo fatiga quando se abusa. As exposições estão sendo um pesado tributo para as nações pequenas, sem discutir a pouca utilidade d'ellas quando se façam com tanta frequência. As industrias e as artes não passam facilmente por transformações em tão pe­quenos periodos.

À segunda causa, que contribuiu para o .mau êxito da exposição de Londres, foi, logo depois do primeiro anno, permittir-se a venda dos objectos, ás vezes por preços mais baixos, que os que tinham nos grandes e pequenos arma­zéns da cidade.

0 commercio olhou com desconfiança para as exposições permanentes, e reconheceu, sem custo, que tinha n'ellas um concorrente temivel. Dispondo de influencias bastante poderosas, como são as que o dinheiro dá, começou de guerreal-as com grande força, generalisando-se no ultimo anno â nova secção dos vinhos, o que succedera com res­peito aos artefactos industriaes e productos artísticos.

Muitos jornaes, sustentados ou inspirados pelos nego­ciantes de vinhos, a combateram energicamente; e desde a verdade até a mentira, não pouparam um único expe­diente para a desconceítuarem, attraindo sobre ella o des­favor do. publico.

Os pennyliws estiveram constantemeute na brecha, e a penna dos escriptores mercenários nem sempre se conhecô na escripia. Pareceu ao qommercio também,-que o pfcr-gramma da exposiçãò e o modo por que ella se havia réa-

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lisado, punham o publico em contacto com o productor, D'ali por diante ficariam patentes ao consumidor os segre­dos dos avultados lucros das transacções sobre "vinhos. As* sim o escreveram pela imprensa, e n'este ponto foi parti­cularmente atacada a exposição portugueza. Os intermedia­rios, que receiaram os resultados da exposição, unidos em massa, como o sabem ser em tudo os inglezes, especial­mente n'este ramo de commercio, cujo machinismo intri­cado é aqui inteiramente desconhecido, desfraldaram a ban­deira da revolta com vigor e tenacidade, procurando por todos os meios ao alcance d'elles, afugentar o publico de «Al­bert Hall,» e fugindo pela sua parte de examinarem os vi­nhos, como que, para significarem, dando o exemplo, que tudo que se havia feito era tão insignificante na realidade, que nem sequer lhes movia o sentimento da curiosidade.

Nada mais difficil então, não se querendo usar dos meios que os povos menos práticos tão rigorosamente condemnam, do que obter inserção de artigos noticiosos, advogando os vinhos nos jornaes de Londres. Alguns foram rasgados de­pois de compostos pelos typographos, porque podiam des­agradar aos assignantes. Pelo contrario as censuras, por motivos obvios, não tinham tanta difficuldade em serem dadas á estampa.

Ha, porém, felizmente, em todos os paizes, imprensa sé* ria e independente, que não verga ao peso das maiores influencias. E essa espontaneamente nos fez justiça, con-trabalaçando o effeito pernicioso das folhas que haviam dito, que a nossa colheita de vinho se achava toda encer­rada nas garrafas da exposição, e que elle era feitò-cora ál­cool de batatas e assucar de glycose, com baga de sabu­gueiro, com tudo menos uvas, não havendo na collecção um único vinho natural!

Asseverava-se ainda, que os vinhos portugueses faziam mal á saúde, provocando toda a sorte de doenças, e pre­dispondo para a gottal

A isto respondi eu triumphantemente. Fui aoshospitaes buscar argumentos. Dito e feito, escrevi uma circular aos

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principaes estabelecimentos de caridade, offerecendo vinhos genuínos de Portugal, em nome do governo portuguez, e sollicitei á direcção do primeiro a que me dirigi, o hospital de S. Thomaz, que mandasse um perito escolher o vinho. • Veiu com effeito o dr. Ord, munido de sufficientes. pode­res para fazer a escolha das amostras, agradecendo a di­recção logo depois o valioso presente que contribuirá para minórar o soffrimento dos desvalidos. Em quanto aos doen­tes, podemos crel-o, abençoaram de certo a nação que cor­rera em auxilio d'elles. Quantos não beberiam então vinho pela primeira vezl Vinho que, em Inglaterra, é ainda para muitos um objecto de luxo.

Continuei depois a contemplar os hospitaes, e por fim .eram já estes, que sollicitávam de mim os presentes.

Já vêem, Senhores, que não havia outro meio de trium-phar mais depressa.

Na propria adega da secção portugueza, pretenderam desvairar os delegados de Portugal, como succedeu em o dia -de abertura da exposição. Varias pessoas, cujos nomes me esqueceram, haveado provado os vinhos do Alemtejo e do Algarve, declararam, em voz alta, que todos elles já es­tavam em fermentação, e que era preciso deitar as garra­fas para os conservar. Tres semanas depois, tirei a des­forra, provando a quem o quiz verificar, que o vinho se conservara em bom estado sem ser preciso deital-ò.

Assim como eu tive a coragem de dizer e de lamentar, que. a ;exposição não fosse dos vinhateiros, assim também me atrevo a confessar, que não são somente nossos inimi­gos, em Londres, os negociantes que lidam com vinhos es­trangeiros.

Passaram estas nuvens negras, mas não tardou muito tempo que outras se não formassem. Dos jornaes voltaram-se para as encommendas.

A lembrança era engenhosa. Depois de escreverem, que bebido o vinho da exposição, se acabaria o vinho de Por­tugal, restava ainda demonstraí-o; e foi talvez com esse intui­to, que principiaram ã aííluir os pedidos em maior escala.

Nao quero cansar o auditorio com todos os pormenores d'esta curiosíssima historia, mas desejo informal-o, em bre­ves palavras, do que se passou de mais interessante.

Se fòra possível fazer comprehender aos meus compa­triotas, a necessidade de um rasgo de verdadeiro patriotis­mo, nós teríamos realmente saído melhor d'esta rude expe­riência. Tentei o que podia. As communicações officiaes po­dem testemunhal-o. Mas, se é difficil sermos ouvidos, quando faltamos de perto, não ha voz que se escute nem argumen­tos que impressionem a tantas leguas de distancia. Além d'isso, a nós faltava-nos já o vinho n'aquella época. A maior parte estava vendida ao commercio. Os preços haviam mu­dado, como é regra mudarem sempre. Era uma situação desesperada. Só um grande arrojo nos poderia salvar, que

'não chegou a tentar-se. A noticia das encommendas tinha causado em Portugal

a mais agradável impressão. O não satisfazermos a ellas, é que não produziu em Londres eifeíto egual.

De Portugal davam-se explicações que sãio muito razoá­veis para nós que vivemos aqui, e conhecemos as circum-stancias do mercado, mas totalmente incomprehensivm para os compradores de Londres. Os vinhos não se podiam alcan­çar nem pelos preços do catalogo, nem por preço nenhum, porque os não havia; e como as nossas garrafas continua­vam a figurar na exposição, as encommendas choviam to­dos os dias. .

Quando chegava o desengano, o comprador de boa fé vin-• gava-se em beber vinho húngaro e vinho francez, que obti­nha sem difficuldade; ò comprador de má fé ria-se do phe-nomeno, c tirava d'elle todo o partido.

Aqui tenho (mostrando um massa de papeis) todas as lis­tas das encommendas; É tudo isto. São tantas, que, se fos­sem satisfeitas,, teria entrado no paiz maior somma de nu­merario, que o dispendido pelo governo com a exposição dos vinhos.

De tudo que de lá nos pediram a pouco satisfizemos, e mesmo esse pouco nem sempre chegou nas condições da

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amostra,, o que dava razão de queixa aos nossos adversa­rios. É triste ter de dizel-o, mas é ainda mais desagradá­vel présenceal-o de perto pelos effeitos que produz.

Um encommendista chegou a accusar-me, em plena expo­sição, de lhe não haver obtido o vinho que elle requisitara; porque não queria acreditar, que a culpa fosse de outrem senão, do cominissario, aliás não haveria as amostras com preços cotados. A falta da remessa só devia attribuir-se á negligencia da pessoa encarregada de transmittir as ordens.

E a tudo tive de calar-me. Devem comprehender de so­bejo os motivos, por que eu peço para que se faça nas futuras exposições, unicamente à apresentação de garrafas que-representem toneis! Ainda mais, que aos preços tran­sitorios da adega, se substitua o preço real dos negocian-tos.' - . -

Isolado de todos, sósinho contra tanta gente, compellido por um lado a mandar amostras a casa das pessoas e ás corporações, que podiam interessar-se em as conhecer, para obviar aos inconvenientes do abandono da exposição, o por outro lado, a occultar que as encommendas não seriam sa­tisfeitas, de certo teria desanimado da empreza, se não po-zesse acima de qualquer consideração o cumprimento r i ­goroso dos meus deveres.-

E, note-se, que nada haveria mais simples, se eu não , attendesse muito particularmente a estes deveres, do que ganhar o vosso reconhecimento sem me incommodar muito. Bastaria para isso,- que, n'esta occasião, encobrisse a se­gunda face do papel do commissario, e vos contasse ape­nas a parte externa dos negocios da exposição. . Leria o Times, a Hour, a Medical Press, a Queen e o Morning-Post, todos os jornaes, em summa, que nos fize­

ram elogios. Repetiria a opinião de muitos homens illíistra-dos> que ficaram surprehendidos com alguns dos nossos vi­nhos. E como remate, acerescentaria em seguida: «FomOs os primeiros.»

Não" quero, não posso nem devo porém fazel-o. Prefiro a

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verdade á popularidade. Prefiro que vos disponhaes para aprender, a que vos apegueis barbaramente á rotina. -

Depois de haver offerecido aos representantes da imprensa diíTerentes amostras de vinho, sendo obrigado em alguns casos a mandal-as buscar outra vez á nossa custa, por não .as quererem acceitar: depois de pôr em pratica todos os expedientes que podem vir á idéa, para melhor êxito da commissão que me levara a Londres, começaram em junho, por iniciativa do general Scott, os luncheons e jantares, em que foram largamente servidos os vinhos portuguezes.

Já vos fallei do general Scott, careço agora de vos infor­mar, como elle me auxiliou, e das relações que estabeieci para que a lembrança dos nossos vinhos podesse sobrevi­ver ao encerramento da exposição.

Saiu, pouco depois, d'estas festas a sociedade coopera­tiva, de que elle se tornou fundador, não vos occultando, que também não fói satisfeita senão muito incompletamente, a primeira encommenda que ella nos fez. Pensara eu, que uão sendo possível começar desde logo um commercio re­gular de vinhos communs com a Inglaterra, o estabeleci­mento de uma sociedade cooperativa de consumo, que ser­visse de modelo a outras sociedades do mesmo typo mais tarde, muito influiria para ficar um rasto util da nossa ex­posição. Por este systema, ficava garantido em Londres tun consumo certo de vinhos portuguezes, e se Portugal che­gasse a formar sociedades de venda, cujo caracter se apro­ximasse do das cooperativas, em que cada socio podia en­trar annualmente com uma determinada porção de vinho nas condições exigidas pelo novo mercado, nada mais fácil do que estabelecer relações immediatas entre o vendedor e o comprador, aproximando-os a ambos sem receio da .op> posição dos intermediarios, que se não vence senão dispondo de grandes capitães.

Alcancei em Londres o que não tive força para conseguir em Portugal. Formou-se, com effeito, uma sociedade coope­rativa ingleza, e apenas constituida, fil-o saber para cáJ pe­dindo, que se organisasse outra aqui semelhante, para for-

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necer o vinho segundo o meu plano. Houve um momentò de enthusiasmo. Recebi a noticia da organisação de uma so­ciedade exportadora de vinhos, e a promessa de outras em via de formação. Tentei aproximal-as. Não foi possivel.

Quando parti de Londres, deixei aos directores da coope­rativa ingleza, esclarecimentos completos sobre o modo de realisarem as encommendas. Falharam todos os meios, e ha poucos dias, desembarcando em Lisboa, vi que ninguém se occupava d'estes assumptos. Só a cooperativa de Lon­dres ainda nos tinha em lembrança. Achei em minha casa uma encommenda, que a meu pedido, o sr. Dejante se en­carregou de satisfazer.

Como quereis, senhores, que os homens se empenhem pelos negocios alheios, se acolheis com tanta indifferença as melhores tentativas? ; Que fizestes vós para corresponder á iniciativa do gene­ral Scott, que promovia luncheons e dava jantares para tor­nar conhecidos os vinhos de Portugal? Pois não haveria da parte de tantos cavalheiros verdadeiro empenho de nos se­rem úteis? Pois não seria esta occasião a mais propicia para entaboíar o commercio?

Que mais se poderia exigir? Que mais poderia eu fazer? Pazer-me em vinho? A tanto não chegam os meus recur­sos. • • Ao menos tributemos justos louvores aos serviços pres­tados pelo general Scott, a quem serei eternamente grato. .: Declarei-o publicamente no jantar, que o governo portu-guéz lhe offereceu em Londres e á commissão ingleza. Jan­tar, que os principaes hotéis se recusaram a fazer, por deve­rem servir-se n'elle vinhos portuguezes í Declarei-o, quando alludindo á hospitalidade do «Pall Mali Restaurant», eu men­talmente reflectia sobre a exigencia, que elle ainda assim me fizera, de lhe pagar dois shelíings por cada garrafa de Muho portuguez que viesse á meza. Dez vezes mais di­nheiro que o valor de alguns vinhos I

Vejam bem-o que ê Londres, e como o nosso vinho tem de hrjgar para se fazer conhecido.

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A estas horas, e são decorridos apenas alguns mezes, não resta aít da exposição senão uma vaga idéa.

Em Londres vive-se depressa e correndo, e tudo que passa esquece!

Nas instrucções, que recebi do ministerio da§ obras pu­blicas, para tratar de um assumpto de tão grande alcance para Portugal, havia principalmente duas partes distinctas. Referia-se a primeira á exposição de vinhos, ficando obri­gado a fazer um estudo comparativo de todos os que foram expostos em «Albert Hall» pelos diíferentes paizes; e a se­gunda dizia respeito ao estudo das regiões vinícolas mais interessantes da Europa, para me habilitar nos processos estrangeiros de vinificação.

Este programma foi por mim cuidadosamente seguido durante quinze mezes. Parecerá tempo de mais; mas, quem conhece bem a importancia e vastidão do assumpto, deve convencer-se com facilidade, que nem outro tanto tempo seria sufficiente para bem o cumprir, embora eu fosse ao estrangeiro com olhos de ver, e com muita vontade de ver bem.

Resavam ainda as instrucções de outra incumbencia bas­tante delicada, que era estudar o mercado de Londres em relação ás transacções commerciaes; ponto a que realmente se não podia satisfazer, nem é trabalho que se realise em

-seis mezes, passando eu a maior parte do dia na exposi­ção, a dirigir a secção portugueza, e fazendo as provas dos vinhos das outras nações.

A falta de jurys difíicuitou ainda mais as funcções do commissario. Os jurys representam a divisão do trabalho, e sendo compostos, como é costume, de pessoas compe­tentes, fazem fè os seus estudos para todos os delegados.

Em «Albert Hall» não aconteceu assim. Havia apenas seis ou sete representantes de sociedades agrícolas, e dois a tres commissarios reaes. Cada um d'elles com instrucções de muito menor responsabilidade, e diíferentes das minhas. E posso affirmal-o, porque lá os vi, occupando-se única-

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mente da apresentação dos objectos. Quem quizesse formar idéa dos vinhos da exposição, tinha de tomar conhecimento por si mesmo das differentes especialidades, o que á parte o enfado de tão penoso trabalho, era uma experiencia ar­riscada para a saúde. : Sem me, esquecer das instrucções, dividirei as conferen­

cias em dois grandes capitules. No primeiro, intimamente ligado com a exposição, nSo

perderei nunca de vista os vinhos portuguezes. No segundo capitulo, procurarei resumir os processos

de vinificação e de viticultura mais interessantes, seguidos nas principaes comarcas vinhateiras da Europa, não pondo de parte egualmente as referencias necessárias aos factos observados em «Albert Halb com os vinhos d'essas mes­mas regiõél.

Em cada um d'estes capítulos tenho ainda que fazer mui­tas subdivisões necessárias e digressões indispensáveis.

O mercado de Londres e sua feição peculiar; o gosto in-glez e o typo de vinho que a elle se acha melhor adaptado; a riqueza alcoólica ou graduação dos vinhos de varias pro­veniencias naturaes ou estrangeiras; o papel da cerveja, do. brandy e do whisky e outros alcoólicos, rivaes do vi­nho; a moda, os caprichos, o gosto dos differentes consu­midores;^ necessidade de fundar associações que tragam rápidos progressos á vinificação portugueza, e assegurem a venda doà nossos vinhos, podendo triumphar das difiQ-culdades invencíveis aos indivíduos isolados; tudo isto pôde dar uma rápida idéa, um esboço vago dos assumptos que se hão de passar em revista n'estas conferencias. •

Preciso chamar particularmente a attenção do auditorio sobre os vinhos hespanhoes, que são, creio eu, os nossos mais terríveis adversarios. Os vinhos francezes não se acham no mesmo caso. Estão os nossos vinhos destinados a ter uma freguezia diíferente da dos vinhos francez e. Se a Hes-panha se decidir um dia a tratar seriamente da viticultura, pôde excluir-nos dos mercados. A sua producção é enorme. Embora as estatísticas hespanholas não mereçam inteira

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confiança, tenho sobre a mesa um estudo .manuscripto .do. sr. Janer, secretario do instituto de Santo Izidro de Bar­celona, em que este cavalheiro avalia só a producção da Catalunha em 14.000:000 hectolitros. . A Italia, com a fundação de postos cenoiogicos e outras sabias medidas do seu governo, caminhou nos últimos an-nos a passos agigantados, fazendo visíveis progressos. Não me esquecerei egualmente da Hungria, e do vinho Carlo-witz que já se bebe em Londres em soffrivel quantidade; nem da Grecia, que produz vinho baratíssimo de consumo directo, embora muito ordinario, e outros que servem ás falsificações das fabricas de Hamburgo.

Em ultimo logar, tratarei da Phylloxera, cujo conheci­mento tem o máximo interesse para nós. Acabo de percor­rer a comarca vinhateira do Gironda, e todos os districtos vinhateiros do sul da França, invadidos por ella. Em Mont-pellier, e sobretudo em Nimes, não encontrei, por toda a parte, senão cepas mortas, sem que se tenha achado pro­cesso algum de as fazer resuscitar. Os que a sciencia tem aconselhado, embora sejam devidos a homens de grande mérito, estão longe de resolver ô problema. Verdadeira­mente efficaz não se conhece coisa alguma. Nem os estra-. mes intensivos, nem os cuidados culturaes, nem os inse­cticidas, incluindo os famosos sulfocarbonatos alcalinos do eminente professor Dumas, teem podido triumphar da phyl­loxera. As difliculdades de applicação, o preço do trata-: mento e a necessidade de agua, condemnam muitas sub­stancias que matam o insecto como o sulfocarbonato alca­lino. Quando a questão se resolve pelo lado scientifico, fica sem solução pelo lado económico e vice versa.

Li , n'um escripto publicado em França, que Portugal fóra o primeiro paiz da Europa, em que apparecera a phyllo-xera^ Julgo isto um erro. A doença não se tem apresen­tado entre nós com caracter aterrador» estando hoje quasi circumscripta á região em que primeiro se manifestou. Mas, se não tem feito estragos até agora., não devemos des­cansar, porque de um anno para. outro, como succedeu np '

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meio-dia da França, pôde tomar ura caracter assustador. Sabem os que conhecem bem o insecto, que elle é caute­loso e prudente nas suas invasões. Viaja pouco, mas viaja bem. Vôa com prudencia e acommette os vinhedos com energia. Depois de esíabelecer-se, não abandona o terreno, conquistado sem destruir a vinha.

No meio-dia da Frãaça ha proprietários que ficaram ar­ruinados por causa da nova molestia. Os cuidados cultu-raes e os estrumes intensivos prolongam a duração da vi­deira, mas a cepa acaba sempre por desapparecer.

Os insecticidas exigem agua e mão de obra, cujo preço é elevado, e não podem penetrar até as profundidades onde se esconde o insecto.

Tive occasião de assistir ás experiencias feitas no campo du Mas de la Sorres, junto a Montpellíer, dirigidas pelos professores da nova escola de agricultura d'esta cidade, e os membros mais conspicuos da sociedade central do Hé-rault.

Se consultarmos os relatórios annuaes de experiencias, encontraremos muitas substancias e diversos processos, que chegaram a inspirar confiança; mas, lendo-se o ultimo relatório, e olhando para a viufia, quando lá estive, conclue-se, que não ha nada verdadeiramente efíicaz.

Farei também um estudo das cepas americanas resisten­tes, que, no entender de muitos práticos esclarecidos, são a, única esperança que nos pode restar. E oxalá se não en­ganem.

Imaginem, que sobre .a raiz de uma cepa, que não é de­struida pela phylloxera, nòs chegávamos a salvar, por en­xertia, as nossas famosas castas da Europa.

Eu sei, que, pondo de parte a modestia, não posso ter pretenção de fazer obra de grande alcance. Primeirament& porque as obras humanas são imperfeitas, e depois tam­bém, porque estudos tão vastos e minuciosos, em que se­ria preciso muitos annos de vida para averiguar pessoal­mente os factos a que tenho de referir-me, não se empre-hendem em tão . curto periodo.

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Sei egualmente, que os criticos hão de. ser severos com este meu trabalho, porque proclama idèas que não são:ge­ralmente recebidas; mas, por muitas incorrecções:qüe.yè-nham a notar-lhe, nunca lhe acharão tantas imperfeioões como eu. E depois ponham-se a caminho, visitem Londres, percorram a França, viajem na Allemanha, desloquem-se a cada passo, a cada momento mudem de quartel. Vejam vinhos, vejam cepas, vejam adegas, façam-se apresentar milhões de vezes a centenares de pessoas que lhes sirvam de guia nas suas investigações; principiem por lhes expo­rem o que ali os leva, comecem o interrogatorio, adivinhem o que íhes não quizerem dizer nem mostrar, agradeçam aos que os receberem com affabilidade, cumpram com iodos os deveres de cortezia, e não se afastem de ninguém sem lhe deixar ao menos um aperto de mão, em signal de re­conhecimento, que então poderão fazer idéa de como foi re? creativa a minha viagem.

Conheço algumas pessoas a quem o tempo não. chegaria para descançar dos incommodos do caminho de ferro; ou­tras que a meio caminho voltariam para traz, victimas do aborrecimento. Poucas que quizessem sujeitar-se ás fadi­gas de tão extensa e penosa digressão. / ; - .

Os erros, pois, que eu commetter fambem representam trabalho. E o trabalho merece a indulgencia de todos.

Parta, fique por lá alguns mezes, estude tudo, apoderè^se dos segredos alheios, e ponha para ahi o que aprendeu.

O enviado parte e na viagem morrei Exclama o publico commovido e aterrado «ninguém te mandou arruinar a saudei» .

O enviado regressa bom. Se vem sadio não trabalhou. . ; -Condemna os erros? Não ama a patria. Toca na ferida? Devia escondel-a.

couF. P. r. 4

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; Diz a verdade? Commette urn crime. Ah! não morreu?! Antes morresse! O enviado volla e não fez nada. Divertiu-se. Elogia todos? t um prodigio.

_ Nada rae mal? É um homem utíl.

• .. Prómette escrever? É um portento.

: Escreve o que leu? É um erudito. .

. Diz o que ouviu? . Vae muito longe.

•Preférimos este, que nunca erra, que não condemna, que nosídeixa em pazí. .

;: O gdverno apresentou, na exposição de 1874, uma pu­blicação' official, com esclarecimentos valiosos, acerca das questões Vinhateiras.

Este livro, que se intitulava fíreve noticia áa viticultura portugmza, dividia o paiz, para os effeitos da exposição, em oito regiões vinícolas, que correspondem á antiga divi­são por provincias, e que são, a começar do norte para o sul, .as seguintes: -. 1.a região, Douro; . 2.a Traz os Montes;

.3.a Minho; .• 4.a Beira Alta;

. 5.* Beira Baixa;. . 6. a Extremadura; 7. a Alemtejo; 8. a Algarve. Nós inverteremos esta ordem, começando exactamente

pela ultima região. Partiremos dos vinhos quasi desconhe­cidos, on pouco conhecidos, para os que já alcançaram justo renome em todos; os mercados do globo. Queremos,, como

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fecho da abobada, terminar o nosso estudo pelos vinhos do Douro.

Uma das primeiras provindas vinhateiras de Portugal", que figuraram na exposição, foi a do Algarve, cujos vinhos teem com os do Alem tejo bastantes pontos de analogia^ Parceeu-me que estas duas províncias estavam talhadas de molde para se mosfrarem ao publico ao mesmo tempo, e deveriam aprcscnlar-se juntas. Formam uma região exten­sa, onde a vinha ainda tem que fazer vastas conquistas, e aos vinhos de ambas ellas cabe bem o epitheto de vinhos do sul.

O Algarve, em condições normaes, é uma fértil provin­cia. Colhe bellas laranjas, e é a patria da alfarroba e do figo. As suas vinhas aeham-se entrelaçadas, em toda a zona do litoral, com a figueira, a oliveira e a amendoeira.

Assentam sobre um solo de variada constituição geoló­gica, o qual, em traços geraes, se acha principalmente com­prei) end ¡do no terreno jurássico e cretáceo inferior da serie mesozoica; em parte, no terreno neogeneo lacustre superior, e em menor escala no neogeneo marino da serie cainozoica,

O clima de toda a região é dos mais favoráveis aos vi­nhedos, que ficam abrigados do norte por uma extensa ser­rania, gosando de uma exposição vantajosa e das humida-des benéficas, que se levantam do oceano, cujas aguas el-les avistam a pequena distancia.

Visitei esta província em 1870. Fazia eu então parte da commissão, que fôra a Tavira para se oceupar da observação do eclipse dcsol. Voltei d1 ali agradavelmente impressionado.

A gente do povo é benévola e hospitaleira. Cuidam da sua vida com interesse, e são essencialmente paeificos. Pos­suem uma bella qualidade, raran'outras provincias, e muito aprec avel para o viajante. São expansivos em demasia, e alegres por natureza. Nasceram pará o dialogo, ou, como se diz vulgarmente, faliam pelos cotovelos. Sublime quali­dade, com effeito, que a austeridade portugueza tem por vicio.

É para mim uma das provincias mais pittprescas e en-3 .

cantadoras, rivalisando por suas bellezas naturaes com o formoso Minho.

A sua população é cio 117:152 habitantes, e mede de superficie 488:83:3 hcclarcs. Regula a prodncção média an­nual de vinho por 90:000 hectolitros ou 18:000 pipas, se­gundo os dados estatísticos oiliciaes. O vinho está longe de ser até agora a principal riqueza do Algarve.

Cultivam os algarvios muitas e variadas castas de uvas. Contam, entre as mais vulgares, trinta o uma variedades brancas e vinle e seis variedades tintas. Esta vasta collec-ção compõo-se, pela maior parte, das castas conhecidas no Alenitejo e tíxtromadura: apparecendo entre as brancas, com nomes novos, o (pie nem sempre quer dizer que se­jam as uvas differentes, as seguintes: alvilfia, alim/ihaca, bugarrem, beba, qoãilho, pérola, sete, espigas, teneãeira, valk de barreiros; e entro as tintas: bocalrão, breal, caroacha, citima, langucdor ou langucdoc.

A plantação dos vinhedos e feita pelos systemas conhe­cidos em todo o paiz. Procedem á cava no mez do março c á redra em abril.

Usam a poda rasa ou de vara comprida, que se ômpa" em rodrigão, nas videiras vigorosas a que é costume appli-cal-a. Estrumam as vinhas coin seba3 e (ambem gastam guano e estrume dos estábulos, para adubar o solo e for­tificar a cepa.

A vinificação assimílha-se muito á do Alemlejo; havendo, comtudo, diíferenças facéis de discriminar. Tal é a substi­tuição, quasi geral no Algarve, das talhas de barro por va­silhas de madeira, onde os vinhos passam o. periodo da fermentação tumultuosa.

O clima quente do Algarve 6 muito propicio á boa ma­turidade das uvas; todavia, frequentes vezes na eira as as­soalham, e ao contrario do que se pratica no Minho, onde a videira é de enforcado, e a uva nunca chega a amadu­recer; -ainda em cima desengaçam completamente os ca­chos.

Não fazem pisa perfeita, e servem-se de-tres especies do

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vasilhas para fermentarem o mosto: lagariças de madeira, Lalsciros e toneis.

Fabricam vinlio tinto do bica aberta, pelo processo que está adoptado cm todo o reino, na preparação do vinho branco.

Concluida a fermentação tumultuósa, a poucos tratamen­tos suhmfiUcm o vinho. Trasfcgain-n'o quando ella termina, c adubam-uo com .Ires canadas de aguárdenle, por pipa de \intc e cinco almudes.

O Algarve fez-sc representar cm Londres por vinte e um expositores, quo mandaram vinte o sete amostras. Entre estas havia vinte o uma de vinlio tinto, o seis apenas de vinho branco.

Pelos iloseamenlos, a quo so procedeu na.escola polyte-chnica e nos institutos de agricultura e industrial de Lis­boa, appareceram dezoito amostras, cuja riqueza alcoólica era superior a do hydromctro de Sikcs, ou a l^SG0 do alcoometro de Gay-Luss;ic, e sete abaixo d'esta gra­duação. Comparando o total das amostras com o total das analyses, vò-se quo apenas dois vinhos não foram analy-sados.

Segundo os estudos publicados pelo nosso illustre compa­triota e disíiucio professor Ferreira Lapa, em parte repro­duzidos na Breve noticia da viticultura portugueza, os mos­tos das melhoras uvas con teem 2 i a 30 por cento de as-sucar c os das inferiores 18 a 19 por cento.

O preço mínimo, lio vinho do Algarve, na adega do la­vrador, polo catalogo publicado em Londres, é de um shil­ling1, moeda ingieza, por gallão, unidade esta que corres­ponde a 4',5; e o preço máximo dois e meio shillings.

Os preços em relação a uma pipa de 500 litros, variam segundo a qualidade do genero.

Um shilling corresponde-a r&s.

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Réis

1. » Qualidade. 2. » * • 3. » > •

30^000

15^000

0 jury portuguez classificou, como segue, as vinte e sete amostras, que foram a Londres:

1.a Qualidade^boni.

3." —ordinario. —mau

Num oro de amoatraa

i2 9 6

Dos doseamentos do álcool deduz-se ainda o seguinte

Força alcoólica maxima, minima.

Graus de

Gay-Liiasac

18,80 13,50

Grau a do

Sikcs

32,90 23,63

Tavira, Olhão, Portimão, Lagôa, Faro e Lagos, isto é, as principaes comarcas vinhateiras do Atgarve, estiveram re­presentadas em «Albert Hall.»

Vejamos, agora, se os vinhos d'esta privilegiada região represeiítam os iructos primorosos que n'elía se' criam, e se pelos dotes naturaes, que nada teem que invejar aos vi­nhos; da Madeira, Xerez e Malaga, sustentaram effectiva-mente os seus afamados créditos.

Comecemos pelo exame das castas. A primeira observa-

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çao, que fazem todas as pessoas, que estudara em- Porlu-I gal com cuidado a viticultura, é a extensa variedade de uvaSj e confusão de castas, que reinam em todas as comaiv cas vinhateiras.

Nas lavras mais afamadas da Europa não suceede o mesmo, embora se não possa dizer, que as uvas cultiva­das estejam reduzidas a uma casta única. Nota-se todavia um facto que não surprehende, e cuja imporlancia se re* vela logo. " .

Ha sempre uvas especiaes a cada região, e cachos pe-i culiares a cada especie de vinho.

Quem diz Rheno, em viticultura, não pode separal-o do Riesling. Se nos vem á memoria o Médoc lembra logo em seguida o Cabernet saiwignon. Tokay e furmintho são coi­sas inseparáveis. Falia alguém no Borgonha escusa de ac-crescenlar Pinot.

Entra-se porém no Algarve, no Alemtejo ou na Extrema^ dura, para melhor dizer, percorre-se todo o paiz ou qual­quer região, com raríssimas excepções, que eu mesmo não saberei apontar, não ha nenhum vinhateiro, que nos apre^ sente o filho predilecto dos seus torrões, a casta , da sua amisade, o que em linguagem commmn se devera Chamar a menina dos olhos de suas vinhas.

Cultive um hectare ou cultive extensas propriedades^ tem quasi tantas castas como videiras. Se algumas prefere são as mais productivas, que geram por via de regra o vi­nho peor. Troca sempre as videiras, com facilidade, com tanto que a videira nova dè mais um cacho por anho que a videira velha. Ora está provado, e não ê preciso demo-ram-nõá em extensas considerações a este respeito, que to­dos os paizes, que produzem bom vinho, seguem exacta­mente a regra contraria.

Na Gôte d'Or, região que tem sido e-continuará a ser para os proprietários uma mina inexgòtavel de oiro, quando se apresenta o viajante, desde Dijon até Ghagny, e pergunta pela casta de uvas, respondem-lhe com um nome só —o pinot. Se desce para a planicie, em vez de pinot ouve fal-

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lar no gamay. Pode correr depois á vontade todas as pro­priedades, quer na encosta, quer na planicie, que não en­contrará senão estas uvas e as suas variedades. As cepas adquirem o direito de propriedade do solo, e todos o res­peitam por conveniencia propria. - O motivo d'esta monotonia ampelographica, procede de se comprehender perfeitamente, que a vinha Eera fataes pre­dilecções a que devemos sujeitar-nos.

O descobrimento do melhor solar das videiras custa lon­gas -e pacientes investigações. A qualidade e quantidade dos fructos, a sua producção, as doenças que as affectam,

' a poda e grangeio mais convenientes á sua organisação, to­dos os phenomenos meteorológicos do local que habitam, õ clima d'esse local, a composição chimica, propriedades physicas do solo e do sub-solo a que vivem ligadas, são as­sumptos que se devem estudar em relação ás cepas, e só depois de havermos feito este estudo, chegamos a obter com ellas á nossa vontade, ora os vinhos generosos, ora os licorosos, depois os vinhos de mesa ou de pasto, logo os vinhos de distillação. E se o clima, o terreno, a altitude e a exposição estiveram de accordo cora as castas, estas nunca se fatigarão de medrar nem de produzir.

Em algumas nações os estudos ampelographicos, que servem de guia aos vinhateiros, acham-se feitos ha muitos annos. Nós porém não só os nSò temos, mas quando se falia d'elles, diz-se, com bem pouco critério, que não vale a pena emprehendel-os. É trabalho de theoricos. A mesma casta troca o nome, mudando de freguezia, qual rapaz que arranja passaporte falso, querendo emigrar para o Brasil. G acaso é que distribue, regra geral, as videiras pelas co­marcas. Amanhece um lavrador com desejos de introduzir novas castas em suas terras. Escreve aos amigos de outras

.comarcas, para lhe mandarem baceltos das melhores vi­deiras, que elles conheçam. Chegam as varas pedidas, que nem sempre trazem os nomes ou os trazem trocados. Faz-se a vinha, e os plantadores acabam de confundir tudo. Gomo è preciso conhecer os postos, por alguma divisa que os dif-

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ference uns dos outros, o lavrador conforme a idéa de que estiver possuido n'aquelle dia, chamará ás cepas a tinta do padre Antonio ou o Fernam Pires, a parreira Mathias ou o rabo de ovelha. Um rebanho que vimos, um rendeiro cujo nome sabemos e nos veiu pagar o fôro, o nome próprio do padre cura com quem jogámos as cartas na véspera, tudo serve e se aproveita para chrismar as videiras, que, na lo­calidade d'onde vieram, já tinham o nome de algum sa-christão ou a alcunha do regedor.

Um bello dia vem uma doença, como o oídium, atacar a vinha. Pomo-nos de olho á espreita para conhecer as mais valentes, e logo que o saibamos, damos cabo das mais fra­cas, para que não seja o oídium sósinho a malal-as.

Os remedios para proteger as plantas não se applicam senão á ultima hora. As qualidades dos vinhos alteram-se a cada passo. Pcrdc-so por falta de cuidado o que devêra­mos sempre estimar. Não temos amor a coisa nenhuma.

Vinha quo tenha trinta castas de uvas, nunca pôde dar vindima capaz, porque nem.todas amadurecem ao mesmo tempo. O cultivador que as adoptar, perde quasi sempre a colheita, no meu modo de entender. E ou vindima passas, á espera que as mais serôdias cheguem á maturação, ou corta estas ultimas verdes, porque as têmporas já estão ma­duras.

O grande adiantamento de uma região vinicula pôde ava-íiar-se pelo numero de castas cultivadas. Muitas castas cor­respondem a vinhos ordinarios; poucas castas denunciam fabrico esmerado e vinho distincto; uma casta só indica duas coisas, vinho especial e uva primorosa. Ê certo que, nas comarcas de melhor nome, o caso mais geral é ado-ptarem-se tres até quatro castas, mas dezenas d'ellas só podem produzir a confusão dos vinhos, e a sua vulgari­dade. Vinho de muitas castas é como a panella temperada por muitos.

Dizia-me um distincto cenologo de Beaune, que depois de haver cultivado ,no seu quintal de experiencias, quasi todas as videiras da Europa, acabara por se convencer, que

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não podia substituir o pi not por nenhuma outra. Oito dias de differença na maturação, bastava ali para comprometter uma colheita, e de todas as castas nenhuma, como o pinot, comprehendia tão bem o clima da Borgonha.

Eu espero, que a arapelographia, tão descurada n'este paiz, chegue'um dia a merecer a altenção das pessoas com­petentes.

Mas, em quanto esso dia não chega, saibamos ao menos, que vale mais cultivar poucas uvas boas, do quo muitas más; que as melhores videiras não são as que produzem com maior abundancia; que os cachos pequenos e de ba­gos miúdos são os melhores para o vinho; que tres ató qua­tro qualidades bastam para produzir vinho bom, que tenha sempre o mesmo typo, e que não mudo de colheita para colheita, como um navio sem governo.

Que não succeda o que por vezes tenho observado. Fa-bricarem-se vinhos de pasto com uvas próprias de aguar­dente, vinho licoroso com uvas de vinho de pasto, vinho generoso com uvas quasi de enforcado!

Mas no Algarve temos grande variedade de castas? Qual é a historia d'estas castas? O que se sabe do gratigeio, em relação a cada especie? O vigor da cepa é que determina, parece, a poda curta ou comprida, e a poda curta ou com­prida não se deve empregar sem fundamento. A poda.curta dá a qualidade, e a comprida serve para a quantidade.' Predomina o acaso, e assim se explica o amor que temos ás peras de Santo Antonio e aos gostos da vida, denomi­nação profundamente philosophica, que eu vejo applicar-se a uma ameixa de ruim qualidade. - Das uvas passaremos á vinificação. Dizem no Algarve, que a fermentação tumultuosa se deve fazer com o desen­gace, e fabricam vinhos tintos de bica aberta. Pois pode dizer-se e fazcr-se isto em absoluto? Annos haverá em que as uvas estejam em taes condições de maturação, que um pouco de engaço bem amadurecido não prejudique o mosto. Outros, pelo contrario, ém que elle só concorra para a má qualidade do vinho.

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As uvas são por natureza extremamente saccharinas, e todavia costumam ainda leval-as á eira, porque se tem exa­gerado, sem necessidade, a importancia do assucar na pre­paração dos bons vinhos, tornando dependente a sua me­lhor qualidade da maior percentagem d'aquelle corpo.

Penso de modo imii diverso. A uva typo é para mim a que possuo todos os principios, que devem constituil-a, em proporções equilibradas. O assucar em excesso pôde ser tão prejudicial ao mosto como a sua falia. O vinho não se compue sómeiHe de álcool, o o assucar desequilibrado im­pede que a vinificação seja perfeita.

Nas uvas do Algarve, vemol-o chegar a uma elevada per­centagem, não só pelas condições locaes da provincia, se­não lambem pelas praticas viciosas dos vinhateiros, de modo que nunca c possível concluír-se a fermentação. E como os vinhos doces se ;tl(erain com muita facilidade, entra em scena a aguardente para provenir e obstar ás revoltas. Mas sobe de ponto o deleito, quando em vez de aguardente pura, se usa de aguardente de figo.

Porque não lançam antes agua no mosto, quando elle, por excessiva doçura, se recusa a fermentar? Porque não cortam a uva mais cedo, antes de adquirir tão grande dóse de assucar? Porque assoalham a uva, já em si tão pobre de ácidos, e falha de agua de vegetação? Porque deixam, por todos os modos, ultrapassar os limites, que se marcam à composição normal dos mostos, e á verdadeira maturi­dade das uvas?

Amac um pouco mais os ácidos das vossas uvas, que po­dem contribuir para o flavor, que fazem o vinho mais agra­dável, e nol-o deixam beber sem enjoo. Não façaes preceito invariável dos excessos de maturação. O que vós dizeis uvas maduras nem sempre quer dizer uvas de viaho.

O processo de fazer a fermentação no Algarve, é em ex­tremo vicioso. Reconhceem-n'o todos, e assim o affirraa tam­bém um homem competente, que escreveu, referindo-se a esta provincia: «No que ha grande desleixo e atrazamento é nos processos de vinificação.»

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Os vinhos, que actualmente produz o Algarve, o estive­ram na exposição, não representam com propriedade o typo dos vinhos de pasto.

Se fizermos duas ou tres excepções, os restantes eram doces excessivamente maduros, ou fortes cxccssivamenlo aguardentados, e por cima de tudo sabiam e cheiravam a

'erva doce, pela addição de aguardentes péssimas, que trans­tornam o vinho, e o estragam sem remedio possível. Aguar­dente de figo, aromatisada com erva doce!

Dois aromas infernaes, que tornam qualquer bebida re­pugnante.

Os vinhos d'esta ordem podem agradar a quem nunca saiu da sua aldeia! Nós podemos amal-os, como so ama a lua da nossa terra, com a differença que ha motivo para amar a lua que é bastante formosa, e nenhum fundamento para termos egual contemplação com o vinho.

Percehc-se, que os sentidos embotados de muitas pes­soas, que não conhecem outra bebida, lhe descubram bel­lezas incomparáveis. Também o chine/ sc embriaga com opio. Mas, longe d'aqui, nos mercados, onde pretendemos agora introduzir nossos vinhos, é que dilTicitmcnte se en­contrarão éguas enthusiastas. E, se os acharmos, será uma voga ephemera, porque se funda numa aberração do ver­dadeiro paladar, n'uma manifestação pathologica do goslot

Quem conhece o Algarve, logo avalia também, que esta provincia, assim como quasi todas as de Portugal, não es­tava preparada para o fabrico dos vinhos de pasto. Vinhos de pasto, onde não ha adegas subterrâneas! lYum clima que parece de Africa.

Já disse, que nenhum vinho se deve exportar com me­nos dc anno e meio a dois annos de existencia, porque an­tes não está feito. Ora, não sendo possível conserval-os de um anno para outro, sem grande risco e muita aguardente, corao deveriamos esperar que ellos podessem chamar-se vinhos de pasto. De mais a mais tinham apenas seis mezes. Qualquer que fosse o fim a que os destinássemos, eram ainda mui novos para se lhes conhecer vocação.

É melhor que gastemos em edificar habitação conveniente para guardar o vinho, o grande capital que se estraga em aicool todos os annosf Operem a divisão do trabalho, e se o vinhateiro não está no caso de proceder à construcção dos armazéns subterrâneos, façam-11'os construir os com­pradores do vinho, os negociantes.

Logo que seja recolhida'a colheita, passom-n'a da adega do lavrador para a adega subterrânea do negociante, como os rapazes que os pães mandam á escola educar.

O coinmissario húngaro, que esteve commigo em Lon­dres vein um dia dizer-me, que lhe haviam affirmado não existirem na Australia adegas- subíerraneas, e se eu com-prehendia um paiz vinhateiro som ellas? Díga lá isto na sua terra, que muito se hão de rir os seus vinhateiros I

Ha uma pequena nação, que nunca fabricou vinho, mas que o sabe educar comu poucas. É a Bélgica. O melhor Borgonha enconlra-se com elfeito em Bruxcllas.

Nós, tirando um oti outro exemplar de viníio generoso, não conliecemos ainda bem sequer as propriedades dos nos­sos vinhos. A qualidade d'elles não pode avaliar-se, diz um escriptor bem conhecido, senão quinze mezes depois da co­lheita. Ora, quando chega essa época, os nossos, pela maior parte, estão já na adega subterránea do estomago.

Para adega subterrânea deve escoíher-se uma casa, nem muito secca nem húmida, aberta na rocha, se for possivel, e onde a luz não penetre; espaçosa e de bastante pé di­reito, bem ventilada e com aberturas para o nortei; sem­pre no maior aceio, que não guarde fructas nem legumes, que não dê guarida a bolores, e que não esteja sujeita ás oscillações ou movimentos do solo. Eis, a largos traços, os principaes requisitos de uma boa adega do vinhos.

. Agora vejamos se os vinhos do Algarve, com os defeitos que tinham, agradaram em Londres.

Agradaram bastante. E agradaram em Londres á prova, porque não deixam

ficar a bocea arrependida, como succede aos da Bairrada;

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uto embotam os dentes, e possuem delicadeza e suavidade que raras vezes se encontram nos vinhos novos de Portu­gal. Não peccam pela superabundancia de saes e tannino.

O publico inglez taívez tomasse algumas vezes por fla­vor próprio o flavor da aguardente do figo. É fácil deixar-se illndir n'este ponto quem não. conhece as coisas de perto.

Por todas as razões se torna indispensável e urgente apurar o fabrico, segundo os preceitos, que hei de apontar nas seguintes conferencias.

Os nossos vinhos variam de anno para anno com pas­mosa facilidade, e saem fóra do typo especifico, tornando-se em conla as variações razoáveis, que estão dependentes da feição peculiar da-colheita. É certo que o vinho soffre sem­pre com essas variações, mas ha um máximo e um míni­mo,, dentro dos quaes são permittidãs as oscillações. Os er­ros dos vinhateiros teem porém mais influencia sobre ellas, que a variabilidade das colheitas.

E acontece assim., porque nunca estudam as phases do processo a fundo, porque não teem senão uma fórmula de chapa, que applicam cegamente.

Todos os annos cortam os cachos proximamente no mesmo dia, desengaçam sempre, ou não desengaçam nunca, pisam-largamente ou não pisam quasi nada; dão curtimenta de tres dias, devendo curtir o mosto uma semana, ou o cur­tem oito dias, devendo curtil-o tres. Aguardentam o mosto, devendo deitar-lhe agua ou vindimar mais cedo; deitam agua no mosto, quando por excepção lhes perdoaríamos que o aguardentassem.

Imitam a lebre, que não torce carreira, ainda que vá sair ao encontro da espingarda do caçador!

De modo que, não mudando nunca de processo, mudam todos os annos de vinho.

Em resumo, podemos concluir, que possuímos óptimas uvas, mas não sabemos preparar o vinho, muito principal­mente aquelle vinho que deve no futuro tornar-se a nossa principal riqueza.

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Antes de concluir a minlia primeira conferencia, quero aceresceníar ainda duas palavras sobre os doseamentos, ou graduação dos "vinhos.

O governo portuguez, quando mandou analysar todas as amostras, publicando em seguida os resultados em Lon­dres, teve em vista esclarecer a opinião publica n'um as­sumpto de grande importancia para nos, quo se refere á escala alcoólica. E foi certamente, por isso, que não dis­pensou os ensaios da riqueza alcoólica de lodos os vinhos. Se .os iüglezes, hão de mais tarde • tirar as consequências d'estes ensaios, bom será que o façamos primeiro, e as saibamos aproveitar, em quanto for tempo.

Não vão elles gabar-so depois que todos aqui estavam cegos, e rir-se de nós ainda em cima.

Das 77*2 amostras expostas em «Albert Hall», apenas 37 escaparam á analyse. Ficámos assim possuindo uma copia de esclarecimentos, cuja importancia e valor não é licito occulta r.

Creio que os ensaios merecem inteira confiança, e em­bora se refiram a vinhos, que ao passarem para as garra­fas, poderam talvez adquirir mais algum álcool do que o natural, essa addição compensa porventura a perda d-'este principio, devida a algum assucar, ainda por desdobrar, quando o engarrafamento se fez. Os vinhos eram novos.-. A lavagem das garrafas com aguardente, como se pra»|

ticou, quando se executa com discernimento, pode elevar j de um até um e meio grau a percentagem alcoólica dos ' vinhos. Alguns colheiteiros mais ricos e apurados costu-: mam também passar as vasilhas com aguardente, no aclo de enlojaretn os mostos, que acabaram de fermentar nos lagares ou nos balseiros; no entanto nós queremos esque-cer-nos de tudo isto, e tomamos os ensaios como a expres­são verdadeira de um trabalho executado sobre vinhos ge­nuínos, sem especie alguma de aguardentação, excepto nos casos, em que as 'leis naturaes e os factos estiverem mos« irando exactamente o contrario. O que é fora de duvida é que, em todos os distriçtos, se ensaiaram vinhos, que não

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haviam levado aguardente, c esses» como depois sabere­mos, são sempre fáceis de conhecer.

Experiencias do mesmo genero, aníeriores a estas, ha poucas. Cita-se uma,.que abrangeu 77 especies de vinho diferentes, havendo motivos para suspeitar, que nem to­das eram puras, e que me lembre, depois d'esta, não co­nheço mais.

Dos vinhos do Algarve, como já disse, fizeram-se vinte e seis, doseamentos.

Dezoito ficaram acima do primeiro grau da escala alcoó­lica ou do grau 26 de Sikes, a que corresponde por tanto 0 direito de 2'/* shillings por gnllão.

Oito abaixo d'aquelle grau, e por isso apenas sujeitos a 1 shilling de direito.

Estão,pois em maioria os vinhos fortes, justificadas as reclamações do governo, e nós impedidos de levar a Lon­dres pelo direito nrinimo quasi todos os vinhos do Algarve. Serão, porém, estas conclusões inteiramente exactas? E os factos apontados estarão de accordo com o que já conhe­cemos acerca da vinificação d'aquella provincia?

A sciencia cenologica não tem nenhum meio de esclare­cer a questão, senão fiando-sc na palavra dos productores, que teimam em asseverar que o genero que elles fabricam é inteiramente genuino? As uvas do Algarve possuem na realidade tal riqueza de assucar, que não podem dar YÍ-nhos com menos dc 26° de Sikes? : É o que resta averiguar e pretenderemos fazer.

Diz a sciencia, que, para se conhecer a riqueza alcoó­lica natural do vinho, basta saber a força saccharina do mosto.

Mas, diz mais a sciencia, que nem sempre está de ac­cordo com as nossas pretensões, que não se sabendo a força saccharina do mosío, se reconhecerá ainda pelas leis da fer­mentação alcoólica, o "vinho que for aguardentado, quando a percentagem do álcool exceder certos limites.

A solucção do problema pelo primeiro modo é mui fácil, e nós possuímos já, alguns dados que nos conduzem a ella.

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Para o resolver pelo segundo, deu-nos a exposição de Lon­dres o mais valioso de todos os subsidios... - - .

Aqui, em Portugal diz-se, escreve-so e affirma-se com muita facilidade, que o vinho não tem aguardente senão a que lhe é natural.

Os vinhateiros se Ih'a addicionam, encobrem-n'o com ã maior cauteíla. Os mais sinceros, quando se vêem instados a responder ácerca d'este ponto importante, nunca confes­sam que lhe accréscentem mais de uma canada por pipa.

E não são todos que o confessam. O aegociante pela sua-parte, também lhe não bota muita; apenas a quantidade sufficiente para o vinho se conservar. Analysa-se o vinho e encontra-se com dezenove e vinte por cento de álcool ab*" soluto. Respondem-nos todos: «É o nosso torrão e clima abençoado, que nos prodigalisam tanta riqueza. É. o solo, a latitude e as exposições dos terrenos ondulados e de ar­rojado relevo, que fazem d'estes milagres. É o clima que eleva a tão alto grau o álcool natural dos vinhos.

Assim o dizemos ha muitos annos e o repetimos, exta­siados de tantas maravilhas, abençoando a prodiga mão, que esparziu sobre nós inexhauriveis thesouros.

Assim sinceramente o chegamos a acreditar, pensando que a Providencia, quando fez o globo, tratou de nós como filhos, e dos outros como enteados.

Pela minha parte confesso, qúe nos vinhos que tenho feilo e nos mostos que analysei, nunca se me deparou tanto abundancia Í.Nem eigualmente a tenho encontrado nos tra­balhos alheios que merecem a minha confiança.

Entremos, pois, sem opinião anticipada, no exame d'esta questão. -' Qual é a riqueza saccharina dos mòstos do Algahe ? Bes-ponde o sr. Ferreira Lapa na sua Technologia Rural, tom, i , pag. 97. • ,

GONP. P. I.

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Boal Diagalves Malvasia Rico pobre.... Terrantez Alicante Bomvedro Negra molle... Perrum. Assario Cralo Manteudol Mourisco Roupeiro Bastardo Tinta grossa... Ferro pau Babosa

Dão muito e bom vinho.

Bão pouco, mas bom vinho.

Dão vinho relativamente fraco.

Percentagem de

assucar no mosto

De 24 a 30

De 20 a 23

De 18 a 19

Mudemos de livro e para outro, que figurou como pu­blicação official, e que foi beber ao antecedente, porque este lhe merecia credito:

Os mostos do Algarve conteem de assuoar:

Nas melhores uvas 24 a SO por cento Nas inferiores 18 a 19 »

Tentemos agora, visto que nos é conhecida a riqueza sac-charina dos mostos, avaliar a riqueza alcoólica dos vinhos que lhes corresponde.

Mas, para que o possamos realisar, torna-se. necessário, que consultemos também o sr. Pasteur, e ouçamos o que elle nos diz, na sua brilhantíssima memoria acerca da fer­mentação alcoólica.

100 partes de assucar de uva produzem:

67

48,46 de álcool. 46,67 de acido carbónico. 3,23 de glycerina. 0,61 de acido succinico. 1,03 de substancias diversas*.

Appliquemos as theorias, e vejamos pelo calculo, qual è a quantidade de álcool, que nos podem dar as percentagens de assucar, attribuidas aos mostos do Algarve.

São as seguintes.

Nas melhores uvas...

Nas inferiores

Assucar

30 24 19 18

AIcooJ em peso

14,55 11,64 9,22 8,73

Álcool em volume,

graus de

Gay-Lussae

18,32 14,65 11,61 10,99

Álcool em volume,

ffraus de

Sikea

32,06 25,64 20,32 19,23

Vê-se por esta tabella, que, com exclusão dos mostos mais ricos, marcando 30 por cento de assucar, os quaes não po­demos suppor que sejam os mais vulgares, todos os outros se acham com uma força alcoólica natural inferior a 26° de Sikes. E tomando a média, porque os vinhos não se fa­bricam, como já vimos, de uma casta única, antes pelo con­trario são obtidos com as videiras mais produQtivas, que por via de regra teem os mostos mais aguados, achamos

1 Os trabalhos de Pasteur sobre a fermentação aJcooíica, provam in­dubitavelmente a superioridade d'este chimico como observador. Além do álcool e acido carbónico, já conhecidos, Pasteur descobriu glycerina e- acido succinico, como productos normaes d'esta especie de fermentação. Foi muito, mas á priori ainda é licito suppor, que n'esta reacção com­plexa, se formem o glycol, o acido glycolieo, etc., e outros principios de menor importancia que estes, cuja existencia, talvez pela difficuldade de geparaçSo, se não tem agora podido provar.

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ainda que ella é egual a 13,89 por cento de álcool em gfaus de Gay-Lussac ou 240,3'1 do .hydrometro de Sikes, isto é,

. 2o ainda abaixo de 26! Comparemos agora estes resultados com os doseamentos

dos vinhos que foram á. exposição. Achamos dezoito amostras acima de 20° de Sikes, con­

tendo 270!75J 310,50, 320f9U de espirito de prova ou 17, A$, i80,8! de Gay-Lussac em vinhos de 1873, c apenas com seis mezcs de edade.

N'estas dezoito amostras se nolam quatorzo, cuja gradua­ção é sempre superior a 16° de Gay-Lussac ou 28° de Si­kes.

De duas uma, ou estes vinhos correspondiam a mostos, que haviam chegado ás percentagens máximas de assucar, o que. me não parece crivei, ou o que ê mais provável, to­dos eíles haviam sido aguardentados:

É 'será impossível provar esta ultima conclusão sem mes­mo recorrer aos estudos analyticos?

Não é; porque nenhum ensaio é preciso. Pois não eslava lá o sabor da aguardente de figo a affirm ar isto mesmo?

Conclusão das conclusões. Às oito amostras de vinhos do Algarve abaixo de 26° de Sikes, entre as quaes se conta­ram as melhores c que mais acceitação tiveram em Lon­dres, eram genuínas, e achariam muitas companheiras com agua], graduação, se os vinhateiros seguissem os sensatos preceitos.da vinificação, apesar de serem, como nota, c nota bem, o. sr. Lapa, os.mostos do Algarve os mais sacchari-JQOS logo em seguida aos do Douro.

Isto equivale a dizer-se,.que até na provincia mais ca­lida de Portugal, não é impossível fabricar vinhos naturaes, cuja graduação alcoólica não exceda de 26° de Sikes. :

Mas dito isto, souimpellido a acrescentar logo muito na-Juralmente; A escala alcoólica não é nenhum .dragão, que exclua todos os nossos vinhos do mercado de Londres,

: ;!. Este,vinho teiji ainda mais álcool.que.o correspondente a 30 por cento de assúcar. >r

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impedindo que eltes gosem do beneficio do direito mí­nimo.

Disse-o! e não me engano de certo. Contando, todavia, desde já com a ojiposição <jue vae levantar-se contra este meu brado; ainda que por incidente me occupe só, n'este momento, da graduação dos vinhos.

Disse-o e que importa? 0 vinhateiro precisava sabel-o, e justo é que conheça o que mais Hie convém pôr em pra­tica para seu governo, no fim de quinze annos de tentati­vas baldadas.

Mas, será isto uma novidade? Não é. Eu, senhores, nern posso sequer vangloriar-me

de ser um revolucionario! Estava já dito este asserto, antes de eu ter apparecido.

Aqui teem, vejam esta tabella, que se encontra na Techno-logia llural do sr. Lapa a pag. 473, e que resume os en­saios analyticos de setenta e sete especies de vinho, algu* mas das quaes ha razão para suppor que tinham sido aguar-dentadas; esta tabella mostra-nos, que em quatorze distn-ctos, ha oito onde os vinhos apresentam uma força alcoólica média inferior a 26" do Sikes. . E bastarão estes dados para vos convencer? Duvido bas­tante. Não faltam pessoas, que, desejando morrer com as idéas antigas, ou sustentar uma opinião para que não ti­nham estado nem competencia, vos ponham em duvida to­das estas analyses, a fim da meada se enredar ainda mais.

«Historias I os vinhos porluguezes, dir-vos-hão ellas, em­bora fosse verdade quanto elle nos aífirmou, não st^con-servam sem aguardente.»

Não o repilaes outra vez, se não quizerdes contribuir para os desacreditar deveras. Dizei antes, porque é a verdade, que os não sabeis preparar por emquanto sem ella.

Encaremos o segundo ponto, e supponhamos, que não se sabia coisa alguma acerca da força saccharina do mosto, havendo comtudo-analyses do vinho, e que se affirmava, que o álcool natural podia chegar a exceder 18° de Gay-Lussac ou 31tt,5 do hydrometro de Sikes.

t 70

'--Volteraòs outra vez aos livros, e não vos impacienteis. Quero mostrar-vos o que a proposito d'esta questão e dos limites em que se opera a fermentação alcoólica, nos diz um auctor de boa nota1.

Não traduzirei as suas palavras, porque não desejo que alguém pense que eu torço o sentido d'fellas a meu favor. • «Nous ayons donné dans deux tableaux la richesse al-coolique d'un grand nombre de Tins. Si on discute ees chif-fres, on verra que, à la teaeur en alcool de 16 à 17 pour 100, les vins ne craignent plus aucme fermentations

E logo depois na pagina seguinte: • «Une richesse en alcool de 17 pour 100 environ permet aux vins de conserver une proportion considérable de su-cre, sam que ce sucre puisse fermenter.* • Não paremos ainda aqui. - Falle agora o defensor da aguardentação dos vinhos do meio dia da França2, defensor que eu comprehendo nos casos em que Ih'a vi aconselhar, mas que anda por ahi ci­tado tão pouco a proposito.

Escutemol-o: «En ce qui touche aux vins trés alcooliques, il faut, ou

àjouter de Vem à leur vmdmgez, afín de rabaisser sufíisam-jnent íeur titre aícoolique, pour que le sucre qu'ils conser-vént dans, les conditions ordinaires disparaisse à la fermen­tation," ou les viner au tonneau, de façon à les porter au dessm du titre oü toute fermentation s'arréte, et c'est ce dernier parti qu'on prend en les vinant à 18°.

'Km summa, a fermentação alcoólica não progide, cessa, fica paralysada, quando o alcool attinge 17 a iS por cento, © nós pretendemos sustentar que temos vinho de um anno, sem alcool addicionado e carecendo ainda de aguardenta­ção, com graduação alcoólica superior a esta.

- J j & . V í n par A. de Vergnete Lamotíe, correspondanl de I'lnstUut, pag. 144.

8 Rapport du Baron P. Thénard sur le tinage des yins. 8 Não sou eu sósinho a aconselhal-o.

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Que geouiaos não eram os vinhos da exposição, com seis mezes de edade e i 8 por cento de álcool absoluto. Que se dissesse ser possível levar as uvas alé uma riqueza sao charina exagerada, capaz de corresponder a elevadas percen­tagens alcoólicas, ainda se percebia; mas, que se sustente que o assucai' continúa a fermentar, quando o álcool che­gou aos limites que se oppõem a toda e qualquer fermen­tação, ê o que sc não comprehende, e não deve mais re-petir-se.

Por esta nova theoria, não ha solucção saccharina nem mosto, por mais assucar que contenham, que deixem de fermentar, nem álcool que paralyse a fermentação.

Os mostos, que excepción aim ente possuírem 30 a 34 por cento de assucar, fenneníam com a facilidade dos que teem 10 a 14, e quando o álcool, obtido pelo desdobramento do assucar, attinge a percentagem de 18 por cento, continua ainda a fermentação, até que todo o assucar desappareça.

Com esta theoria singular, podemos converter as uvas cm passas, e elevar depois a riqueza alcoólica natural dos vinhos, que sei euí até 50 por cento.

Não ha leis, não ha regras, não ha princípios. Estamos em plena comimina cenologica. 0 torrão, o clima, e não sei que mais, explicam tudo.

Ás fraticas do Médoc, oude se junta agua aos mostos, quando elles por excepção chegam a 15° de assucar, para que este desappareça completamente do mosto fermentado, devem de ser postas de banda. 0 corte das uvas no ver­dadeiro grau de maturação, seria apanhar uvas verdes I

Seclencea-se ex cathedra, que nenhum vinho portuguez pôde fazer-se sem aguardente, que todos se arruinam sem ella, tendo qualquer d'elles mais álcool nativo, que todos os vinhos do globo. E no fim de proclamarmos a fraqueza das nossas forças, que é a que isto equivale, Acarnos cheios de orgulho com tanto saber e com tamanha riqueza I

Lembra-me tanta alegria o descobrimento curioso de um chimico, que tinha achado 105 por cento de chumbo puro o "uma galena.

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• As uvas que deixarem passar ou assoalhar na eira, po­dem, é certo, chegar a possuir todas as riquezas sacchari-nas. Não se trata, porém, de analysar passas nem cachos eseplhidos, nem podem pretender substituir essas analyses ás médias dos mostos de cada região. • -

O movimento a favor dos vinhos fracos é geralpor toda a parte. E o mundo começa a ler idéas exactas sobre a verdadeira composição do vinho.

Mas... eu vou mais longe. Se não temos mostos n'estas. coíidições, é preciso invental-os. •

E se não querem invental-os, então renunciem para sem­pre âos vinhos de pasto.

Com este nome, nenhum vinho deve possuir mais do 14 por cento de álcool, e os que marearem esta graduação jft não serão dos melhores.

Voltemos os olhos do lado da França por alguns ins­tantes. ' Os seus vinhos communs são caracterisados pelo predo­

minio dos ácidos. Conservam-se optima toen te, e teem bem pouco álcool, 7 a 9 por cento.

Os vinhos finos são mais alcoólicos, tO a l i por cento, e encerram menor quantidade de ácidos.

Os licorosos, quando chegam a 16 por cento de alcool,: não fermentam mais. i É preciso não perder de vista, que o álcool não é o único fiador dos vinhos. - - Ao acido carbónico devem os vinhos espumosos com 8, 9 é 10 por cento de assacar a sua estabilidade.

• Aos ácidos e aos saes, principalmente ao tannine e aos tartrates, devem os vinhos communs a sua conservação. : Ao álcool até 16 ou 17 por cento, devem os vinhos lico­rosos a sua existencia, sem que o assucar possa fermentar. - Ás trasfegas, aos cuidados, e ao acido sulfuroso a devem egualmente muitos outros vinhos mais fracos d'esta ultima classe." -

Volvamos rapidamente á patria. Ao álcool e ao assucar que são os dois principios por

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excellencia de todos os vinhos do globo, devem os vinhos portugueses os seus principaes defeitos.

lá fóra, e não sou eu que o digo, é o mundo inteiro que vol-o nssevera, e vós não podeis, senhoresf pretender que elle viva enganado; lá fóra, os vinhos superiores de mesa, mais hygienieos e agradáveis, não excedem nunca os limites de nlroolisarão que foram indicados.

Segui-me mais longe ainda no meu pcnsamenlo. Atiremos coin as analyses fóra. Não escutemos o que a sciencia nos diz.

Son consmuidor, nada mais! Cois liem. Como consumidor não admitto vinhos de pasto

doces, mal fermentados c com aguardente. Quero â meza beber com a comida vinho genuino, que

me auxilio a digestão, e me deixe a noite livre para pensar. Beberei ao toastt se vos aprouver, um cálice de vinho

generoso, mas posso bem passar sem elle. Reflecti i f isto, porque os consumidores estrangeiros pen­

sam no mesmo sentido, e mudae de caminho. Esquecei-vos do passado. Uietae uma vez, duas vezes,

tantas quantas forem mister. Tendes diante de vós mu largo ful uro e triumpbo certo.

Duvidaes? Não me admira, nem me surprehende. Ninguém v ¡/roplirla na sua terra.1

CONF. P. I.

2.a CONFERENCIA E I M : I S r > E - A N G O S T O r > E i s r

No salão nohre do tlieatro de D. Maria II

SUMMARIO.

Continuação do estudo dos vinhos do Algarve.—Que vinhos faz e que vinhos podia fazer esta provincia.—Vinhos licorosos e generosos.— Principaes me-tliodos de os obter.—O (jiie se emende c devia enicnder em Porlugai por vinhos de pasto.— O vinho e o vinhso.

Necessidade de escolher mercado om liarnionta eo-ro o vinho f\m iiretentlermos produzir.—Qnai será o moio mais eíEcaz de concorrer vantajosamente aos mercados estrangeiros.— Esforços individuaos c co l lect tvos .—Associações .

Preços dos vinhos portuguezes e em especial dos do Algawe, na adega do Ia-, vrador e na mão do eon imerc ian íe .—De como se prova, que a agencia do feitor; os preparos e temperos, custam mais caro que o vinho.— Typos prin­cipaes dos vinhos do Algarve.—Typos de phantasia. — O gosto e.a analyse. — A d o p ç ã o do um nome s ó . — Difficuldade de obter vinho puro e deficiencia do mercado.— Scenas de famíl ia .

Meus senhores I—Não acabámos ainda o estudo do Al­garve.

Depois de haver feito a critica dos vinhos, que se apre-, sentaram na exposição, resta-me naturalmente propor agora algumas modificações ao fabrico, seguido «'aquella zona vi­nhateira.

Após a critica, deve seguir-se o conselho. Uma e outro di/ficeis, quando buscamos ser justos e imparciaes*

Extremadas as castas, segundo a aptidão de cada uma d'ellas, e conhecidas as condições mais favoráveis ao seu. desenvolvimento, a primeira pergunta, que se pôde fazer*, è se o Algarve está nas circumstancias de produzir vinhos de pasto, ou se deve dedicar-se a outra especialidade.

A resposta mais breve e simples que occorre ao espi­rito de qualquer individuo, que esteja algum tanto ao facto da oenologia, resposta qué immediatamente nos vem aos lar bios, não se ignorando a situação geographica d'aquella pro­vincia, nem as qualidades que adquirem as uvas, pelo, clima

CONP. p. i. 6

76

em que foram creadas, é, que o Algarve parece, sobretudo, destinado pela natureza, em virtude do principio da divisão do trabalho, a produzir os vinhos licorosos e generosos. Cona tanta maior razão e plausibilidade, que nós em todo o reino, não possuímos de certo, outra zona, melhor accentuada que esta, para a geração d'elles.

Todos os attributos da região, que estudamos, respon­dem afíirmativamente á nossa pergunta.

Os vinhos licorosos e generosos são todavia caros. Demandam capital e tempo para se obterem; mas, ainda

assim, rão são, em meu conceito, os mais difficeis de pre­parar, quando a natureza nos auxilia. E, em relação ao fa­brico, uma círcumstancia se aponta, que não perderemos de vista. São feitos por formulas e preceitos, que, salvas as (Jevidas correcções, mais se bamonisam talvez com os hábitos dos nossos vinhateiros, e çom a mobília vinaria, de que elles hoje dispõem.

Cabe muito a proposito n'este momento, passar em re­vista e resumidamente, como o exige o plano d'estas con­ferencias, os diíferentes methodos de fabricar estes vinhos; devendo com antecedencia advertir-vos, que não seguirei á risca os livros especiaes nas observações que vou fazer. Foi para me afastar um pouco dos livros, que viajei, e per­corri as regiões vinhateiras mais celebres da Europa.

Assim se retempera o espirito, e se ganha confiança nas theorias.

Os processos, de que tenho noticia, tanto em Portugal, como no estrangeiro, reduzem-se principalmente a tres, sem incluir n'este numero, uma applicação sensata dos desco­brimentos de Pasteur, que pôde dar um quarto processo, e que eu julgo tão util, que nos occuparemos egualmente d'ella.

Obteem-se os vinhos licorosos pelo álcool, acido sulfu­roso e trasfegas successivas. O aquecimento, em dadas cir-cumstancias, constitue o ultimo meio de produzil-os.

De todos estes processos, o primeiro ê o único bem co­nhecido em Portugal. É pelo seu emprego, que se produ-

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Zèm os abafados e geropigas, e os vinhos doces de qual­quer nome ou proveniencia, entre os quaes o mais notável é melhor reputado é indubitavelmente o moscatel de Setúbal.

O processo de alcoolisação usa-se, egualmente, enfre nós no preparo dos vinhos generosos; e por uma tendencia ã generalisação, que, no caso presente, tem acarretado coiíi-sigo prejuisos sens íveis aos vinhateiros e ao commercio, emprega-se também, com frequência, no fabrico do "vinho, que havemos chamado de pasto, com bastante improprie^ dade.

Fazem-se os vinhos generosos, abafando mais tarde ou mais cedo o mostOjem dado periodo da sua fermentação; quando o assucar, âs vezes em meio desdobramento* íiãò tem produzido senão metade do álcool que deveria forne* cer. A aguardente costuma addicionar-se na passagem do íuosto dos lagares para os toneis, ou na primeira trasfega, em quanto, já se vê, pôde impedir a transformação ou desáp-parecimento completo daquella substancia.

As geropigas e os abafados, a que eu chamei n'oütra Qb-CaSião a quinta essência dos vinhos portuguezes, contribuem por seu turno para os aperfeiçoar, imprimindo-lhes todos os toques, que escondem ou modificam as imperfeições origi-nartas da colheita ou do fabrico.

Seguido principalmente no Dóuro, esté methodo, íjue créou uma especialidade, a que se não pôde deixar ali de tecer elogio, tem-se generalisado a pouco e pouco á quasi todo o paiz; porque todo o paiz não fica contente com os â&iS vinhos, senão quando elles imitam ou se aprokimam do Vinho do Porto.

Nos vinhos de pasto, quando chega o momento dá tras­fega de mârço, e também antes d'ella, da" mesma fórma â ágüardeüté dá as leis na adega; diz-se que para animaros vinhos.

Fica, pois, demOíistrádo, qué a alcoolisação ê um pít^ desSO fatniliar a todos os nossos vinhateiros, e 0 tinícè ptst ora, em que depositam confiança plena, e que applicafíi em todos os casos.

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Dispendioso mas fácil, e para o qual se sontem natural­mente aürahidos.

A aguardente é um descanço. Eleva de repente ou a pouco e pouco, conforme as circumstancias, a força alcoólica do vinlio além de 18 por cento; quando Deus quer, chega mesmo a 23, porque nem todos calculam com a exação necessária a lota do domador dos vintjos, e depois a vida do.vinhateiro, torna-se de completo soeego, porque fica dis­pensado de pensar mais na sua obra.

Não é de certo d'estc processo, que pretendo fallar-vos, com elogio.

Espremer uvas e lançar álcool bastante no mosto, que o transforme n um liquido incapaz de fermentação, não è fazer vinho.

Bem podeis procurar outro nome para estas bebidas, que nunca.se tornam potáveis sem o lavor de muitos annos, e que ficam sempre, quando o chegam a ser, mais ou me­nos indigestas. Prejudicam em qualquer época as funeções digestivas, é não fazem só mal ao estomago, sobem tam­bém á cabeça. Mas, além d'isso, sSo caras. E quando che­gam a. adquirir créditos, ficam sujeitas, mais depressa que os vinhos fracos, á guerra das imitações, porque saem, com pouco trabalho, da caldeira e do tacho dos fabricantes.

É um facto pubiico, que Hamburgo imita iodos os v i ­nhos, generosos e licorosos da peninsula, com as drogas mais estravagantes, e que disfarça na força da alcoolisação o resto que não conseguiu copiar. :vCette, outro centro commercial importante de vinhos fa­

cticios, sem pòr em pratica os meios reprehensiveis de que se servem as fabricas de Hamburgo, faz parallelamente con­corrência temível a todos os typos de vinho alcoolisado.

Os seus pkardms e picpoules, cuja força 'alcoólica natu-tural, oscilla entre \ 1° e 14° de Gay-Lussac, transformam-se em Madeira e Xerez, graças á força do álcool, que os ro­bustece :até 20 e 23 por cento, e ao aroma fugaz e duvi­doso das cascas de amêndoa torradas!

O vinho do Roussillon, com baga de sabugueiro ou sem

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ella, e uma essência de nozes verdes, que se costumam co­lher a 24 de junlio, converte-se em vinho (lo Porto! í

A ponta de urna Corda, embebida de alcatrão vegetal e deixada de infusão no alcool, transforma alguns vinhos do melo dia da França, no substancioso Malaga!! I

Tudo isto, está entendido, sob a dictadura da aguardente, que è, no fim de contas, o que, em todas as imitações, fica de melhor imitado.

Taes são, senhores, os artificios com que se zomba, no mundo, dos vinhos peninsulares; e digámol-o francamente, sem grande esforço de imaginação. O que é porém de nos fazer abrir mais os olhos, é, que, ás vezes o consumidor, no requinte da ingenuidade, confunde e prefere semelhan­tes productos aos vinhos originaes! muito principalmente porque são mais baratos. No departamento do Hérçult, o soberbo moscatel de Lunel, boje quasi extiucto, e o de Fronlignan, bem como, nos Pyrineos, o bem acabado e aro­mático moscatel de Rivesalles, estão muito longe da al-coolisação que adoptastes para vinhos análogos. E lembro-vos isto, porque elles são produzidos no mesmo territorio, em que se abusa da alcoolisação, para fazer concorrência aos vinhos de Portugal e de Hespanha J.

A applicação do acido sulfuroso na preparação dos vi­nhos licorosos, pôde ser de grande vantagem; mas, convém que se faça com prudencia e discernimento.

Nós temos, e sempre tivemos, difficuldade em adoptar as innovações; qüando, porém, alguma chega a introduzir-se exageramol-a immediatamente.

' Em alguns pontos do meio dia d;t França, fazem vinhos doces d.i seguinte maneira: enchem pequenas vasilhas de mosto bem saccharino, e pela abertura do batoque, introduzem o gargallo de uma garrafa de bojo largo, cheia de alcool do 3/0; de modo quo se não despeje, em virlude da pressão afmosphehca, dentro do barril. 0 mosto fermenta lentamente, e no mez de março, procedem á trasfega do vinho. Mos-trou-me o sr. Fabre de Saint-Clément um vinho de Alicante, que me disse ser assim preparado, o qual conservava extrema doçura, e conti­nha pequena dóse de alcool.

JSO_

•Tendencias meridionaes. Effeitos do clima, como se cos* tuma dizer.

Uma imaginação viva, muito impressionavel, mostra-nos os objectos por um óculo de grande augmento.

Ha quatorze anuos,"o acido sulfuroso, como auxiliador da conservação dos vinhos, era quasi inteiramente desco­nhecido^ em Portugal. Da sua applicação ao fabrico então não fallemos. Podemos dizer, que a este respeito, não ti-niham os nossos vinhateiros a mínima idéa.

A mecha, humilde trapo vestido de eiAofre, vivia solita­ria e abandonada nas adegas. Houve mechas, segundo pe­sam as chronicas, que passaram em completo repouso, so­bre os toneis, um bom par de vindimas. Um bocadinho bas­tava para sanear as vasilhas, com doença de mau caracter.

Um ia correu o boato, que o acido sulfuroso fazia o vi­nho muão^ Quizemos experimentar. Achámos, que para o deixar sem falla, a mecha antiga era pouco e pouco aper­feiçoada, com medo talvez que um fragmento de trapo, um pingo de enxofre caído no tonel, uns fumos de problemá­tico sulfureto de carbonio, empestassem o vinho.

Inventámos os apparelhos de combustão do enxofre; fo­mos baptisaí-os á Grécia. As saccas do íoiro metalloid des­tinadas a curar o oiídium, ficaram á discrição ou indiscri­ção dos sulfuradores. Algumas adegas pozeram os seus lagareiros na impossibilidade de serem accommettidos dei sarna 1 Cada batoque se tornara um Vesúvio!

E isto não é umà descripção pittoresca, de que me sirva para despertar mais vivamente a curiosidade"do auditorio. É um facto, que se revelou ainda na exposição, onde. ha­via alguns vinhos surdos aos bons conseltios, que podiam, n'um laboratorio de chimica, servir para a demonstração das propriedades chimicas do acido sulfuroso.

Ponhamos as coisas no seu. logar. O acido sulfuroso é um dos agentes mais interessantes

djo preparo e fabrico dos vinhos. Auxilia o vinhateiro na sua tartsfa, poupa-lhe muito trabalho, e previne muitas altera­ções do vinho. Serve, com vantagem, em todos os paizes.

8f e applica-se nas zonas vinhateiras mais progressistas; po­rém, carece de ser bem applicado.

Deus nos livre, que, depois de haver sido, por tantos an-nosy a aguardente o nosso idolo, se fosse buscar a mecha para a substituir.

O acido sulfuroso é uma substancia antiséptica; como tal se oppõe á fermentação, inutilisando o fermento. Ab­sorve além d'isso o oxygenio do ar, quando está himiida, e tende a subtrair o vinho á influencia perniciosa d'este principio.

Eu bem sei-, que me podem dizer, que a França também o emprega em grande excesso nos seus vinhos de exporta­ção. Não ha duvida que assim è> é muitas vezes o tenho visto;; mas nós não devemos imitar senão o que for digno de ser eopiado. Tanto mais, que hoje, quem quizesse fazer guerra a muitos vinhos francezes de exportação, não poderia achar melhor argumento que o acido sulfuroso para os combater.

Vi os vinhos ordinarios e vi os vinhos finos de França. Chateau Ycquem, por exemplo, desenganem-se, e a seu lado, posto que em nivel mais inferior, os vinhos distinctos de Sauterne, não devem as suas qualidades excepcionaes,, nem a- doçura deliciosa que possuem,: a semelhante droga. Cha­teau Ycquem não se contenta de ser doce á custa do prin­cipio, que dá commummente esta propriedade aos outros vi­nhos. Deve a sua doçura á mannita.

Denso como oleo, exhalando flavores por lodos os pòros^ de; uma eôr amarella brilhantey que faz lembrar as pennas dos bons canarios geminados, conserva o sabor presistente de assucar; mas não do assucar vulgar das uyas; porém de outro, que os fermentos da lia não alteram, nem podem desdobrar em álcool e acido carbónico, como sucede ao as­sucar commum.

Forma-se a mannita, segundo Prat, que a descobriu n'este vinho, em certo periodo do seu desenvolvimento.

O vinho adoece, dedara-se a fermentação viscosa, e n'esse momento se modifica o fermento, e se transforma o res­tante assucar de uva em mannita.

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' • Segundo outros chimicos, existe já formado este corpo no sauoigtton blanc1 cujos fructos são coiliidos no mais re­quintado grau de maturidade.

Não foi, não podia ser a mecha, o aucíor de tão grande belleza cenoiogica!

0 terceiro processo—trasfegas successivas—usa-se prin­cipalmente no-Tokay. : Esíe vinho licoroso, um dos mais caros do mundo, or-ganisa-se em continuas baldeações. Colhido em circumslan-cias excepcionaes, e guardado em pequenas vasilhas, soffre uma fermentação muito lenta, que lho dá pouco álcool; logo que se denuncia fermentação mais forte, vae-se passando de vasilha em vasilha com o fim de estorval-a. A trasfega assim o consegue, e ao mesmo tempo o isola do contacto da borra, em que se accumula o fermento. - "De vasilha em vasilha, de trasfega em trasfega, como o menino pelas mãos das bruxas, dizia-me a mim um hún­garo, que muito tokay degenerava em vinagre; mas o que se conserva, é delicioso, e paga-se nos mercados do globo por preços elevadíssimos.

Exige este processo, que o vinhateiro possa contar com a generosidade dos amadores, e qne esía seja capaz de compensar tantas fadigas.

Chegamos afinal ao ultimo methodo. O quarto processo é o aquecimento. Este meio foi recentemente proposto por um chimico francez., com tal caracter de generalidade, que o tornará no futuro, quando a pratica chegue a apossar-se bem d'elle, um dos melhores amais fecundos descobrimen­tos da scientia cenoiogica.

O aquecimento nao 6 novo. 0 aquecimento é o processo de Appert. Tem-se dito repetidas vezes para offuscar tal­vez o mérito dos trabalhos de Pasteur. São d'esta opinião os invejosos que o não descobriram.

Nomo cle; tuna das casias, quo entram na composição do vinho de Chateau Ycquem, A outra é o sémilion blunc.

83

E todavia o aquecimento ó um processo novo, sob o as­pecto em que seu auctor nol-o recommendou.

É certo, que., ainda Pasteur1 nuo era "vivo, já os vinha­teiros da Madeira aqueciam na estufa os vinhos generosos d'aquella iiha para os envelhecer, e os negociantes de Cette rolavam as pipas dos picardans, nos pateos dos armazéns, para os aquecerem ao sol. Mas nada d'isto tern que ver com o methodo de Pasteur, que apontou o aquecimento como meio de destrui)- e anniquilar os fermentos, aos quaes os vinhos devem as suas doenças principaes.

É applicavcl aos vinhos generosos e aos vinhos de qual­quer ordem ou categoria. Não dá só velhice, oppõe-se á doença e prolonga a duração dos vinhos.

Applicado aos vinhos commnns e ordinários, não se ul­trapassando os limites de ÜO¿ a íiu0, torna-os mais duradou­ros e não os altera.. Os vinhos alcoólicos c generosos podem solTrer, sem inconveniente, um grau maior de calor, cujo limite andará por 70°.

Concordo plenamente coin as vantagens do aquecimento; comtudo, dividirei, em relação aos seus eíTeitos, os vinhos em diversas classes. Ha vinhos, que nunca devem, nem pre­cisam de ser aquecidos.

Os vinhos eminentes prefiro que seja sempre o tempo a fazel-os, e não o calor.

Chateau Margaux, Chateau Laflite etc. etc. se fossem meus, não passariam por semelhante prova.

Os vinhos generosos com bastante álcool e algum assu-car, adiantarn-se rapidamente; e basta isto para que haja vantagem em aquecel-os. Ganha-se tempo, mas, os que o tempo faz, ficam com a experiencia dos annos, que se não adquire senão vivendo.

Os vinhos triviaes, os vinhos fracos de pouca ou.nenhuma distineção, carecem de ser aquecidos em condições muito

1 Parece qaa o visconde Vergnette Lamofte, antes da publicação dos trabalhos de Pasteur, havia estudado a applicação do calor aos vinhos da Borgonha.

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bem e*tpdadas> para que não appareçam com sabor a cozido, nem se definbem ao ponta de ficarem cadáveres. lí uma ope-F^ão. delicada, em. que muitos se ieera visto embaraçados .

Os vinho» de mfima especie, quasi impotaveis, algumas vezes os avariados, em certo grau de avaria, os que até agora não podiam sair da adega, sem enfermar, os que co-ttjeçajii a sentir-se doentes, essa grande classe dos vinhos plebeas, que formam o povo vinícola; esses principalmente eneontraram no processo de Pasteur um verdadeiro auxiliar, porque permitte que appareçam nos mercados, longe do lo­gar em¡ que nasceram. E já não é pouco descobrir uma lei que melhore a condição dos proletarios.

Voltando aos nossos vinhos licorosos, podemos aproveitar a aquecimento da seguinte fórma. Depois de os havermos feito passar por uma fermentação, incompleta, não os dei-ssMd© paralisados HIUÍÍO tempo-sobre a borra, sustentare-

- mos g assacar que quizermos conservar, submettendo-os ao calor de 60° a 65c. O vinho não se mexe "mais,

f m m postas as bases, resta agora applical-a?. Não me eompete^nem tenho tempo para descrever, com pormeno­res fastidiosos, todas as phases dos processos. Nem eu faço aqui um curso de vinificação.

Para preparar vinhos licorosos, deve primeiro que tudo o Algarve escolher bem as castas. Das que hoje .possue, límepé algumas, que possa aproveitar com vantagem.

Das castas estrangeiras que conheço, lemhro-Ihe o fur-mfí$kar que- è a base do famoso Tokay. Aconselho-lhe ainda »;$íqpagaçãO' e introducçSo dos moscatéis nacionaes e es-trajígeiFOSr sobretudo os de Lunel, Frontignan e Rivesal-tes. N-'OTSlro genero- de vinho licoroso, tente ainda aclimar o celebre saimignon blanc de Sauterne.

ty§\Q' §m respeita á vindima, os vinhos licorosos exigem çflg ella; se faça, estando as uvas no maior grau de matu­ridade.

Moscatel verde não tem aroma. Furmintho e sauvignon são castas mediocres n'este estado. Devem apurar nas va­ras os cachos, até que a pelle dos bagos principie a enge-

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lhar-se. Muitas vezes, quando as uvas parecerem eobertas de uma penugem de bolor, é que chegaram á sazão.

Depois appliquem o& processos conforme a especialidade: que quizerem produzir, recorrendo para isso ao qae apro*-posito de cada paiz, se disser n'estas conferencias.

O vinho licoroso exige passar pela fermentação alcoólica; incompleta é verdade. Após a colheita, o mosto deve de ser lançado em vasilhas de pequena capacidade, bem mechadas e bem limpas, sem engaço nem bagulho. Trasfegado qua­tro vezes pelo menos, no primeiro -anno, ou mais vezes* conforme a pratica melhor o aconselhar, Se for difikil ean-servar-lhe bastante doçura, o que me não pareee, eom to­das estas cautelas, havendo sido frequentes vezes separado da borra, e introduzido em vasilhas em bom estado* enxo , frem lambem um pouco o mosto, no acto da vindima; OH aqueçam-n'o cuidadosamente, quando elle tiver a quanti­dade de assucar, sem a qual perderia o typo, e o álcool sufíicienle para que mereça o nome de vinho.

E tudo isto se tem feito até aqui, como se a aguárdeme estivera por descobrir; sem desprezar de nenhummethodo» o que todos elles possuem de aproveitável..

Escusam de dizer que é theoria. Deixae a aldeia e per­correi o mundo. Lá vereis que é pratica.

Os vinhos, generosos, que entre sós tanto peecam pel& exagero de alcoolisação, e ás vezes ainda, por serem doi-ces, ficam obrigados a perder estes dois defeitos*

N3o vos occultarei mais tempo a minha idéa. O fim prin­cipal d'estas conferencias, é combater a aguardentação (tos vinhos portuguezes.

Tenho que luctar com um gigante, e posso, não ser tão feliz como David. A valentia do adversario não é razão bas­tante para me afastar da lupta. •••

A primeira condição, a que estes vinhos dfevem satisfa­zer, é a de serem seceos. Seceos sem asperesa V "

/ A glycerina, completamente pura, pôde juntar-se ao vinho' seíft in­çou veniente, porque lhe faz adquirir corpo e sumidade. Os estrangeifos1

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- A segunda é não conterem senão o álcool indispensá­vel á sua completa conservação, em harmonia com as exi­gencias do mercado. E sendo seceos, temos meio caminho andado; porque o vinho, sem assucar, se conserva por na-. tureza melhor.

Quereis que vos cite algnns typos? Passarei a indicar-vol-os; Imítae o Xerez, o Madeira, o Marsala.

O primeiro e ultimo quasi se geram na mesma latitude em que se acha a vossa provincia. O segundo é egualmente susceptível de ser reproduzido no Algarve.

Fazei o inventario das vossas castas, e excluidas as ordi­narias, substituí estas pelas uvas da ilha da Madeira, que ali imprimem ao vinho a feição característica. Segui de perto o fabrico, estufae como os ilhéos, porque se não conseguir­des crear um rival perigoso á Madeira, o que me parece bastante diííicií, podeis aproximar-vos do Marsala, que tam­bém vos recommendo.

Quanto ao Xerez, em verdade vos digo que não compre-hendo. que a Hespanha offereça ao mundo o Tarragona Port wine, como se o vinho do Douro podesse mudar de appel-lido na Catalunha, e haja escrúpulo em baptisar, com O; nome de Xerez do Algarve, o typo de vinho que fizerdes com esta intenção.

Hã dois typos de Xerez, O typo antigo, delicioso, e su­perior ao moderno, ô éãte que os iiiglezes adoram, e estão preferindo a todos os vinhos..

O typo novo é vinho de pouco corpo, quasi nenhuma côr; amarello pallido, bastante alcooRcOj com 17° a 19° de Gay-kussac, inteiramente secco. Tão secco que fatiga o paladar, chegando a tornar-se áspero.

Na alcoolisação parae em 17 por cento, procurando obter

geiros usam d'elía, e nós podemos egualmente fazel-o. Chimieamente a glycerina é um álcool triatómico; mas está longe de possuir as pro­priedades, que o vulgo attribue a esta classe de corpos. É um álcool que Hão embriaga, e resulta, posto que em pequena quantidade, como se viii na primeira conferencia, da fermentação alcoólica. A glycerina ordinaria é obtida pela saponiñcaeSo dos corpos gordos.

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esta graduação alcoólica á custa dó assucar das uvas, por meio de uma fermentação completa e bem dirigida.

Notei, e esta observação me foi confirmada pelos srs. Ta­rou de Logronho e D. Benito de Valencia, em 1874, na ex­posição, que muitos vinhos brancos de Hespanha faziam lembrar o Xerez moderno. E com effeito só assim o vinho d'esta região seria capaz, sem fallarmos do que se fabrica em Hamburgo e em Cette, de conteutar os seus numerosos e dedicados consumidores.

Qual será pois a razão porque o Algarve, dispondo de condições naturaes, que, nas mãos de outro povo lhe mul­tiplicariam rapidamente a riqueza, se não ha de dedicar ao trabalho de reproduzir os vinhos mais celebres, tendo apti­dão para o fazer ?

Não sei se com todas as castas actuaos o poderá conse­guir. Disse que não sabia para vos não desanimar. Mas emendo a phrase. Sei que não podeis.

Dèem-se porém ao incommodo de atravessar o Guadiana, que em pouco tempo estarão na Andaluzia. Como o fisco prohibe, que possamos trazer na volta bons charutos com-nosco, voltemos de Hespanha com as cepas melhores que ali encontrarmos, porque sempre traremos alguma coisa mais útil, e que nos não leve á cadeia. . . ' Não peço fabricas, como as de Hamburgo, que lancem

no mercado todo^ os vinhos do globo, com destino espe­cial ás pessoas que nunca hajam provado os verdadeiros. Mas, peço, que vinhas semelhantes dêem productos análo­gos. E para melhor harmonia, proponho que sejam os ope­rarios os mesmos, as mesmas cepas!

Admitti egualmente nas vossas adegas os tratadores do vinho de Xerez, para vos comporem ao principio a mobília, organisarem a adega, prepararem as soleras *.

•E as nossas uvas, e as nossas uvas ? Parece-me estar eu ouvindo perguntarem-me agora, para que as guardaos?.Fa­zei das melhores vinho sem confeição.; vinho genuino, pelo

1 Vide xii conferencia—Vinhos hespanhoes.

J 8 _ raiGthodo dé'fermentação completa. Estudae com cuidado as quaíidades-do producto assim obtido, que mais tarde, quem

-sííbe? algum haverá, que possa tomar-se preciosidade vi-iiicolâ.

Não vos prohibo ainda assim, absolutamente, que façaes "vínho <Je pasto, e por isso mesmo aproveito o ensejo para ú i m duas palavras ácerca d'estes vinhos mais modestos.

Vinho de pasto! O typo da innocencia oenologica, e se­gundo nós, o typo da mediocridadé. : M s em vinhos fomos sempre rhetoricos. E o vinho de pasto éxige, como a verdadeira eloquência, a maior espon­taneidade e singeleza.

Mais barato e humilde que os outros, não deixa por isso de exigir, maiores cauteílas, se quizer-mos fugir ao defeituo­síssimo fabrico herdado de nossos avós.

k França, que è o paiz do engenho e das artes, tem o sceptro d'estes vinhos. E ninguém. lh'o disputará.

Ao verdadeiro vinho de pasto chamaes vós aqui agua pé; o que n&o impede, que ao nosso vinho, dêem os esíran-gttíros um nome também diJferente do que lhe applicaes.

O vinho de pasto é como a belleza; não precisa de ador-iros para brilhar. O assucar e o álcool» que são duas pé­rolas da vinificação, postos nJeste vinho, são como as ga-?áá que enfeitam a velhice, tornam-n'a simplesmente ridi-

• • ' • - t 5 b i á f e é ¿ é w i ( y s - l « m - o v t o h o ' a que nos habituámos a cha-iàit dé pasto. Parece-me aqui inútil fazer-the à pintura, fio ^Járfto os traços: priucipaes, o perfil ao menos não cusía a desenhar. " ;;0'TíDgso vinho de pasto, o vinho que nos alegra o olho, $tfé tios aítancà dos labios exclamações dé enthusiasmo, que nos captiva e enche de orgulho, é valente como a pôl-tõrií, tiegm como o fundo de um poço, encorpado como a

'•^wísto- é tfeá vinhaof» Dizemos todos. Vocábulo que dispensa commentarios, porque nada lhe

fica pOr dizer.

Yinhãoí É mais que vinho í E não se pôde diEer mais. O vinhão colore o vidro e a porcelana; mancha a toalha ©

a camisa com indelével nódoa. Contesta á fuchsina o poder de tingir. E todavia não encerra uma única partícula de materia corante, que não proceda da uva.

Contém um regimento de saes, que disputam ao tatinío» um cantinho do menstruo para se dissolverem. É quasi uma caixa de reagentes.

Sabe a assucar, como a canna do Brasil. É maduro como um figo passado. Alcoólico como a experiencia o diz, e os boletins da policia o confirmam.

Quando se bebe sósinho, enfastia o paladar pela exube^ rancia de attributos que estimulam o gosto. Transtoma-se; ficando peor, pela addição da agua. Esta, como qué ó compõe, e está n'ísto a razão do proverbio, que não acon­selha a mistura.

O vinhão tem ensanchas para seis vinhos, ou aimo se diz, em termos tcchnicos, é um vinho de seis côrest

Os portuguezes fazem dos vinhos de pasto uma idéa bem differente da que teem a seu respeito os paladares estran­geiros.

Os nossos bebedores, em não vendo abundancia de ma­teria córante, ás vezes mais borra suspensa-dõ ^ue côr ífíã-solvitia, muita substancia extractiva, que sae das prolonga­das curtimentas pelo processo da maceração das balsas, é ainda por cima, além do álcool natural, que não è pouco, o additional, que ê quasi outro tanto, não se dão por'sa-tisfeitos.

O consumidor portuguez vae ainda mais longe, e consi­dera vinho de pasto todo o que se não produza np Douro. Toma por vinho de consumo directo, o que não è nettrpó-; dia ser senão vinho de lotação. Inventou a p a l a W f õ i » para synonimo de vinho. Tem por vinho singellff ^ H ^ t ó ' multiplicado,, e a falsa côr que lhe attribue, assim' o ^ í ã ' demonstrado.

Nos outros paizes, o vinho de pasto é uma bebida agra­dável, pouco carregada de côr, a qual deve ser brilhante é

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atirando para vermelha. Límpido e transparente, ligando-se admiravelmente com a agua, e podendo usar-so sem fazer sôde, e em quantidade, sem prejuízo.

Ha prazer em bebel-o, bebe-se sem deixar vestigios. Não cansa o estomago nem lhe perturba as funeções. Nunca é aguardentado. Costuma sair barato, orgaiiisa-se cm pouco tempo. Não cania nas garrafas, e não se beije para que n5o cante. Serve de conducto á comida e não embriaga.

O vinho de pasto ainda por outra razão pratica, ó pre­ciso que não seja forte nem concentrado. Não se bebe como o vinho generoso. Ninguém que trabalhe, que tenha ener­gia e que seja homem, pôde con tentai-se com um copo de vinho! É consumido em maior escala e em largas pro­porções.

Está egualmente, destinado pela natureza a corrigir os defeitos da agua, e por isso è preciso que se não decompo­nha-na presença d'ella.

Nós temos aqui uma agua, que se pôde considerar boa, com todo o mal de que a acusamos. A de Madrid é cem vezes melhor; porém não acontece o mesmo á de Paris nem á de Londres. D'onde resulta, que nos paizes do norte se mistura sempre com o vinho, porque além de ser impru­dencia bebeí-a pura, seria desagradável.

Executem porém esta experiencia uma vez com os vinhos clássicos de Torres e Cartaxo. Assim que se cortam com agua, apparece o gosto saccharine enjoativo que o álcool escondia; turvam-se os líquidos, a còr desanda para violóte, a transparencia foge para muito longe. O vinho desapparece e ambas as bebidas se estragam.

O pouco corpo, a acidez que não seja devida ao acido acético, a limpidez, a pequena dóse de álcool, a ausencia de assucar, e a facilidade de se misturar com agua sem de­composição, constituem effectivameníe os predicados dos verdadeiros vinhos de pasto.

Alcançam-se todas estas qualidades pelo fabrico e edu­cação, que corrigem muitos defeitos nativos com o auxilio da arte.

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Os negociantes tie Bordéus não julgam perfeito o vinlio commum de pasto sem addição de algum vinho branco, que o torne mais palhote e lhe modtíique a aspereza. O vinho melhora em todas as suas parles com este tratamento.

Estarão os algarvios nas circumstancias de produzirem d'estes vinhos, se não quizerem cntregar-se ao fabrico dos vinhos licorosos e generosos?

Não me parece que lhes seja impossível fazei-os; mas, para o conseguirem, devem modificar consideravelmente as suas praticas actuaes.

Carecem de reformar a mobília vinaria, começando por estabelecer adegas subterrâneas e substituir as grandes por pequenas vasilhas. Devem corlar as uvas mais cedo, evi­tando os mostos densos em demasia, e os excessos de ma­turação.

Estes vinhos não podem como os outros de que temos fallado até agora, ser feitos com uvas excessivamente ma­duras e seccas na eira. V, sabido que os ácidos se trans­formam em assucar pelo amadurecimento do fructo, po­dendo, ainda depois do curte, continuar a fazer-se a mu­dança. N'esta segunda parte se funda o processo de Sam­paio, cenologo portuguez que eu vejo citado, com louvor, em todos os livros estrangeiros; e que consiste em guardar a uva, com toda a caulella, sem dilacerar a pellicula dos ba­gos, durante alguns dias depois da vindima, a fim de no in-tervallo que precedo a pisa, augmentar o assucar do mosto, em virtude das transformações que ficam indicadas.

O nosso caso, porém, agora é differeme. Muitas vezes o que precisamos, para obter os vinhos de pasto, è exacta­mente impedir, que a uva amadureça de mais; isto é, ca­recemos não diminuir consideravelmente os ácidos do mosto, nem cóncentral-o ou enriquecel-o unicamente do principio saccharino.

Alguns escríptores, temendo aconselhar as vindimas pre^ maturas, com o receio de induzirem os vinhateiros a apanhar uvas verdes, preferem que se addicione ao mosto, contendo mais de 20 a 23 por cento de assucar. agua sufliciento que o

CONF. P. t. 7

deixe nas circumstandas de fermentar com rapidez e de tim modo completo, para que não .fiquem no -vinho, depois de cozido, vestigios de assucar apreciáveis.

No enlanto n3o se lembram, que a agua não è o único corpo que os mostos, em tai estado, reclamam. Não basta diminuir a riqueza saccharina até se tomar harmonica com a porfeiía composição dos vinhos de pasto; a aguaaddicio-nada não inventa os ácidos que desappareceram.

•E éporisso, que já vão apparecendo outros cenoíogosmais modernos, aconselliando ambas as coisas. Addição de agua e de ácidos, na proporção normal aos mostos.

Juntar, porém, agua, é fácil; cortar as uvas um pouco mais cedo, que eu julgo preferível, não demanda muito es­tudo; addicionar ácidos, nas proporções convenientes, não se pôde fazer sem conhecimentos especiaos e uma grosseira analyse dos mostos; e nao é por tanto operação para a maio­ria dos nossos vinhateiros. Cortem, por tanto, mais cedo do que usam, para fabricar vinho de pasto.

Se procurarem jogar com estes principios, podem, lu-ctando um pouco contra o clima, chegai' a produzir vinhos de pasto bem constituidos.

Os vinhos actuaes do Algarve possuem flavor e outras qualidades que os tornam já superiores aos de outras co­marcas. Pelo menos estão isentos do travo dos engaços, que ferem na pisa os lagareiros, e arranham na prova a boca e o estomago do consumidor. :

Para corroborar ainda mais a opinião de que o fabrico dos vinhos abaixo de 26° de Sikes não é um problema de im­possível solução, citarei alguns exemplos que conheço de outras regiões vinhateiras semelhantes ás nossas, e que já os sabem fazer.

O governo da colonia íngleza da Australia, cujo -magni­fico solo e clima ofierecem largo desenvolvimento á cultura da vinha, publicou um documento em 1874, elaborado por tres chimicos, em que apparece o estudo circumstanqiado da riqueza saccharina das princípaes uvas d'aqueha região, acompanhado do calculo das percentagens de álcool que a

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cada uma corresponde. Nota-se por esse trabalho, que «ma ou outra casta, e são em pequeno numero, pôde natural­mente produzir vinhos genuínos abaixo de 26° Sikes, mas que a maioria, pelo contrario, deve fornecer vinho mais forte, raras vezes, porém, superior a 33,5° do hydrometro inglez *.

Entravamos, porém, na exposição de 1874, e observa-va-se, como o demonstrou a Sociedade das Aries, que a maioria dos vinhos d'aquella colonia estava abaixo de 26* de Sikes2.

Eu não sei o que se passou, nem me importa agora ave-rigual-o. Dou credito a ambos os trabalhos, que não são senão app aren temen te contradictorios, e concluo, quecos vi­nhateiros d'aqueíla possessão ingleza começam a jiór em pratica o conselho, que eu já dei na primeira conferencia aos meus compatriotas.

Apenas um expositor, como se deprehende das inves­tigações da Sociedade das Artes, possuia uma collecção de dez a doze amostras, fazendo excepção a esta regra. Ad-virta-se, porém, que eram vinhos de imitação, figurando com os nomes de Madeira e Xerez, que exigem alcòoíi-sação forçada.

Mais ainda. Entre as numerosas publicações do sr. Lapa, encontra-se uma, em que este professor nos apresenta a comparação da força alcoólica de todos os vinhos do globo com os vinhos portuguezes 3. Pôde ali veriíicar-se, que acima dos vinhos de Santarém, Beja e Castello Branco, cuja força alcoólica média é de íQ0 de Gay-Lussac, estão os vinhos da (Grecia com a força alcoólica de 48°.

Pois não importa: os vinhos da Grécia entram agora em Londres pagando o direito de um shilling por galtão. Em dez annos de perseverantes esforços, conseguiu tornal-os co-

1 Akohólic strength of South Australian wines. Report by commission, appointed by His Excellency the Governor.

3 International Exhibition, 1874. Wines submitted to the judgment of the Comviittee of the Society of arts, pag. I a 4.

3 Technalagia Rural, pag. 65, 471 e 472. 7 .

_ £ 4 _

nhecidos, n'este segundo estado, o sr. Denmann, e os que vi na exposição ou foram analysados pela Sociedade das Ar­tes marcavam menos de SC.01

A Italia, outro paiz que lambem diziam n3o poder fazer d'estes milagres, tinha Barolo, Barbera, Nebiolo, Brachetto, Capri, Falerno, moscatel espumoso e licoroso, moscaío pas­sito, etc., etc., pertencentes ás sociedades vinícola italiana e oenologica asticiana com graduação também inferior a SG* de espirito de prova9.

Finalmente a nossa visinha Hespanha, não só em «Albert Hall,» senão taiiibem nas bodegas de Londres, bem perto de Regent-Street, em Liverpool e Manchester, expunha á venda eguaes plienomenos í

O que vejo é que os vinhateiros d'aquellas regiões deixa­ram a questãp da escala alcoólica á diplomacia, e decidi-ram-se a fabricar vinhos baixos, porque assim também Ih'o exigia o gosto actual do consumidor. Não poderam mudar a escala, mudaram de processo.

Pelo contrario, nós queremos morrer defendendo o pro­cesso, á espera que a Europa nos agradeça o conservar-mos-lhe, sem mancha, o tinteiro dos vinhos chlorolicos, e o vinificador da propria agua.

Mas, para que estou eu a servir-me de exemplos tirados dos outros paizes, quando os posso ter de casa?

Não è possível fazer vinhos fracos com as uvas portu-guezas, teimaes vós? E todavia os negociantes de Bordéus aproveitam o nosso vinho, que não contenha, note-se bem, mais de 14° de Gay-lttssac, defeituoso como è, na prepa­ração do Médoc barato de exportação, que se saboreia por esse mundo de Christo.

Tendes o exemplo debaixo dos olhos e não quereis atten-tar para elle.

Do vinho presunto podem os estrangeiros fazer vinho de

' Wines submitted to the judgment of the Committee of the Society of arts, pag. 7.

2 Idem, pag. 8.

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consumo directo. Do boas uvas, como as que possuis, nao é possível (irar senão vinhos ¡mpolaveis ou de iotação I

Se nós não eslivessemos realmente obsecados pela rotina, e já de antemão dispostos a rejeitar os conselhos, negando a evidencia dos factos, bastaria citar-vos este único exemplo para não ler necessidade de adduzir novos argumentos em favor da minha tiiese; pois, creio que não attribuis a trans­formação, por que passam os nossos vinhos na mão dos francezes, á difíerente natureza clumica da agua de Bordéus, nem á essência do Médoc, innocente tintura que procede das flores da vinha selvagem cm modesto connubio com o lyrio de Florença1.

O fabrico dos vinhos de pasto está sendo para os portu-guezes um problema bastante difíicil, e a primeira diíTicul--dade procede de não possuirmos a pedra de toque por onde os havemos de afierir.

O vinho que é bom, ou que o tem sido até hoje, não agrada aos estrangeiros. Ü que lhes agrada a elles, tem aqui o nome despresivel de agua pé.

Reconheço que não hão de ser alguns vinhateiros isola­damente, que transformem o estado actual da industria.

Suppondo, que preferis o mercado da Gran-Brelanha, as-seguro-vos, que não podeis arrostal-o sem dispordes de sufficiente capital; e como a maioria dos productores é po­bre, não vos aconselho a que o tenteis sequer, sem haver­des formado associação vigorosa.

Já vos fatiei, na primeira conferencia, das esperanças que nutrira a este respeito, quando recebi em Londres a acta da sociedade agrícola de Faro; mas n'este momento, vejo, que ellas se dissiparam, como uma bolha de sabão que de repente se apaga.

O nosso enthusiasmo manifesta-se como as correntes gal-

1 A seiva do Médoc, com que se aromatisam os vinhos, eompõe-sc principalmente d'eslas duas substancias. O aroma ¿ muito agradável, embora se dissipe com facilidade. O lyrio florentino dá o cheiro da vio­leta. Vende-se em Bordéus publicamente.

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Vanicas. Basta interromper o circuito para que cesse a cor-rente.

E onde ir agora buscar energía bastante para vos galva-nisa'r outra vez?

Como poderei conseguir, que vos appliqueis á industria vinicoía, se a agua vos está dando maior dividendo que o vinho?

Continuando ainda a advogar a importancia das socieda­des vinícolas, acrescentarei, que, nos districtos, podem ellas ser formadas de dois corpos distinctos, mas cooperando para o mesmo fim. Associação de vinhateiros para a pro-ducçâo do vinho, e de negociantes para tratarem da venda, a fim de se não confundirem attribuições nem especialida­des, que as façam por impericia e falta de conhecimentos adequados logo baquear ao nascer.

Se os negociantes ouvissem os meus rogos, elles unica­mente podiam impor aos vinhateiros as formulas mais sen­satas de vinificar, e a industria faria em curtos annos con­sideráveis progressos.

O vinho, feito com destino a Londres, não pôde mere­cer a acceitação dd almocreve indígena, e o lavrador agora conta principalmente com o consumo d'este antigo freguez, que lhe vae buscar a casa o genero que elle fabrica; en­tanto que o vinho aperfeiçoado não terá ao principio prom-pta venda no paiz, e carece de ir em busca de um consu­midor que móra longe.

Qualquer empreza que haja de fundar-se tem de atten-der a estas circnmstancias; primeiro que tudo devo esco­lher mercado, mas precisa egualmente tornar-se o mais es­crupulosa possível, na pureza e egualdade do genero.

Enganar o consumidor não é pratica que dè boa prova da intellígencia do negociante, e tem desastrosos effeitos nos mercados estrangeiros. A todo o commercio deve pre­sidir a mais completa inteireza de caracter e perfeita boa fô. Sem estes requisitos, não se abrem os mercados aos nossos productos, fecham-se. E ficam depois fechados por muito tempo, não só aos falsificadores, senão também aos ho-

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mens bem intencionados, que vierein emprehender trans­acções.

Encaremos outra questão. O preço dos vinhos é assum­pto interessante, que desejo tratar francamente diante do respeitável auditorio que me escuta.

No catalogo inglez, que se distribuia em Londres, baseado nas informações que me deram de Portugal, as amostras dos vinhos do Algarve estavam cotadas entre um shilling e dois shillings e cinco soldos o gallão. Estes preços eram, com insignificante discordancia, os mesmos que depois ap-pareceram nas listas apensas á «Breve noticia da viticul­tura portugneza.»

Sendo um gallão egual a quatro litros e meio, com des­prezo .de uma fracção insignificante, e podendo por tanto dar seis garrafas, saia cada garrafa do vinho mais barato por 30 réis, e a do vinho mais caro por 90 réis aproxima­damente, na adega do lavrador.

Ao verem-se estes preços, esqueciam-se muitas imper­feições do fabrico e até a força alcoólica que obrigava o vinho a pagar 5G3 réis de direitos por gallão. Todos abriam os olhos com avidez, e se pronunciavam pelas encommendas.

Escuso repetir, que poucas foram,satisfeitas, mas preciso ponderar que estes preços não deveriam figurar no cata­logo, porque se tornava impossível ao vendedor o sujei-tar-se a elles, pouco depois de novembro. Existem com ef-íeito ao abrir das vendas, mas teem ephemera duração.

O preço que se estabelece á porta do lavrador c transi­torio e apenas o almocreve sabe utilisar-se d'ellc, porém esse mesmo não ignora, quando se aparta da adega, que, para a viagem seguinte, pode o vinho estar mais caro.

Foi o que succedeu. Quando se fizeram as encommen­das, responderam-me os almocreves:

«Nous avons changé tout cela.» A historia dos nossos vinhos entre o lavrador e o com­

prador, reduz-se a quatro palavras: Pelo S. Martinho, quando se abrem os toneis, o lavrador

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precisado de dinheiro e sem confiança na sua obra, vende aos primeiros fregaezes por todo o preço, e este foi o que escolhemos para o catalogo. Se lhe fica vinho na adega, por falta de comprador, e se tem a fortuna de se conservar em bom estado, muda o lavrador de estrategia, e segura-se no preço. Quando chega a proximidade da colheita seguinte, o vinho está todo vendido.

Eu posso dar testemunho de me ter succedidOj em va­rias comarcas vinhateiras do reino, não encontrar vinho do anno anterior á venda, quando se anda procedendo á vin­dima. E o que fica na mão dos negociantes, triplica muitas vezes de preço á medida que o anno caminha.

Vou provar o que disse—porque desejando servir em Londres os encommendistas, e não devendo depois de ju­lho, garantir com a minha palavra os preços primitivos, pedi para Lisboa official men te, uma nota do custo de uma pipa de vinho de 500 litros, posta em Londres.

Com estes dados tinha também em vista satisfazer ás re­quisições da sociedade cooperativa ingleza.

São os seguintes:

Custo do vinho na adega do productor 30$000 Transporte para Lisboa . . . 4$500 Casco í)#000 Preparos e temperos 9#000 Commissão e armazenagem 4$500 Embarque, seguro e frete para Londres 7#500 Agencia do feitor em* Lisboa 40$000

74í)f500

Mas è curiosa a comparação do primeiro preço do vinho do Algarve a 22o réis o gallão (1 sh.), com o preço por­que elle fica por- esta conta, C70 réis, números redondos.

Ainda é iníeressaníe a comparação d'este novo preço com o do-vinho mais caro, que se dizia custar 540 réis o gal­lão (2sh .'5d).

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A curiosidade, porém, eleva-so ao mais alto grau, quando nós avaliando as diíferentes parcellas d'esta conta, notamos que o vinho importa em 30#000 rs., e o resto em 44$500 rs., quasi 10 libras: que o feitor exige de agencia em Lis­boa nm terço do valor do vinho, e que este absorve em preparos e temperos nove mil réis de despeza.

Preparos e temperos? O vinho não estava já preparado e temperado quando saiu da adega do lavrador?

Não:—não estava, segundo o nosso modo de pensar— Faltava-llie ainda a aguardente e o abafado, que devem amordaçal-o. Custa mais a canella que o arroz doce.

Portugal tem um mercado e uma producção restricta. Es­tas confeições destroem uma parte do vinho que podia be-ber-se, e augmentar immediatamente, com proveito de to­dos, a producção, independente do desenvolvimento da cul­tura; ao passo que nos arriscam, mais tarde ou mais cedo, a uma crise no Brasil, onde já hoje se está vendendo a caixa de vinho de Collares por dez mil réis, e uma de vi­nho do Porto por nove mil réis, apesar de se affirmar que o vinho fraco não è ali bem reputado.

É tão restricta, tão frouxa, tão acanhada a producção e o mercado, que basta a mais pequena osciliação na marcha das transações, para trazer logo comsigo um desequilibrio funesto.

Uma colheita insufficiente faz gemer os pobres. Uma co­lheita abundante enche de tristeza não poucas vezes o pro­ductor, e o pobre não dá pela abundancia!

0 mais pequeno movimento acarreta o desequilibrio. Basta que chegue ao Tejo uma esquadra ingleza para que fiquem os ovos e as gallinhas pela hora da morte. Que assim é que se costuma expressar a gente do povo, em sua lin­guagem frisante.

O mesmo succede com o vinho. Alguns negociantes es­trangeiros, que venham fazer compras; tres mezes de con­sumo que se passem sobre uma colheita, elevam o preço, como se viu, de 39 réis a 112 réis a garrafa, captivo de direitos em Londres.

:- O vinho por tanto não é íao barato como se ha asseve­rado em toda a parte. Custa pouco ao principio, porque não conta com mercado certo, mas logo que apparcco algum comprador, o preço augmenta consideravelmente, e mais augmentará ainda quando o comprador /br seguro.

A Hespanha, se os seus catálogos não são mentirosos, pode pôr em qualquer porto do Mediterrâneo ou tia costa cantábrica uma pipa de vinho ordinario com casco por qua­tro libras!!1

As nossas cepas teem um amanho dispendioso, um grau-geio caro. Tudo se faz nas vinhas a trabalho braçal, que, em muitas d'ellas, podia ser substituido pelos instrumen­tos de lavoura;—oppondo-se mais á introducção da char-raa, a desordem da plantação que os accidentes do terreno. : A aguardente, que se julga indispensável para conservar o vinho., e que é o cancro da nossa actual viticultura, é ca-Tissima. E sobre ser cara, raríssimas vezes deixa de ser infecta,—abominável (

Voltemos a nossa attenção para os actuaes vinhos do Al­garve, grupados em typos.

Já vos disse, n'este particular, a minha opinião. Ha mais nomes que typos; mas, suppondo quo me engano, façam-me por agora a vontade de augmentar o vinho e diminuir os -typos,

$ 0 Algarve temos Moncarapacho, Fuzela, Kclfcs e Olhão. Acrescentemos ainda: Villa Nova de Portimão e Lagoa.

Os typos feitos em easa, não são typos unicamente para nós. Imitam e sobresaem a todos os typos do universo.

Teem sido estabelecidos de uma maneira extravagante; pe3a prova, desacompanhada dos elementos que lhe dão au-ctoridade; outras vezes pela analyse.

Apparece um humilde lavrador com um vinho de sua •adega, e cae nas mãos dos ¡Iluminados, que mastigam os

1 Vid. Catalogo official dos vinhos hespanhoes expostos ciii Londres, no anno de Í874.

IOÍ

.vinhos na boca e os saturam de saliva para apreciarem o gosto. Depois da consulta, volta muito contente pára casa, porque lhe disseram com a maior naturalidade possível: «Tem você Chabíis ou Sautcrne, se quizer educal-o.»

O homem conta o caso ao seu freguez almocreve, que lhe tira as illusões com a seguinte resposta: «O que-você tem é vinagre, que d'esses nomes não percebo.».

O gosto—é insudiciente para estas aproximações, e que o não fosse, não ha conveniencia, nem necessidade de fa­ze 1-as.

Vejamos o que dizem os textos. E seja consultado o l i ­vro de hi Fmne de Mgneaux; que sempre o será com pro­veito.

N'um artigo sobre os vinhos de Bordéus, referindo-se á imperfeição dos nossos sentidos, escreve o seguinte Ali-bert.

«Rien n'est plus pauvre que le goút pour traduire ou pour raisonner mème ses propres impressions. Le goüt n'a pas dc mémoirc ct Todorat en est aussi dépourvu que lui. Quand le goút a porté son jugement il a pour le traduire un langage de convention, qui n'est intelligible que sur les lieux. II dit que le vin a de la sève, qu'il est onctueux, qu'il est dur, qu'il est moelleux, qu'il est sec, qu'il est velouté. Sous ce vocabulaire si riche en apparence, le goüt cache une réeile indigence1.»

Com este vocabulario tão pobre se faz a pintura doá ty­pos.

0 gosto e o olfato que não teem memoriai como diz bem Alibert, afíirmam, sem os typos de comparação estarem pre­sentes, que o Collares è Médoc, que Buceilas è Sauteme, que a Bairrada é Borgonha. Ou o gosto na peninsula ad­quiriu memoria ou na peninsula lia muita falta de gosto.

Consideremos as analyses, tentando chimicamente fazer a classificação dos vinhos, mas lembremos sempre aos que possam estar esquecidos da verdade, que é erro acreditar

1 L. de la Fernte, tomo n, pag. 414.

m que o vinho se nobilita, quando chega a aproximar-se de um typo já conhecido; pelo contrario, a originalidade é que faz o vinho, como faz o escriptor.

Supponho que me dão dois vinhos para analysar, e como chimico os submetto no meu laboratorio ao escalpelo dos reagentes.

Determino o assucar, o álcool, a glycerina; os ácidos e os saes, o tannino, a materia* extractiva, etc. etc., separa­damente em cada um d'elles; e encontro a mesma ou quasi idêntica força alcoólica, saccharina, tanninosa, acida e sa­lina, em ambos os vinhos. — Concluo: são dois vinhos eguaes.1—N'este momento volto-me para o criado do la-^ boratorio, e dou-lhe os vinhos que sobejaram do ensaio. Eíle prova-os; um parece saber-lhe bem, mas, quando vae a beber o outro, fecha os olhos.—Pergunto-lhe a razão do.; gesto.—Besponde-me singellamente: «O primeiro não & mau-, mas do segundo não gosto nada.»

Extranha conclusão 1 A minha analyse dera-m'os eguaes; a boca ,do meu criado fal-os inteiramente differentes.

E o mais curioso é, que o meu criado não se engana. Acima do facto material da identidade de composição,

suppondo que possa existir, ha leis desconhecidas, que grupam os corpos e os distribuem, embora elles existam nas mesmas proporções dissolvidos no vinho, por modo to-tajmente diverso.

"Nós sabemos, que em ambos ha tannino, que ha álcool, que hfr ácidos, etc.; mas ignoramos como estes corpos se. combinaram, se fundiram, se gruparam para constituirem o vinho.

D'este fafito curioso se deriva a impressão diversa de pa--ladar, que torna distinctas duas coisas que os reagentes: confundem.

Assim mostra a natureza, nas mais pequenas obras, o fecundo poder de que dispõe. * A chimica, posto que lhe não seja dado reproduzir o plie^ nomeno, nem seguil-o no seio das dissoluções, onde os seus trabalhos se perdem, em busca de ephemevos compostos,:

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que irum momento se produzem, e n'outro momento se des­troem, não deixa comtudo de apreciar o facto. Não ignora também, que nos seus archivos se acham os corpos iso­méricos, que sendo diferentes pelafórma crystailina.pela cor e solubilidade, dotados de propriedades physicas intei­ramente distinctas, e distinctos até nas reacções, apresen­tam comtudo os mesmos elementos grupados nas mesmas proporções,—a mesma composição elementar e centesimal.

A identidade de composição chimica pode estahelecer-se nos vinhos, sem que pelas qualidades elles fiquem sendo idênticos, porque também o diamante é carvão e ninguém os confunde.

Na estrada infinita das aspirações, deixamonos arreba­tar pelos devaneios da mais caprichosa phantasia.

Tndo temos, tudo imitamos e possuímos. Quem quizer fabricar vinho, ha de pedir-nos licença. E como a verdade se nos aííigura uma nódoa, desgraçado d'aquelle que se atrever a negal-o.

Não quero dizer com isto, que não haja no Algarve mui­tos recursos para de futuro se especi alisarem as lavras, e chegarmos a admittir varios typos de vinho. Este facto ha de dar-se, não sómente n'esta região, mas em muitas ou­tras do reino que conheço de perto. No entanto, agora, em quanto se não pozerem em pratica alguns dos meios que indiquei, e se procurar o apuramento dos processos de fa­brico, julgo mais acertado exportar os vinhos d'esta pro­vincia, unicamente com o nome modesto de vinhos do Al­garve. Depois, e á medida que o productor tiver o orgulho do vinho que fabricar, chegaremos com mais acerto a uma classificação rigorosa, que constitue, em toda aparte, a su­prema gloria do vinhateiro.

Levados a esse ponto, convirá não só especiaUsar o typo, mas ir até a divisão minuciosa por quintas e torrões, de modo que a firma do productor, posta sobre a garrafa; attraia paia o vinho a mesma attenção, que o nome de um engenho abalisado pôde attrair sobre o livro, cuja pri­meira pagina for firmada por elle.

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Comece-iSíã pela regeneração do' fabrico. Os processos apèrféiçoados farão conhecer os typos verdadeiros. Os mer-cados .darão nome aos que o merecerem.

Çusía-me a eonfessal-o, mas não vol-o devo encobrir, que não é o paladar patriótico nem a scieocia dos cbimicos, que .criam a reputação aos vinhos. Quem faz a fama do vi-ííhp é o consamidor, c a este ninguém pergunta se conhece os naa^nteg, ou se passou a vida na adega, contemplando os toneis,

Não abusemos de nomes, que, pela impropriedade, po­dem degenerar .em alcunhas ridiculas. Não chamem oiro ao latão, porque ambos apresentam a mesma cór, como se ha feito ás vezes, na imprudente creação dos typos de plian-tasia.

Quanto ás difficuldades de alcançar vinho puro, o ás con-iâiçSes em que elle ;nos apparece, creio que nãp é neces-sarâo ir muito longe para se avaliarem.

Mesmo em Lisboa, talvez não seja possível neste mo­mento obtel-o. Avançarei mais,, que isso será extremamente dmcil. .

Appar^fifi pessoa que nos deseja obsequiar, e que, em pe­nhor de .eirtiga .aimsade, nos manda a casa um barril de tm- pinga. {Jagafmfa-s.e em familia, como se fòra um acon-tepimento, s guard^e para um dia de anuos, em qae haja per-íí @ iampreia 4e ovos,

Ghegad© jesae dia, destapa-se a primeira garrafa, en-. cheaírSÊ os. copos dos convivas, com a alegria estampada em lodos os rostos. Er-guerse uma voz que brinda o am-f è k ^ ã o ; =mas, quando ,o mnho está jquasi a chegar aos bei­ços, os bmços dos convidados ficam involuntariamente sus­pensos no ar.

Succede um curto intervallo de silencio, uma pausa. Os mais nervosos fazem uma careta. 0 dono da casa lor-

miTse foráneo como a .cal ,da parede. Corre um suave muiv mufio m sala. Todas as bocas repetem ao mesmo tempo: «o v^aho está azedo> >

Dominada a situação, muda-se de garrafa, e assim se

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vac mudando successivamente até a ultima, encontrando-se todas no mesmo estado.

Principiam então os commcntarios. Um dos convivas ac-cusa o engarrafador. A familia torco-sc toda, porque fora ella propria que engarrafara o vinho. Outro conviva, com pretenções a bem fallante, e mais ao facto das industrias nacionaes, queixa-se da rolha, lamentando, que vendamos a melhor cortiça aos inglczes, e lhes compremos depois as peores rolhas que elles fazem.

Levanta-so da mesa um terceiro conviva para examinar a garrafa á janella, não podendo levar á paciencia, que não haja sequer uma ollicina que as saiba fabricar com perfei­ção. O doutor, medico dos meninos, que também está pre­sente, falia como homem de sciencia, acerca das colhei-las e da influencia do clima sobre o vinho. Está no seu lo­gar, porque se trata de um doente. Termina, finalmente, o discurso, aceusando o sol que nos queima as cearas, e cho­rando a falta de chuvas que o contrariem nos seus effeitos.

Riem-se todos a bom rir, menos o dono da casa, que os acompanha com um sorriso amarello.

Concluida a festa, manda a senhora o vinho para a vina­greira; mas, oh! caso inaudilo! o vinho estraga o vinagro, porque nunca chega a azedar bastante para dar com elle ca­samento feliz.

Algumas semanas depois, apparece na mesa a salada, temperada com vinagre doce.

Vinho azedo e vinagre doce! Triste pintura da vinifica­ção!

4- • .'X

3.a CONFERENCIA^

l E l V I 1 8 X > E G O S T O r > E I S ^ S

No saliio nobre do thealro de I). Maria U

Convite ao publico para urna jornada.— Visita $ provincia do Alemltijo.— De que ¿poca dala o confiecimento e bom nome dos vinhos d'esla região.— O oídium inaía um proloquio.—Alguns dados estalislicos ácei-catla producção vinícola do Almilejo.—Caracteres e força alcoólica dos seus vinlios, expos­tos em «Aibert-llall.»— Mais uma vez entra em scena a aguardeniacSo.— Os vinhos do Cuba, em especial, e a aguardente.

Principaes sub-regiões vinícolas do Alemtejo.— Esboço geológico dos terrenos. ' — Duas palavras áccrca do grangeio das vinhas d'es ta província.— Vinifica-

CÍlo.—Typo romano, processo das talhas.— U que è a talha, como sepèsya, <? como se enclie do vinho.—Tampas de pau e de azeite.—Um pulo ao Cáucaso.— Vinho uom oleo de iiaphla.— Processo de feiloria e de meia fei­toria .

Meios de operar a transturmacão do fabrico.— Educação do pessoal indispen­sável para que cila se realise.— 0 maniucz tie Pombal c os eslrangeiros.— Beneficios de uma grande associação destinada a desenvolver a culíura da vinha, e a regenerar o fabrico do vinho no Alemtejo.—Pensamento dos incrédulos e dos indiffercnles a este respeito.— Para maior simplicidade con-vidamoi os inglezes.— Kígura-se a hypothese dos ingiezes acceitarem o con­vite, e nós licamos a olhar no signal.—Exemplos em duas phrascs._

Meus senhores!—Faz um calor tropical em Lisboa, e preciso que me acompanheis a uma região do'paiz, cujo clima è mais quente, sem duvida, que o (Testa cidade.

Sob o influxo do temperatura tão elevada, torna-se bas­tante incoramodo e desagradável emprehender jornadas. Porém, eu não vejo remedio que nos dispense do sacri­ficio.

Temos que apromplar a mala, e atravessar o rio para visitarmos o Alemtejo. Offercço-vos o caminho de ferro, que nos conduzirá aos pontos principaes da provincia; na falta d'elle ou de estradas ordinarias, que nos encaminhem á porta da adega e ao solar das videiras, iremos na car­reta dos recoveiros. É triste levar-vos a viajar n'um vehi-

CONF. P. 1, 8

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culo, que põe o corpo em sobresalto a cada instante, dei-xando-o em movimento perpetuo,, como a pella de borra­cha nas mãos de algum malabar! Mas já vol-o disse e re­pito ainda, que remedio! Nós somos pacientes e estamos habituados a coisas peores. Vimos a geração, que, para ir ao Porto, deixava em casa o testamento á familia.

Inspiremo-nos de resolução c firmeza. Façamo-nos for­tes, que assim é mister, e a caminho para o Alemtejo. So­bretudo o que nos ha de aííligir mais é a solidão.

O vinho do Alemtejo, não ha muitos annos que era in­teiramente desconhecido no mercado de Lisboa, e, ainda hoje o seria talvez, sem a doença das vinhas.

É, pois, uma zona vinhateira, cujo descobrimento se deve principalmente ao oidium.

Outr'ora, o Alemtejo fora considerado como terra de mau pão e de péssimo vinho; e ninguém, a não ser um ftagello, teria sufíicienle poder, para demonstrar a infelicidade do velho proloquio, que arvorado em sentença, imperava so­bre todos os ânimos.

Com effeito, ha vinte e tantos annos o oidium atacou vi­gorosamente os vinhedos do nosso paiz, poupando os do Alemtejo; e esta circumstancia deu logar a que os seus vi­nhos começassem a aííluir aos mercados. Em tão boa hora vieram, que, pouco tempo depois, já não era possível ne-gar-lhes as qualidades, com que a natureza os dotára.

A sua fama foi-se dilatando cada vez mais, e o Aíemtejo promette agora tornar-se uma das provincias vinhateiras mais florescentes do reino, porque lhe não falta terreno apto para a producção, se Ih'o quizerem aproveitar.

Lavra, actualmente, segundo as estatísticas oiSciaes, 325 mil hectolitros de vinho. E n'uma área de 2.441:097 hectares, a sua população é apenas de 336:470 habitan- -tes. Um habitante para sete hectares t É quasi o deserto. A terra do M vem um/

Fabrica vinhos palhetes em maior escala que as outra_s províncias, e o vinho branco também ali se encontra em maior quantidade.

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Os vinhos d'esta provincia figuraram dignamente, em Londres, ao lado dos do Algarve, e foram bem conceitua­dos pelos provadores inglezes, porque são suaves e aroma-iicos; qualidade que muito os recommendou como vinhos de consumo directo.

Houve, em «Alberl-Hall», quarenta e quatro expositores, que apresentaram sessenta e quatro amostras: quarenta c uma de vinho tinto e vinte e tres de vinho branco. O jury dos provadores, em Lisboa, classificou, com a nota de bom., apenas vinte e cinco amostras, mandando vinte e tres para a classe de vinho soíírivel, e dezeseis para a do vinho man. Ficaram os ordinarios em maioria. Veremos depois que este facto não constitue uma excepção odiosa para o Alemtejo.

Os doseamentos do álcool deram cincoenta vinhos acima da escala, e quatorze abaixo d'ella; sendo a força alcoólica maxima, egual a 25,2° de Gay-Lussac ou 44,1° de espirito de prova, e a minima 41, 9o do alcoometro centesimal ou 20,82o de Sikes.

A percentagem de 2o graus ultrapassa os limites do se­gundo grau da escala alcoólica; ò superior á maior parte dos vinhos do Douro, e não se pode negar que havia sido obtida pelo abuso de uma louca aguardentação.

'A força saccharina das uvas do Alemtejo oscilla, nas de primeira classe, entre 22 e 25 por 100, e nas de segunda, entre 18 e 201; correspondendo ao maior grau de 25 por cento de assucar, 12,12 de álcool em peso ou 14,98° em volume, que dá 26,21° Sikes.

Vê-se, por estes dados, que as uvas do Alemtejo são me­nos saccharinas que as do Algarve; e que, apezar de ha­ver mandado a Londres 50 amostras acima de 26 graus, está em eircumstancias mais favoráveis que esta provín­cia, de produzir vinhos fracos.

Segundo os escriptos do sr. Lapa, que estudou as regiões vinícolas do Alemtejo, por ordem do governo, em 1867, a percentagem do assucar pode mesmo descer a 18 por cento,

1 Techvologia Rural, pag. 97. Breve noticia, pag. 26.

110

não andancio muito longe de 20 a média dos doseamentos obtida por este professor.

k riqueza saccharina média, corresponde uma força a l ­coólica que é bastante inferior a 26 de Sikes, á masifirta outra que excede esie ultimo grau apenas em alguns deci­mos, como se pôde yer no seguinte quadro.

Assucar

25

20 18

Alconi em peso

12,12 10,67 9,70 8,73

Álcool em volume graus do Gay-Lussac

14,98 13,43 12,22 41,00

Álcool cm volume graus de S i tes

26,21 23,50 21,36 19,25

A riqueza alcoólica determinada directamente, afasta-se, com tudo, em algumas amostras, da que se deduz da" ana­lyse dos mostos, e não está de accordo com ella; toda­via já não succede o mesmo n'outras amostras cuja força alcoólica descia a 11,9 de Gay-Lussac ou 20,82 do h y -drometro. N'este ultimo caso, havia ainda uma folga de quasi sois graus de Sikes para aguardentação, sem que o vinho ficasse excluído de pagar o direito mínimo de 18,1 por galíão.

É curioso, extremamente curioso, que este facto esteja inteiramente em harmonia com o que escreveu o sr. Lapa, ha bastantes annos, sobre a força alcoólica gemiina dos v i ­nhos do Alem tejo.

Diz este professor, que o álcool natural do vinho da Cuba, um dos centros mais extensos e reputados da zona vinhateira de que estamos fallando, é 11.17 por cento; grau, que coincide muito proximamente, com a força a l ­coólica dos vinhos mais fracos, que foram á exposição,

«Na região sul do Alemtejo, aguardentam-se bastante­mente os vinhos. O usual é deitar na primeira trasfega 18 canadas de aguardente de 30 Cartier por 50 almudes de vinho, o qiie faz nove canadas por pipa de 25 almudes

H i

ou 7 canadas de álcool absoluto por Irczentas canadas de vinho, ou 2,3 por 100. Isto é, dcita-se da primeira vez ao vinho t\imi a (]iiiiita parle do sen álcool natural, pois que os mostos da Cuba dando 24% de assucar devem ter de álcool genuino 11,7, o que fax em trezentas canadas 35 de álcool absoluto. Mas, conm os vinhos da Cuba icem gc-ralmenle entre 10 e 17 % de álcool, P a primeira aguar-deníarão llies põe 2,7 que com os 11,7 de álcool natural faz 14,'i, segiHí-sc que o restante ]iara ití e 17 ou -I.G e 2,0 lhes sãn addicionados nos refresros ou novas aguar-doníações que dlio aos vinlios ulteriormente. 0 que quer dizer mais simplesmente, que na Cuba c terras próximas, chega-sc a deilar aos vinhos quasi 5,5 por 100 de álcool absoluto, nu a nieladc do seu álcool genuino, sendo melado daquella Intn na primeira aguardenlação e a outra metade nos refrescos'.»

Hcfrescns, diz o sr. Lapa, aproveitando o termo vulgar das aldeias, liu pei;n licença para dizer escaldões.

Aqui se vè rlaranirnte para que servem os relatórios. Estas palavras foram escripias ha oito anuos. Ninguém as leu, ou se as leram, não se fez caso de tão proveitosa lei­tura. Mas, sem que se possa saber o motivo, todos repetem pelo confrario, que ninguém aguárdenla os vinhos, e quo o álcool procede na lolalidade das uvas. Todos os vinhos es­tão acima da escala, embora os factos, que lenho citado, c outros dc que farei menção, nos conduzam a uma conclu­são dilíeronte.

0 AleuUejo pôde e deve fazer vinhos fracos, nos limites mnila acceitaveis de 11 a 13 por 100 de álcool absoluto. Está nas circumstancias de o alcançar, sem grandes esfor­ços nem necessidade de locar nos mostos. As uvas d'esta zona vinhateira, pelo que as analyses nos revelam, pres-tam-sc admiravelmente à producção do novo typo de \ i -nhOj que é esperado com anciedade pelos bebedores de boa nota.

1 Memorias sobre os processos de vinificação, pag. 3i.

Senão os produz, é porque não quer ou porque nao sabe. . O men poder é fraco contra os que não querem; mas a

minha influencia pócle ser proveitosa, a favor dos que não sabem.

Saiba-se ao menos tudo; mesmo contra vontade dos que não querem, quando não chegue a tirar-se outro proveito (Testes trabalhos.

Divide-se o Alemtejo em (res districtos, Portalegre, Évora e Beja. Sob o ponto de vista (Enológico, adoptaremos a mesma divisão, considerando, n'esta provincia, tres sub-regiões, correspondentes aos districtos, que podem ficar conhecidos, segundo a ordem em que os enumerámos, pelos nomes de Alto, Medio e Baixo Alemtejo.

O solo da provincia, geologicamente considerado, apre­senta bastantes variantes, que importa considerar, e qué exercem sobre a vinha notável influencia. Nós, porém, l i -mitar-nos-hemos, n'este estudo, aos caracteres mais impor­tantes sem descer a pormenores.

Ha differenças sensíveis não só na constituição geológica, senão também no relevo dos terrenos das tres subdivisões acima admittidas.

O alto Alemtejo é o mais accidentado de todos, e forma perfeito contraste com o Baixo Alemtejo, que é, por assim dizer, uma extensa planicie.

' Em geral, predominam os granitos e os schistos Silurian nos-na parte montanhosa da provincia, como se observa nps concelhos de Castello de Vide e de Portalegre, etc. Na sub-região do Medio Alemtejo, o calcáreo e a syenite tra­zem aos terrenos varios principios úteis, que contribuem para a melhor qualidade do vinho; sendo no Baixo Alem­tejo, "que as rochas feldspathicas e uma maior abundancia de calcáreo imprimem ao solo schistoso e granítico todas as propriedades, que concorrem com maior efficacia para o desenvolvimento dos vinhedos,

A primeira sub-região, cujo principal centro vinícola é Elvas, produz ós tànbosimais inferiores, com quanto, de ai-

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guris pontos {Testa zona, como adiante veremos, eu conheça muitos producios dislinclos.

Évora e Redondo, que são, no Medio Aletntejo, os cen­tros mais productivos, possuem melhores vinhos que a an­terior sub-região."

Cuba, Vidigueira e Beja, etc. que constituem o grande ceníro vinícola do Baixo Alemíejo, não só se gabam d'uma' maior producção, em harmonia com a natureza do solo, mas egualmente apresentam os vinhos mais finos de toda a provincia.

Ao contrario do que notámos no Algarve, a propriedade iião é muito dividida, sendo pouco frequente a pequena cultura.

O tratamento da vinha offerece algumas particularidades, que se não observam nas outras comarcas do reino.

Figura o numero tres, repetidas vezes, na viticultura do Alemtejo

A poda snecessiva é feita em tres operações. Conhecem-se-Ires empas. Executam-se ires cavas, e são principalmente cultivadas trinta castas de vidonhos.

Além da poda successiva, ha ainda outra, chamada re­donda, que se faz em uma única vez.

A primeira operação da poda successiva tem o nome de dar ao -podão; o seu íim è cortar as raízes superficiaes e os ladrões que apparecem nas videiras. A época d'esta ope­ração cae trinta dias depois da vindima.

A segunda operação denomina-se espoldrar a cepa; ali­via a videira das varas inúteis, escolhendo-se para varas de fructo, no anno seguinte, as que tiverem olhos rasteiros ou de fuzis curtos. Veriíica-se no mez de dezembro.

A terceira, que se appellida acertar a poda, é destinada a deixar as varas do tamanho conveniente. Cada cepa fica de ordinario com quatro varas; duas de cada lado, uma cortada a dois olhos, è a espera ou pollegar; a- oütra de seis a oito olhos representa a vara do írueto.

A erguida ou empa faz-se por tres modos d if ler entes. Chama-se empa a tres, quando as duas varas de cada cepa

se puxam e se atam ao alto sobre tres tutores ensarilha­dos. A empa diz-se tie caminho, se as varas são erguidas apenas sobre dois tutores. A erguida toma o nome de al­geroz, quando ha um só tutor; ficando unidos nos topes su­periores, á maneira de pyramide, os tutores de cada grupo de quatro cepas1.

Quanto ás cavas fazem geralmente tres. Encaldeiram as cepas em novembro; calçam-n'as em março, ao que cha­mam cava de montíjo, e nrfazam a terra em abril.

Vindimam a 20 ou 21 de setembro. Todos estes trabalhos, desde a plantação até os ama-

nbos, são obtidos a braço com bastante dilíiculdade e des-peza.

A charrua e o arado olham ainda de longe, principal­mente no Baixo Alemtejo, para as vinhas, como que na-morando-as, ã semelhança do pobre faminto, que passa pela vidraça do pasteleiro, sem que lhe consintam locar nas igua­rias que ella encerra. Não ha braços, e as machinas não teem trabalho!

Os nomes das castas de uvas mais communs são por or­dem alpbabetica, os seguintes: alicante, arintho, alva, arago-neza, agudenho, boal, bago grosso, castellao, casteíloa, dedo de dama, diagalves, formosa, Fornam Pires, fragusão, mal­vasia, moscatel, manlíieúdo, negra molle, olho de lebre, perrum, roupeiro, sem bagulho, lamarez, terrantez, tinta albaneza, gallega, franceza, caída o do padre Antonio, trin-cadeira.

Os vinhos são fabricados com muitas castas, não sé po­dendo avaliar a importancia dc nenhuma d'ellas, com suf-ficiente exacção. E n'este particular seguem-se as praticas de todo o reino; poucos se preoceupam de propagar as melhores uvas.

Lastimoso erro, porque d'este modo, nunca chegaremos a especialisar os typos. Além dos exemplos citados nas pre­cedentes conferencias, dois temos nós, no paiz, que são

' Tedindogia Baroi, pag .559.

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de Ioda a evidencia; Vejam se alguém confunde com ou­tros vinhos portuguezes, o vinho de Bucellas e o vinho de Collares?

Ao arintho deve o primeiro, e ao ramisco o segundo a sua originalidade.

A vindima, como succede por toda a parte, não é diri­gida com esmero. Executa-se sem methodo nem ordem, tendo por fim principal deixar as videiras sem cachos.

A vinificação apresenta dois typos diversos. Um, seme­lhante ao que está cm uso no resto do paiz, é apenas se­guido por alguns proprietários do Alto e Medio Alemtejo; e outro, que se afasta totalmente das praticas conhecidas, e que é peculiar a esta provincia. Foi herdado dos roma­nos, e ainda hoje se conserva religiosamente, pelo respeito que a rotina tributa a certas antiguidades. Este segundo typo de vinificação chega quasi a dar thema para um conto phanlastico, cortado de episodios cómicos. Tem um sym-bolo, que é a talha, c por este nnme é conhecido. Faz-se e guarda-se o vinho dentro de potes.

Nunca se verificou com tanta verdade o adagio, de que na casa do ferreiro o espeto é sempre de pau.

Em muitas officinas vinarias, níío ha lagares nem pren­sas, e quando estas existem, são as chamadas de cincho.

Serve de lagar o pavimento lageado da casa, em que se guardam as talhas, o qual sendo esconso para o centro, con­duz o molho para uma exeavação, que representa a pia dos íagares. A esta pequena cisterna, chamam os alemtejanos ladrão; além do serviço da vindima, fica de atalaia todo o anuo, á espera que alguma talha rebente das que guarne­cem o pittoresco lagar. Ladrão que não foge, e que resti­tuo sem processo o que rouba.

A uva é ripada nas desengaça(leiras, e o bagulho pisado sobre o lagedo. 0 mosto, que se accumula no ladrão, íe-vanta-se, em canecas, para ser vertido nas talhas de barro pesgadas, que estando meio cheias de molho, recebem o contigente da balsa pisada.

As talhas, que caracterisam o systema romano, apresen-

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tâm-sfr com formas caprichosas; que algumas vezes copiam aináttirm. São: fôrraas imitativas, que dão idéa de voge-taes na maior parte dos casos. • Dtaos o sr. Lapa, que as talhas da Cuba imitam a for­ma de um nabo; as que se fabricam em Serpa, a figura de uma cenoura; as da Vidigueira aproximam-se da figura de Um rabão-; não se confundindo com as de Villalva, que teem a configuração de um pião.

Pabricam-n'as de barro sílicioso, que depois de cozido, se torna muito rijo; mas* como o barro é poroso, sem ser necessário invocar a auctorídade de Plinio, antes de recebe­rem o vinho, é preciso tornal-as impermeáveis, ou pelo me­nos diminuir-lhes bastante a permeabilidade. Conseguem-n'o, barrándolas internamente com um verniz, inducto ou reboco; cómo que uma especie de capote de oleado interior, que lhes rèduza!0 numero dos poros. Coisa que tape o melhor pos­sível- todos? os ;buraquinhos.

É curiosa a maneira de fazer a pésga; A materia primeira empregada no emplastro é o pez loiro.

A talha põe-sè de boca para baixo, sobre quatro pedras as­sentes nò chão, e entre estas se accende uma pequena fo­gueira. Lembra logo o processo de deitar balões pelo ar dilatado. O processo do nosso infeliz Bartholom eu Lourenço que os descobriu, '

Em^quanto atalha fica para;ali a aquecer, dérrete-se n'um tacho ; a quantidade dê pez loiro, que seja süf&cient'e para barral-á; Concluidas as duas operações, chega um homem que indireita- a talha bem aquecida, vertendo-lhe o pez pela boca abai.xò. Km acto continuo, esse homem deita a talha de lado, em um terreno bem calcado e disposto para esse fim, e começa a rolar com ella; emtanto que outro, ar­mado com um pau, que tem na extremidade uma boneca de cortiça, acompanha os movimentos da talha, procurando estender por egual todo o pez que ella enguliu.

A resina a pouco e pouco se vae pegando ao barro, e antes que chegue a solidificar-se, inclinam a vasilha, que despeja o exéêSêo dô pez ainda fluido. Finalmente em quanto

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o pez está, molle, alisam a camada, e aperfeiçoam-n'a, até que se apresente com aspecto de uma capa de poliiirento, estendido por egual.

A falta de madeira para vasilhame, e ò quasi perfeito isolamento d esta provincia do resto do reino, justificaram até certo ponto a existencia das talhas, que continuarão a tisar-se por muitos annos ainda, embora as condições locaes da provincia não expliquem hoje satisfactoriamente a ado­pção d'eslas vasilhas imperfeitas.

A talha do Alemtejo, alérn de ser uma relíquia romana, tinha, e não sei se ainda possue esta virtude, a pretensão de substituir as adegas subterrâneas, tal era a-frescura que se lhe attribuia para conservar o vinho.

Á falta de museus archeologicos, conservamos-ali ao me­nos alguma coisa que mostrar aos estrangeiros, amantes de antigua! lias.

Logo que, pelo calendario, se avisinha o dia da vindima, decreta-se a maturidade das uvas, e começam estas a pe­netrar no templo, em que deve celebrar-se o sacrificio.

Desengaça-se a vindima nas cirandas ou ripadeiras, e como se disse já, entram o môlho e o bagulho para as ta­lhas.

A pisa incompleta feita pelos homens, que pulam sobre as uvas no lagedo do improvisado lagar, deixa ir muitos ba­gos inteiros para as talhas, os quaes se conservam n este estado por bastante tempo, não permittindo que a fermen­tação se estabeleça rápida e desafogada. Felizmente o en-gaço não entra dentro das talhas com o bagulho* porque ao tempo que este ali se demora, deixaria o vinho capaz de curtir pelles, e no caso de servir nos tanques de al­guma fabrica de sola.

Durante o espaço de mez e meio a dois mezes* a balsa é recalcada e infundida no mosto uma ou duas vezes por dia. Esteiras de tabúa ou tampas de madeira resguardam, ñ'este intervallo, as bocas das talhas do contacto do ar; mas, como isto constitue a excepção em vez de ser a re­gra, o oxygenio diverte-se em azedar as balsas, que, sendo

i l l recalcadas a miúdo, trausmittem ao vinho, azedia e po­dridão.

Dá-se a curíimenta por concluida, quando o chapeo ou balsa se precipita no fundo das talhas.

Procede-se então á trasfega para outras vasilhas egualmenle pésgadas; e as balsas, em acto continuo, são distilladas no alambique ordinario. A distillação forçada das balsas exe-cuía-se a fogo nú.

0 lume, na sua indiscreta acção destruidora, queima, es­turra e decompõe as borras, creando fétidos perfumes, que se casam com a aguardente; mas isso não obsta a que ella volte para dentro da íalha, onde está o vinho, em virtude de ama razão suprema, que é ter saído de lã.

Aqui tendes um dos motivos porque a aguardente não es­traga só uma vez os vinhos do centro e sul do Alemtejo; mas, antes parece estragal-os duas vezes seguidas. É a pri­meira, quando se eleva, sem necessidade, a força alcoólica de um vinho, que, bem fabricado, prescindiria da addição de álcool. É a segunda, quando á força desnecessária, jun­tamos o gosto sacrílego da balsa esturrada.

Ao menos uma coisa se nota, que não convirá deixar na sombra. A uniformidade invariável de processo, com que o Algarve e o Alemtejo, parece que ao desafio, deitam a per­der os seus vinhos. A aguardente de figo está em constante rivalidade, n'este proposito, com a aguardente da balsa es­turrada.

Disse já que a trasfega se fazia para outras talhas, e não vale a .pena demorar-me mais com esta operação. Ha, com-tudo, uma usança que ê trasfegar por palhinhas, de que ainda não tratei.

Põe-se na vasilha uma palha de centeio, que a gota e gota deixa sair o vinho, turvo pelo contacto das borras e da balsa suspensa. É onde pôde chegara imaginativa. Que contraste tão perfeito do tonel das DanaidesI

As talhas teem duas especies de tampas, solidas e liqui­das. Pau e azeite. A tampa solida, embora a talha fique cheia até a hoca, não pode vedal-a bem, sem o auxilio de

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estopa com pez. A tampa liquida é elástica, tapa o vinho a qualquer altura a que elle se ache na talha, e augmenta de dimensões á medida que vae descendo, tomando todas as formas. De ordinario tem a espessura de dois centíme­tros. Com um dedo de azeite fica o ar prohibido de bulir no vinho.

É fácil de avaliar, pela succinta descripção que vos faço, que o vinho do Alemlejo fica, pelo fabrico, á prova de to­dos os defeitos. Aos estragos causados pela balsa pútrida, junta-se o sabor do pez e o gosto privativo do nosso azeite vulgar. Dos tres criminosos o mais innocente é o pez* por­que envelhece á custa das propriedades do vinho que es­traga, acabando por se tornar insípido. Com o azeite, po­rém, não succede o mesmo, e não se parecendo ao menos com o azeite Herculano nem com o de Italia, que para a maioria dos nossos paladares teem o defeito de se assimilha-rem ao oleo de amêndoas doces, o vinho herda do compa­nheiro o ranço caracteristico, a que se chama azeitum, o qual estimula fortemente o órgão do gosto, conversa com o estomago muitas horas a fio, e nos tem creado a reputação de sermos o povo de melhor boca que a Europa conhecei

O azeite também serve de tampa a alguns vinhos de Hes-panha, como se faz em Yalhadolid, e se não tem outros méritos, possue ao menos o de nos proporcionar um tem­pero completo para a comida de peixe, quando o vinho azéda.

Peior do que isto se pratica no Cáucaso, onde transpor­tam o vinho em odres, impregnados de oleo de naphta I Vão lá dizer mal d'este vinho aos seus amadores 1 Ellesl que achariam a bebida sem paladar, faltando-lhe o gostinho da naphta í

Em questão de gostos é imprudencia dar leis. Perde-se o tempo sem necessidade.

Eu disse também que deitavam o engaço fóra no Alem-tejo, e tinham horror ao tannino. Mas não é em ioda a pro­vincia, que se declarou guerra a este corpo*.

' Hlemorias sobre os processos (te i>mijicaçãof pag. 39.

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t m Exíremoz, alguns smâo muitos dos vinhateiros, para fortalecerem o vinho, que sae sem travo, usam deitar nas talhas um punhado de pimenta em grão, ou uma dúzia de pimentões t

Quando Deus quer, voltam-se para a malagueta, que é mais arrenegada; ou para a baga de louro, que ainda fem peior genio.

•E é depois de se robustecer o vinho com estes deliciosos condimentos e especiarias, que o provador insigne nos ap-parece dando estalos com a língua, ao saborcal-o, o annun-ciando ao estomago que se prepare para receber o puro sumo;da uva.

Julgava eivem tempos, que a pimenta era receita conhe­cida apenas dos taberneiros de tisboa, que substituem, no vinho baptisado, a força alcoólica, que a agua Hie roubou, pela força da pimenta.

—Que pinga, exclamam os encartados, como nos deixa a língua pegada ao ceo da boca. Tem substancia que se mette pelas goelas abaixo!

De Extremoz demos um puío a Borba. Melhor ainda. Se em Extremoz não ha prensas nem lagares, em Borba até desappareceu a casa da pisa1.

Tres coisas distinctas caracterisam o fabrico n'esla loca­lidade: a talha, a ripadeira e o tamanco.

Na .época das vindimas ioda a povoação vive ensopada em mosto. O pé, que os de Borba condemnam por ser siijo^é substituido pelo sapato pisão, que não deve de ser mai$:.limpo.

Mas onde fazem os vinhos? Parece que o não dissemos. Fabíica-se o vinho m rua, no quarto da cama, dentro de casa, Diz-se muito ao ouvido que, em vinho, só os de Borba fezem milagres; porque, quando querem, e querem-n'o mui­tas vezes, teem artes de o arranjar até atraz de uma porta; como os cegos de feira e dos arraiaes, que improvisam mu­sica em guitarras sem cordas.

1 Memoria sobre os processos de vinificação, pag. 44.

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«Com uma ripadeira e uma talha, o de Borba ó capaz de ir ter vinho no cabeço de um monte'.»

E não será difíieil, depois da trasfega, encontrar-se um quarto de carneiro a avinhar na talha, quaes presuntos pen­durados ao fumeiro.

0 segundo typo de vinificação adoptado no Alemtejo, posto que em mui limitado numero de propriedades, c o de feitoria ou meia feitoria á moda do Douro. Faz-se a pisa em lagar de pedra, e o mosto fermentado acaba de orga-nisar-se em vasilhame de madeira. N'este processo quasi nunca adoptam o dcsengace, cTonde resulta, que os vinhos adquirem qualidades oppostas aos que descrevemos. Al­guns lia tão Iravosos e bastões que deixam de boca aberta os taberneiros.

Noutra occasiSo fallaremos d'este processo de feitoria com maior desenvolvimento. Concluo aqui a descripção dos methodos adoptados no Àlemtejo, que é preciso divulgar, para melhor se avaliarem as qualidades do vinho, que re­siste a tantos desacertos dos proprietários, e que se pôde beber ainda assim com agrado.

N'eslas conferencias porei, principalmente, em relevo as-praticas defeituosas. É claro que não ha regra sem exce­pção; e, como esta, tem sido até agora citada pelos: descri­ptores, tomando-se como preceito invariável esconder os defeitos, eu sigo o caminho opposto, com o intuito de ser mais util aos proprietários e aos consumidores. Tiremos a mascara. Ponhamo-nos bem em contado com as nossas in­dustrias, para aperfeiçoar os erros que as estão condem-nando ha mais de um século! Somente os que não confiam na força da intellígencia e do trabalho se podem arreceiar de o fazer.

Os vinhos do baixo Àlemtejo bem fabricados, devem re­presentar, no futuro, um bellissimo typo de vinho de pasto, que através da aguardente ordinaria que os aduba, e dos erros do íahrico, já hoje se pôde antever.

1 Mnmriits mbre oa processos de vinificaçSo, pag. 4í).

m

0 Medio Alemtejo possue ceñiros egualmente importan­tes, que estão no caso de produzir vinhos deliciosos, posto que sejam ainda hoje obtidos sem processo.

No aito Alemtejo, com quanto os vinhos se mostrem mais delgados e menos alcoólicos, distinguem-se comtudo pelo hom sabor e certa frescura. Havia um de Castello de Vide na exposição, que mereceu os elogios de quantas pessoas o viram, e muito se distinguia pelo suave e delicado flavor.

Mas foi um, e nós precisamos muitos; que todos os vinhos sejam bem fabricados.

Os preços dos vinhos do Alemtejo regulam pelos do Al­garve. São eguaes nas duas provincias, segundo a lista da «breve noticia.» Pelo catalogo inglez, o preço mínimo era de 40 réis o litro, e o máximo 100 réis.

Muito baratos na realidade; porém, estes preços ficam sujeitos á .critica, que d'elles fizemos, na antecedente con­ferencia. Sãò para alguns de nós, que podemos de repente e n'nm passeio, acharmo-nos á porta do lavrador.

Para quem vem de fóra, as coisas mudam muito de figura.

É innegavel que os vinhos do Alemtejo foram recebidos com certo applauso em «Albert Hall», sempre que não peccavam pelos defeitos que costumam caracterisal-os.

Dispondo de grande área, applicavei ás vinhas, e sendo comparativamente a mais nova em viticultura e vinificação, esta provincia parece-me destinada ao fabrico de vinhos de pasto, uma vez que esteja disposta a mudar de systema e a seguir os processos que se usam para os obter, nas re­giões mais adiantadas.

O Alemtejo possue muitas castas, que inadvertidamente baralha na vinificação; não estando, n'este particular, mais adiantado que o Algarve. O governo das vinhas deve tor-nar-se menos dispendioso, não havendo razão plausível para que se não adopte a charrua. Precisam, porém, os agricul­tores plantar as cepas bem alinhadas e não 0fia completa desordem, porque só assim se substituem os braços pelas machinas, nos lavores da vinha.

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Estas, mais depressa e melhor do que em outra região, podem ali mostrar os serviços, que, ym toda a parte, es­tão prestando aos vilictiltores estrangeiros.

0 terreno é geralmente pouco accidentado, e ainda que o seja, não ó impossível fazer traballiar a charrua, se a vinha estiver disposta methodicameníe.

Basta que as carreiras das cepas se conservem paralle-las á direcção das colliuas, para que a machina aratoria possa aproximar-se d'ellas, tanto mais que hoje um boi só, uma muar, ou um cavallo se empregam em dirigil-a.

É verdade que são tantos os preconceitos a yencer, que não sabemos bem por qual primeiro devamos de princi­piar.

A. vinha, ouvimos ahi a cada passo, exige ser plantada, a grande profundidade, de modo que as machinas, além de não poderem subir as nossas montanhas, não teem bra­ços- que revolvam a terra, junto às raizes das cepas.

Não me parece que esta asserção se possa arvorar em principio.

Não ha, como demonstrei n'outro logar, necessidade de abrir covas ou manias de um metro de altura e mais, para sepultar os bacellos.

À manta funda comprehende-se em Collares, onde a vara tem de atravessar a camada de areia, que assenta sõfere o solo da vinha, e ainda algumas vezes nos cumes ou lomims dos oiteiros, ou nas encostas de rápido declive, em que as terras correm muito. Mas devemos fugir de praü-cato1, e na maioria dos casos, não só precisamos da char­rua para os lavores ananaes, como para a plantação. E não se aíHijam com a ardência do clima nerh com a secura do soio. O que é preciso é deixar de fazer as vinhas pelo pro­cesso de construcção das antigas casas da baixa. Metade do valor do predio ficava nas paredes e nos alicerces. Muita cal e muita areia, nenhum ar e pouca luz.

Ò trabalho braçal, è certo, não traz prejuizo ás videiras, e na realidade é sempre o melhor, pçrque pôde ser mais minucioso e acertado. Basta que seja o homem a fazel-o.

' GONF. P. I. 9

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Condemno-o, porém, porque é caro, e no Alcmtejo onde os braços faltam absolutamente, ou havemos de perder a esperança do iransformar de i-epente aquellos extensos ter­renos em productivos vinhedos, ou ficamos obrigados desde já a introduzir as machinas, se, tomarmos a peito, n'este sentido, a prosperidade da provincia.

E não pensem que estas machinas sejam diíliceis de mane­jar. Ás charruas do Médoc, o arado romano do sul da França, e n'este ponto escusamos de ir logo à ultima invenção, in­dicada pelos livros, podem ser admittidos com vantagem, tendo a seu favor a experiencia de muitos annos1.

O que não-comprehendo, é que se condemnem as coisas sem as havermos experimentado, ou que as condemnem, depois de uma experiência incompleta e mal feita, dirigida por quem não está no caso de fazer ensaios e muito me­nos de tirar conclusões.

Faltam as sociedades locaes de agricultura para esclare­cerem os ânimos; sociedades reaes, e não imaginarias, que sa'ibam dar as cartas n'estes assumptos.

Os vinhos de pasto, para que eu jidgo muito apropriada a provincia do Alemtejo, necessitam de ser obtidos com um numero de castas pouco considerável, sabendo-se sempre qual é a feição que ao vinho imprime cada uma.

O mosto déve resultar de uvas, cuja força saccharina não exceda de 23 por 100 de assucar, e não é preciso que en­tre na composição d'elle o engaço verde, que communica ao vinho gosto desagradável, além dos corpos facilmente alteráveis, que n'esse estado contém.

A,fermentação deve fazer-se em balseiros, rápida e com­pleta. D'elles serão passados os vinhos para vasilhas de pe­quena capacidade, de 25 almudes o máximo, dispostas em

d O es.'"0 sr. Fernando Palha acaba de introduzir nas suas proprie­dades do Alemtejo a charrua do Médoc. Pelos esclarecimentos que este cavalheiro teve a bondade de prestar-me, sei que ficou muito satisfeito couros primeiros ensaios.

125 iogar fresco, e ([ue não esteja sujeito a variações rápidas de temperaUira.

Trasfegados em novembro, março, maio e agosto pro­ximamente no primeiro anno, se deverão depois passar á adega subterrânea, que lhes assegure duração prolongada, e os deixe fazer nas condições de sc conservarem sem ál­cool, nos annos seguintes.

Devem copiar-se as praticas, e seguir-se os costumes dos vinhateiros do Médoc, cujos processos descreveremos mais tarde. São mestres na especialidade, e não teem muitos rivaes.

As talhas guardem-n'as como recordação dos tempos do-obscurantismo cenologico, para, no futuro, as mostrarem, por curiosidade, ás pessoas que visitem a provincia. Vene-' remol-as como reliquias, mas esqueçamol-as, para termos o direito de nos sorrir, quando visitar-mos os museus da industria africana.

Resta agora saber quem ha de no Alemtejo encarregar-se de tão radical transformação. Não se diz assim a um povo vinícola, parte os imperfeitos instrumentos da tua lavoura sem lhe aconselhar onde deva encontrar os modernos. Tra-ta-se nada mais, nada menos, de uma revolução, e as re­voluções, sem excluir as pacificas, custam muito dinheiro. Precisamos generaos, e já agora digamos tudo, nem se­quer temos soldados.

As difficuidades podem debellar-se como fica dito para o Algarve, por meio de sociedades, mas, a propriedade no Alemtejo está muito menos dividida, e os homens mais iso­lados uns dos outros. As nossas tendencias não nos levam para a convivencia, e deixar A iniciativa dos proprietários ci­eos a transformação que se exije, parece-me problema su­perior ás forças de muitos d'elles. Nunca o resolverão. JE que o resolvam, o progresso assim não se propaga rapi'- ' dameníe. Exige-se, pbr tanto, um poder mais; enérgico, e, como a província; precisa de braços e de cultura, dispondo de uma área. mujio extensa, é, n'este caso, que nós pode-

m fiamos não nos contentar simplesmente com uma associa­ção local-de vinhateiros ou de negociantes.

Devemos querer mais e melhor para o Alemtejo. Não me contento decididamente com uma sociedade restricta, como se imaginou para o Algarve. É preciso levantar a talha em peso, e deixal-a cair de grande altura sobre o chão, para que se quebre de uma vez para sempre. E não se quebra com facilidade um movo!, embora seja de barro, que tem sentados em volta do bojo, iodos os séculos que nos sepa­ram dos romanos.

Carecemos de uma sociedade estranha á provincia, so­bre a qual a talha não possa exercer influencia; que se não deixe enternecer por as suas vantagens; que a desfaça em tijolos para construir as abobadas das adegas subterrâneas; que não consinta mais, que o barro do Atemtejo tenha o privilegio de beber vinho, e o restante barro do paiz so­mente o de beber agua; que estabeleça a mais perfeita egnal-dade entre a talha e o pote.

Uma sociedade poderosa, que se dè á cultura e ao fa­brico do vinho em ponto grande, que no seu programma se não esqueça de fazer também guerra de morte aos mias­mas paludosos. Uma sociedade assim pôde influir ainda mais longe e mais alto, e dedicar-se patrióticamente fe questões graves de interesse social que nos agitam. Uma sociedade, que desvie para ali o pouco sangue que ainda lemos, e nos foge das arterias para o Brasil.

Que reprima, segundo os principios estabelecidos pelas íeis económicas, a emigração, e que possa evitar as sce-nas desagradáveis de que eu fui testemunha ha poucos dias, quando voltava do Porto. Tinha o comboio parado n'nma estação para lá de Coimbra. Assomei á janella da carruagem porque me attraira a attenção uma mulher do povo, que banhada em pranto, se despedia do fHbo, breve a partir para a America. A campainha da estação deu o si­gnal'de partida, pondo~se logo o trem em-movimento, e to­dos- os- passageiros foram sobresaltados pelos gritos de «meu rico filho que nunca mais te torno a ver,» que sobresaíam

127 ao siívo escarnecedor e penetrante da locomotiva. Ficou-me nos ouvidos esta phrase. Havia, n'aquelle doloroso transe, duas mães que choravam juntas, a que dera o ser ao co­lono e a "patria.

Precisamos uma sociedade que leve os emigrantes para o Alemtejo e lhes dè ali pão e trabalho. Que lhes mostre bem, que temos mh Brasil nas cepas, onde todos podem irs sem abandonar o berço natal nem a familia.

Uma empre/a que faça mais que os asylos, em que as creanças são recolhidas; mas, d'onde saem para a socie­dade quasi sempre sem modo de vida nem hábitos de tra­balho; que exerça a beneficencia em proveito da agricul­tura, que pegue nos rapazes pobres, nos fdhos. abandona­dos e nos vadios para os transformar em agricultores, que povoe aquellas extensas charnecas de homens e de ga­dos. O que tudo conseguirá tomando como pretexto a vi­nha.

Demais a mais o Alemtejo é uma região vinícola de recente data, onde está quasi tudo por crear. Não se encontram ali as adegas nem os utensilios vinarios de outras comarcas, que reagem contra os innovadores. Não possue as invetera­das affeições ao fabrico, que. nos dão vinho mau, e se op-põem á venda das uvas, nem a limitação de terrenos, que impossibilitem a creação de novas vinhas.

A propriedade pouco dividida, e nem sempre com meios bastantes para se poder agricultar, receberá de braços abertos o capital e a intelligencia, que forem em seu auxi­lio. A região, naturalmente considerada, dispõe por egual de attributes, que compensam quaesquer sacrificios.

A associação.que haja de fundar-se, deve fabricar vinhos de pasto para Inglaterra e Brasil sem álcool addicionado, e cuja força não exceda de 13 por 100, o máximo. Deve exportal-GS pelo menos com dois anuos de edade. Deve collocar os seus grandes armazéns de deposito na mar­gem esquerda do Tejo, independentemente das adegas parciaes, que precisa instituir nos centros maiores de fa­brico.

128 Pode para o transporte servir-se do caminho de ferro,

que liga os pontos principaos d'esta provincia. Precisa estabelecer ainda, nos diversos centros viníco­

las, agencias, em que o vinhateiro possa levantar dinheiro» para os amanhos do solo, com a faculdade de pagar em uvas os empréstimos (pie lhe fizerem. Podo aproveitai- ao prin­cipio as castas actuaes, e no fim de alguns annos, trans­formar por enxertia as que forem ruins, conforme Ih'o fi­zer conhecer a qualidade do vinho fabricado.

Por este caminho terá uvas ainda antes de ter vinhas suas.

Esta empreza, hem administrada, offerecc horisonte de dilatados lucros.

Lucros certos e positivos. Demanda trabalho, mas não corre riscos. Bem sei, que as minas e os fundos hespa-nhoes dão muito, mais depressa, e muito mais; mas, dão muito a poucos. E nós precisamos que lodos vivam con­tentes e ninguém se arrependa. Queremos a felicidade sem restricções que só nos pódc vir da agricultura.

Affigura-se-mo este negocio tão seguro, como deposi­tar capitães no banco de Inglaterra, Tão lucrativo, como emprestar dinheiro sobre penhores, cm qualquer casa de onzena, seja qual for a sua denominação, melhoi* ou peor disfarçada; só com a differença, que os lucros da minha projectada idéa não podem encher de remorsos os cm-prezarios, nem seriam obtidos á custa das lagrimas, das privações e da fome dos que nol-os viessem proporcio­nar.

Desviemos porém a vista d'este projecto elevado, que nos devia seduzir, considerando as questões mais serias do nosso paiz, e pensemos exclusivamente nos meios, de que desde já poderia hnçar mão qualquer sociedade mais modesta, que deseje tratar de vinhos unicamente pelos lucros que elles dão, sem pensamento qye não seja o fabrico apurado e. racional d'cste producto.

E demoremo-nos alguns instantes em esclarecer o modo, por que carece cuidar cautelosamenf.e da sua farofa.

m Nós não temos unicamente que reformar a mobilia vi­

naria. Temos que transformar os costumes, necessitamos de pessoal amestrado, que esteja á altura dos serviços, que é preciso exigir d'elíc.

O pessoal commum, ordinario, vulgar,—as rodas do ma-chínismo—cujo papel principal é saber obedecer sem dis­cutir, pôde enconlrar-se de repente no paiz; senão na classe dos actuaos lagareiros, que fazem ludo ao contrario do que o amo ordena, pelo menos em qualquer classe do povo cos­tumada ao trabalho. Mas o pessoal mais elevado, o pessoal mandante, o motor, esse tem de ser creado, e deve sel-o isento de todos os vicios e defeitos, de que costuma por desgraça estar eivado.

ISão descontiecerei certameutu que esta é uma das maio­res diííiculdades, que pôde tomar-se insuperável, se não quizermos saltar por cima de estultas considerações.

Francamente, não acredito nem confio para uma empreza desta ordem, no pessoal vinhateiro de que dispomos, e se acha encarregado do serviço de mandar, n'aquelle a que vulgarmente se chama a cabem do trabalho. A elle se deve a existencia do pessoal subalterno que já nem quer obe­decer.

O pessoal vinícola representa os erros accumulados de muitas gerações. Philaucia e arrogancia não lhe faltam, mas não è com semelhantes predicados que se fabrica bom vi­nho. Invocando a pratica para se defender, não teve tradi­ção nem conheceu escola. Nasceu, como a toupeira de olhos rudimentares, e ficou satisfeito por saber, como ella, abrir a toca em que vive escondida. Põe os erros quecommette ás costas da natureza, cujas leis se habituou a desprezar, antes mesmo de as conhecer. Viu, é verdade, nascerem-lhe os cabellos brancos na adega, mas a seu lado envelhece­ram também as vasilhas, e se encheram de bolores, creando cada vez vinhos peores. Em vez de bradar que sabe, en­che a boca com n ser velho; como se a edade represen­tasse o progresso, e fosse prohibido á velhice envelhecer na ignorancia e na preguiça.

i 30 É por lanío indispensável crear pessoal c cducal-o por

modo coiívenienlo. Ha dois meios de chegar a este resultado. O mais prompto o para mim o mais eíTIcaz, é trazer dos

paizes estrangeiros, cujo fabrico de vinhos precisarmos adoplar e cujas praticas quanto antes devamos introduzir, as pessoas habilitadas para os trabalhos principaes. E as­sim'se pratica em toda a parte e em fodas as industrias. Que n'estas coisas não ha patriotismo, ha bom senso. Os melhores patriotas, são os epie dirigem os negocios coin acerto, e procuram extirpar os OITOS mais depressa.

Enchemos a boca com o marquez de Pombal, e não nos cansamos com justiça de repetir, que elle foi um dos por-Itiguezes mais amantes da sua nação. Pois o marquez de Pombal mandou vir estrangeiros para tudo. Prosperaram o ensino é a industria, a escola e a fabrica, com as impor­tações que elle fez. E o assumpto é claro. Quem pretende obter uma coisa, que não pôde executar, procura outrem que Ih'a faça, so não quizer prescindir d'ella. Foi o que elle percebeu. É o que devemos fazer. Não inventamos nada, imitamol-o.

Escripturem feitores idóneos para dirigir a vinificação e educação do vinho, como as fabricas portuguezas vão bus­car á França, á Bélgica e á Grã Bretanha os seus tinturei­ros e mestres.

Quando eu estive em Montpellier, fallei com um proprie­tário que conseguiu crear no sui da França a industria do queijo Gruyere. Julgam que perdeu o (empo com experien­cias?

Mandou vir os operarios da Suissa, porque tinha pressa dos queijos.

Façamos pois outro tanto, porque a industria vinícola se acha, em todo o paiz, com raríssimas excepções, na infan­cia da arte. Diz-se, porém, «os operarios estrangeiros não conhecem as nossas uvas nem os nossos vinhos.»

K certo, não conhecem as uvas em quanto as não virem, e peor lios acontece ainda a nós, que as estamos vendo

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ha laníos annos também sem as conhecéf. Pelos productos que fizerem, hão de sabel-as avaliar ao cabo de algum lempo de trabalho. Km quanto aos vinhos não precisam conhficel-òs, porque são outros inteiramente differentes que necessita­mos preparar.

O que impossibilita ou pelo menos difficulta quasi sem­pre a introducção do pessoal estrangeiro, e impede, que d'elle se tire lodo o proveito, é a inveja e a intriga, que resultam da aproximação de nacionalidades differentes. São as rivalidades que muitas vezes alimentam os próprios que deviam suffocal-as á nascença.

Eu, todavia, supponho, que ninguém, sabendo dirigir os seus negocios, se pode deixar arrastar por tao perniciosos exemplos.

0 segundo meio ó menos expedito, mas pôde aprovei-tar-se, dadas certas circumstancias. Consiste em mandar os nossos compatriotas estudar ao estrangeiro o processo que tiverem aqui de pôr em pratica. Mas tirem-n'os da classe humilde dos trabalhadores, quando hajam previamente dado provas de aptidão e de energia.

A esses devemos proporcionar o estudo da cepa na vi­nha, e do vinho na adega do tratamento.

Este systema foi já indicado ha tempo ao governo, sob um ponto de vista um pouco diverso do que eu aqui o en­caro, pelo meu amigo o barão de Roussado, nosso consul em Bordéus.

Promptificava-se aquelle funccionario a achar coliocação nas vinhas do Médoc, debaixo da vigilancia de pessoas en­tendidas, a meia dúzia de operarios modestos que o go­verno para ali quizesse mandar, a fim de se aperfeiçoarem na viticultura e vinificação.

Podemos seguir este alvitre, mas o que se torna pre­ciso é escolher homens, cujo caracter seja de antemão co­nhecido, para não dar a experiencia resultado negativo,

Succede, que as pessoas que tiveram educação incom­pleta, quando se acham um pouco acima do nivel dos seus eguaes, se tornam de ordinario orgulhosas e exigentes, e

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se,voltam ao paia em que nasceram com os olhos mais abertos, desmandam-se em caprichos.

N3o são todas, mas tem succedido sairem de jaqueta e voltarem de luvas calçadas. E o peior não é o trazerem lu­vas, ê que não querem mais tiral-as das mãos.

Não acontece, como em Inglaterra, onde o industrial millionario desce da carruagem para entrar na fabrica, e veste uma blome egual á dos seus operarios. Aqui tem-se visto, como posso dar testemunho, largarem as oíiicinas os alumnos das escolas industriaes, com medo do conta­cto do carvão das fornalhas.

Outros, também é verdade, depois de haverem ensinado tudo quanto aprenderam no estrangeiro, foram por fim guer­reados com os seus próprios discípulos!

São obstáculos que a gerencia de uma cmpreza deve sa­ber previnir porque se não admítte que desconheça todos estes pormenores. Nem lhe será diílicil combinar os dois methodos, fugindo ao mesmo tempo aos inconvenientes que qualquer d'eíles apresenta.

É assim que pôde ao principio contractar no estrangeiro a parte mais elevada e importante do pessoal, escolhenclo-o com boa critica e prudencia, honesto e bom morigerado; este começará o ensino e servirá do escola. Depois os ope­rarios portuguezes, que no serviço tiverem dado melhores provas.de capacidade, é que se acham no caso de irem com­pletar no estrangeiro a sua educação, para que possam di­rigir, com proveito, os trabalhos futuros.

Por este caminho a iniciativa particular preencherá unia lamentável lacuna, a falta de postos oenologicos, que de­viam ser o viveiro dos nossos operarios.

Constituida a sociedade, preparado o vinho, vencida a lula no paiz, resta ainda a vencer outra luta, por certo mais diílicil que a primeira, e para a maior parte dos que me escutam quasi incomprehensivel.

Não basta fazer bom vinho, é preciso também saber ven­deiro.

O mercado inglez, cujas bases principacs esboçaremos

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n'uma conferencia especial1, está constituido pormodo.muito particular, no entanto qualquer sociedade deve dispor-se a abandonar desde já os hábitos que costumamos seguir.

Conte com a opposição de todos os intermediarios, que são muitos, e já existem estabelecidos n'aquelle paiz, di­rigindo o commercio dos vinhos.

Não se illuda com as facilidades, que eu tenho ouvido a este respeito, na boca de algumas pessoas.

Precisa gastar com largueza, para chegar a obter lucros, c nos primeiros anuos deve inclusivamente ter a coragem de perder. Sim! perder.

Jim quanto se não captiva o consumidor, a perda.è quasi certa; mas, também vos aífianço, adquirida a clientela, o consumidor inglez paga generosamente os sacrifícios de quem souber servil-o bem: e quando chega a época de ga­nhar, os ganhos não teem limite senão na producção, tal é a grandeza d'aquelle mercado.

Se em vez d'isto, porém, vos associardes seja para muito ou seja para pouco, entregando o vosso dinheiro ao labrego das vinhas, n'esse caso, a viticultura não só não dará um passo, mas recuará alguns annos; porque lançaremos en­tre os mais crédulos, a peor de Iodas as desconfianças— que nós não temos vinhos que possam competir com os estrangeiros.

Deixai á rotina e somente a ella—entregar as bellas uvas do nosso solo ao labrego das vinhas; imitando as mulhe­res que não merecem o nome de mães, porque confiam os filhos ás amas, para d'elias beberem o leite corrompido pela desgraça e pela miseria.

Tiremos ao labrego das vinhas o direito de dispor das uvas, como se arrancaram os doentes das mãos do barbeiro, que nem sequer deixamos agora ser sangrador.

Tenham compaixão dos cachos, que mereciam filiar-se em alguma sociedade protectora de vegetaes.

Defendam da mesma maneira as uvas e as avesse se não

1 Coiiícrpiieia xi.

m qufeCém, que estas andem pela rua, ás costas cios gallegos, com a cabeça para baixo, seja egualmente prohibido, que se faça a vinificação ás avessas.

Mas o que falta é fazer proselytos. A opinião da maioria pronuncia-se de outra sorte. Nem

está certa da nossa insufflciencia n'esta materia, nem tem animo, ainda quando a reconheça, para se apresentar em campo aberto, a combater os erros. Poucos teem a cora­gem de suas opiniões.

— Com que então agradaram muito os nossos vinhos em Londres? Diz-me a primeira pessoa que encontro ao desembarcar.

—Ouvi a todos que fomos os primeiros. —A minha opinião, é que o temos sido sempre em tudo,

replica um patriota que nunca saiu de Lisboa.—Também não admira. A Beira esteve muito bem representada, a Ex­tremadura despicou-sè. ¿Onde se viu um vinho como o de Torres, que é ainda melhor bebido pela borracha?—As outras provincias se não conseguiram deitar-lhe a barra adiante, fizeram para isso toda a força de véla. Serve ao menos para que se não diga quo isto aqui é.iun paiz morto. Deixem lá fatiar quem falla, a nossa terra é o paraizo da Europa.

—Não temos palacios, nem grandes praças, continua um ptaguento, não temos sabios, e demora-se n'esta palavra olhando f>ará mitn. não temos pintores, não temos artis-l â s . . . Pouco teremos! mas temos a paz e a cepa. À cepa loríit! Que famoso brazão!!

—Andam agora por ahi a espalhar que você nao está contente com o vinlvi, que julga pouco o que ha e o não acha bem feito. Cantigas I—Faliou-se também de associa­ções e sociedades cooperativas de agua pè. Não se metia n'isso; nós já sabemos por experiencia o que são socie­dades.

-í-Mas sempre é certo, brada um novo interlocutor, que os inglezes gostariam do vinho com outro feitio? — Que o venham fazer aqui. Onde se viu uma coisa assim? Pois não

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vamos nós lá comprar o ferro, comprar o carvão, comprar o panno, comprar a espingarda, comprar o navio, comprar o dinheiro, coraprar-lhes tudo?EUes que venham comprar­nos a cepa, visto como tudo lhes compramos, se quizerem o vinho a seu gosto. Já que sabem fazer tantas coisas que façam mais esta. Sim, comprem-nos as uvas, que nós se­remos depois os primeiros a comprar-lhes o vinho.

—Porque molivo este producto não ha de ficar sujeito ás sabias leis porque se rege a cortiça? Era o que faltava —uni Deus para a videira e um demonio para o sobreiro I Já não lia privilegios. À lei é egual para todos.

As paredes teem ouvidos, nós não fazemos nada, o ruido cresço, e aquelie povo que não produz senão gerações enér­gicas, entra-nos um dia pela casa dentro com o firme pro­posito de nos comprar as uvas.

N'essa occasião a alegria nacional toca as raias do de­lirio.

Deitamos foguetes, para festejar a preguiça. Ao principio são acolhidos com ares de desconfiança e

um risinho de malícia. Pela boca pequena caímos sobre el-les como um enxame de zangãos «Farão, não farão; sem­pre queremos ver isto.»

Os inglezes fmgem-se surdos. Os inglezes trabalham, os inglezes triumpham.

Então accordamos. Declara-se em todo o reino uma epi­demia de inveja.

— E esta? O que nos dizem aos inglezes? Vão dar cabo do paiz? Se assim continuam, ficamos arruinados 1

—Providencias 1 é preciso providencias! Nada! quem ex­pulsou os judeus, pôde e deve ter forças para expungir os inglezes das vinhas. Fazem-nos o vinho e abalam-nos com o dinheiro!

Ai ! os poderes públicos! onde estão os poderes públi­cos que nos não accodem?! Accudam-nos os poderes pú­blicos !

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Olhaé, olhae ao longe, olhae comigo e descansa© a visla no Douro.

Olhae ainda a maior distancia, não vedes a ilha da Ma­deira ? I

É o combate da rola com a águia! A rola moribunda não chega a perceber que lhe arrebatam os filhos.

Aprendam.

No saião nobre do l h a Iro de D. Maria II

S U M M A R I O ^— 1 3 6 á 3 í? Kegião da Extremadura.— Nilo são os rios nem o mar, que esUiMecem a egual-

áaúe dos •vinhos.— O Tejo o o tlironda.— Dados 'rsiatisticos.— Riqueza, sac-charina das uvas e força alcoólica dos vinhos da Exlmnadura.— Classificação c propriedades das amoblras expostas em Londres. ^

Divisão primaria dos vinhedos d«i Exirt'inadiira.— Nomes das jinnriftacs terras que produzem vinlio.— Constituição goolofria dos lerrenos, mtiWtam resumo. — (irangeio e fabrico.—Leiria, Santarém, Torres Novas, CarlasHr-Thomar.

Vinliosde caldeira.—Vinhos neutros.—-Srinhos de sabores incompalgêis C gostos múltiplos.—Cheiro a cano, gosto a formiga, gosto a ratinho. "

Lisboa.—Formosura d'esta cidade.— Hestricçao do estudo ás zonas-vinhatei­ras de maior nomeada.—Torres Vedras.— Duas palavras sobre os seus vinhos, —O almocreve e o odre.— Qual é o caminho, qiie segue o vinho dc Torres, para chegar á cidade, e conto ?e transforma em Collares.— Deviam os vinha­teiros aproveitar a liçiJo?—O curioso e o dia dc ámanltS.

Meus senhores!—Hoje ficamos em casa, porque vou fal-lar-lhes dos vinhos da Extremadura.

Esta importante região vinícola, pelas suas condições geo-graphicas, apparenia semelhanças com o riquíssimo depar­tamento francez do Gironda, pnneipalmenle afamado por seus vinhos do Médoc ; mas, não os produz eguaes a estes, A proximidade do oceano e a visinhança dos rios não in-

^ fluem em toda a parte do mesmo modo. Quando lançamos os olhos para as cartas dos dois paizes,:

nóla-se que, em Portugal, parle da provincia da Extrema­dura, desde Carcavellos até Leiria, se acha de um lado l i ­mitada pelo oceano, e do outro pelo rio Tejo, exactaniénté, como se- observa na região do Médoc, que é banhada pelo oceano e pelo rio Gironda. A semelhança continúa a paten-tear-se, quando se considera o territorio comprehend ido. en­tre Almada e Setúbal, que ao norte e ao sul fica limitado pelos dois rios,—o Tejo e o Sado; como a zona vinhateira

CONF. P. r.

138 tio Gironda, que se appelliria de entrt> dois mares, o é. pelo Garonna e Dordonha.

É em volta da grande bacia do Tejo, ou ao longo das suas. margens, que as videiras se encontram dispostas em attrahente panorama, debruçadas sobre os valles, e subindo airosas collinas, que não podiam appefecer outra cultura melhor; sera que deixem de propagar-se lambem nas ele­vadas serras, que ficam mais próximas do oceano, e affas-ladás do rio.

Na margem direita do Tejo, temos que mencionar os vinhedos de Carcavellos, de Lisboa, de Bucellas, de Cama­rate, de Cadafaes, de Villa Franca, da Arruda, de Alem-quer, do Cartaxo, de Santarém c de Torres Novas. A oeste, e menos distantes da costa, os vinhedos de Collares e de Torres Vedras.

Sobre a margem esquerda do rio, oceupam egualmente uma extensa área de terreno, e estendem-se desde a Cha­musca até para baixo de Almada, passando por Alpiarça, Almeirim, Aldeia-Gallega, Alcochete, Moita, Seixal, Lavra­dio, Barreiro e Cacilhas.

É , como se vê, unia rica e extensa região, a mais con­siderável das que havemos estudado até agora, que lavra vinhos finos c distinctos, bem conhecidos nos mercados es­trangeiros; mas, que está ainda longe do nome, que me­rece, e virá a ler, quando se aperfeiçoarem, em toda ella, os processos de fabrico, devendo resultar d'estes aperfei­çoamentos o augmento da producção, que embora seja tres vezes.maior que a do Alemtejo, não chega sequer a metade do vinho, que se lavra no Gironda J

Os mappas estatísticos officiaes computam o vinho da-Extremadura em 950:000 hectolitros; a superficie da pro­vincia em 1.793:786 hectares, tendo de população 836:475' habitantes.

Aproxima-se a riqueza saccharina das uvas, da que en­contrámos no Alemtejo, e em algumas comarcas, chega a egualar a do Algarve. • Esíabeléce o sr. Lapa tres escalas diíferentes:

i 39

22 a 30 por iOG nas uvas de melhor qualulado; 20 a Tó » » » » medianas; 18 a W » » » » mais ordinarias.

Kstas percentagens são também as que se encontram na Breve noticia, c foram deduzidas dos ensaios relatados nas duas memorias sobre vinificação, publicadas em 1866 e 1867, por ordem do governo.

A simples inspecção d'aquelles números, à vista do que dissemos nas anteriores conferencias, é sulílcieníe para sa­bermos avaliar a força alcoólica genuína, que se aproxima.. sensivelmeiHc.da que já adiámos em alguns dos vinhos estudados; e com quanto a 30 por 100 de assucar, que é a percentagem mais elevada, corresponda, em peso, 14,55 de álcool, ou 32 graus de Sikes; a média alcoólica dos vi­nhos genuínos da Extremadura não passa de, 14 por 100 em volume, ou 24,o graus de espirito de prova. Fica a média 1,5° abaixo de 26°. Podemos, por tanto, de ante-mão annunciar, que os vinhos d'esta zona, estão no caso de darem origem ao novo typo, mais acceitavcL e justa­mente preferido nos mercados estrangeiros.

Nenhuma outra provincia de Portugal apresentou, como esta, maior numero de amostras na exposição. Subiram os expositores a 155, e os vinhos a 269, sendo 192 tintos e 77 brancos.

Fizeram-se em Lisboa.257 doseamentos de alcooi, cujo resultado foi, ficarem 171 acima de 26° Sikes, e 8G com graduação inferior.

Os provadores portuguezes passaram diploma de Loma 123 vinhos. Escaparam com a nota de solfrivel, 77, mere­cendo 69 o epitheto de mau.

Representava o vinho bom menos de 50 por 100 do nu­mero das amostras, e o vinho abaixo de 26° apenas um terço da remessa. Esta segunda parte não prova, todavia, senão uma coisa, que se adopta como regra a agaarden-tação.

A antiga província da Extremadura comprehende os tres 10-

i * ! • districtos administrativos (\e Leiria, Santarém e Lisboa, os quaes podemos egualmente admiuir, como divisão prima­ria dos seus vinhedos.

Para fazer sentir bem a importancia e grande diversi­dade dos typos d'esla provincia, não será fóra de proposito que passemos em revista as terras e as especialidades do seu solo vinieola, na impossibilidade de obtermos melho­res dados, que nos guiem c conduzam a uma classificação methodica e rigorosa.

Percorrendo a margem esquerda do Tejo, a partir da costa oceánica, admitte o auctor da Breve* noticia sobre a viticultura portugaeza, as seguintes sub-regioes vmicolas, as quaes se julga auctorisado a traçar, pela qualificação dos vinhos.

Setúbal.—Principalmente conhecida pelo vinho licoroso d'este nome, que è produzido, em grande parle, nas vi­nhas de Azeitão e de Palmclla.

Almada.—Menos notável que a antecedente, e caracte-risada segundo alguns, pela existencia de vinhos tintos en­corpados e saborosos, posto que em pequena quantidade.

Lavradio.—Deve attribuir-se a fama dos seus vinhos ao predominio da uva bastardinho, que lhe tem dado celebri­dade no paiz e fóra d'elle.

Benavente.—Produz vinhos muito saccharinos. Almeirim.—Apresenta duas qualidades de vinho, os do

campo e dos arneiros. Eslão os terrenos, em que os pri­meiros se criam, ã mercê das inundações do Tejo; bem como os segundos, sujeitos á influencia das areias, que os ventos arrojam das.margens do rio.

Chamusca.—Muito florescoiUe antes da invasão do o'i-dinm. Com os vinhos d'esta terra se alimentaram outr'ora as tabernas de Lisboa. Foi sempre bem reputada a aguar­dente da Chamusca, e havendo-se combatido ultimamente com efficacia o oídium, as vinhas começam a restaurar-se.

Passando á direita do Tejo e seguindo a costa marítima, encontramos:

_ Carcavellos,— cujos vinhos foram completamente destrui-

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dos peio oidium, e na qual se produziam vinhos brancos, excellentemenle concpitnados.

Collares,—que se dilTorença do todas as sub-regiões da Extremadura. Os seus vinhos, verdadeiro typo de pasto, são delgados, fracos, ácidos e paihetes. Pcccara todavia por falia de flavor.

Ericeira, Mafra, Lourinhã e Peniche,—cuja producção, em regra, apenas satisfaz ás necessidades do consumo lo­cal.

Sobre a margem direita, e partindo de Lisboa para o norte, observam-se as seguintes sub-regiões:

Termo,—cujo nome se applica aos vinhos creados nos suburbios de Lisboa, no raio de 10 a 12 kilómetros. Cha-mava-se, antes da construcção das actuaes barreiras, a esta antiga zona fiscal e administrativa, o termo de Lisboa. São conhecidos os seus vinhos no Brasil, e nas nossas posses­sões ultramarinas. O commercio de Cette exporta, princi­palmente para a Russia, um typo de vinho branco, aroma-tisado com essência de cravo (giroflé), a que dá o nome de vinho de Lisboa.

Villa Franca, Alemquer, Azambuja,—cujos vinhedos as­sentam em parte no valle do Tejo, e em parte nas encos­tas. Devemos citar, na classe dos finos, os vinhos brancos da ribeira de Maria Affonso. Também são bastante esti­mados os vinhos tintos da Abrigada. ". Cartaxo,— que produz annualmente 80 mil hectolitros de vinho; havendo duas variedades admitlidas pelos provado­res, em harmonia com os terrenos, e com os processos actuaes de fabrico,—rinhos de copo e de embarque1.

Santarém,—que apresenta os vinhos do campo, empre­gados como vinhos de caldeira, e os dos bairros, dos ter­renos aitos e enxutos, differenles dos primeiros, e conside­rados de copo e de exportação.

Mação,—centro da região, que, desde Abrantes até a raia de Hespanha, se desenrola á vista do viajante. Mação, como

1 Aguiar. Memorias sobre os processos de vinificação, 1866 pag. 9.

Heidelberg, também tem o seu lone]. Asseveram, que os vinhos brancos d'esta localidade são delicados.

No territorio situado entre o rio Tejo e a costa, ha uma zona central, cujas principaes sub-regiões se conhecem pelos seguintes nomes:

Encellas,—typo de vinho branco o mais característico e bem conceituado entre os vinhos portuguezes actuaes. É conhecido nos mercados estrangeiros, onde poucas vezes apparece com as. qualidades que ¡he dão maior realce, em yirtude de ser uso aguardenlal-o para exportação.

Torres Vedras,—produz vinhos neutros, encorpados e retintos, que se gastam nas vendas de Lisboa. Especiali-sa-se mais de um typo, e tornam-se principalmente notá­veis os da Casaria, Ordasqueira, Matta Cães, e Dois Por­tos, etc., etc. O processo de vinificação tende a nivelar to­dos os vinhos d'esta sub-região.

Arruda,— dá, como a antecedente, vinho coberto e en­corpado, qne se deve considerar de lotação.

Cadaval, Caldas da [tainha e Alcobaça,—não são exces­sivamente abundantes. Da primeira, parece, que já temido algum vinho para França.

Leiria,— bastante productiva, porém, quasi exclusiva­mente consagrada aos vinhos de distillação. .Batalha e Ourem,—satisfazem apenas ao consumo lo­

cal. Torres Novas,—muito productiva e variada. Tem vinhos

brancos e tintos assaz generosos. Vinhos de copo e de em­barque. Fabrica, além d'isso, geropigas e abafados para os temperos dos vinhos do Termo, e de outros que vão para o Brasil com differentes denominações.

Thomar,—tem fama de produzir bom vinho tinto e branco,-de diversos typos; desde o vinho alcoólico, aromático e pa­lhete, chamado da Serra, e nascido dos schistos até o vi­nho bastão, análogo ao Cartaxo do concelho de Santa Ma­ria, dos OKvaes. . Divide o sr. Lapa as vinhas da Extremadura pela mesma

fórmã em quatro grupos, tomando, para fundamento da sua

143 classificação, os climas lopograpbicos: vinhas ao correruta costa oceânica; vinhas das serras; vinhas das collínas e vi> nhãs dos valles e planicies.

Encontram-se os vinhos delgados, fracos e mais ordina­rios no primeiro grupo; no segundo, apparecem os vinhos espiriluosos ainda delgados, mas finos. Accumulam-se no terceiro grupo, os melhores vinhos da Extremadura. Figu­ram no ultimo, os vinhos baslõcs, encorpados c retintos.

Depois admilte tros sub-rogiões, correspondentes aos flis-trictos, e faz n'estas varias circumscripções.

A verdade é, que, apesar do muito que sabemos, ainda nos achamos longe de possuir conhecimentos exactos, que pennittam a classificação rigorosa dos vinhos da Ex­tremadura. Expõe, o que dissemos, a questão em termos genéricos. Não se ignora, que a constituição geológica è muito variada; que nos terrenos de alluvião é o vinho quasi sempre ordinario, e que o vinho mais fino existe princi­palmente nos terrenos secundarios, terciarios e quaternários. Mas não é bastante, saber-se que ha terrenos, uns mais próprios que outros, para a cultura da vinha; e que sendo diversamente accidentados, e com differentes exposições, multiplicam a variedade dos productos. É preciso conhe­cer bem o solo e o sub-solo da vinha em relação às castas,-para formular depois as condições da sua mais prospera've-getação. É indispensável distinguir egualmente a natureza do vinho, no seu mais perfeito grau de genuidade, e a du­ração que possa ter, quando privado de aguardente..

Os vinhos estão, por assim dizer, classificados, segundo o nome das terras em que são produzidos. E esta classifi­cação tem por base, ainda cm cima, a alcoolisação. ' Adoptemos, por tanto, uma divisão de tomstei-Viscom*

remos sobre elles á medida que formos vendo e andando: 0 fabrico actual torna-se um obstáculo á separação e gru­pamento racional dos vinhos, porque tende a nivelar- to­dos os productos.

É bastante variada a constituição geológica dos terrenos, mónnCDte na parte que 1ica ao norte do rio Tejo.

De Carcavtíllos a Peniche ha diversas formações, tanto na faxa âo littoral, como no inferior.

Observa-se o terreno cretáceo superior nas vinhas de Cascaes e de Carcavellos, o terreno lacustre inferior nas de Collares. No cretáceo inferior assentam as de Mafra, Eri­ceira e Torres Vedras, ficando uma parte d'estas ultimas sobre o terreno valdense, (jue predomina nos concelhos de Arruda, Alemtjuer e Cadaval.

Aprésenla o centro vinícola do Cartaxo tres formações geológicas distinctas, em uma superficie dc 15 mil hecta­res; a quaternária c as lacustres inferior e superior.

Os schistos e calcáreos metamorphicos formam parcial-monle o solo das vinhas de Thomar. O terreno devoniano ou carbonífero inferior constitue as vinhas de Mação.

Serve de leito aos vinhedos de Setúbal o terreno neoge-neo lacustre superior; aos do Almada o neogeneo marino, e d'este ponto para o norte todas as vinhas, que se culti­vam sobre a margem esquerda do Tejo, vegetam em geral sobre o terreno neogeneo lacustre superior.

Quasi que um único grupo da serie cainozoica fórma o solo das vinhas ao sul do Tejo; em tanto que o solo das que de­moram ao norte, sendo ainda representado, em parte, pelo terreno d'esta serie, é composto, além d'isso, por outros grupos da serie mesozoica, por varias rochas eruptivas como os granitos, e pelos terrenos metamorphicos.

Não apresenta grandes differenças o governo da vinha, nas principaes comarcas da Extremadura.

Põe-se o bacello na manta, e raras vezes se empregam barbados. Os largos ou calvas das vinhas são repovoadas por mergulhia; operação muito adoptada não sômente nb nosso paiz, mas na Borgonha, na faxa dos vinhos finos que se appellida Côte-d'Or. Receiam os viticultores, amantes da mergulhia, que a vinha degenere quando se rejuveneça com bacellos, os quaes é certo, nos primeiros annos, não pode­rem rivalisar com as cepas velhas.

Este modo de reproduzir as videiras não é inteiramente

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coDdeinnavel. Tern a favor d'elle a experiencia esclarecida de muitos viticultores distínctos; concorre, porém, para alterar o alinhamento dos vinhedos, e por tanto embaraça, chegando a impossibilitar os lavores da terra com a char­rua.

Nòs, que adoptamos a mergulliia, não temos para a de­fender, os fundamentos que apresentam os proprietários da Côte-d'Or.

A cava é a braços, e os proprietários vivem satisfeitos com este systema, por ser pouco dispendioso, em virtude do buixo preço dos salarios.

Não mostram disposição para abandonal-o, e tão grande é o amor que lhe consagram, que já alguns me teem as­segurado, na Extremadura, não ser possível sair mais ba­rata a cava com a charrua. Esta opinião, que não passa de um preconceito, seria muito difficií de provar, e não está de accordo com os queixumes, que não poucas vezes se le­vantam contra a falta de braços. O receio de introduzir no­vos usos nas praticas agrícolas, é o motivo que os leva prin­cipalmente a pronunciarem-se d'esta maneira.

À poda faz-se curta ou comprida, sem que sempre seja possível indicar bem as razões que aconselham a prefe-rencia. Pelo menos, muitos viticultores não estão de todo seguros nas consequências dos dois modos differentes de executar a operação.

Teem as empas muitos nomes; mas, a tres ou quatro podem ser reduzidos os typos.

Em todas as tres zonas da Extremadura o grangeto das vinhas é com pequenas variantes o mesmo. Abre-se a manta de ordinario funda, e euterra-se o bacelio com unhamento ou sem elle1.

A vindima è dirigida com mais ou menos acerto, pelos processos communs conbecidos em todo o reino.

1 Podem eonsultar-se, para descripção minuciosa, as duas memorias, que publiquei cm 1866 e 1867 sobre a vinha e o vinho do centro do paiz. (mprensa Nacional 1868, 8." gr.

146

Quanto ao fabrico, usa-se a feitoria ou meia feitoria nos lagares, e a fermentação nos balseros ou toneis, sendo fóra de toda a duvida, que o systema de balseiros é preferível aos outros, como se pratica nas regiões mais acreditadas, para obter os vinhos de pasto. . =Os Yinlios brancos são feitos de bica aberta quasi sem­pre.

Não ha na Extremadura as talhas, nem os defeitos de fabrico, que encontrámos nó Ãlemtejo. Todavia, as construc-ções, a mobília, e os utensilios vinarios são por vezes bas­tante imperfeitos, e não satisfazem aos fins a que se des­tinam.

?Na maioria dos casos são as adegas de telha vã, sem um resguardo quo as proteja dos ardores do clima; também não será muito difficil encontrai-as, sobre as lombas dos ou­teiros, em vez de se abrigarem á sombra d'elles, oceupando o-logar dos moinhos. A temperatura em taes casos é muito deseguái, e sendo variável não convém á boa conservação dos vinhos.

Os lagares, bem conhecidos de lodos, não merecem des-cripção minuciosa. São tanques de pedra, que tèem ás ve­zes a profundidade e superfície dos lagos dos jardins.

As prensas são coevas do Noé-Arvores antigas que sus­tentam rocltodos. Podem comparar-se, em vista do eííeilo que produzem, pela má applicação dos principios da me­chan ica, a um elepbante mandrião, que enche até á porta a casa dos lagares. '

Tomam grande espaço, e embaraçam o trabalho dos la­gareiros, que precisam, em quanto andam na pisa, não se esquecerem da vara, para não voltarem a casa com a ca­beça partida.

A substituição d'estes engenhos, que simulam instru­mentos de tortura, é uma necessidade.

Desde a prensa mais simples de Mèttoc até a prensa mais aperfeiçoada de Samain de Blois, ha dezenas de mo­delos .aproveitáveis; oceupam pouco espaço, são bastante económicas, e de fácil reparação, no caso de desarranjo;

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cii'camsLaucjii a que se deve attender nas povoações ruraes; —Às vasilhas também não excitam a minlia admiração.

Peccam rjuasi todas por um defeito capital; capacidade exagerada, 10 aíé 35' pipas!

Ajuiza-sc, nos paizcs estrangeiros, da qualidade do vi­nho, do saher do productor, e da importancia que se liga ao producto, peio exame da adega.

Indicam pequenas vasilhas, bem dispostas e construídas, ípie se fabrica bom vinho; os grandes toneis, denunciam adega de terceira ou quarta ordem, ou propriedade de vi­nho ordinario.

O nosso systeina de vasilhame, é suflíciente para mos­trar, yiic somos nm paiz atrazado, ou então que o nosso vinho não gosa de "estimação.

Também ha, cm Fnmça, adegas com vasilhame de grande capacidade; mas, é nas comarcas que fazem vinhos de lo­tação ou de inferior qualidade para a caldeira.

A multiplicidade de castas, que vimos ser um caracter que denuncia a inferioridade relativa das regiões, podemos juntar agora mais outro, a capacidade exagerada do vasi­lhame. E ambas as coisas juntas, quando não representem falta de conhecimentos cenologicos, significam terrenos de inferior producção e pouco privilegiados. Admitlindo, que Portugal quer fazer vinho de pasto para os novos mercados, não hesito em acoitselhar-lhe, que. adopto pequenas vasi­lhas, que possam renovar-se todos os annos, porque saem da adega ou do armazém com o vinho, por conta do com­prador. Com a renovação do vasilhame pequeno, pratica que não está infelizmente em nossos hábitos, augmentará logo o aceio do fabrico; não devendo tomar-se em consi­deração as objecções de algumas pessoas que julgam a ar* rumação difíicil e a manobra mais trabalhosa.

No mesmo espaço, em que se collocam os grandes to* neis, se dispõem em pilha ou meda as pequenas vasilhas; com a differença, que estas podem passar cheias de líquido de um lado para outro, em tanto que as outras, depois de cheias, não ha forças humanas que as 'desloquem do seu

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logar, sendo preciso baldear o vinho e despejal-as, quando as circumstancias exijam que as mudemos. , Só uma vez, e foi em Chateau Ycquem, vi guardar vi­

nho precioso em vasilhas de maior lotação, mas, ainda as­sim, devo prevenii-os, de que elle não entra para cilas, se­não depois de completamente organisado nas vasilhas pe­quenas; isto é, quando se julga tão seguro e perfeito, que não ha nada quo possa alteral-o. Ií este exemplo constituo uma excepção, que pôde ser discutida, mais eumenos fa­voravelmente pelos entendidos, e refere-se a um vinho, que, depois de feito, se conserva sem (lifficuldade.

0 meio dia da França tamboin usa de grandes toneis, com dimensões verdadeiramente prodigiosas; porém, já de­veis sabei', que o vinho ali ou se queima, ou se transforma pela aguardentação nos typos Ue'vinho peninsular. Poucos são os vinhos de consumo directo.

As grandes vasilhas convém aos vinhos ordinarios, aos vinhos de lotação, e aos vinhos nimiamente alcoólicos. Os primeiros, pela sua pouca duração, não pagariam os cuida­dos do tratamento nas pequenas vasilhas; os segundos, pouco tempo se demoram na casa paterna; vem o nego­ciante buscal-os logo depois da colheita; os alcoólicos, sem­pre que estejam acima do grau em que a fermentação se pôde declarar, resistem ás causas de destruição, que cons­piram nas grandes vasilhas contra a existencia dos vinhos . fracos e finos.

Tudo quanto se observa nas nossas adegas, attesta mais uma vez o que hemos dito n'outras occasiões. O vinho, apenas fabricado, è Jogo vendido, e por tanto a vasilha grande ou pequena é indifTerente para o productor. O vi­nho, que se guarda nos armazéns, é sustentado pela alcoo-lisação, de modo que o negociante não chega a apreciar a vantagem da pequena vasilha sobre a maior. O álcool cor­rige tudo, e não faz sentir a falia dos melhores instrumen­tos de vinificação. Tirem-nos a aguardente, e eu lhes direi depois, se não havemos de mudar de vasilhas., e proceder á constrocção de adegas subterrâneas.

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A moda dos grandes toneis, cm quanto a mim significa, quo o vinho antes de sor bebido, se farta de beber aguar­dente.

Entremos, agora, na apreciação dos processos de fabrico e do governo das vinhas, seguidos nos tres districtos viní­colas da Extremadura.

Comecemos pelo norte. A suh-região de Leiria, no campo em que vamos consi-

deral-a, 6 pobre e em muitos pontos quasi estéril. O soto não dispõe de elementos em grande copia para crear a vi­deira, e os vinhos são delgados e fracos. Servem para dis-tillar.

O chão das videiras ê em parte formado pelos terrenos liasicos, jurássicos e cretáceos, e em parte pelas arenatas quaternárias.

Na plantação da vinha, adopta-se a manta, que recebe o bacello com unhamento. •

A poda é algumas vezes galheira, ou de vara e talão. N'esle segundo caso, a erguida é de palmatoria ou á lança, com os competentes mourões.

Cavam geralmente as vinhas duas vezes. Vindimam tarde. Cultivam muitas castas, das quaes as \6 seguintes são.as

mais vulgares: arinlho, almafego, boal, castiço, castellSo, carrasquenhó, Dona Branca, Fernam^Pires, moreto, preto Martinho, rabo de ovelha, trincadeira, tintureiro, tinta fran-ceza, terrantez, xerez, ele.

Pisam as uvas em lagariças de madeira ou lagares de pedra, e o mosto fermenta nos toneis, sendo espremido muitas vezes de bica aberta.

Os mostos d'esta sub-região são egualmente. pouco saç-charinos. Reputam-se de primeira qualidade os que mar­cam 21 por cento de assucar ou 10,18 de álcool em peso, isto é, 2â,S do hydromelro de Sikes. :• .

Dois terços dos vinhos de Leiria são passados á caldeira, d'onde resulta, que este districto até agora tem sido con­siderado corno productor de aguardente.

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• Apresenta emquanto a mim t5o grande imporlaucia o fa­brico da aguardente, que não devo deixar de dizer duas pa­lavras a este respeito.

Fabricamos mal o vinho, mas, não fabricamos melhor a aguardente. Nada tão natural como procurar obteí-a de boa qualidade, seguindo o que está escripto sobro esta ma­teria, ou o que a pratica tem mostrado mais eílicaz om França, na beliissima região das Charentes. Em logar, po-íèrn, de o fazermos, por tal modo andamos esquecidos dos verdadeiros preceitos d'esta indusli ia, quu não só não pensamos em preparar aguardente, que possa servir do ¿ebida, mas essa mesma que fabricamos para tempero e adubo, raras vezes resulta de vinhos que não estejam es­tragados. Também, como dizem os populares, a aguardente serve para matar o bicho, e os bichos com qualquer veneno se matam. : -O facto mais importante é que raras vezes so fabrica aguardente de proposito. A maior parte d elia resulta dos vinhos deteriorados ou com enfermidades incuráveis, e de­pois do enxoframento das vinhas, de vinhos carregados de acido sulphydrico.

A distillação faz-se em péssimas caldeiras de acanhadas dimensões, queimando vinho sulfurado e avinagrado; não •prescindimos de queimar os residuos a um fogo violento, e comj o producto obtido, temperamos os vinhos, que dize­mos deliciosos.

Nas duas Charentes, e muito em especial em Saintes, o esmero de fabrico que preside á aguardente não é inferior ao-do vinho. Outro tanto quereria eu que se fizesse na sub-região de Leiria, se, por uma bem entendida divisão do trabalho, a destinarmos exclusivamente para vinhos de dis­

tillação. G eognác fine Champagne depende: 1.°—Das plantas especiaos de que procede, e que são

a fúUe blanche e a folie jaune. - â . W D o teiTímo calcáreo, especie de cré análogo ao solo

da Champagne.

m 3.°—Do processo de distillação do vinho, que deve de

ser novo e não ter mais de vim anno. Procede-se a distiílação, com toda a cautella, em peque­

nos alambiques de dois a cinco hectolitros. Para ter aguardente fina é preciso separar, no acto da

distillação, a que marca 6o até 70° centesimaes. E como o vinho não chega a ter 10 por 100 de álcool absoluto, para o conseguir é sempre necessarioJ que se distille a aguardente da primeira operação com uma nova quantidade de vinho.

N'esta segunda distilíação, põe-se de lado os tres pri­meiros litros, que conteem cobre para redistillar mais tarde, e logo que, na extremidade da serpentina a graduação do, álcool baixa a 63°, separa-se a aguardente mais fraca, para ser distillada outra vez com uma nova porção de vinho.

Envasilha-se a aguardente em barris de carvalho novo,; madeira de Berri ou do Auvergne, admiravelmente feitos,, sem gosto nem defeito de madeira deteriorada, e cuja ca­pacidade orça por o hectolitros.

Deixa-se envelhecer, n'um logar fresco, mas não em ade­gas subterraoeas como as do vinho.

Nos primeiros dez annos, perde um grau-: de força-. cada anno, e meio grau nos annos seguintes. 4

Não se reputa boa para beber, em quanto não desceia^ÔO. ou 52 graus.

Vime e cinco annos é a edade média da boa aguardente. Decanta-se algumas vezes, mas não se trasfega, como o

vinho, porsystema. Depois de velha, arrecada-se em vasilhas antigas, que

os. vinhateiros conservam em adoração, aliás tomaria o gosto do tannino da vasilha nova, mica que lhe convém a£tB&de envelhecer.

A aguardente assim preparada é uma bebida deliGíosa* que poucas vezes se encontra fóra de França, e que-nada tem de commum com o cognac de cosinhai feito para ex­portação, onde o chá, o assucar mais ou menos queimado, e outras drogas de different© categoria fingem grosseira­mente os caracteres externos da aguardente fina.

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Vejo, que não ó fácil aproximarmo-nos de reponte de tão original perfeição; mas o que não posso com pro liem ler é que nem sequer o tentemos, gastando a vida o desper­diçando tempo a distilíar vinhos com assucar, outras ve­zes éom vinagre, saturados de sulphydrico, e em todos os graus de avaria.

Distillar vinho doce, é deitar á rua o assucar que nos* daria aguardente.

Queimar vinho azedo, sem o neulralisar previamente côm umà base, é obter álcool acido, que pôde transmittir o pique acético aos vinhos que for temperar. Submctter á caldeira vinhos saturados de sulphydrico, é produzir aguar­dente infecta, que só um tratamento rigòroso pódo bene­ficiar. Tenho observado algumas vezes, que esta se apre­senta tão carregada de enxofre, difficil de isolar, que não sei até que ponto pareça rasoavel admittir a formação de, algum composto orgânico sulfurado, que a contamine jus­tamente com o sulphydrico.

E julgam que eu exagero? Talvez que não acreditem, que se distillam vinhos com assucar, por não conhecerem al­guns vinhateiros as relações que entre elle existem e o ál­cool? Pois então ainda sei mais. Em annos de muita abun­dancia, se tem visto, em algumas comarcas, cujos nomes caliarei, passar o mosto directamente ás caldeiras, sem ha-ver fermentado ÜI quando os pretos, para fazerem cachaça, nunca distillam as soluções saccharinas, sem que a massa principie a azedar, por ignorarem o modo de conhecer o fim da fermentação.

A nossa aguardente, regra geral, contém todas as sub­stancias voláteis que estragaram o vinho; os corpos empy-reumatícos, que resultam da decomposição dos residuos pelo fogo, e o acido sulphydrico proveniente do enxoframento das uvas.

Muitos vinhos, que se destinam á queima, são fermenta­dos; em lagares, com prolongada curtimenta, para, creio eu, encher de maior residuo a caldeira, e de menos álcool a serpentina.

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Não olvidemos por fim, que a maior parte (Teste alcoo! se consome em sustentar os vinhos que fabricamos: ora, tirando (Veste facto todas as consequências, ninguém se surprehenderá, se lhe disserem que elles podem arruinar-se cada vez mais, quando forem alcoolisados. E tendo eu encon­trado aguardente com 1 e 2 por 100 de acido acético li­vre, percebe-se, que a alcoolisação até possa tornar o vi­nho acido!!

Os mostos, que se destinam ao fabrico dos vinhos de distiilação, devem pisar-se com rapidez e ser fermentados em toneis ou vasilhas fechadas, em estado de sufiieiente diluição, para que todo o assucar se desdobre. 0 pé, cortado com agua e novamente pisado, está no caso de fornecer ainda segundo mosto mais fraco, que dê alguma aguardente. Ao cabo de um armo, procedam á distiilação do vinho, que não deve conter vestigios do assucar, e que os níío con­terá, se seguirem á risca as regras apontadas. A distiilação pódc fazer-sc nos pequenos alambiques, mas de modo que as borras não cheguem a esturrar-sc, nem o fogo decom-pojiha os residuos do vinho.

Os apparelhos de Coliares, de Champónois, de Savalle e de Egrot preparam a aguardente com maior aceio e prõm-ptidão, e são os únicos que aconselharia a umá industria re­gularmente montada. Nem todos os lavradores os podem ter. Mas também ninguém exige que elles sejam fabrican­tes, negociantes e distilladores.

Em todas estas operações se precisa maior cuidafdo qiie sciencia. E sobretudo amor ao que sê está fazendo. Ora, principalmente, é este ultimo, que nos falta; e não se des­envolve de um dia para o outro o amor ao trabalho.

Saia como sair, para o nosso operario vinícola, tudo Vãe bem. Mas a anarchia ha de ter fim, quatwló ó âów appft-reeer sabendo mandar.

Leiria, nos seus principaes concelhos\inié0lbs, podi^ en­saiar o fabrico da aguardente, debaixo dòá- pí?Íricípios que ficam expostos, e preparar-se, coitóvzona de dlstillâoSo. não sórttente para prodflzir o aícool de uso corrente, bem rreu-

CONF. P. 1. H

15i iro e indispensável aos vinhos do Douro, senito também a aguardente fina, destinada a beber-se.

A isto deve, em meu conceito, limitar as suas aspirações, com quanto nSo lhe seja inteiramente impossível gerar al­guns vinhos neutros.

—Vinhos neutros í? Ora essat Pois ainda você estava ca­lado com mais esse nome? O que entenderá este homem por vinhos neutros?

Eu lhes digo, meus senhores. Vinhos neutros não lêem nada qne ver com a tintura de turnesol, de que se servem os chimicos. É uma neutralidade differente. Chamo víníio neutro a todo o que n3o tenha individualidade, e que se preste por isso mesmo, a servir como base, para tempero de outros vinhos. Os vinhos neutros mudam de nome, como o camaleão de côr, ou a lorette de amante. São a providen­cia das regiões afamadas, onde o consumo costuma exce­der a. producção, porque alimentam a telha, de que eslá sempre o vinho a pingar.

Pacientes, como o onagro, os vinhos neutros podem com toda a especie de carga.

Fazem qualquer serviço e não se queixam. Prestam va­liosos auxílios que ninguém agradece. No arrolamento das lavras, não lêem nome; nos mercados teem nome supposto, ou muitos nomes differentes. São tudo e não são nada ao mesmo tempo. E são sempre o que nós queremos que el-les sejam.

Podem ser obra de Deus ou dos homens. São obra de Deus, quando a neutralidade é innata, e procede do solo e do clima.

São obra do homem, quando esle, atirando com o solo e clima para traz das costas, faz, como nós praticamos, do fabrico um pandemonio.

No nosso extenso catalogo vinícola, figuram em primeira plana os vinhos neutros. Todos os sacrifícios que fazemos, teem por fim obtel-os. As muitas castas, as longas pizas, as cunimentas prolongadas, os escaldões, os arrobes, oar-dimento da uva, as grandes vasilhas, os abafados, as gero-

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pigas, sao os instrumentos principaes dos vinhos neutros; porque a uma condição devem elles satisfazei', sem a qual não poderão nunca existir, que é transformarem-se uns nos outros, cabendo-lhes tão bem o nome da chrisma, como' lhes cabo o nome primitivo da pia baptismal.

Ditas estas coisas assim por alto, talvez não convençam o auditorio; mas, se este julgar preciso, não terei duvida em descer aos exemplos.

Tomemos tres ou quatro vinhos, cujos nomes sejam in­teiramente distinctos, e que nós pensemos corresponde­rem a quatro vinhos completamente infusiveis. Quando digo infusiveis, abstraio do calor. Emprego esta palavra, no sen­tido de não serem susceptíveis de transformação reciproca.

Sejam elles os famosos Bairrada, Cartaxo e Torres Ve­dras.

Muito bem. Todos os anuos a experiencia nos mostra, que estes tres vinhos são neutros. Vejamos como e porquê.

Imaginem que o Douro u,ão colhe bastante vinho; o Douro passa ordens immediatamente á Bairrada, que se ponha em marcha para o augmentar. Se a Bairrada não dispõe de bastantes forças para satisfazer ao pedido, enten-, de-se com o Cartaxo, que não hesita em arranjar o nego­cio com Torres, quando sósinho não possa fazer-lhe a von­tade.

As ordens passam sem diíficuldades, estabelece-se uma fusão de typos A formiga, que faz cair de vergonha o or­gulho de qualquer d'elles.

Depressa, porém, a vergonha, se converte em aspiração. O Torres diz adeus á sua terra, para chamar-se Cartaxo. O Cartaxo, esquece-se que o brazão d'elle é ser presunto uas tabernas de Lisboa, e muda o nome em Bairrada; a Bairrada eleva-se em categoria, e assigna-se Douro. O pri­meiro muda tres vezes de nome, o segundo duas, o ter­ceiro uma* No fim todos podem ser Dourdi e se to:dos po-, dem ser o que não eram, é porque são vinhos neutros.

Faze aguardente Leiria, que de vinhos neutros já temos fartura.

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Não se pode negar que vale a pena desenvolver esta in­dustria. Leiria dispõe de muitos recursos para ella, ainda que possa ter, como rivaes, a CUamnsca, o Campo de San­tarém, os varzidos de Torres Vedras, ele, c algumas ou­tras terras, que se acham no mesmo caso.

Ka confusão que actualmente domina, todas as comar­cas vinhateiras são ou podem ser de aguardente. Basia para isso que o vinho se estraguei No entanto n3o è d'este que devemos occupar-nos. O álcool deve obter-se de vinho que não esteja arruinado, e ficar rigorosamente neutro sem corpos empyreumaticos nem essências cie cheiro desagra­dável.

Existe proximo a Bordéus uma fabrica, (pie citarei para exemplo, onde os melaços, mandados vir do Uheno, se des-tillam de modo irreprehensivel. No fim de duas reclilica-çSes, o álcool está completamente neutro, e como o seu destiao'.é .it para Saintes, d'onde depois se exporia, com o Dome de cognac, dão-lhe o aroma da uva por um processo simples. Deixam-n'o em contacto por alguns dias com os pés do vinho, tirados ainda quentes das curtimentas, e tor­nam a distillal-o.

Nós, porém, não precisamos de ir tão longe, por emquanto. Basta que copiemos a boa direcção do fabrico, e que dis-ponhamos de uvas próprias para obter aguardente.

No districto de Santarém é o solo na realidade mais rico, e bastante variada a sua constituição geológica. Os schistos, os calcáreos, as margas e os terrenos de aliuviao constituem a largos traços as formações d'esta sub-regiSo, ero que se notam varios centros vinícolas importantes.

Planta-se o bacelio nas mantas, com focho para o unha-mento, quando se rfôo enterra direito.

A poda é. comprida, e a cada cepa, conforme o vigor que apresenta, se deixa uma ou duas varas com 8 olhos, termo médio, e um ou dois pollegares; outras vezes 6 mixta.

Nos vinhedos dos campos e das várzeas, adoptam a póda em galheiros. A cepa apresenta cinco ou seis galhos, com

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üois ou tres oüios cada um. É muilo parecida com a poda, que se executa nas vinhas do meio dia da Frauoa.

As empas teem diversos nomes. Ghamam-se de argola, de palmatoria, de rodilha ou envidilha, e de rabo de leão. A segunda e uUima são empas amouroadas, bem como a empa de levada, de lança e de rabo de coelho.

Fazem a cava a braços, c contam perto de 60 castas de uvas, a saber: almafego, alvo da serra, alvavaço, arintho, assado, bastardo grosso e miúdo, boaí cachudo, boal bran­co, borra mosca, castellao francez, castiço, camarate, car-rega-besla, coslinha, D. Branca, dedo de Alicante, diagal-ves, escabellado, formosa, João noivo, leirS, labrusco, mo­lar grosso, motim, molinha, mortagua, malvasia, moscatel, olho de lebre, negrinho, promissão, preto Martinho, per-rexil, pcxão, preto da líosa, rabo de ovelha, saibro branco, sem nome, tinlurciro, trincadeira, tinta commum, de pé curto, do peral, tinta gorda, talia, lerrantez, tamarez, xe­rez, zebrainho, etc.

Àccusam os mostos 20 a 23 por 100 de assucar. Começa a vinificação, geralniente, em lagares de pedra

ou lagariças de madeira, que servem também para a pisa, c o mosto passa pela fermenlação tumultuosa nos balsei-ros, sendo pouco usado o desengace da uva.

No fim das curtimentas, que, em alguns concelhos, são muito demoradas, envasilham o vinho nos toneis, onde a fermentação lenta termina.

O vinho branco é preparado de bica aberta, e fermentado dentro dos toneis.

As curlimentas exageradas, a que poderemos chamar o processo da maceração das balsas, que dão origem aos vi­nhos presuntos, começam a apparecer em alguns concelhos d'este districto. Vindimam no meado de setembro e ás ve­zes antes, sem ordem nem methodo e vagarosamente, o que nem sempre succede por falta de pessoal. Em varios pontos estão convencidos que a uva precisa ficar bastan­tes dias a arder, antes da pisa.

Se os mostos muito pegajosos e doces, se recusam a fer-

mentor, dUuem-n'os com agua: costumando fazer osla ope­ração, antes com a mira no augmento da colheita, do que pelo convencimento de que o vinho assim o exija para socc-gar mais depressa.

Os vinhos vendem-se com facilidade e rapidez. Usam da aguardente para os conservar, e n&o ha adegas subterrâ­neas, que indiquem a producção regular de vinhos de pasto genuínos.

Cabe n'este momento dizer duas palavras Acerca do tra­tamento das vasilhas.

Expozemos n'outro logar que ellas costumam ser muito grandes, mas, além da grandeza exagerada, também se encontram com pouco aceio. O vinho adquire n'estas habita­ções insalubres o cheiro e gosto de mofo ou bafio, sendo frequente apresentar-se com defeito de vasilha.

Uns deixam accumular o sarro sobre as aduellas aló for­mar grossas camadas, que pelas alternativas de seceura e humidade, se enchem de fendas por onde se insinuam as vegetações nocivas e toda a casta de bolores que comnni-nicam mau gosto directamente ao vinho; succedendo ainda que o sarro muitas vezes adquire uma especie de ranço, em virtude de alteração pouco estudada, que Iransmitte ao vi­nho um sabor análogo ao goút de terroir, que, nos casos ordinarios é devido, como toda a gente sabe, ;i natureza dos, terrenos.

Outros, sem se lembrarem que o vinho exige, depois do oidium, um tratamento especial que o despoje do sulphy-ririco, entregam-n'o ao consumidor ainda carregado de en­xofre, que se concentra ainda mais, quando o vinho se abandona muito tempo sobre a m5e. Lamentável prejuízo que concorre para a deterioração de muitos vinhos, pois, a lia, vê-se a todas as luzes, não pôde n'estas condicções se­não contribuir para estragal-o. . Estes factos observam-se com frequência na Extrema­dura, que adoptou o enxoframento mais depressa que as outras provincias, já pela maior ilfustração de seus vinha­teiros, já também porque o oidium fustigou com maior in-

tensidade os vinhedos d'esta parte do reino. O publico ha-bituou-se sem repugnancia aos vinhos saturados de sulphy-drico, e os lavradores nunca pensaram muito em destruil-o. Mas, se assim acontece cornnosco, nSo succedeu o mesmo em Londres, e muitos vinhos d'esta região foram menos favoravelmente apreciados que os do Algarve e Alemtejo, por conterem, além de uma cor intensíssima, corpo ex­cessivo, travo demasiado e exuberancia de saes, o acido sulpliydrico, que poderia fazel-os passar por verdadeiros vinhos sulfúreos.

Sabem a canoí exclamavam os provadores, surprehendi-dos com espanto pela novidade da droga. Cheiram o sa­bem, acrescentavam ainda outros mais severos e rudes na linguagem.

Ora o cheiro a cano não é senão o cheiro a sulphydrico, quo os livros de cliimica comparam ao dos ovos podres, e que nós não precisamos definir, por fazer hoje parte con­stituinte do ar (pie se respira nas casas de Lisboa. E não ad­mira que os vinhos o tivessem, havendo sido directamente passados dos toneis para as garrafas, sem trasfega nem prévia sulfurarão, que o destruísse.

Cliegámos ao capitulo dos cheiros extravagantes, e já agora não me soííre o animo que o abandonemos sem o completar. Não è só pelo cheiro e sabor a cano que pec-cam os vinhos portuguezes; alguns, como succede também aos de Hespanha, da Grecia, da Hungria e da Australia, apresentam o gosto a ratinho! Empreguemos o diminuitivo para desvanecer algum tanto a impressão desagradável, que o nome possa causar; mas não ha outras palavras que des­crevam com maior exacção este defeito, que não è único, e que em alguns vinhos brancos da Beira, pôde ser substi­tuido pelo gosto a formiga. Nenhum d'elles se confunde com o goiit de terroir, que também cá temos, e que é eguatmente bastante vulgar nos vinhos commons da Hun­gria.

Vejam que serio de coisas extraordinarias, e que des­cobrimentos tão exóticos!

jiGO

Como ê possível saberem os vinhos a ra tu e a foimigas, se.ninguém costuma comer estes manjares! É cerlo, mas a objecção não colhe.

Sei que estas indicações, aliás verdadeiras e de fácil ve­rificação, desagradam ás pessoas que encaram o fabrico como a ultima expressão do saber cenolog-ico; porém, eu que estou longe de acceitar esla.doutrina e plenamente convencido da necessidade de uma reverendíssima reforma, sou obrigado a dizer as coisas em voz alta para quo me oiçam os vinhateiros progressistas. E antes quero proce­der assim de que pôr os nossos vinhos todos os dias pe­las ruas da amargura, nas palestras que se armam á meza do restauram, quando caem sobre cila as garrafas, que po­diam servir de coipo de delicio ao processo.

O cheiro a cano, o gosto a ratinho e o gosto a formiga, ou procedem do tratamento incompleto, ou do desleixo e .falta de aceio nas vasilhas.

Não pôde, senão na opinião dos ignorantes, concorrer para desacredita r os vinhos, o conhecimento destes factos. Pelo contrario,, é preciso que todos o saibam, c que o vi­nho se envergonhe de um defeito, que adquiriu por falta de limpeza.

Occulíal-o é. que não pôde produzir os mesmos resulta­dos, porque nos encaminha a descurar o fabrico, e nos per­suade que não precisamos fazer esforços para introduzir nos mercados estrangeiros, os vinhos que tão grosseira­mente fabricamos. E a necessidade de patentear a verdade, sobe de ponto, quando se considera, que muitos dos nossos compatriotas nem sequer teem paladar.

Estas coisas não se inventam, e nos próprios termos que as definem, está, pela precisão da idèa que representam, o fundamento da critica.

São defeitos, e os defeitos podem ter remedio; mas, os vinhos sem terem mau gosto, podem ainda apresentar mui­tos gostos incompatíveis, o que fórma um defeito de ou­tra ordem.

Os sabores incompativeis, doce e lanninoso, doce e acido,

101 doce e salino, doce a acre, procedem de diversas causas. Das macerações exageradas, de fermentações mal dirigi­das e incompletas, dos temperos e lotações de toda a casta. Eis-aqui as principaes. Os sabores imcompativeis, e todas as combinações que d'ellcs podem derivar-se, deixam no provador a mais desagradável impressão.

E na realidade poucos vinhos temos nós,, que fujam a esta censura. Até o vinho do Porto commum lemos gostos incompativeis do doce c tanninoso. Começa a heber-se ap-parece o assucar, depois vem. o tanniao que aperta as gen­givas. Os vinhos licorosos são em gerai doces e salinos.

Mas, não são somente os vinhos portuguezes que estão sujeitos a estas imperfeições. Muitos vinhos hespauhoes e gregos se apresentam com gostos múltiplos.

O vinho, que se não deixa fermentar até o completo desapparecimeuto do assucar, fica doce; se a curtimenta se fizer com excesso de engaço, além de doce será tra­vesó, com o gosto da casca ou do tannino. O vinho em íjue fermenta todo o assucar, pode apresentar-se secco, e quando se lhe eleita abafado e aguardente para o amaciar, ficará com dois gostos difieren tes. Da bella geropiga e do abafado, que se addicionam aos vinhos cheios de tartro e de ácidos, da juneção de cachos com uvas muito passadas, a uvas verdes ou mal sasouadas, procedem estes desvarios da arte, os quaes, na phrase de um portuguez eminente, só podem conservar-se depois, como os abortos, em alcool! O alcool, que 6 o colletc de forças dos nossos vinhos, e que nem sempre depois de vestido, os aguenta.

Também o homem de ferro, que vae na procissão do. Corpo de Deus da cidade, apesar do aspecto guerreiro que simula debaixo da pesada armadura com que o vestem, em che- gando á rua dos Capellistas, já não pode com ella eprecisa de quem o ampare.

Na snb-região que consideramos, são tidos como vinhos de melhor nota, os do concelho de Torres Novas, onde se apontam, na classe dos tintos superiores, os da Zibreira, da Matta, das Lapas, ele, e alguns dos valles do Almonda

m Almonda e do Alvorão. Entre os brancos, são principal­mente esíimados os da Brogueira e Parceiros. . Fabrica Torres Novas avultada quantidade de abafado e gèropiga, por conta dos negociantes de Lisboa, em que en-tóa muita aguardente de cereaes.

Os ricos abrem, durante a vindima, mercado de uva á porta da adega, e enchem as dornas a pouco e pouco com mosto de que sae vinho imperfeito, porque a vinificação so faz com desegualdade e aos bocadinhos; ficando as uvas a ardei: por tempo indeterminado, até que o acaso conduza os pequenos lavradores, com o magro producto da sua colheita,, ao local das compras.

O-Cartaxo tem vinhos de copo e de embarque nas fre-guezias de S. João Baptista, Valle da Pedra, Ereira, Lapa e Pontével. - ;.É;cOftio4odossabem aterra do vinho presunto. Unica que fá2 as.- delicias dos frequentadores do Gollete Encar­nado :e do popular Manuel Jorge. É o mais graduado dos viiíhos que podem cortar-se ;l faca.

: Os vinhos dos bairros de Santarém são egualmente di* copo, e os do campo, servem para queima.

Cardèaes, Succorío e Monçarria, como tambera Achete, Povoa, as duas Azoias, Romeira e Alcanhões fornecem os de melhor qualidade.

Vali de Figueira, Pernes, Malhou, Àmiaes, etc., os de segunda classe. --•'Santarém, Pombalinho, Azinhaga e Chamusca são o solar dos vinhos do campo.

•Tíiomar íem tres typos de vinho* o da Sem, onde os v i ­nhedos se acham dispostos em sucalcos, oriundo dos schis-tos. É palhete, muito alcoólico, delgado» aromático e maduro,: fermentado em toneis, e disciplinado á nascença com va ­ras de salgueiro, (jiie é para o serrano, como que o c h i ­cote dos vinhos: o de Santa Maria dos Olivaes, que se fa­brica de feitoria, pouco aromático, encorpado, cheio d ê casca e retinto; e o vinho de Paialvo, S. Silvestre, S. M i -güel, .Asseiceira, Aiviobeira, Casaes e Sabacheira, que leni-

163 bra o do campo de Santarém, como o antecedenle o do Cartaso.

A terceira e ultima sub-regiao da Extremadura encerra grande variedade de vinhos, sendo a capital do districto, Lisboa, a primeira cidade do reino.

Lisboa! A" rainha do Tejo, tantas vezes cantada pelos poetas e prosadores. A primeira cidade do universo por suas bellezas naturaes.

Sim. Uma cidade, que vive descuidos» e alegre sobre as fezes apodrecidas de seus moradores; uma cidade, -em que o numero de óbitos é apenas superior ao dos nasci­mentos, podendo calcular, desde já, com escrupulosa exac-ção mathematica, o dia em que ha de morrer o ultimo dos seus habitantes; uma cidade, que respira o pó das cal­çadas e os efíluvios dos canos, que compra, annualmente, ao estrangeiro o pão nosso de cada dia, para me servir da bella phrase da oração dominical; ama cidade, em que até as arvores são infelizes, e que está dando á morte me­lhor asylo que aos vivos!

Lava-te ao menos no Tejo, Lisboa! se não queres que os vermes da puírefacção se apoderem, dos teus formosos cabellos. • .

Passemos porém um veo sobre coisas tão tristes, que o nosso dever é simplesmente historiar os vinhos.

Não apresenta differenças a cultura, que se executa se­gundo o systema seguido nos dois districtos precedentes.

O processo de fabrico mais geral é o de meia feitoria. Os mostos passam a fermentação tumultuosa nos balseiros ou toneis, lím varios pontos, fazem vinhos de feitoria com­pleta, como no Douro.

Dispõe das mesmas uvas que as precedentes sub-re^ giões, mas apparecem algumas com nomes novos¡ e outras differentes. Posso citar entre estas ultimas, a baldoeirav o ramisco. o bomvedro, o gallego doirado, o espadeiro, etc.

São tão numerosos os centros ou povoações vinícolas da sub-região de Lisboa, com quanto nem todas possam Jul-

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gar-se celebres peia abundancia da producto e Unura d'ella, que não descerei a occupar-me de todas.

A extensa lista que mostrámos, no começo (Testa con­ferencia, bem o certifica, e não vejo necessidade de repetir a cada instante, o (pie se pôde applicar, sem erro gros­seiro, a quasi todos os centros, que não diversifiquem con­sideravelmente entre si.

Insistiremos unicamente sobre os vinhos mais conhecidos, começando por algumas indicações geraes acerca de Torres-Vedras, cujo estudo não chegará a completar-so senão na seguinte conferencia.

Torres Vedras é, na opinão communi, um dos primi-paes centros vinhateiros do districto, e dos mais producti­vos. Pela natureza e accidentes do solo, apresenta muitas variedades de vinho.

Admittem, geralmente,"os provadores tres typos princi-paes. O typo fraco, originario dos terrenos seceos e are­nosos; o typo-. bastão, que se gera nos varzidos, e o typo fino ou superior das collinas. que ha quem diga asseme-lhar-se ao vinho generoso do Douro.

Gosam de maior reputação no commercio, os vinhos da Caxaria, Dois Portos, Carmões, Ordasqueira, Mala-cães, e Calvel, se bem que outros possam medir-se com estes, sem possuírem comtudo egual fama.

A proximidade do oceano, o relevo do solo, bastante mon­tanhoso, influem no clima, difíicultando, em alguns pontos, a maturação da uva, senão na realidade, para que ella possa produzir vinho de pasto, como eu imagino e desejo que façam, peio menos na apparencia, por isso que é um pouco difíicit chegar á maturidade forçada, que sc exige para vinhos de lotação.

E cTaqni resulta, que a despeito do excellenle terreno de vinha e da sua regular e por ve/.es abundante produc-ção, os vinhateiros, querendo aproximar-se das percentagens-saccharinas mais elevadas, e sobretudo das côres mais in­tensas, puxam pelas orelhas á maturação, por meio de di­versos artificios.

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ftecorrcin aos escaldões, ¿s caldeiradas e arrobamentos, sem dispensarem o ardimento prévio da uva, que é o pro-cessd estragado do nosso compatriota Sampaio.

Somos nós, os lisboetas, que bebemos quasi todo, se­não todo o vinho de Torres., com este ou com outro nome.

Rarissimas vezes puro, porque, antes de cá chegar, é de rigor, que passe pelo baptismo, a que preside o grande sa­cerdote de Baclio, chamado almocreve.

E não fiquem por tão pouco estomagados comigo os al­mocreves, sem os quaes o vinho de Torres não seria tal­vez conhecido na cidade. Confessemos, que, no tempo em que não havia as estradas, foram elles os rivaes do camello, que fónna, no deserto, o micleo das caravanas.

Não devem egualmente levav-me a mal os vinhateiros, que eu censure os seus processos.

É muito condicional a minha censura. Se querem con­tinuar, como até aqui, fabricando vinho para o almocreve, bem podem fechar os ouvidos aos meus conselhos.

Eu estou fallando unicamente aos que pretendem mudar de freguez, por terem vinho de mais, que os obrigue a pro­curar consumidor, fóra do nosso paiz.

Para estes últimos o caso é mais sério, e precisam atton-der-me. Rofiro-me sempre nas minhas considerações aos mercados estrangeiros, e procuro ensinar o caminho para os nossos vinhos lá irem, com maior facilidade e vantagem do productor.

Espero que me comprehendam. O contrario era cegueira, Ainda me não ouviram dizer, que fizessem clame para o almocreve.

Ninguém se apresenta na côrte com chapeo- desabado e jaqueta de pelles; mas ninguém anda peias chímecas de casaca e gravata branca. Escolham e resolvam, e não; esqueçam os. fundamentos da crítica. Aprecio: os vinhos por-tuguezes, sob um pbnto de vista inteiramente; novo.

O almocreve, quando vae ás adegas comprar os vinhos, não gosta nem podia gostar senão dos que hoje se estão fabricando.

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O tonel, que mais lhe agrada, é sempre o que for mais retinto. Sem vinhos de muitas cores uão pôde haver almo­creves.

E senão vejamos o que elles costumam praticar, depois da escolha e do ajuste do vinho. Juntam ao tinto um na­dinha, ao de leve, de vinho branco, que ó mais forte e abo­cado, uma gótica de aguardente e o popular abafado. É então que o provam. Cirandam-n'o no prato; mastigam-n'o entre os dentes o a lingua, e quando o engolem, exclamam.

—Agora sim, melhor do que este nem o bebe S. Pe­dro no ceol

E bom é que assim seja para que fiquem contentes. Satis­feito o comprador, entra em scena o companheiro.—Por de-traz do almocreve está sempre o odre, que, pela antigui­dade, é um figurão, O odre descende dos árabes. É uma pelle de cabra com fôrro de pez. Pobre animal! que, depois de morto, vagueia ainda pelos caminhos I Á resina fende-se, estala, porque nüo tem elasticidade sufficiente, e o vinho adquire o gosto nauseabundo da pelle mal cortida, que do gosto de pez, em taes casos, não vale a pena a gente lein-brar-se.

Quando eu sai de Portugal, deixei o odre em grave risco! Estava em crise. Situação perigosa.—Luctava com inimigo poderoso,—o vapor.

Tinha o vapor obrigação de estoirar o odre. Mas succe-deu o contrario. Voltei e vi com espanto, que fôra o odre, que triumphara do seu rival.

Adoeceu o vapor de canseira, e dois annos depois de via­jar parâ Torres, estava na sepultura. E o odre agora está nédio e sadio, a pular de contente, levantando para o ar os bracinhos, a pedir que o montem outra vez no macho. Quer vir á cidade, porque já tinha saudades d'ella.

O odre entra de rastos para a adega, e com a pelle pe­gada ás costas: mas, em pouco tempo', saepara fóra aven­tado e hydropico. A goela é larga, e de estomago cheio, salta orgulhosamente para cima do macho.

Começa a viagem e começam as provas, as provas conti-

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nuas do almocreve, que pára nas vendas, c gosta de mo­lhar a palavra com os amigos que topa na estrada. Com el­las e o calor da jornada, a que ainda se juntam os sola­vancos do chouto do macho, n'uma palavra, com tantos bal­dões, o odre chega ás portas mais magro e com muita sede.

O almocreve é bom homem t Paga os direitos, e vae em seguida á estalagem dar de beber ao odre.

Mas a caridade não pára aqui. 0 taberneiro, que ainda se lembra do antigo costume de ter balde á poria, para im­pedir a hydrophobia dos cães, apenas o odre lhe entra na loja, dá-lhe mais agua a beber, e então pela celha, com medo que o vinho se damne.

Depois do descanço, e conforme as forças que o vinho mostrar, acaba-se a cura com os estimulantes, entre os quaes a pimenta ó remedio infalfivel, porque o deixa mais rijo do que um cipó.

Fora dos bastidores, o beberrão da taberna espera por elle com a impaciencia do povo que assiste á chegada dos cirios.

—Sabe a odre. compadre, exclama um velhote, que passa por muito entendido, ao deitar abaixo o primeiro copo.

—Então é Torres legitimo, responde uma voz cavernosa de baixo profundo, não ha que ver.

Para taes amadores, o typo dos vinhos não depende das castas, ou para ser mais exacto, a casta do Torres ê sim­plesmente o odre! e

¿Pensam, porém, que o vinho torreano segue todo este caminho, para deliciar as goelas dos alfacinhas? Como es­tão enganados. Uma parte d-elle levanta vôo da terra, dá entrada em Collares, e vol(a depois em barris pequenos para Lisboa com o nome trocado.

A transformação é curiosa. Nós que não temos geito para fazer de um jacto obra perfeita, somos, comtudo, óptimos algebistas de vinhos.

Transmuda-se a còr arroxeada do Torres na côr verme­lha do Collares com facilidade. Podiam acidulal-o com acido tártrico; mas preferem descoral-o um pouco com carvão

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animal, ou cíarifical-o com clara de ovo, que arrasta a parte roxâ, n5o fixa, que escurece o vinho.

Limpo e descorado, o que se verifica no fim de % a 3 dias, juntam-lhe 4 a 6 grammas, por almude, do lyrio flo­rentino pisado.

E assim fica com o cheiro da violeta, que é o do lyrio. E assim nos sabe depois o Collares fingido ao rapé fino, que também leva lyrio.

Innocente transformação I que podia converter-sc om en­sinamento.

Quem negará a possibilidade de fazer Collares na região de Torres, se fóra d'ella se obtém com tão pouco trabalho.

Util lição, de que deveriam tirar partido os vinhateiros de Torres, que, mudando o processo de fabrico, podiam dispensar, que lhes viessem os visinhos comprar o vinho, para depois de falsificado o venderem tres vezes mais caro,-

Mas eu sou um louco em pensar assim, e dou provas de que não conheço a terra em que vivo.

É lá possivel imaginar Torres, sem os xaropes e os al­mocreves? Para que serve a experiencia de tantos annos, senão para que se repita hoje, o que fizemos hontem, im­pedindo que se ponha em pratica coisa difíerente do que está em uso?

O vinho não segue a marcha natural das coisas humanas, que, todos os! dias, tendem a aperfeiçoar-se. '

O vinho, senhoris, dizemos nós, deve ser creado pelo (fia de hontem, e deve'ser feito pelo processo ão já lá vem âe traz, que é o Adão da oenologia.

O vinho, é essencialmente conservador. Vive como os fi­dalgos arruinados, não direi do pó dos seus pergaminhos, porque nunca os teve; mas, não pode prescindir das teias de aranh* de suas adegas, onde este insecto governa e dis­põe com a liberdade de que gosavam os frades no interior dos conventos.

Os povos são como os individuos. Caracterisam-se'pelas tendencias, distinguem-se pelos costumes, perpetuam-se pelas indmaçges.

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A pintura e a musica iembram logo a Italia. A moda e o gosto symbolisam a França nas regiões das lettras, das artes e das seiencias. Quando fallo de moda, bem enten­dido, não me retiro somente aos figurinos do vestuario. A obediencia e o estudo pintam bem a Allemanha. A offerta e a procura, quer dizer, o commercie, definem o povo inglez, que vae, em navios, a toda a parte do mundo, levar e tra­zer. Desenham o turco o serralho e o cachimbo. O opio e o chã modelam o china. O charão e a louça tornam o japo-nez conhecido. A independencia e a liberdade nasceram com o suisso. O impossível realisavel dá nome á America. A gran­deza, em ponto pequeno, assignala o belga. O toiro e a Ixjyna dão o perfil do hespanhol. A nudez e a missanga exemplificam o preto. A resistência passiva e a imitação vagarosa são os nossos brazões.

Em virtude da propensão manifesta dos portuguezes para as obras engenhosas, vamos no caminho de substituir a pouco e pouco as escolas e as tradições, pela instituição do curioso.

As melhores touradas e as mais concorridas são sempre as dos curiosos.

As musicas, os espectáculos, os dramas, que mais in­fluem o publico, são os dos curiosos.

Escasseiam artistas e as aulas de pintura ficam desertas por falta de discípulos; no entanto, abre-se uma exposição de bellas artes, e as salas apparecem guarnecidas com os quadros dos curiosos.

Precisamos de uma casa, bem edificada, em que se en­contrem as commodidades, que tornam a vida agradável; vamos buscar um curioso que nos faça o risco, para depois nos queixarmos, que o ar atravessando as paredes nos con­stipa dentro da cama, e que a má distribuição das janellas nos deixa ás escuras os quartos.

Paríe-se a mola real do relógio, comprado no Dent, de Londres; não se procura o melhor relojoeiro da cidade, nem se manda o relógio ao fabricaute; mas, vae entregar-se a um curioso para o concertar, que móra n'umbeco à Graça,

rCNF. P. i . M *

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e de cuja existencia soubemos por uma conversa, quasi em segredo, entre dois individuos, que estavam ao pé de n ó s , uma noite, em um banco do passeio publico.

Apparece uma borbulha na testa, que pôde ser uma nas­cida de mau caracter. N'esse dia., encontramos na rua to-dos os medicos da nossa amizade. Passamos por elles quasi a fugir, com a mão sobre os olhos, ou inclinando o chapeo para diante, a fim de occultar a borbulha; mas, vamos d'ali á pressa consultar um curioso, que vende pomadas e tem fama de saber levantar a espinhela.

Vè-se muita gente parada defronte de uma loja ao Chiado. É um modelo do convento da Batalha, executado em cor­tiça, tendo por baixo, em grandes lettras: obra de um cu­rioso, k noutinha, ao accender das luzes, é tal a aflluenpia do publico, que se armam desordens no apertão.

Annuncia-se uma experiencia de balística na Outra-Banda ou para os lados de Belém, dirigida por um curioso. Cae lá o poder do mundo, e o publico leva com a bala na cara I

Está um sabio compondo no seu gabinete uma obra para a academia; deixe o que está fazendo, e escreva um rela­tório sobre as nossas colonias, onde elle nunca esteve, poiv que temos necessidade que isto seja feito por um curioso. Mal o trabalho se acha concluido, levam-n'o pela gola da casaca para as cámaras, para que haja, n'aquelle anno, mais um curioso no parlamento. E a memoria por fim nunca chega a apparecer.

Falta um mestre de fabrica, um regente de vinhas, u m jardineiro para um horto botânico, um cocheiro para uma carruagem, corre-se todo o paiz em busca do melhor c u ­rioso na especialidade.

Mas, como nasce e se fórma o curioso? De infinitas ma­neiras. Aprende o curioso a sciencia ou officio, sósínho no quarto, lendo nos livros, espreitando e tirando os segredos alheios pelas fisgas das portas?

Não posso dizel-o. O que eu sei, é, que elle não consulta modelos, foge dos mestres, desdenha da escola, e ri-se de tudo que nüo saiba fazer. Deita poeira nos olhos dos outros.

i 7 ! c espalha nolioiss, que ohriguein o publico a vir consul-íal-o.

Os mais atrevidos parecem modestos e de grande humil­dade. Não atacam ninguém senão pelas costas. Quando são atacados choram e grilam «nós somos curiosos 1» Euterne-ce-se o publico, chora com dies, c ainda em cima os con­sola. Se erram, se mentem, não soffrem castigo, nem pe­dem desculpa; mas, alcançam perdão.—Co'dadot é curioso, muito faz elle!»

O curioso de fama muda de officio ou de profissão em pequenos periodos. Assim se engrandece cada vez mais, porque mais curioso se torna. Ao cabo de muitos triumphos, chega o momento de receber a ultima recompensa publica. Perde o nome especifico. De curioso passa a chamar-se faz tudo, e dabi para cima já não tem que subir. Não ha mais distineções, nem maior galardão.

Como a sciencia, como a pintura, como a arte, a indus­tria, a relojoaria, como a maior parte das cuisas, a vinifi­cação está, infelizmente, nas mãos dos curiosos.

A admiração do publico por este operario da resistencia passiva e da imitação vagarosa, quasi sempre imperfeita, que deve o que sabe á ignorancia de quem o emprega, e o que não sabe á bondade de quem o consulla, não vem a acabar sem uma revolução nos costumes.

Mas ha peor do que o curioso, e o dia de amanhã! agente duplamente anesthesico.

Ambos juntos teem sobre ¡1 sociedade portugueza a in­fluencia dos narcóticos.

Sabe Deus por quantos annos ainda, estes dois inimigos do progresso nos deixarão a dormir.

5.a CONFERENCIA

E M 1 X>:E SETEIVCBHO IDE IST'e

No s a l ã o nobre do tliea!ro da Trindade

SUMMARIO Continuação do esludo dos vinlios de Torres.-^'VÍnificaç3o.~ Álcool natural

tl'cstes vinhos.—0 vinho torreaiio será um lypo bem caraclerisado?— Exame d'esta questSo, relativaaienle ao vinho velho e ao vinho novo.—Rivalidade entre o Torres velho u o Douro.— Assenla-se, finalmente, nadasse a que o pri­meiro deve ficar porlencendo.— Rápida apreciação dos processos de fabrico.— Escaldão, sua condemnacAo e defeza—Eíitiaem scena Madeira Torres a patro­cinar o esc;.ldào.— Em que se encanou Madeira Torres.— Quem faz o clima de Torres é o almocreve, que è lambem o pae dos arrobes.—Sae triumphante o escaldão, o faz-se-lhe o competente elogio.

pasos incomprehensiveis, mas que por fim se explicam.— Os vinhos voliam-se nos annos de melhor novidade.—O vinhateiro náo é provador egaba-sede não entender de vinhos.—N'eíla situação, aluga a boca de seus criados.—A traz da boca, ref;ula-se lambem pela cabeça d'elles.

Vinhos de Collares.— Nem esles escapam á aguardentaçao.— Preços exagerados dos vinhos de Collares.— Edade e vida dos vinhos em geral.— Como hoje se faz, o vinho de Collares morre sempre menino.—O pero em Alemquer.— Vinho de Bucellas.—Ali eslá o arintho em sua casa.—Bellezas d'este vi­nho, quando não lem aguardente.— Será bom o Bucellas para fazer Cham­pagne?—Nâo o chama Deus por este caminho.

Tres pimpões.— Carcavellos, Lavradio e Cadafaes,—Viagens do Carcavellos. —Apparece o oidium a bebcl-o lodo, e o mercado continua a produzir Car­cavellos da mesma maneira.—O publico passa a beber o nome, e não se in-commodacom a troca.—O Carcavellos da exposição.— Cadafaes, typo antigo e moderno.— Lavradio.— Avellanienio da uva.— Proezas do Lastaidinho e sua forca alcoólica.— Começam os campos a extremar-se.— Primeiros Uros. — A peça de Krupp é substituída pela carta anonyma, em consequência da escassez de aço e facilidade de loquela.—-Exhibição de uma carta.— Reconhece-se, que esta é ao menos favorável ao prelector, e que foi uma dama quem a escreveu. Voto de «ma senhora acerca da questão vinhateira.

Meus senhores I—Não é necessário nem útil estudar mi­nuciosamente todos os concelhos vinícolas da Extremadura. Apenas conseguiria, se o fizesse, fatigar a attenção do audito­rio. Pareceu-me sempre que não valia a pena demorar-mo-nos com a descripção dos processos de cada vinhateiro em particu­lar, quando se não possa tirar do seu estudo algum preceito,

CONF. P. f. 12

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bem observado, que mereça seguir-se, on pôr-sc em evi­dencia algum erro grave, que deva ser -iponlado para que se evite. Este plano apresenta, comtiulo, alguns incoimv nientes, porque todos gostara de ver o seu nome reprodu­zido em leítra redonda.

Principiámos, na precedente conferencia, a traçar os de-liniamentos da região de Torres Vedras, quo tem por fre-guez o almocreve e por consumidor o alfacinlia. Ficámos sabendo porque modo o vinho d'aquella comarca nos ap-parecia em Lisboa; hoje proseguiremos n'este estudo, pas­sando ao exame do vinho de Torres, em seu preparo na adega, para nos oceuparmos depois muito por alto do con­celho de Àlemquer, e com mais individuação das zonas de Collares, de Bucellas, Carcavellos, Cadafaes, Lavradio o Sc-tuba!.

A vinificação de Torres Yedras, pelos arliíicios de que lançam mão os seus vinhateiros, a fim, como foi apontado, de contrabalançarem as influencias atmospbericas, que se oppõem, no entender d'clles, á completa maturidade das uvas, differença-se bastante do que está em pratica na maior parte das comarcas- vinhaíeiras do reino.

Vindimam tarde, nunca antes de 23 de setembro, fazem lume na adega para fabricar o vinho, e põem a uva A ar­der, antes da pisa. Notem, que pôr as uvas a arder, não ê lançal-as ao fogo.

Escaldam os mostos, no começo da fermentação, ou ar-robam-n'os, Se o escaldão não basta para deixar contente o freguez almocreve.

A uva, cortada nas vinhas, vem ordinariamente para a adega em carros, dentro de dornas de pinho, se os laga­res ficam muito distantes das fazendas; ou ás costas dos vindimadores, em cestos de vime, quando estão próximos. Apenas chegada a casa, despeja-se no lagar, no baiseiro, ou no tonel, posto ao alto, quando por qualquer circum-stancia seja preciso desfiindal-o para a curlimcnla.

Ahi ficam as uvas demoradas por cinco, oito ou dez dias ás vezes, resultando amollecerem os bagos e perderem o

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verdor os cngaços, e como ellas vieram da vinha já meio pisadas pelas baldeações c o corte, feito de proposito com as enxadas, para que se conduza de cada vez maior porção de mosto ao lagar, declaram-se, em toda a massa, fermen­tações parciaes, que se estabelecem por camadas, e em larga escala contribuem mais tarde para prejudicar a boa qualidade do vinho.

Os escaldões ou caldeiradas completam a obra do ardimento da uva, e chegam mesmo a substituil-o de todo, quando haja necessidade, por qualquer motivo, de apressar a vindima. Pre-para-se o escaldão, aquecendo o mosto a fogo nu, em cal­deiras dc cobre, que teem uma até duas pipas do capaci­dade. Sobre uma fornalha tosca está assente a caldeira, que se aquece com lume de vides. O mosto quente vasa-se sobre a uva, que está nos balseiros, mistura-se bem para espa­lhar o calor uniformemente pela massa, e espera-se que a fermentação se desenvolva então com grande força.

Cada balseiro pôde levar uma ou duas caldeiradas, e no caso de não terem as uvas ficado a arder, lança-se o mosto quente, sobre o que foi obtido pela pisa nos lagares, já a esse tempo passado para as vasilhas de curtimènta.

O arrobamento dos mostos è feito esbagoando as uvas, e introduzindo os bagos em uma caldeira de cobre, aque­cida a lume brando; mechem-se as uvas com cuidado, até que pela concentração fiquem convertidas em massa de ar­robe. N'esta preparação varios fructos se incorporam a el­las, quando pela doçura se mostrarem dignos de serae-lliante honraria.

Grande numero de vinhateiros não só escaldam, mas ar­robam ao mesmo tempo os mostos. E verdade, verdade, parece que não ha satisfação completa, senão quando em­pregam simultaneamente os tres meios para os amadu­recer.

O álcool natural do vinho de Torres não passa, em mé­dia, de 10,7 porcento em peso, tendo as uvas 21 a 23 por cento de assucar. A média alcoólica dos vinhos, achada di-rectamentej é de 14 % em volume. A aguardentação regula,

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segundo assevera o sr. Lapa, por 12 canadas em p i p a a qual aguardeniação, qner se faça quer não seja feita na adega do lavrador e por sua conta, tem por fim exclusivo satis­fazer ao almocreve, que é e continuará a ser o principal comprador d'estes vinhos. Não admira, por tanto, que a to­das as tbeorias prevaleçam as exigencias d'esle commercio especial, e que os vinhos de Torres, em logar de serem de consumo directo, pertençam á classe dos vinhos de lotação, que representam, termo médio, vinhos de tres côres.

O vinho de Torres, depois do que fica dito, perguntarei , eu agora, será realmente um typo bem definido, antes de sair da adega do lavrador, quando est;i ainda isento de qualquer preparo?

Será, accrescentareí lambem, uma especialidade real, sup-pondo-o no grau de maior perfeição a que possa attingir, e nas mãos dos que são incapazes de o adulterar?

Todos dizem que é, e dizem mais; pois admittem varios lypos, e principalmente dois; o vinho generoso oriundo da encosta, e o vinho commum da várzea. O typo ligeiro não nos tomará tempo. Quem o behe é a caldeira.

Eu, embora corra o risco de uma opinião singular, sem desconhecer que ás diversas situações das vinhas, devem corresponder lypos ilifferentes, entendo, que na actualidade o vinho novo de Torres não constitue um typo bem accen-tnado. O seu único condão 6 a côr.

O seu principal característico procede do arrobe e do es­caldão, n'uma palavra, das operações que presidiram ao fabrico. Composto com bastantes castas de uvas, e que nem sempre são finas, bastava esta circumstancia para que, na ausencia de outros temperos, se não possa julgar um typo perfeito, variando annualmente de propriedades, con­forme varia a uva predominante, e devendo as semelhan­ças que apresenta á fieira das caldeiradas, por onde todos os annos é obrigado a passar.

Fieira tão bem calibrada, para o fim que se teve cm

' Memoriq sohre ot processos de vinificação, pag. 62.

visla, que st; us uvas forem azedas, ella è. capaz de as fa­zer doces, se fracas fortes, se descoradas retintas.

O vinho não representa o producto genuino da colheita, nem pode representar o typo verdadeiro e natural da re­gião. O valor d'elle está na eòr, e como esta> nunca, por maior que seja, se gera na vinha á vontade do lavrador, fica ao cuidado d'elle obtel-a em casa, tirando-a do taxo conforme as occasiões, para organisar os typos que mais conta lhe façam.

Porém, o vinho velho? O vinho velho de Torres será, ao contrario, um typo hem accentuado e melhor definido que o anterior?

O vinho velho não fórma nem constitue artigo de mer­cado. É uma curiosidade. E por menor que seja a porção que d'elle se exija, quem o possue não o vende, o que equivale a não existir. Apenas, de quando em quando, faz parte de alguma festa, ou se observa nas exposições, em garrafas de quartilho, que por milagre escaparam ás bus­cas dos almocreves.

O vinho velho, comtudo, não é o precedente, depurado pelos annos e pelo tratamento.

Do vinho primitivo, quando muito, íem a pelle, que a carne procede do abafado e da aguardente com que o ca­saram depois.

Quem conhece a região, e n'ella tenha assistido, em dias de grande jubilo, ás provas dos vinhos mais finos, sabe como as coisas se passam.

Está um vinho em discussão n'uma assembléa de vinha­teiros. Tem a palavra o apresentante d'elle:

—Que vinho e este, que vinho não é, pergunta o pro­prietário, já de antemão convencido que ninguém o co­nhece.

Bebe-se, e todos encolhem os hombros. —É bom, ê óptimo, mas d'onde é, ninguém o sabe di­

zer, até que no fim de muitas hesitações, ha quem deixe escapar a phrase: parece Porto.

Concordam os circumstantes unanimemente com esta saida

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e o possuidor do vinho, entreabrindo os labios para sorrir, assenía-se vagarosamente na sua cadeira, e explica afínalo enigma:

—É Porto, e aqui se interrompe com uma grande risada, è Porto das minhas fazendas, do meu Olmoirinho Roxo, o foi feito por este seu humilde creado. Ahi onde o vêem tem dez annos, e já no primeiro era um vinhão, que se cortava á faca. Quando o meu compadre almocreve lhe poz os beiços, benzeu-se umas poucas de vezes. Foi feito com perto de'vinte qualidades de uva diíferentes. Ardido, es­caldado e arrobado a preceito. Este demonio tem goela de pato para a aguardente, e sempre quo mostra tendencia para secco, o amacio com um tudo nada de vinho abafado de trincadeira, capaz de fazer passar o fel por assucar. Um copo d'elle em jejum deixa-nos a terra a tremer debaixo dos pés. Meia garrafa descobre as estrellas no ceo ao meio dia '

Fica lavrada a sentença por mão de mestre, que eu não posso descrevel-o melhor. O Torres velho parece Porto. Se parece Porto não é Torres, e se não è Torres não pôde re­presentar o typo local.

O que é então o vinho de Torres? Um vinho neutro, cheio de tinta, apto para se diluir com

vinhos palhetes, ou com agua, embora ella o decomponha, ou para se concentrar com álcool, quando seja guardado. Um vinho que será difficil fabricar-se egual dois annos a fio, que todas as colheitas se manifesta com paladar sensi­velmente differente, um vinho elástico como a borracha, e que tem em si a substancia de tres ou quatro.

Este e o seu collega Cartaxo são os dois melhores exem­plares da hydropesia oenologica, no interior da cidade, onde haverá poucos com mais agua no ventre.

Não sei também, que exista vinho contendo maior abun­dancia de borra, e que deposite tão grande quantidade de sedimento, extremamente dividido e n'um estado difficil de se depor, ao qual deve a opacidade, que muitos confundem

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com a cor inlensa, que é propria dos vinhos mais bastões. Mas isto mesmo é que se quer, e sem embargo, ó d'estes que o almocreve costuma dizer, que rompem bem no copo.

Seria loucura tocar-sc na arca santa do actual fabrico, so o nosso intento íora preparar vinho exclusivamente para o mercado interno; porém, se quereis outros consumido­res, o processo em acção tem de soíTrer radicaes transfor­mações.

O vinho de Torres pôde ser convertido em um cxcellenlc vinho de pasto; mas, ó preciso que comecemos a estudal-o sob todos os aspectos. As uvas que esta comarca prefere são as mais productivas e resistentes ao oídium, que fe­riu com violencia a região. Das indagações sobre a doença da vinha, devidas aos vinhateiros, resultou flear-se sabendo que a tinta miúda, outr'ora tida e havida por uva de má qualidade, cia refractaria ao oidium, e tanto bastou para que ella tomasse o togar ás outras castas nas vinhas.

Propagada o mais possivel, confessam-n'o todas as pes­soas imparciaes, resentiu-se o vinho d'esta substituição, no­civa ás suas melhores qualidades.

Diminuiu-se o numero das castas, que existiam, ó certo, mas não corrigiram o defeito, que resulta de uma grande variedade de uvas; porque se adoptou infelizmente uma que não produz senão vinho ordinario.

O ardimenlo da uva, que se oppõe tenazmente á regu­laridade da fermentação, ó outra pratica que está condom-nada por todos os cenologos, tanto theoricos como práticos, o que só se justifica, quando se pretende obter vinho de ínfima especie, saturado de côr, pela quasi trituração que soffre a pellicula do fruclo, onde reside a materia corante.

Os escaldões, que não podem, nem tem por fim a con­centração do mosto, nem o augmento da percentagem do assucar, julgam-se uteis nos outros paizes para elevar a temperatura, indispensável a uma fermentação rápida e re­gular, se o clima, na época da vindima, é consideravel­mente frio.; Nós escaldamos, como regra, lodos os anuos, quer a temperatura seja baixa, ou não seja, verificando-se

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que até nos anuos de maior frio, ella ó muito superior á das regiões do centro da Europa, onde se fabricam muitos vi­nhos sem escaldão. Aquecemos o mosto a fogo nú, sem maior cuidado, deixamol-o não poucas vezes pegar-se á cal­deira, ou encher-sc de fumo, etc, etc., para mais tarde communícar ao vinho o celebre gosto de rabo de caldeira, expressão bem significativa, que eu não inventei, e que só por si condemna o metbodo. . Para justificar o escaldão, ha quem procure ainda exem­plos tirados de França e de Allemanha, onde por varias vezes as circumstancias exigem o aquecimento parcial do mosto, e até mesmo a sua concentração. Que differença, po­rém, entre as condições climatéricas do nosso paiz e as d'estas nações. Pelo que respeita ao thermometro, podem notar-se dífferenças de 12 e i i graus; emquanlo á concen-tração, oscillando a média dos mostos, determinada pelo sr. Lapa, entre 21 e 23 por cento de assucar, o que mais carecemos é diluil-os na maior parte dos casos.

Não basta citar uma região estrangeira para que as pra­ticas por ella adoptadas possam justificar as que seguimos. O que è preciso é avaliar todas as condições das regiões que se põem em parallelo, as quaes se acham aqui intei­ramente diííerentes.

Verdade é, que n este ponto, è preciso fallar com toda a cautelía. O escaldão tem uma boa roda de amigos influentes.

Madeira Torres, auctor de uma monographia sobre a villa e termo de Torres Vedras, assevera, que alguns vi­nhateiros, pondo de banda o antigo uso das caldeiradas e arrobes, foram depois compellidos a voltar a elles, em se­guida a tristes desenganos; querendo assim significar, que os processos culinarios que servêm de base á preparação d'estes vinhos, não procedem da rotina, e são impostos pelas condições naturaes da região.

Acreditemos no facto, que Madeira Torres nos refere, porque outro tanto succederia ainda hoje aos que quizes-sem libertar-se do escaldão, se não tomassem previamente medidas para triumphar dJelie. O respeitável monographo

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caiu todavia n'um pequeno erro de apreciação, de que deve­mos desculpal-o. Não descriminou duas coisas distincías. Con­fundiu o clima com o almocreve, e não deu por tanto com a origem ou causa, que determina a adopção do processo. Quem impõe o escaldão é o mercado, como também é o mercado que o condemna, na hypothese' de que estou tra­tando.

O lavrador, que de um dia para o outro abandone o escal­dão, sem ir cm busca de outro freguez, arrisca-se a ficar com o vinho na adega, por falta de comprador. Porém isto não ó razão sn/Iicienlc para que se componha uma ode ás cal­deiradas, nem argumento para que se aflirme, que a natu­reza das colheitas c uma longa experiencia .tornaram cosi-nheiros os proprietários de Torres. Àtirem-se todas as cul­pas sobre o mercado, que não comprará vinho algum que não seja maduro c retinto. O clima, com todas as suas brisas e humidades, na proximidade do oceano, pode dar, naturalmente e sem nenhum artificio, magnificos vinhos de pasto, como Collares, que é ainda mais húmido.

Infelizmente, o freguez, cujos interesses advogo, anda erradio, e não freqflenla as adegas, seguindo o exemplo dos almocreves; sendo certo que nós, em quanto tivermos quem nos procure em casa, não nos incommodaremos jámais a sairfóra d'ella, por maiores que sejam os lucros com que nos acenem de longe. Eu sei já que vou ficar derrotado, mas não me ralo que me vençam. O escaldão e o arrobe teem fibra para me supplantarem a mim. Sustentam-n'o o almo­creve indígena, e outra entidade, que já vae, de espaço a espaço, por ahi apparecendo. Torres ha de continuar a ser Torres, em quanto o primeiro existir. Quando este não possa devorar-lhe a producção, Torres ha de continuar a ser Tor­res, se com ella sympathisar o almocreve estrangeiro, que estabelecerá o segundo grau de transição, por que ha de pas­sar aquellemercado. A minha victoria fica, portanto, adiada para d'aqui a um século! com um único pezar, confesso, que é vêr esta região alé la conhecida somente no mundo dós ta­berneiros e dos falsificadores, em tanto que eu, tão adverso.

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como os malévolos afíirmam, á reputação (.los nossos vinhos, queria dar-llie, cm pouco tempo, nome o existencia real, em todos os mercados de consumo directo.

Dou-me por vencido, escaldão! Fica-fe em paz com os teus vinhos, aos quaes desde já não posso tirar a cauda, com que os acrescentas! porém, só te peço que não te des­culpes com o clima, nem blasphemes do solo, não calum­nies os fructos para te defenderes. Na tua frouxa ebullição, não digas que augmentas a riqueza saccharina das uvas. nem o corpo do vinho. Tu não és senão a tinta dos almo­creves, o pintor da agua do chafariz.

Cada consumidor tem o vinho que mereço.

Acham-se ainda tão incompletos os nossos conhecimen­tos acerca do fabrico dos vinhos, reina tão grande anarchia e incerteza nos processos de vinificação, que passo a dar conta de um facto, que me parece não se observa fora de Portugal.

É nos annos de melhor colheita, em que o fructo se torna mais saccliarino, que se volta maior numero de adegas Por outras palavras, ás melhores uvas e mais maduras, cor­respondem os vinhos que mais facilmente se estragam.

Este phenomeno, de todo o ponto incomprehonsivel à primeira vista, passa á categoria de facto vulgar, se refle­ctirmos que prende com o fabrico de chapa, tornando-se a natural consequência de não ser alterada nenhuma das ope­rações, que por força devem variar de anno para anno, em virtude da qualidade variável das colheitas.

Suppouham dois mostos, um muito doce e outro pouco saccharino. Levemol-os aos balseiros para soffrerem a fer­mentação tumultuosa, e deixemol-os ali, como se costuma fazer, egual numero de dias. Quando se procede ao enva­silhamento, entra para o tonel o primeiro carregado de as-sucar, e chegada a estação calmosa, o mais natural ó re­ferver; o segundo, tendo completado á sua vontade a fer­mentação no balseiro, c perdido ¡relie todo o assucar, acha-se apto para atravessar o calor sem accidente nenhurn.

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Nos nnnos, pois, de peor colheita correm menos risco os vinlios do so perderem.

Não ó possível alterar as praticas. Os dias da fervura es­tão contados. O vinho fica na dependencia dos azares do processo, d;i maior ou menor affluencia de pessoal á vin­dimo, da aluimlancia ou escassez dc vasilhas, da chuva ou do sol (¡ue se não esperava, ou com que se contava, da vontade do nosso visinho, que vindima cedo e nos deixa a nossa vinha desamparada.

Ouiro facto interessante, que (ambum concorre para a ruindade do vinho, nos vac agora egualmente surprehen-der.

Em geral, os vinhateiros irôo são provadores, e chegam, no requinte da ingenuidade, quando se acham na adega, cm face do viulm e da consciência, a declarar, que não percebem de vinhos. Guiam-sc pelo paladar do cazeiro, e reforçam-no mm a opinião do visinho e do viajante.

O vinhateiro de ordinario não bebe vinho. É facto que para sermos bom provador, se não deve beber muito vi­nho, mas (piando d ¡yo que elle o não bebe, quero signi­ficar, quo nem o prova sequer. Ha ainda outra variante, que poucas vezes se repete. Do vinhateiro que não bebe vinho, passamos ao que o bebe de mais, o qual eu julgo menos htd>ilitado que o primeiro para servir de juiz.

Ora, se o fabricante do genero, e foi a isto que preton-diarnos chegar, não pôde conhecer os seus vinhos, como estar;! no caso de introduzir as variantes que devem mo-difical-os, e os melhoramentos que elles carecem. Parece esta questão ¡i primeira vista de pouco valor, mas è da mais alta importancia na pratica. E se o vinhateiro não tem boca para o que fabrica, como é que está no caso de fazer a critica dos vinhos estrangeiros, que de mais a mais nunca provou. Cura por informações, deixa-se levar por uma falsa opinião que lhe lisonjeie a vaidade, tomando por ofíensa qualquer censura, e gritando aos ouvidos de quem tenta fazer*liras: «be vin c'est moi.»

A vinificação é uma arte, que os práticos exercem sem

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modestia, e sem reconhecimento por quem intenta eusi-nal-os. Aproveitam os serviços alheios é nunca se confes­sam agradecidos. Corttinuemos comtudo a prégar no de­serto, e não percamos a opportunidade de dizer duas pala­vras acerca das modificações, que os vinhos de Torres exi­gem para agradarem ao consumidor civilisado.

É preciso escolher as melhores qualidades, pondo de parte a tinta miúda o mais possível, os escaldões c os ar­robes, de modo que os vinhos saiam palhetes, fracos c hygie-nicos, análogos aos de Collares; podendo ser como esíes, pro­curados pela mesma ordem de bebedores. Não indicarei as uvas, que mais convenha preferir, além das observações que já fiz na conferencia anterior. Esse estudo não me pertence, nem estou obrigado a fazel-o. Os críticos batem de certo as palmas, mas bem sabem os críticos, incluindo os vinhateiros, que n'este ponto, não estão, mais adiantados que eu. O meu principal dever é incital-os a emprehender estes estudos.

Sobre a possibilidade de alcançar em Torres vinhos fra­cos genuiríos, que rivalisèm com os de Collares, não pôde haver a menor duvida. E não sirvam de papão as humida-des e vapores, que se levantam do occeano. Mais proximo d'elle fica Collares, que prepara, sem escaldão, vinhos so­berbos.

Assim como ha setenta annos1 os vinhos brancos foram os mais conhecidos da região, que, em grande parte ali­mentava a caldeira das machinas distiliadoras, assim tam­bém é possível, que, n'uma época mais ou menos remota, Torres Vedras se veja convertida em comarca de vinho di­rectamente potável. Tudo se transforma e modifica sobre a terra, e quem sabe ainda o que o tempo virá a fazer d'estes vinhos. •

Digamos adeus ao odre e ao almocreve, que são horas, e tomemos a estrada de Collares.

Quando bem fabricado e legitimo o vinho, de Collares

' Memoria sobre os processos de vinificação, pag. 58.

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tão conhecido o apreciado em Lisboa, é fraco, palhete, com sabor tartroso, ligeiramente acido, e perfume de violeta. Contém tannino em proporções razoáveis, soffre a mistura da agua, sem decomposição, raro exemplo em Portugal, acompanha optimamente a comida, e pôde bebor-se em maior quantidade que os outros vinhos portugueses, sem nos subir á cabeça.

A região vinícola, além da villa cujo nome adoptou por divisa, abrange as povoações do Penedo, de Almoçageme e Murcifal, cujos vinhedos estão situados cm parle na serra e em parte na várzea.

Creadas a nma grande altitude, e próximas do oceano, se as uvas não produzem vinhos agros, que-se confundam com os verdes do Minho, devem-n'o aos cuidados especiaes de que são objecto; e como não chegam, nem podem che­gar pela natureza nem pela arte, aos excessos perniciosos de maturidade, dão origem a vinhos de pasto, que pro­testam, a todo o momenlo. pela fama e preço que alcança­ram, contra a falsa opinião, que se espalhou de que os portuguezes não gostam senão de vinhos fortes.

Escreve o sr. Lapa, referindo-se a Collares, que elle é o vinho mais francez que possuímos; o que traduzido equi­vale a dizer-se, que é o melhor vinho de pasto que sabe mos fazer..

Diversificam das que cultivam os torréanos, as castas que entram na sua composição; além d'isso, são poucas, e ha uma predominante que imprime o caracter ao vinho.

Conhecem-se, principalmente, entre as tintas: o ramis-co, a parreira Malhias, o castellao, amolare o tintureiro; e en­tre as brancas: o arintho, o castellao branco e a malvasia.

O ramisco é de todas a mais propagada, provando-se por esta forma o que já temos asseverado, ácerca da con­veniencia de se não cultivarem muitas uvas ao mesmo tempo.

É muito curioso o grangeio da vinha, e minuciosos os cuidados para o apuramento das uvas.

Planta-se a vinha em solo argilloso, que se acha coberto de uma camada de areia, ás vezes de tanta espessura, que

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é preciso empregar grandes bacellos de um melro de com-pri mento.

Defendem, no alto da serra, as vinhas com abrigos de matto e palha, do vento húmido do mar que castiga ás ve­zes desapiedadamente até as que se acham nas encostas e nos valles.

Desfolham as cepas, antes de vindimarem, para que ama­dureçam melhor as uvas, mas apesar d'isto, o engaço fica sempre verde e travoso, e tende a prejudicar o vinho que se faz com elle.

Curtem os mostos em balseiros, sem escaldão nem ar­robes, envasilham depois de alguns dias de fermentação tumultuosa, e- como nem todos possuem lagares, andam com as uvas um~ quarto de legua e mais em busca d'elles, até que os encontrem. Também não costumam fazer arder a uva.

E é pelo que fica dito, que os vinhos de Collares, ape­sar do seu merecimento, não podem ainda chamar-so per­feitos. São aromáticos, mas de fraco flavor, e muito diffe-rente do que se encontra nos bons vinhos de Bordéus. Ha grande desegualdade entre elles, apparecendo alguns tão carregados de bitartrato de potássio, que a menor addição de outro vinho um pouco mais forte, o precipita instantanea­mente em crystaes brilhantes. Em outras occasiões, amar­gam unv pouco ao engaço, que sendo muito viçoso não de­via entrar na-curtimenta, prejudicando o vinho. O engaço perdeu muito da sua antiga importancia depois que Ver-gnette Lamotte observou, que elle não continha tavmino. Bem secco e amadurecido, se não faz bem não prejudica. Verde é sempre prejudicial.

Fabricam felizmente sem cozinha, e alguns proprietários mais esclarecidos apresentam o vinho nos mercados em condicções rasoaveis. Não affirmarei, comtudo, de um modo absoluto, que ali se tenha chegado ao ultimo grau de per­feição; representa um typo de vinho de pasto muito recom-mendavel, que é pena não seja imitado pelas regiões ana-logas, em circumstaucias de reproduzil-o.

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Pcrfoilamenlc miscivel com agua, o vinho'de Collares satisfaz a "mais esta condição importante, que não pôde dei­xar de observar-so nos vinhos da sua classe.

Podo ser tinto e branco; o primeiro, todavia, é o mais conhecido. Em Londres foram expostas ambas as qualida­des, que agradaram aos conhecedores de vinhos fracos bem organisados. Os que pertenciam á colheita do anno entraram, depois de junho, n'um movimento de ligeira fer­mentação; tendo eu occasião de observar, que os inglezes que nós não consideramos provadores consumados, são ha-bilissimos em discriminar os vinhos que trabalham, por me­nos pronunciado que seja o seu movimento.

0 vinho branco, mais velho que o tinto, agradou espan­tosamente, como se prova pelas encommendas.

Pena é, que o dislricto vinícola de Collares seja tão pe­queno e acanhado, e so não possa alargar. Ainda antes de principiar a exportação já não contenta nem sequer satis­faz os amadores que grangeou no paiz.

As uvas de Collares teem, termo mínimo, 17 por 100 de assucar, o queda, empeso, 8,2 de álcool; e termo má­ximo, 18,4 de assucar, que corresponde a 8,9 de alcool.

A média do álcool, achada directamente, chega a 12 por 100 em volume, que ó d i certo superior a 11,2 por 100, graduação correspondente ao máximo de assucar acima in­dicado.

Em Londres, havia alguns vinhos que não excediam esta ultima percentagem; porém, outros se apresentaram com mais de 14 por 100, o que nos está claramente indicando, que nem o próprio Vmho de Collares, considerado pouco apto pelos vinhateiros para receber álcool, se pode ver livre da aguardentação.

A differença do álcool genuino para a observado, os-cilla entre 3 e 5 por 100, confessando o sr. Lapa, nas suas memorias, que a aguardentação commummente adoptada se aproxima de 10 canadas por pipa1.

1 Memoria sobre os processos de vinificação, pag. 78.

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O Collares genuino é comtudo um dos vinhos mais fra­cos que temos.

A reputação d'este vinho no mercado de Lisboa difQeil-mente poderá augmentar. É aqui tão procurado, quo os vi­nhateiros o não querem vender, logo depois da vindima, sendo de boa qualidade, por menos de 7â$O0O rs. a pipa, prego que ê muito superior ao do melhor vinho do Douro, no anno da colheita.

Que seria se gostássemos de yiiihos fracos! Em Collares os vinhateiros n3o vendem também separa­

damente os vinhos bons. . A base do ajuste é que o comprador ha de tomar uns e outros. É muito comprehensive! a exigencia do vende­dor; porém o commercio nem sempre se preoccupa em sustentar a qualidade pela dífferença de preço, e vende o bom com o mau, ao quaí o primeiro costuma servir de capa, estragando naturalmente amibos. Este procedimento c vulgar n'outras comarcas, Q -vinho bom das adegas, raris-simas vezes, apparece, sem mistura, em casa do consumi­dor. A sua principal applicação é para disfarçar o que não presta. Nas coisas mais elevadas e nas mais insignificantes se nota grande falta de sentimento artístico. O consumidor devia intervir n'este caso, e oppor-se ás incoherencias dos fabricantes e intermediarios, porém, para que o oecultare-mos, o consumidor è quem as promove e justifica. Não terminarei este assumpto sem vos indicar, que o vinho de Collares precisa como muitos outros, de ser melhorado; não sei, porém, como ha de sef-o, pois hoje se está ven­dendo pelo preço a que poderia aspirar depois de aper­feiçoado!

Qual é 3 vida do vinho de Collares? E, em geral, qual é a vida dos nossos vinhos princípaes?

Muito se tem dito e aííirmado a este respeito, e muito se julga saber, nas nossas comarcas vinhateiras. Eu, po­rém, não receio dizer-vos, que a edade dos nossos vinhos é geralmente desconhecida, sob o ponto de vista em que convém encaral-a.

i5 i Na edadc cios viuhos com me tiernos' com frequência dois

erros. O vinho mais velho passa por ser sempre o melhor.—

Preferimos o que -tem mais anuos, primeiro erro. O vinho mais forte estamos uós persuadidos que é tam­

bém o que vive mais, segundo erro. Principiaremos por fazer um reparo acerca da palavra ve­

lhice. Este termo tem uma significação, que não exprime a idéa que se pretende representar. É uma palavra impropria.

O vinho, quando chegy a velho, como tudo que enve­lheceu, entra na decadencia.

A edade do vinho, como a do hoínem, pôde dividisse nos mesmos periodos, infancia, juventude, virilidade e ve­lhice. O vinho è bom, quando chega à virilidade, e á vi­rilidade dos vinhos se applica vulgarmente o termo ve­lhice. Para chegar áquellc periodo, gastam uns maior nu­mero de annos que outros, sendo então, que os vinhos attingem o ultimo grau da sua perfeição relativa. Nem to­dos, porém, se conservam n'este estado egual numero de annos; isto é, ha vinhos que teem um periodo de virilidade tão longo, que para outros é velhice, ou tão curto que è infancia. D'onde se pôde inferir, que o vinho melhor, é o que se bebe no periodo da sua virilidade, e não é por tanto o mais velho.

Exemplifiquemos.—Teem os vinhos de Borgonha uma edade, que não se prolonga facilmente a mais de dez an­nos. O melhor Borgonha deve de ser bebido dentro d'este período, em quanto se acha na virilidade. Com as nossas idéas, porém, trocariamos facilmente o Borgonha de dez annos por outro que tivesse trinta.

Já não está no mesmo caso o Médoc.—Considerado nas suas lavras mais celebres, conserva-se no estado viril até os vinte annos. Envelhece no dobro do tempo, que dura o Borgonha. Cada terra tem seu uso, e cada vinho a sua edade.

Segunda proposição. Vejamos se o vinho mais forte é o que vive mais, e sirvam-nOs os mesmos exemplos.

com. p. i . 13

190 A riqueza do vinho de Borgonha pódc chegar a i 4 por

100 de álcool absoluto, em volume, em quanto que a do Mé-doc oscilla entre 8 e 10.

O primeiro, todavia, acabámol-o de vér, torna-se caduco aos dez annos, e o segundo, muito mais fraco* não chega a semelhante estado senão aos vinte.

Applicando o caso aos nossos vinhos, começaremos por observar, que a maioria (Telles se bebe no periodo da in­fancia, e os que se guardam para passar á virilidade, ra­ras vezes chegam a ella sem lhes vestirmos o collete de for­ças. O vinho temperado com aguardente, não representa o indivíduo primitivo. Passa a viver da vida do álcool, e não se deve, nem se pode chamar vida á conservação dos cor­pos embalsamados.

É de summa importancia para a industria conhecer, na historia dos vinhos genuínos, por quantos annos se prolonga a infância e dura a virilidade, a fim de que elles se come­cem a beber, logo que a primeira acabe, e se não guar­dem, além da época, em que a segunda termine.

O vinho, para as transacções commerciaes, será tanto mais precioso, quanto maior for o periodo da sua virili­dade, è mais curto o da sua infância. E é por isto, que o Mêdoc, além do que já se disse, é um dos vinhos mais no­táveis do mundo.

Tem uma infancia curta, uma virilidade extensa. Muitas pessoas, tjue encaram a vinificação portugueza,

pelo prisma da aguardente, chegam a negar a vida aos nos­sos vinhos, sendo feitos sem ella. Esta opinião errónea tem sido exposta com tão reprehensivel insistencia, e falta de bom criterio, que havendo-se divulgado, levou ao es­trangeiro o convencimento, de que elles não resistiam ao tempo sem confeição.

O erro propaga-se sempre com facilidade. A falta dos verdadeiros conhecimentos de cenologia tem servido para Jhe dar corpo, assim como o havermos tirado conclusões de um fabrico sem arte.

Basta a habitação ordinaria que damos ao vinho para o

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arruinarj se o fabrico e o tratamento etc., etc., não cons­pirassem egualmoDtc para o mesmo fim.

Eu não sei quantos annos poderão viver os vinhos ge­nuínos portuguezes, mas não terei duvida em affirmar, que embora nem todos se conservem tanto tempo, como outros que conhecemos, hão de com tudo viver o suííicienle, para que sirvam de base a transacções commerciaes de grande vulto. Depende tão somente da experiencia a solução d'este problema importante. Agora o que sei, e me não surpre-hende, é que os vinhos actuaos vivem pouco, menos talvez que os genuínos e se estragam depressa, sendo mal fermen­tados, recolhidos cm adegas de péssima construcção, e em grandes vasilhas com pouca limpesa, de sorte que (ás ve­zes nem a aguardente os pôde salvar da ruina.

0 mosto antes de ser vinho, passa por duas phases bem dislincías. A primeira, relativamente fácil de dirigir, é a da fermentação, que deve de ser completa. A segunda, muito diílicil, é a da conservação, que nós ignoramos in­teiramente porque nos não oceupamos do tratamento do vinho genuino.

Nas quadras criticas da vegetação da vinha, passa to­dos os annos por successivas elaborações até se achar or-ganisado; havendo risco de o conduzirmos á morte, se não soubermos collocal-o nas condições que as facilitam. É um producto tão delicado, que a menor coisa o incom-moda e contraria. Tem caprichos como as mulheres e exi­gencias de creança. Não gosta de cheiros activos, como as pessoas nervosas, aborrece o calor e o frio, e só se dá bem n'um clima constante, que muitas vezes é preciso, inventar de proposito para elle; assusta-sé com as trovoadas, e até da luz se arreceia. Agasta-se por bagatellas, e se lhe não fazem a tempo as vontades, ferve. Quando chega1 a certa edade, exige viver separado dos irmãos menos edosos: vi­nho velho ao pé do novo corre o perigo de perder-s'e. Se o juntam com parentes perdidos, perde-se como elles. Vi­nho e vinagre juntos na mesma casa, acabam quasi sempre em vinagre.

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Os estudos que possa havei' acerca tios vinhos aguar-dentados, não servem para este caso, nem elucidam o in­teressante problema da edade dos nossos vinhos, um dos pontos qtwdespertam maíá vivamente a curiosidade das pessoas, que não gostam de. vinhos novos, nem de vinhos fortes.

Collares, como se fabrica hoje, vive pouco. No fim de quatro aimos é cadaver, o que ainda é peor que ser velho.; Ao cabo de um anno è tão novo que se não deve beber.

Allingc aos dois annos o período da virilidade, mas tem vida curta e começa a declinar no terceiro. Quer-me pare­cei', que se as praticas do Médoc ali forem rigorosamente observadas, o vinho de Collares ha de chegar a ter mais al­guma duração; pelo menos nada se oppõe a esta minha con­jectura, emquanto a experiência não demonstrar o contrario.

Quereria n'este momento poder indicar aos vinhateiros a edade de todos os vinhos povtuguezes. Ha, porém, dese­jos, que custam muito a realisar. K este ó agora de todo o ponto irrealisavel. Nem eu só a ignoro, commigo a ignoram também muitas pessoas que se jactam de conhecel-a. Tor-nou-se habito dizer, que os vinhos púrtuguezes são eternos, porque suppomos» que o problema ficará resolvido transfor­mando em vinho generoso todos os vinhos de Portugal,

Louvo as qualidades do Collares como vinho germino, nem sempre perfeito, e simo ao mesmo tempo, que esta pe­quena zona não possa desenvolver consideravelmente a pro-ducção. É trabalho penoso, que fica sem recompensa, levar­ão mercado um producto, que depois de realisadas as pri-meiras transacções, «os obriga a dizer ao comprador que não ha mais.

Pouco me demorarei com os vinhos de Alemquer/que teem bastantes pontos de analogia com os de Torres.

Criam-se as uvas em terrenos de marga e argilia, onde não attingem a maturação que se julga indispensável para os-vinhos actualmente em voga. Recorrem, por tanto, os-vi­nhateiros aos escaldões e arrobamentos, auxiliando as cal-

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deiradas ás vezes com a carne dos marmellos, a polpa das maçãs e dos peros.

Está persuadido o sr. Lapa1 que os artificios das caldei­radas, arrobamentos, e ardimenío da uva, assumem n'esta regiíío maior importancia c indispensabilidade, por serem consequência necessária da inferior maturação; e empre-gam-se na intenção de fazer os vinhos mais maduros e co­bertos.

Os peros teem faina de auxiliar a doçura dos mostos. Muitos vinhos maduros fazem d'isso o seu pò de castello. Àpplicam-se de dois modos. Uns ¡iram-n'os do mosto, depois de cozidos, c outros desfazem-n'os em massa para dar maior corpo ao vinho.

Enconlram-se as opiniões acerca da virtude dos peros. Ha* quem diga que ellos cedem sómente assucar ao mosto; affirmam alguns que lhe dão aroma. Uma terceira opinião combate estas duas. e assevera, que não fazem nem uma nem outra coisa, senão carregar o vinho de maior propor­ção de acido malico c substancias pectiiiosas que. o pre­judicam.

A critica d estas praticas está feita pelo sr. Lapa. O vi­nhateiro de Alemquer procura nos peros o aroma ou o as­sucar. Se procura o aroma, como esfe reside na casca, des­casca o pero, e deita-a fora; se prefere o assucar, como o pero, depois de cozido, fica mais doce porque o subtraiu ao mosto, deita o pero á rua.

0 vinho de fructas, e principalmente o de peros, serve, comludo, em algumas rogiões afamadas, para augmentar o verdadeiro. Já vi alguns exemplares d'este genero, que bastava diluii-os com volume egual de agua, para darem, no fim de poucas horas, um abundante precipitado de sub­stancias peclinosas.

Alemquer aguárdenla os seus vinhos na cama. Aguar­den tar na cama é verter o álcool na vasilha, antes que re­ceba o mosto fermentado no balseiro. O vinho ainda m-

1 Memoria subre 0$ processos <h' vinijicação,\>fi§- -ití.

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completamente organisado, encontra um colchão de espi­rito em que repousa á nascença.

Os mostos são fracos, mas apesar d'isso, chegam os tin­tos a accusai' 19 e 20 por 100 de assacar, e os brancos 23,6.

Ha, na região de Alemquer, uma qualidade de vinho branco, que constituo, no meu entender, uma especialidade oenologica das mais distinctas. Refiro-me aos vinhos bran­cos da Ribeira de Maria Affonso, cujas amostras enviadas a Londres eram bastante notáveis. Lembro-me ainda, que havendo uma d'ellas fermentado dentro das garrafas, por ser vinho novo do anno e não estar completamente orga­nisado, se transformou algum tempo depois em um vinho fracamente espumoso, muito agradável e aromático, sem perder a transparencia nem depositar residuo!

Lamentemos, porém, que a falta dc mercado para estes vinhos, pois são raros os verdadeiros apreciadores, tenha induzido os proprietários dos melhores torrões, em que el-les se criam, a substituir as cepas brancas pelas castas tintas.

Bucellas ó uma região vinhateira privilegiada. O seu ter­reno accidentado é cretáceo on margoso, e semelhante até certo ponto ao solo da Champagne..

Tem duas qualidades de vinho,—o tinto e o branco. O primeiro é pouco distincto e quasi desconhecido. Além de ser um vinho vulgarissimo, perde a còr com extrema faci­lidade. O segundo, pelo contrario, constituo no estado na­tural, um dos vinhos ligeiros mais elegantes do paiz, e de­pois de aguardentado, copia, umas vezes melhor que ou­tras o vinho da Madeira; sendo principalmente, n'esle se­gundo estado, que a terra da sua naturalidade mais se ufana de produzil-o.

Ü vinho branco, ao contrario do que notámos no tinto, escurece com o tempo consideravelmente; e de amarello claro, côr de palha, chega a adquirir a côr do topasio.

Não é este um phenomeno isolado, peculiar ao vinho

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branco de Bucellas. Obsem-se, geralmente, em iodos os nos­sos vinhos d'esta classe e constifue um defeilo d'elles, embora o não pensemos assim. Ainda ultimamente na exposição, se apresentou um vinho branco do Cartaxo, que depois de algum tempo de garrafa, e mais rapidamente ern contacto do ar, se fazia tão escuro, como alguns vinhos velhos do Douro.

Egual phenomeno se dá, posto que de modo menos pro­nunciado, com os vinhos brancos da Álsacia e o conhecido Somlau da Hungria. Este ultimo, quando se abre a gar­rafa, e o deixamos na presença do ar, começa a escurecer na camada em contacto com elle. Tem-se querido attribuir esta mudança de còr do Somlau, á oxydação dos saes de ferro, que dizem n'elle existir. Talvez seja, todavia os nos­sos, quando mudam de côr, procede o phenomeno da oxy­dação do tannino, que encerram, em virtude do processo de fabrico; sendo os que mais escurecem, os que ficam de curtimenta com a casca, e se não fazem de bica aberta para fugir á gordura.

Já não acontece outro tanto aos vinhos brancos france­ses, que são côr de palha ou doirados e cuja còr desmaiada, que tanto realce lhes dá, se não modifica sensivelmente com o tempo.

Contribuem, ao que parece, em subido grau para este resultado, a vindima cuidadosa, chegando as uvas ao lagar sem uma belliscadura, a pisa rápida e fermentação em va­silhas optimamente cuidadas, onde não entra o bagulho, nem o engaço, nem a grainha. E finalmente o emprego maior ou menor do acido sulfuroso.

A gordura, que é uma doença dos vinhos brancos por-tuguezes, feitos de bica aberta, parece oppor-se Á adopção de semelhante methodo. A fim de evital-a estão hoje per­suadidos muitos vinhateiros, que é preferível dar ao mosío algumas horas ou um dia de curtimenta com a pelle da uva e o engaço. Assim o pensava.eu também até certa época, antes de ter idéas novas sobre a verdadeira matu­ridade das uvas. Agora, quer-me parecer, que se esta for

m estudada com attenção, e vindimada a uva a tempo, po­demos seguir os methodos dos oenologos fi'ancezes e ob­ter vinhos brancos, que sem engordarem, não pequem pela coloração desagradável, que actualmente os caracterisa.

E não 6 só uma idea theoricn, que exponha sem fun­damento experimental. Conheço vinhos brancos portugue-zes, feitos á moderna, se não quizerem chamar-llie á fran-ceza, que satisfazem á desejada'condição '.

0 vinho de Encellas, como todos os vinhos dístinctos é feito de uma casia predominante, o arintho, que, nunca chega a apresentar quantidade excessiva de assucar, por­que é serôdia o ainadura com certa desegualdade.

O lado dos cachos que o sol não beijou, fica sempre es-. verdeado, ainda que so cuide bem da desfolha, e não é prudente tocnr-lhes com as mãos para os voltar, porque são muito mimosos. Esta uva, que um escriptor estrangeiro justamente apreciado pelas suas obras sobre vinhos, asse­vera ser o riesling do Rbeno, conserva sempre acido suffi-ciente para produzir vinho de grande viveza, capaz de es­timulai' agradavelmente o paladar. Não é um poço de assu­car, e d'ahi lhe procede a distincçâo.

Dizem práticos de bom nome, que existem duas varie­dades de arintbo, uma de cachos muito pequenos, pouco co­nhecida ou propagada, e outra de cachos maiores que é a vulgar. Ambas, porém, apresentam, bagos miúdos, muito apertados, que é a característica das boas castas de vi­nho 3.

Não só em Bucellas senão também em muitas outras lo­calidades do reino, produz o arintlio vinhos brancos de boa compleição, devendo, com justiça, repular-se uma das me­lhores castas que cultivamos.

1 Vinho branco do itr. Mattos Perez, de Évora, de que teremos occa-sião de fallar na'conf. xvm. -: 2 Gyríío descreve duas variedades de arintho branco: arintbo co-chu^o, e ârinlho miúdo muito sujeito a desavinhar. Tambom ha um arintho preto. Visconde de Villa Maior. Mamio! de Viticultura Pratica, im.

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Desde ;i Romeira até a Bemposta, occupam as vinhas ge-raímenlo os valles, as quaes se dilatara ainda, posto que, em muíto menor escalai até meia encosta das montanhas. É crença geral no paiz, que o aríiHho prefere as baixas.

A riqueza sacdiariiia d:esta planta não vae além de 20 por 100 de assucar, que equivale a 9,7 por 100 de álcool em peso e -12,2 em volume;, ficando de accordo esta percentagem álcool ira com a verdadeira composição dos vinhos de pasto.

O fabrico é muito pouco complicado. Espreme-se o moslo de bica aberta, deita-sc nas vasilhas onde fermenta, e d'este simples tratamento" resulta um vinho precioso, comparável ao do Rheno, com suflicieute acidez e vivacidade. Guardado nas garrafeiras, isto é, depois de tratado pelo processo ge­ral de agnardentação, perde as qualidades primitivas, deixa de se parecer com os vinhos do pUtoresco rio, e pôde apro-ximar-se do vinho da Madeira, de certo excellente, debaixo de outro aspecto, mas perdendo, em quanto a mim, n1 este se­gundo estado, as qualidades qnc mais o recommendavam.

O mosto do arintho é denso e viscoso, e por isso a fer­mentação se opera lentaiiieníe nos primeiros tempos, e o vinho se demora a fazer. Em absoluto não deve conside-rar-se isto uma particularidade de mau agouro.

Os práticos do Rheno não gostam de ver limpar rapida­mente os vinhos brancos; avaliam a qualidade pelo tempo que elles levam a clarificar, e de certo se comprehende que assim deva acontecer. A reflexão explica-nos. que os vinhos pouco encorpados socegam mais promp Iam ente. •

• No nosso caso, dado que se prove ser a viscosidade do mosto do arintho prejudicial «á melhor organisação do vinho, corrigiríamos o estado pectinoso que se nota, pondo em practica o processo seguido na Champgne, e que consiste em espremer as uvas para dornas, transvasando vinte e quatro horas depois, no momento em que a fermentação principia a manifestar-se, o mosto para os toneis.

Antes da fervura tumultuosa, ha um movimento em todo o liquido, que transporia ás camadas superior e inferior as partes mueilagmosas. juntamente com o fermento. No cen-

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tro dít massa liquida, como que se opera uma clarificação natural, que dura pouco e precede a ebulliçâo do mosto.

Se a dorna, em que o recolhermos, tiver uma abertura nas aduelas, alguns centímetros acima da camada pcctinosa do fundo, será extremamente fácil separar o liquido clari­ficado.

O uso da mecha ou suifuração em escala conveniente, e as vasilhas de pequena capacidade podem cgualmcnte con­tribuir para tornar mais distincto o vinho de Buccllas.

Está sujeito a varias doenças. Turva-se com facilidade, empoeira-se, e não admira que assim aconteça, porque nem sempre será trasfegado o numero de vezes suííiciente para que se despoje do grande sedimento que resulta do estado pectinoso do mosto. Também costuma referver, o que devo observar-se nas occasiões em que não haja sido bem fer­mentado, e adquire um amargo intenso que constituo uma enfermidade especial.

Havia em Londres deliciosos vinhos de Bucellas, anti­gos e modernos; sobretudo estes últimos, muito mais ba­ratos que os primeiros, e de caracter inteiramente diffe-rente, foram recebidos com enthusiasmo nos luncheons e jantares, em que figuraram.

Certificou-me também um negociante inglez', muito co­nhecido na praça de Lisboa, que está farto de introduzir em Londres, vinho de Bucellas com graduação inferior a 26° Sikes, e que só o não consegue, quando os vinhatei­ros não executam á risca as suas indicações. Outro tanto succedia ao vinho, que causou na exposição maior enthu­siasmo e que pertencera á casa Meddlicot; e eu mesmo já depois de estar em Lisboa, enviei ao sr. Scrivenor, secre­tario da sociedade cooperativa, vinho de Bucellas, abaixo do 26°, sem embargo de ter sido aguardentado, como o decla­rou o vendedor portuguez ao sr. Dejante, que me fez o obsequio de m'o alcançar exactamente nas condições im­postas peJo encommendista.

1 O f¡i\ KnowJes.

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Dizem-me, quo outro negociante de vinhos do Douro1, que representa uma das primeiras casas inglezas n'este commercio, e que faz transacções com vinhos portuguezes de diversas localidades, o leva também a Londres pelo direito mínimo, embora costume aguardentat-o sempre um pouco.

Com effeito, uma amostra que tinha o sr. Meister, pro­veniente d aquella casa e que eu examinei, não deixava duvida alguma a semelhante respeito.

Lembrarei em ultimo logar as analyses do mosto e do vinho genuino, que demonstram até a saciedade, que n5o 6 pre­ciso mourejar para o conseguir.

Mas, este não ó o typo do Bucellas aristocrático, que en­che de orgulho o vinhateiro, e constitue a gloria dos seus torrões? Não c.—O filho predilecto, está dito por mais de uma vez, ò o Bucellas da familia do Madeira, fidalgo so­berbo que não pôde ir a Londres, sem fazer grande despe-za. E também que admira? Os ricos, quando viajam, devem perder o amor ao dinheiro.

Não foi sótneute o publico inglez, que deu preferencia em Londres, ao vinho fraco de ííucellas, pelo preço e qua­lidade. São todos, e n'este numero incluo os nossos com­patriotas, que formam cordão á porta dos depósitos do Col­choeiro3, onde ci(e se vende sobre a mãe, turvo como as aguas barrentas, mas que não chega ainda assim para apa­gar a sede aos envergonhados.

Se isto é verdade, onde pretendem chegar? Como ê que tencionam regular-se? Somos nós que havemos de dizer ao consumidor: «beba o vinho que preparamos»; ou ha de ser elle que nos diga «façam-me o vinho á minha von­tade?»

Chegariam as coisas ao ponto de nos julgarmos habilita­dos a fazer o paladar do consumidor estrangeiro?

Parece-me tão delicado o vinho de Bucellas genuino, e

1 O sr. Sandcman, hojç proprietário da antiga casa Meddlicot. 5 Casa de venda de vinho de Buccltos, conhecida por este nome.

• jipo lemos tanta necessidade de vinhos brancos, como elle, que sãò, sem duvida, exceilentes para acompanhar as ostras e o peixe, que não só pedirei a conservação d'esto typo, em toda a sua pureza e originalidade, senão também, que pro­paguem o arintho, n'outras regiões, a fim do apresentarem vinhos análogos.

Bucellas está no caso de Collares. Tem fraca producção para os mercados estrangeiros.

Tenho ouvido dizer a diflerentes pessoas, cuja opinião considero auctorisada, que lhes não seria difíicil imitar o Bucellas. Reconhecndo-se agora, que os inglezes o recebem bem e gostam de vinhos brancos, não deveriam perder tão bella oppor(unidade de o ensaiarem, porque o mercado sa­berá recompensaros esforços dos productores intelligentes.

Corre como sentença.passada em julgado, que dos vinhos que possuímos, c Bucellas o rnnis próprio para vinho es­pumoso. Tenho muitas duvidas ácerca d'este ponto, e pa-rece-me até que elle nunca poderá transformar-se com van­tagem n'aquelle typo.

Os vinhos espumosos costumam obter-se por dois pro­cessos difíerentes. Ha o processo primitivo d&s vinhateiros e o processo dos indusfriaes. No primeiro caso, fermenta o mosto, com addicção de assacar, convenientemente cal­culada, nas garrafas; e assim se faz o Champagne. No se­gundo, toma-se um vinho branco bem constituido e já feito, adoça-se com assacar de boa qualidade, aromatisa-se com tinturas de diversas plantas, conforme o vinho que se pre­tenda imitar, e satura-se de acido carbónico em apparelhos especiaes. Este methodo fornece o Champagne económico, que de ordinario tem gaz para apagar um incendio. A rolha salta com detonação de pistola de sala, e a garrafa pôde também rebentar com estampido de machina infernal.

Sem embargo, este processo é o mais simples, estão-n:o usando em larga escala, e é a origem de grande porção de vinho espumoso, que vem ao mercado.

Applicando qualquer dos dois raethodos ao vinho ou às uvas de Bucellas, parece-me, que não chegaremos a resuí-

201 (ado proficuo, principalmente pelo methodo de saturação, em que se faz uso do acido carbónico.

O Bucellas, é crença minha, qne só os factos poderão desmentir, não è capaz de se transformar em um verdadeiro vinho espumoso, que mereça a acceitução dos conhecedores. Pôde satisfazer aos que chamam Champagne a qualquer vi­nho que faça saltar a rolha, e que ferva nos copos;—porém estes mais lembram a soda com vinho do que o vinho es­pumoso, e nunca enganarão as pessoas que estiverem ha­bituadas a beber os verdadeiros.

Falta-Ifie corpo e suavidade. Sobram-lhe ácidos, que a addição do assucar não pode esconder, e conserva o saí­nete de ligeiro amargor, muito característico e apropriado para vinho branco de meza, mas incompatível com as qua­lidades de vinho espumoso.

Succede ao Bucellas, quando, pelo segundo methodo,'se satura de acido carbónico è se mistura com xarope de as­sucar, ficar-se parecendo com um conjuncto de limonada e de vinho; o gaz, além d'isso, desprende-se d'elle com muita promptidão, e embora este inconveniente se possa reme­diar um pouco, juntando-lhe glycerina, não é possível ja­mais fazel-o passar por Champagne ordinario, nem por Mo­selle ou Rheno espumoso de inferior qualidade.

O vinho branco da ribeira de Maria Alfonso, alguns vi­nhos do Alemlejo e do Algarve elevem produzir melhor re­sultado, a quem se julgar com animo para novas emprezas.

Nasceu o vinho de Bucellas para se conservar em toda a sua pureza. É fino, é ligeiro, é elegante, e lembra o Rheno nos primeiros annos, como diz o visconde de Villa Alaior.-

Não o aguardentem nem o champanism. Procurem de novo conquislar-lhe a fama que perdeu em Londres, e ao mesmo tempo a nacionalidade que lhe roubaram. A indus­tria dos vinhos espumosos exige recursos e conhecimentos, de que não dispõem vulgarmente os nossos proprietários.

Aqui termino a descripção de tres vinhos ;da Extrema­dura, todos-apreciáveis por seus dotes naturaes, e bem raras vezes ao nivel das uvas de que foram gerados. -

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Servindorma de uma linguagem, a que não andamos ha­bituados, dizendo com sinceridade o que penso acerca do fabrico dos nossos vinhos, sei já, que começa a levantar-se em torno de mim um cuido, que cresce todos os dias, e promette chegar a altos clamores.

A paixão ha de deturpar o sentido das minhas palavras, torcer a significação das minhas phrases, desvirtuar o pensa­mento nobre e honesto que me trouxe aqui, e quem sabe? se até pôr em duvida os meus sentimentos de homem honrado ? Tudo é possível á inveja, e de tudo é capaz a ingratidão.

Anda a verdade, como o azeite, ao de cima da agua, diz o nosso antigo proloquio, mas é tão somente para a in-telligencia, que para a ignorancia è o erro que tomou o lo­gar ao azeite; o erro que dispõe do numero e conseguin-temente da força. Nas sociedades humanas as noites sem­pre são maiores que os dias.

Ê preciso, porém, giie fique bem consignado, que não ve­nho aqui fazer propaganda de ninhos estrangeiros, nem pre­tendo que fabriquem agua pé. Quero que façam vinhos na-cionaes genuinos. Vinho natural, vinho portuguez de uvas portuguezas.

Este enunciado exprime, a todas as luzes, o meu pen­samento. Nem eu preciso explical-o aos que não estiverem de má fé. Condemnar o fabrico, não desacredita os vinhos. Pôde não ser agradável a uma seita, mas quem olha de alto para ps interesses da sua patria, não atiende ás parcerias.

-Não pretendo afrancezar os vinhos portuguezes. Nem de nomes estranhos me sirvo para engrandecer os nossos.

O que não posso permittir, é que chamem vinho per: íeito ás misturas de mosto com abafado, geropiga e álcool, desde o que procede do figo até o dos cereaes, d que se queira sustentar, que tanto obscurantismo representa a ul­tima expressão da sabedoria oenologica.

Se as uvas fallassem, ellas bastavam para me defende­rem. Não faliam, porém, e tenho de fallar eu por ,ellas.

Segue se, n'este logar, outro grupo de tres vinhos famo-

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sos, que se julgam mui alto para que oiçam a minha critica. —Tres typos muito conhecidos, que não estão no caso d03 vinlios anteriores. São vinhos aristocráticos. Tres pimpões, o:- tres da vida airada, CarcavelJos, Lavradio, e Cadafaes. Viriiio de se lhe tirar o chapeo.

Reis e vassal los lhes prestam culto e homenagem. Para todos os adorarem ató o marquez de Pombal, que estimou principalmente o de Garcavcllos, que fòra em tempos, con­siderado como o immediato do Porto. Muitos o beberiam com este nome. Hoje pódc quasi dizer-se que passou á historia. O oídium bebeu-o todo. Em Í867, produziu a re­gião doze pipas, de tres mil que lavrava antes da doença.

O Carcavellos viajou muito. Chegava d'antes a toda a parte. Bons tempos de certo foram aquelles em que nç> maior grau de innocencia, se manifestava com extrema mo­destia. Trajo (le camponez e coração de oiro. Oh! como elle era bello, quando nos apparecia n'uma garrafa de gar­galo torcido, coberta de pó, a rolha quasi desfeita, e com um rotulo de papel de costaneira, onde simplesmente se lia, em caracteres desbotados pelo tempo, a palavra Cracawl-los, o que era um dos maiores indicios da sua pureza.

O tempo altera todas as coisas. Emendou-se a orthogra-phta e perdeu-se o vinho.

O solo de Carcavellos é formado de argilla, areia e cal. Compõe-se o subsolo de marga o cascalho gresifero. Apre­senta suave relevo em ondulações, que mereceram o nome expressivo de Lombas de Carcavellos.

Com quanto collocada proximo do oceano, e devendo por esse motivo resentir-se o seu clima de humidade excessiva, esta região é favoravelmente influenciada pelo vettfo norte, que ali sopra durante uma grande parte do anno, e a afasta para longe, não permittindo que exerça sobre os vinhe­dos influencia perniciosa.

Faz Carcavellos dois vinhos, tinto e branco, mas o pri­meiro é bem pouco notável, e não dá nem nunca deu fama ao sitio.

O vinho tinto é fabricado com desengace parcial. Pisa-se

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a colheita de bica aberta e deiía-se o mosto nos balseiros de curtimenta, nos quaes se lança em seguida a balsa. No-fim de oito dias, envasilha-sc nos toneis, e passado um mez, "tempera-se com abafado e aguardente.

O vinho branco faz-se de bica aberta como o linio, consis­tindo a differença em ser o mosto lançado, logo depois da pisa, nos toneis. Não curte com a balsa. Passados 30 dias de fermentação, soffre como o tinto o tempero do abafado e da aguardente.

Nem sempre o fabrico do vinho tinto foi como se des--creveu. Parece, que antes do oidium, no tempo em que eram abundantes as uvas, o fizeram de feitoria.

Pelas observações do sr. Lapa, sabe-se, que o desdo­bramento do assucar ó completo n'estes vinhos. Achou este professor no acto de envasilhar, apenas i por 100 de as­sucar, havendo recaído a experiencia sobre um vinho que tivera 27 dias de fermentação.

O assucar (Vestes vinhos, sempre mais ou menos ma-* duros, não procede directamente do mosto, e é obra do abafado. A aguardentação chega a 6 por 100.

A força média .dos vinhos é 14, e o álcool doseado 20f O Garcavellos, n'este ultimo estado, é, não o podemos ne­

gar, uma copia ou imitação dos vinhos do Porto e da Ma­deira; e tanto assim o consideraram os nossos antepassa­dos que outr'ora a companhia do alto Douro comprava to­dos os vinhos de Oeiras.

As. pessoas de gosto apurado não dão valor extraordi­nario a semelhantes imitações, que se podem alcançar em Ioda a parte com aguardente e abafado. O Garcavellos pôde sair de qualquer vinha, onde as uvas amadureçam bem, e se disponha dos convenientes temperos; não sendo egual-mente diíflcil preparaí-o até nos armazéns do negociante, com vinhos brancos de certas proveniencias e as geropi-gas correspondentes.

E com eífeito este segundo facto se verificou depois da doença da vinha. O consumidor nunca deu pela falta do Garcavellos.

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Dizem-me, que outr'ora existiu outro typo de vinho branco, •quasi côr de limão, excessivamente descórado, sem aguar­dente e inteiramente secco. ^Wunca me foi dado observar esta variante, que deveria representar o vinho genuino, como m'o certificam pessoas antigas. Desde muito rapaz tjue conheço o vinho de Car-cavellos com outra feição, quando o comecei a provar nas pastelarias mais afamadas da rua dos Capellistas. Recor-do-me optimamente, que um copo d'elle bebido ao lunch, facilitava a compreliensão dos textos iatiuos, quando eu an­dava nas Mercieiras, assim como dois a impossibilitavam de todo.

Em Londres havia alguns exemplares de vinho antigo e moderno. Eram cisternas de aguardente. Um vinho mo­derno de 1871 marcava 22,1) por 400 de álcool absoluto, outro antigo de 1846, 23 por 100! Ambos caros na sua respectiva classe; nem podiam deixar de seí-o, preparados por semelhante systema.

Não me opponho nem me escandaliso, que continuem a sustentar tão vicioso processo de fazer vinhos. Julgo, comtudo» melhor, que lhes chamem licores e os apresen­tem como ri vaos da Chartreuse e do Kümmel.

Sustentem os typos actuaes muito embora, se ha quem os queira e quem os pague: mas, ao resto dos vinhos que possuímos ainda, não façam o mesmo. Como combalo a aguardentação, clamam em altos brados, que me lornei o apostolo da agua-pé. Nada mais falso, senhores, e vós o sabeis, porque me tendes ouvido. O que combato é a ten­dencia funesta de applicar sem criterio a todas as regiões os processos do Douro. Tal é a inclinado para este vicioso caminho, que sacrificamos em aguardente uma boa parte das nossas colheitas, que deviam ser vinho, e se ella nos falta, não hesitamos em lançar mão do álcool dos cereaes para os abafados. Apesar da doçura excessiva dos cachos, a alfandega vos poderá também dizer, s.e não começam já a importar calda de assucar para tempero dos vinhos, a qual pretendendo fugir ao imposto que pesa sobre o assucar

COSF. P. I . ^ *

see crystallisado, tem por fim puxar os vinhos ordinarios & Mes­quinhos do norte á condição de vinhos famosos.

Gadafaes é outro principe de stirpe real. Faz-se de fei­toria» com desengace no lagar, e est;t sete-dias de onrti-menta com a massa.

Pôde ser tinto e branco, digerindo o primeiroMO cána: das de aguardente por pipa, e o segundo 26! Bons be-berrões! De vinho abafado apenas se lhes addiciona 1/so.

Aguardentaram-n'o outr'ora na cama, com o que ficava mais madurinho. Hoje recebe a aguardente na trasfega, d'onde resulta, apresentar-se mais secco.

Um grande proprietário d'este sitio quiz, ha annos, com­bater o pernicioso costume de embriagar o vinho á-nas­cença. Chamou» para coiiaborador da sua obra, um distin-cto engenheiro, que apesar de haver nascido na Madeira, pensava como eu, que nem todos os vinhos deviam fa-zer-se pelo mesmo processo.

O mercado de Londres deu razão ao proprietário, esco­lhendo os vinhos que apenas doseavam 11,7 a lf)0/o de álcool absoluto: e entre estes, alguns appareceram, tanto brancos como tintos, com nove annos de edade.

Não tem succedido o mesmo no mercado interno. Pa­rece que este não sympathísa com o novo typo. Falta de gosto, não pódc ser outra coisa. Alguns annos mais de per­severança, e a victoria será completa.

Os iniciadores sem perseverança nunca chegam a ver o resultado de suas obras. Isto, porém, não succederá ao pro­prietário a quem me refiro, que está cansado de viajar e de saber o que deva entender-se por vinho bom* não igno­rando quanto é diíficil vencer os preconceitos arreigados.

O typo antigo de Gadafaes tem mérito como vinho de so-bremeza. A sua producção deve limitar-se ao restricto con­sumo que estes vinhos costumam ter, porque, como os pra­tos mais tinos, não são para todos os dias.

.0 vinho moderno é um typo perfeito, quando se acha na virilidade. É comtudo preciso estudar bem o tempo que ella dura, para que seja bebido antes de se fazer velho.

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Apphtudam o proprietário de Cadafaes que tirou os seus vinhos da mestra *, procurando parados educar professor ha* bilitado.

O districto vinícola do Lavradio comprehende a região, ([ue se entende rio Barreiro até Alcochete, gosando de maior nomeada os vinhos do Barreiro, do Samouco, da Moita e do Seixal.

Lavradio, como os dois antecedentes, 6 lambem magnata. Tem viajado e conhece os paizes 'estrangeiros, sem que seja temeridade aflirmar-se, que muito vinho d'este nome tem saído do tacho.

Por maior que seja a seceura do anno, e ainda na qua­dra de mais intenso calor, os vinhedos do Lavradio teem sempre as raizes protegidas pela frescura do solo, que ó uma grande arénala, em que as aguas se infiltram com fa­cilidade. Ficam, além tTisso, estas vinhas na visinhança do Tejo, que augmenta a humidade da região.

Tudo isto combinado dilíiculta a maturação das uvas, e os vinhateiros vèem-se na necessidade de as assoalhar para que os mostos possam dar o vinho que necessitam obter. Coustíguem-n'o, fazendo o ave llamen lo da uva nas eiras, onde fica exposta ;i acção directa dos raios solares.

Segundo a intensidade do calor, costumam regar a eira e depois a uva duas ou tres vezes ao dia, para que os ba­gos não rachem, e a terra não chupe o sumo.

0 avellamento, que se pratica em muitos paizes estran­geiros, onde se fabricam vinhos doces e licorosos, nem sem­pre se executa d'esle modo. Também se faz desfolhando a cepa, e assim exposta ao sol se deixa apurar a uva.

Este processo não é, porém, vantajoso em todas as re­giões, e os do Lavradio dispondo de terrenos tão húmidos andariam ma! avisados se o adoptassem. O solo restituiria de noite aos eacbos a agua que elles houvessem perdido pela insolação. Ainda mais: no principio do outono, nota-se

1 Mestra é o nome que d á o , em Carcavcllos, ao abafado. CONF, P. i. *3 »

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um começo de viço nas videiras, que fazemlo-lhes absor­ver novos suecos, dessorariam as uvas. O aveliamento na cepa é sempre menos rápido do que na eira, e está sujeito a muitas contrariedades, o que não obsta a que esteja ado­ptado em Johannisberg e no Tokay.

N'esta ultima região a uva permanece na cepa ató tão tarde, que o frio sobrevindo gela a agua de vegetação den­tro dos bagos, e apura os mostos, separando-a no estado solido.

A uva avellada, com o engaço bem secco e de aspecto lenboso, a pellicula muito branda, que lhe dá a apparencia de engelhada, vae para os lagares. Esta pratica completa a maturação do fructo.

Porque não fazem escaldões e arrobes como os de Torres, se nos querem provar, que elles são indispensáveis nas re­giões húmidas e representam o melhor systema de fabrico?

Ha de ser difficil achar resposta que nos convença da utilidade d'elles a não ser para alcançarmos a côr, que Os vinhos de Torres exigem no mercado dos almocreves.

Tudo isto está demonstrando o excesso de enthusiasmo inútil, com que pretendemos muitas vezes defender os pro­cessos do qualquer região, ou a nossa muita bondade em louvar quasi sempre os costumes que não teem defesa.

O aveliamento da uva applica-se no Lavradio a todas as castas, inclusive ao bastardo, que é do seu natural a mais saccharina de todas. Deixam-n'o oito dias na eira para que produza o vinho de bastardinho. Às outras uvas ficam as­soalhadas cm menos tempo.

O vinho bastardo pisa-se nos lagares e tem oito dias de fermentação nos balseiros, não o prejudicando o engaço, durante a curtimenta, porque se encontra completamente secco.

O vinho ordinario das outras uvas está, termo médio, quatro dias a curtir, e depois é envasilhado nos toneis.

Também fazem vinho branco de bica aberta, que fica molle e desengraçado, e se submette a forte aguardentação.

Chega a força saccharina do mosto especial do bastardo

m_. assoalhado a 32 por -100 do assacar, que representa 19,9 % de álcool absoluto em volume. ¡A esla riqueza, nunca o vinho chegaria naturalmente'pelas leis da fermentação.

O mosto linio commum, em que também entram algu­mas uvas brancas, possuo 26,5 ü/o deassucar, que ó proxi-mamcnle a riqueza dos mostos brancos.

É muito, de certo, mas não se obtém pelo trabalho da cepa. É o resultado do avellamento.

Os.vinhos do Lavradio, e já estou cansado de o repetir a cada passo, lembram muito os do Douro. Nos primeiros annos sao tão retintos e encorpados, que se mastigam na boca. Imitam-se com certa facilidade, a baga ahi está que o diga, c como gosam de boa reputação, falsifieam-se amiu­dadas vezes.

A sua força alcoólica commercial aproxima-se do termo máximo que apontei nos tres vinhos do grupo ultimamente estudado. Uma garrafa de Lavradio mette um grãosinho na aza do mais valente bebedor. Para mim seria uma bala do grosso calibro, e produziria profundíssimo somno, como o hydralo de chloral.

Não posso antever qual seja de futuro a influencia ¿"es-las conferencias sobre os processos de vinificação. Noto, porém, desde já, que os campos começam a extremar-se, e lodos confessam qne é manifesto o movimento. Organi-sam-sc os partidos e começam a discutir a these. Se por um lado, o que me é adverso, me fulmina com os seus anathemas, o outro, que me sustenta, embora menos nu­meroso por emquanto, defenderme corajosamente. Solta-se a discussão vehemente na imprensa e nas palestras parti­culares. Não termina, porem, aqui a controversia, e os mais impacientes já recorrem ás cartas anonymas.,

Ilontem recebi bastantes; mas, entre ellas ha uma, que pela originalidade preciso lêr diante de vós.

Escreve-rae uma senhora áeerca de vinhos, E acho ião judiciosa a opinião da dama desconhecida, que seria feita de delicadeza da minha parle * reservar o conteúdo da sua carta unicamente para mim. Diz assim;

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Lisboa 31 de agosto de 1875. Ex.m0 sr.

Vi pelos jornaes, que v. tem combatido, nas confe­rencias do theatro de D. Maria, o fabrico dos vinhos de pasto, que se funda na mistura do mosto mal fermentado com aguardente.

Ainda.que as mulheres, n'este paiz, não sejam ouvidas em coisa nenhuma, nem se lhes tenha permittido por em-quanto a frequência dos amphitbeatros de anatomia e labo­ratórios de chimica, pelo que lhe toca de certo a v. grave responsabilidade; não devo, comtudo, ficar silenciosa, na questão que se debate, sentindo que o meu sexo não possa, por melindres que comprehenderá, ir fazer parle do seu auditorio.

Nós—as mulheres—temos sido até hoje tratadas com soberano despreso. Depois de nos haverem sacrificado a aprender grosseiramente os rudimentos da nossa lingua, na dóse homceopathica necessária para fazermos o rol da lavadeira, cifrando-se todas as prendas do sexo em saber cortar e coser uma carniza, desmanchar um casaco para o virar do avesso, ou deitar uns fundilhos nas calças, apenas nos concederam ultimamente o piano desafinado por muito favor.

O piano desafinado, que o código civil tinha obrigação de considerar entre os fundamentos do divorcio, porque perturba a paz conjugal, e até o descanço dos visinhos, au­gmentando ainda mais, se é possível, a tristeza da cidade 1

Ao menos, antes d'elle ser conhecido, regalava-se o ma­rido de mostrar aos amigos a camizinha pespontada pela cara metade, o amanuense do Estado lograva a ventura de possuir um casaco, que fazia no anno duas vistas de novo, o que, em tempo de economias, sempre ajudava a pagar a decima, e as raparigas sabiam fazer soberbos puddings, com que nossos avós ficavam ás portas da morte, depois

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ñe um jantar de annos na Baixa. Tal era a attracção que os cegava para o abysmo do doce.

O progresso, sem respeitar o que era util, tem-se limi­tado a ensinar á mulher uns laivos de framiu e uns boca­dinhos de musica de péssimo gosío. . E tanto isto é assim, que varias meninas do meu co­nhecimento quando executam qualquer trecho dos que lhes ensinaram na mestra, precisam trazer de casa as partitu­ras, porque não sabem ler senão pela musica por onde aprenderam; mostrando-se dotadas da mesma insensibili­dade e rijesa de ouvido, que admiramos nos moradores da rua Augusta, ouvindo tocar os caldeireiros o dia inteiro a rebate, nas bacias de arame e nas cassarolas.

Differentcs familias empenham-se agora em fazer acreditar ás creanças, desde'as mais tenras edades, que o chapeo da ultima moda é mais hygienico que o biffe de lombo bem assado na grelha, o uo copo de vinho em que não entre se­não o sumo da uva. Ora, como a carne de boa apparencia e o vinho bem puro se tornaram pela raridade, objectos de luso, a que não podem chegar senão os abastados, ao passo que a seda e a fita vão estando cada vez mais em conta, facilmente se propaga esta nova educação, que poupa o collegio, e na qual certas mães teem saido óptimas mes­tras.

Prefere o sexo feminino consumir na modista o que de­vera gastar no açougue e na Praça da Figueira. Em logar de comer—veste-se!

E na realidade, os alimentos são tão pouco convidativos, que en propria nem sempre resisto á cruel tentação da toilette.

Muito temente a Deus, custa-me a dizer a v. que o pão é ruim. Debalde tenho corrido todos os padeiros. Fico sem­pre na mesma. Azedo e emmaçarocado, parece feito de fa­rinha ardida.

O assucar, quando se dissolve na agua, -fal-a amarella como o capilé, e deposita insectos tão bem conservados, que não se encontram assim nas resinâs fosseis.

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O azeite não só impossibilita a digestão, mas receio que me estrague a boca, porque se deprchonde do que v. disse, em uma das suas conferencias, que elle ¿ capaz de apodrecer os dentes ás machinas. E nós as mulheres não temos dentes de ferro!

Finalmente chego ao vinho. Com quanto o voto de uma obscura mulher não possa fazer grande peso na preguiçosa balança dos vinhateiros, declaro-lhe que sou inteiramente da sua opinião, lamentando, todavia, que não fosse mais delicado com as senhoras do seu paiz, .sendo v. um ho­mem que viajou tanto.

Antes de cuidar dos interesses dos vinhateiros c do gosto dos mercados, devia lembrar-se de nós, e dizei1 a esses se­nhores, se querem que continuemos a gastar em trapos a parte que devêramos applicar ao vinho.

V. deve ter reparado, em os nossos jantares, seja qual for a pessoa que nos convide para elles, que os copos das senhoras nunca se enchem mais de uma vez, e o vinho vae quasi todo para dentro com alguns golinhos de me­nos.

Hontem ainda, jantando eu com a minha amiga Z . . . , que é mãe de tres lindas creanças, em casa do sogro d'ella que fazia annos, a minha amiga não só não bebeu vinho, mas estava a cada passo a re com me miar, que o não dei­tassem nos copos dos filhos.

Por uma das vezes, voítou-se para mim um pouco agas­tada, e me disse em voz baixa:

—Desadoro de jantar em casa do papá por causa d'estas coisas; no dia seguinte, ficam-me os pequenos de cama. Tenho tanto medo do vinho como dos phosphoros, que, ser­vindo para accender o lume ou o candieiro, podem por des­cuido pegar fogo á casa e reduzil-a a cinzas.»

—Pela minha parte, ainda os condemno, acerescentei eu, pela desafmação dos sabores, o sendo mui delicada a com­pleição da mulher, receio sempre que um copo dos nossos vinhos valentões me faça a maior de todas as perfídias.»

—Lá em casa acabámos com isso. Aos domingos bebe-

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mos unicamente* continuou a minha amiga, um dedo do Porto á sobremesa: este mesmo, porém, mandamol-o buscar â botica. É um vinho para doentes, e que se toma como remedio, aconselhado pelo doutor aos meus filhos.

 sobremesa appareceu um vinho adamado, que, em atienção ao nome, julguei ser composto de proposito para as senhoras. Serviram-n'o por pequenos copinhos de licor. Attraida pelo letreiro da garrafa, díspuz-me a proval-o. Gus-tou-me bem cara a fesía.

Tinha, apesar do nome, a força de um athleta. Dez mi­nutos depois de bebel-o toda eu era fogo. Tirei ao principio o leque da algibeira para me abanar, porque estava ver­melha como um coral, mas por fim levantei-me da mesa com aiírontamentos, e toda a noite não pude conciliar o somno um minuto.

Escuso de proseguir. Applaudo os seus esforços, e creio que todas as senhoras lhe agradecerão como eu. Desculpe a censurasinha que lhe fiz. Como prova de que me inte­resso deveras pelo bom êxito da sua lembrança, já preveni a minha modista, que se v. conseguir algum resultado das suas conferencias, lhe comprarei, com certeza, menos meia dúzia dc chapéus por anno,

Com sincera estima

Sua muito affectuosa

Luiza I ) . . . Depois d'esta leitura, peço aos vinhateiros presentes,

que tomem cm consideração o voto de tão sympaíhica dama. Realmente, senhores, com os nossos vinhos patrio-ticos condemnamos as mulheres a beberem agua!

6.a CONFERENCIA

EIVE 9 J D E S E T E ^ T B R O D E XS^S

¡Vft s a l ã o nobre do tliealro <Ja Trináaflft

S U M M A R I O / /

Vinlios de Camaraic—Lavagem methodiea tias uvas t'iisofiatlas.— Uoa quali­dade tios vinhos brancos dVsle cantSo vinitola.

Setúbal, vinhos ordinarios ç raoscaleis.—Apparoce, pola segunda vez, ao pu­blico o tamanco dos vinhos.— Enconlrn-se uma classe de rochas, descriptas pelos geólogos, nas solas do sapato pisão.— Acção erosiva do mosto sobre el­las.—0 que se entende por vinhos passeados, e qual é o destino da massa que d'elles resulta.— Pulverisação do bagulho.— Vinho moscatel.—Cepas e suas variedades.— Plantação da vinha: bacello, barbado e enxertia.— Mos­catel de Setúbal e de Azeitão. — {.'uidndos da vindima.—Km que eslado de­vem de ser colhidas as uvas moscatéis.—Uniras uvas brancas, que podem jun-lar-se a ellas sem prejiiizo da qualidade do vinlio.—Preparação do vinho moscatel.— O processo que ?e emprega é o dos vinhos abafados.— Como se abafa o mosto tio moscalel: aguardente forte e aguardente fraca.— Balsas virgens e sen aproveilamento.— Por causa d'estas se loma a fallar nos vinhos tintos coramuns.—Aroma c flavor do moscatel.— Do vinho passamos aos sorvetes.—Toma-sc conhecimento com a salva scíarea, que deixa na sombra as ñores do sabugueiro, e tem feito passar muito vinho branco conimum por legitimo moscatel.— Falsificações innocentes.— Toca-se ao de levo nos aromas dos outros vinhoí, que podem também sair da frasqueira dos chinjieos.— Ri­queza saceharina das uvas moscatóis.— Considerações sobre a dóse de álcool e de assucar existente n'estea vinhos.—De novo se recorda ao auditorio os vi­nhos moscatéis de Franca e (ta Hungria —Algumas regras tendentes a imi-tal-os.~Afoscatel secco.

Exame dos melhores vinhos da Estremadura, expostos em Londres.— Entram tres mappas na discussão.—Nova explicação dos deveres do prelector, qm já se podia julgar desnecessária, mas a que elle 6 obrigado pelas circuinstan. cias.—Epilogo do estudo da Extremadura.—0 álcool, o mercado de Lisboa eoseu habitante. — Scenas que se repelem com frequência e que definem o gosto do consumidor.—O freguez e a sua influencia nos hábitos caseiros de toda a cidade.—Quem pile e dispõe é o freguez. — O que Feria de nós sem o aguadeiro.—Em troca do um psquecimento, narra-se a historia de um sonho. — Que vinho dá Mephistop heles as almas do outro mundo, que \&o pararão inferno.

Meus senhores!—Temos quasi concluido o estudo da Extremadura, e o que nos falta considerar de mais impór­tame e notavei n'esta região, é a comarca vinhal eira de Se-

CONF. P. r. - -

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tubal, que se torna principalmente conhecida pelos seus afamados vinhos doces moscatéis. Entretanto, antes de tra­tarmos d'ella, quero ainda, para apontar um bom exemplo, dizer duas palavras só, acerca de um modesto cantão viní­cola, quasi todo pertencente ao concelho dos Olivaes, e que se appellida Camarate.

E tenho gosto em proceder d'este modo, porque na rea­lidade se encontram em Camarate alguns vinhos brancos, que podem bem aspirar a um logar dislincto nos merca­dos, e vinhateiros que estão no caso de seguir as melho­res praticas, por disporem de íntelligencia bastante o de avultados capiíaes.

Os vinhos de Camarate estabelecem, na opinião dos com­petentes, a transição dos vinhos encorpados da Arruda para os finos e delgados de Bucellas, e acham-se principalmente nas povoações dos Olivaes, Sacavém, Camarate, Unhos, Appeliação, Tojal e Friellas.

Vegetam as vinhas sobre collinas, eom quanto o terreno se não possa chamar montanhoso. O solo é composto de margas e calcáreos, mui próprio ao desenvolvimento das cepas, existindo ali no mais fraternal convivio a vinha e a oliveira,—os symbolos da paz e da riqueza.

Ha, n'esta região, grandes quintas e propriedades, e por isso já notei que deve apparecer, com menos difíiculdade, quem ouça as minhas observações e ponha em acção os conselhos, se os julgarem aproveitáveis.

São as uvas, pela maior parte, as mesmas, que se no­mearam na margem esquerda do Tejo, com excepção de uma casta nova, a baldoeira ou Camarate, que é muito sac-charina e chega a conter â5,5 por 100 de assucar. As cas­tas tintas mais pobres não descem todavia de 17 por 100.

Fez o oidium, n'este sitio, bastantes estragos, e como ainda hoje nem todos enxofram, continua a diminuir sen­sivelmente as colheitas. Parece que os proprietários, que­rendo fugir ao incommodo da purificação do vinho, que se não pode obter por um processo simples, preferem o prejuízo causado pela doença, a que elle lhes fique cheirando a cano.

217

As trasfegas, o arejamento, o acido sulfuroso, que são os meios geraes de combaler o sulphydrico, dariam muito trabalho, e reclamam lempo para se executarem. •

Se isto acontece em alguns pontos d'este cantão, ha, com-tudo, n'elle proprietários, que enxofram as suas cepas, e obteem vinho puro, privado de sulphydrico, porque, antes de o fermentarem, se occupam da lavagem dos cachos, di­rigida com tanto methodo que o enxofre não chega a pas­sar ao mosto.

Esta pratica, que devera ser mais vezes imitada, não é, como á primeira vista parece, de execução difiicil, quando se faça a vindima debaixo de preceito. Lavam-se as uvas em dornas, n'uma corrente de agua, que se estabe/eça de baixo para cima, e que arraste para fóra todo o enxofre, podendo levar-se o apuro a tal ponto que se pratique a lavagem isolada dos cachos debaixo de um filete de agua.

Depois de purificadas as uvas, enxugam-se ao sol sobre estrados de madeira, onde o engaço murcha e os bagos se tornam ligeiramente avellados. Toda a agua de lavagem desapparece por evaporação.

Mais tarde é este trabalho optimamente recompensado pela pureza dos vinhos, que se apresentam sem vestigios de acido sulphydrico, tendo, como é natural, muito maior valor no mercado. Assim se procede em propriedades que lavram cerca de 100 pipas de vinho, o que demonstra cla­ramente, que a lavagem não embaraça a vindima nem os processos de vinificação.

O enxugo da uva nos taboleiros ou estrados não creio que seja todos os annos de absoluta necessidade. Se o vi­nhateiro tiver o cuidado de indagar previamente, por meio do glycometro, a riqueza do mosto, frequentes vezes será desobrigado de fazel-o, concorrendo a agua adherente aos cachos para a regularidade da fermentação, e mais fácil compostura dos vinhos seceos de pasto, duradouros e agra­dáveis.

Em differentes comarcas se deveria adoptar, por sys-tema, esta operação. A lavagem não só (iraria o enxofre, e

14-

por conseguinte o cheiro nauseabundo de ovos podres ao vinho, mas tomar-se-hia n'um óptimo correctivo dos mostos xaroposos.

Os vinlios tintos fabricam-n'os, cm Camarate, de uma maneira muito simples. Pisam as uvas no lagar e fermen­tam o mosto cm balseiros, prolongamto-sc de ordinario a fermentação quarenta e oito horas. Alem do aveüamento, alguns desengaç-am, e d'ahi procede que os vinhos muitas vezes saem doces, exigindo mais (arde, para se conser­varem, addição de aguardente.

Espremem a massa na prensa, que ou è de vara ou de cincho, e costumam fazei1 agua pé, cuja força alcoó­lica se eleva, como também succede em outras regiões do paiz, á que se julga, em França, sufficiente para constituir os vinhos communs mais ordinarios.

Os vinhos brancos de Camarate, restringindo as castas a duas ou tres das que melhor se dão n'aquelles terrenos, e sendo colhidas no verdadeiro grau de maturidade, tantas vezes por nós indicado n'estas conferencias, que por isso nos julgamos dispensados de o indicar de novo, teem con­dições para competir com os de Collares e Bucellas. Ca­recem, porém, de fabrico mais apurado, e que exclua a in­tervenção do álcool. É lambem necessário applicar-lhes o tratamento cuidadoso de adega, durante os primeiros an-nos, como se faz em todas as regiões que entendem de vi­nhos, e que largamente descreverei na segunda parte d'es-tas conferencias. • .

Deixemos Camarate, porque nos espera Setúbal. Setú­bal! a região privilegiada do moscatel, com reputação na Europa, e nome feito em Portugal, onde bem poucos no­mes se fazem. Bello vinho, com efieito, mas como não existe formosura sem senão, nem sempre podendo hombrear com os mais finos moscatéis de França, nem com alguns mos­catéis da Hungria, mais raros que os precedentes. Com o moscatel de Constança escusamos de comparal-o. Nenhuma vantagem se conseguiria.

Setúbal também produz vinho tinto: vinho tinto, o pie-

m_ beu, (jiie não tem nome como todos os plebeus. É Ião mo­desto este vinho, que nem chegam no sitio a estimal-o.

Todo se bebe na localidade, e na época da afíluencia dos banhistas ao Sado, assevera o sr. Lapa ser preciso mandar vir para elies os vinhos do Alemtejo, que são mais bara­tos quasi sempre e menos aguardentados.

È crença geral, em Setúbal, por certo infundada que os vinhos ficam chilros som aguardente. Esta é a crença de todas as comarcas vinhateiras de Portugal, e Selnbal, para ser lógica, não podia fazer-lhe excepção. Tem mais impe­rio o preconceito que os diciaíiies da mais sabia e provei­tosa economia.

Cultivam as castas conhecidas no Barreiro, e servem-se da uva branca boal para tempero do mosto tinto e do vinho moscatel. Vinificam o vinho ordinario por uma formula, que foram desenterrar das minas dc: Tróia.

A uva é desengaçada em uma ripadeira de fasquias. Caem os bagos sobre o lagar ou lagariça, saindo o mosto á bica para um dornacho.

Concluido o desengace, espalham-n os. em camada de egual espessura sobre o lagar, e procedem á pisa, tapando a bica.

Distinguem-se com facilidade os lagareiros, cmpregadps n'este serviço, pelo trajo, porque se apresentam em cuecas, levando nos pés sapatos ferrados, que teem muita analogia com o sapato pisão de Borba, cujas solas vimos nós podiam servir de thema aos geólogos, para profundos estudos so­bre a formação das camadas sedimentares. Estas camadas, porém, não é possível examinal-as, depois de setembro, porque desapparecem infelizmente todos os annos por essa época, quando chega.o cataclysmo da vindima.

O sapato pisão é a arca de Noé d'este diluvio, embora ninguém lhe conheça depois o novo relevo das solas desnu­dadas pelo mosto, que se transformam como as escarpas mais batidas pelas aguas do oceano.

O vinho do sapato pisão toma o appellido de passeado. Logo que haja mosto era abundanciaj os lagareiros afas-

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tarn o bagulho para a parte mais elevada do lagar, que ê levemente inclinado, e abrem a bica escorrendo o liquido para as domas ou toneis de fermentação. A piza é ainda auxiliada com pás por meio das quaes levantam as uvas e facilitam o esmagamento. Quando a massa não verte mais liquido, desmancham-n'a ás sapatadas, saltando sobre ella, n'uma dança quasi doida, até que fique reduzida a bolo. Moem-n'a bem moida, e d'esta sova mestra sae sempre feita n'uma salada.

Á pasta, que assim se obtém, lança-se dentro da vasilha, onde a esse tempo já está o mosto em fermentação, ficando ambos em contacto por dois a tres dias; no fim d'elles tras­fegam o vinho para toneis e aguardentam-n'o com tres ca­nadas de aguardente de prova de 30 a 33° de Cartier, por cada pipa.

Levam em seguimento á prensa a massa empastada, que antes parece borra do que pé de vinho, e o sumo, que possa deitar, juntam-n'o ao vinho já trasfegado.

O residuo da espremedura serve de alimento ao gado suino, ou se disíilla na caldeira (!), quando a haja. Queimam os engaços e aproveitam as cinzas, ou applicam-n'os dire­ctamente para estrume.

Os mostos, á saída do lagar, deram em 1867 ao sr. Lapa, 17,5 a 24 por 100 de assucar.

Os vinhos dão prova em novembro pelo S. Martinho. Fi­cam sobre a mãe até janeiro, e habitam grandes palacios, —vasilhas grandes, como é costume por toda a parte.

Setúbal e muitos terrenos ao sul do Tejo, que parecem talhados de molde para a cultura da vinha, podiam mi­nistrar ao consumo óptimos vinhos de pasto, se não pre­feríssemos os vinhos saturados de adubos, cuja preparação ainda que pareça muito variada, vae sempre dar ao mesmo fim, sem nunca dispensar a aguardente.

É na realidade, senhores, uma medicina esta, que se não afasta quasi nada do systema universal, que applícava aos seus enfermos o celebre doutor Sangrado de Lesage.

m Os vinhos de Setúbal são ao principio fracamente aguar-

dentados e poderiam julgar-se uma excepção á lei commum; no eníanto, a força é íuncção do tempo, porque se resta­belece subindo cada vez mais, com os refrescos1. A fra­queza primitiva de l i a 13 por 100, achamol-a mais tarde transformada em {6° de Gay-Lnssac. Usam para o conse­guir da aguardente de 33° de Cartier, e como os vinhos naturaes teem pouco álcool, precisam fazer duas distilla-ções do mesmo vinho nos alambiques ordinarios, para che­garem áquelia graduação.

Cora semelliante processo deve ficar o álcool por muito bom preço,

O vinho moscatel ó produzido pela uva d'este nome, de que existem algumas variedades, sendo mais conhecidas a moscatel branca e a moscatel de Jesus.

As cepas produzem pouco relativamente, e soffreram bas­tante com a invasão do oidium. Consegue-se robustecer esta preciosa videira pela enxertia, que também concorre para a sua fructificação mais rápida e producção regular. Em vez de plantarmos a vinha com baceilos ou barbados, en­xertam-se as varas do moscatel, pelo processo inglez2, so­bre outras videiras que tenham boa seiva. Posta de bacel-lada nunca se desenvolve tão bem.

Com quanto o vinho moscatel tenha tomado o appellido de Setúbal, è todavia certo, que o melhor moscatel, conhe­cido nos mercados estrangeiros e nacionaes, é filho de Azei­tão, villa outr'ora notável pelos acontecimentos que n'ella se deram durante o reinado de el-rei D. José, e que fica duas leguas distante d'aquella cidade.

Alguns vinhateiros da sub-região que consideramos, são muito esmerados na vindima, especialmente um proprieta-rio da vilia de Azeitão, cujo nome anda ali com justiça na

t Lapa.—Memoria sobre os processos de vinificação.—Força média 41 por 100, força achada 16, pag. 15 e 16.

a Na conferencia da phylloxera fallaremos da enxertia cora desenvol­vimento, e d'este processo em particular.

222 boca, de toda a genio, ti a quem a oenologia porlugiieza deve não pouco leconliccimento.

Foi elle que deu credito, fora do nosso paiz, aos vinhos licorosos d'este cauliío.

Com todo o cuidado ó a uva transportada á adega e de­positada em cellias de grande altcrturu o pequena pro­fundidade. Os ranchos de Iraballiadores, que se admitiera n'esta operação, compSem-sc exclusivamente de mulheres e creanças. Tomam logar em volta das eclhas, e desungaçam os cachos á mão, bago por bago, cortando com uma te­soura os bagos verdes, podres e seceos, que separam dos sãos para outra celha. Esta escolha muito proveitosa t: exe­cutada com todo o socego e na melhor ordem, levando me­nos tempo do que pôde imaginar-se, porque não ha, pelo modo que as coisas se fazem, um sô momento do hesita­ção. É um espectáculo consolador para os que advogam as boas doutrinas, e a melhor demonstração para convencer as pessoas, que não querem persuadir-se que o vinho de­pende dos pequenos cuidados, como a amizade das peque­nas lembranças.

Precisam as uvas moscatéis, mais que outra qualquer casta, que se destine ao fabrico de vinho licoroso, ser apa­nhadas em bom grau de maturidade; não só porque n'esto estado se apresentam com mais assucar, mas, muito prin-cipalmeiite, porque o aroma suave que é a base do valor do vinho, não se desenvolve senão no cacho dourado, que o sol apurou. E como esle aroma é em extremo fugaz, to­dos os cuidados são poucos para obtel-o na maior con­centração.

Juntam alguns á vindima do moscatel, outras castas bran­cas de superior qualidade, que a não prejudicam, mas an­tes corrigem os defeitos do mosto extreme de moscatel; e preferem para este fim a uva boal ou trincadeira branca. Quando a uva moscatel está bem madura e rica de aroma, as outras castas contribuindo ás vezes com uma percenta­gem de assucar superior á d'ella, enriquecem, augmentam e adelgaçam o mosto, que, em regra, se apresenta exces-

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stvamenlc pecfiuoso. \ proporção mais seguida é um quarto até um terço de uva boal.

Das celhas passam os bagos escolhidos para o lagar da piza, a qual, em referencia a cem arrobas de uvas produ­zindo um tonel de vinho, dura um dia completo.

O mosto corre de bica aborta para a tina, d'onde é ti­rado com almudes para os toneis, addicionando-se-lhe no fim a espremedura da massa, qnc se torna indispensável levar ;i prensa, embora o bagulho ou pé tenha de deitar-se no mosto, para se fazer com segurança o calculo da aguar­dente que elle exige.

Nós já por incidente dissemos, na segunda conferencia, que se conheciam differentes qualidades de vinho mosca­tel; mais particularmente, fixámos a nossa attenção sobre tres especies, duas que não fabricamos, e que são os mos­catéis fermentados seceos e os licorosos doces pouco al-cooiisados; e uma terceira que constitue a nossa especia­lidade,—o moscatel doce muito alcoólico.

Nos dois primeiros grupos tornam-se distinctos os mos­catéis da Hungria e de França, a que nem sempre chegam os vinhos do nosso torrão, mas que em absoluto não de­vem comparar-se porque representam typos differentes, como pela deseripção do processo melhor se poderá julgar.

A preparação do nosso moscatel diversifica consideravel­mente do fabrico d'aquelles vinhos, porque se abafa o mosto com aguardente, não passando sequer pela mais suave fer­mentação. O termo abafar talvez que seja mal escolhido, porque a fermentação não se atalha nem suspende.

A verdade é que o álcool nem a deixa principiar, e como, segundo as regras, sem fermentação não ha vinho, em vez de vinho abafado seria porventura melhor chamar-se-lhe «vinho mallogrado.))

É com este fundamento que alguns oenologistas distin­ctos lhe negam o nome de vinho, e o incluem na classe dos licores.

Por dois modos se impede ou pôde estorvar a fermen­tação do moscatel.

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Uns, e s5o quasi todos os vinhateiros, empregam a aguar­dente forte de 33 a 34° de Cartier, na proporção de seis almudes para 25 de mosto. O assucar na presença d'esta lota de álcool fica na impossibilidade absoluta de desdo-brar-se, dir-se-hia de mãos amarradas, se fôra possível per­sonificar o phenoraeno.

Outros, havendo tirado bons resultados do emprego do cognac no tempero dos moscatéis abafados, substituem o álcool forte pela aguardente fraca de 22 a 23° de Cartier, tirada das balsas virgens. O total do álcool absoluto, que -o mosto absorve, vem quasi a coincidir ou pôde mesmo çoincidir, nos dois casos, estando em uso empregar-se or­dinariamente almude e meio de álcool fraco em substitui­ção a cada almude de aguardente de prova.

A agua da aguardente fraca augmenta o volume do vi­nho. A mistura faz-se com a maior promptidão, em virtude da- densidade mais elevada do álcool menos concentrado» e evita-se por este modo, um dos inconvenientes graves do emprego da aguardente forte, que sobrenada ás vezes por muito tempo o mosto, não sendo possível ligal-a bem em vasilhas de grande capacidade-, que não permittem a agita­ção dos dois líquidos até os tornar homogéneos.

Este segundo meio de abafar o mosto exige, porém, que 0 vinhateiro tenha a sua vindima organisada de fórma par­ticular, ou que trate de se preparar com antecedencia para o pôr em pratica.

A aguardente fraca das balsas virgens suppõe, além do vinho moscatel, outra vindima e outro vinho, e suppõe mais, um processo especial de vinificação para este se­gundo vinho,

Na propriedade em qije assisti ao aproveitamento do ál­cool fraco, a aguardente era obtida á proporção que a vin­dima progredia. Começa-se com certa anticipação a fermen­tar o vinho tinto. A distillação do álcool é successiva e pôde, quando as duas preparações do vinho ordinario e moscatel Dão forem suf&çientemente distanciadas, obrigar-nos a le­var á caldeira, antes de tempo, o vinho das balsas virgens

ou a agua-pé da repisa. Quando isto succeda, perde-se ál­cool irremediavelmente, e se não calcularmos com muita exacção, o que é aliás bastante difficil, a quantidade de ál­cool que as balsas virgens podem produzir, chegará um mo­mento em que os despojos do vinho ordinario n3o bastem para o vinho fino. Ainda que as duas vindimas se façam com 3 semanas de intervallo, raras vezes terminam sem confusão, já porque o mosto do vinho ordinario se demorou mais tempo no balseiro de curtimenta, já porque pôde ap-parecer á venda ou cortar-se na vinha maior quantidade de moscatel., com que se não contava até ali. Parece-nos que, em taes casos, o remedio é simples, e a aguardente de prova diluida a 22° irá restabelecer a ordem na adega, expediente que julgamos,-em quasi todas as circumstancias, mais acr ceitavei. E se estjver provado, que o álcool das balsas vir­gens é mais aromático, então prepare-se com antecedencia de um anno o deposito, que se ha de gastar no anno se­guinte com o moscatel.

Continuemos, no entanto, a examinar como se procede nas adegas que adoptaram o processo.

O vinho tinto commum é vindimado para lagares, que se enchem em 3 ou 4 dias, seguindo-se a piza e fermen­tação tumultuosa. A balsa ou chapeo, uma -vez levantado pelo acido carbónico acima do guarda vinhos, nunca mais se recalca nem -infunde no mosto; e quando este dá prova, o que succede ao sexto ou sétimo dia de fermentação, tra-ta-se do envasilhamento.

A balsa, que não soffrera recalque, e contendo muitos principios viniíicaveis, de que nem sempre o vinho poderá prescindir, é tratada com agua, e transforma-se por uma segunda fermentação que termina as reacções incompletas da primeira, não podemos dizer em agua-pé, raas em vi--nho mais fraco que o primeiro, extremamente agradável, que introduzido, em acto continuo na caldeira, fornece o alcoo] chamado das balsas virgens. É com este que se tem­pera depois o mosto do moscatel. . Para que o vinhateiro aproveite o corpo de maior valia

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que as balsas encerram, sob o ponto de vista em que se collocoii, é preciso que dê ao assucar o tempo necessária de fermentar. Juntem aos 7 ou 8 dias da primeira fermen­tação tumultuosa, os que são precisos para a fermentação do segundo mosto; contem depois com o tempo que este leva a distillar no apparelho Derosne ou em outro qual­quer, e facilmente se convencerão da incerteza, c até da confusão, que pôde surgir de um momento para o ou­tro ao menor descuido ou negligencia do operador. E não é preciso que o operario se descuide muito; dezenas de vezes o mais pontual e intelíigente acabará atrapalhando as operações que tencionara dirigir bem.

Comparando as vantagens da aguardente fraca das bal­sas virgens com as que resultam da aguardente dc prova diíuida, será difficil justificar tão afadigoso processo. Am­bas ellas augmentara o volume do vinho, ambas maceram pelo mesmo modo a casca ou bagulho do moscatel. Uma não tem maior poder que a outra para destruiros aromas. Apoderam-se, sem que se possa estabelecer differença, com a mesma avidez, das essências da uva.

Ligam-se pelo mesmo feitio com o mosto, porque teem eguai densidade: apenas uma, me podem dizer, não tem os aromas tão concentrados que se attribuem á.outra, á das balsas virgens; mas, se isto é vantagem, e o facto está as­sente com clareza, restará ainda provar, se elles tornam mais suave e activo o perfume de moscatel, devendo o bom pra­tico ter em vista, que a melhor qualidade de álcool des­tinado a taes operações, é a que não diminue, nem acres­centa aromas estranhos ao mosto, que só deve cheirar á uva de que procede.

Demonstrem-me, porém que estou em erro, e que o ál­cool das balsas virgens é muito superior á aguardente fraca, e faz melhor vinho; n'ess'e caso, ordena a razão e o methodo, que elle seja preparado, como disse, com o vinho ordinario do anno anterior.

Emquanto a mim, com franqueza, só vejo uma vantagem que compense as hesitações e a desordem da vindima, mas

com essa o vinho não lucra nada, nem serve de confirma­ção ás regras eslabelecidas pelos oenologos.

A aguardente das balsas virgens quando se faça ao mesmo lempo que o moscatel, dispensa-nos de empatar capital, o que não succederia se acaso a preparássemos com ante­cedencia de um anno; e em qualquer hypothese, não nos obriga a comprar aguardente forte para diluir, fabricando-se o moscatel, iodos os annos, como se costuma dizer vulgar­mente, com a prata de casa. Estas vantagens puramente económicas não acrescentam o flavor do vinho, nem lhe dão novos elementos de vida; mas, podem, comtudo, tornar-se de grande peso para o vinhateiro, que não se importa em tal caso perder assucar nas distillações apressadas, nem com­plicar as operações da vindima.

A aguardente fraca de 32°, qualquer que seja a sua pro­veniencia tem ainda sobre a forte a vantagem, se não for empregada em grande excesso, de permittir que o mosto passe por ligeiro movimento de fermentação, muito conve­niente para se misturar mais depressa com ella. Este mo­vimento equivale a introduzir no mosto um agitador, que ligue melhor as differeníes partes que compõem o vinho.

O grau mais baixo de alcoolisação do moscatel favorece ao mesmo tempo o desenvolvimento do aroma, como se demonstra directamente; não só pela acção da aguardente de prova sobre o mosto, que produz vinho menos aromático, senão também, deixando de infusão no álcool de 34 Car-tier a planta salva sclarea, cujo aroma rivalisa com o me­lhor perfume da uva moscatel, mas de que nem vestigios chegam a dissolver-se n'elle; havendo, comtudo, bons fun­damentos para suppor que ambos os aromas são idênticos,

É minha convicção egualmente, quer partamos de um, quer de outro methodo, que o vkiho moscatel do typo actual não deve conter, em caso algum, mais de 18 por i00 de álcool absoluto em volume. Põe-n'o esta alcoolisação ao abrigo das-fermentações, e n'este ponto devemos parar, não prejudicando o flavor, nem encarecendo o producto ^em necessidade.

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O aroma d'este vinho é a sua prenda principal. Sem duvida que o vinho doce é muito agradável ao paladar... primeiro que tudo ao paladar das senhoras; mas o moscatel, que pelo cheiro não corresponda ao nome, e saiba somente a assacar, é uma bebida sem distincção nem merecimento.

Dissemos que o aromado moscatel residia na pellicula da uva bem madura e doirada, e era extremamente fugaz, dis-sipando-se com a maior promptidão; do conhecimento d'este facto resulta por tanto a necessidade impreterível de aprovei­tar o bagulho no preparo do vinho, porque se o fizermos de bica aberta, despresando a casca da uva, como tem succe-dido a não poucas pessoas, apenas nos acharemos com vi­nho branco ordinário.

Não se ignoram em Setúbal e muito menos em Azeitão, estas particularidades, e é por isso, que a massa espre­mida na prensa, se deita dentro dos toneis, onde fica em contacto com o mosto aguardentado por espaço de um anno.

N'esta ultima parte é que não estamos de accordo. Ex-cellente lembrança por certo a da immersão do bagulho, mas péssimo costume o abuso. Um auno! É tempo dema­siado. A massa, muito demorada no vinho, enfraquece-o e rouba-lhe álcool. O vinho adquire gosto salino pronun­ciado, e torna-se excessivamente pectinoso.

Deitem-lhe agua, que verão logo formar-se um precipi tado abundante em flocos. E depois que tempo para o apu­rar. Tres annos e mais. Parece que se desfaz em borra. Para mim é de fé, que tres mezes bastariam para as ifvas cederem todo o aroma que encerram. A massa que se põe de molho no mosto, imita a ginja de conserva. No fim do pbuco tempo a força do espirito passa para a ginja. Como as plantas marinhas, as algas e os fucos, que a natureza creou no fundo do oceano para guardas fiscaes do iode, os fructos chupam o álcool. E a massa ou bagulho outro tanto pratica.

Os vinhos moscatéis de Setúbal, apesar dos extremosos onjdados do principal vinhateiro da região, nunca estSo aptos para viajar antes de quatro annos. Limpam com dif-

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ficuldade, e se forem engarrafados prematuramente, depo­sitam na garrafa.

Este phenomeno procede, em granda parte, do contacto prolongado que tiveram com a massa, embora concorra também para o produzir o estado geralmente pectinoso do mosto moscatel.

É decerto um empate considerável quatro annos de es­pera, mórmente com vinhos que devem fazer-se ao segundo anno.

Depois de algum tempo, que é variável nos ditferentes vinhos d1 es ta classe, perdem os moscatéis o aroma e per­fume, adquirindo o gosto de vinho de passas. Acaba-se-lhes a virilidade, quando chega este momento, senão de um modo absoluto, porque ainda são óptimos como vinhos licorosos, pelo menos como moscatéis.

Ha, para lhes restituir o aroma, um meio fácil, que tal­vez se tenha empregado não somente para este fim, mas até mesmo para fazer moscatel sem um bago de uva d'esta qualidade.

Existe uma planta, chamada salva sclarea, cujas sépalas exhalam um principio, semelhante ao aroma da uva moscatel, muito activo e concentrado.

À salva é de certo familiar em muitas adegas, e prospera oplimamente em o nosso clima; mas onde ella adquiriu fa­migerada reputação e se tornou indispensável, foi nos caf-fés e botequins que vendem sorvetes1.

Conhecem, sem duvida, os sorvetes de moscatel? Go nhecem-n'os com toda a certeza, e escusam de me dizer, que até os preferem a quasi todos. Estão talvez persuadi* dos que são feitos de uvas, e acredifam que isto seja pos­sível, como ainda ha quem acredite na essência de violetas preparada com estas flores? Pois bem. Vou deixar-ihes uma; illusão de menos. Os sorvetes de moscatel não viram mmea um bago de uval São de salva sclarea!

1 A imitação do-aroma do moscatel com as flores de sabugueiro está muito longe de chegar á perfeição da salva.

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Com os cálices seceos d'esía planta prepara-se uma in­fusão em agua fria, durante duas a tres horas, e depois tempera-se com ella a calda de assucar que se põe a ge-lar.

A água quente não produz o mesmo effeito; sem augmen­tar nem desenvolver mais o aroma, communica á infusão pro­nunciado amargor, que chega a tomar-se desagradável, de­nunciando a origem, se a fizerem entrar na preparação dos sorvetes. Dos sorvetes ao vinho com salva não é a dis­tancia nenhum abysmo.

A mesma infusão, feita a frio, pôde restituir ao mosca­tel que envelheceu o aroma mais fragrante da juventude, e deitada no mosto de uvas brancas de boa qualidade, como o boal, camarate ou Fernam Pires etc., fará passar estas castas por moscatel. A propria uva d'este nome não deixa até certo ponto de agradecer o tempero da salva; como que por tal traça se lhe robustece o aroma.

Este moscatel fingido é de uma innocencia plena, e sae mais barato que o verdadeiro, porque se faz com quaes-quer uvas, mas é comtudo preciso calcular bem a dóse de salva, para que o vinho não fique amargo nem enjoativo, e com excesso de aroma, que o prejudique.

Mostrou-me, ha poucos dias, um amigo, que não faz se­gredo das suas experiencias, um vinho secco moscatel, obtido por oste meio que deveras apreciei.

Não lhe faltava finura nem flavor, e com difíiculdade se lhe avantajaria o moscatel verdadeiro.

E não seria possível guardar o aroma da salva em tin­tura? isto é, concentral-o em uma solução alcoólica que nao se corrompa, e que a todo o momento esteja prom-pta para tempero do vinho? Talvez que seja possível, po­rém, até hoje não o alcancei. De certo que não tenho es­gotado todas as experiencias, mas algumas que empre-hendi, me conduziram a resultados negativos. Parece, pois, que seremos forçados a recorrer de preferencia ás infu­sões.

Tive, ha annos, uma plantação de salva, com o intuito

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de preparar a tintura aromática de moscatel. Colhi, com cautella, os cálices amadurecidos, e depois de seceos, tra-tei-os pelo alcool para me apoderar do aroma. Não conse­gui coisa alguma. Variei depois as experiencias muitas ve­zes sem melhor êxito.

 infusão da salva vasada no mosto em fermentação não ílte transmitió aroma nenhum, porque o acido carbónico o arrebata comsigo. Esta observação indica o melhor cami­nho de empregal-a, que é sobre o vinho já fermentado, quando se queira moscatel secco. No moscatel doce, pro­cedente ou não de uvas moscatéis, basta que se addicione a infusão ao mosto abafado.

O tempo exerce sobre o aroma da salva a mesma acção que apresenta sobre o perfume da uya, dissipando-os com a mesma facilidade.

Se depois d'isto quizerem adquirir alguma pratica d'es-tas manipulações, ensatem-se- com os sorvetes de mosca­tel, e quando estejam amestrados, passem então para o vi­nho. Evitem, tanto n'nm caso como n'outro, empregar-quan­tidade excessiva de infusão, porque se desenvolve-© amargo que deixa logo patente a origem artificial do producto.

Põe a natureza á nossa disposição bastantes segredos, quando possuímos conhecimentos para interrogal-a. Repro-duz-se o toque de violeta dos vinhos do Mèdoc com o ly-rio florentino. Imita-se com perfeição o perfume do mosca­tel com a salva sclarea. Cria-se o aroma suave e penetrante da banana, em uma retorta qualquer, etherificando o al­cool amylico pelo acido acético. Goncentra-se e especialisa-se o flavor de certos vinhos com o oxalato de ethyla e de me-thyla. A propria agua fica cheirando a vinho com algumas gotas de ether cenanthico. E todavia a chimica é entre nós uma sciencia quasi desconhecida. Cobrem-se com uma joeira os seus raros cultores*

As uvas moscatéis, que se empregam no fabrico exclu­sivo dos vinhos doces d'este nome, quasi nunca attingem percentagens saccharinas muito elevadas.

CÓNF. p. r. io

â 3 2

Pelo contrario, accusam estas uvas menos assucar, que outras castas brancas de vinho de pasto de muito inferior estimação. Explica-se o facto satisfatoriamente, pela obser­vação de que grande parte da moscatel'se cria em par­reira ou latada alta, systema de cultura, que, como adiante veremos, n'outra conferencia, também se podia empregar, para diminuir o assucar das uvas communs, nos sitios em que não haja outros meios de o conseguir.

A uva além d'isso, bastante carnosa, mesmo creada na vi­nha, apresenta certa difficuldade em amadurecer, exigindo mais tempo que outras, para os seus bagos ficarem doirados com egualdade. E como os vinhateiros são quasi sempre apressados, também acontece fazerem a apanha mais cedo do que deviam, sem esperarem a época da maturidade.

Alguns ensaios do sr. Lapa e que se referem a uva de vinha, em regra mais saccharina que a de latada, confir­mam plenamente o que dissemos.

Àsauoar

Moscatel de Villa Nogueira (Azeitão)... 19,5 por 100 » de Setúbal 21,0 » » do Alambre e do Picheleiro.. 24,0 »

A uva do ultimo ensaio, como se pôde ver no magnifico relatório do meu amigo e Ulustre professor, procede de ter­renos abençoados para a moscatel. Pois, apesar d'isto, uma analyse de espadeiro da mesma circumscripção vinicola, no mesmo anno e na mesma occasião, doseou 33 por 100. Sem duvida constitue este exemplo uma excepção, que não deixa por isso, de confirmar o que avancei.

Podemos ir mais longe ainda. Parece até que as castas de Azeitão, que entram no vinho ordinario ou commum, conteem muitas vezes mais assucar que a moscatel.

Quanto á alcoolisação, marcam os vinhos moscatéis para cima de 18 por 100 de alcoòl absoluto, e a sua força sac­charina não desce quasi nunca de 16. Em referencia ao primeiro ponto, chegavam a 21,5 por 100 de álcool abso-

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luto os que (Testa localidade foram á exposição de Lon­dres.

Visto que tocamos na força alcoólica, accrescentemos n'este logar, pois ainda se não disse, que os vinhos tintos de pasto são também prejudicados pela aguardentação. No anno de fabrico, possuem de ordinario J 3 a 14 por 100, mas en-contram-se mais tarde com 20 por 100 de álcool. O enthu-siasmo pelo moscatel é tãn grande entre alguns vinhatei­ros, que não vacillam em juntal-o aos vinhos communs, que se guardam como specimens da perfeição oenologica. Julgo desnecessário combater este erro. E digam que os não aguardentam? Mas não m'o digam a mim. Queixem-se do alambique de Gay-Lussac, que tanto trabalhou d'esta vez para a exposição de Londres. Os alambiques, ia eu agora a proferir, não toem papas na lingua. Fundam-se no terrível principio de que todas as verdades se dizem.

Ficaram sabendo como se faz e educa o moscatel de Se­túbal, más não traíamos por emquanto de averiguar, se este famoso vinho deve ficar ao abrigo de toda a censura* em vista dos principios geraes, que me teem servido de norma n'estes estudos.

Por certo se recordam ainda do que dissemos na segunda conferencia, e sendo assim hão de lembrar-se, que me não inclino demasiadamente aos mostos licorosos?

Duas palavras mais sobre a sua historia não deixarão de ser proveitosas.

Assim como o álcool não deve juntar-se inutilmente além dos limites em que paralysa a fermentação, assim também o assucar não deve existir nos vinhos licorosos acima da dóse strictamente indispensável para lhes dar os caracteres de familia. Da combinação dJestas duas coisas pôde resul­tar a melhoria do producto, e mais perfeito aproveitamento dos corpos que imprimem a feição ao vinho, d'onde di­mana egualmente apreciável economia. Por outras palavras; q bom fabrico exige que aproveitemos no estado de akool o assucar, que costumamos deixar a mais no vinho lico-

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roso, e se não addicione ao moslo mais álcool quo o pre­ciso para impedir a fermentação.

Com exemplos fixamos ainda melhor as idéas. A quinta essência do vinho moscatel deu ao sr. Lapa 19

por lOO de assucar. Reflro-me ao moscatel roxo do Azeitão da lavra do sr.

Fonseca. O moscatel branco da mesma casa mais moderno, deu menos —16 por 100. D'esle assacar enlemlo eu que podemos subtrair, sem que o vinho se rcsinln da sua falta nem perca a doçura, antes pelo contrario melhorando com isso, uns 8 por 100, os quaes podem dar origem a quasi íi por 100 de álcool absoluto em volume.

O mosto exige 18 por 400 de força alcoólica para se con­servar; pois bera, aproveitando os li por 100 de álcool que acima ficaram ínulilisados no estado de assucar, bastará que juntemos 13, que ó a differença, para se garantir a conser­vação do vinho licoroso.

O meio pratico de se obtér eslc resultado será começar baixando a lota de aguardente, que se lança ao mosto, e quando por este facto tivermos provocado uma ligeira fei -mentação, que desdobre o assucar de que podemos pres­cindir, juntar então o resto do álcool preciso para abafal-a de todo.

Por esta forma o vinho não terá excesso de assucar, cuja presença é tão inútil como o excesso de álcool.

Mas, eu vejo uma objecção que vae levantar-se e preciso ir ao encontro d'ella. Já estou ouvindo dizer, que este pro­cesso além de complicado não é exequível na pratica, por­que a menor fermentação destroe o aroma do moscatel. A existencia dos moscatéis seceos estrangeiros, e omitto os nacionaes porque poucos são os que conheço, fermentados com completo desdobramento do assucar, não confirmam inteiramente esta doutrina.

Concedo, porém, que o facto se passe como querem di­zer, e então respondo, que sendo o bagulho no final de con­tas, o corpo que transmitte o aroma, bem fácil será con-serval-o por alguns dias, em quanto se não desdobra o as-

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sucar íjue d preciso desdobrar-se, isolado do mosto, sob a protecção do álcool que ha do juntar-se depois ao vinho para impedii' que a fermentação continue. Não me parece, entre tanto, que haja necessidade de tanto trabalho, es­tando por ora persuadido, que o vinho moscatel com cur-timenta do bagulho nos toneis, e com a lota de álcool que não consinta senão um pouco mais de meia fermentação, deve, se alfaiem tentar a experiencia, dar origem a um óptimo vinho bem aromático. E este, sim, já merecerá o nome, que ao nosso lypo actual muitos se esquivam de dar. Tres mezes depois da vindima trasfeguem-n'o de so­bre o haguiho, porque terá adquirido todo o perfume da uva.

Algumas trasfegas mais tarde, que não achatam os vi­nhos, como se tem pretendido, quando se saibam fazer, acabarão einíim de depural-o inteiramente.

Da complicação do processo não me oceupo. Nada tão simples como o que hoje se faz.

Os moscatéis doces, seceos o espumosos de França, da Hungria e de Italia, nunca se preparam com 19 por 100 de assucar, nem 21 de álcool; quasi todos ficaram abaixo de 14°, pagando á alfandega ingleza um shilling por gal-lão. Os espumosos continham ainda menos álcool, porque o acido carbónico também os sustenta. Os seceos finalmente, em quanto á percenlagem alcoólica, seguiam a mesma re­gra.

Agora, só falta, porém, que me digam, que n:islo mesmo é que está a nossa riqueza, n'esles desvarios de álcool, n'esta abundancia de assucar, que os outros nãó teem, e que não devem ter. Não ficarei callado ainda assim, e a minha res­posta é curta; nisto è que está a nossa prodigalidade. Ah! pobre indígena .dos sertões da Africa, tu não és o único a trocar marfim por missanga!

Os moscatéis do sul da França, que se exportam para a America e Inglaterra, segundo o testemunho de respeitáveis negociantes de Ceíte, costumam ser ligeiramente alcoolisa-dos; mas, nunca chegam ás excessivas percentagens dos

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nossos. O de Limei, que depois da doença da vinha, se tor­nou uma preciosidade raríssima, é de um tom ligeiramente amarellado, doce e raras vezes mais alcoólico que Í5Q, O moscatel de Frontignan que se vende hoje com o nome do antecedente, encontra-se proximamenie com os mesmos ca­racteres, e o de Rivesalles que alguns amadores põem acima de todos, não se afasta muito d'esta regra. São fa­bricados com esmero, de oxcellente uva bent sasonada, e depurados com perfeição.

Os moscatéis da Hungria, perfeitamente seceos, que es­tiveram em Londres, além de serem distinctos pelo aroma, tinham a côr e a força dos moscatéis francezos. Entraram por um shilling, o que me não surprehende, porque já disse, que até os vinhos da mesma classe vindos de Italia, onde os vinhateiros padecem, como nós, da akoolmània, ali appareceram no mesmo estado. Não tecerei elogios in-distinctamente a todos eiles.

O moscato passito parecia-me vinho de uvas podres, e o espumoso, á força de ser aromático, nem podia enga­nar o moço de botequim que tenha visto fazer sorvetes de moscatel. Não era só de uvas, não. Emfun, parece-me, que podemos admittir á vista d'estes exemplos, a possibi­lidade de obter vinhos licorosos com bastante assucar e com pouco álcool *.

Não terminarei este capitulo sem me referir a um facto, que talvez não seja sufficientemente conhecido, e que pôde até não estar averiguado com rigor. Chamo por isso mesmo com interesse sobre elle a attenção dos vinhateiros, pedin-do-lhes que o estudem e verifiquem.

Em toda a parte se preparam os vinhos licorosos ou doces com maior ou menor auxilio do acido sulfuroso; mas não seria prudente, segundo me affirmam pessoas de confiança, empregal-o no fabrico do moscatel, porque lhe destroe o aroma inteiramente. Se assim for, usem apenas da mecha

* Wines submitted to the judgment of the committee of the society of arts. International Exhibition, 1874.

para beneficiar a vasilha, o multipliquem o numero de tras­fegas como se faz no Toka.-. Potlem ainda auxiliar o fa­brico com uma gota de boa aguardente, com conta, peso e medida.

O acido sulfuroso, na quantidade em que abafa a fer­mentação, come ou altera o aroma do moscatel, produ­zindo viuho branco doce ordinario, que não parece proce­dente de uva especial.

A observação lem interesse e indica com clareza a im­possibilidade de presentear os vinhateiros, como elles exi­gen} a lodo o momento, com formulas e receituários inva­riáveis, que possam appliear-se a qualquer colheita e ser­vir em todas as circumstancias. A propria marmellada e os puddings nem sempre se fazem pela mesma receita.

O moscatel secco, que eu insisto para produzirem, por­que terá com certeza amadores no estrangeiro, deve de ser fermentado nos toneis com curtimenta do bagulho, tornan-do-se indispenravel, que se faça uso de uvas bem doiradas, completamenle maduras e saturadas de aroma. N'esta oc-casião tornarei a lembrar, que a maturidade perfeita da uva moscatel é difíicil de surprehender. Em quanto o bago está verde não tem perfume, depois de ligeiramente passado, outro tanto lhe succede. Ha um momento, que se tra­duz pelo amareilecimeiUo da uva antes da pelle engelhar, em que o aroma adquire a maior inlensão. Se tomarmos como preceito invariável para o vinho moscatel, a regra ge­rai que se dá para fazer os outros vinhos licorosos, de que a uva quanto mais madura e passada, melhor-vinbo produz, em vez de moscatel sair-nos-ba vinbo de passa. Voltando porém ao vinho secco, acerescentarei para concluir, que evi­tem as lotas exageradas de aguardente, porque nem teèm a desculpa, como no abafado, de contribuir com ellas para a conservação do assucar.

Em seguimento ao estudo do moscatel, faremos algumas reflexões acerca dos vinhos mais notáveis da Exlremadnra, que foram á exposição.

238

Na classe dos vinhos brancos, um dos que mais agrada­ram, foi o da ribeira de Maria Àffonso, cuja força alcoólica, pelo alcoometro de Gay-Lussac, era de 16,63°. Logo que se tomou conhecido este vinho, procura ra m-n 'o com avidez, porque sem estar muito maduro, tinha suavidade e os sabo­res bem combinados. No fim de mez c meio de residencia na adega de «Albert Hall,» começou de fermentar nas garrafas, parando a fermentação poucos dias depois, em virtude não só do augmento da força alcoólica senão também da presença do acido carbónico» que se desenvolvera e elevara a pressão. Transportadas as garrafas a um logar mais fresco, porque não havia opportunidade para beneficiar vinhos doentes, consegui só com isto apresental-o, quasi em seguida, como typo de vinho espumoso fraco, de que nós não tínhamos nenhum specimen. Foi pelo seu exame írosle uLlimo es­tado, que adquiri a convicção da superioridade d'este vinho sobre o de Encellas, na preparação dos vinhos espuman­tes. O vinho da ribeira de Maria Alfonso, fermentou, so-cegou e clarificou nas garrafas sem trasfega, e depressa desappareceu com as provas.

A região do Cartaxo, que, na opinião de alguns nego-cianles francezes meus conhecidos, não apresenta vinhos tintos de lotação Ião perfeitos, como são os da Portella, Casaria e Dois Portos no concelho de Torres Vedras, peia natureza da materia corante, menos viva, appareceu com um vinho branco, em um genero opposto ao da ribeira de Maria Affonso, mui pouco aguardentado, inteiramente secco e com if>,40 de Gay-Lussac, que contou sempre os triumphos pelas apparições. Tinha um único defeito. Fôra ligeiramente aguar­dentado, ficando sujeito por seis decimos de grau a pagar 272 shillings de direito. E de certo nao eram estes seis de­cimos, que lhe garantiram a conservação. A este ponto, prin­cipalmente, ó que nós temos necessidade de alíender com todo o cuidado, calculando bem a força alcoólica dos vinhos que quizermos levar a Londres, cm quanto durar o actual regimen; afim de não pagarmos o direito máximo por um augmento insignificante de força alcoólica.

m Nunca pude comprehender bem o que os vinhateiros por-

tuguezes pretendem, quando addicionam alguns litros de aguardente por pipa aos vinhos maduros, que, como se sabe, ainda conservam assucar. Se elles julgam evitar a fermen­tação, não o poderão conseguir com segurança, em quanto o álcool não atlinja ¡8°: se teem em vista dar mais alguma estabilidade ao vinho, abaixo d'esta graduação não chegam ao que pretendiam, e a fermentação poderá desenvolver-se, pouco depois de alcoolisado o vinho. Por tanto, ou hão de elevar logo de uma vez a riqueza d'elíe a 18 graus ou sujeilar-so a perder a aguardente, sem necessidade, se o não fizerem. O mais acertado seria deixar fermentar bem todo o assucar e desenvolver todo o álcool natural, ficando então por estes dois motivos muito mais estável o produ­cto, e depois de o obterem bem constituido, juntarem-lhe o abafado para o adocicar, se effeelívamente o consumidor 6 tão ignórame que o exige doce. Economisam dinheiro, poupam trabalho e não perdem tempo com uma operação inútil. Com as canadas de aguardente que d'este modo per­demos, lornava-mc eu sem difliculdade independente.

O vinho bianco do Cartaxo não possuia as qualidades que se encontram de ordinario nos vinhos portuguezes, e tanto que não achou facilmente comprador em Lisboa; mas no entanto, em Londres, quanto apparecesse se venderia.

Por este facto, e outros que já apontei, novamente se reconhece a necessidade da associação para emprehender-mos com bom êxito o commercio dos vinhos communs.

Os vinhos bem constituidos são os que teem em Portu­gal menor numero de apologistas, porque uma longa ex­periencia de vinhos mal fabricados, desnorteou completa­mente o paladar. É preciso a associação, que possa voltar momentaneamente as costas ao mercado interior, e nos traga depois de fora o verdadeiro paladar dos vinhos. •

Atravessou o vinho branco do Cartaxo toda a quadra da exposição sem adquirir um único defeito—-e era novo; mas tinha sido bem fermentado. Poucos encontrei como elle, prompto sempre a figurar nas festas e nas provas.

240

Ia para o provador, como o boi claro para o cavalleíro, e deu-se tão bem com o clima de Londres, como se esti­vera no melhor chateau do Médoc. . Derara egaaJmente excelíente prova os vinhos brancos de Gadafaes, que poucas vezes marcaram menos de 14,8 e 15 por 100 de alcool absoluto.

Não posso esquecer-me d'estes factos, porque me facul­tam os melhores argumentos para o thema que discutimos. Se eu nunca saisse de Lisboa, é possível, que viesse a mor-rer com as ideas dos meus compatriotas; a rainha estada em Londres, levando comigo a melhor e mais completa eollecção de vinhos de pasto, que até agora se tinha visto, fez-me ainda a tempo mudar de opinião. É possível, que muitas pessoas no caso de acompanhar-me, e d'isso me não accusam agora, voltassem d'alí com as ideas antigas ou mes­mo sem tfirem idéas; tão possível, como è certo contar-se de um viajante, que havendo percorrido as principaes ci­dades da Europa, quando lhe perguntavam pela que me­lhor lhe parecera, respondia sempre:

—Uma baixa como a nossa é que os estrangeiros não teem í

_ Os vinhos brancos de Bucellas são o qiwí todos sabemos,, e já fizeram como os antecedentes de Cadafaes, a sua repu­tação. Todavia nem todas as amostras foram apreciadas do mesmo modo.

Houve alguns, mas em pequeno numero, com i4,7 por 100 de alcool absoluto, graduação inferior a 26° de Sikes* A maioria estava perto de 19,8 e 20,8 de Gay-Lussac. Agra­daram ambos os typos é certo, mas os que provaram a& duas qualidades ao mesmo tempo, nunca deixaram de se pronunciar pelos mais fracos.

Nesta classe a todas excedia uma amostra, pertencente a uma casa estrangeira, ha muitos annos estabelecida em Portugal- Distinguia-se pelo sabor de fructo, côr muito des­maiada e seccura sem aspereza, etc., e com quanto eu ignore o processo por qúe fôra obtida, não duvidarei affir-mar, que andava ali mão moderna. Expoz também esta casa

vinhos de Bucellas aguardentaflos, mas, coisa de notar, aqui mesmo o jury poríuguez os classificou na terceira classe, pondo somente na primeira o typo natural sem aguardente.

Agradaram bastante os moscatéis, ainda que a Inglaterra não lenha inclinação para vinhos doces.

O moscatel de Mafra da colheita de 1868, excepcional­mente aromático e menos salino que os typos normaes, ficou superior a totlos. Tinha 18,8° de Gay-Lussac, e em­bora não perdesse nada, se tora menos aguardentado, es­tava, comludo, nos limites da verdadeira alcoolisação.

Os moscatéis de Azeitão, foram justamente apreciados, susíetUando os créditos que o seu merecimento lhes gran-geou nas anteriores exposições.

Os vinhos de Collares estiveram representados pelos seus melhores typos, porém, o Collares branco lambem feito á moderna, foi o que deu mais na vista, c não deve ler fi­cado arrependido da sua viagem a Londres. Não succedeu o mesmo ao Collares tinto, que teve menos felicidade, cer­tamente porque era novo, e não estava no verdadeiro pe­riodo de se beber. Bastante irrequieto, trabalhou quasi sem­pre nas adegas de «Albert-Hall», como era natural, por­que não estava feito, e os inglezes conhecem este estado com extrema precisão.

Espero da muita bondade das pessoas que me escutam, que se prestem a lançar os olhos sobre os tres mappas que temos aqui; um dos quaes nos indica a força alcoólica de al­guns vinhos mais distinctos, e outro a força maxima e mi­nima dos vinhos da Extremadura, nos seus dífferentes can­tões vinícolas.

Como podem, observar, em todos elles se notam vinhos com baixa graduação, e se não fôra a falta de conhecimen­tos acerca dos verdadeiros principios que devem presidir ao fabrico, estes exemplos seriam mais repetidos.

O terceiro mappa, tem notadas as forças médias dos vi­nhos genuinos pertencentes a quatorze districtos de Portu­gal. Toi elaborado pelo sr. Lapa, já nos servimos d'elle precedentemente, e tornal-o-hemos a ver na conferencia

24a

da escaía alcoólica. É preciáb rodear-me dus mais auctori-sados documentos, que possam dar força á minha argu­mentação. São muitos os incrédulos.

Força alcoól ica maxima e minima dos vinhos da Extremadura, expostos em Londres,

nas localidades abaixo mencionadas

Looftiídadé

AJemquer.... Anuda Azambuja.... Ameixoeira... Almeirim.... Barreiro Belém..' Beato Bucellas Cadaval Gascaes Cezimbt a . . . . Collares Careavellos... Cadafaes Cartaxo Chamusca Lisboa Mafra Moita Setúbal Santarém Torres Vedras. Thomar. Torres Novas.

Graus de Gsy-Jjiiesac

SIUXÍDIJI Minima

23,7 19,0 18,7 17,3 17,3 17,0 20,0 24,0 20,8 18,2 19,4 17,6 14,9 23,0 15,2 23,9 18,6 23,4 18,8 27,0 21fo 17,5 21,4 16,7 18,4

14,3 13,3 11,6 14,3 13,9 13,7 16,0 12,9 14,6 13,7 14,5 13,1 10,6 17,3 -11,7 £4,5 13,3 13,3 13,5

? 14,3 13,3 12,6 16,2-H , l

Graus üa Sikos

41,47 33,25 32,72 30,27 30,27 29,75 35,00 42,00 3(5,40 31,8o ,33,95 30,80 26,07 40,25 26,60 41,82 32,55 40,95 32,90 47,25 37,62 30,62 37,45 29,22 32,20

Minima

25,02 23,62 20,30 25,02 2'i,32 23,97 28,00 • 22,57 25,55' 23,97 25,37 22,02 18,55 30,27 -20,47 25,37 23,27 23,27 23,62

1

25,02 23,27 22,05 28,35 -19,42

1 As terras marcadas com • apresentam vinhos cuja maxima e mi­nima estão acima de 26° S. São tres sómente, uma de nenhuma impor-tàneia, e as outras duas, como todos sabem, abusam do álcool no fabrico e fempero dos vinhos.

243

Força alcoólica de alguns vinhos da Extremadura, que maior aceitação tiveram em Londres

I.OCíüidaile Qualidade

Ordíisfjueira—Ribeira de Maria Afibnso...

Cartnxc • Cadafaes Buccllas Mafra Azeitáo Lavradio CoIJaros Collares . .

branco maduro > secco..

Grau» de

Gay-Lusa an

moscatol licoroso.

tinío secco.

branco secco

16,65 15,40 14,80 14,70 18,80 21,50 14,40 i 1,90 14,90

Graus de

Sikes

29,13 26,95 26,00 25,72 32,90 37,62 25,20 20,82 26,07

Vinlios genuinos, isto ô, sem aguardentação1

Dis tv icios Media Graus de

Gtay-Xiussac

Braga Coimbra.. Aveiro . . . Guarda. . . Bragança.. Évora. . . . Vizeu. Lisboa Portalegre. Villa Reai. Faro

Castello Branco. Beja Santarém

8 9

12 13 14 14 14 14 15 IS lo

16 i6 16

Abaixo de 26" de Sikes

Acima de 26 de Sikes, porém abaixo de 30°. Dezeseis graus dei Gay-Lussac correspondem a.28?. de Sikes.

1 Teeknologia Mnrcã, do sr. Lapa, pag. 472. Já o dissemos e hoje está provado por mais de um facto, que nem todos estes vinhos eram genuí­nos. A tabella fói organisad» apenas com 77 especies, vid. Conf. xviir.

â44_

Acho-me n'este logar, no desempenho de um dever e te­nho de apresentar-vos as coisas como as entendo, embora me não queiram bem por isso. Sei que continuam a accusar-me de desacreditar os nossos vinhos. Indesculpável cegueira, senhores, que outro, que não fôra eu, taxaria talvez de ma­levolencia. Porque não dizem antes, que os vinhos nos des­acreditam? Parecia-me desnecessário ter de repetir o quo está dito na primeira conferencia. Não vos deveis esquecor, que tendo em mira unicamente o seu credito, distribuí em Londres o maior numero de amostras de que podia dispor, e não cessei de o fazer em quanto se apresentaram sem de­feito. Em troca obtive, como vos hei de mostrar aqui mes­mo, muitas apreciações lisongeiras a favor d'elles, escripias pelo punho dos homens mais eminentes.

Para vos affirmar, que o vinho portuguez, não conhecia rival, escusava eu do ir a Londres. Podiam mandar ali qual­quer almocreve em meu logar. Vós mesmo o podeis sup-por sem que o pergunteis a ninguém.

Tomae a minha posição para julgardes depois melhor do meu procedimento. Falia por mim o dever, e cumprindo-o, dispenso que m'o agradeçam. Aspiro a pouco. Não quero que o dia de amanhã converta em coròa de espinhos os louros, que podia ganhar explorando a cegueira dos apaixo­nados.

Os meus esforços não poder am evitar que a alfandega ainda encontrasse 3.600 garrafas em completa ruína; mas serviram para prevenir as auctoridades competentes, que nos não conviria deixar, nas mãos dos peritos inglezes,uma collecção completados vinhos de Portugal, como se pretendia, em que pelo menos, metade estava quasi perdida, podendo acontecer o mesmo á outra metade, se ella não fosse promptamente examinada. Serviram ainda para que não se fizesse venda, em leilão publico, do reraanecente das provas, a íim de não'entregarmos aos nossos inimigos, as amostras avaria­das. Serviram para que se fundasse a cooperativa, de que não fizestes caso, e para que em publico não apparecesse senão o que podia fazer-vos honra!

245

Porque insistís ainda na vossa louca declamação? Pen-saes que vos appiaudirá o bom senso?

Quem desacredita os vossos vinhos, serei eu ou os que se não pejam de mandal-os assim íá para fora? Quem os des­acredita não serão os que teimam em continuar a fazel-os pelo antigo processo, e os que nunca os fornecem nas con­dições das amostras, tornando impossível que d'aqui se ob-lenham duas remessas de vinho eguaes?

.Bem sei o que pretendeis. É lançar sobre mim d'ora avante todas as desgraças do vosso vinho defeituoso. Nos annos em que não conseguirdes vendel-o; cá fico eu para carregar com as culpas.

Morre o doente e a familia exclama, que foi o medico quem o matou, embora a familia saiba, que, durante, a doença, não fez applicação de nenhum medicamento re­ceitado por elle.

Dou-me ao trabalho mais esla vez de repellir as injustas agressões das parcerias organisadas contra mim, embora saiba de antemão que serei vencido em certos pontos pela guerra clandestina que me movem, porque considero muito os vinhateiros intelligentes, desejosos de conhecerem a ver­dade. Não quero que elles interpretem o meu silencio por falta de convicções ou pouca firmeza de principios.

Correndo o perigo de me tornar fastidioso, novamente condensarei, em meia dúzia de phrases, a materia do de­bate, e qual seja o assumpto d'este pleito.

Até hoje Portugal tem produzido exclusivamente vinho generoso para consumo externo. O que se exporta, de maior valia, é o vinho do Porto e da Madeira, e algum vinho l i ­coroso de difTerentes procedencias, cujos nomes se toma inútil indicar.

Portugal pretende agora e precisa exportar vinhos de ou­tra natureza: vinhos communs, de pasto, vinhos genuínos* Augmenta todos os dias a cultura da vinha, e ainda que por emquanto a producção não seja muito superior ás necessida­des do consumo interno, não é, á ultima hora, que havemos de pensar na exportação. Portugal, porém, vive, em refe-

240

roncia aos vinhos de paslo, n'um erro indesculpável, por­que, snppondo pelo seu o paladar dos outros, pensa que o gosto de toda a gente não admitte no viníio senão álcool e assucar. N'esta supposição tem feito o vinho de pasto pre­nhe de defeitos e á imagem do do Douro. Em vez de co­piar os paizes, onde o fabrico dos vinhos genuínos se adian­tou mais, como é a França, nas suas duas nolabilissimas comarcas do Médoc e Borgonha, generalisa a aguanlenta-çSo, as fermentações incompletas e os vinhos concentrados. Portugal hche somente vinhos generosos e do lotação. Uns e outros caros, o em todo o caso mais caros do que deviam sel-o. Venho eu e digo. Limitae ás regiões, que alcançaram justa fama no globo, o fabrico dos vinhos pelo álcool, e pre-parae os que ainda vos restam, que são muitos, por processos inteiramente diversos. Fallo para estes em outro consumidor que está no estrangeiro, mettem-me medo com o almocreve; peço vinhos de consumo directo, exaltam-me os vinhos de lotação. Uns querem, que todos os vinhos portuguezes sejam generosos e licorosos, que não haja senão Douro c Madeira. Outros, que se engorde o Douro o mais possível, em quanto não ralhar o almocreve. Um terceiro grupo abraça a idéa de que os vinhos mudem de nome como o Rocambole, e lhes chamemos ora Médoc, ora Borgonha, ora que sei eu! todos os nomes dos vinhos da Europa. Eu pretendo que se não toque no Douro, nem na Madeira, e que se faça uso de nomes verdadeiros, isto é, quero vinho de uva, sem aguardente nem tempero, bem tratado, que vendamos o mais directamente possível ao consumidor, porque quanto maior for o numero de almocreves intermediarios,'tanto peior será o vinho, menor o seu preço e mínimos os lu­cros.

Não posso, conseguintemente, dizer-vos, que fabricaes bem. Posso, comtudo, afíirmar-vos, que o problema é sim­ples. Alargao a produeção dos vinhos que imitem Collares e Bucellas—nos dois géneros, branco e tinto, fazendo-os com maior perfeição. Não me esqueço de que as industrias se não transformam n'uma noite, e lembro por este motivo

247

as associações; mas entendo que não podemos adiar a re­forma, porque se o fizerdes, outros irao collocar-se em o vosso logar. Sónifmíe os interessados na confusão dos vi­nhos podem, creio eu, combater estas idéas, os que vivem, por assim dizer, de estragar lodos.

Depois d'islü fallae muito á vontade contra mim, que não me darei por offendido, nem sairei a defender-me. A vossa íeima, a vossa opposição, c alé a vossa injnsliça, !ião de ser o mellior pedesíai do meu triumpho.

Passae carta de ainologo a lodos os vossos amigos, sem profissão scientifica, com a condição de me aggredirem; decorae todos os trechos da antiga escola da aguardente para me beliscar; fazei gemer a imprensa com os escriptos mais incisivos que possa haver; discuti a uma e uma-as palavras das minhas conferencias; quando não poderdes torcer o sentido d ellas, cmendae as phrases em vosso pro­veito ; tirae-me das mãos a pen na com que costumo escre­ver; covtae-me a lingua para me não ouvirdes; lançae con­tra mini uma nuvem de gritadores que me abafem a voz, e me hirtem aos olhos do publico; desviae-me tanto para a sombra que eu fique escondido; fazet-me roda como os mos­quitos sobre a preza que estão devorando, que ainda as­sim não conseguireis triumphar. Eu não, mas a idéa por mim, vos dispersara a todos, como o rastilho de pólvora que deslroe na eira o carreiro das formigas, obrigando-as a largar o trigo adquirido sem trabalho,

Dou por findo o estudo da Estremadura; mas, antes de passarmos a outra provincia, necessito, como epilogo, abrir um capitulo novo.

A aguardente, o mercado de Lisboa e o seu habitante, formam o assumpto principal deste capitulo. Entremos n'elle sem preâmbulos.

Na primeira parte figurará a aguardente, considerada a uma luz inteiramente nova atè aqui.

Os vinhos catalães apparecem actualmente no Brasil, co­tados a 170$000 réis a pipa; os nossos, ainda admiuindo

C O N T . P . I *6

248

que sejam ordinarios, não chegam áquelle mercado por me­nos de â00$OO0 rs. E comtudo, se o negociante fizer bem as suas contas, o lucro que o vinho lhe deixa, é inferior ao i n ­teresse que o primeiro dá, vendendo-se por mais baixo preço.

A que deve attribuir-se o facto, sendo o nosso paiz pro­ductor de vinho barato? Do varias causas procede. Começa logo porque na Catalunha se vende a aguardente indispen­sável ao actual typo de vinhos a 1500 e a 1600 réis o al-raude, ao passo que, em Portugal, ella custa 3800 a 4000 réis. E se a isto juntarmos, que o vasilhame imporia ali me­nos 20 por 100 que o nosso, é fácil limo de comprehender porque ps vinhos catalães se gladiam vantajosamente com os portuguezes, e como em um dos poucos mercados cer­tos que tínhamos, vamos sendo desalojados pelos hespa-, nhoes.

Mas, porque è a aguardente tão cara? Não estamos nós no primeiro paiz vinícola da Europa, n'aquelle paiz que proporcionalmente apresenta uma maior parte dos seus ten-renos, consagrados á cultura da vinha? Estamos. Todavia Portugal, grande paiz vinhateiro, nem sempre produz o ál­cool de que precisa, e a fim de o encarecer mais ainda, lança direitos protectores sobre a aguardente. Estabelecia a antiga pauta o imposto de 1100 réis por decalitro de ál­cool até a força de 33° Cartier, e 1500 para a força supe­rior. Modificou-se a pauta e estatuiu 1500 réis por deca­litro de álcool puro. As consequências d'este facto não cor­responderam á applicação das leis económicas. Não se pro­duzindo todos os annos no paiz a aguardente necessária ás exigencias do nosso defeituoso fabrico, temos de a impor­tar, e pesando sobre ella aquelle direito, nunca chegamos a obtel-a pelo preço que tem em Hespanha.

Acresce ainda, que no caso de importação, a que mais entra é a de graduação mais elevaria (38 a 40°) em vista das circumstancias; é a de cereaes, com a qual em grande parte se estão preparándo os nossos vinhos, que vão assim adubados, estragar-se ao Brasil tres ou quatro mezes de­pois de ali haverem chegado. A consequência é desacredi-

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termos o único vinho que sabemos fazer, no único mercado que temos para elle.

O lavrador qua não produz aguárdenle, e que não lu­cra por tanto cora os direitos protectores, pois não sSo es­tes que o livram de partir as pernas em maio á porta das fabricas de distilkição, para conseguir a venda dos vinhos deteriorados, 6 o próprio que em sua cegueira os de­fende e exige, a fim de pagar o álcool mais caro, quando d'clle precisa, engordando os lobos que teem caldeira, e que andam por esse paiz em cata dos mansos cordeiros.

O lavrador adora e sustenta ainda os direiíos protecto­res da aguardente, porque receia que em se lhe acabando esta mina, não possa vender a fazenda avariada; mas, não reflecte, apesar da experiencia, que no dia em que o vinho dá volta, o fabricante de aguardente Ih'o paga por um preço ínfimo apesar dos direitos, que não aproveitam senão a quem Ih'o comproa. Attribue á protecção a venda dos toneis em mau estado, quando apenas lhe servo para encarecer o pro­ducto, de que não sabe nem quer prescindir.

Quer-me parecer que um simples direito estatístico col-locaria os vinhateiros em melhores condições, libertando-os das exigencias dos seus amidos fabricantes de aguardente, e facilitando o fabrico actual do vinho, uma vez que se não dão nem podem dar a distiilar os seus vinhos.

Sendo a aguardente barata, também o especulador lan­çaria mão da melhor para os adubos.

Não sacrificaria tanto a qualidade do genero ao direito que elle paga, porque o álcool do vinho em toda a parte ê mais caro, e quasi nunca tão forte como o de cereaes. O vinhateiro ver-se-hia na necessidade de ser mais cauteloso no fabrico, porque a caldeira o não indemnisaria tão facil­mente dos erros que commette na vinificação.

Sejam abolidos todos os direitos, que, nos paizes estran­geiros, possam diminuir o consumo dos artigos que pro­duzimos. E como exemplo de coherencia, direitos sobre o álcool para encarecer os vinhos, e contribuir também para o seu descrédito. Muito amor aos consumidores lá de fôra.

i6-

250 A mais completa tyrannnia contra o consumidor nacional. Que dedicação pelos outros! Não pôde levar-se mais longe a abnegação.

Mas, andemos para diante. O nosso vinho, que não quer barreiras nas outras nações, grande ou pequeno paga ainda um direito de exportação! É um direito estatístico, bem sei! na verdade insignificante, mas maior do que o di­reito de entrada que até l i0 cenlesimaes lhe exigem em França. Encarecemol-os alé onde é possível, porque incon­scientemente talvez se repita que são muito baratos; e de­pois queixamo-nos amargamente, que os estrangeiros imi­tem o nosso exemplo, e se sirvam dos mesmos moios que nós para augmentar a receita da alfandega. Não é a scicncia que nos falla. O que nunca aprendemos foi a lógica.

Vamos ao segundo ponto:—analyse do mercado de Lis­boa.

Oh! que bem sabemos o que se passa nas outras na­ções! Parece incrível que não tenhamos curiosidade egual para o que acontece entre nós. • Quasi sempre deixamos este trabalho ao cuidado de al­gum visinho. Espreitam-se as coisas em logar de se verem. E assim chega a formar-sc a erudição da senhora visinha, que tendo a modestia de não saber nada, dá fé completa de tudo que na rua se passa. Imitpmol-a. Espreitemos um pouco o mercado dos vinhos em Lisboa.

Devo principiar por explicar-me. No que vou referir não posso ter a intenção de offender uma classe. Não se ap-plica a censura senão a quem a merece.

Costumamos fallar muito no mercado inglez, mas poucos são os que conhecem o mercado de Lisboa,.em que o vi­nho se armazena nas mais deploráveis condições.

O mercado de Lisboa teve já principio n'este século. Ali pelos annos de 1820 a 1821, se estou bem informado, como julgo, eslabeleceu-se uma especie de associação de indivi­duos para promoverem a venda dos vinhos dos seus clien­tes.

Instituida livremente e vivendo dos seus próprios recursos,

esta sociedade íem durado até boje sem a intervenção do governa, que se tem intromettido talvez com menor funr ttamemo em muitas coisas semelhantes. Com eífeito, os commissarins dc violins mais felizes tjue os correctores da praça, não estilo sujeitos a Ibrmalidades legacs. Não pres­tam íiatiça idónea, não se lhes exige encarto, nem teem classificação oflicinl. Gnsando da mais ampla liberdade, po­dem até possuir armazéns de retém, sendo principalmente contra estes, que so levantam, com maior oa menor fun-dnmento, as queixas mais acerbas.

O caso conta-se assim. O lavrador que não está afregue-zado com o almocreve ou que não foi procurado por elle, em viriudo de uma circumstancia qualquer, deixa a sua casa, vem por ahi abaixo, e chegando a Lisboa dirige-se ao mer­cado, para promover a venda do vinho que tem na adega. Procura um perito, isto é, entende-sc com o commissario; discutem ambos o negocio, declaia-se o preço do mercado, examinam-se as amostras, e chegam a um accordo, cuja base é, por exemplo, vender-sc o vinho a 9 tostões ou 1200 réis o ahnude.

Vem o vinho e entra para o deposito ou armazém. Mas que armazém! por elle se pócle julgar com acerto do pouco que entendemos de viuliosf Entretanto o lavrador volta á leiT.% onde espera, espera muito, ese farta mesmo de es­perar por uma resposta. Cansado de não ver o vinho vendido, torna a vir segunda vez por uhi abaixo. Chega, procura com anciedade o seu amigo; a primeira pergunta refere-se ao vinho, ainda antes de lhe dar os bons dias, e quando tudo isto se tem passado, ouve dizer, pondo os olhos no ceo, que o vinho não attingiu o preço do mercado, e que o muito que jíúderá alcançar, será vender-so com a differença de dois ou tres tostões menos em almude, antes que se ar­ruine.

A entrevista continúa ainda depois d'esta triste nova, mas converte-se em monologo, porque o lavrador perde a falia. Se o vinho è bastão, vem á conversa dizer, que estão sendo muito procurados os vinhos palhetes n'aquelle anno., se o

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vinho ô palhete que não ha quem consuma semelhante ge­nero. Para encurtar razões, o gosto do mercado ó sempre o polo opposto ás qualidades do vinho, que está na berlinda. O lavrador lá por dentro diz mal á sua vida. Resigna-se, comtudo, porque não tem outro remedio nem melhor ex­pediente que tomar. A cada momento sente nos ouvidos um zunido, que lhe parece o cantar do vinho que referve. Volta para a terra com o negocio concluido por todo o preço. Chega afinal a occasião de receber a conta, e só en­tão percebe bem até que ponto se pôde negociar com amigos.

Aqui temos uma para typo. 0 aluguel dos cascos, com-missões, etc., sobem a 22 ou 23 por 100, sem contar com perto de 10 almudes de quebra em 5 cascos a que o meu documento se refere.

A despeza é grande, porém, n'este ponto, sejamos justos, todos os intermediarios costumam tratar o vendedor com a mesma benevolencia e equidade. O que nos falta agora saber é quem foi o comprador do vinho?

O comprador pode ser qualquer pessoa; o próprio com-missario, por exemplo, que dará consumo ao vinho nas suas tabernas, marcando o prazo que lhe faça conta para pa-gal-o, como marcou o preço. N'estes casos, dizem á puri­dade os vendedores, que o vinho se entorna mais na me­dição, isto é, a quebra é maior porque os moços que o mostram no deposito, são os medidores que o almudam, quando sae para as tabernas dos amos.

Notarei ainda de passagem, que o commissario, sendo até certo ponto um perito, podia e devia aconselhar o vi­nhateiro.a que melhorasse os seus vinhos, os quaes nunca entram no consumo com a força alcoólica nem a intensi­dade de côr que os compradores estão exigindo nas ade­gas. Mas nada d'isto succcde. Quando muito recommenda com grandes elogios o cascarrão, sob o falso pretexto de que assim o procura o consumidor. E. a razão é clara. É que lhe não pôde convir comprar vinho, que não seja sus­ceptive! dé baptismo e casamento.

Sim, senhores, baptismo e casamento! Julgam muitas

j ¡ 5 3

pessoas, quo o vinho è só baptisado, mas também é ca­sado.

0 baptismo 6 com agua, quo o torna em caldo de cas­tanhas. Depois não pôde ficar assim. K preciso restituir-lhe a côr e os restantes predicados, e por isso se casa com a baga e o pan de campeche, etc., até que esteja conforme.

Levantemos cm parte as censuras ao almocreve. Como tu me pareces agora innocente, meu pobre amigo! Tu, que bãptisas o vinho para chegares a comer uma sardinha sal­gada, e uma fatia amarclla de pão de milho! desculpa-me se te offend i o outro dia. Com mais amor ao vinho do que à tua pessoa, cedes o logar ao odre sobre o dorso da tua ali­mária, caminhando teguas e leguas a pé ao lado dos instru­mentos do teu officio, que são o teu braço e a tua enxada! Que sabes tu de oenoiogia, almocreve, n'essas aldeias em que nasceste! Ralha, ralha muito commigo por to haver ac­ensado. Tu nunca chegas a levantar cabeça, e comes o pão que o demonio amassou.

0 lavrador não ve a questão, não o auxilia o mercado, e o consumidor—chegamos finalmente ao terceiro—não tem mais juízo que os dois.

O consumidor de Lisboa!—ingenua ercatura que louva a sua boa terra, porque lhe vendem o vinho a tostão o litro. Como se o vinho, que no mercado custa 1$000 a 1$0D0 réis por almude, podesse vender-se a dezesete tostões. Dos 100 réis, que assim ganharia o taberneiro em cada almude, pagos os direitos municipaes que são enormes e o carreto do vinho, haviam de sair todas as outras despezas, renda dos armazéns, decima de industria e pessoal, ordenado a caixeiros, licenças e lucro, etc., etc. Salta aos olhos de todos —e agora vamos também, com justiça, absolvor o commis-sario taberneiro e todos os taberneiros—a necessidade de casar o vinho. E não ha de ser qualquer casamento. Só pôde ser casamento rico. Quantas combinações, que talento não é preciso desenvolver, para que este commercio que se apresenta tão mesquinho e ruim, faça a prosperidade dos donos dos armazéns.

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A grande prova da faisiíkação do vinho, senhores, se o paladar, iníeirameníc perdido, a não acensa, dicta-a a ra­zão.

Aqui, porém, acodem os doutores, perguntando o motivo porque o lavrador, se não tira dos seus cuidados, e não vae explorar a venda a rctallio em Lisboa. A melhor res­posta é uma risada. Sámente os direitos da alfandega, que montam a 70 ou 75 por 100 do valor do genero, e que é preciso pagar logo ali, llvo impediriam, quando eguaimente lh'o não vedasse .a falia absoluta de experiencia do nego­cio e de capital para empatar em vasilhame, e dispender em rendas, em contribuições, remuneração a caixeiros, em tudo!

0 imposto municipal é tão exagerado, que se torna uma das principaes origens do péssimo vinho que se bebe em Lisboa.

Apertada n'iim circulo de ferro, que a mais pequena ne­gligencia pôde converter em ruina, diminuo todos os dias o numero de portuguezes que se queiram dedicar a esta industria, e augmenta o dos estrangeiros, que se não pren­dem com bagaíellas. Os habitantes da Galliza tomaram-n'a á sua conta. Não ha armazém que não tenha um cidadão ou mais de um, filhos d'aquella provincia hespanbola.

. Pobre vinho, tu andas como a vela de cebo e o papel pardo nas mãos de estrangeiros! Mas, que é isto, senhores! Não iamos nós lamentar o facto, nós que estamos pedindo agora mais inglezes para nos fazerem o vinho, e que não quere­mos associar-nos para modificar o fabrico! Que ao menos alguém se aproveite da nossa indolencia.

Voltemos ao consumidor de Lisboa. 0 negociante e o vinhateiro não são os únicos crimino­

sos; este por não saber fabricar, aquelle porque não sabe vender.

Sou eu, sois vós, somos todos os que vivemos aqui in­diferentes em meio de tanta anarchia. Somos nós todos que temos na mão o poder, e nos deixamos governar pelos outros.

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Julgastes que vos pouparia? Se assim o pensastes, em breve vns desenganarei!

0 consumidor de Lisboa acha-se reduzido a tres sentidos. Perdeu o olphato e o gosto. Começou a disfructar e.tfv

percalço, ((liando inveníon a formula do bom e baraio. teve os sentidos indos, mas era quando dizia, que o ba­rato sete caro. Agora, come para viver, e por isso. vive pouco, come mal e gosa menos. Come para Vivei'! rasgo sublime de sobriedade patriarchal! Respeitáveis costumes, que muitos por falta de caridade exploram com bastante proveito.

A verdade d'estas considerações faz que a terceira causa enérgica e tenaz, que se oppõe á regeneração do fabrico, seja o habitante de Lisboa. Fique embora também este mal commigo, mas ouça-me de cara a cara, e n'este momento .em que tenho diante de mim os seus representantes mais illustres. A sua influencia na questão vinhateira é quasi in­finita. Oxalá que elle me escute. Consiga eu virar-lhe o pa­ladar, acordar-lhe os dois sentidos que hoje dormitam, que vencida está a minha causa.

Despcrtae. meus amigos, do vosso lethargo inexplicável. Não permittaes que por fóra se diga que é Lisboa a cidade, onde a população se anda educando para resistir a um cèrco em fórma; que se acrescente ainda, que vós viveis familia-risados com a morte, como que preparaudo-vos por meio de estudos voluntarios, para os horrores de alguma catastrophe.

Os géneros alimenticios, caminham, è certo, a passos largos, para se aproximarem da natureza das comidas, que se distribuem nas praças de guerra.

Um anno mais de secca, e a companhia das aguas co­meçará a distribuil-as pela ponta do alfange, como se conta que fazem os árabes no deserto a fim de mitigarem a sede.

Adormecidos pela mais rustica indifTerença, tudo vedes còr de rosa, supprindo a vossa vivíssima imaginação a boa qualidade dos alimentos1.

1 Á agua do aqueducto das Aguas Livres, mandado erigir por D. João. v.

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Primeira scena.—Passa-se entre dois amigos velhos, que costumam ir á tardinha, pouco depois do sol posto, passear á lage.

—Ora sejas muito bem apparecido, Florencio, d'onde vens e o que fazes desde hontem?! Não é perraittido en­contrar um amigo, sem nos infonnar-mos da sua vida par­ticular.

contém 0^331 até 0e'-,293 dè residuo solido e marca 17° a 21° hydroti-metricos.

Compõe-se este residuo principalmente de snes de calcio, sodio e po­tássio, os quaes, segundo a analyse do meu col lega. o professor A. V. Lourenço,, foram grupados do seguinte modo:

graus

Chloreto de sodio 0,0679 Sulfato de calcio 0,0260

• < » de magnesio 0,0502 de potássio 0,0081

Carbonato de calcio 0,0750 » de magnesio 0,0038

Silica vestigios

Total em 1000 gr OST,23ÍO

A agua do chafariz do Rei corre em dez bicas. Oito são alimentadas por uma agua que tem 0,^6442 de residuo solido, composto de chloreto de sodio, sulfatos de potássio e calcio, carbonatos de cálcio e de m;igne-sio, vestigios de ferro, e que resulta da juncção das aguas de duas nas­centes. Nas outras duas bicas corre outra agua differcatc de melhor qua­lidade, cuja analyse não está publicada.

A agua das Alcaçarias. do Duque, classificada como mineral, lera de residuo solido 0sr,7128, e a das Alcaçarias-tle D. Clara 0si'7275 por li­tro, compostos dos mesmos saes que encontrámos na agua das 8 bicas do chafariz do Rei. Para muita gente esta ultima ó mais leve que a do Aqueductó/havendo quem prefira a ambas ellas, outra recentemente descoberta nos lodos do Arsenal da Marinha, e cuja origem muito pro­blemática nos leva a regeital-a para beber.

Em um opúsculo escripto emfrancez,que se intitula: Renseignemenu Sur les eauic minórales portugaises, figuram as aguas das 8 bicas do chafariz do Rei, as das Alcaçarias do Duque e de D. Clara todas ties no grupo das mineraes da provincia da Extremadura, o que não impede que se considere a primeira exclusivamente potável, e as outras exclu­sivamente medicimes.

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— Ora, o que faço?! Venho de beber o meu costumado púcaro de agua, que me regalou, no chafariz de Dentro.

—Vejam lá como são os homens. E eu acabo de fazer outro tanto, interrompe o perguntador, no chafariz da Praia. Que diabo de gosto é o ten? Porque não bebes antes da Praia, que tem agua mais pura? No teu caso havia de fa­zer a experiencia.

—Não preciso experimentar. Faz-me mal. Urna vez que a bebi, estivo mesmo, vae não vae, a decidir. A agua do chafariz da Praia, segundo me disse o antigo boticario dos Loyos, é uma montanha de gesso. Quanto mais se bebe, mais sede provoca. Cria rãs na barriga.

Averiguado o caso, a agua dos dois chafarizes é a mes-ma, que por debaixo do chão atravessa um cano, e vae cor­rer do outro lado da rua.

Segunda secna.—Agora ó uma dona de casa que está fal­lando á criada.

—Sabes que mais Josephina. Não quero que me deixes o aguadeiro vasar no pote de beber senão a agua do cha­fariz do Rei, que não deposita salitre nas cafeteiras, e é mais fresca que a do Carmo.

—Sim, minha senhora, porém eu tinha ouvido dizer o contrario em casa de um medico, onde estive a servir.

—Deus me livre de ver esse medico á cabeceira da cama. A agua do Rei é quente na bica, mas arrefece no pole; em-quanto que a do Carmo, em chegando a casa, se torna molle como papas.

O que ha de ser por força verdade, apesar de constituir uma odiosa excepção á lei do equilibrio das temperaturas.

Scena terceira.—Nada! está decidido,agua livre não me entra cá, não torno a bebel-al Faz pedra na bexiga. Pre­firo as aguas do bairro oriental, quando não possa chegar á da Pimenteira, exclama um ricaço, que só vae a Cintra paia encher o estomago ha fonte dos Passarinhos, e que ignora, que o residuo solido e grau hydfotitnetrico da Pi­menteira são superiores aos da agua livre do aqueducto.

—A melhor de todas, acode alguém que o ouvia, e que

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tem fama de ser o Jerôme Paturot do melhor protoxydo de hydrogenio, é a do Arsenal da Marinha; leve, digestiva, límpida e com ligeiro sabor a cano que a torna quasi me­dicinai.

^Mas, olhe você, que em vez de sulfúrea, accrescenta um medroso, pode ser outra coisa!

—Bem me importa a mim que o seja. O meu estomago é como o meu pulmão. Dá-se bem com aquelle cheiro.

Quarta c ultima scena.— Vou fmalmeuíe tomar hoje um banho alcalino ás alcaçarias do Duque.

—Homem! porque se não lava em casa com a agua do chafariz do Rei, cuja composição è idêntica.

—Ora essaf não tomo banhos por divertimento. Meí-to-me na agua por conselho dos medicos, e a de beber nao presta para lavar o corpo.

-Da agua passemos ao vinho. — Bella pinga! sim senhor, a setenta réis o litro, quando

se está vendendo por toda a parte a tostão! — Quem descobriu essa mina!—brada um empregado

publico, que está conversando com um visinho da jauella abaixo, e que vive de empréstimos, como a nação que lhe paga.

—Ora quem havia de ser?! Boa pergunta é a sua! Foi o meu freguez.

Freguez é o aguadeiro, o copeiro mór da cidade do Lis­boa. Nunca foram de manhã á Praça da Figueira, nem en­traram nos açougues da capital a essa hora? Parece, que se passa a um paiz estrangeiro. 0 qué então se falia não é portuguez, mas a lingua do aguadeiro. É elle que está es­colhendo alimento para toda a cidade.

A familia, em vez de incumbir as criadas de irem ás compras, prefere estrangeiros para este mister delicado, como em geral se prefurem para tudo.

Os saltos das botas e os pausinbo.s dos phosphoros es­tão vindo de fora.

'A familia tem predileção pelo freguez, que vive á es­quina, no sitio do anligo frade de pedra, olhando sempre

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para o ar. Está elle aU como o papagaio, pairando do poleiro abaixo, e é bonito vel-o a agitar o saco a fim de nos per-, suadir que também tem azas.

0 freguez sabe onde o café tem mais grão de bico; a manteiga mais banha; a vela de stearina mais cebo; o azeite mais mendobi; o assucar mais melaço; o chouriço menos carne de porco; a carne mais osso e o kilo menos peso.

Depois da meia noite, canta o gallo nos outros paizes, n'esta cidade cantam o gallo o o aguadeiro. E ainda bem quando canta esle ultimo, porque escusa a criada de per­der a noite á janella, no risco do^ amos morrerem á sede.

A nossa femme de ménoge anda vestida de homem, e para tudo fazer, quando chega o natal e o S. João, encarrega-se de nos mudar a mobília ás costas. Tudo isto é uma provi­dencia, e Deus nos livre que o freguez fuja por qualquer motivo da esquina. Se tal acontece, ficará n esse dia a ci­dade até a noite sem almoço.

Mas, agora cu reparo, que dei por concluido o estudo dos vinhos da Extremadura, sem fallar nos do Termo. É o mesmo, não volverei atraz por tão pouco. Correria o risco de repetir-vos mais uma vez, o que se deve já dar por sa­bido.

O esquecimento é perdoável, e d'ahi eu ando t5o preoc-cupado com a questão vinhateira, que até sonho com ella.

Uma das noites passadas tive, pela primeira vez na mi­nha vida, um pesadelo de vinhos! Mais cruel e extraor­dinario que tantos pesadelos sinistros, em que a gente se julga no cemitério fallando com os mortos, n'uma ca­verna prisionoiro de bandidos, ou" á borda de um poço, ou dentro de algum navio quasi a submergir-se nas endas.

Sonhei, que Mophistopheles—o mais elegante diabo que a poesia invenfou—se apoderara violentamente de mim, estando eu sentado á noite n'uma cadeira do Passeio Pu­blico.

Ergueu-me ao ar com uma força hercúlea, e o mais é que eu cheguei a acreditar, que me librava nos espaços, sentindo ainda a uma grande altura o cheiro pútrido das

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lamas azotadas do Chiado. Assim fomos caminhando ambos» soffrendo eu a mais cruel anciedade.

Quando menos o esperava, descemos sobre a ierra, n'um sitio muito afastado de Lisboa. Por força que era fora do paiz. Não tive animo para consultar o relógio, nem cabeça para calcular a distancia, nem voz para lhe perguntar aonde estava.

Mephistopheles rompeu o silencio nos seguintes termos: —Fiz-te meu prisioneiro, porque me foram dizer ao

inferno, que eras muito entendido no fabrico dos vinhos. Vou mostrar-te uma adega infernal, cujos processos com certeza ignoras. Quero, que também aprendas alguma coisa commigo. Ahi te deixo bastantes demonios para te expli­carem o que não entenderes.

Preferidas estas palavras sumiu-se. Tremulo como varas verdes, transido de susto e todo co­

berto de suor frio, relanceei os olhos em torno dc mim. Kra agradável o panorama. A pouco e pouco fui recobrando o animo.

O mar avistava-se proximo, e sobre elle um navio prompto a receber carga. Vi junto á praia, c tão distinctamente, como os posso estar vendo agora aqui aos senhores, uma jangada de barris de petróleo, em parto submersos na agua salgada.

Um grupo de diabos lavava as vasilhas. Tiravam-n'as da agua, con dúziam-n'as depois a uma estufa, e apenas enxu­tas queimavam dentro um mixto pyrotechntco, que brilhava como fogo de Bengala, deixando as aduellas da côr do car­vão. •

Feita a lavagem, vieram os demonios, por ceremonia tal­vez, collocal-as no sitio em que eu estava, convidando-me um d'ellés para a visita da adega.

Dominado por um poder occulto, superior á minha von­tade, fui seguindo as vasilhas, que rolavam pelo chão, sem que ninguém as movesse. Pararam á porta da adega, que era o mais perfeito modelo de simplicidade; não tinha toneis, compOndo-se apenas de duas paredes e uma extensa for-

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naüia. Duas paredes com muitas torneiras, t1 cada torneira com seu letreiro em caracteres do fogo, que appareciam e desapparecinm, á imagem dos eclipses dos pharoes.

Verei se mo íemliro do que elles diziam. Al i ! era assim: vinho azedo, vinho cliòco, vinho gordo, vinho podre! O que não havia era torneira de vinho em bom estado.

Na parede frottleira a esta, estavam collocadas as tornei­ras da aguardente, também com disticos: aguardente de figo, aguardente de borras, aguardente de melaço, aguár­denle de medronho, aguardente de batata, aguardente de ecreaes. Também níío havia torneira de aguardente de vi­nho.

Ao fundo da adega, jaziam os tachos sobre a fornalha. Tacho da baga, tacho do campeche, tacho do caramelío, ta­cho da calda, tacho das côres, tacho dos aromas, tacho dos paladares.

Os demonios encheram depressa os barris com os vinhos d'aquellas differentes torneiras, em proporções que só el­les sabiam, deixando vão para as aguardentes combinadas de todas as qualidades. Vasaram em seguida no vinho, agi-tando-o bem, uma colher de sopa com as essências dos di­versos tachos.

Acabada a faina, conduziram as vasilhas para bordo. Então fui á praia, e pouco tempo depois abarca levantava ferro.

N'esse momento, lemhro-me, que estava ao pé de mim, hombro com hombro, um demonio menos mal encarado.

Encbo-me de coragem, e consigo dirigir-lhe a palavra. —Quem bebe este vinho?) perguntei eu. —As almas do purgatorio! respondeu o diabo, e deixou

cair duas lagrimas com pena das almas.

Foi então que accordei. O vinho de Mephistopheies so­mente existira um momento na minha imaginação!

7.a CONFERENCIA ^ I S IDE S E T E M B R O X)E 187*5

No s a i ã o noltre do í l iealro da Triuilade

SUMMARIO J O pveleetor não começa n cnnferencia pelos vijilios da Boira, fallando invo-

luniariamenlo ;í sim palavra.—Jusüfica-so IIIÍT) não haver feito e continiiaa fallar <.los mercados.— Divisíío d'cslcs cm rcfcrcnciit aos climas.—A Ingla­terra c os F-slados Unidos, o Brasil o a Africa.—O vinlio porluguez e ú ca­talão cncoiilram-se longe das suas terras na mesma casa.—Sem que haja pro-tes'o da uossa parle, os vinhos poitugiicws fazem-se ibéricos no Brasil.— DifTcrenca entre o vinho de embarque que se chama aclnalmenle de pasio c o vinho genuino (jue deverá no fuluro ser exportado com este nome.— Para que a culpa de aigum desasiré vá a quem toca e não fiquem remorsos ao prelector, cmimeram-so todas as circumsUintias, sem as quaes nao poderá o novo vinho de paslo existir c viajar muito menos.

Até (pio pomo s5o difficcis ns associações na Extremadura.—Influencia perni­ciosa dos compadres da aldeia e da mulher dos compadres.—O amor da in­dependencia leva-nos a odiar o visinho, ainda mesmo que elle nfío seja hes-panhol.—fndiffurenga c espirito de desconfiança.— As ¡deas cm nossas cabe­ças sSo como a folha da alamo, que está sempre a tremer.—O ilheo e o emigrado.— A sardinha e a banana podem considerar-se dois inimigos ca­pitães da civilisação.

Eslatistica.— O prelector, por motivo de força maior, consulla alguns d'esles documentos perigosos, como quem vac por uma estrada de noite sosinho, e tem medo que lhe furlein alguma coisa.— Enconíra-se com um amigo, que fazia estatísticas nas horas vagas.— Sabe por elle, que o pouco mais ou me­nos, sendo já de si uma media, 6 a melhorbase para as organisar.— Influen­cia do cabo de policia e do regedor nos assumptos económicos.— Enirc to­das as eslatisticas escoíhcm-se as das alfandegas como mais exactas, uma vez que se conheça o movimento do contrabmulo.— Imporlaçâo de aguárdenle CJ» 1873. — Consequências.— A escala alcoólica do mercado de Lisboa.—Todo o paiz põe as mãos na cabeça.— Vilino e vinho.— A taberna c o estanco.— Alliança do vinho com o tabaco.— Üs vicios dão-se as mãos.

As duas Beiras.— Dados estatísticos de coisas que passaram pela visla do prele­ctor.— Principaes regiões vinícolas d'aquetlas provincias.— Guarda, Coimbra, Castello Bianco, Vizeu e Aveiro.— Processos mais notáveis de vinificação nas comarcas principaes.—O tourigo e a baga.—Para alguns lagareiros um bat-seiro com mosto é uma piscina de tomar banho.— Dialogo do Gatharino com seu amo e que idéa fazia o primeiro da cal.—O vinho da Bairrada é agra­ciado com um novo Ululo, muito conhecido na reflexiva Allemanha.— Quanto vale o não ter préstimo.— Riscos a que andam sujeitos os que es­tão na pelle dos bons.

Meus senhores!—Prometiera o outro dia começar a con­ferencia de hoje pelo estudo dos vinhos da Beira; vejo-me,

CONP. P. I . 4?

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porém, na impossibilidade de cumprir desde já a minha pa­lavra, não porque esteja obrigado a novas considerações ácerca do fabrico dos vinhos da Extremadura, senão por­que preciso desenvolver e ampliar mais as que se fizeram com referencia aos mercados; apresentando ao mesmo tempo novos dados estatísticos, que na prelecção antecedente ainda não possuía.

Quando fui a Londres em 1874, encarregado pelo go­verno da apresentação dos vinhos portnguezes, creio que todos o sabem, deram-me por incumbencia principal fazer o estudo comparativo (Testes vinhos com os estrangeiros; apreciar o modo porque alguns dos primoirbs estavam sendo ali recebidos, e investigar finaimonte as condições, segundo as quaes o vinho de pasto teria melhor acceitação no mer­cado inglez.

Alargando a orbita das minhas observações, tenho tra­tado conjuntamente nestas conferencias de outros assum­ptos; expondo voluntariamente o peito ás balas.. . de pa­pel e tinta, já se vê, que me arremessam de toda a parte, pelo convencimento em que estou, e que é cada vez maior, de que grande utilidade e proveito podem resultar para nós, do estudo e discussão (Testas questões, que servem para esclarecer e accentuar bem a opinião.

Disposto a proseguir n'este caminho, aqui avivo de novo as ideas que prendem o fio do meu discurso, sem que pela mente me passe, que, por ir além do meu programma, m'o venham agradecer. Nem eu vos importunaria a pedir louvores nem recompensa, que já sei também qual seria a resposta «Quem lhe encommendou o sermão que lh'o pa­gue.» Becompensado me considero, vendo o meu nome, quasi todos os dias nas correspondencias dos periódicos de Lisboa, augmentando assim extraordinariamente a re­ceita d'clles, nas quaes sou tratado como uma especie de phylloxera da vinha, por pessoas que nunca me viram e me julgam talvez um monstro horrendo!

Disse eu, na precedente conferencia, que Portugal, por emquanto, não tinha extensos mercados para os seus vinhos,

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e como me referia aos de comsumo, acrescentarei agora, que dies se reduzem ao Brasil e á Africa, cujo gosto repre­senta a continuação do nosso gosto, como outr'ora a pri­meira foi, e ainda hoje a segunda é dependencia (Testa nesga de terra, dada em partilha a um pequeno povo do occidente, que soube estender os braços pelo Oceano e es­crever o seu nome nas cinco partes do mundo.

Além d'estcs mercados, que são actualmente os princi-paes, devemos procurar abrir quanto antes mais dois, o de Inglaterra c o dos Estados Unidos; com quanto a pri­meira (Testas nações esteja, de longa data, íamiliarisada com os vinhos generosos da nossa famosa .comarca vinha­teira do Douro, que ali chegaram em certa época a ser preferidos a todos. Não entram, porém, ellos agora no meu plano e convém que o não percamos de memoria. Trata-se exclusivamente de vinhos de pasto, ainda hoje desconheci­dos na Grã Bretanha, e todos os esforços para os vulgarisar trarão como consequenci» a prosperidade real da nossa viticultura.

Attendendo aos climas, pela influencia que exercem so­bre o vinho, podemos, para maior facilidade, dividir os mercados em dois grupos: o mercado dos climas quentes e o mercado dos climas frios.

Para o mercado dos climas quentes, Brasil e Africa, mais do que nosso conhecido, nosso verdadeiro amigo, manda­mos com o titulo de vinho de pasto, os chamados vinhos de embarque muito aguardentados; explicando-se em parte e justificando-se de algum modo, já vêem que eu sou ra­zoável, esta aguardentação, pelas condições em que o vi­nho se exporta e chega ás mãos do consumidor, cujo pa­ladar mal educado exige ou tem exigido também até agora vinho com aguardente, o que eu considero com certeza uma ventura para nós, que estamos habituados a mandar-lh'o para ali assim, no próprio anno em que^se fabríea, pelo único processo que conhecemos, sujeitando-o a uma longa viagem, em grandes vasilhas, á mercê do frio e do calor, exposto ao sol e á humidade, n'uma palavra, como um fi-

17-

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lho (pio se atira para a roda, ou se manda depois de creado pela barra fóra, n'um cavallinho de pau, tendo por carta de recommendação o acaso, a sua boa ou má estrella e pouco mais! Que admira que os vinhos se alterem entre­gues ás intemperies, se as rochas com serem pedras, se desagregam também pela acção dos agentes atmospheri-cos.

Depois, quando os vinhos chegam ao porto do seu des­tino, continúa o mau fado a perseguil-os ainda, tendo de arrostar com todo o desleixo, imprevidencia e ignorancia dos intermediarios, que não procuram casa sadia para os reco­lhei-, nem nunca tiveram adegas subterráneas em que os tractem. Desde que partem, até que são bebidos, encon-tram-se cm condições péssimas. O productor, para evitar que o vinho, soífrendo estes tractos, adoeça e se perca, aguardenta-o som piedade, e não pode hesitar cm alcooli-sal-o, porque só d'csta forma lhe transmittirá a robustez precisa para que chegue a escapar á morte.

Mas ha mais do que isto, e é o que não tem desculpa. O \inho chega ao Brasil, dá entrada nos armazéns dos se­cos o molhados, e antes de ser vendido, mistura-se para maior affronía com o vinho catalão, que ali se apresenta muito mais barato c cuja qualidade ainda é inferior á do nosso. E como os misturam? Perguntem-n'o aos lotadores. Em taes proporções que o vinho portuguez figura homeo­path] camente. Na relação de 1 para 3, que representa uma dynamisação muito avançada, senão para Hahnemann, pelo menos para os que gostam de vinho capaz.

Teem os portuguezes, justamente ciosos da sua historia, uma repugnancia invencível a quasi tudo que è hespanhol, e o nosso vinho não a tem menor; pois, ainda que mistu­rado em tão fracas quantidades com o da Catalunha, pre­cisa, que as pipas se rolem com violencia nos armazéns, até que subjugado pelo poder da força, tres vezes supe­rior em numero, não possa queixar-se ao comprador da injuria que soffreu.

A acção d'este quadro passa-se no interior do armazém;

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mas, para nós a scena deve dividir-so em duas partes. Ar­mazém e balcão. Ào balcão escuta-se o seguinte dialogo.

—«Tem vinho portuguez? —«Acaba de chegar n'este momento, responde modes­

tamente um dos caixeiros. — «E vinho hespanhol? continua o freguez, querendo

palpitar o marçano. —oÉ coisa que não temos, nem admittimos em casa,

brada então outra voz, quo sae de traz de uma ruma de sacas, e que pelo tom imperativo logo se reconhece que pertence ao dono da loja. Isto dito, some-so ao fundo o novo interlocutor, ainda antes de se mostrar bem ao fre­guez, e volta pouco depois, trazendo uma amostra do v i ­nho para elle provar. Espera o momento em que está o copo a chegar aos beiços c quando estes lhe tocam solta as seguintes palavras que teem por fim acabar de illu-dil-o.

—«Beba sem susto que è pinga de confiança. 0 desconhecido bebe um góle, dcscança um momento sa-

boreando-a, e escusado é dizer que lhe sabe bem. Que en­tende a maior parte da gente de vinhos! Atraz do góle vae o copo inteiro. O vinho torna os homens naturalmente expan­sivos e como consequência d'esta propriodade} começam as indagações reciprocas. Arriscam varias perguntas um ao ou­tro e acabam por se encontrarem ambos tia mesma nação, portuguezes dos quatro costados, moradores em duas fre-guezias contiguas, quasi visinhos da mesma ma. Vem .mais copos e mais vinho. Então bebem os dois a par, crescendo a um as probabilidades de vender e ao outro a vontade de comprar. Enlhusiasmam-so,—o enthusiasmo é, depois da força expansiva, a segunda peça que nos prega o vinlio an­tes de embriagar-nos.—De copo em punho, faliam da pa­tria, e as lagrimas principiam a marejar pelos olhos, indicio certo de que a embriaguez se dispõe a entrar com elles. Gabam os parentes com que foram creados, de alguns tam­bém dizem mal, recordam-se do campanario da aldeia, do ultimo monte a que disseram adeus, no dia em que (Tolla

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partiram. Sentem-se accommettidos pelo prazer da saudade e nos maiores transportes de ternura alcoólica, o próprio vinho os empurra para dentro do armazém, e os conduz ao sitio onde estão as pipas, sobre as quaes adormecem, abraçados a ellas, victoriando a união ibérica das uvas.

E assim vamos perdendo o terreno c restringindo o com-mercio, porque passados os momentos de commoção, quando o comprador em sua casa, algumas semanas depois, volta a examinar o vinho, encontra-o completamente perdido, forte admiração que dois vinhos, que nunca poderam ligar-se, acabem por se matar um ao outro.

O vinho de pasto para o mercado dos climas frios não pode ser nunca o vinho de embarque de que estamos fal­lando: ainda que nos pareça á primeira vista ser este o typo que estava mais apropriado para ellos. A tendencia na­tural do consumidor, é repellil-os cada vez mais, influen­ciada também pelos argumentos dos interessados na venda do vinho fraco, os quaes empregam todos os meios ao seu alcance e não poupam nenhum expediente que possa contri­buir, como se vô de numerosas publicações, tão profusa­mente espalhadas na Grã Bretanha, para combater os vi­nhos compostos, que ali asseveram lerem saído das fabri­cas e não das adegas.

N'estas circumstancias não devemos deixar de attender ao tpic se passa, por nossa propria conveniencia, se quizer-mos aproveitar a massa de vinho quo ainda temos, e não deve de ser convertida em vinho do Porto sem contribuir para desacredital-o.

Mas os vinhos novos, naturaes, que eu ando a pedir desde a primeira conferencia que fiz, com a pertinacia de um ob­stinado talvez, jíunca poderão chegar bons ao seu destino sem estarem sujeitos a cuidados muito especiaes. Vão-se amontuando as difíiculdades.

Sem terem dois anuos de edade não deverão ser expor­tados. Durante esse tempo será preciso conserval-os em adegas subterrâneas, que ainda estão por construir; terão de ser collados, trasfegados, depurados de todas as mate-

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rias que us podem prejudicar, expedidos em pequeno va­silhame, levados com uma grande rapidez ao porto da ex­pedição, bem acondicionados durante uma viagem curta, re­cebidos em adegas apropriadas nos pontos de chegada e entregues a pessoas conhecedoras do tratamento, que em­preguem todas as cauleilas necessárias para a conservação do producto.

Ficará perdido sem remissão todo o vinho de pasto ex.-portado sem estar completamente tranquillo. O grande va­silhame, pipas e cascos, que usamos para o vinho de em­barque, é improprio para os vinhos de pasto. Só devem empregar-se as pequenas vasilhas. Particularidade curiosa! nos vinhos de pasto, desde o fabricante até o consumi­dor, incluindo, já se vè, todos os intermediarios, é neces­sário havei- intelligencia, bom gosto e paciencia em grau subido.

Os vinhos generosos, — Porto, Xerez e Madeira—vão em pitias sem risco nenhum a todos os paizes, e podem esperar o consumidor n'esta morada o tempo que quize-rem, ou se transportem a Londres, ao Brasil ou á Africa. Mas não acontece já outro tanto com os vinhos fracos e fi­nos do lihcno, da Hungria e de França.

Notem o que se passa em Bordéus, d'onde o vinho do Médoc, e não só o de Mèdoc senão o dc todo o departamento do Gironda, é transportado para os differentes pontos do globo. É ali que se adoptou a vasilha chamada bordekza, cuje nome parece querer reviudicar para aquella cidade o des­cobrimento, de que o vinho de pasto não viaja em toneis., que já Diogenes achava com commodos sufficientes pars lhe servirem dc habitação.

A barrica bordeleza contém 228 litros1. Esta é a quan tidade maxima de vinho que o espirito pratico do commer ciante de vinhos julgou conveniente transportar em viagem sem risco provável de deterioração. Regra ainda assim con excepção, por que muitos vinhos não admittem senão :

1 A lotação exacta é de 22o litros.

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garrafa, pequena casa impermeável que se fecha hermetica­mente, de um aceio inexcedivel e maior segurança, onde o vinho fraco se consera e resiste melhor. . Todos estes conselhos, porém, serão perdidos, e eu fi­

carei aqui a labutar imuihnente como a França para o rei da Prussia; se não attendermos minuciosamente aos factos que se passam no nosso paiz, e por seu turno conspiram para complicar o problema ainda mais.

Seria realmente um exemplo do funestas consequências, que, depois de muitos trabalhos, um lavrador do centro do Alemtejo preparasse bem um vinho de pasto, e o mandasse em longa viagem de aborrecimento pelo caminho dc ferro do sueste para Lisboa com destino ao Brasil Se lai succe-dera, o vinho, que não tem as propriedades dos minérios dos Monges nem dos de Aljustrel, não se faria em pó como a estes acontece; mas, não ficaria com muita saúdo, exposto ás baldeações porque passa, vivendo dias e noites nas es­tações ao sol e á chuva. Talvez, ainda antes de sair a barra, se fosse encontrar doente, senão completamente estragado.

Quem sabe se ao dar por isto o vinhateiro, vendo o seu vi­nho feito em caldo de castanhas ou vinagre simples, viria lançar as culpas sobre os meus hombros, dizendo mal do pro­cesso que lhe fòra aconselhado, já arrependido de o haver posto em pratica'? E todavia eu não seria o culpado, nem os meus principios deixariam de ser verdadeiros.

O que precisamos saber é que não basta que o vinho seja muito bem fabricado; é indispensável abrir toda a estrada por onde elle ha de passar, dar-lhe por conductor um va­por que ande, e navios que não adormeçam no oceano, parodiando as desgraças da nau Gathrinela.

Perguntem aos francezes se conservam os seus vinhos nas docas de Londres, onde os nossos e os hespanhoes fi­cam armazenados. Apenas ali dão entrada, são transpor­tados para as adegas subterrâneas particulares, que as ha excellentes n'aquella cidade.

In-vestiguem na Allemanha, porque motivo a cerveja é conduzida em vagões frigoríferos, com paredes duplas re*

cheiadas de gelo? E è a cerveja, bebida menos agradável c de menor preço que o vinho. Sou eu então que hei de cansar-mc a explicar estas coisas, que a maior parte da gente aqui ignora, e ainda em cana mais tarde soffrer o castigo que pertence ao lagareiro ignorante, ao calor do clima e das más adegas, á morosidade do vapor e á pre­guiça de lodos? Não quero. E é por isso mesmo, que me explico categoricamente n'este logar, para que a tempo me fiquem comprehendendo e não venha depois a ser victima de injusta condem na ñ o .

O vinho genuino até o momento eje entrar no consumo carece da vigilancia mais seguida e aturada. O seu trata­mento toma as proporções mais delicadas da arte vinícola. O trabalho que dá, em comparação do que exige o vinho alcoólico, é consideravelmente maior.

Esle representa um organismo que se subjuga pela força, o outro um organismo que se cria pelo desvelo.

E obterá, nos mercados estrangeiros, o bom vinho de pasto preço que pague tantas despezas e tão assíduos cui­dados? Chovem as perguntas sobre mim a este respeito, e os pontos de interrogação de todos os lados, e mal do pre­lector se não responde. Não ha duvida que dará uma am­pla compensação, e os exemplos das outras nações plena­mente o confirmam. O vinho genuino deve pagar de sobra todos os sacrificios, mas também, digamol-o sem rodeio, prega as peças mais cruéis aos aldeões inexperientes. Ca­rece de mão cuidadosa que saiba tratal-o. Se continuarem, porém, a administrar as propriedades pelo correio, suppondo a materia com os attributos da força e deixando a primeira á testa dos novos processos de vinificação para que faça vi­nhos de pasto perfeitos, então prefiro que persistam em aguardentar o vinho e semear almocreves;- até que ap-pareça outra geração, que comprehenda melhor os seus interesses, e se sirva corajosamente. dos braços para tra­balhar. Geração que ha de vir, e mais breve do que geral­mente se cuida, continuando a febre de plantar vinha em ponto grande, como se está fazendo, e que poderá ser tal-

vez vista aínda pela nossa, se a producção, que hoje nao exceda de 4 milhões de hectolitros passar amanhã a ser o âobro, o triplo ou o quádruplo, e não houver consumidor para tanto senão além das fronteiras. Quem sabe se esta­remos realmente na véspera de se dar este caso. Vós, porém, goslaes das crises, e nüo acreditaes fia desgraça, cm quanto não apparece. Remediar sabeis, para prevenir não tendes geito.

Desde o primeiro dia em que appareci n'esle logar, pa-rece-me não ter desconhecido as diffieu Ida cies que se levan­tara no horisonte para assoberbar os vinhateiros, que qui-zerem romper resolutamente com as tradições do passado. E a prova de as conhecer se está vendo no conselho que dei de vos associardes, porquo não acredito na efíicacia dos esforços individuaes. Nas batalhas modernas, o aper­feiçoamento da artilheria inutilisou quasi de todo o valor singular, pois outro tanto acontece comvosco na campanha dos "vinhos.

Juntae os elementos dispersos e formae um todo per­feito, em que possaes ter confiança.

Se a questão vinhateira não pode fazer progressos no Algarve e no Alemtejo sem a associação, o que vos aconse­lharei para a Extremadura que não esteja ali ponderado? Unicamente o que tenho é novas diíTicuídadcs que acres­centar, e que fazem esmorecer ainda mais as minhas já fracas esperanças.

As associações estranhas á provinda, como as pintara no Alemtejo, onde não ha adegas nem balsciros, com a intro-ducçâo de operarios estrangeiros, são difíiceis senão impos­síveis de realisar na Extremadura, cujos vinhateiros toem quasi todos lagares, vasilhame, instrumentos vinarios, e mais do que tudo isto, comprador certo ao vinho—almocreve, ne­gociante ou commissario; — freguezia feita. 0 vinhateiro, e muito particularmente o da Extremadura, em quanto o fructo está pendente da vara não o troca a peso de oiro. Vende com muita facilidade o vinho, e com extrema repugnancia a uva. Comprar o vinho feito seria quasi a ruina da so cie-

A73 dade, que quizesse cinprehender, com bom éxito, o com-meivio i'xiornn. o não lhe sendo fácil nem vantajosa a com­pra da uva, c|uali]uei' esforço pm- mais potente que seja, irá parlir-sc de enconlro a Ião grande obstáculo. E depois que penoso trabalho o de reunir Lanías vontades discordantes por indule, pelas tendencias e até pelas eleições, estabele­cendo união, onde não existe harmonia! Como ligar tantos interesses, que se alliguram opposlos, prevenir todos os atlritos de quem por habito se vangloria de viver isolado, o de iirefereucia se congrega para declarar a guerra.

Sendo exlromameníe diiíicil, pelas razões apontadas e ainda por oult as que esconderei, e que cada nm de nós adi­vinha, I'azeiido o exame da sua consciência, fundar na pro­vincia da Kxlrcniadura associação de pessoas estranhas á lo­calidade, resta-nos ver se haverá maior probabilidade deor-ganisar associações locacs de vinhateiros. Também não me parece que haja, mas este e o único expediente que nos resta.

Na ahh*ia todos são compadres —excellente elemento á primeira vista para base da associação;—mas melhor era que todos fossem amigos.

Tomemos dois compadres ao acaso, que por qualquer eircumslaucm se achem ao facto das considerações, que henins fedo sobre a viticultura portugueza, e cedendo o lo­gar a elles por alguns instantes, oiçamoJ-os discorrer.

—Oca seja muito bem vindo, meu charo visinho e com­padre, o que o trouxe hoje tão cedo a esta sua casa?!

—Primeiro que tudo vel-o, responde o interrogado, e dopois propor-lhe uma empreza. Amigo! O negocio do vi­nho vae mal, não sei se você tem lido ultimamente os jor­na es?

—Pois tenho, e não podia vir em melhor occasião. Quer fal-lar-me d'esse homem que bota discursos de vinhos? Confor-mo-me com algumas doutrinas das conferencias d'elle, como agora lhes chamam. Quadram-me certas coisas ali, mas... Esta conjuneção adversativa figura em todas as orações dos que faliam a meu respeito. Mas... deixemol-o continuar, o ho-

mem por aquelle caminho não consegue nada, e está per­dendo o seu tempo.

—Isso e o que nós queremos, compadre, é tudo o mesmo. Está visto, que o homem anda a trabalhar para a cidade. Nós, porém, é que devemos aproveitar-lhe o trabalho. É preciso fazer bom vinho e vendel-o mais caro, e'n'este caso venho propor-lhe que nos associemos. Olhe, fuuo efuão (e aqui cita uma lista, de vinte nomes ou mais), já foram falla­dos e ficaram todos de me dar a resposta. Palavrinha, quem falta no rol, por assim dizer, é você.

— Ora essa! Pois bem, está dito. Domingo, depois da missa, combinamos a coisa melhor, que eu tenho agora de ir ver os homens e está-se-me fazendo tarde.

E sem maiores cumprimentos, apartam-se os dois. A scena, porém, continúa, e é agora talvez, que ella se torna interessante deveras.

Emquanto os dois compadres se exploravam mutuamente, espreitara pela greta da porta, a mulher do compadre que recebia a visita, tudo que se estava passando. Saiu o com­padre que fizera o convite. Entrou ella.

—Então que veiu elle cá dizer-te? Começa a mulher a fallar, fingindo-se de novas e com modo singelo de inquirir o marido. -—Se eu queria entrar para uma sociedade de vinhos. —E tu que disseste? . —Ora, o que disse?! Que precisava dormir sobre o caso

e mais tarde lhe daria a resposta. —Sabes que mais, não sejas tolo. D'ali d'aquella porta

ouvi toda a conversa. Não o conheces ainda? Esqueceste-te já de quando te veiu pedir o voto para ser camarista ? O que elle quiz foi fazer-se auctoridade, e metter nas fazendas um bom par de azinhagas do povo. Olha que não é para teu interesse que te procurou. Aquelle menino bebe azeite, é finório e ninguém me tira d'aqui (pondo o dedo na testa) que n'este negocio leva agua no bico.

—Mas, oh! mulher, accrescenta o marido já um pouco enfadado, no que disse o compadre tinha razão.

•—Qual razão nem meia razão! 0 dinheiro do almocreve rrâo tem peçonha e corre bem em toda a pàrte^ Assoeia-te com a tuá mulher e os teus filhos. N3o queiras sociedade senão com a tua familia. Olha, deixa-te dè coiiferencias que lião de ficar em agua morna. O que quer esse homem lá de Lisboa é vender bem ò folheto das pregações.

A minha humilde pessoa entra n'este dialogo como Pila­tos no credo.

A esta saida com ares de poderoso argumento, não res­ponde o marido; primeiro •symptoma de'que ficou aba­lado.

Durante o jantar vem outra vez à conversa o compadre. A mulher que sabe o rifão e não perde a coragem, conti­núa com a ladainha. Repete-se ainda o dialogo mais duas vezes pela tarde adiante, até que por fim o homem já não dá resposía. Deixou-se minar pela opinião da consorte, e está resolvido a jurar no que ella disser.

Chega entretanto o domingo aprasado, e os dois com­padres encontram-se outra vez na sacristia da egreja, de­pois da missa, no momento em que um d'elles pretendia escapar-se.

- —«Ah! É voce? —«Pois quèm havia de ser? Não me espéráva tão cedo?

Xá se resolveu? Parece que ia a fugir-me. —aÀ fugir-lhe? Que idêa a sua, compadre, quem não

dève ri5o tètne. A respeito d'aquelle negocio não pensei bèrn no caso, domingo seguinte ilie darei a resposta. Não perderá com' a demora.

—«Então quer ficar para o fim? redargue o outro, ac-ééfttuáhdo as palavras e mordendo os beiços em signal do íjüeM'tiao está satisfeito.

—«É isso mesmo, compâdre, quero sév dos últimos.» E agoYía o vereis a cofrér, a correr que parêce um -gã-

fiaó, tféikãíido na sacristia sósinho a Olhar para os safítos í) jtobVe Compadre que tivera um botn pensamento, mas, Tftíe de tódo se encontra isolado, vòltando apenas a si do Sfeü sònbo, pahdo algtihs fííiiititos depois, o sacristão que

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prelondia fechar a egreja, o vein pôr a elle e á idéa nova no meio do adro, ao fresco.

Tudo isto parece uma historia, uma anedocta inventada, se tanto lhe quizerem chamar. E todavia é um conto verda­deiro e exacto, que encerra proveitosa lição, dando a me­dida das diíliculdades que se apresentam para conseguir a associação dos vinhateiros.

O espirito de desconfiança que se apoderou de nós to­dos, além da indiíTerença que nos era nativa, abate os mais levantados de animo. Era vez de crenças viris, que devem fortalecer os povos quando aspiram ao seu justo engrandeci­mento, temos o abatimento e a indiíTerença dos velhos, a que chamamos preguiçosamente a iição da experiencia.

Somos uma sociedade sem grandes vicios nem torpezas, é certo, mas representamos ao mesmo tempo o papel de um organismo com falta de sangue e circulação imperfeita, cujas funeções enfraquecem dia a dia. Um povo cheio de palidades adormecidas, conjuncto de elementos heterogé­neos que raras vezes se combinam, e que satisfeitos os instinctos egoísticos da individualidade, pôde viver sem com-moções, olhando para a gloria, para a força o para a r i ­queza, com o sangue frio de quem não quer que lhe per­turbem o descanso. Um povo, hoje, que, se não for por violencia, não sustenta a mesma idéa seis horas a fio, re­flectindo, como um espelho, todos os pensamentos e dando a todos elles o seu applauso. Sem sympathias decisivas por ninguém, esquecendo o heroe de hoje pelo heroe de ámanhã, e mostrando apenas mais algum enthusiasmo pelo ultimo que apparece, inventando-o até quando o não haja. Que não admitte classes para os diíTerençar nem graus diversos na sua estima, amando sobretudo os desastres em que el­les naufragam, para que possa na hora do remorso ter uma evasiva que desculpe a sua requintada ingratidão.-

Quizera ao menos ver desenvolver-se na peninsula a energia de que estão dando provas os nossos compatriotas dos! Açores. Lá temos os ilheos de S. Miguel, que se as­sociaram expontaneamente para exportar a laranja, repar-

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lindo depois entro si os lucros ou as perdas por meio de um rateio; tratando de escolher o fructo, de o acondicio-uar o creando (odas as peijuenas industrias acessórias, que oulr'ora os tornaram dependenl.es dos inglezes.

Em Lisboa os poucos individuos que se dão a este com-mercio, já que por incidente n'elle fallamos, não fazem distineção perfeita das qualidades, para que os estrangei­ros nos pa^uem sómenle o valor das cascas.

O sumo, 6 bcni de ver, será para elles. Os valencianos muito mais práticos de que os nossos exportadores, abrem n'uma lata buracos circulares de differente grandeza para chegarem a uma classificação fácil por tamanhos. A única recompensa que nos concedem os estrangeiros, como vi muitas vezes na rua de Oxford em Londres, è annuncia-rem as laranjas de Lisboa mais caras. Pagam-se sempre por dois soldos mais que todas as outras, como justa com­pensação da nossa generosidade.

Como exemplo e estimulo apontarei ainda o que se está passando com os ananazes em S. Miguel, onde se hão for­mado varias sociedades para negociarem com elles em In­glaterra. Fizeram mais os associados; mandaram de pro­posito a Londres um homem que averiguou qual era o ponto de saturação do mercado, em relação áquelle fructo, como se costuma enviar alguém ao estrangeiro para uma pesquisa industrial ou observação scientifica.

Souberam que 40 mil ananazes saturariam o mefeado, e os exportadores ficaram prevenidos para nunca se apro­ximarem d'aquelte numero, a fim do producto não ser de­preciado.

Mas isto não é ainda tudo. Construíram estufas e força­ram a malnração do ananaz, com a mira exclusiva do lu­cro, pois não basfa ter ananazes para vender em Londres, o que é principalmente necessário é que elles lá appare-çam fóra do tempo em que podem ir dos outros mercados,' que não sejam um fructo próprio da estação, senão uma raridade para satisfazer os caprichos de quem não sabe o que ha de fazer ao dinheiro.

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Onde vive escondido o portuguez do oulras oras, qm na­vegou,.descobriu e adquiriu nome cm todo o globo? Para onde fugiram os descendentes dos esforçados capitães rpie foram ao Oriente, devassaram a America, deixando por onde passaram o assombro causado por tantas conquistas gloriosas? Não seremos nós porventura os fill ios dos por-tuguezes que tomaram o mundo para lljeatro de suas faça­nhas, combatendo como leões e affroutando a mono e os perigos com a serenidade dos martyres?

Somos, sim, a raça ó a mesma; apenas se encontra al­gum tanto degenerada. Metteu-sc em casa e nao explora as suas riquezas. Descança das lucias titânicas e dos traba­lhos hercúleos de seus avós que nunca tiveram tempo de o fazer. Metade da humanidade trabalha para que a outra metade não faça nada. Estamos no período de hibernação. Passamos agora pelo sonmo.

O portuguez que se expatría para a America ou para a Africa, ainda hoje deixa bem a conhecer que sangue lhe gira nas veias e sabe honrar fora do seu paiz a heroica ascendencia de que procede. Em casa, porém, e de portas a dentro não somos os mesmos. Vivemos muito á vontade, escondendo as virtudes. Não contrafazemos o genio, nem gostamos de impor. Modéstia maior não a ha! Ganha-se a vida com facilidade e não é já preciso fazer conquistas. A sar­dinha que é a mãe do socego, explica e justifica ludo. Tam­bém a banana é na Africa o mais poderoso inimigo da civi-lisação.

Quasi que vou perdendo de todo a esperança de ver rea-lisados os meus desejos! E todavia é conveninte evitar tanta decadencia, procurando no esforço combinado e in-telligentemente dirigido o preciso remedio para tão gran­des males.

A idéa da associação não me desampara nunca. Digam muito embora que já houve companhias e associações que deram mau resultado. Por isso mesmo, se sabemos tanto, temos obrigação de fugir aos erros que prejudicaram essas instituições.

m Ali! sardinha! sardinha! E tu de volta outra vez commigo.

Decididamente não fazemos nada. Algumas reflexões ainda sobre a aguardente, para que

não nos possa ficar a menor duvida sobre o modo porque ella influo no preço dos nossos vinhos.

Para este caso, temos necessidade de consultar as esta­tísticas, e eu confesso-vol-o, í'ujo sempre de o fazer, talvez porque, ande pela minha vida muito arredado d'ellas.

Conheço que vou oceupar-me de um assumpto em que sou profano, c por tanto se comineUer algum erro grave espero que me absolvam.

Km Portugal, tenho lido varias vezes em documentos au-ctorisados que não ha estatislica.

Consultam-se, porém, as obras económicas sobre assum­ptos nacionaes, ou vamos ás cortes ouvir os discursos dos deputados, e com espanto se observa, que cada individuo tem uma estatistica para seu uso particular. Quando ap-parecc alguma de fresco, o primeiro impelo é declaral-a inexacta, para mais tarde tirarmos d'ella conclusões ver­dadeiras.

lia entre nós, como na Igreja, em referencia aos pec-cados, perdão para todo o genero de estatísticas.

Pude ver, em uma das minhas excursões scientificas até que ponlo temos a inclinação desenvolvida para semelhan­tes trabalhos.

Tratava de colher dados sobre a producção vinícola de um concelho, e para esse fim me dirigiu ao escrivão de fa­zenda, quando à porta da casa em que este morava, cn-conirci um amigo.

—Que vac lá fazer acima? Não é necessário subir. Se quer saber a estatística da producção vinícola não se dirija ao escrivão de fazenda, que não está no caso de o poder informar. Segundo a minha opinião, a estatística é um tra­balho de pouco mais ou menos, o que corresponde exa­ctamente á média de muitas observações. K os povos d'este concelho são extremamente callados, nunca sabem ao certo a colheita que tiveram. Não quedem levantar invejas e por

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m_ esta razão deixam egaalmente de se confessar ao escrivão de fazenda. Ainda hoje, já ha mais alguraa facilidade de co­nhecer as coisas, desde que 6 possível obter dinheiro sobre a propriedade. Deve-se aos bancos especiaes o descobrimento dos solos abençoados. No banco hypoíhecario, por exem­plo, todas as terras são de primeira qualidade, para o com­puto do imposto é que não ha senão ruins charnecas. NSo suba, escusa de incommodar-se e de incommodar o es­crivão.—Puxe da carteira & do lapis que eu lhe digo a producção do concelho.—Para o senhor não tenho segre­dos.—Ponha. . . Ponha lá!

—Mas ponha o quê? Se tudo isso não é verdade, ex­clamava eu.

—E que tem que o jião seja? Depois de v. o escre­ver, torna-se por força verdade, porque ninguém será ca­paz de lhe demonstrar o contrario. O mais a que podem le-val-o os seus contradictores, ê á discussão do é não é, que nada prova.

Moveu-me a curiosidade e quiz saber porque motivo o meu amigo se julgava habilitado a dar-me estas informa­ções. É que elle tinha sido administrador de concelho e não desconhecia que muitas das estatísticas agrícolas nós as devemos aos cabos de policia das aldeias, que se recom-mendam á nossa benevolencia e respeito por serem anal-phabetos.

O regedor recebe os mappas por encher na administra­ção do concelho, o a titulo de ser informado com consciên­cia, consulta os cabos das differentes freguezias que reúne para este fim.

Chegam os homens e o regedor poe-n'os ao facto do ser­viço que se pretende. Os cabos, depois de o ouvirem, olham uns para os outros com desconfiança, piscam o olho em commum ou coçam na cabeça atraz da orelha, e para avi­varem melhor as idéas, dividem-se em grupos de dois ou tres, em quanto o regedor se prepara a tomar nota das res­postas.

^-Ó aquelle, diz um dos cabos para outro companheiro.

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n'uin dos grupos que se formaram, o que quererá agora com isto o senhor administrador?

—Isso não se pergunta. Está bem de ver, que são no­vos direitos reaes que nos vão pedir.

—Lembras bem Malaquias, pois não é oulra coisa. Tão poucos pago cu, que me não esteja a pello a arder. E tu o que fazes para te saíres d'esta?

—Vou dizer tudo ás avessas. De mais a mais conlou-me outro dia a Margarida, que está a servir em Lisboa, em casa de um homem que faz íeis, que pelos modos em breve iriamos pagar atè pelos filhos que estão para nascer.

—Ora espera; essa não está má, e combina com o que ouvi a semana passada na venda do Cadoiço; que para o diante quem for á egreja casar-se, tem de pagar ao rei seis vinténs por cada pregão. Nem já a gente se pôde apre­goar sem que lhe vão acima.

—Como elle é isso, nós os ensinaremos. O visiuho Se­bastião e a fidalga da Quinta Velha lavram bem, cada uni á sua parte, as suas ciucoenta a sessenta pipas de vinho; pois não lhe diremos que teem mais de quatro.

—Tu andas muito perto das trinta? —E quando Deus quer trinta e seis. Poem-se-lhe duas.

E tu ó Manuel, quantas recolheste o anno passado? —Eu arrecadei pelos cálculos da minha Victoria, que

sabe mais d'isso que eu, ahi umas dez. —Então se tens só dez não ponhas nenhuma. Os outros grupos discorrem pelo mesmo teor. No en­

tanto a auctoridade da parochia, depois dos homens terem pensado no modo de esconder a verdade, vae-se chegando para elles e colhendo os dados. Enche o papel e entrega-o na administração, onde eú ou os senhores no dia seguinte podemos estar com o mappa ás voltas; fazendo cálculos e tirando illações —verdadeiros castellos no ar.

Ainda bem que os cabos de policia não sabem ler nem escrever. Se vissem ás vezes como tomamos-a serio as suas mentiras, iriam contar com milhares de razões, que nós o que somos é um pouco menos espertos do que elles.

18.

282

Quera adivinhara, penso eu, quando consulto as estatís­ticas, quantos cabos de policia andarão por ellas ! l

N'este momento, ainda assim, o meu caso não se torna tão complicado, e outra pessoa que fôra menos escrupulosa resolvel-o-hia com desafogo. Trata-se das alfandegas, cuja estatística é das mais exactas, porque regista ludo e apenas o contrabando lhe escapa.

Mostra a estatistica da Alfandega, que, era 1873, impor­támos1, como se vè n'este quadro, 191,000 decalitros de aguardente, em números redondos, de 36, 38, 40.° Car-tier, isto é, de álcool para preparo de vinhos, pois que a aguardente embotijada e preparada, figura separadamente. O paiz que nos forneceu mais de aguardente foi a Grã--Bretanha, e logo abaixo a AUemanha do Norte. Recebo-ram-se de direitos 287 contos e o valor dado á mercadoria importada foi quasi egual aquella quantia! Avulta n'esta aguardente a feita de cereaes, havendo alguma também de melaço e de beterraba.

1873 Decalitros Direitos

1 Allemanha do Norte 45,626,9 Bélgica 401,8 Brasil 2,196,8 França 13,702,1 Grã-Bretanha 118,100,7 Hespanha 9,038,0 Hollanda 873,0 Possessões de Africa 109,5 Bussia 1,2 Suécia 1,9

Total 191,751,9..:. 287:843*288réis. - Aguardente preparada... 2,764,8 4:147$320réis.--

NSo se distingue a origem da aguardente nas estatísticas. A alfandega asfabelece tres grupos; em botijas ou garrafas, aguardente preparada, e simples, obtida de qualquer substancia. No .anno indicado a importação d'esta ultima chegou a 3:800 pipas proximamente, e a da aguardente preparada não passou de 82.

283

Ainda nüo ha estatística relativa a i 874! É muito refle­xiva a nossa administração, e para levantar poucas duvidas não costuma publical-as senão no dia em que os factos a que ellas se referem, já se achem esquecidos. Sei, com-tudo, por informações, que julgo verdadeiras, que só a casa Sharpe, do Glasgow, nos vendeu 1000 pipas de aguardente, e outra casa do Hamburgo 500 ou 000.

Como se para tornar o vinho caro não fòra bastante o defeituoso grangeio, também a aguardente, que é o ali­cerce da nossa vinificação, vem elevar notavelmente o seu preço; aguardente que estraga os vinhos muitas vezes, os torna improprios para serem recebidos nos mercados es­trangeiros, e lhes faz subir o seu preço de modo que não possam competir com os de outras nações.

Já se viu, na precedente conferencia, que o direito pro­tector servia umeamenle para beneficio de alguns com de­trimento de quasi lodos. Receia principalmente o lavrador, e os interessados sopram com malicia esse receio, que abo-lindo-se o direito da aguardente, esta desça a um preço mí­nimo, e lhe fique o vinho na adega, que olle já sabe de antemão que se ha de estragar, não havendo então ninguém que lh'o compre para distillação.

A observação, cointudo, tem mostrado que apesar de to­das as variações do mercado, a aguardente sustenta sem­pre proximamente o mesmo preço, o que os senhores do caldeira são os únicos que se aproveitam d'clle.

Nós queremos que a Inglaterra acabe com a escala al­coólica, mas na nossa alfandega exigimos conhecer a nacio­nalidade dos chapeos de chuva, para, se forem inglezes, nos pagarem J$300 réis de direitos pela pauta; ao passo que vindos de França, unicamente contribuem com 20 por 10O ad valorem, não havendo chapeo d'esta nação que valha mais de dois mil réis nas facturas. É certo que muitos de prove­niencia ingicza, teem pago simplesmente um cruzado de im­posto, mas obrigainol-os primeiro a atravessarem o canal da Mancha *.

1 Depois que fiz esta conferencia, algumas leis decretadas pelas cor-

- I 8 ! Quando perguntamos á Inglaterra porque não modifica a

escala alcoólica, responde-nos aquelle paiz que reformemos a pauta1, mas ainda nos podia perguntar porque lançamos direitos protectores sol¿re a aguardente para encarecer os vinhos do Douro e muitos outros que se não fazem sem ella, e conservamos, embora diminuto, um direito de ex­portação.

Com effeito, se não podemos de modo algum prescindir do álcool para fazer o vinho do Porto e outros vinhos que, segundo a opinião mais geral, queremos aproximar d'aquelle typo, qual é o motivo porque estamos a encarecer o fa­brico, com medidas de duvidoso aproveitamento, quando-elle já de si é tão caro? Não queremos nós, que os in-glezes acabem com os direitos que pesam sobre os nos-; sos vinhos e os privam de poder competir com os vinhos estrangeiros? Queremos:—então a lógica pede, e isso ê-tambem o nosso interesse, que primeiramente eliminemos, quando mais não seja para dar o exemplo, tudo que fóra da adega e dentro d'elía encarece o producto; a lógica exige a abolição de todos os direitos, e que se encaminhem as coisas para que desde o grangeio da vinha até a final re­messa do vinho este custe o menos possível. São estas al­terações do nosso dominio e ninguém nos impede que tra­balhemos por ellas. Áquem das fronteiras lagrimas e solu­ços, bem poucas providencias úteis; longe da patria esfor­ços pomposos que atordoem os ares.

São complexas as causas que podem determinar nos mer­cados estrangeiros a menor procura dos nossos vinhos, e muitas teem a sua origem aqui. Em Londres, onde ella tem sempre augmentado2, apesar do que sè affirma em contrario,

tes modificaram as nossas relações commerciaes com a Inglaterra; no. entanto, em agosto de 1876, o conselho geral das alfandegas resolveu-, que sendo unicamente a tabella B do-tratado com a França aqitéllcCqw è, appUcada á Grã-Bretanha, os chapeos d'esta procedencia deviam pagar 900 réis cada um, conforme as disposições da pauta geral.

1 Livro branco. 2 Colifórençia xvni, v

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nao se deveria, ainda que não succedesse este facto, attri-buir a diminuição exclusivamente á escala. Esta é mais um ¡yogramma politico, um cartaz, um mote de occasião, do que um tropeço serio nas condições em que nos achamos. É a corda sensível dos vinhateiros do Douro. E os governos bem sabem se elles dão ou não dão por ella.

No Brasil, que não tem escala, o vinho portuguez recua aos empuxões do catalão. Bem sei que este é peor, mas vende-se. Os Estados Unidos, que deviam de ser um dos nossos melhores mercados e que também a não teem, em­bora até aqui haja pesado oneroso tributo sobre o vinho, apenas nos conhecem n'esta materia superficialmente. A França n'uns annos vem cá, n'outros desapparece, sem que ainda hoje todos saibam o motivo. E também não tem es­cala. Ha, pois, alguma coisa mais do que o regimen indi­cado que possa ter influição n'este importantíssimo com-mercio, que do que mais precisa é passar pelas transforma­ções tantas vezes apontadas por mim n'estas conferencias.

Uma observação mais sobre o mercado de Lisboa c pro­metió ser lacónico, pois é forçoso terminar.

Sabemos da prelecção anterior, que o intermediario para a venda dos vinhos ê o mau conselheiro do lavrador, de quem exige vinho bem coberto e bem carrascão, não sendo possível corrigir este erro com a influencia do con­sumidor, que também precisa de alguém que o dirija e aconselhe. Para evitar os inconvenientes que resultam de tantas causas reunidas, creio que, sem offensa dos verda­deiros principios de liberdade, que não permittem se po­nham peias ás industrias licitas e bem dirigidas, se deve­ria crear uma classe habilitada com as garantias que as cir-cumstancias pedem, e até certo ponto por modo semelhante 'ao que se está praticando com os corretores de praça. Isto não seria esbulhar nirtguem dos seus direitos, nem prohi­bir que todos comprassem e vendessem sob o imperio do mais absoluto e livre arbitrio. 0 que vinha, sim, era collo-car no mercado acima de todos, um verdadeiro corpo de peritos, a quem se poderia então com justiça applicar esto

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nome, no caso de aconselharem os lavradores, protegen-do-os, c ao mesmo tempo os consumidores. K combatam a idéa como entenderem, mas nao a fulminem por ser con­traria á liberdade. Os coxos que lambem são livres, não gosam da liberdade de andor sem nmlelas.

Depois, como complemento, para que, n'esle mercado se conseguisse a maior das vantagens, que c guerrear o vicio da aguardenlação, estabelecer-se-liia ás portas d'esta cidade a escala alcoólica que não queremos no mercado inglez. Ambas as coisas combinadas traduzir-se-liiam em breve no apuramento c reformação do gosto do consumidor.

Pagam os vinhos nas barreiras da capital 75 .por 100 e mais do sen preço; muitas vezes ató o imposto é pouco inferior ao dobro do preço corrente nas adegas. Estabele-cendo-se, que os vinhos com -14 por 1001 de álcool, paguem 300 réis; de U a 16, oOO réis; de 1G a 18, 800 réis; e

-d'ahi para cima 1000 réis, o Estado não perderia, porque augmcníava indubitavelmente o consumo dos vinhos pota-veis.

Ao principio parte dos vinhos viria com 14 a 16 por 100, pagando SOO réis, e outros com força superior pagando por isso mais, não havendo por conseguinte perturbação na receita. Mais tarde, melhorado o mercado, a receita au­gmentaría, embora abundassem os vinhos menos alcoóli­cos, que. pagariam menos.

Por esta maneira contribui ri a mos para que o consumi­dor de Lisboa fugisse aos vinhos aguardenlados, impe­dindo egualmente o lavrador do os fazer pelo castigo que d!isso lhe resultava. Muitas falsificações ignóbeis, que hoje são conhecidas e se fazem pelo corpo, côr e espessura do vinho que permitte encobril-as, teriam egualmente teimo, ainda que na realidade, nem todos os taberneiros sejam fal­tos de consciência. Na loja de um, ás Janeltas Verdes, acabo de vêr esta tarde, quando vinha para aqui, o seguinte le­treiro, que elle mandara escrever sobre a porta.

-1 Graus, de Gay-Lussac..

287

VIHNOS

Vihnos! Eslc não dá ao producto que vende o nome de vinhos. Inventou uma palavra que lhe deixa a consciência tranquilla para exercer o seu commercio, e que se escreve com as mesmas leltras sem lhe faltar uma só. O vinho actual da taberna merece bem aquelíe nome, e julgo pru­dente conservar a orlhographia em quanto se não apura o fabrico.

Entende e entende muito bem este honrado taberñftiro, que não tem o direito de chamar vinho ao producto com que negoceia! Diz, sem fazer discurso, a verdade verdadeira aos seus freguezes.

Será por este motivo, que o vihno querendo que lhe cha­mem vinho, começa a fugir para os estancos? Estarão estes destinados a representar a taberna do futuro? Vinho e ta­baco devem íigar-se bem. São dois vicios e ambos embria­gam !

No estanco, porém, as preocupações do publico são dif-ferentes. A qualidade do charuto não impressiona o fu­mista uma vez que a folha de fóra tenha boa -apparencia. E ao vinho succede outro tanto, em esíando soíTrivelmente encadernado, ninguém desconfia que seja egual ao da ta­berna.

Desafio as nações que forem capazes de apresentar, como nós, havanos legítimos de vintém e vinho de sessenta réis a garrafa! A sessenta réis., posto em casa, com rolha, lacre, letreiro, cabaz e annuncio! Quasi que se está pagando ainda em cima a quem o bebe. Eu, peio menos, não o be­beria nem com esta condição.

E no entanto não ha esperanças nenhumas de vermos a escala alcoólica no mercado de Lisboa, que seria para nós como que a lança de Achilles.

Estudemos agora as duas Beiras, as duas irmãs, uma alta e outra baixa, embora sejam pelo relevo proximamente

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da mesma alíura. Ambas formosas e altivas, ambas hospi­taleiras, ambas ricas.

A Beira Alta orgulhosa do seu Dão, das suas montanhas, dos seus vinhedos e dos seus vinhos, duradoiros e pouco aromáticos, mas com bons dotes para poderem receber educação.

A Beira Baixa talvez mais soberba do que sua irmã, da sua Bairrada, do seu Mondego, da sua Fundão, das suas fru-ctas e das suas fabricas.

Brilharam ambas e com especialidade a primeira. Foi esta a opinião dos provadores portuguezes, e é também a minha; se considerarmos a questão pelo lado antigo, isto 6, era relação ao fabrico que seguimos; pois mostraram até onde se podia apurar o fabrico á portugueza, conseguindo serem bem recebidas pelos almocreves estrangeiros, que ficaram encantados com os seus vinhos de lotação.

Os vinhos da Beira são neutros e por tal forma neutraes que em si conteem todos os elementos para os preparos dos vinhos ordinarios potáveis. Esta circumstancia chamou so­bre elles a aítenção dos negociantes de todas as nações, que precisam de vinhos concentrados para dar tom, fibra e vigor aos vinhetes (petits vins); e como fossem abun­dantes de côr, de tannino e notoriamente suaves, sem com-tudo se apresentarem maduros, o que, no conceito dos es­peculadores, lhes tiraria quasi todo o merecimento, cau­saram viva e profunda impressão, porque podiam substi­tuir sem mais trabalho os ingredientes, que são emprega­dos nas confeiç5es.

Para explicar claramente este facto, convém saber-se, que no estrangeiro é bem raro o vinho puro; a maior parte d'eiles, ou pelo menos os vinhos baratos, são, nem podiam deixar de ser, a resultante de varias composições, em que entram os vinhos do sui combinados com os petits vins do centro da Europa. Dão trabalho estas jnísturas, que nem sempre saem perfeitas. .Com a glycerina, imprimem, aos vinhos o avelludado, com o assucar em muito pequena escala um gosto macio, que não deve denunciar-se pro-

m nunciadamente doce, com o tártaro a acidez, que è quasi sempre a qualidade mais vulgar e por isso inútil de pro-eurar-se, com o (anníiio de outros vinhos, e até com o tan-nino artificial uns longes de casca, que nunca deve de ser tanta que chegue a incommodar as gengivas. A côr quando é preciso usar d'ella, vae buscar-se ás materias vegetaes, de que ha uma extensa lista cm parte secreta, e que não temos necessidade de vulgarisar. Ora tudo isto, natural, verdadeiro e bem composto tinha o vinho da Beira para si e para distribuir pelos outros. Imagine-se o enthusiasmo dos negociantes, que nelle viram a drogaria sortida dos seus vínhetes.

Dentro mesmo do cellar procederam com elles a varias imi­tações, que se não limitaram aos vinhos francezes mais co­nhecidos. Com um vinho ordinario, das mais ordinarias la^ was da Hungria, prepararam escellente Carlowilz. Que tristeza í tanto trabalho para fazer conhecidos os nossos vi­nhos, e os outros quanto mais os conhecem, mais desconhe­cidos nol'os querem tornar t A Beira, explorada como fonte de tannino, seria uma mina para os vinhos húngaros.

Nunca chegar a ter nome é todavia a sorte dos que não sabem ou não podem accentuar a sua individualidade.

Difficilmentc me convencerão de que Portugal deva fa­zer de preferencia vinho de lotação em vez de consumo directo, fugindo assim de aproximar-se do consumidor, e dando a outros o trabalho de fundirem em poucos ou eli­minarem de todo os nomes das nossas lavras.

Não posso de maneira alguma persuadir-me, que toda a vantagem para nós proceda de permiUirmos, que venha o negociante estrangeiro com o seu vinho médio fazer guerra aos nossos productos, que se podem beber optimamente^ sem o auxilio de temperos nem de misturas.

Os vinhos bastões concentrados encarregam-se da venda de milhares de hectolitros de vinho, que seria-inteiramente desconhecido ou rejeitado pelo consumidor, se aquelles não existissem; e diminuem fabulosamente os lucros dos seus possuidores.

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. Nos paizes em que a arte vinícola está mais adiantada, também se sabe que de cada cacho que a videira lhe dá, o homem tem obrigação de fazer tres o quatro.

As lavras superiores, a não ser nos annos excepcionaes de péssima colheita, vendem-se sem lotação de especie algu­ma. Quando muito, os vinhos se lotam com os de outras novidades do mesmo nome para reunir qualidades que es­tejam separadas. As lavras médias corrigem-se também d-este modo com maior frequência e quasi sempre pela necessidade que ha de accentuar melhor o typo, com vinhos de outros annos, mas da mesma procedencia. Sendo poucas vezes com­pletas, completam-se por esta forma. As inferiores aprovei-, tam-se de toda a maneira, ou adubadas com preparados chimicos de que menos vezes se faz uso, quando não possa o commercio lançar mão de outro expediente, ou pela addição de vinhos fortes retintos com as qualidades que lhes faltarem a ellas. Acabem com os vinhos de loíação, que eu quero ver se os processos de Petiot, em que do bagaço expremido na prensa se fazem muitos vinhos seguidos, podem continuar a pôr-se em pratica.

O corpo mais difficil de obter para o tempero dos vinbe-tes é a côr, porque as materias corantes artificiaos são de uso arriscado; aqui porém a dilfículdade desapparece, o quem quizer resoível-a é dar-se ao incommodo de vir ter comnosco. Ninguém fabrica com uvas côres mais fortes do que nós, e d'ahi procede que os francezes nos vão procurando jà, quando o vinho não sobe a mais de 15 francos o hectoli­tro. Cóm as côres e o álcool que nos levam, ateiam mais tarde a guerra na Grã-Breíanlia e na America. B vós cada vez mais contentes a advogardes os vinhões, para lhes ven­derdes a pólvora com que haveis de ser derrotados!

Chega a tal ponto a pericia do negociante' estrangeiro no tempero dos vinhos, que dos elementos heterogéneos das diversas regiões compõe com facilidade muitos productos á feição do consumidor. Com os vinhos neutros de qual­quer parte prepara os vinhos médios das comarcas mais co­nhecidas. E o vinho parece ter sempre o mesmo typo nos

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diffcrcntes annos, ató quando os climas, os solos, os cui-> dados culturaes cios componentes forem totalmente oppos-los. Faz hoje Borgonha ou Médoc com Torres e ámanhã vae fazel-os com Cartaxo ou vinho de Hespanha, contando sempre para isso, é sabido, com a ignorancia do consumidor.

Podemos descrever simidlaneamente os vinhos das duas Beiras. O nome da localidade indicará sempre com suffi-ciente clareza a qual das regiões o vinho pertence, muito principalmente, perante um auditorio que sabe de côr a chorographia portugueza.

Produz a Beira Alta 130:000 hectolitros de vinho com uma área dc 1.054:073 hectares; a Beira Baixa 600:000 hectolitros em uma área de 1.343:600 hectares, tendo a primeira 48Ü:617 habitantes o a segunda 702:021.

Na exposição figuraram GS amostras de vinhos de 53 ex­positores da Beira Baixa. Tinto 57; branco 8. Classifica­das boas 25; soiTriveis Í3 ; más 27. Com mais de 26 graus de Sikes 35; com menos 30. Da Beira Alta 104 amos­tras de 76 expositores. Tinto 86; branco 18. Classificadas boas 55; soffriveis 32; más 17. Acima de 26 graus 46; abaixo 54.

As melhores uvas da Beira Alta, bem como as da Beira Baixa marcam entre 23 e 28 por 1Ü0 de assucar, corres­pondendo o termo máximo a 13,58 por 100 de álcool ab­soluto em peso. As uvas mais inferiores 17 a 20 na Beira Alta e 17 a 23 na Beira Baixa.

Dividem-se as duas provincias hm cinco districtos, dois na Beira Alta que è muito montanhosa, e tres na Beira Baixa, um d'estes cortado de montanhas e dois com gran­des valles e planicies. A constituição geológica, pôde di-zer-se, genericamente, que em Viseu e na Guarda, é de granitos; em Aveiro o solo ó quaternário, terciario em Coimbra, e de sehistos em Castello Branco.

Parece que a natureza do terreno e o seu relevo não ac-centuam tão claramente, n'eslas regiões, a sua influencia sobre a qualidade do vinho, como succede em outras locali­dades do reino; contribuindo, na opinião do sr. Lapa, para

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este effeito, apparentemente singular, os phenomenos cli­matéricos locaes.

E é assim por exemplo que se succedem aos óptimos vinhos dos granitos de algumas sub-regioes, os vinhos agrqs e desagradáveis, gerados também em solo granítico e schis toso, que se confundiriam com os verdes do Minho ou da planicie de Aveiro, como se vê nas maiores alturas de Castello Branco.

Ás duas Beiras podem dividir-se em seis regiões viníco­las: cinco de vinho maduro e uma de vinho verde. Citarei em primeiro logar a região do Dão, na parte meridional do districto de Viseu, em que temos um centro importante que comprehende toda a bacia d'aquelb rio. Welle figuram os vinhos de Tondella incluindo alguns da Lageosa, que s5o magnificos; os de Nellas, Carvalhal Redondo e Villar Secco mais abundante em vinho branco; os da Aguieira, de San­tar, Cannas de Senhorim, etc., etc. A segunda suh-região ê a Bairrada assente nos districtos de Aveiro e Coimbra, e cuja importancia é de tal ordem que se considera o se­gundo paiz vinhateiro de Portugal, limitada ao norte por Oliveira do Bairro, ao sul por Ançã, ao nascente por Villa Nova e Bolho ao poente. Qnerem-n'a muitas pessoas mais extensa, porque assim pensam mudar suas quintas e pro­priedades para dentro das demarcações de melhor nota.

Geram-se no centro da circumscripção os vinhos mais finos de embarque: os brancos ao norte, e os tintos ao sul,

Em volta d'estes se encontram os vinhos de consumo, fepie ainda se sub-dividem, não sei, se com sufficiente fun­damento, em tres classes. O centro da região é a Mea­lhada.

Castello Branco é a terceira sub-região, tem um cen­tro importante, a cova da Beira, em que se nomeiam os vinhos de Valle de Prazeres e de Tortozendo: são vinhos palhetes, fortes e maduros, encentran d o-se ainda alguns se­melhantes a estes nos concelhos de Castello Branco e Pe­namacor,- etc.—A quarta região, a Guarda; lavra mais vi­nho que; a anterior> mas os seus vinhos estão mui pouco co-

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nhecidos. O districto de Coimbra, que dá o nome á quinta região, e é a ultima de vinho maduro, comprehende ao poenle uma parte da Bairrada, mas fóra d'esta, possue al­guns vinhos de exportação, de consumo e de caldeira. Os de Taboa, Oliveira do Hospital e Figueira da Foz representam uma transição da Bairrada para o Dão. Figueira é conhe­cida pelos seus armazéns, d'onde se exporta principal­mente para o Brasil uni lypo de vinho muito imitante ao do Douro. É o sorvedouro dos vinhos da Beira, ali se conhece como em poucas partes o valor do álcool e da ge-ropiga. Coimbra, Soure e Condeixa teem alguns vinhos fra­cos de consumo. A ultima região é Aveiro, em que se en­contram vinhos verdes, cujo estudo ficará com proveito addiado para quando chegarmos ao verdadeiro solar d'estes vinhos, que é toda a provincia do Minho.

A vinha, considerada em geral nas duas Beiras, pôde ser alta, serviudo-lhe as arvores de tutores, e n'este caso pro­duz vinho verde, ou baixa, dando origem ao que entre nós se appellida vinho maduro.

A poda da vinha baixa faz-se curta, em galheiros, ou comprida.

São as êmpas bastante variadas, como os nomes que as designam. Chama-se de tendal1 quando se empregam uma ou duas estacas obliquas e a vara se inclina também obli­quamente para o chão enlaçada a ellas; de rodrigão mais usada nas videiras novas, se a vara fica enleada a um mou­rão vertical; de cordão, quando esta se estende sobre tra­vessas horisontaes que ligam os mourões de duas cepas próximas.

Estas empas do districto de Viseu são na Bairrada sub­stituidas pelos typos da provincia da Extremadura, argola ou chouriça.

Dão geralmente tres cavas ás vinhas baixas, e cultivam bastantes castas de uvas, que são.as mesmas que se en­contram em Traz os Montes, e umas vinte e tantas de no-

* Aguiar, i * Memoria solrre os processos de mnificaçõx), pag. 100.

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mes differeotes; alfrocheiro, alvadorão, amarai, alvor, boca de mina, boal de Santarém, borra mosca, baga, boal cachudo,, bem feita, baltar, cidreirinha, escabellado, esgana cão, Fer-nam Pires, guedelho, meirinho, negra moura, penamacor, preto martinho, pilongo, tinia do peral, terrantez, xara, uva de cão, etc.

Na Beira Alta a que mais abunda e se propaga é o tou-rigo, cujo vinho é muito encorpado e adstringente; na Bair­rada preferem a baga, porque resiste ao oidium, prospera em todos os terrenos e é muito productiva.

A vinificação è feita em balseiros ou lagares conforme as localidades, podendo talvez dizer-sc, que os segundos se empregam com maior frequência. Os processos são de feiloria ou de meia feitoria; algumas vezes põem em pra­tica as longas curtimentas e a aguardentação está geral­mente adoptada. É raro que os mostos cheguem a 30 por 100 de assacar; os do vinho maduro apparecem com per­centagens que osciliam entre 18 e 24, mas que descem a 12 e a menos ainda nas uvas do vinho verde.

De todas as sub-regiões das Beiras, a Bairrada e o Dão são as que melhor se conhecem. Podia começar por estas, mas sendo indifferente a ordem adoptada, pretiro ir pondo de parte as menos interessantes, para depois nos dedicar­mos ás outras com maior cuidado.

Os vinhos da Guarda são pouco conhecidos fóra do dis-tricto; classificam-se de consumo e não abundam os escla­recimentos acerca d'esta região, que eu não pude infeliz­mente visitar, por me não caber no tempo, quando o go­verno me encarregou da descripçào dos principaes centros vinícolas da Beira em 1867.

Podemos suppor, que sejam mal fabricados, dando-se ali uma particularidade notável, queé recorrerem os vinhatei­ros ao folhelho secco para colorir os vinhos, que saem com falta de côr. Vão compral-o a Viseu, fazendo os agricul­tores da Guarda íerrivel concorrencia ás galinhas dos arre­dores d'aquella cidade. Fabricam os vinhos de bica aberta, desprezando por este modo o que depois não alcançam.

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Tenho ouvido citar como mais superiores1 os das fre-guezias de Freixeda, Almofalla o Quiotâ, que não são as dc maior producção. Foscôa, Pinhel, Guarda e Figueira apon-tam-se como os concelhos mais vinhateiros.

Os vinhos de Castello Branco são quasi todos de con­sumo, mas distinguem-se ainda assim duas qualidades, fi­nos e inferiores; figurando sobretudo nos da primeira classe os vinhos dos concelhos do Fundão e da Covilhã. Teem egualmente bom nome os dos concelhos de Castello Branco e Penamacor.

N'este distrícto os vinhos são palhetes, mais seceos que licorosos, excepto os de Penamacor que são muito doces, aromáticos, espirituosos e estimulantes.

Amarellecem cm tres annos. Viajam com addição de ál­cool e também serviram nas quadras mais calamitosas do oídium, para fazei' vinho do Porto.

0 vinho ordinario merece realmente este nome, e è muito mal fabricado.

As vinhas são baixas ou de embarrado, e de muitas qua­lidades. As uvas mais estimadas que compõem os vinhos finos, sao: maívazia, tamarez, arintho, moscatel roxo, de Je­sus e branco; bastardo, castellao, verdelho, tinta fina, grossa e molle. Depois d'estas cultivam ainda: alva, aívaraço, ara-gonez, bolota, boal, baga de louro, cabritalho, cachudo, ca-lum, cedouro, cetil, dedo de dama, diagalves, Fernàm Pi­res, ferral, folgasão, folha de figueira, gallego, maçã, mon-vedro, mourisco, mortagua, molar, moreto, olho de gallo, orém, rufete, rabo dc ovelha, sacai, sobreirinha, maroco branco c preto, de S. Domingos, tinta da Foz, tourigo, val-durão, vinhoséllo, verdete2!

Não predominam as curtimentas, e fabricam o vinho de tres formas. Á 'maneira de Lamego, lançando as uvas den­tro a um tanque, lagar ou pia de pedra, em que são pisa-

1 Techmtogia Rural; pag. 5S6. a A enumeração das castas torna-se fastidiosa, mas nem por isso

deixa de ser util fazér-se, para que todos fiquem convencidos rios incon­venientes que a multiplicidade d'ellas está causando aos vinhos.

COXF. P . i . 19

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das por alguns homens durante dois ou tres dias, seguin-do-se o envasilhamento do mosto em pipas de SO a 80 almudes; de lagariça, fazendo o mosto de bica aberta e re-colhcndo-se logo nas vasilhas: e de cirandão, collocando sobro os balseiros, ralos de pau em forma de taboleiros quadrados com guardas. Os operários esfregam os cachos á mão de encontro ao ralo, e separam o engaço por esta fórma.

Mexe-se o mosto, aparado no balseiro que está por bàix.0 do cirandão, com os pés ou com rodos de madeira, uma a duas vezes ao dia, e no terceiro lança-se nos toneis. Ha lavradores que aguardentam ligeiramente o vinho com aguar­dente de borras ou de pé, quando o põem em limpo.

Os vinhos do districto de Castello Branco que apparece-ramem Londres, não confirmaram esta ultima pratica; pelo contrario, denunciaram generosa aguardentaçao.

Conta-se, que alguns- d'elles, como os de Valle de Pra­zeres e de Tortozendo, foram ali conhecidos, depois da guerra peninsular.

Lord Wellington gostava muito dos vinhos de Tortozendo; não está, porém, bem averiguado se o paladar d'este illus-tre general era como o de lord Palmerston, que apresen­tando certo vinho aos seus amigos, dizia: «Bebam sem es­crúpulo, que é um Porto genuino; foi feito por mim, se­gundo uma formula que me deixou meu pae.»

A zona de Coimbra comprehende uma parte da Bairrada, possue no resto vinhos de consumo e principalmente de óaldeira como os de Leiria.

A região do Dão, de que vamos emfim occupar-nos, de­pois do esboço das tres zonas da Beira, menos considera­das, é indubitavelmente uma das mais interessantes (Testa província.

Surprehende-nos o solo pelo levantado relevo, embora depois nos fatigue pela uniformidade de sua constituição mineral. O granito, composto dc quartzo, feldspatho cinzento e mica negra, porphyroide e grosseiro, é a única rocha que desde Viseu até Oliveira do Hospital, comprehendendo a

bacia do Dão, se offcreco quasi exclusivamente á vista do viajante. Nas areias provenientes da desaggregação d'esta rocha, expandem as videiras as suas raizes.

Gora-se o vinho mais superior da fteira, na margem di­reita do Dão, desde Coimbrões até Parada de Gonta, o qual, todavia, é considerado de consumo no mercado de Viseu.

Predominam entre o Dão e o Mondego os vinhos de fei­toria de primeira qualidade1, e principiam a manifestar-se na freguezia de Senhorim, continuam pela margem direita do rio Mondego, seguem por Villar Sccco, Carvalhal Re­dondo, Santar, Moreira e Aguieira, terminando em Bajós. Na mesma classe se deve ainda incluir o vinho da Lageosa.

Carregal, Lobão e S. Miguel do Outeiro estão consagra­das aos vinhos de feitoria de segunda qualidade.

Villa Nova de Thasen, Thasen, Paranhos e Toiraes fa­zem vinhos palhetes em que predomina o alvarelhão, e pro­duzem os melhores vinhos de consumo. Os mais inferiores

•(Testa classe procedem do Seixo, Travancinha, Casal, La­geosa (freguezia limilrophe), Oliveira do Hospital, Boba-della, Gavinhos, Ervedal e Lagares.

Neila s e Santar representam com propriedade o centro de todo o paíz vinhateiro.

É o tourigo, como precedentemente dissemos, a casta mais vulgar da Beira Alta. Produz vinho bastante encor­pado e com muita casca ou adstringência. É serôdio e ama­durece entre o dia 1 c S de outubro. Ha tres variedades; a touriga, o tourigo de cachos pequenos o o tourigo esté­ril. A riqueza acida e saccharina da variedade cultivada é a seguinte, nas tres povoações em que pude ensaial-a.

Aguiar. Memorias sobre os processos de vinificação; pag. 96 e seguintes. 10-

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Acidos cm i 00 partos Localidade Asnear oí» 100 parto p ^ ^ T v a l e n t o

em aeklo sulfúrico

Santar 22,54 0,914 Nellas 23,54 0,560 Aguieira 20,89.. . . 0,584

Acompanham o íourigo, na producção do vinho tinto, a negra moura, o coração do gallo, a penamacôr, o meiri­nho, o amarai, o alvarelhão ou pilongo, e na do vinho branco figuram o cerceai, o verdea!, o terrantez, o alfrochciro ou doiradinho, a borra mosca, uva cão e o arintho, etc.

A vindima faz-se, com honrosas mas pequenas excepções, pelo modo mais irregular, resentindo-se os vinhos de ha­verem sido preparados com uvas verdes, podres e doen­tes, que fleam 10 e 12 dias em descanço nas domas e la­gares, antes de se proceder á pisa. Não é raro também en­contrar no caminho, orlando a estrada, e â sombra dos pi­nheiros, dornas com uva em maceração, que ali esperam

.uma semana e mais o ultimo cesto que as encha; expostas ao sol e á chuva umas vezes descobertas, outras simples­mente protegidas por um grosseiro esteirão de palha.

0 vinho de embarque, que se destina para o Porto, Lis­boa e Figueira, e é depois vendido no Brasil, fabrica-se de feitoria.

A seguinte descripção do processo adoptado pelo prin-. cipal vinhateiro da provincia1 suppre extensos pormenores a este respeito. Cortam-se as uvas rapidamente, fazendo-so a vindima por mondas que separem os diferentes graus de maturação, e conduzem-se ao lagar sem perda de tempo. Attestado este, o que se effectua em dia e meio a dois dias de trabalho, entram os homens para começarem a pisa, na proporção de um homem por 25 a 30 almudes de mosto, durando esta ordinariamente 5 horas. Depois de sete a

1 0 sr. Saccadura.

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oito horas de descanso, tornam os homens a entrar, ficando do fôra a quarta parto dos lagareiros do primeiro corte, e estendidos em duas linhas, janto aos guarda-vinlios, avan­çam para o centro e recuam d'ahi até o ponto de partida, alçando o pé acima do mosto o empurrando a uva para baixo, de modo que a deixem perfeitamente esmagada. Dura este trabalho, termo médio, doze horas seguidas, ou apenas interrompidas para dar tempo á refeição dos laga­reiros. Concluida a pisa, procede-se, em alguns annos, a um desengacc parcial, feito á mão com ancinhos e gada­nhos.

Depois d'estas operações, pisa e desengace, fica o mosto em fermentação tumultuosa. Feclia-se a casa do lagar, ta-pam-se as frestas, janellas ò fendas das portas para con­servar uma temperatura constante, e o dono do vinho vae para casa com a chave da adega na algibeira. De manhã e á noite observa nos seguintes dias, a marcha da fer­mentação, que cm annos de boa novidade, so prolonga tres a quatre^dias. A cor, o travo, o espirito, reconhecido por meio da tamboladeira, e o ruido da fermentação cada vez mais fraco, são os signaes que costumam indicar a oc-casião de proceder ao envasilhamento; não se esperando nunca pelo descimento da balsa, que deixaria o vinho muito frio e com muita casca. Faz-se o' pé, c o vinho do pé dis-tribue-se pelos toneis com uniformidade.

Este é o processo dos vinhateiros mais adiantados; mas, infelizmente também é o que menos vezes se vê pôr em pratica.

As uvas procedentes de videiras, que, em Santar, por exemplo, ficavam outr'ora cinco annos a monte (I), vêem-sc abandonadas nos balseiros ou lagares doze e mais dias, onde soffrem uma fermentação muito fraca e desegual. A prova para reconhecer ali quando é conveniente deitar abaixo taes vinhos, faz-se da maneira mais pittoresca. Nem á tam­boladeira se recorre. O vinhateiro, consulta o sr. Granito, que tem credito e grande reputação do oenologo dislinclo. Enche uma tigela dc mosto, perflla-se com a parede exte-

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rior da adega e / i s atira-o de encontro a ella, espe­rando cm silencio rjne lhe responda.

0 granito não sc faz rogado, deixa-se tingir mais ou me­nos pelo contacto do vinho, e o vinhateiro tira a conclusão, olhando simplesmente para os crystaes da rocha sabia.

A azedia o o refervimenlo são na Beira Alta, como em quasi todas as comarcas do paiz, as duas doenças predo­minantes e mais frequentes. Quando o vinho volta, dizem que marrou, o por isso ao vinho voltado chamam mar­rado.

É bem escolhido o vocábulo. Vendem os vinhos sobre a mãe, e este costume tem afas­

tado, nos últimos annos, alguns compradores francezes, que chegando ás adegas c vendo-os ainda n'aquelle estado, não se querem arriscar a transportal-os.

Peccam os vinhos da Beira por falta de aroma, embora muitos affirmeni que este defeito esteja compensado pela sua longa duração.

- - «i A Bairrada é lida'como a segunda zona vinhateira de

Portugal, a mais importante depois do Douro; produz vi­nho de consumo c vinho de embarque.

A povoação da Mealhada forma o centro da região, mas além do concelho d'estc nome, outros concorrem eguat-mente para constituil-a; como são ao norte o concelho de Anadia, e no districto de Coimbra, parte do concelho de Cantanhede.

A região dos vinhos de embarque fica no centro c está encravada na região do vinho de consumo, a qual vae de Souzeltas por Ançã para o norte ató Oliveira do Bairro' . Começou a Bairrada a figurar como paiz vinhateiro, desde o principio d'esle século, produzindo os vinhos de embar­que, mui semelhantes aos do Douro, o em alguns casos diiFiccis de differençar.

A Inglaterra, porém, descobriu o segredo para reconhe-

1 Aguiar.-Vid. o-mappa do paiz vinhateiro da Bairrada. iStíC.

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cel-os. Recebendo vinhos portuguezes com o nome de vi­nhos do Douro, observou, quo uns iam sucessivamente me­lhorando e outros decaindo. Eram estes últimos os da Bair­rada, que não vivem mais de 4 a 6 annos, e desde então teve todo o cuidado de evitar, que llie vendessem vinhos da Bairrada por vinhos do Douro. Os vinhos brancos po­rém, apresentam maior duração,

É limitada ao norte a região do vinho tinto de embar­que por Horta, Tamcngos e Aguim; ao nascente pelas po­voações de Grada e Barrou, ao sul pelos logares de Tra-vasso, da freguesia da Vacariça., Lendiosa e Silvã da fre-guezia do Casal Comba; ao poente por Murtede, Escapães c Povoa do Garção.

Occupa a região do vinho branco de embarque, que se acha fora d'estes limites, c ao norte da procedente, toda a margem esquerda do rio Sertema até Ois do Bairro, S. Lourenço e Mogofores.

Os restantes pontos que foram incluidos no traçado ge­ral do paiz vinhateiro, produzem vinhos de consumo, em­bora n'um que n'outro caso se encontrem pequenos reta­lhos de terreno geologicamente eguaes aos da primeira de­marcação.

Esta divisão, que se justifica observando directamente os vinhos, ô egualmente seguida pelos negociantes e prova­dores locaes, vindo ainda militar a favor d'ella a natureza chimica e geológica do solo. Apenas Marmeleira e Souzel-ías constituem uma excepção, porque sendo o terreno ali egual ao do coração da Bairrada, produzem vinho de ter­ceira qualidade.

O solo, em que se criam os vinhos de embarque, com­posto de margas, argüías e calcáreos da parte média e su­perior do terreno liasico, fórma lima depressão, circum-dada ao sul, a oeste e a noroeste pelas arénalas do periodo quaternário e rochas calcáreas e arenosas do período cre­táceo.

Na parte oriental da região do vinho tinto de embarque não tem o terreno a mesma constituição mineral. Encou-

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Iram-se arenatas do período quaternário, afloramoMos do terreno liasico inferior, constituídos por calcáreo, grés ver­melho e branco da época do trias, e pequenas porções do terreno diluvial e alluvial Ao norte continuam as rochas argillo-margosas da parte média do terreno liasico até S. Lourenço e Mogofores. ele.

O solo em que se gera o vinho de consumo, apresenta variada constituição mineral e pertence a diversas épocas geológicas.

Nas terras já cultivadas plantam o bacello de covacho, e nas outras pelo methodo das surribas ou mantas. Ao quarto anno deixam o bacello á vara, semeando-milho no pri­meiro ê segundo anno da bacellada, o qual se tornou com­panheiro inseparável da cepa em quasi Iodas as comarcas do paiz.

Usam uma única poda, que já conhecemos de outras re­giões, mas que ali se designa com differente nome, por­que se chama de talicão ou corneto. Também se costuma deixar no corpo da cepa um pollegar, que serve para in-direital-a e conserval-a rasteira. Antes da poda arejam as raizes com uma escava.

A empa faz-se por um único methodo que se nomeia de chouriça. Geme-se a vara, dando-se-lhe uma volta o assim fica armada em arco. A cava é a monte, o mais tardar até fim de maio, e a redra depois d'esta época. Mergulham as cepas para reproduzil-as e povoar os largos, e enxertam algumas vezes, havendo-so empregado a enxertia para con­verter cepas finas em ordinárias, que não sejam atacadas pelo oidium.

A Bairrada, como já referi, tem como a Beira Alta uma casta predilecta. É a baga, refractaria ao oidium o a todas as influencias atmosphericas.

A baga, porém, 6 uma casta de qualidade inferior. Po­dia tirar-se d'ella mais algum partido, se fosse vindimada no tarde, mas, como isto não succeda, quasi sempre entra para o lagar sem estar bem madura. Se o amor do vinha­teiro continuar como até aqui, por esta cepa, nSo está longe

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a época cm que os vinhos da Bairrada se façam de uma casta só. Notamos pela primeira vez a tendencia para dimi­nuir o numero das qualidades de uva, mas é preciso accres-centar, que não foi só isto o que aconselhei. As castas de­vem de ser cm pequeno numero, mas os vinhos não podem em geral compor-se de uma casta única, porque poucas es­tão no caso de produzir vinhos completos. A baga, de mais a mais, amadurando tarde e sondo colhida cedo, não pôde de modo nenhum figurar sosiuha nos mostos. É pouco sac-charina também, contendo 17 a 18 por 100 de assucar e bastantes ácidos1.

Além da baga cultiva a Bairrada, em pequena escala, as seguintes uvas; castellao, moreto, xará, trincadeira, bas­tardo, cidreirinha, souzão e tinturão; boal de Santarém, rabo de ovelha, alvadorão, escabellado, arintho, mourisco, esganacão, Feniam Vivos branco e roxo, boal roxo, D. Branca, moscatel de Jesus, branco, cachudo, preto e pó de perdiz. As duas primeiras são as que entram mais ve­zes com a baga na composição do vinho tinto.

Ha annos, não se fazia a vindima antes do S. Miguel; nos últimos, porém, Lem-se visto começar em agosto. Como a maioria das uvas ivcsta sub-região não amadureça an­tes de 15 de setembro, a camará municipal querendo op-por-so ás vindimas prematuras, resuscitou do passado uma especie de pregão de vindima, reunindo os principaes pro­prietários da localidade, para estes marcarem o dia em que deva fazer-se, sob a presidencia do administrador do con­celho. Estes cuidados, ao iniciar da tarefa, não evitam com-íudo que seja defeituosa a vinificação.

Em alguns sitios, a pisa começa ainda na vinha, e con­tinúa nos balseiros de curíimenta. Salta o lagareiro para dentro das dornas, e corta a uva á enxada. Os carros que as transportam ao lagar, poem-se em movimento, e o ho­mem vem pelo caminho pisando as uvas, e andando de roda como se tivera um fulcro nos pés e obedecesse a um re-

i 0,629—calculados em 100 partes, como acido sulfúrico.

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gistro. Dentro da adega, são as uvas passadas para outra dorna maior ou balseiro, em que o mosto vae crescendo O lagareiro, que descalçara os sapatos ao sair da vinha, e arregaçara as calças quando entrou na adega, vè-se na ne­cessidade de as tirar. O mosto, porém, crescendo sempre, não se contenta com isso e aiaga-lhe o collete. Então o ho­mem reflecte, e despe-o também. Alguns minutos depois apresenta-se o mosto com uma nova exigencia. Ensopa a camisa, o lagareiro zanga-se e deita-a fora pela cabeça. Despida a camisa apparece vestido de nú. Sobrevem o pudor e para não desafiar os olhares dos companheiros, esconde-se no mosto, deixando*apenas a cabeça de fóra.

Tal qual o acrobata do circo no exercicio das quatro na­ções, com a dilíerença unicamente que tem por cavado um balseiro.

Chega a hora do descanço, cada um toma logar. O laga­reiro emerge do mosto, salta para o chão, veste-se, tendo o cuidado de se não limpar, assenta-se sobro uma pedra, tira do cabaz a tigela com a cavalla e batatas, mais o com­petente pão de milho ou centeio e janta com apetite e sereni­dade tal, que nem um miliionario lhe ganha no Café Inglcz ou á meza do Tortoni. Concluida a refeição, volta a desem­penhar no balseiro o sympathico papel de nympha, a des­peito do sexo lh'o não dever consentir.

Nada d'isto, senhores, tem inconvenientes, porque o vi­nho quando ferve deita tudo fóra! 1 Este tudo, entenda-se bem, è a falta do aceio, que nós descobrimos ser insolúvel no mosto.

Também se pisa a uva nos lagares de bica aberta, pas-sando-se o mosto, bagulho e engaço para dentro dos bal-seiros. Ás vinte e quatro horas já a fermentação é enérgica, e se o for, põem-se a cada balseiro dois homens para agi­tar o mosto e afundar a balsa, succedendo ás vezes, n'este ultimo serviço, o que vimos succeder na pisa. Rompida a balsa, atravessam uma taboa sobre a boca do balseiro, e com os pés e rodos de madeira revolvem-n'a perfeitamente, conservando-a mergulhada por algum tempo. Uepete-se este

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Inibalho tros vezos ao dia, e dura de ordinario quatro diaâ, Milão easaia-se a còr e o travo, e em a balsa começando a cair, envasillia-se o mosto. Fazem o pé e aguardentam na cama.

A aguardente, como vamos observar, tem um papel im­portante na preparação dos vinhos de embarque» e o peor ó que muitas vezes, como notámos em outra conferencia, não só procede de uma origem que ao vinho repugna por ser impropria, senão também se apresenta acida.

—«A aguardente está azeda, dizia eu uma vez a um i l -lustrado proprietário d'aquelle sitio, em casa do quem fôra passar umas ferias. Mas nada mais fácil do que purificaí-a. Antes de proceder á disiillação do vinho, deixetn-n'o ficar sobre cal uma noite ao menos para lhe comer o acido.

Estávamos tres, e o terceiro era o operario da caldeira. —«Ouves, Catharino, ouves o que este senhor diz. Dei-

ta-lhc cal, e nós vollaremos ámanhã para ver o effeito do remedio.

Voltámos. O dono da adega foi buscar-me a aguardente. Provou-a cheio de curiosidade, estendeu o braço com elía para que eu a provasse também, e com um sorriso mali­cioso acerescentou:

—«boa receita, meu caro amigo, bella receita na reali­dade; cá está a sua aguardente tão azeda como a de hontem.

Fiquei enfadado, confesso. Não podia persuadir-me, que na Bairrada, a cal tivesse perdido a propriedade de satu­rar os ácidos, e limitei-ine a observar, que não haviam em­pregado porção sufficiente.

—Ó Catharino?! Que porção de cal deitaste no vinho? —Saberá v. s.a que não lhe botei nenhuma, isso nunca

se cá fez, e eu não quero que o meu patrão envenene a aguardente. E escusa de teimar commigo, porque é mais fácil sair eu da sua casa, do que pôr em pratica semelhante feitiço.

Com esta resposta fui eu que me fiquei a r i r , tendo de in­terceder pelo laponio, que tão mal cumprira as ordens de seu patrão.

306_ Escuso de -tirar a moralidade do conto. Os vinhateiros

que o appliquem. Os vinhos, no acto de serem envasilhados, levam dois

almudes de aguárdente por pipa, correndo por conta do comprador o tratamento subsequente dos que são destina­dos para embarque. Ao sair da mão do vinhateiro, recebo cada pipa um almude de aguardente, e tendo em vista o gosto do mercado, um ou dois almudes de geropiga. Cla­rificarse com albumina de ovo, e algum tempo depois, torna a animar-se com meio almude de aguardente.

Se acontece ser exportado no primeiro anno, ajuda-se para a viagem com mais meio almude; se fica para o anno seguinte tempera-se com um almude, deitado aos poucos, quasi sempre de tres em tres mezes.

O vinho branco que se costuma fazer de bica aberta ou de bica tapada, com fermentação de 24 horas no lagar, ainda precisa de mais álcool que o tinto, e nunca é ex-

' portado sem duas collagens pelo monos. Houve época em que também se fez uso da baga do sa­

bugueiro para tempero dos vinhos, deixando-se dentro d'el-les, de um dia para o outro, mettida em saceos.

Actualmente o mais que praticam ô arrobar os mostos nos annos de má colheita.

Pôde ser o arrobe de duas especies: simples e composto. O mosto concentrado pela acção do calor fórma o primeiro. O segundo faz-se com assucar, marmellos, maçãs, peros o outras fructas cozidas no vinho.

 geropiga e o abafado, sem os quaes a Bairrada nunca teria mudado o seu nome em Douro, podem ser tintos o brancos.

A geropiga branca obtem-se de bica aberta, juntando ao mosto a sua quinta parte de aguardente. Tem sempre al­guma fermentação, que dura uma semana ou pouco mais. A geropiga tinta é também obtida de bica aberta. O Vinho abafado tinto alcança-se pelo mesmo systema, o que difiere é a-dose de aguardente, que ó a quarta parle do volume do mosto.

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Na verdade, depois do que me ouvistes agora, já é pre­ciso ser grande calumniador para ter a audacia de dizer em publico, que se tornou a aguardente a paixão dos vi­nhateiros e a chave dos seus processos de fabrico.

Não andará em tudo isto senão álcool natural? Seriam as condições geológicas e climatéricas, como se diz quando não ha que dizer, que acerescentaram ao vinho os succes-sivos refrescos que enchem almudes? Um vinho que bebe mais álcool do que a uva lhe deu, poderá com justiça es-conder-sc atraz do clima para se chamar natural? Que cli­ma é este que embriaga os vinhos e que nem assim os con­serva?

A força alcoólica natural dos vinhos da Bairrada não ex­cede de 14 por iOO, nos melhores annos; mas os vinhos que se exportam apresentam todas as forças para satisfa­zer o clima

Eu o que creio é que ninguém reparou ainda de animo sereno nas differentes operações porque elles passam. Quer-mo parecer quo o vinhateiro, como o perdulario, que dis­põe de grandes riquezas e não conhece o valor do dinheiro, gasta, gasta e vae gastando os seus haveres sem pensar que se arruina.

De que serve carregar o vinho de principios inúteis no começo do seu preparo, e i r ürar-lh'os depois por meio do álcool, com o pretexto de que não ha outro modo do con­servai-o?

Ainda duvidareis de que as nossas comarcas só busquem aproximar-se dos processos do Douro? Continuareis a tei­mar, que é a riqueza saccharína das uvas, que determina todas estas combinações?

De balde o sustentareis, porque qualquer que entenda o que é vinho, em conhecendo os vossos processos, ficará convencido de que o não sabeis fabricar.

O vinho natural da Bairrada, pela longa curtimenta que lhe dão, pisa demorada e natureza das castas, pôde, sem olíensa, julgar-se um vinho impotavel nos primeiros annos.

É a que os allemães chamariam vinho de tres homens.

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Um para beber o dois para segurar. Só assim não fugirá o bebedor. Essencialmente composto de baga, uva ordina­ria que raras vezes chega a ficar madura, na época om que se procede à vindima, representa, comludo, este vinho perante o orgulho naciorrcl, o emulo feliz do Tforgonlia, que é feito de uva pinot, uma das castas mais preciosas e apu­radas de França.

Que semelhança podereis encontrar entre o mármore la­vrado pelo cinzel do esculptor c a pedra tosca que sc ar­rancou da pedreira?

O vosso vinho é a pedra, e se desejaes que elle seja ou­tra coisa aprendei a arte primeiro. Quereis imitar o Bor­gonha? Tomaa por modelo os seus mestres.

Dizer a sangue frio que um vinho negro como as azas de um bezoiro, denso como a fibrina coagulada, quasi sem nenhum flavor e de mais a mais com pouca vida, pertence á familia illustre do Romanee Conti, é fazer á pressa um visconde.

A falta de gosto, o orgulho mal entendido, o curto ho­rizonte da nossa sociedade, e como elemento superior a tudo—a ignorancia do que se passa no mundo, inconscien­temente nos levam ás mais tristes comparações. Para os que vivem felizes nas trevas do espirito, o quadro typíco do amor enganando a innocencia, producto laborioso dc al­gum artista de taboleta, onde se veja o amor com grandes azas cor de oiro e bochechas de zarcão no instante em que seduz, a innocencia, cuja musculatura parece a photographia de um moço de fretes, rivalisa com as obras de Fortuni, com os quadros de Courbet, a Salomé de Regnault, a Ve­nus de Milo, as galerias do Louvre! E em musica, a valsa desafinada da philarmoníca das romarias deixa a perder de vista os rasgos musicaes de Meyerbeer,"a simplicidade elegante de Haydn, e o pensamento arrojado de Wagner.

—«De quem nos falla o senhor? —«De Beethowen. ^ í O r a essa! deixe-nos pelo amor de Deus. Musica clás­

sica, não queremos adormecer...

_3(m

Sfim que saiba adivinhar até onde o progresso exaltará no futuro a Bairrada, tenho obrigação de dizer-vos hoje, quo olla se não parece nem de longe com a Borgonha.

Lá fora apuram-se as castas, aqui trocamol-as pelas mais ordinarias, embora estejaes constantemente a afQrmar que fazeis o contrario. Depois do oidium principalmente, não contentes de preparardes mau vinho, redobrastes de in­sensatez, abandonando á doença as melhores cepas: Os próprios epithetos, que lhes concedestes, faz ver que não procuraos senão abundancia. É assim que n'uma região propagastes a tinta miúda, porque se desfaz em mosto como os vespeiros em zangãos; n'outra o tintureiro, que enche a dorna de cachos e o tonel de còr; aqui o almafego, que se envergonha de vir ao mundo sem uvas; ali o car-rega-besta, que ajouja a azemola com fructos. E comtudo isso a vossa producção media ainda não attingiu em muitos casos a producção regular de algumas castas finas dos ou­tros paizes.

Continuae, conlinnae por este caminho, que eu ou outro mais tarde vos virá então dizer, que nem já uvas tendes com que possaes preparar vinho bom.

Assim como vós fazeis deshumanamente a guerra aos passarinhos, que, em troca dc alguns bagos de trigo, vos destroem milhares de insectos que devastam as cearas; as­sim como vós tendes a ferocidade de espetar vivo em uma cana, o obeso sapo, que os agricultores estrangeiros com­pram com empenho para se defenderem dos inimigos das plantas úteis, e a cujo olhar límpido e sereno, cheio de ternura e sympathia por nós, attribuís a extravagancia de gallar as aves, imaginando que elle seja o burlesco D. João das capoeiras: assim também aniquilaes, destruis, dissi-paes uma infinidade de fructos da maior belleza e primor. E tudo para quê? Para ficardes talvez sósinhos na terra, su­jeitos a todos os flagellos que dimanam da vossa loucura e imprevidencia!

Vão lá ser pássaro, sapo ou frneto sem peco n'este paiz para correr tantos perigos t

8.a CONFERENCIA

E M S3 IDE SETEHVEBIRO IDE 1875

No salão nobre do thcatro da Tnodade

S U M M A R I O

0 eceo.—-Voz « pensamento do ecco.—Zombarias Uo ccco, que dc si mcsmc se r i .— O ccco vac para os jomaos e chega também aos ouvidos do publico.

Tai e o marulho do ccco, que obriga o conferente a quebrar um pro-lesto.—Quando menos se espera, apparece um livro que deixa o ecco sem voa.— O ecco nSo ecef-a, faz reclame em seu beneficio.— Goncede-se razSo ao ecco o nega-se tudo que cllc não diga, para que possa vender rnelhor o seu peixe— De como se atmulla o ccco com mu copo de violto.— Ponto fi­nal na questão, apesar das ameaças do ecoo.— Fica incumbido o sUcuciode lhe responder para o futuro.

A Bairrada ainda.—0 unho branco d'esta circumscripçao e os annos que. vive.— Policia rural nem sombras, e pregão de vindima ás vezes.— Dçsco-brem-se Eres novos inimigos da vinha, que os auclores imo citam nos trata­dos especiaes.— Silvério dá um tiro no lio, tem de o acompanhar a casa D deixa roubar as uvas.— De um lance triste faoilmente se passa para ou­tro que o seja lambem.—Lula do lagareiro com o invisível.—A pesca mi-jaculosa do pé no fundo do balseiro.— A seena começa a rir e acaba a cho­rar.— Quanto mais carecemos da associação, tanlo mais parece que nos afas­tamos d'olla.— Ü espirito de sociabilidade nüo se aproveita senSo para fes­tejar algum santo ou deitar foguetes.—A força alcoólica de alguns vinhos beir3es, u'uin abrir e fechar de olhos.—Um novo gosto,— o gosto a fetos.

Ü Minho e o vinho verde.— De como lia quem se persuada que para bebcl-o se precisa ser arlequim.—r Londres conhece por experiencia propria que o vinho verde nunca o foi, attribuindo este nome a ter de fazer-se verde quem

• o prova pela primeira vez.—Preço e mercado do vinho verde.— Influencia do o'ídium e da molestia dos castanheiros na diminuição da sua colheita. Pobreza e riqueza das uvas do Minho.— Sobe de ponió o valor ao vinho, quando seja picão.— Dados eslolisttcos colhidos em Lomjres.—Kesislencia do vinho verde á fervura.— Idea da viticultura do Minho.— Castas de uvas mais conhecidas e processos de vinificação.— Levanta o conferente a cen­sura, por meio-de exemplos, de que está fazendo crítica sem apontar o re­medio.— Fica provado que os (enólogos porluguezes, em cujo numero nao entra ó conferente, porque não tem preterição a sel-o, devem estar fatigados de ninguém os ouvir.— Queixas sem fundamento e novo fundamento para a critica se tornar severa.—Em que circumstancias os nossos compatriotas costumam tomar resoluções acertadas.—A bibliolheca dos vinhos tem os li­vros aos ratos, e ninguém se importa que a traça os devore.—Antevè-se a necessidade de entrar em ajuste com o almocreve para que reduza a sua experiencia a compendio. — Qual tí o valor do lheorico. — LiçSo aos prá­ticos.

Meus senhoresl-^-0 ecco não conduz somente a minha voz á porta dos vinhateiros. Traz-me egualmente a casa,

CONF. P. I. 20

m _

quando não é o correio com a carta anonyma ou o distri­buidor dos jornaes, o protesto e a mofa; — sempre a cen­sura e a gargalhada! Mas como eu nunca fui orgulhoso nem tenho amor próprio, perde o ecco o seu tempo. Por um ouvido me entra e pelo outro me sae sem demora tudo o que me diz o ecco.

Escutemos, comtudo, algumas das amabilidaclcs do ecco. —«Sempre te queria ver a braços, no interior de uma

adega, com vinte pipas de mosto, meu doutor, para ob­servar se terias a mesma arrogancia.

E atreve-se o ecco a fallar-me em vinte pipas de vinho, como se me encommendara a trisecção do angulo, a direc­ção dos balões ou o movimento continuo.

—«O José" da Vicencia, taberneiro insigne, a quem nas­ceram os dentes no copo, vocifera o ecco, sem duvida a primeira boca do universo, sabe provar os vinhos melhor do que tu, e entendo então d'elles mais que todos os theo-ricos juntos.

Como se eu não estivesse também de accordo a este res­peito, depois do que disse, haverá quinze dias, aqui mes­mo, ácerca do consumidor. Quem toma o aguadeiro por diapasão do seu paladar, não me admira que invoque a auctoridade do José da Vicencia, e o prefira para seu ora-cuto.

Menos satyrico e folgazão ás vezes, o ecco repete-me com o desespero dos allucinados, que visto eu affirmar uma coisa, por isso mesmo se ha de fazer o contrario. Dei-xai-o fazer! Ninguém lhe pega que faça, pois não è a mim que o prejuizo fere, se o vinho dá volta na adega ou passa á caldeira por lhe faltar comprador.

O ecco do vinhateiro accusa o negociante, lançando a este as culpas da alteração do seu producto; o ecco do commerciante desculpa-se com o consumidor. Só este por emquanto ê que não tem ecco; mas é provável, que se chegar a tel-o, me poupe então a mim e os accuse a am­bos.

O ecco não quer ainda acreditar, que eu esteja censu-

313

rando os vinhos; porque não estraguei até hoje bastantes adegas, que me dêem voto auctorisado em questão tão dif-ficih

Tem razão o ecco.—Àpparece uma machina que requer exame. Vem o engenheiro fazer-lh'o e encontra as válvulas defeituosas.

—«Aht diz o ecco da nossa terra, quem te deu a ti o direito de criticar as válvulas, se tu não és serralheiro nem fundidor. Vão chamar o perito que as executou tão mal, porque só elle saherá dar as razoes de as ter feito assim.

O modo é este, de tornar o exame deveras conscien­cioso í

O ecco teima que tudo se faz pelo melhor processo, & que ha muito tempo chegámos ao maior requinte de per­feição; mas por causa das duvidas, quer lançar sobre mim o descrédito dos nossos vinhos, como se fòra possível des­acreditar o que ê bom, ou as palavras de um ignorante nunca jamais terem ecco!

0 ecco não quer também que se diga, que o vinho ape­sar de valente, enjoa no mar e trinca na vasilha quando está em terra, se não cae á nascença no recipiente do es­tomago.

O ecco pensa que a minha iníelligencia, que o meu tra­balho,— o meu tempo e a minha palavra—são propriedade d'elle, e que estou obrigado, alem de indicar os meios de se obter melhor vinho, a fazer-lh'o de graça em qualquer adega, que me seja indicada., como o tocador de harpa ou de realejo que percorre as aldeias, vulgarisando operas.

¿Para que lhe paga o governo?!—pergunta o ecco a si mesmo.

Como ficava o ecco contente, sei eu I Era que lhe fabri­cassem o vinho e lh'o mandassem vender pelo dobro ao estrangeiro. Aposto que recebia o augmento sem dizer obri­gado. Assim contentava-se o ecco, se o vinho fôra como as inscripções que rendem juros, não dão trabalho, nem pagam decima!

20.

314

O ecco está costumado a minguar as colheitas e a fin-gir-sc pobre para fugir aos impostos, e por isso quer ver se o governo nomeia, quem lhe governe a casa, julgando ser dispensado por este feitio de pagar aos servos!

Segundo as leis da acústica não pôde o ecco ouvir-se a qualquer distancia, aliás ha muito que nós loriamos levan­tado a luva que os pampheleteiros de Londres nos arre­messaram ás faces, quando chamam veneno ao nosso vi­nho, sem razão para o fazerem. Mas o ecco o que quer é que o deixem tranquillo, porque nem de tempo dispõe para )er a folhinha. Contra estes aleives não se dama!

O ecco não vê mais longe que a sua adega, e por isso, coitado f está convencido que não precisa mexer-se. «É im­possível, diz elle a si próprio, que o paladar de Londres se não encontre na boca do meu José da Vicencía.»

Accusa-me o ecco por lhe ter affeiçfio. O ecco ri-se, o ecco folga, o ecco promette não ter emenda. Mas o ecco repete o que a voz lhe dita, e por tanto eu quero também fazer ecco, que vá ao encontro da voz que me falia: «— Zomba de mim á tua vontade e dá-me o epilheto que me­lhor te pareça. Mais tardo, voz, se todos vivermos, eu te­rei o gostinho de ver que emmudeces. Não sei quem será, mas alguém ha de vir que te corte a língua.»

Mas. . . basta de ecco e vamos ao caso. Senhores 1—Ha quatro días que me vejo n'uma situação

melindrosa. Apenas saio á rua toda a gente que encontro, olha para mim de uma maneira singular, o os meus ami­gos,—os meus próprios amigos, ainda antes de me esten­derem a mão, já me perguntam se l i as correspondencias do ecco e que tenciono responder áquillo!

Ha na physionomia dos que me cercam certo ar enfiado, que de balde disfarçam. A dôr verdadeira não se pôde en­cobrir nas feições.

—«Já lès-te? perguntava-me hontem á tarde na rua do Oiro, uma voz que saía do americano, quando eu esperava que elle passasse para atravessar a rua.

_315_

— a Já H o quê? I balbuciei machinalmente, ainda an les de ver quem era a pessoa que me dirigia a pergunta.

—«Pois não sabes?!! e n'esse momenlo descubro um amigo de tu, que se debruçava para mim, n'uma das pe-quenas janellas do elegante vehículo.

—«Não sei, não. Despacha-te... —«Lè o jornal d e . . . e não terminou. O apito do ame­

ricano lhe abafou a voz, o em vez do nome do jornal, por que eu esperava, veiu uma nuvem de poeira fechar-me os olhos.

—«Ahí pobre rapaz! oiço dizer a meu lado. D'esta feita ficas desacreditado para sempre. O que has de tu respon­der áquillo?

A terra e a areia não me deixaram ver quem fallava. Limpei os olhos á pressa, puz rapidamente a luneta, mas onde iria já a pessoa que proferira a phrase:—O que has de tu responder áquillo?

Sempre este ultimo vocábulo! Oh! dôr! Continuo a»descer a rua e encontro-me distraidamente

junto á casa de um velho amigo, meu companheiro de col-legio, acérrimo leitor de jornaes e que passa a vida a de­vorar noticias. Occorre-me ir visital-o para me informar do que se está passando. Subo a escada e bato á porta. A criada vem abrir-m'a, o começo logo por investigar-lhe as feições, a fim de certificar-me, se já teria ouvido a seu amo, n'aquelle dia, alguma coisa que me dissesse respeito. Baldado empenho! A criada nem sequer olhou para mim; tinha os olhos pregados n'um policia que ia subindo para o segundo andar.

Conheço os cantos á casa e não espero que me condu­zam. Atravesso o corredor e aí> fundo sem mais ceremonia, levanto um reposteiro e assomo á sala de jantar. O meu amigo está á meza e está só ; mas não me vê, porque fica de costas voltadas para a porta. Segura na mão esquerda um jornal e tem diante de si um copo de vinho e uma gar­rafa com o nome de Torres. Por cada periodo que lè, bebe um gole. Ao passar na boca, o vinho obriga-o a exclamar:

316 A modo que está azedo? No entanto a sensação é rápida e desapparece com a leitura. Acima do paladar está o seu jor­nal que lhe diz o contrario. Julga mais çommodo regular-se antes pela lettra redonda. É este o seu vicio.

Ha muitos annos que os periódicos foram incumbidos de reflectir por elle. Quando os não lê, não tem opinião—não pensa. Ouvil-o ê passar a vista sobre o ultimo jornal que leu. A sua preocupação é completa, e não se pôde sabo­rear com mais gosto o melhor trecho de Garrett. Quasi a tocar-lhe no braço para me fazer annunciar, suspendo o mo­vimento e deito a luneta para o jornal. Leio o nome d'este e por effeito de uma resolução súbita, saio para o corre­dor, e encaminho-me para a porta; deixando então a criada de boca aberta por me ter visto entrar e sair sem fallar ao amo. No ultimo degrau da escada sinto, que alguém brada pelo meu nome. Era elle que do patamar gritava por mim. Responderam os senhores? Assim lhe respondi eu. Alguns minutos bastaram para deixar inteiramente de lhe ouvir a voz.

D'ali vou n'um pulo á Aurea Peninsular, sento-me n'uma das mezas e peço um café, para não seguir inteiramente o exemplo dos que só buscam nos botequins agua para beber, jornaes para leitura, luz para o charuto, palito ainda em cima, e quem lhes dè tudo isto de graça. O criado que me conhecia, trouxe-me com a bandeja do café, um jornal; o mesmo que eu lhe devia pedir, e permittindo a si mesmo a familiaridade e indiscrição que os nossos criados usam com todas as pessoas, accrescentou a sorrir-se:

—«Vem hoje ahi um artigo que lhe diz respeito. Li-o logo pela manhâsinha, depois de varrer a.loja!

Escapou de boa o tal artigo! Reflecti eu. Se dá com ou­tro servo menos cuidadoso, lá o teria perdido no barril do lixo.

Em um relance corri pelos olhos a ultima correspon­dencia acerca -das minhas conferencias,—o grande ariete do diaj que deixára tanta impressão nas pessoas que me estimam; e perdoem-me essas pessoas que Ih'o diga aqui.

317 em consequência de não estarem os seus conhecimentos v i ­nícolas á mesma altura que a amisade d'ellas por mim.

0 dia,.porém, não estava terminado ainda. Em casa, em minha propria casa, a minha familia já lêra a correspon­dencia que o attencioso correio ali lhe levara pouco depois de eu sair, cuidadosamente embrulhada n'nma cinta, e com lettra desconhecida no sobrescripto. As senhoras, cujo es­pirito é sempre mais fraco e timorato que o nosso, pare-ceram-me commovidas. Pediram-me, apenas entrei, para que não viesse hoje aqui fazer esta conferencia. E sobre­tudo estavam deveras surprehendidas, que eu não passasse uma grande parte da minha mocidade na região vinicola de Torres Vedras, onde nos tinhamos conhecido todos desde a infancia; que n'esta região não houvesse outra terra de vinho senão o logar do Turcifal, nem outro vinho senão o do ecco; que meus parentes não fossem ha mais de duas gerações dos maiores proprietários d'aquella circumscri-pçao vinicola; que nunca eu tivesse visto nem observado o escaldão. Isto sobretudo fizera impacientar minha santa mãe, que se lembrava, já em pequeno, de me ter levado pela mão ás adegas para eu tomar banhos de mosto, annos a fio.

Emfim eram tantas as duvidas na minha familia, que eu despi a sobrecasaca, e arregacei a carniza para me certifi­car se não estaria aleijado por causa das vindimas dos la­vradores, ha nove annos, feitos exactamente n'este dia!

Este exame sensibihsou-me bastante. Já não podia haver engano vendo o meu braço que ainda hoje se não move. Ferido para sempre onde não ha guerras e n'uma indus­tria que representa a pãzt

Vale a pena arriscar á vida para m'o pagarem com chu­fas! 1

Pois nada d'isto é verdade,—porque nada pôde ser: ver­dadeiro sem licença do ecco. Eu já não estou onde todos me Vêem! Eis o maior milagre que elle nós podia fazer!

318 Prometiera n'estas prelecções a mim próprio, desde que

me vein á idéa fazel-as, não seguir o rasto dos que venham á bana para se defenderem. Quem opta pela offensiva não pôde cair nesse erro.

Hoje, porém, admitto uma pequena excepção, não tanto para responder á correspondencia que eu l i na Aurea, na parte em que ella o merece, como pelo interesse que tenlio em divulgal-a bastante perante uma assembléa, cuja illustra-ção é sufíiciente garantia para minha defeza; e a cuja pene­tração e bom senso eu não quero fazer a minima offensa com explicações pueris.

A correspondencia do ecco foi, primeiramente publicada no PaiZi mas vein hoje, quinta feira, dia em que eu re­cebo as minhas visitas no salão da Trindade, reproduzida na primeira pagina do Jornal do Cominercio.

Assalta-me um vago presentimento, que fôra intenção do ecco enlutar por momentos a jovial cordealidade que sempre tem presidido ás festas dos meus convidados. Quem o adivinhara mais cedo, que teria mandado reproduzir a sua obra para vol-a dar gratuitamente agora, com as hon­ras de cartaz-annuncio ou em guiza de argumento de appa-ratosa dança, que se espalha pelo publico antes do panno su­bir. Quanto a t r is tezas—não as ha aqui. Nunca o remorso me pungiu a alma. Eu sou o que sou, e creio que todos me conhecem.

Peço perdão da phrase. Não é arrogancia, senhores I É offerecer-me ao julgamento e pedir justiçai

Disse n'outra pecasião, e n'este ponto não me convém nem uma vez abrir exemplo, que nunca o nome de qual­quer pessoa seria proferido n'esta sala, senão para se lhe tecer elogio. Hoje venho prometíer-vos mais, porque não deixarei sair dos labios os nomes dos que me offeudem, para lhes ser menos desagradável na réplica. Podia fazer o contrario porque elles os declaram com certa ufania, pen­sando molestar-me com isso; mas não serei eu tão insen-sato^que ao facto digno de maior louvor, deixe de corres­ponder com a maxima generosidade.

O homem bem educado, quando escreve, não esconde o nome nem lira o lenço do collarinho, porque assim im­prime dobrada força aos seus pensamentos. O homem de bem, quando responde, esquece tudo que não seja a sua honra; embora os seus adversarios, e graças a Deus não se dá agora esse caso. não tenham delicadeza nem vir­tude.

Passemos ao incidente. Á queixa vaga e plangente, que sulca os ares da vinha

nas aldeias, e como que chama ás armas contra mim as hostes pacificas dos camponezes, veiu substituirse mais accentuado e definido o brado vi r i l , quiçá patriótico e per­suasivo do ecco, que finalmente encontrou as condições acústicas da sua existencia. É uma voz vibrante e clara, que sobresae ao rumorejar indeciso e vago do coro, e que pronuncia syllaba por syllaba, lettra por lettra todas as pa­lavras e todas as lettras do tremendo anathema.

Permilta-se-me a allegoria. Não abusarei dos t ropos . . . Campo não haverá abaixo dos potentes membros que sus­tentam o ingente corpo de que parte a voz, para passar a celebrada frota, que foi outr'ora com os portuguezes em demanda dos mares das índias; mas, é tal a grandeza do gesto e a semelhança do vulto, que todos pensam já ver deante de si em pessoa o Adamastor das adegas. Despren-de-sc-lhe porém dos labios a voz terrífica, e então se co­nhece que melhor lhe fora o estar callado. O encanto foge com a falia. Todos se desenganam, que não é o heroe que primeiro se phantasiara—a cabeça invisível ou celebrado chefe de um areópago que levanta templos ás conquistas do futuro e os abate hoje por causa do presente. É antigo como o mundo o seu pensamento, e nada tem de revolucionaria nem de perigosa a sua palavra para a sociedade. Em vez de petróleo, agua frial

A Virgem seja comnoscol O inquisidor mór das Hespa-nhas não seria de certo mais vehemente em defender a fo­gueira, do que o foi agora o ecco a patrocinar o escaldão. Quando tudo nos fizera crer que-o vinho derribara a for-

320 'iialha, vem o ecco provar-nos que elle não pôde passar sem auto de fé! -

Auto de fé,—que prudencia! Aos homens a liberdade sem limites, ás uvas um tacho de cobre e um mólho do vides a arder t . . .

As coisas devem de ser vistas por todas as faces e para tanto não chegam os olhos com que nascemos, nem os ócu­los de ver ao longe que os homens fizeram. Requerem-se olhos postiços que vejam para todas as bandas, com a rota­ção de pharoes, e que a tempo nos saibam mostrar o que mais conta nos faça.

A vida é toda de trevas para os que não teem tanta vista!

Faltam-me olhos d'aquelles, confesso; por isso não vejo t udo . . .

Começa a tempestade a bramir. A nuvem entrou na sala e pretende envolver-me. É esta t (mostra o jornal). E atraz d'ella vem outras.

Silencio, agora, senhores!—Já não é eccoí Misericordia! É t r o v ã o . . .

«Começou o sr. Aguiar por dizer que as uvas de Torres Vedras dosam entre 21 e 23 por iOO de assucar. A este ponto os chimicos que respondam a s. ex.a

. «Aqui é que o sabio chimico nos pôde di'zer o que qui-zer. Esse doseamento deriva sem duvida das analyses e descobertas effectuadas nos laboratorios que s. ex.a dirige. D'issO nada entendemos.» . Depois se verá que o não confessou por modestia, quei­ram acreditar-me; como se poderia suppor por este rasgo de aparente sinceridade.

«Mas accrescenta, que os vinhos não podem ter (natu­ralmente, já se vê) senão uma força alcoólica de 9 a 10,7 centesimaes, o que julgamos inexacto. Os vinhos de Tor­res Vedras são o que vemos que o sr. Aguiar ignora, mais fortes de si que os vinhos verdes do Minho. A média da

força genuína dos vinhos de Torres è de 13 a 15° oente-simaes.

«Supponhamos, porém, que fosse de 9 a 10,7, como s. ex.a affiança. N'essc caso, perdoe-nos a theoria (sic) chi-mica que s. ex.a possue, 12 canadas dè aguardente por pipa não levantariam o vinho, como s. ex.a disse a 14 ou 15, mas apenas a 11,6 ou 13,3. Eis um facto da minha pratica e da pratica de todos que teem temperado vinhos com aguardente.

«É evidente que eu não posso suppor que s. ex.a ignore que em Torres Vedras, a aguardente que se usa tem 30° de Cartier, que as pipas torreanas teem 27 almudes e que

* por tanto 12 canadas d'aquella só podem augmentar cada uma d'estas em 2,6 por 100.

«É porém completamente falso que a maioria dos lavra­dores de Torres Vedras- deite 12 canadas de aguardente em cada pipa de vinho, nem 4 chegam a deitar, o que bem prova o preço porque se vende o vinho.»

Lamento deveras estas phrases, que unicamente podem ferir os brios scientificos de um illustre professor, tantas vezes por mim citado com respeito, e cuja reputação se acha felizmente ao abrigo de qualquer censura de levian­dade. E duplamente lamento o facto, porque estou persua­dido que não fòra intenção do eeco oífendel-o a elle.

0 projéctil, por fraco exercício e má pontaria do atira­dor não chegou a bater no alvo, e foi, como sempre acon­tece aos curiosos, arranhar a outrem que assistia innocen­temente ao espectáculo.

Disse, com eífeito, que as uvas de. Torres Vedras do-seam entre 21 e 23 por 100 dè assucar*, o que cofres-ponde a 10,2 e 11,2 de álcool absoluto einpeso. Bastara que o meu antagonista tivesse comprehend ido esta asseveração,-

1 Quinta conferencia, pag. 175. «O álcool natural do vinho de Tories não passa, em média, de 10,7 por 100 em peso, tendo as uvas 21 a 23 por 100 de assucar. A média alcoólica dos vinhos, achada àirectamente, é de 14 por 100 em volume. A aguardentaçâo regula por 12 canadas em pipa.

cujo valor não lhe seria desconhecido, se houvera passado algum tempo nos laboratorios que dirijo, onde nunca se permittiram os descobrimentos que é licito fazer na sua adega, para eu lhe poupar agora o trabalho das suas refle­xões e uma accusação injusta. Mas, não era necessário exi­gir tanto d'elle, obrigando um proprietário a abandonar as suas cepas para vir confundir-se com a mocidade estudiosa que frequenta as escolas, e que n'ellas procura o que fóra d'elías ainda se não encontra. Bastara, repito, quo o ecco, dando mais alguma importancia á competencia e aos traba­lhos do sr. Lapa, tivesse lido o que elíe escrevera em 1867 no seu relatório acerca da região de Torres Vedras.

Eu, esperando até certo ponto o que succedeu, e digo isto sem maldade, expuz os dados d'esta comarca vinha­teira, colhidos na melhor fonte, preferindo sempre appoiar-me na maior auctoridade. Nunca-trouxe para aqui as ex­periências da minha lavra, que o podia fazer, e talvez com algum aproveitamento; porque para dirimir no pleito enten­dera, com razão, que me cumpria aproveitar principalmente os subsidios dos mestres. Assim imprimia ás reflexões que fizesse o máximo cunho de imparcialidade e rigor, porque embora não esteja habituado a inventar factos, sei que a boa caridade do proximo nos chega a suppor capazes de muito mais.

Se 10,7 era a média do álcool natural em peso, como eu disse e ninguém nega, está claro que só o ecco poderia ignorar que 13,48 fosse o álcool em volume.

Sabem os que teem assistido a estas conferencias, que empregamos ora uma ora outra expressão, cujo valor já é conhecido do publico e só ignorado do ecco; por não ter vindo ouvir-me, o que precisava' de certo como de pão para a boca. O meu trabalho acha-se por em quanto em pala­vras, e o extracto dos jornaes podia nãò ser fiel. A sua obrigação era esperar, já que me não ouvira. Não ouviu nem esperou. Teve o castigo. Errou. E errou duas vezes, porque; também não lera, e a quem não lè nem ouve suc-cede-lhe que nunca fica sabendo.

323

O acaso fez que na região de Torres Vedras sem omit-tir as palavras em peso, eu não faltasse na correspondencia em volume, para envolver o ecco com toda a sua experien­cia.

Não cominentei nem corrigi o que estava escripto. Fiel expositor dos trabalhos dos outros, repeti n'este ponto o que lêra. E ainda bem que o podemos apreciar, tornando a ler aqui mesmo os trechos de que me servi.

Agora o que resta é que n5o seja também verdade o que o sr. Lapa escreveu.

N'esse caso, teremos de reformar tudo, á excepção de uma parte, que é a pagina em que se encontra o pomposo elogio do ecco. Isso sim,'—é verdade!

Oiçam com attenção as seguintes palavras sobre os vi ­nhos de Torres Vedras.—Encontram-se na pagina 61 do relatório de 1867.

«Os mostos cujo grau saccharino examinei n'estas ade­gas (dentro da villa de Torres Vedras, e nas de dois vinha­teiros que se fazem notar entre todos pela grandeza e pro­porções da casa e do vasilhame, bem como pela força das suas lavras), deram-me entre 21 e 23 por 100 de assucar, o que corresponde a uma força alcoólica média genuína de 10,7. A lota de aguardente que se costuma deitar aos v i ­nhos na primeira trasfega c de 6 canadas por pipa. Esta aguardente sendo de 30° Cartier, corresponde aquella quan­tidade á de 4,8 canadas de álcool absoluto, ou 1,6 por 100 o que eleva a força alcoólica genuína a 12,3. Comtudo não é esta a força alcoólica commercial de alguns vinhos de Tor­res que tenho analysado, nos quaes encontrei uma média de 14 por 100 de álcool, isto é, maior que a força alcoólica genuína de 3,3 por 100, o que corresponde a uma aguar-ãmtação lotai de 12 canadas por pipa.

«Devo aqui fazer um reparo, que não pertence exclusi­vamente á aguardentação dos vinhos de Torres, mas á dos vinhos de todas as regiões por onde passei; é que ha sem­pre uma differença para mais, entre a lota de aguardenta­ção reconhecida pela analyse e a íota declarada pelos v i -

324

nhateiros quo se consultam a este respeito. Em Torres Ve­dras"a• aguar'dmtação declarada ó de 6 canadas, em quanto que -a lota de aguardente que se reconhece pela compara­ção da força alcoólica genuína com a força alcoólica com­mercial è de 12 canadas. N'outras regiões a differença é ainda maior.

«Em virtude de certas apprehensões, prosegue o sr. Lapa, logo que terminei as minhas viagens e regressei definiti­vamente a Lisboa, fiz alguns ensaios no laboratorio do in­stituto agrícola, consistindo elles em dosear com todo o r i ­gor o assucar dos mostos de differentes uvas, fazer fermen­tar estes mostos, dosêar o álcool e o assucar restante nos vinhos depois de feitos e comparar o aicool doseado com o aicool calculado pela quantidade de assucar achada nos mostos;

«Eis-aqui o resultado de dois ensaios:

Gasta das liyas

P.eriquita ou iriacacfeira...) Boal H.o ensaio. Moscatel branco )

Arinthp. Castellao; Feriai.. .

2.° enaaio.

•o 2

22,0

20,5

•a o m •32

10,7

10,0

l i

10,6

9,2

2 §

0,201

0,900

«Os resultados de ambos os ensaios mostram que não houve pfodUcç3o de álcool superior á calculada pelo assu­car. Tor tanto, a diíferença entre a força alcoólica genuína calculada pelo assucar do mosto e a força alcoólica commer-ciáí dos vinhos é toda devida á aguárdenla ção, e exprime

325

sempre a quantidade de álcool estranho que se deitou nos vinhos. Se esta differença não concorda com a lota- decla­rada pelos vinhateiros é porque esta lota não ê o total da aguardente que o vinho levou desde que foi fabricado até ao momento da venda; é apenas a quantidade de aguar­dente com que se fez o primeiro tempero do vinho, depois de trasfegado, única que fica bem de memoria no espirito do vi­nhateiro.-»

Por esta é que não esperava o ecco. Continuemos: «Não entra ahí a que se junta depois, no que se chama

refrescos, nem a que se bota aos vinhos quando os lotam uns com os outros, nem a que entra no vinho todas as ve­zes que ameaça adoecer de qualquer enfermidade; porque deve-se saber que a aguardente é usada no nosso paiz, tanto para levantar o vinho e conserval-o, como para o curar de qualquer transtorno que lhe sobreveiu. Não é sô adtibo e preservativo, 6 também panacéa a aguardente para todos os inales do vinho, esteja ou não esteja indicada.»

Agora, sim, já vejo os meus amigos começando a sorrir e a nuvem desfeita sem deitar agua depois d'esta proficua leitura. A resposta c cabal e não precisei pensar n'ella. Ahi fica a refutação feita por uma auctoridade, cuja com­petencia o próprio ecco reconhece.

Permittam-me comtudo mais algumas linhas de leitura. E vamos ouvir o sr. Lapa discursar sobre outro sitio da mesma região. Curiosidade completa, será da propria adega do ecco que elle nos fallará1.

«Os mostos cuja força saccharina determinei no Turci­fal, tanto da adega do s r . . . ecco—esta palavra é minha— como também das dos srs. general Franco e José Carneiro, da mesma localidade, não se afastam dos que examinei em Torres Vedras. A sua força saccharina varia entre 23 e 24 por ÍOO: por tanto a força alcoólica genuina dos vinhos d'esta parte do concelho é de 11,2 a 11,7.»

Em peso I em peso! acrescento eu agora com toda a força

1 Ferreira Lapa, pag. 71, relatório de 1867.

326 dos meus pulmões, para abafar a voz do ceco; visto que o sr. Lapa o não declarou no seu livro. Temos de levar, como ás creanças, o ecco pela mão. Não custa nada fazer-lh'o e evitam-se-lhe as quedas.

Este relatório está publicado ha oito annos, mas a té hoje ninguém reclamou contra elle. Exponho em publico as ob­servações do sr. Lapa, refiro-me aos seus ensaios, sou desde logo aceusado de lançar descrédito sobre os vinhos. A responsabilidade d'esse descrédito caberia, se podesse havel-a, ha muito a outrem, que não a mim, se fôra pos­sível desacreditar o que è realmente bom e não estives­sem auctorisados os estudos do nosso ¡Ilustre compatriota. E.demais, se a aguardente só pôde fazer bera aos vinhos para que se esfalfam em negar que a empregam?!

Mas eu bem sei porque me bateram á porta iodas as iras do ecco.

Queria elle minislrar-me um argumento decisivo a favor da inutilidade dos relatórios, que apenas lêem o préstimo de archtvarem os nomes dos immortaes! O leitor lê até encon­trar o seu nome e ahi pára.

Eis a única pagina d'aquelles livros que se dobra na ponta, ou se marca com um signal de fila de seda escar­late com vivo amarello. E eis-aqui também a razão porque eu sou combatido com tanta vehemencia e desusado patrio­tismo.

Onde se ha de dobrar a folha, em as minhas conferencias saindo á luz?

Está cá porventura o elogio do ecco? Não estava, mas foi tão forte o seu empenho para isso, que terá que met­ier a fita em mais de uma pagina. Servirá a excepção para que se não diga que envolvo todos na regra.

No mais quero deixar ao ecco toda a gloria do seu ar­tigo; não só no que se refere ao escaldão, mas .ainda em outros pontos: pois que de umas vezes me attribue inexa-

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ctidões que não proferi e de outras me faz a (firmar generi­camente o que só disse para casos especíaes.

Conheço que devemos deixar aos práticos a theoria do escaldão, como estes não disputam aos sabios a prioridade da theoria mechanica do calor nem os descobrimentos de Newton, o «E por si rauove» de Galileo ou as leis im-mortaes de Kepler.

Licito é, que no templo augusto da posteridade, figurem todos com as suas obras, e tanto mais justo qunnlo, pondo de banda os chistes acarilados em que transparece a antiga graça portugueza do ecco, muito sujeita í\ perder-se, hoje que passou de moda, elle teve principalmente em vista com o seu artigo e outros mais que escreverá depois (Teste, fazer rédame em fórma para vender melhor o seu vinho.

Esta intenção reservada o absolve de tudo. A sua ultima idéa era de certo aggredir-me, como o deixou bem pro­vado.

i Quem deixará para o futuro de correi" áquella adega? Eu mesmo me sinto, sem querer, attraido para ella.

Quantos almocreves não vão agora invadil-a, cm se sa­bendo que o vinho não pôde sair d'ali senão perfeitamente escaldado?

0 vinho do ecco vae ser a gallinha dos ovos de oiro para elle. Não bula, porém, de mais na gallinha, se saba a fa­bula de cór. Sinto-me com apetite de o ajudar neste empe­nho. Quero contribuir como possa para a prosperidade da sua adega. Eu mesmo irei collocar-lhe o ramo á porta em signal do seu triumpbo.

Senhores I—O expediente de que me tenho servido até aqui, para não fallar n'esta assembléa de uma pessoa que . . . não se acha presente, foi um modo de referir-me sem offensa a um vinhateiro distinclo, cujo elogio para maior clareza, póde~ íer-se na pagina 69 do relatório do sr. Lapa, escripto no anno de 1867. . _ .

A fatalidade que persegue os bons, nem mesmo ali con­sentiu que saisse exacto o verdadeiro nome do panegy-rista do escaldão, privando assim as gerações vindouras de

COKF. p; I 21

328_ o tomarem por seu orago e de se pegarem com elle nos casos Yai'iadissunos* em que os vinhos só por milagre se salvam.

Lavra importoníes propriedades vinícolas e ;\ todos diz que adoptou as melhores praticas (enológicas. Ás theorias não faz o mesmo sem as purificar pelo cerebro.

Foi por minha indicação, de que nao estou arrependido, que o governo nomeou seu filho mais velho para mo acom­panhar a Londres, senclo-lhc disfribuido o papel de adjunto do comnhssario. Ali apenas saiu do caixote o vinho do pae do meu companheiro, mandei logo pôr-Ihe um signáí, apresenlando-o no primeiro luncli qne me oiTereceu o.ge­neral Scott, no South Kensington Museum.

Todas as pessoas dirão que não faltei á cortexia. Em quanto, porém, eu lidava assim em loriges terras,

pela fama e gloria de tão abalisado producto, um facto inaudito succedia n'este paiz.

Os homens práticos, que são os únicos a entender de vinhos, segundo a vox cie todos os eccos, olvidados da sua missão e constituidos em jury, ao qual tantas vezes mo tenho aqui referido com sincero louvor, preparavam-lhe, sem o saberem, novo triumpho, que é este agora; deixando escapar um erro typographico, que outra coisa não é, dos mais escandalosos, que a imprensa tem registado. Este j u r y . . . A i ! que não sei como contenha as lagrimas tf Este" jury consentia sem pedir depois errata ao governo, quena pagina i o 2 da memoria official intitulada «Breve noticia da viticultura portugueza» se lesse e ainda hoje se leia, que o único vinho d o . . . ecco, continuarei até o fim a conservar-Ihe o incognito, era ordinario, apesar de ser único, de per­tencer á colheita de 1871, estando nós então em 74, de possuir 16,8 por 100 de álcool natural, naturalíssimo, por­que na adega d'onde viera não se conhece álcool artificial, nem eu o conheço também, e de ser mais caro que a maio­ria dos vinhos da mesma região.

Para verdes até que ponto pôde chegar a minha boa von­tade de fazer justiça, vou desmanchar o engano e reparar

o erro som que consulte sequer os mombius do jury por-luguez.

Ha vinhos, que para serem bons não é mister a gente proval-os. E o jury devia saber isto bem. (Abre um livro) Errata. Onde se lé: vinho ordinario de segur/da classe; deve lcr-so: vinho distincto de primeira qualidade. A nata dos vinhos portuguezes.

Na seguinte conferencia trarei impresso um novo quarto com esta emenda, para substituir o que está no livro.

Todos se admiram hoje como o jury commetteu seme­lhante falta!!!

Se estão presentes alguns dos seus membros, perdoem-mc elles que ih'o diga na cara.

Sinto-me satisfeito. Aeham-se reparadas' todas as injus­tiças. Nada mais vi l com certeza que o prazer da vingança.

Ides ouvir a sentença e seja o meu castigo proferil-a. É falso o que cu afiirmei sobre a região vinícola de Tor­

res Vedras na u.a e 6.11 conferencia, como errado é lam­bem o'estudo que d'clla fez o sr. Lapa.

É falso, que a uva mais propagada ali seja a tinta miúda, porque o ecco, que não sabe de certo o nome das castas, vem aífirinar que the não é conhecida.

É falso que não seja o escaldão o ultimo grau evolutivo àa arte vinícola, e a aurora primordial do porvir das uvas. 0 futuro dos vinhos de Torres resume-se todo na cauda que Ihe prohibe de ser chrisíão,

É falso, que, percorrendo eu todos os pontos d'aquella comarca vinhateira, a possa ter visto bem; porque não pedi licença até hoje para visitar a adega do ecco, onde não ha nada de notável senão elle.

É falso, que o jury porluguez estivesse em seu perfeito juizo, quando lhe classificou de ordinario o seu vinho branco, porque tudo é falso quanto digam os outros, que não possa ser-lhe agradável. E só deve ler-se por verdadeira a sua muita vaidade.

Foríe caso! Debaixo dos pés se levantam os trabalhos, diz o anexim popular. E quem o duvidará d'ora avante,

21-

330 vendo tanta celeuma por causa de uma pipa de vinte e sele almudes e alguns quartilhos de aguardente de prova!!

As vozes de dois sujeitos nos interrompem aqui. —«Ninguém deita doze canadas de aguardente novinho

de Torres, sr. Lapa. —«Deitam doze canadas, sim senhor! —«Deitam-se doze canadas, se V. Ex.-'1 o escreveu; mas,

não se deitam nem quatro, se for o sr Aguiar que o re­pita.

E agora permittam-me V. Ex.88 que eu renove o protesto que fizera de não responder a mais ninguém. Não se pôde assim todos os dias dar razão plena aos nossos contradi­ctores, sem que fique um pottcocinho magoado o nosso mo­desto amor próprio.

Quando .os meus amigos e em geral o publico, lerem os jornaes, em que d'aqui em diante e ainda mais do qup até agora, o ecco ou os ecc&s, porque ha mais de um, lavra­rem os seus protestos contra mim, escusam de so compa­decerem por minha causa, nem de esperarem que eu lhes responda. Por mais sensatas que pareçam as accusaçtôes, não se deixem abalar por ellas; porque nem todos são sin­ceros que se confessem em publico dos seus peccados.

Mas, se por falta de conhecimentos technicos especiaos, o espirito lhes ficar vacillante e perplexo, julgando que seria melhor responder-se-lhes, mandem então buscar sem mais demora a qualquer loja—armazém ou taberna—uma garrafa de vinho. Bebam ao menos um copo e ahi acha­rão sempre a minha resposta. Mais do que isso, a justifi­cação e os fundamentos dos meus actos e da minha cri­tica. Uma defeza de mão cheia, que se não pode fazer tão bem por palavras!

Depois d'esta prova, nunca.. . e demoro-men'esteadver­bio que repito outra vez, nunca poderá o meu credito ficar abalado.

Fujamos do Olympo das adegas, d'onde nos expimgem os. Deuses, e voltemos a vós—vinhateiros do Chiado que asaimjlaes o azote directamente das ruas e do lodo da ca-

33i . nalisação da cidade. Volvamos aos vossos braços, agricul­tores do Gremio Lilterario, que não tendes direito de ficar­des sabendo como se atamancam os vinhos.

Na anterior conferencia ficámos na Bairrada, que se pôde julgar quasi completamente descripta. O emprego da castâ chamada baga dá um vinho desenxabido, servindo, como se disse, nos poiores annos para corrigir este defeito os arrobes; que se chamam simples, quando se limitam á con­centração do mosto, ou composlos, quando na sua forma­ção entrarem o assucar, marmellos, peros, maçãs, etc.

Os vinhos brancos da Bairrada Yivem muito mais tempo que os tintos c tornam-se com a edade bastante suaves; devendo comtudo advertir-se, que o seu tratamento é fun­dado no álcool e que a vida se'refere em parte á robustez d'este corpo. Outras vezes são geropigas que deixam en­velhecer até que percam pela força dos annos a primiiiva doçura.

Fabricam-se de bica aberta ou de bica tapada. Feitos por este ultimo processo saem melhores, não adquirindo gordura e clarificando perfeitamente.

Uma das causas, que mais podem contribuir para a ruin­dade dos vinhos, é a vindima anticipada ou prematura, e ainda que em as nossas comarcas nós as possamos algu­mas vezes fazer mais cedo do que se suppõe geralmente, é comtudo certo, que ao norte do paiz, nem sempre deixam chegar as uvas á sua completa maturação. A falta de policia rural influe muito para que isto aconteça; e os proprietá­rios fazem vindima, logo que algum insensato se lembra de cortar os cachos.

São tres os inimigos do vinhateiro, alem dos que men­cionam os livros: o cão, 0 forasteiro e o próprio risinho. O cao, apenas as uvas amadurecem entra nos cerrados, que até ali defendera, vae às cepas como um faminto e come as uvas mais madurinhas. Come á farta o pobre animal em se apanhando na vinha á vontade, porque não lhe pa­gam de outra maneira os serviços.

332 O titulo sympiilhico de amigo ilo homcm tic pouco lhe

valo o não tíeixa por isso (íc sar expíilso da vinha á pau­lada. Os aldeões do seu lado, que não andam nos cirios iodos os dias, diverlem-so muito em entrar n uma vinha e fazer a vindima noclurna, suppriinindu a fervura do mosto. Vinha assim vindimada nunca deu vinho azedo. E o ratonciro não come uvas, sorve almudes. lía estômagos que valem vasilhas.

—«Ainda me não fiz novo este anno»—é a phrase que indica o começo do furto.

Estes hábitos pouco paíriarchaes, o que nada depõem a favor da innocencia das nossas aldeias, fazem que, cm co­meçando a uva a pintar, toda a gente se arme de bom ape­tite para as vinhas alheias e de uma espingarda ou cacete para guardar as suas.

Ouviram? Ê uma detonação perío d'aqui, seguida do es­tranho rumor. Um vulto se desenha no horisonte, fugindo apressado como uma sombra, e deixando apoz si um rasto de sangue. O guarda apenas pôde seguil-o ató o vallado que limita a vinha, mas não encontra viv'alma.

E agora? O ruido do tiro cessou. Escutem porém que me parece sentir-se um plangente gemido, e um baque de corpo pesado sobre a torra. O guarda aproxima-se para examinar o que seja. Grita com voz de trovão: Quem está ahi?

Urna voz lhe responde, bastante sumida. —«Sou eu, Silvério. É teu tio, casado com a irmã de teu

pae, e que tu tomaste por algum lobishomem. Vão lá fiar-se cm sobrinhos, quando a tentação nos persegue de comer um cachito. Ajuda-mc a levantar, filho, e acompanha-me a casa que não posso ir por meu pó. Trataste-me como um vil ferreiro1.

0 guarda ajuda a levantar o parente, examina o feri­mento e acompanha-o a casa, desculpando-sc com elle da

1 Nome que os aldeões dão a qualquer pássaro em varios pontos da Extremadura.

333 melhor maneira que pôile; mas, quando volta á vinha, vè sair por iodos os Jados um enxame- de ratdneiros, que es-lavam á espreita que elle a desamparasse.

Procura ainda com a espingarda firmar bem a pontaria, mas são lautos os varapaus rrarjucllc horisoule, que jnlgan-do-se (ienlro de um bosque, engole a descarga.

Também ha ratoneiro que não come uvas: é mna outra variedade menos vulgar. Ksle entra na vinha com o cesto ás cosias, roja-sc pelo chão como a lagartixa, faz a apanha com menos ruido que a borboleta poisando sobre uma fo­lha, e vac vender as ovas furtadas no dia seguinte ao pró­prio dono da vinha.

A policia rural evitaria muitos desgostos e muitos pre­juízos, contribuindo para que os proprietários não fossem for­çados a colher as uvas verdes, com receio de que, depois de maduras, sejam comidas pelos vindima dores gratuitos. Alas o lavrador, que não quer assneiar-se para melhorar o vinho, também o não fará para proredor á organisação da polícia rural.

Uma das scenas mais atllictivas para quem conhece o pe­rigo, é a da pesca do pé no fundo do balseiro. Pôde inti-tular-se a lucia, e figuram n clla dois personagens princi-paes; um invisível aos olhos do corpo, e outro visível, forte como uma torre. O espectáculo termina muitas vezes em tragedia, quando ha morte.

Acabaram os homens de sangrar o balseiro e de trahs? portarem o vinho aos toneis. Dentro da vasilha existe uni­camente uma massa crepitante e húmida, que expelió de si bolhas sobre bolhas de gaz, acompanhadas de ruido es­pecial.

Chegam uma vela accesa á bocea do balseiro e a chamma apaga-se em virtude da emanação do acido carbónico; isto se repete duas ou tres vezes em pequenos iutervailos, mas sempre com o mesmo resultado. Então de entre o grupo de trabalhadores, já impacientes, se offerece para i r tirar o pé do vinho ao fundo da vasilha, mais alta do que um homem, um guapo mocetão. Elle que treme como um vi-

334

me e grita por Santa Barbara, quando fazem trovões; que ajoelha, batendo nos peitos, quando estão para lhe appa-recer almas penadas; que foge a sete pés dos lobishomens ainda que tenha eomsigo uma espingarda; que acredita no fim do mundo, quando apparece uma aurora boreal ou um eclipse: não tem medo de entrar ifaquclla fornalha apa­gada, onde se declarou um incendio sem labaredas, pres-tando-se a arriscar a vida sem gloria nem necessidade por um cesto de engaços, como o faria o bombeiro, correndo á casa em chammas para salvar uma ercança, ou o homem que se lança ás ondas para livrar o naufrago da morte.

Não veste camisa de amianto como o inconibustivel, que passeia na gaiola inflammada do circo, fazendo o exercicio da salamandra; vae com o seu fato, em mangas de camisa e descalço como um penitente.

Onde o próprio fogo não se atreve, terá elle o atrevimento de penetrar. Pede um sacco, com duas pancadas fustiga o ar do balseiro, e salta, como a corça, sobre a borda das aduellas desapparecendo em seguida á vista de todos.

Momentos depois solta um gemido surdo, ergue-se na força do desespero levantando os braços hirtos pela agonia e deixando ver apenas as pontas dos dedos crispados como as garras de uma fera. Com os movimentos revolve a massa, desloca e desmancha o tapete macio e movediço, em que assentara os pés, e que de si expelle cada vez com maior força, torrentes e torrentes de ar asphixiante. Entontece de todo, e a vida lhe fica suspensa por um fio, se algum dos companheiros não o tira para fóra, já semimorto, tomando instincíivamente o caso a serio.

Fogem os companheiros com elle para a porta da adega. O ar benéfico vae talvez chamal-o á vida.

Respira na camada oxygenada, abre os olhos, procura em torno de si reconhecer as pessoas que o cercam, e quando recupera a voz, ainda cheio de pallidez mortal, é esta a primeira phrase que articula.

—«Que espirito e fortaleza de vinho, rapazes! E que bella pinga nao.terá este anuo o patrão?

335

—ala-te custando cara, replica o companheiro salvador, revendo-se na sua obra, com justificável orgulho.

—«Jà me sinto capaz de outra. Obrigado, meu valente. Esta p r a t a é uma crueldade e um grave testemunho

de ignorancia. A pesca do pó feita por tal modo é um es­pectáculo peior que uma toirada de bois desembolados. E ha ainda quem se incommode em ir a Nápoles ver a gruta do Cão, quando tem aqui pela vindima em cada balseiro uma gruía e cm cada homem. - .quasi um c ã o í f . . .

Para remediar os defeitos dos vinhos da Bairrada e me­lhorar o commercio que se está fazendo com elles, entendo que é também preciso recorrer á associação. A reunião do maior numero de vontades que possam conciliar-se, deve encaminhar-nos rapidamente ao fim que tenho por mais van­tajoso. Lisboa conhece já hoje sociedades cooperativas, que estão sendo dc grande proveito para os associados e não devemos perder a esperança de se applicar o systema ás povoações c negocios ruraes.

E assim chegaremos nas aldeias a instituir a cooperação de todas as familias ruraes para um fim bem justo, qual é o de supprimir a fraqueza do individuo isolado, d'onde nasce •a miseria e o crime.

Ligam-se os homens para fazer a guerra e só agora co­meçamos a percebei' que elles podem ligar-se com maior pro­veito para a paz. Já temos a familia que se funda no amor, creemos a familia que precisa fundar-se na amisade.

Que todos passem a chamar-se irmãos; ainda que não tenham saído todos do ventre da mesma mulher. A socie­dade moderna deve exclusivamente preoceupar-se de apro­ximar o homem do seu semelhante. A pólvora faz inimi­gos. Deiíemos a pólvora ao mar. Procuremos dar força ao inimigo da pólvora, que só pódo ser o trabalho.

Quando eu for a casa do meu visinho convidal-o para cultivar a terra de sociedade commígo, com a mesma fran­queza e facilidade com que vou hoje pedir-lhe para que sirva de mordomo na festa do orago da freguezia; isto é, quando todos pensarmos, que nos podemos unir para o tra-

336 balho como nos reunimos para a oração, nem será tão diffi-cil o viver na terra, nem tão invejado o paraizo.

Na Bairrada, depois de algumas tentativas frustradas, acaba de fundar-se uma sociedade de "vinhos. Nao me com­pete discutir o seu program ma nem o regulamenfo que adoptou. Faço votos para'que ella cresça e se desenvolva com proveito dos viíieul lores e do pajz. Que vença todos os perigos e possa servir de exemplo.

Não podem ser differentes nas duas Beiras os meios de fazer prosperar a viticultura, dos que hemos aconselhado nas outras regiões. Está ali a propriedade egualmenle di­vidida, o vinho é para muitos colheiteiros o pão quotidiano e o resgate de dividas anteriormente contraídas. Tanto para produzir como para coüsumir, o pobre, que è o pequeno, carece de associar-se.

Os productos de ambas as Beiras foram muito elogiados pelos negociantes estrangeiros que visitaram a exposição de Londres, como vinhos de lotação.

A força alcoólica manifestou-se inferior em quasi todas as amostras a 26° de Sikes, contando mesmo a pequena porção de assucar que possuíam, e não estava ainda com­pletamente fermentado. Ao lado, porém, d'estes vinhos na-turaes, houve outros preparados, cuja força ascendia a mais do-dobro da primeira.

Na Beira Alta, a força alcoólica maxima era indicada por 22,4° centesimaes e a minima por iO,8, que se via n'um exemplar. de vinho de Karminhão. A força maxima dos vi­nhos da Beira Baixa chegou a 22,10, e a minima desceu a 12,20 n'um vinho de Anadia.

Excluo os vinhos de Aveiro que ainda eram mais fra­cos, o que não admira porque pertenciam á classe dos vi­nhos verdes.

Tanto se prova que nem sempre é o álcool o principal fiador do vinho, que muitas amostras d'esta qualidade des­ceram a 7 graus sem jámais azedarem, ainda mesmo quando se abandonavam ao ar de um dia para o outro.

_33^

Aqui deixarei archivadas as forças maxima e minima de alguns vinhos das principaes comarcas ou cantões TÍ-nicolas da Beira.

Localidade Côr do vinho Maxima Mmfma

emgrausdeGay-Lussac

C a r r e g a l . . . . . tinto 14,8 13,1 » branco . . . 1 6 , 6 3 . . 1 4 , 9

M a s tinto 14,5 11,7 » branco . . . 14,9 14,4

Mealhada tinto 16,9 13,3 ¡y b ranco . . . 16,7

Anadia tinto 16,7 12,2 C o i m b r a . . . . . ' » 2 2 , 1 . . ' . . . 13,1 Castello Branco » 18,2 13,1 Guarda » 2 2 , 4 . . . . . 14,0

Alguns dos termos máximos mais subidos referem-se in­dubitavelmente a vinhos temperados. Quando em outra con­ferencia apreciarmos a forca alcoólica de todas as amostras da exposição, nos referiremos ainda a estas duas provin­cias.

Acerca da duração dos vinhos uaturaes do Dão sei já desde 1868, íjue não levando álcool estão feitos do segundo, para o terceiro anno. Perdem a côr, que c pouco firme, ao quarto anno ealguns de todo se alteram. Pude observar nas amostras a que me refiro, que o flavor, também fraco ao principio, se desenvolve mais tarde, podendo por este lado assemelhar-se ao dos vinhos que lá fora tanto se estimam como lavras de segunda ordem.

Até boje não' me achei em circumstanciãs de examinar os da Bairrada no estado natural. Geralmente se afíirma que são mais duradoiros e superiores;-mas, como apon­tei na 5.a conferencia, todas estas observações se referem aos vinhos alcoolisados. Os vinhos do Dão também se tra­tam com aguardente, indo acabar á mesa do consumidor com supposto nome.

338 Pertence ao tempo e ás experiencias repetidas das pes­

soas competentes resolver com acerto o interessante pro­blema da edade dos nossos vinhos naturaes. Hoje são ar­riscados todos os juizos a este respeito e não podemos pas­sar de conjecturas mais ou menos prováveis. Dados positi­vos esufficientemente seguros ninguém os possuo n'este mo­mento. Também justo é que se diga, que foi bontem que nós começámos a ouvir fallar ua conveniencia de vender vi­nhos naturaes.

Em alguns vinhos brancos da Beira descnvolve-se, como já foi notado, o gosto a formiga, que a varias pessoas se affigura procedente da uva.

Todos os dias os estudiosos estão a descobrir factos no­vos, e por mais conhecidas que as coisas nos pareçam, pou­cas ha que miudamente examinadas, não nos conduzam a novas observações.

Hontem fui ao Alfeite, não sei se os vinhos me conhe­cem, mas o certo é que vão quasi sempre esperar-ine ao caminho. No meu passeio, provei cm certa quinta um vinho tinto, em que descobri um gosto novo—o gosto a fetos. Fiz sciente o caseiro deste meu reparo c fiquei contente de lhe ouvir dizer, que offectivãmente o vinho tinha ali aquelle sabor depois do primeiro anno.

Já é tempo de passar ao Minho, ou para melhor dizer ao vinho verde.

Se por este ultimo nome entendermos todo o que nasce de uveiras, ou em vinhas altas de enforcado, o vinho verde não se pôde dizer que exista exclusivamente ao norte do paiz.

Com effeito as vinhas de embarrado encontram-se no Alemtejo ao norte de Portalegre, na Beira ao norte de Cas­tello Branco, na Guarda e nas planicies de Aveiro. A pro­vincia do Minho é, porém, o verdadeiro solar do vinho verde, e onde melhor se nos mostra com o typo genuino.

O vinho dè uveiras nas outras provincias algumas vezes se ^presenta sem valor nenhum, parecendo antes um mixto

330

desenxabido de péssimo vinho com agua, do que vinho verde, verdadeiro.

Este com todos os defeitos que lhe possam notar é com-tudo um typo curioso c original de vinificação.

Temos criticado tanto o vinho maduro que nos soube­ram, bem estas palavras, elogiando o mais humilde dos nos­sos vinhos e de que a maior parte da gente diz mal.

Àffirmnm no Porto, que não se pode beber esta peste senão dc olho esquerdo fechado, pondo a boca á banda, e alçando a perna direita, como quem ao bfibel-o espere os effeitos de uma pedrada.

Obriga a grande careta, em resumo, capaz de metter medo ás creanças, e de fazer exclamar as amas: olha o papão, vae-tc embora! E no entanto é o mais virtuoso dos vinhos, por ser o que não embriaga com tanta facilidade. Só por isso gosto d'elle. Sabe respeitar a intelligencia.'

Em Londres, ao principio, tomavam o vinho verde por uma substancia purgativa, e sobretudo não podiam com­prehend er como se chamava verde o era roxo!

Não agradou aos inglezes e rt'isto está dito tudo. E to­davia eu lenho predilecção pelo vinho verde. Sem que seja­mos da mesma terra, acho este vinho refrigerante, ligan-do-se optimamente com agua quando é bom. Parece-me mais agradável que a perdiz faisandêe gabada pelo gas­trónomo. Menos enjoativo que o caviar dos russos, fácil de confundir com o oleo de fígado de bacalhau, a quem não esteja costumado a comel-o.

É menos repugnante sem duvida, que o Erie mais fino de França, cujo aroma a toda a gente repugna, quando se não exhala do queijo. Não tem bichos, nem está podre. Arranha um pouco as goellas. Sobretudo é difficil apre-cial-o á primeira vez; mas outro tanto acontece com as os­tras cruas e a musica de Wagner.

O Minho para nós, que não vamos vel-o senão pelo v i ­nho verde, compõe-so dos districtos administrativos de Braga, Vianna do Castello e ainda de uma parte do distri-cto do Porto, situada na margem direita do rio Douro. _

340 • Occupa uma superficie de 713:719 hectares com630:852 habitantes, e a sua producção média não passa de 500:000 hectolitros, segundo resam as chronicas officiaes.

Em 1853, estando calculada a producção vinícola de todo opaiz em 3.079:058 hectolitros, dizem ter havido 1.258:184 hectolitros de vinho verde, íslo ó, mais de um terço da pro­ducção total do continente e iíhas.

Baixou, pelo que aftirma a estatística, cm 1862, a pro­ducção total do reino a 776:311 hectolitros, nos quaes se incluiram apenas 122:250 de vinho verde.

Que derrota t Menos que a decima parte, e ao oulium se deve *.

O sr. Lapa faz o computo da producção do vinho verde, antes da molestia da vinha, egual a 1.200:000 hectolitros, tendo encontrado provavelmenle nas mesmas fontes este numero.

O oídium atacou as uveiras com incrível violencia, mas a par d'elle a molestia dos castanheiros, que são as arvo­res tutoras, também contribuiu para a diminuição das co­lheitas.

No começo d'estas conferencias, referíndo-me eu á pro­ducção total do paiz cheguei a avalial-a em cerca de i mi­lhões de hectolitros. Pareceu estranho este facto a muitas pessoas, que não tinham compulsado as estatisticas c igno­ravam talvez que eu fosse incapaz de invental-as da minha cabeça. Acabamos de ver, que a maioria dos escriptores acceitaram estes números, apezar dos erros dos cabos de policia.

Keparem, pois, bem n'esta pobreza vinícola; n'esta po­breza da maior riqueza do nosso paizt

Quereis saber em que vos dou o primeiro logar, no que realmente tendes a primazia? É em terrenos incultos. De nove milhões de hectares que possuis no continente, culti-vaes apenas dois! e dos sete restantes tres são de terre-

1 Relatório do sr. visconde de Villa Maior sobre os vinhos do norte do paiz, pàg; 25.

341 nos aproveitáveis. Um povo assim emigra. E faz bem, Foge da soiidão. Outros dirão que foge ao trabalho. Não posso decidir-me. Escolham.

As uvas das uveiras doseam entre 9 e 18 por 100 de assticar ou 8,73, no máximo, de álcool em peso, e 11 por 100 cm volume. Conteem muitos ácidos, tarmino, bitartrato de potássio, etc., quo trasinittem aspereza e casca dema­siada ao vinho.

A sua riqueza alcoólica anda por 8 a 10 graus de Gay-Lussac, como muitos de Bordéus.

Achou o sr. visconde de Villa Maior no mosto de uva branca de Amarante 10,61 de assucar; na uva azai de Ce­lorico de Basto, boa regfôo, ,15,70 e 0,89 de ácidos, e na uva espadeiro 14,13 de assucar e 0,84- de ácidos por 100.

O vinho verde é feito com uvas verdes, e esta denomi­nação não significa como já se escreveu, vinho novo ou vi­nho do anno. Se assim fôra, a maioria dos nossos vinhos seriam verdes, porque raras vezes se guardam de um anno para o outro.

A côr também não ó a que está indicando o nome. Pelo contrario, é bastante retinto.

Além d'isso é fresco, áspero, agro, refrigerante, diuré­tico, óptimo para o verão, pouco alcoólico, com muito travo, muito tártaro, muito fermento, e tão carregado de agulha que lhe chamam até vinho picão. O melhor picão deixa a impressão de uma carta de alfinetes, afagando ao de leve o cesophago.

Também ha no Minho alguns vinhos mais suaves e per­feitos. São os de vinhas baixas, como se observam em Vianna e Monsão, afCirmando o sr. visconde de Villa Maior, que es­tes foram até os primeiros que se exportaram para Ingla­terra. Consomem-se principalmente na provincia, e poucos vão ao Brasil, que sabe aprecial-os devidamente e pagal-os ainda melhor quando chegam ali em bom estado. Os vinhos de Basto gosam de reputação egual á dos que se acabaram de nomear.

O seu valor é muito vario. Teem chegado a preços exage-

31 rados, verdadeiramente fabulosos, que só podem explícar-se" pela extraordinaria escassez das colheitas.

O sr. conselheiro Moraes Soares estabelece os limites de 25 e 10 mil réis por pipa de SOO litros para os vinhos de primeira e terceira qualidade, como média geral. Na ex­posição o preço máximo era de 73 mil réis, e o minimo de 20 mi l .

Diz o.sr. visconde do Villa Maior, no seu relatório so­bre os processos de vinificação das províncias do norte, que em 1866 se venderam a 4S mil réis a pipa os mais caros, em 1867 a SO mil réis, não valendo n'aquella anuo o v i ­nho maduro do Douro e de Traz os Montes senão metade! t • Houve em Londres 48 expositores que apresentaram 56 amostras, 54 de vinho tinto e 2 de vinho branco. O jury portu-guez habituado a este vinho, elogiou muitas d'ellas com jus­tiçai concedendo a -16 a qualificação de bom, a de soffrivel a 21 e a 10 a de mau. Fizeram-se 56 doseamentos de álcool, açhando-se todas com uma graduação inferior a 26° de Si-kes* A força alcoólica, comtudo, subia ás vezes tanto, que •se tornava em prodigio. Tal era o termo máximo de 14 ,5 ° de Gay-Lussac, sendo o termo minimo 8 por 100. Os v i ­nhos de Aveiro já vimos que desciam mais.

Se reflectirdes no que nos disse o sr. visconde de Vil la Maior, acerca da riqueza saccharina e alcoólica dos vinhos dO'Minho, não vos devem ficar duvidas, de que lambem es­tes sejam tributarios do •álcool.

O vinho verde cria-se nas vinhas de embarrado, que sobem a-grande altura acima do solo. N'este systema de cultura, as cepas expandem-se em lançamentos e folhas, cnroscam-se nas arvores a que vivem contiguas, amparando-se a ellas; trepam aos castanheiros e choupos, enleiam-se como as ser­pentes do caduceu, e formam fes toes e grinaldas que pas­sam de uns para os outros, sem roubar o solo ás culturas a que fazem roda, como as raparigas em torno do milho 4a eira, dando-se as mãos para a dança nas escamizas.

Grangeio simples! A vinha alta ergue-se esbelta e ele--gante^para recreio da vista e mortificação do paladar. O solo

343

destinado á cultura intensiva dos cereaes, das forragens e leguminosas, namora-se também d'este quadro e prompti-fica á vinha os estrumes, que acrescentando-lhe os pâmpa­nos, concorrem para que estes embellezem ainda mais o vistoso panorama das verdejantes campinas.

A viticultura è por tanto um accessorio de outras cultu­ras, mas quando chega a vindima nem por isso os cachos deixam de pender das varas que vergam ao peso d'elles, pouco apurados é ccrto3 mas abundantes dc seiva, porque aproveitam as regas, o clima e os adubos.

A vinha, que se cultiva cm forcados nas arvores, também às vezes se apresenta em cordão ou latada baixa, seguida ou unida, como o lúpulo e os feijoeiros das hortas.

O terreno da provincia é granítico. Rico em potassa, que também é vulgar em toda a bacia de Basto, vistosamente cercada de montanhas, e comprehendendo varios concelhos nas duas margens do Tâmega. Os scliistos argillosos meta-morphicos e as alluviões antigas são menos extensas.

O clima é húmido e temperado, e as uvas ficam tão longe do solo que c de todo impossível amadurecerem bem. Esta circumstancia favorece o desenvolvimento do oidium e au­gmenta a difficuldade de o combater. Perde-se muito en­xofre, e a fraca irradiação do calor pouco contribue para contrariar aquelle inimigo da vinha.

Mette-se o bacello em cova pouco distante da arvore tu­tora, mergulha-se no segundo anno para se aproximar mais d'ella e apossar-se do chão. Cresce a cepa e sendo podada, dá os lançamentos que sobernas arvores, espraiando-se so­bre os ramos d'estas em dois ou tres andares, e empre-gando-se seis ou oito vides por cada tutor.

As varas depois da poda, ficam pendentes dos troncos quasi sempre, de modo que o grangeio em casos normaes se acha limitado ao plantio e a esta operação, cujas despe-zas ficam bem pagas sómeníe com a lenha que d'eila re­sulta.

A abundancia dos suecos nutritivos, o excesso da humi­dade, a sombra dos tutores, a altura a que estão os ca-

COHP. p. i. 22

344 dios, ludo influe para que a maturaçito não possa ser com­pleta.

Ha bastantes castas de uvas e uma confusão de nomes diabólica!

Apontaremos muitas d'ellas, pondo em itálico as mais im­portantes: azai, borraçal, vinhão tinto, verdelho, cainho, gallego, espadeiro e variedades, moscatel, mourisco (dif-ferente do que se conhece no Douro), vinhão molle, sousão forte, sousão gallego, bogalhal, olho de gallo, milhorio, la­caio, padeiro, pé de perdiz, espadana, vinhal, raolarinha, sin-zal, dourada, bastardo (ha pouco), alvarelhão, bical, polho, biscainljo, farrapa, amito, molar, locaia, verdeal, peáernão, toureira, marquezinlia, mourisco branco, csganinho, azai branco, malvazia, moscatel.

O vinhão tinto marca 12 a 15 por 100 de assucar. O vinho d'esta casta tem excellente côr e conserva a agulha por muito tempo. É um bom picão. Não se lhe avantaja em riqueza saccharina, nem o alvarelhão nem o mourisco, que n'outras regiões de vinha baixa são uvas de primeira ordem.

A quantidade de assucar está na razão inversa da altura a que ellas se criam.

Calcula-sc em 30 litros de mosto ou SO kilogrammas de cachos a producção regular do uma uveira. Excepcional­mente ba algumas, que produzem meia pipa de vinho! Tanto vinho faz-me lembrar as cepas americanas que eu vi em Bordéus, no quintal do sr. Laliman; onde uma la­brusca, chamada Isabel, suspendia n'um extenso cordão para mais de mil cachos.

A vindima é quasi sempre prematura, preferindo os v i ­nhateiros as castas mais ruins para evitarem o roubo. Vin­dimam principalmente verde na visinhança dos povoados, porque não querem chegar á verdadeira vindima sem uvas. Cortam-n'as ás vezes em agosto, quando nem em outubro estariam capazes de se apanhar.

A pisa faz-se em lagares ou em dornas, conforme a quantidade; concluida a pisa, mergulha-se o chapeo, que ali se chama bròlho, É a nossa lingua tão rica, que", para

designar a balsa, conheço eu, além de outros, os seguintes termos: brôlho, cango, cangmnho, chapeo, balsa, cadraço e massa.

0 brôlho, elevado acima do guarda-vinhos e muitas ve­zes já acetificado, infunde-se no mosto para melhor se dis­solverem as materias corante e adstringente. Também ha falta de aceio nos lagares e nas vasilhas, sendo os primei­ros construidos com pedras de granito que apresentam muitas fendas e Ioda a especie de animaes nojentos, á se* melhança de pequeninas grutas de morcegos.

O liquido ó mettido em vasilhas que se tapam em novem­bro, porque n'este mez se julga terminada toda a fermen­tação.

Para corrigir os defeitos provenientes do excessivo fer­mento è conveniente usar trasfegas; mas, no Minho não gostam da trasfega, porque suppõem que faz perder a ras-cancia ao vinho, única qualidade que n'elle procuram os be­bedores.

Vão lá emprehender melhoramentos em semelhantes co­marcas t Digain-lhes que desengacem aos do Minho, ou que não desengacem aos do Alemtejo í

Escreve o sr. visconde de Villa Maior, que em Villa do Conde, se corta, pisa e faz o vinho em uma semana. Ao cabo de sete dias está cozido e ao oitavo bebido. E ainda è de mais, porque menos tempo gastou o Omnipotente a architectar o mundo.

E comtudo nada tão fácil á v a z ã o nem tão proveitoso, como melhorar o vinho verde que se assemelharia muito de longe ao de Bordéus; modificando a viticultura c a vi ­nificação.

Àccusam-me porque eu aponto o mal e não indico o re­medio. Dos remedios que eu sempre aconselho não poucos se achavam anteriormente propostos e dos novos que lem­bro, fazem de conta que não m'os ouviram.

Pois, muito bem. Vou deixar n'este caso uma receita por oscripto. Recommendo aos vinhateiros do norte os conse­lhos que deram os srs. visconde de Villa Maior e Ferreira

346

Lapa ácerca dos vinhos verdes, e que viram a luz da im­prensa ha uns poucos de annos.

E que me dizem agora? Consta já que os seguissem.ou os ensaiassem sequer?

Não são por tanto fundamentadas as queixas dos vinha­teiros. O quo elles simplesmente procuram 6 achar um pretexto que possa servir de desculpa á sua inacção.

0 sr. visconde de Villa Maior reprova os lagares, por­que são pouco aceiados, em virtude das asperezas do gra­nito; teem uma larga superfície exposta ao ar, d'onde re­sulta uma grande evaporação de álcool e a oxydação do vi­nho. Propõe para os substituir as dornas cobertas, e que não as havendo, se aproveitem ao menos os toneis. Acon­selha vindima cuidadosa, desengace total ou parcial, com addição aos mostos mais pobres de assucar de canna, cujo preço, embora seja entro nós elevado, não contribuirá muito na sua opinião, para encarecer o vinho verde, que só tem a despesa da vindima c quasi nenhum tratamento.

0 sr. Ferreira Lapa, nas suas conferencias proferidas em Braga, propoz a cultura mais baixa, o uso da empa em argola em vez de varas pendentes, que nos lembram os cabellos desgrenhados de uma louca; a poda viva dos lan­çamentos estéreis e dos cachos esgalhados; a desfolha; o avellamento das uvas em taboleiros fóra das uveiras; asul-furação como meio de conservação e de adoçar o vinho; os balseiros cobertos e a educação na vasilha sem aguardente; a filtração e o aquecimento: emfim, a transformação radi­cal do producto. E o estudo rigoroso das castas, acrescen­tarei eu.

Querem os vinhateiros então que lhes aconselhe os me­lhores processos? Ponham estes em pratica e venham de­pois outra vez entender-se commigo. Não é proveitoso a quem estuda pouco, passar-lhe lição comprida de mais.

Desde os fins do século passado, que em portuguez se teem escripto muitas obras úteis sobre vinhos. Leiam-n'as.

Um terço que se tivesse aproveitado e onde estaria a es­tas horas a viticultura portugueza t

347 Quando penso em socego no meu gabinete, e converso

sôsiaho commigo acerca (Testas questões, deixo-me deve­ras possuir do mais justificado desalento. Perdoae-me que vol-o diga. Chego quasi a convencer-me, que os livros são inúteis, e que os estudos n^este paiz não inspiram sympa-thia a ninguém.

Para que uma idéa vingue é preciso que um século pelo menos a tenha envelhecido fora d'aqui. No grande cortejo da humanidade, figuramos no couce da procissão. Adiante de nós vac quasi tudo. Deixámos unicamente para traz o negro e o selvagem! Nem uma folha de loiro pozestes mo­dernamente no altar do progresso!

Aos poucos homens.que ainda se levantam para traba­lhar e suster a patria na queda, arrancaos com zombarias o enthusiasmo do coração.

Partistes a espada na mão dos guerreiros quando a pa­tria era nova, mas agora quereis na velhice fechar-lhe os livros na cara, para que ella não pense!

A historia, na sua lição imparcial e severa, mostra-vos, que o flagello se tem tornado, na luta contra a vossa indif-ferença, o mais eííicaz elemento de prosperidade.

Em quanto se não repetir uma epidemia temerosa como a de 1857, é possível que não chegueis a destruir a pés­sima canalisação da cidade; em quanto um incendio pavo­roso não se atear no bairro da Alfama, dormireis largas noites sobre o projecto da sua reedificação; em quanto o vinho não for mais barato do que é a agua, não arriscareis um passo d'aqui para acolá, na intenção de melhorar o fa­brico. ' E queixae-vos então de que não tendes livros e de que

ninguém vos ensina. O que não ha é quem se disponha a estudal-os. Quereis sinceramente aprender? Consultae Quintella, Pe­

reira Rebello, Seabra, Lobo, Villarinho de S. Romão, Villa Maior, Ferreira Lapa, Gyrão, etc., etc.

Admirae-vos de tantos nomes? Nunca ouvistes pronun-cial-os, ou não os julgaes auctorisados? Preferis gente de

348 fóra, porque não íendes fé com estes santos, e toda a vida se disse n'esta terra de proverbios, que os santos de casa não faziam milagres?

Esperaes que o vosso amigo almocreve se resolva a,es­crever um tratado de vinhos? Largos dias teem cem annos. Tarde vereis esse livro. Ainda elle se não matriculou na anla das primeiras lettras. . Mas que abstracção esta agora?! Onde se viu coisa pa­recida 1 Estou como um homem que em vez de seguir o seu pensamento, fosse obrigado a repetir o dos outros.

Será éxtasis? É elle. Elle abi está outra vez de volta commigo, o ecco t

A dizer das suas e a fallar sem licença. , Queremos práticos! E um governo que te deixe isoíado

a pregar aos peixinhos! Que pegue na tua obra e mande com ella embrulhar manteiga! Que a não publique será melhor, e não faça caso do que tu disseste! Desafiar-n'os?! Que petulancia! Os eccos vão pòr-se em campo e depois verás que marulho! Ás chammas, ás chammas o condem-nado. Está vendido ao estrangeiro!! I Armemos os nossos filhos contra este traidor e saiamos para a rua a fazer motim.

Acordam todos os eccos e ainda estonteados de somno começam também de bradar:

—«Fóra com elle que está vendido ao estrangeiro. Atraz dos eccos vem pelos cabellos para a praça e entram

na sedição, varios clubs de agricultura, que se levantam da mesa do whist com muito mau modo. E como sempre succede na occasião das revoltas, são mais os curiosos do que os revolucionarios, e não falta também o rapazio para fazer algazarra.

A onda encapella-se e os murmurios chegam depressa ao palacio das auctoridades, que mandam perguntar para fóra, a flm de se pôr em pratica, o que é que pretendem os senhores das cepas, únicos que existem hoje, depois que o tempo aboliu os de pendão e caldeira.

-^«Queremos tudo como estava, pois é para isso que os portuguezes eostumam fazer revoluções. .m

349 Voltemos ã realidade, senhores! Aqui o maior elogio de uma pessoa e o seu melhor t i ­

tulo de recommendação é dizer-se: tudo quanto sabe a si o deve, aprendeu sem mestre.—em tanio que a maior cen­sura que se levanta contra qualquer, é charoar-Ihe theorico. Corresponde entre nós a este opitheto, que em toda a parte se applica aos homens do merecimento, um sentido pérfido que envolve quasi uma aíTronta.

—«Aquelle é theorico,—exclamam os insensatos, mor­didos de ciúme, quando querem humilhar alguém que va­lha mais que elles, e a multidão acrescenta:—Não ponha mais na carta.»

Deprime-se o sabio, eleva-se o ignorante. Para mim o theorico representa o homem que queimou

as pestanas sobre os livros; que sabe pôr acima dos seus interesses o amor da sciencia que cultiva, a idéa que defende., o principio que pretende implantar; que passa pela moci­dade como um velho; que não olha para a natureza sem lhe arrancar um segredo.

Quasi sempre c o homem, cuja vida começa quando para os outros se acaba e que se ergue na historia tendo-a por pedestal.

Pode ser mais ainda e então chama-se Christo, o Re-demptor da humanidade!

Para os ignorantes o theorico é uma vaga creação do es­pirito, um ente moral sem impiiíação, um louco que fngiu de Rilbafolles, uma crea tura que segue uma sombra, que á força de estudai' não sabe nada, que tresleu a ler, que não tem razão quando combate os prejuízos, que tudo faz ás avessas, que nada aconselha com utilidade, que não co­nhece os homens nem sabe viver n'este mundo; emfimum original que vive na lua t

Vive na lua I A phrase é esta, e aecudiu-me a tempo. E comtudo, senhores, aos estudos e locubrações dos theo-

ricos deve a humanidade as suas mais preciosas conquistas, e a sua adiantada civilisação.

É com os trabalhos dos theoricos que as sociedades mo-

350 dernas caminhara, e o homem cheio de orgulho a cada passo exclama que o mundo progride i

O theorico riu-se da vela de sebo de insupportavei mor­rão, que se desfazia em negro de fumo, e d'ella extraiu a stearina que vos allumia com a luz clara e brilhante do gaz condensado.

O theorico olhou um dia para o espelho, e em vez de reparar na sua imagem, viu as faces pallidas, o rosto ca­davérico e os membros trémulos dos operarios, que na pre­paração do aço, morriam victimas das emanações do azou-gue. Tanto bastou para vos dar outro espelho de prata, em que podeis mirar sem remorsos a vossa vaidade.

O theorico observou, que os filhos definhados fugiam dos peitos das mães, corroídas pela escrófula, e foi procurar o leite bom para a alimentação das creanças, regenerando as raças. Bem certo que a sciencia, nossa mãe fecunda, não recusaria o seio ás gerações prevenidas pelok vicios de seus progenitores.

O theorico carregou a pilha, distillou a hulha e inflammou os dois gazes componentes da agua para obter a luz, por­que a natureza menos previdente, não chegára a dissipar as trevas com a claridade do sol, da lua e das estrellas. Luz que vos acompanha por toda a parte, sem receio de ver­des o seu brilho empanado pelo mais tenue veo de vapor que se transforma em nuvem.

O theorico descobriu o chloroformio que vos suspende a vida para o sofMmento, poupando, contra as próprias pa­lavras dos textos sagrados, as dores da maternidade ás mu­lheres.

O theorico separou do alcatrão do gaz as còres mais gar­ridas com que enfeitaes vossas filhas, roubando á flor o se­gredo que só ella possuirá de corar as suas pétalas.

O theorico achou na pilha o coração do pensamento; con­struiu as rodas do vapor, disputando na velocidade da car­reira, o vôo ás aves; isolou a quinina com que resistis á in­fecção paludosa, dando-vos armas para lutar com a morte, e os meios de combater os effluvios dos pantanos.

351 O theorico descobriu a attracção universal e a harmonia

dos corpos celestes. Poz as leis que multiplicam as cearas, que-reproduzem os animaos úteis, que propagam os pei­xes, que modificam os climas, que combatem a fome, que aperfeiçoam a creatura.

O theorico fez toda a mathematica, toda a physica, toda a cliimica, toda a astronomia, toda a historia natural, fez todas as scienciasf Só não fez a ignorancia!

Socrates e Platão, Demosthenes c Thucydides, Hipocra­tes e Galeno, Galileo e Newton, Kepler e Franklin, Am­pere e Faraday, Pascal e Lavoisier, e ao lado d'estes os grandes pensadores da humanidade são os representantes na terra da Omnipotencia Divina.

A injuria, a perseguição, a masmorra, a tortura, o cada­falso, a fogueira foram para muitos o premio do seu enge­nho ! Tornastel-os assim maiores, porque fazendo-os subir ao calvario, os aproximastes de Deust

Gurvae-vos, pois, reverentes perante os theoricos. E já que em vida lhes concedestes a palma do martyrio,

em paga de tantos benefícios, respeitae ao menos agora a sua memoria. Não lhes inquieteis,—ingratos!—o somno glorioso da immortalidade!

¿Que idéa faríeis vós da natureza, se não existira esse louco a quem accnsaes de viver na lua?.'!!

tosp. p. i 22 »•

9.1 CONFERENCIA ElVC SO IDE S E T E M B R O IDE 1875

No salão nobre do thealro da Trindade

S U M M A R I O fj* — ' 1 ¿I tf á çj -J

Grupanienlo do vinho verde por zonas B nocessidadfi de novos estudos que nos conduzam a uma classificaftio mais exacta, iriinuciosa e definitiva.— Cansas principaes da alteração do vinho verde, que poderia sem inconve­niente diamar-sc a cerveja de Portugíil.—Breves considerações sobre os adu­bos o os estrumes. — Vinhas anémicas. —Em que levam vantagem ás dos grandes proprietários as vinhas dos pequenos fazendeiros.—0 serviço que mais luz é o do trabalhador que anda cotnsigo.— Que mais sc encontra na vinha além da cepa, comendo do chão reservado para ella.—Casos em epíe as vinhas sc estrumam. — Nova theoria acerca da alimentação das plantas.

' —Sem que se faça um curso de agriculturn, dizem-se algumas palavrasso-bre a sua composição e relações com o solo.—U vegetal na floresta virgem e na sociedade do homem eivilisado.—Os andores portugueses seguindo o exemplo do agricultor, deixam uma folha cm branco nos seus escriptos para os estrumes.— Influencia d'cstes sobre a qualidade do vinho c opi­niões encontradas a esto respeito.— Dois exemplos.—O vinho do Kheno e o da Borgonha. — Estrumes que se empregam ás claras e ás escondidas.— Difficuldades de estrumar bem a vinha que se planta irregularmente.—A anedocta do pae avarento e a conversa de dois casaleiros deixam ver o as­sumpto tão claro como agua.

Vinhos de Traz os Montes o lypos de vinificação.—Dados estalislicos.—Pre­ços, força sacebarina e alcoólica das amostras de Londres.— Geologia da pro­vincia.— A faltado estradas e a falta de estudos continuam a prejudicar os vinhos de Traz os Pontes.—Cultura e castas das cepas.— Caracteres e aguar-dentaçMO dos vinhos.—As cantigas populares também ás vezes indicam onde se escondem os melhores vinhos,— Regiões apontadas pelo sr. visconde de Villa Maior no districto de Villa Real e de Bragança.—Linhas principaes dos processos de vinificação.

Momento solemne para o conferente, que em nove viagens atravessou as re-. giões de vinho de pasto.— Golpe cie vista pava o passado.— Hepetições úteis.

—A iniciativa particular e o auxilio do governo.—Associações para os ri­cos e cooperativas para os pobres.—Do como se prova, pelo talho da rua do Alecrim, que as cooperativas sc podem organisar com um só individuo. — Mercados que as pequenas emprezas devem explorar e ordem porque lhes seria conveniente fazel-o.—Creação dos postos osnologicos o ampelo-, grapbieos.— Pessoal e material de cada estação.—índole especial dos seus estudos. — Commissão magna e congresso.— Nada d'isto provavelmente se faz e o prelector continúa impossibilitado de prestar um bom serviço aos vi­nhateiros.— Extinguir o deficit e organisar uma lista completa de vinhos sSo dois problemas egualmenfe diíficeis.—Os vinhos que sobejam dos nos­sos jantares, não chegam ainda para o jantar de um gourmet.— Lisboa 4 mesa e Lisboa á noite.

Meus senhores!—Duas palavras ainda sobre os vinhos verdes, cuja classificação não houve por emquanto oppor-

CONI". p. i. 23

354 tunidade de se fazer. O sr. visconde de Villa Maior1 aprovei­tando as iadicações de um proprielario8 muito conhecedor da agricullura do Minho, divide-os em cinco reg iões ;—di­visão transitoria, já se vè, porque são tantas as variantes de typo observadas em toda a provincia, quo a •classifica­ção definitiva se torna por isso bastante diíUcil; principal­mente não existindo estudos minuciosos, que permittam proceder ao grupamento natural dos vinhos pelo seu má­ximo numero de analogias. A classificação do que vou fal-lar-vos, separa os vinhos pelos rios; forma, por assim di­zer, os grupos principaes e está muito longo de ser abso­luta. Perinitte-nos, comtudo, fixar melhor as ideas sobre este assumpto e não deixa de ser um apreciável auxilio, que pôde servir de base a futuras investigações.

Os melhores vinhos verdes, ou como tacs considerados até hoje pelos provadores, e que estabelecem a transição para os maduros, são os de Basto e Ribeira do Tâmega; os do Lima ao Minho; do Cavado ao Lima; do Ave ao Ca­vado ; do Douro ao Ave, formam as outras regiões gra- • dualmente inferiores, segundo a ordem por que ficam in­dicadas.

Os concelhos que expozeram vinhos verdes cm Londres, abrangem as regiões principaes e foram: Barcellos, Braga, Celorico de Basto e Amarante no districto de Braga; Arcos de Val de Vez, Monção, Ponte da Barca, Ponto de Lima, Vianna do Castello, Villa Nova da Cerveira, no de Yianna; Bayão, Gondomar, Marco de Canavezes, Santo Thyrso, Pe­nafiel, no do Porto. A maioria d'estes vinhos era natural; alguns alcoolisados, como se deprehendo do que se disse na conferencia anterior; não havendo fundamento sufficiente para acreditarmos, que a differença de álcool entre os vi­nhos mais ricos e a riqueza saccharina normal da uva, pro­ceda da addição de assacar aos mostos, como sabemos que fôra aconselhado pelo sr. visconde de Villa Maior emv1867.

1 4.» Memoria sobre os processos de vinificação, pag. 26. 5 O sr. visconde de Montariol.

_355_ O assucar tom preço elevado em as nossas aldeias. Em

muitas é ainda remedio, que só se manda buscar quando alguém eslá doente, e não é crivei que o deite no vinho para elevar a sua forca alcoólica, quem mal por emquanto o conhece para adoçar o café.

Todos os viniios verdes resistiram muito bem ás más condições das adegas onde foram guardados na exposição; manifestando apenas algum ligeiro principio de fermenta­ção, cujo desenvolvimento se evitaria transferindo-os para outra vasilha.

Julgo que não tenho necessidade de fallar em separado dos productos que se criam nas cepas de embarrado das duas Beiras, em que entram os vinhos verdes das plani­cies de Aveiro e do norte do Alemtejo. Como os do Mi­nho, devem con siderar-se sujeitos á mesma critica e com muita maior razão certamente, porque chegam a ser ínfe-

"-riores áquelles e não poucas vezes de todo impotaveis. O que se refere ao melhor typo é applicavel sem restricção ao typo mais ordinario, em tudo que respeita ás modifica­ções e aperfeiçoamentos, por que tem que passar.

As causas principaes da alteração do vinho verde, por muitos dos nossos compatriotas appeliidado a cerveja na­cional, são a má escolha das castas, colhidas antes da ma­turidade; a fermentação com os engaços, cuja agrura não se descreve; o pouco aceio dos utensilios e mobília vina­ria, e o excesso ele saos, tannino, fermento e substancias fermenlisciveis, que resultam dos estrumes azotados, que se applicam ás culturas intensivas.

O vinho não pôde subtrair-se á influencia que estas ma­terias possuem, por isso que as uveiras se estabelecem, como sabeis, orlando os campos. Todos os annos as cepas do Minho se aproveitam dos adubos que são lançados re­gularmente á terra.

Pouco se tem dito até aqui. n'estas conferencias, acerca dos estrumes e do seu influxo sobre a vinha, porque muito de proposito reservei para este logar o seu estudo. É agora que posso compendiar sem repetições fastidiosas o que

ri '

356 julgo de maior importancia sobre a esírumação das vinhas; más, socegae, meus senhores, que não vos enfadarei com uma lição de especialista.

Não é esta a indole do meu trabalho, e havendo quem o saiba fazer melhor do que eu, nas escolas de agricultura, onde se ensinam estas materias com desenvolvimento, para lá vos remello, se quizerdes apreciar a questão a fundo.

O que eu não quero, ou pelo menos não desejo, é ser acensado de rae haver absolutamente esquecido d'este ponto interessante, para não augmentar a lista dos auctores por-tuguezes, que trataram da viticultura e nem duas palavras ao menos disseram nos seus tratados, acerca de estrumes.

Quem sabe se pensariam, como os agricultores, que a vinha pôde viver sem adubo, ou se receavam aconselhal-o,, com o temor de tornarem ainda mais desgraçada a vida do nosso aldeão?

-Não se estão vendo, com sincera tristeza, os sacrifícios a que elle se presta para obter os escassos estrumes de que dispõe? Pobre gente que definha a população sem robus­tecer a terra, e produz com as estrumeitas das suas chou­panas mais typhos do que sementes f I

Na maioria das nossas comarcas pode gabar-se a vinha de ter concorrido até agora, para que o medico não passe a ninguém certidão de óbito. E a não ser no Minho, na região da Bemposta, onde è estrumada regularmente de tres em tres anuos, e n'uma que n'outra comarca do reino, que bem poucas são, raras vezes os seus productos deixam de ser primorosos e do mais subido quilate, por Ih'o haverem applicado.

Coisa curiosa; no Minho onde a vinha é um acessório, e não rouba terreno ás outras culturas, é que mais estrumes recebe, não precisando talvez tanto d'elles. Nas outras re­giões, em que se (\v¿ senhora absoluta do solo, porque é considerada a cultura principal, vè-se privada quasi abso­lutamente d'este benefício.

Coitada 1 a posse do terreno è d'ella, mas conservam-lhe a casa sempre cheia de hospedes. É preciso ser cego para

357 Dão reparar na liberalidade da vinha, que deixa viver a seu lado, as balatas, o milho, o grão, os chicliaros, e quando Deus quer o trigo também! Não lhe damos estrumes e ape-zar d'isso deixamos, que dispenda cora os eslranhos grande parte dos seus parcos haveres. A vinha certamente está doida, e nem eu sei já porque a não temos dado por pro­diga.

E julgacs que ficam aqui as suas extravagancias? Vão muito mais longe ainda, porque atem da balata, do millio e do trigo, semeados em aunos successivos, consente ar­vores nos seus domínios, que mais conchegadas fariam ex­tensos pomares para matiz da paisagem. A bem dizer só lhe faltam flores, e se as não tem, é porque nós não senti­mos predileção pelos jardins.

E que arvores'?! Tanta caridade haverá, mas maior que a da vinha, não me saberão apontar I—Arvores cobertas de aleijões e deformidades, com molestias incuráveis, cra­vadas de insectos, vestidas de musgos, ajoujadas de lenha seca, insultadas pelas formigas, minadas pelo caruncho, ne­gras de ferrugem, com uma única fidalguia — a do peco. Mendigos, n'uma palavra, que somente no matlo encontra­riam asylo.

E todavia, deveis lembrar-vos, que é n'estas arvores que nós creamos a fructa do chão, que também repartimos com o gado suino, nos annos de grande fartura, quando se torna impossível comel-a sem companheiros.

Desculpem-me a sinceridade. Nunca parti uma pera com a certeza de ser toda para mim. Faço sempre conta com os bichos que ella encerra e que provam a fructa primeiro que nós.

Á sombra e com a protecção da vinha vivem e medram lodos os fructos vadios. Elle é a maçã reguenga, elle é o pero azeitado, elle é a ameixa brava, o figo bichoso, o la­xante abrunho e a azeitona gafa!

E tudo isto, até certo ponto, não é mal feito que lhe suc-ceda; porque a vinha de toda a maneira se propaga, e não se restringe facilmente a vegetar no sitio em que é dis-

358 posta. Com pouco vive e todo o terreno acha pouco para si. Tem sete fôlegos como os gatos.-

As varas que cobrimos de term, tornam a florir o poi­cada vara escondida, brota outra cepa de mergulhia que al­tera os alinhamentos. Cortada cm pequenos pedaços, ainda se desenvolve com pasmosa energia, como se vé no bacello que enterramos na manta. Da cova resurge! Fura com as raizes as paredes e as rochas, e raras vczes se esquiva ,1 dar fructo. Como quer ella então, se tão mal andamos acos­tumados, que pensemos em alimental-a?

E como pretendera também que o possamos fazer com economia e vantagem, se ella consente que a plantemos em confusão, obrigando o agricultor a cavar cada pé por sua vez? Faça como os cereaes, que se não promptificam a pro­duzir sem o salario de adubos.

Considerando as vinhas desde a sua origem, vc-se, que em geral, est5o dispostas com a maior irregularidade. De um individuo se conta, que estando á janelía a comer um pecego, deixara cair no quintal o caroço; tempo depois cn-trava-lhe a ramada de' um pecegueiro pela janella dentro. Desde então para não perder a semente, passou a comer os pocegos no quintal, deixando cair os caroços na terra até que fez assim um pomar. Embora o processo de plan­tação não seja o mesmo, se observamos as nossas vinhas, encontramol-as n'uma disposição análoga; como que parece ter sido um tufão que para ali arrojou a semente.

A irregularidade da plantação que prejudica todo o gran-geio da vinha, difflculta também por fim a applicação dos estrumes, e o fraco adubo que muitas vezes se lança na manta ou no chão da vinha, vae ser aproveitado desegual-mente ou compartilhado pelas visitas da cepa, que fica sem os suecos que parecera destinar-se á cultura princi­pal.

Nas vinhas ha a distinguir as que são dos fazendeiros e por elles amanhadas, as vinhas da pobreza, se lhes quize-rem dar este nome, e as que pertencem aos grandes pro­prietários. Poucas vezes lenho visto que estas andem me-

359 lhor amatihadas cio que as primeiras, o não admira quo os vinhedos dos ricos appareçam menos cuidados, porque nem sempre elícs procuram os meios de se collocaremaas con­dições de grangcar acertadamente a grande propriedade.

Ha no districto de Santarém uma phrase conceiluo'sa para exprimir os dois factos observados nas vinhas. Do pequeno fazendeiro que amanha as suas terras, diz-se, que anda comsigo; do proprietário que as dá para estranhos arro­tearem, diz-se que anda com os outros.

Andar comsigo é a força, a intelligencia, embora des­acompanhada da instrucção, é o cuidado applicado á cul­tura.

A enxada do homem que anda comsigo, profunda-se no terreno, cava-o, revolve-o» fertilisa-o melhor; a mesma en­xada, quando trabalha na propriedade do que vive com os outros, apenas lhe roça algumas pollegadas á superficie. Os pobres andarn comsigo, cultivam bem e arrecadam bom frticto; mas não chegam a lograt-o, porque, em chegando a vindima, o proprietário que lhes empresta a adega e os utensilios, faz passar o fazendeiro pela sorte dos que an­dam com os outros.

No tocante á alimentação das plantas, vive o agricultor despreocupado, não repara nem tem a consciência que as cepas vegetem anémicas; antes pelo contrario, acredita que as culturas acessórias as não prejudicam, chegando a aílir-mar que uma ceara de milho de sociedade com ellas, lhes augmenta o vigor!

O estrume que as vinhas de embarrado comem ás cul­turas intensivas do Minho, é sobejamente pago peia sub­stancia da vinha baixa nas outras regiões do reino. Tam­bém a vinha sabe o que seja contribuir o justo pelo pecca-dor.

Estamos tirando das vinhas toda a especie de producto acessório, para satisfazer as necessidades peculiares da vida rural. O peior de tudo é, que por toda a parte se levan­tam os insectos e as plantas parasitas para a desfructarem por sua vez, ameaçando destruir ou pôr em grave risco a

360 ' existencia da videira, que nós traiamos ha tanto tempo,

como roupa de francezes. Os ricos seguem n'este particular o exemplo do pobre,

e plantam nos vinhedos cearas e arvores, embora vejam que as cepas assombradas por ellas difficiiltosamente produzem. -Ninguém se preocupa com a separação das culturas, se­gundo a natureza e aptidão dos solos. Succede mais en-contrarem-se as vinhas nas covas o ribeiras que seriam excellehtes terras de pão, e as cearas quasi nos píncaros dos outeiros. Esla deslocação do solo mais conveniente á vinha, é egualmente outra causa que contribue para a i n ­ferioridade de alguns productos, que nem os melhores prin­cipios da arte (Enológica poderão jamais modificar.-

A terra é muito rica e dá para tudo, calcula de si para comsigo o agricultor, e as plantas devem viver em socie­dade. Como nem todas possuem raizes da mesma exten­são, podem juntar-se todas na mesma terra. Umas comem por cima e outras comem por baixo f Com estas idéas a terra um dia cansa-se de produzir. Castigo do ceul ouvi-" mol-o então dizer, sempre prompto a desculpar-se com al­guém das imprudencias que faz.

Todas as plantas se compõem de duas partes distinctas, em relação aos elementos que as formam. Uma parte que desapparece em productos voláteis quando as sujeitamos, na presença do ar, á acção do calor; e outra, que se não volatilisa nas circumstancias vulgares em que se pôde fazer a experiencia.

Basta que tomemos qualquer pedaço de uma planta e a aproximemos do fogo, para ver qué ennegrece e se reduz a carvão; se continuarmos o aquecimento, encontramos por . ultimo uma substancia fixa, que pôde ser branca, amareí-lada mais ou menos vermelha, e que constituo a cinza.

Até o primeiro período Unhamos a substancia orgânica, aquecemos mais na presença do ar, ficamos sómente- com as substancias mineraes.

A parte, orgânica adquire-a a planta do ar pelas folhas e

i 6 ! do solo pelas raizes; a parte inorgánica do solo por-meio das raizes.

Estes factos provam, que nos vegetaes ha duas ordens de substancias de natureza dislincta, que elles tiram da terra a que vivem presos e do ar ou do ambiente que lhes cerca os órgãos aéreos, sendo as raizes que se escondem no solo e menos nos impressionam, os órgãos principaes da absurpção.

A planta como e bebe como qualquer animal, e não pode viver sem o alimento que a terra 6 obrigada a íbrnccer-llie. Quando esta empobrece, a planta soffre e pôde mesmo não chegar a susícntar-se.

Mas, além d'ísso, teem como nós as plantas paladares diífereníes, havendo-as até de má boca; umas preferem a potassa á soda, o acido phosphoricp ao sulphurico, e em regra a cal á magnesia; estas teem mais actividade, aquellas menos, já porque assimilam com maior facilidade os ali­mentos, já porque sabem procural-os em uma área mais extensa. D'onde resulta a necessidade de se fazer o estudo do solo para conhecer o que elle pode dar, e o estudo da planta para saber o que ella quer.

E não ha remedio senão sujeítar-mo-nos a esías leis, que muitos podem tomar por caprichos. Caprichos temos nós, que precisamos de cosinheiro para crear os músculos, e não nos contentamos com os alimentos riaturaes. Agora se vê aqui um individuo que vive de bifes na grelha, e acolá ou­tro que se alimenta principalmente de peixe. Ha tàl que não gosta de salada de camarões e alguns que fazem d'este marisco as suas delicias. As plantas gostam todas egual-mente da agua, do acido carbónico e do azote, já sob a fórma de nitrato, já sob a fornia de ammohiaco e até no estado livre. Que muito é qué lhes deixemos a liberdade de preferir um alcali a outro, um acido a outro acido, e que muito é também que se faça a diligencia da nossa parte para lhes conhecermos as inclinações?

O agricultor intelligente, dirigido nos últimos annos pela mão dos investigadores, já se não contenta só de restabe-

lecer a composição normal dos terrenos. Faz mais e me­lhor. Escolhe o alimento adequado á organisação de cada planta, procurando ministrar-]he não só a parte mineral, que possa ter-se esgotado no solo ou não exista n'ellc, em razão da sua origem, senão também a parte orgánica quo melhor a desenvolva; apesar dos componentes da atmos-phera contribuírem poderosamente para a formação d'esta ultima. E dizíamos nós que as plantas não exigiam cosi-nheiro? Foi uma irreflexão da nossa parte. O bom agricul­tor está quasi reduzido a este papel, sendo hoje o que me­lhores guinados tempera, aquelie que mais bellos e finos fructos recolhe.

Occorre, porém, aq;ui uma difficuldade. Como é que se chegará a saber as substancias mais do agrado das plan­tas? Elias não o dizem, e nós não podemos adivmhal-o. As­sim parece á primeira vista, ainda que o não seja na reali­dade.

A analyse chimica encarrega-se de perguntar-lh'o e os reagentes de noi-o fazerem saber. Pela analyse investiga­mos os principios que as terras conleem, c os corpos que constituem os vegetaes. E depois põe-se estes no solo cuja constituição mais vá de harmonia com elles, c o que faltar, traz-se de fora. Isso que se traz de fora, é o estrume, o adubo, o correctivo, o estimulante, conforme o que for; e para não vir ao acaso, é que se fez a analyse, e houve aquelie trabalho.

Estamos longe das florestas virgens em que as arvores previdentemente se despern de suas folhas, preparando com ellas varios suecos nutritivos, que lhes garantam a existen­cia futura. Nós apanhamos tudo, e não deixamos despojo algum por utilisar, e que possa mais tarde servir de ali­mento ás plantas.

Damos applicação ás madeiras, aliment amo-nos com os fructos, dispomos,.das folhas para os gados, e esquecidos ás vezes um pouco da nossa propria existencia, destruimos sem repor os arvoredos, permittindo que a falta d'esses amigos.altere a composição do ar atmospherico; porque não

363 reflectimos, que o reino vegetal é, cm ultima analyse, a carne dos nossos músculos, a força da nossa intelligencia e a ener­gia da nossa vontade.

O animal e a planta são dois d ragões que se devoram, e dois pelicanos que abrem o seio u m ao outro, para se sus­tentarem reciprocamente. Onde a vida de um parece que termina, começa a vida do outro; andando por tal fórma ligados que a bem dizer não ha morte.

A materia gira constantemente nos corpos, impellida pela força, com a regularidade dos movimentos que se obser­vam nos astros.

—«Mas tudo isso é bonito, dirão os nossos agriculto­res; resta, porém, que nos digam como havemos de desven­dar tantos mysterios, e afinai conhecer quaes sejam os ali­mentos de que as nossas plantas mais gostam. Nós não sa­bemos fazer analyses e temos pouco geito para ellas.

É claro que ninguém os obriga a tão complicados estu­dos.

Não precisa o agricultor tornar-se investigador, basta que saiba ler e consulte os livros especiaes.

Com quanto a videira não seja entre as plantas a que exige maior abundancia de estrumes, e variedade de co­midas, que até podem prejudicar os vínbos sendo em ex­cesso, é comtudo certo que em muitas vinhas do nosso paiz, ella está sofírendo cruéis privações.

O que eu desejava era, que se estrumasse a vinha com regularidade e com prudencia, mais ou menos segundo as circumstancias, mas sempre debaixo de um principio ra­cional, invariável,—alimentar a planta sem prejudicar a qua­lidade do vinho. Adubar com parcimonia as cepas de vinho generoso, e com maior largueza as que apenas se recom-mendam pela abundancia de produeção .

Creio que ninguém me contestará, que muitas vinhas d'esta ultima classe estão decadentes e anémicas porque as não estrumam; não sendo o receio que tem o agricultor portu-guez de prejudicar a colheita, o motivo mais forte que o impede de não usar os estrumes.

364 > Nós, até àqui, temos preferido sempre a tudo a fartura, e se negamos o adubo á videira, é porque ou estamos per­suadidos da sua inutilidade, ou porque realmente o não le­mos, nem tratamos de o produzir nem de o aproveitar, quando o podemos fazer.

Deus sabe os sacrifícios que nos custam, e as doenças que nos trazem, os pequenos depósitos que se espalham em monticulos pelos campos, quando chega o oulomno, e assim ficam dias e dias ao tempo nas terras de cereaes, atè se reduzirem inteiramente a palhoça. Como que é o ar das aldeias o que por fim absorvo o melhor dos estrumes!

Lá fora dá-se a este assumpto a maior importancia, ap-plieando-se intelligentemente o adubo, segundo o que se pretende obter.

Na Côte d'Or, por exemplo, em toda a zona dos vinhos mais superiores da Borgonha, não se usa de adubos. Isto se diz e está escripto também, mas não é absolutamente verdade.

Adubam ás escondidas. O que não é possível é estrumar abertamente as vinhas, porque os negociantes deixariam de comprai o vinho; mas abrem valetas nos pontos de de­clive, para no inverno receberem as terras, que veem de cima impellidas pelas aguas. Mais vi que se estava fazendo em Cios de Vougeot, quando por ali passei celebre pro­priedade que tem uma parte dos seus terrenos na aba do monte, e outra já assente na planicie. Conhecia-se pela diferente coloração em varios sítios do solo, que se man­dara vir terras próximas para restaurar um pouco as forças perdidas das cepas, as quaes não podiam pela sua situa­ção recebel-as dos pontos mais elevados da collina. isto na região dos vinhos finíssimos, que na dos outros, os meeiros ou parceiros são obrigados pelos contractos com os senhorios, a transportar os estrumes por sua conta.

Passando'ao Rheno, observa-se exactamente o contrario As vinhas estrumam-se n'aquellas pittorescas encostas, com a maior regularidade possível. Em muitas vinhas havia quasi que junto de cada cepa um pequeno montículo de estrume.

365

Chegou a parecer-me adubo em excesso, embora o terreno que é fraco., careça bastante de ser ajudado. Na primeira vez de que dispuz para fazel-o notar, communiquei a minha impressão- a um proprietário, que era ao mesmo tempo grande negociante em Moguncia.

Foi na adega de Otto Mayer e provara differentes amos­tras dc Niersteiner, em que, sem excepção, se podia notar o já conhecido goút de terroir. O productor explicou-me que aquclle gosto desapparecia no fim de dois annos, pas­sando o "vinho a ter excellente sabor, e por tanto, que a es-trumação, não se principiando o vinho a beber senãõ ao ter­ceiro anno, não tinha inconveniente e fôra muito bem ap-plicada para augmentar a producção.

Assim entendem-se as coisas, e a gente chega a com-prehender os casos variadíssimos que se observam em uma vinha, e o que n'ella se pode passar em relação aos adu­bos.

A quantidade exige forte estrumação; a qualidade fraca; mas a vinha exige também que se varie de adubo, con­forme as circumstancias particulares que se derem, e que nós não podemos considerar aqui.

Os estrumes são de varias especies: animaes e vegetaes mineraes e mixtos.—Este grupo fornece òs elementos de que a terra se exhauriu.

Depois dos estrumes, temos ainda os correctivos; taes são as margas, as areias siliciosas ou calcáreas, a cal, o cré, etc. Formam outro grupo, e são destinados a modificar a natureza e contextura do solo. E além d'estes, os estimu­lantes, quasi sempre mineraes, como o gesso, a cinza, o sal, os saes de ferro, etc.

Perguntem ás nossas vinhas o que ellas conhecem de tudo isto, que algumas se não pejarão de dizer-vos, que nunca viram senão rama de tremoçal,

—«Pois nós não cavamos a vinha annualmente a grande profundidade, para revolver a terra e. trazer á superfície os principios, que se escondem nas camadas mais inferio­res?

36ü —apois nós antes de semear a balata, o feijão ou o mi­

lho, não adubamos também o terreno com toda a cautella? —«Pois nós não deitamos estrumes na manta, não se­

meamos tremoços que entregamos ás cepas? Tudo isso é assim, mas não ó ainda o bastante para me

contentar. Quereis que vos pinte com sinceridade a situação da vi­

deira? Escutae o conto do pao avarento. ^ « Q u e m não quizer ceiar hoje, dizia elle para os filhos,

quando entrava em casa, ganha um pataco. —«Ganho eu! Ganho eu! Gritavam os filhos em coro

com o engodo de apanhar-lhe o dinheiro. —«Vejam lá o que dizem, replicava o pae, cheio de aus­

teridade. Eu não quero que sejam ambiciosos, nem que tenham mais amor ao dinheiro que ao estomago. Quando eu cheguei já vocemeeês estavam sentadinhos á meza. En-tendamo-nos: o pataco não se dá, senão a quem não qui-zer ceiar, por não ter vontade de comer.

—aEu não tenho! Eu não tenho! Venha o pataco, ganho euí Ganho euí exclamava cada rapaz de per si, agarran-do-se ás pernas do pac, e mettendo-lhe as mãos nos bolsos das calças para abreviar o processo.

—«Bem. Visto isso não teem forno; tome lá cada um o seu pataco e Deus os faça uns santinhos. Escusas de accen-der o lume, Maria (voltando-se para a criada), vae deitar os meninos, que não querem cear esla noite.

Os rapazes iam para a cama de pataco na mão e barriga a dar horas. Despiam-se muito contentes, guardando a ma­quia debaixo do travesseiro. Na manhã seguinte, acorda­vam mortos de fome; mas, o pae depois de lhe irem os filhos dar os bons dias, cumprimentava-os assim:

—«Hoje;—hoje, quem não der um pataco, não almoça. •—«Almoço eu, almoço eu, resmungava cada um dos pe­

quenos com a cara franzida, e atiravam com tanta raiva o pataco para cima da tneza que se vingavam nos pratos.

—«Ó cepa, diz mentalmente o vinhateiro, om sua casa,

367 quando chega a occasião de estrumar a vinha, qual queres tu, a quantidade ou a qualidade?!

Como é natural a cepa não lhe responde; mas elle não desanima.

—«Ah! Ficas callada?! Então já sei o que queres. Pre­tendes a boa qualidade, fujo-te com o adubo. Não precisas de estrume.

Quando chega a vindima, vae então queixar-se da cepa ao visinho, dizendo-lhe que não produziu, sem se lembrar dos patacos de estrume que elle metteu na algibeira.

Ora esperem! Elles lá estão, no recanto da estrada, bem perto ao vallado, encostados aos varapaus e de jaqueta ao hombro, em conversa intima. Antes ricos que remedia­dos, são dois inimigos da letra redonda, que fizeram for­tuna com riscas de giz atraz da porta da adega, por não saberem ler nem escrever. Faliam ácerca de estrumes. Po­nhamos o ouvido á escuta. O que dirão elles?

—«Então, mestre Luiz, o que me diz dos estrumes? —«Ora o que espera você que lhe diga. São invenções do

diabo para nos acarretar com os cobres para fora de casa. —aE a vinha, mestre Luiz, a vinha precisará d'elle? —«Eu entendo que não. Dizia meu pae, e meu pae foi

homem de retentiva e parceiro certo do sr. padre cura, que as plantas vivem do ar. Mal comparadas, são como os jumentos dos recoveiros que comem fome. No meu enten­der, os estrumes servem para sujar a terra e engordar os bichos. O meu visinho da Matta que tem um filho que an­dou nas' escolas, botou por conselho do rapazola este anno

-esterco e caliça na vinha; mas o homem, coitadinho, lem-se visto grego com a lagarta e ainda em cima deu uma sova no filho. Quem nos coma não faíta* e não Vale a pena pôr as plantas em maus costumes. -: —«N'esse caso está dito. Sempre fiz bem em consultal-o

a você, que é homem de mais tino que eu. É verdade, já agora quero também que me diga. Tem visto no caminho de ferro uma fiada de carros, cheios de uma terra branca, que tetó um nome . que parece phosphoros? Aquilio pelos mo-

368 dos, não se demora cá muito tempo, e é para os inglezes augmentarem o peso do peto.

—«Deixe lá ir , compadre. Deixe lá ir tudo isso pela barra íora, para sitio em que xiio traga perca, que Deus bera sabe o que faz. Deitar phosphoros no pãot Isso não ó para nós. Olhe, se alguma vez encontrar no caminho essa ter­ra. . . Benza-se!»1 -

A provincia de Traz-os-Montes tão pouco conhecida no paiz sob varios aspectos, e aínda ha bem pouco tempo com­pletamente privada dos melhoramentos materiaes, que se teem concedido em nossos dias ás outras provincias do reino, ó a ultima região vinícola que nos falta estudar, em relação aos vinhos de pasto.

E vamol-o fazer agora, posto que não tenhamos suffi-cientes subsidios talvez, nem observações pessoaes que nos conduzam a formar idéa completa e perfeita d'osta regiSo. É pouco conhecida, e o pouco que se sabe d'ella, é devido ainda assim aos esforços do sr. visconde de Villa Maior, a quem temos de referir-nos na maior parte do que disser­mos.

Dois districtos administrativos formam a antiga provin­cia;—o de Villa Real e o de Bragança, cuja superficie é de 1:111,566 hectares com uma população de 369:244 almas. Produzem annualmente 330,000 hectolitros de vinho, ex­cluindo d'esta avaliação a parte da provincia, que se acha comprehendida na região vinícola do Douro.

A producção média por hectare está calculada em 201 hectolitros. Muitos dos seus vinhos seguem caminho de Hespanha ou descem o rio Douro para chegarem ao mer­cado do Porto, onde mudam de nome. A maioria d'elles porém, é consumida na localidade, e a parte que o consumo não absorve, distilla-se para temperar os vinhos do Douro.

1 O sr. visconde de Villa Maior, no seu Tratado de Viticultura, com-" pendiou com exlrema clareza a melhor doutrina sobre a estruraação da •vinha. É um livro moderno ao alcance de todos. Recommendamol-O. '

369 Os vinhos de Traz os Montes são em geral descobertos,

macios, aromáticos, mais ou menos acídulos, seceos e al­coólicos. São menos frequentes os vinhos cobertos, tanni-nosos e densos, quando se não sigam os processos do Douro.

Ha quem admitia 15 a 20 typos distinctos (?)", venden-do-se os de primeira qualidade a 3O$OO0 réis a pipa de 500 litros, e os mais inferiores a I2$000 réis.

A uva chega a uma boa maturação , dosèa de 24 a 28 de assucar, o que corresponde -a 13,58 de álcool absoluto em peso. O limite inferior da riqueza saccharina é de 20 a 21 por 100.

As torras representadas na exposição, foram Bragança, cujos processos, segundo aííirma o .sr. visconde de Villa Maior, se aproximam dos que estão cm pratica em algu­mas comarcas vinícolas de França monos adiantadas, Al­fandega da Fé, Freixo de Espada á Cinta, Macedo de Ca-valleiros, Villa Flor e Vinhaes; Chaves, Murça, Santa Mar­tha de Penaguião o Val Passos.

Concorreram á exposição 34 vinhateiros com 3o amostras; 3 i do tinto, 4 do branco. Classificadas boas 1 1 ; soffriveis 9; más 15. Fcz-se o doseamento de 34; achando-se 11 acima de 26 graus de Silces e 23 abaixo.

A força alcoólica maxima dos vinhos de Traz os Montes era de 16,7 graus de Gay-Lussac; c a minima de 11,7.

Cultivam muitas uvas, cujos nomes principaes são os se­guintes: abelhal, alvaraça, alvarelhão, agurielho, bastardo, bastardeira, codega, carnal, cornifesto, caslelío, casculho, cerval, D. Branca, donzelíinho, farinheira, gouveio, Gonçalo Pires, lameira, malvasia, moscatel, moreto, mourisca, pé de perdiz, rabigato ou rabo de ovelha, sonsão, tinta Fran­cisca, tinto cão, tourigão, tinta carvalha, trincadeira, vêo-sinho, etc.

A natureza geológica dos terrenos da provinda deTraz-os-Montes é pouco variada. Derivam todos elles, em geral, dos schistos, que associados aos granitos tão frequentemente se observam em as nossas provincias do norte.

CONF. P. I .

jjTO A accidentaçSo do solo, variedade de exposição, etc., tor­

nam todos os terrenos, em geral, mui aptos para a cultura da vinha.

É difficil senão completamente impossível, fazer desde j á uma classificação completa e exacta dos vinhos de Traz os Montes, apezar do valioso subsidio que para isso nos trouxe o trabalho do nosso illustre compatriota o sr. visconde de Vi l la Maior. Alguns dos vinhos d'esta provincia são ainda pouco conhecidos para que se devam agrupar de um modo definitivo, e outros podem variar de feição quando se aper­fe içoem os processos. Os mais finos e generosos no es­tado actual, entram no consumo interno ou externo com o nome de vinho do Porto, os outros se não entram é por­que os commerciantes os não querem ainda adraittir com este nome, que vontade de o fazer não falta aos seus donos e propr ie tár ios . A tendencia de todos ó para a confusão, e n ã o se oceupando ninguém de lhes tornar bem visíveis e manifestos os caracteres distinctivos, toda a classificação que hoje se faça deve pecar pela base e tem de ser reformada mais tarde. O que nós podemos, sim, é dividil-os em clas­ses, adoptando para cada uma o nome da 1'rcguezia que os produz, mas estes grupamentos não podem ter pretenções a figurar como classificação definitiva.

E mesmo n'estes agrupamentos, que não obrigam nin­g u é m , eu tenho receio de me comprometter, porque basta que nos escape o nome de algum concelho ou se troque o t i tu lo á parochia para que os vinhateiros fiquem escandaii-sados comnosco.

Baseado em informações e nos dados colhidos na obra a que acima me referi, apresenta o sr. Lapa os seguintes grupos :

371

Distríctos G nipos Typos mais finos

Vinhos de Alfandega da Fé

Bragança.

Villa Real.

. Villares. I Villarelho. Madurei ra,

¡Torre de D.Chama1, i Arcas.

deMaccdo ae Ca- J ViUarinha valloiros.

de Villa l-"lor,

de Moncorvo..

de Miratulelia

i Lama! on ga. ' Moraes.

ÍFreixiel. < Nabo. (Hoios. i (Horta. Jvide.

1'asledo. . Avidagos. I Frechas. (Abreiro.

!

Castanheiro do Norte. Fiulbal. líiba Louga. Linhai'es1.

de Bragança, de \ V i n h aes j . d c Freixo de E s ­pada ã Cinta, tie Miranda, do Mogadouro e de Vimioso . . .

Bemposta. Freixo. Pacal.

Vinhos de Murga.

de Villa Pouca de A g u i a r o de Chaves

de Valpassos . . . .

RebentSo.

Ribeira de Oura.

Fomos. Possacos.

Os vinhos de D. Chama são muito ordinarios. Alguns d'este grupo pertencem á regíso do Douro.

24.

372 Os vinhos estão divididos em 10 grupos, e como vistes,

relativos ás localidades em que se produzem. Nos pontos da provinda de Traz os Montes mais próxi­

mos do alto Douro, teem clles com os d'csta região notá­vel analogia; nos mais afastados, ainda por vezes se encon­tram vinhos finos e generosos que lhes podem ser rívaes. No concelho de Macedo de Cavalleiros, cUam-se por exem­plo tres povoações n'este caso: Arcas, Lamalonga o Villa-rinho de Agrochão, e também Nuzellos da freguezia das Arcas.

D'omle s3o as cepas que tão bom vinho dão? Sâo das Arcas e NuzeHos, Villarinho de Agrochão.

Gonta-se, que, no tempo da guerra peninsular, os vinhos das Áreas, cuja Jxmdade está muito acima do certo da bel­leza dos versos que o povo inventou para cantal-os, foram provados por alguns oíFiciaes ingiezes, em casa de um pro­prietário d'aquella freguezia, e a tal ponto gostaram d'el-les que os levaram comsigo para Inglaterra. . A fortuna que então parecia querer sorrir áquelles vinhos,

fez o milagre de os transportar a Londres na bagagem dos nossos fieis alliados, sem se haverem perdido no caminho, para figurarem em um jantar, a que assistiram muitas no­tabilidades apreciadoras do divino licor. Pouco tempo depois choviam no Porto as encommendas do vinho das Arcas, mas, como é costumeira nossa e balda antiga, nunca foram satis­feitas. Havia até certo ponto uma desculpa para isso, por­que o vinho não era conhecido no Porto. E querem então os vinhateiros que a nós os theoricos nos não escape coisa-nenhuma do que se passa em suas propriedades, quando elles e os seus amigos negociantes não conhecem o que existe de bom a dois passos sequer do logar em que vi­vem.

Alguém que dispunha de bastante influencia iníentou em nossos dias introduzir e acreditar no Porto os vinhos mais finos das Arcas. Nada, porém, conseguiu, porque os ne­gociantes d'ali o venderam sempre como vinho do Douro:

A7A e a pessoa a quern me refiro, não pôde sósinho, apesar da sua influencia, tratar directamenle com os inglezes.

0 grangeio da vinha nos pontos mais próximos do alto Douro faz-se como n'esta região; á medida que nos afas­tamos d'ella vae o processo sendo modificado, e as vinhas que viramos podadas e empadas pelo systema de vara alta, tornam-se baixas e rasteiras, sendo a cepa amanhada em cabeça á flor da terra, podada em galheiros com 4 ou 5 talões do Ires olhos e ás vezes ainda com dois rastões, que se carregam corn bástanles cachos, quando o chão é vigo­roso.

Começam as vindimas geralmente depois do meado de setembro, e fazem a pisa e fermentação tumultuosa em la­gares de pedra. Os vinhos que saem doces d'esta fermen­tação, recebem em cada pipa de 636 litros, 152 litros de aguardente de prova; os seceos 10 a 30 litros.

A qualidade do vinho varia com extrema facilidade em pequenas distancias, em virtude da variedade de climas lo-caes e mudança subitánea da orographia da provincia. Com-tudo, os vinhos dos valles abrigados ou das vertentes dos rios são mais finos, em geral, que os das faldas ou abas das serras ou de elevadas collinas.

Murça, no districto de Villa Real, pela natureza do solo, clima, castas, cultura e fabrico, é o prolongamento da parte elevada do alto Douro.

Entre Villa Pouca de Aguiar e Chaves, ao norte da pre­cedente, está a região da Ribeira de Oura, em cujo solo granítico a vinha se desenvolve, sob a influencia do clima temperado, e abrigada por montanhas. Occupa pela maior parte as planicies e menos vezes as encostas, vendo-se ro­deada de penedos de granito e protegida com pinhaes e castanheiros. A cultura é pouco aperfeiçoada. Os lagares são tanques de pedra rectangulares, tristemente immundos.

Não. é meu este vocábulo, mas adopto-o sem repugnan­cia A pisa dura um dia e a fermentação de 2 a 8 ; do-

1 i." Memoria sobre os processos de vinificação, pag. 13.—1867.

374 seando os vinhos communs Í 3 por 100 de álcool. Costu­mam alcoolisal-os. Os melhores exemplares da região en-contram-se em Vidago, cujas aguas estão valendo mais que os vinhos, e em Villa Verde c Oura.

Os vinhos de Val Passos são alcoólicos, mas não se con­servam genuínos por falta do cuidado, melhorando sensi­velmente com a edade.

—«São d'aqui, dizia-me expressivamente um vinhateiro (Teste concelho, e ao mesmo tempo aportava com dois de­dos o lóbulo do envido externo,—da pontinha da orelha í Coisa rica!

Fabricam-se em lagares com 48 horas cie pisa. Os v i ­nhateiros que podem, adubam-n'os com aguardente.

A Bemposta, no dísíricto dc Bragança, está situada na raia, e os seus vinhedos fronteiros á margem hespanhola do rio Douro.

Copiam-se ali os costumes da provincia de Zamora, e os vinhos saem pelo menos semelhantes aos de Fermoselhe.

Para augmentar a producção1 abnsa-se muito do estru­me. Chegam a rqubal-o ás terras dc pão para o applicdrem á vinha. Fic'am os vinhos muito carregados de fermento, que determina a sua ruina. As uvas colhidas no fim de se­tembro, sem separação nem escolha, são lançadas nos la­gares e pisadas. O fabrico é dc bica aberta, como se qui-1 zessem fazer vinhos brancos, c notando, que o vinho lhes sae descorado, os vinhateiros deitam nos toneis alguns ces­tos de uvas tintas para darem côr.

Chamam a isto a cama do vinho, como do outro lado da fronteira, se chama la madre. Os vinhos doscam 13 por 100 de álcool, duram de novembro a março, depois azedam e até apodrecem. Distillam-n os então na caldeira, que è o cemitério de todos os vinhos que se estragam.

Além do abuso do estrume e falta de taimino', a* tinta gorda, casta de uva grossa muito ordinaria, communica a

1 Visconde dc Villa Maior. i.a Memoria sobre os processos de vinifiea-çào, pag. 16.

375 este vinho as suas más qualidades. Também não é indiííe-renle para se arruinar, o cleixar-se sobre a cama até feve­reiro c março, como pratica a maioria dos vinhateiros.

Os vinhos da Bemposta como os da provincia de Zamora, são soffriveis para vinhos ordinarios de meza ató á prima­vera somonte.

Do concelho de Mogadouro passemos ao de Bragança. A vinha aqui é baixa, a poda em galhos e a vinificação dif-ferente da do Douro, sendo a cultura semelhante A hespa-nhola nas freguesias mais próximas da raia.

Principia a vindima no fim cie setembro ou primeiros dias de outubro, sem escolha de especie alguma, cortan-do-se os cachos a eito, e aproveitando-se tudo que venha pegado a elles. Os lagares são raros, e para supprir esta falta os vinhateiros fazem o vinho em balseiros ou dornas grandes, que chegam a ter 2 melros de altura por 2,30 de diâmetro. São verdadeiros poços. Os homens, porque em regra costumam ser dois ou mais, pisam as uvas na dorna, à medida que vão chegando da vinha, e como vi­mos n'outro logar, despojam-so do vestuario, cobrindo-se de mosto até os hombros *.

Todos os líquidos tem o seu animal predilecto. O peixe ama a agua salgada; o camarão a babugem da praia; a rã a agua pantanosa do charco; o vibrião o vinagre; o laga­reiro o mosto saccharino da cepa. Arrostando com as cor­rentes de acido carbónico, è-lhe muitas vezes necessário para executar o trabalho, segurar-se .a cordas, fixas ao te­cto, exactamente como as senhoras que tomam banho na Barca e teem medo.

E acho-lhes razão para o terem, porque não é o pri­meiro que sae das dornas para a outra vida!

A pisa dura tres dias, dando-se por terminada quando o cango apparece ao de cima, elevado pela fermentação, fíe-caíca-se este duas vezes por dia em quanto é activa a fer-

1 Visconde de Villa Maior, l ." Memria sobre os processos de vinifim-ção, pag. 19.

370 •vura, a qual de ordinario se prolonga até vinte dias. Quando o chapeo começa a despegar-sc das aduellas e a abrir fen­das, é que envasilham o vinho, que passa limpo para os toneis, a ponto de não deixar n'elles deposito apreciável.

Não succede o mesmo ao vinho que se fabrica em lagares, onde a fermentação é muito menos demorada. Então sem­pre deixa sedimento na vasilha.

O cango, depois de espremido, quando ha vara e lagar, produz o vinho do pé, que se disíilía logo nas akhitarms,-siDgelos alambiques que não merecem descripção especial/

Os vinhos das Arcas, Yillarmho do Monte, Villarinho de Agrochão e Lamalonga constituem, como já disse c de novo repito para completar o.mais possível esía rápida descri­pção, uma pequena região vinícola, que fica situada entre a cabeça do concelho de Macedo de Cavalleiros e a Torre de D. Chama.

O sr. visconde de Villa Maior não hesita em eqoíparal-os aos melhores vinhos do Douro, considerando-os de incon­testável superioridade, tão finos e generosos como elles.

Estão as vinhas assentadas no solo produzido pelos schis-tos argillosos do periodo siluriano, que é idêntico ao das ladeiras do Douro. Debruçadas sobre encostas de rápido declive e expostas ao sul, encontram todas as condições que contribuem para o apuramento dos cachos.

Dá Deus nozes a quem não tem dentes. E é também o que se observa n'aquclla região, onde até as colheitas cos­tumam ser abundantes sem perderem a qualidade. Pena é qüe nem sempre haja vasilhas e lagares em numero sufQ-ciente para as operações da vindima, que se fazem com a maior irregularidade.

—«Meu amo o senhor morgado, manda-lhe dizer a você, que precisa do lagar, sem falta, amanhã.

—«Isso não è possível, diga lá ao senhor morgado, que ainda não acabei a pisa.

—«Acabasse que não acabasse, tem de despejar o l a ­gar;, porque meu amo o senhor morgado quer fazer a v in­dima.

377 •—«E a minha vasilha, senhor primo, quando é que voce-

mecê so resolve a mandar-m'a?! Tenho o vinho ha oito dias no lagar, o cango já dá sign.ií de desmaio, e nem no­vas nem mandados! K bom que se despache.

—«Tenha paciencia, senhor ablwde, a Virgem Nossa Se­nhora não ha de perder-lhe o vinho por mais algum diasito de espera. Conte depois de amanhã com o tonel, ainda que eu tenha de dar uma volta ao inferno, para lhe restituir o que é seu.

Ds vinhos d'esta região, não o encobriremos, fahricam-se pelo processo do Douro c com especialidade os brancos, que são os melhores.

Os tintos, corados em demasia e do muito corpo, são em menor quantidade. Uns e outros adubados com aguardente.

E terminaremos aqui. Bem sei que faltam os concelhos de Vinhaes, de Villa Flor, onde a cultura da vinha parece fazer-se com muito acerto, de Alfandega da Fé e Moncorvo; mas, eu não hei de deixar toda a noite os meus ouvintes n'esta sala, nem vós estaos impossibilitados de consultar­des a primeira Memoria sobre os processos de vinifica­ção, escripia cm J807 peio visconde de Villa Maior, se quizerdes novos pormenores a este respeito *.

É certo também, que podeis ajuizar da vinificação de Traz os Montes pelo que d'esta provincia vos disse já hoje.

Os defeitos geraes na região são provenientes da falta de lagares e vasilhas, de trabalhadores, de carros, de bois, de adegas, de estradas, etc. E o mesmo succede com pe­quenas variantes por todo o paiz. Em toda a parte se vêem as consequências de unia pobreza franciscana, na alma e no corpo.

Os vinhos de Traz os Montes mediamente aguardentados e os genuínos', satisfizeram os provadores na exposição de Londres. Lembro-me bem, que o delegado húngaro o sr. Schieffner, que fez d'estes vinhos exame especial, encon-

1 Visconde de Villa Maior. Memoria sobre os processos de vinificação, pag.íi .— Í867.

trara bastantes amostras dignas da sua attonção. Denun­ciavam, comtudo, imperfeito fabrico e imperdoável desleixo. Como muitos outros vinhos que nós tetnos, só podiam ser apreciados com justiça, pelos especialistas, que sabem, quando os examinam, separar as qualidades que elles de-

- Têm ás uvas, e os defeitos que devem aos vinhateiros.

Está concluida a nossa viagem. Em nove noites de con­ferencias, percorremos as principaes regiões do vinho de

-pasto. Parece-me que andámos depressa, sem nos haver­mos, esquecido de fazer a analyse dos melhores vinhos e dos peiores processos. Disse o que sabia e analysei como entendi. E se não posso ter a vaidade de haver acertado em tudo, também me parece que os meus erros hão de merecer desculpa, quando chegar o momento de reflexio­nardes melhor. Uma coisa tive em vista e consegui-a. I n ­terromper o silencio que se fizera em torno da questão vinhateira, obrigando-vos a pensar sobre cila. Segundo o meu modo de ver, isto equivale a dessecar um pantano; mas eu quero mais, é chegar-lhe ao fundo e arroteal-o. A agua parada e a opinião tranquilla são dois focos de i n ­fecção—um de miasmas prejudiciacs á saúde, outro de ociosidade que aniquiila as forças do espirito. Empunhei o arco e a corda vibrou. Dizem uns que o meu instrumento é rebeca; mas se o dizem, é porque são fracos entendedo­res de musica.

É mais realejo com musica nova, que não-se ouvira a té agora tocar em publico. Este instrumento não precisa de artista. Qualquer dá á maniveUa e as harmonias soltam-se. Foi exactamente o que eu fiz, a musica estava já composta por vós quando cheguei. 0 maestro da partitura é o vinha­teiro. M o compuz, executei á vista. E eu não tenho culpa que me dessem obra tão árida e pouco melodiosa, que pa­reça uma desafmação aos ouvidos!

Terminou o cauto, vejamos se nos ficaram alguns trechos çle cór, ao menos certos compassos, as notas principaes. O thema.

379 Por mais de uma vez vos tenho exposío os meios der

obterdes uma boa producção de vinho de pasto, mas che-gado a este ponto, entendo dever acrescentar novas refle­xões, que completem o meu pensamento.

Nada se conseguirá de notável nem de eíTicaz, se a i n i ­ciativa particular não sair do seu lethargo e torpor habi­tual, e foi para ver principalmente se conseguia obrigal-a a maniíestar-se, que eu de commissario me transformei em prelector, íraiando a questão directamente o mais pos­sível com os interessados, e pelo modo mais popular a que os meus recursos mo permittiram chegar. Eu tinha coisas mais importantes que dizer aos urdiateiros do que ao go­verno, e sobretudo sentia peso grande na consciência, se não desabafasse comvosco, por modo que todos me podes-sem ouvir, ainda os que não saibam ler nem escrever. Tor-nara-se caso do consciência para mim, pintar-vos com fide­lidade as grandes noites de insomnia que passara por causa das vinhas.

Sendo o ponto principal e por assim dizer exclusivo do meu estudo o vinho de pasto, escolhi como meio mais rá­pido de levar a revolução aos centros do seu fabrico,— a eolleetibilidade;—isto ó, a associação; mas, como em breve poderei domonslrar-vos, não me esqueci inteiramente de outro elemento indispensável, sem o qual por desgraça não podemos facilmente por emquanto progredir,—e que é a tutela ou o auxilio do governo.

Á associação incumbe lactar, com certeza de vencer, con­tra os inconvenientes que resultam da divisão da proprie­dade, da ignorancia c pobreza de muitos vinhateiros, da necessidade de augmentar com rapidez a producção e de procurar novos e longiquos mercados, fechando-se os olhos ao freguez habitual, que sabe os cantos do paiz, e vae com os maus conselhos bater á porta da adega.

0 trabalho da associação é fecundo e tão larga a sua acção, que pôde ser dividido em dois ramos independen­tes; fabrico e commercio, quando uma só empreza não possa accumular as duas funeções.

380' *

Para estas lulas vasadas em grandes moldes, é necessá­rio capital, e sobretudo capital que não viva acostumado^ ás facilidades da bolsa nem ás prodigalidades das nações e dos individuos arruinados. Requer-se capital que conheça os outros dois agentes da producoão, economicamente fal­lando, e esteja habituado a trabalhar com ellos, e a apre­ciar os riscos das empresas industriaos e as demoras ine-"vitaveis que precedem as compensações.

O capital com esta intelligencia é quasi desconhecido en­tre nós.—O que temos é dinheiro que vive ocioso ao canto da burra, em cárcere privado, d'ondc sae para ser avarento ou imprudente, ou para passar ás mãos de herdeiros sem profissão, que tomam por profissão gastal-o sem produzir. Isto não é capital. Terá pois que vir de fora, e por em-quanto haveis lançado tantas trevas em derredor da ques tão vinhateira, que lhe não inspiraes confiança.

No entanto a diíficuldade não me parece que deva ficar adiada, e se não procure vencer. Os ricos não querem?. Confiemos nos remediados. Como ponto de partida, basta que em cada terra se queirafrx associar tres productores, _ resolvidos a fabricar vinho são, barato e natural; e que na cidade se disponham cincoenta cooperadores que quei­ram beber vinho com aquellas qualidades.

Vendido o vinho fabricado em taes condições, que os v i ­nhateiros digam lealmente aos seus -consumidores:—«Aca-bou-se o vinho que Unhamos, não vos podemos vender mais, porque não queremos dar-vos uma bebida falsificada; esperae pela nova colheita.

Sobretudo em lealdade é que deveis caprichar. N'esta hypothese, não se carece de grandes capitães, e

o dinheiro do pobre bem administrado não é menos mi la­groso que o da burra do argentarlo.

Simplifiquemos ainda.—Basta um productor .animado d'este bom desejo para realisar um tal ensaio de coopera­tiva. Vejam o que succedeu com o talho da rua do Alecrim, em que um homem sósinho fez uma cooperativa, assegu­rando sem diíficuldade duas coisas difGceis: o consumo dia-

381 rio e o promplo pagamento. Nos primeiros dias o publico cooperador gastou um boi, mas de um boi passará a-mui­tos com facilidade; porque todos se deixam tentar pela exa­ctidão do peso, boa distribuição da carne e esperança de um pequeno lucro, ajustadas as contas no fim do anno. Nós temos sido tão logrados nos pesos e na boa qualidade dos alimentos, que as sociedades d esta ordem, dirigidas por homens capazes, podem prestar serviços relevantes e dar lucros elevados a seus fundadores. E não julguem que é in-differente esta questão, por mais caseira que se nos afigure. Quem dá aos pobres empresta a Deus. Quem não furta nos alimentos que vende aos seus semelhantes, concorre para o aperfeiçoa men lo physico da sociedade,, o sem saúde não ha intelligencia nem força. Ha anémicos e lymphaticos—a morte em pé.

O mesmo pôde succeder com o vinho; do ensaio se pas­sará a um fabrico e commercio mais desenvolvido.

Estas pequenas cooperativas de fabrico e de consumo são a força dos pequenos, e tomar-sc-hão a vergonha do dinheiro ocioso que tem medo de ser capital.

Procurem depois de explorados os mercados nacionaes, os mercados estrangeiros, e mandem para ali vinhos puros naturaes e bem feitos. Na .transição ensaiem também o sys-terna das cooperativas estrangeiras, de que eu vos dei o primeiro exemplo, e quando os vinhos estiverem acredita­dos, passae a vendel-os com desafogo em ponto grande. Não precisaos chamar-lhes Médoc, Sauterne ou Chablis; os vinhos portuguezes não precisam de alcunhas, o que precisam è serem sãos, baratos e naturaes.

Se fizerdes assim não tereis necessidade de esperar pe­los capitães estrangeiros, que vos absorverão os maiores lucros, nem passareis pelo desgosto de verdes que os nos­sos mais uma vez se não movem para as industrias.

Se quereis merecer o nome de povo para as conquistas da liberdade, empregae todos os vossos recursos no desenvol­vimento das empresas úteis. Pegastes em armas contra a tyrannia, pegae nas mealhas dos pobres e juntae-as todas

382 para dardes uma lição verdadeira ao dinheiro inútil, quéf também é um tyranno!

Se não quereis que a patria se encaminhe ás mãos de estrangeiros, evitae que as industrias fujam todas para el-les. Que deixal-as fugir, equivale, asscguro-vos, a facilitar-des-lhes a conquista.

A independencia das nações reside modernamente na in­dependencia do trabalho.

A maior victoria da França foi a sua ultima derrota. E porquê? Porque a industria venceu a guerra. O trabalho venceu a força. O vencido venceu o vencedor.

Quanto ao auxilio do governo, não proponho medidas pomposas que o obriguem a largos dispendios. Bem co­nheço que não somos para obras grandiosas, que sirvam unicamente para nos afastar dos problemas serios, alimen­tando as descrenças e illudindo as questões.

Podemos fazer muito com pouca despesa, attendendo á" importancia do fim.

E não é necessário inventar. Basta que copieis com dis­cernimento. Eis o que vos peço com empenho. Não percaes o tempo a descobrir o que já se inventou.

Entendo que o governo com toda a energia e meios de que se dispõe, deve tratar da cr.eação de modestos postos oenologicos, que se occupem a principio das questões pra­ticas, que nós tanto precisamos resolver de prompto.

N'estes postos, se devem estudar as castas das uvas para escolhermos por uma vez as melhores; acabando-se com tanta variedade inútil e confusão. Estudo completo, quo nos deixe fixar definitivamente sobre a producção, clima, solo, exposição, inflorescencia, época da maturação e syno-nimia da uva; qualidade e característica do vinho.

A estas horas, e não são decorridos muitos anuos aínda, depois da invasão da phylloxera, já os francezes conhecem optimamente as cepas da America. Eu próprio ali, pude ém pouco tempo, aprecial-as melhor do que o faço com as nos-sas: castas. -;%iwio-'priiicipiamos e nada concluimos, e tudo queremos

383 que appareça por vapor, quando se começa. É preciso urna ampelographia completa; bem meditada e definitiva.

Ñós nem possuímos os dados positivos, que a experien­cia e longa pratica deixam alcançar aos outros sem o au­xilio do saber.

Vae um individuo a uma localidade e pergunta ao que tem por melhor dos agricultores, qual ó a uva de superior qualidade; informam-n'o de (pie 6 o boal carrasquenho. Vem para Lisboa e escreve, que o boal d'este nome é a melhor casta xiaquella localidade. Ainda bera isto não está lido, acode outro agricultor para dizer, que é inexacta a kh-formação, e que a melhor uva do sitio é o arintho; outro vem sustentar que é o tintureiro; um caseiro affirma, que é a tinta do padre Antonio. Cada um d'elies se queixa., se não vê aflirmada a sua opinião, e todos informaram se­gundo a sua maneira de considerar as coisas.

O que só atiende à quantidade, opta pelo boal carras­quenho; o que prefere a qualidade, estima mais o arintho; o que faz vinho para o almocreve, exalla o tintureiro; o que deseja uva que escape ao o'idium, vota pela tinta do padre Antonio í

Se da qualidade das uvas passamos para os seus nonios, crescem a confusão e as difliculdadcs. De um lado ouve-se-a este, que toda a vida se deu bem com o almafego e não quer negocios com o earrega-bestas, cujos nomes designam a mesma casta. De outro queixa-se um viticultor porque lhe elogiam a tinta miúda, quando ello só pode dizer bem da tinta do padre Antonio, que é a antecedente. Este que­bra lança pela estreita, aquello pelo rabigato, aquell'outro pelo rabo de ovelha I E no fim todos estão de accordo, por­que são tres nomes distinctos e uma só casta verdadeira.

Para estudar as castas é preciso uma vinha experimen­tal ; de modo qne se diga com 'suíliciente exacção; temos tantas variedades de uvas; a este terreno corresponde tal casta, a esta casta corresponde tal vinho.

N'esta área é util que se destine um talhão ás princi-paes castas da America, por causa da phylloxera. Não ha

j}84 de ser depois d'ella destruir os vinhedos, que devamos co­meçar a investigação das cepas resistentes em o nosso solo e clima. Será imperdoável cegueira, que não aproveitemos a experiência aiheia em nosso favor, e nos não preparemos com tempo para evitar uma crise.

Outro talhão deve de ser destinndo ás mais notáveis ce­pas estrangeiras, que entram na composição dos vinhos afa-. mados, e que tenham probabilidades de sc aclímarem aqui.

Julgam-se estas probabilidades, escolhendo solo, clima e exposição semelhantes, dentro dos limites em que são per-mitlklas as aproximações, c sem que das dilFercnças locaes inevitáveis resultem a perda ou degenerescencia dos f ru -ctos. E digo isto para que se não vá, por exemplo, plan-lar furmintho no Minho, ou riesling no Algarve, e se affir-me depois que o vinho d estas uvas não presta.

Para os ensaios do posto cenologico basta uma vinha de 2 hectares; em cada hectare podem dispor-se mais de 4 mil cepas, á distancia de lm,5 em quadrado, ou IO mi l á distancia de 1 metro; c mais de 5 mil á dislancia de Jm,5 em losango.

Um milheiro de cepas em Santarém, pôde dar 47 almudes; «'outras localidades dá 12 e chega alé a tí pipas em Óbidos e Tonda. Não aceitando nem o máximo nem o mínimo, pôde calcular-se, que uma vinha de 2 hectares produza G a 8 p i ­pas, o que basta para se fazer ensaios e estudos.

O segundo ponto, cuja solução deve de ser confiada quanto antes aos postos cenologicos, é a vulgarisação dos methodos racionaes de preparo e conservação dos vinhos sem aguar­dente.

Estes estabelecimentos que devem fundar-se sob os mais modestos auspicios, precisam ter um director porluguez, e corno esteja em uso attribuir a quem lembra qualquer in-novação, o desejo de tirar partido d'ella, desde já vos de­claro que não me opponbo a tal logar.

Abaixo do director, um regente e quatro operarios prin-cipaes. Estes cinco estrangeiros, e mais cinco operarios por-tuguezes para a aprendizagem.

385 Além cVisto o pessoal fluctuanle portuguez, que for ne­

cessário e níil. Os quatro operarios estrangeiros devem de ser dois para

a cultura e dois para o fabrico. Prefiro que sejam estran­geiros, porque precisamos procurar quem saiba cultivar e fabricar poios methodos mais aperfeiçoados, e temos pressa de resolver estas questões.

Respeito muito as nossas escolas especiaes, mas todos, sabem, sem que a falta se possa attribuir aos professores, que os meios práticos de ensinar os alumnos não sobejam. No posto oenologico de transição, quer-se mais alguma coisa do que a theoria. E lambem é necessário, que não se funde exclusivamente com a pratica.

O pessoal deve saber ordenar e cumprir as ordens; ter confiança no que faz, e tel-o feito muitas vezes.

Nem d'ahi nos vem desdouro, pois que para a lavra das minas, mandamos vir do estrangeiro o pessoal que sabe e habilita o nosso; embora lenhamos cá habilissimos enge­nheiros portuguezes a dirigil-as.

Segundo as especialidades de vinho que quizermos obter, precisamos recorrer aos operarios dos diversos paizes, onde se produzem os melhores typos. Se desejarmos, por exem­plo, preparar aguardente fina o devemos de certo ensaial-o, teremos de recorrer ao operario francez da Charente, que é o mais habilitado para aquelle fabrico; se o problema for a producção do vinho de pasto, o operario do Médoc ou da Borgonha; para o vinho secoo como o Xerez, precisamos do operario hespanhol; para outros vinhos brancos espe­ciaes, convir-nos-ha talvez mais p operario - allemão ou o húngaro. Tudo isto se fará uma vez só, porque a obrigação do director será habilitar os operarios portuguezes na apren­dizagem, para se tornarem depois os mestres de outros aprendizes.

O regento é uma das entidades mais importantes do posto oenologico. As outras nações conhecem no tratamento dos vinhos, uma classe de homens com estes nomes, que estabelecem a transição entre os íheoricos propriamente

com: p. i. ' 25

ditos, e os homens práticos sem instrucção theorica. Esta ciasse é preciso ereal-a, para tirar toda a influencia ao la--brego.

O nosso posto oenologico não ó um viveiro de sabios, n i ­nho esperançoso de imberbes notabilidades, que façam pa­gar caro á vinha toda a sua inexperiencia.

E por isso também o posto oenologico, como eu o ima^ • gino, se afasta dos estabelecimentos até aqui planeados era

Portugal, e das estações lá de fóra, em que os sabios j á experientes, se encarregam da solução de problemas scien-tiilcos para o adianíamento da agricuHura. Não é esta a m i ­nha idéa, esse estabelecimento ficará para mais tarde. Não comecemos pelo íim, como é-costume. O posto cenologico de qtie traio, tem por gloria vulgarisar os conhecimentos» em que n'outros paizes não é preciso insistir. É uma gloria modesta, mas uli l . Precisamos trazer para a hiz um doente, tfue padece dos olhos e está ha muito tempo ás escuras* e para o não cegarmos de todo, é nosso dever não o ex­pormos de repente á chapa do sol.

O pessoal pode conjunctamente ser encarregado de m i s ­sões agrícolas; mas, missões a meu modo, quo um mudo iria fazer, porque consistem em executar nas adegas dos particulares, os processos de fabricar o vinho, quando para isso haja requisição dos proprietários.

O governo não compra cavallos para melhorar as raças» não inslitue premios para as corrida^ do Jockey Club, e n ã o empresta dos postos hyppicos os animaes reproductores?1

Faça alguma coisa semelhante em proveito das uvas e dos vinhos.

N'estas excursões, pode o pessoal destacado do posto cenologico, tomar conhecimento circumstanciado dos d iver ­sos terrenos e regiões do paiz, dando conta das variantes que uns e outras imprimem ás castas e aos vinhos, já que não é possível ensaiar todos os terrenos nem todos os . c l i ­mas na estação experimental, por mais numerosas que ellas sejam; convindo até restringir, por este modo, com u t i l i ­dade o seu numero.

387 Nao vejo melhor vereda para chegarmos linalmenle a

essa formula tão desejada de fazer o vinho, em referencia a cada região especial, formula que tem de attender a ioda a natureza em suas multíplices exigencias, e não poucas vezes também aos caprichos do mercado que por fatali­dade a contrariam.

O posto cenologico deve ter uma casa com pequena prensa e balseiros de cliíTerentes syslemas, adequados aos proces­sos, onde se fermente o mosto, exactamente nas condi­ções do local a que os franeczes chamaram cellier. Outra casa contigua a esta, com vasilhame para guardar o vinho até novembro ou dezembro; isto é, até a trasfega: uma adega subterrânea modesta (cave), com vasilhas pequenas para guardar o vinho depois d'aquella época, disposta de modo que a um lado se possa fazer a frasqueira (cavem), a pouco e pouco, e segundo as exigencias do vinho em deposito: um pequeno gabinete com os indispensáveis in­strumentos cenologicos, e uma casa finalmente para resi­dencia do pessoal que não deva afastar-se da estação sem prejuízo dos serviços.

E tudo isto é necessário, porque ninguém que saiba, se metterá a fabricar vinhos sem os instrumentos precisos, para lhe não succeder como ao sapateiro, que fez a bota para mandará exposição, mas nunca pôde tirar-lhe a fòrma de dentro.

É indispensável também uma escriptoração regular, por­que a memoria facilmente nos atraiçoa, e não ha outro modo seguro de ajuisar .circumstanciadamcnte da historia da cul­tura e do fabrico.

Os postos cenologicos^ que créannos fóra d'estas bases, hão de produzir muitas duvidas, bastantes contendas e r i ­validades calamitosas, discussões estéreis e intempestivas, e desenganos formaos. Darão força aos ignorantes, que se comprazem em zombar dos estudiosos. Sangue vivo, juiso claro, experiencia firme, e confiança etn si mesmo, devem de ser as qualidades da mão que dirigir o leme. Independen­cia completa e responsabilidade'severa, para que não venha

388 a ser acensada pelas culpas e faltas dos outros. Tsto pelo que respeita á direcção. No mais, operarios que saibam obedecer o uma cabeça nnicainente a mandar.

Se o governo, porém, não reconhecer justo o que llie indico,, tomando-me a mim talvez por exaltado, quando exi não passo de propor-lhe senão o que se pôde chamar a conclusão pratica dos meus estudos, a que não pode ser es­tranho o conhecimento que devo ter do caracter nacional, então nomeie uma commissão, composta de lodos os e n ó ­logos portuguezes, dos principies vinhateiros e negociantes de vinhos, que em congresso historiem os seus processos de fabrico, os discutam e critiquem, procurando assim con-vencer-se e melhoral-os.

Um dos nossos grandes defeitos è a falta de perseverança. Começar é para nós resolver. Tudo que se começa se

entende logo decidido. Em 1866 e no anno seguinte, /izeram-se alguns estudos

de viticultura e vinificação, devendo-se esperar que elíes continuassem com mais largo desenvolvimento depois. Es-creven-se um livro, en'isso parámos. Uns leram-n'o, oulros nem o abriram. Por fim todos o esqueceram, e poucos o meditaram, olvidando-se até o governo, de que não podia ficar a questão-em principio.

Que esse congresso discuta, pois, todas as minhas opi­niões; que ordene ou proponha novos estudos, se os j u l ­gar necessários, como eu julgo em varios pontos; mas, que o faça, sem q u e seja pelo prazer de se me tornar adverso, porém, com outro intuito mais alto—o de chegar á ver­dade.

— «Congresso t vão dizer-me os senhores, ha de fazer muito um congresso! Congresso! com uma gente que pou­cas vezes está de accordo, quando ha mais de tres pes­soas !

Então não sei que. vos faça. Se me não deixam sósinho levantar o peso do chão, e vós o consentis onde está, porque não quereis usar da força, respeitae ao menos a minha fra­queza que não é tão débil como a vossa!

389 E na realidade poucas coisas são (5o urgentes como o

sair (Veste eslado. Precisamos conhecer bem os nossos vinhos, as suas pro­

priedades, a sua applicação; porque, se o houvéramos feito ha mais (.empo, não teria eu passado pelo vexame de ver despresada uma lista dc vinhos nacionaes, em um jantar a que assisli.

Um gourmet portugez, especialidade tão rara como as os­tras gordas, exigiu que lhe indicasse os vinhos que deve­riam servir-se. Com sentimemo o confesso, saí-me mal da empreza, pelo que passo a contar-vos.

Seguro até certo ponto da nossa riqueza vinícola, escolhi o Madeira Cerceai bem secco, para depois da sopa, que era de tartaruga; c na casa das observações, puz ainda, Cada-faes branco ou Carcavellos bem vellic quando nao seja pos­sível encontrar à venda o primeiro.

Para o peixe—filetes de linguado com molho branco de alcaparras—apontei o Bucellas som aguardente e dois an­uos de casa, ou o Collares branco menos vulgar que este, e nas mesmas condições.

Com as entradas que eram ires, já me achei muito em­baraçado. Valeu-me, porém, o Collares tinto de dois annos, e o vinho do Ribatejo.

No assado dei parte de fraco, puz o patriotismo de lado e marquei o Champagne,—Pommery e Greno que é secco, para os homens; Viuva Cliquot para as senhoras, pela ra­zão opposta.

Passei aos saboreantes e dos enjoativos, como quem faz a vista grossa, tingindo que não os havia. E quando estava nas sobremezas, regalei-me de escrever Porto, em letra maiúscula,—o menos alcoólico possivel e ao mesmo tempo o mais velho,, sem comtudo ser caduco. Reforcei-o com Ma­deira natural da Camara de Lobos, boal por exemplo, se acaso o houvesse em Lisboa.

O meu amigo recebeu a lista e callou-se com ella; mas antes de irmos para a meza, chamou-me de parte para di-zer-me em segredo, que não poderá adoptal-a. Não havia

390 encontrado á venda a maioria dos vinhos aconselhados por mim. E n5o olhara a despesa, porque estava prompto a gas­tar todo o dinheiro que lhe pedissem por elles f Onde os bons vinhos se mettem ninguém n pôde saber. São mais raros ainda, que as reliquias dos santos!

Emfim, fora obrigado a substituir quasi todos, pelos v i ­nhos estrangeiros. Pediu auxilio ao Rhcno, á Hungria, á França e lambem â Hespanha, por causa de certo brasão vinícola que só ella possue.

E quereis que vos diga tudo ? Estes que são de tão longe • vieram pontualmente ao jantnr, apenas o diniieiro os cha­mou í

—«Mas isto é demais! exclama o consumidor, que n ã o tem nada de gourmet, nem pela mente lhe passa o que a palavra quer dizer, e que bebe, cheio de orgulho, qual­quer vinho que lhe deem com letreiro nacional. Dizerem em publico, de modo que os estrangeiros possam ouvir, que não temos em Lisboa abundancia de vinhos para fazei' u m jantar, quando toda a gente aqni janta, desde o principio da monarchia, sem que tenha dado por semelhante faltai Não bastará achar no vinho o cheiro a cano, o cheiro a rato, o gosto a formiga, o sabor a fetos, concedendo por este modo ao nariz maior importancia que aos labios, como se os vinhos fossem de cheiro; senão ainda em cima nega­rem a existencia do que só não enxerga, quem esteja de todo cego ?

«Hontem ainda, Lisboa lia em anmincios: -^Alerta, ama­dores, chegou á Pampulha um novo casco de vinho sem confeição, e que está sobre a mãe; prestando-se a mãe a viv do Cartaxo, que fica tão longe, acompanhar o filho á cidade.

«Alarguem a lista e aproveitem todas as lavras. Esta que nomeámos, o Torres do lavrador, a Bairrada sem mis­tura e a Outra-Banda com ella: pois são tantas, que é pre­ciso memoria dc anjo para que não esqueça nenhuma.

«Não serão vinhos para jantares de alcaparras nem de cogumellos. Mas fiquem lá os senhores com as suas tuba-ras; e deixem-nos a nós com o bello lombo de porco as-

391 sado nas brazas, que por si só vale bem um jantar á fran-ceza.

«Que haverá que dizer ao Cartaxo, depois de uma sopa de grão com castanhas?! Torna-se necessário um vinho de mastigar, que esteja de accordó com a densidade da sopa.

«Que vinho pôde casar-se melhor com a comida do que o Torres do Cao Agua, almocreve chibante, cujo nome abre o appetite para o vinho, em seguida ao cosido, envolto n'uma horta de couves, e bem ladeado por dois chouriços—um de carne, outro de sangue, especie de prato sanguinario a que só falta petróleo?! Até os medicos com as suas novas theorias de alimentação, teem de nascer outra vez para in­dicar aos doentes uma revalenta mais poderosa.

«E o Bairrada novo? Deve lá separar-se da orelheira de porco com h e m s e da cabidella de aves e mammiferos, em, que o molho do guisado se confunde com a côr do v i ­nho?!

«De sobremezas não cuidemos. Ainda o mundo não so­nha nas fructas, já nós estamos fartos da ginja gallega, da perinha de Santo Antonio e dos damascos de palmito.

«O que diria o freguez—nobre estrangeiro que se sacri­fica a servir-nos pelos nossos bonitos olhos, se hão hou­vera estes vinhos? Querem furtar-lhe a rica toalha do ar­mazém, que elles transformam em mármore sarapintado da Arrábida, para servir de panno de fundo ao flexivel garfo de estanho com scorbuto no dente?

«Não ha necessidade de bulir nos costumes quanto mais nos vinhos. Fez-se o jantar e ainda ficaram de fóra os vi ­nhos generosos e os vinhos chilros que azedam a comida no estomago. Musculo rijo não se pôde crear, senão com bons cimentos culinarios. Os portuguezes não receiam a morte, e sabem affrontal-a com egual valentia, nos campos de batalha e á meza!»

Duas palavras antes de retirar-mê. Achei agora a ex­plicação, porque a nossa formosa Lisboa se toma tão triste dè tarde, enSo é mais alegre nas noites deliciosas de ve­rão, em que uma lua de prata, suspensa do firmamento, i l -

392 lumina as aguas do Tejo e as ruas da Baixa, C|aas¡ com a claridade do dia.

Começo a perceber o motivo, porque ao toque das Ave-Marías, as ruas ficam desertas, o rio silencioso e todas as janellas se fecham mysteriosamente por dentro.

Depois de jantar, logram bem penicos levaiitar-se da mezaí Ficamos entorpecidos pelo bolo alimentar, que nos segura com a força de uma ancora de navio! Dizem os naturalis­tas, que o mesmo succede aos ophklios, após a deglutição das grandes presas.

O corpo pede sésta, apenas de quando em quando inter­rompida pela sede. Copo de agua e somninho maroto, e assim se passa o resto da noite agradavelmente.

Os mais robustos que se atrevem a sair de casa, eseon-dem-se pelos cantos da rua. Parecem afflictos o contraria­dos. Levam ares de seguir enterro no maior recolhimento e tristeza. Se faliam é em voz baixa e sósinhosf O dialogo estabelece-se entre o estomago e o individuo.- O que diz o estomago não se traduz por palavras, mas podemos ava-lial-o pela resposta que desafia:—«Cá está elle, o maldito jantar, de conversa commigoía A inquietação é profunda. Em meio de tanta anciedade, uma única idéa os absorve e de um nnico perigo se arreceiam.

Pensam na indigestão e fogem da apoplexia!

0

10.a CONFERENCIA

jBIVI y I D E O X J T X J B ^ O I D E 1 8 V 5

No salão uobrc do llieatro da Trindade

S U M M A R I O /

Annuncia o conferente que vac promlev ao esludo do vinho do Porto, apro-xiftíantlo-sc com o devido respeilo d'eslc vinho soberano.— Para fugir ás banalidados de um nariz de cera, descreve o elogio do vinho do Pono que ouviu da bora da sua criada.— Região vinhateira do Douro e sua divisão em Alto Douro c Douro Superior.—Situação das melhores vinhas em re­ferencia ao rio e aos aítluentcs d'elle.—-Demarcação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas (lo Alto Douro, cujo titulo levava um dia in­teiro a escrever-se.—Antiga c moderna área das sub-regiões do Douro c sua producçiio lolal.

Origem remota da cultura da vinha.— Chroni&is do rei Fernando e e conquis­tas da India.— O que tem o vinho com tantas historias.— Não se profunda a questão fiem se desfazem as duvidas, que possam iicar existindo.—Appa-recimento dos inglezes em Lamego, provando vinhos e descobrindo o vinho do Porto.—Primeiros dados estatísticos sobre a exportação dos vinhos do Douro.— "Vantagens do tralado de Methuen que tivera por fim favorecel-a. —De lai modo nos julgamos prejudicados com os benefícios da convenção, que soam os clamores aos ecos contra os feitores inglezes.— Desponta o mar-quez de Pombal c funda a Companhia do Alto Douro.—Uma data memo­rável.— Amor com amor se paga, e monopolio com monopolio se combate. — Efíeiíos dos trabalhos da Companhia, e de como cila tratou com mais louvável empenho da sua prosperidade do que da prosperidade dos outros. Por incidente, vem a proposito as guerras da republica, o bloqueio 'conti­nental e a paz celebrada cm 1815.—A companhia, mais firme que unia ro­cha, atravessa a r(ivoliiç3o liberal de Í834, gaslando ainda depois d'essa época, trinta e dois annos para qne veja a sua hora chegada.— Qualidades e grupamento dos vinhos que foram a Londres em 1874, em harmonia com os usos commerciaes.

Dados estatísticos sobre a producção dos vinhos do Douro por categorias.— Expositores e amostras.— Abre-se um pequeno parenthesis, que se preenche com o quadro synoptico dc lodos os vinhos da exposição portugueza.—Força alcoólica dos vinhos do Porto, que estiveram nas adegas subterrâneas de aAJ-bert-HalI.ii

Viticultura do Douro.—Idéa geral do grangeio da vinha e da sua difliculdade. —Perfeição da vindima e indicação das castas mais importantes e da sua riqueza saccharina.—Vinho de feitoria e descripçSo d'este processo.—Traba­lho da adega o do armazém.—Aguardentaçào e temperos.—Tendencias e

COKF. I>. I. 26

394 propensão ao nivefenento cie todos os ly¡>os.— Exigencias do commercio C do taberneiro inglez. —Divisão do vinlio do Pono em fiimiltas.—Quadro dos melhores vinhos do Alto Douro, traçado cm 18(37, pelo sr. viscoMe de "Villa Maior.

Quaes são os motivos porque no rstrangeiro geralmente se pensa que o vinho do Porto 6 um producto artificial.—Carta vinícola do ür. Ilamtn.—Natu­reza do vinlio que se fabrica em Hamburgo, em Cette, e nos campos do Tarragona com o mesmo nome.—Qual 6 entre todos o maior perigo da con­corrência das imitações.— Com quem aprenderam os estrangeiros a falsificar os vinhos do Porto.—A imilaçSo não acaba no vinho e desce ate a vasilha. —Pamphletos dos fabricamos para desacreditarem o genero que não é fa­bricado por elles.— Força alcoólica, natural c observada, do vinho do Porto, segundo as melhores aucioridades.— Detido («amo d'csla questão á luz da força saccharina dos mostos. — Classificação d'esles em relação a ella.—Como se passa do grau glycoinetrico para o assucar, e dVste para o alcoo! em peso e em volume.— Knos em que não devemos cair, e defeilos que seria bom evitar.— Separação de todos os vinhos do Douro em quatro classes, lendo por fundamento a riqueza alcoólica, harmonicamente estabelecida pela compara­ção com a riqueza natura! saccharina dos mostos.—Influencia proveitosa ou nociva das geropigas e dos abafados.—Conclusões.

Difficuldades do commercio dos vinhos, que obtém com sacrificio, o que em toda a parte se alcança sem esforço de imaginação. — Uma caixa de vi­nho bem arranjada, faz suar o tópele do commerciante.— Os cinco inimigos do seu socego.—O habito é que faz o monge; e a associação, de que se falla pela ultima vez, è que podia desenvolver mais promplamcníe o com­mercio dos vinhos.—Desconfiança de que a exagerada aguardenfação se não possa evitar, por ler em vista um fim politico.— O marujo inglcz e o fadista. —0 vinho com aguardente afia mais depressa e melhor que o rebolo, as nava­lhas de ponta e mola, que servem de passaporte para a vida eterna.—Dá a hora de terminar a conferencia, mas o prelector não se retira, sem que le­nha mostrado ao publico, que n3o julga de todo perdido o seu tempo.— E x ­plicações necessárias sobre o modo porque se esiâ acUialmcnle entendendo o patriotismo.— Differença fundamental que existe entre o patriota das suas conveniencias, e o que realmente consagra a intelligencia e o sangue á de-feza legitima dos interesses da sua patria.

Meus senhores!-—-A conferencia de hoje abrange um as­sumpto fora do meu programma. Apresento-me, porém, satisfeito a tratar d'eHe, porque é uma justa homenagem ao mérito. Vou oceupar-me do vinho do Porto,—o mais afamado vinho do paiz, e o seu typo mais brilhante de v i ­nificação.

0 Douro é a pérola da viticultura portugueza, o com o Madeira e Xerez, seus mais notáveis competidores,-consti-tue as tres gêmmas melhor lapidadas da corôa vinícola. Às tres Graças da viticultura, como se diria no tempo da Nova Arcadia; o tropheo de Bacho, os vinhos do Olympo,

•395 o nectar dos Deuses, ;t melhor ambrosía (Ja garrafeira de Jupiter!

Foi, ó, e será este vinho a admiração do globo, o Koh-i-Noor1 das bebidas fermentadas! O allivio dos convalescen­tes, o remedio infalíivel de muitas doenças, a jovialidade dos sãos, a eloquência de alguns oradores, O vinho dos bemaventurados e dos opulentos! O vinho principo! Prin­cipe, sim, basta saber-se. que tem sua mãe sentada n'um throno!

Ahi onde o vedes, é rei que não receia a republica, em­bora não faça caso do povo. Encontra vassallos por toda a parte aonde chega. Rei na presença dos reis verdadeiros, que lhe não disputam a soberania I Altivo monarcha, que as revoluções não apeiam, antes, todos os dias mais o affir-mam no seu logar!

Dcixac que cu mo aproxime do solio de tão magnânimo principe, ao qual, prometió fallar com a mesma hombri­dade, com que os fidalgos antigos expunham toda a ver­dade aos reis; e tanto mais, que estes tinham o direito de fazer rolar a cabeça dos que lhes caíam no desagrado, e o meu principe não tem carrasco que possa fazer-me outro tanto. Longe de mim a linguagem do cortezão, que se não peja de adulador para extorquir as graças do amo. Tam­bém não me importa que me não queira ouvir; o que lhe prometto é ser justo.

O vinho do Porto, bem feito, bem velho e bem conser­vado, é o primeiro do mundo. Confessam-n'o até os hu­mildes que não cyitendem de vinhos.

É que as obras sublimes accordam a intelligencia no ce­rebro, e a alma fica naturalmente subjugada por ellas. To­dos sentem a arte no coração, de ante de um quadro dô Rubens ou de Miguel Angelo. Ninguém se apartou u'esta vida da Virgem de Raphael, sem trazer comsigo o desejo de tornar a veí-a outra vez!

' Koh-i-Noor quer dizer montanha (te im, 0 6 0 nome de um Jos míiiores ctiamanfes achados na India.

\ . 26 *

39G O elogio mais completo que eu conheço do vinho do

Porto, foi feito pela minha criada. Era uma velhinha de oitenta janeiros, alquebrada pela fadiga de tantos annos, e que mal podia levantar um pé do chão. Desprendida do mundo, como o seria um philosopho, não me lembro com verdade, de a ter visto sorrir para ninguém; a estatua da indifferença animada, diriam, se a conhecessem, capaz de encontrar no balm um thesouro, e de o dar ao primeiro pobre, que lhe pedisse esmola!

Esta boa mulher, que nunca soubera da existencia da arte, e que passara, quasi um século, a contemplar a luz do sol com o mesmo interesse, que a luz da candeia a que fazia serão; mas, que eu estimava, como se estimam os fa­miliares que nos viram nascer, e que nos trouxeram uma época inteira da vida ao eólio, sentiu-se grande uma vez n'este mundo por causa do vinho do Porto., e pôde ex-primil-o em uma phrase brilhante, que jámais me esque­ceu.

Tendo provado vinho legitimo de 1815, e sabendo, que em certo dia festivo, eu devia abrir para os meus convi­dados, outra garrafa do mesmo anno e da mesma lavra, —segundo e ultimo volume de uma obra rarissima, que não tornei depois a ver egual; veiu ter commigo á meza, encostada ao bordão que já não podia largar, e com a voz tremula e em tom supplicante, erguendo a mão descarnada e apontando com ella para o vinho, deixou a todos atfòni-fos com as seguintes palavras.

—«¿Dá-me,' meu rico menino, dá-me unj copinho d'aquelle que põe a alma no seu logar?!

Pois é d'este vinho. Senhores, que põe a alma no seu logar, e não sei que se lho possa fazer outro elogio maior, que eu hoje vos fallarei.

A região vinhateira que produz o vinho do Porto, está dividida em duas comarcas : Alto Douro e Douro Superior. No esboço da carta vinícola, que o governo mandou para Londres ultimamente* encontrava-se ainda uma terceira di­visão,—o .Douro Inferior; mas, as duas primeiras são .as

397 . . unicas que so costumam admittU*, e abrangem todas as zo­nas parallelas ao rio c aos seus aííluentes, que são nume­rosos. Os vinhos de melhor qualidade geram-se nos pontos próximos das margens, e como que vão successivamente diminuindo de merecimento á medida que sobem as encos­tas, onde a vinha está disposta em socalcos e degraus. Nas Quintas do Douro, que são os nossos chotéanos, costumam dizer até, que os vinhos mais ordinarios não ouvem bater a espadella dos barcos. Também na Borgonha, os produ­cios mais finos occupam uma facha intermedia, em toda a extensão da Cote d'Or.

A posição dos vinhedos nas margens do rio, influe noto­riamente sobre a qualidade do vinho, merecendo preferen­cia justificada os da margem direita; para o que bastaria, quando outras razões não houvera, a exposição d'elles ao sul. Comtudo as vinhas famosas vestem não só as ribas do Douro, mas também sc encontram ainda nas dos seus aííluentes; Corgo, Pinhão, Tua, Tedo, Távora, Torto, etc., concentrando-se, em tão abençoado terreno, a maior r i ­queza vinícola de Portugal.

Não julguem, porém, que os vinhos do Douro, como tan­tas coisas que nós possuímos, e apesar da sua celebridade, que já conta mais de dois séculos, se achem por emquanto completamente estudados; pelo menos, não existe d'elles uma classificação satisfatória, que abranja todas as varie­dades, as discrimine e aponte por modo egual ao de que lançou mão o commercio de Bordéus, no louvável intuito de ennobrecer os seus famosos vinhos do Médoc. Esta ne­cessidade foi ponderada, ha uns poucos de annos, official-mente, pelo visconde de Villa Maior; mas, não sei se indif-ferença, se falta de conhecimentos adequados., o caso é gue até hojo, ninguém mais fallou de realisar semelhante tra­balho. O proprietário, que deveria ser o primeiro a inte-ressar-se por elle, a fim de attrair maior fama aos pro­ductos de suas quintas, deixa esse conhecimento exclusiva­mente ao commercio, que guarda para si o resultado dos seus estudos práticos, e avalia sempre com prejuízo do

308 vendedor, o 'que poderia ter o inundo inteiro a disputar-Ihe a posse, se as gradações das differentes lavras se hou­vessem estabelecido com segurança, e pelos mesmos meios adoptados nos outros paizes.

Tudo vae bem como está. Grande parte dos terrenos mais nobres são hoje propriedade de negociantes ínglezes, e a flor dos vinhos finos eslá comprada por clles a longos prases, andando algumas novidades sujeitas a contractos com duração de vinte annos e mais.

A antiga demarcação da Companhia Geral da Agricul­tura das vinhas do Atio Douro, limiiava consideravelmente a circuinscripção dos bons vinhos, e compunlia-se de uma porção de territorio, a mais considerável, no districlo de Villa Real, de uma parle menor no de Viseu, e dc outra mui pequena no de Bragança. Era uma região comparati­vamente pequena, mas foi sempre a cio maior importancia que possuímos; e que depois da queda da companhia so tem successivamente alargado, chamando a si, com bom fundamento, ós terrenos visiuhos, que pela constituição geo­lógica, exposição e mais attribulns, so mostram idênticos e nas circumstancias de produzirem vinhos generosos. O paiz vinhateiro do Douro, actualmente, comprehende duas sub-regiões, e estende-se desdo a Barca de Alva na raia até a povoação de Barqueiros, junto á confluencia do r io do Teixeira; alargando-se mais ou menos para o interior das provincias da Beira e de Traz os Montes, mas seguindo sempre as encostas dos afllueníes do Douro.

Começava o antigo districlo lambem cm Barqueiros, po­rém ia finalisar no Cachão da Valloira. Anda por 35 mill hectares a área das duas sub-regiões.

A constituição geológica do Alto Douro é extremamente simples. Compõem-se os seus terrenos de schistos siluria­nos, pela maior parte, com algumas nódoas de granito. As vinlias estão dispostas em escadas ou degraus, apparen-tando notável semelhança com as do Rheno. Todos os es-crtptores estrangeiros que as tem visitado, notaram esta particularidade. Não passa, porém, a semelhança dos v i -

m _

nhedos, sendo bem diversos, nos restantes attributos, os dois territorios comparados.

0 nosso Douro não possuo infelizmente as cidades opu­lentas, que orlam e engrandecem as duas margens pitto-rescas do formoso rio allemão, nem as suas universidades, que se tornaram celebres para o mundo, como outros tan­tos fócos de luz. Apenas agora lhe começamos a promelter a modesta commodidade das estradas, e os primeiros be­nefícios do vapor, de que o Whem está de posso, lia mui­tos annos, e que facilitam ao viajante qnc o visita, a admi­rável comtemplação do seu curso magestoso e poético. Sem o vinho seria o Douro um deserto, e com elle este rio ainda é, em alguns pontos, um abysmo; mas, o Rheno pôde per­der o vinho, que ainda assim ficará o paraizo. O Douro Superior, principalmente, e n'esta apreciação refiro-me ao que já disse d'clle um escriptor portuguez, está por ern-quanto sem cultura em grande extensão, e pouco mais é do que um paiz selvático.

Do Cachão da Yalleira para o nascente, alternam os gra­nitos frequentes vezes com os scliistos; mas, é sempre so­bre estes últimos, que se produzem os melhores vinhos do Douro Superior, onde já hoje se veem formosas quintas como as do Silho, do Vesúvio, da Caldeira, de Varzellas e Cachão, dando idèa do valor dos seus recursos, embora esteja por emquanlo pouco povoado, silencioso e triste. Nada se faz sem tempo.

Para a superficie total de 35 mil hectares, calcula-se a producção média em 400 mil hectolitros de vinho ou 80 mil pipas de 500 litros.

É muito antiga a cultura da vinha e o commercio de v i ­nhos em Portugal. Alguns escriptores pretendem encontrar vestigios do começo da nossa exportação, nas chronicas do tempo do rei Fernando i , que floresceu no meado do sé­culo xiv.

A indicação, porém, mais exacta a este respeito, refere-se aos vinhos que eram levados nos galeões das índias, para uso dos que iam longos mares ás conquistas. As hostes de

A0! Coge Çoíar e de Rumecão tiveram que batalhar com sol* dados que bebiam vinho (?)

Estão persuadidas varias, pessoas, que o facto de nós embarcarmos vinho nos galeões, seja um frisante exemplo da sua longa duração; mas, uSo se devo ligar, em meu con­ceito, importancia absoluta ao que so diz, com referencia

. á virilidade o longevidade d'aquelles vinhos; pois que, em tempos tão atrazados, quando a agua era transportada cm barris, e chegava, ao cabo de longa viagem, cheia de bichos e inteiramente corrompida, os conquistadores, perseguidos pela sede, beberiam com sofreguidão qualquer vinho, em­bora elle se parecesse já bastante com o vinagre.

Foram os inglezes que fizeram o descobrimento do paiz vinhateiro do Douro, e não devemos ter vergonha de con-fessal-o, porque um povo que avassallara as índias, onde elles haviam mais tarde de fundar um imperio, pôde dei-•xar-lhes aquella gloria para repartirem comnosco.

Em consequência das más colheitas de Italia, viram-se obrigados a procurar os vinhos fortes negros e saccharinos de Lamego, os commerciantes inglezes, que estabelece­ram a pouco e pouco feitorias no Porto para maior fa­cilidade das suas transacções. O Brasil, o Báltico o bem assim as nossas colonias, já por essa época conheciam ai-guos vinhos de Lisboa e do Douro; no entanto, 6 fora de duvida, que o maior trafico se fazia por conta dos ingie-zes; representando, nos annos que decorreram de 4678 até 1702, o total das carregações/ uma média annual de 25:810 hectolitros ou 3:162 pipas.

Em 1703, celebrámos o tratado de Methuen, segundo o qual tiveram entrada em o nosso paiz os lanifícios inglezes; ficando por isso os nossos vinhos gosando em Inglaterra, o beneficio de pagarem menos um terço dos direitos, lan­çados aos vinhos das outras nações. As consequências d'este tratado foram favorecer os feitores inglezes, que souberam tirar todo o proveito da convenção, ao passo que as nossas fabricas ficaram arruinadas. Cairam para tarde se levanta­rem de novo.

401 A média annual da exportação, de 1703 a 1756, apesar

do beneficio, foi de 81:090 hectolitros ou 16:218 pipas; per­manecendo Portugal de braços cruzados cincoonta e tres an­uos, a mcdilar nas consequências da sua pouca sagacidade.

As pequenas nações precisara ser vigilantes e cuidadosas no modo de fazer tratados. Se querem negocial-os com per­spicacia e sabedoria, raríssimas vezes os realisam. De ordi­nario os suppostos benefícios não sc alcançam sem onerosas compensações. E feitas as contas finaes, somente ha saldo, de prejuízos. Bilha de leite-por bilha de azeite! Ora, no caso que ponderamos, escusado é dizer qual foi a bilha que nos levaram.

Os feitores inglezes apoderaram-se inteiramente do nosso mercado, como é fácil que ainda venha a succeder outra vez, e quando elles se sentiam já fartos de ganhai- dinheiro, que

.nós começámos a percebei-o. levantaram-se com violencia e segundo o costume, queixas da nossa parte, aceusando-os de estarem mancommunados para dictar despoticamente o preço aos productores!

Alguém apparecou que ;is ouviu, e substituindo um mo­nopolio por outro, impoz ao Douro a tyrannia dos seus próprios compatriotas.

0 marquez do Pombal, participando das idéas do seu tem­po., creou a companhia geral da agricultura das vinhas do Alto Douro, que se instituiu a 10 de setembro de 1756; de­vendo ella ter por missão regenerar a qualidade depreciada do nosso famoso vinho, e fazer, como alguns ainda pensam que chegou a realisar, a edade de oiro do paiz vinhateiro; posto que, se compulsarmos a estatística e referirmos os seus dados aos factos históricos d'aquella época, nos possamos convencer com facilidade, que o grande augmento da ex­portação não proveiu absolutamente da influencia da com­panhia ; mas, sim, começou a ter origem nos acontecimen­tos políticos, que sobrevieram mais tarde.

As guerras da republica franceza, a que depois se seguiu o bloqueio continental, coMribuiram poderosamente para a prosperidade do Alto Douro. E como os nossos portos fo-

402 ram os únicos que sempre estiveram patentes á Grã Bre­tanha, não tendo ella então outros em eguaes condições para se abastecer de vinhos, d'ahi procedeu a opulencia quedisfrutou o paiz vinhateiro do Douro, no fim do sécalo passado e no começo do seguinte. • De 1789 até 1815, a média annual da exportação dos vinhos do Porto não desceu de 210:000 hcctoiilros ou 42 mil pipas.

Faz-se, porém, a paz geral em 181"), cessam as circum-stancias extraordinarias, que haviam determinado a procura

• forçada dos vinhos portuguczes, e a nossa exportação desce desde 1810 a 1832, em que os inglezes eguaíaram os di­reitos sobre todos os vinhos, á média animal de 115 mil hectolitros ou apenas 23 mil-pipas; isto é, tornou de novo a- voltar aos seus antigos limites.

A reforma liberai de 1834, sacudindo o jugo do despo­tismo, que por tantos anuos opprimira a nação e impossi­bilitara o seu desenvolvimento, conservou ainda a compa­nhia, que só veiu a receber o ultimo golpe decisivo em 1866. Não se destroem as raizes do monopolio nem com a agua a ferver. E ha companhias que resistem a todas as revoluções.

Em relação á natureza do vinho e para os effeitos do commercio, estabeleceu a companhia duas demarcações. A primeira referente aos vinhos finos de embarque, e a se­gunda aos vinhos de ramo, destinados ao consumo das ta­bernas da cidade do Porto e seu (ermo. Por intermedio dos seus provadores, procedia, cm tempo próprio, á classi­ficação-, dos vinhos, separando ainda os do primeiro grupo em duas classes dislincias. Tinha, por tanto, o exclusivo do commercio dos vinhos do Douro e ainda em cima o exclu­sivo do fornecimento das tabernas. Quando os vinhos não chegavam ao typo de embarque eram para olías mandados. Com este monopolio durou mais de um século. O que não podia vender ao estrangeiro, bebiamot-o nós.

• Na exposição de 1874, estiveram modestamente repre­sentados os vinhos do Douro, divididos em tres ciasses.

403 conforme a antiga divisão do commercio. Quasi iodos fo­ram adquiridos no Porto pelo governo, apenas com exce­pção de um que outro exemplar gratuitamente offerecido. Apesar d'isto, apparereram algumas amostras de vinhos fi­nos, nenhuma, porém, podendo medir-se com os vinhos das quintas nem com os que estão armazenados nas docas de Londres, repositorio afamado dos vindos mais finos e generosos do Douro. Estes e as libras residem habitual­mente iraquclla cidade.

Não admira que esta parte da exposição se não pro­curasse desenvolver tanto como as outras dos vinhos de-pasto. A intenção do governo (ora principalmente tornar conhecidos estes últimos, expondo apenas os vinhos do Douro como brazão que todos respeitam.

A producção do paiz vinhateiro do Douro, em relação ás ires qualidades apontadas, é ainda bastante considerável, e não me devo esquecer de a tornar conhecida porque pre­cisamos destes dados mais tarde, quando tratarmos da es­cala alcoólica.

Servir-me-hci textualmente das palavras que se encon­tram nos documentos ofíiciaes*.

& Primeira qualidade. Comprehende os vinhos mais finos e preciosos, que são conhecidos nos principaes mercados do mundo.

«A média da producção annual d'esles vinhos não excede a i00:OOO hectolitros ou 20:000 pipas de 500 litros.

«A maior parte d'estes vinhos, produzidos no Alto Douro e no Douro Inferior, exporiam-se para os mercados britan-nicos.

^Segunda qualidade. Até certo ponto a distineção entre os vinhos da primeira e segunda qualidade é dífficil de es­tabelecer. Annos ha em que os vinhos de segunda quali­dade sã•> eguaes aos vinhos de primeira qualidade.

«A producção média annual dos vinhos de segunda qua­lidade regula por 150:000 hectolitros ou 30:000 pipas. A

1 Breve noticia da viticultura pwtugueza (publicação official) pag. 12.

A0! maior força da producção pertence ás vinhas do Donro I n ­ferior1.

«Parte dos vinhos de segunda qualidade são misturados cora os de primeira qualidade; os restantes são exporta­dos principalmente para os mercados do Brasil

«Terceira qualidade. Os vinhos d'este grupo são produ­zidos nos terrenos mais elevados e distantes do rio Douro e seus affluentes. A média da sua colheita computa-se em 150:000 hectolitros ou 30:000 pipas.

«Parte d'estes vinhos são consumidos nas tabernas do Porto e outras povoações do Minho; a outra parte satisfaz as necessidades do consumo local, sendo o resto reduzido a aguardente, que se emprega no beneficio dos vinhos de primeira e segunda qualidade.

«Os vinhos espeeiaes do Douro podem ainda formar uma quarta classe. Recebem os nomes das uvas de que são fei­tos, e n'este grupo dos licorosos podem entrar também as

•geropigas e os abafados.» Foi diminuto o numero dos expositores, como se pôde

ver no mappa que está presente. E estes mesmos foram á exposição, porque venderam o vinho ao governo.

V i n h o do P o r t o

Expositores Amostras Vinho tinto Vinho branco. Doseamentos de álcool. Acima do 26° de Sikes. Abaixo de 26° de » . Por dosear

I.1 Qualidade

IS 122 m

1 121 108 13 1

2.» Qualidade

10 i2 Í8 -0 12 *fi

6 0

3.a Qualidade

17 18 18 0

18 1

17 0

u BiVisSoa qiie alludimos no principio d'esta conferencia.

Dosearam-se em Lisboa todas as amostras menos urna, chamando particularmenle a vossa attenção para as que es­tão abaixo de 26°. Nos vinhos de primeira qualidade, houve 13. Quer-me parecer, que foi engano de classificação, e que os vinhos d'esta graduação, foram indevidamente col-locados no 1.° grupo. Eu, porém, não me julgo auctorisado a alterar os resultados das experiencias, que outras pes­soas dirigiram.

Com quanto interrompa um pouco a nossa narrativa, apro­veito a occasião para vos apresentar o quadro synoptico de todos os vinhos da exposição porUigueza.

Exposifores Amostras Vinho tinto

» branco Doseamentos de álcool.. Acima de 26° de Sikes.. Abaixo do 26° de > . . Por dosear Bom l.5qualidade.. Soffrivel. 2." Mau 3.fl

Vinho de pasto

i.'U 620 484 ou 780/o 136 - ou 22% 602 331 ou S50/D 271 ou 45%

18

267 ou 437e

169r /oÍ28o/0

Vinha do Porto

42 152 151

1 151 H8 36

1

Total

473 772 635 137 753 446 307

49

Ahi fica o mappa, podem commental-o á vontade. As con­clusões a que elle me conduziu, já vol-as disse com toda a franqueza.

O nosso jury entendeu que não devia proceder á prova dos vinhos do Porto, e por isso se nota uma lamentável la­cuna n'este mappa, sendo obrigado a referir-me unicamente á opinião que d'elles formaram os provadores de Lon­dres. Acharam alguns vinhos muito inferiores, aguardenla-dos e excessivamente retintos; e como ali existe o melhor deposito de vinho da mesma origem, não se lhes tornava difficil a comparação.

406 A força alcoólica, maxima e minima, dos vinhos expos­

tos era a que está notada, n'este pequeno quadro.

V i n h o do Porto

Forja alcoólica

Maxima.

Minima.

.B Qualidade

27,3(0

12,4 (!)

47,77

21.70

2.a Qualidade

11,7

40..77

20,48

3.a Qualidade

15,3

9,8

26,78

16,63

Houve 21 amostras de vinho de 1.a qualidade, que ex­cederam a graduação de 42 de Sikes. Continham, por tanto, mais de 24 por 100 de álcool absoluto, epor isso estavam sujeitas ao direito superior ao segundo gran da tabella.

Vinte e quatro por cento de aicoo! absoluto! Para qiiè?í

No que vou referir-vos, agora, acerca da viticultura e vi­nificação do Douro, sinto o maior prazer, porque tenho mo­tivo para elogiar os agricultores portuguezes. Al i o vinha­teiro conhece o seu mister, é cuidadoso; e se em muitos outros pontos do reino, a mania é fabricar vinhos, como os do Douro, melhor seria que se dessem a imitar o aceio, regularidade, perfeição da cultura e do fabrico d'aquella re­gião.

O grangeio é em extremo diflicil e caro. A. vinha é plan­tada em valleiras, que se abrem nos socalcos, como sue-cede no Rheno; aberta a valleira, é mettido o bacello com unhamento. O solo figura-se-nos á vista uma extensa esca­daria, cujos degraus são constituidos pelos muros ou geos, que sustentam as terras em que a vinha vegeta. E todas as operações, sem exceptuar a vindima, se difíicultam por

4Ô7_ esta disjiosican obrigada, contribuindo ainda depois, para que tudo seja vencido á custa de penoso trabalho, a nave­gação arriscada do rio, por onde os vinhos descem até a Ré­gua ou o Porto.

Em quanto nas outras regiões vinícolas, se plantam ou podem plantar 10 milheiros de bacellos por hectare, pelo preço médio de ioO mil r é i s ; no Douro, apenas se põem 4 a 5 milheiros, custando de 250 a 500 mil réis . Tal 6 o trabalho para vestir de pámpanos aquellas pittorescas la­deiras.

A poda faz-se em seguida á vindima; deixa-se uma ou duas varas á cepa, com um ou dois (alões, que servem de fiadores.

A empa é semelhante á tão celebrada do dr. Guyot; a vara, disposta Iiorisoníahnentc, c sustentada por dois tuto­res; ao que está proximo da cepa chama-se pau de espera, ao que está no extremo da vara, pau do fim; so o compri­mento da vara exige mais paus intermedios, chamain-se a estes, paus de forrar.

Segue-se á poda a escava, depois vem a primeira cava e conjunctamente a empa, de janeiro a fevereiro; a redra faz-se cm maio.

Procedem á vindima, que se realisa de 15 de setembro a 10 de outubro, com a maior regularidade, e só quando o fructo chega á completa maturação; cortando-se cuidado­samente os bagos seceos, verdes ou podres que não en­tram na lagaragcm, e se aproveitam em separado para vi­nho ordinario ou vinagre.

Não occultarei, que o numero das castas é muito elevado; setenta chegam alguns a contar. E depois de o haver dito, devo fazer sentir, que esta multiplicidade de uvas consti­tuo uma imperfeição. A mesma experiencia confirma que os vinhos extremes ou do poucas castas, feitos no Douro, são os mais finos. E se não se notam por modo tão claro, como n'outras regiões, os inconvenientes do excessivo nu­mero de castas, isso procede da natureza especial do fa­brico, em que o álcool addicionado, como que em si con-

408 centra a individualidade do vinho, contentando-sc em achar bastante assucar no mosto. E d'aqui resulta também, que estes vinhos não possuem verdadeiro flavor, no sentido em que devemos tomar este vocábulo, mas unicamente aroma, que são coisas diversas.

O bastardo, o gouveio, o rabo de ovelha, o mourisco, a malvasia, o alvarelhão, o donzeliinho e a touriga, de combi­nação com differentes tintas, constituem as variedades prin-cipaes,' que entram na competição dos vinhos.

A riqueza dos mostos é orçada pelo sr. Lapa em 35 por 100, termo máximo, e, era 18 a 20, termo mínimo, sendo o termo médio 23.

O aúctor da Breve noticia sobre a viticultura portugueza, admitte as mesmas percentagens, e estabelece tres clas­ses:

Nas melhores uvas 24 a 34 por 100 de assucar Nas medianas 23 a 30 » » » Nas mais inferiores 18 a 20 » » »

0 sr. visconde de Villa Maior dá 20° glycometricôs, como maxima dos mostos nos annos regulares, ou 30 por 100 de assucar.

Estabelece 16° glycometricos ou 24 por 100 de assucar, nos annos inferiores, e desce a 11° ou 10,5 de assucar nos sitios abaixo da Régua. Na 2.a Memoria sobre os proces­sos ãe vinificação, acerescenta, que os vinhos generosos do Douro podem chegar muitas vezes á força alcoólica de 18 por 100, e os vinhos ordinarios dos altos, das margens e das terras chãs, em boas condições, não passam de 12 ou 13 por 100 de álcool absoluto. •

Logo nos oceuparemos d'esta questão importante. Feita a vindima com a maior celeridade, e escolhida a

uva com todo o preceito, é lançada no lagar para o encher rapidamente.

O vinhateiro conhece a capacidade do lagar, e sabe em que relação está com a das suas vasilhas. Assim,, nem a

409 uva se deixa a arder no lagar, como succede n 'ouíras re­giões, nem os cascos estão i espera, para serem attestados, do vinho procedente de differentes e tardias lagaradas. O methodo ó regular e uniforme, adequado ao fim e sancio­nado por uma longa pralica, elíicaz nos seus resultados, e capaz de produzir os vinhos generosos e finos do Douro. É este o methodo que se appellida de feitoria, havendo uni­camente a censurar, que se applique ás vezes aos mostos ordinarios que não podem produzir vinhos generosos.

Todos estes cuidados, toda esta regubridade desejaria ver applicada na vinificação das outras regiões, menos o processo dos lagares.

A pisa é violenta, rápida e completa, a fermentação tu­multuosa enérgica c desafogada. O desengace também se adopta, quando a uva não é muilo saccharina, proceden-do-sc a elle com ancinhos.

Onde se fabrica o vinho com maior perfeição, entram no lagar tres homens por pipa de mosto, e fazem a pisa durante seis horas na primeira noite. É este trabalho que se chama sóva. No dia seguinte, continua com menos gente, —dois homens por pipa; observando-sc com cuidado a marcha da fermentação, para que rompa hem e violenta­mente.

Se as condições meteorológicas impedem que ella co­mece larga e com promptidão, mandam-se entrar nos la­gares muitos homens, para ir buscar no calor animal o que nega a almosphera; outras vezes, quando ha esse recurso, lança-se no mosto o chapeo ou o cango de uma lagarada anterior.

Estabelecida a fermentação, quando se elevam grossas espumas e ella está muito activa, entram alguns homens no lagar, para recalcarem o cango, a fim de se dissolver melhor a materia corante no álcool já formado. Então saem os homens, e presta-se d'estc ponto em diante grande cui­dado â fermentação.

Quando a espuma diminue, e começa a destacar-se o cango, a pronunciar-se bem o cheiro vinoso, a manifestar-se

CONF. P. I . 27

a adstringência, faz-se a prova por meio da tamboladeíra, do glycomctro ou tic um prato de porcelana, para ajuizar do corpo, cor, gosto, aroma e força do vinho, ;\ vista das lagrimas e de outros signaos; e trata-so do envasilbamcnto, deitando aguardente na cama, na razão de i a 8 por tOO do volume do mosto. Se se pretende vinho secco, onvasi-iha-se quando o glycometro marca zero; se se quer vinho maduro, envasilha-se quando o glycometro marca 4 a 5 graus. O vinho do pé junta-sc ao vinho de sangria.

Conservam-se as vasilhas de batoque aberto até novem­bro, lendo o cuidado de resguardar o vinho do pó e de ou­tras substancias estranhas; depois alé março faz-se a tras­fega, e batocam-se os toneis; deita-sc-lhe meio almude de boa aguardente dopaiz, por pipa, e manda-se o vinho para a Régua ou para os armazéns de Villa Nova de Gaya, onde fica por conta do commercio.

Estes vinhos levam annos a constituir-se, e durante a sua organisação è pratica snbmettcl-os a diversas lotações, que etevam consideravelmente o preço do genero. Pareço ave­riguado, que os vinhos dos melhores sitios não carecem se­não de trasfegas e limpeza no tempo próprio.

Os temperos são vinhos antigos da mesma procedencia, brancos ou tintos, geropigas e abafados, cuidadosamente feitos. O vinho branco esbate as cores e imprime a appa-rencia da edade; o álcool ou aguardente fina eleva a espi-rituosidade e mantém intacto o assucar. Não trato, por em-quanto, bem entendido, senão dos vinhos mais superiores, que são preparados sem confeição.

As exigencias commerciaes teem feito modificar os pro- ' cessos, requisitando vinhos que tenham corpo excessivo, e que sejam demasiadamente fortes e maduros; e os pro­ductores teem-se submettido a ellas sem diffieuldade, por­que já antes d'isso a legislação restrictiva, que não admittia senão um typo para exportação, lhes havia ensinado, que a mistura do vinho genuino com as geropigas, com os ex­tractos de baga de sabugueiro e a aguardente em excesso, transformava, bem ou mal, muitos vinhos inferiores da an-

i ü tiga demarcação cm vinhos de apparencia superioi1. pelo menos eguaes na vista.

Foi mais um beneficio que nos deixou o monopolio da companhia, induzindo lodos os productores a prepararem um typo único.

Ora, como os maus costumes são de mais fácil imitação, hoje, do norte ao sul, em todo o reino, 6 geral a loucura de-fazer vinho do Porto. Não foi o esludo dos vinhos, que nos conduziu ; i aguardeníação d ellos. Foi, o é, o desejo de fal­sificar o vinho do Douro.

Os expedientes pouco conscienciosos, que tendes em­pregado para dar este nome aos vinhos delgados, neutros, fracos o palhetes de varios pontos do paiz, são do domi­nio do publico. Este sabe pcrfcilamcnle quanto fazeis, e tambem não ignora, que até os estaes preparando com a calda de assucar, abertamente importada pelas nossas al­fandegas.

Se entrardes em alguns armazéns da Régua ou de Villa Nova, sem serdes esperados, ali encontrareis o provador de fino paladar e beiços excepcionaes, que sabe, com um copo graduado, compor vinhos ao sabor do todos os mer­cados. Ali se faz o vinho vulgar para Inglaterra, para a America do Norte, para a Bahia ou Pernambuco. Aos aba­fados, ás geropigas, á calda, á aguardente, á baga, ao Bair­rada, ao Cartaxo, ao Torres, se reduzem os principaes in­strumentos do imitação.

A baga è muito saccharin a e riquíssima em materia co­rante, felizmente inoffensiva; todavia, quem quer vinhos legitimos, o sobretudo se queixa de que os outros Ih'os es­tejam imitando, não deve nunca ser o primeiro a dar o exemplo.

O taberneiro estrangeiro tambem opla, como o nosso, pelos vinhos carrascões, e eu agora não applico este nome aos que somente enchem o copo ao freguez sobre o balcão da taberna; mas, a todos que usam dos processos d'elle, tenham que nome tiverem. E prefere o vinho assim, porque com uma pipa de bebida concentrada faz em Londres meia

37.

412 dúzia de pipas, tendo por auxiliares os vinhos da Catalunha e os destemperos da agua, que rendem bem bom dinheiro no Public House.

Notável cegueira a dos que, empregando artificios para falsificarem os vinhos, suppõem enganar os estrangeiros! Só se enganam a si. Os estrangeiros escarnecem de taes pro­ductos, indagam os artifícios empregados, e fazem também uso d'elles. Somos nós que lhes ensinamos a fíilsificação, e que lhes permittimos que elles tirem partido de falsifi­cações análogas.

A classificação completa dos vinhos do Douro não se acha feita. Os inglozes distingaem-n'os até cerlo ponto pelos no­mes das quintas e pelas datas mais geralmente. A maior parte dos vinhos são anonymos. O nome das uvas também os differença, sendo os bastardinhos, moscatéis, malvasias, mouriscos e alvarelliões, os de maior fama.

N'este quadro, daclo ã estampa pelo sr. visconde de Villa Maior em 1867, figuram os typos principaes do Alto Douro, sendo os dados estatísticos que elle apresenta referidos, áquelle anno.

413

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414 Nãd devo apresenlar-me a condemnar em absoluto o typo ca­

racterístico do vinho do Porto, muito particularmente quando este proceda das quintas e da região dos vinhos de maior nobreza. A critica não seria acccilavel nem proveitosa. Jul-go-me, no entanto, obrigado a fazer algumas considerações ácerca das variantes, que pôde exigir o seu actual processo de'fabríco, para que não arrisquemos sem gloria nem pro­veito, a reputação do nosso primoroso vinho, e elle nos f i ­que, tanto quanto seja possível, ao abrigo do descrédito, que já fesa sobre as falsificações com que os ignorantes o con­fundem.

Precisamos convencer os estrangeiros, e é necessário que o façamos, de modo que nos acreditem, que a região privilegiada do Douro não carece de artifícios para fabricar os seus vinhos, e qu.e apenas recorre á aguardente fina, tirada exclusivameote de bom vinho, para affirmar e acen­tuar melhor o seu typo especial, que não existiria sem ella, na maioria das circumstancias. O álcool é, pois, para este vinho um meio tão lógico e racional de tratamento, quanda se não exagere, como o acido sulfuroso que se applica ao Chateau Ycquem, ou o avelamenlo da uva e a trasfega re­petida, para apurar o Tokay ou o Johannisberg. Precisamos também, que os consumidores comprehendam, que o vinho do Porto não é destinado aos mesmos usos que o vinho de pasto, e por isso carece de aguardente, e que a baga, apesar da sua innocencia, assim como a calda de assacar* os xaropes, o álcool em demasia e ás vezes de illegitimas procedencias, não servem senão aos imitadores; havendo-se tornado sem duvida mais fáceis as imitações, depois que nós nos lançamos no caminho do não respeitar escrupulo­samente a natureza; já alargando, sem criterio, a área dos vinhos finos, já fazendo-os por tal modo, que possam ser confundidos com os ordinarios.

Eu vos explico claramente o meu pensamento. O vinho do Porto commercial tem hoje tres defeitos. É muito forte, muito retinto e muito doce. E quanto mais aguardente l i ­ver,' mais côr e maior quantidade de assucar, tanto mais

415 fácil se lomará imital-o; aqui, em França, em Hamburgo, cm Hespanha, na America, na Asia, na terra, no ceo e no inferno. Foram, como se observa pela comparação e ana­lyse de todas as publicações mais ou menos apaixonadas a seu respeito, effedivamente os tres defeitos que digo, que formaram opinião falsa, lá fora, acerca do scü fabrico, con-tribuíiído para que se duvide das suas preciosas qualida­des em differentes mercados.

Em uma carta vinícola da Europa, que trouxe de casa para mostrar-vos aqui, e que se encontra por toda a parte na Ailemanha,—nas cscólas de agricultara, nos hotéis e restaurantes, nos depósitos e armazéns de vinhos, traçada por pessoa muito séria e de todo o ponto indiíTerente ás polemicas e debates que se sustentam na Grã-Bretanlia, ha uma nota que diz: a a cor vermelha escura do vinho do Porto é dada artificialmente com a baga do sabugimro{.y> Peior do que isto, o mesmo individuo, que recentemente publicou um interessantíssimo livro sobre os vinhos da Europa, tor­nou a repetir esta asserção, quando descreve inexactamente o fabrico dos vinhos do Douro. Pois a verdade é, que levam somente baga e tempero, os vinhos que se falsificam, e de­pois os que falsificara os estrangeiros, que vieram, e crede que me custa a dizer-vol-os aprender comnosco aquella arte. Diz-se, porém, o contrario nos idiomas mais conhecidos, e o que lá prevalece não c a nossa opinião, nem é mesmo a verdade, mas o que sc refere a todos opor aquelíe modo.

A Hespanha, a França e a cidade livre de Hamburgo fa­zem Porto e Xerez como as vinhas que toem estes nomes. As duas primeiras nações nas adegas, Cette e a cidade de Hamburgo nas fabricas, onde se põe com a maior ingenua dadc, sobre uma loja qualquer, o letreiro que o indica. Li-os ahi muitas vezes: Fabrica de vinho do Porto, fabrica de vi­nho de Xerez, em grandes letras garrafaes. E nao o fazem

* Weinkarte von Europa entworfen und gezeichnet von Dr. Wilhelm Hamm, Jena, «Der Portwein erhült seine braunrothe Farbe durchkíinst-licheu Zusalz von Hoiluiiderbecren.1*

A 1 ! por malicia inteiramente, que tanto ás claras mereceria ou­tro nome. Ha fabricantes, e a mim m'o disseram alguns, que estão persuadidos, que o nosso vinho do Porto é de fa­brica, e não querem acreditar, que haja uva capaz de fa-zeí-o sósinlia. Dá-se a bem dizer com o Porto, o que se ve­rifica com o Vermont de Italia ' .

Deu origem a estas imitações o estudo que os estrangei­ros fizeram de alguns dos nossos processos. Foram ao Douro em pessoa, ou mandaram individuos habilitados ali, que des­cobriram o segredo da transformar os vinhos fracos cm vi­nho do Porto, e voltaram depois ás suas casas com as nossas receitas, e talvez na convicção que todos os vinhateiros os preparavam do mesmo modo.

Vós mesmos os incitaes n'aquella obra, pois que lhes re­metíeis, lodos os anuos, a baga de sabugueiro para lá! Correi pelos olhos as estatísticas da alfandega, que é o suf-ficiente para vos arrancar a confissão.

O campo de Tarragona não sente, é certo, bater a espa-della dos barcos no Douro; mas, não deixa por isso de cha­mar ao seu \inlio—Portwine. E não fica só aqui o que elle, faz, porque me faltava ir a Londres para o ver; já julga desnecessário encobrir a sua origem, c tem o descaramento de apparecer ao publico com o nome hybrido de Tarragona-Portwine.

É arrogancia?! Não é? E comtudo deve servir-nos de bem áspera lição, espe­

cialmente se vos disser, que havia em Londres, nas adegas de Albert Hall, farragona-Portwinc melhor Porlo, que muito Porto, que exportaos do Portugal, falsificado. Melhor no preço, porque era mais barato, e melhor imitado que as imitações que fazeis, isto, p o r ç ^ v ^ o impede que a regra seja dif-

1 O Vermout de Turim,deLyon e deChambéry,fabrica-sc cm Cettecni ponto grande. Tem por base os vinhos brancos do Hhodauo mais atcooli-coseopicardan do meio dia da França, que sc temperam com qumaania-rella, rhuibarbo e easea de laranja ^zeda, além de outras substantias de menor importancia.

4(7 /érente, e que os vinhos da Catalunha em geral, vendidos com o pseurtonymo de vinho do Porto a shilling a garrafa, nas tabernas de Londres, formem uma detestável composi­ção, capaz de fazer enjoar o vinho por toda a vida1.

A cidade de Hamburgo também escarnece soffrivelmente de nós, porque casa morgauaticamente o vinho mais ple­beu da Grecia com a soberana baga de sabugueiro e com o principe caramello, para apresentar em publico o prin­cipe impostor do Dourol Um principe de maus costumes, que se esconde pelas tabernas mais ordinarias, e se vende em troca de uma pequena moeda de prata; que vive fami-liarisado com as quadrilhas dos grandes roubos e dos gran­des crimes! Que embriaga e ajuda a prostituir as mulhe­res de Londres; que torna 'muís impalpáveis as mãos dos p/ck-pocke/s e mais densa a população dos calcetas! Não é o vosso vinho, bem sei; mas, tem o mesmo nome que elle!

Os vinhos do Roussillon e os seus análogos, baptisam-se em Porto, nos armazéns dos negociantes de Cette. Em um tonel está o vinho, em outro a baga, e em uma terceira vasilba, muito mais pequena que as duas, o brou de noix*. Tira d'aqui, tira dacolá, junta mais aguardente de um lado, acrescenta mais abafado do outro, a synthese é o Douro í Se até já ha fíurrjumly Port para os americanos do norte I Um xarope, que dc longe faz tedio, e pela côr se confunde com a tinta de escrever.

—«li queres tu então que mudemos do fabrico, excla­mam os Felizardos, de que este mundo está cheio, quando os paizes mais cultos copiam os nossos processos!!

1 As pessoas sensatas devem compujonder as razoes que sobre mifn jmperanm, para expor francamente aos n. us . jinoatrioías os resultados dos estudos que fizera sobre a questão vinhateir;.. A industria do vinho -JI5O precisa de outro ãuxilio (¡ne ii5o seja dizer-se-lhe sinceramente a verdade. No momento em que escrevo esta pequena nota, vejo com inteira síitisfaçSo.. que o commissario da Allcmanha, na exposição de Pbiladel-phia, seguiu o meu exemplo, mostrando abertamente no seu relatório quaes eram os principals defeitos das industrias d'aquetle paiz.

s 2.* Conferencia, pag. 79.

418 ..Copiam e acrescentara; o que.nós agradecemos também,

permittindo que os nossos cônsules, passem certificados da origem poríugueza aos vinhos que os estrangeiros imitam. Como isto se faz é bem simples. Os ageiites ou caixeiros das casas exportadoras, em alguns pontos de França, pe­dem nos consulados pelas declarações que apresentam, que as nossas auctoridades certifiquem serem dc Portugal os vinhos que essas casas vão exportar. E os nossos COUSUT les, que não podem, segundo o que me hão alTirmado, re-cusar-se a fazel-o, em vista das disposições legaes, passam o attestado com esta ampla declaração.

0 caso é, que o vinho falsificado se rodeia de tal appa-rato, por fim, que.só um sabio especialista lhe poderá co­nhecer bem a historia. Os estrangeiros até se dão ao tra­balho de imitar as imperfeições das nossas vasilhas. É um espectáculo curioso i r ver, ao longo do extenso caes de Cette, as pipas do Vorto, lembrando-nos a pátria, em quanto espe­ram a hora de embarque. Por fóra que semelhança, vale a copia o original. Se não passarem das aduellas, é a imitação um primor.

Tem succedido em Inglaterra, e é provável que se haja dado o mesmo facto n'outros pontos do globo, tomarem por. imitação o vinho do Douro, legitimo, pelo habito em'que estão de beber o viuho falsificado.

Os vinhos retintos e concentrados correm mais facilmente este risco de ser confundidos. É vulgar chamar-se Porto a qualquer vinho com aguardente e assucar; e quando ap-parece o verdadeiro, que não tenha estes defeitos, ás pes­soas que senão acham no caso de decifrar tantos mysterios, nada mais fácil que triumphar o vinho mau do verdadeiro. Outras que são medrosas, e não confiam no seu paladar,

. absteem de todos elles, porqne pensam que não ha outro modo de evitarem as fraudes.

Ao mesmo tempo; bradam os pamphleteiros,—que são vinhos de fabrica, e o consumo restringe-se era vez de au­gmentar. Porque emfitn poucos sabem, que essas obras con­tra os vinhos., são dos próprios fabricantes. A fabrica do

419 vinho do Xerez paga os folhetos que se escrevem contra o vinho do Porto. A fabrica do vinho do Porto põe a correr os impressos que beliscam a reputação do Xerez t

Paiuplileto puxa painphlcto, e o vinho legitimo, como a virlmlií, paga as differenças, em quanto espera que lhe ap-pareça o defensor. Nem mais, nem menos.

A força alcoólica do vinho do Porto, diz o dr. Hamm, e n'este ponto encontra-se muito bem informado, oscilla entre 21 e 25 por 100. O vinho puro não confém mais de quinze, sendo o seu peso especifico egual a 0,9906. Tem de assa­car 16 a 3 i grãos por ouça; muito mais que o Xerez, que o Madeira e que o Champagne; pouco menos que o Tokay. Uma das suas partes mais importantes ó o tanniño. A çôr procede da baga de sabugueiro.

Não vos agrada o retrato? Vejamos como nol-o pintaram os auctores portuguezes.

A força alcoólica commercial do vinho do Porto,— asse­vera o sr. Lapa, sóbc a 24° do alcoometro centesimal, em quo ha, pelo menos, 6 por 100 de álcool puro addicio-nado.

0 vinho do Porlo pode chegar a ter 18 por 100 de ál­cool absoluto natural, e quando passa dos lagares aos to­neis, acerescenta o sr. visconde de Villa Maior, leva 4 a 8 por 100 do seu volume de aguardente, fina; afora o álcool que recebe na primeira viagem da adega para a Régua ou Villa Nova de Gaya, e o que lhe juntara, com o andar do tempo, nos armazéns, atè que se julgue definitivamente prompto a embarcar para o seu destino.

—«Faz gotal bradam os seus inimigos. Illusão completa, senhores í—Não põo a alma onde deve,

e tira o juizo do sen logar. Lembrei-me, agora, outra vez da minha pobre criada.

Examinemos detidamente esta questão, para alfim com­binarmos no que se deva assentar.

«Ha no Douro localidades, como são quasi todas aquellas em que se acham as vinhas da margem direita do rio, en­tre o Pinhão e o Tua, onde a maioria das boas castas pro-

420 duzem mostos, que chegam a marcar no glycomotro 20° de assucar nos annos regulares; isto é, 30 kilogrammas de assacar em cada hectolitro, o que tlá, depois de completa a fermentação, vinho seceo contendo 20 por 100 de alcool •absoluto ou 34° de espirito de prova no hydromelro de Si-kes, usado pola alfandega ingleza. Em outras localidades, o grau médio do assucar não passa de 15°. Sitios ha, po­rem, em que os mostos não attingem este ultimo grau.

«Em 1866, pouco favorável á completa maturação, os mostos dos melhores sitios e das castas mais ricas (bas­tardo por exemplo), só chegaram a 16° do glycometro, e abaixo da Régua marcaram apenas apenas 110,5 depois da chuva, e antes d'olla 42° de assucar1.»

Na antiga formula da fermentação alcoólica, cada grau do glycometro, representando lk,5 de assucar por hecto­litro de mosto, correspondia a 1 li tro de alcool em cada hectolitro de vinho. Pelas investigações de Pasteur, a cor­respondencia é menor, e 4k,S de assucar produz 0,92liL de alcool, ou 0,9 ut' unicamente, se quizermos attender ás per­das inevitáveis da fermentação.

Um exemplo não deixará de convir á melhor compre-hensão d'estes principios.

Seja 20° a indicação dn glycometro. Se um grau d'este instrumento corresponde a 1\5 de assucar por hectolitro, teremos com 20° em 100 litros de mosto, 30 kilogram­mas de assucar, e 20 litros de alcool absoluto no vinbo, pela antiga formula da fermentação, em que 1 k,5 de assu­car produzia t litro de alcool; ou 18,iO litros apenas, pela formula moderna de Pastear, em que 1 k,o de assacar cor­responde a 0,92nt de alcool.

Este ultimo resultado fica ainda um pouco acima da rea­lidade: 1.°, porque é preciso na observação ou leitura dos graus glycometricos do mosto,—cuja temperatura se deve pôr a 15°, para que seja a normal,—descontar do numero de graus observados, i grau por cada 12° que o dito nu-

1 l.« 'Memoria sobre os processos de vinificação, pag. i i .

42 i mero comprehender; 2.°, porque, nas fermentações ha per-das inevitáveis de álcool, que podem elevar-se a l por 100, baixando a correspondencia de 1\5 do assncar por hectolitro de mosto, á indicação pratica* já apontada, de 0,901!t- de aicool absoluto por hectolitro de vinho. Nós, po­rém, notando estas correcções não as introduziremos no exemplo, para não dilficuUar a sua compreheusão ás pes­soas a quem o destinámos.

Em todas as avaliações até agora feitas n'cstas conferen­cias, cu tenho passado do assncar para o aicool em peso, multiplicando o numero que exprime a percentagem do pri­meiro corpo, determinado no mosto por qualquer meio, glycometrico ou analytico, pelo coefficiente 0,48o1: porque 100 partes do assucar de uva não produzem 3! de álcool, como se dizia, quando a chimica suppunha que elle se des­dobrava pela fermentação somente cm aicool e acido carbó­nico, mas 48,5 ou mais exactamente 48,40, como se sabe hoje, depois que a glycerina, o acido succinico etc., passa­ram a ser considerados productos normaes d'aquelle com­plexo phenomeno.

Determinado assim o aicool em peso, basta dividir o nu­mero que o exprime por 08r,794, que é o peso do litro de aicool absoluto, para se obter o aicool em volume.

Resumo:

Grau glycometrico 20 Assucar correspondente: i k , í í x 2 0 . 30 por 100 Aicool em peso: 30X0,483 14,55 » Aicool em volume: 14,55:0,794.. . 18,32* » Graus de Sikes: 18,32X1,75 32,06

Pelo que recitámos dos trabalhos do sr. visconde de

1 Primeira conferencia pag. 67. 2 A pecpiena differença que se nota entre estes resultados, e os que nos

deu o sr. visconde de Villa Maior, procede de elle haver adoptado, na época em que publicou o seu relatório, a antiga formula da fermentação alcoólica, que entáo era mais usada.

Villa Maior, temos ou podemos fazer tres grupos das uvas do Douro, em relação á força saccharina que apresentam. Vinte graus glycometricos indicam a riqueza maxima do fructo nas melhores localidades; quinze graus a riqueza dos sitios medianos, menos de quinze a pobreza dos tor­rões pouco favorecidos.

Executados os competentes cálculos, 20 graus glycome­tricos dão 18,32 por 100 de álcool absoluto cm volume, e embora se faça conta com todas as perdas inevitáveis da operação, os mostos., que tiverem aquelle grau saccharino, acham-se nas condições de fornecer, depois de todo o as-sucar se ter desdobrado, vinhos firmes, que attingiram a percentagem alcoólica que paralisa a fermentação. Com ef-feito este limite é 18 por ÍOO de álcool absoluto.

Os mostos com mais de 20 graus glycometricos, se os houver, podem, sem aguardentação, produzir vinhos rnadu1 ros, cuja madureza ou doçura será proporcional á elevação do grau. Estes vinhos apresentarão, além d'isso, o álcool suíficiente para que o assucar com que ficarem se não des­dobre. Logo os mostos com 20 ou mais de 20° glycometri­cos, podem ser convertidos em vinhos seceos ou maduros; os primeiros com fermentação completa, e os segundos com desdobramento incompleto de todo o assucar que pos­suíam. Se quizerraos porém, converter em vinhos maduros também os mostos que marcam só 20°, será necessário o auxilio de ligeira aguardentação, para impedir o desdobra­mento de uma parte do seu assucar, servindo o álcool addicíonado para substituir o que não chegou a desenvol-ver-se na fermentação, e que sommado com elle, deveria ter 3ubido a 18 por cento.

Os vinhos correspondentes aos mostos de 15 graus gly­cometricos, ficarão, se tiverem fermentação completa, com i 3,80 por cento de álcool absoluto em volume. Se de taes mostos quizermos fazer vinhos maduros -generosos, somos obrigados a addicionar-lhes álcool que restabeleça a gra­duação de 18 por 100, e assucar que lhes transmitía o ma­duro. O meio mais rápido, simples e efficaz é porém juntar

aguardente ao mosto em fermentação, antes de todo p as­sacar natural ter desapparecido. Supponhamos, que o envasi­lhamento c feito, quando o mosto marca ainda 4 graus gly-cometricos. Km taes condições conterá G por cento de as­sacar, cjue representam 3,66 dc álcool absoluto em volume. Na hypotheso anterior do mosto marcar 20 graus, será sufli-ciente que llie addieionemos, no acto do envasilhamento 4 por cento em volume de álcool puro; se a graduação for somente de l o graus, como se figurou no segundo exemplo, o vinho quando se envasilha terá apenas proximamente 10 por cento de álcool absoluto em volume, e portanto para que a fermentação se abafe, os seis por cento de assucar se conservem, e o vinho fique maduro, temos que empre­gar uma lota de álcool maior, e não inferior a 8 por cento.

Quatro a oito por cento do volume do vinho representa a porção de aguardente fina que o sr. visconde de Villa Maior assevera ser costume empregar, quando se procede ao envasilhamento e como esta não chega á graduação do álcool puro, parece até que se emprega um pouco menos que a necessária, segundo os exemplos já apontados. Em breve, porém, a coincidencia apparento com a theoria des^ apparece, porque não só o vinho, quando vae para os ar­mazéns de Villa Nova, recebe novos refrescos, senão tam­bém já antes, poderá succeder que lhe tenham juntado na adega 8 por 100 de aguardente, precisando elle só quatro ou mais de oito ao que se contentaria com oito. E isto não é uma supposição gratuita. Os doseamentos directos do vi­nho do Porto dão-lhe, com bastante frequência, 23, 24 e 25 por cento em volume de álcool absoluto I Está em moda di-zer-se, e tem-se querido provar, sem que a demonstração appareça, que esta exagerada alcoolisação é para lhe desen­volver mais depressa os aromas. Para isso invocaram a au-ctoridade respeitável de Berthelot, em consequência dos im­portantes trabalhos que elle fez sobre a etherificação; mas, as citações apresentadas só podem exercer influencia nos qúe nunca tiveram vagar para ler a memoria d'este sabio, nem

1 1.a Memoria sobre os processos de vinificação pag. fi.

424 percebera os problemas mais singelos do fabrico dos v i ­nhos. Pois é lá possível pensardes, que n'um liquido com 18 por cento de álcool absoluto, não haja espirito sufficiente para que a etherificação se realise? Os etheres serão corpos que se desenvolvam como as pragas do insectos, e que se formem unicamente nos vinhos que eslabelecem a transi­ção para as aguardentes?

É porventura económico, que o vinho se demore, como o álcool das Charentes, vinte annos nos depósitos, antes que chegue ao grau potável de alcoolisação verdadeira? Desoito por cento de álcool absoluto não vos parece bas­tante para favorecer a eliminação dos ácidos cm excesso, adoçando os mostos, e para subtrair o vinho ó influencia dos climas e ás más condições das adegas; aproveitando-se assim todas as vantagens e beneficios por Thénard attribui-dos, á alcoolisação ou aguardentação dos vinhos?

Estas declamações não são para nós. Ide fazer bulha com ellas aos que acreditam no poder das bruxas, mas escu-saes de empregal-as, julgando confundir as pessoas, que saibam os rudimentos da sciencia oenologica. Vinte e qua­tro e vinte cinco por cento de álcool absoluto em volume, é vontade de perder dinheiro e de encarecer o producto, se não tem por fim concentrar o vinho para que possa ser­vir de capa a diversas lo t ações . . . com outros vinhos.

Admitte-se, que o vinhateiro ou antes o negociante eleve a 19 por cento a riqueza alcoólica do vinho doce ou ma­duro, para compensar os effeitos da evaporação; mas, que chegue a 25 por cento, para ficar bem seguro da sua obra, só se explica suppondo que opera ao acaso. Taes opera­ções Jembram os architectos de outr'ora, a quem a malicia moderna chamou akhitectos. Porque não conheciam a re­sistencia dos maleriacs de construcção, davam para maior segurança um metro e mais de espessura a toda e qualquer parede, embora tivesse de sustentar um tecto do telha vS.

Assim me pareceis vós também. Fazeis do álcool a ar­gamassa dos vinhos, e d'estes um edificio composto de pa­redes mestras! .

425 Os vinhos seceos do Douro podem ser de dois typos; a

•14 por cento do álcool absoluto em volume, e então se forem fabricados em balsciros, com poucas castas Item escolhidas, lornar-se-hão distinctissimos e rivaes do mais fino Borgo­nha, correspondendo aos mostos do segundo grau saccha-rino; e a 16 e -17 por cento, quando procedam dos mos­tos de primeiro grau, com fermentação completa, envasi­lhados a zero e sem aguardente addicional. É sobretudo n'esta classe de vinhos generosos, que a alcoolisação a 25° chega a ser irrisoria, por se tornar absolutamente im­possível justifical-a. Tanto álcool em um vinho secco, cor­responde a pôr no pè de um pinlasilgo a corrente de ura calceta, com medo que a avesinhafuja do captiveiro, e tenha bastante força para quebrar a prisão!

Os mostos de terceiro grau saeeharino, com menos de •12° glycometricos, ha toda a conveniencia, que sejam tra­tados sem temperos, com fermentação em vasilhas de ma­deira, e vendidos separadamente, como vinhos de pasto communs, para consumo interno..¿Poderá alguém pôr-me em duvida, que se os fizerem com perfeição, não venham a avantajar-se aos vinhos verdes do Minho? Não valerá a pena intental-o, quando estes se estão vendendo a 50. e 70 mil réis a pipa? Gonseguem-sc assim-duas coisas. Níío abastardar os vinhos finos, e imprimir o maior grau de fi­nura possível ao que está sendo tão ordinario.

Se ouvirdes o que vos digo, ficareis possuindo quatro classes de vinhos distinctos, todos de primeira ordem no seu respectivo grupo. Os mostos com mais de 2o por 100 de assucar, ou acima de 17° glycometricos, servir-vos-hão para vinhos maduros sem álcool addicional ou ligeiramente alcoolisados, conforme exceder ou não exceder d'aquelle grau a sua riqueza saccharina; e para vinhos generosos, sem aguardentaçãOj completamente fermentados. *

Desço um pouco de 20 graus no primeiro grupo, .para o não restringir demasiadamente na pratica. Eu não creio illudir-me, apezar da confiança que deposito nos trabalhos do sr. visconde de Villa Maior, pensando, que a graduação

r.osp. P. i. 28

426 de 20° se não deve ter como regra. E em todo o caso, desço ao limite superior dos mostos das melhores regiões nas an-nos maus.

Os mostos de 19 a 24 por 100 de assucar ou de 13 a 16 graus glycometricos dever-se-hão aproveitar, sem addí-ção de aguardente, para vinhos do typo Borgonha. Os in­feriores a 19 por 100 de assucar, variando entre 10 e 12 graus glycometricos, para Vinhos de pasto commum. E não tenho medo de asseverar-vos, que ha de valer mais.nos mercados, qualquer d'estes typos bem obtidos, do que a fu­são de todos os mostos n'nma só qualidade, como hoje se faz ás vezes, a poder de álcool, de assucar e de baga.

Nos annos de má colheita, em que os mostos não attin-jam tão elevadas graduações, sustentaremos os lypós pela força justificada das circmnstancias, baixando em cada um dos grupos os seus graus respectivos, e ajudando os vinhos somente n'esses annos com mais alguma aguardente. Sem­pre debaixo, porém, do mesmo principio, e parando na al-coolisação necessária para estorvar nitidamente os movimen-

. tos do fermento. Vejo que a separação é difficil, porque os vinhos de um

typo ^unico, bem doces é aguardentados, são os que nos merecem maior applauso; porque nos não veia até aqui á lembrança quanto elles contribuem para o progressivo des­crédito do verdadeiro vinho do Porto.

O gosto predominante, e já não é gosto simplesmente, pas­sou a fascinação, vota por um único typo, que se prepare não só com as uvas do Douro, senão lambem com as uvas d os vinhos de toda a parte. Todos que teem vinhos querem fazel-os fidalgos, e as ambições nem mesmo se satisfazem junto aos degraus do throne. E por isso me não ouvem e lhes causa sensação as minhas palavras.

—«Este homem que appareceu agora, corta-nos as aspi­rações. Se lhe não tapamos a boca, vae estabelecer entre os vinhos, clero, nobreza e povol

O nosso empenho principal deve de ser: 1.0 Não consentir nos vinhos maduros do Douro, como

427 já se ponderou acerca dos moscatéis de Setúbal1, maior quantidade de assucar que a necessária para lhes accentuar bem o typo.

2. ° Não juntar aguardente, senão a indispensável para ele­var a graduação até 18 ou -19 por 100 em volume de ál­cool absoluto, aos vinhos maduros, porque d'este modo fi­cará assaz garantida a sua conservação.

3. ° Não aguardentar, sem necessidade, os mostos ricos de 1.a classe, que se envasilham a zero, destinados a pro­duzir vinhos seceos generosos. A fermentação completa de todo o assucar natural d'esles mostos, dará aos vinhos 16 a 17 por 100 de álcool, o que é por sua natureza uma per­centagem muito elevada, u elles não precisam ficar nas cir-cumstancias dos precedentes; isto é, não carecem de ser tão alcoólicos, porque não possuem assucar, cuja transfor­mação soja necessário impedir.

4. ° Não elevar, já por meio da aguardente, já por meio de assucar, a graduação dos mostos de segunda o terceira qualidade, que hoje se equiparam aos de primeira, com o intuito de collocal-os em condições materiaes apparentemente análogas. Este tratamento, que muitas vezes ainda é am­pliado com baga de sabugueiro, prejudica a reputação dos bons vinhos, e impede que outros melhores e genuínos se cheguem a manifestar; incitando todos os productores, tanto nacionaes como estrangeiros, na ganancia das falsificações. Em ultima analyse, converterá iodas as regiões do globo em mananciaes de vinho do Douro.

5. ° Não permittir que vivam por mais tempo desconheci­dos os vinhos naturaes finíssimos, provenientes dos mostos de segundo grau saccharino, os quaes sem álcool addicio-nal, estão destinados pelas leis da natureza bem observa­das, a lornarem-se famosos rivaes do mais famoso Borgonha. À remuneração dos que intentarem fazel-o, será condigna, se com discernimento souberem procurar o verdadeiro com­prador no caso de aprecial-os.

'O.11 Conferencia, pag. 233.

428 6.° Dar finalmente o ultimo e decisivo golpe na influen­

cia da Companhia, cujo espirito, se é possível, ainda hoje nos domina.

Se o Douro acolher os meus alvitres, ou pelo menos se dispozer a estudal-os, virá com effeito a possuir:

d.0 Vinhos finos maduros entre 18 e 19° centesimaes. 2. ° Vinhos finos seceos entre 16 e 17°. 3. ° Vinhos finos de 14 graus, inteiramente novos. 4. ° Vinhos communs de pasto. E quando o não faça, ao menos estabeleça dois grupos e

duas graduações: Vinhos maduros com Í8 a 19 por 100 de alcooí absoluto. Vinhos seceos e generosos com 16 a 17 por 100. Os mesmos que aoje se conhecem; porém, muito menos

aguardentados. Eu estimava reduzir a uma verdadeira industria a pre­

paração dos nossos vinhos, emquanto me não descobrirem outra, que seja mais lucrativa e para que estejamos habi­litados.

Deixem-me tirar um exemplo das minhas chi micas. O i n ­dustrial da soda calcula a quantidade de combustivel que introduz no forno, fazendo conta com o calor desenvolvido na reacção, e só acerescenta o que falta para o phenomeno final se produzir. Quero para a nossa industria vinhateira o mesmo principio. Nem lançar lenha de mais ao -forno, que arda sem produzir effeito, nem fazer as operações ás es­curas, que tenhamos ainda em cima de pagar as custas.

Resta ainda tomar em consideração a influencia das ge-ropigas e dos abafados, e fal-o-hei com brevidade. Poucas vezes a maioria dos vinhos, e esta é que é a verdade, deve somente a sua excessiva doçura e a sua força alcoólica su­bida ao assucar dos mostos. Tanto abafado e tanta gero-, piga que o Douro consome, são o indicio mais seguro do. que asseveramos aqui.

N'esles temperos, devemos apenas procurar a doçura e a espirituosidade, que desapparecem apouco e pouco n o v i ­nho com o lavor do tempo; mas nunca abusar d'elles como

se pratica, para accrcscentar o que se torna supérfluo, oü dar apparencia de fino ao que ha de sempre ser ordina­rio. Os vinhos do Porto, como também acontece aos do Xerez e da Madeira, teem duas phases muito distinctas no seu preparo, c dependem não só do fabrico na adega, mas lambem do tratamento no armazém. Succede muitas vezes até, que uma variedade de typo se perde, só porque desap-pareceu o tratador que a sabia fazer. Pelo menos muitas pessoas ha que o crêem assim. No entanto, a força e do­çura modernas só podem ser exigidas pelo commercio, que se não contenta de negociar com vinhos puros!

listas conclusões devem satisfazer ao industrial e ao mer­cado. Este quer vinhos doces, vinhos doces terá, ficando dito como hão de ser preparados. Prefere os vinhos sec­eos, vinhos seceos lhe daremos com a aguardente precisa; inclina-se aos vinhos fracos sem álcool additional, vinhos fracos lho venderemos, que valham tanto como os fortes; não pode pagar senão os mais ordinarios, nem estes mes­mos deixará de encontrar, feitos sem confeição. Quèr vi­nhos falsificados, vá bater a outra porta, que não tomos esse officio. Nunca nos ha de faltar quem prefira os verdadeiros, tornando-se então impossível á malvadez dos estranhos pre­judicar a reputação dos bons vinhos que fizermos. O solo, o clima e o fructo, abstraindo mesmo de todos os senti­mentos de lealdade commercial, impõe-nos a obrigação de não falsificarmos os vinhos.

Fixando a força alcoólica do vinho do Porto em 18 por 100, limite mais subido que nos apontam os chimicos para que se não possa exercer a fermentação alcoólica, aproxi-mamo-nos egualmente da riqueza alcoólica do Xerez actual, que não passa regularmente de 17°, como podeis verificaf-o.

Eu digo 18° para afastar todas as duvidas e destruir á nascença as hesitações do commercio; mas, se tivera vinhas no Douro, ficaria cm 17 para os vinhos mais alcoólicos. E o sr. Feuerheerd que tem figurado algumas vezes nas ques­tões da escala alcoólica, me disse tambera em Londres, que se contentava com esta força. Um facto bem significativo

430 que confirma praticamente estas ideas, se observava na ex­posição—Porto natural com 17, e até varias amostras abaixo de 26° de Sikes.

A este segundo exemplo não lhe dou importancia nem lhe ligo valor. Cilo-o para o criticar. Os vinhos generosos são incompatíveis com tão baixa graduação. Mas de 17 a 19 de Gay-Lussac ou de 30 a 34 de. Sikes, não devem também afastar-se.

Persuadi-vos bem de uma coisa. O estrangeiro ¡Ilustrado, e não é preciso ser teehnico, sabe calcular promptamente o excesso de álcool ao vinho, e comparal-o com a sua força natural.

Na 2.a Memoria sobre os processos de vinificação, devida ao sr. visconde de Villa Maior, vimos, que os vinhos gene­rosos do Douro tinham uma força alcoólica natural que po­dia chegar muitas vezes a 18 por 100; nos livros e me­morias de Lamotte e de Thénard estão marcados entre 16 e 18 os limites da fermentação: d'onde se segue, que a differença, seja qual for a riqueza das uvas do nosso paiz, exprimirá a aguardentação, a qual por semclhanlc motivo, nunca se poderá encobrir.

Em referencia ao fabrico ainda direi duas palavras. Os vinhos maduros e seceos generosos não podem.deixar de fazer-se como até aqui, excepto na parte relativa ã aguar-dentação. O vinho novo que proponho, com o designio de aproveitar as uvas medianas, que em boas condições só po­dem dar 12 a 13 por 100 de álcool absoluto, não (levede ser obtido nos lagares, com sova de muitas horas. Exige fermentação tumultuosa em balseiros com immersão do cha­peo no mosto, e a balsa vertical, sendo possível1; desengace parcial ou total, conforme o estado da colheita, podendo adoptar-se sempre o segundo, apenas com o incommodo de

1 O liioii processo das bdlsas dansantes, como five oceashio de o ex­plicai' peia imprens.'i, íem em vista manter a balsa i inmersa vertical men to no mosto, durante o periodo da fermentação ¡mmiHuosa. As vanlagojia d'esíe processo foram já reconhecidas pelos cenologos estrangeiros.

. 431 durar mais alguns dias a fermentação, e envasilhamento a zero. Na primeira trasfega, será o vinho passado para va­silhas de pequena capacidade, collocadas em adegas de tem­peratura constante. D'ahi por deante, servirão de norma para o seu tratamento as praticas da Borgonha, de que nos occuparemos na segunda parte das conferencias. Este v i ­nho carece também que'se faça com poucas castas, bem escolhidas. O Bouro tem muitas uvas, mas resta saber quaes serão as melhores para os vinhos naturaes.

Não desconheço que o commercio honesto so vê a cada momento embaraçado e em luta com muitas difíiculdades para apresentar bem os vinhos.

N'um paiz vinhateiro, como é o nosso, não ha garrafas *, nem letreiros, nem rolhas, nem capsulas. Desconhccem-se todas as pequenas industrias accessorias, que devem au­xiliar a do vinho. Também ha diííiculdade em obter os cai­xotes e ató as camisas de palha, que servem de envolucro

. ao vinho. Temos mui poucas fabricas de garrafas que não chegam

para o consumo; precisamos raandal-as vir do estrangeiro e saem-nos caras. Do Havre e de Bremen, assim como de Glasgow nos estamos fornecendo. As de Bremen são mais baratas, mas nem sempre é possível coutar com as remes­sas, por virem em navios de vela. Demais, as nossas gar­rafas, que não devem coisa alguma á formosura, não apre­sentam a mesma capacidade; umas teem copos de mais outras de menos,—quasi sempre de mais. O vidreiro portu-guez, imitando a variabilidade da natureza, nunca fez duas garrafas gémeas.

Um letreiro bem desenhado, que não seja de estylo saloio nem'ridiculo, só pode obter-se por favor de algum amigo, artista de gosto, que nas horas vagas se dê ao trabalho de

1 A nova direcção que tomou posse da fabrica de Buarcos, já depois de eu fazer estas conferencias, promette desenvolver esta industria conve­nientemente, de modo que desappareçam as queixas até agora justifica­das, sobre a escassez e carestia de garrafas.

432 obsequiar-nos. E o vinho bem engarrafado, com um rolulo bem feito e a capsula bem ajustada, ganha cincocnta por cento com a boa apresentação.

A aduella também vem de fóra, ao entrar no paiz paga direitos, e o vasilhame 6 caríssimo; porque se faz á força de braço e de tempo o que cm toda a parte consegue o va­por, com socego rapidamente. •

As rolhas são o que todos sabemos, a vergonha dos nos­sos bellos sobreiros! Mandamos a melhor cortiça para fóra e attraimos ao paiz as peiores rolhas.

Se algum inexperiente, pretendendo fomentar as indus-(rias que jogam com a do vinho, o enfeita com adornos nacio-naes, brevemente se arrepende do seu louvável patriotismo. Tem de ficar á espera que o queiram servir, e pelo preço que lhe impozerem.

O vinho, em geral, é por emqnanto barato para os que vivem em casa, mas, estes pequenos nadas, tornam-o caro por fim.

As caixas com as garrafas vazias, saem ao negociante portuguez, muito proximamente, pelo preço porque ficam as caixas com as garrafas cheias de vinho commum de Bor­déus, ao negociante francezf

No meio de tantas incertezas, gritam todas as vozes, que a industria do vinho se encontra em condições excepcionaes de prosperidade, quando ternos de comprar a maior parte dos objectos aos francezes para que o ponhamos a viajar. Não contentes ainda, declaramos os vinhos de França os nossos naturaes inimigos, e olhamos para ellos com soberbo desdém.

Que dianteira vos não leva aquella nação, que possne to­das as suas industrias tão bem organísadasl

O mundo, senhores, quando olha para uma garrafa de vinho, ainda antes de saber o que está dentro, não pôde trocar a elegancia do vestuario francez pelo traje de bioco com eapote e lenço 1

Vesti o vosso vinho, depois de bem fabricado, com a ele­gancia franceza, se vos encontraes com coragem de appa-

4-33 recerdos ao laclo d'elle. O proverbio está errado: o habito ó que faz o monge.

Agora mesmo que tantas esperanças depositamos nos, mercados do novo mundo, acabo de saber, que um nego­ciante de Lisboa não pôde introduzir vinhos portuguezes de pasto em New-York, porque ali lhe chegavam mais ca­ros que os das outras nações. No Brasil o vinho francez trivial é sempre mais barato que o nosso, o se não fôra o patriotismo dos nossos irmãos, que formam n'aquelle im­perio uma colonia poderosa, e se não esquecem jamais dos productos portuguezes, ha muito quo o commercio de vi­nhos, pelos hábitos que adquiriu, teria arrostado com uma crise séria.

Mãos á obra e nada de vaidades loucas. Reformae com a mesma boa vontade com que eu vos proclamo a reforma, a vossa magnifica industria. Imilae o meu exemplo. K assim como eu me sacrifico á verdade pelo amor da verdade so­mente, correndo talvez o risco de não ser comprehendido tão cedo, não sacrifiqueis o futuro da primeira industria da vossa patria à passageira ignorancia dos pobres de espirito, nem ás paixões interesseiras dos obstinados e dos espe­culadores !

Está terminada a primeira parte das minhas conferencias, tendo atacado vigorosamente a aguardentação dos vinhos. Alguém me quiz persuadir» o outro dia, que esta pertinaz aguardentação tinha em vista um flm politico, e que era o complemento do systema de fortificação, qué nós conhece­mos pelo epitheto de terreo-vegetalt

N'este systema, que nunca chegou a ser adoptado por felicidade dos que fazem a guerra, os parapeitos deviam es­tar revestidos de plantas nocivas e venenosas, armadas de agudos espinhos, para que o inimigo, atacando as trinchei­ras, caísse morto, não pelas balas dos defensores, mas pe­las deletérias emanações dos arbustos em putrefacção, ou pelo virus toxico inoculado,, quando os espinhos rasgassem as calças dos combatentes!

Faltava, porém, ao systema, um aperfeiçoamento. Pôr no

434 caminho das forças atacantes, algumas vendas e adegas de vinho aguardentado. O principio é humanitario. Reduz-se a embriagar os exércitos. Anmillada a força da pólvora peia força da aguardente de prova, os vencidos teriam a ventura de resuscitar terminada a batalha, depois de algumas ho­ras de embriaguez. Só os soldados que pertencerem ás so­ciedades de temperança, pagarão com a vida a sua rigidez de principios.

—aPerdi o rumo, exclama o marujo ingloz, que deixou o navio fundeado no Tejo, e quer voltar para bordo depois de visitar a cidade. Perdi o rumo, continua elle a resmungar, e ao mesmo tempo todas as ruas lhe parecem estreitas, para traçar com as pernas ésses maiúsculos sobro a calçada. De­pois que desembarquei, cresceu o mar. Que vejo as estrel­las é certo, mas sinto maior balanço em Lisboa, do que na bahía de Biscaya.

Pobre nauta I Soffre os effeiíos do vendaval que rebenta, quando sopra vento quente de armazém. Com meia dúzia de decilitros desencadeia-se a tempestade, sem que o baró­metro desça um millimetro, nem haja uma nuvem no ceo!

Vae passando um solidó! Escutae a melodia. Não- se le­vantem dos seus logares que não precisam fazel-o. D'aqui d'onde estou, posso ver o que se passa na rua, e nada me custa a narrar-vol-o.

É um rancho de rapazes, que percorrem a cidade com descantes e modinhas, acompanhadas á viola. A noite está quente e a sede aperta bastante com elles. Entram na venda defronte, para se refrescarem; mas, bebidos alguns copos, o vinho faz das suas, e começam de altercar. Lá se arma a desordem entre dois dos companheiros, e na confusão do motim, voam pelo ar as guitarras, sem que seja possí­vel apasiguar a bulha. A pendencia aggrava-se. Mettem a mão á algibeira, e sacam para fóra duas navalhas! Agora cada um dos contendores esconde no concavo da mão uma lingua brilhante, afiada, ameaçadora. Saltam para cima dos bancos, escorregam ao longo das mesas que ha na taberna, e percorrem assim toda a casa, levando adiante de si os es-

435 . pectadores d'esta scena. Defendendo sempre o corpo com os objectos que lhes ficam de permeio, procurara fascinar-se um ao outro. Ora se agacham, ora se levantam. Mostram-se e occultam-se com a rapidez de um meteoro. Cada vez se. vae tornando mais difficil encontrar um parapeito, que os defenda. Agarram-se á ultima meza que se conservara de pé, a um canto da casa, e na furia de se alcançarem, em-purram-11'a com violencia, conseguindo voltal-a. Os dois br i -gantes encaram-se, finalmente, peito a peito/qual d'elies mais fulo de raiva. Puxam o braço á rectaguarda, depois dão um impulso para a f rente . . . Ah! cruzaram-se no ar. as duas víboras. Ambos armam o salto para fugir com o corpo ao golpe do adversario, porém, só um d'elles o pôde evitar, porque o outro, mordido pela serpente, vacilla, do-bra-se sobre os joelhos, finca a barba no peito, inclinando a c a b e ç a . . . e por ultimo cae no chão.

Bagatela í levou uma facada no peito! Um silvo agudo e penetrante retinne fóra da porta. Acode

a patrulha, que manda o moribundo na maca para o hospi­tal, e leva o assassino para o calabouço-

—«Segurem-n'o bem, camaradas! está bradando o ta­berneiro aos mnnicipaes, quando já o malfeitor lhes 'não podia fugir. Tem muito mau vinho esta creançal Deixou-me sem pinga de sangue na algibeira!

Oh! vinho, vinho da minha terra! quantas facadas terás tu vibrado, depois que te casaram com a aguardente!

Por mais que me lamentem de perder o tempo, eu não estou por emquanto arrependido de haver chamado aqui a vossa attenção para o defeituoso fabrico dos vinhos portu-guezes. Antes quero perdeí-o d'este modo, que aproveital-o, dizendo ao ouvido do meu semelhante, com ar cumpungido e lagrimas na voz:

—«Fulano deitou carruagem?! Onde iria elle buscar di­nheiro para ella?! Coitado! Esperem-lhe pela pancada!

Entendo que é mais util fechar os olhos ás vidas alheias, e abril-os bem para as industrias, de que ha de o paiz ex elusivamente tirar a sua prosperidade. K depois de abrir

436 os olhos, soltai' a voz, porque também me não agrada o systema de censurar em familia o trabalho nacional, o vir tirar-lhe hypocritametite o chapeo» na praça publica, com .grandes cumprimentos. Em toda a minha critica, abstraio dos individuos, não vejo senão o objecto material, e este que se defenda, melhorando todos os dias de forma.

— «Mas, accode a consciência publica, que costuma do ordinario estar calada, nem todas as verdades se dizem, e

' t u mesmo não serás talvez o mais competente juiz para la­vrares a sentença,

—«O melhor de tudo é o silencio, acerescenta o egoísta, que alugou para si o epitheto de homem prudente e sisudo. Os que pretendem reformar o mundo, não teem senão amar­gos de boca!

—«Isso é pouco, brada o ecco enfurecido, da tua pes­soa não cuido eu, porque também de mim nunca tratei. Quero castigo maior. Cá fica o teu nome no caderuinho, para que dispensem os teus serviços. Faltaste ao patrio­tismo! E depois, empertigando-se todo sobre a bengala de cana da India, com o lenço encarnado pendente da mão e os dedos tomados pela pitada do rapé meio grosso, fulmi-na-me com o seguinte discurso, conchegando a cada passo os óculos ao nariz.

—«O patriota põe o sol e o ceo da sua terra acima do sol e do ceo das outras nações, embora seja de facií de­monstração o provar-se, que não ha no ceo senão um sol para ¡iluminar o globo.

«O patriota clama, que o jardim da Patriarchal e o Campo Grande são passeios mais alegres e arborisados, que o Bois de Boulogne em Pariz, ou o Hyde Park de Londres que nunca elle viu.

«O patriota_iiSo dá estimação aos vasos de Sevres nem á loiça de Saxe, ainda que seja podre de rico, porque tem porcelana mais fina nas fabriças nacíonaes.

«O patriota viaja nos comboios de mercadorias e de­testa os expressos, porque andando com maior velocidade, tornaria o seu paiz pouco extenso. Deixa-se envenenar pe-

13L los canos sem proferir uma queixa, porque não quer que se saiba, que ha falta de aceio. E não se lhe dá de morrer, com tanto que vão acompanhal-o ao enterro, e os jornaes fallem d'elle no dia seguinte.

«O patriota sustenta que a fome é fartura, que a fra­queza é força, que a decadencia é progresso. Se alguém o irrita, distrao-se com um hymno qualquer, e abafa as suas magoas na musica. Escarnece da muralha da China e imita o chinez.. . sem muralha!»

O que é então patriotismo, senhores?! Patriotismo será adular as paixões, lisongear os vicios,

fazer cortezias ao sol, oppor as trevas á luz? Patriotismo será sacrificar a consciência á popularidade de um dia, com medo que a ignorancia nos offenda e afaste de nós a sua admiração?

Patriotismo será contemporisar com a vaidade e erguer altares á mentira? Conhecer a verdade e escondel-a sob o manto da hypocrisia? Vender Jesus e vir ainda em cima osculal-o na fronte, para que seus inimigos fiquem sabendo que è elle?

Patriotismo será induzir um principe sem reflexão nem descendencia, a que largue a purpura para medir a sua lança com a dos infiéis, fázendo-o acreditar no poder invencível dos seus guerreiros; e mais tarde sacrifical-o a perder a vida, arrastando com ella ao abysmo a independencia de Portugal?!

Patriotismo será assegurar á França, que lhe não falta sequer um botão na sua farda gloriosa, e deixal-a alguns mezes depois, cair aos pés de um inimigo mais forte, com a espada partida, com os seus campos talados, as cidades incendiadas, os thesouros exhaustos o os' seus exércitos no captiveiro?!

Não.—Não é. Patriotismo é apontar os defeitos para que os erros se

emendem. É lutar com coragem contra as falsas idéas, que desvairam a opinião publica. É despertar do lethargo a na­ção, que se deixa adormecer no ocio, acariciando a pre-

438 guiça. É bradar-lhe alto, dando-lhe as mãos: Levanta-teI Toma o teu logar. Cumpre o teu dever e faze que todos o cumpram eguahtiente!

Fomos grandes na guerra, sejamol-o tambom na pazí Eu amo muito mais as conquistas, em que se não ou­

vem as lagrimas dos vencidos, e em que todos podem or­nar a fronte com os loiros do triumpbador!

Venho prégar as conquistas, que dão mais força ás mãos para crearem os filhos, em vez de Ih'os arrebatarem ao seu amor, e que não fazem do hornem um miserável coveiro, apenas com energia para abrir sepulturas!

Descer com a patria á voragem pôde ser sacrifício, pôde ser heroísmo. Morrer salvando-a, ou viver illustrando-a, ahi tendes, senhores, o verdadeiro caminho, quo a historia aponta a qualquer cidadão, que pretenda honrar o seu nome com os foros legítimos de patriota 1

Amae a patria como quizerdes, o meu patriotismo é as­sim !

ruí DO pniMErna yoi.nrcr

INDICE

PAG.

Advertencia in a v

1. " CoNFJEREsciA.— Considerações gcracs sobre a exposição

de 1874.~Yiiihos do Algurvo 9 a 73

2. a CONFERENCIA.— Vinhos do Algarve (continuação) 75 a 10o

S." CONFERENCIA.— Vinhos do Alemíejo 107 a 136

i . ' CONFERENCIA.—Vinhos da Extremadura 137 a 171

5. a CONFERENCIA.—Vinhos da Extremadura (continuação). 173 a 213

6. " CONFERENCIA.—Vinhos da Extremadura (continuação).. 215 a 261

7. a CONFERENCIA.—Vinhos da Beira Afta 263 a 309

8. a CONFERENCIA.—O ecco.—Vinhos da Beira Haixa c do Mi­nho 311 a 351

9. a CONFERENCIA.—Vinhos do Minho {continuação) e de Trar, os Montes 333 a 392

IO.11 CONFERENCIA.—Vinhos do Douro 393 a 438