Ciencia e meio ambiente

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Ciência e Meio Ambiente Marc J. Dourojeanni Uma recolecção de sete artigos que tratam de ciência, pesquisa cientifica e academia, publicados no O Eco, de 2005 a 2014 Cientistas malucos Marc Dourojeanni Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interamericano de Desenvolvimento e fundador da ProNaturaleza. O Eco, Rio de Janeiro - 02/08/11 Que os cientistas malucos existem não é novidade. Eles não são apenas ciência ficção. Estão por toda a parte e nem sempre as suas descobertas são importantes ou úteis. Muitas vezes fazem muito dano à humanidade e às causas nobres. Sem falar dos que se deleitam inventando máquinas letais. Já teve, ainda, quem “descobrisse” que conservar a vegetação das bacias hidrográficas não ajuda a dispor de água, nem de água boa e; também, que a espécie humana é benfeitora da natureza. Agora, uns dias atrás, dois cientistas soltaram a bombástica notícia de que as áreas protegidas não servem para conservar a diversidade biológica e que é necessário instrumentos diferentes. Camilo Mora e Peter Sale, da Universidade do Havaí, são conceituados cientistas marinhos, mas, na sua apreciação sobre as áreas protegidas falaram também das que são terrestres. No artigo “Ongoing global biodiversity loss and the need to move beyond protected areas: a review of the technical and practical shortcomings of protected areas on land and sea” (“Perdas atuais de biodiversidade e a necessidade de se fazer mais que áreas protegidas: uma revisão dos problemas técnicos e práticos das áreas protegidas em terra e mar”) publicado neste ano na revista Marine Ecology Progress Series (434: 251-266) os autores documentam sisudamente as

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Ciência e Meio AmbienteMarc J. Dourojeanni

Uma recolecção de sete artigos que tratam de ciência, pesquisa cientifica e academia, publicados no O Eco, de 2005 a 2014

Cientistas malucos Marc Dourojeanni

Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima,Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interamericano de Desenvolvimento e fundador da ProNaturaleza.

O Eco, Rio de Janeiro - 02/08/11

Que os cientistas malucos existem não é novidade. Eles não sãoapenas ciência ficção. Estão por toda a parte e nem sempre assuas descobertas são importantes ou úteis. Muitas vezes fazemmuito dano à humanidade e às causas nobres. Sem falar dos quese deleitam inventando máquinas letais. Já teve, ainda, quem“descobrisse” que conservar a vegetação das baciashidrográficas não ajuda a dispor de água, nem de água boa e;também, que a espécie humana é benfeitora da natureza. Agora,uns dias atrás, dois cientistas soltaram a bombástica notíciade que as áreas protegidas não servem para conservar adiversidade biológica e que é necessário instrumentosdiferentes.Camilo Mora e Peter Sale, da Universidade do Havaí, sãoconceituados cientistas marinhos, mas, na sua apreciação sobreas áreas protegidas falaram também das que são terrestres. Noartigo “Ongoing global biodiversity loss and the need to move beyond protectedareas: a review of the technical and practical shortcomings of protected areas onland and sea” (“Perdas atuais de biodiversidade e a necessidadede se fazer mais que áreas protegidas: uma revisão dosproblemas técnicos e práticos das áreas protegidas em terra emar”) publicado neste ano na revista Marine Ecology ProgressSeries (434: 251-266) os autores documentam sisudamente as

brechas atuais do sistema mundial de unidades de conservação.Em sua análise não descobriram coisa alguma que não seja bemconhecido e já documentado como o fato de que, apesar dasunidades de conservação, muitas espécies têm as suaspopulações em franco declínio, e que a perda da biodiversidademundial aumentou, prevendo uma situação que pode sercatastrófica no ano 2050.

O fato novo é que sem muito dissimulo acusam as áreasprotegidas pela situação. Reiteram que o sistema de áreasprotegidas está incompleto e que as áreas protegidasexistentes estão mal cuidadas e assim, em consequência, nãocumprem a sua função de conservar amostras representativas dadiversidade biológica, nem asseguram a sua sobrevivência.Consultam uma centena ou mais de publicações que dizem a mesmacoisa, ou seja, que devido ao descaso da população e dospolíticos, especialmente nos países ainda não plenamentedesenvolvidos, as áreas protegidas em grande medida são “parainglês ver”, ou seja, que por falta de prioridadeorçamentária, a maioria não cumpre as funções para as quaisforam estabelecidas.

Até este ponto, embora redundante, o artigo não faz dano,exceto pela contundente declaração de que as áreas protegidas“não servem”. Com efeito, Carlos Mora, o autor principal,declarou à imprensa que “estamos investindo uma grandequantidade de recursos financeiros e humanos na criação deáreas protegidas e infelizmente a evidência existente sugereque essa não é a solução mais efetiva”. O que se espera, nesteponto, é saber quais são as alternativas de soluções maisefetivas que os autores propõem para substituir as áreasprotegidas. E, para surpresa do leitor ansioso, a resposta queeles oferecem é: (i) estabilizar o tamanho da população humanamundial e, (ii) reduzir a pressão e as demandas humanas sobrea biodiversidade e seus serviços.

Acaso os autores acreditam que os que se interessam pelaconservação da biodiversidade não sabem que a melhor formateórica de defendê-la é reduzir o tamanho da população mundiale equilibrar o consumo humano com a capacidade de regeneraçãodos recursos naturais disponíveis? Acaso esqueceram que disso

trata também o desenvolvimento sustentável? Desde as antigaspropostas do Clube de Roma até a atualidade, passando pelaComissão Bruntländ e a Eco 1992, todo mundo e todo textobásico de ecologia repete isso mesmo. Esta seria a solução dosproblemas humanos e dos da vida que acompanha os humanos noplaneta Terra. Mas como todo mundo também sabe isso está longede ser uma alternativa viável.

De outra parte certamente é bem conhecido que as áreasprotegidas são apenas um paliativo ao problema da redução eextinção da diversidade biológica. Mas tampouco existe dúvidade que sem elas a situação seria infinitamente pior. O queacontece é que os autores parecem não saber que qualqueralternativa a elas é mais difícil e, portanto mais improvávelde ser realizada. Esperar que a população mundial seestabilize sem controle de natalidade, significa de fatoperder ainda mais áreas naturais, sejam elas protegidas ounão, pois faltam muitas décadas para que isso aconteça.Pretender um verdadeiro desenvolvimento sustentável é umautopia que implica, na prática, em quase não crescereconomicamente e atingir níveis de equidade social semprecedentes na história humana. Tudo isso é desejável, porém éirrealizável em um lapso tão curto como seria necessário parasalvar boa parte da diversidade biológica.Portanto a única opção disponível, apesar de suas falhas,apesar da sua baixa prioridade para os governos e para apopulação em geral, apesar de todos os seus problemas, são asáreas protegidas ou unidades de conservação. Elas, de todas asalternativas para conservar a biodiversidade ou, pelo menos,para dar-lhe uma sobrevida, são reconhecidamente as maisfactíveis em termos econômicos, sociais e ambientais. Osautores, nadando em suas teorias, esqueceram-se de dizer que amaior parte das áreas protegidas do planeta não são realmenteprotegidas. O socioambientalismo e outras tendências baseadasna teoria de que os humanos beneficiam a natureza forçaram assuas portas permitindo que nelas se implantem todas ou muitasdas atividades econômicas destrutivas, que também sedesenvolvem fora delas. Ou seja, antes de propalarirresponsavelmente que as áreas protegidas não servem, elesdeveriam fazer melhor o seu dever de casa além de ser honestosnas suas extrapolações.

É evidente que estes cientistas, como tantos outros, emprocura de fama atrelaram ao seu estudo uma série deconclusões que têm pouco a ver com a pesquisa feita.Demonstrar que a biodiversidade tem os dias contados e que asáreas protegidas, por falta de suporte, não conseguem evitarcompletamente que isso aconteça, embora não seja novo, podeaté ser útil. A recomendação lógica para enfrentar esseproblema, que é real, seria demandar maior apoio para asunidades de conservação. Outra coisa muito diferente éconcluir e propalar, sem fundamentar com fatos, a noção de queas áreas protegidas não servem para conservar a biodiversidadee que, em troca é necessário limitar a população mundial einventar um novo estilo de desenvolvimento. Isso é fomentarque os já abundantes inimigos das unidades de conservaçãofaçam uma festa e digam que até os cientistas apoiam a suaeliminação. Os cientistas têm o dever de ser cuidadosos com oque escrevem e evitar cair na tentação de fazer demagogia. Quedeixem isso para os políticos.

Falta imaginação à Academia? Marc Dourojeanni

O Eco, Rio de Janeiro - 22/08/08

A imaginação é uma capacidade intelectual preciosa que, aparentemente, é exclusiva à espécie humana. Não há dúvida queela transformou os humanos no que hoje são. A imaginação esteve presente na invenção do machado de pedra pré-histórico e das primeiras fogueiras nas cavernas, até as portentosas máquinas atuais, nas teorias mais ousadas sobre o universo e, através dos tempos, é a essência das artes. Os jovens, menos influenciados que os mais velhos pelos parâmetros intelectuaisimpostos pela sociedade, sempre têm sido a ponta de lança da imaginação criativa. Porém, pelo menos nas ciências referentesao uso sustentável e conservação dos recursos biológicos, a imaginação da juventude estudiosa parece estar perdendo o rumo.

O comentário vem à tona após vários anos de leitura de textos que pretendem ser publicados em revistas sérias ou, dentre outros, projetos de tese ou teses já concluídas para obtenção

de títulos de mestrado e doutorado. E, com poucas exceções, o resultado é deprimente. Deprimente porque, às vezes, apesar daevidência do intenso esforço dos autores, os trabalhos simplesmente não demonstram algo que já não seja bem conhecidoe principalmente não aportam nada que seja útil ou, sequer, interessante. De fato, ler e comentar esses textos, um após o outro, ano após ano, é um dos mais tediosos exercícios imagináveis. É verdade que não é sempre necessário usar a experimentação para que um trabalho demonstre ou aporte evidências sobre um fato novo. A novidade pode vir, também, detrabalhos baseados na observação direta e na interpretação teórica do fenômeno visto ou, inclusive, pode ser encontrada em tratados eminentemente  narrativos que, embora não apelem àcriatividade, aportam informação que não estava disponível sobre uma região, sobre espécies e o fato. Por exemplo, os relatos minuciosos das viagens pela América do Sul dos grandesexploradores dos séculos XVIII e XIX são, até hoje, uma fonte reconhecidamente valiosa de informações.

Porém, na atualidade, é evidente um abuso da reiteração de temas trilhados, como no caso dos “mais científicos”: compilarestatísticas de animais atropelados nas estradas, fazer listasde espécies muito bem conhecidas de locais já fartamente estudados, ou contar animais  noturnos que posam para fotografias em fragmentos florestais. Ou, no caso dos “menos científicos”: analisar planos de manejo de áreas protegidas; ou  a sua aplicação, estudar a percepção das comunidades rurais; ou de outros sobre medidas de conservação; entrevistarproprietários de cachorros para determinar o impacto destes sobre a fauna nativa ou, pior, resenhar opiniões de personalidades da área ambiental e fazer estatísticas baseadasexclusivamente em revisão bibliográfica. Na verdade, embora possam ter sido aportes quando originalmente idealizados, apósterem sido já explorados por muitos outros e por décadas, esses temas apenas mereceriam ser exercícios  ou requisitos para a aprovação do curso correspondente. Além do mais, essas teses exploram metodologias ou técnicas que podem complementaroutras, mas dificilmente podem ser a única utilizada para demonstrar alguma coisa.

Aportes para o avanço da ciência

Trabalhos assim feitos são apresentados como teses de mestradoe doutorado e, logo, têm a pretensão de ser publicados em revistas científicas. Esses trabalhos não passam o teste clássico do “Então o quê?” ou “E a quem isso interessa?”  nem do lapidário comentário “Mas todo mundo já sabe disso!”

O que é uma tese?  A tese é o enunciado de uma proposição, ou de uma teoria, que se acredita poder defender e demonstrar. A proposição parte de uma hipótese, ou seja, de uma suposição ouconjectura que orienta a investigação ou pesquisa na busca de demonstrar o fato, matéria do esforço. A hipótese antecipa características prováveis do objeto investigado e que vale, quer pela confirmação dessas características, quer pelo encontro de novos caminhos de investigação (Dicionário Aurélio). Nem sempre a pesquisa, inclusive quando o método é omais correto aplicável, confirma a hipótese, por mais bem formulada que esteja. No entanto isso não desvaloriza o resultado, pois a não confirmação da hipótese é, também, um resultado concreto. A definição do Aurélio, que coincide com as de outras línguas, contém outro elemento freqüentemente esquecido nas teses feitas na região: as únicas recomendações que uma tese pode conter referem-se às novas linhas de pesquisa decorrentes do resultado. Uma tese não tem a autoridade para dar recomendações de toda índole aos gestores,governos ou, como é freqüente, até do tipo  urbi et orbi. Já no artigo que possa ser produzido com base  em tese defendida e aprovada cabem, sim, umas poucas recomendações muito concretasque são exclusiva e diretamente decorrentes dos resultados.

A finalidade das teses exigidas aos graduandos universitários é, primeiramente, testar ou confirmar a sua capacidade de resolver um problema concernente à sua nova especialidade, aplicando um método científico. Mas, principalmente no nível de doutorado, o objetivo da tese é ser um aporte concreto ao avanço da ciência ou da tecnologia. Teses que se limitam à preparação de um projeto de investimento, ou de um exercício de planejamento, são trabalhos pré-profissionais que podem servir para a outorga de um título profissional, porém não servem para um grau acadêmico, como os de mestre ou doutor, especialmente no caso das ciências relacionadas à biologia. 

Deve-se reconhecer que é difícil defender uma hipótese se o

conhecimento geral sobre o tema, por parte dos professores e estudantes,  é incipiente. O tempo e os recursos que podem serdedicados a uma pesquisa são quase sempre limitados estimulando a escolha de temas corriqueiros. Por isso é que asmelhores teses e os melhores textos publicados em revistas científicas quase sempre correspondem às universidades nas quehaja um professor destacado ou um grupo que trabalham, por longo tempo, sobre temas específicos, aproveitando os estudantes graduados para desenvolver temas correlatos que estão baseados em hipóteses surgidas de trabalhos anteriores, ou dos desenvolvidos em paralelo. Na verdade esses professores, seus colegas e estudantes, reproduzem a antiga e sempre desejável relação do mestre com os seus discípulos.

Imaginar faz bem à pesquisa

Voltando ao ponto inicial, ainda é possível que a principal razão da situação das pesquisas acadêmicas sobre temas relativos à conservação da natureza seja devida, em grande parte, ao escasso uso que fazem professores e estudantes da sua imaginação para levantar hipóteses e assim desenvolver a tese. Nenhum professor pode esquecer a desagradável e reiterada experiência de escutar do candidato a mestre ou a doutor a frase desesperada “Mas, professor, sobre isso não há bibliografia!” a cada vez que se propõe um tema relativamente inovador. Ante  a alegação do professor de quão importante e bom é que se faça uma pesquisa sobre um tema que ninguém ou poucos trilharam, a maior parte dos graduandos prefere ir  buscar outro  orientador de tese. Desses que propõem simples experimentos comparativos de pesticidas, variedades ou fertilizantes, ou daqueles que vão aceitar como único o principal método de pesquisa, fazer entrevistas e questionários, bem longe da natureza. Ou seja, teses que se muito resumidas e corretamente redigidas até podem gerar um artigo informativo, mas não aportam nada realmente novo ou útil à nação, apesar de terem um custo elevado para o erário público.

O mais triste dessa realidade é que, na área da conservação danatureza, existem milhares de problemas científicos e técnicosesperando explicação ou solução. A juventude estudiosa deve sabe que as suas idéias mais valiosas, embora possam parecer

loucas, são todas desenvolvidas antes de cumprir os trinta e poucos anos de idade. Portanto esses jovens que se orientam para a ciência, não devem desperdiçar a sua principal possibilidade de fazer algo que realmente seja de proveito para eles mesmos e para a sociedade onde vivem. Marc Dourojeanni

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Pesquisa certa, conclusões erradas Marc Dourojeanni, O Eco, Rio de Janeiro - 16/03/07

A televisão é uma fonte inesgotável de inspiração para quem escreve colunas. Assim, há alguns dias tomei nota de um cientista que propunha como parte da solução para produzir o carvão consumido pelas empresas siderúrgicas, a utilização da casca da fruta da castanheira do Pará. Segundo o despretensioso entrevistado, desta forma se contribuiria para a redução do desmatamento gerado pela procura de carvão vegetal. Os entrevistadores, admirados, mencionaram o fato como um exemplo das engenhosas soluções que ajudariam a mitigar o aquecimento global.

Sem discutir o fato, provavelmente bem demonstrado, que a casca da fruta da castanheira tem um poder calorífico elevado,subsiste a realidade de ela ser uma árvore que se desenvolve com baixa densidade na floresta e que, por isso, é explorada artesanalmente se percorrendo a pé trilhas longas e difíceis. Assim, os coletores de castanha descascam (“quebram”) as frutas caídas ao pé da árvore, a golpe de facão, e transportamunicamente as sementes, o que é bem mais fácil. É impensável supor que possam coletar e carregar nas costas as pesadas frutas inteiras para que, quiçá, seus resíduos sejam transformados em carvão em alguma cidade distante das suas posses. Tampouco existiria quantidade suficiente de casca paraque uma operação desse tipo fosse economicamente viável, menosainda considerando o enorme volume da demanda de carvão para siderurgia. Localmente, como é lógico, sobra lenha e não existe demanda por carvão. Finalmente, se a idéia é que essa operação seja montada com base nas plantações de castanheira,

o que faria mais sentido, vale a pena lembrar que essas são muito raras e pequenas. Em conclusão, o único interessante da pesquisa é o que o pesquisador pesquisou, ou seja, o valor calorífico da casca da fruta da castanheira. Todo o resto é especulação. Ademais, o pesquisador parece não saber o que seus colegas já demonstraram, ou seja, que a castanheira do Pará está em franco processo de diminuição, não só por desmatamento, mas, especialmente, pelo mesmo fato da coleta das suas sementes, o que impede a sua regeneração e dispersão.

O caso anterior é um dentre muitos outros que demonstram, com freqüência, que os pesquisadores, ademais de escolher temas irrelevantes, confundem o público. Isso porque, tendo feito umavanço científico modestíssimo, extrapolam suas aplicações semter sequer a real dimensão da viabilidade do que propõem. Inúmeras vezes, como professor tive de criticar, por exemplo, pesquisas sobre as propriedades nutricionais da carne de animais incluídos na lista de espécies raras ou em perigo iminente de extinção, cuja caça e comercialização estavam legalmente proibidas. Propalar na imprensa que a carne das tartarugas marinhas tem propriedades nutricionais excepcionaise que é deliciosa só pode aumentar o consumo e a captura dessas espécies. Outra coisa seria se essa pesquisa estivesse acompanhada de experimentos que demonstrassem a viabilidade deseu manejo ou domesticação. Mas, os exemplos são inúmeros e variados, inclusive sem entrar nos temas das pesquisas mal feitas ou desonestas.

Uma das pesquisas amazônicas mais conhecidas foi realizada, durante cerca de duas décadas, perto de Manaus procurando determinar o tamanho mínimo de áreas de floresta necessárias para conservar a sua biodiversidade. Após alguns anos, este objetivo assim como o título da pesquisa foi mudado para outro: determinar as características do efeito de borda sobre a floresta. Pode parecer a mesma coisa, mas, na realidade, trata-se de objetivos bem diferentes. Saber qual é o tamanho mínimo para estabelecer unidades de conservação é irrelevante.Em qualquer situação a única estratégia sensata para estabelecer uma área protegida é procurar a maior área que seja tecnicamente desejável e possível respeitando direitos deterceiros, condições econômicas e outras limitações. Se a

única área disponível é muito pequena para que as espécies nela contidas sobrevivam, ter uma idéia das características daerosão genética em bordas e de quanto tempo se dispõe para tomar outras medidas que garantam a sobrevivência das espéciesendêmicas pode ser útil. Neste exemplo, que pela sua alta qualidade científica não é comparável aos casos anteriores, osresultados da pesquisa foram muito mais valiosos a partir do momento em que o objetivo foi devidamente enfocado, levando a conclusões realmente proveitosas.

Outro tipo de situação ficou ilustrado pela revisão recente depesquisas desenvolvidas no Pantanal, entre as quais se detectou o caso de um estudo sobre o potencial antiviral de plantas componentes da dieta de cervídeos. Não se teve explicação de porque foi necessário, para determinar a capacidade das plantas para inibir a propagação de vírus de importância para humanos e animais domesticados, se referir a “dieta dos cervídeos”, menos ainda aos do Pantanal. Mas, é evidente que a tal pesquisa poderia ter sido realizada a baixocusto a partir de plantas coletadas em qualquer lugar do país,inclusive nas portas do laboratório do pesquisador, a dois milquilômetros de distância. Diga-se de passagem, a planta mais promissora detectada foi a exótica braquiária que existe, comopastagem ou como praga, em todo o território nacional. O mais curioso, neste caso, é que a justificação da pesquisa foi “contribuir ao desenvolvimento sustentável do Pantanal”.

Também, lamentavelmente, existem pesquisas que não servem paranada. Dentre elas destacam os pretensos inventários da fauna de invertebrados, especialmente insetos, que sempre começam com enormes coletas. O problema é que muitas vezes os cientistas que dirigem a operação, em geral de universidades locais, não têm capacidade para identificar o material, nem sequer ao nível de família. Consequentemente, isso vira apenasem desperdício de dinheiro e de espécimes coletadas, deteriorando em coleções que ninguém aproveita, pois não se sabe o que têm, nem o que se vê. Nenhuma pesquisa taxonômica deveria ser autorizada para instituições que não têm a capacidade, pelo menos, de identificar o gênero das espécies tiradas da natureza. Sem esse requisito não é possível remeteros exemplares aos taxonomistas especializados em outras instituições nacionais ou do exterior. O objetivo dessas

coletas é, na teoria, “contribuir ao conhecimento da fauna” e,assim, “assegurar sua conservação”. Na verdade, pesquisas feitas como se indica são apenas um passo a mais para a destruição da diversidade biológica.

Examinando mais a fundo os primeiros exemplos se constata que o problema não se refere aos resultados das pesquisas que brindam uma informação nova que, eventualmente, pode ser útil.Conhecer as propriedades caloríficas da casca da castanha do Pará, ou o valor nutritivo da carne de animais em extinção nãoé intrinsecamente errado, pois essa informação pode ser útil no dia em que essas espécies serão economicamente aproveitáveis de forma sustentável. O erro, nesses casos é a extrapolação de conclusões ou a sua mera invenção. Não é possível inferir que a casca de castanha pode alimentar a indústria siderúrgica e reduzir o desmatamento apenas a partirdo seu poder calorífico. Para isso, dever-se-ia incluir na análise os estoques (inventário) da espécie e a sua produção anual, sua biologia (estacionalidade da produção); os custos de produção, transporte e processamento; as realidades da demanda, os riscos ambientais da proposta e, finalmente, submeter o projeto a uma análise econômica complexa. A idéia de que, no caso de que o anterior revele sua viabilidade econômica e social, se reduziria o desmatamento deve, assim mesmo, ser demonstrada, pois pelo que se sabe, em geral acontece exatamente o contrário. O reflorestamento (imaginemosque com castanheira) só produziria mais desmatamento de florestas naturais, como no caso do eucalipto ou do dendê. Do mesmo modo, saber que a carne de tartaruga marinha é altamentenutritiva e muito melhor que a dos peixes não implica concluirque ela deve estar nas dietas de todos os cidadãos e sugerir que deve haver um aumento da captura desses animais já quase extinguidos.

A tendência dos pesquisadores a atribuir usos ou benefícios dos resultados das suas pesquisas, que não estão comprovados émuito comum. Até daria uma excelente pesquisa analisar a porcentagem de conclusões das pesquisas apresentadas em congressos e outros eventos (e também em teses universitárias)que não guardam correlação alguma com os resultados da pesquisa. Para isso bastaria comparar, numa tabela, a coluna com os resultados (estritamente obtidos pelo método

científico) com as que incluam o que os autores consignam como“conclusões” e, especialmente, como “recomendações”. A magnitude do divórcio entre essas colunas pode alcançar proporções surpreendentes.

A pesquisa, como mencionado em artigo anterior do autor, tem uma áurea de santidade e a sua mera invocação impõe o respeitodos leigos. A melhor recomendação para quem não é especialista, mas, que deseja saber se uma pesquisa é aplicável ou não no que seus realizadores proclamam, é usar o bom senso. Esse, embora não seja tão comum como deveria, é o melhor e mais seguro mecanismo de avaliação disponível.

Ciência perigosa Marc Dourojeanni - O Eco, Rio de Janeiro 01/12/06

Todo mundo sabe que a ciência é o sustentáculo da conservação dos recursos naturais. O manejo dos recursos naturais, ou seja, a ferramenta da conservação, é sempre um pacote tecnológico baseado no conhecimento científico. A ciência também é, evidentemente, a primeiríssima fonte de informação sobre a natureza e o primeiro alerta sobre as ameaças que as atividades humanas nela ocasionam. Por isso, a maior parte daspessoas acredita, sem restrições, que a ciência é uma aliada da conservação dos recursos naturais. Mas, como se verá nesta nota, esse não é sempre o caso.

As ciências exatas, físicas e naturais, diferentemente das ciências sociais, são, ou melhor, pretendem estar livres de contaminações ideológicas. Os fatos, na medida em que sejam corretamente interpretados, são o que são como dois e dois sãoquatro, não importando se o resultado favorece ao pensamento de esquerda ou ao de direita ou qualquer outra filosofia ou crença. Aqueles que comprovaram o fato de o mundo ser redondo e que gira ao redor do sol, ou que o homem pode voar mesmo nãosendo pássaro, certamente não pensaram em agradar ao Papa da ocasião, nem a sua Santa Inquisição. Eles apenas comunicaram oque os resultados das suas observações e pesquisas davam como verdadeiro.

Ciência, tecnologia e natureza

Assim, a ciência, que não deve ser confundida com o seu derivado principal, bem conhecido como a nada feminina tecnologia, descobre e difunde o que parece ser a verdade nua e crua. Claro que os cientistas reconhecem que a ciência pode parecer equivocada cada vez que seus praticantes se equivocam ou usam seu nome em vão; por exemplo, quando distorcem, exageram ou mentem, embora, nesses casos, não se esteja falando realmente de ciência e sim de graus de estelionato, dos que a história da ciência está repleta. A tecnologia, diferentemente da ciência, responde, em enorme proporção, às ciências sociais, especialmente à economia. E, a partir disso,é evidente que as tecnologias são altamente contaminadas pela política, que representa os interesses diversos da sociedade esempre terminam dominados por um grupo, seja ele grande ou, mais freqüentemente, pequeno.

Foi a ciência que informou sobre a diversidade da vida, desde muito antes de Darwin e Lineu. Foi a tecnologia assistida pelos publicitários que inventou, em tempos recentes, o termo “biodiversidade” e foram os advogados e diplomatas que tramaram a convenção respectiva. Foi a ciência que informou sobre o efeito estufa, embora inicialmente não se soubesse se era conseqüência do aumento de carbono na atmosfera ou se era um reflexo da umidade, ou apenas um processo normal entre doisperíodos glaciais. Mas foi a tecnologia dos diplomatas e advogados que inventou as bases do Protocolo de Kyoto. De forma mais convencional, foi a ciência que descobriu os segredos íntimos da genética. Mas foi a tecnologia que gerou os transgênicos, os clones e outros processos. Enfim, foi a ciência que desvendou os mistérios do átomo e foi a tecnologia, como sempre influenciada pela política, que é íntima da economia, que inventou as bombas atômicas e suas sucessoras. Também foi através da tecnologia que se inventou, a partir da ciência, os inquestionavelmente úteis reatores nucleares para produção de energia.

Que o leitor não fique preocupado. O autor acredita que a ciência sem a tecnologia, que é a aplicação da ciência, não vai a lugar algum. Seu único propósito é diferenciá-las. Ambas, desde o ponto de vista humano, são complementares para

o bem ou para o mal. Voltando ao tema ambiental deve-se reconhecer que a maior parte dos males do entorno natural são frutos da ciência e da tecnologia subsequente, desde a agricultura inventada cerca de dez mil anos antes do Cristo, até os mais novos resultados da engenharia genética. E não há que se esquecer da contaminação urbana, industrial ou rural, inteiramente derivadas de tecnologias baseadas em descobertas cientificas aplicadas na vida humana do dia a dia. O mero fatode que a ciência descobriu os fundamentos da resistência a enfermidades, fundamentos estes logo transformados pela técnica em vacinas, tem tido consequências tão graves como irreversíveis sobre o entorno natural e, assim, sobre a qualidade de vida de outros humanos.

Biodiversidade criada pelo homem?

Alguns casos recentes, bem mais modestos que os citados, ajudarão a compreender melhor a intenção desta nota. Uma década atrás, um pouco conhecido cientista mexicano teve a oportunidade de publicar, numa revista internacional muito importante, que as florestas tropicais não eram renováveis e que boa parte da biodiversidade dessas regiões tinha origem humana, através de processos de domesticação ou de convivência. Essa asseveração atrevida era baseada exclusivamente na realidade supostamente constatada nos restosflorestais grandemente alterados da Península do Yucatan, a região onde florescera a cultura dos Maya. Embora interessante, a descoberta poderia ser, no melhor dos casos, válida para as condições locais e, de jeito nenhum, poderia ser transposta a outras realidades. Mas, esses resultados discutíveis, ou de aplicação puramente local, foram do gosto do socioambientalismo que os trasladou, por exemplo, à Mata Atlântica ou à Amazônia, apregoando que a natureza não existe sem o ser humano e que para gerar e manter a diversidade biológica é necessário explorar a floresta, desmatar e fazer agricultura, sempre e quando seja tradicional, mesmo nas áreasprotegidas. Essa ideia sem pés nem cabeça que, diga-se de passagem, não era a conclusão do autor mencionado, converteu-se num dogma socioambiental, existindo no Brasil até um livro intitulado “O mito moderno da natureza intocada”, inteiramenteinspirado nele. Ainda, a revista Science desta semana discute o assunto da relatividade da natureza natural e o faz

seriamente, sem favorecer em nada a argumentação daquele livro.

Parques de papel

Outro exemplo semelhante também se remonta há três décadas. Umjovem sociólogo, professor de uma universidade do interior dosEUA, propôs ao World Wildlife Fund (WWF) financiar uma pesquisa sobre a situação dos parques nacionais no nível mundial. A ideia foi aceita e o pesquisador enviou milhares de questionários perguntando aos chefes dos parques quais eram osseus problemas e quais eram as ameaças aos parques. Pela formaem que o questionário estava feito isso era um convite a vomitar sobre o papel a infinidade de problemas que cada administrador de parque, até os dos países mais ricos do mundo, confronta a cada dia. Os parques têm vizinhos e, como com qualquer vizinho, sempre existem conflitos, embora não signifiquem que a área esteja realmente ameaçada. O problema éque o tal questionário era como um funil conduzindo cada resposta para acumular ameaças, transformadas em supostas evidências de que os parques estavam em grande e iminente perigo e que sua utilidade era limitada. Com apoio do WWF o relatório foi publicado em forma de livro e teve uma enorme publicidade. E foi aquele livro, que sob o inocente título de “O estado dos parques do mundo”, que produziu o agourento slogan “parques de papel” -- transformado em outro dogma socioambiental, muito útil na sua luta sem tréguas contra as unidades de conservação que se tenta proteger contra os desmandos da população. Foi apenas um par de anos atrás que outro estudo, este sim baseado em evidências físicas e comprováveis como a porcentagem das áreas protegidas não desmatadas, que demonstrou a falácia tenazmente propalada com relação aos parques nacionais nos países tropicais. Os parquesnacionais, até apenas pelo enquadramento legal, tinham seus recursos naturais em muito melhor estado que as áreas vizinhase a sua biodiversidade estava significantemente bem protegida.Mas o dano tinha sido feito, outra vez baseado num resultado aparentemente científico.

Proteger bacias hidrográficas: para quê?

Em 2005, outro grupo de cientistas liderados por um conhecido

sócio-ambientalista, reunidos no Centro Internacional de Pesquisa Florestal (CIFOR, pelas suas siglas em inglês) publicou um chocante artigo denominado “Florestas e inundações: afundado na ficção ou prosperando sobre fatos?”, pretendendo demonstrar que a proteção da vegetação florestal das bacias não tinha nenhuma correlação com a incidência das inundações. Segundo os autores, a revisão fria dos numerosos dados disponíveis não sustenta esse conceito tão universalmente aceito. Obviamente, cabe duvidar desses resultados como muitos o fizeram. Não poder demonstrar algo ounão achar os parâmetros correlatos não significa necessariamente que o fenômeno não exista. De qualquer modo asinundações são fenômenos enormemente complexos e muito dos resultados depende dos critérios da análise.

Por exemplo, é evidente que uma carga extraordinária de água se converterá em inundação com floresta ou sem ela, mas isso não implica que os picos de inundação não possam ser moderadospela vegetação que cobre o solo. O resultado da publicação e difusão da notícia não se fez esperar. O próprio CIFOR comentano seu relatório anual que, de imediato, em alguns países empresas com base nessa informação solicitaram desmatar extensas áreas de bacias hidrográficas para fazer agricultura e outras atividades previamente proibidas. Pode-se imaginar o que teria acontecido no Brasil se essa notícia chegasse quandose discutia e quando, de fato, se debilitou a legislação que defende as áreas de proteção permanente (APPs). Se os promotores da legalização da ocupação de matas ciliares por favelas e outros usos tivessem conhecido esse fato, seguramente que até se teria eliminado o conceito de APPs da legislação nacional.

Em conclusão

Para concluir apenas se deseja voltar ao começo. Apesar de que, em princípio, não deveria ocorrer, até a ciência exata, física e natural pode ser contaminada pelos interesses ideológicos, políticos ou econômicos, através da sua manipulação errada ou incorreta, intencional ou não; ou também, pela interpretação livre dos seus resultados inclusivepara sustentar ideologias ou teorias ou, claro, através de seuuso para desenvolver tecnologias. A interpretação dada pela

ideologia sócio-ambiental, no caso dos três exemplos mencionados, não coincide totalmente com a dos autores das pesquisas originais, embora os temas sugiram que os tais cientistas, e de fato esse é o caso, pertenciam a essa corrente. É muito difícil saber por que, dos milhares de artigos e livros que resenham resultados de pesquisa, poucos se convertem em best sellers enquanto a imensa maioria, às vezes, os de melhor qualidade permanecem desconhecidos. Mas isso ocorre em especial quando a nova informação serve a objetivos políticos.

Assim, a ciência, que a priori é uma grande aliada da conservação dos recursos naturais em beneficio do ser humano, pode e de fato já foi muitas vezes - na verdade, a maior partedas vezes - utilizada para prejudicar a natureza. A ciência e a tecnologia têm sido os meios mais comumente usados pelo ser humano para avassalar a natureza, como o ilustram os descobrimentos da física que geraram os gigantescos tratores que pisoteiam as selvas, ou os foguetes que carregam armas nucleares. Assim, cada descoberta ou informação nova pode ser uma faca de dois gumes e deve ser analisada e usada com grandeprecaução.

Pesquisa no Pantanal Marc Dourojeanni, O Eco, Rio de Janeiro - 24/03/06

Sabe-se que as estações ecológicas, uma das 12 categorias de unidades de conservação que a lei reconhece no Brasil, foram projetadas especialmente para a realização de pesquisa científica. Por isso, a lei diz que nelas pode se impactar o ambiente para a realização de pesquisa até 3% da área ou um total de até 1.500 hectares. De outra parte, a pesquisa científica, sem ser a principal, é também uma das funções de todas as outras categorias de unidades de conservação.

Até 2005 o país já tinha estabelecido 29 estações ecológicas federais, além de outras de nível estadual. Em muitas dessas estações ecológicas foram construídas infra-estruturas para laboratórios, manutenção de coleções e alojamentos especiais

para pesquisadores. Não obstante, até a presente data, os resultados das pesquisas nelas realizadas poderiam ser arquivados na gaveta de um escritório só. No Pantanal existe uma estação ecológica (Taiamã) que foi completamente equipada com recursos de um empréstimo do Banco Mundial. Nela não se realiza pesquisa. Os laboratórios e outras facilidades estão destruídos faz tempo. Essa é a realidade da maior parte das estações ecológicas e, também de muitas outras unidades de conservação, em especial as federais.

A principal causa desta situação lamentável é a falta de recursos no Ibama e nas universidades para patrocinar a pesquisa em suas instalações. O Ibama deveria patrocinar essencialmente a pesquisa necessária para assegurar a boa qualidade do manejo das unidades de conservação e para manter o apoio logístico aos pesquisadores, inclusive aos que desenvolvem pesquisas menos prioritárias ou desnecessárias para o manejo.

Estas últimas devem ser financiadas através de outros mecanismos vinculados às universidades ou ao Ministério da Ciência e Tecnologia. À falta de dinheiro soma-se, sem dúvida,certa falta de interesse por parte dos pesquisadores em trabalhar em regiões muito afastadas ou difíceis. Ademais, acresce-se a isso as dificuldades burocráticas que o Ibama impõe, tanto para autorizar as pesquisas, como para permitir sua realização em uma unidade de conservação, inclusive nas estações ecológicas. Pior ainda, na atualidade, o Ibama não dispõe de condições para apoiar efetivamente aos pesquisadores, pois, de fato, muitas das áreas que administra estão quase literalmente abandonadas. Nem pensar em distrair oescasso pessoal, veículos e outros equipamentos para ajudar ousupervisar pesquisadores.

Pelas razões anteriores, os pesquisadores utilizam muito mais as unidades de conservação estaduais do que as federais para realizar suas pesquisas, o que é evidente nos estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais, dentre outros.

O sucesso do Sesc Pantanal

Na verdade, como para outros componentes do manejo, o melhor

exemplo de pesquisa em unidades de conservação do Brasil se dánuma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), localizada no Pantanal. Trata-se da RPPN Sesc Pantanal com 106.644 hectares, localizada no município de Barão de Melgaço,no Mato Grosso.

As autoridades do Sesc nacional desenharam simultaneamente a aquisição das terras da reserva a um amplo programa de pesquisa que incluía as seguintes linhas: (1) pesquisa e estudos para conhecimento básico, (2) pesquisas de ecologia básica com implicações diretas no manejo, (3) estudos de caráter técnico de aplicação direta no manejo, (4) pesquisas vinculadas à visitação e educação ambiental e, (5) pesquisas eestudos para o desenvolvimento sustentável das populações vizinhas.

Esse programa já tem quase uma década de execução e seus resultados são tão notórios como podia se esperar de uma ação bem planejada e executada. No total, foram desenvolvidos 32 projetos de pesquisa, dos quais 15 são estudos e 17 são pesquisas científicas. As pesquisas e estudos básicos incluíram temas óbvios como o inventário detalhado da flora e da fauna terrestre e aquática, o mapeamento e georeferenciamento da unidade, instalação de equipamentos e interpretação climatológicos, além de estudos de solos.

Os inventários da fauna revelaram a existência de espécies nunca antes registradas no Pantanal ou no Estado de Mato Grosso, dentre elas algumas aves e peixes anuais; de várias espécies raras ou ameaçadas de extinção e, inclusive, a possibilidade de que algumas espécies de roedores sejam geneticamente diferenciadas das de outras regiões. Essas informações, dentre outras, permitiram fazer uma primeira versão do plano de manejo da Reserva, o que agora está sendo atualizado em função das descobertas novas.

O segundo grupo de pesquisas é essencial para o manejo. Incluipesquisas sobre a ecologia, em especial a dinâmica populacional e o comportamento de espécies chaves, como a arara azul, grandes herbívoros como o cervo e os veados, antase duas espécies de porco do mato, além de carnívoros como a onça pintada, puma, lobo guará e outros. Também foram

analisadas a dinâmica populacional de peixes de interesse comercial e outros estudos sobre jacarés, ariranhas e tamanduá-bandeira.

Recuperação

As descobertas realizadas sobre essas espécies e sua relação com o entorno foram inúmeras, determinando medidas importantíssimas para elevar suas populações ou evitar sua diminuição. Um exemplo foi a decisão de proteger e plantar palmeiras de bocaiúva e acuri, alimentos favoritos das araras.Essa medida, que dentre outras está permitindo um aumento surpreendente da população de araras azuis, hoje com mais de 300 exemplares na reserva, foi associada ao progresso das comunidades vizinhas que cuidam dos viveiros e fazem o plantio. Nesse grupo de pesquisas se inserta também o monitoramento das mudanças na vegetação como conseqüência da eliminação do gado e da redução drástica da incidência de incêndios. De fato, parte das áreas abertas foi tomada por vegetação florestal pioneira, alterando as condições do habitat para muitas espécies. O Pantanal, na Reserva Sesc Pantanal, está voltando a ser o que era antes da introdução dogado pelos colonizadores.

Dentre os estudos para o manejo estão todos os que devem responder a perguntas ou necessidades essenciais. Por exemplo,conhecer o impacto da gestão do reservatório do rio do Manso sobre a flora e a fauna, o desenho das alternativas de combateaos incêndios florestais, a naturalização ou restauração de caixas de empréstimo de material para as obras e opções de controle de plantas invasoras – incluindo o aguapé que se expande devido às alterações provocadas pela barragem do rio do Manso e os pastos exóticos introduzidos quando a reserva era fazenda de gado.

As pesquisas para fomento da visitação e da educação ambientalincluíram desenho de trilhas interpretativas, pesquisa com usode rádiotelemetria em grandes carnívoros e sobre o impacto do próprio turismo sobre a reserva. Finalmente, outra linha importante de pesquisa é a relativa ao fomento de um estilo devida das populações vizinhas à reserva compatível com as necessidades de conservar o patrimônio natural. Nesse grupo,

foram desenvolvidas pesquisas sobre o perfil químico da flora e sobre as espécies que são potencialmente fontes de produtos vegetais não madeiráveis, na procura de alternativas econômicas para a população.

Pesquisadores de ponta

O Sesc convidou os melhores pesquisadores nacionais em cada área para desenvolver essas tarefas. Assim, até hoje participaram no programa mais de 20 instituições de pesquisa, em sua maior parte universidades. A Embrapa Pantanal também participa desses trabalhos. Três amplas reuniões de pesquisadores foram realizadas para discutir os resultados e fomentar os intercâmbios de conhecimento entre eles. E embora cada pesquisador seja responsável pelas suas próprias publicações, o Sesc já preparou uma publicação resumindo os resultados. Possivelmente uma centena de artigos científicos ealguns livros já foram publicados sobre as descobertas feitas na reserva. O programa de pesquisa é periodicamente revisado pelo seu Comitê Consultivo.

O programa de pesquisa da RPPN Sesc Pantanal é um processo contínuo. Já existem novas iniciativas, como uma referente ao potencial da área para fixação de carbono. O Sesc também fez um acordo com o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD) da Universidade das Nações Unidas, principalmente desenvolvido pela Universidade Federal do Mato Grosso, que conduzirá 18 projetos na região, dos quais 15 se realizam ou serão realizados na reserva.

O que o Sesc faz não deveria ser, como é, uma exceção. Em países nos que as unidades de conservação são verdadeiramente manejadas, o descrito para o Sesc Pantanal é apenas rotina. Não existe manejo sério sem pesquisa prioritária prévia e sem monitoramento contínuo das alterações ambientais. Seu custo, quando primam o senso comum e a honestidade, não é elevado. Mas sua relação custo/beneficio é elevadíssima.

Duvida-se, claro, que o Ibama aplique esse exemplo, agora que os recursos para unidades de conservação são tão escassos e que são todos orientados a reservas extrativistas e áreas equivalentes. Nelas, por lei, deve-se praticar desenvolvimento

sustentável e, evidentemente, na visão dos governantes isso não requer pesquisa nenhuma. Basta, para praticá-lo, aplicar asabedoria ancestral das populações tradicionais.

Idéias para mestrandos e doutorandos Marc Dourojeanni O Eco, Rio de Janeiro - 04/11/05

Doutorandos e mestrandos em geral sofrem muito escolhendo ou decidindo o tema para suas teses. Balançam entre o ideal e o possível; ou, de uma parte, entre o custo e os prazos e, de outra, a dificuldade e a qualidade. Todos gostariam de desenvolver uma pesquisa que, sem muito esforço, traga resultados que lhes abram as portas de emprego bem remunerado ou de notoriedade. Embora quase sempre terminem aceitando os temas que seus professores decidem e que, em geral, são apenassegmentos de assuntos de interesse dos orientadores ou que sãocaminhos já muito trilhados por eles. Caso contrário, é comum que se lancem em aventuras investigativas supremamente ambiciosas, fruto da boa fé e da ignorância sobre as reais dificuldades do trabalho, em especial quando se trata de pesquisa no campo. Nesses casos o trabalho sói ser abandonado ou reduzido a uma mínima e intranscendente fração.

Por isso, esta coluna pretende aportar algumas ideias de pesquisas não muito difíceis de realizar e que poderiam trazerrespostas muito necessárias a temas transcendentes da problemática ambiental.

Nesta oportunidade serão desenvolvidos apenas uns poucos temas, devido à brevidade do espaço disponível. Mas, cada um desses temas é amplo e cada uma das suas facetas pode dar lugar a muitas teses. Eles são: (1) balanço ambiental do Pró- Álcool; (2) impacto econômico de unidades de conservação de proteção integral manejadas; (3) análise comparativa da proteção da biodiversidade em unidades de conservação de uso direto e de uso indireto; (4) avaliação da utilidade prática de planos de manejo de unidades de conservação; e (5) análise

da qualidade das avaliações de impacto ambiental de obras de infraestrutura e de seu impacto ou utilidade.

O Pró-Álcool é geralmente considerado um grande êxito. E, realmente, foi bem-sucedido em termos de contribuição para a autonomia energética, diminuição da contaminação do ar urbana e quiçá também em termos econômicos. O que não fica esclarecido, com informação cientificamente validada e estatisticamente comprovada, é a provavelmente alta correlaçãoentre o Pró-Álcool e o desmatamento da Mata Atlântica e a perda conseqüente de diversidade biológica. Tampouco, mas issoseria outro tema, fica claro se o país ganhou ou perdeu em termos ambientais com o Pró-Álcool.

Com efeito, os ganhos ambientais obtidos com a redução da contaminação ambiental urbana parecem ter sido substancialmente ultrapassados pelas perdas derivadas da contaminação provocada pelo cultivo da cana-de-açúcar, na forma de aplicações de agroquímicos diversos, de contaminação do ar devido às queimadas de resíduos de cana, de contaminaçãoda água pelos eflúvios industriais conhecidos como vinhoto e, claro, pela erosão do solo. Vários trabalhos de tese podem serdesenvolvidos a partir destas ideias. Uma análise da informação estatística sobre a expansão do cultivo da cana pode ser correlacionada com a diminuição da superfície da floresta quer seja de estado para estado ou ao nível do país. Também podem se comparar fotografias aéreas e imagens de satélite nas quais visualmente é possível medir o aumento do cultivo da cana e a demolição da mata. Existe informação estatística sobre os volumes de agroquímicos consumidos ano a ano e, igualmente, sobre o volume de álcool, o que permite estimar o volume de vinhoto. O volume de CO2 emitido na atmosfera é fácil de estimar a partir da superfície plantada acada ano.

Por que é importante conhecer o que realmente significou o Pró-Álcool em termos ambientais? Pois, simplesmente, porque o Governo está agora envolvido em lançar o Biodiesel, um programa que reúne essencialmente os mesmos elementos que o Pró-Álcool e que, potencialmente, oferece os mesmos riscos para outras florestas e outras regiões. Como já dito nestas colunas, é inacreditável que o Biodiesel seja promovido sem

ter sido feita nenhuma avaliação ambiental séria, o que, inevitavelmente, teria levado a revisar o que aconteceu com o Pró-Álcool. Mas, nunca é demasiado tarde.

Benefícios da conservação

Como bem se sabe, o mundo do ambientalismo tem se dividido em dois grandes bandos, o denominado ambientalismo, orientado essencialmente por intelectuais das ciências naturais e exatas, e o socioambientalismo, orientado quase exclusivamentepor intelectuais das ciências sociais. Embora ambos os grupos devessem trabalhar em harmonia, a realidade é que entre as correntes existe uma guerra que está prejudicando especialmente a tarefa, já por si difícil, de conservar a biodiversidade.

Neste contexto, as áreas protegidas de uso indireto ou proteção integral são motivo de crescentes acirrados ataques por parte de alguns políticos com “grande sensibilidade social” e do lado socioambiental. Essas áreas protegidas são qualificadas, quando muito, como “áreas congeladas inúteis fruto de opções antiquadas” ou, pior, “instrumentos antissociais e elitistas” e, por isso, para eles, qualquer pretexto é bom para propor a redução de seu tamanho, sua eliminação ou sua transformação em categorias menos estritas. O outro grupo lembra que essas unidades de conservação são indispensáveis para conservar a diversidade biológica e que sefossem adequadamente manejadas, o que implica em alguns investimentos, elas seriam verdadeiros motores da economia local. De fato, nos países desenvolvidos e em muitos dos que estão em vias de desenvolvimento, as unidades de conservação de uso indireto, como os parques nacionais, oferecem oportunidades extraordinárias ao crescimento econômico e social local e, claro, ninguém, nem sequer os socioambientalistas que também existem por lá, propõe eliminá-los.

Não precisa ser demonstrado que quase todas as unidades de conservação do país estão abandonadas, quer seja sem investimentos, sem pessoal e sem manejo. O que se sugere nestecaso é uma análise do impacto econômico direto ou indireto de unidades de conservação sobre o seu entorno, aproveitando das

poucas que têm algum grau de manejo. A hipótese é que os parques nacionais mais ou menos manejados, como Iguaçu e Tijuca, dentre outros, e que recebem muitos visitantes, aportam oportunidades enormes e às vezes insuperáveis ao desenvolvimento e à economia local, especialmente através do turismo e de todas suas atividades econômicas associadas.

O efeito multiplicador do uso apropriado de um parque reflete em quase todas as atividades econômicas da região, desde transporte aéreo e terrestre, hotelaria e restauração, agências de viagem e turismo, comércio local (roupa, víveres, lembranças) e nacional (equipamentos de camping ou para esportes radicais), construção civil, serviços públicos, etc. Existem modelos testados (por exemplo, o desenvolvido pelo US National Parks Service) para avaliar estes impactos tanto em termos econômicos como em termos sociais (empregos diretos e indiretos, por exemplo). Não obstante, esses modelos nunca têmsido aplicados no Brasil. Para serem usados, como seria desejável devem ser testados e adaptados, mas não existe dúvida de que seus resultados contribuiriam muito para aliviaras pressões contra esse tipo de unidades de conservação que são essenciais para conservar amostras viáveis do patrimônio natural.

Serviços ambientais

Na mesma linha de pesquisa anterior, ainda que isso já tenha sido feito em pequena escala no Brasil, cabe pesquisar o aporte das áreas protegidas à economia através da avaliação econômica dos serviços ambientais que proporcionam. Estes incluem a água, em termos de sua qualidade, quantidade e regularidade de fluxos; a fixação de CO2 em função de cada ecossistema presente na unidade; a redução de riscos de desastres naturais como no caso dos deslizamentos de terra queafetam a população e a infraestrutura; o valor dos aportes à pesquisa e educação; e, também, seu valor como refúgio de valiosos recursos da biodiversidade.

Este tipo de estudo, para determinados serviços ou áreas protegidas ou para um conjunto destes, demonstraria provavelmente que, no Brasil como em outros países, essas áreas pagam com juros elevados à sociedade pelos seus custos

de manejo e, assim sendo, fariam pensar duas vezes aos que levianamente propõem destrui-las.

Outro tema de grande atualidade é o do valor protetor dos ecossistemas e da biodiversidade das unidades de conservação de uso direto ou de aproveitamento sustentável. Com efeito, a maior parte dos que as preferem, no lugar de lutar pelo seu bom manejo, apenas combatem as de proteção integral alegando que aquelas não cumprem suas funções. Mentiras reiteradamente repetidas tendem a ser consideradas verdades. O fato é que nãoexiste nenhuma evidência de que as unidades de conservação de uso direto, como florestas nacionais ou reservas extrativistas, sejam mais efetivas que as de uso indireto, como os parques, para proteger a biodiversidade. Ao contrário,a hipótese é que nelas a destruição da biodiversidade é muito mais rápida e aguda que nas de uso indireto, como parece ser demonstrado pela expansão da pecuária em reservas extrativistas e pela invasão de praticamente todas as florestas nacionais do país.

Uma tese que compare, através de imagens de sensoriamento remoto, o desmatamento em unidades de conservação de uso direto e indireto em condições e prazos semelhantes poderia elucidar se a hipótese tem algum valor. Por exemplo, poder-se-ia comparar a evolução do desmatamento, tema diretamente correlato com a conservação da biodiversidade, numa floresta nacional ou numa reserva extrativista com a ocorrida num parque nacional ou estadual estabelecido quase ao mesmo tempo no mesmo estado, como foi o caso em Rondônia e no vizinho Acre, levando em conta os mandatos legais correspondentes e a situação de base em cada caso. Caso se comprove o que se suspeita, seriam informações de grande valor para o desenho dosistema nacional de unidades de conservação e para limitar a “caça às bruxas” atualmente organizada contra as áreas protegidas de uso indireto.

Planos de manejo

O próprio autor desta coluna desenvolveu um trabalho de avaliação de planos de manejo de áreas protegidas e suas conclusões, resumidas num artigo nestas mesmas páginas, foram muito tristes. Na sua imensa maioria, os obrigatórios e

custosos planos de manejo das unidades de conservação de uso direto e indireto – neste assunto não existem diferença entre elas – são tão deficientes que praticamente não têm utilidade nenhuma.

O trabalho do autor foi muito geral e apenas indicava uma tendência. Agora, dever-se-ia fazer um trabalho muito mais meticuloso de avaliação destes instrumentos que, se bem são fundamentais para o manejo, têm-se convertido apenas em rituais burocráticos. Pode-se, por exemplo, passar pelo crivo fino os planos de manejo disponíveis ao nível de um estado ou,se preferir, concentrar o trabalho sobre uma área protegida sóe, na base da comparação de seus diversos itens e resultados com um modelo padrão, pois existem muitos bem conhecidos, pode-se determinar numa escala o valor relativo de cada plano para o manejo efetivo da unidade de conservação respectiva. A tese deveria avaliar tanto os elementos que faltam como os problemas de qualidade ou de conceito. Será importante revisar, por exemplo, a base cartográfica e, em especial, o valor prático do zoneamento. Cada item de avaliação deve lembrar que um plano de manejo deve ser só um instrumento de manejo e não uma publicação de divulgação ou outra coisa.

Os estudos de impacto ambiental de infraestrutura são outro tema de excepcional interesse para teses, também analisados emconjunto para uma região ou em profundidade, um a um. De idêntico modo que os planos de manejo, os estudos de impacto ambiental, ademais de obrigatórios e caros, têm-se convertido em documentos que não cumprem suas funções, neste caso informar oportunamente sobre os prováveis impactos ou riscos ambientais diretos e indiretos, as alternativas disponíveis para que a obra seja menos prejudicial ao ambiente e a sociedade e, claro, sobre as alternativas disponíveis e os custos para reduzir, amenizar ou compensar os danos.

Outra vez, existem excelentes documentos que indicam os padrões que deveriam ser aplicados ao se fazer uma avaliação de impacto ambiental e uma tese sobre eles deveria aplicar ditos modelos para contrastá-los com a realidade de cada relatório. Este tipo de pesquisa deve, idealmente, ser feito com uma avaliação da situação no campo, embora também, em outra escala, possa ser feita apenas no nível de revisão da

documentação. Na mesma linha seria de grande utilidade pesquisar o que aconteceu na realidade num horizonte de 5, 10 ou 15 anos depois de aprovado o relatório de impacto ambientale construída a infraestrutura. Essa pesquisa deveria respondera perguntas chaves como se os mandatos do relatório ambiental aprovado foram cumpridos e até que ponto as previsões sobre osdanos se materializaram. Outra vez, isso ajudaria enormemente a aprimorar a qualidade e a utilidade dos estudos de impacto ambiental.

Os cinco temas mencionados são apenas uns poucos de uma multitude de temas potenciais que, diferentemente de muitas teses, teriam utilidade prática para orientar a política ambiental nacional ou estadual e contribuiriam para uma visão mais crítica, embora mais construtiva e ilustrada, sobre a problemática ambiental.

Alguns temas podem ser abordados apenas em nível de gabinete ou até de revisão bibliográfica e muitos outros precisam de complementações no campo ou de experimentação a ser essencialmente realizada no terreno. Dito de outro modo, algumas teses poderiam ser de baixo custo e outras, claro, poderiam custar muito mais, na medida em que penetrem em temasque requerem mais rigor e instrumentação cientifica, como no caso de estudos sobre fixação de CO2. De outra parte, a enormediversidade de disciplinas necessárias para abordá-los faz comque esses temas, nas suas múltiplas facetas, brindem oportunidades a profissionais das mais diversas áreas das ciências naturais e exatas e, claro, também aos das ciências sociais.

As novidades científicas nas florestas amazônicas Marc Dourojeanni O Eco, Rio de Janeiro - 23/01/14

Sócrates teria dito "só sei que não sei nada". As revelações diárias da ciência agilmente veiculadas pela Internet nos inundam com descobertas que nos fazem repensar o que

acreditávamos e, muitas vezes, descobrir que estávamos errados. Nos últimos meses foram divulgadas várias novidades importantes para a conservação e bom uso das florestas tropicais, em especial as da Amazônia, que contradizem o que acreditávamos saber. Sócrates estava certo.

Espécies de palmeira “hiper-dominante”, Euterpe precatória . Foto:

scott.zona | Clique paraampliar.Espécies de palmeira “hiper-dominante”, Euterpe precatória . Foto:scott.zona | Clique para ampliar.

O último fato a ser revelado foi que árvores grandes e maduras, ou simplesmente velhas, não só mantêm boa velocidade de crescimento como

também absorvem gás carbônico mais rápida e intensamente do que árvores menores ou mais jovens. A pesquisa incluiu 403 espécies de árvore e mais de 650 mil exemplares delas. Isto é exatamente oposto ao que se acreditava e até justificou desmatamentos sob o argumento que plantações de árvores de rápido crescimento (florestais ou frutíferas) ou, a vegetação florestal nova ou capoeiras, tiravam maior quantidade e mais rapidamente o carbono da atmosfera. De fato, argumentava-se que as antigas florestas amazônicas, com suas centenárias árvores gigantes, embora reconhecidas como reservatórios de carbono, eram mais ou menos neutras com relação à fixação atual e futura de carbono. Se a novidade, como parece, for aplicável às condições amazônicas representa um argumento adicional muito importante para preservar as florestas antigas. É preciso dizer que isso era suspeitado por uns poucos cientistas, mas não haviam sido produzidas evidências contundentes do fato.

Outra descoberta interessante é a demonstração de que menos de2% das espécies dominam metade do numero de árvores na maior parte da Amazônia. A bacia amazônica abrigaria ao redor de 16 mil espécies de árvores e palmeiras, mas apenas 227 seriam responsáveis por quase metade do número das espécies arbóreas

e palmáceas com mais de 10 cm de diâmetro, o que corresponde aapenas 1,4% do total. Os pesquisadores chamaram a essas espécies de "hiper-dominantes" e, dentre elas, palmeiras como Euterpe precatoria são as plantas erguidas mais comuns. Das arbóreas, as espécies mais frequentes pertencem aos gêneros Licania, Metrodea, Rinerea, Protium, Brosimum, Hevea, Eperua e Trattinnikia. Há outras palmeiras muito comuns dos géneros Iriartea,Euterpe, Socratea e Astrocaryum (ver o amplo artigo de Hugo Mogollon publicado em ((o))eco, de 25/10/2013). Isso confirmoucientificamente o que os engenheiros florestais que trabalham na Amazônia já sabiam faz décadas. Com efeito, os inventários florestais com fins de manejo detectaram que somente umas poucas espécies de árvores aportam a maior parte do volume de madeira disponível na floresta. Por exemplo, já em 1975 foi publicado, no Peru, que das 175 espécies madeiráveis consideradas nos inventários apenas 17 (menos de 10%) aportam 43% do volume total de madeira.

Também o ano passado foi ratificado o que já se sabia muito bem. A extração florestal seletiva, conhecida como "desnatação" é muitas vezes considerada inócua. Entretanto, é muito impactante para o ecossistema florestal, não só pelas árvores aproveitadas e as clareiras abertas, mas também pelo enorme distúrbio que a operação ocasiona, além da caça associada a ela. Ainda assim, é a mais usada e frequentemente recomendada.

A importância destes dados é a de permitir orientar a exploração sustentável da floresta. Em vez de correr atrás apenas das espécies "nobres" -- que não são abundantes e, por isso, acabam comercialmente extintas --, dever-se-ia focar na promoção do aproveitamento de estudos tecnológicos, novos usose mercado das mais abundantes em número e volume. Com efeito, um grande problema da exploração sustentável das florestas amazônicas é o baixo volume por hectare de muitas madeiras atualmente comerciais. Isso é proposto há décadas, mas os interesses econômicos predominantes nunca permitiram implementar essas alternativas.

Plantio em ilhas e o colete do Pirarucu

Outro trabalho importante foi feito na Costa Rica demonstrandoque para regenerar florestas nativas, por exemplo, em áreas depastos degradados, é muitomelhor fazer plantios do tipo"ilha", ou seja, váriospequenos blocos isolados – deuns 100 metros quadrados -- nolugar de plantar toda a áreacomo é usual. Em menos de umadécada, os blocos ficamrecobertos por uma densafloresta secundaria, pondo para trabalhar a fauna dispersora de sementes e o vento, a um custo várias vezes menor do que o reflorestamento convencional. Tampouco, isto é realmente novo e vem sendo preconizado muitas vezes, mas tem sido sistematicamente descartado pelas empresas que lucram recompondo, de modo tradicional e muito mais caro, a vegetaçãonas áreas de preservação permanente que foram destruídas.

Igualmente interessante é a constante descoberta de novas espécies de animais e plantas na Amazônia, outra vez justificando a necessidade de manter extensas áreas protegidas. Foi revelado que, de 2010 a 2013, foram descobertas 441 novas espécies de animais nessa região. Nos últimos meses, parece ter-se confirmado outra espécie de anta e outra de pirarucu. Ou seja, está se descobrindo que até animais conspícuos, como os mencionados, são bem menos conhecidos do que se acredita.

E não se trata apenas de novas espécies para a ciência. Um recente estudo sobre o pirarucu demonstrou que ele é dotado deum colete composto, como uma armadura natural, que o protege dos dentes dos predadores, inclusive das piranhas. Trata-se deuma estrutura dura no exterior e flexível no interior, que nãoperde em nada para os coletes à prova de bala ou, pela descrição dos autores, para as armaduras dos cavalheiros medievais. Esta descoberta, apenas uma dentre centenas feitas num só ano, revelam a importância de manter amostras viáveis

Um recente estudo sobre o pirarucu demonstrou que ele é dotado de um colete composto, como uma armadura natural, que o protege dos dentes dos predadores, inclusive das piranhas.

da biodiversidade, já que, cedo ou tarde, sempre se revelam novos benefícios para a humanidade.

O que foi aqui sucintamente resenhado é apenas uma amostra do que há na Internet. Tudo isso e muito mais -- tanto as notas informativas como a própria publicação -- se obtém tranquilamente, sentado no lar e sem maior esforço. É uma das grandes vantagens com que nos brinda a tecnologia atual. Além de demonstrar a validade do dito do Sócrates, esta seleção de novidades também ratifica que muitas vezes o que se "descobre", na realidade, é uma demonstração cientifica do quejá era conhecido. São poucas as descobertas que surgem da nada.

Outro fato importante é que quase todas essas revelações foramfeitas por cientistas estrangeiros que, claro, as publicaram em inglês. Isso confirma o lamentável descaso que os governantes dos países amazônicos outorgam a ciência e a tecnologia. Mas, não impede o aproveitamento de resultados para melhorar o nosso futuro.