Casos para Ensino: Mudanças de Política Salarial na Pierre Alexander Cosméticos: O Dilema de...
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TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2,
pp. 152-167, Jul./Dez. 2013
Casos para Ensino:
Mudanças de Política Salarial na Pierre Alexander Cosméticos:
O Dilema de Gerusa
Changes in the Wage Policy at Pierre Alexander Cosmetics: Gerusa’s Dilemma
Melissa Lucchi
E-mail: [email protected]
Faculdade de São José dos Campos - Faculdade Bilac
Av. Manoel Borba Gato, 54, apto. 11, Jardim Nova América, 12242-270, São José dos Campos, SP, Brasil.
José Floro S. Barros
E-mail: [email protected] Floro Gerenciamento de Carreiras
Rua Viscondessa de Campinas, 417, Nova Campinas, 13092-135, Campinas, SP, Brasil.
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Introdução
Gerusa Maria Milli conheceu a Pierre Alexander Cosméticos (PA) em 1982, por sua irmã. Na
época, tinha 28 anos, cursava Letras/Francês no município de Colatina, Espírito Santo (ES), e ajudava o esposo na lanchonete deles, em Vila Velha, ES. Passando por dificuldades financeiras e mesmo sem
experiência na área de vendas, decidiu arriscar e começou como consultora na PA, função em que
permaneceu por dois anos. No início, ganhava comissão de 40%, logo depois obtendo 50% sobre as vendas realizadas.
A Pierre Alexander, assim como Gerusa, estava iniciando as atividades. Fundada em 1981, ainda não possuía representantes nos estados. Funcionava pelo sistema de venda porta a porta, ou
marketing de rede: as revendedoras (denominadas de consultoras) ganhavam 40% sobre as vendas
realizadas. Ao apresentarem uma nova pessoa para revender os produtos e atingirem dado montante de
vendas, passavam à função de gerentes-executivas, ganhando 50% sobre as vendas. A partir daí, poderiam formar uma equipe, ganhando, a cada nova consultora, 10% sobre as vendas destas. Quando
uma das consultoras obtinha 50%, deixava uma substituta (que continuava ganhando 10%) e passava a
gerente-executiva. A antiga gerente-executiva ganhava 2% sobre as vendas dela e da equipe.
O cargo superior a esse era o de coordenadora, ao qual Gerusa chegou em 1984. Nesse ano, o
esposo dela vendeu a lanchonete, e o casal abriu a Empresa Milli Cosméticos Comércio de Produtos Gerais Ltda., com ponto fixo no Centro de Vila Velha e estoque para atender as consultoras do
município. O escritório funcionava como um Centro de Distribuição (CD), no qual as consultoras
retiravam produtos com 40% e 50% de desconto, e os revendiam pelo preço de tabela sugerido pela
Empresa, obtendo Gerusa 14% de comissão sobre o faturamento. No Espírito Santo, eram seis CDs, que respondiam pelos municípios de Cariacica, Cachoeiro de Itapemirim, Colatina, Linhares, Nova
Venécia e Vila Velha.
O negócio cresceu, e a PA se tornou a terceira maior empresa de cosméticos do Brasil. Houve
mês em que Gerusa chegou a cadastrar 200 novas pessoas e a vender 13 mil produtos. Entre 1984 e
1997, as consultoras participavam de treinamentos semanais sobre os produtos da PA, as gerentes-executivas aprendiam sobre promoções de vendas, lançamentos de novos produtos, e as coordenadoras
recebiam as metas de faturamento desejadas para o mês.
A partir de 1997, os CDs foram fechados e a denominação coordenadora foi substituída por representante comercial. A mudança ocorreu porque a Pierre Alexander passava por problemas
econômicos, incluindo gastos e impostos com a manutenção dos CDs no país. Pelo novo sistema, as
consultoras encomendavam produtos junto às coordenadoras e os recebiam em suas residências, sendo esses enviados diretamente da fábrica. Para se adequar à nova realidade da PA, Gerusa encerrou as
atividades da Empresa de Comércio, abrindo uma Firma de Representação Comercial (Gemel
Representação Ltda.), que funcionou até maio de 2007.
O sistema de ganhos também mudou. Para cortar gastos, a comissão das consultoras foi
reduzida para 30%, e as coordenadoras passaram a receber 14% sobre o valor vendido pelas
consultoras. Nessa época, Gerusa obtinha um montante médio de R$ 3,5 mil mensais. Na Tabela 1, pode-se acompanhar a evolução salarial de Gerusa entre os anos de 2000 a 2004, antes da primeira
compra da PA, realizada em 2005, quando a Empresa ainda era gerida pelo fundador; um período
áureo, nas palavras de Gerusa.
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Tabela 1
Evolução Salarial Mensal (2000 a 2004) de Gerusa Maria Milli
Período Total recebido
01/08/2000 a 31/08/2000 R$ 4.126,00
01/08/2001 a 31/08/2001 R$ 2.671,49
01/08/2002 a 31/08/2002 R$ 3.722,46
01/08/2003 a 31/08/2003 Sem registro
01/08/2004 a 31/08/2004 R$ 3.527,00
Nota. Fonte: informado pela executiva Gerusa Maria Milli.
Em 2005, poucos meses após a morte do fundador e proprietário, a Pierre Alexander foi vendida para um grupo de empresários do setor têxtil de Santa Catarina. Por possuírem pouca experiência no
ramo cosmético, a Empresa voltou a enfrentar dificuldades econômicas. Devido à expressiva queda
nas vendas em seu setor e objetivando cortar custos, Gerusa decidiu fechar a Empresa de Representação e receber os pagamentos por meio de Recibo de Profissional Autônomo (RPA), sistema
que permanece até os dias atuais.
Em 2008, o controle societário da PA foi novamente alterado. A marca foi vendida, sendo fundada uma nova empresa. Dois empresários que já haviam ocupado cargos de diretoria e gerência
em grandes companhias cosméticas nacionais dividiram o comando societário da Empresa. As funções
exercidas por Gerusa foram mantidas, mas o cargo passou a receber nomenclatura pomposa, denominando-se executiva de vendas. Sua área de atuação aumentou. Ela gerenciava agora
consultoras dos seguintes municípios capixabas: Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Guarapari, Serra,
Viana, Vila Velha e Vitória. Na época, Gerusa acumulava 25 anos de Empresa.
Entre 2008 e 2009, o sistema de remuneração das executivas de vendas foi mantido. Para
equilibrar as finanças da PA, que quase foi à falência com a compra de 2005, os dois sócios-diretores passaram a oferecer, em maio de 2010, novos critérios de remuneração para as executivas, baseados
em três níveis. O pagamento passaria a ser feito por ciclo (a cada 21 dias em vez de mensalmente) e
iria variar conforme o volume de vendas obtido. Caso a executiva atingisse as metas propostas,
ganharia, em média, de R$ 1.394 a R$ 2.720, bem menos do que a média mensal obtida por Gerusa. (Outras informações sobre remuneração no Situação-problema).
Aos 50 anos, casada, duas filhas adultas, Gerusa era uma das 11 executivas de vendas com mais de 20 anos de atuação na Empresa, além de ter conseguido independência financeira, realização
profissional, bons amigos e vários prêmios nacionais de destaque em vendas PA (outras informações
no tópico Breve perfil da executiva Gerusa). Gerusa pesou suas conquistas ao longo dos anos na Pierre Alexander quando recebeu a nova proposta financeira da Empresa, consideravelmente mais
baixa do que os valores recebidos antes. Que atitude a executiva deveria adotar?
Além da habilidade técnica, comprovada pelo fato de ser uma das executivas de vendas com maior faturamento e destaque em número de cadastros da PA no país, a boa vontade em ajudar a
Empresa a crescer (benevolência e comprometimento) e a integridade de caráter de Gerusa
conquistaram a credibilidade, o respeito e a confiança das consultoras, resultando na construção de uma reputação positiva (para a profissional e para a Empresa). Gerusa era a imagem viva da
Companhia. (Vide depoimentos de consultoras no Breve perfil da executiva Gerusa).
Quando a PA passou por dificuldades, ela confiou na Empresa e as consultoras confiaram em sua palavra. Abandonar todo esse histórico de vitórias e vivências seria a solução? Dada a proposta
dos novos sócios-diretores e o histórico profissional de Gerusa na PA, qual é a melhor opção a ser
adotada pela executiva?
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Antecedentes e Contexto: Perfil da PA e da Executiva Gerusa
Breve histórico da Pierre Alexander Cosméticos
Fundada em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 1981, e também gerida pelo empresário
(falecido) Luis Felipe Osório, a Pierre Alexander Cosméticos é uma empresa de venda porta a porta 100% brasileira. São 20 mil consultoras ativas e 150 coordenadoras regionais (executivas de vendas)
no país. Foi a primeira no país a produzir e a comercializar o desodorante em creme, que está no
mercado há mais de 25 anos.
A linha é composta por 238 produtos e abrange: perfumaria; cremes e loções; desodorantes;
maquiagem; xampus; óleos corporais e produtos de tratamento, voltados para os públicos feminino, masculino, jovem e infantil.
Mesmo sem investir em publicidade nos meios de comunicação de massa, a pesquisa A
Imagem da marca PA, realizada em março de 2012, com 56 executivas de vendas, 12 consultoras, 5 gerentes regionais e 1 gerente de vendas, indica que a lembrança da marca é positiva para 96% dos
profissionais. O principal ponto forte mencionado é a qualidade dos produtos (86%), sendo lembrada
pelos entrevistados pelas palavras: qualidade, confiança, resultados, orgulho de ser, família, conquista.
A partir de 1997, com a crise financeira atravessada pela PA, os Centros de Distribuição (CDs) foram fechados. As consultoras de Vila Velha, que antes retiravam os produtos com desconto no
escritório de Gerusa, agora enviavam o pedido à executiva, que o encaminhava à Empresa, chegando
os produtos diretamente na casa das próprias consultoras. Isso facilitou para aquelas que moravam
longe dos CDs, como em municípios do interior, pois passaram a ter acesso rápido e direto aos produtos. Avon e Natura, as maiores concorrentes da PA, já funcionavam dessa forma.
Em dezembro de 2004, aos 54 anos, o fundador e presidente da PA faleceu, vítima de um infarto fulminante. Com a morte súbita de Luis Felipe, a família Osório não havia preparado
sucessores para cuidar da gestão do negócio. Os dois filhos e a viúva, únicos sócios, não se sentiram
aptos a assumir a direção da Empresa. Assim, a marca PA e o direito de comercialização dos produtos foram vendidos, em 2005, para o grupo de investidores Bitnner, do setor têxtil de Santa Catarina. A
fábrica, localizada em Diadema, SP, estava com produção ociosa, e também foi vendida para outro
grupo empresarial.
Como os novos gestores da marca não tinham experiência no ramo de vendas porta a porta, a Empresa passou por grandes prejuízos. Quando foi recomprada, em 2008, as condições eram
péssimas. As vendas caíam verticalmente. O faturamento, da ordem de R$ 100 milhões nos últimos cinco anos (2003-2007), baixou para R$ 20 milhões/ano. A fábrica de Diadema, São Paulo, foi
fechada. A transferência da operação e das instalações para uma nova fábrica, em Blumenau, Santa
Catarina, dificultou os procedimentos. A cidade era pequena, os Correios tinham infraestrutura reduzida e faltava mão de obra especializada.
Três anos depois, em novembro de 2008, novamente o controle societário da Empresa foi alterado. O ex-presidente da OX Cosméticos, ex-diretor de Operações da Natura por oito anos,
engenheiro químico e pós-graduado em Administração, Marcio Ramy Mansur, e o e ex-vice-
presidente da Natura e engenheiro químico Eduardo Luppi compraram a marca PA e assumiram-na
como gestores da Companhia. O antigo CNPJ não foi adquirido. A decisão de abrir uma nova empresa foi tomada tendo em vista mitigar riscos trabalhistas do passado, como processos trabalhistas
pendentes, e poder trabalhar mais livremente com fornecedores e distribuidores, por exemplo, não
carregando vícios corporativos antigos.
Os empresários encontraram a Pierre em estado de total desorganização: o pagamento das
executivas de vendas estava atrasado havia cinco ciclos (mais de 90 dias); as caixas das consultoras
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demoravam até três ciclos para chegar, devido à falta de produtos na Empresa ou à retenção dos
mesmos na transportadora, cujos profissionais também estavam sem receber. Com isso, muitas
executivas deixaram a Pierre, indo trabalhar em empresas concorrentes, como Avon, Natura, Mary Kay e Jequiti.
Em abril de 2010, os dois gestores se tornaram sócios-diretores e decidiram por manter a marca
Pierre Alexander, reconhecida no mercado nacional, fundando uma nova empresa, denominada São Nicolau Comércio de Cosméticos e Exportação Ltda. (CNPJ 10.933.388/0002-18), cuja sede está
localizada à Rua Osasco, 949, Rodovia Anhanguera, km 33, Parque Empresarial Anhanguera,
Cajamar, São Paulo, 07750-000.
Hoje, a Pierre Alexander é a quarta maior companhia cosmética no país, com faturamento de R$
30 milhões/ano e produção de 5 milhões de unidades/ano. Em 2012, em seis ciclos de vendas, as vendas para o Norte do país cresceram 65%. Em 2011, a PA cresceu 12,4%, a Natura cresceu 7% e a
Avon caiu 2% na posição de vendas. O faturamento anual das principais correntes é: Natura (R$ 2,8
bilhões); Avon (R$ 2,5 bilhões); Jequiti (R$ 150 milhões) e Mary Kay (R$ 30 milhões) (Associação
Brasileira de Vendas Diretas [ABEVD], 2011).
A sede da PA, localizada em Cajamar, possui 67 funcionários distribuídos nas áreas de Vendas
(6 gerentes regionais); Operações; Administrativo; Marketing (focos no Desenvolvimento de Produto e Marketing do Canal: relacionamento com executivas e consultoras). O escritório de vendas fica em
Blumenau, Santa Catarina.
Para o sócio-diretor Márcio Mansur, muito mais importante do que missão e visão penduradas na parede da empresa, são: fala aliada à prática, respeito à família, à terceira idade e preocupação com
a responsabilidade socioambiental. A respeito da transição societária e do equilíbrio das finanças da
Pierre, ele deu aos autores o seguinte depoimento:
“Não fizemos uma revolução na Pierre, mas trouxemos tecnologia, disciplina para a gestão, boas práticas
e forte enxugamento na estrutura de vendas. Queríamos salvar a Companhia e reduzir ao máximo as
despesas”.
Breve perfil da executiva Gerusa
Menina do interior, Gerusa Maria Milli morou no município de Santa Teresa, ES, até os 11
anos, quando mudou para Colatina, ES. Cursava Faculdade de Letras/Francês e trabalhava numa
concessionária de automóveis. Em 1975, casou-se com Pedro Eloi e vai morar no Rio de Janeiro. Costurava para fora durante o dia, estudava à noite, e o dinheiro obtido mal dava para pagar as
despesas da faculdade.
Após dois anos, foram morar em Vila Velha, ES. O marido montou uma lanchonete e Gerusa
foi trabalhar com ele. Durante a semana, ajudava no bar; às sextas e aos sábados, estudava. Em 1979,
concluiu a faculdade. Em 1980, nasceu a primeira filha. Em 1982, conheceu a Pierre Alexander pela irmã, que lhe vendeu a ideia de que ela poderia crescer e se tornar alguém importante dentro da
Empresa. Logo passou de consultora a gerente-executiva e, em 1984, a coordenadora. Pouco tempo
depois, alugou uma loja no Centro de Vila Velha, onde possuía um estoque de produtos suficiente para
atender as consultoras do município.
Nessa época, a Empresa contava com 70 mil consultoras cadastradas no país, e Gerusa chegou a
ocupar, em 1990, o terceiro lugar em Recrutamento no Brasil. A Tabela 2 lista alguns dos prêmios recebidos pela executiva, pelo destaque em vendas e pelo número de cadastros de revendedoras em
nível nacional.
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Tabela 2
Prêmios Nacionais Recebidos por Gerusa entre 1988 e 1998 na PA
Ano Prêmio PA
1988 Destaque em crescimento nas vendas no Brasil
1989 13º lugar em Vendas no Brasil
1989 5º lugar em Recrutamento no Brasil
1990 5º lugar em Vendas no Brasil
1990 3º lugar em Recrutamento no Brasil
1992 8º lugar em Vendas no Brasil
1997 2º lugar no Grupo Prata (nacional)
1998 1º lugar no Grupo Prata (nacional)
Nota. Fonte: informado pela executiva.
Gerusa relembrou essa fase da PA:
“Era uma empresa nova, pouca gente conhecia. O crescimento se deu porque nós cadastrávamos muita
gente. O fato de formar a equipe era uma mola propulsora. Todo mundo queria ganhar 50%! A qualidade
do produto também contribuía. O boom foi o desodorante em creme, que não existia no Brasil. Usando o
desodorante, que era bom, as pessoas experimentavam outros produtos. Chegamos a cadastrar 200
consultoras num mês”.
“Em 1988, recebi meu primeiro troféu pelo crescimento nas vendas em nível nacional. Ganhei muitos
troféus, uma viagem com acompanhante para o exterior, dentre outros momentos agradáveis”.
Com a venda da Empresa, em 2005, quando passou a ser gerenciada por empresários do ramo têxtil, houve falta de produtos, atraso na chegada das caixas de consultoras (de até 90 dias), problemas
com as transportadoras e atraso nos salários. Gerusa chegou a ficar sem receber por mais de cinco
ciclos, quase quatro meses, um motivo forte para desistir da PA. Segundo ela, foi o pior período da Empresa, quando várias executivas migraram para companhias concorrentes.
A Tabela 3 ilustra esse período de transição. Mesmo recebendo comissão e ajuda de custo, os
ganhos eram bem menores do que os obtidos nos anos anteriores (2000 a 2004). Comparando as Tabelas 1 e 3, percebe-se que, no primeiro ciclo de vendas após a compra da PA (ciclo 1/2005),
apenas quatro meses e meio após o fechamento das vendas do mês de agosto de 2004 (de 01/08/2004 a
31/08/2004), as vendas caíram 36,5% (de R$ 3.527,00 para R$ 2.242,40). Se considerarmos como referência o mês de agosto de 2000 (01/08/2000 a 31/08/2000), comparado ao ciclo 1 de 2005, início
do período turbulento da Empresa, percebe-se uma queda ainda mais acentuada, de 45,7%. O
faturamento nas vendas passou por outros períodos de queda (vide ciclos 3/2007, 01/2008 e 02/2008).
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Tabela 3
Evolução Salarial Ciclal (2005 a 2008) de Gerusa Maria Milli
Período Comissão Ajuda de custo Total
Ciclo 1/2005 R$ 1.542,40 R$ 700,00 R$ 2.242,40
Ciclo 2/2005 R$ 1.532,54 R$ 700,00 R$ 2.232,54
Ciclo 3/2005 R$ 1.985,55 R$ 800,00 R$ 2.785,55
Ciclo 1/2006 R$ 2.513,55 R$ 1.077,23 R$ 3.590,78
Ciclo 2/2006 R$ 1.963,19 R$ 841,37 R$ 2.804,56
Ciclo 3/2006 R$ 2.259,66 R$ 967,49 R$ 3.227,15
Ciclo 1/2007 R$ 1.354,80 R$ 729,51 R$ 2.084,31
Ciclo 2/2007 R$ 1.787,92 R$ 871,18 R$ 2.659,10
Ciclo 3/2007 R$ 1.138,73 R$ 613,16 R$ 1.751,89
Ciclo 1/2008 R$ 907,02 R$ 524,11 R$ 1.431,13
Ciclo 2/2008 R$ 1.044,66 R$ 696,93 R$ 1.741,59
Ciclo 3/2008 R$ 1.763,32 R$ 1.069,00 R$ 2.832,32
Nota. Fonte: informado pela executiva.
Tendo que lidar com esse cenário, Gerusa pensou em interromper o contrato com a Pierre.
“Não havia produtos e o pessoal não entregava as caixas das consultoras. Isso gerou um estresse danado!
E aí eu te pergunto: como você trabalha? Decidimos parar de cadastrar pessoas novas. Eu dizia que os
cadastros estavam suspensos na Empresa. Eu cadastrava a pessoa num dia e a caixa dela não chegava. Ela
ia querer continuar na Empresa? Não cadastramos nesse período, porque sabíamos que, se fizéssemos
isso, a pessoa iria entrar num ciclo e sair no próximo”.
Consultoras há mais de 10 anos, no entanto, continuavam participando das reuniões, enviando
pedidos e vendendo os produtos. Na opinião de Gerusa, a atitude demonstrou confiança na Empresa e
comprometimento com o trabalho da executiva. Gerusa guarda até hoje bilhetes de apoio escritos à época pelas consultoras de sua região, como os transcritos a seguir.
“Amo o jeito amoroso como vocês amam todos nós. E com isso não consegui sair de vocês até hoje e
espero continuar por muito tempo, porque, agora, quem não quer sair sou eu! Amo vocês de coração! Beijos, Maria do Carmo”.
“Gerusa e Eloi, agradeço-lhes por todo o incentivo que me deram até hoje com as minhas vendas na
Pierre. Com todas as minhas batalhas, doenças pelas quais passei, eu quis parar (de vender os produtos)
por várias vezes e com a insistência de vocês continuo até hoje. Parabéns por serem essas pessoas tão
especiais. Solange Simon Martinelli”.
Outras consultoras também acompanharam esse período turbulento da PA. A esteticista Izabel Maria Stein Ribeiro Adão, trabalhando com os produtos da Empresa há mais de 10 anos, resume
Gerusa em três características: capacidade técnica, otimismo e persistência.
“Quando vi Gerusa pela primeira vez, percebi uma pessoa aberta, alegre, objetiva, que tem uma maneira
especial de cativar as pessoas. O tempo todo, em todas as reuniões da Pierre, ela está ativa, dando atenção
a todos. Fico impressionada! Ela tem pique! Realmente conhece, gosta e acredita no que faz”.
A consultora Rita de Cássia Emerick Zape conheceu Gerusa há cerca de 20 anos.
“Ela foi uma pessoa que me deu muita força logo que cheguei ao Estado. Para mim, Gerusa é
transparência, família, amizade, e eu vejo que a Pierre abrange muito esses valores, além de passar
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confiança para o cliente. A Empresa possibilita que a pessoa devolva os produtos, mas ninguém devolve.
A qualidade dos produtos passa segurança. Sempre estou vendendo e passando essa confiança para outras
pessoas. Pierre é família, é confiança. Lá, não sou apenas um número. Eles me conhecem”.
Também na Pierre há mais de duas décadas, Alícia Schunch Vieira vê Gerusa como uma pessoa guerreira, batalhadora e fiel à empresa.
“Com ela, cheguei ao segundo lugar em vendas. A nota que dou para ela é 10. Ela passou pelas crises da
Empresa, problemas de entrega... Gerusa fez o seu melhor, pois ela tem real amor pela Pierre”.
Após a nova compra, em 2008, pelos empresários Márcio Raimy Mansur e Eduardo Luppi, a situação financeira da Pierre foi sendo reorganizada, a Empresa começou a se reestruturar. Gerusa,
mais uma vez, decidiu seguir em frente. Em suas palavras:
“Faltavam produtos, não havia dinheiro em caixa para pagar os transportadores e a entrega demorava. A
consequência: não tínhamos boas vendas. Quando a Pierre foi vendida novamente, voltei a acreditar que
as coisas poderiam melhorar”.
Situação-problema
Dezembro de 2010. Passados 1 ano e 5 meses da posse da nova administração da Pierre
Alexander, Gerusa recebeu uma ligação telefônica, sendo convocada para uma reunião com a Diretora
Regional da PA, Arlete Massa. Na ocasião, foi abordada a mudança na forma de remuneração a ser oferecida pela Companhia. O novo sistema dividia as executivas de vendas em três níveis, cujo
montante total recebido variava segundo a porcentagem de obtenção das metas ciclais (por ciclo de 21
dias) estabelecidas pela PA. A executiva deveria alcançar o mínimo de 85% da meta de vendas fixada
para receber a remuneração variável. Caso contrário, receberia somente os valores fixos.
O nível 1 era destinado às executivas que tinham acabado de ingressar na Empresa. Para elas, a
meta era de R$ 12 mil/ciclo. Se alcançassem 100% da meta, receberiam: R$ 534 fixo + remuneração variável de 3% sobre as vendas realizadas no ciclo (R$ 360) + ajuda de custo mensal de R$ 500,
totalizando R$ 1.394.
No nível 2, a meta era de R$ 18 mil. Se a executiva alcançasse 100% da meta, receberia um
valor fixo de R$ 800 + 3% sobre as vendas realizadas no ciclo (R$ 540) + ajuda de custo mensal de R$
800, totalizando R$ 2.140.
No nível 3, a meta era de R$ 24 mil. Se atingisse 100% desse valor, a executiva receberia 3%
sobre as vendas realizadas no ciclo (R$ 720) + R$ 1 mil (fixo) + R$ 1 mil mensal (ajuda de custo),
totalizando R$ 2.720. Como executiva nível 3, Gerusa receberia bem menos do que ganhava a cada ciclo de vendas, já inclusa a ajuda de custo mensal, voltada para despesas de escritório, como aluguel
de sala, telefone, envio de mala direta, etc. Pelo sistema de remuneração anterior, a executiva tinha a
meta de R$ 30 mil. Se atingisse 100% do valor, recebia 7% sobre as vendas do ciclo (R$ 2.100) + R$ 1.900 (fixo), totalizando R$ 4 mil/ciclo. Caso a meta não fosse atingida, recebia proporcionalmente
aos resultados obtidos. Após alguns dias de recebimento da proposta, que também diminuía sua
comissão sobre as vendas, Gerusa telefonou para a Diretora Regional da Empresa, afirmando que
continuaria na Empresa apenas por mais um ciclo, para se despedir das consultoras de sua região, e depois encerraria as atividades na Pierre. Algumas horas depois, a Diretora retornou a ligação dizendo
que falaria com os proprietários para ver o que poderia ser feito para mantê-la na Companhia. Sobre
esse momento, Gerusa deu aos autores o depoimento a seguir.
“Quando recebi a nova proposta, entendi que, mediante a situação de crise pela qual a Empresa passava, o
valor que eu recebia era bem alto para eles, mas também pensei: meu trabalho sempre foi executado com
garra, dedicação e honestidade. Desde 1984 na Pierre, eu trouxe resultados nacionais significativos,
formei uma grande equipe e não gostaria de sair para atuar em outra empresa, apesar de receber muitos
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convites de firmas como Natura, Mary Kay, Jequiti e Tupperware. É gratificante ouvir de consultoras que
elas estão ali por minha causa e que se eu sair, elas saem também. Isso me dá um grande orgulho: saber
que tenho mais do que grandes consultoras. Tenho amigas”.
Congelando esse exato momento no tempo, o que você faria no lugar da executiva? Imagine-se com 54 anos, casada, filhos, independência financeira conquistada, realização profissional e 26 anos
de trabalho – e dedicação – à mesma empresa. Quais são os pontos negativos e positivos, as causas e
as consequências possíveis para a carreira de Gerusa se ela mantiver a decisão de deixar a Empresa?
Qual é a melhor opção para a vida profissional da executiva? Diante do retorno telefônico da Diretora Regional, relatando o interesse da PA na permanência da profissional e considerando que Gerusa ama
o que faz e gostaria de continuar seu trabalho, como ela poderia negociar sua permanência na
Empresa?
Casos para Ensino: Mudanças de Política Salarial 161
TAC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, pp. 152-167, Jul./Dez. 2013 www.anpad.org.br/tac
Notas de Ensino
Resumo
Este caso relata a história real de Gestão de Carreira da executiva Gerusa Maria Milli, que trabalhou
durante mais de 25 anos para a Pierre Alexander Cosméticos. Com a morte do fundador e presidente, em 2004, a Empresa passou por várias reestruturações e processos de compra e venda, o que quase a
levou a decretar estado de falência. Em novembro de 2008, após nova compra, Gerusa deve decidir se
aceita o novo sistema de remuneração oferecido pelos sócios-diretores, consideravelmente mais baixo do que o recebido anteriormente. Esse caso de ensino pode ser utilizado com alunos de graduação e de
pós-graduação em sala de aula, tendo como base as temáticas: Cultura Organizacional; Gestão de
Carreiras (na Terceira Idade); valores pessoais e organizacionais; motivação; confiança interpessoal e organizacional, negociação e processo de tomada de decisão. Dados e informações foram obtidos por
meio da realização, em julho e dezembro de 2012, de entrevistas semiestruturadas com o sócio-diretor
da PA, Márcio Mansur, com a executiva de vendas, Gerusa Maria Milli, e com o gerente de
Operações, Homero Ferreira.
Palavras-chave: carreira; confiança; motivação; negociação; tomada de decisão.
Abstract
This case tells the real career history of executive Gerusa Maria Milli, who worked for Pierre
Alexander Cosmetics (PA) for more than 25 years. With the death of the organization´s founder and
president, in 2004, the company passed through various restructuring, purchasing and selling processes, which almost led to a state of bankruptcy. In November, 2008, after a new purchase, Gerusa
needed to decide whether or not to accept a new remuneration package offered by the owners,
considerably lower than the salary that she had been receiving before. This teaching case can be used with undergraduate and graduate students in the classroom, based on the themes: Organizational
Culture, Career Management (of older workers), personal and organizational values, motivation,
interpersonal trust, negotiation, organizational and decision-making processes. Data and information
were obtained in July and December, 2012, through semi-structured interviews with PA director Márcio Mansur, sales executive Gerusa Maria Milli and COO Homero Ferreira.
Key words: career; trust; motivation; negotiation; decision-making.
Objetivos didáticos
Este caso pode ser utilizado para trabalhar com alunos de graduação e pós-graduação latu sensu
em Administração e áreas correlatas. Ao oferecer informações sobre uma situação organizacional prática e real, objetiva-se exercitar, nos participantes, a capacidade de avaliar conteúdo, contexto,
dados, a fim de que apresentem propostas de resolução do problema. O caso tem como base as
seguintes temáticas/disciplinas: Cultura Organizacional; Gestão de Carreiras (na Terceira Idade); valores pessoais e organizacionais; motivação; confiança interpessoal e organizacional; negociação e
processo de tomada de decisão.
Questões para discussão
As perguntas a seguir têm como objetivo servir de direcionamento para debates didáticos entre
os discentes que cursam Administração em nível de graduação e pós-graduação.
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Opção 1: colocando-se no lugar da executiva Gerusa
- Considerando os valores pessoais da executiva Gerusa relatados no texto, se você estivesse no
lugar da profissional, que decisão tomaria?
Pelo histórico construído na PA (mais de 25 anos de trabalho) e pelos depoimentos dados, Gerusa demonstra dedicação e apreço pela Empresa que considera ter ajudado a construir, mantendo a
confiança na marca e em sua equipe de vendas, mesmo em períodos de turbulência financeira e troca
de gestão. Assim, deixa claro o desejo de continuar na Empresa.
- O que motivaria Gerusa a permanecer na Pierre Alexander?
Entre os valores da executiva estão: integridade de caráter, benevolência, honestidade e
compromisso com a Empresa e com sua força de vendas. Seu perfil e suas motivações estão mais
relacionadas à satisfação que o cargo em si proporciona (vide Teoria de Herzberg) e à obtenção de reconhecimento profissional (último critério hierárquico na Pirâmide de Maslow) do que em
recompensas financeiras. Dessa maneira, salário e benefícios que reflitam seu tempo de experiência e
resultados nacionais alcançados devem vir acompanhados de políticas flexíveis para o gerenciamento
(e motivação) de sua força de vendas.
- O que motivaria Gerusa a aceitar um emprego numa empresa concorrente da PA?
Salário; aproveitamento da equipe de vendas, que já estava formada, qualificada e acreditava no
trabalho desenvolvido pela executiva; e condições estáveis para o desenvolvimento das atividades,
como: estoque de produtos disponível; entrega de pedidos normalizada; incentivos de atividade (exemplo: brindes e prêmios, quando a consultora enviar pedidos de produtos por vários ciclos
consecutivos).
- Caso o vínculo com a PA termine, o que Gerusa perde em termos profissionais e relacionais?
Gerusa deixaria de dar continuidade a uma carreira que construiu com dedicação, trabalho árduo
e que faz parte de quem ela é; em grande parte, confere sentido à sua vida. Como não possui vínculo de CLT com a PA, não passará por perdas em termos empregatícios, também considerando o
recebimento de convites de trabalho por parte de empresas concorrentes. Nota-se expressiva perda em
termos relacionais, tendo em vista a menção, por Gerusa, das amizades feitas na PA, muitas de longa data (mais de 15 anos), e o contato próximo – e carinhoso – com as revendedoras de sua região.
- Se você estivesse no lugar da executiva, negociaria termos para sua permanência?
Tendo em vista o amor da executiva pela PA, Gerusa poderia tomar duas atitudes: (a) não
negociar termos para permanecer na PA, visto a expectativa de que a própria Empresa os oferecesse como reconhecimento pelo trabalho feito e pelos resultados alcançados; apresentar postura taxativa e
decisão não negociável; (b) requisitar um posto mais alto na hierarquia da Empresa, como o de
Representante Regional, e a respectiva adequação salarial; maior flexibilidade para obtenção das metas
ciclais; mais promoções e incentivos para as revendedoras de sua região. Essa segunda postura é adotada, com frequência, em negociações competitivas. Aqui, a profissional considera ter condições,
por seu histórico, de exigir novo contexto de trabalho.
- Caso decidisse não permanecer na Empresa, como Gerusa gerenciaria sua carreira, já estando
próxima à terceira idade?
Gerusa poderia: (a) trabalhar em uma empresa cosmética concorrente da PA e aproveitar sua
experiência, seu know-how e sua rede de contatos, dando continuidade a um trabalho de que gosta; (b)
oferecer consultoria a empresas cosméticas por meio de palestras, cursos e workshops; ou (c) se
aposentar e desfrutar, com maridos e filhas, do resultado de seus esforços.
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Opção 2: colocando-se como representante da Pierre Alexander Cosméticos
- Quais são os impactos que você visualiza, caso Gerusa decida empregar-se numa empresa
concorrente a Pierre Alexander? O que a Empresa perde com a demissão da executiva?
A PA perde uma das 11 executivas de vendas com melhores retornos financeiros em nível
nacional; uma profissional com expertise e histórico de sucesso, que conhece, acredita e perpetua a
Cultura Organizacional e os valores corporativos, mantendo as revendedoras motivadas; e que possui
valores pessoais éticos, transparentes e congruentes ao que é esperado pela Organização.
- Como superior imediato de Gerusa, quais critérios você consideraria (e quais pessoas
acionaria) para manter a executiva na Empresa?
O aluno pode propor recebimento de salário proporcional não somente às metas ciclais, mas aos
benefícios financeiros relativos ao tempo de casa, além de maior autonomia e flexibilidade no atingimento das metas. Uma conversa face a face entre a executiva e os sócios-diretores seria
interessante para desvendar as reais motivações de Gerusa e verificar as possibilidades da Empresa
satisfazê-las.
Sugestão para um plano de ensino
Tempo de duração da aula: 100 minutos.
1. Aquecimento (20 minutos): leitura do texto pelos alunos. O professor fica à disposição para esclarecer possíveis dúvidas de conteúdo e contexto relativos ao caso em questão.
2. Breve exposição dos conceitos (20 minutos): apresentação dos conceitos de Gestão de Pessoas, Gestão de Carreiras (com enfoque na Terceira Idade), motivação e satisfação, processos de
negociação e tomada de decisão, suas etapas, estratégias e impasses possíveis. Mostrar como essas
ideias se relacionam e se complementam, formando a Cultura Organizacional, composta por outros elementos, como: valores, crenças, pressupostos, tradições, ritos, mitos, símbolos, confiança
interpessoal.
3. Brainstorming da situação-problema (30 minutos): propor que grupos de 4 a 6 alunos se dividam em dois subgrupos. O subgrupo A assumirá a posição (e os interesses) da executiva Gerusa; os
alunos do subgrupo B pensarão como se fossem os responsáveis pelo sistema de remuneração,
incentivos e benefícios da PA. Cada subgrupo elenca várias possibilidades de resolução para a situação-problema do caso.
4. Apresentação de propostas (20 minutos): cada subgrupo escolhe a melhor dentre as propostas debatidas e a apresenta à sala e aos outros subgrupos.
5. Decisão (10 minutos): após ouvirem as propostas, a sala como um todo deve decidir qual delas é
considerada mais vantajosa para a executiva de vendas Gerusa, justificando sua escolha, que deve estar embasada nos pressupostos teóricos.
Análise do caso
O presente caso descreve, contextualiza historicamente e analisa ocorrências verídicas,
ocorridas numa organização também verídica, com personagens reais, cujos nomes verdadeiros foram
mantidos, mediante autorização. Perante a situação relatada no caso, a executiva de vendas Gerusa
resolve tomar a decisão explicada nos parágrafos a seguir.
Algum tempo após ter comunicado, por e-mail, a decisão de não permanecer na Empresa,
Gerusa recebeu uma ligação da Diretora Regional, Arlete Massa, dizendo que os sócios-diretores haviam reconsiderado a decisão e iriam oferecer um sistema de remuneração diferenciado para as
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executivas de vendas com maior faturamento e mais tempo de casa. Hoje, essas profissionais são
somente 11 no país, estando localizadas nos seguintes estados: Rio Grande do Sul (quatro); Santa
Catarina (duas); Espírito Santo (uma); Goiás (uma); São Paulo (uma); Mato Grosso (duas). Todas têm, em média, mais de 20 anos de atuação na Pierre.
Para elas, a Empresa criou uma faixa adicional de remuneração: a faixa especial ou nível 4. A
meta de vendas das executivas agora varia segundo a região do país, pois leva em consideração o potencial da região (histórico de vendas; renda per capita; perfil das executivas e das consultoras).
No Rio Grande do Sul, por exemplo, o potencial de vendas é o maior do país, porque é o local onde a Empresa foi fundada e a marca tem maior reconhecimento. Assim, a meta de vendas por ciclo é
de R$ 43 mil. Em Santa Catarina, a meta é de R$ 35mil; Espírito Santo (R$ 30 mil); Goiás (R$ 30
mil); São Paulo (R$ 26 mil); Mato Grosso (R$ 26 mil).
Na negociação para que permanecesse na Empresa, conforme confirmado por Gerusa, ela pediu
somente que continuasse recebendo segundo os critérios do sistema de remuneração anterior, pelo qual
continuaria ganhando média salarial de R$ 3,5 mil a R$ 4 mil por ciclo. A justificativa para a não barganha de outras condições foi, em suas palavras, gostar do que fazia na Empresa e saber que a
Empresa passava por uma situação financeira difícil. Com essas condições mantidas, a executiva
avalia que vale a pena permanecer no cargo, o qual exerce até os dias correntes. O setor de Gerusa (1122) continua entre os 10 maiores em faturamento do Brasil, tendo alcançado o 6º lugar em vendas
(nível nacional) em 2011, e o 7º nacional em vendas em 2012.
Esse fato pode ser comprovado mediante a observação dos dados da tabela a seguir. Nela, percebe-se que a executiva vem mantendo constante o número de cadastros/recadastros das
consultoras. A primeira coluna, à esquerda, indica os ciclos de vendas. A coluna saldo anterior indica
o número de consultoras cadastradas no último ciclo de vendas. A coluna saldo atual mostra o número de cadastros mantidos no ciclo atual. Os números positivos demonstram a dedicação, o
comprometimento e o envolvimento da executiva para com a Empresa.
Tabela 4
Cadastros e Recadastros de Consultoras da Executiva de Vendas Gerusa Milli
Setor: 11 22
Gerusa
Maria Milli
Data:
27/06/2012
Saldo
anterior
Cadastro com
pedido
Recadastro Excluídas Saldo atual Variação do
saldo
09/12 271 0 0 17 254 -17
08/12 293 0 7 29 271 -22
07/12 293 2 5 7 293 0
06/12 269 1 33 10 293 24
05/12 301 0 4 36 269 -32
04/12 301 0 9 9 301 0
03/12 303 0 10 12 301 -2
02/12 287 0 29 13 303 16
01/12 290 0 9 12 287 -3
18/11 321 0 3 34 290 -31
Continua
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Tabela 4 (continuação)
Setor: 11 22
Gerusa
Maria Milli
Data:
27/06/2012
Saldo
anterior
Cadastro com
pedido
Recadastro Excluídas Saldo atual Variação do
saldo
17/11 298 1 30 8 321 23
16/11 300 0 4 6 298 -2
15/11 306 0 8 14 300 -6
14/11 306 1 6 7 306 0
13/11 307 1 10 12 306 -1
12/11 301 3 36 33 307 6
11/11 297 0 8 4 301 4
10/11 299 2 8 12 297 -2
Nota. Fonte: Pierre Alexander Cosméticos. (2012). Resultado do setor 1122, anos 2011 e 2012. São Paulo. Intranet.
Recuperado de http://consultora.pierrealexander.com.br/portal/first.php
Aos 51 anos, Gerusa decidiu continuar o trabalho na PA nas mesmas condições gozadas antes
da primeira compra da Empresa, em 2005, mas também poderia ter optado por: (a) sair da Empresa, tendo em vista sua aposentadoria próxima e o desfrute dos benefícios da independência financeira
conquistada; (b) aproveitar seu know-how para conseguir emprego na mesma área, porém em empresa
concorrente; (c) prestar consultoria para empresas cosméticas; ou (d) candidatar-se a um emprego em organização de outro ramo.
Fontes dos dados
Entrevistas semiestruturadas realizadas por telefone e por e-mail, em julho de 2012, com o
sócio-diretor da PA, Márcio Mansur, e com a executiva de vendas, Gerusa Maria Milli. Entrevista
pessoal, realizada na sede da Empresa, em Cajamar, SP, em dezembro de 2012, com o Chefe de
Operações, Homero Ferreira. Acesso a documentos da Empresa.
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Agradecimentos
Agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo apoio na realização desta pesquisa; aos professores doutores Nildes Raimunda Pitombo Leite e Reed Elliot Nelson, pelas críticas e sugestões dadas ao presente trabalho.
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