As Primeiras Memórias de Um Leitor: Elias Canetti em Ruschuk / The First Memories of a Reader:...

9

Transcript of As Primeiras Memórias de Um Leitor: Elias Canetti em Ruschuk / The First Memories of a Reader:...

L

Itinerâncias familiares, narrativas docentes e letramento:"O banco na cabeça e o pé na estrada'- tempos e movimentos pela

escolarÌzação em tenitórios ruraisNe urilen e Maftins Ri he i ro

MEIIilORIAS, GÊNERO, LEITURA E LETRAMENTO

Aprendiz de contador:h'rstórias de vida, narrativas e ficções no Ensino FundamentalMaria Antônia Ramos Coutinho, Lucinete Chaves de Oliveira

As primeiras memórias de um leitor:Elias Canetti em RuschukRodrigo Matos de Souza

Memórias autobiográficas de mulheres velhas:rememorar é tempo de nanar e viverÁurea da Sitva Pereira

Narrativas e trajetórias escolares de mulheres em processode alfabetização no contexto socioculturaldallha de Maré, em SalvadorTelma Cruz Costa

O lugar da escrita nume comunidade centrada na or'alidade:recortes discursivos nas nanativas autobiográficas dos sujeitos da EJAlvete Silveira

Cigarra cantadeira e formiga diligente:trilhando (meus) caminhos na pesquisaJanine Fontes de Souza

PosfácioRedes de colaboração acadêmica: um relevante e necessárioprograma de pesquisa e ensino

Sobre organizadores e autores

Copyright @ da Editora CRV Ltda.

Editol-chefe: Railson Moura

Diagramação e GaPa: Editora CRV

Foto da Gapa: Stock.XCHNG/Stefan Gustafsson

Revisão e Normaüzação: Daniele Sena

Gonselho Editorial:

Andréia da Silva Quinhnilha Sousa (UNIR JFRN)Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ)

Lourdes Helena da Situa (UFV)Jo6ania PoÍtela (UFPI)

217

Carlos Federico tlominguezAvila (UNIEURO - DF) Maria Lília lmbiriba Sousa Colares (UFOPA)

Carmen Tereza Velanga (UNIR) Paulo Romualdo Hsmand€s (UNIFAL' MG)Celso Conti (UFSCaÍ) Marh Cristna doo Santos Bezana (UFSCar)

ckïía FaÍifias León (Universidadede Lâ Havanâ-Cuba) Sétgio NunesdeJesus(IFRO)Francisco Carlos Duarte (PUGPR) Solange Helene Xim€nê$Rocfta (UFOPA)

GuiilermoAÍias Beatón (Universidade de Lá Havana - Cuba) $d'one Sarúos (UEPG - PR)JoãoAdalberto Campato Junior (FAP - SP) Tadeu OliveÍ Gonçalves (UFPA)

JaitsonAfues dos Santos (UFR.I) Tania SuelyAzevedo Brasileim (UFOPA)

Leonel Serero Rocha (URl)

CIP-BRASIL. CATALOGAçÃO.NA.FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

P564

Pesquisa (aúo)biográfica: questões de ensino e formação / Paula PerinMcentini, Elizeu Clementino de Souza, Maria da Conceição Psseggi(organizadoree). - 1 . ed. - Curitiba, PR: CRV 2013.

266p.

Inclui biblíografiatsBN 978-85-8M2-721-9

1. AutobiograÍia. 2. Biografia - Pesquisa - Metodologia. l. Mcentini'Paula Perin. ll. Souza, Elizeu Clementino de. lll. Passeggi, Maria daConceição.1ç02270 CDD:808.06692

CDU: 808.1:929

2UA6t2013 2110612013

CAPE SFoifeito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 141'l2l2OO4.

2013Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV

Todos os direitos desta edição reservados pela:Editora CRV

Tel.: (41) 3039-6418www.editoracrv.com. br

E-mail: [email protected]. br

t .

i

As primeirasmemórias de um leitor:Elias Canetti em Ruschuk

Badngo Malot dc Sotqa

Elias Canetti deveria seÍ um autor que dispensasse maiores apresentações,

mâs, como seus textos ainda são de circulação restrita a uma meia dúzia de in-

telectuaisae, começo esse artigo .lizendo quem é este autor, cujos textos insisto

em estudar num doutorado em educação.O nosso autor ÍÌasceu em 1905, na cidade Ruschull hoje Ruse, na região

notdeste üBtÍgána, a 300 km daCapital Sófia, no lado direito do rio Danúbiq

na fronteira com a Romênia. Viveu em Londres, Viena, Frankfirrt e Zurique.

Judeu sefarditas0, teve como idioma mâteÍno o Ladinosl, sendo o búlgato sua

segunda lingn, dentre outros idiomas que aprendetâ nos 32 anos cobettos por

seus textos autobiográâc os A Lfugua Absolaida (201 0a), Uma Luqu Mcu Osviàa

(2010b), O Jogo dos Olhos Q01.0c). Alérn desses textos escreveu o ensaio de ciên-

cia política Massa e Podet (1995), o romance Auto-de-Fé (7982) e o relato de

viagem Vozes de Marrakech (198?, seus liwos mais célebres. Motreu emZu'

dque em 7994,ueze anos após ser laureado com o prêmio Nobel de litetatura.

Seus texlos autobiográácos - com os guais uabalharemos aqui, ern especial

o pdmeiro capítulo deAUnguaÁbnlaìdapor se trâtâÍ do trecho eÍn que se dedi-

ca com maior esmeÍo às suas primeiras mernórias de leitura - obviamentg fâlam

dâ vida do proprio auto! mâs ultrapassam o intetesse meÍìoÍ, talvez ftívolq çepode motivar algumas escritas autobiogtá"âcas, pois ele usa como moldur^por^

^históda de sua juventude as questões histódcas, estéticas e econômicas do início

do século )OL que se desdobratão num eveÍlto determinante para este séculq e

marcatâ sua identifrcação ern meio às inúmeras páginas de qualquer compêndio

49 Esta Íessalva pode sêr dispensada no espaço da educação brasileira, em especial no campo da Abordagem (Auto)

biog'Érfca, no qual as leituras de Canetti são desenvolüdas há, pelo menos, duas décâdas, Ítotivadas pelo textoPedapgia e Museifrcação da professora Denice Bárbara Catani (199G1991), que acabou poÍ converter Á línguaAbsolvida em texto exemplar da escrita autobiogÍáfca e fonte não teórica no estudo da formação, autoformação e daAbordagem (Auto)Biográica.50 Não cabe neste pequeno ensaio uma explicação mais pormenorizada da condição seíardita no âmbito da cuftuÍajudaica, mas para a compíeensão deste texio é bom saber que os sefarditas Íoram osj{alexpulsos da península

ibérica no final do século XV que se dispersaram por toda Éuropa e América, mas, sobrètudo, encontraram acolhida nolmpéÍio Otomano, ao qual pertencia a Bulgária até 1908, quando proclamou sua independência.51 ldioma dos sefardiias em diáspora, muito semelhante ao Castelhano, cuio vocabulário se mmpletava pelo uso depalawas francesas, turcas, romenas, alemãs entre outro6 idiomas, poÍém ladinizadas.

i l

iiltii i i ,

i,:

'i..

i ,{ll r :ì11:

i*,

de histód4 e paÍa o qual Âdorno (2012) nos pede vigiláncia e cuidado paaa atitatsua Íepetição: o horror do holocausto na Segunda Guerra Murdial.

Os relatos de Canetti tÍzzern, ainda, o calor. da efervescência cultural emque foraÍn vividos, as tês primeiras décadas do século )OÇ tempo de conflitqde guerta, de trânsito transnacional de reconhecimento de diferenças e des-mantelamento do território euÍopeu ern Írovas comurridades imaginadas (AN-DERSON, 2009) fruto de cisões e fusões territoriais, identitárias e nacionais -ou pfotonacionais -, muitas das quais são objeto de observação de nosso autor.A necessidade de comr.rnicar esta experiência produziu urr'a nauativa singularque, falando de si, encontra a si mesmo como ouúo.

 leinrra erÌtra nesse píocesso como uÍna forma de identificação no muÍÌ-do, daquilo que lemos nas mais variadas situações do vivido e que flos colocaem contato com a subjetividade do outro e de um tempo, conferindo-nos apossibilidade de transitar poÍ outros mundos, experimentar formas diferentesde üvência, f.azenóo escolhas determinantes para o que seremos no futuro - ouno preseÍÌte -, Ãém de ser elemento potencializador da experiência humana.Canetti, escritor e grande leitot (SUBLEI 1993), apresenta-nos sua vivênciacom os liwos dentro de sua experiência com o vividq nãohâ dissociaçãq não éuma história intencionalmente elabotadapatâ âpresentâr sua imersão na culhrraletrada (como em um memorial, uma história de lein:ra), ahteratxa estzvalâ,erã pafie firndamental de suas práticas sociais diárias com a farnnta, os amigos,a escoÌa e o espaço urbano.

E bem certo que é o telato de um tempo passado e de um übos partianla4o do escritor, o que pode nos desvelar esta subjetividade do leitot voraz, da-guele para quem os livros são como senhas de um clube secreto (KUNDERA,1995), cujo código é compartilhado por poucos. A compreensão dg percursoformativo de um gtande leitor pode lançatlvz sobÍe o câmpo - ainda é algocontroversq mas atrisco-me a denomitálo assim - da leitura, em especial so-bte esta 6gura marginalizafla, que optâ poÍ, em um âto solitário, muito confun-dido com a solidão, enconúaÍ-se com um urriverso fi.ccional, memorialístico ecultural que o trânspottap^r^ além dos limites de seu terdtóriq o leitor.

Retomando ao título de nosso trabalhq é preciso iustifrcar a escolha deRuschuk como Íecorte espâço-tempotal dessa breve abordagern, jâ que a re-lação de intimidade com a leitura iiterári^ acompaflha nosso autoÍ por todaa vtda. Há nessa perspectiva provinciana, de cidade pequena do interior daBulgária, aigo de especial para o processo formativo de Elias Canetti, pois suacidadezinÌaa eÍa um ponto de pâssagem entre o Oriente e o Ocidente, porto dorio Danúbio e espaço de conÍÌuência de inúmeros viajantes de todos os câÍrtosdo mundo, ambiente descrito assim por nosso autor:

PËSOUISA (AUTO)BIOGMFICA:questões de ensino e formação

Ruschuk" no Danúbio inferior, de onde chegrei lo munt| r crn rurra t'rdrde maravilhosaparaufia criac.ça, e se eu disser que fic:r rrl llulg,ána rlnrer

{] haeem tncompleta dela, pois lá viüam pessoas chs rrrars tliÍoerrtrrr

origeos, e num só dia podiam-se ouvir sete ou oito itlionr.rn. Alérrr eltxbúlgaros5 ftequeoterÍreflte vindos do campo, havia muitos tllrcoÊ, quaviviam ern seu próprio bairrq e limiando-se com este havia o brrirro tlossefarding o nosso. Havia gregos, albaneses, atmênios, cigln<ls. l la outramaÍgem do Danúbio vinham os Íomenos [...] Quando criança eu nÀcrtinha uma visão geral dessa multiplicidade, mas constantemcnte scntiaseus efeitos (CÂNETïI,2010a, p. 10)

Ao mesmo teÍnpo eÍn que a cidade permitia este trânsito linguístico numacaminhada de poucas quadras, o çe dá uma impressão metropolitana ao relatqo ptóprio avtor f^z çestão de relativizat esta imâg€m pintando quadros crueis deseu avô e dos moradores de Rusdrulq ü rdação mística com o mundq ü foltade habilidade com os idiomas (o fato de o avô acrediur Íalox 17 idiomas, quandodominava apeÍÌas expressões rudimentares ern línguas diferentes do Ladinq é berne4plotado Íro texto como rurìâ fiÌâÍca proviaciana), do desprezo à leinra, resumidoern uma ernbiernática frase: "1-â lRr:s&ul], o restodo mundo se chamava Europa"(CANETTT, 201,0a p. 1 1). No entantq é nessa província çe ele terá contato compráticas cultuais de leinu4 uma forrna que seus pais encontraram para sensibilizá-ìo para apair,ão çe arnbos sentiam peìa universalidade da literatu4 tendo sernprea nostalgia da Viena de suas juverrtudes coÍno referência estética e ética.

Outra justificativa necessária pâÍ o Íecorte dessa corrnrnicação diz res-peito ao c râtet fotmativo desse momento da rrida de qualquer sujeitq é omomento pré-escolar em sentido amplo, no qual a escola atnü não é modelopata o aprenáizado e as refetências apaÍecern do entorno seÍn o ponto fixo dapresença do ptofessor, "é também o nívelzeto do cuidar de si quase totalmentedelegado aos adultos responsáveis pela sobrevivência, conforto e bem-estar dacnatça" $OSSq 2010,p. 17f . Nesse sentido veÍnos o iovem Elias tornâÍ con-tado com âutore$, textos, práticas e hábitos que determjnarão suas relâções econtatos ao longo de sua juventude e vida adulta, além de ser este momento desua vida elernento de rememoração e tefetência no desenvolvimento de mútasdas históús narradas nos capítulos de seus textos autobiogáácos.

O Leitor ouve: entre Shakespeare e vampiÍos

 leitua, paÍâ nosso auto! sempre foi um ato a seÍ compârtilhâdo, a serdividido com alguém: a mãe, o pai, o's amigos, os colegas. Essa relação teminício ainda na primeira :u:.fâmcla com a mãe e com as meainas bulgaras que fre-

,1,

$',üi1

rltilffi

IH

192

i '

iI '

lr

i quentâvam sua casa, entre os dois e cinco anos, por isso muito de sua memóriadesse período foi alimentadapela nanatrtraque sua mãe fez - ou pode {azer - aposterioi. E muito frequente em sua nauatfvaa alusão à compreeasão posteriorde um fatq marcadapela apresentação de mais de uma versão para um aconte-cimento, como no caso da motte de seu pai (CANETTI, 20t0a5p.71,-9).

Sua primeira menção a um autor é também sua primefua teferência ao atode let, quando üz jâ nas primeiras páginas de A Ungua Absoluìda do entusiasmonostálgico damãe paÍa com o Burgtlteaterde Vieoa: "[..] e comigo lia Shakespe-oÍ.e, até mesmo muito mais tarde, quando fafava de Strindberg, que se tornaraseu autor favorito [..] (Op. Cit,p.12). Os textos do contista e dramahrrgo sueco

Johan Auglst Strindberg aparecem mais tardiamente e toÍnam-se referênciacadavez mais rarefeita como objeto de leitr:ra da mãe, que, de fatq toma-ocomo autor preferido em um de seus muitos períodos de convalescência. Opapel desempenhado por Shakespeare é mais frequente e é utjltzado em mui-tos momentos como elemento de identificação e distinção social de sua mãe,considerada uma shakespeanana. Ela é uma personagem para quem a ideia deShakespeare como Ìrm deus mortal, defendida ironicamente por Harold Bloom

Q004), eÍrcontraÍia acolhida sem nenhuma restrição:

 ninguém elâpermiú çe tocassem num fio de cabelo ds gfiakespeare; eela só tinha seus gtandes momentos à mesa da pensão quando HerrBern-betg ou outro imptudente, se queixava do enfado que senúa nuna repre-seatação de Sbateqpeare [...] Então minha mãe se tofila. aguela admirávelmulher de antes [...] Quando se tratava de Shakeçeate, miÍha mâe nãotinha papa na língu4 não tinha consideração pot çem çet que fosse; era--ihe indiíerente o que os outros p€írsavam delâ. (CANETï,2070b,p-20)

Estas leituras iniciais junto à mãe constituíram maÍcas de distinção aristo-crâica por onde passaram no longo percuÍso de seus estratégicos autoeúiosna fuga da Pdmeira Guerra Mundial,

^cab^t^rn convertendo o jovem Canetti

em menino precoce, leitor exigente , paí^ o qual um texto não poderia deixar depassar pela comparação com Shakespeare, Dickens, Defoe e Frieddch Shilleqcritério este que chega a excluir Walter Scotg cujo text<r desqualiáca 'tsto nãoé história! São esúpidos cavaleiros em suâs armaduras!" (CANETTï, 2070a,p. 195), dirá ele mais tarde, aos 11 anos, quaodo já experìmentava seu pdmeiroexílio, fruto da eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Ao mesmo tempo em que sua vivência com a cuÌturaletradapermitia-lherelacionar-se com os adultos, tendo referências litetárias que gozavam, em seutempo, de ptestígio cultural, desenvolvia junto à mãe e com as empregadas do-mésticas de sua casa, todas meninas bulgaras, entre 10 e 1"2 anos, que trabalha-

PESOUISA (AUTO)BIOGRAFICA:questóes de ensino e formação

va;mpat^ a s-aa {amflia, com as quais desenvolvia uma relação tlc llrrrrrurrrçlocom a mitologia de sua região - não é demais informar que o n()rtr rh lhrlgÁriafaz ftortteta cor-n a histórica Ttansilvânia, região centro-oeste c ÍÌortc tlrr lìorrrênia, cujos coíÌtos até hoie flos assustâm.

Os èontos sobte lobisomens e vampiros foram os únicos que c()nserv()una memória (CANETï[, 2010, p. 17), ü, o próprio autor apirs rcmem()râr ssmotivações para que estas históús ficassem com ele até a mahuidacle. Ilstcscontos oÍais guâÍdavaÍn uma telação íntima com fatos de sua vida, pois sc pas-savam ÍÌa tetta de sua amâ de leite, ulna romeÍÌâ; e com as histórias c()ntâdâspor sua mãe quando de suas idas de trenó à outra maÍgem do Danúbir1 o quesó podia ser feito com o leito do rio congelado, em invernos múto frios:

Quando o ftio se toffizrv^ múto intensq os loboq famintos, desciam damontanha e atacavaÍn os cavalos que puxâvâm os treoós. O cocheiro ten-rava afrtge*Á-lo com o relhq mas isso de nada aüantava eta necessárioatirar neles [..] Mnha mãe frc t^ ateffortzada, e descrevia as línguas ver-melhas dos lobos, que haviarn chegado tão perto; após muitos anos elaainda sonhava com eles [...] Muitas vezes pediessa histríriccbgosavade contála. Assim os lobos foram os primeiros arrimais selvagens quepovoarâÍn a minha fantasia. (CÂNETTï, 201,0a,p.'17)

Se os lobos são os animais reais a habitar suâ faÍrtâsia, os lobisomens evampiros ganhavam vida na tdação com a língua vermeiha do iobq com omedo erposto poï sua mãe e nas narrativas contadas pelas meninas, campo-nesas descalças que haviam sido entegues por suas famíIias pd exeÍceremfirnções domésticas na casa dos prósperos ludeus sefarditas.

À noite, quando meus pais 5eíatn, êü ficav"a em casa com elas. [...] Nosaconchegávamos [..]; eu ficava no meiq e então elas começavam comsuas histórias de lobisomens e vampiros. Âssim que runa terminâ , co-meçava ouüa; eÍa ateÍrori"ante, coÍrhrdo me sentia bem, comprimid6 dstodos os lados das meninas. Ficávamos tÁo atetroszados que ninguernousava lev'antar-se, e quando meus pais voltavam p t czs , nos eÍÌcoÍr-tavam aglomerados num monte trêmulo. (CANETTI, 2010a,p. 1l

Este ambiente preendeido por uÍn lado pelas narrativas canônicas, que de-sempenhavam um papel de reconhecimento do merrino pÍotoerudito; e as,nàtr -tivas orais desde a mais tenra inÍância paÍecem ter umâ dara fitnção no pÍocessoformativo do garoto judaico que, em breve, acabará herdando urna função nar-lalinranaüt*Sr. fonthat do Pusacf2. Além dissq se a memória é duraçãq como

re3

52 Festa equivalente à Páscoa para os judeus, na qual se comeíìora a libertação da escravidão no Egito.

postulâ Bergson Q010;2011) um progÍesso contínuo do passadq que aumentaà medida que avâÍrç4 acrescido dos fragmentos do ternpo/espaço câptados, pas-sado sobte passadq conservando-sg tal como rünâ marca imptessa no coÍpo, opapel desempenhado por estâs natrativas são as ctcatnzes mais expostas do autotque ora estudamos, pois estas ações ocuparn, ao longo de suas mais de *il pag-nas de texto autobiográtcq o lugar de retorno, para o qual apontao luz de suasremernorações no momeÍÌto em que o eÍrtorno se escufece.

A Emulação da Leitura corno Ritual

Ern E4periênciâ ePobrcz4Walter Benjamin nos comunica como a expedên-cia daguenaconduziuumageração ao muúmo do inenarrável talvezpelo traum4ou pela humilhação da vida posterior ao conflitq os sujeitos haviam retornado maispobtes ern comunicação e não mais ricos @EÌrSÂMIN, 1994,p. 11+9).

Porque nunca houve exped&rcia mais tadicelmeÍrte desmorelìzatrte quea expedência estratégicâ pela guerta de trinúeiras, a expedência econô-mica pelainflaçãq a erpetiência do corpo pela fome, a expedência motalpelos govemantes Uma genção que ainda fota a escola num bonde pu-xado por cavalos viu-se abandonada, se- teto, nÌrma paisagem diferenteern tudq exceto Íìas nuveos, e ffi cujo ceÍrtrq rum campo de forças decorrentes e extrllosões destruidoras, estâva o ft$ , minúsculo colfoohumano. (Op. Cit , p. 115)

Este trecho de Experiência ePobr.ezanos ajuda a compreend.er suas afir-mações no clássico texto O Nanador @ENJAMIN 1994,p.1.97-221), quandodiz que este peÍsonagem esú em vias de extjnção, ainda no início do sécuio)oÇ por coata de uma incapacidade contemporâneade intercambiar expetiên-cras. Para ele, a causa deste fenômeno é óbvia, é que as ações da expedêacia,acometidas pelos acontecimentos do início do século )C( (o texto foi escritoapós a Pdmeira Guerra e no prenúncio da vindoura segturda Guetra Mun.lial),anja acelenção e desintegração da rcalidade social, apresenavam aos sujeitos omutismo do inenarrável, paÍecem indicar que tais ações estão em baixa coÍrta eque seu valor tende a desaparecer.

Canetti, um judeu como Benjamin, erperimentou o silêncio do horror dopós-gu.erra e vivenciou, em seu seio famiüar, a experiência do narrador. Sobre osilêncio diremos apenas duas coisas, apnmetaé o fatq apontado emAI_.tnguaAbsoluida Q0r0a), da escrita de seus textos âutobiográficos acontecerem cin-quenta anos após os acontecimefltos ali narrados, e sua publicação só aconteceÍmais tatde, em 1.977, dezessete aíros antes da morte do autot. Podemos inferir

PESQU ISA (AUTO)BIOGRÁFICAiquestões de ensino e formação

que a motivação par:a a escrita se deu, talvez, por certâ ncccsr.ritlecle tle expora ctcaniz do hotrot vivido por todos os sujeitos que pâssarÍrm pelo l'lntre .

-Guerras. A segunda coisa que queremos dizer sobre o silêncio é quc os tliáriordo autor, pot ordem exp{essa em seu testaÍnentq encontratn-se Fcchadtln daBibüoteca Nacional de Zurique, e só poderão ser apreciados após 202411, t'rintaanos após seu falecimento.

Voltando à expedência com o narrador benjaminianq $J.e e6te identificacomo uÍna ação quase cotidiana (1994), Canetti, a experimentava em casa, poiscomo todo caçula das famílias judaicas, cabia-Ihe aparticipação, com uma fun-

ção especíâca dentro das comemorações do Pessaclt:, na noite do Sedc/a devrafazer a recitação das petguntas que motivariarn a. nanação feita pelo avô:

Eu, pot seÍ o menor, tinha uma frrnção que não era nada insignificante;tinha a meu caÍgo declamat o "Ma-ischtanú". O relato do êxodo sefazia, a pant de uma perguotâ inicial sobre o motivo da fesa. O maisjovem dos presentes peÍgÌrÍìta o que sign:ificam todos aqueles prepâra-tivos: o pío âzano, âs ervas âmaÍgas e todas as demais coisas inusitadassobre a mesa. O narrador, nesse caso o avô, responde â essâ peÍgurtâ domais jovem com a pormenoizada históú do êxodo do Egito. Sem eseaperguntâ, que eu recitava de memória enquarÌto segurava o livtoíra mão, como se estivesse lendo prifo nosso], a natzção não podiacomeçâÍ. (CÂNETTï, 2010a, p. 34)

A parú desse trecho podemos percebet como a nar::adrr'a e a emulação da

leitua pelo menino ainda não letrado apoÍrtâm p^rz úrlr:n Ãaçào de incentiqo

para a pa:t:icrpação nas manifestações cuiturais impressas no seio famlia4 a

cnaaça, como pode, participa das relações dos adultos com a cultura Leúada,

seia em suas manifestações orais ou textuais, imitando a re)ação dos zujeitos de

referência, neste caso os paÍeÍÌtes, em seu ato simulado de leitura. Esta necessi-

dade de participar do universo das letras pode explicar o evento mais traurrráti-

co de sua relação com a aprendizager4 ao qual o adulto ÍeÍnemora compesar:quando teÍrtou assassinar sua prima por contâ de um insaciável desejo.

tçUm insaciável anseio pelas lettas"

Âlguns textos já fotam escritos sobre a relação de nosso autor com seus

professores (CATANI, 1990-1991; SILVA, 1998; OSINSKI, 2009), da admua-

ção dispensada a alguns e do escátnio dedicado â outros em suas experiências

Ver <http:/l$/ww.elculturel.es/noticias/LETRAS/4o1 ZEI-Canettlmas-completo-(hasla 20241>Jantar realizado na primeiÍa noite do Pessaci, no qual se recoÍda o êxodo do Egito.

t96

54

196

escolâres narÍadas xnAUrguaAbsoluida (2010a). No entantq o encantamentopela escola demonstrado por Canetti coÍneça múto antes de sua experiência

escolar ter iníciq e é marcado pelo ingtesso üpnmaLaunca na escola, quâtÍo

anos mais velhâ, portaÍrto com nove âÍÌos, sua compânheira de bdncadeiras no

grande pátio de suâ casa.O fato de parentes próximos servfuem de motivação par^ o despetar da

curiosidade de um sujeito pela escola foi bem trabalhado ÍÌo texto "O Amor dos

Começos":poruma hisüria das reÌaçõu com a ercok, de autoria das ptofessoras De-nice Catani, Belmira Bueno e Cyntia de Sousa, quando estas, trabalhando comrelatos autobiográ6cos de professoÍes, dizem:

 existência de irmãos, irmãs, primos e primas mais velhos expedmen-tando a vida na escola é t..l ,tgo que aguçou a curiosidadg ou que come-

çow z fazet parte do univetso infantil por cofltâ da perda temporária doparceiro de brincadeiras e o consequente sentimento de solidão. [...] Ainveja [..] da situação vivida pelo outro, a visão de crianças urttformrz,a-das passando pela tua, o conúvio com irmãos e oÌrtros pateltes na horadas lições de casa são algrurs dos motivos que apatecem simultaneamenteà meoção do desejo de ambém partilhar a e{retiência de ftequentat aescola. (CAïÂNI; BUENO; SOUSA,2000, p. 155-6)

Com Canetti a expedência não foi difetente" Esperava pelaptkna no pátiode cas4 brincando sozinho enquânto ela não chagava da escola e, assim qüeesta apontâva no portão o menino a int€rrogava sobre o que havia acontecidona escola. Um dia, já decorrido um petíodo em que

^pfrfria ftequentava a esco-

la, esta apareceu com um objeto diferentq um caderno:

Ela o abriu solenemente diante dos meus olhos, continha leüas em tintaazú, que me fascinavam mais do que tudo o que já tinha visto até en-tão. lvlas quafldo quis tocáJo, ela de tepente lcou séria. Disse que eunão deveria fazê-lo, só ela, eta-lhe proibido eotÍegaÍ o caderno a outros.Essa pdmeira Íecusa me feriu profirndamente. Mas hrdo o que conseguidela, com minhas teroas súplicas foi podet apontar com o dedo as letras,sern tocá-las, enquanto lhe perguatava o que signiâcavam. (CANETTI,2010a,p.41-2)

Assim teve início o jogo entre os primos, o qual consisú na recusa da vi-são dos cadernos da menjna mais velha pelo pequeno Canetti, alimentando suainveja, que se ttansfotmou em tormento, prenúncio de uma ação desesperadado menino. Num dos dias de humilhação matinal, após o retorno da prima, estalhe mostrara os cadernos com desdérn, provocando-o'T'ocê é múto pequeno!

PESOUTSA (AUTO)BIOGRÁFICA:questões de ensino e formação

Vocêaindanãopodelet!" (Op.Cìt.,p.42).8)eteÍrtoupegâr()sca.lertt,rr,urrplo'

rando que deixasse contemplar as letras, seu mais recentc obicto tlc crrlto. l'lh

COlocou Os cadernos em cima do murO, ele, pequenO demais, ttão os alcntrçava.

Enquanto ela ria desdenhosameÍrte de seu desespeto o menino pirs se a c<lrrcr

em direção ao quintal. De lá voltcmamado eem um rnachado, dispostrl a matar

apnmapara obtet os cadernos que guardavam a$tPe{luenâs leüas azús. Sc não

houvesse ocorrido a intervenção de um adulto que, escutando o grit<l com que

anunciava o assassínio da pnma, em bom ladino, 'Agota vo mâtar a Ï'atnca"

(CÂNETTI, 2010a,p. 23), sua intenção de matat a prima com o pesado macha-

do, talvez, tivesse se concreúado.Talação desesperada do menino pode nos dar a dimensão que apalavra

escrita e seu aprendizado tinham nesta comurridade de judeus-espanhóis exila-

dos na Bulgária, é necessário dominar alTngaapan fazer patte e, com o desdém

da prim4 apesar de o autoÍ não explicitar isto em suas Páginas, podemos infedr

que este compteendeu que seu papeT atê o momento era só o de simulador,

não de leitor. Este ato também foi um trrzrrco para. compreensão familiar de sua

rclação especial comt-palervfaescritâ, algo que era incentivado pela famfli4 mas

estes só entendetam seu insaciável desejo pelasleUas quendtO Cecidiu assâssiÍrar

suâ compânheira de jogos para podeÍ contemplaÍ as belas leüas azuis.

O desfecho desa quase-traçdia é também o 6m de seu período pté-es-

colar, sua mãe angncia, compreeÍ1deÍrdo mais que tcel6 o ímpeto do gaíoto

homicida: "Em breve você também saberá ler e escÍevef. Não é preciso espeÍaÍ

que vá à escola. Poderâ aprendê-io antes" (CÂNETTI, 20102, p. 43). Somen-

te alguns anos depois e em umâ língua diferente das que thha aprendido até

entãq o ing!ês, é que o pequeno Ehas Vavarâ seus primeiros coÍrtatos com o

aprenüzado da escrita e da leiturq passou os primeiros sete aÍÌos de sua vida na

condiçãq que muitas vezes o poüticameate cotfeto quer nos impedir de dizer,

de analfabeto, poréÍn, apaixonado pelâs letras.

Considerações Finais

Se a autobiografia nos oferece de fato a possibüdade de o sujeito conhecer

â si mesmq cujo efeito fotmadot o conduz para o "conhecimento sobte si, sobre

os ouüos e o cotidianq o qual revela-se âtravés da subietividade, da siqgr.úaridade,

da elperiência e dos sabetes , aQ Í7 trat com profi:ndidade" (SOUZA, 2006, p.

36), os textos de Elias Canetti são exemplos de como o conhecimento de si ex-

trapola a dimensão estrita do suieitq revelando o espectro cuttural desta Bildnng

e{pfesso nas ações não onentzdas pela escolqrização do sujeito que busca ainda

o domínio do cuidar de si - se é que isto é possível - danfâa,cta à vida adulta.rii

It,l i i

td,igI

HI

PESQUTSA (AUTO)BIOGRAFtCA:questôes de ensino e formaçáo

Pensar as relações instauradas entre sujeito e cultuÍa como p(ocesso for-mativo podem nos aju.iar a compreender o mgndo extÍaÍnuros dos espaçosfotmativos,,cuj a infotrnação é sempre dependente áa nlLemôna já sempre pre-enchida pelos sentidos da experiência vivida pelo adulto. Não faz mal lembrarque a memória é uma experiência adulta, e quem melhor que run escritor paranos pfovocaÍ a petcepção daquilo que deixamos na mârgeÍn da memória porestâÍmos sempte mirando as âções institucionrli"adas e cetti6cadas como mar-cas mnemônicas.

No caso específico do trabalho com os textos de Canetti, estes nos iÍì-formam da dificuldade de viver num mundo em desintegração, no qual falarde futtrro se assemelha a tÍ.atr dos tormentos mais certos em meio àincettezado valot dawda. E dos destroços dessa memória percebet que unda êpossívelv*eq jâ que foi possível sobreviver.

. l

' : Ì' I: l

j

Referências

ADORNq Theodor'W Educação e Emancipação. Traduçzìo clc Woltg:tr4JLeo Maar. Rio deJaneiro:Paz eTerc420l2.ÂNDERSON, Bendict. Comunidades Imaginadas. Tradução dc l)cniscBottrnan. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.BENJÂMIN, Walter. Obras Escolhidas: rnagla e técnica, arre c polític:r.'l'r:r.dução de Sétgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiüense, 1994.BERGSON, Henri. Matéria e Memória: ensaio sobre a telação do corpo como espírito. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Martins fontes, 2010.BERGSON, Henri. Memória e Vida: textos escolhidos. Tradução de CláudiaBerliner. São Paulo: Martins fontes, 2011.BLOOM, Harold. Hamlet: poema ilimitado. Tradução deJosé Roberto O'Shea.Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.CÂNET:|I, Elias. Auto-de-fe. Tradução de Herbert Caro. Rio de laneiro: hiìovaFrontera, L982.

Vozes de Marrakech. Ttadução de Madjane Lisboa. Porto Alegre:L&PM.1987.

Massa e Poder. Ttadução de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhiadâs Letras, 1995.

 Língua Absolvida: história de uma juventude. Tndução de Kurt

Jahn. Companhia de Bolso, 2010a.Uma luz em meu ouvido: história de uma ytd^,7921-1,93L. Tradução

de KurtJahn. Companhia de Bolso,2010b.O Jogo dos Olhos: história de uma wáa', I93t-t937 . Tradução de S&-

gio Tellaroü. Comparúia de Bolso, 20'1.0c.CÂTANI, Denice Bârban; BUENq Belmira A. O.; SOUSÂ, Cynthia P. de.(tO Amor dos Começostt: por uma história das relações com a escola. In: Ca-dernos de Pesqúsas, n" 111, Dezernbrq 2000. Disponível em: <http://wwvzscielo.br / p df. / cp / nl 1. 1. / n1.'1.1 aO8.pdf>. Âcesso em 20 / I 1 / 2012.CÂTANI, Denice Bârbaxa. Pedagogia e Museificação. In: Revista USP, n" 8,DEZIJÂN/FEY 1990-1991.

JOSSq Marie-Chdtine. As narrações do corpo nos relatos de vida e suas articula-

ções com os vários níveis de profundidade do cuidado de si. In: VICENTINI, Pau-1o Pedn; ABRAFúQ Maria Helena Menna Barreto. Sentidos, Potencialidades eUsos da (Àuto)biogafia. São Paulo: Cultura Âcad&nica,20l0,p. 171,-191.KUNDERÂ, Miian. A InsustentâvelLeveza do Ser. Tradução deTerezaB.Cawalho da Fonseca. Rio de ïaneiro: Recotd, 1995.

Bt!i l t11[

ril5i lti{

:iiiil'

ìì! :i i ;

{ t ,

f,::: . .?1, '

ïi,i :ti:

I

OSINSKI, Dulce Regina B"ggto. Autobiografia como fonte de investiga-

ção histórica pat^ aF,ducação. In: Olhar do Professor, Yol. 12, n".1,2009.Disponível en: <hnp: / /wwvzrevistas2.uepg.fu / ndexphp/olhardeptofessot/atd.rcle / vtest / 1, 567 / 1206>. Acesso em mârço de 2013.SILVA, Marilda da. AlínguaÂbsolvida: uma especulaçâoparaa formação deprofessores. Nuances, Vohrme IV, Setembro de 1998. Disponível em: <hry:/ /revista.fct.uoesp.br/index.php/Nuances/article/viewFile/72/77>. Acesso emNovembro de2012.SOUZÂ, Elizeu Clementino de. O Conhecimento de Si: estágio e nauattvasde formação de professores. Rio deJaneiro: DP&A; Salvadot: UNE$ 2006.SUBLET, Françoise. Representadon et pÍatique de lecture d'étudiants en lettreset sciences humaines recherches et proposition potlÍ la formation. In: FR TIS-SE, Emmanuel. Les etudiants et la lectufe. Paris: PUF. 1993.

í

l , ìt,ïl Ì l

,:",.