AS LEIS DE NATUREZA SEGUNDO THOMAS HOBBES
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AS LEIS DE NATUREZA SEGUNDO THOMAS HOBBES
INTRODUÇÃO
O trabalho que apresentamos como conclusão do
Seminário ocorrido no período de 28 a 30 de abril do
ano corrente, cuja temática foi “Prospectivas
antropológicas entre tradição e contemporaneidade”,
aborda a questão da filosofia política em Thomas
Hobbes. Dentro deste campo, pretendemos analisar o
tema das Leis de natureza apresentando sua definição,
fundamento e finalidade com o propósito de evidenciar
a concepção de pessoa humana que emerge desta
compreensão, além dos seus desdobramentos. Levando em
conta o contexto de sociedade plural também queremos
verificar o que significa esta temática hobbesiana
para as relações humanas.
Reconhecemos, como ponto de partida, a
dificuldade de se analisar este autor devido suas
imprecisões terminológicas, incoerências no conteúdo
e lamentáveis lacunas no pensamento. Estes aspectos
ficaram mais evidentes após 1938 com a polêmica
suscitada por A. E. Taylor e Howard Warrender. Ambos
sustentavam a tese da presença de uma filosofia
moral, no sentido tradicional do termo, em detrimento
3
de uma concepção determinística mecanicista por trás
da filosofia política de Hobbes1.
Não é nossa pretensão aqui entrar no mérito
desta questão e fazer confrontos entre intérpretes de
Hobbes. Apenas queremos, por meio de pesquisa
bibliográfica, sem exaurir a complexa temática,
deixar-nos ser guiados pelos autores pesquisados a
fim de tirarmos conclusões a partir dos objetivos
elencados no primeiro parágrafo.
1 Cf. M. RHONHEIMER, La filosofia politica di Thomas Hobbes: coerenza econtraddizioni di un paradigma, A. Armando, Roma 1997, 67.
4
1.Estado de natureza
A teoria política de Thomas Hobbes não pode ser
compreendida sem antes examinar sua ideia sobre o
“estado de natureza” como agora nos propomos. Trata-
se do ponto de partida justificador da existência das
instituições políticas pensadas por Hobbes e
expressão de sua concepção de ser humano.
Por “estado de natureza” entende-se a situação
na qual se encontrava o ser humano antes de se
organizar em sociedade. O desafio imediatamente
manifesto é comprovar a existência de tal estado.
Tratou-se de uma situação real ou hipotética, um fato
histórico ou artificial para justificar um modelo
político? Segundo Rhonheimer,
non interessa tanto se questo “stato di natura”sia mai esistito (soltanto Locke affermeráquesto). Lo stato di natura è piuttosto un“esperiemento mentale”. Potremmo dire che è unaricostruzione degli elementi antropologicinecessari per poter spiegare le cause delconflitto fra gli uomini. Non è tantoimportante il fatto storico2.
No “estado de natureza” há uma igualdade entre os
indivíduos e o direito ilimitado de cada um sobre
todas as coisas. “Non esiste proprietà, né dominio, né
2 Ibid, 104. As citações em língua original não serão traduzidas.
5
distinzione tra mio e tuo, ma appartiene ad ogni uomo tutto ciò che
riesce a prendersi e per tutto il tempo che riesce a tenerselo”3.
Isso já se configura em um quadro de guerra,
como Hobbes mesmo explica: “non si può negare che lo stato
naturale degli uomini, prima che si riunissero in società, era la guerra;
non solo, ma una guerra di tutti contro tutti”4. Esta situação é
bem definida pela célebre expressão homo hominis lupus5.
Este estado de guerra entre os indivíduos nasce
da situação de escassez dos recursos econômicos para
sobreviver6. Este quadro põe em movimento o feixe de
paixões que é o homem. Sua razão se vê submetida à
fúria passional, como diz Chiodi:
La volontà, che non è volontà libera, deriva,come sappiamo, dagli impulsi dei sensi; essa èquindi soggetta alle leggi fisiche del motomeccanico ed è quindi una forza che reagisceagli stimoli esterni. La ragione, invece, o,più propriamente, bisognerebbe dire ilragionamento, è sottratta, acenavo sopra, alleleggi meccaniche; in altri termini la ragione
3 Ibid, 113.4 T. HOBBES, De cive : elementi filosofici sul cittadino, Editori Riuniti, Roma2001, 27.5 Cf. Ibid, 3. Esta expressão se tornou célebre com Hobbes, masele não é o seu autor. Trata-se de uma expressão de Plauto emAsinaria, v. 495 (Macci Plauti Comoediae Superst. XX, Amstelodami, 1630,63: “Lupus est homo homini, non homo, cuum qualis sit nonnovit” - Ibid, 250, nota 5.6 “Se due uomini qualsiasi desiderano la stessa cosa, che perònon può essere posseduta da entrambi, diventano nemici e sullastrada verso il loro scopo (che è principalmente la loropropria conservazione a volte soltanto il loro diletto) cercanodi distruggersi o di sottomettersi l’un l’altro” (T. HOBBES,Leviatano, Bompiani, Milano 20042. ed., 203).
6
non possiede la forza, ossia non ha alcunapossibilità di urto nella lotta di natura7.
A guerra, portanto, tinha como objetivo a
conservação da própria vida, não se tratava de um
exército que se reunia para defender uma
coletividade, mas sim cada um defendendo a sua
existência. Por isso, pode-se dizer que no estado de
natureza predominava o indivíduo sobre a
coletividade, o instinto de autoconservação falava
mais alto.
No que se trata da concepção de natureza é de se
notar que para a filosofia clássica natureza é um
princípio de ação, é algo a ser feito. Para Thomas
Hobbes é causa motora, ponto de partida, situação na
qual a pessoa se encontra antes de constituir a
sociedade. Tal visão corresponde à visão mecanicista
predominante no filósofo inglês ora analisado8.
Por fim, quando Hobbes descreve o “estado de
natureza” ele tem bem em mente o seu contexto: a
guerra civil na Inglaterra entre o Rei e o
parlamento, em 1642, e o ambiente aristocrático por
ele frequentado9. Se o homem guerreava daquele modo,
7 G. M. CHIODI, Legge naturale e legge positiva : nella filosofia politica diTommaso Hobbes, A. Giuffrè, Milano 1970, 50.8 Cf. M. RHONHEIMER, La filosofia politica di Thomas Hobbes: coerenza econtraddizioni di un paradigma, 103.9 Cf. A. PACCHI, Introduzione a Hobbes, Gius. Laterza & figli, BariRoma 200910. ed., 40.
7
isto era sinal de que ele não era corrompido, mas era
exatamente assim: não social10.
2. Nascimento do Estado
A solução que Hobbes encontra para a superação
dos conflitos próprios do “estado de natureza” é o
pacto entre os indivíduos, a decisão de entregar
todos os seus poderes e direitos individuais, toda a
sua liberdade, a uma pessoa soberana, que pode ser
uma pessoa ou uma assembleia de pessoas. Sua
finalidade principal é garantir a vida de cada um.
Nasce, assim, o Estado.
Por causa de sua posição nominalista, Hobbes não
aceita a explicação metafísica da natureza social
humana. Daí, afirma a existência do Estado como um
artifício humano. Movido pelo auxílio da razão e pelo
medo, o homem sai do “estado de natureza” de guerra
para um estado de paz construído por ele mesmo. Há
uma transformação do homem lobo para o homem Deus.
A este propósito, Rhonheimer, explicando a
filosofia política de Thomas Hobbes, chama a atenção
para o risco do reducionismo, ou seja, considerar
10 Cf. M. RHONHEIMER, La filosofia politica di Thomas Hobbes: coerenza econtraddizioni di un paradigma, 99.
8
apenas que o homo homini lupus e não levar em conta que
Hobbes também afirmou que Homo homini Deus11. Isso
implica que o homem pode ser bom ou mal para os seus
semelhantes. Como ressalta Rhonheimer,
L’uomo è per l’uomo o un Dio, o un lupo.Oppure, l’uomo può diventare un lupo per l’uomo.Questo precisamente succede quando l’uomo cessadi essere cittadino; è questa la guerra civile.Non è però propriamente l’uomo che è lupesco –cioè non lo è necessariamente o sempre – ma lanatura umana, l’uomo nella sua “condizionenaturale” (in cui attualmente si troverebberonei loro mutui rapporto tutti gli Stati)12.
Assim, o ponto de partida é o homo hominis lúpus. Depois
que se faz o pacto, nasce o Estado, e este homem se
torna homo homini Deus, o outro é deus para mim
enquanto coopera em meu benefício ao cooperar para a
manutenção da paz.
O quadro aqui apresentado nos suscita algumas
perguntas: se o homem é insociável por natureza, como
explicar a origem da sociedade, do Estado? Se o ponto
de partida é a guerra, como os homens podem fazer as
pazes? E se se unem, como de fato atestamos, haveria,
então, uma contradição no estado de natureza? Ou
estamos diante de uma contradição hobbesiana?
11 T. HOBBES, De cive : elementi filosofici sul cittadino, 3. Esta expressão,segundo Simmaco, é do poeta cômico Cecilio: “Recte Ceciliuscomicus, Homo, inquit, homini deus est, si suum officium sciat”(Q. Aurelii Symmachi [...] Epistularum ad diversos Libri X, S. Gervasii,1601, 571 in Ibid, 250, nota 5.).12 M. RHONHEIMER, La filosofia politica di Thomas Hobbes: coerenza e contraddizionidi un paradigma, 102. O itálico é do autor.
9
Pelo estudo feito até o momento, concluímos que
estamos diante de uma contradição interna ou
imprecisão do pensamento de Hobbes. O homem no
“estado de natureza” não é puramente lobo, perigoso
ou insociável. Ele é também bom e social. Se fosse
puramente lobo, seria impossível constituir a
sociedade e estabelecer a paz. E se o homem é capaz
de formar a sociedade é porque na sua natureza há
algo que o faz superar o estado de guerra13. Trata-se
justamente dos dictamina rectae rationis, das leis de
natureza, estrada através da qual se supera o estado
bélico e se entra na pacífica convivência, tema do
nosso próximo tópico.
3.Leis de Natureza
13 “Se veramente la natura umana consistesse unicamentenell’essere lupesca, non ci sarebbe una via di uscita da questostato. I lupi, per quanto ne sappiamo, generalmente non cessanodi essere lupi, non iniziano a ragionare sulle vie della pace acausa del timore di una morte violenta. La ‘natura’ nonpotrebbe mai essere superata, se il principio per un talesuperamento non fosse già contenuto in qualche modo in questamedesima natura; questo non sarebbe il caso di una naturaunicamente ‘lupesca’. L’uomo, invece, può, mediante la suacostituzione naturale, anche superare la sua natura lupesca” (Ibid,104. O itálico é do autor).
10
3.1. Definição
A compreensão das Leis de natureza adquire em
Thomas Hobbes três conotações: racional, divina e
moral. Antes de tudo, por lei ele indica um comando
emitido por quem tem o direito de fazê-lo14.
No Leviatã, Hobbes assim define Lei de natureza (law
of nature; lat. Lex naturalis):
è un precetto o una regola generale, escogitatadalla ragione per vietare che un uomo facciacose che distruggano la sua vita o che si prividei mezzi che la preservano e che ometta difare ciò con cui ritiene che possa esseremeglio preservata15.
Se olharmos o De Cive, Lei da natureza é “un dettame
della retta ragione riguardo ciò che si deve fare o non fare per
conservare, quanto più a lungo possibile, la vita e le membra”16.
a) Aspecto racional:
14 “Quelle che chiamiamo leggi di natura non sono altro chedelle conclusioni, conosciute mediante la ragione, intorno allecose da fare o da omettere. Ma la legge, parlando propriamentee con precisione, è il discorso di chi con diritto comanda adaltri di fare o di non fare una cosa; quindi esse non sonopropriamente parlando delle leggi, in quanto procedono dallanatura. Tuttavia, in quanto sono state promulgate da Dio nelleSacre scritture […] sono chiamate del tutto propriamente con ilnome di leggi. Infatti, la Sacra scrittura è il discorso di Dio,che comanda su tutte le cose con il dirito più alto” (T. HOBBES,De cive : elementi filosofici sul cittadino, 55. O itálico é do autor).15 T. HOBBES, Leviatano, 213.16 T. HOBBES, De cive : elementi filosofici sul cittadino, 30.
11
A Lei de natureza assume um caráter racional ao
considerá-la como um preceito ou ditame emitido pela
reta razão. Essa é “l’atto di ragionare, cioè il ragionamento,
proprio di ciascuno e vero, riguardo quelle proprie azioni che possono
tornare a vantaggio o a danno degli altri uomini”17.
Sendo assim, as leis de natureza não são a
razão, mas sim as conclusões obtidas por ela
orientadas a autoconservação e a autodefesa18.
Todavia, esta dimensão das leis da natureza não
é suficiente para compreendê-la, pois a lei é uma
palavra dada por quem tem o direito sobre os outros e
não apenas uma conclusão de um raciocínio.
b) Aspecto moral:
As leis de natureza assumem uma conotação moral
enquanto são elas que determinam a convivência dos
homens uns com os outros, como diz o próprio Hobbes:
Tutti gli autori ammettono concordemente che lalegge naturale è lo stesso che la legge morale.Vediamo perché questo è vero. [...] La legge,dunque, per il fatto stesso di prescrivere i
17 Ibid.18 Cf. T. HOBBES, Leviatano, 263.
12
mezzi per la pace, prescrive i buoni costumi, ovirtù. Perciò viene detta morale19.
Deste modo, com as leis de natureza, fica claro o que
se deve fazer ou evitar, o certo e o errado, bem e
mal, em nome da autoconservação e da paz. Estamos
aqui na dimensão do agir virtuoso e do campo moral. O
contrário deste quadro era o estado de natureza
quando não havia consenso sobre o bem e o mal, cada
um era juízo de si, fator esse também favorecedor de
origem de guerras.
c) Aspecto divino:
“La legge detta naturale e morale suole anche essere
chiamata legge divina”20, assim escreve Thomas Hobbes.
E é exatamente neste sentido que as Leis da natureza
são realmente leis e não apenas conclusões de um
raciocínio, preceitos da razão cuja característica é
calcular e não ordenar. Ao contrário, as leis da
natureza são principalmente ordens de Deus,
pronunciadas por ele, que, por direito, comanda todas
19 T. HOBBES, De cive : elementi filosofici sul cittadino, 53–54. O itálico édo autor.20 Ibid, 56. As palavras não em itálico são destaques feitos peloautor.
13
as coisas e obriga em foro interno21. É este sentido,
então, que fazem das leis de natureza leis no sentido
forte do termo.
Confirmando esta ideia da origem divina das
leis, no Leviatã assim se expressa Hobbes:
Dio, invece, dichiara le sue leggi in tremaniere: con i dettami della ragione naturale,attraverso la rivelazione e per mezzo della vocedi qualche uomo, che rende credibile agliocchi degli altri facendogli operare deimiracoli. Da ciò deriva la triplice parola diDio: razionale, sensibile e profetica, a cuicorrisponde un triplice modo di ascoltarla: lagiusta ragione, il senso sovrannaturale e la fede22.
Em virtude do que foi mencionado, as leis de natureza têm
seu fundamento último em Deus, criador da razão
humana por meio da qual ele também emite sua palavra.
Esta origem divina legitima o caráter legal da lei,
que é definida enquanto tal não tanto pelo conteúdo,
mas por quem a decreta. Disto também resultam as
qualidades da imutabilidade e eternidade das leis, pois
Deus assim o é23.
Dado o exposto, as leis de natureza são: lei
racional, lei moral e lei divina.
21 Cf. T. HOBBES, Leviatano, 261.22 Ibid, 581. O itálico é do autor.23 As leis de natureza também são imutáveis e eternas porque ascoisas que elas vetam não poderão jamais ser legítimas. Porexemplo, injustiça, arrogância, iniquidade (Cf. Ibid, 261).
14
3.2. Conteúdo das Leis de natureza
Chiodi classifica as Leis de natureza em cinco
grupos24:
A) Normas que prescrevem comportamento positivo;
B) Normas que prescrevem um comportamento
negativo;
C) Normas que dizem respeito à distribuição e a
sucessão dos bens
D) Código processual natural;
E) Princípios gerais da Lei de natureza e as
normas que os levam a sua aplicação.
As principais leis são:
1) A primeira Lei de natureza que se configura
como regra geral é25:
che ogni uomo dovrebbe sforzarsi di cercare la pace nellamisura in cui ha speranza di ottenerla e quando non puòottenerla, che possa ricercare ed utilizzare tutti gli aiuti e ivantaggi della guerra26.
Desta primeira Lei Hobbes deduz duas máximas:
24 Cf. G. M. CHIODI, Legge naturale e legge positiva : nella filosofia politica diTommaso Hobbes, 55.25 Citamos apenas as leis mais importantes por questão desíntese requerida neste trabalho.26 T. HOBBES, Leviatano, 215. O itálico é do autor.
15
a. “Ricercare la pace e perseguirla”27.
b. “Difendere noi stessi con tutti i mezzi possibili”28.
2) Segunda Lei de natureza:
che un uomo sia disposto, quando lo sono anche altri, adeporre questo diritto a tutte le cose, nella misura in cui loriterrà necessario per la pace e per la propria difesa, e che siaccontenti di tanta libertà contro gli altri uomini quanta neconcederebbe agli altri uomini contro se stesso29.
3) Terceira Lei de natureza: “che gli uomini
adempiano i patti che hanno fatto”30.
3.3. Finalidade das Leis de natureza
Sobre o bem e o mal para o indivíduo, Hobbes, no
De homine31, faz algumas distinções:
a) Summum bonum: é a felicidade, algo
impossível de ser alcançado neste mundo;
b) Summum malum: a morte violenta;
c) Primum bonum: conservação da própria vida;
d) Primum malum: a morte, sobretudo violenta ou
dolorosa;
27 Ibid O itálico é do autor.28 Ibid O itálico é do autor.29 Ibid O itálico é do autor.30 Ibid, 235. O itálico é do autor.31 T. HOBBES, De Homine, Laterza, Bari 1984.
16
e) Maximum bonum: progresso humano constante sem
impedimento.
Diante deste quadro se coloca a grande
finalidade das Leis de natureza traçadas por Hobbes.
Ela não é outra que conservar a existência do
indivíduo, mediante um ambiente de paz. As Leis são a
solução pacífica para a situação bélica do estado de
natureza, no qual a vida era em constante risco. Daí
não é suficiente os indivíduos se unirem e se
constituírem como sociedade politicamente organizada,
o Estado. Mais que obedecer às leis civis, faz-se
necessário, fundamentalmente, obedecer as Leis de
natureza. São elas que garantirão a convivência
pacífica e desenvolvimento do indivíduo.
Convém evidenciar que, embora o conteúdo das
Leis de natureza evidencie uma série de virtudes
humanas, a finalidade delas é estritamente
individualista, egoísta. Hobbes, como opositor do
sistema tradicional aristotélico-tomista, rejeita a
concepção de bem comum, e pensa unicamente no bem do
indivíduo.
17
CONCLUSÃO
Levando-se em conta o que foi observado nos
pontos anteriores, notamos que Thomas Hobbes ao falar
da origem da sociedade civil, em um primeiro momento
nega Deus como a fonte da autoridade e da lei que
rege a sociedade, mas é a própria razão humana que,
no seu calcular, extrai conclusões que se tornam leis
para os indivíduos. Hobbes coloca-se, assim, no mesmo
movimento moderno de afirmação do ser humano em
detrimento de Deus. Em outras palavras, Deus é
substituído pelo homem. Assim sendo, a filosofia de
Hobbes colabora na construção do homem-deus cujo
apogeu se dá em Nietzsche (“Deus está morto!”, e “nós
o matamos”).
Em momento posterior, notamos um Hobbes que não
consegue se desligar da tradição filosófica clássica
grega e escolástica, ainda que o tente. E aqui
constamos uma contradição no seu pensamento. Ou seja,
ele afirma a insociabilidade da natureza humana e, de
outro lado, a capacidade das pessoas superarem o
estado de natureza no qual há bellum omnium contra omnes
estabelecendo um acordo de paz entre si constituindo
a sociedade civil. Isso não deixa de ser uma presença
implícita, dita de outro modo, da tese aristotélica
do homem como um ser social por natureza.
18
Convém ainda evidenciar que a tese hobbesiana da
pessoa humana como um ser insociável representa um
risco para a coletividade. Para Hobbes as associações
humanas são artificiais, fruto de conjecturas
deliberadas, elas não são determinadas pela natureza
humana. Se levarmos adiante esta tese, então seria
legítimo constituir qualquer modelo de sociedade.
Hobbes propôs uma forma, poder-se-ia surgir outra
pessoa e fazer tudo de outro modo, como de fato se
dá. E conhecemos os vários danos causados por alguns
tipos de organizações sociais historicamente ainda
praticados. São verdadeiros atentados à dignidade
humana. Isso nos faz pensar que o ser humano, por
natureza, exige uma organização com alguns traços
essenciais que lhe garantem o pleno desenvolvimento.
No que concerne a Deus vimos que ele aparece no
cenário como criador da razão humana e fundamento das
Leis de natureza. Como vimos, no primeiro momento o
poder do Estado e seu soberano é resultado do
consenso dos indivíduos pactuantes e não de um poder
divino. Entretanto, o que torna capaz, impulsiona e
dirige em última instância o ordenamento civil são as
Leis da natureza cujo fundamento último está em Deus.
Subsiste, portanto, uma teologia política na
filosofia política de Hobbes.
19
Dando prosseguimento, ao ensejo de conclusão,
emerge a concepção de uma pessoa humana caracterizada
pelo extremo egoísmo com paixões demasiadamente
fortes ao ponto de serem aquelas que comandam a ação.
Ou seja, segundo nosso ponto de vista, as ideias
políticas de Hobbes apresentadas neste trabalho fazem
transparecer uma antropologia com intenso acento na
dimensão sensitiva da pessoa humana o que
justificaria a força das paixões e o individualismo
humano. Recorde-se de passagem que é próprio da
dimensão sensitiva humana os aspectos individual e
particular.
Por outro lado, deduzimos o ser humano como um
ser educável, moldável, suscetível ao aperfeiçoamento
do caráter e domínio das paixões. Isso fica bem claro
quando olhamos as dezenove Leis de natureza. A nosso
ver, elas constituem um projeto de educação cívica e
moral do cidadão, gerador e conservador de tempos de
paz. A vantagem que se apresenta nesta proposta é que
se pode contar com a obrigação ou imperativo interno,
em consciência, vivenciada pelo indivíduo, que o leva
a pôr em prática estas leis.
Em contrapartida, a sociedade que emerge do
atualizar das Leis de natureza é uma sociedade
utilitarista e individualista, pois a finalidade
deste código natural não é outra senão a
20
autoconservação. Tudo gira em torno do primum bonum.
Neste modelo as relações sociais não apresentam um
espaço para a gratuidade e tão pouco para o
altruísmo, pois não se transcende em direção ao outro
e quando se faz é sempre pensando em si mesmo. O que
na verdade existe são a imanência e o solipsismo. Por
mais virtuoso que seja o quadro das Leis de natureza,
ele, no fundo, gera cidadãos e relações artificiais.
Neste contexto o pluralismo é possível ou
impossível? A princípio é extremamente possível por
razão da afirmação absoluta do indivíduo sobre a
coletividade. Em Hobbes, o que existe é o indivíduo.
O associar-se se justifica enquanto há por finalidade
garantir a conservação da vida singular, das vidas
singulares, do plural. Por outro lado, este
pluralismo é um dos provocadores da guerra enquanto
suas partes se veem como inimigas, uma é loba da
outra. Naturalmente Hobbes percebeu, como hoje em dia
se faz notar, a necessidade de um ponto de
convergência que garantisse a coexistência. A solução
proposta por ele, isto é, a figura do soberano
detentor de todos os poderes como o único modo de
garantir a paz e a união, pode ser prática e
funcional, porém é, segundo nosso parecer, uma saída
que acentua o temor, submissão e valorização não do
que a pessoa humana é, mas de uma figura artificial.
Exalta-se um soberano e diminui o que se é. Vive-se
22
BIBLIOGRAFIA
CHIODI, G. M., Legge naturale e legge positiva : nella filosofia politica di Tommaso Hobbes, A. Giuffrè, Milano 1970.
HOBBES, T., De cive : elementi filosofici sul cittadino, Editori Riuniti, Roma 2001.
HOBBES, T., De Homine, Laterza, Bari 1984.
HOBBES, T., Leviatano, Bompiani, Milano 20042. ed.
PACCHI, A., Introduzione a Hobbes, Gius. Laterza & figli, Bari Roma 200910. ed.
RHONHEIMER, M., La filosofia politica di Thomas Hobbes: coerenza e contraddizioni di un paradigma, A. Armando, Roma 1997.