AS LEIS DE NATUREZA SEGUNDO THOMAS HOBBES

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AS LEIS DE NATUREZA SEGUNDO THOMAS HOBBES INTRODUÇÃO O trabalho que apresentamos como conclusão do Seminário ocorrido no período de 28 a 30 de abril do ano corrente, cuja temática foi “Prospectivas antropológicas entre tradição e contemporaneidade”, aborda a questão da filosofia política em Thomas Hobbes. Dentro deste campo, pretendemos analisar o tema das Leis de natureza apresentando sua definição, fundamento e finalidade com o propósito de evidenciar a concepção de pessoa humana que emerge desta compreensão, além dos seus desdobramentos. Levando em conta o contexto de sociedade plural também queremos verificar o que significa esta temática hobbesiana para as relações humanas. Reconhecemos, como ponto de partida, a dificuldade de se analisar este autor devido suas imprecisões terminológicas, incoerências no conteúdo e lamentáveis lacunas no pensamento. Estes aspectos ficaram mais evidentes após 1938 com a polêmica suscitada por A. E. Taylor e Howard Warrender. Ambos sustentavam a tese da presença de uma filosofia moral, no sentido tradicional do termo, em detrimento

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AS LEIS DE NATUREZA SEGUNDO THOMAS HOBBES

INTRODUÇÃO

O trabalho que apresentamos como conclusão do

Seminário ocorrido no período de 28 a 30 de abril do

ano corrente, cuja temática foi “Prospectivas

antropológicas entre tradição e contemporaneidade”,

aborda a questão da filosofia política em Thomas

Hobbes. Dentro deste campo, pretendemos analisar o

tema das Leis de natureza apresentando sua definição,

fundamento e finalidade com o propósito de evidenciar

a concepção de pessoa humana que emerge desta

compreensão, além dos seus desdobramentos. Levando em

conta o contexto de sociedade plural também queremos

verificar o que significa esta temática hobbesiana

para as relações humanas.

Reconhecemos, como ponto de partida, a

dificuldade de se analisar este autor devido suas

imprecisões terminológicas, incoerências no conteúdo

e lamentáveis lacunas no pensamento. Estes aspectos

ficaram mais evidentes após 1938 com a polêmica

suscitada por A. E. Taylor e Howard Warrender. Ambos

sustentavam a tese da presença de uma filosofia

moral, no sentido tradicional do termo, em detrimento

3

de uma concepção determinística mecanicista por trás

da filosofia política de Hobbes1.

Não é nossa pretensão aqui entrar no mérito

desta questão e fazer confrontos entre intérpretes de

Hobbes. Apenas queremos, por meio de pesquisa

bibliográfica, sem exaurir a complexa temática,

deixar-nos ser guiados pelos autores pesquisados a

fim de tirarmos conclusões a partir dos objetivos

elencados no primeiro parágrafo.

1 Cf. M. RHONHEIMER, La filosofia politica di Thomas Hobbes: coerenza econtraddizioni di un paradigma, A. Armando, Roma 1997, 67.

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1.Estado de natureza

A teoria política de Thomas Hobbes não pode ser

compreendida sem antes examinar sua ideia sobre o

“estado de natureza” como agora nos propomos. Trata-

se do ponto de partida justificador da existência das

instituições políticas pensadas por Hobbes e

expressão de sua concepção de ser humano.

Por “estado de natureza” entende-se a situação

na qual se encontrava o ser humano antes de se

organizar em sociedade. O desafio imediatamente

manifesto é comprovar a existência de tal estado.

Tratou-se de uma situação real ou hipotética, um fato

histórico ou artificial para justificar um modelo

político? Segundo Rhonheimer,

non interessa tanto se questo “stato di natura”sia mai esistito (soltanto Locke affermeráquesto). Lo stato di natura è piuttosto un“esperiemento mentale”. Potremmo dire che è unaricostruzione degli elementi antropologicinecessari per poter spiegare le cause delconflitto fra gli uomini. Non è tantoimportante il fatto storico2.

No “estado de natureza” há uma igualdade entre os

indivíduos e o direito ilimitado de cada um sobre

todas as coisas. “Non esiste proprietà, né dominio, né

2 Ibid, 104. As citações em língua original não serão traduzidas.

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distinzione tra mio e tuo, ma appartiene ad ogni uomo tutto ciò che

riesce a prendersi e per tutto il tempo che riesce a tenerselo”3.

Isso já se configura em um quadro de guerra,

como Hobbes mesmo explica: “non si può negare che lo stato

naturale degli uomini, prima che si riunissero in società, era la guerra;

non solo, ma una guerra di tutti contro tutti”4. Esta situação é

bem definida pela célebre expressão homo hominis lupus5.

Este estado de guerra entre os indivíduos nasce

da situação de escassez dos recursos econômicos para

sobreviver6. Este quadro põe em movimento o feixe de

paixões que é o homem. Sua razão se vê submetida à

fúria passional, como diz Chiodi:

La volontà, che non è volontà libera, deriva,come sappiamo, dagli impulsi dei sensi; essa èquindi soggetta alle leggi fisiche del motomeccanico ed è quindi una forza che reagisceagli stimoli esterni. La ragione, invece, o,più propriamente, bisognerebbe dire ilragionamento, è sottratta, acenavo sopra, alleleggi meccaniche; in altri termini la ragione

3 Ibid, 113.4 T. HOBBES, De cive : elementi filosofici sul cittadino, Editori Riuniti, Roma2001, 27.5 Cf. Ibid, 3. Esta expressão se tornou célebre com Hobbes, masele não é o seu autor. Trata-se de uma expressão de Plauto emAsinaria, v. 495 (Macci Plauti Comoediae Superst. XX, Amstelodami, 1630,63: “Lupus est homo homini, non homo, cuum qualis sit nonnovit” - Ibid, 250, nota 5.6 “Se due uomini qualsiasi desiderano la stessa cosa, che perònon può essere posseduta da entrambi, diventano nemici e sullastrada verso il loro scopo (che è principalmente la loropropria conservazione a volte soltanto il loro diletto) cercanodi distruggersi o di sottomettersi l’un l’altro” (T. HOBBES,Leviatano, Bompiani, Milano 20042. ed., 203).

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non possiede la forza, ossia non ha alcunapossibilità di urto nella lotta di natura7.

A guerra, portanto, tinha como objetivo a

conservação da própria vida, não se tratava de um

exército que se reunia para defender uma

coletividade, mas sim cada um defendendo a sua

existência. Por isso, pode-se dizer que no estado de

natureza predominava o indivíduo sobre a

coletividade, o instinto de autoconservação falava

mais alto.

No que se trata da concepção de natureza é de se

notar que para a filosofia clássica natureza é um

princípio de ação, é algo a ser feito. Para Thomas

Hobbes é causa motora, ponto de partida, situação na

qual a pessoa se encontra antes de constituir a

sociedade. Tal visão corresponde à visão mecanicista

predominante no filósofo inglês ora analisado8.

Por fim, quando Hobbes descreve o “estado de

natureza” ele tem bem em mente o seu contexto: a

guerra civil na Inglaterra entre o Rei e o

parlamento, em 1642, e o ambiente aristocrático por

ele frequentado9. Se o homem guerreava daquele modo,

7 G. M. CHIODI, Legge naturale e legge positiva : nella filosofia politica diTommaso Hobbes, A. Giuffrè, Milano 1970, 50.8 Cf. M. RHONHEIMER, La filosofia politica di Thomas Hobbes: coerenza econtraddizioni di un paradigma, 103.9 Cf. A. PACCHI, Introduzione a Hobbes, Gius. Laterza & figli, BariRoma 200910. ed., 40.

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isto era sinal de que ele não era corrompido, mas era

exatamente assim: não social10.

2. Nascimento do Estado

A solução que Hobbes encontra para a superação

dos conflitos próprios do “estado de natureza” é o

pacto entre os indivíduos, a decisão de entregar

todos os seus poderes e direitos individuais, toda a

sua liberdade, a uma pessoa soberana, que pode ser

uma pessoa ou uma assembleia de pessoas. Sua

finalidade principal é garantir a vida de cada um.

Nasce, assim, o Estado.

Por causa de sua posição nominalista, Hobbes não

aceita a explicação metafísica da natureza social

humana. Daí, afirma a existência do Estado como um

artifício humano. Movido pelo auxílio da razão e pelo

medo, o homem sai do “estado de natureza” de guerra

para um estado de paz construído por ele mesmo. Há

uma transformação do homem lobo para o homem Deus.

A este propósito, Rhonheimer, explicando a

filosofia política de Thomas Hobbes, chama a atenção

para o risco do reducionismo, ou seja, considerar

10 Cf. M. RHONHEIMER, La filosofia politica di Thomas Hobbes: coerenza econtraddizioni di un paradigma, 99.

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apenas que o homo homini lupus e não levar em conta que

Hobbes também afirmou que Homo homini Deus11. Isso

implica que o homem pode ser bom ou mal para os seus

semelhantes. Como ressalta Rhonheimer,

L’uomo è per l’uomo o un Dio, o un lupo.Oppure, l’uomo può diventare un lupo per l’uomo.Questo precisamente succede quando l’uomo cessadi essere cittadino; è questa la guerra civile.Non è però propriamente l’uomo che è lupesco –cioè non lo è necessariamente o sempre – ma lanatura umana, l’uomo nella sua “condizionenaturale” (in cui attualmente si troverebberonei loro mutui rapporto tutti gli Stati)12.

Assim, o ponto de partida é o homo hominis lúpus. Depois

que se faz o pacto, nasce o Estado, e este homem se

torna homo homini Deus, o outro é deus para mim

enquanto coopera em meu benefício ao cooperar para a

manutenção da paz.

O quadro aqui apresentado nos suscita algumas

perguntas: se o homem é insociável por natureza, como

explicar a origem da sociedade, do Estado? Se o ponto

de partida é a guerra, como os homens podem fazer as

pazes? E se se unem, como de fato atestamos, haveria,

então, uma contradição no estado de natureza? Ou

estamos diante de uma contradição hobbesiana?

11 T. HOBBES, De cive : elementi filosofici sul cittadino, 3. Esta expressão,segundo Simmaco, é do poeta cômico Cecilio: “Recte Ceciliuscomicus, Homo, inquit, homini deus est, si suum officium sciat”(Q. Aurelii Symmachi [...] Epistularum ad diversos Libri X, S. Gervasii,1601, 571 in Ibid, 250, nota 5.).12 M. RHONHEIMER, La filosofia politica di Thomas Hobbes: coerenza e contraddizionidi un paradigma, 102. O itálico é do autor.

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Pelo estudo feito até o momento, concluímos que

estamos diante de uma contradição interna ou

imprecisão do pensamento de Hobbes. O homem no

“estado de natureza” não é puramente lobo, perigoso

ou insociável. Ele é também bom e social. Se fosse

puramente lobo, seria impossível constituir a

sociedade e estabelecer a paz. E se o homem é capaz

de formar a sociedade é porque na sua natureza há

algo que o faz superar o estado de guerra13. Trata-se

justamente dos dictamina rectae rationis, das leis de

natureza, estrada através da qual se supera o estado

bélico e se entra na pacífica convivência, tema do

nosso próximo tópico.

3.Leis de Natureza

13 “Se veramente la natura umana consistesse unicamentenell’essere lupesca, non ci sarebbe una via di uscita da questostato. I lupi, per quanto ne sappiamo, generalmente non cessanodi essere lupi, non iniziano a ragionare sulle vie della pace acausa del timore di una morte violenta. La ‘natura’ nonpotrebbe mai essere superata, se il principio per un talesuperamento non fosse già contenuto in qualche modo in questamedesima natura; questo non sarebbe il caso di una naturaunicamente ‘lupesca’. L’uomo, invece, può, mediante la suacostituzione naturale, anche superare la sua natura lupesca” (Ibid,104. O itálico é do autor).

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3.1. Definição

A compreensão das Leis de natureza adquire em

Thomas Hobbes três conotações: racional, divina e

moral. Antes de tudo, por lei ele indica um comando

emitido por quem tem o direito de fazê-lo14.

No Leviatã, Hobbes assim define Lei de natureza (law

of nature; lat. Lex naturalis):

è un precetto o una regola generale, escogitatadalla ragione per vietare che un uomo facciacose che distruggano la sua vita o che si prividei mezzi che la preservano e che ometta difare ciò con cui ritiene che possa esseremeglio preservata15.

Se olharmos o De Cive, Lei da natureza é “un dettame

della retta ragione riguardo ciò che si deve fare o non fare per

conservare, quanto più a lungo possibile, la vita e le membra”16.

a) Aspecto racional:

14 “Quelle che chiamiamo leggi di natura non sono altro chedelle conclusioni, conosciute mediante la ragione, intorno allecose da fare o da omettere. Ma la legge, parlando propriamentee con precisione, è il discorso di chi con diritto comanda adaltri di fare o di non fare una cosa; quindi esse non sonopropriamente parlando delle leggi, in quanto procedono dallanatura. Tuttavia, in quanto sono state promulgate da Dio nelleSacre scritture […] sono chiamate del tutto propriamente con ilnome di leggi. Infatti, la Sacra scrittura è il discorso di Dio,che comanda su tutte le cose con il dirito più alto” (T. HOBBES,De cive : elementi filosofici sul cittadino, 55. O itálico é do autor).15 T. HOBBES, Leviatano, 213.16 T. HOBBES, De cive : elementi filosofici sul cittadino, 30.

11

A Lei de natureza assume um caráter racional ao

considerá-la como um preceito ou ditame emitido pela

reta razão. Essa é “l’atto di ragionare, cioè il ragionamento,

proprio di ciascuno e vero, riguardo quelle proprie azioni che possono

tornare a vantaggio o a danno degli altri uomini”17.

Sendo assim, as leis de natureza não são a

razão, mas sim as conclusões obtidas por ela

orientadas a autoconservação e a autodefesa18.

Todavia, esta dimensão das leis da natureza não

é suficiente para compreendê-la, pois a lei é uma

palavra dada por quem tem o direito sobre os outros e

não apenas uma conclusão de um raciocínio.

b) Aspecto moral:

As leis de natureza assumem uma conotação moral

enquanto são elas que determinam a convivência dos

homens uns com os outros, como diz o próprio Hobbes:

Tutti gli autori ammettono concordemente che lalegge naturale è lo stesso che la legge morale.Vediamo perché questo è vero. [...] La legge,dunque, per il fatto stesso di prescrivere i

17 Ibid.18 Cf. T. HOBBES, Leviatano, 263.

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mezzi per la pace, prescrive i buoni costumi, ovirtù. Perciò viene detta morale19.

Deste modo, com as leis de natureza, fica claro o que

se deve fazer ou evitar, o certo e o errado, bem e

mal, em nome da autoconservação e da paz. Estamos

aqui na dimensão do agir virtuoso e do campo moral. O

contrário deste quadro era o estado de natureza

quando não havia consenso sobre o bem e o mal, cada

um era juízo de si, fator esse também favorecedor de

origem de guerras.

c) Aspecto divino:

“La legge detta naturale e morale suole anche essere

chiamata legge divina”20, assim escreve Thomas Hobbes.

E é exatamente neste sentido que as Leis da natureza

são realmente leis e não apenas conclusões de um

raciocínio, preceitos da razão cuja característica é

calcular e não ordenar. Ao contrário, as leis da

natureza são principalmente ordens de Deus,

pronunciadas por ele, que, por direito, comanda todas

19 T. HOBBES, De cive : elementi filosofici sul cittadino, 53–54. O itálico édo autor.20 Ibid, 56. As palavras não em itálico são destaques feitos peloautor.

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as coisas e obriga em foro interno21. É este sentido,

então, que fazem das leis de natureza leis no sentido

forte do termo.

Confirmando esta ideia da origem divina das

leis, no Leviatã assim se expressa Hobbes:

Dio, invece, dichiara le sue leggi in tremaniere: con i dettami della ragione naturale,attraverso la rivelazione e per mezzo della vocedi qualche uomo, che rende credibile agliocchi degli altri facendogli operare deimiracoli. Da ciò deriva la triplice parola diDio: razionale, sensibile e profetica, a cuicorrisponde un triplice modo di ascoltarla: lagiusta ragione, il senso sovrannaturale e la fede22.

Em virtude do que foi mencionado, as leis de natureza têm

seu fundamento último em Deus, criador da razão

humana por meio da qual ele também emite sua palavra.

Esta origem divina legitima o caráter legal da lei,

que é definida enquanto tal não tanto pelo conteúdo,

mas por quem a decreta. Disto também resultam as

qualidades da imutabilidade e eternidade das leis, pois

Deus assim o é23.

Dado o exposto, as leis de natureza são: lei

racional, lei moral e lei divina.

21 Cf. T. HOBBES, Leviatano, 261.22 Ibid, 581. O itálico é do autor.23 As leis de natureza também são imutáveis e eternas porque ascoisas que elas vetam não poderão jamais ser legítimas. Porexemplo, injustiça, arrogância, iniquidade (Cf. Ibid, 261).

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3.2. Conteúdo das Leis de natureza

Chiodi classifica as Leis de natureza em cinco

grupos24:

A) Normas que prescrevem comportamento positivo;

B) Normas que prescrevem um comportamento

negativo;

C) Normas que dizem respeito à distribuição e a

sucessão dos bens

D) Código processual natural;

E) Princípios gerais da Lei de natureza e as

normas que os levam a sua aplicação.

As principais leis são:

1) A primeira Lei de natureza que se configura

como regra geral é25:

che ogni uomo dovrebbe sforzarsi di cercare la pace nellamisura in cui ha speranza di ottenerla e quando non puòottenerla, che possa ricercare ed utilizzare tutti gli aiuti e ivantaggi della guerra26.

Desta primeira Lei Hobbes deduz duas máximas:

24 Cf. G. M. CHIODI, Legge naturale e legge positiva : nella filosofia politica diTommaso Hobbes, 55.25 Citamos apenas as leis mais importantes por questão desíntese requerida neste trabalho.26 T. HOBBES, Leviatano, 215. O itálico é do autor.

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a. “Ricercare la pace e perseguirla”27.

b. “Difendere noi stessi con tutti i mezzi possibili”28.

2) Segunda Lei de natureza:

che un uomo sia disposto, quando lo sono anche altri, adeporre questo diritto a tutte le cose, nella misura in cui loriterrà necessario per la pace e per la propria difesa, e che siaccontenti di tanta libertà contro gli altri uomini quanta neconcederebbe agli altri uomini contro se stesso29.

3) Terceira Lei de natureza: “che gli uomini

adempiano i patti che hanno fatto”30.

3.3. Finalidade das Leis de natureza

Sobre o bem e o mal para o indivíduo, Hobbes, no

De homine31, faz algumas distinções:

a) Summum bonum: é a felicidade, algo

impossível de ser alcançado neste mundo;

b) Summum malum: a morte violenta;

c) Primum bonum: conservação da própria vida;

d) Primum malum: a morte, sobretudo violenta ou

dolorosa;

27 Ibid O itálico é do autor.28 Ibid O itálico é do autor.29 Ibid O itálico é do autor.30 Ibid, 235. O itálico é do autor.31 T. HOBBES, De Homine, Laterza, Bari 1984.

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e) Maximum bonum: progresso humano constante sem

impedimento.

Diante deste quadro se coloca a grande

finalidade das Leis de natureza traçadas por Hobbes.

Ela não é outra que conservar a existência do

indivíduo, mediante um ambiente de paz. As Leis são a

solução pacífica para a situação bélica do estado de

natureza, no qual a vida era em constante risco. Daí

não é suficiente os indivíduos se unirem e se

constituírem como sociedade politicamente organizada,

o Estado. Mais que obedecer às leis civis, faz-se

necessário, fundamentalmente, obedecer as Leis de

natureza. São elas que garantirão a convivência

pacífica e desenvolvimento do indivíduo.

Convém evidenciar que, embora o conteúdo das

Leis de natureza evidencie uma série de virtudes

humanas, a finalidade delas é estritamente

individualista, egoísta. Hobbes, como opositor do

sistema tradicional aristotélico-tomista, rejeita a

concepção de bem comum, e pensa unicamente no bem do

indivíduo.

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CONCLUSÃO

Levando-se em conta o que foi observado nos

pontos anteriores, notamos que Thomas Hobbes ao falar

da origem da sociedade civil, em um primeiro momento

nega Deus como a fonte da autoridade e da lei que

rege a sociedade, mas é a própria razão humana que,

no seu calcular, extrai conclusões que se tornam leis

para os indivíduos. Hobbes coloca-se, assim, no mesmo

movimento moderno de afirmação do ser humano em

detrimento de Deus. Em outras palavras, Deus é

substituído pelo homem. Assim sendo, a filosofia de

Hobbes colabora na construção do homem-deus cujo

apogeu se dá em Nietzsche (“Deus está morto!”, e “nós

o matamos”).

Em momento posterior, notamos um Hobbes que não

consegue se desligar da tradição filosófica clássica

grega e escolástica, ainda que o tente. E aqui

constamos uma contradição no seu pensamento. Ou seja,

ele afirma a insociabilidade da natureza humana e, de

outro lado, a capacidade das pessoas superarem o

estado de natureza no qual há bellum omnium contra omnes

estabelecendo um acordo de paz entre si constituindo

a sociedade civil. Isso não deixa de ser uma presença

implícita, dita de outro modo, da tese aristotélica

do homem como um ser social por natureza.

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Convém ainda evidenciar que a tese hobbesiana da

pessoa humana como um ser insociável representa um

risco para a coletividade. Para Hobbes as associações

humanas são artificiais, fruto de conjecturas

deliberadas, elas não são determinadas pela natureza

humana. Se levarmos adiante esta tese, então seria

legítimo constituir qualquer modelo de sociedade.

Hobbes propôs uma forma, poder-se-ia surgir outra

pessoa e fazer tudo de outro modo, como de fato se

dá. E conhecemos os vários danos causados por alguns

tipos de organizações sociais historicamente ainda

praticados. São verdadeiros atentados à dignidade

humana. Isso nos faz pensar que o ser humano, por

natureza, exige uma organização com alguns traços

essenciais que lhe garantem o pleno desenvolvimento.

No que concerne a Deus vimos que ele aparece no

cenário como criador da razão humana e fundamento das

Leis de natureza. Como vimos, no primeiro momento o

poder do Estado e seu soberano é resultado do

consenso dos indivíduos pactuantes e não de um poder

divino. Entretanto, o que torna capaz, impulsiona e

dirige em última instância o ordenamento civil são as

Leis da natureza cujo fundamento último está em Deus.

Subsiste, portanto, uma teologia política na

filosofia política de Hobbes.

19

Dando prosseguimento, ao ensejo de conclusão,

emerge a concepção de uma pessoa humana caracterizada

pelo extremo egoísmo com paixões demasiadamente

fortes ao ponto de serem aquelas que comandam a ação.

Ou seja, segundo nosso ponto de vista, as ideias

políticas de Hobbes apresentadas neste trabalho fazem

transparecer uma antropologia com intenso acento na

dimensão sensitiva da pessoa humana o que

justificaria a força das paixões e o individualismo

humano. Recorde-se de passagem que é próprio da

dimensão sensitiva humana os aspectos individual e

particular.

Por outro lado, deduzimos o ser humano como um

ser educável, moldável, suscetível ao aperfeiçoamento

do caráter e domínio das paixões. Isso fica bem claro

quando olhamos as dezenove Leis de natureza. A nosso

ver, elas constituem um projeto de educação cívica e

moral do cidadão, gerador e conservador de tempos de

paz. A vantagem que se apresenta nesta proposta é que

se pode contar com a obrigação ou imperativo interno,

em consciência, vivenciada pelo indivíduo, que o leva

a pôr em prática estas leis.

Em contrapartida, a sociedade que emerge do

atualizar das Leis de natureza é uma sociedade

utilitarista e individualista, pois a finalidade

deste código natural não é outra senão a

20

autoconservação. Tudo gira em torno do primum bonum.

Neste modelo as relações sociais não apresentam um

espaço para a gratuidade e tão pouco para o

altruísmo, pois não se transcende em direção ao outro

e quando se faz é sempre pensando em si mesmo. O que

na verdade existe são a imanência e o solipsismo. Por

mais virtuoso que seja o quadro das Leis de natureza,

ele, no fundo, gera cidadãos e relações artificiais.

Neste contexto o pluralismo é possível ou

impossível? A princípio é extremamente possível por

razão da afirmação absoluta do indivíduo sobre a

coletividade. Em Hobbes, o que existe é o indivíduo.

O associar-se se justifica enquanto há por finalidade

garantir a conservação da vida singular, das vidas

singulares, do plural. Por outro lado, este

pluralismo é um dos provocadores da guerra enquanto

suas partes se veem como inimigas, uma é loba da

outra. Naturalmente Hobbes percebeu, como hoje em dia

se faz notar, a necessidade de um ponto de

convergência que garantisse a coexistência. A solução

proposta por ele, isto é, a figura do soberano

detentor de todos os poderes como o único modo de

garantir a paz e a união, pode ser prática e

funcional, porém é, segundo nosso parecer, uma saída

que acentua o temor, submissão e valorização não do

que a pessoa humana é, mas de uma figura artificial.

Exalta-se um soberano e diminui o que se é. Vive-se

21

unido por obediência a uma lei e não pela que verdade

do que se é.

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BIBLIOGRAFIA

CHIODI, G. M., Legge naturale e legge positiva : nella filosofia politica di Tommaso Hobbes, A. Giuffrè, Milano 1970.

HOBBES, T., De cive : elementi filosofici sul cittadino, Editori Riuniti, Roma 2001.

HOBBES, T., De Homine, Laterza, Bari 1984.

HOBBES, T., Leviatano, Bompiani, Milano 20042. ed.

PACCHI, A., Introduzione a Hobbes, Gius. Laterza & figli, Bari Roma 200910. ed.

RHONHEIMER, M., La filosofia politica di Thomas Hobbes: coerenza e contraddizioni di un paradigma, A. Armando, Roma 1997.