As formas pronominais de tratamento no ensino de PLE: uma abordagem comparativa Português Europeu /...

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III Jornadas de Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas

da Europa Central e de Leste

Atas

Universidade Eötvös Loránd de Budapeste

29 de novembro – 1 de dezembro de 2012

Organização e revisão:

Patrícia Infante da Câmara

Budapeste • 2014

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As Atas reproduzem textos escritos ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico, com ligeiras alterações – de pendor uniformizante – aos propostos pelos autores aquando da realização do colóquio.

© Patrícia Infante da Câmara

© Centro de Língua Portuguesa do Camões, I.P. em Budapeste

© Departamento de Português da Universidade Eötvös Loránd de Budapeste

© Textos: Autores

© Capa: Nuno ‘Azelpds’ Almeida

ISBN 978-963-12-0391-2

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Veronica MANOLE, Camões, I.P. / Univ. Babeș-Bolyai / Univ. Paris 8

Andreea TELETIN, Univ. de Bucareste

As formas pronominais de tratamento no ensino de PLE:

uma abordagem comparativa Português Europeu / Português Brasileiro

Resumo: Este trabalho propõe uma análise das formas pronominais de tratamento do

Português Europeu e Brasileiro e a sua abordagem no ensino de PLE. Num primeiro

momento, fazemos algumas considerações sobre os sistemas das FPT nas duas variedades de

Português; num segundo momento, apresentamos um estudo comparativo do inventário das

formas pronominais de tratamento em manuais de PLE publicados em Portugal e no Brasil.

Finalmente, na terceira secção do trabalho, fazemos uma proposta didática que contempla as

FPT segundo os níveis do Quadro Europeu Comum de Referência e propomos exercícios

adequados a cada nível e às competências de receção (leitura e compreensão do oral) e de

produção (interação oral, produção oral e escrita).

1. Introdução

Uma das diferenças mais significativas entre o Português Europeu (doravante PE) e o

Português Brasileiro (doravante PB) consiste nos usos divergentes que as formas de

tratamento têm nos dois lados do Atlântico. Exposto ao Português Brasileiro padrão,1 um

falante habituado à variedade europeia notará imediatamente a escassa presença do pronome

tu (e da 2.ª pessoa singular dos verbos) e o uso muito mais extenso do pronome você.

Se os falantes nativos integram estas particularidades sociolinguísticas e socioculturais

nas práticas comunicativas quotidianas de uma maneira natural,2 no caso dos aprendentes de

PLE,3 independentemente da variedade privilegiada nas aulas, o domínio deste aspeto

linguístico é alcançado ao longo de um processo de aprendizagem através de leituras,

exercícios, comparações com sistemas de tratamento de outras línguas, etc. Segundo o

Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas [QECRL] (2001: 169), as formas de

1 O pronome tu é usado no Maranhão ou no Sul e te é comum na comunicação familiar, como clítico de você. 2 No entanto, veja-se Duarte (2010) para uma descrição das dificuldades que alunos de Português (Europeu) língua materna têm na escolha adequada das formas de tratamento. 3 Veja-se Manole (2011) para as dificuldades dos alunos romenos na aquisição das formas de tratamento do Português Europeu.

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tratamento,4 junto com as regras de delicadeza, as expressões da sabedoria popular, as

diferenças de registo, os dialetos e os sotaques fazem parte da competência sociolinguística

que um falante deve atualizar nas suas interações quotidianas. A adequação sociolinguística

aumenta progressivamente, devendo, no nível B2, um falante ser capaz «de se exprimir com

confiança, com clareza e educadamente num registo formal ou informal, adequado à situação

e ao(s) seu(s) interlocutor(es)» (QECRL 2001: 173; nosso itálico).

Tomando em consideração a problemática acima mencionada, neste artigo fazemos

uma descrição da abordagem das formas pronominais de tratamento (doravante FPT) em

alguns manuais de PLE de Portugal e do Brasil. Propomos uma classificação do inventário

das FPT retas e oblíquas segundo os níveis de QECRL (A1-C2) e sugerimos atividades

didáticas em função dos níveis e das competências linguísticas seguintes: leitura,

compreensão do oral, interação oral, produção oral e escrita. Tendo em conta as limitações

de espaço, neste trabalho debruçar-nos-emos apenas sobre as FPT, que serão sucintamente

apresentadas na secção seguinte.

2. As formas pronominais de tratamento nas variantes europeia e brasileira do

Português

Como já referimos, uma das diferenças entre as duas variantes de Português que

escolhemos para este trabalho é o inventário das FPT: se o PE mantém no singular o sistema

alocutivo ternário tu / você / o senhor, a variante padrão do PB conserva apenas a oposição

você / o senhor, tendo o pronome tu usos regionais. Quanto às FPT do plural, em ambas as

variantes emprega-se o binómio vocês / os senhores, sendo vós apenas usado no norte de

Portugal ou no discurso religioso.

Maiores diferenças configuram-se em relação aos usos discursivos das FPT, uma vez

que as equivalências formais não são necessariamente equivalências funcionais. Vejamos o

caso de você, que expressa em Portugal uma relação assimétrica entre locutores, sendo

utilizado pelo superior quando se dirige ao inferior (Cunha & Cintra 200518: 294), ao passo

que no Brasil a mesma FPT funciona como um pronome informal e igualitário, sem expressar

algum grau de deferência. Por outro lado, você conhece instabilidades diatópicas e diastráticas

em Portugal (Carreira 2007; Gouveia 2008), sendo considerado ora respeitoso, ora ofensivo, o

que faz com que alguns locutores o evitem (Hammermueller 2004). Em gramáticas brasileiras

4 As formas de tratamento são incluídas na categoria mais abrangente dos “marcadores linguísticos de relações sociais”, junto com as formas de saudação, as convenções para a tomada de palavra e as exclamações (QECRL 2001, 169-170).

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mais recentes (Castilho 2010: 477), apresentam-se dois sistemas pronominais alocutivos: um

reservado aos contextos formais (tu, você, o senhor) e um mais coloquial (você, ocê, tu).

Acrescentamos que em PB o binómio você / o senhor nem sempre corresponde à oposição

formal / informal, mostrando a análise de contextos variados situações mais complexas (Silva

2008).

Estes aspetos deveriam ser tomados em consideração pelos professores de PLE na

criação de atividades didáticas para melhorar a competência sociolinguística dos alunos.

Saber como tratar o(s) outro(s) significa conhecer5 o inventário das FPT,6 relacioná-las

corretamente com outras estruturas linguísticas (verbos, pronomes possessivos, etc.) e,

sobretudo, usá-las adequadamente, em função dos contextos de comunicação.

Na próxima secção apresentamos brevemente as abordagens das FPT em alguns

manuais de PLE publicados em Portugal e no Brasil e, na terceira parte do nosso trabalho,

faremos uma proposta didática para o ensino de PLE a jovens estudantes universitários.

3. As formas pronominais de tratamento em manuais de PLE

Sem ser exaustivo, criámos um corpus de manuais de PLE dedicados ao PE e ao PB,

para observar que abordagens adotam alguns autores em relação às FPT. O corpus de

materiais didáticos de PE contém os métodos A atualidade em português (Tavares & Malcata

2006), Aprender português vol. 1 (Oliveira et al 2009), Gramática activa, vol. 1 (Coimbra &

Coimbra 2002), Português XXI, vol. 1-3 (Tavares 2006), Português sem fronteiras, vol. 1-3

(Coimbra & Coimbra 1997) e Qual é a dúvida? (Sousa Henriques & Freitas 2004).

Em alguns manuais portugueses de nível A1-A2, Português XXI, vol. 1, (Tavares

2006: 10-14), Português sem fronteiras, vol. 1, (Coimbra & Coimbra 1997: 14-18) e

Aprender português vol. 1 (Oliveira et al 2007), os pronomes pessoais com função de sujeito

estão presentes a partir das primeiras unidades; quanto ao uso dos pronomes com função de

complemento direto e indireto e ao emprego dos pronomes pessoais com preposições, são

itens gramaticais abordados nas últimas unidades. Por conseguinte, segundo a estrutura destes

manuais, o aprendente de PLE, ao final do primeiro ano de estudo, deverá conhecer tanto as

5 Retomamos a opinião de Batia Laufer (1997, apud Leiria 2001, 129) que define seis níveis de conhecimento de uma palavra: (1) forma oral e forma escrita; (2) flexão e derivações mais comuns; (3) propriedades sintáticas e comportamento numa frase; (4) propriedades semânticas, extensões metafóricas, valores afetivos e adequação pragmática (itálico nosso); (5) relações paradigmáticas com outras palavras, como sinonímia, antonímia, hiperonímia; (6) relações sintagmáticas ou combinatórias mais frequentes. 6 Incluímos as FPT com função de sujeito, os clíticos com função de objeto direto, objeto indireto, objeto preposicionado, as formas compostas de objeto direto e indireto

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FPT com função de sujeito como os clíticos com função de objeto direto, objeto indireto,

objeto preposicionado e as formas compostas de objeto direto e indireto.

Se os pronomes pessoais sujeito e os pronomes reflexos são incluídos nas primeiras

unidades nos três manuais citados através dos atos de apresentação (cumprimentar,

apresentar-se, despedir-se, dar informações de caráter pessoal), em diálogos curtos e de

maneira intuitiva, só o terceiro manual, Aprender português, vol. 1, na Unidade 11, oferece

algumas informações metalinguísticas sobre a diferença de uso entre as FPT tu / você e as

formas de tratamento o senhor, a senhora e um apêndice detalhado (Oliveira et al 2007: 186)

com as formas pronominais com e sem preposição.

No que diz respeito aos clíticos com função de objeto direto, objeto indireto e objeto

preposicionado, os três manuais de nível de iniciação e a Gramática ativa, vol. 1 (Coimbra &

Coimbra: 2002) apresentam exercícios de substituição com pronomes pessoais de

complemento direto, ou indireto ou ambos contraídos, em contextos de ênclise e próclise. Por

outro lado, este tipo de substituição aparece igualmente estudado nos manuais de nível B1-

C2, Qual é a dúvida? (Sousa Henriques & Freitas: 2004) e A atualidade em português

(Tavares & Malcata 2006), o que mostra bem a complexidade da abordagem do sistema

pronominal no ensino do PLE e a importância da discussão sobre a introdução dos clíticos de

uma maneira gradual e em função dos níveis do QECRL. Qual é a dúvida? (Sousa Henriques

& Freitas 2004: 10) é o único manual de nível intermédio e avançado que oferece informações

metalinguísticas sobre as diferenças entre o uso informal e o uso formal tu / você e o senhor, a

senhora em comparação com o método de A atualidade em português (Tavares & Malcata

2006: 55), que propõe exclusivamente exercícios de substituição com pronomes pessoais.

O corpus de manuais de PLE dedicados à variedade brasileira do Português contém os

volumes Bem-vindo! A língua portuguesa no mundo da comunicação (Ponce et al 2009),

Falar… ler… escrever… português. Um curso para estrangeiros (Eberlein Lima & Iunes

2011), Muito prazer (Rocha Fernandes et al 2008), Novo Avenida Brasil (Eberlein Lima et al

2008), Gramática ativa, vol. 1 (Bião Oberg et al 2011), Português via Brasil (Eberlein Lima

& Iunes 2005) e Terra Brasil (Dell’Isola & Almeida 2008).

Em geral, os pronomes pessoais são apresentados nas primeiras lições dos manuais,

dedicadas à apresentação pessoal e de outros; os contextos em que se empregam tu, você,

vocês são intuitivos e os autores não oferecem muitas informações metalinguísticas. São

introduzidas também as FPT o senhor e a senhora e algumas formas nominais de tratamento.

Em alguns manuais brasileiros, como Muito prazer (Rocha Fernandes et al 2008: 27) e Novo

Avenida Brasil (Eberlein Lima et al 2008: 3), os autores sentiram a necessidade de fazer

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breves considerações sobre os usos de tu e vós, ao passo que em outros, como Falar… ler…

escrever… português. Um curso para estrangeiros (Eberlein Lima & Iunes 2011), apenas o

pronome você é apresentado nas primeiras unidades. Em Bem-vindo! A língua portuguesa no

mundo da comunicação (Ponce et al 2009: 3-10), o pronome tu não aparece nos textos da

primeira unidade, mas há informações sobre o seu uso no apêndice gramatical. Em Terra

Brasil (Dell’Isola & Almeida 2008: 15) há uma secção de sistematização que contempla os

pronomes pessoais e as formas de tratamento, em que as autoras assinalam as FPT formais e

informais e as diferenças entre o PE e o PB no que diz respeito ao pronome tu. Apresenta-se

também o pronome vós, com a indicação seguinte: «no português moderno no Brasil, usado

somente na escrita formal».

Nas unidades para níveis mais avançados, aparecem as formas clíticas de objeto direto

e indireto (inclusive te), com as suas particularidades de colocação. Em Português via Brasil

(Eberlein Lima & Iunes 2005: 171) há uma apresentação de tu e você com os seus clíticos,

inclusive de te como clítico de você. As autoras fazem a seguinte observação: «Na linguagem

formal, as formas pronominais não se misturam. Na linguagem coloquial, as formas

pronominais se misturam». Na versão brasileira da Gramática ativa, vol. 1 (Bião Oberg et al

2011: 90-95), o clítico te é apresentado apenas como forma de dativo e acusativo de tu, sem

indicações sobre o seu uso coloquial, como clítico de você. Faz-se uma observação sobre a

oposição formal / informal que se estabelece entre as FPT com o(s) senhor(es) e com você(s).

Observámos nesta breve leitura dos manuais de PLE aos quais tivemos acesso dois

aspetos quase generalizados. Por um lado, faz-se uma apresentação demasiado simplificada

das FPT nas unidades iniciais, sem esclarecimentos adicionais sobre contextos de utilização.7

Por outro lado, é privilegiada uma apresentação detalhada de todo o inventário de clíticos

(inclusive as exceções) em materiais que declaram ser adequados para o nível A1, como

Português XXI, vol.1 (Tavares 2006: 172-173, 183). No manual brasileiro Falar… ler…

escrever… português. Um curso para estrangeiros (Eberlein Lima & Iunes 2011: 70-74),

destinado a alunos de iniciação e nível intermédio, as autoras apresentam a mesóclise na

unidade 6 do mesmo.

A nosso ver, nas unidades iniciais, deveria ser inserida uma quantidade de informações

metalinguísticas que permitissem ao aprendente fazer inferências sobre os usos das FPT, o

7 Partindo da nossa experiência de utilização de alguns destes manuais na sala de aula, podemos afirmar que esta falta de informação deve ser compensada pelo professor, porque os alunos fazem perguntas sobre os contextos em que devem usar as FPT.

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inventário dos clíticos devendo ser apresentado gradualmente, em função dos níveis do

QECRL.

4. Proposta didática

Nesta secção do nosso trabalho, propomos uma classificação do inventário das FPT

(tónicas e átonas) segundo os níveis do QECRL e sugerimos alguns tipos de exercícios

adaptados a cada nível, para trabalhar as competências comunicativas. Salientamos que uma

classificação gradual do inventário das FPT deveria ser usada tanto no ensino, como na

avaliação, mostrando a nossa experiência didática que o sistema pronominal é uma área com

maiores dificuldades junto de alunos de PLE (Manole 2011).

4.1. Classificação do inventário de FPT segundo os níveis do QECRL

Como já observámos na secção anterior, um dos aspetos problemáticos na abordagem

das FPT nos manuais de PLE é a apresentação de todo o inventário em manuais de nível de

iniciação, o que faz com que a aprendizagem correta destas formas seja complicada. Por esta

razão, propomos uma abordagem gradual, que permita aos alunos aprender as FPT num ritmo

adequado aos seus conhecimentos de Português. A nossa proposta tem como objetivo o

ensino / aprendizagem das FPT no PE. No entanto, como o Português é uma língua

pluricêntrica e como o PB começa a ser cada vez mais procurado pelos estudantes, estando

cada vez mais presente no ensino universitário graças aos esforços dos leitorados brasileiros,

introduzimos também as particularidades do sistema brasileiro de FPT na nossa proposta

didática.

Do nosso ponto de vista, no nível A1 deveriam ser apresentadas as formas retas, tu,

você(s), o(s) senhor(es) / a(s) senhora(s) e as formas oblíquas tónicas (precedidas por

preposições): contigo, consigo, com o senhor, convosco, com os senhores, para ti, para si,

para o senhor, para vós, para os senhores. No que diz respeito à colocação pronominal,

consideramos que são suficientes as informações sobre a próclise nas frases interrogativas

introduzidas por advérbios (Como te chamas?) e nas frases negativas, depois do marcador de

negação não (Eu não me chamo João.). Neste nível, é imprescindível ensinar a articulação das

FPT com os pronomes reflexivos (Tu chamas-te João. / Você chama-se João. / O senhor

chama-se João Fonseca.) e com os pronomes possessivos (Tu tens uma casa; a casa é tua. /

Você tem uma casa; a casa é sua.).

No nível A2, propomos a apresentação dos clíticos do acusativo (te, o, a, os, as) e do

dativo (te, lhe, lhes), com ênfase nas diferenças entre o objeto direto e indireto (Dou o

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caderno à Joana. Dou-o à Joana. Dou-lhe o caderno.). Podem ser introduzidos outros casos

de próclise, como alguns indefinidos, e os advérbios já, também.

Já no nível B1, podem ser ensinadas as exceções dos clíticos objeto direto (-lo, -la, -

los, -las, -no, -na, -nos, -nas) e todos os casos de próclise (advérbios, pronomes indefinidos).

Os alunos de nível B1 têm um domínio suficiente do Português para fazerem distinções entre

as variedades da língua e achamos oportuno trabalhar as FPT do Português Brasileiro. Serão

apresentadas, sobretudo, as diferenças entre os usos dos pronomes tu e você com função de

sujeito.

Ao adquirirem o nível B2, os alunos deveriam ter conhecimentos de toda a gramática

da língua, inclusive das exceções ou das ocorrências menos frequentes. Podem ser trabalhados

neste nível os contextos da mesóclise (a ênclise e a próclise foram apresentadas nos níveis

anteriores) e as formas clíticas compostas do acusativo e dativo (-to(s), -ta(s), -lho(s), -lha(s),

vo-lo(s), etc.). Embora não seja corrente na língua padrão, ao nível B2 pode ser introduzido

também o pronome vós, com as suas particularidades de uso em Portugal. No que diz respeito

às particularidades da variante brasileira, achamos oportuna a abordagem dos usos da

linguagem coloquial: te como clítico de você (Você não me ensinou a te esquecer), o uso de

lhe como objeto direto (Quero lhe ver), etc.

Nos níveis C1 e C2, quando os alunos já têm conhecimentos aprofundados da língua,

as estratégias didáticas deveriam concentrar-se sobretudo na adequação dos usos das FPT em

vários géneros discursivos: correspondência formal e informal, artigos de imprensa, sites,

discursos políticos ou cerimoniosos, etc. É possível trabalhar com os aprendentes vários

elementos culturais como as expressões populares “você” é estrebaria, ou comparar textos

antigos ou dialetais com textos atuais da língua padrão, para analisar as diferenças de

significado (vossa mercê, vossancê, vosmecê e, em Português Brasileiro ocê, cê). De igual

importância é a apresentação de contextos de negociação do tratamento, para que os alunos

possam ver a dinâmica destes recursos linguísticos nas interações quotidianas.

Com base nesta classificação, procuraremos nas próximas secções sugerir exercícios

adequados a cada nível do QECRL, A1-C2.

4.2. Exercícios para o nível A1

Para a distinção tu / você e as formas de tratamento formais e informais, propomos

algumas atividades orais e escritas como escrever um postal a um amigo e a um professor,

deixar uma mensagem oral à mãe e a um professor e escrever um convite formal e informal.

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Estes exercícios põem em destaque a diferença de registos (formal e informal) e a produção

de mensagens escritas e orais.

Outro item gramatical a ser trabalhado é a apresentação pessoal. Num primeiro

momento, o aluno pode apresentar-se oralmente aos colegas; num segundo momento, faz

perguntas a um outro colega e estabelece, desta maneira, um diálogo. Finalmente, o aluno

pode apresentar o colega aos outros. Esse tipo de exercício tem a vantagem de trabalhar todas

as FPT: elocutivas (eu, nós), alocutivas (tu, você, o senhor) e delocutivas (ele, ela, eles, elas).

4.3. Exercícios para o nível A2

No nível A2, várias interações poderiam ser contempladas. No que diz respeito à

produção de mensagens escritas, sugerimos algumas atividades como escrever uma carta a

um amigo sobre as férias mais recentes, ou escrever uma resposta negativa a um convite para

um casamento. Quanto às mensagens orais, propomos um diálogo informal com um colega

sobre a ida a um concerto ou uma chamada telefónica relativa a uma modificação de

encomenda numa loja de produtos informáticos ou uma conversa com o serviço pós-venda da

mesma loja sobre a devolução e a troca de um computador. Um outro exercício possível seria

a passagem de um diálogo informal para um diálogo formal, entre dois colegas que se

conhecem muito bem e dois colegas que se tratam por você. Nestes exercícios, deveriam

aparecer os clíticos do acusativo (te, o, a, os, as) e do dativo (te, lhe, lhes).

4.4. Exercícios para o nível B1

Quanto aos exercícios para o nível B1, recomendamos a redação de uma carta de

pedido de estágio (não) remunerado, de uma carta de candidatura espontânea ou de uma

carta de candidatura respondendo a um anúncio. Nos três casos, os alunos podem introduzir

as exceções dos clíticos objeto direto (-lo, -la, -los, -las, -no, -na, -nos, -nas) e os casos de

próclise (advérbios, pronomes indefinidos). Para as atividades orais, propomos a simulação

aluno-professor de uma entrevista Erasmus para passar um semestre numa universidade

portuguesa e um diálogo entre dois primos muito próximos sobre o aniversário de um tio

comum e a escolha de um presente adequado.

4.5. Exercícios para o nível B2

No que diz respeito aos exercícios para este nível, sugerimos a leitura de uma carta de

reclamação de um cliente por causa do atraso na entrega de produtos ou a leitura de uma

declaração ulterior de agressão e roubo numa caixa automática. Os alunos deverão

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reconhecer os contextos de mesóclise e as formas clíticas compostas do acusativo e dativo (-

to(s), -ta(s), -lho(s), -lha(s), vo-lo(s)), que poderiam aparecem nestes textos formais.

Uma outra atividade possível seria a audição da canção Você não me ensinou a te

esquecer de Caetano Veloso e o estudo das particularidades da variante brasileira na

linguagem coloquial, nomeadamente no uso do pronome te como clítico de você (ver, a este

propósito, as atividades didáticas propostas para o estudo das formas pronominais nas canções

brasileiras e portuguesas no sítio www.languagesbysongs.eu, do projeto Find A Delightful

Opportunity to learn Portuguese through Internet and songs, FADO).

4.6. Exercícios para o nível C1-C2

Quanto aos exercícios para o nível C1-C2, recomendamos, por um lado, a leitura do

livro Bichos de Miguel Torga. Na maioria destes contos, o autor utiliza a forma vossemecê (p.

ex. o conto Ladino), típica da região de Trás-os-Montes. Dessa maneira, os alunos poderiam

observar alguns usos regionais das formas pronominais em Portugal. Por outro lado,

propomos a audição da canção Cê Não Vai Me Acompanhar de Arnaldo Antunes, onde

aparece a forma cê, o que permite mostrar aos alunos a tendência atual para comprimir o

pronome você na linguagem coloquial, no Brasil.

Uma outra atividade poderia ser a apresentação de contextos de negociação do

tratamento, por exemplo, um diálogo entre políticos portugueses pertencendo a partidos com

orientações diferentes (gravações de debates da Assembleia da República) ou a leitura de

artigos de opinião escritos por autores sobre a questão da delicadeza (Mário de Carvalho,

Alice Vieira).

Finalmente, a expressão popular “você é estrebaria” em vários tipos de textos

permitirá um estudo aprofundado dos elementos culturais e das diferenças entre o PB e o PE.

5. Conclusão

A nossa análise das formas pronominais de tratamento do Português Europeu e

Brasileiro e a sua abordagem no ensino de PLE permitiu-nos, por um lado, fazer

considerações sobre os sistemas das FPT nas duas variedades do Português, e, por outro,

analisar o inventário dessas formas em manuais publicados em Portugal e no Brasil, numa

perspetiva comparativa. Mostrámos que os manuais de PLE estudados propõem uma

apresentação demasiado simplificadora das FPT nas unidades iniciais, sem esclarecimentos

adicionais sobre contextos de utilização, introduzindo todos os clíticos (inclusive as exceções)

em materiais que nem sempre são adequados aos níveis A1 ou A2. Partindo desta constatação,

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classificámos as FPT em função dos níveis (A1, A2, B1, B2, C1, C2) estabelecidos pelo

Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (2001). Aliás, consideramos que a

parte mais inovadora do nosso trabalho consiste nas atividades didáticas que propõem, num

primeiro momento, esta classificação gradual do inventário das FPT e que sugerem, num

segundo momento, vários exercícios adequados a cada nível e às competências de receção

(leitura e compreensão do oral) e de produção (interação oral, produção oral e escrita).

Esperamos ter mostrado a importância tanto do uso adequado das FPT, em função dos

contextos de comunicação (formais / informais), como da introdução destas formas de uma

maneira gradual no processo de ensino / aprendizagem de PLE.

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COIMBRA, Isabel / COIMBRA, Isabel Mata (2002): Gramática activa 1, Lisboa, Lidel.

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Lisboa, Lidel.

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DELL’ISOLA, Regina Lucia, Perét / ALMEIDA, Maria José Aparecida de (2008): Terra

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LIMA, Emma O. F. Eberlein / IUNES, Samira (2005): Português via Brasil, um curso

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LIMA, Emma O. F. Eberlein / IUNES, Samira (2011): Falar… ler… escrever… português.

Um curso para estrangeiros, São Paulo, E.P.U.

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PONCE, Maria Harumi de et al (2009): Bem-vindo! A língua portuguesa no mundo da

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TAVARES, Ana (2006): Português XXI., vols. 1-3, Lisboa, Lidel.

TAVARES, Ana & MALCATA, Hermínia, (2006): A atualidade em português, Lisboa,

Lidel.

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Budapeste • 2014

301

ISBN 978-963-12-0391-2