António ORIOL TRINDADE, O teorema de Pierre Dandelin e a perspectiva linear da cavidade de um nicho...

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GEOMETRIAS & GRAPHICA 2015 PROCEEDINGS ISBN 978-989-98926-3-7 69 O TEOREMA DE PIERRE DANDELIN E A PERSPECTIVA LINEAR DA CAVIDADE DE UM NICHO ILUMINADO POR UMA LUZ DIRECTA. DETERMINAÇÃO DAS SOMBRAS INTERIORES ANTÓNIO ORIOL TRINDADE Pintor e Professor Auxiliar na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, Portugal ([email protected]) ABSTRACT This paper describes the phases of a complex and new problem, whereupon the double orthogonal projection system has been used by the several authors who have dwelled on it, trough out history to the present day. We address here the determining of the discernible contour lines and the interior shade lines from a niche’s cavity composite form, which require some tracing complexity, once the problem is rendered in plane linear perspective. The following steps and descriptions are enounced according to that representation system. KEYWORDS: Linear Perspective; Shadows; Pierre Dandelin’s Theorem RESUMO O presente artigo descreve de modo faseado um problema inédito, de alguma forma complexo e que no legado histórico, até ao presente, os autores que nele se detiveram, apenas utilizaram o sistema de dupla projecção ortogonal para o resolver. Referimo-nos à determinação das linhas de contorno aparente e das linhas de sombra interior, da forma composta da cavidade de um nicho, que requerem alguma complexidade de traçados, uma vez traduzido o problema em perspectiva linear plana. É neste sistema que enunciamos e descrevemos as etapas e as descrições que se seguem. PALAVRAS-CHAVE: Perspectiva linear; Sombras; Teorema de Pierre Dandelin INTRODUÇÃO O artigo descreve um problema e um exercício que resultou da curiosidade do autor, após ter observado vários modelos semelhantes observados do real apa-

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O TEOREMA DE PIERRE DANDELIN E APERSPECTIVA LINEAR DA CAVIDADE DE UM NICHO

ILUMINADO POR UMA LUZ DIRECTA.DETERMINAÇÃO DAS SOMBRAS INTERIORES

ANTÓNIO ORIOL TRINDADEPintor e Professor Auxiliar na Faculdade de Belas Artes da

Universidade de Lisboa, Portugal ([email protected])

ABSTRACTThis paper describes the phases of a complex and new problem, whereupon thedouble orthogonal projection system has been used by the several authors who have dwelled on it, trough out history to the present day.We address here the determining of the discernible contour lines and the interiorshade lines from a niche’s cavity composite form, which require some tracingcomplexity, once the problem is rendered in plane linear perspective. The followingsteps and descriptions are enounced according to that representation system.KEYWORDS: Linear Perspective; Shadows; Pierre Dandelin’s Theorem

RESUMOO presente artigo descreve de modo faseado um problema inédito, de algumaforma complexo e que no legado histórico, até ao presente, os autores que nele sedetiveram, apenas utilizaram o sistema de dupla projecção ortogonal para oresolver. Referimo-nos à determinação das linhas de contorno aparente e das linhas de sombra interior, da forma composta da cavidade de um nicho, que requeremalguma complexidade de traçados, uma vez traduzido o problema em perspectivalinear plana. É neste sistema que enunciamos e descrevemos as etapas e asdescrições que se seguem. PALAVRAS-CHAVE: Perspectiva linear; Sombras; Teorema de Pierre Dandelin

INTRODUÇÃOO artigo descreve um problema e um exercício que resultou da curiosidade doautor, após ter observado vários modelos semelhantes observados do real apa-

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rente em pormenores arquitectónicos de cavidades de nichos iluminados pela luzdirecta solar. Interrogámo-nos sobre a razão de ser das formas dessas belíssimas ecuriosas linhas de separatriz de contorno das sombras próprias interioresprojectadas, ou autoprojectas que cobrem e escondem na totalidade as linhas de separatriz de contorno da sombra própria interior. Esta curiosidade motivou-nos efoi assim que desenvolvemos o presente texto, cujo objectivo principal foiessencialmente descrever o rigor da construção das linhas desses contornos. Poroutro lado, como a perspectiva linear da superfície esférica apresenta deformações e vários tipos de contornos, verificámos também a aplicabilidade do teorema dePierre Dandelin. A maioria dos desenhos foram realizados pelo autor utilizando o software Autosketch 9.

O TEOREMA DE PIERRE DANDELIN E A PERSPECTIVA DO CONTORNO APARENTENa forma composta, a perspectiva das linhas principais foi obtida inicialmentepartindo da dupla projecção ortogonal do conjunto e sua posição relativa face a um determinado perspectógrafo, caracterizado por uma altura e uma distância devisão (Fig. 1). Omitimos no presente texto os dados de resolução do problema e osmétodos simples, tal como as respectivas descrições, para a determinaçãodessas linhas principais (Fig. 2).

Fig. 1 - Vistas frontal e posterior do conjuntoe sua relação com o dispositivo perspéctico.

Para a determinação rigorosa do arco deelipse que constitui a linha de contornoaparente do quarto de superfície esféricacôncava envolvente às duas semicircunfe-rências, a de nível de concordância e a [c] de abertura, recorreu-se ao teorema dePierre Dandelin (Fig. 3), referido por Borgesde Sequeira, que diz que qualquer

“cónica pode ser considerada como uma secção feita por um plano, num cone de revolução, sendo focos ospontos onde as esferas inscritas no cone e tangentes ao plano secantetocam este plano” [1].

No exercício proposto, a cónica em causaé um arco de elipse e o plano secante oplano vertical do quadro perspéctico, pelo

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que o problema resume-se a determinar a secção resultante, com o quadro, dasuperfície cónica concordante com a porção esférica. Para esse efeito, considerou--se um plano secante auxiliar e projectante g, que contém o centro O do quarto de

Fig. 2 - Perspectiva das três semicircunferências e da região cilíndrica que integram o conjunto do nicho.

Fig. 3 - O teorema de Pierre Dandelin ilustrado em imagens 3D e aplicado respectivamente àssecções da elipse, parábola e hipérbole. Fonte: http:// www.pandd.demon.nl/dandelin.htm

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superfície esférica e que é, ao mesmo tempo, perpendicular ao quadro. Este planog, sendo perpendicular ao quadro e contendo ao mesmo tempo o centro L doquarto de superfície esférica é, por essa razão, um plano de simetria, ou seja, divide a superfície cónica concordante, determinada pelas projectantes e pelo vértice, em duas regiões distintas. Também por estas razões, contém as duas rectas normais que intersectam o plano secante vertical do quadro perspéctico, nos pontos decontacto das duas esferas inscritas, ou seja, nos focos que permitiram determinarcom rigor e posteriormente a elipse-secção onde se encontra o arco de elipseprocurado (Fig. 5). Estes focos podem-se determinar com o auxílio de um diâmetrongR da esfera, perpendicular ao quadro perspéctico e pertencente ao plano desimetria g (Fig. 4).

Fig. 4 - Verificação das secções [m] e [n] e dos respectivos centros das superfícies esféricasinscritas e concordantes com o cone visual – cuja secção está representada pelas geratrizes

q e q1 concorrentes no vértice O que é o próprio centro de projecção –, tangentes ao plano secante do quadro perspéctico nos focos Foco 1 e Foco 2, que se determinam, também, pela intersecção,

com o plano secante do quadro perspéctico, das normais que passam pelos centros X e Zdessas secções das duas superfícies esféricas inscritas

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Assim, bastou para o efeito ter considerado o plano g e a sua intersecção com asuperfície esférica total que contém a porção esférica que modela a abóbadaesférica da testa do nicho. Desta intersecção, resultou o meridiano de secção[c1], de centro L, que se rebateu. Rebateu-se para além do meridiano [c1], o centro de projecção O que está contido no plano. Em rebatimento conduziram-se a partir do centro de projecção O, duas tangentes ao meridiano referido e cujo raio é 7. Estas tangentes são, pois, dois raios ou rectas visuais que intersectam o quadro no traço vertical do plano nos dois pontos R e S. O segmento de recta determinado porestes dois pontos define o eixo maior da elipse-secção (Fig. 4). Para determinar os focos que possibilitaram traçar a elipse, considerou-se a partir de LR (centro da superfície esférica rebatido) o segmento normal perpendicular ao quadro e que é um diâmetro daquela superfície e do meridiano [c1]. Este diâmetrong, normal ao quadro, em rebatimento projecta-se perpendicularmente ao traçovertical vg e à recta de fuga fg, o que, também por esta razão, este segmento ng é ao mesmo tempo uma recta de maior inclinação do plano g. A intersecção destesegmento ng com o meridiano [c1] pertencente ao plano g determinou os pontosFoco R e Foco 1R; esta operação efectuou-se no rebatimento, onde considerámosngR (Fig. 4). De seguida, a intersecção, com o quadro, das rectas determinadas pelo centro de projecção O e por aqueles focos rebatidos, permitiram determinar aperspectiva da elipse ou do arco de elipse. No entanto, o Foco 1 determinou-seconsiderando a mesma distância do Foco ao centro da elipse-secção e quecorresponde ao ponto médio do eixo maior, ponto M (Fig. 4) [2]. De notar que, segundo Pierre Dandelin, como já referimos, os focos da elipse,determinados pelo diâmetro ng, correspondem aos pontos de contacto, com oquadro perspéctico vertical, das duas superfícies esféricas inscritas ao cone visual de revolução concordante com a esfera considerada. Podemos verificar as secções[m] e [n], respectivamente de centros X e Z, dessas duas superfícies esféricasinscritas ao cone visual concordante com a superfície esférica total que modela a parte esférica do nicho (Fig. 4). Posteriormente, sabendo que numa elipse o eixo maior é perpendicular ao eixo menor, considerou-se a recta que passa no pontomédio M perpendicular ao eixo maior e que vai conter o eixo menor. E finalmente, com o auxilio e com centro nos focos, Foco e Foco 1, e dos comprimentos dos se-mieixos do eixo maior, determinaram-se os pontos T e U que constituem o segmento de recta que é o eixo menor da elipse e que, assim, possibilitaram determinar as projecções centrais directa da elipse que contém o arco de elipse procurado (Fig. 4). Note-se que, da totalidade desta elipse, apenas uma parte integra as projecções ou

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a perspectiva da linha de contorno aparente. Essa pequena parte, que correspondeao arco referido, fica delimitada pela linha envolvente ao equador de nível, deconcordância do semicilindro vertical com o quarto de superfície esférica e,também, ao meridiano [c] de abertura da porção esférica que pertence ao planovertical de abertura do nicho (Fig. 5).

DETERMINAÇÃO DAS LINHAS DE SEPARATRIZDOS CONTORNOS DAS SOMBRAS PRÓPRIAS INTERIOR E AUTOPROJECTADAA PARTIR DA DIRECÇÃO LUMINOSA CONVENCIONAL Para a determinação das linhas de separatriz dos contornos das sombras própria interior e autoprojectada e ainda parcialmente sobre o Geometral, consideraram-

L

L

H

T

PO"D

OR

R 7

Fc

nR

LLRVnh v f

RR

SR

R

S

Foco R

Foco 1 R

Foco

Foco 1

M

T

U

[c1]R

Fig. 5 - Construção auxiliar da perspectiva linear da superfície esférica que completa

o arco de elipse que corresponde à linha de contorno aparente do quarto desuperfície esférica, partindo do Teorema de Pierre Dandelin.

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-se para além da direcção luminosa convencional, que corresponde à direcção dadiagonal de um cubo, o método das superfícies concordantes e secantes e,também, com ele associado, o método dos planos tangentes e secantes luz-sombra.É fácil perceber que a sombra própria interior é coberta na totalidade pelasombra que o conjunto projecta sobre ele próprio, ou seja, pela sua sombra autoprojectada (Fig. 6 e Fig. 7). A linha de sombra própria interior é resultante da concordância das superfíciescilíndricas luz-sombra com a superfície do conjunto. Ela compõe-se de duaslinhas: uma vertical, que pertence à região cilíndrica do conjunto; e outra curva,que corresponde a um arco de circunferência que se projecta segundo um arco deelipse em perspectiva e que contém o centro da semisuperfície esférica que integra o conjunto da cavidade do nicho. Para a sua determinação, considerámos na região cilíndrica um plano tangente luz-sombra p, determinado pelas direcções luminosae vertical, onde a geratriz de contacto é a linha de separatriz do contorno de sombra própria respeitante a essa superfície. A determinação da outra parte da linha curva de separatriz do contorno pertencente à parte esférica do nicho obteve-se atravésde três pontos: do ponto T, ponto comum com a sombra autoprojectada, cujadeterminação descrevemos mais adiante; do ponto mais alto da sepatriz da

Fig.6 - Representação axonométrica do conjuntoe das sombras da cavidade do nicho com indicação dos

planos tangentes e secantes e das duas superfíciesconcordantes luz-sombra, que determinam as linhas dos

contornos da sombra própria interior e da sombraautoprojectada no interior do conjunto.

Fig.7 – Representaçãoperspéctica da cavidade do

nicho e das respectivassombras, que correspondeà solução final do exercício.

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superfície cilíndrica, não designado, que é comum com a região esférica; e também com o auxílio de um ponto RS, cuja perspectiva se determinou através da duplaprojecção ortogonal e da rotação do raio luminoso, mais especificamenteconsiderando um plano vertical luz sombra, que secciona a região esféricasegundo um arco de circunferência. Rodámos, utilizando o eixo e, para o planovertical de projecção essa secção do arco de circunferência e considerámos o raio luminoso rodado e tangente a esse arco, obtendo o ponto RSr, onde por último se determinou a perspectiva RS (Fig. 8). Por outro lado, a sombra autoprojectada compõe-se de quatro partes distintas mas concordantes e contínuas entre si: uma parte da linha de separatriz é recta,resultante da intersecção do plano secante luz-sombra que é vertical (determinadopela recta vertical situada mais à esquerda do nicho e pela direcção luminosa),com a base horizontal do nicho que pertence ao Geometral; outra parte da linha, contínua àquela, é uma curva plana correspondente à intersecção do cilindro deluz determinado pelo semimeridiano de entrada da testa do nicho com o Geometral; outra parte da linha, contínua àquela última, é torsa e resulta da intersecção docilindro luz-sombra que fica determinado pela direcção luminosa e por parte domesmo semimeridiano de entrada da testa do nicho com o semicilindro vertical que compõe o nicho; e, finalmente, a quarta e última parte, é novamente uma linhacurva plana, constituída pela intersecção da mesma superfície cilíndrica secanteluz-sombra referida com a superfície esférica, ou, mais especificamente, com oquarto de superfície esférica. Esta última linha é, na realidade, um arco de circunferência que se projecta segundo um arco de elipse. Para a determinação gráfica do ponto duplo T, ponto mais alto da linha de separatrizdo contorno da sombra autoprojectada e que pertence ao semi-meridiano deentrada do nicho, na região esférica1, podemos utilizar e considerar a superfíciecilíndrica concordante luz-sombra à parte esférica do nicho [3].O arco de circunferência integrante do contorno da sombra autoprojectada nasceno ponto T pertencente ao meridiano [c] do quarto de superfície esférica. Este ponto T resulta de um caso particular de intersecção de duas superfícies, do quarto de superfície esférica com a superfície cilíndrica luz- sombra. Estas duas superfíciesdo segundo grau, na sua intersecção, admitem dois planos tangentes comuns,

1 Na realidade, como sabemos, existiriam dois pontos duplos, se considerássemos a totalidade das duas superfícies que contêm as porções de superfícies intervenientes e que determinam parte da linha de separatriz do nicho: da esférica, que compõe a parte esférica do nicho, e da cilíndricaluz-sombra concordante e secante com aquela. Como sabemos da ciência da Geometria Descritiva,este tipo de intersecção tem o nome de beijamento simples, ou penetração tangencial simples.

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precisamente nos referidos pontos duplos. Estes surgem sempre quando numaintersecção de duas superfícies de revolução, todas as geratrizes de uma superfície intersectarem todas as geratrizes ou linhas da outra superfície, intersecção a quese dá o nome de penetração tangencial dupla. Nestes casos, a linha de intersec-ção de duas superfícies é sempre plana, como aliás refere Jean Jules Pillet [4]. Depois de determinarmos o ponto de fuga Fl dos raios luminosos, cujas projecções, fazem 45º (abertura à esquerda) e 45º (abertura à direita) com a Linha de Terra LT, considerou-se, em primeiro lugar, a determinação da linha de separatriz de sombra própria interior correspondente ao quarto de superfície esférica (Fig. 8). Essa linha inicia-se, superiormente, no meridiano [c] com o ponto duplo T. Para a determinaçãodeste ponto T, considerou-se a superfície auxiliar cilíndrica de nível, concordantecom o quarto de superfície esférica no meridiano [c] do plano vertical d. Sendo

Fig. 8 - Perspectiva da cavidade do nicho com a determinação das linhas que compõem aseparatriz dos contornos da sombra própria interior. No interior, as zonas para a esquerda

da separatriz estão em sombra e cuja mancha não representámos.

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de nível e concordante com o meridiano, esta superfície tem as suas geratrizesperpendiculares ao plano δ, o que, por esta razão, fugam em F1. Sendo estasuperfície cilíndrica concordante com o quarto de superfície esférica naquelemeridiano, significa que o plano tangente luz-sombra w, determinado pelasdirecções das geratrizes de nível da superfície cilíndrica concordante à caloteesférica e pela direcção dos raios luminosos, é tangente simultaneamente àsuperfície cilíndrica e ao quarto de superfície esférica que modela a abóbadade testa do nicho. Deste modo, o ponto de contacto deste plano tangenteluz-sombra determina o ponto duplo de nascença T. Este ponto determinou-seconsiderando a orientação luminosa fw de um plano tangente w arbitrário, que se determinou unindo os pontos de fuga das referidas geratrizes de nível F1 como ponto de fuga da direcção luminosa Fl. Definida a orientação luminosa fw,escolheu-se um plano arbitrário w com aquela orientação fw, no caso, o que passa no centro L da calote esférica. Na intersecção deste plano luz-sombra w com o planodo meridiano de concordância [c], resultou a recta i que determinou a direcçãoda tangente tT ao meridiano. Desta forma, a tangente tT permitiu encontrar o ponto duplo de nascença T, operação feita após o rebatimento do plano d, da tangente tT e de metade do semimeridiano [c] (Fig. 8). Importa referir que o ponto duplo real T determinado, admite uma tangente t1Tparticularmente importante, à linha de separatriz de sombra própria interior epermite traçar, com maior segurança, o rigor da respectiva linha que na realidade é um arco de circunferência. Para a determinação gráfica desta tangente, recorremos à intersecção do plano b da separatriz da linha curva de sombra autoprojectadacom o plano luz-sombra w1, tangente no ponto T à superfície cilíndrica de luz-sombra e que é concordante com a porção de calote esférica. Este último plano, w1, que tem a mesma orientação fw do plano w anteriormente referido, fica determinado pelo raio luminoso l e pela geratriz g da superfície cilíndrica concordante à calote esférica,ambas concorrentes precisamente no ponto T. Esta segunda tangente imprescin-dível t1T, no ponto T à linha de separatriz interior de sombra pertencente à parteesférica do nicho, determinou-se depois de se terem determinado os traços dosplanos w1 e b (Fig. 9).Mas antes da determinação dos traços daqueles dois últimos planos, importa referir que para a determinação gráfica desta parte da linha de separatriz interior procurada e dos traços do respectivo plano b houve a necessidade da determinação de mais um ponto, onde recorremos à representação por dupla projecção ortogonal. Destemodo, considerou-se o plano auxiliar, vertical e secante luz-sombra, plano q, que

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Fig. 9 - Determinação da perspectiva dos troços de linhas que compõema linha de separatriz de contorno da sombra autoprojectada.

comporta a direcção luminosa dada, onde após o respectivo rebatimento e contrar-rebatimento incluindo o da secção resultante de centro K e do raio luminoso, se determinou o ponto Ss, cujo processo gráfico se ilustra na Fig. 9. Para concluir adeterminação da porção de linha de separatriz de sombra própria no interior daporção de superfície esférica, bastou determinar o ponto Qs que pertence ao equador de concordância do quarto de superfície esférica com o semicilindro vertical. Por ser

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um ponto de encontro de duas curvas distintas que inflectem nesse ponto é, por essa razão, um ponto de inflexão. Neste ponto Qs, há grande vantagem em determinar a respectiva tangente permitindo posteriormente desenhar com rigor a curva total de separatriz do contorno da sombra autoprojectada. Para a determinação deste ponto de inflexão Qs e da respectiva tangente tQ, conside-rou-se a intersecção com o equador de concordância do plano da linha de separatriz já referido, plano b. Esta linha curva plana, que se projecta segundo um arco de elipse é, na realidade, um arco de circunferência. O centro L do quarto de superfície esférica é, ao mesmo tempo, o centro da referida linha. Considerou-se o plano b que contém essa linha e se determinou com o auxilio dos pontos já determinados L, T e Ss e das respectivas rectas a e b determinadas por esses três pontos (Fig. 9). Como o ponto Qs pertence ao semi-equador de concordância do nicho bastou, de seguida,proceder à intersecção do plano n1 de nível do equador referido, com o plano b, resultando a recta i1. A intersecção desta recta com o equador de concordância,determina com rigor o ponto de inflexão procurado Qs. A respectiva tangente tQ nesse ponto resultou da intersecção do plano b referido com o plano vertical q1, tangente ao nicho ao longo da geratriz vertical que contém o ponto Qs. Bastam o ponto Qs e o traço horizontal HtQ, resultante da intersecção de hb com hq1, para determinar a respectiva tangente tQ. Determinados que foram os pontos T, Ss e Qs, e as tan-gentes nos pontos T e Qs, procedeu-se ao traçado rigoroso da porção de linha deseparatriz do contorno da sombra autoprojectada da região esférica (Fig. 9).Entretanto, com os traços do plano b determinados, podemos agora determinar os traços do plano w1, que intersecta o primeiro na importante tangente t1T no járeferido ponto T. Este plano w1 fica determinado pelo raio luminoso l e pela geratrizg, da superfície cilíndrica concordante com a porção de superfície esférica,concorrentes no ponto T. Para a determinação da referida tangente, bastouintersectar as rectas de fuga fw e fβ, determinando o respectivo ponto de fuga que com o ponto T permitem o respectivo traçado (Fig. 9). Para a determinação do troço da linha recta e curva de separatriz do contorno de sombra projectada no Geometral, considerámos a sombra da recta determinadapelos pontos 1 e 11, originando os pontos 1s e 11s, e a determinação da linhacorrespondente à intersecção do cilindro de sombra com o semicilindro verticalno Geometral. Para tal, utilizámos o método das sombras virtuais. O ponto As

determinou-se considerando a intersecção com o semicilindro vertical do raio ou recta de sombra que partiu do ponto A, pertencente ao meridiano principal [c]da porção de superfície esférica. O ponto Q1s, de quebra com a linha de base do

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nicho, determinou-se recorrendo às sombras virtuais ou projecções oblíquas dos pontos 1, A e B, originando os pontos 1S, Av e Bv. De 1s a Q1s o arco é real e de Q1s

a Bv o arco é virtual (Fig. 9). CONCLUSÕESO presente texto descreve com ilustrações não apenas a aplicação do teoremade Pierre Dandelin à perspectiva esférica, de uma parte da cavidade da forma de um nicho, mas sobretudo a construção das linhas de separatriz do contorno da sombra própria interior e da belíssima forma curiosa do contorno da sombra autoprojectada,que cobre aquela na totalidade. As teorias do respectivo problema, descritasanteriormente no sistema de dupla projecção ortogonal, foram por nós agoraaplicadas ao sistema de perspectiva linear de quadro plano. Apesar do auxílio do desenho assistido por computador, foi fácil perceber que o software utilizado apenas foi uma ferramenta de desenho rigoroso, pois os botões, os teclados e os resultados digitais de forma nenhuma substituíram as teorias descritas e aplicadas, que nãose confundem com o domínio próprio sobre determinados software de desenhodigital, que num click, digamos assim, mostram os resultados finais, nem sempre isentos de erros. Deixamos também aqui um alerta para que os futuros geómetras não se viciem apenas nas novas tecnologias, mas que as utilizem em parceria com o conhecimento profundo adquirido nas bibliotecas e no legado histórico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Borges de Sequeira, Luís Guilherme (1940), Lições de Geometria Descritiva, Livro 1, Lisboa, Scien-

tia editora, 3ª edição, p.131; Dandelin, Pierre (1827), Sur L ‘Emploi des projection stereographique en

Géometrie, Gand; Oriol Trindade, António (1999), Luz e Sombras nas Superfícies Regradas Planificá-

veis, Cónica e Cilíndrica e nas Superfícies não Regradas, Superfície Esférica. Formas Compostas com

estas Superfícies, Lisboa, FBAUL. Trabalho de Síntese no âmbito das Provas de Aptidão Pedagógica

e Capacidade Científica, apresentadas na FBAUL em Maio de 2000, texto policopiado, pp. 131-132.

[2] Moutinho, José Manuel Patrício de Sousa (1991), Perspectiva Cónica Linear, Tese de

Agregação no âmbito das provas prestadas para Professor Auxiliar, texto policopiado, Lisboa,

Esbal, pp. 272-276.

[3] Borges de Sequeira, Luís Guilherme (1928), Resumo das Lições de Geometria Descritiva do Prof.

Borges de Sequeira da Faculdade de Sciências de Lisboa e do Instituto Superior Técnico, Livro. II,

2ª edição, Lisboa, pp. 57-58.

[4] Pillet, Jean Jules (1887), Cours de Gèometrie Descriptive, Paris, Librairie CH. Delagrave, p.80.