ANIMAÇÃO CULTURAL NO CONTEXTO HOSPITALAR: RELATANDO AS VIVÊNCIAS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO...

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Animador Sociocultural: revista iberoamericana vol.2, n.1, out.2007-abr.2008 Animação no contexto escolar Lima e colaboradores ANIMAÇÃO CULTURAL NO CONTEXTO HOSPITALAR: RELATANDO AS VIVÊNCIAS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E TURISMO Inácio de Loyola Ruas Lima 1 , Letícia Morais de França Oliveira, Lívia Maria Guimarães Garcias, Túlio Campos 2 , Marina Araújo, Michelle Costa e Silva 3 , Fernanda Tatiana Ramos Siqueira, Laís Machado Nunes, Laura Baeta Pereira Barbosa, Mateus Carneiro Martins, Stella de Marco Amaral 4 , Tatiana Roberta de Souza 5 , Hélder Ferreira Isayama, Christianne Luce Gomes 6 CELAR/EEFFTO/UFMG Recebido em 10 de setembro de 2007 Aprovado em 29 de setembro de 2007 Resumo Educação Física e Turismo podem ser grandes aliados para pensar diferente as possibilidades de apropriação do espaço no contexto hospitalar. Ainda que esse ambiente seja caracterizado como “frio e solitário” acreditamos que a vivência lúdica proporcionada por essas áreas, pode possibilitar novos olhares sobre esse e outros espaços, de forma a enriquecer o cotidiano das pessoas com ele envolvidas. Este artigo se propõe a relatar as experiências do Projeto de Extensão desenvolvido no ambulatório Borges da Costa do Hospital das Clínicas da UFMG, realizadas por estudantes de Educação Física e Turismo. Temos percebido algumas mudanças nos pacientes e familiares por meio de nossas intervenções: novos comportamentos e concepções acerca dos espaços e da hospitalização, do brincar, da infância, da animação cultural, da Educação Física e do Turismo. Palavras-chave: Animação Cultural, Criança, Hospital. CULTURAL ANIMATION IN THE HOSPITAL CONTEXT: EXPERIENCES OF THE PHYSICAL EDUCATION AND THE TOURISM WITH CHILDREN IN CLINIC OF HEMATOLOGY OF THE HOSPITAL OF THE CLINIC OF THE UFMG Abstract: Physical Education and Tourism can be highs allied to conceive different possibilities to adequate space in hospital context. Although many people recognize this place as insensible and solitary, we agree that the vivid experience offered by these disciplines can make new concepts about these and others spaces, improving the quality life of the people involved in it. The proposal of this article is to describe the 1

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ANIMAÇÃO CULTURAL NO CONTEXTO HOSPITALAR:

RELATANDO AS VIVÊNCIAS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO

FÍSICA E TURISMO Inácio de Loyola Ruas Lima1,

Letícia Morais de França Oliveira, Lívia Maria Guimarães Garcias, Túlio Campos2, Marina Araújo, Michelle Costa e Silva3,

Fernanda Tatiana Ramos Siqueira, Laís Machado Nunes, Laura Baeta Pereira Barbosa, Mateus Carneiro Martins, Stella de Marco Amaral4,

Tatiana Roberta de Souza5, Hélder Ferreira Isayama, Christianne Luce Gomes6

CELAR/EEFFTO/UFMG

Recebido em 10 de setembro de 2007

Aprovado em 29 de setembro de 2007

Resumo

Educação Física e Turismo podem ser grandes aliados para pensar diferente as possibilidades de apropriação do espaço no contexto hospitalar. Ainda que esse ambiente seja caracterizado como “frio e solitário” acreditamos que a vivência lúdica proporcionada por essas áreas, pode possibilitar novos olhares sobre esse e outros espaços, de forma a enriquecer o cotidiano das pessoas com ele envolvidas. Este artigo se propõe a relatar as experiências do Projeto de Extensão desenvolvido no ambulatório Borges da Costa do Hospital das Clínicas da UFMG, realizadas por estudantes de Educação Física e Turismo. Temos percebido algumas mudanças nos pacientes e familiares por meio de nossas intervenções: novos comportamentos e concepções acerca dos espaços e da hospitalização, do brincar, da infância, da animação cultural, da Educação Física e do Turismo. Palavras-chave: Animação Cultural, Criança, Hospital.

CULTURAL ANIMATION IN THE HOSPITAL CONTEXT: EXPERIENCES OF THE PHYSICAL EDUCATION AND THE TOURISM WITH CHILDREN IN

CLINIC OF HEMATOLOGY OF THE HOSPITAL OF THE CLINIC OF THE UFMG

Abstract: Physical Education and Tourism can be highs allied to conceive different possibilities to adequate space in hospital context. Although many people recognize this place as insensible and solitary, we agree that the vivid experience offered by these disciplines can make new concepts about these and others spaces, improving the quality life of the people involved in it. The proposal of this article is to describe the

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experiences of the extension project developed at ambulatory “Borges da Costa”, in the Clinical Hospital from UFMG, promoted by students of both Physical Education and Tourism. It has been noticed changes in the patients and relatives through our intermediation: news behaviors and concepts regarding spaces and hospitalization, the entertainment, the childhood, the cultural animation, the Physical Education and the Tourism. Keywords: Cultural Animation, Child, Hospital Context Introdução

Pensar o brincar, a brincadeira, o jogo, a diversão e os passeios dentro de um

contexto hospitalar não é uma tarefa simples. Para muitas pessoas há uma

incompatibilidade entre esses temas principalmente porque, em geral, esses ambientes

são envolvidos por uma atmosfera rígida e formal, o que dificulta a implementação de

projetos interdisciplinares que ampliem as possibilidades de vivências culturais nos

hospitais.

No entanto, nas últimas décadas, esta realidade vem sendo questionada, na

tentativa de modificar a atmosfera pouco lúdica que vigora nesses espaços, como foi

constatado nos trabalhos de Pimentel (1998), Wou (2000) e no trabalho realizado pelos

Doutores da Alegria7, grupo que atua em alas infantis de hospitais. Apesar disso,

principalmente nos campos da Educação Física, do Turismo e do Lazer, são poucos os

trabalhos que têm se dedicado ao tema.

Nossa proposta de intervenção pretende então, ampliar e diversificar as

possibilidades de vivências culturais na perspectiva lúdica para as crianças que

freqüentam o ambiente hospitalar, minimizar a distância entre os sujeitos e os espaços

urbanos de interesse turístico, promover uma ressignificação do ambiente hospitalar e

da hospitalização. Para isso, utilizamos como metodologia de intervenção a Animação

Cultural, que se constitui enquanto possibilidade de atuação do profissional da

Educação Física, do Turismo e do Lazer.

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Animação cultural no espaço hospitalar

Quando pensamos no lúdico, é comum nos remetermos a uma fase do

desenvolvimento humano – a infância – uma vez que nesta fase ele se manifesta com

maior intensidade. Concordamos com Werneck (2003) quando afirma que o lúdico é

uma das essências da vida humana que instaura e constitui novas formas de fruir a vida

social, marcadas pela exaltação dos sentidos e das emoções, misturando alegria e

angústia, relaxamento e tensão, prazer e conflito, liberdade e concessão etc. Cabe

destacar ainda, que o lúdico não possui somente uma dimensão “subjetiva”, pois é

construído culturalmente e cerceado por diferentes fatores. Por essa razão, ele varia

conforme os valores e as referências que orientam um determinado grupo social em

diferentes contextos e épocas.

Nesta perspectiva, a vivência lúdica é fundamental para a criança, pois

representa um espaço para o seu reconhecimento enquanto sujeito que decide, tem

autonomia, repensa ações, aprende a respeitar as regras construídas coletivamente pelo

grupo, avalia e busca alternativas críticas e criativas para os problemas que surgem no

cotidiano. Acreditamos, assim, que a criança tem o direito de viver o presente relativo

ao tempo da infância, experimentando o mundo, descobrindo-o e ressignificando-o.

Partindo deste ponto inicial, reconhecer as pluralidades e as heterogeneidades

das crianças é um ato indispensável. Além disso, dialoga com as especificidades das

crianças com quem nos encontramos, buscando a interlocução e valorização de sua

condição de sujeito. Portanto, para compreendermos as infâncias e o mundo que as

cercam é importante considerar as crianças como sujeitos sociais participativos na

construção e reconstrução, permanente, das culturas. Contudo, em nossa sociedade

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atual, ainda sobressai o entendimento de que às crianças devem ser preparadas para um

futuro idealizado pelo adulto, tendo como conseqüência problemas que podem reduzir a

vivência do lúdico na infância, a saber: a restrição dos espaços disponíveis para o

brincar; a industrialização dos brinquedos; o trabalho dos pais, as obrigações que

interferem no brincar das crianças. Esta é uma situação problemática encontrada em

qualquer camada da população e, até mesmo, com crianças que passam os seus dias no

hospital lutando contra diferentes enfermidades.

A doença, a própria intervenção terapêutica e, em alguns casos, a perspectiva de

morte ocasionam grande impacto na vida da criança e de seus familiares. Ambos

vivenciam uma nova e difícil situação que lhes traz medo e significativas perdas

relacionadas à sua condição. Em virtude do tratamento, ocorre uma interrupção do

cotidiano dessas crianças, o que geralmente provoca modificações não apenas no seu

desenvolvimento, mas também na vivência da ludicidade. Afastada de seu lar, escola,

amigos e demais espaços sociais ela se depara com uma realidade desconhecida e

mesmo hostil, quando o ambiente hospitalar em nada atende sua condição de criança no

que diz respeito as suas necessidades sociais, culturais, afetivas, educacionais e

recreativas (COSTA et al., 1997).

No entanto, ainda que a criança tenha sido diagnosticada com uma doença grave,

ela não perde a sua condição de criança, tendo igual necessidade de brincar e se divertir.

Apesar de acometida pelo mal estar e outras limitações, o interesse por atividades

lúdicas é mantido e torna-se, muitas vezes, motivo de superação de dificuldades. Neste

sentido, a promoção de atividades lúdicas, tendo como princípio de atuação à animação

cultural, no contexto hospitalar apresenta-se como uma possibilidade de atenção à

criança e seus anseios, possibilitando a ela se apropriar de elementos próprios da cultura

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lúdica e ter atendido seu direito e necessidade de brincar e de se divertir, já

reconhecidos por lei (BRASIL, 1995).

Não raro, os hospitais são espaços vistos como um ambiente frio e impessoal.

Local este, onde são vivenciadas situações delicadas à medida que os profissionais

lidam com o sofrimento de pessoas que enfrentam diferentes tipos de enfermidade.

Além disso, tendo em vista o aprimoramento técnico e científico no contexto da saúde,

Lunardi; Filho (2006) apontam que a dignidade do sujeito, frequentemente, é deixada

em segundo plano e dessa maneira a doença, muitas vezes, passa a ser objeto do saber

científico, desarticulada do ser que a abriga e no qual ela se desenvolve.

Refletindo sobre tais questões, é essencial problematizarmos o espaço hospitalar

para além da sua compreensão de lugar para a cura, mas, também, um local

multiplicador de relações afetivas, sociais e culturais. Neste sentido, temos percebido

que as formas de atendimento em unidades hospitalares e de promoção à saúde têm

passado por significativas transformações na tentativa de atender melhor diferentes

públicos.

Desde a homologação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, os

hospitais são obrigados a proporcionar condições para a permanência em tempo integral

de um dos pais ou responsáveis nos casos de hospitalização infantil e especificamente

sobre brinquedotecas, a Lei nº 11.104 (BRASIL, 2005) tornou obrigatória a sua

instalação nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de

internação.

Outra proposta pode ser observada, com a regulamentação, feita em maio de

2000 pelo Ministério da Saúde (MS), do Programa Nacional de Humanização da

Assistência Hospitalar (PNHAH) o qual, “propõe um conjunto de ações integradas que

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visam mudar substancialmente o padrão de assistência ao usuário dos hospitais públicos

do Brasil, melhorando a qualidade e eficácia de serviços hoje prestados por essas

instituições” (PNHAH, 2000)8.

Dessa forma, o programa visa principalmente promover mudanças em relação ao

atendimento nos hospitais do país por meio da busca de estratégias que podem

proporcionar melhorias do contato humano entre os profissionais de saúde e os

pacientes, entre os profissionais em si e entre os hospitais e as comunidades para um

eficaz funcionamento do Sistema de Saúde Brasileiro.

Um projeto de humanização pode ser aplicado em diferentes âmbitos

profissionais, pois o que deve se ressaltar é a importância da dimensão humana nas

relações diversas. O conceito de humanização hospitalar não possui uma forma clara

ainda, mas, como afirma Deslandes (2004), “é a forma de assistência que valoriza a

qualidade do cuidado do ponto de vista técnico, associada ao reconhecimento dos

direitos do paciente, de sua subjetividade e cultura, além do reconhecimento do

profissional”.

A humanização nos hospitais é uma proposta tendo em vista a necessidade de se

reestruturar, redimensionar a forma como as instituições públicas de saúde trabalham

em relação à vida, ao sofrimento e à dor de um indivíduo que se encontra fragilizado

por uma enfermidade (CEMBRANELLI, 2007).

Atualmente, alguns oferecem serviços como assistência social e psicológica,

estimulando os pais a participarem, de maneira integral, na internação de seus filhos.

Há, também, o desenvolvimento de esportes, atividades físicas ou reabilitação, de

atividades de leitura, trabalhos manuais, jogos lúdicos, construção de brinquedotecas e

palestras, envolvendo diversos profissionais, como: professores de educação física,

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terapeutas ocupacionais, atores, músicos, palhaços, entre outros, junto aos pacientes,

principalmente crianças e pais acompanhantes.

Diante deste contexto, mesmo considerando as emergências e ampliações de

políticas voltadas para o bem estar dos pacientes, ainda persiste uma visão restrita sobre

as possibilidades de desenvolvimento de trabalhos que busquem ressignificar o espaço

hospitalar. Tal postura, ocasionada por diversos fatores de ordem política, econômica e

social vigentes no nosso país, inviabiliza a implementação de ações mais consistentes e

pertinentes, desvalorizando, assim, os sujeitos presentes neste contexto.

Todo esse contexto nos impulsiona a pensar sobre intervenções lúdicas a serem

desenvolvidas no hospital e em outros espaços da cidade, de forma a enriquecer o

cotidiano das crianças em fase de tratamento. Neste sentido, destacamos que a Educação

Física e o Turismo, com possibilidades de ações pautadas nos conhecimentos sobre a

animação cultural, podem propiciar momentos de experiências e conhecimentos, nos

quais os sujeitos históricos podem buscar compreender o significado de seus gestos de

forma consciente, crítica e criativa.

Entendemos que essa intervenção educativa lúdica pode ser concretizada na

perspectiva da animação cultural, definida por Melo (2004) como sendo uma

possibilidade de intervenção pedagógica nos momentos de lazer. Para isso, o animador

cultural trata da cultura como essência e inspiração em seu trabalho. Para o autor, esse

tratamento deve se dar de maneira que o animador possa pretender construir uma

democracia cultural, sendo essa, uma perspectiva de atuação dialética, que crê em

estratégias de mediação para ampliar o grau de vivências culturais de um grupo.

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Assim, temos o desafio de ressaltar e considerar o duplo aspecto educativo que

deve estar presente nessa intervenção pedagógica, sendo: a educação pelo lazer e a

educação para o lazer (MELO; ALVES JUNIOR, 2003).

A educação pelo lazer considera as atividades como veículo de educação no

qual, o profissional, deve aproveitar o potencial das atividades para trabalhar valores,

condutas e comportamentos. Precisa construir um espaço em que, a partir da

problematização, seja permitida aos indivíduos a reelaboração e construção de novos

olhares acerca da realidade. Contudo, os profissionais devem ser cuidadosos para não

serem moralistas, pregadores de posturas e verdades absolutas.

A educação para o lazer é a outra dimensão do processo de intervenção

pedagógica no âmbito do lazer e se dá articulada com processos de mediação cultural.

Estar atento as diferentes formas de manifestação das culturas é prioridade do

profissional de lazer que, por meio de sua ação pedagógica, contribua para tornar os

indivíduos mais críticos perante o poder dos meios de comunicação e, também, ampliar

os conhecimentos acerca das diversas linguagens e novas formas de prazer presentes

nesses contextos.

É interessante perceber que ambas as dimensões educativas não estão livres de risco nem definem, a priori, uma atuação cujo compromisso seja o de superação do status quo. (...). Devemos tomar cuidado para que educar não seja sinônimo de adaptar os indivíduos à sociedade em vigor, mas sim do processo contrário, de questionamento dessa ordem (MELO; ALVES JUNIOR, 2003, p. 60). Melo; Alves (2003) esclarecem que o animador não impõe um programa de

intervenção de forma hierárquica, tendo, portanto, uma postura, na qual se tenta gerar,

nos sujeitos, reflexões construídas e problematizadas. Tal profissional deve se preocupar

em não agredir frontalmente as individualidades dos sujeitos, e educá-los para

construção de atitudes participativas. Crê-se em mediações, por parte do profissional,

para tentar criar e recriar diferentes realidades, gerando em conjunto com os sujeitos,

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alternativas de libertação. Alternativas essas, entendidas em Melo (2002) como

estimulação de novas experiências estéticas, já que no processo de educação das

sensibilidades é possibilitado aos sujeitos desenvolver diferentes percepções da

realidade, visto que lhe foi permitido o ato de julgar e criticar. É importante ressaltar

que a educação estética oferece novas formas de sentir e potencializar os prazeres de

cada indivíduo.

O animador deve - ser alguém que em um processo de mediação e diálogo pretende apresentar e discutir novas linguagens, um profissional que educa ao incomodar e informar sobre possibilidades de melhor sorver, acessar e produzir diferentes olhares (MELO, 2002, p. 106). Acreditamos que o trabalho com a animação cultural dentro de um contexto

hospitalar mais amplo pode e deve auxiliar no resgate da infância das crianças com ele

envolvidas (que são, em diversos aspectos, prejudicadas pela doença, seja pela perda do

brincar e se divertir, ou pelo comprometimento de parte de seu tempo durante a espera

pelas consultas) utilizando-se de brincadeiras, jogos e passeios e, assim, despertar novas

possibilidades para a vivência da infância e para o desenvolvimento pessoal e social

desse grupo, por meio de diversas intervenções, uma vez que este tem como público

alvo a criança e não o enfermo.

Não podemos negar que a dimensão ocupação do tempo das crianças que

freqüentam esse ambiente se faz presente em nossas intervenções. Entretanto,

pretendemos tratar a animação cultural desenvolvida dentro ou fora do espaço hospitalar

como uma ação crítica e contextualizada. Acreditamos, assim, que essa vivência

proporcionada é também um ato político na qual estabelecemos uma relação dialética

com o contexto social mais amplo.

Destacamos que na animação cultural a possibilidade de que o ambiente

hospitalar se apresente como um espaço onde as pessoas possam se relacionar umas

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com as outras, onde elas possam transcender os valores estabelecidos ao longo do

tempo, onde seja permitido vivenciar a alegria, o prazer e o lúdico que tradicionalmente

não são próprios desse local. Assim, acreditamos ser possível desconstruir o caráter

“frio e solitário” desse espaço, uma vez que nele as crianças são estimuladas a

reproduzirem seu próprio mundo e, dessa forma, contribuir para que se torne também

um local de encontro sociocultural com o outro e de construção de novas vivências e

olhares acerca da realidade vivida pelos sujeitos de nossas intervenções.

O projeto

Em Belo Horizonte, observamos a concretização de algumas propostas no

âmbito da Educação Física e do Lazer, dentre as quais podemos citar o Projeto Brincar,

que era realizado no Ambulatório Bias Fortes - Hospital das Clínicas da Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG). Tivemos a oportunidade de participar desse projeto

juntamente com profissionais de diversas áreas durante o primeiro semestre de 2000. A

nossa participação no Projeto Brincar gerou a constituição de um grupo de estudos e a

criação de um novo projeto, buscando ampliar e difundir esse tipo de proposta.

O Projeto – Compromisso Social da Educação Física com crianças que passam

por tratamentos hospitalares: intervenções lúdicas – foi implementado no ambulatório

São Vicente do Hospital das Clínicas da UFMG. É importante pontuar que essas

crianças apresentavam diferentes patologias e, em sua maioria, não freqüentavam

regularmente o ambulatório, dificultando o acompanhamento por parte dos estagiários

do Projeto.

Esse projeto teve duração de um ano e foi interrompido por uma demanda do

próprio grupo de estagiários que julgava interessante buscar um espaço de intervenção

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no qual fosse possível o acompanhamento das crianças atendidas. Para tanto, no ano de

2003 nos esforçamos para elaborar um projeto que pudesse atender a um grupo

específico e, no início de 2004, fomos convidados a retornar ao Ambulatório Bias

Fortes do Hospital das Clínicas da UFMG para atuar especificamente com as crianças

atendidas pela clínica de Hematologia. Em 2005, com a mudança da Hematologia

Pediátrica para o ambulatório Borges da Costa, foi cedido ao projeto, uma sala maior

com área externa, onde atualmente ocorrem nossas intervenções. Além desse espaço,

periodicamente, o ambiente hospitalar, enquanto local de atuação, é substituído por

áreas públicas e de interesse turístico da cidade de Belo Horizonte. Nesse período o

projeto ampliou sua discussão sobre e animação cultural e passou a ser denominado

Animação Cultural em Hospitais: intervenção da Educação Física e do Turismo com

crianças em Clínica de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG.

Nesta perspectiva, os objetivos desse projeto de extensão são: ampliar e

diversificar as possibilidades de vivências lúdicas para as crianças que freqüentam o

ambiente hospitalar seja através da apropriação do próprio espaço do hospital, seja pela

(re) apropriação dos espaços urbanos de lazer; auxiliar no tratamento das crianças,

entendendo que o lúdico é um componente essencial para o desenvolvimento humano,

que pode possibilitar o bem-estar social, a saúde das pessoas e a qualidade de vida;

reduzir a distância entre os sujeitos e os espaços urbanos de interesse turístico,

promovendo uma maior identificação e apropriação desses lugares como parte do

universo cotidiano de cada um; promover uma ressignificação do ambiente hospitalar e

da hospitalização em si, contribuindo para uma melhoria das relações humanas e para a

quebra de paradigmas geralmente presentes nas ações de atendimento hospitalar como

dualidade mente-corpo e o conceito de saúde restrito ao aspecto biológico; enriquecer a

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formação dos acadêmicos do curso de graduação em Turismo e Educação Física, tendo

em vista a importante contribuição desses na área da saúde e daqueles, no contexto

sociocultural local, com o intuito de oportunizar a sua inserção em projetos

interdisciplinares, integrando universidade e comunidade.

Assim, nossa intervenção, construída a partir de tais objetivos, tem o desafio de

não demonstrar características assistencialistas. Isso, porque entendemos o

assistencialismo como uma política que provoca a estagnação e o cultivo do problema

social, causando a dependência do receptor ao doador, que atua somente numa

perspectiva passiva diante da realidade. A política assistencial enquanto

assistencialismo, sob a aparência de ajuda (esmola), mantém as desigualdades sociais

(DEMO, 1996).

Dizemos política assistencial na forma de assistencialismo, porque concordamos

com o autor citado anteriormente, quando o mesmo ressalta que a política assistencial é

necessária e tem significado diferente do assistencialismo. A política assistencial, de

caráter emergencial em situações de luta por sobrevivência, corresponde a um direito,

cabendo ao Estado a garantia desse direito e cumprimento desse dever. Dessa forma,

apesar de vermos a necessidade do nosso país de lidar estrategicamente com políticas

desse caráter, esse não é o foco de nossa atuação. No entanto, não podemos

desconsiderar as possibilidades de existência de atitudes com características

assistencialistas nas nossas intervenções.

A atuação baseada na animação cultural propõe o avesso a essa lógica de

intervenção assistencialista, tendo em vista que possui como intencionalidade a atitude

de participação ativa do sujeito no processo de construção, que pode gerar condições de

emancipação dos mesmos.

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Assim, compreendemos que nosso trabalho possui características que vão ao

encontro do que Demo (1996) chama de Política Social:

Política Social não é ajuda, piedade ou voluntariado. Mas o processo social, por meio do qual o necessitado gesta consciência política de sua necessidade, e, em conseqüência emerge enquanto sujeito de seu próprio destino (p. 25).

Metodologia de Trabalho

O projeto é desenvolvido no Hospital das Clínicas - Ambulatório Borges da

Costa, em parceria com o Centro de Estudos de Lazer e Recreação da Universidade

Federal de Minas Gerais (CELAR/UFMG) e o Programa de Educação Tutorial (PET –

Educação Física e Lazer) do Colegiado de Graduação em Educação Física da UFMG,

ambos pertencentes à Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional

(EEFFTO) da UFMG. O projeto conta com a participação dos acadêmicos do curso de

Educação Física e Turismo (bolsistas e voluntários) e de quatro coordenadores do

projeto - sendo duas assistentes sociais e um professor orientador pertencentes ao

Ambulatório Borges da Costa do Hospital das Clínicas da UFMG e a EEFFTO,

respectivamente.

O público alvo são crianças atendidas pela clínica de Hematologia no

Ambulatório Borges da Costa do Hospital das Clínicas da UFMG e aquelas que

acompanham seus irmãos nas consultas e que, portanto, têm uma parte do seu tempo

comprometido, de forma direta ou indireta, em decorrência da doença dos irmãos.

Buscamos, também, alcançar pais e profissionais do hospital a fim de contribuir para

uma melhoria das relações pessoais neste espaço e uma troca de experiências que

possam conduzir a um entendimento mais crítico acerca da infância, do ambiente

hospitalar e do lazer.

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É importante ressaltar que a Educação Física é entendida a partir de uma

concepção abrangente, comprometida com vivências lúdicas diversificadas e

construídas coletivamente que podem ser desenvolvidas enquanto meio e fim

educacionais. Nesse sentido, é apresentado uma gama de possíveis atividades (jogos e

brincadeiras, bricolagem, danças, esportes, capoeira e etc) a serem realizadas que são

complementadas por outras brincadeiras sugeridas pelas crianças, que definem,

juntamente com os estagiários, aquelas que desejam realizar.

Entendendo o Turismo como um fenômeno social e espacial cujo elemento mais

importante é o sujeito, sua interação com o lugar visitado e cultura local, o trabalho

desenvolvido fora do hospital é constituído por passeios a lugares turísticos da cidade.

Participam dessa atividade os pacientes da Clínica de Hematologia Pediátrica e seus

acompanhantes (pais ou responsáveis e irmãos). São planejadas pelos acadêmicos

atividades diversas que objetivam, sobretudo, a ampliação das vivências desses sujeitos

nos diferentes lugares, de forma a promover uma apropriação mais efetiva e crítica

desses espaços.

As intervenções no hospital são realizadas durante as terças, quartas e quintas no

período da tarde e os passeios, duas vezes por semestre. Os espaços utilizados são a

Brinquedoteca, os corredores do Ambulatório e locais de interesse turístico da cidade de

Belo Horizonte.

Avaliação das ações no contexto hospitalar

Com objetivo de aprimorarmos nossas ações dentro do hospital, buscamos

constantemente um diálogo amplo sobre a maneira de avaliarmos nosso projeto. Sendo

assim, torna-se relevante colocarmos em pauta discussões sobre a avaliação.

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Pensar a avaliação no contexto da intervenção hospitalar, tendo como princípio a

animação cultural, é uma tarefa complexa. Busca, a priori, romper com a concepção

que ainda guardamos sobre a avaliação que, na maioria das vezes, faz dela um

procedimento aprisionado pela busca da objetividade, constantemente, traduzida em

dados quantitativos e, também, pela demasiada busca de um exame linear do programa

correlacionado às metas iniciais.

Em diversos âmbitos de atuação/intervenção é observado que a avaliação

tradicional tem sofrido fortes críticas. Sustentadas por diferentes paradigmas, como: seu

caráter externo, suas debilidades metodológicas, sua constante preocupação com a

eficiência e, contudo, pela sua incapacidade de apropriar-se do conjunto de fatores e

variáveis contextuais e processuais, que limitam e potencializam resultados e impactos

(CARVALHO, 1998).

Avaliar é apontar para o valor. E só se fala em valor no “departamento do humano”, que é o campo do simbólico, da atribuição de significado, de sentido. Falar em avaliar implica reportar-se a um olhar que distingue, que rompe com a indiferença, que estabelece pontos de referência para apreciação da realidade (RIOS, 1998, p. 113).

Neste sentido, buscamos compreender a avaliação como processo que busque

apreender a ação desde a sua formulação, implementação, execução, resultados e

impactos. Avaliar guarda, no seu sentido mais amplo, complexidades e especificidades

próprias, pois os resultados de uma dada ação social podem ser múltiplos e derivados de

diversificadas causas ou fatores. Portanto, não é uma avaliação que apenas mensura

quantitativamente os benefícios ou malefícios de um projeto/intervenção, mas que

qualifica decisões, processos, resultados e impactos.

Ventosa (2002) aponta três objetivos básicos que sustentam a utilização da

avaliação no âmbito da animação cultural, que é usada: como guia para tomar decisões,

para solucionar problemas e para promover a compreensão dos fenômenos implicados.

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Segundo o autor, na prática estes três parâmetros não só se expressam de maneira

gradual, mas, também, combinam entre si, dando lugar a valores de caráter mais global.

Pela pluralidade e complexidade de sujeitos presentes no cotidiano das

intervenções, nossas avaliações exigem cuidados. Utilizar certo procedimento de

avaliação pode oferecer subsídios para uma intervenção mais cuidadosa, que esteja

atenta ao contexto. Dessa forma, utilizar uma estratégia de avaliação atenta à

diversidade pretende desenvolver ações capazes de acolher e atender educativamente os

sujeitos diversos em relação à sua bagagem histórica, social e cultural, às capacidades,

aos interesses e às motivações. Portanto, a avaliação precisa captar a

multidimensionalidade sinalizada pelas especificidades do contexto.

Nesta direção, a avaliação participativa aproxima muito de nossa

intencionalidade de ação no contexto hospitalar. De acordo com Carvalho (1998), a

avaliação participativa torna-se um procedimento rico dado que sua realização é

partilhada com os sujeitos envolvidos, permitindo para além da avaliação uma

apropriação reflexiva e socializada. Para realização de uma avaliação participativa é

preciso levar em consideração as redes de interlocuções presentes no programa

(projeto), abrangendo todos os envolvidos. Conseqüentemente, garante à avaliação

maior densidade e limita seu risco de permanecer periférica. Alem disso, permite

detectar falhas ou estratégias inadequadas e alterá-las objetivando melhorar sua eficácia.

Compreender a avaliação no contexto hospitalar (animação cultural em

hospitais) se expressa como uma prática educativa social que influência e é influenciada

pelos contornos que a cercam. A participação das crianças, dos pais, familiares,

assistentes sociais, médicos, enfermeiras e animadores possibilitam uma maior

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valorização e reconhecimento das ações, sinalizando novas possibilidades de

intervenção.

Nessa perspectiva, o desenvolvimento deste projeto é consolidado por meio da

realização de reuniões semanais destinadas ao planejamento, organização e avaliação do

trabalho e a discussões de assuntos envolvendo o lúdico, a criança, lazer, animação

cultural e o ambiente hospitalar. Além disso, são promovidos encontros com

profissionais de diversas áreas do conhecimento com o objetivo de aprofundar os

conhecimentos necessários à realização deste projeto.

Nossas ações são avaliadas por meio de diálogo com as crianças e com os pais

e por nós, através do registro de impressões e observações no decorrer das atividades

propostas. Também são realizadas reuniões semanais entre supervisores e estagiários

envolvidos no projeto e, periodicamente, entre supervisores, estagiários e coordenação

do projeto no hospital, com o objetivo de discutir metodologias, conteúdos, avaliações,

conhecimentos sobre a realidade das crianças etc.

As intervenções, impressões e desafios de nossa atuação no hospital

As intervenções no hospital são realizadas durante as terças, quartas e quintas

no período da tarde e às sextas-feiras de manhã, com duração de aproximadamente 2

horas, e os passeios, uma vez por semestre. Os espaços utilizados são a Brinquedoteca e

os corredores do Ambulatório Borges da Costa e locais de interesse turístico da cidade

de Belo Horizonte.

No projeto, as crianças de 4 a 15 anos podem se envolver com a construção de

diferentes brinquedos, brincadeiras e jogos, dentre as várias possibilidades de atividades

que são realizadas dentro da própria Brinquedoteca, na sua área externa ou nos

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corredores do hospital e da eventual utilização de brinquedos industrializados durante as

intervenções. Nelas, temos trabalhado com uma média de 9 crianças por dia, exceto às

sextas-feiras, em que há uma média de 3 a 4 crianças.

Com o objetivo de produzir uma reflexão mais aprofundada através da vivência

das atividades propostas durante o ano, foram definidos temas que seriam trabalhados

ao longo dos dois semestres. No primeiro, optamos por trabalhar as temáticas meio

ambiente e corpo, temas definidos em razão da escolha do Parque das Mangabeiras e da

Escola de Circo de Belo Horizonte como destinos dos passeios em 2007.

A proposta de fazer um passeio ecológico no Parque das Mangabeiras levou-nos

a trabalhar nas intervenções, na brinquedoteca, a percepção das crianças em relação ao

espaço que seria visitado (um local de preservação ambiental, com animais, árvores e

plantas diversas), além da forma com que elas poderiam usufruir, se apropriar e

interagir melhor com estes espaços. Durante o planejamento das intervenções, esse tema

acabou sendo dividido em subtemas, com o objetivo de diversificar nossas ações

durante as semanas, além de contemplar as diversas esferas que compõem essa ampla

temática.

Através de brincadeiras, construção de maquetes e brinquedos, teatros e

contação de histórias, foram concebidas diferentes formas de se preservar a natureza,

problematizando os acontecimentos ambientais atuais e, assim, pensando o nosso papel

diante da degradação e da preservação do ambiente: o consumo exacerbado, a grande

produção de lixo, a poluição dos rios, o tráfego de animais silvestres e o crescimento

desordenado das cidades, por exemplo.

Diversas brincadeiras foram adaptadas ao tema, outras foram criadas: durante o

bimestre foram feitas brincadeiras de colagens utilizando folhas e flores, de pegador

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com o tema sapo, da dança da cadeira com a música do sapo (o sapo não lava o pé...), de

histórias coreografadas (nas quais as crianças constroem tanto a história quanto os

gestos a serem feitos durante a brincadeira), de construção de animais de massinha de

farinha de trigo, de construção de brinquedos com materiais reciclados (bonecas de

garrafa plástica, bichinhos com potes de iogurte e suporte de ovos, óculos, dentre

outros). Além dessas, foram feitas outras brincadeiras sugeridas pelas crianças: brincar

de casinha, de carrinho, de quebra-cabeça, de elástico, jogo do mico, damas e de

varetas.

Assim, a definição de temas e subtemas não impediu que outras brincadeiras e

brinquedos fossem utilizados nas intervenções: uma delas iniciou-se com a brincadeira

do ciclo da água, onde as crianças “se transformaram” em água e, contando-se uma

história por meio de movimentos coreografados, elas percorrem toda a trajetória de uma

gota d’água, em seu ciclo. Esta brincadeira promoveu uma interação tão grande entre as

crianças que, logo após terminá-la, elas se organizaram e iniciaram outra brincadeira: as

crianças colocaram uma cadeira atrás da outra e começaram a brincar de ônibus, que

possuía motorista, trocador, passageiro e até uma roleta. Depois, brincaram de gato e

rato, carrinho, ping-pong, elástico, peteca, vareta, balão, desenho, pintura e massa de

modelar (com a massa, as crianças fizeram uma fábrica de pirulitos). Neste dia, houve

também a participação de algumas mães nas brincadeiras: uma delas quis pintar e uma

outra ficou ajudando o filho de dois anos a pintar. Este dia foi interessante, pois a

interação propiciada pela primeira brincadeira foi à precursora do envolvimento das

crianças que, então, propuseram quase todas as atividades posteriores.

Como destacado anteriormente, para o primeiro semestre de 2007, o destino

escolhido pelos membros do projeto foi o Parque das Mangabeiras, onde seriam

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discutidas questões sobre o meio ambiente por meio da interpretação ambiental. Essa

proposta sugere que sejam feitas reflexões sobre temas ambientais de forma lúdica e

participativa, através de brincadeiras e da interpretação da paisagem.

Para o passeio foram organizados, entre os animadores, grupos responsáveis

pelo guiamento das crianças e pais pelo parque, pelas brincadeiras que seriam realizadas

no ônibus e durante a visitação e pelo lanche no final da intervenção. Durante o passeio,

tentou-se resgatar subtemas e discussões levantadas nas atividades na brinquedoteca do

hospital.

Na temática corpo, também pensada a partir da possibilidade de realização de

um passeio à Escola de Circo, buscamos manter as dinâmicas dos subtemas, como feito

com a temática anterior. Com objetivo de ampliar o nosso olhar e, principalmente, o das

crianças, elegemos atividades que abordassem questões cotidianas sobre o tema, abrindo

possibilidades de lidar, de forma crítica e criativa, com o próprio corpo, com o corpo do

outro e suas interlocuções e as diversidades corporais no mundo.

Para tanto, fizemos brincadeiras, danças, jogos, desenhos, bonecos de massa de

modelar e papelão, teatros, brincadeiras cantadas que possuíam ligação com a temática

do corpo (música da formiguinha – que vai ao mercado – em forma de pegador; música

“todo movimento baila baila baila” um dedo, o braço...; música “Rock Pop” eu ponho a

mão direita dentro...) dentre outras, que pudessem explorar os limites e as possibilidades

de ação tanto físicos quanto culturais das crianças com seus corpos. Um exemplo de

como pensar esses limites é a brincadeira “ombro com ombro”, atividade que teve um

importante papel para suscitar um debate sobre os “contatos corporais”, abrindo

possibilidades de discussão de questões referentes à sexualidade.

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Outro momento das intervenções ilustra bem como trabalhamos as temáticas

dentro das possibilidades de cada grupo: a animadora cultural iniciou uma conversa

sobre o corpo: o que é o corpo? o que faz parte dele? quais as diferenças? as suas

marcas e as histórias destas marcas, dentre outras. Quase todas as crianças contaram

histórias de cicatrizes que tinham e algumas delas ficaram escutando o que as outras

relatavam. Em seguida, fizeram uma brincadeira em que todos deviam fazer um

desenho ou escrever uma palavra em um papel e colocá-lo no meio da roda. Cada

participante deveria, então, retirar um papel do meio da roda e contar uma história a

partir do que tinha desenhado e a história deveria ser continuada pelo próximo da roda

que também deveria pegar um papel.

Para o desenvolvimento de ambas as temáticas foi necessário que

pesquisássemos sobre os temas, a fim de diversificarmos nossas ações. As reuniões

semanais e a partilha de vivências entre os membros do projeto, também foram

essenciais para o planejamento e a organização de nossas intervenções. Contudo,

ressaltamos que a realização das intervenções com temáticas definidas constituiu-se em

um grande desafio, pois foi necessário conceber novas possibilidades de realização das

atividades, ressignificando diversas brincadeiras, com o objetivo de que nossas

intervenções estivessem ligadas a um tema central e que pudessem, de fato, contribuir

para a construção de olhares mais críticos sobre as temáticas propostas. Paralelamente,

esse trabalho exigiu do grupo um planejamento mais sistemático das atividades e das

brincadeiras que seriam realizadas nas intervenções e, também, uma flexibilidade frente

ao que foi planejado prévio. Por exemplo, nem todas as brincadeiras sugeridas pelos

animadores foram bem aceitas e, por vezes, devido ao número reduzido ou a não

regularidade das crianças que frequentam à brinquedoteca, foi necessário mudar as

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atividades e, até mesmo, “deixar de lado” o tema proposto. Em um dos dias da semana,

por exemplo, em que não havia um grupo regular a cada dia de intervenção, por várias

vezes foi necessário fazer outras atividades que promovessem a integração do grupo

para que houvesse neles uma apropriação mais afetiva com o espaço da brinquedoteca.

Acreditamos que a participação das crianças na construção, desenvolvimento e

avaliação de nossas intervenções é uma das bases para a concretização desse projeto. A

participação é um direito, um exercício pleno da liberdade e da cidadania, sem a qual é

impossível construir e consolidar a democracia. Através do estímulo à participação

pode-se modificar o status quo vigente, criar e recriar diferentes realidades, gerando em

conjunto com os sujeitos, vivências mais consistentes e transformadoras.

Dessa forma, nossas intervenções são construídas e desenvolvidas com o auxílio

das crianças: da mesma forma que apresentamos a elas propostas de atividades e

brincadeiras, incentivamo-nas a proporem novas brincadeiras, a pensarem o significado

de seus gestos nelas, a ensinarem as suas diferentes formas de brincar e a criarem novas

vivências, pautadas em sua imaginação e criatividade. Trata-se, portanto, de momentos

de construções coletivas, ativas e contextualizadas nos quais, como ressaltam Melo;

Alves Júnior (2003), entendemos a animação cultural por meio do “paradigma

dialético”, ou seja, como construção de uma democracia cultural. Dessa forma, “o

animador considera a realidade com base no contexto em que ele se apresenta, tentando

interpretá-la de forma global, complexa, dialética e diacrônica” (p.63).

Outro ponto a destacar é que na sala da brinquedoteca, encontram-se alguns

armários onde ficam guardados diferentes brinquedos, especialmente carrinhos e

bonecas, que foram doados para as crianças utilizarem durante a espera pelo

atendimento. Esses constituíam para os animadores um constante desafio: conquistar a

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atenção das crianças frente ao fascínio causado pelos brinquedos industrializados. Como

alternativa, após várias ponderações entre os membros do projeto, decidimos, por meio

de diálogos com as crianças, alternar os dias que tais armários seriam abertos.

Posteriormente, fomos conquistando a atenção das crianças a ponto de esquecerem a

existência dos armários, exceto algumas que não estavam, constantemente, presentes

nas intervenções. Outro desafio, provocado por estes brinquedos industrializados, é o

fato de, na maioria das vezes, sugerirem sua utilização de forma individual, pouco

contribuindo para a integração das crianças e ocasionando a separação entre meninos e

meninas. Foi necessário pensar, dessa forma, estratégias para que os mesmos pudessem

contribuir para a integração das crianças em uma só brincadeira. Ao mesmo tempo, foi

preciso construir juntamente com as crianças outras atividades que também fossem

divertidas e que exigissem a participação de todos, substituindo, gradativamente, as

brincadeiras individuais pelas coletivas. No último semestre de trabalho, notamos que a

maioria das crianças deixou de pedir para brincar com brinquedos industrializados e,

quando o faziam, procuravam os que pudessem ser utilizados por um número maior de

pessoas, como o quebra cabeça, bola, peteca, dama, elástico, entre outros.

Em uma de nossas intervenções, como havia muitas semanas que os animadores

não abriam o armário (e as crianças também não haviam pedido), decidiram abrí-lo e

deixar as crianças à vontade para utilizar quais objetos quisessem. Ao contrário do

esperado, as crianças escolheram apenas um brinquedo – uma peteca – e brincaram

todas juntas. Em seguida, elas brincaram de pega-varetas e outros jogos que

necessitavam a participação de todos.

O envolvimento com os pais e familiares das crianças, de forma a integrá-los nas

nossas ações, sempre foi um ponto discutido e uma importante condição para uma boa

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atuação do grupo e para a participação das crianças nas atividades. Observamos que,

com o incentivo dos pais, as crianças se sentem mais seguras e à vontade para se

apropriarem do momento e do espaço das intervenções o que, por conseqüência,

contribui para um maior envolvimento e uma maior integração com as outras crianças e

conosco.

Buscamos uma maior participação de todos nas intervenções através do

incentivo às crianças a freqüentarem a brinquedoteca, a brincarem conosco, construírem

brinquedos, a inventarem brincadeiras novas e a participarem dos passeios. Muitas

crianças, assim que chegamos ao hospital, dirigem-se à brinquedoteca. Outras, por

limitações que a doença, timidez ou por não reconhecerem aquele espaço como lugar de

diversão, permanecem no corredor do ambulatório, onde aguardam com os pais o

atendimento médico. Saímos, então, da brinquedoteca e vamos até o corredor convidá-

las para participar das brincadeiras com as demais crianças. Algumas ficam tímidas e

recusam-se a brincar conosco, e é nesse nosso primeiro contato com as crianças que os

pais contribuem de forma significativa: muitos incentivam os filhos a participarem das

atividades, acompanham-nos até a brinquedoteca e as observam durante toda a

brincadeira e outros, ainda, após nossos convites, participam de algumas atividades com

os filhos.

Conquistar a confiança dos pais e das crianças atendidas no Ambulatório

Borges da Costa é uma constante em nosso trabalho. A cada semestre, uma nova dupla

de animadores fica responsável pela intervenção em um dia da semana9, que nem

sempre corresponde ao mesmo dia em que atuava no semestre anterior. Encontra,

portanto, um número maior ou menor de crianças, que gostam mais de brincadeiras ou

de brinquedos. Ao mesmo tempo, as crianças se deparam com animadores com

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diferentes características, enfim, são situações muito diversas que exigem, tanto dos

estagiários quanto das crianças um exercício de conhecimento e de aproximação que

demanda certo tempo e uma grande flexibilidade de ambas as partes.

Neste ano, fomos desafiados a nos aproximarmos e conquistarmos a confiança

das crianças para participarem das intervenções as sextas-feiras pela manhã. Até o início

do ano, tínhamos intervenções somente nas terças, quartas e quintas-feiras pela tarde e,

nesses períodos, era possível o acompanhamento das crianças ao longo de todo o

semestre, uma vez que a cada dia de intervenção havia um grupo, praticamente,

constante de crianças sendo atendidas no ambulatório.

A cada sexta-feira um novo grupo de crianças era atendido no ambulatório para

fazer triagem (diagnóstico de patologias) e, portanto, as crianças com as quais

brincávamos em uma semana dificilmente eram as mesmas na outra semana de

intervenção. Dessa forma, esse trabalho exigiu flexibilidade dos animadores, deparando-

se, a cada semana, com um grupo ainda mais diversificado que, na maioria das vezes,

não conhecia a brinquedoteca, reconhecendo aquele espaço somente como um lugar

para tratamento de enfermidades. Como estratégia, por diversas vezes, tivemos que tirar

brinquedos e materiais da brinquedoteca e levá-los para o corredor do ambulatório indo

ao encontro com as crianças, que ficavam muito tímidas e desconfiadas e se recusavam

a entrar na brinquedoteca.

Observamos que, devido à gravidade da doença dos filhos, há uma tendência a

superproteção por parte dos pais e familiares. Muitas crianças são proibidas de correr,

de sentar no chão e até mesmo de brincarem na brinquedoteca, tamanha a preocupação

com a saúde dos filhos. Certa vez, uma das mães se irritou com a permanência de seu

filho na brinquedoteca, pois o queria sempre a seu lado na fila, no corredor do

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ambulatório. Essa preocupação exagerada com os filhos também se constitui como uma

questão importante a ser discutida em nossa atuação no hospital, já vez que exige

cuidados tanto para a aproximação das crianças como dos pais.

Apesar dessa superproteção, temos observado que ao longo do tempo, com o

trabalho desenvolvido no ambulatório e após alguns passeios realizados, que a distância

existente entre nós e os pais das crianças vem se estreitando gradativamente. Os

passeios, em especial, contribuem de forma significativa para nossa aproximação com

os pais uma vez que uma das condições para que a criança participe dos passeios é estar

acompanhada dos pais ou dos seus responsáveis, que acabam participando de toda a

atividade proposta e, portanto, ficam mais próximos do grupo de animadores e podem

compreender melhor o trabalho desenvolvido.

Assim, temos notado uma crescente participação dos pais, ainda que de forma

indireta, nas nossas intervenções. Em relação ao brincar e, mais amplamente, à infância,

notamos que alguns pais, apesar da atitude predominante em nossa sociedade de

subjugar tais elementos a posições de menor importância frente às diversas

“obrigações” e “compromissos” cotidianos, passaram a dedicar um maior apoio e

valorização aos mesmos. Isso pôde ser evidenciado, por exemplo, no envolvimento com

as brincadeiras, no respeito às mesmas, no cuidado para não interromper as atividades,

na permissão dada aos filhos para brincarem um pouco mais após as consultas e na

disponibilidade em acompanhar as crianças nos passeios e participar das atividades

propostas nas visitas. No entanto, observa-se, ainda, que alguns pais agem de forma

contrária, dedicando menor atenção a esses aspectos e reservando à vivência cultural

lúdica a função única de ocupação do tempo das crianças enquanto aguardam pelo

atendimento médico.

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Com a utilização do espaço hospitalar para atividades geradoras de diversão,

agitação e barulho, notou-se novos comportamentos e olhares dos profissionais do

ambulatório sobre a brinquedoteca e sobre o nosso trabalho: alguns enfermeiros que, a

princípio, acompanhavam, distantes, as intervenções, passaram a interagir mais com as

crianças dentro da brinquedoteca, momentos antes das consultas em vez de

simplesmente aguardarem-nas na porta da sala para o atendimento. E foi a partir dessa

interação que uma maior troca de saberes entre a equipe e os animadores passou a

ocorrer, o que contribui para nosso conhecimento sobre a doença, as limitações e

possibilidades de ação com as crianças atendidas pelo ambulatório.

Outro ponto a ser destacado, refere-se à percepção das áreas da Educação

Física e do Turismo neste ambiente e, ainda, na existência de projetos como o que

desenvolvemos. Questionamentos e comentários envoltos de estranhamento como:

“Vocês são da Educação Física e do Turismo dando recreação dentro do hospital?” nos

fizeram perceber o quanto essas duas áreas estão relacionadas e como a elas,

freqüentemente, são atribuídas intervenções e formas de trabalhar muito específicas e

tradicionais. O trabalho no hospital é, portanto, uma forma de afirmar, tanto para os

acadêmicos como para a sociedade, a multiplicidade de formas e possibilidades de

atuação desses profissionais.

Acreditamos que o conhecimento e a prática da interdisciplinaridade

qualificam os profissionais para uma atuação mais crítica e nos faz compreender melhor

nosso papel social enquanto animadores culturais na educação para e pelo lazer. Através

do Lazer – aqui entendido como um amplo e interdisciplinar campo de estudos,

pesquisas e atuação – Educação Física e Turismo têm se aproximado à medida que o

trabalho em conjunto neste projeto tem possibilitado a ambos conhecer as

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especificidades de cada área e compartilhar percepções em relação ao tema Lazer

decorrente de cada perspectiva de formação profissional e contribuído para novas

concepções e visões acerca da multidisciplinaridade do lazer e, assim, revelado diversas

possibilidades de intervenção interdisciplinares em relação ao mercado de trabalho

atual.

Considerações Finais

Em nossa atuação, buscamos a construção coletiva de intervenções lúdicas,

dentro e fora do hospital, que possam enriquecer o cotidiano das crianças em fase de

tratamento. Para tanto, vimos que é necessário reconhecer o espaço hospitalar como um

local multiplicador de relações, representando, assim, momentos de experiências e

conhecimentos, nos quais os sujeitos históricos possam buscar compreender o

significado de seus gestos de forma consciente, contextualizada, crítica e criativa.

A respeito do espaço hospitalar e da hospitalização percebemos,

principalmente em relação às crianças e aos pais, uma mudança na maneira de se

apropriar e conceber tal ambiente. Este passou a representar para muitas, um lugar com

o qual se identificam, interagem com outras crianças e onde é lícita e possível a vivência

da ludicidade. Essa mudança em relação aos lugares, em geral, também pôde ser

verificada a partir dos passeios que, por se tratarem de visitas a espaços públicos,

contribuíram para uma maior identificação das crianças com os lugares visitados,

despertando nelas um sentimento de propriedade e de pertencimento em relação aos

mesmos e que, portanto, poderiam utilizar e se apropriar quando e como quisessem.

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De qualquer forma, acreditamos que tais vivências têm suscitado nas pessoas

envolvidas uma visão mais integral sobre a criança que passa por tratamento médico,

sobretudo no que se refere à percepção de seu lado saudável, desfocado da doença.

Nesse sentido, nossa atuação no hospital tem sido pautada em estratégias de

mediação cultural que possam gerar reflexões construídas e problematizadas e que,

dessa forma, amplie o grau de vivências culturais desse grupo. E, assim, uma de nossas

constantes preocupações, enquanto animadores culturais, é de respeitar as

individualidades dos sujeitos e educá-los para uma postura de participação e construção

de novas vivências.

Ao que foi exposto acrescentamos, ainda, que a efetivação deste Projeto tem se

apresentado como um importante aprendizado sobre a animação cultural, ludicidade,

infância, educação, hospitalização, Educação Física, Turismo, Lazer que ultrapassa

nosso saber acadêmico.

De fato, temos lidado com muitos desafios e ricas possibilidades como: ter

disponível um espaço com várias limitações que ultrapassam o aspecto físico; trabalhar

com um público de crianças de quantidade, faixa etária, classe social, condições físicas

e mentais diversas; perceber a necessidade de promover uma maior inclusão das

crianças portadoras de necessidades especiais; perceber a necessidade de discutirmos

aspectos ligados a infância e à importância do brincar e aprendermos mais sobre suas

dificuldades e interesses; termos que lidar em alguns momentos com sentimentos de dor

e tristeza nossos, dos pais e das próprias crianças. Tais desafios apresentam-se como

estímulos à aquisição de maior experiência e ao alcance de soluções criativas que nos

capacitem a melhorar nosso trabalho, tornando-o mais abrangente no que se refere a sua

proposta e ao público atingido.

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Notas 1 Acadêmico do Curso de Educação Física da UFMG. Bolsista da Pró-Reitoria de Extensão da UFMG. 2 Acadêmicos do Curso de Educação Física da UFMG. Bolsistas do Programa de Educação Tutorial (PET) – Educação Física e Lazer da UFMG. 3 Acadêmicas do Curso de Turismo da UFMG. 4 Acadêmicos do Curso de Educação Física da UFMG. 5 Acadêmica do Curso de Turismo da UFMG. Bolsista da Rede Cedes/Ministério do Esporte - Núcleo UFMG. 6 Professores da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG. Coordenadores do Projeto. 7 Maiores informações no site: www.doutoresdaalegria.org.br 8 Maiores informações.: http://www.portalhumaniza.org.br 9 Os dias de intervenção são organizados de acordo com a disponibilidade de cada animador, definindo seu horário e dia de atuação após reuniões entre os membros do projeto. Informação sobre os autores: Prof. Dr. Hélder Ferreira Isayama Professor Adjunto da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG Endereço do grupo: CELAR/EEFFTO/UFMG Av. Pres. Carlos Luz 4664 – Pampulha Belo Horizonte – MG – 31310-250 Endereço Eletrônico: [email protected]

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