ANÁLISE LOCACIONAL DOS ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E FISCAIS DA PRODUÇÃO DE SOJA EM MATO GROSSO

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87 Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 7, n. 14, jan./jun. 2012. ANÁLISE LOCACIONAL DOS ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E FISCAIS DA PRODUÇÃO DE SOJA EM MATO GROSSO Dilamar Dallemole * Alexandre Magno de Melo Faria ** RESUMO Este estudo tem como escopo central avaliar a atividade produtiva da soja, considerando sua capacidade de geração de emprego, renda e arrecadação de ICMS para os municípios mato-grossenses. Já é notória a existência de uma significativa bibliografia voltada a estudos sobre soja, contudo, nem todos os aspectos foram abordados ou correlacionados. A metodologia proposta correlaciona essas variáveis, por meio de um indicador de especialização local, utilizado em estudos para delimitar a localização de atividades econômicas. Este indicador, plotado graficamente, permite identificar se há alguma anomalia na estrutura de arrecadação ou na formalização do emprego. Especificamente no caso de Mato Grosso, 44 municípios foram selecionados como especializados e como esperado o gráfico da renda se mostrou mais estável, enquanto que os do emprego e da arrecadação exibiram variações mais significativas, identificando situações as quais podem sugerir distorções no registro de empregados e recolhimento de ICMS. Em relação ao emprego, alguns municípios apresentaram uma especialização no registro de empregados muito elevada, destoando da geração de renda, mas que confirma essa formalização. O mesmo não acontece com a arrecadação de ICMS, pois muitos municípios registraram uma especialização superior e outro inferior da renda, sendo que ambas as situações acarretam em problemas de distribuição de receita para as regiões. Apesar de se tratar de um fato sistêmico, a alocação de recursos públicos fica comprometida e as desigualdades regionais podem estar sendo fomentadas pela própria administração pública. Palavras-chave: Soja-Renda. Soja-Emprego. ICMS-Mato Grosso. * Doutor em Ciências Agrárias; Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: [email protected]. ** Doutor em Desenvolvimento Socioambiental; Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: [email protected].

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ANÁLISE LOCACIONAL DOS ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E FISCAIS DA PRODUÇÃODE SOJA EM MATO GROSSO

Dilamar Dallemole*

Alexandre Magno de Melo Faria**

RESUMO

Este estudo tem como escopo central avaliar a atividade produtiva da soja, considerando suacapacidade de geração de emprego, renda e arrecadação de ICMS para os municípios mato-grossenses.Já é notória a existência de uma significativa bibliografia voltada a estudos sobre soja, contudo, nemtodos os aspectos foram abordados ou correlacionados. A metodologia proposta correlaciona essasvariáveis, por meio de um indicador de especialização local, utilizado em estudos para delimitar alocalização de atividades econômicas. Este indicador, plotado graficamente, permite identificar se háalguma anomalia na estrutura de arrecadação ou na formalização do emprego. Especificamente nocaso de Mato Grosso, 44 municípios foram selecionados como especializados e como esperado ográfico da renda se mostrou mais estável, enquanto que os do emprego e da arrecadação exibiramvariações mais significativas, identificando situações as quais podem sugerir distorções no registro deempregados e recolhimento de ICMS. Em relação ao emprego, alguns municípios apresentaram umaespecialização no registro de empregados muito elevada, destoando da geração de renda, mas queconfirma essa formalização. O mesmo não acontece com a arrecadação de ICMS, pois muitos municípiosregistraram uma especialização superior e outro inferior da renda, sendo que ambas as situaçõesacarretam em problemas de distribuição de receita para as regiões. Apesar de se tratar de um fatosistêmico, a alocação de recursos públicos fica comprometida e as desigualdades regionais podemestar sendo fomentadas pela própria administração pública.

Palavras-chave: Soja-Renda. Soja-Emprego. ICMS-Mato Grosso.

* Doutor em Ciências Agrárias; Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: [email protected].

** Doutor em Desenvolvimento Socioambiental; Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso.E-mail: [email protected].

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LOCATIONAL ANALYSIS OF SOCIOECONOMIC AND FISCAL ASPECTS OF SOY PRODUCTIONIN MATO GROSSO

ABSTRACT

This study has the objective to assess the central activity of soybean production, consideringtheir capacity to generate employment, income and revenues of ICMS to municipalities in Mato Grosso.It is noticeable that there is a significant literature dedicated to studies on soy, however, not all aspectswere correlated. The proposed methodology correlates that variables by means of an indicator of localexpertise, used in studies to define the location of economic activities. This indicator, plotted graphicallyidentifies if there is any abnormality in the structure of collection or in formal employment. Specificallyin the case of Mato Grosso, 44 municipalities were selected as specialized and as expected, the graphof income was more stable, while the employment and revenue showed most significant changes,identifying situations that may suggest distortion of the record of employees and payment of ICMS.With regard to employment, some municipalities had a specialization in the register of employeesvery high, which clashes with the generation of income, but confirms that formalization. Not so withthe collection of ICMS, where many municipalities recorded a higher specialization of the lower incomeand other, since both situations cause problems in distribution revenue for the regions. Although it isa fact that systemic allocation of public resources is compromised and regional inequalities may bebeing encouraged by government.

Keywords: Soy-Income. Soy-Employment. ICMS-Mato Grosso.

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1 INTRODUÇÃO

A agricultura vem registrando significativastransformações em Mato Grosso, principalmentemotivadas pela mudança do padrão tecnológicoutilizado nas lavouras (PRIMAVESI, 1997). Achamada “Revolução Verde” permitiu que oestado obtivesse um elevado nível de produçãonos últimos anos em virtude do melhoramentogenético apresentado com as novas cultivares.

Além do melhoramento genético, deacordo com Pereira (1995), o crescimento daprodução agrícola, em especial a da soja, principalproduto da pauta de exportações mato-grossenses, se deve ao processo de modernizaçãoda agricultura, que adotou um modelo demudança em sua base técnica. Mato Grossomigrou de um processo de cultivo na agricultura,cujas bases técnicas eram rudimentares,passando a adotar máquinas e equipamentos deforma intensiva, assim como insumos edefensivos agrícolas.

Não obstante, as mudanças institucionaissomaram-se a essa nova base tecnológica nocampo e, conjuntamente, configuraram um novocenário do agronegócio brasileiro. Nos últimosanos a abertura comercial, seguida dadesregulamentação dos mercados, as reformasna política agrícola e a consolidação de blocoseconômicos acabaram de consolidar um modelocompetitivo de produção no campo, com anecessidade de ganhos de escala, considerandosignificativos investimentos em tecnologia (JANK;NASSAR, 2000).

O estado de Mato Grosso acompanhou anova estrutura produtiva e passou a se destacarna produção de diversas culturas, sendo o cultivodo grão de soja, a principal no que se refere aexploração agrícola. Dado a facilidade empromover o encadeamento de atividades, emfunção de seu cultivo e beneficiamento, a sojaampliou sua área de abrangência no estado,

espalhando-se por, praticamente, todas asregiões, com reflexos positivos sobre os padrõessocioeconômicos (DOMINGOS, et al. 2010).

Todavia, alguns aspectos relacionados àsojicultura, ainda, permanecem à margem dadiscussão em Mato Grosso, como a formalizaçãoda mão de obra, a arrecadação de impostos esuas relações com a renda. Domingos (2010)relaciona alguns dos principais estudos sobre areferida atividade nas demais regiões brasileirase nesse estado, considerando a baixainternalização de renda e arrecadação deimpostos, entretanto, aborda o expressivocrescimento na produção. Pereira (1995) ePrimavesi (1997) complementam abordando astemáticas relacionadas à modernização agrícolae às questões agroecológicas, contudo, não sepercebe uma avaliação mais aprofundada acercados mecanismos relacionados ao sistema deregistro de empregos e arrecadação de impostos.

De acordo com dados do Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE, 2012), aprodução de soja em 2009 ultrapassou 10,5bilhões de reais para uma arrecadação de 238milhões. Participou com 18,4% no total da receitado estado, enquanto que sua contribuição naarrecadação de impostos e na geração de postosde trabalho foi de apenas 7,2% e 4,7%,respectivamente. Considerando estasinformações, o questionamento a ser analisadoestá relacionado a possíveis anomalias nossistemas de registro destas informações.

Nesse sentido buscou-se, por meio de umaferramenta de análise locacional, identificaralguns aspectos relacionados à especialização naarrecadação e no registro de empregos. Aintensão é identificar os locais que apresentamalguma disfunção nos sistemas responsáveis pelaformalização do emprego e pelo recolhimento deICMS em Mato Grosso.

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Fonte: IBGE, 2012.

O milho gera uma renda semelhante a doalgodão, contudo sua participação é de apenas12,2%. Cana-de-açúcar, arroz e feijão seguem norol das principais culturas produzidas, contudo,sua representatividade, assim como a rendagerada, não possui a mesma magnitude, mas sãoimportantes devido às questões relativas àsegurança alimentar.

No caso da soja, a área colhida em MatoGrosso foi de 5,8 milhões ha em 2009, querepresentou 26,8% daquela ocupada pela atividadeno Brasil. Por meio dos dados contidos na Tabela 2,ainda, é possível perceber que a produtividade localde 3,1 t/ha é superior a produtividade nacional deapenas 2,6. Este fator é responsável pela maiorrepresentatividade em quantidade produzida, cujoregistro foi de 31,3% em 2009.

2 A PRODUÇÃO DE SOJA EM MATO GROSSO

Mato Grosso é considerado um dosprincipais produtores de commodities do País, comgrande destaque para a soja, milho e algodão.Como pode ser observado na Tabela 1, em 2009 oestado foi responsável pela metade da produção

brasileira de algodão, alcançando a cifra de 1,7bilhões de reais. Na sequência, em termos departicipação na produção, a soja mato-grossenserepresenta 27,7% da produção nacional, sendocomputada em mais de 10 bilhões de reais.

Tabela 1- Produção de lavoura temporária em Mato Grosso, 2009

Tabela 2 - Produção de soja no Brasil e em Mato Grosso, 2009

Fonte: IBGE, 2012.

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A produção de soja está distribuída em umsignificativo número de municípios em MatoGrosso. Os dados da Tabela 3 comprovam aprodução média estadual informada,considerando que os principais produtoresapresentam indicadores semelhantes. A maiorárea destinada está disposta no município deSorriso, que com cerca de 590 mil ha produziu1,8 milhões de t. Mantendo a mesma média, osegundo maior produtor é Sapezal, com 362 milha e 1,1 milhões de t.

Apesar da produção de soja apresentarnúmeros significativos, o mesmo não ocorre coma empregabilidade e arrecadação de impostos pelosetor. Devido à alta intensidade tecnológica exigidapara que os ganhos de escala sejam atingidos, ademanda por trabalhadores não se apresenta deforma intensa em Mato Grosso e a soja, principalresponsável pelo superávit da balança comercialregional, representa apenas 4,7% do emprego,conforme dados da Tabela 4. Ainda, em 2009 foiregistrado um trabalhador para cada 197 ha.

Tabela 3 - Principais municípios produtores de soja em Mato Grosso, 2009

Fonte: IBGE, 2012.

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Fonte: IBGE, 2012; SEFAZ-MT, 2009.

Esta breve contextualização indica que asojicultora é uma atividade representativa nadinâmica da socioeconomia local. Ao se avaliaras referidas peculiaridades da soja em Mato

Grosso, considerando o que já foi exposto, a baseanalítica proposta, suportada em modelos deanálise regional, encaixa-se de forma maisadequada a este estudo.

No que se refere à arrecadação deimpostos, o registro apresenta a sucintarepresentatividade de 7,2% do total de ICMS emMato Grosso (Tabela 4). Trata-se de questõesimportantes, tendo em vista que o cultivo da soja

gera uma renda elevada, quando comparada àsdemais atividades do estado, mas não mantémessa mesma representatividade traduzida empostos de trabalho e arrecadação.

Tabela 4 - Produção, arrecadação e empregabilidade da soja, 2009.

3 ASPECTOS RELEVANTES A CERCA DA TEORIA LOCACIONAL

As teorias da localização têm comopremissa que toda empresa escolhe a localizaçãoque ofereça o maior lucro esperado. Por isso, oespaço territorial não pode ser tratado, apenas,como o local onde ocorre a interação dos fatoresprodutivos e o equilíbrio das forças centrípetasde aglomeração e centrífugas de desaglomeração,mas o espaço de atração e agregação queoportuniza o desenvolvimento de economiasregionais (SANTANA, 2005).

Esta discussão permeia o presentetrabalho, dando ênfase ao enfoque do economistaalemão Alfred Weber, cuja instalação dasindústrias ocorre onde os custos de transportede matérias-primas e/ou produtos finais sejammínimos e os fatores de aglomeração estejampresentes. Os custos com transporte são decisivos

na determinação das preferências de localização,provenientes de uma função que relaciona o pesofísico a ser transportado com a distância a serpercorrida (DALLEMOLE, 2007).

Com caráter secundário Weber (1929) citaa mão de obra como sendo um fator queinfluencia na localização regional. Existe locaisonde o preço dela é mais barato, devendo serrelacionado com os custos de transporte para aobtenção de uma nova composição dos custosmínimos que indicará uma nova tendêncialocacional e regional (DALLEMOLE, 2007).

Isto é possível, porque a relação inter-regional gera, automaticamente, umainterdependência, fazendo com que o todo operena forma de um sistema, com estruturas

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dominantes, pouco impactadas pelos desequilíbriosregionais. Significa dizer que existem centros eperiferias regionais, com diferentes níveis deconcentração e aglomeração (DALLEMOLE, 2007).

Estes centros podem se converter emregiões polo, a partir dos espaços econômicoscom alto grau de poder de aglomeração, dentreos quais existem campos de forças funcionais queemanam efeitos concentradores ou dispersores.Quando os efeitos concentradores são superioreshá uma tendência de concentração da atividadeeconômica nestes espaços, os quais se tornarãoregiões polos ou potenciais (DALLEMOLE, 2007).

As regiões polo tendem a causarcrescimento econômico e podem ser responsáveispelo desenvolvimento. Quando causamcrescimento, há aumento da renda e estes espaçossão caracterizados como polos de crescimento.Quando ocorrem transformações estruturais emtoda a região estes espaços são denominados depolos de desenvolvimento (PERROUX, 1967).

No que tange a distribuição da atividadeprodutiva no espaço, considerando os aspectoscitados, há uma articulação no sentido daconcentração em determinadas regiões. No casoda produção de soja em Mato Grosso, existe estaconcentração, que é responsável pela geração deemprego, renda e arrecadação de ICMS.

Em Mato Grosso, independente de qualseja o município, a produção de soja ocorre deforma semelhante, considerando que a tecnologiaempregada desde o plantio até a colheita éanáloga, no tocante a necessidade de insumos,mão de obra, defensivos e no rendimento porhectare, o que vai refletir em uma semelhançana renda bruta e, por sua vez, na arrecadação deICMS. O cálculo deste imposto considera asrelações comerciais em que haja a circulação demercadorias, como resultado da aplicação de umaalíquota a qual resulta numa apropriação porparte do estado de um percentual sobre ofaturamento ou valor contábil destacado nessastransações.

Cabe fazer o registro da Lei Complementarnº 87/1996 (BRASIL, 1996) conhecida como LeiKandir, que dispõe sobre o ICMS e, dentre osassuntos tratados nesta, o que mais se destacaé a desoneração do referido imposto dosprodutos (primários ou industrializadossemielaborados) e serviços destinados àexportação. Uma forma de incentivo fiscal paraestimular os setores produtivos voltados àexportação, com o objetivo de oportunizar osprodutos nacionais a ganhar competitividade nomercado externo e favorecer o saldo da balançacomercial. Por se tratar de uma lei genérica, suaincidência ocorre de forma homogênea,independente de qual seja a região.

4 ASPECTOS METODOLÓGICOS

A alternativa selecionada para aidentificação dos espaços especializados naprodução de soja é a utilização demetodologias de localização espacialempregadas em análises de economia regional.Especificamente para este estudo, primou-sepela estimativa do Índice de ConcentraçãoNormalizado (ICN), que possibilita aidentificação dos municípios especializados na

produção de soja em todo o estado (CROCCO,2003). A referida metodologia utiliza-se daponderação de três índices relacionados aograu de especialização, a comparação daprodução municipal em relação à produçãoestadual ponderada pela estrutura produtivadividida pela estrutura produtivas do estado,além da captação da importância da produçãomunicipal em relação à estadual.

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O ICN é uma média ponderada entre oQuociente Locacional (QL), o Índice de Hirschman-Herfindahl (IHH) e o Índice de ParticipaçãoRelativa (PR), em que o peso de cada indicador écalculado com base na análise de componentesprincipais. De acordo com Santana (2004), aprimeira característica é determinada pelo QL,que permite identificar o nível de especializaçãode certa atividade no município em questão:

O numerador apresenta os dadosreferentes ao município, em que o Eij correspondeao valor da produção/ICMS/emprego de soja nomunicípio j e o Ej representa o valor da produção/ICMS/emprego de todas as atividades queconstam no município j. No denominador estãorepresentados os dados de Mato Grosso, em queo EiA mostra o total da produção/ICMS/empregoda soja no Estado e o EA representa o valor totalda produção/ICMS/emprego de todas asatividades que constam no referido Estado.

Cabe ressaltar, de acordo com Crocco(2003), que um QL > 1 apenas indicar umadiferenciação produtiva da atividade, pois podemhaver assimetrias entre os municípios da região,além da alta representatividade de uma empresano município. Para atenuar problemas destanatureza integra-se ao cálculo do ICN o IHH:

O IHH permite comparar o peso daatividade i do município j no setor i de MatoGrosso em relação ao peso da estrutura produtivado município j na estrutura do estado. Se o valorfor positivo, a atividade i do município j no estadoestá mais concentrada neste local, tendo maior

poder de atração econômica, devido ao seu nívelde especialização (SANTANA, 2004).

O terceiro componente do ICN, denominadoÍndice de Participação Relativa, capta aimportância da atividade i do município j no totalrepresentado pela atividade i em Mato Grosso:

Este indicador deve variar entre zero e um;quanto mais próximo de um, maior arepresentatividade da atividade em Mato Grosso.Estes três indicadores subsidiarão a composiçãodo ICN:

Os pesos θ para cada um dos indicadoresforam determinados pelo método de análise decomponentes principais, em que a matriz decorrelações revela a proporção da variância dadispersão total da nuvem de dados gerada,representativa dos atributos de aglomeração, queé explicado por esses três indicadores (SANTANA,2004). Tal análise obtém a partir das variáveis domodelo (QL, IHH, PR) a sua combinação linear,produzindo para cada um dos 141 municípios oscomponentes:

em que os ai serão os pesos para os i municípiosque variam sujeitos à condição:

Para obter as variâncias associadas a cadacomponente e os coeficientes das combinaçõeslineares a técnica dos componentes principaisemprega a matriz de covariância das variáveis,obtidas por meio do software estatístico SPSS.

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As variâncias dos componentes principais são osautovalores desta matriz, enquanto os trêscoeficientes ai1, ai2 e ai3 são os seus autovetoresassociados. Mais detalhes acerca da parteeconométrica do modelo podem ser obtidas emCrocco (2003) e Santana (2004).

Para o cálculo do ICN empregado foiconsiderado o valor da produção de soja dos

municípios, disponível no site do IBGE (2010),assim como o Produto Interno Bruto (PIB) dosmunicípios e de Mato Grosso. Ainda, para oemprego utilizou-se dados da Relação deInformações Sociais (RAIS) e para o ICMS foramusados de arrecadação da Secretaria de Estadode Fazenda de Mato Grosso (SEFAZ), todas astrês fontes referentes ao ano de 2009, para cadamunicípio, além do total estadual.

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Com a normalização das cargas, por meioda técnica de componentes principais, osresultados obtidos apresentam uma estruturaponderada de indicadores de renda, emprego earrecadação de ICMS. Como se esperava, devidoao crescimento linear e constante da produçãomato-grossense, o indicador representativo darenda mostrou-se estável (Gráficos 1 e 2), semoscilações consideráveis, para os municípios queapresentam especialização na produção de soja.Considerando que o emprego e o ICMS derivamda renda gerada pela atividade, pode-seconfirmar essa variável como referência e projetaralguns cenários para correlacioná-las.

Devido ao fato da produção de sojadifundir-se por praticamente todos osmunicípios de Mato Grosso, houve o registrode um significativo número daquelesespecializados, tornando-se necessário, paraefeitos de plotagem, a divisão em dois grupos.Um gráfico foi elaborado considerando os queapresentam, pelo menos, dois indicadores deespecialização dentre os três estimados(Gráfico 1) e outro que considera, apenas, umindicador (Gráfico 2).

De acordo com os indicadores plotados noGráfico 1, identificam-se alguns picos nosmunicípios de Bom Jesus do Araguaia, Santo

Antônio do Leste e São José do Povo, em que aespecialização decorrente da variável empregodestoa da renda (produção - PIB). Isso pode estaracontecendo em função do registro equivocadode trabalhadores de municípios vizinhos, ou aatividade não acompanha o mesmo níveltecnológico dos outros.

Santo Antônio do Leste, também, destoanas mesmas proporções na arrecadação deimpostos, mesma disfunção registrada emGeneral Carneiro, Novo São Joaquim, Camposde Júlio e Dom Aquino. Nestes casos, tambémpode estar ocorrendo erro no registro, ou osistema de fiscalização pode ser mais eficientenestes municípios. O fato é que problemas destanatureza não prejudicam a socioeconomiadestes municípios, apenas indicam que o sistemaé falho.

Por outro lado, a arrecadação de ICMSapresenta especialização que destoa da rendanos municípios de Gaúcha do Norte, Porto Estrela,Nova Nazaré e São José do Povo, com variaçãocontrária, entretanto, acentuada nos dois últimos.Há complicações pertinentes em relação a estadisfunção, como por exemplo, alguma incorreçãono registro das informações ou no sistema dearrecadação, ou mesmo a falta deste registro, oque pode resultar em sonegação de impostos.

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Seja qual for a interpretação, existealguma incoerência nestes espaços.Independente do que está ocorrendo, já se podeobservar um problema para estes municípios:ao deixar de efetuar o registro, significa queestá sendo ocultada parcela do valoradicionado da produção (ou pode estar sendorecolhido em outro município), com orecolhimento de um montante menor deimpostos. A principal consequência é o impactosobre o Índice de Participação dos Municípios(IPM), que tende a diminuir, impactandonegativamente no rateio da parcela de ICMSque cabe aos mesmos.

Este comportamento não ocorre com oemprego como pode ser observado no Gráfico 1,

significando que a formalização deste ocorre deforma coerente naqueles municípios os quaispossuem mais de uma especialização. Éinteressante observar que esse comportamentotambém ocorre nos demais municípios com umaespecialização (Gráfico 2). De modo geral, avariável emprego apresenta alguns picos naespecialização, o que reflete apenas algumadisfunção no sistema, mas que por apresentar-se sempre acompanhando ou acima da renda,indicando não haver informalização na atividadeem nenhum dos espaços especializados ou que,pelo menos, é minimamente constante e nãorepresentativa. Cabe ressaltar que esse indicadornão reflete a intensidade do uso da mão de obra,mas sim, esta se mantém coerente em todos osespaços.

Gráfico 1 - ICN da soja em Mato Grosso, 2009.

Fonte: elaborado pelo autor com dados do IBGE, RAIS, SEFAZ-MT, 2009.

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A especialização, também, apresentaalguns picos na arrecadação de ICMS, assim comofoi registrado nos municípios com mais de umaespecialização. Com os mais significativosidentificam-se os de Alto Araguaia e Santa Ritado Trivelato, seguido de Nova Ubiratã, PedraPreta, Primavera do Leste, Rondonópolis, Sapezal,Tabaporã e Tesouro, entretanto, com menorintensidade. A interpretação segue na mesmacoerência, ou seja, que está ocorrendo o registroincorreto de ICMS nestes espaços, os quais nãosão oriundos dos mesmos, tendo em vista quedestoa da especialização decorrente renda. Issoé reconfortante para estes municípios que estarãorecebendo uma fatia maior deste imposto,contudo, à custa de outros que estão perdendo.

Entretanto, assim como nos municípioscom duas especializações, existem outros ondeesse indicador do ICMS não acompanha ousupera o da renda. Em Nova Xavantina, Reservado Cabaçal, Rosário Oeste, São José dos QuatroMarcos, Tangará da Serra e Vila Bela daSantíssima Trindade a especialização daarrecadação destoa da renda, indicando que oregistro de ICMS apresenta alguma disfunção. Asconsequências são as mesmas apresentadas parao outro grupo de municípios, ou seja, há falhasno sistema, ao permitir que o ICMS não sejaregistrado na devida região de produção, a qualserá privada de parcela que lhe cabe do repassedeste imposto.

Gráfico 2 - ICN da soja em Mato Grosso, 2009.

Fonte: elaborado pelo autor com dados do IBGE, RAIS e SEFAZ-MT, 2009.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A metodologia aplicada revelou que osistema de registro de emprego e o de controleda arrecadação não atinge a eficiênciadesejada. Contudo, não foram apresentadasanomalias significativas relativas ao setor

produtivo da soja. Cabe destacar, apenas,alguns problemas de ordem local, para aquelesmunicípios em que o registro dacomercialização da produção não écontemplado em sua plenitude.

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O fato da especialização do emprego, namaioria dos casos ser superior a da produçãoapenas atesta que aquele gerado pela atividadeé coerentemente formalizado. Somente quandoisso deixa de ocorrer é que há uma preocupaçãocom a possibilidade da existência deinformalidade na atividade, fato não identificadode forma contundente em nenhum município.Apenas Tangará da Serra ficou, relativamente,aquém do desejável.

No caso do ICMS, foram identificadosalguns municípios cujo indicador deespecialização na arrecadação apresentousituações contrárias ao da produção, sendo, emalguns casos, consideravelmente inferior. Por setratar de uma parcela fixa deste mesmo produto,com percentual idêntico para todas as regiões, asituação aponta para alguma disfunção nosistema de arrecadação, pois se está permitindoque este imposto não seja registrado em suaplenitude no local de origem. O principalproblema é a consequência disso para estesmunicípios, pois implicará em diminuição do seuIPM, acarretando em perda de receita, decorrenteda diminuição do repasse do ICMS.

Contudo, o oposto, da mesma formaocorrida para atividade, não é desejável para o

Estado, pois o fato do registro de ICMS acima doque deveria ocorrer implica em apropriação deimposto indevido que deveria ser registrado emoutros municípios, que serão penalizados na horade receber o repasse. Caso isso ocorra em umespaço ao entorno de uma região concentradora,a consolidação desta redistribuição de renda podefavorecer a relação centro-periferia, apoiada pelosistema.

Em caso de consolidação de centros épossível que essas relações sejam aindafortalecidas com essa disfunção na arrecadação.Aos olhos da análise regional, trata-se de um fatortrivial, que terá significativa importância nacondução do desenvolvimento nesses espaços.Com o passar do tempo e a capacidade das forçascentrípetas, podem surgir polos dedesenvolvimento e novos centros nessa mesmaperiferia.

Para se saber exatamente os fatosresponsáveis pelas disfunções são necessáriosque ocorra um estudo específico nestesmunicípios. Um fator de relevante importânciatendo em vista que os recursos redistribuídos nãosão suficientes para atender a demanda dosmesmos.

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