Análise das condições de saúde e de vida da população urbana de Botucatu, São Paulo (Brasil):...

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ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE E DE VIDA DA POPULAÇÃO URBANA DE BOTUCATU, SP * I - DESCRIÇÃO DO PLANO AMOSTRAL E AVALIAÇÃO DA AMOSTRA Luana Carandina** Odécio Sanches*** José da Rocha Carvalheiro * * * * CARANDINA, L. et al. Análise das condições de saúde e de vida da população urbana de Botucatu, SP. I - Descrição do plano amostral e avaliação da amostra. Rev.Saúde públ., S.Paulo, 20 :465-74, 1986. RESUMO: Descreve-se o processo de amostragem para o levantamento das condições de saúde e de vida da população urbana de Botucatu, SP (Brasil), pelo método de entrevistas domiciliárias. Analisa-se a representatividade da amostra, segundo a distribuição percentual da população por estrato e segundo as variáveis sexo e idade. Comparam-se os critérios externos de estratificação sócio-econômica com a renda familiar e per capita das famílias entrevistadas. Comenta-se as dificuldades de operacionalizar o conceito de classe social através de zonas sócio-espaciais, em investigações domiciliares e em estudos epidemiológi- cos que utilizam dados de registro rotineiros. UNITERMOS: Inquéritos epidemiológicos. Amostragem. Fatores sócio-econômicos. * Projeto financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP-Convênio n.° 4.1.83.0232.00). ** Do Departamento de Medicina Legal e Medicina em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Esta- dual "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Campus de Botucatu - 18610 - Rubião Júnior - Botucatu, SP - Brasil. *** Da Escola de Enfermagem da Universidade de SãoPaulo - Campus de Ribeirão Preto - 14100 - Ribeirão Preto, SP - Brasil. **** Do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Campus do Ribei- rão Preto - 14100 - Ribeirão Preto, SP - Brasil. INTRODUÇÃO O projeto de pesquisa "Análise das condições de saúde e de vida da população urbana de Botucatu, S.Paulo" subdivide-se em 7 sub-projetos, assim dis- criminados: 1: "Condições de vida e de trabalho da força de trabalho na área urbana de Botucatu - SP." 2: "Estudo da percepção da doença na população urbana de Botucatu, SP." 3: ''Estudo da utilização dos Serviços de Saúde pela população urbana de Botucatu, SP". 4: "Prevalência de sintomas respiratórios suges- tivos de doenças respiratórias agudas e doen- ças respiratórias crônicas inespecífícas na população urbana de Botucatu, SP". 5: "Estudo dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais na população urbana de Botucatu, SP". 6: "Estudo do aleitamento materno na popula- ção urbana de Botucatu, SP". 7: "Estudo antropométrico em crianças de O a 60 meses na área urbana do Município de Botucatu, SP". O planejamento e desenvolvimento dessa pes- quisa tiveram início no ano de 1982, sob a coorde- nação do Departamento de Medicina Legal e Medi- cina em Saúde Pública da Faculdade de Medicina do Campus de Botucatu - UNESP. Para um trabalho de investigação de caráter epi- demiológico, tão complexo nos seus objetivos, a melhor possibilidade de obtenção de informações fidedignas a respeito da população de interesse e que possam receber um tratamento estatístico válido, é através do uso de técnicas adequadas de amostra- gem. No setor saúde, em nosso País, quer a nível re- gional quer a nível municipal, o sistema de registro de dados é ainda precário. Mesmo nos municípios que dispõem de informações fidedignas, estas rara- mente possibilitam a consolidação de dados a nível intra-municipal: por bairros, áreas, estratos de renda e outros, consolidação essa que se torna indispensá-

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ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE E DE VIDA DA POPULAÇÃO URBANADE BOTUCATU, SP *

I - DESCRIÇÃO DO PLANO AMOSTRAL E AVALIAÇÃO DA AMOSTRA

Luana Carandina**Odécio Sanches***José da Rocha Carvalheiro * * * *

CARANDINA, L. et al. Análise das condições de saúde e de vida da população urbana de Botucatu, SP.I - Descrição do plano amostral e avaliação da amostra. Rev.Saúde públ., S.Paulo, 20:465-74,1986.

RESUMO: Descreve-se o processo de amostragem para o levantamento das condições de saúde e devida da população urbana de Botucatu, SP (Brasil), pelo método de entrevistas domiciliárias. Analisa-sea representatividade da amostra, segundo a distribuição percentual da população por estrato e segundo asvariáveis sexo e idade. Comparam-se os critérios externos de estratificação sócio-econômica com a rendafamiliar e per capita das famílias entrevistadas. Comenta-se as dificuldades de operacionalizar o conceitode classe social através de zonas sócio-espaciais, em investigações domiciliares e em estudos epidemiológi-cos que utilizam dados de registro rotineiros.

UNITERMOS: Inquéritos epidemiológicos. Amostragem. Fatores sócio-econômicos.

* Projeto financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP-Convênio n.° 4.1.83.0232.00).

** Do Departamento de Medicina Legal e Medicina em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Esta-dual "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Campus de Botucatu - 18610 - Rubião Júnior - Botucatu, SP - Brasil.

*** Da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - Campus de Ribeirão Preto - 14100 - Ribeirão Preto, SP- Brasil.

**** Do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Campus do Ribei-rão Preto - 14100 - Ribeirão Preto, SP - Brasil.

INTRODUÇÃO

O projeto de pesquisa "Análise das condições desaúde e de vida da população urbana de Botucatu,S.Paulo" subdivide-se em 7 sub-projetos, assim dis-criminados:

1: "Condições de vida e de trabalho da força detrabalho na área urbana de Botucatu - SP."

2: "Estudo da percepção da doença na populaçãourbana de Botucatu, SP."

3: ''Estudo da utilização dos Serviços de Saúdepela população urbana de Botucatu, SP".

4: "Prevalência de sintomas respiratórios suges-tivos de doenças respiratórias agudas e doen-ças respiratórias crônicas inespecífícas napopulação urbana de Botucatu, SP".

5: "Estudo dos acidentes de trabalho e dasdoenças profissionais na população urbanade Botucatu, SP".

6: "Estudo do aleitamento materno na popula-ção urbana de Botucatu, SP".

7: "Estudo antropométrico em crianças deO a 60 meses na área urbana do Município deBotucatu, SP".

O planejamento e desenvolvimento dessa pes-quisa tiveram início no ano de 1982, sob a coorde-nação do Departamento de Medicina Legal e Medi-cina em Saúde Pública da Faculdade de Medicina doCampus de Botucatu - UNESP.

Para um trabalho de investigação de caráter epi-demiológico, tão complexo nos seus objetivos, amelhor possibilidade de obtenção de informaçõesfidedignas a respeito da população de interesse e quepossam receber um tratamento estatístico válido, éatravés do uso de técnicas adequadas de amostra-gem. No setor saúde, em nosso País, quer a nível re-gional quer a nível municipal, o sistema de registrode dados é ainda precário. Mesmo nos municípiosque dispõem de informações fidedignas, estas rara-mente possibilitam a consolidação de dados a nívelintra-municipal: por bairros, áreas, estratos de rendae outros, consolidação essa que se torna indispensá-

vel aos propósitos de trabalhos de natureza seme-lhante aos supra referidos.

Dentre as técnicas, a amostragem domiciliária emestudos epidemiológicos foi abordada, entre outros,por Carvalheiro e Sanches6, que salientam suasvantagens.

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO URBANA DE BO-TUCATU (SP) E CRITÉRIOS DE ESTRATIFICAÇÃO

Segundo o Censo Demográfico de 1980, realizadopela Fundação IBGE8, a população residente noMunicípio de Botucatu, Estado de São Paulo, erade 64.476 habitantes, dos quais 58.251 (90,35%),residentes na zona urbana, estavam distribuídosnum total de 65 setores censitários.

Foi possível obter, junto à agência local da Fun-dação IBGE, o mapa da cidade dividido em setorescensitários, com as delimitações utilizadas no censodemográfico de 1980. Desta forma, conseguiu-se de-terminar e localizar 9 setores chamados "especiais",não constituídos por residências particulares (pra-ças , hospitais, escolas e outros) e que deveriam serexcluídos do processo de amostragem. Outros 3 se-tores, considerados "dispersos", também foram ex-cluídos, em virtude das dificuldades operacionais ede custo que iriam acarretar. Deste modo, a popula-ção de interesse ficou reduzida a 53 setores censitá-rios urbanos, de onde seriam sorteadas as residênciaspara compor a amostra. Estes 53 setores continhamum total de 14.496 domicílios particulares.

Com o objetivo de garantir a representatividadeda população, na amostra a ser constituída, decidiu-se estabelecer um modo de estratificação da popula-ção segundo as características sócio-econômicaspredominantes nos setores.

Já de início, foi excluída a possibilidade de seaplicar um processo de amostragem a partir delistas de entidades públicas prestadoras de serviços(Prefeitura Municipal, Companhia Paulista de Forçae Luz, Companhia de Saneamento Básico e outros),por considerá-las incompletas e não representativasde todos os estratos sócio-econômicos da população.

Também o critério unicamente geográfico de dis-tribuição da população, por bairros, foi consideradopouco satisfatório, para se ter uma amostra coma representatividade desejada, considerando-se agrande heterogeneidade de alguns bairros.

Para a classificação dos estratos sócio-econômi-cos, procedeu-se à consulta de "árbitros" escolhidosentre profissionais que trabalhavam em estreitocontato com os diversos bairros e setores censitários:pessoal da agência local da Fundação IBGE e fiscaisda Prefeitura. As impressões manifestas por estes"árbitros" foram concordes quanto à definição dos

estratos de níveis sócio-econômicos alto e baixo.Difícil foi obter uma definição mais detalhada doestrato intermediário que foi definido, por estasfontes, como médio "sensu lato".

Decidiu-se, então, ir a campo e percorrer os53 setores, rua por rua, e classificá-los segundo oscritérios de presença ou não de: esgoto a céu aberto,remoção de lixo, pavimentação de ruas, iluminaçãopública, abastecimento de água pela rede pública epelo aspecto externo das construções das residências.

Apesar dos critérios utilizados estarem, ainda,sujeitos a uma certa dose de subjetividade dosobservadores, permitiram classificar os setores cen-sitários em estratos. Esta metodologia foi conside-rada aceitável para a finalidade da amostragem.A Tabela l, mostra esta distribuição.

Desta distribuição resulta uma média de 274domicílios por setor, com uma densidade média de,aproximadamente, 4 hab./dom., segundo os dadosdo censo de 1980.

DESCRIÇÃO DO PLANO AMOSTRAL E TAMANHO DAAMOSTRA

Em conseqüência do número de sub-projetoscomponentes da pesquisa, da complexidade dosobjetivos fixados e em função das característicasurbanas da cidade de Botucatu, decidiu-se poruma amostragem por áreas, em dois estágios: os se-tores censitários seriam as unidades amostraisde primeiro estágio e, os domicílios, as unidadesamostrais de segundo estágio, ou unidades amos-trais elementares.

O único setor pertencente ao denominadoestrato alto entraria na amostra com certeza, istoé, com probabilidade 1.

Os textos clássicos de amostragem7,9,10 indicamque, em levantamentos de múltiplos objetivos, comoé o caso destes projetos de pesquisa, com grande

quantidade de variáveis de estudo e parâmetros aserem estimados, é praticamente impossível a deter-minação de critérios "ótimos" de amostragem.

Por esta razão, o critério utilizado para a determi-nação do tamanho da amostra foi exclusivamente adisponibilidade de recursos, em função do custo porunidade amostral e o tempo disponível para o levan-tamento dos dados.

A partir desse critério, decidiu-se trabalhar comuma amostra correspondente a uma fração amostral,mensal, de 1% da população recenseada em 1980, detal forma que, procedendo-se a um levantamentopor mês, se teria, ao longo de um ano, uma fraçãoamostral total igual a 12% dos domicílios. Destemodo, a amostra passou a ser constituída por 150domicílios ao mês, correspondendo, em média, a600 pessoas amostradas mensalmente.

Decidiu-se também constituir um painel de amos-tragem de 4.000 domicílios, ou seja, pouco maisque o dobro dos domicílios a serem amostradosanualmente.

Excluindo o estrato alto, constituído por umúnico setor, o número de setores a serem considera-dos na amostra, nos demais estratos, a fim de man-ter a proporcionalidade, foi obtido pela utilizaçãoda seguinte expressão, arredondado o resultadopara o maior inteiro mais próximo:

Número de setores num dado estrato l= Pl • conde:

Pl é a percentagem do estrato na população

c é uma constante dada por:

em nossa pesquisa

A Tabela 2, mostra a constituição da amostramensal, por estratos.

O sorteio dos setores censitários dentro de cadaestrato, excluindo o primeiro, foi feito com proba-

bilidade proporcional ao tamanho, utilizando-se asoma acumulada do número de domicílios e umatabela de números aleatórios.

O número de domicílios por setor amostradofoi proporcional ao tamanho do setor com umaamostragem sistemática, para o primeiro mês delevantamento. A partir do segundo mês, era sempretomado o domicílio seguinte ao amostrado no mêsanterior.

UNIVERSO DAS NOVAS CONSTRUÇÕES

Considerando o período de desenvolvimento doprojeto de 2 anos, a cada levantamento, nos setorespertencentes à amostra, foi registrado o número dasnovas construções surgidas.Os domicílios corres-pondentes a estas novas construções serão estudadoscomo elementos de estratos à parte, estratos estesque constituem o "Universo das Novas Constru-ções".

AVALIAÇÃO DA AMOSTRA

O projeto desenvolveu-se na seqüência das etapasrecomendadas pela metodologia adotada:

- seleção e treinamento de pessoal, divulgação, lis-tagem ;

- elaboração dos questionários gerais e validação dealguns específicos;

- novo treinamento do pessoal, visando aos objeti-vos gerais e específicos do projeto e à aplicaçãodos questionários;

- nova divulgação, realização e avaliação do pré--teste ou piloto;

- realização das entrevistas domiciliárias mensais,durante 12 meses, sob supervisão contínua esob a coordenação de uma equipe interna detrabalho;

- processamento e análise dos resultados.

A aplicação da metodologia de inquérito epi-demiológico das condições de saúde da populaçãopor entrevistas domiciliárias - cujas vantagens edificuldades foram amplamente analisadas, porCarvalheiro3,4 — foi feita, procurando reduzirao mínimo os fatores determinantes de "bias"evitáveis, principalmente em relação à qualidadedos questionários, treinamento, reciclagens perió-dicas e supervisão contínua do pessoal de campo.

Com o objetivo de avaliar a representatividadeda amostra, cujo processo de seleção utilizou cri-térios "externos" de classificação sócio-econômicapredominantes entre os moradores dos setores cen-sitários, uma vez concluída a fase de campo, proce-deu-se a algumas comparações.

Inicialmente, estudou-se a cobertura da popu-lação amostrada. No período de maio de 1983 aabril de 1984, foram realizadas 1.769 entrevistas,isto é, 98,3% das 1.800 planejadas. A taxa de recusafoi da ordem de 1,7%.

A Tabela 3 mostra a distribuição percentual dasfamílias entrevistadas, segundo o estrato, em com-paração com a percentagem de domicílios, porestrato, da população urbana de Botucatu, apresen-tada na Tabela l.

A distribuição percentual, por estrato, dos domi-cílios da amostra entrevistada, foi bastante seme-lhante àquela da população total. As pequenasdiferenças para mais e para menos explicam-se peloscritérios adotados, antes de iniciar a fase de campo:de reposição, na eventualidade de casa vaga ou comos moradores permanentemente ausentes no perío-do da entrevista, após três tentativas em dias ehorários diferentes; e não reposição das recusas,após confirmação da supervisão.

Esta semelhança na distribuição percentual porestrato e a cobertura geral obtida de 12,14%, frenteao esperado de 12% da população urbana de Botu-catu, segundo o censo de 1980, permitem concluirque a cobertura da amostra foi satisfatória e quesua representatividade por estrato foi preservada.

A seguir, procedeu-se à comparação da popula-ção entrevistada e da população geral do Município,segundo variáveis biológicas.

A Tabela 4 e os histogramas da Figura l mostrama distribuição das duas populações, segundo o sexoe a idade. As colunas dos totais da Tabela 4 apresen-tam pequenas diferenças percentuais nas faixas etá-rias de 10 a 20 e de 30 a 40 anos. As variações per-centuais das outras faixas etárias, estão restritas àprimeira casa decimal. Pequenas variações, entre asduas populações, também são observadas nas colu-nas dos sexos. O fato da população da amostra serexclusivamente urbana e da população geral do Mu-nicípio abranger a zona rural, pode explicar as pe-quenas diferenças. Os histogramas da Figura l suge-rem que a amostra é representativa da populaçãogeral, quanto às variáveis: sexo e idade.

Tendo em vista que os critérios externos adota-dos para estratificação dos setores censitáriospoderiam, como já foi mencionado, propiciar inter-pretações incorretas e subjetivas, uma vez comple-tados dez meses de investigação, procedeu-se àconfrontação da estratificação inicial com a rendafamiliar e per capita da amostra entrevistada.

Os resultados são apresentados nas Tabelas 5, 6,7 e nos gráficos das Figuras 2 e 3. Os valores darenda foram informados em cruzeiros e transforma-dos em número de salários mínimos, segundo o

valor vigente no mês da entrevista. Pelos dadosapresentados na Tabela 5, observa-se que mais de59% das famílias residentes no estrato alto referiramrenda familiar superior a 10 salários mínimos, en-quanto mais de 50% daquelas residentes no estratobaixo apresentavam renda familiar inferior a 3 salá-rios mínimos. No estrato alto apenas 11% informa-ram renda familiar inferior a 3 salários e no estratobaixo apenas 2,9% referiram renda de mais de 10 sa-lários mínimos. Nos estratos médios predominaramas rendas familiares na ampla faixa de l a 10 saláriosmínimos. Entretanto, nos estratos médio-alto e mé-dio foi maior a percentagem de famílias com rendafamiliar de 3 a 10 salários mínimos, e no estratomédio-baixo houve predominância da faixa derenda entre 1 e 5 salários mínimos. Observa-se aindaque a percentagem de famílias com renda acima de10 salários mínimos foi superior a 15% nos estratosmédio-alto e médio, sendo de apenas 5,4% no es-trato médio-baixo. Os gráficos da Figura 2 eviden-ciam melhor as principais tendências da rendafamiliar por estrato. Assim, observa-se a ascendênciada curva dos valores da renda nas famílias do estratoalto e a descendência da mesma no estrato baixo. Ocomportamento das curvas dos estratos médio-altoe médio é bastante semelhante, predominando afaixa de l a 10 salários mínimos, quase que numpatamar da mesma altitude para os dois estratos. Jáo estrato médio-baixo apresenta uma curva inter-mediária entre o médio e o baixo, sem patamar ecom tendência descendente. Uma análise mais cuida-

dosa, através de um estudo de associação, evidenciaesses achados. Os dados da Tabela 5, excluindo-se ascategorias "não sabe informar" e "não tem", mos-tram uma forte associação entre categorias de rendafamiliar e estrato (X2 = 157,08, com 12 g.l.;P < 0,001).

Uma decomposição da Tabela 5 em tabelas meno-res, evidencia que os estratos médio-alto e médio secomportam, estatisticamente, de modo homogêneoem relação às várias categorias de renda (X2 = 9,76com 6 g.l., 0,10 < P < 0,25). A mesma homogenei-dade é observada para os estratos médio-baixo ebaixo (X2 = 7,90 com 6 g.l.; 0,10 < P < 0,25).

Após essa análise, é possível redistribuir os dadosamostrais segundo uma nova estratificação, apresen-tada na Tabela 6.

A Tabela 7 apresenta a distribuição da renda percapita das famílias entrevistadas, segundo os estratossócio-econômicos previamente estabelecidos. Obser-va-se que 67,8% das famílias do estrato baixo apre-sentaram renda per capita inferior a um saláriomínimo. Já no estrato alto esta percentagem foi de22,2% e nos estratos médios foi, respectivamente, de43,2%, 37,7% e 51,8%.

Apesar da pequena inversão, também observadapara a renda familiar, entre os estratos médio-alto emédio, a tendência da renda per capita, inferior aum salário mínimo é nitidamente ascendente doestrato alto para o baixo.

Por outro lado, estabelecendo-se como limitemínimo de condições de vida, o valor de um saláriomínimo per capita, verifica-se que 44,8% das fa-mílias amostradas encontrava-se abaixo deste limite.

Os gráficos da Figura 3 mostram que a maior per-centagem da renda per capita correspondeu à faixade 5 a 10 salários mínimos no estrato alto; l a 2 sa-lários mínimos nos estratos médio-alto e médio;1/2 a l salário mínimo no estrato médio-baixo, omesmo sendo observado no estrato baixo, porém emnível superior ao anterior e com queda da curvamais abrupta em direção aos valores mais elevadosda renda per capita.

Procedendo-se novamente ao estudo de associa-ção, os resultados diferem dos observados para arenda familiar. Em relação aos dados da Tabela 7,excluída a categoria "sem informação", tambémse observa uma associação altamente significante

entre as categorias de renda per capita e estrato(X2 =241,3 com 36 g . l ; P < 0,001).

Entretanto e contrariamente ao verificado paraa renda familiar, a decomposição da Tabela 7 emtabelas menores mostra, que:

a) os estratos médio-alto e médio comportam-se,estatisticamente, de modo não homogêneo em rela-ção às várias categorias de renda (X2 = 16,75 com8g.l.; 0,025 < P < 0,05);

b) os estratos médio-baixo e baixo, analoga-mente, também não tem o comportamento homo-gêneo demonstrado na renda familiar (X2 = 17,53com7g.l . ; 0,01 < P < 0,025).

A discrepância do comportamento desses estra-tos, no tocante às variáveis "renda familiar" e"renda per capita", levou a investigar a distribuiçãodo tamanho familiar e do número de membros comparticipação na renda das famílias.

Em sua totalidade, a amostra populacional entre-vistada resultou em 1.769 famílias e 7.075 pessoas,com uma média de 4 pessoas por família. Esta mé-dia é igual à verificada em Botucatu pela FundaçãoIBGE no censo de 1980.

A Tabela 8 mostra a composição familiar, por es-trato, das famílias entrevistadas no período de maiode 1983 a janeiro de 1984. Definindo-se como "nu-merosas" as famílias compostas de 6 pessoas e mais,verifica-se que estas foram mais freqüentes no estra-to baixo (25,6%) e no estrato médio-alto (19,6%).Estes resultados sugerem que o tamanho familiardepende de um conjunto de variáveis e padrõessócio-culturais cuja análise foge aos objetivos dopresente trabalho.

A Tabela 9 mostra o número de membros quecontribuiam para a renda familiar nos diversos es-tratos. Verifica-se que a participação na renda de4 e mais pessoas aumenta progressivamente do es-trato alto para o baixo. Chama a atenção o compor-tamento das famílias dos estratos médio-alto emédio-baixo. O estrato médio-alto ocupou o se-gundo lugar percentual em relação às famílias' numerosas", mas permaneceu em quarto lugar nocomprometimento de maior número de membrospara a renda familiar que, talvez por esta razão,não diferiu estatisticamente daquela verificada parao estrato médio.

O estrato médio-baixo registrou uma percenta-gem de famílias "numerosas", inferior àquela doestrato médio e semelhante à do estrato alto, entre-

tanto, situa-se em segundo lugar em relação aonúmero de membros, 4 e mais, comprometidoscom a renda familiar. Possivelmente, está no valorbaixo dos salários e outras rendas das famílias desteestrato, a explicação para a sua semelhança com asfamílias do estrato baixo, seja na renda familiar, sejana renda per capita.

A respeito das famílias em que nenhum membrocontribuia para a renda familiar, a maior percenta-gem encontrada no estrato alto pode ser atribuída àpequena casuística deste estrato e à omissão volun-tária da informação, o que pode ter ocorrido,eventualmente, também em outros estratos ou àsituação circunstancial das famílias por ocasião daentrevista.

estudos epidemiológicos utilizando dados de re-gistros rotineiros, agregados de maneira a operacio-nalizar o conceito de classe social através de zonassócio-espaciais. Esta aproximação, embora grosseira,tem servido a análises que buscam captar o processosocial de distribuição da doença e do consumo deserviços de saúde. De certa maneira, o desenvolvi-mento recente da Epidemiologia social resgata aimportância da Epidemiologia descritiva. O processosaúde-doença em sua dimensão coletiva há de serencarado como "síntese de um conjunto de determi-nações que operam numa sociedade concreta e queproduzem, em diferentes zonas sócio-espaciais e nosgrupos que as habitam, o aparecimento de riscos epotencialidades características"2.

COMENTÁRIOS

Estudos da natureza do proposto esbarram comsérias dificuldades quando se ultrapassam os limitesdos modelos funcionalistas de análise. Incorporandoo social como processo ao modelo analítico de dis-tribuição de doenças ou de consumo de bens eserviços de saúde defrontamo-nos com uma primeiradificuldade: como operacionalizar a classe social eminvestigações domiciliares. Questões desta naturezajá foram analisadas em diversos contextos11. Naárea específica da saúde, o trabalho sobre morbida-de e consumo de medicamentos1, desenvolvido emRibeirão Preto, já se preocupou com essa impor-tante questão. Em trabalhos posteriores desta sérievoltaremos ao tema.

Interessa ainda refletir sobre a freqüente aproxi-mação espacial intramunicipal do conceito de classesocial. Ao analisar a epidemia de meningite ocorridana cidade de São Paulo, na década de 70, Carva-lheiro5 explicita a questão, partindo da bastanteusada divisão do Município em anéis concêntricos:central (burguesia), intermédio (proletariado), peri-férico (sub-proletariado). Descreve os processosepidêmicos em cada anel e, de suas diferenças, extraiconsiderações fundadas numa concepção de deter-minação social das epidemias. Diversos estudosrealizados, tanto no Brasil quanto no exterior, pro-cedem de maneira semelhante: uma vez conseguidaa estrutura do espaço intramunicipal pode-se realizar

CONCLUSÕES

- Os critérios adotados para a estratificação dossetores censitários foram considerados os maisadequados para a definição de uma amostra que sa-tisfizesse aos objetivos dos projetos.

- A cobertura total da amostra planejada foitambém satisfatória, tendo sido preservada sua re-presentatividade por estrato.

- A amostra das famílias entrevistadas pode serconsiderada representativa da população geral quan-to às variáveis sexo e idade.

O confronto da pré-estratificação sócio-eco-nômica dos moradores, com a renda familiar dasfamílias amostradas, mostrou que, em relação aesta variável, estatisticamente, poderiam ter sidoconsiderados apenas três estratos: alto, médio ebaixo. Entretanto, a divisão em cinco estratos mos-trou-se útil para o estudo da variável "renda percapita", cujo comportamento diferiu em cadaestrato.

— A abordagem das variáveis: renda, composiçãofamiliar e participação de seus membros na renda,neste trabalho introdutório, foi apenas inicial. Seuestudo será aprofundado durante as análises ineren-tes aos sub-projetos que, em seu conjunto e à luzde múltiplas variáveis, permitirão a caracterizaçãodas condições de saúde, de vida e trabalho da po-pulação urbana de Botucatu, SP.

CARANDINA, L. et al. [Analysis of standards of living and health in the urban population of Botucatu,S.Paulo State (Brazil). I - Description and evaluation of the sample]. Rev.Saúde públ., S. Paulo, 20:465-74, 1986.

ABSTRACT: The sampling methodology used in an evaluation of the standards of living and healthin the urban population of Botucatu, SP, Brazil is discribed. Data were obtained through domiciliar inter-views and the accuracy of sampling was evaluated for each different stratum and in accord with age andsex. External criteria for socio-economic stratification of the population such as family or "per capita"income were compared. It was found difficult to work with the concept of social classes when usingsocio-spacial zoning in domiciliar interviews or epidemiological studies based on the normal registers.

UNITERMS: Health surveys. Sampling studies. Socioeconomic factors.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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5. CARVALHEIRO, J. da R. Processo migratório e disse-minação de doenças. In: Textos de Apoio. Ciênciassociais 1. Rio de Janeiro, PEC.ENSP/ABRASCO,1983. p. 27-55.

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10. KISH, L. Survey sampling. New York, John Wiley,1967.

11. SANTOS, N. Pobreza urbana. São Paulo, Hucitec,1978.

Recebido para publicação em 20/06/1986

Aprovado para publicação em 09/09/1986