ANÁLISE DA OBRA ‘O FATOR MELQUISEDEQUE O testemunho de Deus nas culturas através do mundo’, de...

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1 ANÁLISE DA OBRA ‘ O FATOR MELQUISEDEQUE O testemunho de Deus nas culturas através do mundo’, de Don Richardson. Angela Natel Licenciada em Letras - Português-Inglês pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUC/PR. Bacharel em Teologia pela Faculdade Fidelis, Curitiba/PR. Mestranda do Programa de Pós- Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUC/PR. Bolsista Fundação Araucária e CNPQ. E-mail: [email protected] RESUMO Muitas são as culturas espalhadas pelo mundo, que caracterizam seus lugares, através dos povos já existentes no que se referem às suas práticas políticas, éticas, religiosas, etc. Em questão de fé, a compreensão de algumas culturas, em face do desafio de ir até elas para a realização do mandamento divino em pregar o evangelho da salvação, torna-se um problema sério, uma vez que, exatamente, esses “esquisitos costumes” parecem não combinar com a mensagem evangelho. Deus preparou o mundo para o evangelho: esta é a tese que Don Richardson procura demonstrar, ao longo das páginas do livro ‘O Fator Melquisedeque, o testemunho de Deus nas culturas através do mundo’. O livro é um fantástico compêndio antropológico da revelação de Deus para diversos povos. Para o autor, a revelação geral configurou-se em um terreno propício para o que Richardson chama de revelação especial (o fator Abraão). Deus providenciou um Salvador para todos os povos, por meio de um homem que ele escolheu, a quem se revelou, fez promessas, e jurou por Si mesmo que as cumpriria. No livro em questão, o autor mostra que essas práticas, para muitos estranhas, na verdade são permissões de Deus que através de Sua soberania, prepara o mundo para receber o evangelho de Cristo. Há o desafio do autor para os pregadores preocupados nessas culturas, enxergarem essas divergências não as demonizando, apenas, mas como caminhos de salvação. O autor mostra de forma geral que o mundo, exatamente assim, diversificado, fora preparado por Deus para o evangelho, mostrando que apesar das distorções praticadas pelos povos com relação à religião, sempre aparecerá entre essas culturas pessoas ou grupos tementes a Deus vivendo entre eles de forma piedosa. Palavras-chave: Fator Melquisedeque. Diálogo Inter-Religioso. Missão. Revelação. ABSTRACT There are many cultures around the world, featuring their places through people already on that refer to their political practices, ethical, religious and other. In a matter of faith, understanding some cultures in the face of the challenge of going up to them to carry out the divine command to preach the gospel of salvation becomes a serious problem, since exactly these "strange customs" do not seem to match with the gospel message. God prepared the world for the gospel: it is the thesis that Don Richardson seeks to demonstrate, through the pages of the book ‘Eternity in Their Hearts.' The

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ANÁLISE DA OBRA ‘O FATOR MELQUISEDEQUE

O testemunho de Deus nas culturas através do mundo’, de Don Richardson.

Angela Natel

Licenciada em Letras - Português-Inglês pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC/PR. Bacharel em Teologia pela Faculdade Fidelis, Curitiba/PR. Mestranda do Programa de Pós- Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC/PR. Bolsista Fundação Araucária e CNPQ. E-mail: [email protected]

RESUMO

Muitas são as culturas espalhadas pelo mundo, que caracterizam seus lugares, através dos povos já existentes no que se referem às suas práticas políticas, éticas, religiosas, etc. Em questão de fé, a compreensão de algumas culturas, em face do desafio de ir até elas para a realização do mandamento divino em pregar o evangelho da salvação, torna-se um problema sério, uma vez que, exatamente, esses “esquisitos costumes” parecem não combinar com a mensagem evangelho. Deus preparou o mundo para o evangelho: esta é a tese que Don Richardson procura demonstrar, ao longo das páginas do livro ‘O Fator Melquisedeque, o testemunho de Deus nas culturas através do mundo’. O livro é um fantástico compêndio antropológico da revelação de Deus para diversos povos. Para o autor, a revelação geral configurou-se em um terreno propício para o que Richardson chama de revelação especial (o fator Abraão). Deus providenciou um Salvador para todos os povos, por meio de um homem que ele escolheu, a quem se revelou, fez promessas, e jurou por Si mesmo que as cumpriria. No livro em questão, o autor mostra que essas práticas, para muitos estranhas, na verdade são permissões de Deus que através de Sua soberania, prepara o mundo para receber o evangelho de Cristo. Há o desafio do autor para os pregadores preocupados nessas culturas, enxergarem essas divergências não as demonizando, apenas, mas como caminhos de salvação. O autor mostra de forma geral que o mundo, exatamente assim, diversificado, fora preparado por Deus para o evangelho, mostrando que apesar das distorções praticadas pelos povos com relação à religião, sempre aparecerá entre essas culturas pessoas ou grupos tementes a Deus vivendo entre eles de forma piedosa. Palavras-chave: Fator Melquisedeque. Diálogo Inter-Religioso. Missão. Revelação.

ABSTRACT There are many cultures around the world, featuring their places through people already on that refer to their political practices, ethical, religious and other. In a matter of faith, understanding some cultures in the face of the challenge of going up to them to carry out the divine command to preach the gospel of salvation becomes a serious problem, since exactly these "strange customs" do not seem to match with the gospel message. God prepared the world for the gospel: it is the thesis that Don Richardson seeks to demonstrate, through the pages of the book ‘Eternity in Their Hearts.' The

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book is a fantastic anthropological compendium of the revelation of God to many people, to the author, the general revelation configured into a breeding ground for what Richardson calls special revelation (the Abraham factor). God has provided a Savior for all people, through a man he chose, who is revealed, promises made and swore by Himself that would fulfill. In the book in question, the author shows that these practices, for many strange, indeed are permissions that God through His sovereignty, preparing the world to receive the gospel of Christ. There is the challenge of the author concerned for preachers in these cultures, do not these differences themselves demonizing only, but as ways of salvation. The author shows that in general the world, just so diverse, had been prepared by God for the gospel, showing that despite the distortions committed by people with regard to religion, always appear between these cultures people or groups of people godly living among them piously. Keywords: Melchizedek Factor. Interreligious Dialogue. Mission. Revelation.

Introdução

Não se encontra registro em qualquer estudo por parte da História,

Antropologia, Sociologia ou qualquer outra “ciência” social, de um agrupamento

humano em qualquer época que não tenha professado algum tipo de crença

religiosa. As religiões são, então, um fenômeno inerente à cultura humana assim

como as artes e as técnicas. Além disso, elas têm muitos pontos coincidentes.

Segundo Helena Blavatsky, todas as religiões e filosofias concordam em sua

essência, diferindo apenas na “vestimenta”, pois todas foram inspiradas no que ela

chamou de “Religião-Verdade”1.

Exemplo disto é o número 3 relacionado ao ser criador: A tríade não aparece

somente no cristianismo, mas também é utilizada em diversas outras religiões, tais

como:

Trimurti hindu: Brahma (criador), Vishnu (conservador), Shiva (destruidor)

No Egito: Tríade menfita: deus Ptah, sua esposa Sekhmet e seu filho Nefertoum

Tríade osiriana: Osíris, Isis e Horus

Tríade tebana: Amon, Mout e Khonsou

1 Este é o lema da Sociedade Teosófica (S.T.), o qual foi traduzido do sânscrito –Satyan nasti para

Dharmah. A palavra Dharma foi traduzida como religião, mas também significa, entre outras coisas, doutrina, lei, dever, direito, justiça, virtude. Portanto, em sentido amplo, o lema da S.T. afirma que não há dever ou doutrina superior à Verdade.

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E ainda poderíamos multiplicar os exemplos na maioria das religiões

Taoísmo: Yang (claridade), Yin (escuridão) e Tao (caminho)

Sumérios/Acádios: Shamash (Sol), Sin (Lua) e Ishtar (Vênus).

Os cristãos estão dando um importante passo nessa direção. O “Fator

Melquisedeque” é a busca da essência de Deus nos diversos povos e religiões. É o

reconhecimento de que Deus é maior que tudo (inclusive religiões) e todos, e quer

se fazer revelar em todos os lugares.

O livro O fator Melqisedeque: o testemunho de Deus nas culturas através do

mundo (Mundo Cristão, 1995, tradução de Nedy Siqueira), de autoria de Don

Richardsoni e publicado originalmente com o título Inglês Eternity in their hearts

(1981) é uma obra de caráter cristão-missiológico.

No prefácio do livro entende-se melhor porque o autor escolheu mudar o título

do livro para este atual. A partir do termo “O fator Melquisedeque” (revelação original

que deixou um importante rastro na memória dos povos denominados primitivos)

surgiu o título do livro que era ETERNIDADE EM SEUS CORAÇÕES para mostrar

que Deus deixou um testemunho profundo que pode e deve ser aproveitado como

ponto de intersecção para o evangelho de Cristo.

Nesta obra, Don Richardson objetiva mostrar que a revelação de Deus à

humanidade acontece em dois níveis, que ele vai chamar de Fator Abraão e Fator

Melquisedeque, sendo o primeiro fator uma referência às implicações missionárias

das revelações especiais de Deus nas Escrituras Sagradas, tendo como veículo

principal a nação de Israel, cujo progenitor é Abraão; enquanto que o segundo fator

diz respeito à revelação geral-original de Deus a todos os povos, de todas as

culturas, muitos dos quais, em sua forma primitiva de viver, ainda deixam

transparecer alguns resquícios alojados em suas consciência acerca do projeto de

Deus para o mundo, e cujo referencial maior é o cananeu Melquisedeque, o qual,

apesar de fazer parte de um povo alheio à aliança de Deus com Abraão, demonstrou

um conhecimento considerável a respeito da mesma, quando se encontrou com

este.

Com o objetivo de trabalhar esta hipótese, Richarson utiliza de relatos entre

diferentes povos e culturas, tais como:

Uma vez por ano, os anciãos dyaks, de Bornéu, constroem um barco de

madeira em miniatura e o levam à beira do rio. O chefe religioso da tribo amarra uma

galinha num lado do barquinho e coloca uma lanterna acesa no outro lado. Logo em

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seguida, cada membro da tribo passa perto do barquinho e coloca um objeto

invisível entre a galinha e a lanterna. Quando se pergunta às pessoas o que

deixaram no barquinho, elas respondem: meu pecado. Depois, o chefe deixa o

barquinho ser levado pela correnteza do rio, enquanto os expectadores gritam:

"Estamos salvos!" (RICHARDSON, 2008, p.127)

Embora esta cerimônia religiosa não salve ninguém do seu pecado, Don

Richardson a vê como exemplo de uma ponte para o conhecimento do Evangelho.

Em ‘O Fator Melquisedeque’, Richadson conta mais 25 histórias fascinantes, que

mostram a semente do Evangelho deixada por Deus em cada cultura do mundo.

Sobre o autor

Don Richardson, autor de “Senhores da Terra”, “O Fator Melquisedeque” e

“Totem da Paz”, e sua esposa Carol passaram 15 anos entre os Sawi, uma tribo da

Indonésia. Ele traduziu o Novo Testamento e ensinou-os a lerem em seu próprio

idioma. Don é doutor honorário em literatura pela Biola University, em La Mirada,

Califórnia.

Reconhecido por seu trabalho antropológico e lingüístico, Don Richardson foi

missionário em Irian Jaya, parte Indonésia e na Ilha de Nova Guiné, em uma das

regiões mais desconhecidas e misteriosas do planeta, habitada por tribos Pápuas

que ainda vivem com uma tecnologia mais primitiva.

Estrutura da Obra

O livro se estrutura em duas partes: 1) O mundo preparado para o evangelho

– o fator Melquisedeque e 2) O evangelho preparado para o mundo – o fator Abraão.

Estes dois títulos, se distribuem em sete capítulos.

O Fator Melquisedeque, em seus primeiros capítulos, conta diversas histórias

de como missionários conseguiram apresentar Cristo para tribos que nunca ouviram

falar dele, demonstrando como a reveção de Deus, denominado de Fator

Melquisedeque, abriu portas para que o evangelho pudesse ser compreendido.

Nos quatro primeiros capítulos (parte 1), Richardson desenvolve a ideia do

Fator Melquisedeque, primeiramente trazendo ao conhecimento do leitor fatos

interessantes ocorridos entre povos primitivos, que denunciam um conhecimento,

ainda que remoto, do verdadeiro Deus entre eles. Assim sendo, no primeiro capítulo,

denominado Povos do Deus remoto, são apresentados seis povos, alguns com uma

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tecnologia bem primitiva, como os cananeus, os santal, o povo gedeo da Etiópia e

os mbaka da República Centro-Africana; outros com uma tecnologia mais avançada,

como os atenienses, chineses, coreanos e incas. A cada um desses povos, o autor

refere um acontecimento que aponta para a revelação original de Deus, a qual foi

perdendo a tonalidade nas consciências com o passar do tempo, mas que não se

perdeu de todo.

No capitulo dois – Povos do livro perdido – o autor fala de uma crença muito

comum entre alguns povos da região da Birmânia e adjacências. Segundo aqueles

povos, os seus antepassados serviam a um único Deus – cada um cita um nome, de

acordo com o idioma falado, não obstante os significados serem bem parecidos – o

qual lhes deu um livro que continha as leis da divindade, mas de alguma maneira, o

livro se perdeu, trazendo maldição sobre eles. Segundo este sistema de crenças, há

uma promessa antiga, propagada pelos profetas, segundo a qual um dia aparecerá

um homem branco trazendo de volta o livro que os libertará da servidão e lhes

mostrará o caminho da felicidade. (RICHARDSON, 2008, pp.83-95)

Vale salientar que, embora alguns destes povos ofereçam sacrifícios a outras

divindades – deuses maus, segundo eles –, a fim de apaziguar sua ira, reconhecem

que há somente um Deus, criador de todas as coisas, sendo que a visão que estes

povos têm da divindade é bem parecida com a cosmovisão judaico-cristã, como é o

caso dos Karen da Birmânia, cuja composição de hinos anunciam e exaltam um

único Deus verdadeiro, que eles chamam de Y’wa (RICHARDSON, 2008, p.93).

Para os kachin, povo do norte da Birmânia, Karai Kassang é o glorioso que cria e

tudo sabe (RICHARDSON, 2008, pp.95-96). Crença bem semelhante permeia a vida

religiosa dos Lahu e os Wa, povos da adjacência da Birmânia (RICHARDSON, 2008,

pp.86-98), bem como dos Mizo da Índia (RICHARDSON, 2008, pp.102-118).

Richardson busca mostrar a evidência de um monoteísmo nativo nas crenças

destes povos, bem como alguns paralelos entre essas crenças e algumas doutrinas

das Escrituras, por exemplo, o conceito de um Deus único, Criador do Universo, a

noção de desobediência original contra a Divindade, a promessa de um Salvador

enviado para trazer a verdade e iluminar aqueles que estão em trevas espirituais.

Na sequencia são apresentados alguns povos de costumes muito exóticos

para o olhar ocidental, cujas tradições aparentemente serviriam de empecilho à

propagação do evangelho; também são apresentadas algumas estratégias usadas

por missionários para transpor estes empecilhos, inspiradas na percepção de uma

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correlação entre aqueles costumes exóticos e alguns pontos das Escrituras cristãs.

Um exemplo é o caso dos Sawi da Nova Guiné, os quais, além de canibais, praticam

a “caça cabeça”, um costume que consiste em selecionar pessoas da própria

comunidade e, num ato de traição, cortar as suas cabeças para estacá-las em suas

plantações, a fim de atrair fecundidade como favores dos deuses. Eles tinham uma

admiração especial pelos traidores, pessoas que eram incumbidas de iludir suas

vítimas com uma falsa amizade, literalmente engordando-as para, por fim, matarem-

nas. Sendo os traidores decantados nesta cultura, quando a mensagem do

evangelho anunciou um Jesus traído por um Judas, este ganhou um lugar de honra

e aquele ganhou um lugar de desprezo. Segundo esta mesma tradição, somente um

ato poderia livrar uma família ou pessoa de qualquer traição deste tipo: quando um

pai sawi oferecia seu filho para outro grupo como uma “criança da paz”, tanto as

diferenças antigas eram canceladas, como eram prevenidas futuras ocasiões de

perfídias. Neste caso, como uma forma de remover o empecilho à propagação do

evangelho, o autor, ele mesmo no campo missionário, apresenta Jesus como a

última criança da paz, fazendo um paralelo entre este costume sawi e o ato de Deus

ter oferecido seu Filho como meio de desfazer a inimizade entre Ele e a humanidade

perdida (RICHARDSON, 2008, pp.123-127).

No capítulo que encerra a primeira parte do livro, o autor trata de teorias

estranhas, ou mais precisamente, eruditos com teorias estranhas, que se levantaram

na esteira da Teoria da Evolução de Charles Darwin, para explicar, de forma

científica, a origem da religião, bem como a evolução, entre os povos, do politeísmo

para o monoteísmo, ganhando destaque a teoria do inglês Eduard B. Tylor. Este

defendia que a ideia de alma humana, desenvolvida pelos primitivos, poderia ter sido

o embrião natural do pensamento do qual se desenvolveram todos os demais

conceitos religiosos, e que, portanto, as religiões devem ter nascido da

compreensão de gente primitiva que atribuía não só aos humanos, mas também a

outras entidades, a existência de uma alma. Para Tylor, a evolução que se deu do

politeísmo para o monoteísmo inspirou-se no fenômeno de certas sociedades

humanas: a estratificação das classes, que foi pouco a pouco elevando a

aristocracia como governo das massas, até que um único aristocrata assumiu o

governo soberano, o que teria inspirado mentes religiosas fecundas a,

paralelamente, elevar um membro do panteão de deuses locais acima das outras

divindades, culminando no monoteísmo. Por se chocar frontalmente com as ideias

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defendidas por Richardson em O Fator Melquisedeque, mormente a ideia de um

fenômeno universal de um monoteísmo nativo, é que o autor aborda a teoria de

Tylor, mostrando, com sólida argumentação, que ela já foi refutada pela ciência e

apontando quais foram suas consequências deletérias no decorrer da história

(RICHARDSON, 2008, pp.147-164).

Na segunda parte do livro, Richardson aborda o que ele mesmo chama de

revelação especial, a qual fora dada por Deus a Abraão, a partir do capítulo 12 de

Gênesis, o que é conhecido por alguns estudiosos da Bíblia como “aliança

abraâmica”. Após recapitular alguns aspectos da revelação geral, a qual abrange

doutrinas importantes da Bíblia, como por exemplo: o fato da existência de Deus, a

criação, a rebelião e queda do homem, a necessidade de um sacrifício para aplacar

a Divindade, o grande Dilúvio – fatos dos quais os mais diversos povos tinham

ciência – o autor propõe que a aliança abraâmica se levanta como uma ilha em meio

ao mar da revelação geral.

Richardson se reporta para o capítulo 12 de Gênesis, a fim de classificar as

promessas feitas a Abrão em duas categorias: as promessas da linha de cima

De ti farei uma grande nação e te abençoarei, e engrandecerei o teu nome.

Sê tu uma bênção; abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os

que te amaldiçoarem (Gn.12,2-3a)

e as promessas da linha de baixo

em ti serão benditas todas as famílias da terra (Gn.12,3b).

A compreensão que se deriva dessa classificação feita por Richardson é que

o plano Deus era abençoar Abraão e os seus descendentes (promessas da linha de

cima) para, por meio dele, abençoar todos os povos da terra (promessas da linha de

baixo).

Como exemplo prático do propósito de Deus de abençoar os gentios por meio

da nação eleita, são apresentados ao leitor vários casos, no antigo Testamento, em

que os filhos de Abraão foram uma bênção para os povos não-judeus, como os

casos de: José, que foi um canal de bênçãos para os egípcios; os espias de Josué

em Jericó, que foram uma bênção para Raabe e sua família; Noemi, que foi uma

bênção para duas mulheres moabitas; o profeta Elias, que foi uma bênção para uma

viúva de Sarepta; o profeta Eliseu, que foi uma bênção para Naamã; o rei Salomão,

que foi uma bênção para a rainha de Sabá; Daniel e seus três amigos, que foram

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uma bênção para os babilônios. Estes fatos e outros, exarados no Antigo

Testamento (são mais de 300) evidenciam que Deus estava trabalhando para fazer

cumprir as suas promessas de abençoar os gentios desde tempos remotos.

Na terceira parte desta impressionante literatura, Don Richardson traz

diversas revelações dos evangelhos e do livro de Atos, mostrando a vontade de

Deus para todos os povos, o que ele chama de Aliança Abraâmica. São

apresentadas abundantes referências no Novo Testamento que mostram Deus

ainda apegado ao seu antigo compromisso de abençoar os gentios por meio de

Abraão, principalmente nas cartas paulinas e na epístola aos hebreus.

No capítulo 6, Richardson apresenta o cumprimento da promessa com o título

Um Messias Para Todos. Ele começa fazendo um paralelo entre Isaque e Jesus,

bem como entre o monte Moriá, local onde teria acontecido o sacrifício de Isaque, e

o Calvário, local onde Jesus foi sacrificado. Com isso, Richardson salienta que toda

a vida de Jesus, sua morte e ressurreição estavam intimamente ligadas à promessa

secular de Deus, no sentido de repartir as bênçãos de Abraão entre todos os povos

da terra. Esta afirmativa se encontra apoiada em abundantes referências citadas

pelo autor, muitas das quais mostram Jesus estendendo as bênçãos de Abraão a

vários gentios que se aproximaram dele pedindo ajuda, como por exemplo, o

centurião de Cafarnaum (Mt 8,5-13) e a mulher cananéia (Mt 15,21-28).

Portanto, todas as ações de Jesus às pessoas que não faziam parte da

comunidade de Israel – a mulher e o leproso samaritanos (Lc 17,11-19; Jo 4,5-28),

por exemplo – denunciavam o seu compromisso com a promessa de Deus a

Abraão, de que abençoaria os gentios, missão que outorgou aos seus discípulos e

que chamou de Grande Comissão (cf. Mt 28,18-20).

Por fim, no último capítulo, o autor relata o plano de Deus de alcançar todos

os povos, evidenciado no livro de Atos, e expresso na grande comissão delegada

por Jesus aos seus discípulos, quando ordenou a estes que não se ausentassem de

Jerusalém até que recebessem poder para evangelizar o mundo (ver At 1,8).

Segundo Richardson, o plano de Deus de abençoar os gentios ficou evidente

no dia de Pentecostes, quando judeus do mundo inteiro, que falavam não só o

idioma hebraico e/ou aramaico, mas também vários idiomas gentios estavam

reunidos em Jerusalém. E se a intenção de Deus fosse só abençoar os judeus, não

haveria a necessidade de o Espírito Santo conceder aos discípulos que falassem

milagrosamente dezenas de línguas que se fizessem entender de todos, apenas o

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hebraico seria o suficiente. Este fato estaria mostrando que o poder do Espírito não

objetivava primordialmente operar milagres, mas levar o evangelho a todos os

povos.

Os discípulos de Jesus, todavia, parece não terem entendido o significado da

grande comissão e se mostraram relutantes em atender à ordem de Jesus Cristo

para levar o evangelho aos gentios, até que Deus tomou providências drásticas para

que sua promessa feita a Abraão fosse cumprida. Três fatos importantes

evidenciaram a ação de Deus: 1) a grande perseguição que se abateu sobre a igreja

de Jerusalém (At 8,1); 2) a conversão de Saulo (At 9,1ss); 3) a destruição de

Jerusalém por Tito no ano 70 A.D. Acrescenta-se ainda o fato de Deus ter ordenado

a Pedro que fosse à casa de Cornélio, um gentio, a fim de que este recebesse as

bênçãos do evangelho (At 10,9-23). Richardson mostra com detalhes como esses

acontecimentos foram decisivos para a expansão do Reino de Deus entre os

gentios. O livro se encerra com o autor desafiando os leitores a atentarem para a

linha de baixo das promessas feitas por Deus a Abraão, a fim de que façam frutificar

a promessa de 4.000 anos feita ao pai da fé.

Análise do conteúdo

A partir da divisão do livro em duas partes UM MUNDO PREPARADO PARA

O EVANGELHO (capítulos 1 a 4) e O EVANGELHO PREPARADO PARA O

MUNDO (capítulos 5 a 7), pode-se empreender a seguinte análise:

1. Baseado no primeiro capítulo (POVOS DO DEUS REMOTO) é possível observar

que o testemunho divino tem dois aspectos: de um lado a lembrança de um Deus

Soberano e Bom e do outro a ideia de um mensageiro que trará um livro e uma

mensagem sagrada do grande Deus. Daí se verá a lógica da frase: Deus preparou o

mundo para o evangelho e o evangelho para o mundo.

“O Fator Melquisedeque” mostra que O Deus Desconhecido (agnosto theo)

dos atenienses, o THEOS e LOGOS dos gregos, O JAVÉ dos hebreus, o THAKUR

JIL dos Santal, (Calcutá, Índia) o EL ELYON dos Cananeus, o MAGANO de Gedeo

(Etiópia), o KORO dos Mbaka (República centro africana), o SHANG TI dos

Chineses, O HANAMIM dos Coreanos, Y´WA dos Karen (Birmânia), KARAI

KASANG dos Kachin, GUI´SHA dos Lahu, o SIYEH dos Wa, PHRA-ARIYA-METRAI

(Senhor da Misericórdia e não a quinta manifestação de Buda) dos Shan e Paloung,

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CHEPO-THURU ou GWANG dos Naga (24 tribos da Índia), todos estes nomes se

referem ao mesmo Deus que os antropólogos chamam de O DEUS DOS CÉUS.

Os Cananeus

Deus apareceu a Abraão e disse:

De ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome.

Seja tu uma benção: abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os

que te amaldiçoarem. Em ti serão benditas todas as famílias da terra. (Gn

12,2-3).

Deus abençoou a Abraão com um único propósito, que através dele todas as

famílias da terra seriam abençoadas. Antes disso Deus mandou Abraão habitar

numa região desconhecida, onde já se encontrava cerca de dez tribos diferentes (Gn

15,19-21).

Certo dia, seu sobrinho Ló foi sequestrado, e Abraão sai em seu resgate. Ao

voltar e chegar ao Vale de Savé (Vale do Rei) veio a Abraão um homem chamado

Melquisedeque, rei de Salém. O seu nome é uma combinação de duas palavras

cananeias, Melchi (rei) e Zadok (Justiça), ou seja, rei de justiça. Melquisedeque

também atuava como sacerdote do El Elyon (Deus Altíssimo) (Gn 14,12-24).

Tanto El como Elyon eram nomes cananeus para o próprio Javé. A palavra El

aparece em diversas línguas semíticas como o fenício, aramaico e o acadiano.

Elyon também aparece como um nome para Deus nos textos antigos escritos em

fenício (uma ramificação da posterior da língua cananeia).

Tanto El como Elyon eram nomes cananeus para o próprio Javé. El ocorre

frequentemente nos textos ugaríticos da antiguidade. O termo cananeu El insinuou-

se até mesmo na língua hebraica dos descendentes de Abrão em palavras tais

como Betel – “a casa de Deus”, El Shaddai – “Deus Todo-poderoso ou Altíssimo”,

e Elohim, “Deus” (forma plural de El que não obstante retém um significado singular

misterioso).

Elyon também aparece como um nome para Deus nos textos antigos escritos

em fenício – uma ramificação posterior da língua cananeia antiga de

Melquisedeque. A forma composta El Elyon aparece até numa inscrição aramaica

da antiguidade encontrada recentemente na Síria. Quando ligados, os dois

termos El e Elyon significam “Deus Altíssimo”. A pergunta que é feita segue: Será

que Abraão que conhecia o Senhor como El Shaddai (El Todo Poderoso, cf.

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Gn.17,1), ressentiu-se de um cananeu o chamar em seu próprio idioma de El Elyon?

Abraão não somente aceitou o “pão e o vinho” oferecidos por Melquisedeque (Gn.

14,18), como também foi abençoado por Melquisedeque pela benção de El Elyon

(Gn 14,19,20) e ele mesmo passou a chamar Javé de El Elyon (Gn 14,22) também

dando seus dízimos a Melquisedeque como forma de submissão. O homem que foi

escolhido por Deus para abençoar toda a terra, se humilha perante um cananeu

desconhecido (cf.Hb 7,4-10).

Com respeito ao ato de Melquisedeque abençoar Abraão e a aceitação

implícita dessa benção por parte deste, o mesmo autor comenta que Melquisedeque

“abençoou o que tinha as promessas. Evidentemente, não há qualquer dúvida, que o

inferior é abençoado pelo superior” (Hb 7.6-7, grifo acrescentado).

Mas isso não é tudo que indica a grandeza desse personagem cananeu

chamado Melquisedeque. O autor de Hebreus cita uma profecia do rei judeu Davi –

o rei que primeiro conquistou a antiga Salém das mãos dos jebuseus (1.000 a.C.) e

fez dela Jerusalém, capital da nação judaica. A profecia declara explicitamente que o

Messias judeu, quando viesse, não serviria como membro do sacerdócio levítico

inerentemente temporário, com sua linhagem restrita. Em vez disso, seria um

sacerdote da “ordem de Melquisedeque”, e cuja ordem não ficará aparentemente

restrito a qualquer linhagem particular. E não apenas isso, mas a filiação do Messias

à “ordem de Melquisedeque” é confirmada por nada menos que um juramento

divino, e Ele pertencerá eternamente à mesma. “O Senhor jurou e não se

arrependerá: tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque” (Sl

110.4, grifo acrescentado).

Melquisedeque apresentou-se no Vale de Savé como um símbolo ou tipo da

revelação geral de Deus à humanidade, enquanto Abraão representava a revelação

especial de Deus à humanidade baseada na aliança e registrada no cânon bíblico. A

revelação geral de Deus é superior a sua revelação especial de duas maneiras: ela

é mais antiga e tem influenciado 100% da humanidade (Sl 19) em vez de apenas

uma pequena porcentagem. À medida em que a revelação especial (denominada

por Richardson de ‘Fator Abraão’) continuou a estender-se pelo mundo, através das

eras abrangidas pelos primeiro e segundo Testamentos das Escrituras Sagradas,

ela descobriu que a revelação geral (denominada ‘Fator Melquisedeque’) já se

achava em cena, trazendo pão e vinho, e abençoando a todas as nações,

preparando-as para chegada do Fator Abraão (Richardson, 2008, pp. 30-37).

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Os Atenienses

No século seis antes de Cristo, a cidade de Atenas sofreu uma grande praga

(essa praga não pode ser confundida com a que ocorreu em 430 a.C.) que matou

muitos atenienses. A história nos conta que os atenienses queimaram muitos

sacrifícios aos seus deuses para que a praga fosse extinta, como não conseguiram,

buscaram entre outros povos alguma solução entre os seus deuses, mesmo assim a

praga continuou. Entretanto uma sacerdotisa recebeu uma mensagem de um

oráculo que dizia que os atenienses estavam sendo punidos por causa da traição do

rei Mégacles aos seguidores de Cílon. A sacerdotisa afirmou que “havia um deus

que ainda não tinha sido apaziguado, e que se deveria enviar um navio a Cnossos,

na ilha de Creta, e trazer de lá um homem chamado Epimênides”.

Epimênides, chegando a Atenas, descreveu três suposições: a primeira é que

“ainda existe outro deus, um deus cujo nome não conhecemos e que não está sendo

representado por qualquer ídolo em sua cidade”, a segunda é que “esse deus é

bastante poderoso e suficientemente bondoso para fazer alguma coisa a respeito da

praga, se apenas pedirmos sua ajuda” e terceiro que “qualquer deus suficientemente

grande e bondoso para fazer algo a respeito da praga é também poderoso e

misericordioso para nos favorecer em nossa ignorância se a reconhecermos e o

invocarmos”.

Epimênides disse que preparassem muitas ovelhas de diversas cores e não

as deixassem se alimentar, mandou também aos pedreiros que se preparassem. No

dia seguinte, pelo nascer do Sol, Epimênides mandou soltar as ovelhas famintas:

aonde as ovelhas deitassem em vez de se alimentar deveria ser construído um altar

ao “deus desconhecido”.

Muitos altares foram construídos naquele dia, mas nos dias do apóstolo Paulo

somente um ainda estava preservado. Segundo o que se pode observar da Bíblia,

Epimênides, apesar de ser um estrangeiro propício à idolatria, foi considerado por

Paulo como um profeta (Tt 1,12), que citou uma de suas poesias:

Os cretenses diziam como verdade a respeito de Zeus, que ele era um

senhor; foi dilacerado por um javali e foi sepultado; e veja: seu túmulo é

conhecido entre nós; assim Minos, filho de Zeus, proferiu um discurso de

louvação em favor de seu pai; e disse: os cretenses entalham para ti um

túmulo, ó santo e altíssimo! Mentirosos, bestas selvagens e lentos glutões,

pois tu não estás morto para sempre; tu estás vivo e ressurreto; pois em ti

13

nós vivemos e nos movemos, e temos o nosso ser. (RICHARDSON, 2008,

p.26)

O próprio Paulo no discurso do Areópago utilizou de sua poesia ao também

dizer “pois em ti nós vivemos e nos movemos, e temos o nosso ser” (cf.At.17,28).

Paulo ao citar uma poesia e considerar a história dos séculos passados, chamando

o próprio Epimênides de profeta, não estava assumindo uma postura herege. Pois

quando os escribas foram chamados para a tradução do Antigo Testamento para o

grego no século II a.C., eles pensaram muito acerca do nome grego que usariam

para traduzir o nome do Deus IAVÉ, e uma das opções foi Zeus e Theos. Como

Zeus já estava manchado por terem designado a ele atitudes e sentimentos ligados

à corrupção humana e designado a ele pais chamados Cronos e Réia, logo os

escribas escolheram Theos que por enquanto estava livre da corrupção. Quanto a

isso os próprios filósofos gregos combatiam a degeneração e multiplicidade dos

deuses gregos, como Xenófanes, que no século VI a. C. começou a rotular os textos

dos poetas como blasfêmias. Queixava-se de que os escritores Homero e Hesíodo

atribuíam aos deuses “tudo o que é vergonhoso e escandaloso entre os homens,

pois os deuses roubam,matam, cometem adultério, e enganam uns aos outros”.

Essa linha de pensamento encontrou sua expressão mais dramática em A

República (acerca da justiça, do universo e dos diversos tipos de governo) e

em Leis (que trata da lei divina e natural, da educação e da relação entre filosofia,

política e religião) de Platão.

Anaxágoras, por exemplo, partiu para um auto exílio fora de Atenas, por

duvidar que a lua fosse uma deusa e afirmar que, pelo contrário, vislumbrava em

sua terra mares e montanhas. Aristóteles, que não aceitava a explicação de que o

titã Atlas carregava a terra e o céu nas costas (afirmação que rotulou de “ignorância

e superstição do povo grego”), exilou-se por temer que terminasse como Sócrates,

que obteve acusação de impiedade e morreu. Sócrates foi condenado com 71 anos,

acusado, entre outras coisas, de ateísmo e de corromper os jovens gregos com seus

ensinamentos.

O latim Deus descende do Proto indo-europeu deiwos = “divino”, mesma raiz

que Dyēus, a divindade principal do panteão indo-europeu, igualmente cognato do

grego Zeus. Na era clássica do latim o vocábulo era uma referência generalizante a

qualquer figura endeusada e adorada pelos pagãos. Foi Jerônimo quem traduziu a

14

palavra hebraica Elohim para o latim como Deus na tradução da Vulgata em 400

d.C.

Vê-se outro ponto de ligação com a cultura grega quando o apóstolo João, ao

escrever seu evangelho, utiliza a palavra logos, trazendo à tona na mente grega

ouvinte uma enxurrada filosófica que se iniciara por volta do ano 600 a.C. quando o

filósofo grego Heráclito utiliza pela primeira vez logos como a razão, capacidade de

racionalização individual ou o plano divino que coordena o Universo em mudança,

ou seja, um princípio cósmico de ordem e beleza que rege toda a criação

logicamente.

Não é de se admirar que Zeus e Deus sejam nomes muito parecidos. Theos

(origem do radical Teo, que origina palavras como Teologia, Teólogo, Teocracia etc).

Os Atenienses muito provavelmente, conheciam o Deus único, o Deus verdadeiro,

porém, histórias e histórias da imaginação humana começaram a dar origem a

“deuses”, e o caráter de Deus ficou turvo na mente dos atenienses (RICHARDSON,

2008, pp. 13-30)

Os Incas

Pachacuti foi rei da incrível civilização inca da América do Sul, de 1438 a

1471 d.C. Segundo Philip Ainsworth Means, perito em antiguidades andinas,

Pachacuti levou o império inca ao seu apogeu. Pachacuti foi responsável pela

construção da fortaleza inca Machu Pichu.

Após reconstruir o templo de Inti (o deus Sol na mitologia Inca), Pachacuti

começou a questionar a soberania desse Deus. Ele percebeu que o Sol sempre

segue um caminho determinado, realiza tarefas definidas e mantém horas certas

como as de um trabalhador; se Inti fosse realmente Deus, nenhuma simples coisa

criada por ele, como uma nuvem, teria poder para reduzir a sua luz.

Pachacuti buscou então em meio às memórias de seu povo, e descobriu que

antigamente seu povo adorava a um deus chamado Viracocha (senhor criador

onipotente de todas as coisas) que possuía um templo em Quishuarcancha, há

muito esquecido. Pachacuti lembrou que seu pai, Hatun Tupac, afirmou ter recebido

conselho, em sonho, de Viracocha, onde disse que Ele era verdadeiramente o

Criador de todas as coisas.

Pachacuti descobriu então que Viracocha é a divindade invisível, criadora de

toda a cosmovisão andina, considerado como o esplendor original, o Senhor, Mestre

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do Mundo, sendo o primeiro deus dos antigos tiahuanacos, que das águas do lago

Titicaca criou o céu e a terra.

Pachacuti então se reuniu com os sacerdotes de Inti, e lhes expôs sua

descoberta. Crendo eles que o povo se revoltaria por tanto tempo terem adorado a

um deus falso, resolvem então guardar esse segredo por mais um tempo, mas

infelizmente os espanhóis chegaram (RICHARDSON, 2008, pp. 37-46).

Os Santal

Em 1867, o missionário Lars Skrefsrud viajou até o norte de Calcutá na India,

e descobriu um povo composto de dois milhões e meio de pessoas, os santal.

Ele acreditou que demoraria algum tempo até algum deles compreenderem a

mensagem do evangelho, mas quase imediatamente os santal se reuniram e

disseram a ele que eles sabiam sobre qual deus ele estava pregando, que ele era

um enviado de Takur Jiu.

“Como vocês sabem a respeito de Thakur Jiu?” Perguntou o Skrefsrud. Eles

responderam: “Nossos ancestrais o conheciam no passado”. Um sábio santal

chamado Kolean disse mais: “No passado, Thakur Jiu criou Haram e Ayo, e os

colocou em um jardim, no leste da Índia, na região chamada Hihiri Pipiri. Ali, um ser

chamado Lita tentou fazer cerveja de arroz e, depois, induziu-os a jogar parte da

cerveja no solo como uma oferta ao demônio. Haram e Ayo se embriagaram com a

cerveja e dormiram. Ao acordar, souberam que estavam nus e tiveram vergonha.

Mais tarde Ayo teve 7 filhos e 7 filhas de Haram, os quais se casaram e formaram 7

clãs. Os clãs migraram para uma região chamada Kroj Kaman, onde se tornaram

corruptos. Thakur Jiu chamou a humanidade para voltar a Ele. Quando o homem se

recusou, Thakur Jiu escondeu um ‘casal santo’ numa caverna no monte Harata,

destruindo o restante da humanidade através de um dilúvio. Tempos depois, os

descendentes do ‘casal santo’ se multiplicaram e migraram para a planície de Susan

Beda. Thakur Jiu os dividiu ali em muitos povos diferentes. Nossos descendentes

migraram para a ‘Terra de Jarpi’ avançando para o leste até que altas montanhas

bloquearam seu caminho. Eles procuraram por uma passagem, mas não

encontraram, pois os espíritos da montanha estavam bloqueando o caminho.

Disseram que para passar deveriam sacrificar a eles. Foi assim que nosso povo caiu

nas mãos dos ‘Maran Buru’ para então conseguiram passagem”.

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Após entender que eles estavam falando do mesmo Deus, e Skrefsrud

começar a pregar em nome de Thakur Jiu, os santal começaram a compreender o

evangelho, sendo batizados em média cerca de 80 indivíduos por dia. Skrefsrud

batizou mais de 85.000 crentes santal.

Algumas intersecções encontradas na cultura religiosa dos santal são:

Haram – Adam – Adão (cf.Gn1-3)

Ayo – Eva? (cf.Gn1-3)

Harata – Ararate

Dilúvio – Dilúvio (cf.Gn.6)

Dividiu ali em muitos povos diferentes – Confusão de línguas na Torre de Babel (cf.

Gn.11) (RICHARDSON, 2008, pp.46-58).

Os Gedeos

Nas montanhas da Etiópia, os gedeos compartilham uma crença no deus

benévolo chamado Magano. Porém muitos deles estavam preocupados em

apaziguar a ira de Sheit’na, então um gedeo chamado Warrasa Wange preocupado

com essa idolatria, fez uma oração a Magano para que ele se revelasse a seu povo.

Logo após essa oração, Warrasa teve um sonho onde via dois homens

brancos abrigados debaixo de um sicômoro (árvore da região), mas eles construíam

sob o sicômoro tetos que eram muitos brilhantes. Então ele ouviu uma voz que

disse: “Esses homens trarão uma mensagem de Magano, o Deus que você procura.

Espere por eles”. No final dessa visão, Warrasa viu a estaca que sustentavam sua

casa se mover, onde ele tirava a estaca e pregava-a no solo junto à habitação de

telhado brilhante dos dois homens.

Oito anos se passaram, até que em Dezembro de 1948, Albert Brant e Glen

Cain (homens brancos), apareceram para iniciar uma missão cristã dentro de um

caminhão velho. O caminhão enguiçou debaixo de um sicômoro antigo (o teto do

caminhão era brilhante). Três décadas mais tarde mais de 200 igrejas estavam

construídas, cada uma com em média 200 membros.

Talvez não se tenha acompanhado, trata-se de revelações divinas em lugares

onde supostamente Deus não estava presente, porém, diversos povos conhecem a

Deus, e por algum motivo o deixaram para trás, porém, Deus nunca se esqueceu

deles, e prepara uma mensagem para que seu povo compreenda o evangelho

17

integralmente. Também prepara o povo para receber Sua mensagem

(RICHARDSON, 2008, pp.59-61).

Os Mbaka

Os mbaka são uma tribo bantu que reside perto da cidade de Sibyut na

República Centro Africana. Quando os missionários batistas chegaram até este

povoado, liderados por Ferdinand Rosenau, não tiveram muito trabalho de fazê-los

entender o evangelho, pois um dos seus anciãos lhes disse: “Koro, o criador, enviou

uma mensagem a nossos antepassados há muito tempo, dizendo que Ele já

mandara seu filho realizar uma coisa maravilhosa em favor de toda a humanidade.

Mais tarde, porém, nossos ancestrais afastaram-se da verdade sobre o filho de

Koro. Com o tempo, eles até esqueceram o que Ele havia feito pela humanidade.

Desde a época do ‘esquecimento’, gerações sucessivas de nosso povo desejaram

descobrir a verdade sobre o filho de Koro. Mas tudo o que pudemos saber foi que

mensageiros finalmente viriam para repetir esse conhecimento esquecido. De

alguma forma, sabíamos também que os mensageiros seriam provavelmente

brancos. Em qualquer caso, resolvemos que, à chegada dos mensageiros de Koro,

todos nós lhe daríamos as boas-vindas e creríamos na sua mensagem”

(RICHARDSON, 2008, pp.61-67).

2. No capítulo segundo intitulado de POVOS DO LIVRO PERDIDO, o autor faz

grandes revelações. Ele afirma que centenas de cristãos nos países ocidentais são

influenciados por um estereótipo de trabalho missionário, que funciona basicamente

como um empreendimento ineficiente e improdutivo. Poucos cristãos sabem que

dois estados inteiros da Índia predominantemente Indu – Nagaland e Mizoram –

possuem alta porcentagem per capita de cristãos batizados do que qualquer outra

região de igual tamanho em qualquer parte do mundo.

Neste capítulo é visto uma lista de povos que reconhecem a existência de um

Deus Criador soberano que um dia irá trazer um mensageiro com a grande

revelação através de um livro perdido onde missionários encontraram uma grande

ponte de partida para a compreensão do evangelho de Jesus e um possível diálogo

inter-religioso.

O autor levanta uma questão um tanto polêmica sobre os porta-vozes dos

povos primitivos: Epimênedes, o profeta cretense; Pachacuti, representante de

18

viracocha; Kolean, o sábio Santal; Pu chan, o profeta Wa; Khamhinatulu, a profetisa

Mizo; e Moreza, o advinho etíope – o que pensar deles? Seriam eles levantados por

Deus para comunicarem a revelação geral de um Deus criador? Para Richardson,

Melquisedeque, Bildade, Zofar, Elifaz e Eliú (cf. Jó), esses cinco homens tementes a

Deus, viviam na terra de Uz. Ninguém sabe como vieram a conhecer a Deus em Uz

sem a ajuda de Abraão. De fato, ninguém sabe se quer onde fica Uz.

Provavelmente, até mesmo Abraão era alguém desse tipo quando Javé falou-lhe

pela primeira vez em Ur dos Caldeus. É possível que o próprio Jesus se referisse a

pessoas dessa classe quando disse: “ainda tenho outras ovelhas que não são deste

aprisco; a mim me convém conduzi-las.” (Jo. 20,16). Diante destes argumentos o

autor demonstra sua firme convicção de que cada um dos nomes mencionados, de

alguma forma, foi canal de Deus na cultura onde foram inseridos (RICHARDSON,

2008, pp.83-121).

3. No terceiro capítulo que tem por título POVOS COM COSTUMES ESTRANHOS,

Don Richardson diz que a lei expressa na natureza pagã do homem serve para ele

como uma espécie de Antigo Testamento intermediário. O próprio Salomão disse

que Deus colocou “a eternidade no coração do homem” (Ec. 3,11).

Dentre os costumes estranhos dos povos e ao mesmo tempo comuns as

Escrituras o livro cita:

a) O ritual dos Dyaks de Bornéu, envolvendo duas galinhas, onde uma é

amarrada num barco emissário e leva os pecados do povo que clama: estamos

salvos – bem semelhante aos bodes usados no rito anual dos hebreus.

b) A ideia de Novo nascimento do povo Asmat da Nova Guiné – povo canibal

e caçador de cabeças.

c) A idéia de “lugar de refúgio” dos Yali e dos Hanaianos – parecido com o

lugar de refúgio dos Hebreus. (Js. 20 e 21; Sl 31,1; Hb. 6,18).

d) As mensagens codificadas no misterioso sistema de escrita chinês.

e) O sagrado número quatro dos índios norte-americanos.

Estes e outros detalhes que soam bem estranhos à cultura ocidental, porém

para o autor é o ponto central da compreensão do evangelho a essas culturas.

Richardson também afirma que o homem não regenerado é duplamente

perseguido. Primeiro, ele sente a eternidade, em direção a qual ele se move –

partícula finita que é – como alguém estranhamente destinado. A seguir, descobre

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gravada em seu coração uma lei que o condena a não atingir o seu destino eterno.

Por isso, então, que almejam incansavelmente por um Deus que os socorra e os

conforte.

4. Neste quarto capítulo (ERUDITOS COM TEORIAS ESTRANHAS) é feito um

apurado acadêmico e histórico deste fenômeno divino nas culturas primitivas ao

redor do mundo. A pergunta é: Será que os eruditos do mundo acadêmico secular

conhecem este fenômeno chamado MONOTEISMO NATIVO? Se não, este trabalho

não atingiria seu objetivo e não seria eficaz, afirma o autor.

No século XIX surgiu um teórico escritor inglês por nome de EDWARD B.

TYLOR, com sua obra Cultura Primitiva. Este afirma que o ponto comum nas

religiões primitivas é a ideia de alma. Outro ponto é a origem evolutiva do

monoteísmo. Tylor diz que o animismo gerou o espiritismo, que gerou o politeísmo e

daí chega ao monoteísmo, mas apenas em países onde o fenômeno social de

estratificação de classes o instigou e também o fenômeno social da monarquia.

A idéia de Tylor é que nenhuma cultura poderia apresentar uma ideia

monoteísta sem possuir um monarca, pois não teria sentido para eles. Esta

pressuposição foi defendida pelo frade austríaco WILHELM SCHMIDT, editor da

revista ANTROPOS, e também o escocês ANDREW LANG, descrito como o

discípulo favorito de Tylor. Estes dois, juntamente com os demais teóricos do

mundo, estavam em harmonia neste ponto: a figura do deus dos céus precisava ser

eliminada desde os primeiros estágios da religião, como sendo excessivamente

elevada e incompreensível para as mentes selvagens (primitivas).

Em 1898, Andrew foi surpreendido por um relato de um missionário alegando

que um povo primitivo reconhecia a ideia de um Deus criador, e daí, Andrew passou

a crer e pesquisar no caminho oposto ao seu mestre admirável. Até confessou que

estava defendendo uma teoria falsa, referindo a Tylor. Foi o começo do fim desta

teoria. E em 1912 (ano da morte de Andrew Lang), Schmidt publicou sobre a origem

do conceito de Deus e defendeu o monoteísmo nativo. Ao chegar em 1955, juntado

todos os volumes publicados (12 volumes), Schmidt acumulou 4.000 páginas de

evidências sobre a origem do conceito de Deus.

Influenciados ainda pela teoria de Tylor, os fundadores do COMUNISMO, Karl

Marx, Friedrich Engels e Vladimir L. Lênin, decidiram que deveriam aniquilar a

religião da face da terra através do comunismo, tortura e perseguição aos religiosos

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(num sistema político congenitamente anti-religioso). Ambos marcaram a história

mas não conseguiram cumprir este objetivo.

O conceito de Tylor sobre a evolução da religião é ainda ensinado como o

principal fundamento do ateísmo nas faculdades e universidades de todo o mundo

comunista, porém, é garantido que sua teoria já foi ultrapassada e comprovada

como equivocada, pois há um testemunho geral do Deus verdadeiro nas culturas

primitivas pelo mundo (RICHARDSON, 2008, pp.147-165).

5. No capítulo cinco é feita uma CONEXÃO DE QUATRO MIL ANOS, abordando o

fator Abraão e o fator Melquisedeque.

Segundo Dr. Ralph Winter (do centro norte-americano para missões

mundiais), Gênesis 12 é o verdadeiro começo da Bíblia e tudo que vem antes é

apenas a introdução.

Nos três primeiros versos apresenta a aliança abraâmica, também chamada

de ‘a promessa’ ou ‘as promessas’. Esta aliança não marcou a primeira vez que

Deus revelou-se aos homens, pois Adão, Caim, Abel, Sete, Enoque, Noé, Jó e, sem

dúvida, muitos outros até chegar a Abimeleque e Melquisedeque, contemporâneos

de Abraão.

Don Richardson argumenta que há sete ideias (revelações) ao redor do

mundo nas religiões primitivas e que também antecederam a Abraão, são elas:

1) Existência de Deus;

2) Criação;

3) Rebelião e queda do homem;

4) Sacrifícios para aplacar a ira de Deus (ou tentativas em recebê-las através de

demônios);

5) Dilúvio;

6) Aparição de muitas línguas;

7) Reconhecimento da necessidade de novas revelações de como reatar a

comunhão com Deus.

Todos estes elementos sobreviventes encontrados em todo o mundo são

chamados de revelação geral (fator Melquisedeque). O fator Abraão surge como

revelação especial (Sl. 110,4; Hb. 5,4-10; 6,20; 7,15-22), a integralidade da

mensagem do evangelho do Reino de Deus através de Cristo. E Cristo é o Senhor

tanto da revelação geral como da revelação especial.

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A luz da revelação geral é ofuscada pela revelação especial mediante o

Messias, tendo como alvo, “todas as famílias da terra” (cf.Gn.12,1-3). Deus se

compromete, em toda trajetória bíblica, em cumprir a promessa feita a Abraão e

estendida a todas as famílias da terra. (Gl.3,8,14,16,19,29). Ver também (At.3,

22,23,26; Ef.3,3-6; 3.9-11; Rm.15,8-9; 16,25,26; Hb.6,18; Ap.5,9-10; 7,9; 10,11; 11,9;

13,7; 14,6). E assim fazer a conexão de quatro mil anos de história e de plano

amoroso de salvação dos povos (RICHARDSON, 2008, pp.169-182).

6. Neste sexto capítulo (UM MESSSIAS PARA TODOS OS POVOS), o autor faz

uma ligação profunda entre os dois testamentos e mostra Jesus cumprindo o

propósito da bênção abraâmica para todos os povos.“Vosso pai Abraão alegrou-se

por ver o meu dia... antes que Abraão existisse, Eu sou” (Jo. 8,56,58).

Jesus foi crucificado no Gólgota um pouco adiante dos muros de Jerusalém e

cerca de 1.600m do alto do monte Moriá, na terra onde Salomão edificou o templo e

onde Abraão subiu para sacrificar seu filho Isaque (Gn. 22). O autor afirma que a

vida inteira de Jesus, morte e ressurreição estavam intimamente ligadas à promessa

secular de Javé a Abraão em favor dos povos de toda a terra. Não é à toa que

Mateus começa sua crônica sobre Jesus com uma genealogia de 42 gerações até

chegar a Abraão (Mt.1,1-16), confirmada no cântico de Maria (Lc.1,54-55), na

profecia do sacerdote Zacarias (Lc.1,72,73,78,79), por Simeão (Lc.2,30-32) e João

Batista (Lc.3,4,6,8,9).

O autor Don Richardson entende que as pessoas “que jazem nas trevas”

citados nos textos acima são os gentios e afirma que era mui adequado, portanto,

que Jesus, o messias judeu, tivesse algum sangue gentio. Quatro mulheres gentias

são mencionadas na genealogia de Mateus, todavia pertencente à linhagem

messiânica, além da judia Maria de Nazaré. São elas:

Tamar, mulher de Judá, natural de Canaã;

Raabe, mulher de Salmon, natural de Jericó;

Rute, mulher de Boaz, natural de Moabe;

Bate-Seba, mulher de Davi, natural dos heteus.

Para explicar a inclusão dessas mulheres na genealogia de Jesus, ao invés

de outras matriarcas, segue algumas sugestões:

As quatro tidas como estrangeiras: confere com a referência a Abraão

(Mt.1,1). O Messias judeu estenderia suas bênçãos além de Israel,

22

também com gentios incluídos em sua linhagem. Essa era a posição de

Lutero (BROWN, 1993, p.72).

Três das cinco estiveram envolvidas em grave pecado sexual e as outras

duas em situações aparentemente ambíguas na mesma área. Mesmo

assim, o povo de Rute originou-se de um incesto (Gn.19,30-37; Dt.23,3).

Esse registro familiar, segundo Jerônimo, lembra a depravação da

natureza humana e as providências de Deus no sentido de reconduzir a si

mesmo tanto o pecador quanto o santo (MOUNCE, 1996, pp.16-17).

Jerônimo defendia que Jesus veio para pecadores, por isso suas

ancestrais eram pecadoras (BROWN, 1993, p.58).

Todas as cinco revelam algo dos obscuros e inesperados trabalhos da

Providência na preparação e vinda do Messias, finalizando com a

concepção de Jesus em Maria – uma maneira de mostrar que havia

precedente na Escritura mesmo para a irregularidade do nascimento de

Jesus, de uma mulher não casada (SCAIOLA, 2012, p.2).

Segundo o Comentário Judaico do Novo Testamento:

A descendência judia ou não-judia é invariavelmente traçada pela mãe, não pelo pai. O filho de uma mãe judia e um pai gentio é um judeu; o filho de uma mãe gentia e pai judeu é gentio. Se uma mulher gentia se converte ao judaísmo, ela é judia; os filhos que tiver após a conversão são igualmente judeus (STERN, 2008, p.311).

A datação da descendência judia matrilinear implica que os filhos de pais

judeus e mães gentias são gentios e não judeus (Ed.10,2-3; Gl.16,1). Obede, filho

de Boaz e Rute, é judeu porque Rute tornara-se judia por confissão (Como se pode

observar em Rt.1,16; 4,9-10,21-22).

A menção das quatro mulheres do Antigo Testamento, todas sem atrativos

para os padrões ortodoxos judaicos, também deve ter sido incluída para neutralizar

rumores infames acerca das circunstâncias do nascimento de Jesus nos círculos

judaicos (ELLISON, 2009, p.1554).

Barbara Reid descreveu as quatro mulheres na genealogia de Mateus como

mulheres de uma “obediência inconvencional”, que podiam discernir o tempo próprio

e responder positivamente ao amor de Deus. Tamar usou um truque para conseguir

engravidar e alcançar segurança e garantir a sucessão. Às escuras, Rute convenceu

Boaz a tomar uma atitude e casar com ela. Com isso, ela não só garantiu o sustento

de Noemi, como também manteve a linhagem como bisavó de Davi. Bate-Seba,

23

conivente com o profeta Natã, persuadiu Davi a nomear Salomão seu sucessor.

Raabe enganou as autoridades da cidade a fim de garantir a segurança sua e de

sua família na conquista de Israel sobre Jericó. Maria também correu sério risco

pessoal por causa das circunstâncias que envolviam sua primeira gravidez

(NOWELL, 2008, pp.11-12.).

Isto confirma o vinculo gentílico na genética de Cristo, que nasceu em Belém

da Judéia e foi Galileu, simplesmente para cumprir as profecias (Mq. 5,2; Is. 9,1-2).

Jesus também confirmou sua vinda em cumprimento das profecias bíblicas (Lc. 24,

25-27). O próprio Jesus proclamou o seu evangelho aos gentios (Mt. 8, 5-13; Lc. 7,9;

13,28-29; Mt.15,21-28; Lc.10,13; 4,16-19) e também recomendou aos seus

discípulos que descem continuidade a este propósito (Mt. 28,19-20; Mc. 16.15-16;

At. 1,8).

Daí o autor discorre entre muitos textos do Antigo e do Novo Testamentos

comprovando o argumento de que o Messias foi enviado para todos os povos como

cumprimento da bênção abraâmica e finaliza mostrando que Jesus transformou 11

homens judeus com espírito tribal etnocêntrico em apóstolos para todos os povos

(RICHARDSON, 2008, pp.183-212).

7. Neste último capítulo o autor trabalha o tema A MENSAGEM OCULTA DE ATOS,

onde finaliza a visão missionária do fator Melquisedeque na extensão da obra

missionária pelos apóstolos.

Richardson declarou que o exemplo de compaixão de Cristo pelo centurião

romano, a mãe siro-fenícia, o leproso samaritano, o endemoninhado gadareno, o

general sírio Naamã, a viúva de Serepta, os homens de Nínive, dentre outros,

atingiu o objetivo de anular o preconceito do coração dos apóstolos e motivá-los a ir

até aos confins da terra. Para o autor, a concessão em Atos 2 da capacidade

milagrosa para falar em línguas “não-judaicas” seria supérflua se o propósito fosse

conceder bênção apenas aos judeus. Mesmo sabendo desta missão para as

nações, os discípulos acomodaram-se em Jerusalém (At. 5,28; 6,7), e foi preciso

Deus mandar uma perseguição para que houvesse uma dispersão (diáspora) para

outras regiões longínquas, conforme Atos capítulo 8.

O etíope que ouviu a explicação de Felipe (At.8) e o centurião Cornélio que

recebeu o complemento de sua fé por intermédio de Pedro (At.10) já demonstra a

existência de outros povos na época que conheciam o Deus dos Céus, e Pedro,

24

chega a admitir: “Jesus... Senhor de todos” (At. 10,36; 15,9,11,14). Paulo e Barnabé,

constituídos como apóstolos dos gentios (At. 9,15; 13,1-3,46,47; 14,27), foram os

que mais viveram esta experiência de forma plena e eficaz. O próprio Paulo revelava

esta convicção de chamado missionário (Ef. 3,6; 2,14; Gl. 3,28).

Finalmente alguns discípulos reconheceram a necessidade de ir a outros

povos e chegaram aos continentes europeu, asiático e africano e ali foram

martirizados. Talvez a força motivadora maior tenha sido a destruição de Jerusalém

por Tito, em 70 A.D. E o autor conclui dizendo: “Se representarmos o fator Abraão e

reconhecermos o fator Melquisedeque com o dízimo de crédito por ele merecido,

poderemos cumprir esta missão (RICHARDSON, 2008, pp. 213-229).

Considerações finais

O livro O Fator Melquisedeque é cativante, e de ideias eloquentemente

desenvolvidas por Don Richardson sobre as revelações de Deus para a

humanidade. As histórias narradas prendem a atenção do leitor e o enriquecem

muito em relação às diversas culturas dos povos, impregnadas de elementos

teológicos. É um verdadeiro tratado missiológico e, portanto, de leitura indispensável

para quem deseja desenvolver um diálogo inter religioso numa cultura de paz, ou

mesmo quem já está engajado nela de alguma forma.

A leitura deste livro possibilita uma visão geral e precisa do plano de Deus

para a salvação de todos os homens e como ele trabalhou para executar o seu

plano no decorrer da história, através de pessoas que ele escolheu. Mostra também

um resquício do conhecimento de Deus na mente dos pagãos, um rascunho do seu

plano de salvação, o qual Ele revelou também aos gentios, materializado nos

costumes e práticas religiosos destes.

Os termos ‘fator Abraão’ e ‘fator Melquisedeque’ para as revelações geral e

especial de Deus foi muito destacado de forma bem criativa e teologicamente

defendidos pelo autor que, com ricos detalhes e fatos, demonstrou esta verdade nas

culturas por todo o mundo.

Os testemunhos missionários, os pontos científicos e acadêmicos abordados,

como também a visão panorâmica das Escrituras num prisma missiológico faz deste

livro uma enciclopédia missionária indispensável a todos que estudam e vivem a

teologia do diálogo inter religioso e missão.

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