AMILCAR DE CASTRO Os Pais

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AMILCAR DE CASTRO Os Pais: Dr. Amilcar e D. Maria Nazareth O Dr. Amilcar Augusto de Castro, era promotor de justiça, quando foi nomeado para trabalha na cidade de Caracol, interior de Minas. É o início natural de sua carreira jurídica. Atuará em diversas cidades, permanecendo em cada uma delas de dois a quatro anos, e chegará a juiz. A nova etapa será Cristina e em seguida Paraisópolis, pequena cidade no sul de Minas, aonde chega em 1919, com a esposa Maria Nazareth Pereira. Filho único, e já falecido seu pai, o Dr. Amilcar leva também a mão, que será boa companhia para Maria Nazareth, auxiliando-a nas lides domésticas e no cuidado dos filhos que virão. Primeiro filho: Amilcar Augusto Em 8 de junho de 1920, nasce em Paraisópolis AMILCAR AUGUSTO PEREIRA DE CASTRO, o primeiro dos cinco filhos de Maria Nazareth Pereira de Castro e Amilcar Augusto de Castro. São seus irmãos Maria Felicíssima e Indiana, também nascidos em Paraisópolis; Cordélia nasce em Jacutinga e Antônio Carlos, em Ipanema, Zona da Mata. O pequeno Amilcar tem dez meses, quando acontece um fato inusitado: a cidade é surpreendida por forte tempestade e um raio destrói a casa. “Todos ficaram muito assustados, foram até o quarto onde se achava a criança e a encontraram dormindo tranquilamente, entre os escombros, sem ter dado conta do acontecido”. Predestinação? Sempre em decorrência das atividades profissionais que o obrigam a periódicos deslocamentos, nem sempre desejados, Dr. Amilcar reside, com a família, seguidamente, em Jacutinga, Ipanema, quando é promovido a juiz de direito; Pitangui e Juiz de Fora. Em Pitangui a família é atingida pela morte de D. Maria Nazareth, em conseqüência de um parto, ao qual, também a criança não sobrevive. É o ano de1932. A tragédia grava-se no espírito do menino Amilcar, como um desenho assombrado, dolorosa falta jamais preenchida. E só amenizada, de certa forma, porque a avó, cheia de energia, disposição e desvelo, se desdobra no cuidado das crianças. O Dr. Amilcar não se tornará a se casar.

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AMILCAR DE CASTRO

Os Pais: Dr. Amilcar e D. Maria Nazareth

            O Dr. Amilcar Augusto de Castro, era promotor de justiça, quando foinomeado para trabalha na cidade de Caracol, interior de Minas. É o início naturalde sua carreira jurídica. Atuará em diversas cidades, permanecendo em cada umadelas de dois a quatro anos, e chegará a juiz. A nova etapa será Cristina e emseguida Paraisópolis, pequena cidade no sul de Minas, aonde chega em 1919, com aesposa Maria Nazareth Pereira.

            Filho único, e já falecido seu pai, o Dr. Amilcar leva também a mão,que será boa companhia para Maria Nazareth, auxiliando-a nas lides domésticas e nocuidado dos filhos que virão.

Primeiro filho: Amilcar Augusto

            Em 8 de junho de 1920, nasce em Paraisópolis AMILCAR AUGUSTO PEREIRA DECASTRO, o primeiro dos cinco filhos de Maria Nazareth Pereira de Castro e AmilcarAugusto de Castro. São seus irmãos Maria Felicíssima e Indiana, também nascidos emParaisópolis; Cordélia nasce em Jacutinga e Antônio Carlos, em Ipanema, Zona daMata.

            O pequeno Amilcar tem dez meses, quando acontece um fato inusitado: acidade é surpreendida por forte tempestade e um raio destrói a casa. “Todos ficarammuito assustados, foram até o quarto onde se achava a criança e a encontraramdormindo tranquilamente, entre os escombros, sem ter dado conta do acontecido”.Predestinação?

            Sempre em decorrência das atividades profissionais que o obrigam aperiódicos deslocamentos, nem sempre desejados, Dr. Amilcar reside, com a família,seguidamente, em Jacutinga, Ipanema, quando é promovido a juiz de direito; Pitanguie Juiz de Fora.

            Em Pitangui a família é atingida pela morte de D. Maria Nazareth, emconseqüência de um parto, ao qual, também a criança não sobrevive. É o ano de1932.

            A tragédia grava-se no espírito do menino Amilcar, como um desenhoassombrado, dolorosa falta jamais preenchida. E só amenizada, de certa forma,porque a avó, cheia de energia, disposição e desvelo, se desdobra no cuidado dascrianças.

            O Dr. Amilcar não se tornará a se casar.

Em Juiz de Fora: Bons tratos com a Bola

            No período seguinte, Amilcar estará estudando em regime de internato,no Ginásio Municipal São Geraldo, em Pará de Minas. A estada ali não se prolongapor muito tempo. Juiz de Fora será a próxima parada de Dr. Amilcar, marcando umpasso importante em sua carreira.

            Aos 14 anos Amilcar é matriculado no Instituto Granbery, instituição deensino de tradição americana e protestante, cujas diretrizes pedagógicas sãoestruturadas segundo os princípios da educação liberal norte-americana. A exemploda matriz americana, o educandário promove o esporte como agente da formação docaráter dos jovens.

            Adolescente, Amilcar logo estará integrando uma das equipes de futebolda escola, destacando-se pela habilidade no trato com a bola. Nas competições, épossível vislumbrar para o menino um futuro de craque. Mas o futebol não faz partede seus planos para o futuro. Para ele, o esporte é puro prazer. E os dois anos desua passagem por Juiz de Fora, de estudos no Granbery e de apaixonados disputas defutebol, passam rápido, muito rápido.

            1935. O juiz Amilcar de Castro anuncia a transferência da família paraBelo Horizonte.

            Par Dr. Amilcar, o retorno a Belo Horizonte, há muito esperado,representa o reconhecimento de seus bons serviços prestados ao Estado, ao longo dequase duas décadas. Representa, também, o acesso pro merecimento a um posto deelevada representatividade na área jurídica. Em breve, estará assumindo uma cátedrana Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais. Alguns anos mais tarde,tornando-se jurista de alto prestígio e respeitabilidade, chegará a desembargador.

1936: Enfim em Belo Horizonte

            Ao final da década de 30, Belo Horizonte é ainda uma cidade nova, semhistória e sem tradições, esforçando-se por delinear seu perfil de capital doEstado. Tem ainda a cara de “cidade funcionária”, mas já ensaia os primeiros passosda modernização.

            È esse ambiente que Amilcar irá encontrar quando chega a BeloHorizonte. Para o adolescente de 16 anos, Belo Horizonte representa o espaçomoderno, que embora provinciano, se acha aberto para o futuro. Representa, também,o lugar de pouso que se anuncia mais prolongado.

            Com certo alívio, Amilcar encontra aí a possibilidade de pôr fim àdesconfortável migração pelo interior de Minas, junto com o pai, a avó e os irmãos.Apega-se a essa idéia de fixação em Belo Horizonte, como promessa de conforto,estabilidade, equilíbrio.

            Tudo, enfim, é novo: - novidade e possibilidade. Matricula-se noColégio Mineiro, onde concluirá o curso secundário, em 1938.

            A essa altura, já definiu a carreira que pretende seguir: como o pai,será advogado. Prossegue então os estudos fazendo em dois anos o curso pré-jurídico– o preparatório para o curso de Direito. Aprovado no vestibular, ingressa naFaculdade de Direito da UMG, em 1940. Forma-se em 1945.

            Amilcar reside com a família, em um bairro aprazível. Suas irmãs MariaFelicíssima, Indiana e Cordélia, fazem amizade com a vizinha Dorcília, filha de umfiscal do Ministério da Fazenda. Amilcar cai de amores por Dorcília.

Faculdade de Direito: A consciência política

            Ao ingressar na Faculdade de Direito em 1940, Amilcar encontra umambiente altamente estimulante; o debate político é intenso, tendo como eixo, numaponta, o nazi-facismo, os regimes totalitários, a guerra mundial e suas desastrosasconseqüências; na outra, o Estado Novo, a ditadura e os embates políticos eideológicos que convulsionam o país. 

            Contudo, a vida de estudante transcorre sem maiores atropelos. Amilcaré um dos melhores alunos da Faculdade, não lhe pesando, por isso mesmo, o fato deser filho de um dos docentes, nem constituirá um fardo carregar o mesmo nome. “Meupai, por razões éticas, não me dava notas, sendo minhas provas avaliadas por outrosprofessores. A minha aplicação nos estudos estava condicionada ao grande interesseque eu tinha pelas matérias e não para honrar o nome de meu pai”.

            Por uma feliz coincidência, encontra na Faculdade, como colegas deturma Otto Lara Resende, Marco Aurélio Mattos e Lucy Teixeira, - que já ensaiavamos primeiros passos na literatura. A esse grupo, junta-se Hélio Pellegrino, entãoestudante de medicina. A camaradagem com o s futuros escritores vais transformar-seem profunda amizade, que se prolongará por toda a vida.

Guignard: Arte como exercício da liberdade

            Além da implantação do conjunto da Pampulha, a criação de uma Escola deArte Moderna faz parte do plano de desenvolvimento do prefeito JuscelinoKubistchek, considerando-a necessário à formação de uma mentalidade mais aberta,que faça as pessoas “mais aptas a absorver as mudanças que se deseja processar noseio da sociedade”.

            A Exposição de Arte Moderna, apresentada em maio de 1944, no saguão doEdifício Marina, reunindo os mais importantes artistas modernos brasileiros, éoutra importante iniciativa do governo.

            Amilcar cursa o terceiro ano de Direito quando Guignard vem a BeloHorizonte, convidado por JK, para implantar a Escola. Assiste informalmente às

primeiras aulas ministradas pelo Mestre, em caráter experimental, enquanto elaborao projeto da futura Escola.

            No ano seguinte, 1944, por iniciativa da Prefeitura, o Curso de Desenhoe Pintura de Guignard é incorporado ao Curso de Arquitetura, que já funcionava comoum curso livre. Criando-se, com essa fusão, o Instituto de Belas Artes. Amilcar fazparte da primeira turma que presta o vestibular para a Escola com o intuito defreqüentar exclusivamente as aulas de Guignard.

            Nos próximos seis anos, estará empenhado em sua formação artística soborientação do Mestre, e terá participação ativa na vida da escola, em suasiniciativas sociais e culturais, nas exposições e nos embates contra a mentalidadeacadêmica que permanentemente ameaça a sua sobrevivência.

            O interesse pela arte já vinha de muito tempo e se consolida naconvivência com Guignard e seus colegas. Mas Amilcar mantém projeto de formar-se emDireito e exercer a profissão, descartando veementemente a possibilidade de mudaros rumos de sua vida em função de arte.

            Mesmo assim, mantém uma produção regular, dedicando-se com afinco aosestudos, buscando informações sobre arte internacional, procurando atualizar-se omais extensamente possível.

            Dedica-se, sobretudo, à prática do desenho, acompanhando Guignard,juntamente com Mário Silésio, às visitas às cidades históricas, Ouro Preto,Mariana, Sabará, Catas Altas, Caeté. Enquanto Guignard pinta, Amilcar e Silésiodesenham.

            Desse intenso convívio cresce o respeito pelo Mestre e uma profundaamizade. O seu espírito boêmio encontra perfeita correspondência na disposição dosdois alunos. Frequentemente estendem as jornadas de trabalho para as noitadas nosbares. Mas ao fim, a produção de pinturas e desenhos justifica a dispersão. É otempo da realização de obras-primas de Guignard. E do efetivo crescimento artísticoe intelectual dos dois alunos-companheiros.

Primeira Lição: Desenhar, desenhar

            A base do ensino de Guignard é o desenho, a rigorosa observação domundo objetivo para que, dominado, possa ser impregnado de fantasia em medidacerta. O desenho deve ser feito com lápis duro, 6H, convidado à precisão. Tudofeito para que a linha, direta e sensível, se manifeste como a força que organiza osurgimento da imagem.

“Dessa maneira não havia como enganar o professor. Não havia como corrigir o traço,o grafite feria o papel, ficava a ranhadura, o sulco. Foi com esse sentido deprecisão que aprendi desenho com Guignard. O sentido de fazer e estar valendo.Riscou está riscado, não há como corrigir. É o jeito alemão, aprender na base dovai ou racha”

            

            O tempo da escola representou para Amilcar e seus colegas uma época de

importantes descobertas. Guignard não era propriamente um professor de pintura edesenho, era antes um amigo cuja principal virtude foi saber ver muito além dasaparências. Incentivava seus alunos, dando-lhes confiança no seu próprio trabalho;impunha uma rigorosa disciplina sem, entretanto, interferir na criação. Guignardfazia de sua arte e da arte de ensinar uma grande alegria, a razão mesma de suavida. Esta consciência de artista (e de mestre) talvez tenha sido a melhor liçãoque poderia da a seus alunos.

Guignard.

Foi um grande pintor, excelente desenhista e ótimo professor. E alegre.

E brincalhão. E grande amigo.

Sobre ele escrevi, não como crítico, mas sobre o que a pintura, o desenho

e as suas aulas ensinaram.

Guignard – desenhista.

Ensinou a desenhar a lápis 7, 8, 9H.

Esse método de desenho trouxe o gosto pelo bem feito.

Sem sombras.

Pelo que é sensível sem exageros sentimentais.

Pela comunicação direta, sem adjetivos ou preciosismos.

Foi o que nos deu o conhecimento da linha. 

Ela mesmo.

O caminho.

O ritmo.

O que separa e valoriza espaços.

O que é força e suavidade ao mesmo tempo sem intermediários.

Música necessária.

Solo de tempo contido na precisão do espaço.

E trama e tece teia de poesia linha e luz

sobre Ouro Preto que amanhece agora.

Foi o que fez com absoluto talento e sabedoria. Grande Mestre.

Guignard – pintor.

Revela pleno, plana, palma.

O mundo em silêncio franco.

Que bonito é viver.

Olhar e ver a dança das cores

Ritmo do mundo.

Cor é emoção e pensamento

descoberta e procura

certeza e espanto

fundamento e caminho.

e caminhar com as cores

é testemunhar com o silêncio da luz.

Cor

não existe uma.

E muitas

Quando uma sustenta a outra

todas

Solidárias tramam

intrigam

compromete o tempo e o espaço

no lugar

onde a beleza acabou de nascer verdade.

E assim esse pintor poeta fundou Ouro Preto em cor. Grande Mestre>

Amilcar de Castro

Primeiras Exposições, Salões e Premiações

Concluído o curso de Direito e já fazendo carreira como advogado, Amilcar reservatempo para continuar os estudos e a prática da arte. Freqüenta a Escola até o finalde 1950.

            Participa das exposições organizadas por Guignard. Sempre entusiasmadocom os resultados de suas aulas, demonstrando o rápido progresso dos alunos, “quechegavam a um nível de qualidade acima das expectativas”.

            Já no ano de 1945, Amilcar é selecionado para o 51º Salão Nacional deBelas Artes, do Rio; no 52º Salão, realizado em 1947, recebe a medalha de bronze da categoria, por dois desenho de Ouro Preto.

Escultura: A Pesquisa do Espaço

            Em 1948, Franz Weissmann, convidado por Guignard, transfere-se paraBelo Horizonte, assumindo a orientação do curso de escultura. Amilcar será um deseus alunos, ao lado Mary Vieira, Leda Gontijo, entre outros.

            Nesse tempo de aprendizado com Weissmann, Amilcar faz muita modelagem,figura humana em argila e gesso aprendendo com ele toda a técnica da esculturafigurativa.

            No curso, há espaço para a investigação, e logo Amilcar estará fazendonovas experiências. As considerações do nascimento do espaço na esculturafigurativa começam com a observação dos vazios ou contra-formas, gerados pelaslinhas do tronco e dos membros da figura. “Percebi que ao fazer uma figura, restavamuito espaço fora dela, entre os braços e as pernas. Pensando nisso comecei a criarformas organizando o espaço externo à figura”. 

            Amilcar segue suas investigações, utilizando barbante coloridoaplicados numa chapa de gesso. Em seguida, passa a utilizar arames de alumíniodobrados, como formas soltas. Desaparece a figura e fica a linha no espaço. Torna-se claro, para Amilcar, que o que interessa não é a figura, a referência ao mundoobjetivo, mas a sua relação viva e orgânica com o espaço.

            Depois das experiências com a figura, passa pelo abstrato, varia osplanos; trabalha com madeira, arame, vidro e metal. Dobra o papel para provocar osurgimento da terceira dimensão. Daí vêm reflexões sobre a espacialidade,

fundamento de toda a sua obra posterior.

            Os primeiros resultados efetivos da experiência em escultura já podemser percebidos nas exposições da Escola e em Salões de âmbito nacional, nos quaisas investigações de Amilcar começam a ser destacadas. Em 1950, Amilcar é premiadona divisão moderna do 55º Salão Nacional de Belas Artes, com as obras Nu e Máscarade Ceschiatti.

Filosofia: Leitura do Mundo

            Movido por forte necessidade de conhecimento, Amilcar quer tambémestudar Filosofia. Paralelamente às aulas de arte, acompanha um curso do Prof.Artur Versiani Velloso. Juntamente com Alphonsus Guimaraens Filho e HélioPellegrino, freqüenta um curso informal, orientado pelo professor Wagner Reyna,cônsul do Peru em Belo Horizonte, homem cultíssimo, poliglota, com uma sólidaformação na Alemanha. Ele trabalha com os jovens estudantes um modelo deinvestigação tendo Aristóteles como tema central, mas que se estende a outrosfilósofos, para enfim conduzi-los a Heidegger, de quem fora discípulo por seteanos. As sessões se realizam em casa do professor, à noite, quando os jovens alunosjá haviam cumprido suas atividades na faculdade e no trabalho.

O ambiente simples propiciava concentração em alta voltagem. Esquecíamos do mundolá fora e lamentávamos que, ao fim, o tempo tivesse corrido tão rápido. Saíamosandando pelas ruas ermas da cidade, ainda embalados pelo fulgor daquelainteligência que reverberava em nosso espírito.

            

Hélio Pellegrino lembra aqueles “tempos mágicos” vividos pelo grupo, em BeloHorizonte:

“(...) Me lembro muito bem: nas conversas que tínhamos, sobre temas e problemasdeste e douto mundo, Amilcar perseguia a intuição de que há um estofo, umsubstrato, que é comum a todas as coisas, a marca de um fundamento originário que éa fonte da inumerável multiplicidade de todos os entes. No coração da matéria há umgrito – e a fulguração de um relâmpago. Isto significa que, anteriormente a tudo,existe um centro de energia infinita – Deus? – a partir de cuja potência as coisasdecorrem, assinaladas pela força desse fogo antecedente – sobre isso conversávamosno frio das madrugadas de Belo Horizonte, encharcados de cerveja – e de poesia.Amilcar de Castro, fiel às suas instituições inaugurais, procurava um caminho peloqual pudesse ter acesso a esse plasma seminal e primígeno, que atravessa todos osentes e lhe confere a dignidade – e a beleza – que possuem, fundamento do mundo,que está presente na diversidade inesgotável dos seres que o povoam.”

O interesse comum pela filosofia, pela política, pela arte e pela literatura criano grupo um sentido de identidade, tornando-se fator de estreitamente eaprofundamento de uma amizade duradoura; contribui ainda para que cada um à suamaneira e no campo específico de suas atividades profissionais, viesse a produziruma obra densa e substancial, expressão maior no contexto cultural de Minas e doPaís.

O Artista e a Política

            Nessa época o País passa por transformações, que repercutemintensamente em Minas. Os movimentos políticos de defesa da democracia mobilizam osjovens que se lançam de peito aberto em ação contra a ditadura. Em 1943, ohistórico Manifesto dos Mineiros elaborado por intelectuais de Belo Horizonte,torna-se um marco histórico na luta pelo fim do Estado Novo.

            Amilcar não alheio a esse processo, e mesmo sem uma disposição deengajamento radical, participa das campanhas da Esquerda Democrática, contribuindocom a produção de folhetos e cartazes, feitos artesanalmente.

Final da Década de 40

            O final da década de 40, no País, é marcado por sucessivas realizaçõesculturais que vêm, de certa forma, compensar o imobilismo gerado pelo governo Dutrae a apatia que atinge todos os setores da sociedade. O Museu de Arte de São Paulo,os Museus de Arte Moderna de São Paulo e do Rio, articulam-se com outros  centrosinternacionais promovendo a circulação mais eficiente de informações e de mostrasde artistas contemporâneos mais expressivos – esforços que confluem na criação daBienal Internacional de São Paulo.

            Belo Horizonte não participa desse processo. O impulso desenvolvimentojá se arrefecera. Não há mais a euforia do governo, agora entregue à alaconservadora, que trata de restringir as manifestações modernistas. Sem contar comum museu, ou outros espaços adequados para exposições, a cidade fica à margemdaquelas iniciativas culturais.

            A Escola Guignard vive momentos de crise, na iminência de se fechar,devido à falta de recursos e às pressões dos acadêmicos reinstalados no poder.Despejada pela Prefeitura do prédio que ocupava no Parque Municipal, é obrigada atransferir-se, provisoriamente, para o porão do Instituto de Educação. Amilcar eMário Silésio, por suas ligações com as lideranças do Partido Democrático, obtêm daAssembléia Legislativa subsídios para alugar um espaço em um prédio no centro dacidade e manter a escola e os professores Guignard e Edith Bhering.

            Pouco tempo depois, iriam novamente busca recursos para evitar ofechamento da Escola. A precariedade das instalações, as pressões externas, as

perseguições, tornavam cada vez mais difícil manter a Escola com o vigor de antes.Mesmo assim, o trabalho é intenso , e os artistas, resistindo, começam  a sernotadas em círculos mais amplos. Amilcar é um deles.

O Novo Advogado: Atividades Profissionais

            Ao se formar na Escola de Direito, em 1945, Amilcar inicia sua vidaprofissional atuando na área de Direito Familiar. Em 1948, assume a chefia doGabinete do Secretário de Segurança Pública de Minas Gerais, tendo ocupado o cargode Chefe da Polícia, por três meses.

            Nomeado tesoureiro do Tribunal da Justiça de Minas Gerais, manter-se-áno cargo até 1953, quando se transfere para o Rio de Janeiro, como funcionário doescritório carioca do Departamento do Café de Minas Gerais, posto que ocupará atésua decisão de dedicar-se inteiramente às atividades de diagramador e escultor.

Os Anos 50: Grandes Esperanças

            Em 1950, Amilcar vai ao Rio para ver a exposição de Max Bill, o grandeartista e arquiteto suíço, diretor da Escola Superior da Forma, de Ulm, Alemanha,considerado um dos expoentes da arte concreta. De sua obra e de suas idéias, játinha algum conhecimento, principalmente através de publicações que circulavam naEscola. O número 17 (maio de 1950) da revista Ver y Estimar, publicada em BuenosAires, trazia o ensaio “O Pensamento Matemático na Arte de Nosso Tempo”, no qual oescultor desenvolve as idéias que estruturam sua obra recente. São esses conceitosque irão influenciar jovens artistas brasileiros abertos para as novidades eansiosos por encontrarem uma forma de arte que pudesse opor-se com vigor às jádemasiadamente convencionais figurações pós-cubistas, e expressassem o mundo emsuas novas perspectivas.

            Amilcar visita a exposição de Max Bill e concentra a atenção em seudiscurso. A identidade de propósitos e a inteligência de suas colocações funcionamcomo uma espécie de acendimento de tudo aquilo que ainda se achava latente em seusprojetos de arte, fazendo emergir questões que não haviam sido enunciadas comclareza, embora já se encontrassem pulsando no interior do trabalho que fazia. Écerto que o rigor de Bill o inquietava, mas suas obras em exposição abrem umafresta para que a sensibilidade e a emoção ocupem um espaço no sistema demasiadoracional no qual desenvolve sua obra.

            Amilcar volta para Belo Horizonte com a certeza de que encontraranaquela exposição e nas idéias expressas por Max Bill algumas respostas essenciaispara as suas indagações.

            Nesse momento, já desenvolvera várias pesquisas de escultura,experimentando os contra-relevos de gesso, as construções com cabos de aço dobrados

que desenvolvem no espaço um desenho abstrato, orgânico, mas logo tendendo àgeometria.

            Em 1951, o grande acontecimento de artes plásticas é a realização da IBienal Internacional de São Paulo, com a presença de grandes nomes da arte moderna,artistas abstratos, gestuais e construtivos. Max Bill ganha o Grande PrêmioInternacional de Escultura com a “Unidade Tripartida”, obra-chave de suasinvestigações.

            No ano seguinte, esta e as demais obras premiadas na Bienal, e outrasde importantes artistas brasileiros e estrangeiros participantes da exposição deSão Paulo, chegam a Belo Horizonte depois de apresentadas no Rio. A exposiçãorestaura nos artistas e no público o entusiasmo, a surpresa e o espanto causadospela exposição de Arte Moderna de 1944. Amilcar revê em novo contexto a obra doescultor suíço, que lhe reforça a opção construtiva.

            Max Bill estará mais uma vez no Brasil, em 1953, e faz conferência emSão Paulo e no MAM do Rio. “O Arquiteto, a Arquitetura e a Sociedade” é o tema dapalestra, na qual não poupa críticas à arquitetura brasileira moderna, abrindo umapolêmica que terá vários desdobramentos.

“Afirmo mais uma vez que, em arquitetura, tudo deve ter sua lógica, sua funçãoimediata, (...) nada poderá ser inútil; qualquer linha, qualquer plano deve ter suafunção que pode ser defendida e explicada. Isso não significa dizer que estejaconfundindo arte com ciência. Na arte concreta seria a mesma coisa: ao executar umaobra, o artista concreto parte sempre de uma idéia abstrata, de um esquema geradorquase geométrico. Projeta-a em duas dimensões e, aos poucos, tal como num teoremade álgebra, a forma se desenvolve”.

            Nas discussões que se seguem, evidencia-se a exacerbação racionalistado projeto da arte concreta, defendido por Max Bill; suas idéias tocam mais deperto os artistas de São Paulo, do que os do Rio de Janeiro. Para Amilcar, ascolocações e questionamentos do escultor suíço continuavam sendo, em muitosaspectos, convincentes. E mesmo discordando de algumas questões, dirige suaspesquisas rumo à arte abstrata de feição geométrica.

            Nesse princípio da década de 50, Amilcar já começa a obter êxitosefetivos nos salões: em 1951, recebe a medalha de bronze na categoria de escultura,do III Salão de Belas Artes da Bahia, Salvador. Neste mesmo ano, é selecionado comuma escultura e dois desenhos, para a divisão moderna do Salão Nacional de BelasArtes, Rio. Em 1953, já trabalhando sob a ordenação construtiva, tem uma esculturaselecionada para a II Bienal de São Paulo, e no ano seguinte, recebe o primeiroprêmio em escultura, do Salão Nacional de Arte Moderna da Bahia.

Casamento com Dorcília: Um amor para sempre

            Amilcar não é mais um jovem, já completou 30 anos, portanto é um homemmaduro e vivido, e se sabia imune aos arroubos juvenis do amor. Mas o reencontrocom Dorcília desperta-lhe uma paixão arrasadora que o mobiliza para o universoromântico do qual não pode – e nem deseja – desvencilhar-se.

            A relação se encaminhara dentro dos moldes da época: um namoro longo,com afastamentos e reaproximações. Dorcília vai morar no Rio com a família, ondepermanece por algum tempo. Amilcar termina o Curso de Direito e começa trabalha.Então está pronto para um compromisso mais definitivo. Ficam noivos em 1951 ecasam-se, na Igreja de Sant’Ana, no Bairro da Serra, em 8 de julho de 1952. É umtempo em que tudo se transforma, as coisas mais banais ganham significadossecretos.

            Dorcília é a companheira de sempre, de todo dia. Sua presença édiscreta e pouco interfere na vida pública do artista. Mas é sempre uma voz clara,incentivando e tomando partidos, apoiando e também questionando. Ela o acompanharánas muitas jornadas que ainda haverá de empreender.

            Juntos levam em frente, com coragem e bom humor, o projeto de vidacomum que, em 2002, chega a meio século.

            Em todo esse longo tempo de convivência, Dorcília é a objetividade, équem tem o pé-na-terra, o cuidadoso labor do dia-a-dia. Acompanhando muito de pertoas atividades artísticas do marido, consegue construir a geometria de equilíbrio esensibilidade da família que se vai formar. Amilcar, por seu turno, é o maridoatencioso e pai extraordinário, sempre presente.

            Dessa união, nascem os filhos: Rodrigo, em 1953; Ana Maria, em 1954; ePedro, em 1960. Ana Maria é psicóloga, Rodrigo é pintor e Pedro é escultor edesigner.

Mudança para o Rio

            A idéia de mudar-se para o Rio amadurece aos poucos, à medida que setornam mais claras as limitações de Belo Horizonte, ainda com sue espírito deprovíncia, cujo projeto de modernização tão cedo não se aviaria nas dimensõesdesejadas. As perspectivas profissionais não são alentadoras, nem o entusiasmoinicial pela advocacia se mantém com a mesma força dos primeiros tempos. Novosinteresses se sobrepõem, e a prática de arte torna-se, cada vez mais, umanecessidade premente, inadiável. O ambiente de trabalho é rarefeito. Não encontranenhum encanto nos processos relacionados com a Vara de Família, matéria em que seespecializara, conduzindo-o ao seu primeiro emprego. Muito menos, lhe dão prazer aslides diárias na chefia do gabinete do secretário da Segurança. Os três meses emque substituiu o titular, passaram-se rapidamente, sem maiores transtornos ouqualquer episódio que o desafiasse a empreender ações mais notáveis.

            Além disso, alguns de seus melhores amigos já haviam tomado a direçãodo Rio e o conclamavam para juntar-se a eles. Dispõe-se, enfim, a encetar essa novaaventura.

            Obtendo transferência para o escritório do Departamento do Café deMinas Gerais, no Distrito Federal – que lhe garantirá um mínimo necessário para a

sobrevivência da família – parte, com a esposa, para o Rio em 1952.

            1953 é um ano especial para Amilcar e Dorcília: no dia 23 de fevereiro,nasce o primeiro filho, Rodrigo.

Conhecimento de Volpi: Um Brasil ordenado

            Amilcar vai periodicamente a São Paulo visitar seus parentes do ladomaterno e se hospeda com uma tia, que reside próximo à cãs de Alfredo Volpi. Essacoincidência feliz coloca Amilcar frente a um dos maiores pintores brasileiros, como qual vai manter contato durante largo período. Volpi recebe-o em casa comcordialidade e, enquanto pinta, conversam longamente. Amilcar assiste ao laboriosotrabalho criativo de Volpi, penetrando seu universo poético, tão habilmenteconstruído.

            Nessas mesmas temporadas em São Paulo, faz contatos com osconcretistas, entre os quais Waldemar Cordeiro. No Rio, além da convivência diáriacom Ferreira Gullar, seu colega na Manchete, faz contato com o crítico MárioPedrosa, os artistas Lygia Clark, Hélio Oiticica, o poeta Reynaldo Jardim;reaproxima-se de Weissmann, seu professor de escultura em Belo Horizonte.

            Logo se acha em convívio com outros artistas como Aluísio Carvão,Willys de Castro, Lygia Pape, com os quais compartilha as mesmas idéias sobre arte.São longos e estimulantes os encontros desses artistas em casa de Mário Pedrosa,que os provoca com as questões da arte contemporânea, e os informado que se passana Europa e na América. As longas discussões em torno da arte incluem comfreqüência assuntos de política.

            Amilcar participa da movimentação que se vai irromper no ambientecultural do Rio e de São Paulo, com propostas das correntes mais eruditas da artecontemporânea. O concretismo, encaminhando-se para atender os meios de produção,irá aterrissar no campo do design, da programação visual, conforme as propostas daEscola Superior da Forma de Ulm, dirigida por Max Bill. O grupo de São Paulo,liderado por Waldemar Cordeiro, exalta esse sentido objetivo e racionalista daarte. No Rio, mesmo aceitando alguns dos princípios da arte concreta, os artistasnão pactuam com a ideologia fechada em princípios rigorosos. Abre uma fresta para aabordagem menos científica da arte, um espaço em que ainda possa aflorar aindividualidade do autor. Defende, portanto, a autoria que possa manifestar-seatravés de uma geometria intuitiva e não rigorosamente matemática.

            Diretamente influenciado pela teoria de arte concreta de Max Bill,Amilcar iniciara por voltar, de 1952, uma experiência que tem na sua fonte oprincípio da fita de Moebius, da qual elimina a organicidade para transforma-la emuma estrutura rigorosamente geométrica; um sucessão de dobras matematicamentemarcadas em diagonal, faz nascer incisiva tridimensionalidade, numa relação detriângulos que se ordenam sucessivamente, apreendendo o dentro pelo fora, como noprincípio de Moebius. Nessa peça, já eliminou a base, o pedestal, e a obra pode servista em qualquer ângulo ou posição.

            Produzida em chapa de cobre, a escultura é selecionada para a II Bienalde São Paulo (1953), tendo posteriormente novas versões em chapas de fero demaiores dimensões (décadas depois, produzida para uma praça do Rio) e reduzidas,

como múltiplos, para o Governo de Minas.

            Essa obra fixa a opção construtiva de Amilcar. Mas o encaminhamento jáhavia sido prenunciado nos desenhos que fazia nos últimos tempos da Escola, em BeloHorizonte. Neles, a forte marcação de grossas linhas de grafite, que enfatizam aestrutura geométrica, remetida ao primeiro plano, sobrepõe-se aos elementos, jásintéticos, da paisagem. E é a partir do desenho, que ainda guarda reminiscênciasdas articulações dos telhados de duas-águas, a desdobrar-se na paisagem de OuroPreto, que Amilcar vai desenvolver suas próximas esculturas. Esses desenhos são amatriz das obras que realiza em blocos de madeira rigorosamente cortados, ou comchapas de ferro, criando formas tridimensionais que se desenvolvem a partir de umplano.

Revela-se o Artista Gráfico

            Mantendo sua atividade no escritório do Departamento do Café,exclusivamente com o sentido de garantir a subsistência da família, Amilcar cadavez mais se acha disposto a encontrar um novo espaço de trabalho, ligado aos seusinteresses pela arte.

            As relações com os antigos amigos de Belo Horizonte, já desde há muitofixados no Rio de Janeiro, fortalecem-se com o convívio em espaço muito mais vivo eintelectualmente mais dinâmico e arejado. Otto Lara Resende havia se firmado comojornalista e escritor de prestígio, ocupando postos de destaque na imprensa. E éatravés dele que Amilcar vai iniciar as atividade como diagramador.

            Em 1953, é recomendado por Otto para trabalhar na revista Manchete,então a publicação brasileira de maior prestígio, ao lado de O Cruzeiro, à qualfazia concorrência. A redação da revista reunia notáveis figuras do jornalismo doRio, entre eles, o próprio Otto, Odylo Costa, filho e Ferreira Gullar.

            Amilcar na possuía muitos conhecimentos da matéria, apenas experiênciade arte dos tempos da Escola Guignard. Mas a vontade de dominar os segredos da artegráfica deslocam-no da sala de diagramação para as oficinas, faz amizade com ostécnicos e através deles conhece em detalhe todo o processo de produção gráfica eos recursos de que poderia dispor.

            De volta à prancheta, já tem em vista algumas soluções inovadores paraseu trabalho. 

            Na Manchete, Amilcar começa a desenvolver um projeto de programaçãovisual, sintonizado com os mais recentes conceitos de comunicação visual adotadospela grande imprensa internacional. Incorpora às suas novas tarefas muito do quehavia aprendido, refletido e discutido com Guignard: uma visualidade clara,ordenada, a economia de meios e a formulação de um espaço equilibrado, por onde oolhar pudesse correr sem atropelos.

            1954: Amilcar e Dorcília celebram o nascimento da Filha Ana Maria nodia 30 de julho.

            Amilcar já domina os segredos da programação visual e gráfica em todosos seus aspectos, e seu trabalho começa a ser notado. Em 1956, é convidado para

trabalhar na revista A Cigarra, uma publicação de amenidades, mais voltada aopúblico feminino.

            O êxito crescente de sua atuação lhe vale finalmente um convite que éao mesmo tempo um desafio fascinante: trabalhar no Jornal do Brasil, que iriapassar por uma reformulação, para competir com os jornais do rio de Maiorprestígio, como o Correio da Manhã e O Globo. O projeto era fazer uma reformatotal, do conteúdo à estrutura visual. Odylo, responsável pela reforma editorial,convoca Amilcar, colocando em suas mãos a tarefa de montar um projeto dereformulação gráfica do jornal.

            A responsabilidade de Amilcar de Castro, dentro desse projeto, éimensa. Grande parte do êxito da empreitada dependia dele. Mas não se intimida, umavez que já tem bastante experiência e os conhecimentos técnicos suficientes paraassumir sua função. Seduzia-o a perspectiva de um trabalho criativo, com liberdadepara experimentar e ousar. Além do mais, iria trabalhar ao lado de alguns dos maisbrilhantes jornalistas da época, também empenhados na reforma do JB: WilsonFigueiredo, o redator-chefe; Jânio Freitas, o secretário; e também Reynaldo Jardime Ferreira Gullar.

“Na época, o JB era uma jornal de pouco relevância como informativo e como formadorde opinião, visualmente feio e pesadão. A redação – um desastre! – parecia mais umantigo escritório de contabilidade. A maioria dos redatores ainda escrevia à mão,com pena Mallat-12 e tinta Sardinha! – isso, em meados da década de 50. Essaprecariedade se refletia no conteúdo das matérias, no seu ar antiquado, obsoleto,quase. Havia ainda alguns articulistas medalhões em cujas matérias se temia tocar.”

            Amilcar não se intimida e, com o jeito mineiro, consegue faze-losaceitar as mudanças.

            Na oficina, “era aquele negócio feio, pesado. Não havia interesse emsair do padrão estabelecido”. Amilcar sabe que seu trabalho depende também dacompreensão e aceitação de suas propostas pelo pessoal das oficinas. Como fizera naManchete, trata de explicar o sentido do projeto. Aos poucos recebe a adesão dostécnicos, especialmente pela maneira como se empenha, junto com eles, para obter assoluções gráficas planejadas. Sua constante presença nas oficinas, seu zelo paraestudar cada detalhe em busca dos melhores resultados contagiam todos: sentiam ogosto de criar com o artista, numa troca enriquecedora.

            Amilcar começa o trabalho, fazendo uma pesquisa nos melhores jornaisamericanos e europeus, procurando entender os conceitos visuais e a função quedavam à visualidade em relação ao conteúdo da matéria, e como essa visualidadetraduzia a ideologia da publicação. Tornou-se claro para Amilcar que o JB teria dedefinir uma linha editorial, sua ideologia e o caráter do público que pretendiaatingir. De posse desse material, começa a fazer desenhos, esboços de páginas, aosquais aplica matérias experimentais ou já publicadas, para sentir maisconcretamente a compatibilização de forma e conteúdo, a eficiência da forma paradar força à informação:

“Eu vinha do trabalho na revista Manchete, que era paginada na horizontal, de duasem duas páginas. No jornal teria de ser diferente: passei a considera-lo como umespaço vertical. A página do jornal é mais alta do que larga. Precisei de um certotempo para me adaptar a essa virada de espaço. Então, comecei a pensar comosolucionar as marcas permanentes, como o nome do jornal; também manchetes em oitocolunas, títulos, fotos, que eram estampados no topo do jornal, muito pesado emrelação à parte inferior que não tinha nada. Propus então colocar a manchete emcima. Os títulos e as chamadas seriam abaixados para compensar o peso de cima.Comecei a modelar a página do jornal, aplicando os princípios da escultura, dandopeso igual à parte de cima e embaixo. O JB tinha, como tem ainda hoje, oitocolunas. Fiz uma base de paginação propondo o esquema de 1-2-1-3-1. O três erasempre ocupado por uma foto, uma na parte superior, outra na parte inferior, e umacortando no meio. Jogava, então para baixo, chamadas de três colunas e três linhas.Assim, distribuía o peso da página, valorizando cada uma das partes, com a mesmaforça.”

            Dorcília lembra o empenho com que Amílcar se lançou à empreitada.

 Chegava em casa, no Leblon, carregado de jornais, revistas, folhas de papel dejornal, réguas, esquadros. Cobria a mesa com o papel e passava a noite desenhando,fazendo marcações, recortando fotografias e textos, colando. Fazia e desfazia, atéter a certeza de que tinha encontrando a melhor solução. Toda a estratégia dafamosa revolução gráfica do Jornal do Brasil foi armada na mesa de jantar de nossacasa!”

            Iniciada em 1957, a reforma do JB se conclui em 1959, com um êxito quesupera as melhores expectativas. A atuação de Amilcar torna-se um marco na históriado jornalismo brasileiro, sendo tomado como modelo, inclusive para publicaçõesestrangeiras. Seu prestígio como artista gráfico cresce, na mesma proporção em queé notada sua atividade de escultor.

            Permanece ainda a serviço do JB até 1962, participando, com ReynaldoJardim, Odylo Costa, filho e Ferreira Gullar, da criação do Suplemento Dominical,outra experiência revolucionária desenvolvida naquele jornal.

Prestígio Nacional

            Em 1962, Amilcar desliga-se do Jornal do Brasil e a convite daEnciclopédia Britânica, realiza todo o planejamento gráfico da primeira edição daEnciclopédia Barsa.

            Nessa época, faz também o planejamento de diversos livros para aEditora Vozes de Petrópolis, e em seguida assume a responsabilidade da reformagráfica do Diário de Minas, de Belo Horizonte (1954). De volta ao Rio, trabalha

para o Correio da Manhã (1965), O Globo, Diário Carioca e Última Hora (1967); nosanos seguintes para o Jornal da Tarde, de Manaus, A Província do Pará, de Belém, efinalmente, o Estado de São Paulo.

            Nesse período, passa temporadas em Minas, para fazer o projeto gráficodo Suplemento Literário do Minas Gerais, criado por Murilo Rubião, no governo deIsrael Pinheiro, e que se tornaria uma das mais respeitáveis publicações culturaisdo País.

            Em seguida, realiza a reforma do Minas Gerais, o primeiro diáriooficial, no Brasil, a ter sua feição gráfica atualizada. Ainda em 1967, dirige areformulação do Estado de Minas, no qual atuará como editor de arte, nessa mesmaépoca e, mais tarde, na década de 70, quando se fixa novamente em Belo Horizonte,após uma temporada nos Estados Unidos.

            A importância desse trabalho revolucionário de Amilcar de Castro podeser medida pela repercussão que teve em todas as instâncias da imprensa brasileira,obrigando outros órgãos a também se reformularem graficamente e, com isso, adotarempadrões jornalísticos mais atualizados. O próprio Amilcar assume a responsabilidadede planejar essas mudanças nos mais importantes jornais brasileiros. Mesmo tendo emvista o atual desenvolvimento dos processos de produção gráfica, com o surgimentoda informática e de equipamentos de impressão mais sofisticados, é possívelafirmar-se que a imprensa brasileira tem ainda a cara de Amilcar de Castro.

Suplemento Dominical do JB

            O Suplemento Dominical do Jornal do Brasil teve vida relativamentecurta, mas o suficiente para abrir uma importante frente de informação, divulgaçãoe debate cultural. Lança um modelo gráfico novo, radicalizando o projeto queAmilcar desenvolvera para o JB.

“Uma das maiores ousadias de Amilcar no jornal – analisa Ferreira Gullar – foram osclaros. Sob visível influência gestaltiana, Amilcar introduziu os espaços branco napaginação, grandes, gratuitos, em vez de manchas negras da tipografia. O queressaltava, eram os espaços cada vez maiores. Com ele, o branco passou a ter funçãoestética. Como se vivia a época do concretismo, e da Gestalt, a experiência foi umsucesso”.

            Além de divulgar os movimentos e as produções mais expressivas dasdiversas áreas artísticas – as artes plásticas, a literatura, o teatro, o cinema, amúsica, a arquitetura – o SDJB constitui o fórum de debates, cuja repercussãohaveria de influenciar toda uma geração de artistas e escritores. Seria a base dolançamento do movimento neoconcreto, com a publicação de ensaios teóricos,registros de obras, além da produção literária, prosa e poesia de caráter

neoconcretos. Publica, também o “Manifesto Neoconcreto” e a “Teoria do Não-Objeto”,de Ferreira Gullar, dois textos fundamentais do movimento.

A Invenção Neoconcreta

            As idéias que conduzem Amilcar de Castro em sua operação criativacoincidem com as que guiam outros artistas em atividade no Rio de Janeiro. Aaproximação entre eles seria, pois, natural. Agrupados, como um fraternalconfraria, sem maiores preocupações em formar um “grupo ideológico ou teórico”, semum projeto programático, vivem o prazer das relações intelectuais, das discussões,da identidade e convergência (e divergências), das idéias, das descobertas, dasrealizações. Intransigentes, apenas, com o direito de fazer o novo em liberdade, dedescartar as teorias gastas e jamais compactuar com o acadêmico, com a ortodoxiarepressora.

            Antes que apareçam como um grupo, os artistas do Rio – entre elesAmilcar de Castro – participam da I Exposição Nacional de Arte Concreta,apresentada em 1956/57, no Museu de Arte de São Paulo e no Ministério da Educação,no Rio. Já nessa exposição, começam a se notar as diferenças fundamentais entre aprodução de São Paulo e as criações do Rio de Janeiro. Numa segunda etapa dedivulgação, as apresentações dos concretos paulistas, no MAM do Rio, e dosNeoconcretos, em São Paulo, só fazem acentuar aquelas diferenças, com críticas deambas as partes, de Ferreira Gullar (Rio) e Waldemar Cordeiro (São Paulo), seuprincipais teóricos. O rompimento entre os dois grupos é inevitável.

            Depois do conturbado período do governo de Getúlio Vargas, o Paíscomeça a buscar o fortalecimento das instituições democráticas, enquanto prepara aseleições que, em 1955, colocam Juscelino Kubitschek no comando da nação. Paracompensar o tempo perdido, JK lança o “Plano de Metas” (cinqüenta anos em cinco).Embora sejam muitos e mesmo dramáticos os problemas sociais, a euforia desse novotempo democrático se manifesta em múltiplas formas.

            A arte corre à frente: celebrando a vitalidade despertada, empenha-sena superação dos antigos traumas e anuncia a construção de nova etapa damodernidade, mais aberta para o diálogo com o mundo.

            É com essa disposição que os artistas mais jovens defrontaram-se com aspropostas do concretismo que aportado entre nós, logo ao abrir-se a década,tornando-se referência para a nova etapa da arte brasileira. Desperta-se a vocaçãoconstrutiva, que rompe com as tendências expressionistas, as figurações neo-realistas de enforque social e político, destrói a impregnação lírica, e propõe umavisão mais racional, objetiva e otimista da realidade, inscrevendo a arte como umaoperação de raciocínios lógicos, e a obra como produto.

            Tendo como plataforma de divulgação o Suplemento Dominical do Jornal doBrasil, Ferreira Gullar publica diversos artigos que preparam o lançamento doManifesto Neoconcreto e a Teoria do Não-Objeto. O manifesto é publicado na ediçãode 21 de março de 1959do SDJB, assinado por Ferreira Gullar, seu redator, Amilcarde Castro, Cláudio Mello e Souza Franz Weissmann, Lygia Clark, Hélio Oiticica,Lygia Pape, e os poetas Reynaldo Jardim e Theon Spanudis.

            O Manifesto defende a permanência do caráter individual e da expressão,

a autonomia da obra em relação ao meio técnico-industrial, sem ter que abrir mãodas possibilidades oferecidas por esses instrumentos não-artísticos.

“O Neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade dohomem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a validade dasatitudes cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da expressão,incorporando as novas dimensões verbais criadas pela arte não figurativaconstrutiva. O racionalismo rouba à arte toda a autonomia e substitui as qualidadesintransferíveis da obras de arte por noções de objetividade científica; assim, osconceitos de forma, espaço, tempo, estrutura, - que na linguagem das artes estãoligados a uma significação existencial, emotiva, afetiva – são confundidos com aaplicação teórica que deles faz a ciência. (...)Não concebemos a obra de arte como“máquina” nem como “objeto” mas como um quase corpus, isto é, um ser cuja realidadenão se esgota nas relações exteriores de seus elementos ; um ser que, decomponívelem partes pelas análises só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica.(...) A arte neoconcreta, afirmando a integração absoluta desses elementos,acredita que o vocabulário “geométrico”, que utiliza, pode assumir a expressão derealidades humanas complexas, tal como o provam muitas das obras de Mondrian,Malevitch, Pevsner, Gabo, Sofia Tauber-Arp etc.”

            Artistas e poetas neoconcretos apresentam-se me conjunto em váriascoletivas: a exposição inaugural realiza-se em 1959, no Museu de Arte Moderna doRio de Janeiro. E em seguida, no Belvedere da Sé, em Salvador, Bahia. A IIExposição de Arte Neoconcreta é montada em 1960, no Ministério da Educação, no Rio.

            Presente em todas as essas manifestações, Amilcar participa também daIV e V edições da Bienal de São Paulo (1957 e 59). Na V Bienal conhece a esculturado artista basco Jorge Oteiza, que vem reforçar suas convicções em relação àspesquisas que vinha fazendo. Esse período é rico de experiências. E os resultadosde seu trabalhão vão sendo conhecidos através de participações no Salão Nacional deArte Moderna e outras exposições coletivas.

            No saudável ambiente de discussões, de intensos questionamentos,Amilcar de Castro começa a desenvolver um pensamento original que guiará aconstrução de sua obra.

“Com o momento neoconcreto” – revela Amilcar – “houve uma descoberta, a de que asensibilidade funda tudo. O movimento estético acontecia em clima de uma‘brasileira alegria’. Nesse sentido, o espaço mais vigoroso no Brasil foi o doneoconcretismo, que só pode ser comparado à música, com Villa Lobos, por exemplo,Essa alegria brasileira deveria ser defendida. Não é nacionalismo, mas sentir-sebem dentro de seu país, pensando e criando. Acho que essa alegria está também emminha obra. Essa coisa clara, precisa, sem subterfúgios. É o que eu desejo para oPaís, também. Sujeito, verbo e predicado, sem nenhuma outra coisa.”.

            Na conclusão do texto do manifesto, os signatários esclarecem que “nãoconstituem um grupo, não os ligam princípios dogmáticos. A afinidade evidente daspesquisas que realizam em vários campos os aproximou e os reuniu”. E avisam: “Ocompromisso que os prende, prende-os primeiramente cada um à sua experiência, eeles estarão juntos enquanto dure a afinidade profunda que os aproximou”. 

            Essa consciência, que esvazia de certa forma o caráter de movimento,possibilitou que cada um levasse com independência as suas experiências, e não sesentissem constrangidos em direcionar seus trabalhos, para rumos diferentesdaqueles previstos no “programa mínimo” do Manifesto.

            Evoluindo com profundidade, a obra de Amilcar não se desvia do caminhopor ele traçado naquela época. Cresce, multiplica-se com novas invenções, aindaíntegro, coerente com os seus princípios.

            O ano de 1960 é celebrado pelo nascimento, no dia 21 de agosto, dePedro, o terceiro filho de Amilcar e Dorcília.

Os Anos 60: A Década Decisiva

            A década de 60 se iniciara ainda sob o influxo do esfuziante período derealizações do governo do presidente Juscelino Kubitscheck. A inauguração deBrasília, em 21 de abril de 1960, é o coroamento de uma intensíssima mobilizaçãodos setores produtivos e do ambiente social e cultural, projetando a configuraçãode um novo perfil do País, então efetivamente em vias de desenvolvimento. Mas com aeleição de Jânio Quadros para a Presidência da República e sua renúncia, sete mesesdepois de empossado, o País mergulha em profunda crise, agravada com o impacto dogolpe militar de 64.

            A nova realidade exigia posicionamentos claros, e os artistas não sefurtavam às manifestações públicas de repúdio ao regime instalado. O País perdia orumo, enquanto vários intelectuais, com Gullar e Pedrosa, seguiriam mais tarde parao exílio. Para os que podem permanecer no País, resta a resistência á censura, naforma possível.

            Em 1960, a Medalha de Prata em escultura (Prêmio de Isenção de Júri),no IX Salão Nacional de Arte Moderna, do MEC, Rio, confirma a boa receptividade quevai tendo a obra de Amilcar, da parte dos críticos. Este prêmio constitui passodecisivo na carreira do artista.

            Nesse mesmo ano de 1960, ao lado dos artistas concretos e neoconcretosde São Paulo e do Rio, entre os quais, Franz Weissmann, Aluízio Carvão, Willys deCastro, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Mary Vieira, Amilcar participa da exposiçãoKonkrete Kunst, organizada por Max Bill, na Helmhaus, em Zurique, Suíça. Nessaimportante exposição, o curador apresenta amplo panorama retrospectivo de 50 anosda produção internacional de fundamento construtivo, com ênfase na obra dosartistas concretos contemporâneos.

            Além daquelas mostras de 1960, já referidas, Amilcar segue seu roteirode participações em nível nacional: em 1961 está presente na VI Bienal de SãoPaulo, assim como no X Salão Nacional de Arte Moderna, do Rio. Em 1962, recebe oprimeiro prêmio de escultura do Salão Municipal de Belas Artes, realizado no Museu

da Pampulha, de Belo Horizonte e em 1963 tem participação expressiva no XI SalãoNacional de Arte Moderna do Rio e na VII Bienal de São Paulo, voltando, no anoseguinte, a participar com esculturas do XII Salão Nacional de Arte Moderna do Rio.

            Em 1965, a VII Bienal de São  Paulo apresenta variado panorama davisualidade contemporânea, já indicando a retomada de posição da figuraçãoexpressionista (nova figuração) e fantástica, a emergência da pop, a consagração daarte povera, da op-art, ramificação da arte geométrica, com fundamentos namatemática e na ciência – estas duas dividindo a premiação maior entre o italianoAlberto Burri  e o francês Victor Vassarely. Em meio a tanto expressionismo, odestaque ficaria mesmo para alguns artistas de fundamento construtivo, como o suíçoRichard Lohse, os americanos Barnet Newmann, Frank Stella e Donald Judd.

            Apresentação brasileira não foge à regra geral da variedade detendências mais ou menos atualizadas, com uma figuração crítica, tendo como alvo àsituação política do País – e ainda aí se pode sentir a força sobrevivente doconcretismo e do neoconcretismo, com seus naturais desdobramentos.

            Amilcar, que já se aventurava na realização de trabalhos de maiorporte, comparece com cinco esculturas, em dimensões que chegam a 1,80m, criandocondições de melhor visibilidade. E é nessa oportunidade e circunstância que ocrítico norte-americano Henry Geldzahler, curador do Metropolitan Museum de NovaYork, e principal teórico da corrente hard-edge, irá se surpreender com aoriginalidade de sua obra, a ponto de afirmar ter sido Amilcar de Castro o melhorescultor que vira no Brasil.

            Ele faz contatos com o artista, adquirindo-lhe duas esculturas, umapara sua coleção particular e outra destinada a integrar o acervo do Metropolitan.Por sugestão de Geldzahler, o colecionador americano Patrick Lanam, criador doMuseu de Miami, adquire outra escultura de Amilcar.

            Geldzahler sugere a Amilcar inscrever-se para uma bolsa da John SimonGuggenheim Foundation, garantindo-lhe que ele prórprio seria um dos seus defensoresjunto à Comissão. Amilcar terá ainda a recomendação de dois críticos brasileiros.

            Em 1966, Amilcar estará presente no XV Salão Nacional de Arte Moderna,e suas esculturas estarão integrando a mostra Artistas Brasileiros Contemporâneos,apresenta no Museu de Arte Moderna de Buenos Aires, Argentina.

Neoconcretismo na Passarela do Samba

            Em fins de 1963, Amilcar é solicitado a colaborar com a Escola de SambaEstação Primeira de Mangueira, que iria desfilar no próximo carnaval (1964) com otema “História de um Preto Velho”. A Mangueira, vinha de uma série de insucessosnos carnavais anteriores; mas apostava em um tema da tradição afro-brasileira, paraalcançar a vitória tão sonhada. O novo presidente da Mangueira, amigo de Amilcar,pediu sua ajuda. A Escola se achava em péssimas condições financeiras,não tinharecursos e provavelmente iria enfrentar mais uma vez o preconceito e a má vontadedos organizadores e dos jurados.

            Entusiasmado com o desafio, Amilcar projeta as alegorias da Escola,baseado nas gravuras de Debret. Ele próprio amplia as imagens e pinta os painéis.

Executa o trabalho gratuitamente, contando com a colaboração de dois artistas,amigos, convidados para auxilia-lo: Hélio Oiticica, que pinta um carro cm as coresverde-e-rosa, aplicando a experiência neoconcreta; e o escultor Jackson Ribeiro,que fica responsável pela modelagem de algumas figuras. Amilcar cria ainda um carroneoconcreto, tendo como símbolo da cultura afro-brasileira, uma escultura sua, deferro, que concentra todo o peso e energia de Ogum.

            Apesar de fazer um desfile emocionante, a Mangueira fica em terceirolugar na classificação.

            Essa experiência demonstra a capacidade de Amilcar de projetar comsucesso idéias artísticas desenvolvidas a partir de sua própria obra, para outroscampos de expressão. Com a mesma clareza e determinação com que operou a revoluçãovisual da grande imprensa brasileira, imprimiu no trabalho para a Mangueira toda asua capacidade expressiva, adequando-a aos fins propostos.

            Mas esse episódio tem mais uma – e não menos relevante – conseqüência.É pelas mão de Amilcar de Castro que Hélio Oiticica irá ligar-se à Mangueira,mudando substancialmente os rumos de sua obra. Estão diretamente ligados a essaexperiência, a criação dos parangolés e sua aproximação com o universo do morrocarioca, traduzida em obras de grande impacto, hoje conhecidas internacionalmente.

1967: O Prêmio de viagem e a Bolsa Guggenheim

            O ano de 1967 assinala dois acontecimentos decisivos para a carreira doartista e para os rumos que tomará a sua vida. Recebe a notícia de que é um dosganhadores da Bolsa concedida anualmente pelo Guggenheim, para um período de doisanos em Nova York. Logo em seguida, obtém o Prêmio de Viagem ao Exterior,do XVISalão Nacional de Arte Moderna do Rio, cujos recursos, somados aos da Bolsa, irãolhe propiciar condições mais confortáveis para a permanência, junto com suafamília, nos Estados Unidos.

1968/72: A Experiência Americana

            A preparação para a viagem não seria fácil. Amilcar teve de passar porinvestigações, a vida rastreada, provavelmente por suas ligações, desde os temposde estudante, com partidos de esquerda. Também sua atuação no Rio, ao lado deintelectuais, não o recomendavam inteiramente, para uma estada nos Estados Unidos.Vencidos os entraves, obteve a licença de entrada no País, abonado pela FundaçãoGuggenheim, que o teria sob sua proteção no período de permanência e soloamericano.

            Antes de partir com Dorcília e os filhos Rodrigo, Ana Maria e Pedro, emmeados de 1968, Amilcar concluiu os trabalhos que tem em andamento de reformulaçãográfica dos jornais mineiros.

            Havia grande expectativa para a estada em Nova York, uma vez que ali seencontravam alguns dos mais importantes museus e galerias do mundo, e asvanguardas, em suas múltiplas propostas, a toda hora se manifestavam emdesdobramentos inesperados.

            Tanto para a Bolsa da Guggenheim quanto para o Prêmio do SalãoNacional, não havia nenhuma espécie de exigência de programa de trabalho, quepoderia ser traçado e cumprido pelo artista da maneira que bem lhe conviesse.

            Instalado em Nova York, sua intenção era primeiro conhecer a cidade etudo o que ela poderia oferecer-lhe, em termos de informação e atualização, visitarmuseus, galeria, livrarias, ver teatro, concertos. E trabalhar.

            Amilcar levara consigo vários projetos de esculturas, maquetes edesenhos, esperando encontrar recursos técnicos e materiais melhores do que tinhano Brasil, e com a perspectiva de soluções mais adequadas para várias idéias quegostaria de desenvolver. Entretanto isso não ocorre. Não encontra uma oficina capazde executar os mais simples de seus projetos. Em intenção é a realizar obras dearte, esculturas, peças únicas. Acostumados à produção em escala industrial, elesnão entendem a razão de se fazer “essas coisas, uma de cada”, pois o custo éaltíssimo. E recusam-se a colaborar com o artista brasileiro. Também não encontrachapa de ferro como a que usava no Brasil.

            Começa então a pesquisar outros materiais, “consolando-se” em utilizaro aço inoxidável. Esse fato desvia seu trabalho para um outro campo, ainda que afimao que vinha desenvolvendo. Mantém o extrato construtivo, mas vai buscar omovimento externo, provocando pela abertura da obra à manipulação.

            Com as dificuldades encontradas em Nova York, Amilcar decidetransferir-se para uma cidade próxima, Elizabeth, em Nova Jersey. Aluga uma casaampla, com espaço para o atelier, os recursos para desenvolver seu trabalho emmelhores condições. E mais ainda, para a esposa e os filhos, a cidade oferece maisconforto, tanto em função de uma vida mais tranqüila, como para os estudos dosfilhos, ainda em fase de adaptação a uma realidade tão diferente da que viviam noBrasil.

            No atelier, dedica-se ao desenho e à elaboração de projetos com açoinoxidável, concentrando-se em idéias que sejam passíveis de execução numa oficinapróxima. Mesmo com as dificuldades, consegue realizar uma série de esculturas semter a sensação de estar fazendo concessões. As esculturas que produz são destinadasà sua primeira exposição individual programada para 1969, na Kornblee Gallery deNova York, uma galeria especializada em arte construtiva e exclusiva de artistasamericanos. A inclusão de Amilcar de Castro na programação da Kornblee comprova ointeresse de sua obra, afinada com a orientação vanguardista da galeria e oprestígio que lhe conferem a condição de bolsista da Guggenheim e o aval deGeldzahler.

            O escultor descreve a natureza das obras que realizou para a exposiçãona Kornblee:

“As novas esculturas são móveis, mas continuo achando que isso não é a suacaracterística determinante. Os trabalhos devem ser avaliados pelo que propõem. Abase é um chaveiro, e todas as posições assumidas pelas chapas são válidas, como emuma esfera. Penso a escultura como se ela estivesse solta no espaço e em movimentopermanente. Agora, meu trabalho se abre a todas as significações, mas é uma

conseqüência do trabalho anterior de espaço fechado e metafísico. Tendo experiênciaem novo tempo, onde as formas repartem o mesmo futuro, em espaço aberto, e emmovimento possível. Se na fase anterior já não havia a preocupação de base, ou deponto de apoio para o pensamento desenhado, agora, então, vou às últimasconseqüências: tudo é muito mais livre ainda na infinita possibilidade da esfera,onde o espaço se realiza por movimento, na surpresa do equilíbrio.”

            Amilcar faz contatos com alguns artistas, mas tem dificuldades emrelacionar-se mais profundamente com o ambiente artístico de Nova York. Suasreflexões e formulações conceituais se encontram à frente das idéiasconstrutivistas e minimalistas. Donald Judd, Robert Morris, Richard Serra, sãoalguns dos nomes mais evidenciados nas galerias e publicações, como afirmação avanguarda americana na linha construtiva.

            Em 1970, quando completa 50 anos, Amilcar realiza mais uma exposiçãoindividual em Nova York, desta vez no Convent of Jesus Sacred Heart.

            Tendo acompanhado o desenvolvimento do trabalho de Amilcar e a suaperformance nas duas exposições em Nova York, a comissão da Fundação Guggenheim,oferece ao artista a renovação da Bolsa, por mais um período de dois anos.

            Esses dois anos são bastante proveitosos para Amilcar, Dorcília e osfilhos, já bem familiarizados com o caráter da vida americana.

            Amilcar faz palestras sobre arte brasileira, então inteiramentedesconhecida do público e da crítica norte-americana. Ela surpreende as audiênciascom suas “revelações” a respeito das formulações do neoconcretismo, anteriores àminimal. Os documentos, catálogos, reportagens e fotos que apresenta, bem como seupróprio trabalho, não deixam margem a dúvidas.

            Em fins de 1971, Amilcar de Castro participa de uma exposição coletiva,no Brazilian Institute of New York University, reunindo quatro artistas latino-americanos: ele, Rubens Gerchmann, Waldo Balart e Alejandro Puentes, encerrando comessa mostra sua temporada americana.

1972: De volta a Belo Horizonte

            Em seu retorno, Amilcar encontra o País “sem o espírito brasileiro”,engessado pelo regime militar. É evidente a desvitalização do impulso criativo quedinamizara o ambiente cultural até o final da década anterior. A duras penas, osartistas se mantêm em seu ofício, driblando como podem a censura que se estende àimprensa. No período negro, instaurado pelo governo Médici, acentua-se a repressão,intensificam-se as perseguições indiscriminadas e a eliminação dos setores deoposição em todos os níveis. E o tão alardeado “milagre econômico” vai a falência.

            Prevendo que as condições de trabalho no Rio já não seriam as mesmas deantes, Amilcar de Castro decide fixar-se novamente em Belo Horizonte, onde possuium apartamento, e a vida para os filhos, inclusive nos estudos, poderia ser maisconfortável. 

            Amilcar reasssume a direção de arte do Estado de Minas e, a convite deMurilo Rubião, então presidente da Fundação de Arte Rodrigo Mello Franco vaiensinar escultura na Escola de Arte Rodrigo Mello Franco. Esse duplo retorno – aBelo Horizonte e a Ouro Preto – constitui uma oportunidade de retomar antigosprojetos e reflexões, traçando novos rumos para sua obra.

            Em Ouro Preto encontrará os artista Nello Nuno e Annamélia, criadores ediretores da Escola de Arte de Ouro Preto, e uma largo círculo de estudantes dearte que logo se reúnem à sua volta em busca de sua orientação.

Desenho, Arte Maior

            Na década de 70, um fato novo vai dar maior vigor ao conjunto da obrade Amilcar: começam a surgir, com freqüência, os desenhos como obra autônoma e nãocomo projetos de escultura.

            Na sala especial que o IV Salão Global de Inverno (1976) lhe dedica,apresenta, pela primeira vez, um conjunto de desenhos, até então desconhecidos dogrande público. 

“O desenho é uma forma de pensar, é um pensamento sobre o espaço”, observa Amilcar.O desenho não é ensaiado; ele o faz a palo-seco, de improviso. Não há preparação,esboços, rascunhos. Cada momento é um momento, e Amilcar desenha, folhas e maisfolhas, até que surja um que o satisfaça. O resto ele rasga, joga fora. “A únicacoisa que procuro é a espontaneidade do primeiro gesto que fundamenta a comunhãocom o futuro”. O gesto (mas não o gestualismo impulsivo e descontrolado), atua nobranco do papel e o submete a uma organização que é uma geometria sensível,descontaminada do rigor. “O círculo, o quadrado, o triângulo acontecem no meio docaminho, a geometria vem a ser uma conseqüência. Essa geometria se refere a algoque é natural ao ser humano”.

Durante toda a década estará realizando e mostrando, cada vez com maior freqüência,esses desenhos em exposições coletivas. Com eles vai receber, em 1976, o GrandePrêmio do Panorama da Arte Brasileira, promovido anualmente pelo Museu de ArteModerna de São Paulo, e naquele ano dedicado ao desenho. E será também com essesdesenhos que fará a sua primeira exposição individual no Brasil.

A escultura e o desenho de Amilcar começam a ser incorporados com maior freqüênciaaos acervos de museu e coleções particulares.

O Texto Poético

            Desde a juventude, Amilcar escreve poesia, quase que secretamente. Masna década de 70, começa a dar forma literária a suas reflexões sobre arte,

resultando em textos poéticos. A princípio, esses textos seriam apenas uma formaoriginal de o artista falar de determinados assuntos relacionados com a arte, comfunção didática, a serem apresentados aos alunos da Escola de Belas Artes. Logocomeçaram a ser publicados no jornal Estado de Minas, e em seguida ganharam páginasde revistas especializadas, com a Galeria e livros. São textos-síntese dopensamento de Amilcar, que têm a mesma concisão, rigor e sabedoria, que seencontram em sua obra plástica. Um saber feito poesia.

Escultura: Modos de Fazer

            Com a absorção de sua obra pelo mercado em Minas, Rio e São Paulo e deoutros centros, a produção se intensifica, obrigando o artista a buscar novosrecursos técnicos que possibilitem a realização de seus projetos.

            A produção da escultura em chapa de ferro sempre foi um problematécnico para o artista, pois exige equipamentos e colaboração de pessoal técnicoespecializado. Após várias pesquisas, Amilcar decide por trabalhar com a MIL, emSanta Luzia, cidade próxima de Belo Horizonte. O engenheiro Allen Roscoe coordenaos trabalhos e vai oferecer a Amilcar o suporte de que ele necessita. A oficinapossui condições para a execução de esculturas de grande porte, como Amilcar sempredesejou fazer.

            Uma das preocupações do artista, com relação às suas esculturas, era aquestão da destruição do material pela ferrugem, o que foi resolvido com aintrodução na indústria brasileira do aço cor-tem e o SAC – 50 (soldável,anticorrosivo), técnica japonesa aplicada pela Usiminas, que permite que a corrosãosó atinja a superfície da chapa. Para Amilcar é o material ideal, pois mantém ocaráter do ferro, com a sua cor e contextura peculiares, sem que venha a se perderpela corrosão continuada.

            Para cortar as esculturas menores (que Amilcar considera como maquetes,por constituírem, pelo menos potencialmente, protótipos de obras monumentais),utiliza-se de uma máquina pantográfica. As grandes esculturas são cortadas com“tartaruga”, uma pequena máquina com maçarico, que desliza sobre o trilho, numavelocidade constante, cortando ao chapa, na projeção do desenho.

            Depois de cortada, a dobra é feita com guindaste; a chapa de ferro estáfixada num trilho soldado ao chão. Com um maçarico a linha da dobra é esquentadaaté ficar incandescente, perdendo a resistência. Com uma alavanca na chapa oguindaste puxa a parte a ser deslocada, até o ângulo previsto.

            Amilcar utilizou outras oficinas, sempre contando com a assistência deAllen Roscoe, que aos poucos, foi simplificando a técnica de corte e dobra, a pontode tornar possível a montagem de uma oficina própria no atelier de Nova Lima. Hoje,até mesmo  as esculturas de maior porte podem ser executadas ali, com a colaboraçãode poucos operários.

Novas Exposições

            Contam-se dezenas de participações em coletivas, representativas daarte mineira e brasileira: em 1975, é um dos dez artistas convidados para o X Salãode Arte Contemporânea de Campinas, SP, evento que se havia reformulado radicalmenteno ano anterior e que seguia buscando alternativa mais coerente com a produção quedesejava mostrar. Para o catálogo desse salão que se constituiu de exposição edebate com os artistas, no Mac de Campinas, estendendo-se ao MAM do Rio, Amilcarproduz um texto definitivo sobre sua escultura:

“É chapa de ferro. De chapa, porque pretendo, partindo da superfície, mostrar onascimento da 3º dimensão. De ferro porque é necessário. É natural de Minas, estáao alcance da mão. Todo mundo sabe trabalhar o ferro. A superfície é domada – épartida e vai sendo dobrada. É quando, e, por fatalidade, o espaço se integra,criando o não previsto. É, pura surpresa (...)”.

            Em 1977, Amilcar é um dos dez artistas convidados para o “Encontro deEscultores”, organizado por Paulo Laender, em Ouro Preto, MG. O evento constitui-sede palestras e debates com os artistas convidados, que também planejam e executamtrabalhos nas ruas e praças da cidade.

            Duas outras grandes exposições terão a participação de Amilcar:“Projeto Construtivo Brasileiro na Arte”, realizada também em 1977, na Pinacotecado Estado, São Paulo e no MAM do Rio de Janeiro, organizada por Aracy Amaral – oprimeiro levantamento abrangente das tendências construtivas no Brasil, em todas assuas manifestações no período de 1950 a 62. Coube a Amilcar fazer o projeto gráficodo livro-catálogo que registrou a mostra.

            Em 1978, participa da mostra Arte Agora III: Geometria Sensível, MAM doRio, curadoria de Roberto Pontual. Essa mostra fez o levantamento de recenteprodução construtiva na América Latina, sob a ótica da chamada geometria sensível.A esse panorama contemporâneo, soma-se uma retrospectiva alentada da obra douruguaio Joaquín Torres-Garcia, precursor dessa vertente na América Latina. Amostra se encerraria com a tragédia do incêndio que a consumiu e a quase totalidadedo acervo do MAM. As esculturas de Amilcar sobrevivem à tragédia.

            Nesse mesmo ano, Amilcar vê concretizado um ambicioso projeto deescultura pública. Uma obra monumental projetada como marco da Açominas, de 32metro de altura, construída à entrada da cidade mineira de Ouro Branco. Essa obra éuma retomada de projetos do início dos anos 50, realizados originalmente com blocosde madeira justapostos.

            Em Belo Horizonte, Amilcar tem presença destacada em inúmerasexposições realizadas no Palácio das Artes, no Museu da Pampulha e em Galerias.Participa como convidado do Salão Global de Inverno e das coletivas temáticas“Natureza e Construção”, “O Desenho Mineiro”, “Paisagem Mineira”, “A Casa”, entreoutras.

            Também as premiações são expressivas. Em 1974, recebe o prêmio deescultura do VI Salão de Arte de Belo Horizonte. Em 1977, recebe o grande prêmio doVI Panorama da Arte Brasileira, do Museu de Arte Moderna de São Paulo, naquele ano

dedicado ao desenho; no ano seguinte, dedicando-se ao inventário da produçãotridimensional contemporânea, no Brasil, o VII Panorama volta a premiar Amilcar,com melhor escultor.

            Em 1979, uma sala especial na XV Bienal São Paulo oferece oportunidadepara um contato mais amplo do grande público e da crítica internacional com a obrade Amilcar de Castro.

Primeira Individual no Brasil: Desenhos

            Mesmo com tantas manifestações e reconhecimento da sua importância nocenário cultural brasileiro, somente aos 58 anos é que Amilcar de Castro vairealizar a primeira exposição individual no Brasil. Ela acontece em março de 1978,no Gabinete de Artes Gráficas, em São Paulo, quando o artista mostra somentedesenhos. A repercussão crítica é imensa, com registros nos principais órgãos deimprensa de São Paulo, Rio e Minas.

            Aracy Amaral faz a introdução no catálogo, chamando a atenção para ofato de ser a primeira individual de Amilcar, naquele momento já um artistaconsagrado.

“... Desenhos em nanquim sobre papel, verdadeiros ideogramas por suasíntese/expressão, estas obras nos remetem de imediato à escultura de Amilcar deCastro e nos revelam muito do processo de trabalho do artista. Ele já mencionou emdiversas ocasiões o intuitivo de suas criações, da referência ao mundo que o rodeia(como quando se referiu à inspiração dos telhados de Ouro Preto no início dadobragem dos papéis que antecipariam as dobras das placas de ferro. Também oquadrado fendido, da coleção da Pinacoteca do Estado, se intitula,significativamente ‘cavalo’ por exemplo, assim como o único desenho que tem o ‘altoe baixo’ determinado pelo artista nesta ex posição é a ‘cabeça africana’ (porrazões óbvias). Seu traço é objetivo, firme, rápido. Faz lembrar uma frase sua, emdepoimento no Museu de Arte Contemporânea de Campinas:uma escultura deve ser como umpalavrão: breve conciso, direto. Quase uma bofetada, poder-se-ia interpretar. E essa possívelagressividade está presente nesta série de desenhos, que numa época depreciosismos, combinação de linguagens e metáforas, chega-nos como uma rajada de arfresco, plena de vitalidade”.

O Artista e o Ensino da Arte

            No primeiro momento de seu retorno a Belo Horizonte, Amilcardesenvolverá muitas atividades em campos diversos. Seu prestígio como designer

gráfico leva-o a novas empreitadas na área de programação visual. Como professor,terá decisiva influência na formação de um geração de artistas mineiros. De 1973 a1977, dedica-se ao ensino de escultura na Escola da FAOP, em Ouro Preto, para ondese desloca semanalmente. Ali, como nas demais escolas onde atuará como professor,ele procura aplicar uma programa de orientação, inspirado na metodologia deGuignard:

“Eu não acredito que se possa ensinar arte. Ninguém ensina nada a ninguém. Oprincipio fundamental do meu ensino é que eu não ensino nada. Você não pode fazercomo numa escola de engenharia ou de matemática e indicar uma fórmula para resolverum problema. Arte não tem receita. Pintura não tem receita, não tem esta fala. Achoque o professor deve ser um estímulo para o aluno, deve ser um provocador deproblemas. Baseando-se na sensibilidade do aluno, você pode provocar estasensibilidade a romper barreiras, em variados sentidos, em vários caminhos, paratestar, para aprimorar esta sensibilidade. O único caminho possível é fazer com queo aluno, com sensibilidade dele, se torne um artista. É sempre um processo dedentro para fora. Este sentir surdo, este silêncio interior é que faz nascer aarte”.

            A partir de 1974, sua atividade docente estende-se à Escola Guignard,retornando, como professor, ao espaço de sua formação artística. Reconhecida comoinstituição de nível superior, a Escola, instalada ainda no subsolo do Palácio dasArtes, abre-se em perspectiva de uma atuação coerente com a sua importânciahistórica.

            Entre 1974 e 1977, Amilcar atua com seu diretor, tendo se investido docargo com a intenção de promover uma completa reformulação de suas diretrizes. Masa Escola já se achava firmemente institucionalizada, atada em uma estruturaadministrativa e burocrática sufocante, e pouco espaço oferecia para umareformulação inspirada nos exemplos de Guignard.

            Em 1977, admitido por concurso, torna-se professor da Escola de BelasArtes da UFMG, onde conduz as disciplinas de Composição, Análise do ProcessoCriativo e o Atelier de Escultura.

            Também na EBA, sua atuação fica de certa forma comprometida pelaprópria estrutura da Universidade, que cerceia a liberdade de programas artísticosdiferenciados, obrigando a Escola a adotar a mesma linha das escolas de formaçãocientífica, sem uma real consideração de sua especificidade. A disponibilidade e oentusiasmo em orientar os jovens que o procuram insistentemente, fazem dele umaespécie de “guru” das novas gerações de artistas de Belo Horizonte.

            Permanecerá na EBA até 1990, quando se aposenta, ao completar 70 anos.

            Ao final dos anos 70 e inícios da década seguinte, tentará colocar emprática sua concepção de ensino de arte, em duas iniciativas: O Núcleo Experimentalda Escola Guignard e a Escola de Artes e Ofícios de Contagem.

            E será convidado com freqüência, por museus e instituições de váriosEstados, a participar de comissões de cultura e júris de salão.

O Atelier da Rua Goiás

            O crescente sucesso de seus desenhos, muitos solicitados porcolecionadores, galerias e museus, leva Amilcar a intensificar o trabalho, quevinha sendo realizado em casa. Cada dia fica mais evidente a necessidade de umespaço adequado para trabalhar. Em breve o encontraria, no fundo da PapelariaCarol, na Rua Goiás, que o seu proprietário, Paulo Coelho, havia transformado emgaleria de arte. A primeira exposição, com obras de Amilcar e Fernando Lucchesi,não tem sucesso comercial. Frustrado, Paulo resolve fechar a galeria, mas Amilcarpropõe ocupa-la como atelier. Paulo se torna então uma espécie de coordenador doespaço e da produção e da circulação da obra de Amilcar, dando o suporte para que oartista não tivesse outra preocupação senão a de fazer a sua arte. Quase vinte anosdepois, o atelier da Rua Goiás ainda é uma referência para artistas ecolecionadores.

A Lenta Conquista da Democracia

            “Lenta, gradual e segura”, a abertura democrática começa a serdesenhada no cenário nacional, como resposta às exigências da sociedade, que jápercebe claramente a falência do “programa de salvação nacional” do regime militar.Incapaz de manter o controle da situação, o governo enfrenta a oposição, cada vezmais fortalecida; o povo vai para as ruas exigindo mais liberdade, o fim dacensura, a anistia para os presos políticos e exilados, empurrando as decisões paraa direção da democracia. A censura, afrouxada, permite a eclosão de novos modelosde expressão artística, meios alternativos de comunicação e divulgação. E a arte semanifesta mais livre, usando novos meios e suportes.

            A anistia permite a volta ao País de intelectuais, artistas,escritores, jornalistas, políticos exilados. A imprensa vai recuperando sue espaçode informação e debate. Depois de Geisel, o presidente João Figueiredo se encarregade conduzir a abertura. O processo final é rápido: organização dos partidospolíticos, campanha das “diretas-já”. Vitória da oposição nas eleições diretas paragovernador. Finalmente, a vitória de Tancredo Neves na eleição, ainda que indireta,para presidente. Já estamos nos meados da década de 80.

            Nesse momento se dá a aproximação de um grupo de jovens críticos comAmilcar. Uma série de ensaios, exposições e retrospectivas, que alguns deles seencarregarão de organizar, no futuro, são alguns dos desdobramentos da ricainterlocução que mantém com o artista.

            A obra de Amilcar de Castro atinge novo patamar de qualidade,aprofundando o processo deflagrado duas décadas atrás. Embora sua criação nãoreflita diretamente a crise, ela responde, em uma outra instância, aos anseios dopovo por ordenação e equilíbrio, por liberdade e justiça, enfim, pela democraciaplenamente restabelecida. Na prática, como fizera nos anos 40, Amilcar de Castro

participa dos movimentos pela democracia, oferecendo sua contribuição como artistade prestígio: assina manifestos e doa obras para as campanhas de oposição.

            Atendendo a encomenda do Governo de Minas, cria uma escultura de portemonumental, implantada na Praça da Assembléia, em Belo Horizonte, como marco dagrande conquista democrática.

Núcleo Experimental e a Escola de Artes e Ofícios

            Ao lado de suas atividades como professor da Fundação de Arte de OuroPreto, da Escola Guignard e da Escola de Belas Artes da UFMG, duas novasexperiências marcam a presença de Amilcar na área do ensino da arte.

            Em 1979, propõe à Escola Guignard a criação de um curso de extensão, deacesso livre e sem uma programação curricular. O Núcleo Experimental teve duraçãode três anos, com a participação de alunos de todas as idades e tendências.

“No Núcleo, Amilcar dava orientação informal, sem horários fixos, de tal maneira aproporcionar aos artistas maior mobilidade e liberdade. Ele chegava, olhava ostrabalhos em andamento, fazia suas observações, estimulava, criticava, induzia nosa pensar sobre o que fazíamos. Provocava. E conversava muito sobre arte, sobretudo. Foi a eclosão de uma nova visualidade na arte mineira, sintonizada com astendências mais recentes. Tudo, enfim, tinha abrigo e era matéria de reflexão  eprática no Atelier. Centrado na pintura, mas estimulando experiências com outrasformas, o Núcleo explode em cores, celebra a vida, revela artistas, enseja aafirmação de outros”.

            Porém, “por motivos conjunturais”, o Núcleo é obrigado a encerrar suasatividades, deixando como saldo o surgimento de vários artistas, hoje atuantes nalinha de frente da arte mineira.

            Todas essas experiências somadas mobilizam Amilcar mais uma vez atentar uma nova empreitada e colocar em prática sua concepção de ensino de arte.Juntamente com o arquiteto Gustavo Pena, propõe à Prefeitura de Contagem a criaçãode uma Escola de Artes e Ofícios, que abrigaria, em primeira instância, operários efilhos de operários e filhos de operários das inúmeras indústrias em atividade nomunicípio, mas estaria aberta a todos os interessados.

            O prefeito autoriza Gustavo a elaborar o projeto arquitetônico, emacordo com as idéias de Amilcar. Este, por sua vez, convida alguns artistas paratrabalhar com ele, instalando a escola provisoriamente em um galpão. É um brevetempo de entusiasmo e dedicação, quando Amilcar e seus companheiros vislumbram apossibilidade de realização de um projeto de arte absolutamente novo erevolucionário.

            A conceituação da escola constitui uma reflexão profunda sobre arte eensino de arte. Registrada em textos poéticos confirma a qualidade do pensamento doartista e sua disposição de instalar entre nós a utopia vislumbrada por Guignard:

“Um Centro de Criatividade tem que estar inteiramente voltado para o presente, paraas experiências que ali vão sendo geradas. Somente assim posso imaginar, hoje, umaescola de arte. Deve ser um núcleo experimental, de experiências permanentes emtodos os campos, no desenho, na pintura, gravura, escultura. Eu exagero mesmo nestainsistência, no caráter experimental do trabalho, porque é preciso reforçá-lo a fimde que detone um processo realmente criativo. Trata-se da retomada da experiência epesquisa como método, nada mais. Interessa-me o fazer agora. Não fazer ourequentar, mas descobrir o que existe hoje, através de estímulos cotidianos. Oensino de arte é muito vinculado ao passado, a referências que travam apossibilidade de a pessoa andar. Eu não renego nem diminuo a história da arte, pelocontrário, mas vejo uma necessidade absoluta de me debruçar sobre o problemapresente.”

            A escola teria oficinas para pesquisa e prática de desenho, pinturagravura, escultura etc., mas promoveria, também, cursos de caráterprofissionalizante, como fotografia, tipografia, papel artesanal e tintas,marcenaria, serralheria, cantaria, cerâmica e olaria, entre outros.

            Mas ao entusiasmo inicial sobrevém o desinteresse da Prefeitura,incapaz de perceber o alcance cultural e social do projeto que logo se frustra,encerrando-se melancolicamente.

60 Anos: Com a Força e a Vitalidade de Sempre

            Em 1980, Amilcar de Castro faz 60 anos.

            Em Belo Horizonte, a Galeria Gesto Gráfico firma-se como um espaçovoltado para a exibição de arte contemporânea, e Amilcar será o seu principalartista, realizando exposições individuais em 1981, 1983, 1985 e 1989. Em BeloHorizonte expõe, também, na Itaú Galeria, em 1987.

            No Rio e em São Paulo, galerias disputam a primazia da exibição denovas obras de Amilcar. A Galeria de Arte Contemporânea Thomas Cohn faz duasindividuais do artista em 1983 e 1985. Também no Rio, em 1986, apresenta-se naGaleria Paulo Klabin.

            Em São Paulo, Amilcar expõe seguidamente no Gabinete de Arte RachelArnaud, em 1982, 1986 e 1989, e na Galeria Unidade Dois, em 1987. No ano seguinte,inaugura a Galeria de Arte Paulo Vasconcelos, apresentando uma grande coleção deesculturas, desenhos e litografias.

            São muitas e significativas as exposições coletivas de que participanesse período: em 1982, a mostra “Contemporaneidade: Homenagem a Mário Pedrosa”, noMuseu de Arte Moderna, do Rio, que reuniu importantes artistas brasileiros, emtributo ao grande crítico e pensador.

            Participa de duas outras mostras representativas da arte mineira: “ArteMinas Atual”, levada a Curitiba e Brasília, em 1982, e “Dez Artistas Mineiros”,apresentada no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (1984). 

            Em Belo Horizonte ele é presença assídua, necessária e generosa, eminúmeras coletivas organizadas pelas galerias, instituições, museus e especialmentepelo Palácio das Artes. Ali participa de várias exposições temáticas eretrospectivas, entre as quais: “Natureza e Construção”, “Escultura e Objeto emMinas”, panorama da criação tridimensional em Minas no século XX. Em 1985, tem suaobra incluída na exposição inaugural da Galeria da CEMIG.

            É dessa época sua única experiência com pintura mural. Em 1984, aconvite do Projeto “Arte nos Muros”, do Banco Nacional, realiza uma pinturacobrindo a parede-cega de 119 m², do prédio da Biblioteca Pública Estadual de BeloHorizonte.

            Em meados da década, duas exposições que incluem suas obras, vão revero episódio do movimento neoconcreto: a primeira, em 1984, “Neoconcretismo/1959-1961” integrante do “Ciclo de Exposições sobre Arte no Rio de Janeiro” organizadapor Frederico Morais, na Galeria de Arte do BANERJ. Nessa mostra retrospectiva,estão alinhados ao lado de Amilcar, os principais integrantes do movimento, comobras e documentos da época. A segunda mostra, “Abstração Geométrica I: Concretismoe Neoconcretismo”, realizada em 1987, na Funarte, também no Rio, dentro do “ProjetoArte Brasileira”, destinado a fazer a revisão crítica das principais manifestaçõesde arte no Brasil, mas ainda com enfoque no Rio e São Paulo.

            Em 1985, Amilcar está presente na mostra didática: “Tradição e Ruptura– Síntese da Arte e Cultura Brasileira”, apresentada na Fundação Bienal de SãoPaulo.

            Três importantes exposições, realizadas em 1989, contam com a presençade Amilcar: “Gesto e Escultura”, promovida pelo Gabinete de Arte Raquel Arnaud, comcuradoria de Ronaldo Brito, que reúne Amilcar de Castro, Eduardo Sued, IberêCamargo, Antônio Dias, Jorge Guinle, Mira Schendel e Willys de Castro; “Cada Cabeçauma Sentença”, tendo como foco temático o episódio da Inconfidência Mineira,exposição itinerante apresentada em Juiz de Fora, Ouro Preto, no Museu de ArteModerna de São Paulo e Museu Nacional de Belas Artes, Rio. O evento concebido eproduzido pelos curadores Márcio Sampaio e Eliana Rangel, no Parque Municipal deBelo Horizonte, “Jardim Neoconcreto”, reuniu expressivo conjunto de esculturasmonumentais de Amilcar de Castro, Franz Weissmann e Sérvulo Esmeraldo indicando suainfluência na obra de jovens artistas mineiros, também participantes.

            Nesse período, são freqüentes os convites para participação em Salões eBienais, mobilizando o artista na realização de obras especiais para os eventos.

            Em 1981, está presente na 13ª edição do Salão Nacional de Arte,promovido pelo Museu da Pampulha de Belo Horizonte. Essa conclui um ciclo de salõestemáticos, dessa vez enfocando “A Casa”. Amilcar apresenta uma escultura de blocosde ferro seccionados e remontados, conquistando o Grande Prêmio Prefeitura de BeloHorizonte (prêmio especial para artista convidado).

            Em 1985, tem participação em Sala Especial do VIII Salão Nacional deArtes Plásticas, com o tema “A Arte e seus Materiais”. Em 1987, ao lado deWaltércio Caldas, Dudi Maia Rosa, Eduardo Sued, Franz Weissmann, integra a salaespecial “Em Busca da Essência – Elementos de Redução na Arte Brasileira”, da XIX

Bienal Internacional de São Paulo.

            As obras de Amilcar de Castro ganham novos espaços no circuitointernacional. Ainda na década de 80, está participando de várias exposições noexterior, entre as quais: “A Cor e o Desenho no Brasil”, que durante o ano de 1984,itinerou por oito países, com o patrocínio do Itamaraty. Em 1985, “Brazil: 10 Workson Paper”, exposição de desenhos apresentada na Sonoma State Art Galery,Califórnia, USA. Em 1986, seus desenhos são apresentados no Museu Georges Pompidou,em Paris, cidade que verá outras obras suas reunidas na mostra “Art Brésilien deXXème. Siècle”.

            Em 1989, Amilcar tem Sala Especial na XX Bienal de São Paulo,apresentando três desenhos de grandes dimensões e uma escultura em ferro. Nessemesmo ano, está na coletiva: “20 Artists” apresentada na Amazon Art Galery, em NovaYork, USA.

Novos Desenhos: “Pintura-Quase”

            Na década de 80, intensifica-se a produção em desenho, que rapidamentevai tomando nova configuração, já bem diferente daquele feito com lápis duro, bempróximo dos projetos para escultura. Logo passa a usar pincéis redondos e depois atrincha larga e nanquim sobre papéis especiais de dimensões maiores. Em seguida,começa a trabalhar com tinta acrílica sobre tela, que permite ampliar o formato dosuporte e obter linhas mais densas. Em pouco começam a surgir áreas de cor, quepontuam o espaço, criam focos de tensões e equilíbrio.

            Logo, estará utilizando, em vez de trincha, vassouras de piaçava (o quedenota sua ostensiva preferência para o que é direto, objetivo). A “linha” negraque vai correndo na tela se torna cada vez mais ampla, impulsionada, na mais com amão, nem mesmo apenas com o gesto do braço, mas com a dança do corpo. As dimensõesdas telas tornam-se cada vez maiores, em média dois metros, mas costumam atingir,em empreitadas mais ousadas, seis e até dez metros.

            Cada vez mais a linha de tinta negra, em sua trajetória implacável, vaiocupando maiores áreas da tela, e chega a um ponto em que da tela só restam tênueslinhas, defendidas por máscaras de fita adesiva, revertendo assim, as posições: alinha é branca e o plano é preto, remetendo à experiência da escultura de blocos deferro e madeira com apenas linhas de corte.

            Destituído, como a escultura, de qualquer emulação simbólica, oucaráter descritivo, o que se percebe no plano da tela é um movimento de precisão eobjetivação. O gesto responde a uma determinação concentrada, que, no ato do fazer,se libera, se alivia, contaminada pela impulsão, deslocando-se o rigor do projetopara a concisão do poético.

            Não será pintura? Para Amilcar, esta operação, esta operação – mesmoque utilizando pincel e tinta, mesmo que as áreas cobertas pareçam participar de umacontecimento plástico, ainda assim, para ele, será sempre desenho, uma vez quetoda ação se dá no sentido de imprimir a linha, seu raciocínio é inteiramentegráfico. No máximo, “pintura-quase”.

            É emocionante assistir Amilcar na sua concentrada “varrição” da tela. A

linha que se vai formando, como que espanta o vazio, o branco do plano. Investesobre o grau zero desse espaço inaugural, construindo caminhos negros, determinandoáreas brancas, que poderão mais tarde acolher a cor, só determinada depois de umlongo tempo de observação.

Paraisópolis: Infância Revisitada

            A emoção da volta à terra natal, o encontro com um lugar que era só areferência sem paisagem do seu começo, uma sombra trêmula na memória; a emoção dechegar àquela cidade que fora em toda a sua vida apenas um nome a completar o seuregistro com ser civil.

            Sessenta e quatros anos haviam-se passado desde que estivera pelaúltima vez na plataforma da estação, à espera do trem, no qual embarcaria rumo aodesconhecido. Tanto anos decorridos, o prédio é o mesmo, com sua arquiteturapeculiar. Mas a inscrição, à entrada, indica que a estação é agora uma Casa deEducação e Cultura e tem o nome de Amilcar de Castro.

            Amilcar oferece a Paraisópolis uma grande escultura a ser colocada emuma praça da cidade; doa também uma coleção de desenhos e gravuras, como síntese desua obra. Amilcar aí recompõe sues primeiros anos de vida, reencontra aquele tempoque era vaguíssima lembrança, através de fotografias, notícias de jornal de época,histórias de seus pais e dele próprio, que lhe contam os mais velhos da cidade.

Crises Fecundas

            A duras penas a democracia tenta ocupar o seu espaço legítimo. Atragédia que impede Tancredo Neves de tomar posse leva o vice, José Sarney, aopoder;  o País vive de incertezas e esperanças. Na primeira eleição direta depoisda ditadura, a vitória de Fernando Collor logo se revela um desastre maior. Emmalfadada gestão, a arte é considerada um bem menor, desprezível, enquanto não sejasubalterna aos desejos do governo. Como estratégia de Marketing, Collor institui oritual da descida da rampa do Palácio do Governo, acompanhado de gente famosa.Artistas mineiros são convidados. Amilcar de Castro recusa terminantemente oconvite, e em entrevista ao Estado de Minas, proclama: “Não subo e nem desço rampacom presidente nenhum!” – reafirmando sua independência e consciência política.

            O impeachment de Collor e sua substituição pelo vice, Itamar Franco,ameniza os ânimos, com o esforço hercúleo para debelar a inflação que chega aníveis insuportáveis. O novo plano econômico suspende o processo. Outrasiniciativas vão repara um pouco o mal que atingira a Nação. A reativação dossetores culturais traz novo alento. O projeto neo-liberal de Fernando HenriqueCardoso, não consegue sucesso com o modelo de desenvolvimento proposto. A corrupçãoe os escândalos, a violência crescente, o fosso gigantesco entre os ricos e ospobres e miseráveis, acentuam a desesperança instalada no coração do povo.

            Cabe à arte processar simbolicamente a reversão do sentimentodesventurado. Instrumento de consciência, ela atua em diferentes espaços dapercepção, disseminando uma força que mobiliza e defende o espírito da compulsão damorte e da violência.

Mais do que nunca, o País precisa do “espírito brasileiro” de que falava Amilcar aretornar ao Brasil, em 1972. E com o mesmo entusiasmo com que, nos anos 40, pintavaem sacos de aniagem propagandas da Esquerda Democrática, manifesta-se hoje em cadamomento em que se entrega ao trabalho. “Uma escultura ou um desenho seu tem a forçade um manifesto”, constata o filósofo Arthur Allain-Feines.

Primeira Retrospectiva

            Sua primeira retrospectiva tem lugar no Rio de Janeiro, em 1989, com acuradoria do crítico Paulo Sérgio Duarte. A exposição é cercada de todos oscuidados, e sua realização constitui um evento de grande impacto, oferecendooportunidade de um leitura de profundidade e extensão da obra de Amilcar de Castro.A exposição ocupa os espaços do histórico prédio do Paço Imperial e se estende pelaampla Praça XV, onde se podem apreciar algumas de suas melhores obras monumentais.Essa retrospectiva propicia uma melhor avaliação das qualidades da obra de Amilcarde Castro e as dimensões de sua contribuição como escultor, desenhista, gravador edesigner gráfico, no contexto da arte brasileira e internacional.

Década de 90: Definitiva Consagração

            Os 70 anos de Amilcar de Castro, completados em 8 de julho de 1990, sãomotivo para que artistas, críticos, galerias e várias instituições se mobilizempara prestar-lhe homenagens. O crítico Walter Sebastião, anunciando a exposição naGaleria Novo Tempo, Belo Horizonte, comemora a data em artigo no Estado de Minas:

“O escultor Amilcar de Castro, 70 anos, ainda assusta. Em meio a uma situação detransitoriedade de valores, ao ritmo vertiginoso da indústria cultural e à dúvidamortal quanto à possibilidade do novo e do futuro, brilha a coerência com que eledesenvolve seu trabalho, que só pode ter como sinônimo palavras hoje em desuso,como ética, verdade, compromisso. No seu discurso, esta idéias aparecem despojadasde qualquer significado heróico. A preocupação é afirmar crenças íntimas, pontesque ligam arte e vida, cujo centro  é uma vontade de simplicidade e clareza, abusca lúdica da origem das coisas”.

            Em 90, também a Galeria da Cidade comemora com uma exposição de novaslitografias produzidas na Oficina 5. As homenagens se estendem, também, ao Rio deJaneiro, onde a Galeria de Arte Contemporânea Thomas Cohn monta uma exposição deesculturas e desenhos, exibindo no espaço externo um grande escultura, que alipermanecerá em definitivo. A exposição mobiliza a imprensa, que abre amplos espaçospara divulgação. E em São Paulo, com a mesma repercussão, o Paço das Artes organizauma notável exposição de esculturas e desenhos.

            Nesse ano Amilcar recebe a aposentadoria compulsória, por tercompletado 70 anos de idade. O encerramento de suas atividades na Escola de BelasArtes da UFMG deixa-o livre para dedicar-se inteiramente à arte.

Projeções de Renovada Surpresa

            Ao longo de toda a década de 90, sua atuação profícua, com mostrasindividuais e coletivas, que o motivam mais ainda a mergulhar na criação deesculturas e desenhos. Com isso, abrem-se novos sentidos no interior de sua obra,refletindo uma vitalidade extraordinária, que o leva a aventurar-se aexperimentações em campos ainda não explorados, quase sempre respondendo a desafiospropostos por curadores. Esses desafios cada vez mais o agradam, resultando emobras que, mesmo à margem de sua produção habitual, ganham um significado especial.Com isso, abre seu campo de pesquisa para trabalhar com materiais diferentes, comoo granito, a pedra sabão, o vidro; e o retorno às criações com madeira –experimentada no início de suas pesquisas construtivista, nos anos 50.

            Desenha pratos de cerâmica no Atelier de Máxima Soalheiro; cria padrõesde azulejos, para produção industrial da Cerâmica Terra; desenha jóias, fazprojetos visuais e ilustra livros; escreve textos poéticos sobre arte.

            As exposições coletivas se sucedem em alta freqüência: em 1992,“Polaridades e Perspectivas”, no Paço das Artes, São Paulo; “Coca-cola, 50 anos comarte”, Museu de Arte Moderna do Rio e de São Paulo.

            Nesse mesmo ano, integrando os eventos artísticos da Eco-92, participada grande mostra “Brazilian Contemporary Art”, no Parque Lage e Galerias daFunarte, Rio de Janeiro. Em Belo Horizonte, está presente em três exposições emprogresso, organizadas por Márcio Sampaio e Eliana Rangel, no contexto do Festivalde Inverno da UFMG, que tem como tema a Eco-Arte: “Arqueologia do Futuro”,“Natureza e Construção II” e “Grande Círculo das Pequenas Coisas”, montadassequencialmente no Palácio das Artes, em julho/agosto de 1992. Esta última terádesdobramentos, cm apresentações em Itabira, outra vez em Belo Horizonte eFlorianópolis, com projetos de seguir mundo afora, ao redor do planeta.

            Em 1993, Amilcar de Castro, Celso Renato, Marco Benjamin e ManfredoSouzanetto estão reunidos na exposição itinerante “Quatro X Minas”, apresentada noPalácio das Artes, Belo Horizonte, Museu de Arte Moderna do Rio, Museu de Arte deSão Paulo e Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador. Também nesse ano, Amilcarestará presente nas mostras: “Aspectos da Gravura Brasileira”, Bolsa de Valores, e“A Cerâmica na Arte Contemporânea Brasileira”, BNDS, ambas no Rio de Janeiro. Em

São Paulo, integra a coletiva “Poética”, organizada pelo Gabinete de Arte RaquelArnaud.

            Em 1994, a mostra “Precisão” apresenta esculturas de Amilcar de Castro,Eduardo Sued e Waltércio Caldas, no Centro Cultural Banco do Brasil, Rio. Tambémnessa cidade e nesse mesmo ano, obras de Amilcar integram a exposição “Brasil: 100Anos de Arte Moderna – Coleção Sérgio Fadel” – montada na Galeria do Século XX(Museu Nacional de Belas Artes).

            Ainda em 1994, é um dos artistas que integram a mostra “Bienal BrasilSéculo XX” – apresentada na Fundação Bienal de São Paulo e seguindo por váriascidades brasileiras e Tóquio, Japão. Em 1995, está nas exposições “Morandi noBrasil”, no Centro Cultural São Paulo; “Entre o Desenho e a Escultura”, no Museu deArte Moderna de São Paulo, e “Desafios Contemporâneos”, na Galeria Sílvia Cintra,Rio.

            O ano de 1996 será igualmente repleto de atividades; além dasexposições individuais, participa de várias coletivas no Brasil e no exterior:expõe em Londres, na Galeria Elms Lesters Painting Rooms; “Deux ArtistesBrésiliens”, juntamente com Shirley Paes-Leme apresentada primeiramente naUniversidade Federal de Uberlândia, MG e em seguida na Galeria Debret, Paris;“Esculturas Urbanas”, produzida pelo Gabinete de Arte Raquel Arnaud; e “QuatroMestres Escultores Brasileiros”, no Palácio Itamaraty, em Brasília.

            Participa da mostra “Consolidação da Modernidade” do Projeto Históriadas Artes Plásticas em Belo Horizonte, curadoria de Marília Andrés (1997); “PedraSabão”, coletiva organizada por Cláudia Renault, obras de artistas contemporâneos,produzidas comesse material, especialmente para a mostra, apresentada na AvenidaGetúlio Vargas, em Belo Horizonte. E ainda nesse ano, participa como artistaconvidado, da I Bienal do Mercosul, em Porto Alegre.

            Em 1998, o XVI Salão Nacional de Artes Plásticas, da Funarte, mostraseus trabalhos em Sala Especial, como forma de homenageá-lo. Nesse ano sua obraestará ainda presente na exposição da IV Semana de Arte de Londrina, PR, e nasexposições “Harmonia e Contrastes”, na Kolams Galeria de Arte, de Belo Horizonte;“Tridimensionalidade na Arte Brasileira do Século XX”, no Instituto Cultural Itaú,São Paulo; e “Arte Construtivista no Brasil / Coleção Adolpho Leiner”, no Museu deArte Moderna do Rio e de São Paulo.

            E em 1999 tem obras suas integradas à exposição “Quatro Décadas doDesenho Mineiro”, na Galeria do Espaço Cultural Telemar, Belo Horizonte. Nesse ano,lança um livro-depoimento da coleção Circuito Atelier, em edição da C/Arte, de BeloHorizonte.

            As exposições individuais e retrospectivas de sua obra sucedem-se comintensidade nesta década; em 1991, a Galeria de Arte da Cemig, Belo Horizonte,organiza uma grande exposição reunindo desenhos, gravuras e esculturas de diversasépocas. A exposição ocupa o espaço da galeria e também os amplos jardins externosdo edifício. Essa é a primeira grande exposição de Amilcar em Belo Horizonte.

            Na mesma época, e também em Belo Horizonte, outra exposição de desenhose esculturas de pequeno porte, apresentada no Fernando Pedro Escritório de Arte,complementa a exposição da Cemig.

            Em 1992, será a vez de São Paulo ver uma retrospectiva de sua obra,organizada pelo MASP, Museu de Arte de São Paulo. Nesse ano, Câmaras de TV estarãoregistrando a obra e o artista, na produção do vídeo “Amilcar de Castro”, comroteiro e direção de João Vargas Pena.

            Ainda em 1992, o Gabinete de Arte Raquel Arnaud, de São Paulo, promove

mais uma individual de Amilcar, que voltará ao espaço em 1994 e em 1998, quandoapresentará desenhos inéditos e novas esculturas de corte em ferro, baraúna egranito.

            As exposições individuais tem seqüência, na Galeria Manoel Macedo, deBelo Horizonte, (1992); em Niterói, na Galeria de Arte da Universidade FederalFluminense (1993); na Galeria Sílvia Cintra, Rio de Janeiro, em 1994, 1996 e 1998.

            Em 1996, a mostra “Um expoente del concretismo brasilleño” apresentaseus desenhos aos argentinos, na Galeria Portinari, em Buenos Aires.

            Em 1997, Amilcar é convidado para inaugurar a Galeria Quadrum, um novoespaço em Belo Horizonte, destinado a exibir arte contemporânea. “Uma GeometriaSensível”, reúne desenhos e esculturas recentes.

            Em 1999, novas exposições individuais apresentando produções maisrecentes: na Kolams Galeria de Arte, Belo Horizonte; na Universidade do EspíritoSanto, em Vitória, ES; e no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Recife, PE.Durante todo esse período suas obras serão mostradas em inúmeras exposiçõesindividuais e coletivas em várias cidades brasileiras.

Prêmios de Consagração

            A década marcará a consagração definitiva do artista, com oreconhecimento amplo de sua importância fundamental para a consolidação damodernidade na arte brasileira; e também pelo caráter antecipador de sua obra,mesmo em relação à arte internacional. Esse reconhecimento e essa consagração semanifestam na atenção que lhe dispensam as instituições culturais, museus egalerias; pela unanimidade da crítica e historiadores da arte brasileira; pelointeresse crescente dos colecionadores, e pela admiração que o público tem por suaobra.

            Em 1995, Amilcar é destacado com o Prêmio Nacional, outorgado pelaFunarte – Fundação Nacional de Arte/Ministério da Cultura; e em 1997, recebe oPrimeiro Prêmio da edição inaugural do Prêmio Johnnie Walker de Artes Plásticas,destinado a premiar anualmente as maiores personalidades das artes do País.

            Com curadoria de Marconi Drummond e Nydia Negromonte, a exposição“Influência Poética”, apresentada no Palácio das Artes, Belo Horizonte e no PaçoImperial, Rio, em 1997, reuniu desenhos de artistas mineiros, paulistas e cariocas,mostrando a saudável influência exercida sobre eles por Amilcar e Mira Schendel,que também tiveram seus desenhos expostos.

Esculturas nas Praças

            Contando com recursos técnicos, equipamentos, materiais e pessoal aptoa realizar seus projetos, em oficinas especializadas, Amilcar pôde darmonumentalidade a seus projetos de escultura, dispondo-as para uma decisivainserção nos espaços público urbanos, onde se encontram como uma presençaalentadora.

            Em Belo Horizonte, o primeiro prédio a prever em seu projeto umaescultura de Amilcar é o da antiga Minas Caixa, na Avenida Raja Gabaglia. Outraobra de grande porte doada para a Sociedade Amigas da Cultura se encontra na PraçaAlaska. A IBM incorpora outra no passeio de sue prédio. Outra escultura é colocadano Aeroporto Internacional Tancredo Neves (Confins).

            Em 1987, concebe e executa a grande escultura, implantada na Praça, àentrada da Assembléia Legislativa de Minas Gerais. É também de sua autoria aescultura da entrada da Câmara de Vereadores de Belo Horizonte e Tribunal deJustiça.

            Uma escultura doada por Amilcar ao Museu da Pampulha integra hoje oexpressivo conjunto que tem obras de José Pedrosa, Alfredo Cescchiatti e a “MulherReclinada”, de Zamoyski, implantadas no jardim de Burle Marx, em volta do prédioconcebido por Niemeyer.

            Em São Paulo, uma obra de quatro metros encontra-se na Praça da Sé;outra na Pinacoteca do Estado e outra (pintada de vermelho, à revelia do escultor)na Fundação Armando Álvares Penteado. A galeria de Raquel Arnaud exibe à entrada,outra escultura do artista.

            Desde 1993, o Parque Ibirapuera de São Paulo conta com uma obramonumental de Amilcar, incorporada ao projeto “Jardim de Esculturas”, ao lado deesculturas de Franz Weismann, Siron Franco, Fajardo, Mário Cravo e Felícia Leirner.

            No centro do Rio de Janeiro encontra-se a versão monumental (trêsmetros de altura) de uma escultura criada em 1953, e que esteve na II Bienal de SãoPaulo. Dessa escultura, diz Amilcar, derivaram todas as que produzira no futuro.Também a Galeria Thomas Cohn, em Ipanema, exibe à entrada outra obra do artista.

            A maior escultura de Amilcar foi criada para a Açominas e se encontra àentrada da cidade mineira de Ouro Branco. Tem 23 metros de altura e pesa cerca deoitenta toneladas.

            Ainda em terras mineiras, numa praça do centro da cidade de Ipatinga,onde se encontra a usina siderúrgica da Usiminas, uma escultura de Amilcar foierigida como um Monumento ao Trabalhador, complementada por um poema de Maiakowskigravado em aço.

            No exterior, a escultura de Amilcar habita espaços muito especiais: emTóquio, no Jardim de Esculturas, ao lado de grandes artistas contemporâneos.

            No bairro de Hellesdorf, em Berlim, uma escultura de oito metros dediâmetro se acha instalada juntamente com obras de Krajcberg, Siron Franco e Migueldos Santos, integrando o projeto dos arquitetos brasileiros Marcelo Ferraz eFrancisco Fanucci, vencedor de um concurso para a reformulação e revitalização dobairro berlinense.

            Outras esculturas encontram-se em espaços públicos na Inglaterra,Venezuela e Itália.

2000: A arte anuncia um novo tempo

            Em 8 de junho de 2000, Amilcar de Castro completa 80 anos. A dataconsagra uma vida repleta de força, de criatividade e generosidade, traduzidas emarte e ação, que dignificam e iluminam um espaço da humanidade. Nessa longajornada, a substantiva obra artística de Amilcar ocupa espaço singular na culturade Minas e do País.

            Aos 80 anos, Amilcar está pleno de idéias e projetos.

            As comemorações já começam já em 1999, com uma exposição organizadapelo Centro de Arte Hélio Oiticica, no Rio. Reunindo grande número de obrasrecentes, algumas produzidas especialmente para o evento, a exposição ocupa, dedezembro de 1999 e março de 2000, o Centro de Arte, projetando-se para o exterior,até a Praça Tiradentes, onde são expostas as obras de grande porte.

            Outra exposição, na Kolams Galeria de Arte, ainda em 1999, mostra asnovas esculturas em madeira baraúna, e grandes pinturas, que exaltam a força e origor de sua criação. Também em Belo Horizonte, os 80 anos de Amilcar sãocomemorados pela Galeria Kalil & Lauar, com uma exposição de desenhos e esculturas.

            A TV Senac de São Paulo produz um programa especial comemorativo, noqual faz um amplo registro da obra de Amilcar, com depoimentos do artista ecríticos. O programa é transmitido em rede nacional.

            Ao final do ano 2000 será a vez de Brasília receber esculturas deAmilcar na exposição que inaugura o novo espaço do Centro Cultural Banco do Brasil.Essa é a primeira exposição consistente da escultura de Amilcar em Brasília, cidadecujo projeto nasceu no mesmo espaço e mesmo tempo em que se gestava a obra doartista mineiro. A vocação construtiva de Minas, que gerou essas duas obrassingulares – a escultura de Amilcar de Castro e a cidade de Juscelino Kubitscheck,explicita-se nesse encontro poético da forma da escultura, com o espaço urbano dacidade, como lembra o curador Ronaldo Brito: “não se pode esquecer que aqui setrata de Brasília, cuja paisagem urbana guarda ressonâncias inequívocas com asformas do artista. O homem fazendo poesia no espaço que ocupa”.

Ainda nesse ano, Amilcar participa como convidado, de várias exposiçõesimportantes, dentre as quais a “Mostra do Redescobrimento” (São Paulo e Rio), e“Bravas Gentes Brasileiras”, no Palácio das Artes de Belo Horizonte – comemorandoos 500 anos do descobrimento do Brasil.

            Mantendo em intensidade sua produção de escultura e desenho, largamenteabsorvida pelo mercado, Amilcar ainda encontra tempo para acompanhar a construçãode seu atelier em um condomínio na cidade de Nova Lima, próximo a Belo Horizonte.

            O projeto do arquiteto Allen Roscoe proporciona o perfeito acolhimentoda obra do artista e um ambiente estimulante para a sua atividade criativa. Com oamplo espaço externo para suas esculturas de grande porte, o atelier terá tambémtoda a infra-estrutura para atender às exigências de sua produção, incluindo umaoficina para a corte e dobra de esculturas em ferro. No mesmo corpo da construção,acha-se edificado o atelier da artista Tais Helt e sua oficina de litografia, quehá muitos anos vem produzindo as gravuras de Amilcar.

2001: No novo milênio, tempo de inventar

            A entrada no novo milênio fica marcada para Amilcar com a inauguraçãodo seu atelier. Uma grande festa, organizada pela Kolams, reúne artistas e amigos,colecionadores, galeristas, jornalistas. A admirável construção em ferro e vidro,plantada numa paisagem exuberante, abre-se com uma exposição de esculturas, dediversas épocas, as litogravuras e os desenhos. Uma ampla parede exibe o maisrecente trabalho: um desenho que se desenvolve ao longo de uma tela de 10 metros decomprimento. Esculturas e desenhos, antigos e recentes, animam os espaços. Fora, nojardim em torno da casa, e descendo a encosta, pontuam grandes esculturas queresumem décadas de trabalho do artista.

            Também os filhos, Pedro e Rodrigo, se acham presentes com suas obras,para as quais há também generoso espaço. Rodrigo mostra suas pinturas geométricas,e Pedro, um conjunto de mesas/esculturas. Cúmplices, ambos pactuam com o pai ocompromisso com a criação sustentada na poética construtiva.

            Amilcar continua trabalhando no Atelier da Rua Goiás e prepara-se paraexperimentar a xilograura. Vôos de liberdade, de perene juventude.

            Para elaborar este roteiro de vida e da obra de Amilcar de Castro,recorri com freqüência às matérias de jornais e revistas, nas quais encontro maiorespontaneidade e calor no registro da presença e atuação do artista. Reportagens,entrevistas, comentários feitos no calor dos acontecimentos, nos trazem de maneiraespontânea detalhes da vida, pensamentos, opiniões, provocações, que indicam umcomportamento vivo e generoso, do homem, do artista frente ao mundo e à vida.

            “Criar está junto com viver; arte e vida são a mesma coisa” – essaafirmação de Amilcar de Castro me provoca a leitura, em síntese, de sua vida, nacostura de aparições contingenciais de sua obra, registradas no correr de meioséculo:

- O desenho e a pequena escultura na sala de uma casa modesta, vitalizam opensamento, faz pulsar a memória no reencontro com “as coisas lindas”, pontuandocom delicadeza o convívio das pessoas;

- A grande escultura do “Jardim Neoconcreto”, no Parque Municipal, a participar danatureza com sua integridade e concisão – uma flor que se abre para a vida;

- A escultura calcinada, mas ainda íntegra e dignificada pela tragédia – apariçãosilenciosa, em meio aos escombros de Arte Moderna do Rio, arrasado pelo fogo;

- A escultura-monumento, que celebra o trabalhador na Praça de Ipatinga – cidadeoperária; e esta outra, na Praça da Assembléia, que encerra em si o desenho deMinas, consagra a democracia e celebra a liberdade.

            Simplicidade, harmonia, vigor, resistência, ética. A forma semdiscursos, ela em si, no mundo, para a vida. Poesia.

            O artista, o homem: Amilcar Augusto Pereira de Castro.