“A serviço de Deus, dos pobres e da pátria”: o Abrigo do Cristo Redentor (1936-45)

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“A serviço de Deus, dos pobres e da pátria”: o Abrigo do Cristo Redentor (1936-45) Mônica Cruz Caminha Fundação Oswaldo Cruz - Casa de Oswaldo Cruz Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Historias das Ciências e da Saúde [email protected] Esta comunicação pretende analisar a criação e o funcionamento do Abrigo do Cristo Redentor no âmbito da política assistencial na cidade do Rio de Janeiro, durante o Primeiro Governo Vargas, a partir dos relatórios oficiais desta instituição do ano de 1936 a 1945, buscando visualizar a sua peculiaridade e importância naquele contexto. Em 25 de dezembro de 1936 era inaugurado na cidade do Rio de Janeiro o Abrigo do Cristo Redentor - Obra de Assistência aos Mendigos e Menores Desamparados. Naquele dia, em procissão, a imagem de Nossa Senhora da Divina Providência seguia da Matriz de Bonsucesso ao altar da Capela do Abrigo, onde Bispo Dom Joaquim Mamede oficiou uma missa. D. Darcy Vargas, o Chefe de Polícia Major Filinto Müller, o Juiz de Menor Saboya Lima, o cardeal Dom Sebastião Leme, dentre outros compareceram a este evento, coroando os esforços desenvolvidos por Levi Miranda e todos os seus colaboradores para o estabelecimento daquele núcleo assistencial. O início deste movimento foi a saída de Levi Miranda da Bahia e sua chegada ao Rio de Janeiro em janeiro de 1935. O Presidente Getúlio Vargas solicitara a sua transferência do Banco do Brasil de Salvador para o Rio, após ouvir referências do Interventor Juracy Magalhães sobre a obra assistencial impulsionada por Levi naquela cidade, pois intencionava empreender projeto semelhante na Capital Federal (Pondé, 1977, p.68). Quando chegou ao Rio, Levi não tardou em estabelecer contatos com pessoas que pudessem unir forças para a viabilização de um trabalho assistencial que teria como público alvo os mendigos. Conseguiu apoio do Delegado de Polícia da Secção de Mendicância, Dr. Jayme Praça, do representante do Sindicato dos Lojistas, Sr. Átila Ramos Sobrinho, do Presidente da Sociedade de São Vicente de Paulo, General Armando Calazans, etc., que se reuniram no dia 25 de janeiro na residência de um alto funcionário do Banco do Brasil chamado Álvaro Henrique de Carvalho, para acertar as primeiras providências necessárias para a consecução daquele objetivo. Dentre as ações que precisariam ser alavancadas estava a aquisição de um terreno. Jaime Pondé em sua obra Levi Miranda: o apostolo da assistência social no Brasil informa que a doação do terreno do Morro do Frota para construção do Abrigo resultou de pedido feito pessoalmente por Levi ao Presidente Vargas, que à ele chegou através do Chefe da Casa Civil General Pantaleão Pessoa (Pondé, 1977, p.77). Era uma área de aproximadamente 200.000 m², que se estendia da Avenida dos Democráticos ao Rio Faria-Timbó (Pondé, 1977, p.85). O pedido foi aceito e sua concessão ocorrida em setembro de 1935, sendo sucedido pelo movimento de arrecadação de recursos coordenado pelos Vicentinos para viabilizar o início do trabalho de construção. Quando as obras do Morro do Frota estavam ainda em andamento e o Abrigo ainda não tinha sido inaugurado, Levi solicita ao Presidente Vargas outro terreno, o da Chácara Gassier, localizado na Rua Leopoldo Bulhões 1816, para a edificação do Instituto Profissional Getúlio Vargas. Este pedido, formalizado em 3 de janeiro de 1936, também foi atendido, mas suas obras ali começaram apenas em maio do ano subseqüente. Segundo o Presidente do Abrigo, Dr. Hélion Povoa, Um projeto da Câmara Federal sancionado pelo Presidente, doou em caráter perpétuo a área 600.000 ms2, composto pelo Morro

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“A serviço de Deus, dos pobres e da pátria”: o Abrigo do Cristo Redentor (1936-45)

Mônica Cruz Caminha

Fundação Oswaldo Cruz - Casa de Oswaldo Cruz

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Historias das Ciências e da Saúde

[email protected]

Esta comunicação pretende analisar a criação e o funcionamento do Abrigo do Cristo

Redentor no âmbito da política assistencial na cidade do Rio de Janeiro, durante o

Primeiro Governo Vargas, a partir dos relatórios oficiais desta instituição do ano de

1936 a 1945, buscando visualizar a sua peculiaridade e importância naquele contexto.

Em 25 de dezembro de 1936 era inaugurado na cidade do Rio de Janeiro o Abrigo do

Cristo Redentor - Obra de Assistência aos Mendigos e Menores Desamparados.

Naquele dia, em procissão, a imagem de Nossa Senhora da Divina Providência seguia

da Matriz de Bonsucesso ao altar da Capela do Abrigo, onde Bispo Dom Joaquim

Mamede oficiou uma missa. D. Darcy Vargas, o Chefe de Polícia Major Filinto Müller,

o Juiz de Menor Saboya Lima, o cardeal Dom Sebastião Leme, dentre outros

compareceram a este evento, coroando os esforços desenvolvidos por Levi Miranda e

todos os seus colaboradores para o estabelecimento daquele núcleo assistencial.

O início deste movimento foi a saída de Levi Miranda da Bahia e sua chegada ao Rio de

Janeiro em janeiro de 1935. O Presidente Getúlio Vargas solicitara a sua transferência

do Banco do Brasil de Salvador para o Rio, após ouvir referências do Interventor Juracy

Magalhães sobre a obra assistencial impulsionada por Levi naquela cidade, pois

intencionava empreender projeto semelhante na Capital Federal (Pondé, 1977, p.68).

Quando chegou ao Rio, Levi não tardou em estabelecer contatos com pessoas que

pudessem unir forças para a viabilização de um trabalho assistencial que teria como

público alvo os mendigos. Conseguiu apoio do Delegado de Polícia da Secção de

Mendicância, Dr. Jayme Praça, do representante do Sindicato dos Lojistas, Sr. Átila

Ramos Sobrinho, do Presidente da Sociedade de São Vicente de Paulo, General

Armando Calazans, etc., que se reuniram no dia 25 de janeiro na residência de um alto

funcionário do Banco do Brasil chamado Álvaro Henrique de Carvalho, para acertar as

primeiras providências necessárias para a consecução daquele objetivo. Dentre as ações

que precisariam ser alavancadas estava a aquisição de um terreno.

Jaime Pondé em sua obra Levi Miranda: o apostolo da assistência social no Brasil

informa que a doação do terreno do Morro do Frota para construção do Abrigo resultou

de pedido feito pessoalmente por Levi ao Presidente Vargas, que à ele chegou através

do Chefe da Casa Civil General Pantaleão Pessoa (Pondé, 1977, p.77). Era uma área de

aproximadamente 200.000 m², que se estendia da Avenida dos Democráticos ao Rio

Faria-Timbó (Pondé, 1977, p.85). O pedido foi aceito e sua concessão ocorrida em

setembro de 1935, sendo sucedido pelo movimento de arrecadação de recursos

coordenado pelos Vicentinos para viabilizar o início do trabalho de construção. Quando

as obras do Morro do Frota estavam ainda em andamento e o Abrigo ainda não tinha

sido inaugurado, Levi solicita ao Presidente Vargas outro terreno, o da Chácara Gassier,

localizado na Rua Leopoldo Bulhões 1816, para a edificação do Instituto Profissional

Getúlio Vargas. Este pedido, formalizado em 3 de janeiro de 1936, também foi

atendido, mas suas obras ali começaram apenas em maio do ano subseqüente. Segundo

o Presidente do Abrigo, Dr. Hélion Povoa, Um projeto da Câmara Federal sancionado

pelo Presidente, doou em caráter perpétuo a área 600.000 ms2, composto pelo Morro

do Frota e pala Chácara do Gossier, onde se localizam atualmente o Abrigo e o

Instituto Profissional (p.5, relat.1938). Desta forma, O Abrigo do Cristo Redentor -

Obra de Assistência aos Mendigos e Menores Desamparados ergueu-se na Zona Norte

do Rio de Janeiro, tendo no seu subtítulo expresso o objetivo do seu trabalho.

O Abrigo do Cristo Redentor - Obra de Assistência aos Mendigos e Menores

Desamparados surgiu como uma Sociedade Civil com a perspectiva da “assistência

ativa”, buscando a recuperação de mendigos e menores desvalidos através do trabalho.

Por isso, em suas dependências existiam oficinas nas quais os abrigados “válidos”

trabalhavam e, especificamente, aos menores era oferecido o ensino associado ao

aprendizado profissional.

Sobre esta perspectiva de assistência, o Presidente Dr. Hélion Póvoa1 informa que dos

750 abrigados na instituição no ano de 1938, 257 desenvolviam atividades diversas no

Abrigo, sendo todos remunerados, ainda que modestamente, vivendo e curando-se por

esse admirável remédio que é o trabalho (p.8, relat. 1938). Segundo ele, exceto aqueles

absolutamente incapacitados para o trabalho pela doença ou invalidez física, todos

realizavam ocupações, pequenos afazeres, obrigações mínimas ou então atividades

maiores, sempre sob a tutela médica e compensados pela remuneração (p.34, 35,

relat.1942). Por isso, declarava de forma incisiva: No Abrigo não há, pois mendigos: ou

são enfermos e estão no leito, ou são ex-mendigos e estão no trabalho! (p.8, relat.

1938).

Consta-se nos relatórios oficiais (1938-1945) a existência das seguintes oficinas no

Abrigo: Charutaria, Sapataria, Colchoaria, Costura, Vassouras, Renda, Saboaria,

Carpintaria, Estábulo, assim como Mecânica (esta última acrescentada no exercício

1939). Além destas oficinas, existiam as atividades desenvolvidas na lavoura, cozinha e

galinheiro. Segundo relatório de 1938, as atividades exercidas naquele núcleo

assistencial eram dividas entre a secção masculina e feminina. Os abrigados da secção

masculina cozinhavam, arrumavam e limpavam seus pavilhões, serviam a mesa,

trabalhavam na lavoura, no estábulo, no galinheiro, dentre outras atividades. Já as

mulheres ocupavam-se nas cozinhas da secção infantil e da administração, passavam a

ferro e lavam toda a roupa, costuravam, teciam renda de almofadas, limpam os seus

pavilhões, etc. (p.19, relat.1938). Em alguns relatórios oficiais da entidade existe a

especificação dos trabalhos remunerados realizados nas oficinas, apontando a existência

de empregados que auxiliavam os internos na realização destes serviços. Como se pode

ver na reprodução abaixo da descrição das atividades encontrada no relatório de 1938:

Atividades (ano 1938) Abrigados Empregados

Auxiliar da guarda 8 5

Auxiliar de enfermarias 5 5

Barbeiro e Cabeleireiro 3

Porteiros 4

Lavoura 43 2

Colchões 8

Pedreiro 3

Estábulo 6 2

Lavanderias 28

Carpinteiros 3

Charuteiros 9

1 Dr. Hélion de Menezes Póvoa foi Presidente e redator dos relatórios do Abrigo de 1936 até 1943, ano do seu falecimento.

Rosarios e Caix.2 6

Sapateiros 6

Vassouras 9 1

Limp. Pavilhões 38

Cozinhas 10

Ajd. Cozinha 5

Torrar e moer café 4

Refeitório e copa 19

Costuras 35

Renda 5

TOTAL 257 20

Sobre o reduzido número de empregados, Póvoa declara: Essas alturas de nossas cifras

de produção [nas oficinas] dizem bem da atividade de nossos abrigados, uma vez que

praticamente não temos empregados e funcionários mas simplesmente guias dos

recolhidos. No Abrigo trabalham 69 recolhidos com mais de 50 anos e 16 com mais de

68 anos de idade, idade em que cá fora legalmente já não se deve fazer nada... (p.35,

relat.1942)

Os membros da Diretoria desta Sociedade Civil não eram remunerados e precisavam

conciliar esta função com seus encargos profissionais, como aqueles que ocupavam

altos postos no Banco do Brasil (p.16, relat.1939; p.31,32, relat. 1940). Trabalhavam

para o funcionamento do Abrigo as Irmãs do Sagrado Coração de Jesus, coordenadas

pela Superiora Dominica e posteriormente pela Superiora Maria de São José, e os

Irmãos Frades da Ordem de São Francisco3, assim como alguns funcionários efetivos

(p.10, 11, relat.1938). No Instituto Profissional Getúlio Vargas, sob a direção técnica

geral do Dr. Rodolfo Fuchs, funcionário especializado do Ministério da Educação, o

ensino primário e os bons resultados alcançados advinha do trabalho realizado por

professoras municipais (p.20, 21, relat.1939).

Como unidade do Abrigo, o Instituto Profissional Getúlio Vargas era conduzido dentro

dos mesmos padrões assistenciais, no qual o ato de abrigar era associado ao trabalho, ao

ensino de uma profissão. No relatório de 1939, o Dr. Hélion Póvoa argumenta sobre

esta principio defendido pela entidade:

De fato, o critério doutrinário adotado em todas as dependências da Obra é o da

assistência ativa, lutando contra o terrível ócio dos desumanos depósitos coletivos (...).

[Quanto ao menor e sua alma], assisti-las assim profissionalmente, num ambiente de

vida sã, purificado e organizado pela disciplina religiosa, é mobilizar o futuro com

homens dignos, é multiplicar os lares, dar prosperidade aos campos e valor às

indústrias (...) (p.19,20, relat.1939).

No ano anterior, quando as obras do Instituto Profissional não tinham sido concluídas, o

Presidente Dr. Póvoa já dissertava sobre a importância desta forma de assistência e os

frutos que poderiam trazer ao país:

Não terminado, o Instituto Getulio Vargas já abriga, ou melhor já educa, o que é bem

diferente, 65 menores que recebem lá instrução, trabalham em serviços de horticultura,

alfaiataria, arte culinária (...). O Instituto Profissional Getulio Vargas vai ocupar sem

favor um posto excepcional no precário ensino técnico-profissional de nosso país.

2 “Caix.” pode se referir a “caixinha de fantasia” já que esta atividade aparece descrita como pertencente à secção masculina no parágrafo que antecede a tabela (p.19, relat.1938). 3 Os Frades Franciscanos de nacionalidade alemã foram afastados das atividades pedagógicas do Instituto Profissional Getúlio

Vargas em 1942 (p.15, 16, 17; relat.1942)

Dedicar-se-á a formação consciente operários técnicos, recebendo adolescentes de 12

a 18 anos, pondo assim a sua guarda um dos momentos mais perigosos e decisivos da

evolução humana de algumas centenas de desamparados, que viriam fatalmente

constituir fardos nefastos para o Estado, crescidos e aperfeiçoados na escola dos mil

delitos. (...) [o Instituto] não visa “recolher menores” mas “assistir menores”, deles

fazendo cidadãos dignos e operosos (p.7, relat.1938).

Neste Instituto Profissional os alunos podiam especializavam-se numa das suas

oficinas: Marcenaria, Alfaiataria, Datilografia, Enfermaria, Tecelagem, Construção

Civil, Sapataria, Barbearia, Mecânica, Padaria, Horta e Vimaria. O trabalho ali realizado

era remunerado. No relatório de 1942, o Presidente assim declarava: (...) o Instituto

gratifica aqueles que, aprendendo, já produzem (...) jamais explorando o trabalho de

quem quer que seja (p.23, relat.1942). Além do aprendizado realizado nas oficinas, o

ensino agrícola era algo obrigatório neste Instituto. No relatório de 1939, é justificada

esta obrigatoriedade do ensino agrícola como uma atitude benéfica para a nação

brasileira:

Fato da maior importância para a vida da nacionalidade, nos ensina a lição do

Instituto Profissional na sua fecunda existência de pouco mais de ano – dolorosa mas

verdadeira demonstração: em mais de 350 adolescentes já recolhidos, só 4 alunos se

dispuseram espontaneamente a enfrentar a vida do campo, desejando ingressar no

aprendizado agrícola. E na Avenida Rio Branco muitos brasileiros ilustres ainda

proclamam ser o Brasil um pais essencialmente agrícola... Ao meu ver isto exige

enérgico corretivo por parte do governo. Não traduz ausência de vocações naturais

pelos trabalhos do campo, mas sim vocações artificiais pelos ofícios que fazem a beleza

sedutora e repleta de miséria das cidades. Todos passam a querer ser mecânicos,

automobilistas, aviadores... quando não banqueiros, cientistas ou “gângster”...

conforme viram e se entusiasmaram, não na realidade da vida, mas na fantasia dos

filmes cinematográficos. Aplaudi e quero que todos aplaudam intimamente que é mais

sincero e expressivo que as clássicas salvas de palmas, a atitude profunda patriótica e

acertadamente pedagógica de Rodolfo Fuchs, impondo a todos institutandos

obrigações agrícolas não como castigo, mas como úteis deveres (...). (p.23, Relatório

1939).

Sobre este assunto, no relatório seguinte, o Presidente Dr. Póvoa ainda dissertava,

especificamente em relação ao número reduzido de escolhas das profissões agrícolas

pelos alunos:

O número ínfimo de escolha das profissões agrícolas levou-nos a usar expressões

enérgicas em nosso relatório de 1939 e pessoalmente afirmamos ao Senhor Presidente

da República, que as vocações naturais para os labores do campo estavam sendo

prejudicadas pelos pendores artificiais criados pelas seduções enganadoras das

profissões urbanas. Os graves sintomas da doença, pois que o Brasil terá que viver

sempre mais dos campos que das cidades, desafiaram dos dirigentes do Abrigo os

corretivos terapêuticos mais enérgicos. A seara dos bons resultados não tardou, [...].

Como nos sentimos confortados ao ler as seguintes palavras do orientador técnico do

Instituto: “todos os alunos colaboraram com prazer nas fainas agrícolas. Alguns há

que tanto interesse tomaram pelas mesmas, que já surgem, embora em número

pequeno, candidatos que desejam dedicar toda a sua atividade a agricultura”. Que este

número cresça sempre, denotando maior eficiência de nosso ensino técnico-profissional

e para maior beneficio do país! (p.19, 20, relat. 1940).

Os dirigentes da instituição possuíam o interesse declarado de realizar não apenas um

trabalho assistencial de recolhimento dos mendigos “válidos” e menores desamparados

das ruas da Capital Federal, mas de contribuir para a formação de mão de obra adequada

à realidade do país. Pode-se identificar este interesse em algumas declarações do

presidente do Abrigo, como esta existente no relatório de 1940: O objetivo [do Instituto]

é preparar, não técnicos de formação profissional requintada, mas artífices

conhecedores conscientes de suas profissões manuais, valores capazes de serem úteis

aos nossos serviços, com os escassos recursos de nosso aparelhamento e não

profissionais com prosápias exigindo absurdos salários, mais preferindo mandar do

que fazer. O Instituto é uma fábrica de operários técnicos para um Brasil real e não

para um Brasil imaginário (p.15 relat. 1940).

Devido a valorização da atividade e o ensino agrícola pelos membros da sua direção, o

Abrigo obtém do governo do Estado, representado na época pelo Interventor Amaral

Peixoto, a doação do Aprendizado de Sacra Família. Esta nova unidade do Abrigo

localizada no município de Vassouras foi integrada ao conjunto da Obra, após a

promulgação do decreto federal de 15 de novembro de 1940, com o propósito de formar

trabalhadores rurais (p.20, relat. 1940). Horticultura, pomicultura, suinocultura,

avicultura, gado leiteiro eram algumas das atividades que eram desenvolvidas naquela

unidade. Além disso, a escola alfabetizava os menores locais que para ali convergiam,

no regime de internato ou semi-internato. Segundo o Presidente do Abrigo, a série de

donativos agro-pecuários que os fazendeiros e colonos faziam espontaneamente ao

Aprendizado já era um indicativo do reconhecido benefício que este núcleo trazia (p. 37,

relat.1942).

Naquele mesmo ano, Levi Miranda mobiliza esforços para a construção da Escola de

Pesca Darcy Vargas na Ilha da Marambaia, onde seria oferecido o ensino primário

associado à instrução especializada da pesca de forma racional e moderna. Este

empreendimento viabilizaria também assistência às famílias dos pescadores, que ali

viviam em situação de miséria e eram enormemente atingidas pelo impaludismo4, com

os investimentos que seriam realizados em relação à venda do pescado ao entreposto e

sua industrialização (p.9, relat. 1939; p.24, 25, relat. 1940; p.16, relat. 1941).

Na Escola de Pesca Darcy Vargas foi estabelecido um centro de pesquisa, onde o Dr.

Humberto Cardoso, técnico do Instituto Oswaldo Cruz, realizou estudo científico do

produto e criou uma técnica apurada de extração do óleo de fígado de cação (p.22,

relat.1941). Além disso, o Sr. Alceu Rodrigues, um dos diretores da Empresa Brasileira

de Produtos de Pesca S/A, orientou e cooperou com o estabelecimento da fábrica de

conservas de peixe na Marambaia (p.20, 21, relat.1943). Desta forma, a produção

industrial do pescado apresentou bons resultados, com a utilização de mão de obra do

aluno aprendiz, assim como a produção de verduras e legumes, especificamente batata

doce, da padaria, fabricação de redes e venda de gelo do frigorífico (p.33,34, relat.1942;

p.19, relat.1943; p.19, 31 relat.1944; p.28, 29 relat.1945).

Em 19 de abril de 1943, nos campos da Fazenda Santa Cruz surge outra unidade do

Abrigo, denominada Escola Agro-Pecuária Presidente Vargas. Nesta localidade foram

levantadas as primeiras construções, colocadas as primeiras cabeças de gado, quando a

escola ainda nem existia. Segundo o provedor Levi Miranda, os Campos de Santa Cruz

4 Segundo o Dr. Hélion Póvoa, Graças ao esforço do Dr. Hildebrando de Góes foi feito o saneamento e praticamente dominado o

impaludismo [na Ilha] (p.23,24 relat. 1940, p.18, relat. de 1941, p.18).

era uma abundante fonte de carne, cereais, leite e legumes, assim como lenha, para

todos os setores do Abrigo (p.18, relat.1943; p.23,24, relat.1944). Devido a não

resolução de forma satisfatória do problema de abastecimento de água potável, a escola

que seria instalada naquele departamento, com a finalidade de encaminhar grande

número de adolescentes para as atividades rurais, não havia sido inaugurada até o ano

de 1945 (p.23, 24, relat.1945).

Dois anos depois, em 24 de dezembro de 1945, era inaugurado o Instituto Natalina

Janot (p.27, relat.1944; p.8, p.22 relat.1945), a fim de resolver o problema da

superlotação da “Creche” existente no Abrigo com as suas inapropriadas instalações

(p.12, relat. 1943). Com a doação da chácara no Jacaré pelo Sr. Arlindo Caldeira Janot e

a realização das obras de adaptação, foi possível transferir mais de 100 menores entre 7

e 12 anos para esta unidade onde seria ministrado o ensino primário associado a

iniciação ao trabalho. Segundo Levi Miranda, a principal função deste Instituto era

servir de escola prática para a formação de educadoras que teriam que lidar futuramente

com as crianças internadas nas diversas escolas daquele complexo assistencial (p.22, 23,

relat.1945).

Verifica-se que, em curto espaço de tempo, o Abrigo do Cristo Redentor cresceu de

forma vertiginosa. De 1936 a 1945 esta instituição já era composta pelos seguintes

departamentos: o Abrigo, o Instituto Profissional Getúlio Vargas, o Aprendizado Sacra

Família, a Escola Técnica Darcy Vargas, a Escola Agro-pecuária Presidente Vargas e o

Instituto Natalina Janot. Além de ter assinado convênio no qual assumia a direção do

Patronato de São Gonçalo e da Escola João Luiz Alves5. No relatório de 1940, o Dr.

Hélion Póvoa declarava: Não conheço na evolução da assistência social nenhuma

organização no Brasil que tenha tido a evolução espantosa do Abrigo do Cristo

Redentor. Extraordinário crescimento em superfície e em volume (p.11, relat.1940). O

crescimento em superfície caracterizava-se pela expansão territorial, que da Zona Norte

do Rio de Janeiro alcançava a Ilha de Marambaia, Santa Cruz e Vassouras. O

crescimento em volume refletia a expansão do patrimônio, da assistência espiritual, da

produção nas oficinas e principalmente o aumento do número de recolhidos.

Na tabela abaixo é apresentado o movimento de entrada, saída e o total de abrigados

recebidos especificamente no Abrigo do Cristo Redentor, localizado na Av.

Democráticos:

Movimento de Abrigados do Abrigo do Cristo Redentor (1938-1945)

Ano

Entrada (homens – brasileiros e

estrangeiros; mulheres e menores)

Saída (Restabelecidos, sem

consentimento, falecidos,

hospitalizados, Removido para IPGV, Removido para

diversos lugares).

Total

1938 1.385 715 670

5 No ano 1943 um convênio transfere ao Abrigo as responsabilidades integrais da administração do Patronato de Menores de São Gonçalo, oferecendo-o em contrapartida as subvenções concedidas àquele educandário pelos poderes públicos (p.15, relat.1943). No

relatório de 1944, consta informação que existia naquele momento 111 alunos matriculados naquela unidade, envolvidos nas seções

de Agro-Pecuária, Carpintaria e Padaria, Coleta de papeis e Fabricação de ladrilhos (p.21, relat. p.20). Existe registro da transferência, pelo decreto lei n°7.137, 7 de dezembro de 1944, da direção da Escola João Luiz Alves, localizada na Ilha do

Governador, que era dirigida pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores para o Abrigo (p.7, 29, relat. 1944; p. 17, 21, 22, relat.

1945), assim como da transferência no ano de 1945 de 116 menores do Preservatório Protogenes Guimarães do Estado do Rio de Janeiro, para a Fundação, devido ao interesse do Interventor Amaral Peixoto e D. Alzira Vargas do Amaral Peixoto (p.29, relat.

1944; p.17,18 relat.1945).

1939 1.718 828 890

1940 2.546 1.402 1.144

1941 3.588 2.365 1.223

1942 1.364*

1943 2.828 1325 1.503

1944 2.609 2.703

(n° informado, mas não bate

na soma)

1.409

1945 2.406 2469

(n° informado, mas não bate na soma)

1.340

* Informação obtida através do relatório 1943. O relatório 1942 não discrimina número de entrada e saída de abrigados.

É observado que o número de abrigados é crescente, sem considerar os internos dos

demais departamentos, pois aquela instituição cristã não limitava a entrada de nenhuma

pessoa que pedisse ajuda nos “braços do Cristo”.

Neste momento, é válido destacar que no ano de 1940 ocorrem duas alterações de

relevo na estrutura da instituição: a federalização e a modificação da sua razão social.

No relatório daquele ano, o Presidente declarava: A primeira [alteração] foi o reflexo de

uma nova e benemérita conduta social do Brasil: o interesse nacional acima dos

particularismos estaduais, os Estados todos unidos – triunfo salutar dos postulados

federativos. Também se federalizou o Abrigo, transformando-se em órgão nacional de

assistência. E a marcha vai se processando para Oeste e para todos os quadrantes.

Baía, Recife, Niterói, são elos já de uma vitoriosa cadeia que, como contas de um

rosário, se estenderá pelo território nacional semeando bênçãos consolando e

amparando necessitados e sofredores (p.13, relat. 1940). A outra alteração foi no nome

da organização, que teve o seu subtítulo Obra de Assistência aos Mendigos e Menores

Desamparados suprimido. A antiga denominação tornara-se imprecisa e insuficiente, já

que o Abrigo estendia o seu campo de atuação para além destes dois grupos. Além

destas duas alterações, em 19 de agosto de 1943, através do decreto-lei 5.760, a natureza

jurídica da instituição foi alterada de Sociedade Civil para Fundação de direito público.

Segundo o provedor Levi Miranda, Tal transformação foi sugerida e patrocinada pelo

Exmo. Presidente da República, que desejou dar ao “Abrigo” características de

perpetuidade e maior estabilidade. Acrescenta que, através do mencionado decreto-lei,

o Governo doou em caráter definitivo terrenos ao Abrigo avaliado em mais de Cr$

20.000.000,00 e uma subvenção anual de Cr$ 2.000.000,00 para a manutenção do

Abrigo (p.9, p.10, relat.1943).

É necessário considerar estas mudanças dentro do contexto da época, no âmbito da

reforma administrativa realizada pelo governo Vargas, que visava à constituição de um

aparato governamental de alcance nacional através da atuação de um Estado forte e

centralizado. Neste momento é criado o Ministério do Trabalho Indústria e Comércio

(MTIC) e o Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp). O primeiro veiculava uma

política social que não alcançava a vasta população urbana e rural, que se encontrava à

margem do trabalho formalizado, e iria compor a clientela das políticas sociais de saúde

(assistência) implementadas pelo Mesp (Fonseca, 2007). Segundo Hochman, o Estado

Varguista procurou ampliar suas ações assistenciais, que tinham como público-alvo os

pobres indigentes, a criança e os idosos, através do Mesp (Hochman, 2001; 2005). O

estabelecimento do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), em 1938, aponta este

interesse do Governo em investir em obras filantrópicas.

O CNSS era um órgão vinculado ao Mesp e foi a primeira entidade voltada à assistência

social presente na burocracia do Estado brasileiro. Este Conselho avaliava os pedidos de

subvenções ordinárias e extraordinárias, encaminhando-os ao Ministério da Educação e

Saúde para aprovação e remessa ao presidente da República para designação da quantia

que seria liberada (Mestriner, 2005 p.37). Segundo Mestriner, o CNSS representava a

política de incentivo à assistência estabelecida no Governo Vargas, que se constituída

pelo apoio ao setor privado de organizações sociais através da concessão de subvenções.

Segundo esta autora, esta aliança interessará ao Estado, pois as organizações sociais –

marcadas ou pelo trabalho das congregações religiosas ou pelas associações de auxílio

e defesa mútua das etnias e das corporações – possuíam trabalhos dedicados a órfãos e

crianças carentes, filhos de operários, ou ensino e alfabetização das classes populares

(Mestriner, 2005, p.78). Sendo assim, o Abrigo surgia como instituição alvo da política

de apoio do governo Varguista e a presença de Raphael Levi Miranda como conselheiro

do CNSS por 24 anos não é algo que possa ser desconsiderado.

É relevante observar o movimento financeiro do Abrigo e as suas diferentes fontes de

renda entre os anos de 1938-19456:

Fontes de renda

Relatório 1938

(maio de 1937/abril de 1938)

1939

1940 1941 1942 1943 1944 1945

Contribuições Mensais

332:502$000 534:907$900 577:449$500 (Do público e do

comércio)

513:016$00 555.471,50 568.138,60 651.241,20 682.459,00

Donativos

41:231$100 1.020:726$300 1.358:641$860

70:495$500

790.675,30

529.010,70

586.823,10

2.616.298,50

Campanha Financeira

81:279$400 701:141$300 976.416,20 273.835,30 1.164.600,00

60.000,00

Rendas Diversas

4:372$400 10:853$400 13:317$800 19:252$500 293.930,40 496.372,40 (soma de todas as

unidades)

3.029.877,40

Subvenção Federal à

obra (Abrigo)

300:000$000 500:000$000 (Ministério da Educação e

Saúde)

500:000$000 (Ministério da Educação e

Saúde)

600.000,00 1.000.000,00 e

700.000,00 (Ministério da Educação e

Saúde)

2.000.000,00 e

800.000,00 (Ministério da Educação e

Saúde)

2.000.000,00 (Ministério da

Educação), 1.000.000,00

(Patronato – Ministério da Educação);

20.000,00 (Ministério da

Educação); 4.000.000,00 (Auxilio extra)

Subvenção Federal:

Ministério da Justiça ao

IPGV

182:600$00 202:597$200 (contrato)

202:800$000 (contrato)

202.800,00 (contrato)

e 100.000,00 (Indenização)

217.175,70 (contrato)

231.790,00 (contrato)

249.600,00 (contrato)

Subvenção Federal à Escola de

Pesca (Ministério

da Agricultura a

partir relatório 1940)

500:000$000 1.000:000$000 499:500$00 (Ministério da Agricultura),

2.158:337$600

(Ministério da Educação e

Saúde, auxílio das obras),

50:000$00 (Ministério da Educação e Saúde, para instalação da

1.200.000,00

2.000.000,00

6 Esta tabela foi construída priorizando os dados que foram apresentados de forma constate em quase todos os relatórios, destacando

as doações, campanhas e subvenções.

maternidade na Escola)

Subvenção Federal

(Patronato)

20.000,00

Subvenção Municipal

20:000$00 10:000$000 20:000$00 30:000$00 20.000,00 160.000,00 100.000,00

Secret.J.E. Rio

103.140,00 (Aprendizado)

(contrato)

Subvenção Estadual

46.000,00 4.000,00 250.000,00 (auxílio extra), 60.000,00 (Patronato)

e 24.000,00

(Aprendizado Agrícola)

100.000,00 (Patronato)

Prefeitura Niterói

(Patronato)

12.000,00 12.000,00

Prefeitura S.Gonçalo (Patronato

8.000,00 8.000,00

Coleta de Papéis

117:791$700 235:319$700 169:770$350 87.759,10 83.308,60 343.597,00

Caixa de Esmolas7

16:023$800 44:767$500 92.665,30 121.663,60 126.602,30 257.863,50

Legados 602:591$800 2.048,00 53.924,10 36.012,10 65.364,20

Déficit 162:679$120 535:300$850 2.738.537,7

0 Cr$

10.341.129,30

Observa-se que embora nos primeiros anos de existência a maior fonte de renda do

Abrigo tenha sido doações e campanhas financeiras, nos anos subseqüentes o Governo

contribui de forma maciça com a concessão de subvenções para viabilizar as

construções e para a manutenção de alguns setores da instituição.

Embora não se constate a existência de verbas advindas do Ministério da Saúde, a

Diretoria do Abrigo atribuída grande importância ao setor de saúde. O Dr. Hélion Póvoa

explica o motivo do papel de destaque do médico e de sua atuação naquela instituição:

Desde a primeira hora, foi compreendido o alcance que no Abrigo atingiria a

assistência médica. Primeiro, porque a população mendiga é quase 100% integrada

por enfermos de toda espécie; segundo, porque aos médicos, além de suas obrigações

clínicas, cumpre a elevada tarefa de traçar as normas da recuperação dos abrigados

ainda recuperáveis pela redenção físico-espiritual a custa da heróica e milagrosa

medicação ocupacional; aos filhos de Esculápio, toca ainda sanear a pequenada dos

nossos institutos que nos vem em lastimáveis condições, pondo-as em forma saudável

para a divina benção de uma profissão (...). Com uma população em alta escala

enferma e em avançada idade, sobretudo no departamento de ex-mendigos, foi uma

decisão dos maiores encômios a presença noite e dia (...) de um médico (...) (p.39,

relat.1942).

(...) os nossos pavilhões foram naturalmente se transformando em enfermarias e as

obrigações médicas a crescerem dia por dia. Impôs-se então a construção de um

Pavilhão Hospital, e lá está ele recentemente inaugurado, com capacidade para 200

leitos, em dois pavimentos, com sala de operações, esterilizações, laboratórios de

7 Caixa de Esmolas foram instaladas inicialmente no Correio da Manhã e no Banco do Brasil, sendo distribuídas em diversos locais

81 caixas naquele mesmo ano (p.36,37, relat. 1940).

analises (...). A reforma se baseou no aparelhamento mais perfeito do corpo médico,

(...) multiplicação de especialidades (...). A direção geral foi entregue ao Dr. João

Tavares Gomes (...) (p.23, relat. 1941) 8.

Por isso, a partir de 1942, ocorre a centralização técnica do serviço médico com a

extensão assistencial aos diversos órgãos daquela instituição. Naquele ano, o

Departamento de Saúde do Abrigo foi criado com a seguinte organização:

a) Hospital Central, com: Serviço de Triagem; Serviço de Cirurgia, Ginecologia e Vias

Urinárias; Serviço de Clínica Médica para homens e outro para mulheres; Serviço de

Pediatria e Puericultura; Serviço de Isolamento de Doenças Infecto-Contagiosas;

Serviço de Dermatologia; Ambulatório de Otorrinolaringologia e Oftalmologia;

Ambulatório de Psiquiatria (os casos de internação removidos para a Colônia de

Psicopatas); Ambulatório de Clínica Homeopática; Laboratório; Farmácia; Gabinete

Odontológico;

b) Serviço Médico da Escola Técnica Darcy Vargas, subordinado a direção do

Hospital Central, constituído de um Hospital–Maternidade, com 2 enfermarias para

homens, 1 para mulheres, 1 para parturientes e 2 para alunos;

c) Serviço Médico do Aprendizado Agrícola Sacra Família, subordinado a direção

do Hospital Central, sob a responsabilidade de 1 médico, residente em Vassouras, e 1

dentista que atende semanalmente;

d) Serviço Médico do “Instituto”, funcionando independente9.

Nos relatórios do Abrigo constam cifras referentes aos serviços dispensados pelo

Departamento Médico, incluindo número de consultas, receitas, curativos, injeções,

exames, cirurgias, etc., juntamente com os números do movimento religioso, como as

missas, comunhões, confissões, etc.. Sendo uma entidade de víeis católico, a cura do

corpo encontrava-se associada a cura da alma. Levi Miranda expressa o objetivo

religioso no amparo oferecido por aquela instituição: Entretanto nada conseguirá

entibiar o animo do “Abrigo”, que avançará resolutamente no setor de amparo ao

menor porque vê nele um imenso serviço a prestar ao Brasil e, ao mesmo tempo, um

excelente meio para levar almas ao encontro do Cristo (p.17, relat.1943). Segundo

Levi, É a Fundação Abrigo do Cristo Redentor uma obra essencialmente religiosa,

visando através de todos os aspectos materiais e espirituais da assistência que presta,

desde a criança até o velho, ligar ou religar a criatura ao Criador. Processando, como

única e verdadeira, a fé católica, não recusa seu amparo aos que tiverem crença

diferente (...) (p.14, relat.1945)

A concepção religiosa de Levi Miranda explica a defesa da doutrina econômica

subversiva de “não ter, para ter mais”. O Presidente Hélion Póvoa mostra que esta

política foi assumida desde o início nos trabalhos da instituição: (...) em reunir recursos

para pagar as despesas criadas pela necessidade de assistência aos desvalidos, e não

8 Os Serviços Médicos contavam com as seguintes subdivisões: Quarentena para os homens recém entrados; Serviço de Doenças

Infecto-contagiosas; Serviço de Clínica Médica para homens e outro para mulheres; Serviço de Cirurgia e Vias Urinárias para

homens; Serviço de Cirurgia para mulheres; Sala de Esterilização e Sala de Operação; Serviço de Clínica Dermatosifiligráfica para homens e outro para mulheres; Ambulatório de Clínica Otorrinolaringológica; Ambulatório de Clínica Oftalmológica; Ambulatório

de Clínica Homeopática; Serviço de Clínica Pediátrica; Laboratório de Pesquisas Clínicas; e enfermarias para internação de alunos

que necessitem de tratamento especializado (p.24, 25, relat. 1941). 9 Existe informação que 80% da população do Abrigo eram portadores de doenças crônicas, que eram catalogados de acordo com a

possibilidade ou não de locomoção. Devido a necessidade de alguns dentre esses doentes necessitar de assistência médico-social

mais cuidadosa, eram reunidos em um mesmo pavilhão para facilitar a assistência (p.48, relat. 1942). Além disso, consta a inauguração do serviço de tisiologia do Abrigo, onde foi construído amplo pavilhão para os portadores do bacilo de Koch. (p.41,

42,43, relat. de 1942; p.10, 11, 12 relat.1945).

em pautar as despesas de acordo com a cifra de recursos já angariados. (...). Esta

política, bem o sabemos, é a subversão dos princípios clássicos da economia e

administração (...) (p.29, relat.1940).

Verifica-se que, no decorrer dos anos, os déficits do Abrigo serão correspondentes ao

seu crescimento em superfície e volume. No relatório de 1943 é relatada as dificuldades

financeiras da instituição relacionadas à sua política financeira: Não fossem as

concepções financeiras do nosso Provedor diametralmente diferente de todo mundo, e

certamente deveríamos classificar a situação financeira do “Abrigo” como realmente

alarmante. (...). No entanto, a visão religiosa justificava esta atitude: Como, porém, não

existem acionistas aos quais reembolsar os seus dividendos no fim do exercício, não

deixamos de olhar tranquilamente para o ano vindouro, pedindo a Deus que torne

possível aumentarmos ainda mais o nosso déficit, que vem afinal de constas constituir

um imenso capital posto a juros na eternidade a favor de todos aqueles que contribuem

com o seu óbulo para a manutenção dessa incomparável obra de assistência social.

(...). Tudo isso, devidamente ponderado prova que, apesar do déficit verificado, o ano

de que se encerra, foi economicamente favorável e muito produtivo (p.23, 24;

relat.1943).

Como não havia restrição para a entrada de abrigados nas diversas unidades do Abrigo,

gerando o inevitável crescimento das despesas, o aumento constante da receita se

tornava algo a cada dia primordial para o andamento daquela instituição. O Presidente

Hélion Póvoa já declarava no relatório de 1942: O ritmo de crescimento da receita,

embora grandemente satisfatório, é sensivelmente inferior ao desenvolvimento da

despesa. (...). (...) no caso do Abrigo do Cristo Redentor, cujo objetivo de assistência

social é irrestrito, porque incalculável e crescente é o número dos que carecem de seu

amparo, não se pode nem se deve cogitar de reduzir despesas, mas sim de procurar a

solução das dificuldades financeiras no outro processo – o do aumento das receitas

(p.35, 36 e 37; relat. 1941).

O problema do abastecimento da Instituição, diante da vertiginosa ascensão do custo

de vida, está dia a dia mais se agravando (...) era outra questão a ser considerado pela

Diretoria do Abrigo (p.10, relat. 1941). No ano de 1945, o provedor Levi Miranda chega

a admitir a enorme dificuldade de manter a eficiência nos vários serviços da instituição,

assim como da gravíssima responsabilidade de alimentação da grande massa humana.

Segundo ele, Só restava, pois, um caminho: despender tudo que fosse preciso e

entregar o fechamento do balanço receita e da despesa a Cristo que não podia deixar

sofrer privações aqueles, que confiantes, se acolheram á sombra de seu Abrigo (p.7, 8,

relat.1945).

É possível também vislumbrar através dos relatórios oficiais do Abrigo a dificuldade de

se administrar de forma centralizada e coordenada esta obra de tão grande extensão.

Embora o Presidente Dr. Hélion Póvoa e o provedor Levi Miranda mantivessem um

discurso religioso otimista diante das dificuldades, não se pode desconsiderar a

complexidade dos serviços e demandas deste complexo assistencial. Este aspecto pode

ser identificado através das palavras do próprio Presidente: A obra se avantajou. Pontos

de ação longínquos uns dos outros. Tarefas heterogêneas. Despesas e rendas desiguais.

(...) A unificação de métodos de trabalhos, quer administrativos, como formativos ou

educacionais, constituiu desde cedo um imperativo a ser atendido (...) (p.11, 12, 13,

relat. 1942).

Apesar destas dificuldades, o Abrigo continuava crescendo e recebendo apoio tanto do

Estado, como da Sociedade. Para os seus Dirigentes àquela instituição era um recanto

da terra onde a prática do bem não distingue a nacionalidade dos infelizes, suas seitas

ou religiões, e que a entrada, cujas portas jamais se fecham, um símbolo sagrado de

braços abertos oferece em bem da Humanidade, a lição edificante do seu sacrifício

(p.41, relat.1941). O Abrigo além de exercer sua missão de resgatar almas, religando os

homens ao seu criador, buscava cumprir um serviço à pátria. Não é a toa que esta

entidade recebia um significativo apoio do Estado. Dentro desta perspectiva, o Abrigo

prosseguia o seu trabalho cristão, promovendo uma política assistencial condizente com

o projeto Varguista de impulsionar o desenvolvimento de uma nação próspera e

benfazeja. A declaração do seu presidente Dr. Hélion Póvoa resume de forma singular

esta convergência de interesses:

Ai estão a siderurgia, a caça ao petróleo, o imenso parque aeronáutico. Estamos nos

procurando e na verdade estamos achando. Um Brasil próprio, natural, em

substituição a um Brasil de empréstimo, artificial. (...). O Abrigo (...) tem também por

finalidade cooperar com todas as energias com o poder constituído da nação, ao qual

toca o grave dever de engrandecer o país e fazer feliz o povo. Com a colaboração da

polícia demos solução, se não completa, pelo menos relativa ao problema da

mendicância entre nós, que durante um século zombou das medidas repressivas ou

profiláticas. Fazendo mais do que recolher mendigos o que seria tosca assistência,

além de os recolher curamo-los corporal e espiritualmente, a muitos deles

possibilitando completa redenção, de trapos vexatórios das ruas reconquistando em

seguida a nobre condição de valores humanos úteis ao convívio social. Centenas de

adolescentes encaminhados em sadios rumos instrutivos e educativos, o Abrigo torceu

sem dúvida muitos maus destinos, permutando por prováveis probos operários,

senhores de ofícios manuais valiosos (...). Servindo a Deus, vai assim o Abrigo também

sendo útil ao Brasil (...) (p.39, 40, 41, relat.1940)

Através deste breve texto buscou-se apresentar como o Abrigo do Cristo Redentor

surgiu e funcionou nos seus primeiros anos de existência, destacando a sua importância

e especificidade durante o Primeiro Governo Vargas (1936-1945). Como foi descrito, o

Abrigo do Cristo Redentor era uma instituição de “assistência ativa”, que visava o

amparo e à recuperação dos seus internos através do trabalho. Nos seus vários

departamentos, o ensino e o trabalho estavam associados, visando à formação de mão de

obra adequada a realidade do país. Não é a toa que se constata um apoio progressivo do

Governo a esta obra, através da doação de terrenos e concessão de subvenções anuais,

assim contribuindo de forma significativa para o seu crescimento em superfície e

volume. Constata-se também que, sendo uma instituição de diretriz católica, a

assistência espiritual era também uma prioridade, influindo tanto no formato da sua

política econômica como na sua visão de amparo irrestrito a todos aqueles que

buscassem apoio nos “braços do Cristo”. Desta forma, o Abrigo do Cristo Redentor

seguia cumprindo não apenas um serviço aos pobres e a pátria, mas a Deus.

BIBLIOGRAFIA:

HOCHMAN, G. Reformas, instituições e políticas de saúde no Brasil (1930-1945).

Curitiba: Editora UFPR, n. 25, p. 127-141, 2005.

HOCHMAN, Gilberto; FONSECA, Cristina M.O. Repensando o Estado Novo: O que

há de novo? – Políticas de Saúde Pública e Previdência, 1937-45. Rio de Janeiro: FGV,

1999.

HOCHMAN, Gilberto. A saúde pública em tempos de Capanema: continuidade e

inovações. In: BOMENY, Helena (org.). Constelação Capanema: intelectuais e

políticas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2001, p. 127-151.

MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a assistência social. São

Paulo, Cortez, 2005.

PONDÉ, Jayme. Levy Miranda: Apóstolo da Assistência Social no Brasil. Rio de

Janeiro, Fundação Abrigo do Cristo Redentor, 1977.

Fontes:

Relatórios do Abrigo do Cristo Redentor de 1938-1945.