A oposição à Ditadura Militar e Estado Novo na Região Duriense (1926-1949)

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Geraldo Coelho Dias

ATAS das 1as

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CONFERÊNCIAS MUSEU DE LAMEGO / CITCEM - 2013HISTÓRIA E PATRIMÓNIO NO/DO DOURO: INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

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Resumo:Reflexão sobre a Oposição desenvolvida na Região

Duriense, entre o 28 de Maio de 1926 e a candidatura presidencial de Norton de Matos, em 1949. Procu-raremos compreender em que medida a defesa dos interesses regionais conduziu a uma aparente cola-boração com o novo regime. Examinaremos a evo-lução política regional, centrando-nos no confronto entre Situacionistas e Oposicionistas, desde a revolta reviralhista de Fevereiro de 1927, até à tentativa de regresso ao regime constitucional através de uma «via pacífica», concretizada na adesão, em 1931, à Aliança Republicana Socialista. Abordaremos a campanha da candidatura de Norton de Matos à presidência da República, como uma nova tentativa de transição de regime através da via eleitoral.

Palavras-chave: Ditadura Militar; Estado Novo; Oposição política; Elites

Abstract: Reflection on the Opposition developed in the Douro Region between the 28th May 1926 and the presiden-tial candidacy of Norton de Matos, in 1949. We will seek to understand to what extent the defense of re-gional interests led to an apparent collaboration with the new regime. We will also examine the evolution of regional policy, focusing on the confrontation be-tween the Situationists and Oppositionists since the «reviralhista» insurgency of February 1927, until the attempt of a ‘peaceful’ return to the constitutional re-gime through the 1931 association with the Socialist Republican Alliance. Finally, we will discuss the pre-sidential campaign of Norton de Matos as a new at-tempt of regime transition through an electoral route.

Keywords: Military Dictatorship; «Estado Novo»; Political opposition; Elites

A oposição à Ditadura Militar e Estado Novo na Região Duriense

(1926-1949)

texto: Carla Sequeira - Investigadora do CITCEM. Bolseira de Pós-Doutoramento da FCT

([email protected])

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1. O golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 trouxe mudanças à realidade política da Região Duriense. Assistir-se-ia, a partir de

então, a uma crescente clarificação política entre Si-tuacionistas e Opositores. Pelo decreto nº 11.875, de 13 de Julho desse ano, foram dissolvidos todos os cor-pos administrativos. Republicanos históricos, como Antão de Carvalho, Carlos Richter ou Macedo Pinto, abandonaram os cargos políticos. A Câmara da Régua, onde Antão de Carvalho era vereador190, foi demitida e substituída por uma comissão administrativa, que integrava personalidades como Gaspar Henriques da Silva Monteiro191 e António Pereira do Espírito Santo (como substituto)192, ambos pertencentes à primeira comissão republicana reguense, em 1895.

2. Ainda em 1926, teriam lugar algumas acções conspiratórias contra a Ditadura Militar. Contudo, a primeira manifesta-

ção organizada teria lugar em Fevereiro de 1927, com o apoio político dos Partidos Radical, Democrático, Esquerda Democrática, Acção Republicana e Seara Nova193. Inaugurava-se, assim, a primeira fase de re-sistência à Ditadura Militar, conhecida pelo Reviralho, devido às suas características revolucionárias de luta armada, marcado por uma forte participação dos mi-litares, e que predominaria até meados da década de 1930. Para Luís Farinha, o Reviralho «constituiu-se como a mais importante frente de combate à Ditadu-ra»194, empreendida por sectores democráticos e libe-rais que, tendo apoiado a Ditadura numa fase inicial, deixam de se reconhecer nela e passam a combatê-la.

A Revolta eclodiu no Porto, a 3 de Fevereiro, e previa-se uma acção simultânea em vários pontos do país. A participação regional duriense fez-se sentir de diversas formas. Em primeiro lugar, na fase da prepa-ração, através da colaboração de Pina de Morais, que conseguiu angariar a adesão das unidades militares de

190 A comissão executiva era constituída por João da Silva Bonifácio (presidente), António Cardoso da Fonseca Mirandela, Artur Gonçalves Martinho e Manuel Pinto de Magalhães.

191 Cf. Autoridades administrativas. «O Povo do Norte», 1 Agosto 1926, p. 2. Gaspar Monteiro era também, à data, presidente da Associação Co-mercial de Peso da Régua e da Direcção do Sindicato Agrícola da Régua.

192 Viria a ser presidente da comissão administrativa da Régua em 1934.

193 FARINHA, 1998: 47.

194 FARINHA, 1998: 15.

Vila Real (Infantaria 13 e GNR)195. Durante os aconte-cimentos, registaram-se confrontos na Régua, entre o destacamento de Lopes Mateus (governamental), que vinha de Viseu, e uma força de Infantaria 13, de Vila Real (a caminho do Porto), comandada pelo major Fernandes Varão, na tentativa de impedir que aque-le atravessasse o rio Douro pela ponte da Régua. De acordo com a imprensa local, viveu-se um cenário de guerra civil e temia-se pelo destino do Douro, uma vez que se acreditava que a Ditadura viria mudar a sorte regional e agora «todo um programa em seu benefício pode cair por terra»196. Em Lamego, onde se verifica-ra a adesão do regimento de Infantaria 10197, alguns elementos civis procuraram apoderar-se da adminis-tração do concelho mas foram repelidos pelas autori-dades. Além dos factos referidos, registaram-se ainda intentonas em Alijó e Valpaços198.

Os principais líderes durienses assumiram uma postura de não comprometimento com a Revolta. Na sequência do 28 de Maio, Antão de Carvalho de-cidira demitir-se também do cargo de presidente da CVRD. As suas motivações eram não apenas políticas mas também económicas, uma vez que o Alto Douro atravessava uma grave crise de escoamento e as culpas eram assacadas a este organismo. Tornava-se patente a necessidade de novas formas de intervenção. Agre-gados em redor da defesa dos interesses ligados ao sector vitícola, os notáveis regionais fariam ressurgir o movimento dos paladinos do Douro, que pretendia constituir-se como órgão de representação perante os poderes públicos. Na sua liderança, surgia Antão de Carvalho que, assumindo-se como um republicano independente, se abstinha de tomar posições políticas de modo a não prejudicar os interesses regionais, re-presentados pela efectivação do «entreposto único e exclusivo para os vinhos generosos do Douro em Vila Nova de Gaia».

A defesa do Entreposto de Gaia levaria Antão de Carvalho a, aparentemente, colaborar com a Ditadu-ra Militar. Disso poderia ser indício a participação na conferência proferida pelo major Alberto Lelo Portela, na Régua, com a assistência de Cunha Leal, Craveiro Lopes e Mendes Cabeçadas. Contudo, Antão de Car-

195 Pina de Morais viria ainda a assumir a chefia dos serviços de comu-nicações durante os acontecimentos revolucionários (SEQUEIRA, 2007: 284-285).

196 Hora de luto. «A Defesa do Douro» 13 Fevereiro 1927, p. 1.

197 FARINHA, 1998: 69.

198 FARINHA, 1998: 39.

Carla Sequeira

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valho declarara não ter aderido ao novo regime, em-bora também não fosse seu opositor. Afirmava que a única política que lhe interessava era a da Região. E era nessa perspectiva que manifestava o seu apoio ao mi-nistro da Agricultura, Alves Pedrosa, pela criação do Entreposto, que considerava a melhor obra da Ditadu-ra Militar, e que era necessário não deixar desaparecer devido à influência da viticultura do Sul e do sector co-mercial. Seria também nessa perspectiva que faria des-locar a Lisboa centenas de viticultores, em Fevereiro de 1928, prometendo a participação regional nas eleições presidenciais de Março desse ano para legitimação de Carmona no cargo de Presidente da República, a troco da manutenção do Entreposto de Gaia199. Esta postura de fidelidade aos interesses regionais acarretar-lhe-ia a ostracização dos democráticos de Lisboa, que o acusa-vam de trair os seus antigos ideais.

3. A fragmentação da elite política regional acentuou-se com a adesão de vários repu-blicanos históricos à União Nacional.

A primeira tentativa de organização da União Na-cional ocorreu em 1927 (sendo então denominada de União Nacional Republicana) e, também na Região Duriense, se promoveram inscrições nesta data. Tinha por objectivo consolidar politicamente o regime saído do 28 de Maio200. Nesse sentido, uma das suas tarefas consistiu na preparação das eleições presidenciais de 1928, desaparecendo de seguida.

Em 1930, seria fundada a União Nacional, no in-tuito de solucionar o problema político ainda em aber-to201. Para Manuel Braga da Cruz, o Estado Novo era inimigo do sistema partidário mas não do sistema re-presentativo, pelo que necessitava «de um instrumento político que activasse os mecanismos de sufrágio e de representação que pretendia ver salvaguardados»202. Foram implantadas comissões promotoras nas capitais de distrito e nas sedes de concelho. As inscrições atin-giram um número avultado logo em 1931, integrando antigos membros dos partidos da Primeira República, dos mais moderados aos mais radicais. Segundo Braga da Cruz, o distrito de Vila Real era um dos com maior

199 Segundo a imprensa local (Cf. QUEIRÓS, Amâncio de - Eleição. O Douro cumpriu. «A Defesa do Douro», 1 Abril 1928, p. 1), teria havido uma forte participação regional, calculada em 81,4% por Manuel Braga da Cruz (CRUZ, 1988: 219).

200 CRUZ, 1988: 130.

201 CRUZ, 1985: 366.

202 CRUZ, 1988: 164.

implantação203. Contudo, de acordo com o mesmo autor, Vila Real foi também dos distritos que, conhe-cendo um grande número de adesões na fase inicial, progressivamente foi perdendo inscrições.

Do ponto de vista da composição política das co-missões concelhias da União Nacional na Região Duriense, tomemos como exemplo a de Peso da Ré-gua, constituída unicamente por monárquicos e evo-lucionistas (a que juntariam antigos unionistas, como António Pereira do Espírito Santo). As restantes forças políticas do concelho – lealistas, portelistas, radicais, democráticos – unir-se-iam, a partir de Junho de 1931, na Aliança Republicana Socialista, também conheci-da como Frente Única. Estava-se, portanto, num novo momento de clarificação política por parte das elites locais.

A ARS era uma conjunção de opositores ao regime, de carácter nacional e com sede em Lisboa. O seu Di-rectório era constituído por Norton de Matos (PRP), Tito de Morais (Nacionalista), Crispiniano da Fonseca (Esquerda Democrática), Mendes Cabeçadas (União Liberal Republicana), Maurício Costa (Acção Republi-cana), Almeida Arez (Partido Radical), Azevedo Go-mes (Seara Nova), Ramada Curto (Partido Socialista), António Luis Gomes, Azevedo e Silva, Paulo Falcão e Duarte Leite (independentes)204.

A ARS fora criada com o propósito de conseguir a transição de regime de forma pacífica, «através de eleições»205. A primeira oportunidade surgia com as anunciadas eleições municipais de 1931, que se trans-formaram na primeira tentativa de participação eleito-ral da Oposição. Aproveitando as novas disposições le-gais eleitorais (decreto nº 19694, de 5 de Maio de 1931) a ARS levou a cabo uma campanha para a inscrição de eleitores nos cadernos eleitorais.

A adesão na Região do Douro foi imediata e glo-bal, assistindo-se à formação de delegações da ARS em diversos concelhos e freguesias: Peso da Régua, Alijó, Tabuaço, Freixo de Espada à Cinta, S. João da Pes-queira, Mesão Frio, Armamar, Vila Real, Carrazeda de Ansiães, Santa Marta de Penaguião, etc. As comissões concelhias eram formadas por eminentes vultos locais, como Antão de Carvalho, João de Araújo Correia ou Carlos Richter, reunindo em sua volta diversos qua-drantes políticos. Com a finalidade de disputar as elei-203 CRUZ, 1988: 228.

204 Seria também nomeada uma comissão de propaganda, da qual fazia parte Raul Lelo Portela.

205 FARINHA, 1998: 17.

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ções, iniciaram-se acções de propaganda e de recen-seamento eleitoral. Porém, sucediam-se na imprensa as denúncias das dificuldades encontradas, devido ao boicote das autoridades locais. Por outro lado, a pró-pria União Nacional contribuía para esse boicote, ao projectar pedir ao Governo a irradiação de todos os funcionários que não votassem com eles.

Esta primeira tentativa de transição de regime por via eleitoral não surtiria efeito. Como refere Luís Fa-rinha, a participação activa de dirigentes da ARS na revolta reviralhista de 26 de Agosto de 1931, foi o sub-terfúgio da Ditadura para adiar sine die umas eleições que nunca haviam estado marcadas.

Em 1933, o motivo próximo da contestação pren-dia-se com a Constituição, sufragada em 19 de Março desse ano. O novo texto constitucional consagrava a confirmação do monopartidarismo e da representação, atribuída à União Nacional, a separação de poderes e a representação política através de uma assembleia com capacidade legislativa e fiscalizadora dos actos do Governo. Revestia também uma dimensão autoritária através do reforço e independência de um «executivo bicéfalo, partilhado entre o Presidente da República e o do Conselho, e isento de responsabilidades perante a assembleia»206. Consequentemente, desencadeou-se a reacção, não apenas dos opositores do regime, mas também «do sector liberal republicano dos fautores do 28 de Maio»207.

Em protesto contra a unicidade da representação política ratificada no texto da Constituição, Antão de Carvalho absteve-se no dia do sufrágio, manifestando publicamente o seu acto. Por outro lado, organizava e presidia a reuniões no sentido de fazer reviver a ARS no concelho da Régua, que considerava absolutamente fundamental naquele momento.

Neste contexto, a influência de Antão de Carva-lho continuava a ser reconhecida, como o comprova o aliciamento que lhe foi feito para que integrasse a União Nacional. Argumentava-se com as declarações de Antão de Carvalho, de ser partidário da Ditadura, e prometia-se-lhe a nomeação para a presidência da Casa do Douro. Todavia, se, num primeiro momento, Antão de Carvalho parecera colaborar com a Ditadu-ra Militar, essa atitude devera-se à sua fidelidade aos interesses regionais. Antão de Carvalho continuava a afirmar-se republicano, desejando o regresso ao regi-

206 GÓMEZ, 2011: 32.

207 CRUZ, 1985: 368.

me constitucional através de uma «via pacífica», não tendo aceite o convite.

4. Em 1945, inaugurou-se um segundo ciclo de resistência essencialmente eleitoralista, isto é, «assente sobretudo na exploração

das oportunidades legais-eleitorais»208. A dissolução da Assembleia Nacional e o anúncio, pelo Governo, de eleições legislativas (reguladas pela legislação de 22 de Setembro de 1945), foi vista pela Oposição como uma nova oportunidade. A 8 de Outubro, o Movimento de Unidade Democrática, reunido no Centro Almiran-te Reis (Lisboa), fez publicar um manifesto em que se exigiam eleições livres, o adiamento das eleições por seis meses para organização de partidos da opo-sição, representação política às minorias, fiscalização eleitoral, liberdade de candidaturas e um novo recen-seamento eleitoral. Vastos sectores se reviam nestas reivindicações, desde os democratas liberais, Esquer-da Democrática, republicanos do PRP, monárquicos independentes, socialistas, comunistas, anarquistas e nacionais-sindicalistas, aos democratas-cristãos do grupo Era Nova, a par de personalidades das artes, le-tras, ciências e forças armadas.

O Manifesto de 8 de Outubro foi recebido com entusiasmo na Região Demarcada do Douro por par-te dos opositores ao regime. Em contrapartida, os apoiantes do Governo identificavam o MUD com o Reviralho, devido à sua ligação ao Partido Comunista e à memória da I República209.

Imitando o movimento de Lisboa, convocou-se uma reunião em Vila Real, no dia 15 de Outubro, a que acorreram republicanos de todo o distrito. De seguida, constituíram-se comissões concelhias do MUD, nos distritos de Vila Real e Viseu, algumas delas denotan-do a influência de Nuno Simões. Na Régua, a comis-são concelhia do MUD era constituída por Antão de Carvalho, António Cardoso Mirandela, António Silva Correia, Cândido Bonifácio Gouveia e João de Araú-jo Correia, entre outros. Esta comissão empenhou-se particularmente na recolha de assinaturas de apoio ao MUD, mas, tal como em 1931, teve de enfrentar a po-lítica de intimidação das autoridades que, de imediato, intimou dois dos seus elementos a esclarecerem o mo-tivo da recolha, levando a um protesto formal «contra tal arbitrariedade e desrespeito àquilo que foi autoriza-208 ROSAS, 2010: p. 11.

209 Veja-se como exemplo, o artigo O que eles querem. «Ordem Nova». 28 Outubro 1945, p. 1.

Carla Sequeira

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do pelo Chefe do Governo»210.Em solidariedade com as decisões tomadas no

Centro Almirante Reis, diversas comissões durienses enviaram telegramas ao chefe de Estado, secundando o pedido de eleições livres.

Segundo a imprensa211, republicanos de todos os concelhos do distrito de Vila Real decidiram pedir autorização ao Governador Civil para realizarem reu-niões a fim de decidirem a estratégia perante o acto eleitoral. Todas estavam programadas para o mês de Outubro: em Vila Real, dia 12; Chaves e Santa Marta de Penaguião, dia 14; Mesão Frio e Sanfins do Douro, dia 15; Valpaços, dia 16; Alijó e Régua, dia 17. Tam-bém em Lamego, a cuja comissão concelhia pertencia Alfredo de Sousa, foi solicitada autorização ao Go-vernador civil de Viseu para uma reunião política no Teatro Ribeiro Conceição. Revestia-se de uma especial expectativa a reunião projectada para Santa Marta de Penaguião, onde participariam representantes do MUD dos concelhos do sul do distrito e de vários da Guarda e Viseu (incluídos na região duriense), além de delegados do mesmo Movimento, no Porto.

Como seria de esperar, todas as reuniões foram proibidas nas vésperas das eleições, com o argumento de que já não era possível apresentar candidaturas. Em resposta, a comissão do MUD de Peso da Régua resol-veu endereçar um telegrama de protesto ao Governa-dor Civil de Vila Real.

Nos anos seguintes, o MUD manteve actividade no distrito de Vila Real, havendo indícios de reuniões em Favaios e Pegarinhos (concelho de Alijó), presidi-das por Nuno Simões e nas quais participaram Carlos Amorim, Joaquim Pinto Furtado e Camilo Botelho, entre outros, vindo a ser, por esse motivo, vigiados pela PIDE.

5. O MUD viria a ser ilegalizado em Março de 1948. Concorrer às eleições presiden-ciais de 1949 dava-lhe uma nova possi-

bilidade de voltar a uma actuação legal e o candidato escolhido foi Norton de Matos (membro da comissão consultiva do MUD), decisão que lhe fora comunicada por ocasião do seu aniversário natalício, em Março de 1947.

O apoio à candidatura de Norton de Matos vinha de um amplo sector, incluindo de «muitos membros 210 Um protesto da comissão da Régua. «República». 11 Novembro 1945, p. 5.

211 Cf. O momento eleitoral. «República». 31 Outubro 1945, p. 4-5.

do Directório do Partido Republicano, previamente contactados pela província»212. No Alto Douro, um dos rostos visíveis desse apoio era Antão de Carvalho que, por ocasião do aniversário do General, em 1947, dava conta a Nuno Simões das iniciativas empreendidas na Régua «de manifestação ao senhor General Norton de Matos», de onde haviam sido enviados muitos telegra-mas individuais e um colectivo com 66 assinaturas de republicanos «de destacada categoria social»213.

Apenas em Abril de 1948 Norton de Matos viria a aceitar formalmente, declarando que aceitava concor-rer desde que a campanha e os actos eleitorais tivessem características democráticas de liberdade e indepen-dência214. Como referem Fernando Rosas e Armando Malheiro da Silva, a candidatura e campanha de Nor-ton de Matos correspondia ao fim do «segundo ciclo de resistência»215, iniciado em 1945, mantendo-se na senda de uma «via ordeira de contestação ao regi-me»216. A candidatura, com um programa de demo-cratização semelhante ao do MUD, seria apresentada ao Supremo Tribunal de Justiça em 9 de Julho de 1948.

Na Região do Douro, formaram-se diversas comis-sões (concelhias e de freguesia) de apoio à candidatu-ra de Norton de Matos. Algumas como, por exemplo, a da Régua, continuavam a denotar a influência de Nuno Simões na sua constituição. Ao mesmo tempo, demonstravam a continuidade de uma elite política opositora, de cariz familiar, de que era testemunho a presença de João Macedo Pinto na comissão concelhia de Tabuaço. Em Lamego, a oposição continuava a ser liderada por Alfredo de Sousa.

Além da constituição de comissões, organizou-se uma vasta actividade de propaganda através da afixa-ção de cartazes e distribuição de folhetos, bem como de realização de comícios e conferências em diversas localidades, das quais destacamos Peso da Régua, Vila Real, Murça e Alijó. Várias destas sessões contaram com a presença de personalidades eminentes da Opo-sição Democrática.

212 CRUZ, 1983: 713.

213 ADVRL – Fundo Nuno Simões – Correspondência recebida, Carta de Antão de Carvalho para Nuno Simões, 23 de Março de 1947.

214 Durante a campanha eleitoral ficaria patente que as condições pedi-das por Norton de Matos não haviam sido tidas em conta. Prova disso era o corte de milhares de nomes do recenseamento eleitoral, entre os quais o de Alves Redol. A falta de condições de liberdade de propaganda, realização e fiscalização do acto eleitoral levariam Norton de Matos a desistir da candi-datura a 12 de Fevereiro, véspera do acto eleitoral.

215 ROSAS, 2010: 9.

216 SILVA, 2010: 62.

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Em Lamego, o comício realizou-se a 2 de Fevereiro, no Teatro Ribeiro Conceição, e foram oradores Alfre-do de Sousa, Santos Almeida, Pina de Morais217 e F. Fonseca Almeida. Pina de Morais marcaria também presença na sessão realizada na Régua, juntamente com o tenente-coronel Lelo Portela, Artur Castilho e Alberto Gonçalves, entre outros.

Em Murça, registou-se a intervenção de Virgínia Moura (membro da Comissão Distrital de Candidatu-ra do Porto), e ainda de Artur Castilho, João Correia Guimarães e José Alberto Rodrigues. Virgínia Mou-ra seria novamente interveniente no comício de Vila Real, em 10 de Fevereiro, ao lado de Rui Luís Gomes e Alves Redol.

A par do movimento de apoio a Norton de Matos, ocorriam manifestações dos apoiantes de Carmona, de que era exemplo o artigo publicado por Vítor Queirós de Vasconcelos – filho de Amâncio de Queirós, já fale-cido à data – no jornal Notícias do Douro, de 10 de Fe-vereiro de 1949. Em artigo intitulado O Douro e a sua organização corporativa. As próximas eleições e o direi-to que o Senhor Marechal Carmona tem ao nosso voto, o autor defendia que, por uma dívida de gratidão em vista da organização corporativa da viticultura, toda a Região Duriense devia votar no Marechal Carmona.

6. Em conclusão, entre 1926 e 1949 assis-tiu-se a uma divisão política das elites durienses, entre Situacionistas e Oposito-

res ao novo regime. Essa situação foi particularmente visível no concelho da Régua. Assim, enquanto Antão de Carvalho, fundador da primeira comissão munici-pal republicana reguense, em finais do século XIX, se situou do lado da oposição do Regime, outros repu-blicanos também de longa data, aderiram à Situação, passando a integrar as comissões administrativas no-meadas pelo Governo.

Contudo, a divisão em campos políticos opostos não prejudicou a defesa dos interesses regionais. Na verdade, a primazia dos interesses vitícolas sobrepôs--se à evolução política no Douro, como o demonstra a postura de Antão de Carvalho, de uma oposição mo-derada, o que possibilitou a concretização de várias reivindicações regionais, como o Entreposto de Gaia 217 Após o regresso do exílio, abandonara a defesa da via revolucionária para a mudança de regime, manifestando a intenção de fazer oposição ao Estado Novo no quadro da legalidade instituída; nesse sentido, aderira ao MUD, em 1945, e viria a desempenhar papel político de relevo na campa-nha de Norton de Matos (Cf. SEQUEIRA, 2007: 543).

e, até a sindicalização da lavoura, através da criação da Casa do Douro (embora esta contivesse disposições contrárias ao movimento associativo e representativo, com as quais os seus mentores não concordavam).

Quanto aos momentos e estratégias de oposição, ficou patente a integração no quadro nacional de Opo-sição. A forma de contestação privilegiada foi a via pacífica variando entre um «intervencionismo até ao fim» (1931), abstenção (1945) e «desistência à boca das urnas» (1949)218. De realçar, a forte capacidade de mobilização das elites regionais; sintoma da perma-nência de clientelas e das antigas estruturas partidá-rias, permitia a rápida constituição de comissões e or-ganização de acções de propaganda, particularmente entre as classes mais ilustradas. À luz dos dados até agora recolhidos, não surgem indícios de uma partici-pação activa das classes mais baixas da sociedade nos movimentos de oposição no Douro entre 1926 e 1949.

218 CRUZ, 1983: 703.

Carla Sequeira

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BIBLIOGRAFIA

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TENGARRINHA, José (1994) – Os caminhos da Unidade Democrática contra o Estado Novo. «Revista de História das Ideias, vol. 16, p. 387-431

SIGLAS

ADVRL – Arquivo Distrital de Vila Real

ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo

ARS – Aliança Republicana Socialista

CVRD – Comissão de Viticultura da Região do Douro

MUD – Movimento de Unidade Democrática

PRP – Partido Republicano Português

A oposição à Ditadura Militar e Estado Novo na Região Duriense