A Marinha mercante e a defesa nacional

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76. 1. INTRODUÇÃO A capacidade de afirmação dos Estados COSteiros no pla- no internacional, está intrinsecamente relacionada com o seu poder marítimo. Este, resulta, do poder naval e de outros factores do poder nacional relacionados com o m:lC, designadamente, as capacidades nos domínios do comércio e transporte marítimos, da navegação de re- creio. da exploração sustentável dos recursos marinhos e da investigação científica associada ao mar e aos fundos marinhos. Nestas circunstâncias, a marinha mercante, enquanto instrumento do comércio e transporte marí- timos, é um pilar fundamental do poder marítimo dos Escados e, simultaneamente, uma fonte de apoio ao po- der naval. No Direito Internacional, os Estados encontram funda- mento para o exercício de poderes no mar, de acordo com três estaturos: O do Estado da Bandeira (dos na- vias), o do Escada do Porto e do Estado Costeiro. Ora, para o que importa ao tema em análise, uma das prer- rogativas do Estado da Bandeira é a Liberdade de Alto Mar l , maxime a Liberdade de Navegaçã0 2, que reconhe- ce a todos os Estados o direito de fazer nãVegar no altO mar navios que arvorem a sua bandeira, a que acresce ainda o direito de passagem inofensiva no mar territorial de países costeiros. Os navios possuem a nacionalidade do Estado cuja ban- deira estejam autorizados a arvorar e, devem submeter- se, no altO mar, à jurisdiçáo exclusiva desse Estado}. Artigo 87 0 da Conve:nçáo das Nações Unidas Sobre: O Direito do Mar (CNUDM). 2 Artigo 90 0 da CNUOM. 3 Artigos 91 0 e: 92 0 da CNUDM, S("m prcjuízo no dispoSto no artigo III}<> quamo ao o.ercído do direito de visita pelos navios de guerra a navios <:strangciros em alto mar, que: não gozem de completa imunidade. em conformidade com os arligos 95 0 e 96 0 daCNUDM.

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76.

1. INTRODUÇÃO

A capacidade de afirmação dos Estados COSteiros no pla­no internacional, está intrinsecamente relacionada com

o seu poder marítimo. Este, resulta, do poder naval e deoutros factores do poder nacional relacionados com o

m:lC, designadamente, as capacidades nos domínios docomércio e transporte marítimos, da navegação de re­

creio. da exploração sustentável dos recursos marinhos e

da investigação científica associada ao mar e aos fundosmarinhos. Nestas circunstâncias, a marinha mercante,

enquanto instrumento do comércio e transporte marí­timos, é um pilar fundamental do poder marítimo dos

Escados e, simultaneamente, uma fonte de apoio ao po­der naval.

No Direito Internacional, os Estados encontram funda­

mento para o exercício de poderes no mar, de acordocom três estaturos: O do Estado da Bandeira (dos na-

vias), o do Escada do Porto e do Estado Costeiro. Ora,

para o que importa ao tema em análise, uma das prer­

rogativas do Estado da Bandeira é a Liberdade de Alto

Marl , maxime a Liberdade de Navegaçã0 2, que reconhe­

ce a todos os Estados o direito de fazer nãVegar no altOmar navios que arvorem a sua bandeira, a que acresce

ainda o direito de passagem inofensiva no mar territorial

de países costeiros.

Os navios possuem a nacionalidade do Estado cuja ban­

deira estejam autorizados a arvorar e, devem submeter­se, no altO mar, à jurisdiçáo exclusiva desse Estado}.

Artigo 870 da Conve:nçáo das Nações Unidas Sobre: O Direito doMar (CNUDM).

2 Artigo 900 da CNUOM.3 Artigos 91 0 e: 920 da CNUDM, S("m prcjuízo no dispoSto no

artigo III}<> quamo ao o.ercído do direito de visita pelos naviosde guerra a navios <:strangciros em alto mar, que: não gozem decompleta imunidade. em conformidade com os arligos 950 e 960

daCNUDM.

Daqui se retira que a afirmação de um Estado no marpassa, de uma forma muito significativa, pela dimensão

da marinha mercante que arvora a sua bandeira.

Tendo presentes estas considerações, o objectivo principaldeste artigo é tornar evidente o relevante papel da marinhamercante na defesa nacional e os modos de operacionali~

zar a utilização dos diferentes tipos de navios. Para isso,começa por apresentar os conceitos operativos da defesa

nacional e da marinha mercante. Depois, são identificadasas funções dos navios mercantes na defesa nacional. Em

seguida, é apresentada a siruação mundial e nacional damarinha mercante. Prossegue com a identificação das solu­

ções de transporte marítimo no âmbito da defesa nacionale a particularização dos casos dos EUA e de Portugal. No

final são apresentadas as conclusões sobre o tema.

2. CONCEITOS OPERATIVOS

2.1. Defesa nacional

A Constituição da República Portuguesa4 e a Lei deDefesa NacionaP definem como objectivos da defesanacional: garantir a soberania do Estado, a independên~

cia nacional e a integridade territorial de Portugal, bem

como assegurar a liberdade e a segurança das populaçõese a protecção dos valores fundamentais da ordem cons­

titucional contra qualquer agressão ou ameaças externas.Referem, igualmente, que a defesa nacional assegurao cumprimento dos compromissos internacionais do

Estado no domínio militar, de acordo com o interessenacional. Pela definição legal verifica-se que o conceito

de defesa nacional abarca interesses nacionais relativosao meio físico (território), aos cidadãos e às relações in­

ternacionais.Em termos do âmbito geo-espacial, a defesa nacional

faz-se, por todos os meios legítimos, não só no territórionacional, nas mnas marítimas sob soberania ou jurisdi­

ção e no espaço aéreo sobrejacemé mas, também, foradestes espaços, onde quer que se enCOntrem interesses

nacionais vitais ou importantes.

-4 Artigo 273".5 Lei Orgânica n" \-B 12009 de 7 de Julho.6 Artigos 5." e 84." da Constitução e Lei n." 34/2006, de 28 de

Julho.

Segtlrança 77.efesa

A defesa nacional compreende as acções e o empregode meios militares e não militares, com actuações iso­

ladas ou combinadas, face aos objectivos a atingir. EmPortugal, cabe ao Ministro da Defesa Nacional assegurar

a elaboração e a execução da componente militar da de­fesa nacional, pelo emprego das Forças Armadas e pelas

suas capacidades, meios e prontidão. Para além disso,o Ministro da Defesa Nacional conjuga, com todos os

outros ministros, a execução das componentes não mili­tares que relevem para a defesa nacional.

Daqui se depreende que, a preservação dos interesses e oseu âmbito geo-espacial tornam evidentes a necessidade

do país estar dotado de capacidades que garantam quera projecção de força quer o abastecimento nacional, par­ticularmente com recurso ao mar como meio de ligaçãoe transporte pesado.

2.2. Marinha mercante

A definição legal da marinha mercante tem evoluído aolongo do tempo. Em 1929, O Decreto nO 16399, de 22 deJaneiro, referia que a marinha (em geral) era constituída

pelo conjunto da marinha de guerra, marinha mercante,marinha de pesca e marinha de recreio.

a Regulamento Geral das Capitanias, que consta do De­creto~Lei n.O 265/72, de 31 de Julho, na redacção dada

pelo Decreto-lei n.O 287/98, de 17 de Setembro, no seuart.o 19.0 , define marinha nacional e, dentro desta, a ma­rinha mercante, como sendo constituída pelas embarca­

çóes de comércio, pesca, rebocadores e auxiliares.Para efeitos deste trabalho, e atendendo ao âmbito do

tema, considerou~se que a marinha mercante correspondeà marinha de comércio. Esta assunção é redutora e não

conrempla as relevantes acções que, no passado, navios depesca, rebocadores e auxiliares realizaram em prol da de­

fesa nacional. Assumiu-se claramente essa limitação, que

'se justifica pelo propósito primordial deste trabalho estarfocalizado na relevância da marinha mercante na projec­ção de força e no abastecimento nacional.A evolução do comércio marítimo e a tendente especiali~

zação dos navios em função do que transportam, levou a

que existam navios mercantes de diversos eipos e dimen~

sões. A tipologia dos navios mercantes pode ter algumasvariantes, de acordo com os objectivos de análise. Porém,

é comum agrupar os navios numa combinação de tipode carga, modo de armazenamento ou funcionaJidade

78.

especial. Neste comexto, os principais tipos de navios

mercantes são RO-RO (roil on / ro/J olf· para transporte

de veículos), passageiros. carga-geral, graneleiros. porta­comemores, petroleiros (ou navios tanque), tranSporte dequímicos e transporte de gás. lmporta notar que, muitos

navios mercantes fazem transporte misto de ripo de cargas.

3. FUNÇÕES DDS NAVIOS MERCANTES

NA DEFESA NACIONAL

3.1. Auxiliares e abastecedores

Em acções de defesa nacional, os navios mercantes p0­

dem desempenhar funções de navios auxiliares e de na­

vios abastecedores. Como navios auxiliares, apoiam as

actividades combatentes, arravês da prestaçáo de serviços

de transporte. sanitários, de caracterização ambiental ede apoio logístico. Para esse efeito, podem ser equipadoscom o armamento mínimo indispensável à sua protec­çáo próxima. As marinhas de guerra costumam ter umnúmero e tipos de navios auxiliares estabelecido de acor­

do com as suas necessidades operacionais gerais, que náo

cobre necessariamente os requisitos específicos de acçóes

cuja ocorrência seja esporádica e cuja demanda de esforço

seja devada, como é O caso dos conflitoS internacionais

de grande dimensão e intensidade. O emprego de navios

mercantes no desempenho de tarefas como navios auxi­

Liares, é particularmente útil na projecção de forças, acção

que requer o transporte de grandes quantidades de pessoal

e de material necessário às operações militares.

Os navios mercantes podem também ser usados em ac­

ções de apoio logístico a populações, em zonas onde seja

importante evitar a presença de unidades militares, de

forma a náo escalar a intensidade dos conffitos, ou em

acções de abastecimento do país em situações de conflito

ou crise. Aqui, a sua função é aquela par.a que estáo nor­

malmente vocacionados em situações de rotina. Todavia,

muda a prevalência do paradigma da sua operação. Com

efeico, neste caso, o interesse nacional associado ao abaste­

cimento do país prevalece rdativamente à lógica da mera

exploração económica do transporte.

De acordo com o tipo de navio mercante, assim se adequa

a sua utilização quando funcionam como navios auxilia­

res ou navios abastecedores. Enquanto navios auxiliares,

os navios de carga geraJ, porra-eontentores e graneleiros

podem ser usados para o transporte de armamento, mate-

rial diverso e apoio logístico. Os navios frigoríficos seráo

especialmente úteis no transporte de víveres, os de passa­

geiros para transporte de tropas e evacuação de pessoas,

os RO-RO para transporte de viaturas militares e os na­

vios tanque para abastecimento de combwnvel. Quando,

devido à escassez de transporte marítimo internacional,

houver dificuldades no abastecimento nacional, os navios

mercantes nacionais podem ser utilizados, de acordo com

a sua ripologia, para minimizar o problema.

3.2. Exemplos históricos

O século XX foi, por diversas vezes, palco da utilização

da marinha mercanre em serviço auxiliar e abastecedor.

Tal fucro esrá particularmente relacionado com a alter:açáo

significariva dos navios, na sequência da revolução indus­

trial e das duas guerras mundiais.

Em 1916, Portugal requisi(Qu, a pedido da lnglarerra

(com fundanlcmo no Tratado de Windsor, de 9 de Maio

de 1386), 70 navios alemáes e 2 awtríacos que se encon­

travam nos porras nacionais (Figura 1). Para isso, invocou

a escassez de navios mercantes para abastecer o país. A

Alemanha considerou a dimensão da requisição despro­

porcionada Face às reais necessidades, tendo declarado

guerra a POrtugal. Na realidade. 42 destes navios foram

cedidos de imediato ao Reino Unido. para apoiar o esfor­

ço de guerra. Muitos perderam-se por acros de guerra. os

restantes foram devolvidos a POrtugal no final do conflito.

Ao contrário do previsro na requisiçáo de 1916, os na­

vios náo foram devolvidos à Alemanha, tendo sido usados

como pagamento a Portugal. a tíTUlo de indemnização de

guerra e, posteriormente, integrados nos Transportes Ma­

rítimos do Estado.

Figura 1 - Navios estrangeiros requisitados em 1916.

Ainda no âmbito da I Guerra Mundial, importa evocar

que a marinha de pesca cumpriu papéis relevantes no

apoio ao poder naval nacional, em virrude de muitas em­

barcações e tripulações participaram na vigilância e pro-

tecção dos portos nacionais' e, até, na defesa da navegaçãomercante, como foi o caso do caça minas "Augusto Cas­tilho", navio que resultou da conversão de um navio depesca do tipo arrastáo. Depois de aumentado ao efectivodos navios da Armada e dotado com guarnição militar,numa missão de escolta ao paquete "São Miguel", entrea Madeira e os Açores, conseguiu contrariar o ataque deum submarino alemão. Deste esforço desproporcional re­sultou o afundamento do "Augusto Castilho" e a morte devários milüares da Marinha, incluindo o seu comandante.Porém, o paquete e os seus passageiros chegaram sáos esalvos ao seu destino!Para além da requisição dos navios alemáes e austríacos,que teve contornos políticos internacionais muito espe­ciais, existem outros exemplos de utilização de naviosmercantes para efeitos de defesa nacional. São uma refe­rência ainda nas mentes de muitos portugueses, as utili­zações, entre 1961 e 1975, dos grandes navios de passa­geiros nacionais requisitados para o transporte de tropas ematerial para o ultramar português (Figura 2).

Figura 2 - Embarque de tropas para o Ultramar.

Em 1998 testemunhou-se a utilização do navio mercante"Ponta de Sagres" na crise da Guiné-Bissau, para evacua­çáo de 2500 pessoas de várias nacionalidades (Figura 3).O recurso inopinado a este navio mercante naquela situ­açáo resultou, não SÓ, do imediatismo do problema e daoportunidade de acção, mas também da capacidade deassunçáo do risco por pane do comandante e da tripula-

7 Nesta altura, em que as aproximaÇÔe5 e a barra do pono de Lisboapassan.m a ser ameaçadas pela presença de minas, foram recolhidasou desactivadas pela Marinha cerca de 20 minas. CFR Monteirode Barros. Revista de Marinha nO 10, 14 Outubro 1937. ~Aodisstia dos (ara-minas 1IJ1 CrnntÚ Gunm".

Seggrança 79.efesa

ção, não tendo havido nenhwna acção legal de requisiçãopor parte do Estado Português.

Figura 3 - Onavio mercante "Ponta de Sagres"'.

Em 2006 Portugal empenhou uma força de operaçõesespeciais dos fuzileiros na missão EUFOR RDC (missãoda União Europeia na República Democrática do Con­go), em apoio às forças da Missão das Nações Unidas alideslocada (MONUe), no decurso do processo eleitoralnaquele País. A projecção e a retracção do armamento,das viaturas e demais material, foram efectuados por re­curso aos navios mercantes "Kilcoe" (Figura 4) e "Ze­ran", afretados pelas Forças Armadas Suecas, nos quaisfoi disponibilizado O espaço de transporte necessário àforça de fuzileiros nacional.

Figura 4 - Onavio mercante ·Kilcoe·.

Naquele mesmo ano e, igualmente, no âmbito da ONU,Portugal projectou no LJ1lano uma companhia de enge­nharia do Exército, cujo transporte de material pesadofoi realizado por um navio mercante afretado por aquelaorganizaçáo internacional. Em 2011, durante a crise na

80.

Ubia, alguns cidadãos nacionais foram reeirados do paíspor um ferry Grego afretado pelo Brasil.No caso dos Estados Unidos da América, atendendoao seu envolvimento permanente nos problemas es·

trarégicos internacionais, os exemplos de utilização damarinha mercante em simaçóes de crise ou conflito são

frequentes e envolvem grande número de navios mer­cantes. Durante a guerra da Coreia foram usados 540navios mercantes, enquanto na guerra do Vietname fo­ram empregues 172. Para além dos djversos exemplosde apoio logiS[ico a forças militares destacadas. há umexemplo de activação da frota de reserva de navios mer­

cantes americanos. cujo objectivo náo foi essencialmentemilitar. Com efeito, o bloqueio do canal do Suez em1956 gerou um défice de transporte marítimo necessá­

rio ao normal funcionamento da economia dos EUA (emundial), que foi resolvido com a activação desta fro­

ta, permitindo equilibrar uma perturbação pontual docomércio marítimo internacional. Durante a guerra das

Falkland/Malvinas em 1982, o Reino Unido utilizou 45navios mercantes para apoiar a projecção das suas forçastendo, alguns deles, sofrido transformaçóes estruturais

importantes.A adaptação de navios mercantes a determinadas utiliz.a~

çóes de âmbito militar, pode ser agilizada pela utilizaçãode módulos de equipamentos pré-adquiridos ou a tra·

balhos de conversão rápida. Este foi o caso do paqueteQuun EJirAbnh 11, no conflito que opôs britânicos e

argentinos. Em finais de Abril de 1982 o navio chegou aSouthampton, após realizar uma viagem turística. Ime­

diaramente começaram os preparativos de adaptação anavio de transporte de tropas. removendo do seu inte­

rior todo o equipamento lúdico dispensável. pavimen­tando as carpetes com madeira, conscruindo um centrode comunicaçóes militares, instalando mísseis de defesa

aérea, artilharia de médio calibre para defesa próxima e

construindo dois heliportos (Figura 5). Em menos deuma semana O navio estava pronto e começou a embar­

car 3 000 militares (mais 1 000 que a lotação de turistas),combustível para aeronaves e muniçóes. O navio largou,em direcção ao hemisfério sul. a 12 de Maio de 1982. A

sua impressionante capacidade de carga e corresponden­te contributo para o esforço de guerra, tornou-o num

alvo prioritário a abater pelos argentinos. que chegaram

a empregar um Boeing 707 para o tentar localizar. Aochegar ao local do conflito. O Qurm ElirAbeth II foi ain-

Figura 5 ~ Queen Elizabeth 2 transformado em navio auxiliar

durante a guerra das Falk/and/Malvinas.

da utilizado como navio hospital para tratamentO dosferidos em combate. Regressou de novo a Southamptonem 11 de Junho do mesmo ano, tendo levado 9 semanas

a reverter ao seu estado inicial de paquete.

Na primeira guerra do Golfo. também designada poroperação "Tempestade no Deserto", em 1990, 95% domaterial de campanha foi transportado por mar. Foram

utilizados 288 navios mercantes, 125 dos quais sob ban­deira ou controlo económico dos EUA e os restantes

163 de países terceiros. Já em 2003, durante a guerracom o Iraque. 90% do material de campanha foi trans­

panado par mar. O número de navios utilizado varioucom o tempo e as necessidades. tendo atingido perto

de 200 navios no período mais quente. Neste conflitoforam activados cerca de 30 navios mercantes de reserva

dos EUA.

4. A SITUAÇÃO OA MARINHA MERCANTE

Neste capímlo faz-se uma breve análise dos quantitativosdos navios mercantes a nível mundial e de Ponugal. Por

interessarem apenas os navios mercantes com maior rele­vo para a defesa nacional. foram induidos nesta análise as

embarcaçées com arqueação bruta superior a 1000 tono

Sevllra~O"" 81.esa

4.1. Mundial

Figura 6 - Paises com maior número de navios mercantes regis­

tados em 2010 1>1000 tonJ.

- -t---w

- ;§I .--- .-._-Ou ----- t" t-- t--- •• .- - - - - , - -

Figura 7 - Navios de armadores nacionais e número de navios de

armadores nacionais registados no seu país.

A capacidade de transporte marítimo dos países não se

traduz exclusivamente no número de navios dos arma­

dores nacionais, devendo incluir, igualmente, uma ava­

liaçáo do porte bruto (dwt) disponível. Neste critério,

a Grécia é o país cujos armadores possuem navios que,

na globalidade, somam o maior porte disponível, com

193 milhões de toneladas, seguida do Japão com 189

milhões de tondadas, da Alemanha com 110 milhões

de tondadas, da China com 106 milhões de tondadas

e da Coreia do Sul com 49 milhões de tondadas. Os

armadores portugueses possuem navios com um porte

de 0.86 milhões de tondadas (Figura 8).

swgiam os portugueses com 35 navios, dos quais s0­

mente 21 tinham registo nacional (Figura n, sendo que,

aaualmeme, apenas 12 integram o registo convencional.

Destes 12, um dos registos corresponde a um veleiro de

passageiros (tipo lugre) e um segundo a um batelão, não

sendo, pela sua tipologia, navios rdevantes para utilização

no âmbito da defesa nacional.

Figura 8 - Países cujos armadores possuem navios com maior

porte disponivellmilhões de toneladas/.

.1­ •------

--

Em 2010 o número de navios mercantes com arqueação

bruta superior a 1000 too, de acordo com o Institute ofShipping Economia and Logistia, era de cerca de 37 9288

O Panamá possuía o maior número de navios registados.

num to,," de 6406, seguido da Libéria com 2493 e daChina com 2017 (Figura 6). No emamo, estes números

náo correspondem necessariamente aos navios sob pro­priedade dos armadores desses países. As opções de re­gisto de navios sáo essencialmente baseadas em critérios

de interesse funcional (direitos e deveres dos armadores

perante os Estados de registo), ou vantagens económico­

financeiras para os armadores (cuscos de exploração dos

navios em função das regras aplicáveis e eventuais apoios

financeiros disponíveis) e não necessariamente na na·

cionalidade dos armadores. Assim, temos muitos navios

mercantes com bandeira de países de conveniência ou em

registos internacionais, diferente da nacionalidade do ar­

mador ou da nacionalidade da sua localizaçáo física, o que

questiona a exisrência de um wínculo substancial entre o

Estado e o navio», obrigatório para a atribuição da nacio­

nalidade dos navios, nos termos da pane final do nol do

artigo 91° da CNUDM.

Ainda em 20 IOo pais cujos armadores nacionais possuí­am o maior número de navios, com mais de 1000 tonela­

das de arqueação bruca, era o Japão com 3675 unidades.

No entanto, este país só tinha no registo nacional 677

navios. Os armadores alemães possuiam 3672 navios, os

chineses 3295 e os gregos 3112. Os armadores dos EUA

surgiam em I(lo lugar, com 932 navios e em 470 lugar

8 Fome 15L (2010). Shipping SrnristiCJanáMIlTlm &fMw. Vo[UITlC'54NolJ.

82.

PORTUGAL

4.1.1. QuantitativosNa sequência das reformas ocorridas em Portugal nos

anos 80, que incluíram, por imperativo de adesão à Co­

munidade Europeia, a liberalização do transporte marí­

timo, a dinâmica do sector da marinha mercante passoua assentar na iniciativa privada e a ser condicionada pela

concorrência nacional e internacional. Esta liberalizaçãodo comércio marítimo nacional alterou o sentido daexpressão marinha mercante nacional, uma vez que as

diferentes combinações da nacionalidade dos armado­

res, da bandeira dos navios e dos tripulantes desligaram,

necessariamente, estes bens do conceito de posse nacio­nal. Assim, é difícil caracterizar com rigor o que é hoje

a marinha mercante nacional, tendo em atenção, nome­adamente, as opções de registo que podem ser ramadas

pelos armadores porrugueses. Em todo o caso, juridi­camente conseguem-se encontrar vínculos substanciaisentre determinados navios e o Estado. Estes vínculos

não existem nas chamadas bandeiras de conveniência,cujos Esrados, por vezes, não cumprem cabalmente com

as Convenções Internacionais que regulam as condiçõesde armamento, de navegabilidade, de ceerificação e deprestação do serviço a bordo dos navios, nem possuem

um corpo robusto de inspectores, capaz de exercer efi­cazmente os deveres do Esrado de BaSe analisarmos os

dados de 2010, os armadores portugueses possuíam 35navios com mais de 1000 {Dn de arqueação brura. Des­

tes, apenas 21 estavam registados em Portugal. Porém,o rotai de navios com registo nacional era de 115. Veri­fica-se, assim, que 94 destes navios eram de armadores

estrangeiros, que usavam a bandeira portuguesa comoopção de registo para os seus navios que aCtuavam notráfego internacional, através do Registo Internacional

de Navios da Madeira (RIN-MAR), que funciona no

âmbito da zona franca da Madeira. No que diz respeitoà nacionalidade das tripulações destes navios, atendendo

à internacionalização do transporte marítimo e à glo­balizaçãO, podem existir elevados graus de diversidade.Mais do que a necessidade da propriedade de navios,

a operação e gestão da marinha mercante dos nossosdias, passa muito pelo controlo comercial de linhas de

navegação de interesse especifico, seja através de naviospróprios ou afretados a terceiros. Nesta circunstância e

no que à defesa nacional interessa, o conhecimento do

funcionamento deste tipo de actividade, especialmentepelos armadores e pela Comissão de Planeamento de

Emergência do Transporte Marítimo, é o garante da suapotencial utilização em caso de necessidade no âmbito

da defesa nacional.O comércio marítimo de cabotagem entre o continente

e as regiões aurónomas tem sido garantido, essencial­mente, por empresas nacionais com navios nacionais,

representando um bem com estabilidade suficiente paragarantir a manutenção de um número mínimo de na­vios mercantes portugueses, de regisro convencional,

susceptíveis de utilização em acções de defesa nacional.No entanto, progressivamente, este tráfego foi sendo

aberto à concorrência comunitária, em especial, após avigência do Decreto-Lei n07/2006, de 4 de Janeiro, e em

aplicação do Regulamento CEE n03577/92, do Conse­lho, de 7 de Dezembro, relativo à aplicação do princípioda livre prestação de serviços aos transportes marítimos

internos nos Estados membros (cabotagem marítima).Analisando agora a evolução do número de navios e

registos nacionais, verificamos que, relativamente aosarmadores nacionais, em termos do número de navios

com arqueação bruta superior a 1000 ton, Portugal pas­

sou, no registo convencional, de cerca de uma centenade navios em 1980 para pouco mais de uma dezena em

2009 (Figura 9).

-_ ..._------"I==':s\===========\

o~_~_~~~.:--.~""'§~~~... __T_--,,-- I ),..-'• _T_

o

Figura 9 - Evolução do registo nacional de navios de armadores

nacionais'.

Por outro lado, com O lançamento do RIN-MAR, comcondições mais atractivas que o registo convencional, cer-

9 Fonte:IPTM,IPIDSASIDTM-Publicaçóes n Evolução da FrotaControlada por Armadores Nacionais" referente a I de Janeiro de2009.

Se011ran~aO:: 83.e esa

Tabela 1 - Vantagens anunciadas do registo de navios no

RfNM-MAR.

ca de 20 navios de armadores nacionais adoptaram esteregisto. O quadro seguinte enumera, de modo sucinto, as

vantagens de registo anunciadas pelo RJN~MAR no seusítio da internet lO•

14

Total

Total Ton DW

20 57752

25 160 328

ao 550

" 1044113, 4",",

1154 '"

.Ii 270

21 268780

32715

", 1205339

4

O

O

O

,

21

"25

11

107

RegistoRIN-MAR

Internacional Madeira

RegistoRIN-MAR

InternacionalMadetra

O

oO

10

o

12

Registoconvencional

Registoconvenciou\Convencional

o

P4lSsageiros

cal'1Ja geral

Pelroleiros O

Graneleiros

Carga geral

P. Contentores 10

P. Contentores

Batelão

Batelão

Tipo navio

Petroleiros

Granel,irOI

T. Químicos

Tipo navio

RO·RO

TOTAL

T. Cuimicos

T.Gu

RO-RO

milhão e duzentas mil toneladas de porte bruto (Tabela2).

Este relatório contabiliza a frota nacional, de navios

mercantes de armadores nacionais do registo convencio­nal, em apenas 12 unidades a que acrescem 18 no registoda Madei.. (Tabela 3).

Tabela 2 - Quantidade e porte bruto de navios registados em

Portugal. por tipo. em Abril de 201 ,.

acesso àâmbito da

com plenoe insular no

• Registo comunitário,cabotagem continentalV.E.;

• Flexibilidade nos requisitos de nacionalidade dastripulações. O Comandante e 50% da tripulaçãode segurança do navio deveráo ser cidadãos docontinente europeu ou de países de língua oficialponuguesa, podendo este requisito ser dispensadoem casos devidamente justificados;

• Um regime de segurança social competitivo,Os membros da tripulação de navios registadosno MAR e respectivos empregadores não estãoobrigados a efecruar descontos para o regimeporruguês de segurança social. No entanto,um sistema alternativo de seguro deverá serprovidenciado;

• Flexibilidade no regime de hipotecas, permitindoque ambas as partes possam escolher o sistema legalde um determinado país para regular a criação dahipoteca;

• O navio poderá ser registado em nome de umasociedade constituída no âmbito do CINM ou deuma sociedade sedeada no estrangeiro. Neste caso,deverá ser nomeado um representante legal naMadeira doooo dos suficientes poderes;

• Existência de uma rede de correspondentes emvários países europeus, destinada a prestar umapoio personalizado e "in loco" aos armadores quepretendam registar navios no MAR.

Tabela 3 - Lista de navios de armadores nacionais com registo

nacional. em Abril de 2011.

Desta contabilidade por tipologia dos navios de arma­dores nacionais com registo nacional, sobressai um facto

de relevo relativamente ao abastecimento energético dopaís. Apesar de Portugal importar por via marítima a

totalidade do petróleo e dois terços do gás que consome,

De acordo com o folheto mensal do Instituto Portuá­

rio e dos Transportes Marítimos, "Armadores e Navios",que reporta toda uma série de indicadores relativos àmarinha mercante nacional, verifica-se que, quanto àtipificação dos navios com registo nacional, em Abril de2011 tÍnhamos um total de 119 navios, com cerca de 1

10 Fon{~ b[{p:f1www.sdm.púmar_%C3%A9_compctiti\"'_p;J.~ar­

m;J.dores-POrtugu~.a.sp,,?ID=697

T. Ga5

TOTAL. 12

O

18 30

84.

11 Cf. Art.o 36.° da Lei 0.° 20/95, de 13 de Julho.

Tabela 4 - Lista de navios de armadores portugueses com registo

nacional.

nenhum armador nacional possui, nesta data, naviosdestes tipos com registo nacional.

Na Tabela 4 estáo listados os nomes dos navios de ar­

madores portugueses com registo nacional, referemes aAbril de 2011. Desta lista assinala-se ainda que o navio

de passageiros com registo convencional é um navio àvela (lugre) e que um dos registos é de um batelão.

4.1.2. Regime jurídico de afretamento

e requisição de naviosEm caso de necessidade no âmbito da defesa nacional,

a udlização de navios mercantes pelo Estado pode sersatisfeita por: afretamento simples e afretamento através

de requisição. O afretamento simples é, essencialmente,

uma prestação de serviços por um armador para apoiologístico de matérias não militares. O afretamento atra­vés de requisição é, essencialmente, um instrumento

legal que obriga a uma prestação de serviços, pOt umarmador, para O transporte marícimo no âmbito militar.

O instrumento de requisição está previsto na Lei Orgâ­nica da Defesa Nacional. Esta requisição aplica-se à so­

ciedade civil e abrange empresas, serviços, coisas e certosdireitos!l. A rcquisição de meios de transporte maríti­mo para actividades de defesa nacional, é realizada nos

termos e condições estabelecidas na Lei n.O 20/95 de 13

de Julho, que define o âmbito aplicacional, o períodotemporal aplicável e os direitos sobre qucm detém os ob-

12 Art" 32.0 do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante,aprovado pelo Decreto-Lei n.O 33252/43, de 20 de Novembro, al­terado pelo DL n.O 39.688, de 05 de Junho de 1954, pelo DL n. O

307/70, de 02 de Julho, pelo DL n.O 678/75, de 06 de Deumbro,pelo DL n.O 194/78, de 19 de Julho, e pelo DL n.O 39/85, de 11de Fevereiro.

13 AconHo nO 527/1995 do Tribunal Constitucional, publicado noDiárif) da Rrpública, J Série-A, de IOde Novembro de 1995.

14 Decreto Regulamentar nO 13/1993 de 5 de Maio.

jectos requisitados. Realça-se que existe a possibilidadedo Governo requisitar os meios de transporte nacionaise, também, todos os de outros Estados que se encontrem

em território português. Estas requisições são feitas com

base no pressuposto de que os bens serão revertidos oureconstituídos, estando previstas indemnizações para co­

brir os danos sofridos pelos requisitados.O enquadramento legislativo nacional prevê, no caso

do transporte marítimo de material ou pessoal militar,o embarque de um oficial da Armada, designado por ca­pitão-de-bandeira, que tem, a bordo, superintendência

sobre o comandante, demais tripulantes e passageiros,

podendo interferir na navegação do navio l2• Todavia,

apesar da figura do capitão-de-bandeira e âmbito de ac­ção estar previsto no pelo Decreto-Lei 0.0 33252/43, de

20 de Novembro, este documento tem sido contestadopela IMO (lnternationaf Maritime Organization), porviolar o direito internacional. Igualmente se levantam

alguns problemas de constitucionalidade no referido

diploma l 3, particularmente o art° J32, que caracterizao acto de deserção por parte de tripulantes de naviosmercantes.

Para operacionalizar a utilização de meios civis em si­tuações de crise, funciona no âmbito do MDN o Sis­

tema Nacional de Planeamento Civil de Emergência(SNPCE). Este sistema tem como principal missão a

elaboração e actualização de planos de contingência, aserem implementados no âmbito da defesa nacional em

situações de crise ou conflito, respondendo, assim, aosintcresses nacionais de um modo planeado e integrado,maximizando a eficiência de acção e sendo eficaz no

propósito.O SNPCE integra um conselho (CNPCE) e diver­

sas comissões sectoriais, entre as quais a Comissão dePlaneamento de Emergência do Transporte Marítimo

(CPETM), à qual incumbe o planeamento da operaçãoda marinha metcante em situação de crise e de guerral4

Porta-contentoresGuimarãesLagoaOportoTomar

Transporte químicosAnnel!e EssbergerRoland EssbergerEbberhart EssbergerJonh AuguslusEssbergerPhillipp Essberger

Carga GeralLeiriaOvarPenafielPortalegreSilvesViseu

RegistoRIN-MAR

Passageiros/RO-ROLobo Marinho

Graneleiros"AtlantisPonta de S. Lourenço

BatelãoRaio

Registoconvencional

PassageirosSla Maria MarlUe\a

Porta-contentoresCorvoFumasIlha da MadeiraInsularFunchalenseMadeirenseMonte BrasilMonte GuiaPonta do SolSete Cidades

A CPETM é constituída, para além do seu presidente(por inerência o presidente do IPTM, IP) e vice-presi­

dente, por:

a) Um representante do Ministério da Defesa Nacional;b) Um representante do Governo Regional dos Açores;c) Um representante do Governo Regional da Madeira;

d) Um representante da Direcção-Geral das Pescas eAquicultura;

e) Um representante da emidade representativa dos ar­madores da marinha mercante;

f) Um representante de cada uma das administrações

portuárias.

5. SOLUÇÕES OE TRANSPORTE

5.1. Opsóes

Para além do recurso ao instrumento de requisição,normalmente danoso para os interesses dos armadores,

existem quatro soluções para o emprego da marinhamercame no âmbito da defesa nacional, funcionando osnavios como auxiliares ou abastecedores. Estas soluções

estão implementadas em diversos países, variando emfunção dos níveis de risco e custo que os Estados pre­

tendem assumir.Os Estados com maiores recursos ou com situações

recentes e recorrentes de carência de navios auxiliares,como é o caso dos EUA e do Reino Unido, adoptam,

preferencialmente, a solução de aquisição própria destesmeios, que ficam permanentemente ao dispor das ForçasArmadas e não são normalmente utilizados em quais­

quer actividades comerciais.

Uma segunda opção passa pelo afretamento de longaduração e por tempo determinado de navios mercan­

tes. Este afretamento permite que os Estados afretadoresdisponibilizem a terceiros o uso destes navios nos perí­odos de não utilização própria. Para este efeito, existem

organizações que gerem os navios em tempo partilhadoentre os Estados interessados. O controlo operacional do

navio fica a cargo de enridades militares. No caso dospaíses signatários do tratado do Atlântico Norte, esta

função tem sido centralizada na NATO e utilizada poralguns países membros.

Uma terceira opção passa pelo estabelecimento de umcontrato de disponibilidade de navio entre o armador e o

Se(Tllran~a1:>':' 85.e esa

Estado. Este paga uma taxa fixa anual e uma taxa por diade utilização. Neste modelo sáo contratados o número de

dias de uso, as áreas geográficas de operação e a prontidãodos navios. Normalmente as empresas precisam de um

aviso prévio de 15 dias para poderem responder em tem­po e sem prejudicar as suas linhas comerciais habituais.

Uma última opção passa por afretar navios de ocasião,em caso de necessidade. Aqui os riscos de náo conseguir

satisfazer as necessidades de transporte são mais elevados.Os armadores preferem não interromper as suas linhascomerciais habituais, para fazerem apenas um frete e

arriscarem prejudicar o seu negócio. Por outro lado, os

custos de oportunidade associados a esta opção são muitovariáveis, por fortemente condicionados pela resposta dosmercados.

A NATO, num dos serviços que presta aos seus mem­bros, analisa bianualmente o mercado do transporte ma­rítimo comercial, especialmente navios RO-RO puros

e combinados. Esta análise focaliza-se na evolução dos

preços de mercado para contratação, bem como nos se­guros adicionais para determinadas áreas. São tambémavaliados os impactos do fluxo de aumento e abate de

navios. Estes estudos têm por objectivo evitar a requisi­ção militar, que normalmente só ocorre em conflitos de

grande dimensão, preferindo a adopção de uma soluçãocomercial para as necessidades eventuais dos países.

5.2. EUA

Os Estados Unidos da América, atendendo à amplitude

geo-espacial dos seus interesses e à frequência das in­tervenções militares no estrangeiro, sáo um caso para­

digmático na utilização de navios mercantes no apoio àdefesa nacional.

Numa primeira fase, o apoio logístico às acções milita­res por navios auxiliares é garantido por um organismo

da US Navy designado por Military Sealift Command,que opera 110 navios logísticos do Governo americano,onde estão incluídos 42 navios auxiliares militares. As

missões deste organismo incluem o reabastecimento dasesquadras americanas, o pré-posicionamento estratégico

e o transporte de material militar, o apoio logístico aoperações militares e ainda a realização de missões es­

pecíficas.Actualmente a marinha mercante norte-americana sógarante cerca de 10% das necessidades de comércio ma-

86.

rítimo dos EUA. Nestas circunstâncias. para acautelar as

necessidades logísticas da projecção de força, é mantida

uma frota de navios mercantes de reserva, que é reacriva~

da a pedido. Em 2010 esta frota contava com 173 uni­

dades, sendo gerida pelo National Defense Reserve Fleet,um organismo do U.S. Department of 7Tansportation's

Maritime Administration. As necessidades de reactivaçáo

podem ramo ser de cariz auxiHar, relacionado com um

conflito militar, como ter origem em dificuldades deabastecimento nacional, decorrentes de escassez inespe­

rada de navios disponíveis para o comércio marítimo ou

de bloqueio de pomos críticos de passagem das princi­pais rotas marítimas.

A sua co~servaçáo passa por estarem fundeados em zo­nas estuarinas de rios, mantendo um processo de desu­midificação dos seus interiores e de protecção calódicados cascos (Figura 10). Só náo é assegurada a manuten­

ção exterior. A sua reactivação é realizada num período

que vai de 20 a 120 dias.

Figura 10 - Navios norte-americanos de reserva.

A dimensão desta frota de reserva tem variado ao longo

do tempo, conforme as necessidades e a crescente desa-

dequação de navios antigos aos requisitos de navegação.

Especialistas americanos defendem que o número de na­

vios de reserva deveria ser da ordem das 650 unidadesl~.

No entanto, este número contrasta significativamente

com os actuais 173 existentes.

Uma particularidade orgânica dos EUA é o facto da ma­

rinha mercante, com os seus navios e tripulações, pode­

rem integrar a US Navy, em caso de necessidade durante

um conflito.

5.3. Portugal

Portugal não tem uma organização semelhante àdos EUA,

mas há um paradigma comercial, que se foi desenvolvendo

no seio dos operadores de navegação nacional, que permi­

te COntornar, de certO modo, o faCtO da frota da marinha

mercante nacional ser limitada em número e tipo de na­

vios. A manutenção do saber necessário à operação comer­

cial marítima, tem permitido gerir de modo satisfatório as

necessidades de transporte marítimo, recorrendo tanto a

navios próprios como a navios afretados. Ou seja, enquan­

to um armador tem particular preocupação em rentabili­

zar O seu activo (navio), o operador de navegação foca~se

no transporte da mercadoria, recorrendo a activos seus,

enquanto armador, ou de terceiros, enquanto afretador.

Tendo presente este paradigma, apontam-se de seguida

algumas opções para utilização de navios portugueses ou

sob controlo económico nacional, para serem utilizados

como auxiliares ou abastecedores.

5.3.1 Utilização como auxiliaresOs cenários de crise ou conAito em que se verifique a

necessidade de projecção de forças requerem, em geral,

elevada mobilidade de tropas, material e géneros, que é

garantida através do emprego de diversos tipos de veícu­

los. Os navios do tipo RO-RO sáo especializados nestes

transportes, dispondo de espaços e meios facilitadores

do seu embarque e desembarque rápidos. Estas carac~

terísticas levam a considerar este tipo de navios como o

mais adequado à generalidade das necessidades de trans­

porte logístico, no âmbito da defesa nacional.

Dentro do conjunto dos navios registados em POITugal,

uma das unidades com maior valor para apoio à projec-

15 Citação do ex-Senador Jeremiah A. Denton (Almirante reforma­do) em ~US Mercham Marine: Revh'ing A National Asset em1992, consider:ada ainda hoje como actual.

ção de forças de curta distância (2/3 dias navegação) éo navio "Lobo Marinho", que realiza a ligação regularentre o Funchal e o Porto Santo (Figura ll).É um na~

via RO-RO de passageiros, sem camarotes e apenas com

lugares sentados, que pode transportar 1150 passageirose 145 viaturas. A sua associação a um navio de passagei­ros de longo curso, com camarotes, aumenta significati­

vamente a capacidade de projecção de forças. O navioRO-RO "Ivan", com capacidade de transporte de 850

viaturas, é igualmente um navio de elevado interesse naprojecção de forças (Figura 11).

Figura 11 - Navio RO-RO de passageiros 'Lobo Marinho·· e RO­

RO simples "Ivan ...

Sem esquecer a versatilidade dos navios RO-RO, os na­

vios polivalentes, entre os 100 e os 150 metros de com~

primento e equipados com gruas, que lhes conferemautonomia na carga e descarga, apresentam igualmente

grandes vantagens. Neste leque de unidades enquadram­se os navios nacionais que fazem o abastecimento dasilhas e podem transportar contentores, carga a granel,

etc, dispondo de elevada capacidade de manobra emáguas restritas.

5.3.2. Utilizafáa como abastecedoresNas situações em que se verifiquem problemas de abas­tecimento do país, existem navios de armadores nacio­nais, ou sob seu controlo, que podem ser particular­

mente relevantes na satisfação de algumas necessidades.

Seggrança 87.efesa

Destacam~se os navios de linhas internacionais, com

grande capacidade de transporte, do tipo graneleiro,

porta~contentores, de carga~geral e petroleiros (Figura12). Principalmente no que se refere aos navios petro­

leiros e de transporte de gás, e atendendo a que Portugalimporta a totalidade do petróleo e 2/3 do gás natural por

via marítima, seria muito importante que a propriedadeou o controlo deste tipo de navios fosse, de alguma for­

ma, português.

Figura 12 - Os navios grane/eiras -'NA" e "SABR/NA r, do

armador nacional Portline, com bandeira do Panamá.

No actual cenário da marinha mercante nacional, o re­

duzido número de navios de armadores nacionais com

registo nacional (cerca de 30 entre o registo convencio­nal e o da Madeira), constitui uma vulnerabilidade, caso

se verifique uma crise internacional que desvie os naviosque normalmente fazem o abastecimento do continente

e regiões autónomas, uma vez que os navios portugue­ses (de armadores nacionais e com registo nacional) não

conseguem garantir as necessidades do país.Por Outro lado, tem-se verificado, desde a II Guerra

Mundial, que o comércio marítimo global se adaptacom facilidade às variações das necessidades. Tambémse constata que nenhum dos países envolvidos em gran~

des conAitos rem capacidade de abastecimento próprio

88.

garantido a 100%. O fundamenral é garantir a operação

de linhas de navegação de particular interesse, seja com

navios próprios ou afretados, e alguns dos nossos ope­

radores de navegação têm implementado esta solução.

6. CONCLUSÕES

A marinha mercame é um pilar fundamental do poder

marítimo do Estado. por .ser um insuumenro de trans­

porte e comércio de larga escala. por servir de apoio ao

poder naval e por contribuir para a afirmação do Estado

nos espaços marítimos.

À defesa nacional cumpre garantir a preservaçáo dos

interesses nacionais dentro e fora dos espaços de sobera­

nia e jurisdição de Portugal, náo tendo, por isso, limites

geo-espaciais de acção, o que implica a existência de ca­

pacidade de projecção de força e de abastecimento, par­

ticularmente com recurso ao mar como meio de ligação

e rransporte pesado.

Neste comeno, as funções desempenhadas pelos navios

da marinha mercante na defesa nacional são essencial­

mente duas: navios auxiliares de projecção de forças

(transporte de tropas. material militar e apoio logístico)

e navios abastecedores (abastecimento nacional em si­

tuações de crise ou conHito). Durante a guerra do Ul­

tramar. Portugal utilizou como auxiliares. no esforço

de guerra. muitos navios da sua marinha mercante no

transporte de tropas. equipamento e material militar.

Em 1956. durante a crise do canal do Suez. em que o co­

mércio marítimo mundial foi bloqueado numa das suas

principais rotas de navegação. os EUA utiliz.acam navios

de reserva da marinha mercante. como abastecedores do

país. suprindo um défice de transporte marítimo que

afectava o normal funcionamento da economia ameriü

universo de navios com capacidade para ser empregue

nestes âmbitos é cerca de 38.000 {navios com mais de

1000 toneladas de porte}. Os regimes de registo destes

navios dependem de interesses funcionais e vantagens

económico-financeiras. Por isso. embora o Panamá seja

o país com maior número de navios registados. a Grécia

é o país cujos armadores nacionais possuem navios que

somam o maior porte bruto disponível. com 193 mi­

lhões de toneladas. enquanto Portugal apenas disp&: de

1,2 milhões de toneladas.

A marinha mercante nacional rem diminuído continua­

mente desde os anos 80 do século xx. Em Abril de 2011

existiam 119 navios de registo nacional. dos quais apenas

30 sio de armadores nacionais e. desres, apenas 12 estão no

registo convencional (forte ligação nacional).

Para as acções de defesa nacional. os navios mercantes po­

dem ser usados pelo Estado através de afretamento simples

ou de afretamento com capicio de bandeira. recorrendo,

se necessário. ao instrumento legal da requisição de bens,

serviços e pessoas.Em Portugal. cabe à Comissão de Planeamento de Emer­

gência do Transporte Marítimo planear a operaçáo da ma­

rinha mercante em siruação de crise e de guerra. Idealmente

esta comissão deverá ter. permanentemente. identificados

os navios nacionais susceptíveis de serem afretados ou re­

quisitados. bem como o eventual equipamento a embar­

car ou a uansformaçáo a realizar. Também deverá plane­

ar o cremo ou simulação de emergências, com uma certa

periodicidade.Para satisfação de necessidades de apoio de transporte ma­

rítimo na projecção de forças militares e no abastecimento

nacional. existem quatro opções com diferentes níveis de

risco. A primeira opção passa pelo Estado possuir navios

próprios para uso exclusivo militar (baixo risco e devado

CUSto). A segunda opção passa pelo afretamento de longa

durnçáo com partilha de navios com nações amigas (risco

médio-baixo e custos eventualmente partilhados com ter­

ceiros). A terceirn opção passa pelo estabelecimento de um

contrato de disponibilidade com armadores. Este contra­

to, normalmente. implica o pagamento de uma taxa fixa a

que acresce um pagamento diário por utilização de navio,

a prê-d.efinição de áreas geográficas de actuação e o esta­

belecimento de uma prontidáo de resposta (risco médio e

CUStoS médios-baixos). A quarta e última opção passa pelo

afretamento de ocasião. com elevado risco de correspon­

dência. mas CUStOS mais reduzidas que as opções anteriores.

Os EUA. devido à amplirude geo-espacial dos seus interes­

ses e à frequência das intervenções militares no esuangriro.

satisfazem as suas necessidades de transporte táctico com

recurso primário aos navios do Military Sealift Command(lIO navios em 20\1). uma organização militar com na~

vias próprios. e em situações de maiores necessidades, com

cecwso a navios mercantes de reserva mantidos pelo Nario­na! Deftns- R=rve Fim (I73 navios em 2011).Em Portugal. as circunstâncias sáo profundamente distin­

tas, porque os desenvolvimentos no sector do transporte

marítimo nos últimos 30 anos, levaram à adopção, pelos

operadores de navegação, do paradigma de que a gestão das

necessidades de transporte marítimo passa, essencialmente,

pela manutenção do saber necessário à operação comercial

marítima, seja com recurso a navios próprios ou afretados

a terceiros.

No âmbito da defesa nacional, as potencialidades do pa·

radigma de transporte marítimo adoptado, passam pejo

amplo universo de navios a considerar para afretamento

(número, tipologia e dimensões), pelo recurso ao coohe·

cimemo que os operadores de navegação têm da gestão de

necessidades do transporte marítimo e pela possibilidade

de utilização de navios sob controlo económico nacional

do tipo RO-RO, como auxiliares, e de navios graneleiros,

porta-eonrenrores e pecroleiros como abastecedores.

As vulnerabilidades do paradigma de transporte marítimo

adoptado, passam pelo reduzido número de navios de ar­

madores nacionais com registo nacional (apenas 30) o que.

associado ao facto de Pomtgal importar por via marítima

a totalidade do petróleo e dois terços do gás que consome,

e de nenhum dos navios de armadores ponugueses com

registo nacional ser do tipo petroleiro ou uansporte de gás.poder criar graves dificuldades no âmbito de crises ou con·

Ritos em que o pais possa estar envolvido. Acresce ainda

O factO dos operadores de navegação preferirem não imer·

romper as suas linhas comerciais habituais, para fazerem

um frete ocasional, e arriscarem prejudicar o seu negócio.

As oponunidades do paradigma de transporte marítimo

adoptado, passam pelo facto de POrtugal continental estar

geograficamente adjacente a uma das principais linhas de

transporte marítimo mundial (com elevado nO de navios,

tipologias e dimensões), podendo facilmente aceder a na·

vios de ocasião, e pelo facto de alguns operadores de nave·

gação nacionais explorarem linhas comerciais em espaços

de interesse nacional. podendo agilizar o processo de trans·

porte marítimo no âmbito da defesa nacional.

No que se refere às ameaças do paradigma de rransporte

marítimo adoptado, em complemento à reduzida dimen·

são da frota nacional, alguns dos navios de armadores na­

cionais operam em linhas internacionais, longe dos nossos

espaços marítimos e sob bandeira distinta da portuguesa,

podendo ser complicado a sua utilização no âmbito da de·

fesa nacional. NestaS circunstâncias, uma crise internacio­

nal grave pode afectar, de modo significativo, a capacidade

de projectar fOrças ou o abastecimento nacional.

Segt!rança 89.efesa

Face ao que antecede, considera-se que urna evolução po­

sitiva da capacidade nacional de rransporte marítimo no

âmbito da defesa nacional, passa por acções no curto e lon­

go prazos. No curto prazo, importa operacionalizar as com­

petências da Comissão de Planeamento de Emergência do

Transporte Marítimo, através da identificação dos navios

com melhores condições de afretamento, da definição dastransformações n~as à optimização dessa utilização,

do planeamento de exercícios e simulação de emergências.

No longo praw, a utilização da marinha mercante em ac­

ções de defesa nacional, não pode deixar de ser pensada e

operacionalizada no quadro de uma estratégia marítima

que, ao privilegiar os aspectos económicos do desenvolvi­

mento, cria, fOrçosamente. capacidades susceptíveis de uti­

lização na defesa de Ponugal.

·ConID.-aimiranre. É lkenciado em cimcias mili= naV;l.is, mestre (fi! ('S­

tr.I.tigi;!. e: doutOr em ciência política. É professor militar da &roola Naval,

professor catedr.itiro convidado do Irn;tituto de: Citndas Sociais e Políticas

da Universidade Técnica de Lisboa e profcssor<oordenador do Instiwto

Superior de Ciências da Informação e da Administração.

uCapitão-de-fragara. É licenciado em ciências m.ili= navais, mestre

e:m siste:mas de informação grogcifica e engmhciro hidrógrafo. É pro.­

fessor auxiliar con\icbdo da Unlversidade lusófona de Humanidades e:

Tecnologias.

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