A Guerra dos Cinco Dias. A Invasão da Geórgia pela Federação Russa (137 pp.)

214
A Guerra dos Cinco Dias A Invasão da Geórgia pela Federação Russa Armando Marques Guedes 1

Transcript of A Guerra dos Cinco Dias. A Invasão da Geórgia pela Federação Russa (137 pp.)

A Guerra dos Cinco DiasA Invasão da Geórgia pela Federação Russa

Armando Marques Guedes

1

INSTITUTO DE ESTUDOS SUPERIORES MILITARES

2009Índice

Enqudramento geral e agradecimentos

Introdução

1. Os contornos da crise político-militar na Geórgia

1a. As linhas de argumentação esgrimidas enquanto modalidades de acçãopolítica

1b. O apoio norte-americano e a postura político e militar geral da Rússia

2. A grande estratégia russa para o que considera um “nearabroad” em que tem interesses privilegiados

2a. Algumas das dimensões do traçado russo da invasão de Agosto

2b Da “democracia soberana” aos “interesses especiais” de Moscovo e à novapolítica externa da Rússia

3. A salvaguarda dos interesses da União Europeia, da NATO,e do “Ocidente” em quadros geopolíticos e geo-económicosmaiores, antes e depois da Geórgia

2

3a. Serão as acções russas no que considera o seu “near abroad” inócuas paraa Europa e os projectos “Ocidentais” de expansão?

3b. A União Europeia, a NATO e a nova dança sincronizada

3c. As políticas de gestão de hidrocarbonetos e os seus impactos em quatroEstados paradigmáticos da região

4. A invasão da Geórgia e algumas reconfigurações na políticainternacional global

4a. As crises financeira e económica global e a Rússia

4b. A aliança táctica de Moscovo com os Bolivarianistas

4c. A presença militar naval da Rússia no Mediterrâneo

4d. As ‘cold wars’: a frente russa do Ártico

4e. A guerra informática da Rússia e dos hackers na Geórgia

4f. O rearmamento russo, a modernização, e a nova doutrina militar deMoscovo

4g A invasão da Geórgia, o ‘ressurgimento’ da Rússia, e o futuro

BIBLIOGRAFIA

3

Enqudramento geral e agradecimentos

Em guisa de abertura, são certamenteapropriadas algumas palavras sobre os meus elosrelativamente a questões ligadas ao Mar Negro. Ointeresse académico e intelectual que sinto pelaregião radicam em três pilares, que ojustificam. Um deles prende-se com umagrupamento de que faço parte desde a suafundação, liderado por Dimitrios Triantaphyllou,um académico que dirige o International Center for Black

4

Sea Security (ICBSS), uma unidade orgânica do BlackSea Economic Council (BSEC) – a grande organizaçãointernacional dedicada ao Mar Negro. Face àiminência da publicação de um parco documento daUnião Europeia intitulado Black Sea Synergy - a newregional cooperation initiative, datado de 11 de Abril de2007, foi criada uma task-force no ICBSS, em quefui, enquanto professor, instado a integrar; atask-force, com uma vintena de membros, foiconstituída com o intuito de redigir umRelatório de fundo sobre a segurança regional.Do núcleo duro de que desde a primeira hora fizparte, constam especialistas como Sergiu Celac,Tedo Japaridze, Sergei Goncharenko, MihaiUngareanu, Vlad Nistor, István Gyarmati, SergeiKonoplyov, Grigoryi Perepelytsia, Mustafa Aydin,Ian Lesser, Sergey Markedonov, Nadia Arbatova,Ahmet Evin, Stephen Larrabee, Oksana Antonenko ePeter Semneby; outros, como Ron Asmus, DovLynch, John Roberts, Sabine Fischer, AlexandrosYannis e Armando Garcia-Schmidt foram sendoconvidados aqui e ali. Quem conheça ainvestigação sobre a segurança no Mar Negro – eos políticos que a gizam – terá reconhecido oque porventura será um dream team. A primeirareunião teve lugar em Rodes, na Grécia, entre 6e 7 de Julho de 2007. Em ritmo moderado, no anoe meio posterior, seguiram-se outras reuniões,designadamente em Atenas (entre 26 e 27 deOutubro de 2007), em Kiev (na Ucrânia, de 28 a29 de Março de 2008), e uma quarta em Ankara (naTurquia, entre 10 e 11 de Outubro de 2008). O‘grupo de pais fundadores’ manteve-serelativamente estável, tendo-se vistoacrescentado por um ou outro convidado em cada

5

um destes encontros de trabalho. A qualidade dasintervenções (quase sempre em formato debrainstorming) foi invariavelmente alta. Muitosdos estudos citados no presente livro são daautoria de membros desta entidadeverdadeiramente única.

Um segundo pilar do interesse que nutroprende-se com os laços estreitos que mantenhodesde há alguns anos com a Roménia e, aí,também, como membro fundador (do chamado Hiltongroup) de um outro think tank, o ‘Clube deBucareste’ – bem como enquanto conferencistaconvidado em diversas entidades locais,universitárias e outras. Como seria de esperarmuitos dos membros do Clube são especialistas doMar Negro – como Zoe Petre, Vlad Nistor, RaduDudau, Daniel Daianu, ou Catherine Durandin1. Umterceiro e último estriba-se nos contactos, quetenho vindo também a manter, e que estabeleci,enquanto Policy Planning Director do MNE português,com ‘equivalentes laterais’ oriundos dos outrosEstados-Membros da União. Queria sublinhar omuito que logrei descobrir quanto aos meandrosda articulação entre questões relativas ao MarNegro, as que dizem respeito aos Balcãs, eaquelas que envolvem o Grande Médio Oriente, comPierre Levy, Milan Jazbec, e Maurizio Massari.

O ensaio que se segue não foi o únicodesfecho deste interesse. Em 2004 publiquei, narevista Nação e Defesa, do Instituto de DefesaNacional (IDN), um estudo sobre a expansãoconjunta, muito amis coordenada e sincronizadado que por norma é reconhecido, da NATO e da UE1 De um deles, Dan Petre, sou orientador científico de umadissertação de doutoramento, precisamente sobre a arquitectura desegurança (ou a falta dela) da região.

6

em direcção à Federação Russa – um trabalho quefoi reeditado num volume com a chancela doMinistério dos Negócios Estrangeiros (MNE), em2006. No primeiro número da revista Geopolítica,porta-voz do Centro Português de Geopolítica,foi publicado um artigo que cristalizou aconferência de abertura que fiz ao seu primeiroCongresso, que teve lugar a meados de 2007 noIDN da Foz – cujo tema foi a ‘linha da frente’dos conflitos uqe são previsíveis nos palcosinternacionais contemporâneos, e queidentifiquei como um ‘eixo de tensão’ que vaidos Balcãs Ocidentais à fronteira Oeste daChina. Tanto um como outro destes dois artigos –sempre com variações sobre temas em constantemudança, que nunca deixei de acompanhar – foramobjecto de palestras que apresentei em várioslocais, como Lisboa, Sinaia, Bucareste, Sófia,Rodes, Atenas, Ljubljana, Belgrado, Zagreb,Budapeste, Viena, Moscovo, S. Petersburgo,Vilnius, Kiev, Bruxelas, Berlim, Cairo, Argel, eCasablanca. A um terceiro desenlace do meuinteresse fui dando corpo por uma outra série depalestras que apresentei, em versões muitodiferentes umas das outras, mas com fortesligações ‘orgânicas’ entre si, em Oxford, Sibiu,Sófia, Belgrado, Bruxelas, Berlim, Vilnius,Budapeste, e Ankara – esta última uma série depalestras ao redor dos impactos da progressãodos constantes upgrades da ‘Política Europeia deVizinhança’, contrapondo, e tentandocompreender, os seus (poucos) sucessos a Lesteaos (quase nulos) que tenta ter a Sul;curiosamente, nunca discorri sobre o tema emLisboa. O grosso destas conferências ocorreu em

7

instituições universitárias ou em think-tanks; umaboa percentagem, de qualquer modo, foiapresentada nos Ministérios da Defesa ou dosNegócios Estrangeiros dos respectivos países –e, em Bruxelas, sempre no Conselho Europeu. Nalarguíssima maioria destes casos, aproveiteimuito das não raramente ricas perguntas queforam suscitadas e dos comentários que fuicolhendo, muitas vezes em catadupa.

Quanto à atenção que tenho vindo a dedicarao tema específico da invasão da Geórgia pelastropas da Federação Russa em Agosto de 2008, osantecedentes são mais simples. Com base no meuinteresse anterior, mantive proximidade estreitacom o desenrolar dos acontecimentos a partir deOslo e Bergen (onde estava aquando do seuinício), e, de seguida, Bruxelas, Bruges, PoianaBrashov, Ankara, Budapeste, e Lisboa. EmNovembro de 2008 participei numa Mesa-Redondapequena e restrita que teve lugar no IDN, emLisboa, e vi a minha breve contribuiçãopublicada, com uma rapidez tão pouco habitualcomo bem-vinda. A 19 de Dezembro do mesmo ano,no Instituto Superior de Estudos Militares, fuiresponsável por uma muito mais longaapresentação sobre o tema, no quadro do Curso dePromoção a Oficial General.

O presente estudo retoma em larga medida,embora com muitíssimos acrescentos enumerosíssimos desenvolvimentos, aquilo queapresentei no IDN em Novembro de 20082. Adensa,também, o muito mais curto texto provisório quedistribui no IESM antes da sessão de 19 de2 E que foi publicado como Armando Marques Guedes (2008), “OConflito na Geórgia”, Cadernos do IDN, no. 1, II série, pp. 25-35,Instituto de Defesa Nacional, Ministério da Defesa.

8

Dezembro de 2008, no Curso de Promoção a OficialGeneral. As perguntas que se seguiram à minhaexposição foram, como sempre, magníficas.

Não posso deixar de agradecer os comentáriosde pormenor e a ajuda que recebi de váriosamigos e colegas: Radu Dudau, Nuno Cabral, JoséManuel Freire Nogueira, Francisco ProençaGarcia, Jorge Azevedo Correia, Duarte Pinto daRocha, Luís Tomé, João Leal e Pedro Palhares –aqui e ali, incorporei muitos dos comentáriosque tiveram a generosidade de me fazer sobre umaversão prévia que lhes enviei e que em muitomelhoraram a qualidade do presente trabalhointrodutório.

A responsabilidade por tudo aquilo queescrevi permanece, como é óbvio, inteiramenteminha.

Introdução

No início da segunda semana de Agosto de2008, a Rússia invadiu a Geórgia, um Estadosoberano com assento nas Nações Unidas. Quinzedias depois, desmembrou-a. Quaisquer que tenhamsido os motivos para esta intervenção militar, ocerto é que ela fez parte de um conjunto demedidas russas de afirmação nacional numa dassuas ‘zonas de influência’ tradicional – muitasdas quias têm vindo a ser anunciadas porVladimir Putin e Dmitry Medvedev. Apesar deGeorge W. Bush ter reagido tant bien que mal e de

9

Nicolas Sarkozy, em nome da União Europeia, tertentado um ‘acordo de seis pontos’ para umarápida cessação das hostilidades na Geórgia, o“Ocidente” pouco logrou fazer face a uma "quarrelin a faraway country between people of whom we knownothing". A Geórgia viu-se retalhada. Para umaopinião pública desatenta, a questão pareceuremota.

Desde o primeiro momento, Moscovo insistiuna legalidade da sua actuação e invocou posturassemelhantes dos norte-americanos na Europa,atitudes que vão da polémica ao redor do“estatuto final” do Kosovo à instalação de um‘escudo anti-mísseis’ em lugares próximos doterritório russo, na Polónia e na RepúblicaCheca. Em finais de Dezembro do mesmo ano de2008, o Kremlin anunciou um upgrade e umaimportante e inusitada reestruturação das suasForças Armadas, bem como uma mudança na suadoutrina militar. Fê-lo de modo a estarpreparada, explicou o Ministro da Defesa, paracombater em “três frentes em simultâneo, emconflitos locais e regionais como foi o daGeórgia” – e de seguida designou o ‘espaço pós-soviético’ como lugar de eleição para taisintervenções, que previu poderiam vir aacontecer “durante o ano” de 2009.

Num balanço geral, a impressão que fica é ade que regressou à Europa a ‘política de grandespotências’ que tanto afligiu a nossa História. Areacção dos Estados Unidos da América à actuaçãorussa na Geórgia e à nova postura de desafio deMoscovo parece confirmá-lo. A Europa está denovo de permeio. É esse o tema geral do presenteestudo.

10

O meu intuito neste pequeno trabalhomonográfico é duplo. Quero, por um lado, tornearmanipulações retóricas relativas aosacontecimentos político-militares que sedesenrolaram nas duas ou três primeiras semanasde Agosto de 2008 na região do Mar Negro,tornando disponíveis informações de algumpormenor sobre eles. Para esse efeito, numprimeiro momento desmonto as formulaçõesretóricas mais eivadas de intencionalidadepolítica contextual, enquanto, num segundo,tento descrever as dinâmicas militares queocorreram. Por outro lado, tenho como finalidadecomeçar a equacionar, neste estudo, asconsequências regionais, internacionais, eglobais, da invasão russa da Geórgia no passadomês de Agosto e as do seu reconhecimentounilateral da independência da Ossétia do Sul eda Abcásia. Para isso, tento, no que se segue,levar a cabo dois esforços complementares: umprimeiro cuidado, de desconstrução ereconstrução empírica; um segundo empenhamentoenvolve o esboço de uma análise “multi-dimensional” das mudanças induzidas pelosacontecimentos nos relacionamentos entre aRússia e os seus vizinhos do Mar Negro e doCáspio, actores regionais e globais como a UniãoEuropeia e os Estados Unidos da América, eorganizações internacionais como a ONU, a NATO,e a OSCE. Neste segundo passo – aquele em queconcentro esforços descritivos, analíticos, ecríticos – a tónica será posta nas re-orientações estratégicas, económicas, esecuritárias desencadeadas; e é seguramente aquique as minhas preferências teóricas e

11

metodológicas mais se evidenciam. Ponho sempreem primeiro plano, ao fazê-lo, não tanto apercepção que cada um dos actores internacionaisem causa tem dos outros, e da conjuntura, masantes as representações que articulam e enunciamquanto a tudo isso – bem como do seu própriopoder e da sua margem de manobra. Também aquiinsisto em esmiuçar a multi-dimensionalidadedestas representações. Mantendo o mesmo ângulode perspectivação ‘institucional-construtivista’, aproveito a oportunidade paratecer algumas considerações político-militaressobre o conflito, pondero a reacção que ainvasão suscitou no seio da União Europeia, edebruço-me sobre algumas das suas condicionantescentrais: tanto sobre actuações conjunturaisque, ao mesmo tempo, a Rússia tem vindo a levara cabo, quanto sobre as implicações dosdesenvolvimentos que têm tido lugar desde Agostopara a rápida progressão de uma arquitecturainternacional agora numa mudança, ao que parece,bastante profunda.

Em guisa de guião, vale decerto a pena queaqui alinhe os passos que vou dar. Mantendosempre em mente os dois esforços que traçam alinha de rumo do trabalho que se segue, divido aminha exposição em quatro partes. Numa primeira,abordo as alegações ‘legalistas’ de umasabedoria convencional quanto ao conflito que adesinformação, a propaganda, e as manobraspsicológicas, têm tornado moeda corrente; o meuesforço é, aí, de desconstrução – emboraaproveite a oportunidade para dar uma primeirademão tanto descritiva como analítica sobre asmúltiplas dimensões daquilo que efectivamente

12

sabemos quanto à “questão georgiana”. Numasegunda parte, tento reconstruir racionalmente oque de facto podemos apurar sobre as dinâmicasdos processos político-militares em curso, pondoa tónica sobre as motivações de russos egeorgianos, por um lado e, por outro, a naturezadas operações militares que tiveram lugar; numúltimo segmento, ainda nesse segundo passo,tento contrariar alguns dos argumentos queimaginam podermos encarar a entrada na Rússia naGeórgia como uma acção avulsa e isolada. Nestasduas primeiras partes, como é bom de ver, apontobaterias a uma desmontagem crítica.

Nas duas partes seguintes ensaio umaremontagem cuidada. Num terceiro passo, teçoalgumas considerações sobre os impactosgeopolíticos da invasão e reconhecimentosrussos, e sobre o papel que a União Europeia temlogrado ter face a processos que a afectamprofundamente mas que escapam a um seu controloefectivo Num quarto e último momento do meuestudo debruço-me sobre alguns aspectos depormenor da invasão de Agosto de 2008 e formuloconsiderações nos termos de um enquadramentogeopolítico geral e mais amplo – com o quetermino.

13

1.

Os contornos da crise político-militar na Geórgia

“For at least a generation, the major task facing the United States in theeffort to promote global security will be the pacification and then the

cooperative organization of a region [‘the Global Balkans’] thatcontains the world’s greatest concentration of political injustice, socialdeprivation, demographic congestion, and potential for high-intensity

violence. But the region also contains most of the world’s oil and naturalgas”

Zbigniew Brzezinski, Winter 2003/04 issue of The National Interest

14

“The foremost unresolved challenge for European security at the beginningof the 21st century is how best to engage a Russia that is not a member of

the leading international and Euro-Atlantic institutions composed of marketdemocracies, notably the North Atlantic Treaty Organization (NATO) and the

European Union (EU), and is lurching back towards authoritarian rule”

Cynthia Roberts (2007), Russia and the European Union. The Sources and Limits of “Special Relationships”,

Strategic Studies Institute, U.S. Army War College, Carlile, PA

Começo por notar que, em Portugal, poucosabemos sobre a parte do Mundo aqui em causa,sequer em termos político-económicos, oupolítico-militares. À primeira vista, a regiãodo Mar Negro pode parecer-nos remota e distante,mas em boa verdade não o é. A região geral doMar Negro tem-se mostrado decisiva nos quadrosda maioria das mudanças estruturais que osistema internacional de Estados e a própriaordem internacional têm sofrido no último séculoe meio ou dois.

Mesmo uma leitura cursória o mostra àsaciedade. Os czares russos desde Pedro I, oGrande, até Catarina II, também a Grande,esforçaram-se denodadamente por obter uma saídapara o Mar Negro e, por essa via, para oMediterrâneo; já antes disso, Ivan IV, oTerrível (aliás, o ‘Grozny’, termo que se traduzmelhor por “Espantoso, ou Tremendo”) para seacercar do sul, se tinha casado, em 1561, comuma princesa oriunda da Cabárdia, uma regiãovizinha da Ossétia do Norte. Pedro conseguiucapturar Azov em 1696, mas perdeu-a poucodepois; a própria Catarina conseguiu anexar todoo Canato da Crimeia, já na década de 80 do

15

século XVIII. Guiavam-nos não somenteconsiderações territoriais e securitárias comoainda o projecto, verdadeiramente hercúleo deretomar Constantinopla aos Turcos, libertandoassim os povos ortodoxos do jugo muçulmano einstituir – com isso – um império ortodoxo eeslavo que teria ‘Moscovo’ como ‘Terceira Roma’3.

Embora tal não tenha importância para aargumentação aqui prosseguida, vale a pena notarque é possível vislumbrar, na expansão da Rússiapara sul, o reunir de uma série de ambições econdicionantes. Terá sido uma forma de encontrarfronteiras naturais indisputáveis – o mar; aomesmo tempo, o de completar a unificação doterritório “primitivo” da Rússia de Kiev (KievanRus), a entidade inicial (século IX d.C.) deonde surgiu posteriormente o Estado russo. Foipelas margens do Mar Negro que Eslavos eVaregues chegaram a ameaçar Constantinopla eque, pela via inversa, receberam a evangelizaçãoortodoxa e as noções daquilo que era um Estadoimperial e autocrático. A Ucrânia actual foi3 Para uma perspectiva histórica do relacionamento russo com aregião, ver Brian L. Davies (2007), Warfare, State and Society on the BlackSea Steppe, 1500-1700, Routledge; J.T. Kotilaine (2004), Russia’s ForeignTrade and Economic Expansion in the Seventeenth Century, Koninklijke Brill NV,Leiden, The Netherlands; Nikolas K. Gvosdev (2000), Imperial Policies andPerspectives Towards Georgia, 1760-1819, Palgrave Macmillan; Ronald ParkBobroff (2006), Roads to Glory. Late Imperial Russia and the Turkish Straits, I.B.Tauris & Co; Bülent Gökay (2006), Soviet Eastern Policy and Turkey, 1920-1991.Soviet Foreign Policy, Turkey and Communism, Routledge; Marc Garcelon(2005), Revolutionary Passage. From Soviet To Post-Soviet Russia, 1985-2000, TempleUniversity Press. Para uma contextualização geral no quadro dahistória russa, vale a pena a consulta da monumental colectânea emtrês volumes: (ed.) Maureen Perrie (2006), The Cambridge History ofRussia, Volume 1. From Early Rus’ to 1689; (ed.) Dominic Lieven (2006),The Cambridge History of Russia, Volume 2. Imperial Russia, 1689-1917; e(ed.) Ronald Grigor Suny (2006), The Cambridge History of Russia,Volume 3. The Twentieth Century, todos da Cambridge University Press.

16

conquistada pela espada aos Canatos tártarossucedâneos dos Khans que em tempos dominaram aRússia – não haverá na ‘descida de Moscovo umsentido de Reconquista e de vingança pelashumilhações anteriormente sofridas? Segundo estalinha de argumentação, em todo o caso e em suma,avançar para o Mar Negro terá, para os líderesdo Kremlin, um sentido muito mais do queestratégico. O ponto a sublinhar é o de que aconquista das margens do Mar Negro tem sido,desde há muito, um elemento fundamental napercepção russa do seu território, do seu acessoao ‘mar aberto’, da sua história, e da suaprópria identidade – e o grosso desse territóriopertence hoje à Ucrânia.

Em 1854-1855, no cerne da Guerra da Crimeia,o Mar Negro foi palco do famoso Cerco deSebastopol, que contrapôs britânicos, francesese turcos às tropas russas imperiais4. Em 1915,Winston Churchill teve um desaire em Gallipolicontra os Otomanos, uma derrota inesperada que oarredou efectivamente da política activa de topopor muitos anos5, até se ouvirem as salvas4 Um trabalho light mas de boa qualidade e estupendas imagens sobreeste conflito é o de John Sweetman (2001), The Crimean War, Osprey.

5 Embora não da política activa tout court. Churchill ainda foi,durante a Grande Guerra, Ministro das Munições (1917-1919) eposteriormente da Guerra e do Ar (1919-1921). Nos anos 20 foiMinistro das Finanças. Ver Martin Gilbert (2004), “Churchill andGallipoli”, em Jenny Macleod, Gallipoli. Making History, Frank Cass: 14-44. Como escreveu com uma certa dose de amargura Martin Gilbert,“Churchill never saw the publication which he believed would vindicate him and rebut, byfacts, the many and varied accusations that circulated in the immediate aftermath of theDardanelles” (p.43). Quanto a Gallipoli como um todo, é útil a leiturados ‘coloridos’ estudos de Alan Moorehead (1956), Gallipoli,Ballantine Books e a de Kevin Fewster et al. (2003, original 1985),Gallipoli. The Turkish Story, Allen & Unwin, para uma visão complementar.

17

iniciais do segundo conflito mundial. Tal comofora o caso no primeiro, durante esse segundoconflito ‘global’ a centralidade do Mar Negromanteve-se: em Fevereiro de 1945, teve lugar aConferência de Yalta, na Crimeia, que juntouFranklin Delano Roosevelt, Winston Churchill eJosef Stalin, e que tão decisiva foi para apartilha de zonas de influência no pós-guerra.

Em termos geopolíticos macro, depois de 1815o Mar Negro tornou-se na frente geográfica deeleição de uma interface tensa entre os‘impérios centrais’ Austro-Húngaro, Russo eTurco. Na Grande Guerra constituiu a frente decontacto entre os impérios Alemão, Russo eOtomano. Na Segunda Guerra Mundial foi-o entreAliados e o Eixo – muito como, para osprimeiros, tinha no entre-Guerras constituídouma zona de atrito entre Bolcheviques eBritânicos. Durante a Guerra Fria formou um dosespaços de tensão entre o Pacto de Varsóvia, queaí incluía toda a costa Norte e Leste, entãosoviética, e o seu litoral Oeste, com a Roméniae a Bulgária – e a contrapunha à NATO, nelerepresentada apenas pela Turquia.

Com o fim da ordem bipolar a situaçãopareceu tender a uma inversão: com a implosão daUnião Soviética, o Mar Negro vê-se repartido porseis Estados, três deles membros da AliançaAtlântica – a Turquia, a Bulgária e a Roménia –dois outros candidatos a uma acessão a essaaliança – a Ucrânia e a Geórgia – e a Rússiareduzida a uma muito exígua linha de costa. Em2008, foi a Geórgia a adquirir uma importânciadecisiva no litoral Leste do Mar Negro e que põena ribalta líderes como Mikheil Saakashvili,

18

Vladimir Putin, George W. Bush, e NicolasSarkozy.

1a.

As linhas de argumentação esgrimidas enquanto modalidades deacção política

Nas inúmeras tomadas de posição queocorreram desde Agosto passado têm sidosuscitadas várias discussões que me parecem depor de lado. Uma delas diz respeito às “culpas”,ou às ‘responsabilidades’, na eclosão doconflito. Tanto os russos, como as autoridadesda Geórgia, como georgianos da oposição, comoalguns dos Estados-Membros da UE envolvidos na“mediação” do conflito, têm vindo a esgrimirnarrativas e argumentos neste espírito.Caracteristicamente, tais discussões versam aquestão de saber quem atirou a primeira pedra;ou seja, debruçam-se sobre a questão de tentarapurar quem, como, e porquê tudo precisamentecomeçou. A mais superficial das análises mostra,com efeito, que as numerosas discussões enarrativas produzidas de parte a parte têm tido,por norma, um cariz ‘jurídico’ e adversarial.Elencá-las torna-o evidente – ao mesmo tempo quetorna clara a intencionalidade com que sãoesgrimidas. Uns argumentam que terão sido osrussos a desencadear o conflito. Outros,insistem que a responsabilidade deverá recairsobre o Presidente Saakashvili, que terá atacadoantes. Há também os que argumentam que se tratou

19

de “uma armadilha” russa em que um Presidentegeorgiano incauto tropeçou, urdida por VladimirPutin, a que um analista britânico chamou “thecapo di tutti capi della Cosa Nostra Rusiana”. Outros,ainda, insistem que foram as acções “brutais egenocidas” dos artilheiros governamentaisgeorgianos que deram início à guerra.

Este tipo de insistência quanto a um ‘pontode partida’ é profundamente reducionista e derelevância menor para a compreensão dosacontecimentos e das suas implicações: trata-sede uma insistência que visa, sobretudo, atribuirresponsabilidades morais, políticas e, em últimainstância, jurídicas, quanto à destruiçãohumana, económica, e política que teve lugar.Suscitar a questão nestes termos redunda, emminha opinião, numa simplificação grosseira dasmotivações e interesses das partes – que nãosão, evidentemente, sobretudo jurídicos ourelativos a responsabilidades, quaisquer queelas sejam. Parece-me preferível tentar apuraros padrões de comportamento efectivo de uns eoutros em termos menos atidos a meros critérios“normativos” destes tipos – ou seja, parece-memais útil que se usem argumentos que radiquem emcritérios que reposicionem estas invocações nosdomínios políticos e retóricos para os quaiselas foram obviamente desenhadas e nos quaisoperam: como armas políticas de arremesso de unscontra os outros, e enquanto tentativas derecrutamento e mobilização das organizações edas opiniões públicas internacionais.

A discussão, tal como ela tem tido lugar, éestéril e irrelevante. A esterilidade decorre,por um lado, da dificuldade em que em resultado

20

nos quedamos para conseguir apurar – por trás daretórica política de combate numa frentenormativa – factos e dados, sempre susceptíveisde distorções instrumentais – e que desde oprimeiro dia o têm sido, tanto por uma como poroutra parte. Resulta, por outro lado, de setratar de uma questão estruturalmenteirresolúvel nos termos em que tem progredido –dado o caminho que tomou de ‘regressãopermanente’ e de apuramento de uma ‘culpa’retratada como pontual: com efeito, aargumentação tem vindo a recuar no tempo no quediz respeito à atribuição de responsabilidades,que ora terão sido dos russos, que invadiram aGeórgia, ora os georgianos, que tentaram atacarde maneira brutal e decisiva a Ossétia do Sul,ou de novo dos russos, que os provocaram eatiçaram, ou dos georgianos que desde 1992 têmforçado os russos, contrafeitos, a intervençõespacificadoras6. Estas linhas de discussão são,também, irrelevantes – note-se que aquilo quemove a argumentação é o desejo, manifestado porambas as partes conflituantes, e até pelosEstados-Membros da União Europeia, de ver aguerra aferida no quadro do DireitoInternacional, de modo a que um dos lados seveja responsabilizado e punido por isso – o quedecerto não irá acontecer. Assim, as autoridadesrussas têm tentado ancorar a invasão em

6 Para duas excelentes leituras da progressão dos relacionamentosentre a Rússia e a Geórgia ver, por todos, Sergey Markedonov (2008),“Caucasus Conflict Breaks Old Rules of the Game”, Russian AnalyticalDigest, 45: 2-6, Zurich, www.res.ethz.ch (recuperado a 20.09.08), e atranscrição de uma longa entrevista de Charles King (2008), “Acomprehensive look at what's happening in Georgia and why...”, Schoolof Foreign Service, Georgetown University, em http://www.salon.com/(recuperado a 20.09.08).

21

enquadramentos reconduzíveis a uma posturadefensiva e “humanitária” e, mais polemicamente,no ‘direito de autodeterminação’. Enquanto aGeórgia, de maneira mais linearmenteprogramático-normativa, tem sublinhado os seusdireitos territoriais, a sua integridade e a suasoberania.

Repare-se, em todo o caso, que esta linha deargumentação também tem sido incompletamenteprosseguida, pelo menos no que toca ao caso daRússia. Curiosamente, a Administração russainvocou culpa do Governo georgiano no que toca àOssétia do Sul que este terá “atacado” a‘Ossétia do Sul’ (assim subliminarmenteretratada como uma entidade soberana) e,designadamente Tskhinvali, justificando, nessestermos, a invasão. Mas no que diz respeito àAbcásia, nenhum argumento substantivo russo foiavançado para a intervenção que teve lugar7.Mais, a linha de argumentação russa éinsuficiente para justificar o que se seguiu: oreconhecimento das independências da Ossétia doSul e da Abcásia, pouco mais de duas semanasdepois da sua entrada militar na Geórgia. Estaincompletude radica numa segunda linha deraciocínio russa, que diz respeito à ‘obrigação’7

? Embora o conflito tenha depressa sido propagado para a Abcásia,essa outra região secessionista maior – e estrategicamentemuitíssimo mais importante para Moscovo, dada a sua contiguidade comterritório russo litoral. No dia 10 de Agosto a mobilização geralfoi ordenada na Abcásia. Como indicou Roy Allison, “[a]s fightingcommenced in South Ossetia, Russia rapidly transferred a 9,000-strong force of so-called‘reconnaissance and combat troops’ to Abkhazia as means of preventing ‘Georgia’s plannedmilitary invasion of Abkhazia’”?. Um mero processo de intenção, visto quenão havia quaisquer movimentações de tropas georgianas (nessa fasejá em debandada face ao avanço russo) que o sugerissem. Ver RoyAllison (2008), “Russia Resurgent? Moscow’s Campaign to ‘CoerceGeorgia to Peace’”, International Affairs, vol. 84, no. 6, p. 1157.

22

de uma efectiva protecção de minorias indefesas,à consequente aplicabilidade do Direito deIngerência, ou do Direito InternacionalHumanitário, ou até do Direito de“autodeterminação” invocado pelas autoridadesmoscovitas ou, melhor ainda, o Direitoresultante do “precedente” instaurado pelo “casodo Kosovo”. A surpresa que muitos manifestaramrelativamente à adução deste último elemento – ocaso do Kosovo – no argumentário das autoridadesmoscovitas não resulta, tão-só, da manifestaaplicação de dois pesos e duas medidas, ou deuma mudança de fundo na posição russa8. A Rússiade Vladimir Putin foi, seguramente, o Estado quecom maior veemência e firmeza se opôs àindependência do Kosovo, invocando a soberaniasérvia. É intrinsecamente interessante, porisso, que a Rússia mantenha essa posição e, emsimultâneo, defenda as independências da Abcásia9

e da Ossétia do Sul – mas fê-lo, a 26 de Agostopassando, sem apoios internacionais que não aNicarágua ‘sandinista’ de Daniel Ortega, o Hamase o Hezbollah. Ou seja, que a Rússia, depois deAgosto e das explicações que aduziu, mantenha asua postura de firmeza de princípio na sua8

? Ou seja do facto de que a Rússia nunca aceitou reconhecer odireito à ‘autodeterminação’ de ninguém desde as independênciascoloniais; tal como a China e a maioria dos membros da AssembleiaGeral das Nações Unidas. A Rússia tem sempre insistido naimportância primordial do princípio da ‘inviolabilidade dasfronteiras soberanas’.

9 Em Dezembro de 2008, a Abcásia estava a trabalhar para estabelecerligações aéreas e marítimas regulares com a Turquia. A embaixadaabcáze em Moscovo terá cerca de 12 diplomatas e planeia-se abrirsecções de interesses abcazes nas embaixadas russas em Ancara e emBruxelas.

23

oposição ao reconhecimento do Kosovo torna-sedificilmente compreensível.

A não ser que aquilo que esteja em causaseja a exigência, pelo Kremlin, da aplicação deum princípio de reciprocidade, ou melhor deparidade, relativamente a ‘zonas de influência’ –ou seja, um retorno às ‘great power politics’10. Oque, segundo alguns (poucos) analistas maisargutos será efectivamente o caso: nas palavraspremonitivas de Ivan Krastev, logo no início de2007, “[b]ilateral recognition of Kosovo by selected countrieswill also dramatically weaken the West with respect to the frozenconflicts in Eurasia and open the door to reintroduce sphere ofinfluence politics in Europe. That’s the real objective of the Putinjudo diplomacy. The price for recognizing Kosovo’s independencewill be to give Russia a free hand in dealing with the Eurasianconflicts”. Por outras palavras, a posição russatorna-se compreensível se suposermos que, sob asvestes de uma argumentação ‘normativa’especiosa, Moscovo possa estar, na realidade, apropor uma troca política. Ou seja, se não seestiver a bater para que sejam cumpridas as‘regras do jogo’, mas antes a combater para asalterar.

Efectivamente, as analogias aventadas porMoscovo para justificar tais invocações têmtambém pouco cabimento em si mesmas: o caso doKosovo foi o exemplo de eleição; por si só, acomparação não é convincente. A invasão daGeórgia, foi muito diferente dos ataques da NATOaos sérvios no caso do Kosovo, em 1999, que seseguiram a meses de tentativas goradas de10 Em Ivan Krastev (2007), “Balkan Deep Freeze. What the RightKosovo Precedent Might Look Like”, The Wall Street Journal, 2 deFevereiro.

24

resolver a questão num quadro negocial e noâmbito de organizações internacionais como asNações Unidas – os reconhecimentos que sesucederam a partir de inícios de 2008 deram-seapenas depois do fecho formal, a 10 de Dezembrode 2007, de nove anos de negociaçõesinfrutíferas, depois de uma administraçãotransitória, pela comunidade internacional (numamissão complexa que envolveu a ONU, a EU, e aNATO), que durou o mesmo tempo. Ao invés, nãohouve, no caso da incursão russa na Geórgia eminícios de Agosto de 2008 e dos reconhecimentosdas independências da Abcásia e da Ossétia doSul, a 26 desse mesmo mês, quaisquer tentativas deenvolver nos processos nenhuma das organizaçõesinternacionais11. Moscovo não aceitou a presençade observadores da UE nas duas Repúblicassecessionistas para, no quadro do “planoSarkozy”, verificar o cumprimento do acordado; esó truculentamente as permitiu nas “zonas desegurança” que, unilateralmente, estabeleceu nointerior de território georgiano “não-disputado”. Como sublinhou Robert Kagan erepetiram ad nauseaum outros analistas próximosdos ‘neo-conservadores’ norte-americanos, aoperação russa na Geórgia, em Agosto de 2008, emnome dos direitos das minorias, foi muitíssimosemelhante à invasão nazi, levada a cabo tambémpela via de um Blitzkrieg unilateral e fulgurante,11 Para esta argumentação, vale a pena ler o texto (ou ver o video)da discussão que teve lugar a 28 de Agosto passado, no Conselho deSegurança das Nações Unidas, disponível em Conselho de Segurança dasNações Unidas (2008), “The Situation in Georgia”, transcriçãooficial das Actas da Reunião de Emergência do Conselho quando doreconhecimento pela Rússia da independência da Ossétia do Sul e daAbcásia: http://www.undemocracy.com/securitycouncil/meeting_5969(descarregado a 09.11.08).

25

dessa feita sobre a Sudetenland checoslovaca, em1938; e foi empreendida com justificaçõesaventadas muito parecidas – a ‘libertação’ dasminorias ‘nacionais’ aí instaladas e oprimidas12.

Um último grupo de motivos esgrimidos porfontes próximas da Administração russa é maisinteressante, e parece dar razão à hipótesesegundo a qual aquilo que está em causa é umaproposta de troca com vista a uma nova paridadeentre a Rússia e os EUA, ou o “Ocidente”, aedificação de uma nova regra do jogo. Os motivosostentados centram-se em alegações de que ainvasão terá sido resultado de uma assunçãomista: por um lado, de uma asserção, quetardava, de direitos inalienáveis (DmitryMedvededv, o Presidente russo, intitula-os de“interesses especiais”) quanto a um espaço pós-soviético sobre o qual a Federação Russa teriaresponsabilidades históricas especiais e, poroutro, de um interesse geográfico-políticonatural, uma espécie de variante russa daDoutrina de Monroe norte-americana – a Rússia,enquanto Estado teria, de acordo com estesconsiderandos, um direito implícito de intervir,num perímetro de segurança correspondente àprofundidade estratégica que lhe é essencialpara a sua própria sobrevivência, em nome de umadefesa muito concreta dos seus própriosinteresses nacionais – e.g., a Ossétia do Norte,a Ingushétia e a Chechénia, todas elas nointerior da Federação Russa, estariam a ser

12 Uma Blitzkrieg propagandística e diplomática, certamente – os Sudetasforam, apesar de tudo, tomados sem derramamento de sangue.

26

desestabilizadas por causa das tensões econflitos no Cáucaso do Sul13.

No que diz respeito à actuação russa naGeórgia, tem sido um analista russo, SergeyMarkedonov, quem melhor tem vindo a teorizaresta estratégia argumentativa, e os paralelosformulados têm-no sido com as intervençõescíclicas de pára-quedistas franceses na Áfricapós-colonial, com as actuações de Israel noMédio Oriente, ou com as da Austrália na regiãogeral da Oceânia14. O analista russo formulaexplicitamente o paralelo com a Doutrina deMonroe. S. Markedonov vai mais longe,estabelecendo ainda outras comparações. SegundoMarkedonov, “Russia has defined its particular role in the“near abroad” (similar to the role of the United States in LatinAmerica, Israel’s in the Middle East, Australia’s in Oceania andFrance’s in the former colonies of Sub-Saharan Africa). This is aqualitatively new definition of one’s vital and legitimateinterests”. Embora com um ponto de partidapolítico-ideológico que julgo ser diferente, asimplicações não são muito diferentes das, muitomais genéricas, de um ultra-nacionalista comoAlexander Dugin, Professor de SociologiaPolítica da Universidade Estatal de Moscovo –Dugin vê num futuro próximo a asserção da13 Note-se que o traçado actual das fronteiras da Rússiacorresponde, com mais ou menos 100 km para Leste ou Oeste, aoterritório ocupado pelos alemães no início do Verão de 1942. O pontomais oriental da Ucrânia fica a uns 70 Km do Volga e de Volgogrado(a antiga Estalinegrado)? Não é por isso surpreendente que os russosficam tão perturbados com a perspectiva de voltar a ter basesmilitares estrangeiras naquele território.

14 Para esta posição, ver Sergey Markedonov (2008), “A New PrecedentSet. The South Ossetian War Turns a New Page in post-SovietHistory”, em Russia Profile.org, descarregado a 10.11.de 2008 dehttp://www.russiaprofile.org/page.php?pageid=International&articleid=a1218740160&print=yes.

27

soberania de Moscovo sobre muito do espaço pós-soviético, prevendo “guerra civil” na Ucrânia, ena Geórgia, e um domínio moscovita sobre a ÁsiaCentral. Não exclui a hipótese de umaconfrontação militar russo-americana noprocesso. Seja qual for a sua genealogia, édifícil não considerar a doutrina geral do “nearabroad” que Medvedev invoca e faz sua comoconstituindo uma versão modernizada soft – e maiscircunscrita em termos histórico-geográficos –de uma versão ‘regional’ da doutrina da“soberania limitada” de Brejnev.

Repare-se que esta derradeira linha deargumentação não tenta legitimar normativamentea actuação russa na Geórgia. Faz algo de muitomais interessante e que contararia o princípionormativo da ‘igualdade soberana’ dos Estados:ensaia antes justificar a invasão russa‘encostando-a’ a outros exemplos de power politicsde Grandes Potências. Ou seja, faz aquilo que meparece precisamente ser o que com efeito está emcausa: a asserção pública e enfática de umressurgimento da Rússia como Grande Potência,que se insere bem na sua necessidade deafirmação como tal – neste caso, no seu nearabroad estratégico. Fá-lo em nome dos interessesefectivos (securitários e económicos) russos15. 15 Nestes termos, alguns autores, designadamente em Portugal, comoLuís Tomé, souberam antecipar a eventualidade de incursões russas noespaço pós-soviético: “existe a possibilidade da Rússia deixaragravar ou até mesmo promover uma escalada de tensões em torno dos"conflitos congelados" da Transnístria, da Abkázia, da Ossétia doSul e do Nagorno-Karabach: Moscovo não aceitará passivamente que osseus militares sejam substituídos nestas regiões e nos paísesrespectivos por militares ocidentais […] é prudente ter em conta arelação que Moscovo estabelece entre estes casos e o desenlace sobreo estatuto final do Kosovo: se o Ocidente impuser a independência dejure desta região da Sérvia, a Rússia certamente invocará esse

28

Não deixa, em todo o caso, de ser fascinantedar-mo-nos conta das performances retóricasparalelas utilizadas por Moscovo para significaressa nova paridade ambicionada. Nos últimosmeses, face à evidente incapacidade russa deconvencer os seus interlocutores internacionaisda legitimidade formal da sua invasão de Agosto,o recurso a um princípio de equidade, ou dereciprocidade – também ele de tonalidade ‘proto-jurídicas’, note-se – tem-se vindo ageneralizar. Tal como enunciou Arkady Ostrovski,num Special Report da revista Economist, “conversationswith Russian officials often end with the plaintive question: ‘Whathave we done that you haven’t done?’” 16. O que está emjogo, mesmo com este tipo de queixas, é aexigência de uma paridade política que o Kremlinestá apostado em tentar recuperar.

1b.

O apoio norte-americano e a postura político e militar reactivada Rússia

Por trás de toda esta retórica política decombate, como lhe chamei, o que é que de factosabemos do que aconteceu como novidade? Sabemosque a 6, 7 e na manhã de 8 de Agosto militares

precedente para apoiar a independência definitiva daquelas regiõese/ou mesmo a integração da Abkázia e da Ossétia do Sul na suaFederação”. Em Luis Tomé (2007), "O Grande Jogo Geopolítico nosEspaços do «Espaço Pós-Soviético»" in Geopolítica, Centro Português deGeopolítica, no 1: p. 236.

16

? Arkady Ostrovky (2008), “Special Report on Russia”, The Economist,Novembro 29-Dezembro 5.

29

georgianos e separatistas sul-ossetas trocaramtiros, que as Forças Armadas georgianas cercaramTshkinvali e lançaram salvas de artilhariapesada sobre a capital. Sob bombardeamentopesado, centenas de ossetas civis morreram e, aoque parece, dez “peacekeepers” russos também. Osrussos, foi inúmeras vezes repetido por fontesmilitares e políticas em Moscovo e no Cáucaso,reagiram com a intenção de “vingar” os seusmortos.

Uma escalada rápida? Certamente. Mas emborasem dúvida se trate de acontecimentoslastimáveis, a verdade é que nada se passou deessencialmente novo – nem sequer em termos deintensidade – em relação ao que tem sido opadrão normal num conflito continuado que temvindo a manter-se entre as autoridadesgeorgianas e os separatistas da Ossétia do Sul.Com efeito, as escaramuças, as provocaçõesrecíprocas, e os ataques mais robustos quemuitas vezes se lhes seguem constituiram oterceiro round numa sequência de embatesviolentos entre Tbilisi e Tskhinvali que se têmverificado desde a implosão da União Soviética.Os dois embates anteriores tiveram lugar em1991-1992 e em Agosto de 2004.

Sem aprofundar demasiado um tema que excedeclaramente o âmbito do presente estudo, vejamosestes dois casos um de cada vez17. Entre Janeiro17

? Por motivos de economia textual, atenho-me ao caso da Ossétia doSul, sem tratar o da Abcásia, em tantos planos similar – ainda que,noutros, a situação seja assaz diferente. Limito-me a uma curtacitação, para dar conta das semelhanças e diferenças existentesentre os dois casos, que extraí do Annex do “European NeighbourhoodPolicy” do Country Report Georgia{COM(2005) 72 final}, apresentado emBruxelas em 2005 como Commission Staff Working Paper SEC(2005) 288/3:“[f]ollowing several years of deteriorating interethnic relations between the then

30

de 1991 e Junho de 1992, unidades militaresgeorgianas governamentais atacaram Tskhinvalitrês vezes. Embora tenham sido sempre derrotadaspor um misto de forças irregulares das maisdiversas origens caucasianas e ex-combatentessoviéticos, o resultado foi desastroso. Nestaprimeira guerra, mais de 40 mil refugiados sul-ossetas fugiram para a Ossétia do Norte, aregião adjacente da Federação Russa, e aíenvolveram-se num outro conflito étnico, destafeita entre ossetas e inguches. Esta fase doconflito entre o Governo georgiano e osinsurrectos sul-ossetas esvaiu-se com os Acordosde Dagomyss (Sochi), celebrados a 24 de Junho de1992 pelos Presidentes Boris Yeltsin e EduardShevardnadze. Os acordos consignaram a presençade forças russas de “peace-keeping” na Ossétia doSul – o resultado mais tangível, de um ponto devista político-militar, foram doze anos derelativa calma. Esta fase “congelada” doconflito18 durou até Maio-Junho de 2004. Autonomous Soviet Republic of Abkhazia and the authorities in Tbilisi, militaryconfrontation erupted in Abkhazia in 1992. The separatist regime won a de facto victory in1993 over the forces of the newly independent Georgia which resulted in the forcedexpulsion of the Georgian population from Abkhazia. A ceasefire was effectively establishedtowards the end of 1993 and in 1994 a CIS peacekeeping force, drawn from the RussianFederation, was created, overseen by the UN Observer Mission in Georgia (UNOMIG). Theconflict erupted again in 1998 when Abkhaz militia attacked Georgian returnees to the Galidistrict, creating a further wave of IDPs. Further hostilities took place in 2001 in the KodoriGorge”. Com timings ligeiramente diversos, e ceteris paribus, um e outro dosdois casos equivalem-se, pelo menos para efeitos deste curto estudo.

18 São muitos os estudos sobre os ‘conflitos étnicos’ – e não éóbvio, ou sequer convincente que seja inteiramente disso que setrate no Cáucaso – pelo que seria descabido aqui ensaiar um seuesboço de levantamento. Pela importância que atribuem aos conflitosque têm tido lugar nesta zona central da minha ‘linha da frente’,vale porém a pena a consulta de Stephen S. Saideman (2001), The TiesThat Divide. Ethnic Politics, Foreign Policy, and International Conflict, ColumbiaUniversity Press; Svante E. Cornell (2001), Small Nations and Great Powers. AStudy of Ethnopolitical Conflict in the Caucasus, RoutledgeCurzon; e Jan Koehler

31

Pouco depois da Revolução Cor-de-Rosa quelevou ao poder Mikheil Saakashvili, o novoPresidente georgiano denunciou publicamente osAcordos de Dagomyss assinados por E.Shevardnadze e esforçou-se por lograr uma“verdadeira independência” relativamente àFederação Russa, tentando para tanto descartar-se da posição “monopolista” de Moscovo no Sul doCáucaso como “peace-keeper”19. Em clara ruptura como passado, e nos termos de um plano estratégicoambicioso, Saakashvili enveredou no sentido deuma ‘ocidentalização’ da vida política eeconómica da Geórgia pós-E. Shevardnadze – dandomenos atenção a quaisquer veleidadesdemocráticas do que mudanças institucionaismarcadamente autocráticas. Depois de umcrescendo de tensões e agressões avulsas, emJunho desse ano, já portanto sob a presidênciade M. Saakashvili, a situação explodiu de novoem termos militares, quando a Geórgia tentou denovo, utilizando a sua artilharia e infantariapara fazer incursões em territórios separatistastrazer a região separatista para o seu controlo– levando aí a cabo bombardeamentos, tiroteiospesados e mesmo a tomada de reféns. Não tevemais uma vez sucesso e um acordo de cessar-fogofoi firmado a 13 de Agosto de 2004, emboraviolência esporádica tenha continuado por mais

and Christoph Zürcher (2003), Potentials of Disorder. Explaining Conflict andStability in the Caucasus and in the Former Yugoslavia, Manchester UniversityPress.

19 Para uma visão intrincada sobre as semelhanças nos formatos do‘peacekeeping’ russo em partes diferentes do espaço pós-soviético,Dov Lynch (2000), Russian Peacekeeping Strategies in the CIS. The Case of Moldova,Georgia and Tajikistan, Palgrave Macmillan.

32

uma semana. Ainda que, mais uma vez Tbilisitenha tido que adiar as suas pretensões dereunificação do território nacional georgiano, onovo Presidente não as abandonou – porventuratentando emular o sucesso que teve, em 2004, nareconquista da Adjária também secessionista20.

Tal não teria sido possível se não fosseSaakashvili beneficiar de uma relação deespecial proximidade com os EUA e, emparticular, com a Administração Bush. Vale apena elaborar um pouco este ponto em termosconcretos, visto que a ligação vinha de trás21.Embora pudesse focar vários outros, tomo comoexemplo único a dimensão político-militar.Efectivamente, logo em 2002, no rescaldo do 11de Setembro, Shevardnadze tinha envolvido aGeórgia no Georgia Train and Equip Program (GTEP), umprograma montado e gerido pela Administraçãonorte-americana no contexto da sua “global war onterror”. O GTEP consistia num pacote de 64 milhõesde $US e de uma força de 200 militares das

20 Uma outra região secessionista, desta feita um “RepúblicaAutónoma” da Geórgia, em que o então recém-empossado Presidente M.Saakashvili interveio (com uma mistura de ultimatums e protestos demassa contra a autocracia vigente) com sucesso em 2004. Os russosmantiveram uma base militar (apelidada de a 12ª Base Militar) emBatumi, a capital da província até acordarem nas negociações quetiveram lugar em Março de 2005, uma retirada – quando Tbilisiameaçou cortar os acessos depois de uma actuação eficaz e fulgurantede um Saakashvili que retomou, na Adjária, a dinâmica da RevoluçãoRosa que o tinha colocado no poder um ano antes, em 2003. Os russosretiraram de Batumi a 17 de Novembro de 2007, mais de um ano antesdo prazo acordado. A 17 de Julho do mesmo ano, com uma claradimensão simbólica, a sede do Tribunal Constitucional da Geórgia foilevada para Batumi.

21Oxford Analytica, “Why side with Saakashvili?”, The World Next Week, 6a 12 de Setembrohttp://www.oxan.com/worldnextweek/2008-09-04/isgeorgiaworthsupporting.aspx

33

tropas especiais norte-americanas – foidesenhado para escorar e garantir a capacidadedas autoridades georgianas na sua luta contrainsurgentes chechenos instalados na PankisiGorge, na fronteira então problemática entre aGeórgia e República Chechena integrada naFederação Russa.

O GTEP foi expandido e ampliado por duasvezes, e menos de três anos mais tardetransformou-se no Georgia Sustainment and StabilityOperations Program (SSOP). Com o seu início nosprimeiros meses de 2005, o SSOP é um programa de“assistência de segurança” desenhado com ointuito de criar e treinar forças militaresgeorgianas para missões humanitárias e deestabilização no quadro da Operação Iraqi Freedom.O programa adensou de maneira sensível o nívelde treino e apoio disponibilizados pelo Exércitonorte-americano e pelos Marines de Washington àsForças Armadas georgianas. Esta expansão,ampliação, e depois transformação ajudam-nos acompreender a inclusão deste pequeno Estadocaucasiano e da sua segurança nacional no âmbitoda estratégia global de segurança dos EstadosUnidos da América – e leva-nos a perceber a suamulti-dimensionalidade.

A importância estratégica que Washingtonatribui à Geórgia passa decerto pelo seu papelenquanto plataforma de posicionamento econtenção tanto da Rússia como dos duros palcosislâmicos regionais em que a Administraçãoamericana está envolvida. Como iremos ver, háainda a acrescentar a centralidade atribuída porWashington ao território georgiano, desde afragmentação da URSS, como uma espécie de

34

corredor para o transporte para Oeste do gásnatural e do petróleo oriundos da região do MarCáspio – tentando tornear, assim, quaisquerdependências directas relativamente à Rússia noque lhes diz respeito. Não é porém só Washingtonque extrai vantagens deste tipo derelacionamento privilegiado.

A importância que os EUA reconhecem àGeórgia tem sido da maior utilidade para estaúltima, e tal tornou-se evidente em Agosto de2008. Não será decerto exagerado afirmar queTbilisi deve largamente o seu controlo actual doque resta do território georgiano à prontareacção norte-americana – e em parte à europeia– face à invasão russa. Mais indiscutível seráseguramente a asserção de que a sobrevivência doregime de Saakashvili se deve ao apoio políticoamericano – que com firmeza fez frente àintenção declarada por Moscovo em o derrubar.

Exemplo claro do lugar privilegiado nasconsiderações estratégicas que ambas as partesse concedem mutuamente é a curta massignificativa história do envolvimento dasForças Armadas georgianas na ocupação do Iraquee no seu repatriamento inesperado durante aguerra dos cinco dias. O primeiro contigentegeorgiano a ser enviado para o Iraque eracomposto de 70 médicos e auxiliares médicosmilitares e de um pelotão de engenharia – logoem 2003. Foi estacionado em Tikrit. Estecontingente foi aumentado para 850 efectivos em2005 e em Julho de 2007 o aumento foi ainda maisdramático, tendo atingido os 2000 homens, com oenvio da 3.ª Brigada de Infantaria com Quartel-General em Kutaisi, para Al Kut, na província de

35

Wasit22. Com este último reforço a Geórgiatornou-se o terceiro maior “contribuinte” para aCoalition of the Willing, atrás dos EUA e do ReinoUnido.

Esta unidade foi substituida pela 1.ªBrigada de Infantaria (com Quartel-General emGori) em Fevereiro de 200823, ou seja, uns merosseis meses antes do início das hostilidadesabertas entre russos e georgianos – sinal,talvez da imprevisibilidade do conflito (ou daescala que este veio a adquirir) pelo ladogeorgiano, àquela distância. Não serádespiciendo realçar o facto de que a 1.ª Brigadaequivale a uma das quatro que compõem o Exércitogeorgiano (uma adicional está em processo deformação) – e a única que tinha um treino denível NATO24.

Abertas as hostilidades, a Geórgia deu porsi com os melhores 25% das suas tropasterrestres (e o respectivo material de apoio) amilhares de quilómetros de casa e da frente decombate. O que fazer? Compreensivelmente, foidecidido solicitar aos EUA que, através de umaponte aérea, os repatriasse. O que foi feitopara 1.600 militares, a partir de 10 de Agosto25.Tardia, a deslocação das tropas terá sido22 Para mais detalhes (embora não muitos) sobre a missão dosgeorgianos no Iraque e a estrutura e equipamento das Forças Armadasgeorgianas, ver o site do Ministério da Defesa da Geórgia, emhttp://www.mod.gov.ge/?l=E&m=5&sm=10 e http://cryptome.org/georgia-forces2.htm, consultado a 31.12.08.23

? http://georgia.usembassy.gov/ev-01172008.html (consultado a31.12.08- e o embaixador dos EUA em Tblisi foi despedir-se deles aoaeroporto. Destes gestos se alimentam as amizades.24

? Dados em: http://www.iht.com/articles/ap/2008/08/19/europe/EU-Georgia-Military-Tested.php, a 31.12.08.25

36

ineficaz no terreno, mas não o foi em termosdiplomáticos – o Primeiro-Ministro Putin, comalguma naturalidade, classificou a acção norte-americana como “um passo atrás no rumo a umacordo”. Em resultado, sequelas permanecerão,inevitavelmente, no entendimento diplomáticoentre os dois países. Os últimos trintaelementos da 1.ª Brigada de Infantaria georgianaabandonaram, definitivamente, o Iraque, a 20 deOutubro de 2008, terminando a participação daGeórgia no conflito iraquiano26.

A 3 de Setembro, o Vice-Presidente dos EUA,Dick Cheney voou para Tbilisi, para aí anunciarum pacote de ajuda de 1 bilião de dólares, e comisso garantir a reconstrução das infra-estruturas económicas georgianas destroçadas –e, também, com certeza, das suas infra-estruturas militares, demolidas pelas tropasrussas. Em ressonância com muitas das afirmaçõesanteriores de George W. Bush e Condoleezza Rice,e ecoando largamente o que tem sido a políticaexterna norte-americana no Cáucaso e na ÁsiaCentral desde o fim da Guerra Fria, o Vice-Presidente americano declarou com firmeza opor-se à postura hegemónica de Moscovo em relação aoque intitula “near abroad” – pondo a ênfase naindependência e soberania da Geórgia, recusandoaceitar a “anexação” da Ossétia do Sul e da? Sobre este assunto:http://en.rian.ru/world/20080811/115956220.html, 31.12.08, bem comoo sitehttp://www.spacewar.com/reports/Airlift_of_Georgian_troops_from_Iraq_near_complete_Pentagon_999.html, na mesma data, e ainda,http://www.defenselink.mil/news/newsarticle.aspx?id=50765, idem.

26 http://www.taskforcemountain.com/stories/5-stories/926-20081021-p12-2, consultado a 31.12.08

37

Abcásia, e dando o seu apoio a um Presidentegeorgiano que, dias antes, o Presidente russoDmitry Medvedev tinha apelidado de “cadáverpolítico”. Um braço-de-ferro.

2.

38

A grande estratégia russa para o que considera um “nearabroad” em que tem interesses privilegiados

“The European illusion that Russia can be a partner of the European Unionin its struggle for a multipolar world based on international law is dead. ForMoscow, support of multilateralism and the advocacy of a multipolar worldwere simply tactical weapons for contesting American hegemony. In reality,Russia’s foreign policy instincts are more ‘American’ than European. Russia

believes in power, unilateralism, and an unrestrained pursuit of nationalinterest. From the Kremlin’s point of view, sovereignty is not a right; its

meaning is not a seat in the United Nations. For the Kremlin, sovereignty is acapacity. It implies economic independence, military strength, and cultural

identity. In the Kremlin’s vocabulary, sovereign power is a synonym for greatpower. While the European Union was founded as a response to the perils of

nationalism and the catastrophic rivalries of European nation-states in thefirst half of the 20th century, Russia’s current foreign policy thinking is

shaped by the perils of the post-national politics and the disintegration ofthe Soviet Union. European nightmares are rooted in the experience of the

1930s. Russia’s nightmares are shaped by the Russian experience of the1980s and 1990s. The European Union views the lack of democracy as a

major source of instability in Eurasia. Russia views weak democracies andthe Western policy of exporting democracy as the major source of instability

in the post-Soviet space. The clash between these contrasting views of theEuropean order was unavoidable”.

Ivan Krastev (Março de 2008), “The Crisis ofthe Post-Cold War European Order. What to do about Russia’s newfound

taste for confrontation with the West”, Brussels Forum Paper Series,

The German Marshall Fund of the United States

Volto-me, num segundo segmento maisconstrutivamente desconstrutivo – se me épermitida a expressão – para três questõesinter-relacionadas. Entre outras coisas, ambasse prendem com questões de facto. Para além do

39

mais, todas elas visam limpar terreno com vistaa esclarecer panos de fundo para um conflitomulti-dimensionado, e por isso pouco fácil decompreender.

Uma primeira diz respeito à cuidadapreparação que me parece indiscutível ter tidolugar no que toca à condução, por Moscovo, daOperação “Forcing Georgia to Peace”27, conduzida pelaRússia na Geórgia em Agosto passado.

Uma segunda, em que esboço uma primeiraabordagem a um tema complexo a que ireiregressar no final do presente estudo: osenquadramentos ‘ideológicos’ em que Moscovojustifica as actuações deste tipo.

E uma terceira e última, que diz respeito aoalcance e impacto da tão propaladainterdependência económica Rússia-Europa, queesbateria os riscos de uma escalada nosconflitos – o que me parece uma expressão de umwishful thinking mesclado com uma forte dose deimpotência face a acontecimentos na nossavizinhança sobre os quais não logramos ter umqualquer controlo.

Junto os três temas neste ponto da minhaexposição porque me parece claro estaremimbricados entre si: tomados em conjunto, estestrês passos dão corpo à intenção discernível deMoscovo: fazer estancar a progressão dasinstituições militares (e porventura também ascivis) europeias e ‘Ocidentais’ para junto dassuas fronteiras – e, designadamente, dentro doque considera a profundidade estratégica que

27 A tradução, em língua inglesa, do nome dado por Moscovo à “guerrados cinco dias” empreendida na Geórgia no decurso da segunda semanade Agosto de 2008.

40

acha imprescindível para a sua segurança edefesa – mas sem com isso alterar orelacionamento político-diplomático privilegiadoque tem com a Europa comunitária.

2a.

Algumas das dimensões do traçado russo da invasão de Agosto

Começo por observar o óbvio: as autoridadesgeorgianas têm na guerra um fito estratégico,como o demonstrou a eclosão de conflitos étnicosna Geórgia em 1992, como continuou na Ossétia ena Abcásia, durante a década de 90, e depois,com nitidez nos conflitos violentos de 2004: oGoverno de Tbilisi quer exercer a sua soberaniasobre estas suas duas regiões – e, pelo menoscom Saakashvili ao leme, está pronto a fazê-lo abem ou a mal. Em paralelo, quero insistir nomenos óbvio: a Rússia também tem tido um fitoestratégico na região. Sem querer entrar empormenores desnecessários, queria demonstrá-lo.

1. Em primeiro lugar, os acontecimentos deAgosto tiveram antecedentes “imediatos”. Menosde um ano antes de Agosto, um míssil russo caiuperto de Tiblisi, a capital georgiana – osnúmeros de série foram mostrados nas televisões.Um par de meses antes, na Primavera, um drone nãotripulado georgiano que filmava movimentos dastropas russas e ossetas secessionistas foiabatido por um MIG-29 – as filmagens, feitaspelo avião robot, vieram também a público28. 28 Tanto este ponto 1. como o seguinte, o ponto 2. Foramabundantemente noticiados, pelo que me escuso de citar fontes. Note-

41

Importa também sublinhar a realizaçãoprévia, na região fronteiriça entre Moscovo eTbilisi, de exercícios militares russos de largaescala. Com o intuito de mostrar o grau depreparação prévia de ambas as partes, vale apena citar aquilo que sobre o exercício ‘Caucasus2008’, que teve lugar na última quinzena deJulho deste ano, diz o Relatório do CRS, datadode 7 de Outubro de 2008, preparado para osmembros do Congresso norte-americano29: “the[‘Caucasus 2008’] exercise involved more than 8,000 troopsand was conducted near Russia’s border with Georgia. Onescenario was a hypothetical attack by unnamed (but undoubtedlyGeorgian) forces on Georgia’s breakaway regions of Abkhaziaand South Ossetia. Russian forces practiced a counterattack byland, sea, and air to buttress Russia’s “peacekeepers” stationed inthe regions, protect ‘Russian citizens’, and offer humanitarian aid.The Georgian Foreign Ministry protested that the scenarioconstituted a threat of invasion. Simultaneously with the Russianmilitary exercise, about 1,000 U.S. troops, 600 Georgian troops,and token forces from Armenia, Azerbaijan, and Ukraineconducted an exercise in Georgia, code-named ImmediateResponse 2008, aimed at increasing troop interoperability forNATO operations and coalition actions in Iraq. Most if not all ofthese troops had left Georgia by the time of the outbreak ofconflict”.

A operação teve lugar poucos dias depoisdeste exercício, na segunda semana de Agosto.se que, tanto num como no outro destes dois casos, uma comissão deinquérito NATO confirmou a responsabilidade (ou, pelo menos, aorigem) russa dos incidentes, enquanto comissões de inquérito russasrecusaram aceitar essas conclusões e insistiram na tese de “umafabricação” pelas autoridades georgianas.

29 Congressional Research Service (CRS) e Jim Nichol (7 de Outubrode 2008), Russia-Georgia Conflict in South Ossetia: Context and Implications for U.S.Interests, publicado em Washington e disponível online.

42

Foi esmagadora. Uma primeira demão geral: cincobatalhões do 58º Exército russo entraram comrapidez, logo no dia 4, em território georgianopelo Túnel de Roki – que liga, através demontanhas escarpadas, a Ossétia do Norte à doSul. A tensão subiu, bem como a percepção de umaameaça. O ataque ocorreu, como vimos, quando astropas georgianas se dispunham em posição decerco à capital sul-osseta, Tskhinvali, com oobjectivo claro de a rodear e capturar.

Se comparada com as reacções anteriores, de1991 a 2004, desta vez a reacção russa foimuitíssimo diferente. A resposta foi uma invasãomaciça da Geórgia, a 7-8 de Agosto, com enormescolunas de carros de combate e ondas sucessivasde esquadrilhas aéreas, tanto umas como outrasfincadas no objectivo de destruir centrosmilitares, a infra-estrutura georgiana detransportes civis e comerciais, e ocupandocidades importantes do pequeno país, como Gori,Poti e Senaki. O conflito estendeu-se à outraregião secessionista da Geórgia, a Abcásia, naqual a 10 de Agosto uma mobilização militartotal foi ordenada. A ofensiva foi esmagadora erápida. O milhar de militares georgianosestacionados no “inatacável” Vale de Kodoriforam enxotados para for a dele com a ajuda depára-quedistas russos. Estes últimos envolveram-se, nos dias seguintes, em raids profundos emvários pontos do território controlado porTbilisi. De um ponto de vista militar, aofensiva militar central estava concluída a 13de Agosto, com as forças georgianas inteiramenteexcluídas da Ossétia do Sul e da Abcásia. Odesbaratar das tropas georgianas foi muito

43

rápido. Uma avaliação recente das Forças Armadasdeste pequeno país mostrou que, por trás de umaaparência de modernidade e reconversão, seesconde uma triste realidade – face ao avançorusso, os militares georgianos entraram emcolapso. De acordo com Tom Shanker e C. J.Chivers, “as the war drew into a second day and Russianforces flowed into South Ossetia, the Georgian military quicklybroke down. Many commanders were reduced to communicatingby cellphone. The army fired cluster munitions on its own villages.Many units fled, abandoning equipment, ammunition and theirown dead. […] Georgia’s armed forces lack the ‘doctrine,institutional training and the experience needed to effectivelycommand and control organizations throughout the chain ofcommand”30. O resultado foi uma vitóriarelativamente fácil, mesmo com a falta depreparação e equipamento das forças invasorasenviadas por Moscovo.

Voltarei a todos estes pontos. Importa, noentanto, sublinhar, que a Marinha de Guerrarussa despachou 20 navios da sua Frota do MarNegro, estacionada em Sebastopol, na Crimeia,para a costa georgiana – assim infringindo oestatuto de neutralidade da Ucrânia, de onde aesquadra proveio. Numa das suas primeiras acçõesbélicas, a esquadra afundou uma vedeta daGeórgia ao largo da costa abcáze. Alguns diasmais tarde, depois da ocupação do pequeno portocomercial e de pesca de Poti, localizado logo asul desta região secessionista, as forças russasafundaram as embarcações georgianas ancoradas noporto. Poti ficou assim inoperacional.

30 Tom Shanker and C. J. Chivers (2008), “Georgia lags in its bid tofix army”, International Herald Tribune, 18 de Dezembro.

44

Significativamente, quando os EUA seempenharam em entregar aos georgianos, no portode Batumi, alguma “ajuda humanitária deemergência” – transportada em navios armados da6ª Frota norte-americana estacionada noMediterrâneo – tiveram que fazer face àsexigências apertadas da Convenção de Montreux de1936, em cujos termos a Turquia regula o tráfegode navios de guerra no Mar Negro. A Convençãolimita a “não mais do que nove” o número deembarcações militares que “Estados não-litorais”podem enviar através do Estreito do Bósforo,impede o envio de uma tonelagem superior a “45mil toneladas agregadas”, e não lhes permite umtempo de permanência superior a 3 semanas no MarNegro. Invocando os termos da Convenção,nomeadamente no que diz respeito a limites natonelagem global, a Turquia impediu a passagemde dois dos navios americanos que se queriamdeslocar para Batumi. Como indicou John Daly, osEUA “had initially considered dispatching the hospital shipsUSNS Comfort and the USNS Mercy, both converted oil tankers,but as each displaced 69,360 tons, they fell outside the Montreuxconvention limits. While Washington chafed under therestrictions, there was little it could do”31.

2. Mais, de acordo com dados ocidentais, entre75 e 80% dos abcázes terão recebido passaportesrussos nos meses que precederam a invasão deAgosto, muitos deles pré-datados. Em Setembro, o31 Em John Daly (2008), “Naval Implications of the South OssetianCrisis,” Eurasia Daily Monitor, vol. 5, issue 173, 10 de Setembro. Asrestrições aplicadas pela Turquia, insistentemente exigidas porMoscovo, lançam sérias dúvidas sobre a aplicabilidade contemporâneada Convenção, agora que três dos Estados com litorais no Mar Negrosão membros da NATO.

45

Presidente Mikheil Saakashvili mostrou à CNN, àBBC e a outras televisões dois passaportesrussos emitidos a dois cidadãos georgianos daOssétia do Sul – um pré-datado de 2004, outro de2005. Uma manobra georgiana de propaganda? Não éprovável, sobretudo tendo em mente outras fontesquanto a este tipo de actuação de Moscovo, deduvidável legalidade32. Note-se que éinaceitável, seguramente, no quadro do DireitoInternacional, conjugar a responsabilidade queum Estado tem de proteger a sua população no seupróprio território com a sua responsabilidade emos proteger noutros territórios. Sobretudo se forele mesmo a criar a situação. Allison di-lo bem:“Russia’s insistence on its right to defend by force its citizensoutside its borders is open to manipulation. Even if we disregardthe [Responsibility to Protect] criteria [agreed bythe UN General Assembly at the 2005 WorldSummit], a justification under the provision for self-defense inarticle 51 of the UN Charter would be received skeptically ‘when acountry first confers its citizenship on a large number of peopleoutside its borders and then claims it is entitled to intervenecoercively to protect them” .

3. Na madrugada da Sábado, 7 de Agosto, umcoronel do exército russo de ascendênciageorgiana, Mikhail Kachidze, e sete outrosoficiais também de ascendência georgiana e umoutro, russo, foram presos pelo FSB (o cada vezmais temido Serviço Federal de Segurança deMoscovo) a formalmente acusados de “altatraição” – segundo as agências de notícias deMoscovo, estariam a fornecer informações ao32 Ver, por todos, o estudo breve da International Crisis Group, ou seja, oartigo de Roy Allison (2008). (2008), “Russia vs Georgia: TheFallout”, Europe Report 195, 22 de Agosto, pp. 28-29.?.

46

governo georgiano sobre a preparação técnico-militar e a disponibilidade política russa naOssétia do Sul. Ao que se pensa, em meios daintelligence ocidental, estes oficiais terão sidocondutas de desinformação durante esse período,tal como aconteceu em 1991 com a informaçãofalsa sistematicamente providenciada pelo KGB aSviad Gamsakhurdia, o primeiro Presidentegeorgiano. Eis a notícia da Interfax, com o título“FSB Unmasked Georgian Spy in Russia’s Army”33: “[a]nofficer of Russia’s army, Mikhail Khachidze, was detained in theStavropol region on suspected spying for Georgia, Interfaxreported with reference to a spokesman of the PR Center ofRussia’s FSB. A criminal case was opened under Clause 275 (HighTreason). In Federal Security Service (FSB), they haven’t given anydetails about Khachidze’s arrest. The only thing known is that theofficer was hooked in Georgia in 2007 and has been ‘collectingsecret information about Russia’s Armed Forces, readiness ofcombat units as well as the data on his fellow-servicemen.’ FSBsaid they unmasked a spying net of Georgia in Russia soon afterthe start of the military conflict in South Ossetia. Officersannounced they detained nine people but refused to specify theactual date of arrest. One of the Georgian spies was Russia’scitizen Ramzan Turkoshvili, but the secret services reported hisdetention far back in mid-May”.

Em Janeiro de 2009, Thomas Goltz34 ofereceu-no uma versão ainda mais interessante, e nomesmo sentido geral, destas manobras russas deinformação e desinformação: “[a]lthough there had

33

? A fonte, aqui, foi a conhecida agência noticiosa russa Interfax.

34 Thomas Goltz (2009), “The Olympics War”, ADA Biweekly Newsletter, vol.2, no. 1, de1 de Janeiro,http://www.ada.edu.az/files/beweekly/31/ADA%20Biweekly_Vol.%202_No.%201.pdf, recuperado 01.01.09.

47

been ‘incidents’ prior to the (failed) Georgian effort at Bucharestto be granted NATO MAP status, there was a decided spike ininter-communal violence after the April summit. Georgian policedpatrols were ambushed, and villages in the ‘Georgian’ sectorcame under attack under cover of darkness, resulting inretaliations against Ossetians. Russian ‘Peace-keepers’ stationedin the area as part of a OSCE-reconciliation agreement did littleor nothing to stem the growing violence over the early and midsummer of 2008, and were tacitly accused by the Georgian sideof aiding and abetting Ossetian militia forces. Theaforementioned Yakobishvili later told me that he was perhapsthe first to learn of the pending war, albeit without actually beingaware of that fact at the moment. The revelation came when hetraveled to the outskirts of Tskhinvali on the early afternoon ofAugust 7 in hopes of defusing the growing tension by meetingwith one Yuri Popov, the Russian point-man in crisis talks, only todiscover that he had been stood up. Calling Popov on his cell-phone, Yakobishvili was informed that the Russian was delayedbecause of a flat tire. ‘Well, put on the spare’, Timuri suggested.‘The spare is flat, too’, Popov’s response was. ‘Let me send my carto get you’, Timuri tried. ‘Nyet’, said the Russian. ‘Let’s postpone itall until tomorrow’. Little known to Yakobishvili (or if he knew, hedid not bother to share this information with me) his governmentwas already in possession of the recordings of two cell-phoneconversations, intercepted by Georgian intelligence during thepre-dawn hours of August 7. The conversations were between anOssetian guard named ‘Gassiev’ at the South Ossetia end of theRoki Tunnel that links the territory to the Russian Federation, andsomeone in the Tskhinvali military HQ. ‘Listen, has the armorarrived, or what?’ the voice on the cell phone traced to the HQasks at 03:41 in the morning. ‘I’ll check’, says Gassiev. He callsback with an affirmative at 03:52. The column had arrived andtrundled on under the command of one Colonel Kazachenko,presumably to the Russia base outside a town called Java.(Kazachenko was later identified as Colonel Andrei Kazachenko of

48

the 135th Motorized Rifle regiment of the Russia Army’s 158thDivision, which had no business of being in South Ossetia at all.)When the story finally broke over a month after the event, theRussian leadership first declared all of the above to be completenonsense; it later shifted its explanation of the deployment asbeing merely a routine ‘rotation’ of CIS peace-keeper troops andtransport – although according to the OSCE-brokered agreementthat officially allowed Russia to station 500 armed peace-keepersin the region, all such “rotations” require pre-notification andmust occur during the day, and not the dead of night.Why wasnone of this printed in bold on newspaper headlines throughoutthe world? Sadly, the individuals responsible for archiving theintercepts had somehow misplaced them, and they were notretrieved until long after the short war was over – but not beforethe intercepts had convinced Saakashvili and other elements ofhis security council that his country was under eminent attack,and that the only thing to be done was make a desperate bid tointerdict further Russian reinforcements from coming throughthe tunnel to join the units already in country. And that is whatGeorgia did on August 8th, thus allowing Russia to claim that CISforces were under Georgian assault, and that its response wasmerely to mount a “counter-attack” to dominate the finger-pointing debate about who shot first. But a central fact remains:if the ‘Olympics’ War’ between Georgia and Russia began onAugust 8, the Russian invasion of Georgia began early in themorning of August 7. Indeed, there is now sufficient evidence tosuggest that the United States warned Saakashvili that Russiawas planning to use on-going provocations to lure Georgia into aso-called R-2-P trap, and urged him to resist the temptation toengage the Russians on any level because the larger Russian planwas the destruction of the infant Georgian military, majorinfrastructural projects, economic development, social cohesionand ultimately political stability should Saakashvili rise to the R-2-P bait. [2] But Saakashvili decided that even if he ducked anddodged on August 8, there would be another provocation on

49

August 9, and then another on August 10, and so forth and so on.The only thing to do was make a stand, allow the conflict toescalate, and then hope for some sort of internationalintervention. Brinksmanship, in a word, in true Caucasian style”.Note-se que, ao contrário da anterior, estahistória não foi todavia confirmada por Moscovo.

4. Decerto mais interessante e convincente, comoindícios que corroboram a hipótese de umapremeditação russa (já que passaportes russospodem ter sido forjados pelas autoridadesgeorgianas, bem como os números de série dosmísseis), foi a surpreendente capacidade decoordenação das complexas manobras terrestres,aéreas e navais das forças que entraram naGeórgia.

Vejamos a coordenação a que aludi35.Comecemos pelo quid pro quo imediatamente anteriorà incursão massiva dos russos. A 7 de Agosto de200836, a Geórgia lançou um ataque militarencorpado sobre a capital da sua província daOssétia do Sul, Tskhinvali, e para lá começou adeslocar tropas e tanques. O ataque às ordens deMikheil Saakashvili, aparentemente apostado em

35 Uma mão-cheia de estudos estão disponíveis sobre este tema.Limito-me a dois só: Felix K. Chang (2008), “Russia Resurgent. Aninitial look at Russian military performance in Georgia”, ForeignPolicy Research Institute: 1-6,http://www.fpri.org/enotes/200808.chang.russiaresurgentgeorgia.html(22.10.08), Philadelphia, e International Institute for SecurityStudies (2008), “Russia’s Rapid Reaction. But short war shows lackof modern systems”, Georgia Crisis special issue, volume 14, issue, 7de Setembro, em www.iiss.org/stratcom..

36 Embora sem os enviesamentos menos neutros que parecem ser a marcadeste IISS Strategic Comment, os dados deste parágrafo sobre a acçãogovernamental de Tbilisi seguem de perto a informação coligida emInternational Institute for Security Studies, op. cit..

50

conseguir uma nova Adjária, assim recuperandomais uma parcela do território nacional daGeórgia, seguiu-se a um periodo de atritos epequenos recontros entre tropas governamentaisgeorgianas e milícias ossetas. Em resultado doataque robusto de artilharia que de inícioemprenderam, e a que se seguiram ‘botas no chão’em progressão fulgurante, os militares deTbilisi capturaram os pontos altos ao redor deTskhinvali – levando à retirada das forças de‘peacekeepers’.

O ataque foi bastante violento. O planoparece ter sido o de uma ocupação rápida dacidade e a entrega do controlo nominal da suaadministração a agrupamentos pró-georgianos. Obombardeamento pesado destruiu numerososedifícios e atingiu a base dos ‘peacekeepers’russos, matando dez deles e ferido mais. A sededa missão de monotorização da Organização para aSegurança e Cooperação na Europa (OSCE) foiigualmente atingida. Em poucas horas, as forçasgovernamentais tomaram Tskhinvali, bem comoagregados residenciais na sua periferia. Asautoridades georgianas tinham agrupado nasredondezas dez batalhões de infantaria ligeiradas 2ª, 3ª, e 4ª Brigadas de Infantaria, bemcomo forces especiais e uma brigada deartilharia – num total de 12 mil homens. A 4ªBrigada do Exército da Geórgia tinha participadona já referida Operação Immediate Response 2008 queteve lugar, como vimos, na segunda parte deJulho, juntando-se então a um milhar de soldadosnorte-americanos – o que veio a servir de motivopara alegações russas (veementemente negadas porWashington) de que a tentativa de resolver pela

51

força a secessão sul-osseta teria contado com oapoio dos EUA.

A reacção de Moscovo foi imediata. A invasãoprocessou-se em duas frentes. Uma delas teveinício nesse mesmo 7 de Agosto, e contou com 6 a10 mil homens, em colunas motorizadas que sedeslocam da Ossétia do Norte para a do Sulatravés do famoso Túnel de Roki, que atravessa afaixa montanhosa que separa a Rússia da Geórgia.Humint, no terreno, contou-os, imagens desatélite e observadores oficiais da OSCE e daHuman Rights Watch corroboraram-no. As colunasincluíram entre uma e duas centenas de carros decombate, carros blindados ligeiros, e lança-rockets. O grosso das colunas integrara militaresdo 58º Exército, baseado na Ossétia do Norte, aProvíncia russa adjacente. A estes juntaram-se,logo no Sábado, homens da 76ª Divisão de AssaltoAéreo, baseados no Distrito Militar de S.Petersburgo, então aerotransportados para acapital sul-osseta, Tskhinvali. Seguiram-se-lhes, a breve trecho, forças integradas na 96ªDivisão Aerotransportada e do 45º Regimento deIntelligence, provenientes do Distrito Militar deMoscovo. Como aptamente o enunciou Felix Chang37:“Russian media reported on Saturday that elements of the 76thAir Assault Division based in the Leningrad Military District hadalready been airlifted into the South Ossetian capital ofTskhinvali. Elements of the 98th Airborne Division and 45thIntelligence Regiment based in the Moscow Military District wereslated to follow soon thereafter. These may have constituted the“battalion task forces” that General Vladimir Boldyrev,commander of Russian Ground Forces, said captured the capitalcity early on that same day. These elite formations, which

37 Felix Chang, op. cit..

52

represent part of Russia’s strategic reserve, are likely to haveunits on constant alert for rapid deployments. Still, to fully equip,embark, transport, and coordinate the arrival and integration ofthese troops into combat operations alongside the 58th Armyunits moving overland is a notable demonstration of not onlylong-range airlift capability involving over 100 airlift sorties, butalso improved command and staff arrangements, which provedso difficult for Russia’s army in the 1990s”.

Estas colunas entraram na Ossétiaatravessando território georgiano “não-disputado” e, a Oeste do quasi-inexpugnável GoriPass, fecharam todas as estradas e desmantelaramos caminhos-de-ferro. De início a aviaçãogeorgiana teve a oportunidade de infligir baixassignificativa às colunas russas, que nãousufruíram, de início, de apoio áereo: era aprimeira vez que tropas russas modernasdeparavam com uma Força Aérea inimiga38. Uma vezestacionadas a Oeste de Gori, as colunas russasdividiram-se – face à retirada das forçasgeorgianas, um subgrupo de cerca de 2 mil homensocupou rapidamente, logo no dia 8 à noite, ossubúrbios da capital osseta, Tskhinvali – elevaram a cabo as operações de ‘tiro-ao-alvo’ elimpeza. As colunas russas vinham bem armadas:“[i]n total, Russian strength had grown [ao final de dia9, inícios de 10] to about 10,000 troops, with 150 piecesof armoured equipment, including T-62 and T-72 tanks and BMP-1 and BMP-2 armoured personnel carriers (APCs). Russia did notdeploy any of its modern tanks or APCs. The Georgian troopswere overwhelmed by the Russian forces, which quickly capturedthe Prisskih heights to the south of Tskhinvali, and most of theGeorgian artillery positions on them. Then they took control of38

? International Institute for Security Studies, op. cit.

53

Tskhinvali itself”39. Em apoio destas colunas e destesubsequente deployment foram efectuadas mais de100 missões aéreas de apoio, que envolveram maisde 300 aviões Sukhoi, e Tupolev, designadamente,caças Su-24, Su-25, e Su-27 e bombardeiros Tu-22. Lembre-se que a Rússia tem uma série debases aéreas na região circundante, muitas delasusadas no decurso do conflito na Chechénia,entre 1994 e 2000. A guerra, propriamente dita,durou cinco dias – e por isso, e em eco do nomedado a uma das mais famosas guerras israelo-árabes, tem vindo a ser apelidada de the five-daywar.

Uma segunda frente fora, entretanto, abertapelos Russos a 8 de Agosto: a frente na Abcásia.O padrão foi semelhante mas um tudo nada maiscomplexo. A coordenação, apesar de algumasfalhas aqui e ali, tanto a nível de coordenaçãotáctica como no de equipamentos foi digna denota; foi fulgurante e precisa. Logo no dia 8,uma Divisão mecanizada de infantaria russaatravessou, em velocidade de cruzeiro, uma zonada Abcásia sob protecção da ONU, capturou, comuma força de 2 mil militares, a localidade deSenaki, e fechou todas as ligações de estrada ede comboio, enquanto uma parte dos 9 milsoldados russos já na Abcásia, apoiados por 350carros de combate, tomaram o Vale de Kodori, umalocalização estratégica. Para além de apoiareste desdobramento e esta força expedicionáriade penetração, de novo intervieram aviões decaça Sukoi, em conjunto com bombardeirosTupolev, vindos das bases aéreas norte-ossetas,de Moscovo, de S. Petersburgo e de várias outras

39 Idem.

54

do interior profundo da Federação. Para além doapoio dado a muitas das operações terrestres enavais em curso, e da neutralização da pequenaForça Aérea georgiana, as esquadrilhas russasdestruíram com rapidez e precisão alvosmilitares nos arredores de Tbilisi, fora doperímetro da Abcásia disputada e, a sul, emPoti, um pequeno mas importante porto comercial.

Neste porto, barcos georgianos foramalvejados e afundados logo no início do conflitoe de novo a 14 de Agosto, o que impediueficazmente a sua utilização; os bombardeamentosa Poti duraram até à chegada de forças navaispertencentes à Frota russa do Mar Negro, comoantes indicado oriundas de Sebastopol, naUcrânia – de onde partiram para a costa abcáze,a 9 de Agosto, mais de vinte navios de guerra,designadamente uma vintena de navios de apoiologístico de vários tipos, de draga-minas anavios anti-submarinos, passando por grandeslanchas de desembarque de classe Alligator eRopucha e por diversos navios de escolta,liderados pelo Moskva, um cruzador de classeSlava, e pelo Smetlivy, um destroyer de classeKashin40.

A sincronização-coordenação necessária parauma acção esta tipo é evidente. Tornando a citarFelix Chang, “[s]ince the Moskva and Smetlivy wereaccompanying much slower supply and logistics ships, whosemaximum speed range between 12 and 16 knots, the flotillawould have taken 25 hours to transit the 400 nm betweenSevastopol and the Georgian coast. For the ships to have arrivedon Saturday, they would have to have sailed on Friday, just hours

40 F. Chang, op.cit.

55

after Georgian troops crossed into South Ossetia. Thus, theRussian vessels must have been on alert with their crews aboardand the supply ships already loaded with whatever humanitarianaid they were intended to transport. Otherwise, the Black SeaFleet would have required at least a full day, if not longer, toget its ships underway, so that naval commanders could plan themission, crews could be recalled, and appropriate supplies couldbe found and loaded onto the ships. In addition, the ease withwhich those supplies were offloaded at their destination impliesfurther coordination as to who would receive them and how theywould be distributed”.

Como vimos, em boa sincronia, todas asinstalações portuárias georgianas, tal comoPoti, foram bloqueadas durante os quatro diasque a acção militar durou depois de 8 de Agosto.Indirectamente, porém, a incursão russa manteve-se durante muito mais do que os cinco dias‘oficiais’, mesmo fora da Abcásia e da Ossétiado Sul, e não apenas nas buffer zones ao redor dasprovíncias e check points bem armados, no interiorde zonas não-disputadas do resto da Geórgia, queos militares russos insistiram em continuar aocupar até meados de Outubro.

O resto é história: “[f]ollowing an order toretreat on 10 August, Georgian units withdrew from SouthOssetia towards the town of Gori. During this the 4th brigade wasbombarded by Russian aircraft and reportedly suffered heavycasualties. Russian troops, meeting little or no resistance, movedtowards Gori and established control over key positions inwestern Georgia – including the port of Poti and the military baseat Senaki – before starting to destroy Georgian military andinfrastructure targets. On 12 August, Russian President DmitryMedvedev announced an official ceasefire, although the Russianscontinued reconnaissance and raiding operations to seek,destroy and remove abandoned Georgian hardware and

56

munitions. The remaining battle-worthy part of the Georgianarmy, primarily the 1st infantry brigade that had been rapidlytransferred from Iraq in American C-17 military transport planes,concentrated along the northern approach routes to Tbilisi”41.Em cinco dias, a derrota foi esmagadora.

Com efeito, o resultado da coordenação-sincronização russa e da sua superioridadenúmerica e em equipamento foi devastador. Como oarrolou o levantamento do já citado InternationalInstitute for Security Studies42: “[a]fter approximately 72 hoursof combat, during which Georgian officers and soldiers displayeda decent level of battle-readiness, there came a sudden and totaldemoralisation on 11 August. This was shown not just by theretreat itself, but by the abandonment of operational militaryequipment and weapons. Georgian troops appear to have lackedcombat experience and to have been shocked at Russia’sresponse. Georgian casualties were officially estimated at 295killed, including 186 military personnel and 109 civilians, with upto 1,500 wounded. The heaviest casualties were suffered by theGeorgian army’s 4th brigade (the former Interior Ministry troops),which carried out the main mission of capturing Tskhinvali. The2nd and 3rd brigades, which provided support for the 4thbrigade, suffered only minor losses, as did the Special Operationsforces. The 1st brigade, which had been deployed in Iraq, did notsuffer any losses. Russia declared casualties of 71 killed and 340wounded, many of them among the peacekeeping troopsstationed in South Ossetia at the time of the initial Georgianattack on Tskhinvali. The Russians seized up to 150 pieces ofGeorgian heavy weaponry, including 65 T-72 tanks (44 of themoperational), 15 infantry fighting vehicles, several dozen APCsand numerous pieces of artillery. Russia captured manymotorised transport vehicles and large quantities of small arms,

41 International Institute for Security Studies ,op. cit..

42 Idem.

57

including American M4 carbines. In the port of Poti, Russianmarines also burnt out the largest ships of the Georgian navy –the Dioskuria, Tbilisi and Torelli missile boats. Georgia’s militaryinfrastructure as a whole has been dealt a serious blow: itsexpensive bases in Gori and Senaki, the latter built to NATOstandards, were both destroyed”. Uma vitóriaindiscutível apesar de alguns desaires russos,de que falarei na última parte deste estudo.

A boa sincronia da acção levada a cabo pelosrussos manteve-se, depois dos cinco dias deactuação militar ‘cinética’ propriamente dita,não só com check points e buffer zones, mas tambémpelo uso de meios alternativos atípicos. Aocorrência de ataques informáticos maciços sobreservidores oficiais georgianos com picos a 11,13 e 27 de Agosto, datas importantes e bemsincronizadas com a convocação de reuniõesespeciais do Conselho de Seguranças das NaçõesUnidas para discutir a ‘questão georgiana’podem-se-lhes acrescentar43. Os ataques foram,sobretudo, do tipo que desencadeia o chamadodenial of service: isto é, consistiram numa‘inundação’ de mensagens que ‘entopiu’ os

43 Para a versão oficial georgiana dos acontecimentos, consultarGeorgia Update, Government of Georgia (9 October 2008), Russian Invasionof Georgia. Russian Cyberwar on Georgia, um Report disponível emhttp://hostexploit.com/downloads/CYBERWAR-%20fd_2_new.pdf.. Para anotícia desta ajuda estoniana, ver Mike Collier (2008), “Estoniahelps Georgia in cyber war”, The Baltic News, 16 de Agosto, disponívelem http://www.baltictimes.com/news/articles/21124 (15-12-09). Oexemplo da Geórgia foi estudado nalgum pormenor em Aaron Mannes eJim Hendler (2008), “Russia-Georgia CyberWar Assessment”, TheGuardian Online, 22 de Agosto. Para um estudo notável dos ataques àEstónia, anteriores aos desferidos à Geórgia, provindos também deservidores localizadas na Rússia, ver o estudo percursor doisraelita Gadi Evron (2008), “Battling Botnets and Online Mobs.Estonia’s Defense Efforts during the Internet War”, Science & Technology,número de Inverno-Primavera, também disponível online.

58

sistemas informáticos georgianos. O problema nãofoi tão grave como podia ter sido, porque, porum lado, muitos dos servidores foram de imediatodesconectados e ‘migraram’ para o estrangeiro;e, por outro, visto que muitos dos sistemasgeorgianos são ‘primitivos’, i.e. nâo estão online– e, por isso, não se viram afectados. Debate-sesobre se foram coordenados ou espontâneos elevados a cabo por hackers russos oportunistas; arelativamente baixa virulência dos ataquessugere a primeira das hipóteses. Foi, dequalquer modo, o primeiro caso em que tal tipode ataques maliciosos em “swarm” ocorreu emsimultâneo com ataques militares maisconvencionais. A solidariedade báltica para como Governo georgiano foi rápida, designadamentecom o envio de ajuda humanitária e de doisespecialistas militares da Estónia em “cyber-war”.A solidariedade polaca também, e em resultado ospostings do Ministério dos Negócios Estrangeirosgeorgiano começaram a ser colocados no siteoficial do Presidente da Polónia, LechKaczynski. Voltarei também a este ponto geral –a cyberwarfare – na parte final do presenteestudo, num sub-capítulo próprio mais genérico.

Terá tudo isto sido “espontâneo”? É muitopouco provável. Sou da opinião (que a par epasso irei explicitando) que Moscovo teve, e temmantido ao longo de todo este processo, ocuidado de manter sempre um discurso com doisníveis: um, para consumo da opinião públicadoméstica e internacional, de reacção natural eespontânea; e outro, levado a cabo de formasistemática e cuidada, de modo a sinalizar ao“Ocidente” e aos líderes do seu near abroad uma

59

nova postura adversarial firme. Um primeiroexemplo: os grandes exercícios militares russos“Caucasus 2008”, que um par de semanas antestinham tido lugar, e que simularam uma invasãoda Ossétia do Sul, constituíram uma versãosofisticada dos Exercícios “Caucasian Border 2007”levados a cabo a 7 de Julho. Mas o recurso aunidades provenientes de uma dezena de bases nointerior da Rússia foi coisa nova. Como o foi acolaboração de um pequeno grupo de tropasespeciais de veteranos chechenos, agora aoserviço dos russos, na invasão da Abcásia. Avários títulos, a coordenação-sincronização dastropas russas foi digna de nota. Pode haverdiscordância sobre se se tratou de uma“intervenção humanitária” de emergência, comoalegaram Sergei Lavrov, Vladimir Putin e DmitryMedvedev; ou se se tratou apenas de uma “invasãobrutal de um Estado soberano”, como MikheilSaakashvili insistiu. Ninguém terá, seguramente,quaisquer dúvidas quanto à recém-recuperadacapacidade das Forças Armadas Russas paracoordenar acções militares combinadas ecomplexas. Nem permanecem quaisquer dúvidassobre a nova disponibilidade russa em intervircom hard power, pelo menos no seu near-abroad, ouseja no espaço pós-soviético. O recado foi bemdado. O ex-Exército Vermelho voltou a estar emforma. É uma força com que, doravante, é precisocontar44.

Uma interpretação alternativa, nãoimplausível, é a de que se tratou de um primeiravitória após uma sequência de derrotas. Um pouco

44Em Robert Skidelsky (2007), ‘Liberal Empire’ vs ‘SovereignDemocracy’, Vedomosti, Quarta-Feira, 30 de Maio.

60

como dizer que, mutatis mutandis, os EUA fizeramforte questão de reafirmar o seu hard power aoinvadir Granada, em 1983, depois dos desaires dadécada de 70 no Vietname, da impossibilidade dese opôr à invasão soviética do Afeganistão em1979 e da operação falhada de resgate dos refénsamericanos na Embaixada em Teerão, ordenada peloPresidente Carter. Há porventura aqui umparalelismo que pode ser esquissado. O pontocentral desta comparação seria o de uma grandepotência ferida no seu orgulho e diminuída aosolhos do mundo por não ter conseguido travar umaguerra assimétrica, que vai coleccionandodissabores diplomáticos, e em relação a quem sebaixaram as expectativas – e que teria“obrigação”, por isso mesmo, de ganharrapidamente uma guerra. Nos finais de 70 e nosinícios de 80 falava-se, com alguma insensatez,da perda de capacidade de intervenção dos EUA.Descartar a Rússia como uma grande potência terásido um erro do mesmo tipo. A superpower is what asuperpower does - and what it is perceived as being capable ofcarrying out. As comparações valem o que valem, masnão deixam de ser interessantes; para efeitodeste tema, ver os curiosos paralelosestabelecidos por Robert Skidelsky, no seu blog,no quadro de uma contraposição subjectiva: “[d]eGaulle rightly said that pride was a tangible factor in a nation’sefforts. He spent most of his presidency trying to restore Frenchpride shattered by France’s expulsion from Indo China, the Suezfiasco, and the surrender of Algeria. But De Gaulle didn’t try torevive the defunct French empire. He formed an axis withGermany which has run the European Union ever since. For all itscosmetic adaptation to reality, current thinking on how to restoreRussian pride remains obstinately stuck in the grooves of Tsarist

61

and Soviet thinking. Russian policy-makers cannot yetcontemplate a genuinely different future. The leadership is heavywith superpower nostalgia. Of Russia it can be said, as DeanAcheson said of Britain in 1961, ‘It has lost an empire, but has notyet found a role’”.

Seja qual for a nossa interpretação, aRússia voltou à ribalta, e há que saber contarcom a sua capacidade ampliada de coordenação.Tornando a citar Felix Chang , “by the early afternoonon August 8, Russian mechanized infantry responding to theGeorgian provocation were already battling in Tskhinvali, about40 km from Russia but less than 5 km from where Georgia'soffensive began. Certainly, most of the Russian ground units thatparticipated in the incursion into Georgia must have been placedon a higher state of readiness and their commands coordinatedearlier last week to achieve such a fast and smoothly executedresponse”. Tal como acrescentou o mesmo autor,“[n]ews reports indicated that Georgian defenses blocking theRussian advance were struck from the air. Given the fast tempo ofthe action, only good coordination between air and ground unitswould have ensured such support” 45.

5. Em apoio à tese de um planeamento-premeditação russos estão os timings da acçãomilitar russa de cinco dias na Geórgia. Odesencadeamento da invasão teve lugar numamadrugada de um Sábado do início das férias deAgosto, com as Bolsas já fechadas em quase todoo Mundo, com o Congresso Democrático que haveriade nomear Barack Obama como seu candidato àporta, e com os Jogos Olímpicos a começar emPequim no dia seguinte, estando já na Chinatanto Vladimir Putin como George W. Bush. Com aNATO e as forças norte-americanas ocupadas em45 Idem.

62

imbroglios complicados nos Balcãs orientais, noIraque e no Afeganistão, e com a criseconstitucional europeia a ser reacendida peloreferendo negativo na Irlanda, a oportunidadefoi como que servida num tabuleiro de prata. Umpadrão de ‘des-democratização’ do espaço pós-soviético teve início, e vem desde, pelo menos,200446. Tal como iremos ter a oportunidade deverificar mais abaixo, muitos dos aspectos‘simbólicos’ da actuação do Governo e dosmilitares russos durante a ‘gestão’ política doconflito e das suas sequelas parece militarneste mesmo sentido – o de que, mais do que aexploração de uma janela conveniente deoportunidade, aquilo que esteve em causa foi oenvio de um ‘recado’ de Moscovo a Washington eBruxelas.46 Como afirrmaram A. Basora e J. Boone (2008) a este respeito, “It isby now widely agreed that Moscow’s invasion of Georgia and virtual annexation of SouthOssetia and Abkhazia represent severe setbacks for both democracy and for U.S. andWestern European interests. Less widely understood is that the basis for this Western policyfailure was evident long before August 8, 2008. It runs far wider and deeper than theimmediate issues surrounding Georgia’s territorial integrity and political autonomy. TheGeorgia crisis is in fact a dramatic new manifestation of the longer-term trends underlyingthe erosion of democracy and Western influence in the postcommunist region. Reversingthese trends will require more than simply outmaneuvering Russia in Georgia. It will requirebolstering the foundations of democratic governance and values throughout much of thepostcommunist region. Long before the Russians entered Georgia, democracy was clearlyon the retreat in postcommunist Europe and Eurasia, as was the leverage of both the UnitedStates and the democratic European powers. Despite the extraordinary democraticbreakthroughs that produced the fall of the Berlin Wall in 1989 and continued through theRose and Orange Revolutions of 2003-04, today only 30 percent of the people of the regionlive in countries identified by Freedom House as democratic, while 56 percent live in theresurgent authoritarian states of Russia, Belarus, and Central Asia”. Os autoresidentificam, para tanto, diversos motivos, que vão d a re-emergênciada Rússia, a um agora diminuto apoio norte-americano e europeu, auma perda de credibilidade dos EUA, ao que apelidam de “populardisillusionment and loss of trust”, à fraquezas das instituiçõesdemocráticas, às dificuldades económicas e aos ditos “challenges to‘nationhood’”. Preconizam, como solução, uma “societal partnership” sustida,com apoio ocidental de longa duração a movimentos internos eexpressões locais de democratização.

63

Tal como tem sido o caso até aqui, preocupo-me, no que se segue, em dar atenção a algunslimites efectivos – desta feita, os dos motivose das respostas à postura de Moscovo. Começopelos quadros que explicam, de uma perspectivarussa interna, a invasão da Geórgia. Ir-me-ei,assim, debruçar sobre conceitos em gestação emMoscovo desde pelo menos 2006, como o de“democracia soberana” e o de “interessesespeciais”, que me parecem expedientes‘legitimadores’ para a nova postura de ‘GrandePotência’ regional que um Kremlin restaurado coma subida de preços dos hidrocarbonetos einspirado por lideranças cada vez mais fortes,quer projectar alto e bom som.

2b.

Da “democracia soberana” aos “interesses especiais” de Moscovoe à nova política externa da Rússia

É banal, desde há pelo menos meia dúzia deanos, a constatação de um retrocesso na‘transição democrática’ pós-soviética deMoscovo. Seria, bem vistas as coisas, excessivoimputar a deriva ‘des-democratizante’ da Rússia,que tanto tem sido sublinhada, a uma qualquerintencionalidade político-ideológica pura esimples – embora, sem dúvida, diversos indíciosapontem para uma urgência-propensão marcada parao exercício de uma forma firme de poder. Osproblemas com que Vladimir Putin deparou aoassumir o poder depois da era Boris Yeltsin eram

64

reais e era muito concreta a ameaça deingovernabilidade na Federação Russa.

Face a uma conjuntura interna complicada,Putin reagiu de forma compreensível. Como muitobem explicou, Margot Light47: “[s]ince hisinauguration as Russian President in 2000, Vladimir Putin hasintroduced a series of measures that make Russia, at best, a‘regulated democracy’. It is not difficult to see why he has felt thisnecessary. First, the 1993 constitution gave the predominance ofpolitical power to the president but this did not prevent constantstrife between the Duma on the one hand, and the president, hisadministration and his government. There was also strifebetween the president and his government – the country had fivedifferent prime ministers between March 1998 (when longservingpremier Viktor Chernomyrdin was dismissed) and August 1999(when Putin became Prime Minister, at the same time becomingYeltsin’s designated successor). Putin saw it as essential to bringan end to the conflict between the legislature and the executiveand to ensure stability of government. The second reason whyPutin held that centralization of power and authority wasnecessary was that he believed that the RF was on the brink ofdisintegrating. Russia is a multinational federation consistingthen of 89 federal units. Although there is a federal treaty bindingthe units to the centre, many of the units had signed separatetreaties with the central government in the 1990s, arrogatingpolitical and economic power to the regional government. Theresult was a highly asymmetric federation and an impoverishedcentral government. Despite the great constitutional poweraccorded to the president, therefore, the central governmentbecame weaker and weaker between 1993 and 2000 in relationto the power of the federal units. Putin believed that unless powerwas returned to the central government, the RF woulddisintegrate, as the Soviet Union had done a decade before. His47 Em Margot Light (2009), “Russia and Europe and the process of EUenlargement”, in (eds.) Elana Wilson Rowe and Stina Torjesen, TheMultilateral Dimension in Russian Foreign Policy: p.88, Routledge.

65

political programme focused, therefore, on constructing a strongstate (or, in Putin’s terminology, re-establishing the ‘powervertical’) and a ‘managed democracy’”.

Sem que tal tivesse de responder a umprograma político previamente definido, muito doque entendemos por democracia viu-se, por essavia, sacrificado em nome de uma unidade nacionalassumida como a grande prioridade asalvaguardar. A verdade é que, todavia, acompreensibilidade das mudanças levadas a caboescondeu uma dinâmica político-económica internado Estado russo que tornou difícil uma espiralacelerada de ‘des-democratização’ geral – ou,talvez melhor, que levou a uma inexorávelreversão de um processo ainda incompleto datransição democrática conduzida pelo Kremlin.Como o fez Vladimir Putin, e quais asimplicações do caminho que escolheu para fugirao legado48 de Boris Yeltsin?

Foi então que apareceu o conceito de“democracia soberana”. Não apenas como noçãoabstracta e racionalização, mas também comoencapsulamento de um programa de acção. O que é,então, “democracia soberana” e como se liga àideia – conexa nos discursos de Estado relativosao near abroad russo – dos “interesses especiais”de Moscovo? Como afirmou Ivan Krastev, “VladimirPutin's Russia is not a trivial authoritarian state. It is not ‘SovietUnion lite’. It is not a liberal democracy either. It is, however, a‘managed democracy’. The term captures the logic and themechanisms of the reproduction of power and the way

48 Logo em 2005, Nokolai Petrov, do Center for Political-Geographic Research,alertou para o facto que “[m]anaged democracy is unstable in its present form. Itis a transitional stage between the chaotic democratic model of the Boris Yeltsin years anda more authoritarian model”.

66

democratic institutions are used and misused to preserve themonopoly of power”. No entanto, insistiu, oconceito de “democracia soberana” não ésuficiente para explicar as suas características– deixa de fora, por exemplo, porque é que aRússia de Putin é menos “a power machine [than] apolitical ambition”; não explica a disponibilidade deV. Putin em “ceder”, nas eleições de 2008, o seulugar a D. Medvedev, nem as diferenças entre a“democracia soberana” russa e o conceitohomónimo, de “democrácia soberana” de Hugo Chavez.Segundo I. Krastev, aquilo que falta nastentativas ocidentais de fazer sentido da Rússiade Putin é um insight relativamente à “imaginaçãopolítica”da elite política no poder em Moscovo.Aquilo que falta é interesse nos argumentos deacordo com os quais o regime advoga a sualegitimidade. Krastev tentou encontrar nosescritos de Carl Schmitt, o jurista e grandeteórico do III Reich alemão, e na obra Soberania,recém-publicada em Moscovo por um teórico russo,Nikita Garadya, essa legitimação e essesargumentos legitimadores – um volume que incluiartigos de Dmitry Medvedev, do ‘ideólogo-chefe’do Kremlin, Vladislav Surkov – que RobertAmsterdam apelida “the No. 2 man in the Kremlin”49 – e49 Robert Amsterdam, “The Imperial Swagger of ‘SovereignDemocracy’”, em que Amsterdam cita o Financial Times britânico: “what MrSurkov calls ‘sovereign democracy’, [is] roughly translatable as ‘We'll do it our way’”. Oautor insiste que “[t]he baffling incoherence of sovereign democracy is based inthat fact that while it rejects isolationism, it also refuses to engage in any kind oftransnational structure or community of nations. While Russia is happy to trade, ownproperty, and powerfully influence policy outside its own borders, it is deathly afraid ofsubmitting itself to anyone else's rules. Moscow is trying to order globalization à lacarte, when in fact it is a prix fixe”. Segundo ele, esta “self-serving ideology”sera um logro: “Surkov's sovereign democracy is the Brezhnev Doctrine revisited - aconvenient rationale to ignore international norms and practices in diplomacy, business,and human rights”.

67

de um agrupamento que o analista búlgarointitula “Putin's ideological special forces”.

Segundo Ivan Krastev – e a argumentação érica – a origem política do conceito de‘democracia soberana’ é ucraniana. Apareceu nasconceptualizações do Kremlin sobre a RevoluçãoLaranja (as “tecnologias laranja”, naterminologia do Kremlin), que teve lugar naUcrânia entre Novembro de 2004 e Janeiro de2005. Para Krastev, esta “linhagem” pode sertraçada a partir das teses de Surkov re-editadasno livro Soberania. A “democracia soberana” seriaa resposta de Moscovo à “perigosa combinação depressões populistas vindas de baixo e depressões internacionais chegadas de cima, areceita que destruiu o regime de Leonid Kuchma.Para o analista búlgaro, os acontecimentos deKiev deram corpo à pior das ameaças: uma revoltapopular controlada à distância. Assim, “Putin'spreventive counter-revolution that followed marked a profoundtransformation of the regime of managed democracy in Russia.In the regime of ‘directed democracy’ that Putin inherited fromBoris Yeltsin, elites deployed such institutional elements ofdemocracy as political parties, elections, and diverse media forthe sole purpose of helping those in power to stay in power.Elections were held regularly, but they did not provide anopportunity to transfer power, only to legitimise it. The ‘directeddemocracy’ of the 1990s, in contrast to the classical models ofmanaged democracy, did not imply a ruling party to manage thepolitical process. The key to the system was the creation of aparallel political reality. The goal was not just to establish amonopoly of power but to monopolise the competition for it. Thekey element in the model of directed democracy was that thesources of the legitimacy of the regime lay in the west”. Terásido isso aquilo que Vladimir Putin e os seus

68

ideólogos, com a sua “imaginação política” e oconceito de “democracia soberana” quiseramtornear, ao mesmo tempo que mantinham umcontrolo firme da ‘coisa pública’ russa.

A explicação “genealógica de pormenor deIvan Krastev oferece-nos uma interpretaçãofascinante da captura do Estado russo pelaselites do antigo regime comunista: “[t]he project offaking democracy assumes that the faker accepts the superiorityof the model he fakes. Being lectured by the west was the pricethat Russian elite paid for using the resources of the west topreserve its power. In its social origins, directed democracyreflected the strange relations between the rulers and the ruled inYeltsin's Russia. Stephen Holmes has acutely portrayed thisrelationship: ‘those at the top neither exploit nor oppress those atthe bottom. They do not even govern them; they simply ignorethem’. Directed democracy was a political regime that liberatesthe elites from the necessity of governing and gives them time totake care of their personal business. It was perceived as the bestinstrument for avoiding a bloody revolution; at the same time, itcreated room for the ‘criminal revolution’ that transferred muchof the nation's wealth into the hands of few powerful insiders.[…] There were taxes in Russia, but nobody really cared tocollect them; there were elections, but they were not allowed torepresent real interests. Post-communist elites discovered theirresistible charm of state weakness. Russia was a weak State, butit was also a cunning state, one that was quite selective in itsweakness. It failed to pay the salaries of workers, but was strongenough to redistribute property and even to repay foreign debtswhen this was in the interests of the elites. The regime's strategywas to keep up the illusion of political representation while at thesame time preventing the interests and sentiments of thetransition's losers from being represented. The model of directeddemocracy made the elites independent of citizens' legitimateclaims. None of the reforms implemented in Russia in the heyday

69

of directed democracy was initiated by pressure from below. It isthis total disregard for the basic needs of the people thatconstitutes the most vulnerable spot of Russia's system. In thecurrent western discourse on Russia, Putin’s authoritarianism isusually contrasted with the imperfect democracy of Yeltsin'sRussia in the way that tyranny contrasts with freedom. In reality,Yeltsin's liberalism and Putin's sovereigntism represent twodistinctive but related forms of managed democracy. Yeltsin's‘faking of democracy’ was replaced by Putin's consolidation of thestate power through nationalisation of the elite and theelimination or marginalisation of what Vladislav Surkov calls‘offshore aristocracy’. The nationalisation of the elite took theform of de facto nationalisation of the energy sector, total controlof the media, de facto criminalisation of the western-fundedNGOs, Kremlin-sponsored party-building, criminal persecution ofKremlin's opponents (the case of Mikhail Khodorkovsky) and thecreation of structures that can secure active support for theregime in the time of crisis (such as the Nashi [Ours]movement)”.Uma captura intrincada, em que ademocraticidade se vai esvaíndo.

Uma interpretação é a de que, para alegitimar, foi engendrado um conceito. Comefeito, o conceito de “democracia soberana”esmiúça os termos desta ‘transição não-democrática’, para inventar uma noção, demaneira sui generis: de acordo com Krastev, “[i]nthe view of the Kremlin, sovereignty is not a right; its meaning isnot a seat in the United Nations. For the Kremlin, sovereignty is acapacity. It implies economic independence, military strength andcultural identity”. Num segundo passo, o outroelemento-chave no conceito é a criação de uma“nationally-minded elite”. Jaz aqui o que nos permitecompreender a alçada pragmática e instrumentalda noção: “the ideologues of sovereign democracy are notinterested in the various ‘Russian uniqueness’ theories in building

70

their project. The Kremlin's revolt against the Anglo-Saxon theoryof liberal democracy centred on individual rights, and the systemof checks and balances of powers, is not rooted either in criticismof democracy as a form of government or in the theories ofRussia's exceptionalism. In constructing the intellectualjustification of the model of sovereign democracy Kremlin'sideologues turned to the intellectual legacy of continental Europe– the French political rationalism of Francois Guizot and CarlSchmitt's ‘decisionism’ […] Following Schmitt, the theorists ofsovereign democracy prefer to define democracy as ‘identity ofthe governors and the governed’”. Será esta a últimaratio do conceito de “democracia soberana” –tratar-se-á, no essencial, de uma mecanismoconceptual que permite manter o controlo doEstado pelas elites enquanto, em simultâneo,paga uma espécie de tributo nocional à ideia de‘soberania’?

Outras teorizações há, note-se, que procuramno exterior da sociedade russa a última ratio doconceito de “democracia soberana”. Talvez a maiscoesa seja a de Robert Skidelsky50, que vê nanoção uma base para apolítica externa da Rússiade Putin e Medvedev. De acordo com Skidelsky,“two complementary doctrines [may be identified] whichform the ideological basis of Russian foreign policy: Anatoly’sChubais’s ‘liberal empire’ and Vladislav Surkov’s ‘sovereigndemocracy’. What is striking is the virtual identity of visionbetween the leader of the liberal right wing party (SPS) and theKremlin’s chief ‘politologist’. Chubais’s theory of ‘liberal empire’(2003) borrows from current American discussion. Chubaisargued that Russia should construct a ‘liberal empire’ of its ownfrom the pieces of the old Soviet Union. Russia’s ‘mission’ shouldbe to promote Russian culture and protect Russian populations in50 Robert Skidelsky (2007), “‘Liberal Empire’ vs ‘Sovereign Democracy’”, Vedomosti, 30 de Maio.

71

its ‘neighbourhood’; establish a dominant position in their tradeand business; and guarantee its neighbours’ ‘freedom anddemocracy’. Only through ‘liberal empire’, Chubais argued, ‘canRussia occupy its natural place alongside the United States, theEuropean Union and Japan, the place designated for it byhistory’”. Não muito longe, como se podeverificar, da noção de “Doutrina de Monroerussa” sobre a qual divagou, como antes vimos,Sergey Markedonov – embora porventura com outrosintuitos.

Note-se que estas duas interpretações estãolonge de ser mutuamente excludentes. Tal torna-se evidente ao olhar o pormenor das teorizaçõesenunciadas sobre a “democracia soberana” e assuas implicações. Como Mark A. Smith, doMinistério da Defesa do Reino Unido, sublinhou51,comentando o livro Soberania, que Vladislav Surkov“argues against the notion that globalisation has madesovereignty obsolete”. Segundo Sukov, não o fez; masvisto que os benefícios da globalização não sãodivididos de maneira equitativa, gera-se “operigo” de que alguns Estados venham a perder asua “independência”, “just as if they had been militarilyoccupied by a foreign power”. Surkov previne, por

51 Mark A. Smith (2006), “Sovereign Democracy. The Ideology ofYedinaya Rossiya”, Conflict Studies Research Centre, Ministry of Defence, UK.Outros exemplos podem ser dados quanto a essa inclusividade, internae externa, do conceito: por exemplo, Tomas Janeliūnas, um cientistapolitico lituano, escreveu que “the principles of ‘sovereign democracy’ do notmeet the traditional criteria of democracy, and Russia’s real policy is directed only towardsincreasing its powers in the international system. The Kremlin intends to strive for thesegoals by strengthening power control in the economic and information sphere, as well as byincreasing aggressiveness of its foreign policy”. Em Tomas Janeliūnas (2007),“Yet another attempt to define Russia's regime”, Lithuanian Foreign PolicyReview 18. Mais perto do tema do presente estudo sobre a invasão daGeórgia: no seu testemunho ao Congresso, Andrew C. Kuchins (2006),comentou com pontaria certeira que “[i]n addition to ‘sovereign democracy’,the other catch phrase in Moscow today is Russia’s status and future as an ‘energysuperpower’”.

72

isso, que, caso a Rússia se não governe a siprópria, corre o risco de se ver controlada por“corporações transnacionais” e “ONGs”. Porconseguinte, conclui, a Rússia não poderá ser“competitiva” se não conseguir assegurar uma“plena soberania estadual”; ou seja, “o controlocompleto das fronteiras e do território daRússia pelo Estado”. Assim, vendo aí um laço doque estou tentado a ver como operando umacuriosa ‘causalidade estrutural’, Mark Smithnota, com alguma surpresa, que “Surkov thereforestates that ‘sovereignty is the political synonym ofcompetitiveness’”.

Mais, Surkov deriva daí implicações degrande peso, com base num considerandosuplementar. Para Sukov, a soberania é essencialpara os russos que, ao contrário de muitos dosseus vizinhos – que preferem a “tutela” da UEdepois de terem a da URSS – são “um povo criadorde Estados”. A Rússia, segundo ele, não pode teresse “destino” de subordinação; tem antes o deser um Estado soberano, capaz de preencher umpapel decisivo na formatação do sistemainternacional – e tem um papel especial narelação com os seus vizinhos que “não criamEstados”. Estados nos quais a Rússia tem“interesses especiais”, como iremos verificar.No entanto, Sukov adverte: o Kremlin deve fazê-lo não como a edificação de uma ‘fortalezarussa’, como parecem exigir os nacionalistasmais radicais: antes deve garanti-lo pela via dainstalação, no país, de um “regime democráticomoderado e nacionalista”. Um regime que viva nomeio global sem proteccionismos que não aquelespoucos, circunscritos, que consistem em garantir

73

o seu controlo “soberano” sobre domíniosestratégicos como o “complexo energético”, as“comunicações estratégicas”, e “os sistemasfinanceiro e de defesa” – domínios que devem,todos eles, estar na mão de capitais russos(embora “não necessariamente do Estado”). Surkovexige, assim, a criação de uma “burguesianacional” que lidere o país, sem a qual,argumenta, “a Rússia não terá futuro”. De modo agarantir um domínio efectivo do bem comum russo[a expressão é minha e não dele] dos domíniosestratégicos que identificou – muitos dos quais,nomeadamente a energia e a defesa andam ligadosaos Estados que a rodeiam – a Federação Russaprecisa de construir um “império liberal” à suavolta, por forma a sobreviver à globalização52.

É curioso tomar nota do facto que, ementrevista dada ao Expert, a 24 de Julho de 2006,o então ainda não Presidente Dmitry Medvedev,criticou o conceito de “democracia soberana”.Fê-lo, argumentando, com óbvio fundamento, que“democracia” e “soberania” são “categoriasconceptuais diferentes” uma da outra – e que,por conseguinte, a sua “fusão é impossível”:"[i]f you take the word 'democracy' and start attachingqualifiers to it, that would seem a little odd. It would lead one tothink that we're talking about some other, non-traditional, type

52 Na tradução de Mark A. Smith, op. cit.. Face a estas elocubrações, oacima citado Ivan Krastev compreensivelmente especula “[t]his raises akey question: could Putin's cocktail of Guizot and Schmitt appeal to European elitesdemoralised by the rise of populism and the pressure of globalization? Could Russia'spolitical model - the combination of elite control and classical state sovereignty - become apole of attraction for the people and elites of Europe disenchanted with the magic of thepost-modern state embodied in the European Union? The politically correct answer is thatdemocratic Europe could not be seduced by the model of Putin's sovereign democracy. Theright answer is that time will tell. What is safe to predict is that ‘sovereign democracy’ as aconcept and as a reality would be more attractive to the elites than to the peoples ofEurope”. Ivan Krastev, op. cit., nos seus dois últimos parágrafos.

74

of democracy"53. Foi um jurista a falar. Num artigopublicado no Washingtom Post e na cobertura daCimeira dos G-8 em S. Petersburgo (em Julho de2006), Masha Lipman comentou54 “one of the mostinfluential Kremlin aides, Vladislav Surkov, met with Westernjournalists to explain that Russian "sovereign democracy" is notmuch different from democratic practices of the Westerncountries. "Sovereign democracy" is a Kremlin coinage thatconveys two messages: first, that Russia's regime is democraticand, second, that this claim must be accepted, period. Anyattempt at verification will be regarded as unfriendly and asmeddling in Russia's domestic affairs”. Como com argúciaLipman notou “[i]ncreasingly, the work of improvingRussia's image seems a ritual gesture rather than a seriousobjective of the government”. Em minha opinião, asautoridades do Kremlin pretendem, desde há jáalgum tempo, ambas as coisas: ao nível difuso egenérico da opinião pública internacional, têm odesejo estratégico de limpar uma imagem, e, paraos seus interlocutores mais próximos e directos,têm o objectivo táctico de passar um recado.

Antedipando um pouco a última secção desteestudo, cabe perguntar: o que podemos daquiconcluir a respeito da progressão recente dapolítica externa russa face ao seu rivalidadetradicional em relação aos EUA e à Europa – efrente aos seus vizinhos da CIS e das franjas doantigo império soviético?55 Um futuro agravamentode tensões? Novas Geórgias?53

? Dmitry Medvedev (2006), “Nationalization of the Future”, Expert,43: 537, 24 de Julho. Uma muitíssimo boa entrevista de um, ainda,Professor de Direito.

54 Masha Lipman (2006), “Putin's 'sovereign democracy'”, TheWashington Post, Sábado, 15 de Julho, um pequeno artigo de excelentequalidade.

75

Sobre a base do que já foi descrito, viro-me, de seguida, para um alargamento do âmbitodaquilo que tenho vindo a expor – os esforçosrussos de tranquilização inicial dasinstituições europeias, dos Estados-Membros, eda comunidade internacional de negócios.

3.55 Para uma visão integrada dos relacionamentos formais entre aFederação Russa e o CIS [ou o CES, a Comunidade de EstadosIndependentes] é útil a colectânea clássica (eds.) ZbigniewBrzezinski and Paige Sullivan (1997), Russia and the Commonwealth ofIndependent States. Documents, Data, and Analysis, ME Sharpe Inc. Para estudosde caso concretos de transições pós-soviéticas e das suas limitaçõese incompletudes: Neil J.Melvin (2000), Uzbekistan. Transition toAuthoritarianism on the Silk Road, Harwood Academic Publishers; (eds.)TourajAtabaki and Sanjyot Mehendale (2005), Central Asia and the Caucasus.Transnationalism and Diaspora, Routledge; Ariel Cohen (2006), Kazakhstan.Energy Cooperation with Russia. Oil, Gas and Beyond, GMB Publishing Ltd; KellyM. McMann (2006), Economic Autonomy and Democracy. Hybrid Regimes in Russia andKyrgyzstan, Cambridge University Press; Ian Jeffreis (2003), TheCaucasus and Central Asia Republics at the turn of the Twenty First Century. A guide to theeconomies in transition, Allen & Unwin.. Para uma boa perspectivaçãohistórica de maior profundidade temporal, ver o estudo pioneiro deSvat Soucek (2000), A History of Inner Asia, Cambridge University Press.Quanto ao papel desta região na conformação do Estado russocontemporâneo, ver Kevin Rosner (2006), Gazprom and the Russian State,GMB Publishing Ltd..

76

A salvaguarda dos interesses da União Europeia, da NATO, e do“Ocidente” em quadros geopolíticos e geo-económicos maiores,antes e depois da Geórgia

“The question is not whether energy and politics are connected but how. Wehave to find the right balance between a market-driven and a more strategic

approach”

Javier Solana,Alto Representante da União Europeia para a PESC

"We do have to do something about the energy problem. I can tell you thatnothing has really taken me aback more, as Secretary of State, than the way

that the politics of energy is — I will use the word ‘warping’ — diplomacyaround the world. It has given extraordinary power to some states that are

using that power in not very good ways for the international system —states that would otherwise have very little power"

Condoleezza Rice, U.S. Secretary of State ao Senate Foreign Relations Committee,

Abril de 2006

Qual tem sido a progressão das respostasdadas à actuação russa no Cáucaso – tanto àinvasão em si mesma, quanto aos “reconhecimentosque se lhe seguiram, quanto ainda a outrasacções subsequentes? ”Depois da entrada daRússia na Geórgia em Agosto de 2008, muitos sãoos que têm proposto à União um papel decisivo noCáucaso: e algum papel ela tem tido, como odemonstrou a rápida reacção de Nicolas Sarkozy.Vale seguramente a pena recapitular alguns dosmomentos daquilo que efectivamente teve lugar.

77

Como vimos, Sarkozy e Dmitry Medvedevencontraram-se a 12 de Agosto e acordaram umplano de cessação de hostilidades com seispontos, nessa mesma noite assinado também porMikheil Saakashvili, depois de este ter tentado,sem sucesso, introduzir alterações ‘técnico-políticas’ aos dois últimos dos pontosnegociados. Uma delas impunha uma limitaçãotemporal de seis meses até à plena retirada dosrussos para as posições anteriores a 7 de Agostoe D. Medvedev não a aceitou; a outra submetia aprogressão do debate internacional sobre ofuturo da Ossétia do Sul e da Abcásia a decisõesdas Nações Unidas e da OSCE, o que também foirecusado pelo Presidente russo. Não seráexcessivo ver nestas recusas um sinal de umaintencionalidade simbólica russa quanto a umacto político-militar cuidadosamente planeado.Este parece-me ser um pouco que importa tomar emlinha de conta, pelo que denota no que dizrespeito ao posicionamento de Moscovo e ao tipode actuação que o Kremlin preferiu.

Neste contexto, parece-me sobretudointeressante dar o devido realce ao facto que D.Medvedev poderia, sem quaisquer custos, teraceite as provisões que recusou – ou, pelomenos, a segunda delas – dada a mecânicaprocessual das organizações em causa, a ONU e aOSCE. Nos dois casos, o da ONU e o da OSCE,Medvedev poderia ter anuído e depois tornadoinviável qualquer decisão por estasorganizações, mantendo assim o status quo: na ONUa Rússia pode vetar temas ou decisões que lhenão interessem, e na OSCE, de que a FederaçãoRussa é membro pleno, as decisões são sempre

78

‘consensuais’. A recusa do segundo ponto foi,para bom entendedor, um acto políticoperformativo – um recado. A recusa em aceitar aprimeira corrobora a hipótese de uma decisãoprévia de reconhecimento das duas “Repúblicas”.E põe de novo em cena o semblante discursivoembutido na actuação política de Moscovo. Quaisas implicações disso?

Enceto, seguidamente, uma abordagem a esta eoutras questões a elas ligadas, regressando aoconflito russo-georgiano de Agosto de 2008, masagora num enquadramento cada vez mais alargado.

3a.

Serão as acções russas no que considera o seu “near abroad”inócuas para a Europa e os projectos “Ocidentais” de expansão?

Mais do que uma resposta geral e unívoca umtema complexo e multifacetado, quero começarequacionar uma réplica a uma questão simples: ainterdependência económica Europa-Rússiaminimiza riscos futuros para os interesses daUnião? Com efeito, entre a Europa (sobretudo aUnião Europeia) e a Rússia vive-se hoje umentrosamento económico profundo e complexo: deacordo com números oficiais, 48,6% do comérciorusso é com a UE; desses, 70% das exportaçõesrussas de gás natural e petróleo são para aUnião Europeia, e a sua credibilidade joga-seaqui – se é ou não um parceiro fiável oudispensável quando vistas as coisas daperspectiva da Europa. Por outro lado, 35% dopetróleo e cerca de 40% do gás natural

79

consumidos na UE são provenientes da Rússia.Quer isto dizer que não há (ou não irá haver)problemas, porque o doux commerce de que falavaMontesquieu – e o realismo daí decorrente –acabarão por marcar a sua posição? Não, pois asituação é de profunda assimetria. Suponhamosque, por razões políticas, a Rússia decidesuspender fornecimentos (como fez já com aUcrânia, a Republica Checa ou a Estónia) –digamos à Lituânia, ou à Polónia. Os outrosEstados-Membros ajudam esses dois? Com reservasestratégicas? E se sim, por quanto tempo?Haverá, em todo o caso, unidade de vontadepolítica para tanto? Haverá unidade, coesão ecoerência suficiente ao nível dos processos detomada de decisão na Europa dos 27? Haverá umnível de cooperação política que viabilizemedidas de ‘solidariedade de emergência’? E, sesim, como é que cada um dos Estados-Membrosjustificará aos seus cidadãos-eleitores que háque apertar o cinto pela Lituânia ou Polónia?56

Note-se que a Rússia não está sujeita com amesma intensidade a esses tipos deconstrangimentos – os mecanismos de tomada dedecisão são em Moscovo muito mais centralizadose coesos que na UE, e a accountability democráticada Administração russa face ao seu eleitorado émuitíssimo menor. Presumir uma simetria éfalsear a equação: num braço-de-ferro dessetipo, a Rússia ganhará quase sempre. É claro que56 Para uma ideia quanto à progressão laboriosa da postura da UniãoEuropeia no que toca à política energética, ver o notável Sanam S.Haghighi (2007), Energy Security. The External Legal Relations of the European UnionWith Major Oil- And Gas-Supplying Countries, Hart Publishing, bem como o maispolitico Sven Biscop and Jan Joel Andersson (2008), The EU and theEuropean Security Strategy. Forging a Global Europe, Routledge.

80

o enviado russo junto da União Europeia, oEmbaixador Vladimir Chizhov, afirmou compresteza que tudo iria “correr bem”, já que “ainterdependência conduz a Rússia e a Europa auma parceria”. Torna-se difícil não ver nestetipo de declarações pouco mais do que bemexecutadas manobras político-diplomáticas dediversão.

Não me parece fácil defender que as novaspaisagens políticas que emergiram com a invasãode Agosto de 2008 permitam que tudo continuecomo dantes – isto é, sem que se dê conta daalteração de fundo na estrutura dos palcosrelacionais, na Europa. Uma mudança onde muitosimpactos ainda não tiveram lugar. Seria em todoo caso prematuro presumir que a actuação russana Geórgia constituiu um evento avulso,irrepetível, ligado apenas à conjunturabilateral concreta em que os dois lados seencontravam. Outros decerto se lhe seguirão, noquadro, aliás, do que (seguindo V. Putin) emJulho Dmitry Medvedev apresentou como sendo o“novo conceito estratégico” para a políticaexterna de Moscovo57 – e em numerosas

57 É útil a letura atenta de Dmitry Medvedev (12 de Julho de 2008),“The Foreign Policy Concept of the Russian Federation”, Kremlin.President of Russia, tirado de http://www.norway.mid.ru/news_fp.html, bemcomo do seu “Speech at the Meeting with Russian Ambassadors andPermanent Representatives to International Organisations”, Kremlin.President of Russia,http://www.kremlin.ru/eng/speeches/2008/07/15/1121_type82912type84779_204155.shtml, 15 de Julho de 2008. Ver, ainda, Sergey Lavrov(Outubro de 2008), “Face to Face with America: Between Non-Confrontation and Convergence”, Profile, no. 38,http://www.norway.mid.ru/news_fp/news_fp_95_eng.html, e contratarestas tomadas de posição com o equivalente lateral formal delas, emOffice of the President of the United States of America (2002), TheNational Security Strategy of the United States of America, Washington, disponívelem http://www.whitehouse.gov/nsc/nss.pdf. Para uma discussão

81

declarações, suas e de Vladimir Putin, que selhe seguiram. Avultam aí questões, que ireiaflorar, relativas à intenção, expressa porMoscovo, de ajudar a criar uma ordeminternacional multipolar, e a nova doutrina queredefine o “near abroad” como um espaço em quevigoram os “interesses especiais” da Rússia.

Regressarei a este e outros pontos conexosno final deste estudo. Para já prefiro iralargando o âmbito da análise, passo a passo.

3b.

A União Europeia, a NATO e a nova dança sincronizada

Qual tem sido a reacção da Europa, e muitoem particular dos Estados-Membros da EU e os daNATO? Fraca, titubeante, dividida, ingénua, econtente com gestos palavrosos. Invocando oespecial soft power da União Europeia, uma mão-cheia de analistas, alegando que a invasãoconstituiu um “momento-charneira” na progressãopós-bipolar do sistema internacional, tem vindoa sublinhar a abertura de uma “janela deoportunidade” que tudo isto constituiria para aEuropa dos 2758. Dimitrios Triantaphyllou, o

interessante deste contrate, ver, por todos, a posição interessante,embora discutível, de George Friedman (2008), “The Medvedev Doctrineand American Strategy”, Stratfor. Geopolitical Intelligence Report (2 deSetembro),http://www.stratfor.com/weekly/medvedev_doctrine_and_american_strategy. Como vamos verificar, este novo conceito estratégico estáligado, desde Dezembro de 2008, a uma nova doutrina militar russa. 58 Para uma posição que me parece realista e sensata, ver NicuPopescu, Mark Leonard, e Andrew Wilson (2008), “Can the EU win thePeace in Georgia?”, Policy Brief, European Council on Foreign

82

Director Executivo do International Centre for Black SeaSecurity, uma entidade orgânica do Black Sea EconomicCouncil, foi um deles59. A ideia é tentadora paraum qualquer europeu que se preze; esta, todavia,não me parece uma argumentação convincente.Falar nas virtualidades efectivas do soft powereuropeu num momento de conflito, releva de umforte idealismo – a Bósnia Herzegovina, oKosovo, e o Médio Oriente são bons contra-exemplos. “Potências herbívoras” como IvanKraster e Mark Leonard apelidaram, em 2007, opoder que se reporta a “countries not widely perceived asmilitary superpowers”60, são entidades fascinantes,sem qualquer dúvida; e tendo em mente oreconhecimento de uma eficácia do soft power,porventura como efeito secundário das novassociedades e tecnologias de informação, hádecerto que repensar o papel das pequenas emédias potências, tradicionalmente arrumadas aum canto como meras “potências civis”. Noentanto, soft power sim, mas seguramente não duranteum conflito: no meio de uma refrega um ‘poderbrando’ não é certamente mais que uma formaresidual de poder. É decerto pena que assim

Relations, London (online).

59 Dimitrios Triantaphyllou (2008), “The Crisis in the Caucasus – anew world order emerges”,http://dimitriosworld.blogspot.com/2008/08/crisis-in-caucasus-new-world-order_28.html (20.09.08). Para um trabalho mais recente epormenorizado, embora sem grandes diferenças de postura substantiva,ver Dimitrios Triantaphyllou e Yannis Tsantoulis (Outubro de 2008),Looking Beyond the Georgian Crisis: The EU in Search of an Enhanced Role in the Black SeaRegion, ICBSS, Policy Brief no. 8, Athens.

60 Ivan Krastev e Mark Leonard (2007) “New World Order: The Balanceof Soft Power and the Rise of Herbivorous Powers”, Policy Brief,European Council on Foreign Relations, Londres (online).

83

seja, e o Mundo seria sem dúvida um melhor lugarse tal não fosse o caso. Mas é.

Esta primeira família de respostas nãosegue, para além do mais, uma qualquer linhaestratégica bem definida; trata-se, por norma,de propostas sem grande unidade, formuladas aquente nas primeiras semanas após a madrugada de7 e no dia 8 de Agosto. Tem havido analistas queentreviram na invasão uma oportunidade para aafirmação da Europa como um contrapeso aosEstados Unidos da América, no quadro de “umaordem internacional multipolar emergente”.Outros, menos preocupados com reacções “anti-hegemónicas” e mais apostados num fortalecimentoda Europa, têm vislumbrado no que se passou umbom pretexto para cristalizar a PESC e a PESD,ou até para acelerar a projecção de missões depaz e, por essa via, o soft power europeu61. Osmais realistas têm encarado estas reacções como

61 Tudo indicaria que estas propostas nunca poderiam vingar, quantomais não seja face à sincronização dos últimos alargamentos. Parauma proposta de como responder a previsível reacção russa à‘sincronização’ na expansão da EU e da NATO a leste, ver MargotLight, John Löwenhardt amd Stephen White (2003), “Russia and theDual Expansion of Europe”, in (ed.) G.Gorodetsky, Russia Between Eastand West. Russian Foreign Policy on the Threshhold of the Twenty-First Century: 56-70,Tel Aviv University. Como insistiram os autores em 2003, em timbresclaramente construtivistas, “[t]he important point, however, is that wedge-driving is a rational response to a perceived hostile alliance. The way to prevent it,therefore, is to alleviate the perception of hostility that makes it a rational response. TheEU’s assurances that the CESDP will complement NATO exacerbate Russia’s perception ofexclusion from an enlarging hostile alliance rather than alleviate it. In other words, if the EUwishes to prevent wedge-driving on the part of Russia, it should put more effort intoimproving the relationship between NATO and Russia”, p.66. Seguiu-se-lhe ainvasão do Iraque… Para uma posição em muitos sentidos semelhante,mas posterior à entrada no Iraque de Saddam Hussein, ver também o jácitado Armando Marques Guedes (2006, original de 2004), “Sobre aNATO e a União Europeia”, op. cit.. Em todo o caso, na bibliografiaque abaixo incluo, podem ser escrutinadas todas estas váriastomadas, mais ou menos efémeras, de posição.

84

pouco sólidas e progressivamente têm vindo atentar complementar as suas declarações iniciaisde intenção com passos concretos62.

As opiniões, neste âmbito, dividem-se: aaqueles que insistem em investimentos públicos edirectos maciços a propósito da reconstrução dasinfra-estruturas georgianas, juntam-se-lhesoutros que preferem pôr a tónica num reforço dassuas Forças Armadas; outros há que veem comomais urgente garantir a viabilidade económica daGeórgia, do Azerbaijão, e da Arménia, oraatravés de uma reconstrução económica, ora umareestruturação política e militar de fundo, orauma extensão das vias de escoamento de trocascomerciais – designadamente, por intermédio deuma diversificação de linhas de caminho deferro, pela reabertura e alargamento de portoscomo o de Poti, a sul da Abcásia ou, ainda, peloreforço de oleodutos e gasodutos com o Baku-Tbilisi-Ceyhan e o de Baku-Tbilisi-Erzurum, bemcomo uma ambiciosa extensão do Blue Stream atéplataformas centro-europeias de distribuição63.62 Ver, por exemplo, É ainda muito útil a leitura do número especialda Russian Analytical Digest 40/08 (8 de Maio de 2008), Russia and the FrozenConflicts of Georgia, número especial, em www.res.ethz.ch e do artigo deRon Asmus e Mark Leonard (03 de Junho de 2008), “Get involved overGeorgia or invite a war”, artigo publicado nos Financial Times, StPetersburg Times e Weekendavisen (Dinamarca), disponível online, atépor se tratar de dois artigos publicados antes da eclosão do conflitoarmado. Ver, ainda, Stephen Blank, Eugene Ivanov, James Jatras,Yelena Miskova, Andrei Tsygankov e Ethan S. Burger (2008), “RussiaProfile Weekly Experts Panel: Waging War on Georgia”, Russia ProfileWeekly, em www.Russia Profile.org

63 Este ponto é desenvolvido abaixo. Para pormenores suplementaresdo que – segundo a minha leitura – ampara tais posicionamentos, verArmando Marques Guedes (2007), op. cit.. Para uma explicação maispormenorizada do acima referido, ver o elucidativo artigo deVladimir Socor (2007), “South Stream: Gazprom’s New Mega Project,”Eurasia Daily Monitor, vol. 4, no. 123, 25 de Junho.

85

Quase todos aqueles que preferem esta linha deactuação da União Europeia propõem receitascompósitas que incluem um pouco de tudo – emboranaturalmente o façam em doseamento variável.

A estes pacotes de medidas, os defensores detais estratégias proactivas e concretas deintervenção no processo tendem a acrescentarinsistências na importância da manutenção decanais de comunicação bem abertos com a Rússia.Note-se que aqui como em todo o processo temhavido uma marcada falta de unidade europeiacomunitária. A França e a Alemanha têm sido osprincipais arautos dessa postura de diálogo,embora, de início, os alemães tenham insistido,tal como os britânicos, que a condução de businessas usual com Moscovo iria doravante ser“impossível”. Esta foi, desde o início, apostura da chamada “new Europe”. Embora sejaarriscado prever seja o que for, com o andar dassemanas alguma coisa tem vindo a mudar demaneira radical e talvez numa direcção maisprudente.

Aos poucos tem-se ido ainda mais longe.Assim, alguns dos mais centrais actorespolíticos da Europa, de Gordon Brown a AngelaMerkel a Nicolas Sarkozy, têm vindo a insistir,com base em analogias tiradas de experiênciashistóricas, na urgência de um reatamento plenode uma cooperação político-militar mais realistaentre os Estados-Membros da União e entre estese os Estados Unidos – ensaiando, em simultâneoum restabelecimento das relações “as usual” comuma Rússia agora menos passiva e credível comoparceiro amigável. Esta posição é aquela que tem

86

tido mais ecos nos Estados Unidos64. O quesubentende tal consenso parece ser a convicçãopartilhada de que estamos perante uma Rússiaressurgente e, por conseguinte a fórmula“clássica”, bem testada, seria a melhor. Écurioso notar que mesmo Europeístas mais“americano-cépticos” convergem neste sentidogeral de reatamento e reforço da ligaçãotransatlântica.

Compreensivelmente, os Estados da new Europeaplaudem a retoma da velha fórmula, tal como alarguíssima maioria dos Estados ligados poracordos à Política Europeia de Vizinhança e aselites democráticas daqueles que se vêemrelegados a uma oposição dolorosa e difícil, emregimes cada vez menos “abertos”, na64 A progressão dos estudos académico-polítocs empreendidos mostrabem esta evolução. Nos últimos anos, sobretudo depois da ascensão deVladimir Putin ao poder, e do ‘levantar de cabeça’ que se seguiu àcomparativa passividade da ‘era Yeltsin’ – e, sobretudo depois dofim do ‘período de graça’ que rodeou os ataques do 11 de Setembro de2001 – começaram a aparecer dificuldades estruturais norelacionamento entre uma EU em expansão (com o big bang de acessão denovos Estados-Membros) e uma Federação Russa ressurgente. Para estaprogressão, ver (eds.) Oksana Antonenko and Kathryn Pinnick (2005),Russia and the European Union. Prospects for a New Relationship, IISS; SergeiProzorov (2006), Understanding Conflict between Russia and the EU. The Limits ofIntegration, Palgrave Macmillan. Com a aproximação ao espaço pós-soviético justificou-se o aparecimento de novas tónicas deinvestigação, como a assumida em (eds.) Katlijn Malfliet, LienVerpoest and Evgeny Vinokurov (2007), The CIS, the EU and Russia. Challengesof Integration, Palgrave Macmillan. Com agravamento das tensões entre aRússia, a Ucrânia e a Geórgia, foram elaborados novos estudos: antesda invasão e da ‘guerra dos cinco dias’, ver Nadia Arbatova (2008),“Regional Cooperation in the Black Sea Area in the Context of EU-Russia Relations”, Xenophon Papers 5, ICBSS; na ressaca da invasão,Dimitrios Triantaphyllou and Yannis Tsantoulis (2008), “LookingBeyond the Georgian Crisis. The EU in Search of an Enhanced Role inthe Black Sea Region”, ICBSS.Para um bom enquadramento geral dapercepção russa da Europa, é útil o estudo de Iver B. Neumann(1996), Russia and the Idea of Europe. A study in Identity and International Relations,Routledge.

87

Bielorrússia e na própria Federação Russa.Embora pondo o acento tónico na respostaeuropeia, a maioria dos europeus encara o papela preencher pela Europa na Geórgia comocomplementar do da NATO e dos Estados Unidos – etodos insistem num reposicionamento mais firmeda Aliança65.

Os políticos têm seguido os analistas evice-versa, num padrão nem sempre habitual. Parao entrever, basta atentar na progressão dasreacções e nos factos recentes, Uma cimeira de

65 Um ponto mais geral diz respeito ao esbatimento progressivo dediferenças nas leituras geopolíticas de norte-americanos e europeus.Para visões diferentes mas, em muitos sentidos de convergênciagenérica em relação ao posicionamento ‘geopolítico’ norte-americanoe “Ocidental” por analistas dos EUA, ver os muito influentes textosJoseph Nye (1990), “American Strategy After Bipolarity”, InternationalAffairs vol. 66, no. 13, 513-521, Zbigniew K. Brzezinski (1997), TheGrand Chessboard. American Primacy and its Geostrategic Imperatives, Basic Books,e Roderic Lynne, Strobbe Talbott, and Koji Watanabe (2006), Engagingwith Russia, The Trilateral Commission. Quanto à leitura geopolíticados analistas da Europa quanto aos cenários emergentes ‘a Leste’, écurioso notar que, por trás das aparências, não houve na realidadegrandes variações de entendimento – à parte o idealismo que lhe temsido característico, mas põe debaixo do qual assoma muitas vezes,sobretudo na fronteira leste da União, uma posição maissaudavelmente realista; ver, para tanto, a posição do notávelanalista búlgaro, já referido e longamente citado, Ivan Krastev(2008), The Crisis of the Post-Cold War European Order, The German MarshallFund of the United States, e um take norte-americano nuancé q.b. sobreo Kantianismo endémico em parte da Europa – o esplêndido artigo degrande fundo de Ron Asmus and Tod Lindberg (2008), “Rue de la Loi.The Global Ambition of the European Project”, working paper, TheStanley Foundation. Quanto à tomada crescente de consciência dopapel nodal dos hidrocarbonetos tanto para os russos como para os“Ocidentais”, sejam estes últimos norte-americanos ou europeus, ver,por exemplo, Richard Weitz (2006), “Averting a New Great Game inCentral Asia”, The Washington Quarterly, 29, 3 pp. 155–167, Eugene Rumer(2006), “The U.S. Interests and Role in Central Asia after K2”, TheWashington Quarterly, 29, 3 pp. 141–154, e o magnífico Alexander Cooley(2008), “Principles in the Pipeline. Managing transatlantic valuesand interests in Central Asia”, International Affairs 84 6 (2008), 1173–1188.

88

emergência dos Estados-Membros da UE teve lugara 9 de Agosto; foi ela que resultou na decisãoda Presidência francesa em se embrenhar numesforço de mediação entre as partes em conflito.A 12 de Agosto, o Presidente Nicolas Sarkozyvisitou Moscovo e Tbilisi, persuadindo ambas asadministrações a aceitar um plano de paz comseis pontos – um plano que incluía uma retiradarussa da Geórgia, embora não da Ossétia do Sul eda Abcásia, para o status final das quais seremeteu para um eventual “international settlement”. AChanceler alemã Angela Merkel também visitou aRússia e a Geórgia pouco depois do início dasconfrontações militares, prevenindo Moscovo dasconsequências da sua “postura militarista” edando ‘apoio moral’ tanto à soberania de Tbilisicomo às suas pretensões de “um dia” vir ajuntar-se à NATO – como iremos ver, num espíritosemelhante, muitos dos líderes europeus reagiramem favor da ligação à Geórgia, remetendo para umfuturo indeterminado à renovação do Acordo deParceria e Cooperação entre a UE e a Rússia.

Foi uma posição genérica que iria sofrerinflexões. Na Cimeira UE-Rússia, em Nice, a 14de Novembro, este tipo de retórica firme foiaguada e foi assumido o compromisso recíproco deque as negociações com vista a uma renovaçãoiriam continuar. Há que sublinhar, todavia, queesta alteração ocorreu sobretudo ao plano da‘oratória relacional’: no comunicado final deimprensa, foi declarado, quanto ao conflitoRússia-Geórgia que “[t]he EU does not accept status quoin Georgia. Council conclusions have made clear that the Russianviolation of territorial integrity and unilateral recognition ofAbkhazia and South Ossetia are unacceptable. … The EU is

89

committed to the independence, sovereignty and territorialintegrity of Georgia”66. Os alinhamentos dos Estados-Membros quanto ao tema foram os habituais, mas apressão dos factos (e dos norte-americanos)vingou. A verdade parece ser, por isso, que a UEmantém o seu compromisso firme de apoio àintegridade territorial da Geórgia – e, porextensão analógica, presume-se que aos outrosestados do “near abroad” russo. No entanto a Uniãoparece disposta a regressar ao seu “business asusual” com a Rússia, colocando ênfase na“interdependência existente” entre as duasgrandes entidades económicas e políticas. Talvezo mais interessante seja, porém, verificar, quea União também parece confiar que o misto dodoux commerce pacificador de Montesquieu e de umaprofundamento de relacionamentos institucionaismúltiplos com a Rússia irá, no fim do dia,constranger esta última a padrões aceitáveis decomportamento, seja pela via de uma “PazDemocrática” Kantiana, seja por vias maisnormativas tout court – e isto tanto no planointernacional como, aliás, no interno.

Antes de passar à próxima secção, a quarta eúltima parte do presente estudo introdutório e,aí, focar quadros geopolíticos maiores, valedecerto a pena notar que mesmo os Estados Unidosnão parecem imunes a este tipo de raciocíniosliberal-institucionalistas na progressão da suapolítica externa do pós-Guerra Fria. A chamadaDoutrina Clinton incluía como um dos seuspilares centrais a noção segundo a qual uma

66 Vale a pena a leitura de http://ec.europa.eu/external_relations/russia/sum11_08/index_en.htm , para o posicionamento da UE

90

promoção aturada da Democracia e dos princípiosde uma economia livre de mercado – de acordo comos pressupostos de que a prosperidade económicagerada pelo comércio livre contribui de maneiradecisiva para a consolidação da vaga dedemocratização um pouco por todo o Mundo e napresunção de que esse Mundo se tornaria maispacificado, visto Democracias não combateremumas com as outras. Tem, com efeito sido estauma das lógicas implícitas na expansão paraLeste da NATO (e da União Europeia),designadamente na celebração de um Partenariadopara a Paz para a periferia do antigo ImpérioSoviético e os seus arredores (designadamente aSuécia e a Finlândia, dois Estados-Membros da UEtradicionalemte neutros) e os diversos arranjosde cooperação montados entre a Aliança e aRússia; a ideia parece ser a de que extensão deuma “garantia militar” norte-americana a Lesteopera uma espécie de conversão-transmutação de“out-of-area” para “in-house”, vendo-se assimefectiva e definitivamente encorajada umamaturação de Estados em fases várias de“transição democrática” na direcção um eventualestatuto de membros plenos de uma União Pacíficaà medida da Paz Perpétua de Kant. Este“entricheiramento discursivo”, como tem sidoapelidado, a que a Administração Bush não temsido alheia e a que Barack Obama pelo menosparcialmente parece aderir, gera uma posturanorte-americana que nos ajuda a melhorcompreender a atitude dos EUA face à Geórgia –trata-se, no fundo, de uma espécie de ‘versãoteórica’ soft das ‘racionalizações deconveniência’ bastante mais hard da União

91

Europeia com os seus Acordos Especiais deAssociação e a sua idealista “política devizinhança”, com o seu “ring of friends” – hoje maisprudentemente intitulado “ring of well-governedcountries”.

Há, no entanto, diferenças de monta entre aposição europeia e a norte-americana que cabepôr em evidência pelas implicações que delasdecorrem. A “guerra dos cinco dias” marcou oponto mais baixo no relacionamento russo-americano desde o fim da Guerra Fria. Tal comoafirmei, a postura norte-americano de apoiofirme – apesar de sobretudo retórico – foiporventura aquilo que garantiu a sobrevivênciano poder do regime georgiano eleitodemocraticamente e do próprio M. Saakashvili. Háno entanto também outras frentes de atrito entreos EUA e a Rússia que não existem entre a Rússiae a União Europeia enquanto organização.

Um exemplo bastará por todos. O chamado“escudo anti-mísseis”. O sistema balístico dedefesa – que consiste numa instalação de radaresna República Checa e uma base de mísseis anti-míssil na Polónia – foi especificamente criadopelos EUA para protecção da Europa de possíveisataques oriundos do Grande Médio Oriente, edesignadamente do Irão ou de forças“terroristas” no Paquistão ou no Afeganistão; emboa verdade, o escudo anti-missil, não deve serpensado como um escudo norte-americano, masacrescido do da NATO, criados com o intuito deproteger todas as populações e territórios daEuropa; os russos ofereceriam uma parceriaimportante para a sua instalação, pois astrajectórias da ameaça e da resposta passam por

92

cima do seu território. No entanto, não tem sidoeste o entendimento de Moscovo – nem quanto àsintenções norte-americanas nem quanto às suasconsequências. No último par de anos, comefeito, a Rússia tem vindo a retratar,politicamente, o projecto balístico daAdministração Bush “junto às fronteiras daFederação” como um jogo de ameaças recíprocas dotipo Guerra Fria.

Por trás desta retórica política parece, noentanto estar um outro tipo de preocupações, denatureza no essencial técnico-estratégica. Maispreocupada com as alterações induzidas pelapresença de um eventual escudo – que, casofuncione a contento, neutralizaria em largamedida a eficácia da dissuasão mútua garantidapela Mutually Assured Destruction que manteve uma paztensa na Europa e no Mundo durante o longoperíodo bipolar – a Rússia tem vindo a insistirno aumento de riscos que um qualquer esbatimentoda dissuasão efectiva bem testada resultante do“equilíbrio do terror”, logrado pela via ínvia,mas eficaz, da “destruição mútua assegurada”.

É difícil não sentir que a infeliz dicotomiaentre o discurso político e o discursoestratégico da Rússia em relação a este tema temimpedido Moscovo de se fazer ouvir no registo“técnico-estratégico”. Porventura para consumointerno e também com o intuito de, pela via dodesafio, responder às “humilhações” da eraYeltsin, a Rússia de Putin e de Medvedev tem, deforma consistente, insistido alto e bom som nassuas preocupações quanto a uma eventual rápidatransformação do sistema defensivo norte-

93

americano num outro, de carácter ofensivo67. Tem-se perdido assim a oportunidade de trazer adiscussão para domínios mais “racionais” –parece-me óbvio que, de um ponto de vistatécnico Moscovo tem razão: o MAD ficacomprometido de maneira não-despicienda com oescudo68. Mas, por outro lado, a retórica doescudo anti-missil é porventura sobretudo útilpara consumo interno e em especial contra ahumilhação da ex-grande potência: o “escudo”apenas seria eficaz contra um rogue state capaz delançar uma dúzia de mísseis e não contra ummassive strike que a Rússia continua a tercapacidade de lançar.

As autoridades de Moscovo têm vindo amostrar considerarem estar perante um “dilema desegurança” de tipo ‘clássico’, em cujos termosquaisquer desiquilíbrios na capacidade recíprocade infligir destruição maior nos adversários

67 Infelizmente esta ideia tem vindo a ser propagada por algunsanalistas políticos. Pavel Felgenhauer, por exemplo, insistiurecentemente nesta posição político-retórica, ao dar realceexclusivo ao facto de que “Moscow feels threatened by the planned MDdeployments in Europe because the military assumes that it is not an MD system at all but apotent secret attach weapon under the guise of a missile defense against Iran. Washingtonand its European allies do not seem fully to appreciate this Russian anxiety”. Em PavelFelgenhauer (2008), “Little Room for Compromise over the MissileDefense,” Eurasia Daily Monitor, vol. 5, issue 236, 11 de Dezembro.

68 Que esta é uma posição russa é indubitável. Um só exemplo: a 19de Dezembro de 2008, a agência RIA Novosti afirmou que, apesar damaioria dos conflitos futuros prevíseis serem de natureza local ouregional, nem todos o seriam: “new destabilising factors such as destruction ofnuclear missile parity have appeared, making the option of a large-scale war more likely.For example, a US missile defence shield, which, with military arsenals being cut, coulddeliver an unpunished first strike with little or no damage from a retaliatory attack. Em RIANovosti (19 de Dezembro de 2008), “Russia has a military doctrinefor every occasion”, Russia Herald, descarregado a 21.12.08 doendereçohttp://story.russiaherald.com/index.php/ct/9/cid/871e5a31f6912bb3/id/444279/cs/1/.

94

gera um impulso de com urgência aumentar o seupotencial bélico próprio. Em resultado, a Rússiatem vindo a reinstalar nos palcos internacionaisum padrão de comportamento estratégico centradonela própria em muito semelhante à Realpolitikoitocentista, com toda a parafernália de ‘self-help’, contra-coligações, esferas de influência,e Great Games geopolíticos. O facto de Washingtonter vindo a actuar de forma não muito diferentedurante o consulado de G.W. Bush, Dick Cheney e,numa primeira fase, Donald Rumsfeld, criou epotencia um curioso feedback de sinergias nummesmo sentido geral. A consequência tem sido oregresso sistemático a uma perspectivaçãocompetitiva da política internacional – e umaespécie de retorno a uma retórica política atanto adequada – na qual o sistema internacional“anárquico” de Estados recebe uma estrutura quelhe é ditada pelos seus membros mais poderosos,e em que as instituições internacionais sãoencaradas como pouco mais do que simplesinstrumentos ao serviço de interesseshegemónicos destes69.

Seguindo um padrão convencional, tem sido noquadro da NATO que muitas destas disparidades deposicionamento dos aliados transatlânticos setêm expressado de maneira mais clara einstitucionalizada – e as divisões entre osEstados-membros europeus seguiu de perto aquela

69

? Este género de self-help produz “something important about Russia’s leader’sview of global politics in general”, segundo Charles King no seu (2008), “TheFive-Day War,” Foreign Affairs, Novembro-Dezembro, p. 7: “Russian leadersbelieve that existing multilateral institutions are unsubtle fronts for promoting the nakedinterest of the United States and its major European allies”.

95

que tem tido lugar na EU70. No período imediatoapós a invasão da Geórgia, argumentando que“business as usual” não poderia manter-se, a NATOsuspendeu as suas relações com Moscovo. Noinício de Dezembro de 2008, no entanto, depoisde um encontro de dois dias, em Bruxelas, dosMinistros dos Negócios Estrangeiros da AliançaAtlântica, foi tomada a decisão de encetar um“conditional and graduated reengagement” com Moscovo,nas palavras do Secretário-Geral Jaap de HoopScheffer. A perspectiva dominante foi a de que a“Russia is such an important factor in geopolitical terms that

70 Numa dança sincronizada bem mais dura, embora com timingslargamente semelhantes aos do despontar de dificuldades crescentesno relacionamento entre a Rússia e a UE, começaram a apareceravaliações-ponderações das barreiras cada vez mais firmes a umaaproximação, esboçada, entre Moscovo e a NATO. Para uma boa visodiacrónica de conjunto, ver Martin A. Smith (2006), NATO RussiaRelations Since 1991. From Cold War Through Cold Peace to Partnership, Routledge.Para uma leitura do ‘re-arranque’ difícil depois de 1999 e daactuação da NATO o Kossovo, ver a colectânea muito diversificada de(ed.) Peter van Ham and Sergei Medvedev (2002), Mapping EuropeanSecurity After Kosovo, Manchester University Press. Depois do Iraque e doAfeganistão emergirem como escolhos suplementares entre o “Ocidente”e a Rússia, começaram a ser gizados estudos sobre o andar dacarruagem, muitas vezes especulativos, noutros casos‘programáticos?; ver, por todos, os três seguintes: Robert E.Hunter, Sergey M. Rogov (2004), Engaging Russia As Partner And Participant TheNext Stage of Nato-Russia Relations, RAND; Jan Hallenberg and Håkan Karlsson(2006), A New Strategic Triangle. US, the EU and Russia in An Evolving TransatlanticSecurity Environment, Routledge; e Aurel Braun (2008), NATO-Russia Relationsin the Twenty-First Century, Routledge.

96

there is no alternative for NATO than to engage Russia”71. Orealismo voltou ao de cima.

Em que planos? Vale a pena aqui reproduzir,ipsis verbis, algumas das declarações constantes doComunicado Final desta reunião de 2 e 3 deDezembro de 2008 dos Ministros dos NegóciosEstrangeiros do Estados-Membros do Conselho doAtlântico Norte. Eis o ponto 18: “[w]e reaffirm allelements of the decisions regarding Ukraine and Georgia takenby our Heads of State and Government in Bucharest.  Bothcountries have made progress, yet both have significant work leftto do.  Therefore, we have decided to provide further assistanceto both countries in implementing needed reforms as theyprogress towards NATO membership”. Parte do ponto 24é também essenciais: “[f]ollowing Russia’sdisproportionate military actions during the conflict with Georgiain August, we determined that there could be no business asusual in our relations with Russia.  Russia’s subsequentrecognition of the South Ossetia and Abkhazia regions ofGeorgia, which we condemn and call upon Russia to reverse,contravenes the OSCE principles on which the security of Europeis based and the United Nations Security Council resolutionsregarding Georgia’s territorial integrity which Russia endorsed. We reaffirm our adherence to these values and principles and callon Russia to demonstrate its own commitment to them.  We callupon Russia to refrain from confrontational statements,

71 Steven Erlanger (2008), “NATO Chief Defends Re-Engagement withRussia”, International Herald Tribune, 3 de Dezembro. Podemos ir maislonge. Como escreveu, a este propósito Radu Dudau (2009), num artigoainda não publicado sobre a invasão russa da Geórgia: “[i]t is certainlypreferable to have even a minimal and conditioned dialogue with Russia than none at all.Yet again, NATO members will have to make a crucial decision about their common future:will NATO transform into a sort of global ‘toolbox’ for humanitarian intervention andconflict resolution – perhaps with lowered political standards; or is it to become a sort ofuniversal League of Democracies, eventually able to supplant dysfunctional giants such asthe United Nations? Or, by contrast, should it consolidate and refrain from furtherextension, assuming a more traditional role of defending its Euro-Atlantic provenance?”

97

including assertions of a sphere of influence, and from threats tothe security of Allies and Partners, such as the one concerning thepossible deployment of short-range missiles in the Kaliningradregion.  We also call upon Russia to implement fully thecommitments agreed with Georgia, as mediated by the EU on12 August and 8 September 2008”. Ou seja, acesso àNATO sim, mas não já, e uma crítica dura àRússia. Segue-se-lhe um “mandato” ao Secretário-Geral da NATO, para que este garanta um “re-engagement of Russia at the political level”72.

Significa isto que a posição diferente doseuropeus e dos norte-americanos no que toca àsimplicações da invasão da Geórgia pela Rússiapode vir a ser ultrapassada por um consensovigoroso e decisivo? Com os líderes de hoje dasmaiores potências “Ocidentais” pela primeira vezcomparativamente alinhados entre si73, e face auma ameaça comum, a oportunidade de ultrapassaras divisões desencadeadas pelas preparações paraa intervenção liderada pelos norte-americanos,em 2003, no Iraque de Saddam Hussein pareceestar agora presente. Em Bruxelas, na mesmareunião de 2 e 3 de Dezembro de 2008, osMinistros dos Negócios Estrangeiros da NATOexpressaram ainda o seu apoio ao sistema dedefesa balística planeado por Washington,apelidando-o, no seu comunicado final, de “a

72 Em Final communiqué, Meeting of the North Atlantic Council at thelevel of Foreign Ministers held at NATO Headquarters, Brussels,disponível em http://www.nato.int/docu/pr/2008/p08-153e.html

73 Designadamente Nicolas Sarkozy, Angela Merkel e Gordon Brown, vis àvis George W. Bush ou Barack Obama. É a primeira vez desde finais daSegunda Guerra Mundial e, num sentido pleno, desde o fim da GuerraFria, que se verifica um consenso genérico, em quase todos os temasde fundo, num eixo “Ocidental” por isso hoje potencialmente maiscoeso do que nunca.

98

substantial contribution” para a defesa da Europa. Umapostura partilhada face à Rússia parece terresultado da aventura de Agosto. Mas sedesenvolvimentos recentes fornecem uma indicaçãodo andar da carruagem, tal não vai no entantomanter-se de maneira linear.

Um exemplo claro disso foi o ambientediscursivo que rodeou a declaração deCondoleezza Rice, em inícios de Dezembro, de queos norte-americanos não iriam insistir, em 2009,na concessão de MAPs (Membership Action Plans) deacessão à NATO para a Geórgia e a Ucrânia.Muitos dos Estados-Membros da UE respiraram dealívio – uma vez que parece haver um consensoclaro entre muitos dos Estados da Aliança (aFrança, a Alemanha, e agora mesmo o Reino Unido,para só dar três exemplos) de que nem a Ucrânianem a Geórgia estariam “suficientementedemocratizados ou unificados” para entrar comomembros plenos na NATO – e ficaram aliviados pornão confrontar “demasiado” a Rússia74. Todavia o74 Uma posição de “prudência” que, ao que muito indica, é potenciadapelas perspectivações geopolíticas (e, por conseguinte, pelaveemência das expressões político-diplomáticas, para além dasmilitares) das próprias autoridades russas. Tornando a Margot Light(2009), op. cit.: 95-96: “[g]iven the predominance of geopolitical realist thinking inRussia, the preference for bilateral relations and the use of those relations to bypass orundermine EU policy is unlikely to change. Geopolitical realism also means that Russia willpersist in perceiving the shared neighbourhood in zero–sum terms, as an area of strugglefor influence rather than as opportunity to co operate”. Seja a UE, a NATO, ou osnorte-americanos a solo, entenda-se. Mutatis mutandis, o mesmo se passouno que à NATO diz respeito. Nas palavras de Hannes Adomeit (2009, p.112), “[a]fter the Russian foreign and security establishment had grudgingly come toaccept the planned accession of Poland, Hungary and the Czech Republic to NATO,President Yeltsin, at the Birmingham G7 ( plus Russia) summit in May 1998, drew on thegeopolitical map of Europe a ‘red line’ which NATO was not supposed to overstep. That lineran along the borders of the former Soviet Union. In the then circumstances, it meant thatEstonia, Latvia and Lithuania should be prevented from joining NATO.48 After the threeBaltic countries nevertheless were invited at the Prague NATO summit in November 2002 tojoin and become members in February 2004, the Russian foreign and defence establishmentrefused to reconcile itself to that fact”. Os passos seguintes da Administração

99

alerta foi mitigado pela insistência norte-americana de que MAPs não eram necessários paraa entrada na NATO até 1998: muitosinterpretaram, assim, que a posição dos EUA nãoseria a de não convidar os dois Estados da CISpara a Aliança Atlântica, mas antes a depreparar o terreno para uma sua entrada sem quequaisquer condicionalidades estritas, como a dosMAPs, lhes fossem impostas Esta eventualpretensão tem sido apoiada por outros Estados-Membros, por norma os Estados mais próximos daRússia, que defendem com vigor a entrada destesdois eventuais ‘Estados-tampão’ na NATO.

A reacção é seguramente compreensível. Háhoje de novo, para um reforço do atlantismo,motivos internos difíceis de contornar,dinâmicas geopolíticas de fundo cujas pressõesme parecem intensificar-se – uma espécie deinércia institucional internacional que tambémnão deixará de nos fazer sentir um reforço daAliança como a solução “menos arriscada” e “maissensata”. Internamente, na sua esmagadoramaioria os Estados-Membros dispostos ao longo doeixo vertical que vai de Murmansk a Atenas,passando por Helsínquia, Estocolmo, Talin, Riga,Vilnius, Varsóvia, Bratislava, Viena, Budapeste,

norte-americana e da Aliança Atlântica foram tudo menostranquilizantes para o Kremlin. Para tornar a citar Hannes Adomeit(2009, op. cit., pp. 119-129): “expectations connected with ‘change throughrapprochement’ – that the Russian engagement in NATO would contribute to thedevelopment of mutual trust – also have proven unfounded or at least premature. The kindof ‘managed’ and ‘sovereign democracy’ practised at home and the pretensions of ‘energysuperpower’ abroad have refuelled suspicion among NATO’s members. Conversely,suspicion remains unabated in Russia’s foreign and defence establishment that NATO (withthe United States allegedly behind it) is aiming, after the dissolution of the Soviet Union, atthe weakening of Russia and a roll-back of Russian influence on post-Soviet space”. Denovo um jogo de soma zero, na percepção de Moscovo.

100

Sófia, Ljubljana, ou Bucareste, tem insistidoque só com a NATO e os EUA se sentem de factoseguros. Nisso, o projecto do Tratado de Lisboadá-lhes amparo, as suas instituições militaresafirmam-no alto e bom som – e, para além domais, as rotinas instaladas tornam-nopraticamente inevitável.

De uma perspectiva mais geopolítica, poroutro lado, pressões regionais múltiplas têmvindo a acentuar-se e a dar alento a estapostura. A conjuntura tem estado a endurecercontornos. A Frota russa do Mar Negro está a seraumentada e modernizada com rapidez em efectivose equipamentos; a pressão tem vindo a crescer naTransnístria e na Crimeia; e os acordosmilitares russos celebrados com a Síria,envolvendo o anúncio da reactivação de umaantiga base naval soviética em território destepaís com o intuito de aumentar a presença russano Mediterrâneo Oriental fizeram soar alarmes.Tudo isto a acrescentar aos movimentos de re-orientação e de realinhamento cada vez maisnítido de uma Turquia cada vez mais ambivalentee mais apostada numa ligação histórica especialà Ásia Central, ao seu surpreendente esboço derapprochement relativamente à Arménia e àintensificação de laços com o Azerbaijão, aSíria e o Líbano. Todos estes são pontosessenciais, a que também irei regressar.

3c.

As políticas de gestão de hidrocarbonetos e os seus impactos emquatro Estados paradigmáticos da região

101

A situação torna-se ainda mais preocupantese tomarmos em linha de conta (como me pareceimprescindível que o façamos) quadrosgeopolíticos maiores. Designadamente – e paradar apenas dois exemplos – por um lado, osdesenvolvimentos em curso no que diz respeito àspolíticas de distribuição de hidrocarbonetosprovindos da região da Ásia Central e doCáucaso, em que a Rússia tem apostado emassegurar um controlo efectivo dos fluxosdisponíveis e daqueles que são de prever; e, poroutro lado, a instalação de forças militaresrussas na Venezuela de Hugo Chavez e na Bolíviade Evo Morales, tão no interior do perímetro desegurança norte-americano tradicional quanto oalargamento da NATO é para a profundidadeestratégica que a doutrina militar russa desdehá muito arvora como sua75. Estes dois exemplosilustram bem a complexidade crescente de umrelacionamento que tem de ser gerido com cuidadoestratégico grande – com cautelas e planeamentobem reflectido que infelizmente por via de regranão existe.

Começo então pelos hidrocarbonetos,designadamente o gás natural e o petróleo, em75 Para uma análise mais pormenorizada, ver Armando Marques Guedes(2001 e 2006), “Sobre a NATO e a União Europeia”, Nação e Defesa 106:33-76, Instituto de Defesa Nacional, Ministério da Defesa, Lisboa, eArmando Marques Guedes (2007), “A ‘Linha da Frente’. Do Sudoeste dosBalcãs à Ásia Central”, Geopolítica, 1: 19-77, Centro Português deGeopolítica, Lisboa, respectivamente sobre a previsível reacção daRússia aos sucessivos alargamentos conjuntos da NATO e da UniãoEuropeia que têm vindo a coartar a profundidade estratégica que,tradicionalmente esta sente como essencial, sobre a emergência deuma “linha da frente” de potenciais conflitos ao longo dos percursosde escoamento de muito do petróleo e gás natural produzidos ao longoda sua fronteira sul.

102

que as regiões da Ásia Central e do Cáucaso sãotão ricas – e através das quais, como que por umcorredor, têm vindo a ser distribuídos osprodutos afins oriundos de regiões vizinhas tãoricas nestes recursos como o Irão e a Rússia.Uma enorme parcela da energia consumida naEuropa, nomeadamente de gás natural, chega porvia deste corredor. Atenho-me ao gás natural. ARússia tem um enorme gasoduto na região, o járeferido Blue Stream, que quer estender atéplataformas de distribuição no interior daEuropa. A Europa quer evitar tanto quantopossível uma qualquer dependência, neste âmbito,face a uma Rússia que tem mostrado não hesitarquanto à utilização política e económica dassituações de monopólio que detenha. Para oefeito, a Europa desenhou o Projecto Nabucco.Trata-se do projecto de construção de umgasoduto concebido para transportar gás naturalproveniente do Cáspio através da Turquia. ONabucco pretende ser uma extensão do gasoduto aque já aludi, o de Baku-Tbilisi-Erzurum – e aintenção é a de o estender pela Bulgária,Roménia, Hungria e Áustria até Baumgarten an derMarch, perto de Viena. Está prevista umaextensão total de 3 mil e trezentos quilómetrospara o projecto. Eis os stakeholders para odesenvolvimento do Nabucco: as OMV (Áustria), MOL(Hungria), Transgaz (Roménia), Bulgargas(Bulgária), BOTAS (Turquia) e RWE (Alemanha). Adata de início da sua construção está previstapara 2010, dois anos mais tarde que oplaneamento gizado à partida – e o custoprevisto saltou dos 4.5 biliões de Euros paraquase 9 biliões, devido ao aumento dos preços do

103

aço. Calcula-se que venha a transportar até 30biliões de metros cúbicos anuais de gás até2020. O Projecto Nabucco tem o apoio oficial daUnião Europeia e dos estados Unidos. A UEincluíu o Nabucco no seu Programa para a Rede Trans-Europeia de Energia, financiou um estudo deviabilidade para tanto, e nomeou um coordenadoreuropeu para o projecto.

Várias dificuldades, todas elas com umadimensão política, mesmo se parcial, têm adiadoa sua conclusão. Numa primeira linha estãoquestões de abastecimentos. Todos estão deacordo que o Azerbaijão, com as suas jazidas deShah Deniz, irá ser o principal fornecedor dogás a transportar. Apesar da oferta russa decomprar todo o gás extraído pelo Azerbaijão apartir de 2009, as autoridades de Baku têm ditonão a Moscovo76. A Gazprom russa conseguiu-o como Turquemenistão, sobre cujas exportaçõesMoscovo detém o monopólio virtual. Em Dezembrode 2007, a Rússia, o Turquemenistão, e oCazaquistão acordaram em exportar o gás naturaloriundo do Cáspio através da Rússia. Nem tudoestá perdido para a Europa, em todo o caso,visto que novos depósitos intitulados SouthYoloten-Osman, foram recentemente descobertos nosudeste do país e auditorias internacionaisestimam que estes conterão à volta de 14triliões de metros cúbicos de gás de qualidade.Tendo isso em vista, uma pipeline Trans-Cáspio,ligando Turkmenbashi a Baku, faria todo osentido económico. A 28 e 29 de Novembro de

76 Vladimir Socor (2008), “Azerbaijan Quietly Lending Impetus toNabucco Project,” Eurasia Daily Monitor, vol. 5, issue 228, 2 deDezembro.

104

2008, os Presidentes do Azerbaijão,Turquemenistão, e Turquia encontraram-se emTurkmenbashi, na costa do Cáspio. O projectoNabucco foi o tópico central, emboradiscretamente. O ponto central, em minhaopinião, é que o Presidente GurbangulyBerdimukhamedov aludiu explicitamente à ideiadesse pipeline Trans-Cáspio, no contexto de umaexposição na qual não deixou de aludir àurgência do seu país em diversificar tantoquanto possível parceiros e trajectos dedistribuição de gás77.

Diversas vozes oficiais da União Europeiatêm vindo a insistir nas vantagens em tornar oIrão num dos fornecedores do Nabucco. A ideia foilançada durante a Presidência eslovena da UE emantida durante a francesa, sobretudo tendo emvista o novo ambiente estratégico e de segurançacriado após a invasão de Agosto. Estareorientação europeia, que conta com o apoio daTurquia e a oposição da Rússia, tem tido defazer frente a um veto norte-americano quanto aquaisquer envolvimentos da União com o regimeiraniano. Washington, que mantém Teerão na listade “Estados que apoiam organizações terroristas”e no seu “Axis of Evil”, utiliza argumentospolíticos e jurídicos para esta sua posição,nomeadamente o famoso US 1996 Iran Sanctions Act.

Para além das questões de abastecimento,existe contra o projecto Nabucco uma outrapressão, esta com um ponto de aplicação denatureza mais competitiva. Moscovo planeia aconstrução do seu South Stream, desenhado paraatravessar 900 quilómetros de leito marítimo do77 Vladimir Socor, ibid.

105

Mar Negro desde Beregovaya, na costa russa, atéà Bulgária ou à Roménia, continuando daí, noblueprint, até à Grécia, via a Sérvia, e depoisaté à Itália – e é bem conhecida a proximidadede Putin com os sérvios e com Berlusconni. AGazprom e a ENI italiana financiarãoconjuntamente (e em paridade) este projectoalternativo ao Nabucco, desenhado paratransportar anualmente os mesmos 30 biliões demetros cúbicos de gás previstos para o projectoeuropeu comunitário. Note-se, porém, que mais doque apenas um desafio económico, o South Streamfoi concebido para tornear a Turquia e aUcrânia, aumentando assim a ‘alavancagem’ daRússia sobre ambas. Muito em especial, note-seque a eventual construção do South Stream tornaráaltamente improvável a extensão do Blue Streamatravés da Turquia, como agora planeado. Comobem explicou há já um ano Vladimir Socor78,“Gazprom [plans] to build surplus pipeline capacities as anelement of export strategy. Euphemistically referred to as‘flexibility’, surplus pipeline capacities (if built as intended) willenable Russia to switch export directions for large hydrocarbonvolumes – favoring one or another direction, country, or nationalchampion – according to a system centrally managed fromMoscow. The Kremlin seeks to become the political manager ofan energy supply system for Europe under conditions of tight oreven deficit supplies in the medium term”.

Há assim numerosas razões políticas para queMoscovo continue a apostar no projecto. Entreoutras coisas, divide os europeus. Mal a ideiado South Stream foi publicitada, vários Estadoseuropeus aderiram à ideia: pouco tempo depois da78 Em Vladimir Socor (2007), “South Stream: Gazprom’s New MegaProject,” Eurasia Daily Monitor, vol. 4, no. 123, 25 de Junho, op. cit..

106

assinatura do Memorando de Entendimento sobre oSouth Stream assinado em Roma em Junho de 2007, amais importante dos accionistas-parceiros doNabucco, a OMV Austria, vendeu à Gazprom 30% dasua participação no hub de gás de Baumgarten. OGoverno da Hungria acordou com a Gazprom aconstrução e operação do segmento húngaro dooleoduto, repartindo equitativamente asdespesas. A Bulgargaz búlgara acordou com aGazprom na inclusão do território de Sófia nopercurso do pipeline, tal como a Sérvia – estaúltima não sem antes ter vendido à Gazprom unsespantosos 51% da sua companhia nacional deenergia, a NIS.

Antes de passar ao exemplo das consequênciasda invasão de Agosto para quatro Estados‘regionais’ paradigmáticos, queria repetir a queatrás argumentei: a Rússia não está sujeita coma mesma intensidade aos tipos deconstrangimentos democrático-liberais quelimitam as tomadas de decisão em Bruxelas – osmecanismos políticos decisórias são, em Moscovo,muito mais centralizados e coesos do que na UE,e a accountability democrática da Administraçãorussa face ao seu eleitorado é muitíssimo menor.Presumir uma simetria resultante da muito realinterdependência UE-Rússia redunda num falsearda equação: num braço-de-ferro, a Rússia ganharáquase sempre.

Com o objectivo de resolver melhor imagens ecomo primeiro passo de um alargamento de âmbitono apuramento dos impactos políticos da invasãoda Geórgia, vale decerto a pena dar exemplosconcretos de alguns dos Estados da zona maisdirectamente afectados pelos acontecimentos de

107

Agosto. Focarei quatro exemplos: a Turquia, oAzerbaijão, a Ucrânia, e o Irão. O desafio,neste passo, é o de conseguir manter umadestrinça entre os que são estratégias políticasestruturais e de fundo e aquilo que são merasreacções tácticas e conjunturais aos ‘cinco diasque abalaram a região’.

Começo, na ordem em que os listei, pelaTurquia. A acrescentar à subida dofundamentalismo islamista na região circundantee à recusa da EU em tomar uma decisão quanto àsua eventual acessão, as tensões crescentesentre a Rússia e o “Ocidente” têm colocadoAnkara numa posição difícil. As tensõesexprimem-se entre governantes e governados,entre militares e civis, entre militares egovernantes, e também no interior de cada um detodos estes grupos. Por um lado, a pertença àNATO e a pretensão de aderir à EU têm vindo aconfigurar tanto a política quanto as opçõesestratégicas da Turquia nas últimas décadas. Poroutro lado, a Turquia tem vivido numa tensãomarcada entre relações de competição e relaçõesde cooperação com a Rússia – tentando equilibrara sua dependência relativamente ao gás naturalproveniente da Rússia com gás vindo de outrasorigens ao mesmo tempo que ensaia esquemas departilha ‘duopólica’ com o seu vizinho maior, aomesmo tempo que tenta limitar uma hegemoniarussa no Cáucaso e na Ásia Central pelareactivação dos seus próprios laços com essasregiões.

Num jogo de equilíbrio instável, Ankara tem-no conseguido ao enveredar pelo caminho perigosode apoiar as autonomias na região do Cáucaso

108

independente e nas do Cáspio pós-soviético; aomesmo tempo tem feito questão de manter emtensão o relacionamento ‘local’ que tem com aRússia com o mais amplo que mantém e tem queridointensificar com a Europa e as instituiçõesEuro-Atlânticas. Durante o período bipolar aposição geopolítica turca definiu de maneiraclara e bastante contínua as regras do jogo.Desde há já alguns anos, a instabilidade desseequilíbrio tem-se tornado cada vez mais patente.È certo que com a invasão da Geórgia muito sealterou; mas, em boa verdade, as mudanças vinhamde trás79. Como constatou Igor Torbalov, “[t]heGeorgia crisis occurred at a time when both Russia and Turkeywere demonstrating the tendency toward more unilateralconduct. Russia has abandoned any pretence of integration withthe West and is casting itself as an independent Eurasian greatpower, while Turkey has shifted its focus away from its role as aNATO member toward that of a regional power. The twocountries position themselves as pragmatic international playersacting first and foremost on the basis of national interest”80.Com o crescimento económico explosivo que tevenos últimos anos, com o AKP, um partidoconfessional, no poder, e agora com umaredefinição dos tabuleiros regionais em que semove desde há muito, a Turquia mudou81.79 Ver os artigos de Ian Lesser (2008a e 2008b) que constam daBibliografia.

80 Igor Torbakov (2008), “The Georgia Crisis ad the Russia-TurkeyRelations”, Jamestown Foundation, emhttp://www.jamestown.org/uploads/media/Torbakov_Russia_Turkey.pdf81

? É curioso que, ainda em 2005, fosse possível editar colectâneascomo a (ed.) Hans-Lukas Kieser (2005), Turkey Beyond Nationalism, I. B.Tauris & Co., que persistiam na consolidação da imagem, adequada àspretensões europeístas de Ankara, de uma Turquia ‘pós-nacionalista’.Um conjunto de artigos por regra de muito boa qualidade, em todo ocaso.

109

Mas não estruturalmente. O quadro quedelineei mantém-se em grande medida, embora astensões que enunciei se tenham agravado e ospontos de equilíbrio encontrados não sejam osmesmos. Durante esta primeira década do séculoXXI, a Turquia tem importado da Rússia 60% dogás natural que consome e 30% do seu petróleo.Foquemo-nos no gás. Desde 2003 o gás que aTurquia precisa chega-lhe pelo Blue Stream, umoleoduto que descansa sobre o leito do Mar Negrodesde Izobilnoy, no Sul da Rússia, a Samsun, naTurquia. Essa dependência acrescida de umabalança comercial que favorece claramenteMoscovo tem levado Ankara a tentar diversificarfontes. A recente crise tornou esta reacção maisurgente. Em meados de Novembro de 2008 os turcoscelebraram um Acordo com o Irão, comprometendo-se a desenvolver três jazidas off-shore da regiãoiraniana do Pars do Sul – e garantindo, assim, aconstrução de um gasoduto de 1,850 quilómetros,de Assaluyeh a Bazargan, com um investimentototal de 12 biliões de $US.82 Fiz já alusão aoNabucco e ao projectado pipeline Trans-Cáspio.Usando a sua posição geográfica e ligaçõespolíticas, históricas, e confessionais, e comalguma ambição, a Turquia tem tentado tornar-senuma espécie de hub de hubs para todos oshidrocarbonetos trazidos de Este para Oeste,sejam eles oriundos do Cáucaso, do Cáspio, ou doGolfo Pérsico.

Tal ambição redunda também, evidentemente,numa fuga para frente. Convém à Turquia cultivar

82

? Emrullah Uslu (2008), “Turkey and Iran Sign Accord on Natural GasCooperation”, Eurasia Daily Monitor, vol. 5, issue 223, 21 de Novembro.

110

ligações com os Estados do Cáspio (muitos delescom forte presença histórica ‘túrquica’),apoiando o seu estatuto de Estados soberanos econcluindo com eles acordos económicos –assegurando, desse modo, alguma independência,tanto política como energética, face a umaRússia que Ankara, como sublinhei tende cada vezmais a encarar como o desafio para os seus“interesses nacionais”. O mínimo que convém àTurquia é que os Estados do ‘corredor’ mantenhama liberdade de concluir acordos separados comela. Tem vindo, por isso, a apostar numaautonomia georgiana e tem tentado o esboço de umrapprochement laborioso com a Arménia. A invasãode Agosto levou a Turquia a um activismoregional aceleradíssimo, já que a exequibilidadedos difíceis equilíbrios que tinha vindo aconseguir se alterou de súbito com o“descongelar” de conflitos, a indefinição doestatuto da Geórgia, e a crescente dependênciada Arménia face à Moscovo83.

Este activismo tem, naturalmente, exigidomaior atenção de Ankara face a uma Moscovoregionalmente mais bem posicionada do que antes.É curioso verificar que a invasão russa daGeórgia não preocupa excessivamente, em simesma, os militares turcos. Como escreveu o jácitado Radu Dudau84, “there seems to be a tendency among83 Dois estudos recentes, um sobre as alternativas de trajectospolíticos externos futuros da Turquia pós-invasão de Agosto, o outrosobre os impactos da crise económica global no país, são EmreErdoğan (2008), “Two Roads Diverge in the South Caucasus”, e IanLesser (2008c), “Turkey and the Global Economic Crisis”, ambospublicados por The German Marshall Fund of the United States.

84 Radu Dudau (2009), op. cit.. Ver ainda, para este efeito, AndrewFinkel (2008), “Georgia and Turkish Ambivalence,” Today’s Zaman, 12de Agosto.

111

the Turkish military to look with understanding at the Russianinvasion of Georgia, in light of the perceived similarity with theTurkish 1973 intervention in Cyprus, for motives related to theneed of protecting the ethnic Turks there from violence by Greeks.In 1983, Turkey recognized the self-proclaimed independence ofNorthern Cyprus, much as Russia has recognized theindependence of Abkhazia and South Ossetia. Now, let us reflectupon all this against the background of increasing doubts inAnkara about the fading prospect of EU membership and aboutthe usefulness of NATO’s eastward extension. During the war onGeorgia, Turkey’s strict observance of the Montreux Convention’sterms – insistently demanded by Russia – not only limitedAmerica’s ability to deliver help to Georgia, but also raisedquestions about Turkey’s allegiance to NATO, as well as about theConvention’s overall relevance today, with three of the Black Seariparian states being NATO members. In the context of anincreasingly polarizing relationship between Russia and theUnited States, it may well turn out that Turkey’s post Cold War ‘allazimuths’ approach becomes a liability”. Se assim é,alguma coisa irá seguramente mudar.

A mais notável das recentes iniciativas daTurquia na região foi a chamada Caucasus Stabilityand Cooperation Platform (CSCP), lançada em Moscovo eTbilisi, logo a 13 e 14 de Agosto, peloPrimeiro-Ministro turco Tayyip Erdogan, e naAssembleia Geral das Nações Unidas, em Novaiorque, a 24 de Setembro, pelo Presidente daTurquia, Abdullah Gul – num address em quesublinhou o papel potencial da Turquia pararesoluçâo do conflito Arménio-Azerbaijanirelativo ao Nagorno-Karabakh. Trata-se de umaPlataforma que visa juntar a Turquia, Rússia,Arménia, e Azerbaijão no que foi apelidado comouma espécie de “Russian-Turkish Entente Cordiale”, ou,

112

de modo mais sinistro, como uma proposta de‘condomínio’ russo-turco do Cáucaso do Sul, queincluiria responsabilidade partilhadas desegurança e defesa em toda a região. A respostarussa ao CSCP tem sido positiva desde o primeirodia.

Torna-se, no entanto, essencial perceber quemesmo com entidades como o CSCP, as relaçõesentre Ankara e Moscovo de modo nenhum ficariamequilibradas com re-orientações como estas. Umcondomínio, mesmo light, que efectivamenteexcluísse o “Ocidente” no Cáucaso e na ÁsiaCentral, comprometeria a importância do‘corredor georgiano’ reduzindo o papel daTurquia como hub energético na Cáucaso e pondoos seus interesses nas mãos do monopólio virtualque Moscovo detém sobre os hidrocarbonetoscentro-asiáticos provindos do Cáspio. Adependência energética e política da Turquiarelativamente à Rússia aumentaria em flecha.Convém, por isso, a Ankara uma passagem directade hidrocarbonetos directamente pelo seuterritório – daí muita da lógica das suasapostas no Nabucco, no Trans-Cáspio, na ligaçãoao Irão, e em empreendimentos afins. É tambémneste quadro que melhor se pode compreender osurpreendente esforço de aproximação turca aYerevan, ou seja à Arménia. A Turquia anda embusca de ‘percursos’ alternatives e de novassoluções. De novo Radu Dudau85: “Armenia would be the85 Ibid.. Para duas perspectivas sobre a transição da Arménia, umaeconómica, outra política, ver, respectivamente, Saumya Mira et al.(2007), The Caucasian Tiger. Sustaining Economic Growth in Armenia, World Bank,e Armine Ishkanian (2008), Democracy Building and Civil Society in Post-SovietArmenia, Routledge. Ambos são estudos anteriores à invasão daGeórgia, e refletem as situações anteriores a esta. Para um conjuntorico de artigos sobre diversos aspectos do conflito em redor do

113

only way of keeping “alive” the South Caucasus energy corridor,was Russia to completely ruin Georgia’s capacity to serve as areliable transit country. To this purpose, in a recent diplomaticoffensive in South Caucasus, Turkey has sought to warm uprelations with Armenia. In the framework of launching theCaucasus Stability and Cooperation Platform, Turkish PresidentAbdulah Gul made a symbolic visit to Yerevan, to attend anofficial game of soccer between Armenia and Turkey. As a sign ofmutual interest, the Armenian Foreign Minister EdwardNalbandian visited Ankara on November 24, in order to preparethe assumption by Armenia of BSEC’s (Organization of Black SeaEconomic Cooperation) rotating presidency. The conflict betweenArmenia and Azerbaijan – Turkish strategic Caspian ally, withwhich Ankara firmly sided in the Nagorno-Karabakh issue – is thekey to starting business relations between Turkey and Armenia.Of course, this is not only due to the fraternal bonds betweenTurkey and Azerbaijan. It is also because of Turkey’s vital interestin Azerbaijan’s hydrocarbons”. O que está aqui em causanão é tanto uma qualquer determinaçãoeconomicista; mas antes um reconhecimento dofacto de a maioria dos Estados da regiãoentreverem os riscos inerentes a eventuaiscarências no acesso aos recursos energéticos deque consideram precisar para os seus projectospolíticos de desenvolvimento – daí a suarenitência em permitir o estabelecimento dequaisquer monopólios, já que estes poriam emcheque as suas ambições, tal como asequacionam86.

Nagorno-Karabach, (ed.) Levon Chorbajian (2001), The Making of Nagorno-Karabagh. From Secession to Republic, Palgrave Macmillan.

86 É, compreensivelmente, cada vez mais rica a bibliografiadisponível sobre a política energética, designadamente no Cáucaso ena Ásia Central que com ele confina. Algumas referências podem serúteis. Primeiro, em relação à região do Mar Cáspio: Bülent Gökay

114

Voltemo-nos, agora, para o Irão, e para asimplicações da invasão de Agosto para o país dosmullahs. Faço-o muito sucintamente. Como PaulGoble87 recentemente insistiu, se alguém ganhoucom a “guerra dos cinco dias” foi Teerão – bemcomo, acrescentaria eu, a Turquia. Aludi já aofacto que, para a Turquia, o Irão é, logo depoisda Rússia, o maior fornecedor do gás natural deque precisa. Nesse contexto, fiz tambémreferência ao pipeline projectado que ligariaAssaluyeh a Bazargan: o projecto do Trans-Cáspioa que já me referi, proposto pelos eslovenos eagora apoiado pela Presidência francesa da UE.Embora tal contrarie o já referido US 1996 IranSanctions Act (um ‘diploma’ legislativo que foiprorrogado até 2011, e que prognostica fortessanções norte-americanas a quaisquer empresasestrangeiras que façam negócios com Teerão),(2000), The Politics of Caspian Oil, Palgrave Macmillan; mais ambiciosossão so dois volumes (ed.) Moshe Gammer (2004), The Caspian Region.Volume I. A Re-emerging Region, e Volume II. The Caucasus., Routledge. Detonalidaddes mais ‘sociológicas’, ver ainda Boris Najman, RichardPomfret and Gaël Raballand (2008), The Economics and Politics of Oil in theCaspian Basin. The Redistribution of Oil Revenues in Azerbaijan and Central Asia,Routledge. Continuam a ter um lugar importante os estudos dereferência publicados na Holanda, pelo Instituto Clingendael:(2004), Geopolitics and Oil Supply, Clingendael, The Hague, Netherlands;(eds.) Femke Hoogeveen and Wilbur Perlot (2005), Geopolitical Changes andEnergy, Clingendael, The Hague, Netherlands; e o mais próximo daregião aqui sob escrutínio, Marcel de Haas (2006), Geostrategy in theSouth Caucasus. Power play and energy security of states and organizations,Clingendael, The Hague, Netherlands.No que toca, em particular aopapel da Rússia nestes conflitos por um control hegemonic, ver, portodos, os três volumes monográficos: Harold Elletson (2006), BalticIndependence and Russian Foreign Energy Policy, e Liana Jervalidze (2006),Georgia. Russian Foreign Energy Policy and Implications for Georgia's Energy Security,ambas da GMB Publishing Ltd.; e a de Mary Kaldor, Terry Lynn Karl eYahia Said (2007), Oil Wars, Pluto Press.

87 Paul Goble (2008), “Is Iran the Main Beneficiary of the Russian-Georgian War?”, Azerbaijan’s Diplomatic Academy Biweekly Newsletter, vol. I,bo. 21, December 1.

115

Ankara celebrou recentemente um novo contratoque assegura a construção de dois novosgasodutos, como suplementos para o já antigoTabriz-Ankara – o contrato prevê, maispolemicamente, um investimento de 3,5 biliões de$US no desenvolvimento da indústria energéticairaniana. Para além dos EUA, também a Rússia seopõe a quaisquer aumentos da cooperação deAnkara com Teerão – já que tal diminui a“ligação” de Ankara a Moscovo. Teerão ficou,assim, com uma muitíssimo melhor posiçãonegocial – agora que tornear a Rússia de tornoumuito mais atractivo para os seus parceirospotenciais.

Tanto tem, naturalmente, levado Moscovo aacenar aos iranianos com ofertas enormementeconvidativas. Fiz já referência àdisponibilização a Teerão de equipamentosmilitares e tecnologia nuclear “para finspacíficos”. Há mais. A Rússia tem ainda tentadoapoiar a ideia de o Irão vir a ser incluído naOrganização de Cooperação de Shanghai – noquadro, cativante para ambos, de uma profundatransformação desta entidade numa espécie decontra-peso centro-asiático sólido à NATO.Talvez melhor ainda, Moscovo tem acenado com aideia de potenciar os interesses que ambos osEstados têm na região do Mar Cáspio, por um lado“partilhando” o controlo naval deste e, poroutro, envidando esforços com vista à criação deum novo cartel de gás decalcado sobre a OPEP. Nopalco, em termos comparativos, Teerão tem agorade fazer pouco mais do que escolherjudiciosamente entre as várias propostaseconómicas que lhe vão sendo apresentadas –

116

embora, no processo, seja obrigado a fazerescolhas político-estratégicas nem semprefáceis.

E o Azerbaijão? Se o Irão beneficiou com oconflito, tal como de algum modo a Turquia, oinverso é decerto o caso (pelo menos no curtoprazo) no que toca ao Azerbaijão. Como vimos, aeconomia Azerbaijani foi fortemente lesada peloconflito. Segundo lamentou logo depois da guerraFariz Ismailzade: “Russian jet fighters have bombed bothcivilians and military airports in Georgia, forcing all airlines,including Azerbaijani Airlines (AZAL), to stop flights. Moreover, forseveral days in a row the Russians bombed the Black Sea port ofPoti, which serves as the main terminal for the export ofAzerbaijani energy products as well as other cargo. With theexplosions on the Baku-Tbilisi-Ceyhan pipeline last week,Azerbaijan was looking for Georgian railways, ports and pipelinesas an important alternative for the export of Caspian energysupplies to Western markets. All of this has stopped, putting bothGeorgia and Azerbaijan in economic difficulties”88. Comovimos, paralelo ao oleaduto Baku-Tbilisi-Ceyhanestá o gasoduto Baku-Tbilisi-Erzurum que leva ogás oriundo de Shah Deniz para Erzurum, no Lesteda Anatólia turca. Lembremo-nos que Erzuzum é oponto de ligação do gasoduto desenhado paratransportar gás natural até Viena: o Nabucco.

Tal como a Geórgia, o Azerbaijão tem tentadomodernizar-se e mantém relações privilegiadascom o “Ocidente”89. Ao contrário da Geórgia e do

88 Fariz Ismailzade (2008), “The Georgian-Russian Conflict Throughthe Eyes of Baku”, Eurasia Daily Monitor, vol. 5, issue 154, 12 deAgosto.

89 Para mais pormenores, é recomendada a consulta de FarizIsmailzade (2006), Russia's Energy Interests in Azerbaijan. A comparative study of the1900s and the 2000s, GMB Publishing Ltd.(apenas até 2006), e da maispanorâmica obra de Tadeusz Swietochowski (2008), Encyclopedia of

117

Presidente Saakashvili, o Azerbaijão e o seuPresidente, Ilham Aliyev, têm sido muitocuidadosos nos relacionamentos com Moscovo. Logodepois da invasão I. Aliyev deslocou-se deurgência a Moscovo, no que foi largamenteinterpretado como uma “visita de aplacamento”. A14 de Novembro passado, a Azerbaijan’s State OilCompany (SOCAR), num acto de firmeza, celebrouum memorando com vista a um contrato de cincoanos com a Geórgia, disponibilizando-lhe gásnatural ao preço médio de menos de 500 $US porcada mil metros cúbicos. O contrato prevê,ainda, investimentos do Azerbaijão na economiageorgiana. Nas palavras de Fariz Ismailzade90,“Rovnag Abdullayev, President of SOCAR, informed the mediaafter the signing of the memorandum that 85 percent ofGeorgia's natural gas supply will come from Azerbaijan by 2010.It should be noted that under the agreement, 452 million cubicmeters of gas will be provided to Georgia in 2009 at reducedprices. A total of 892 million cubic meters of gas will be suppliedto Georgia. Abdullayev did not exclude the possibility of supplyingadditional gas to Georgia over the five-year period, but atcommercial prices (www.day.az news agency, December 12).The memorandum signed with the Georgian Ministry of Energyalso envisages the transfer of several gas-distribution networks inGeorgia to Azerbaijan, which will mean a large Azerbaijaniinvestment in the economy of Georgia”.

É, em todo caso, difícil prever qual afirmeza com que Baku irá segurar o leme e mantereste rumo. O Azerbaijão não é propiamente umademocracia, ou seja não vive segundo um regimeAzerbaijan, Scarecrow Press.

90 Fariz Ismailzade (2008), “Baku Emphasizes Economic andHumanitarian Assistance to Georgia”, Eurasia Daily Monitor, volume 5,issue 238, 15 de Dezembro.

118

cujos processos políticos – internos e externos– são de alguma maneira, menos imprevisíveis91.Os sinais, não têm, em todo caso, sidocontraditórios. No mesmo diapasão, o PresidenteI. Aliyev, anunciou mais recentemente o seuapoio inequívoco ao projecto – iniciado pelaUcrânia, Polónia, Lituânia, Geórgia, eCasaquistão – de extensão do oleoduto Odessa-Brody, de modo a que este possa vir atransportar petróleo até à cidade polaca dePlock, e, daí, pelo ramal norte do enormeDruzhba, até ao famoso porto báltico de Gdansk,também polaco; o que, curiosamente, invertesentidos, já que em 2004 o pipeline Odessa-Brodyfoi usado pela Gazprom para levar petróleo atéOdessa, onde era carregado em petroleiros edistribuído a diversos clientes do Mediterrâneo.A 14 de Novembro de 2008, na Cimeira Energéticarealizada em Baku sob os auspícios de Aliyev quereuniu Chefes de estado e de Governo de paísesdo Cáspio, do Mar Negro e do Báltico “theparticipants reviewed the feasibility study for this project oftransporting Caspian gas, from Azerbaijan and Kazakhstan, toPoland and Lithuania, through Georgia and Ukraine”92. Um

91 Valerie J. Bunce and Sharon L. Wolchik (2007), “Azerbaijan's 2005Parliamentary Elections. A Failed Attempt at Transition”, um paper,não publicado, ‘prepared for CDDRL Workshop on External Influences onDemocratic Transitions. Stanford University’, que teve lugar a 25-26 deOutubro de 2007, e disponível online no site da CDDRL. Basta citar opreãmbulo deste estudo: “[t]he 2005 elections in Azerbaijan qualify as a failedtransition from authoritarianism to democracy. Opposition political leaders mountedelection campaigns, but were easily out-maneuvered by President Ilham Aliyev’s NewAzerbaijan Party (YAP) and its allies. This alliance won an allegedly overwhelming victory inparliamentary elections, but these elections were widely seen as seriously flawed.International and domestic election monitors documented blatant fraud and falsification ofelection results”.

92 Vladimir Socor (2008), “Azerbaijan Hosts Energy Summit”, EurasiaDaily Monitor, vol. 5, no. 220, 17 de Novembro.

119

projecto deste tipo é, como será bom de ver,absolutamente vital para a independênciaenergética da Ucrânia. A Rússia opõe-se-lheveementemente93.

Finalmente, a Ucrânia. A invasão da Geórgiafez com que todos olhássemos para a Ucrânia –que muitos pensaram poder vir a tornar-se nopróximo alvo de Moscovo, dadas as suaspretensões de aderir à NATO e a sua importânciahistórica para o espaço pós-soviético. O factode o Presidente Yushchenko, conjuntamente com ostrês Presidentes bálticos, se ter de imediatoposicionado como aliado estratégico de Tbilisinão tranquilizou tais percepções. E isto apesarde declarações oficiais dos russos de quenenhuma ameaça existirá quanto à integridadeterritorial ucraniana. Os conflitosdesencadeados entre Viktor Yushchenko e a suaPrimeira-Ministra, Yulia Tymoschenko, nãoauguram porém nada de bom, apesar de parecerem,na segunda semana de Dezembro, estar em vias deresolução. Agitações nacionalistas russas napenínsula da Crimeia, onde está ancorada a Frotado Mar Negro russa, bem como sinais de que aRússia irá ficar em Sebastopol mesmo depois de arenda terminar, em 2017, não delineiam umcenário animador.

Desde os primeiros dias, a postura ucranianagovernamental tem vindo a endurecer a sua

93 Como muitíssimo bem escreveu Radu Dudau, “[i]t is utterly remarkable thatAzerbaijan has constantly turned down Russia’s offer of buying out the entire production ofAzerbaijani gas – as is currently the case with Turkmenistan. Obviously, Azerbaijan has aptlychosen a political project of long-term cooperation with Europe over the short-termadvantages of selling out to Gazprom”. Uma lição para muitos Estadoseuropeus. Mas quanto tempo irá durar esta postura?

120

posição retórica face a Moscovo. Como afirmouTaras Kuzio, “Ukrainian Defense Minister Yuriy Yekhanurovannounced plans to increase Ukraine’s military presence in theCrimea and to deploy new units on Ukraine’s border with Russia.Asked if he feared that the Crimea would become a ‘second SouthOssetia’, Yekhanurov replied that ‘Military provocation will nottake place. There are certain tendencies there, but we havesufficient forces to localize a threat’. Ukraine has importantarmed forces in the Crimean Peninsula, including airborne,airmobile, armored, artillery, and naval forces, plus bordertroops and special forces of the Interior Ministry”94. A taisdiscursos parecem ter vindo a acrescentar-seacções e propostas mais tangíveis. Como tambémfoi realçado por Vladimir Socor, estarão emcurso conversações entre norte-americanos eucranianos com vista à transferência de duas“frigates of the Oliver Hazard Perry class, armed with guidedmissiles, to the Ukrainian Navy. US Defense Secretary RobertGates and Ukrainian Defense Minister Yuriy Yekhanurov brokethis news on the October 8 during a meeting in Ohrid of thedefense ministers of South-East European countries. Thediscussions are in progress”95. Veremos no que tal vaidar. Em todo o caso, afirmações de desafio comoas dos responsáveis políticos ucranianos sãomeros speech acts políticos – e a presença de novosnavios de origem norte-americana militarmenteinsignificante. A desproporção entre as armadasrussa e ucraniana é tão grande que não é de crerque os ucranianos considerem sequer a hipótese94 Citado a partir do Tyzhden, Novembro 7-13. Em Taras Kuzio (2008),“Ukraine Beefs Up Its Military Defenses with an Eye on Russia,”Eurasia Daily Monitor, vol. 5, issue 232, 5 de Dezembro.

95 Vladimir Socor (2008), “Addressing Naval Imbalance in the BlackSea after the Russian-Georgian War,” Eurasia Daily Monitor, vol. 5, issue227, 24 de Novembro.

121

de combater os russos no mar. Porventura nemseriam capazes de forçar um qualquer bloqueiosenão com a mediatização do sacrifício heróicodos seus navios. O reforço da armada ucranianaserve como manifestação simbólica doempenhamento norte-americano – e não para acçõesmilitares navais contra a Rússia. É natural que,if push comes to shove, as autoridades de Kievqueiram pôr a Frota do Mar Negro fora de combate– mas não, decerto, com meios militares navais.

Na frente da energia a princípio do primeiroInverno pós-invasão da Geórgia trouxe uma nova eestridente confrontação entre Moscovo e Kievrelativamente à exportação de gás natural russopara a Ucrânia96. A 20 de Novembro de 2008 tantoo Presidente russo Dmitry Medvedev quanto AlexeiMiller, o CEO da Gazprom, anunciaram que acompanhia nacional ucraniana de energia, aNaftohaz Ukrainy, tem uma dívida para com aGazprom, de 2,4 biliões de $US – acrescentandoque a situação jurídica resultante por um ladopunha em dúvida o fornecimento de gás à Ucrâniajá em Janeiro, e, por outro, levantava ahipótese de uma subida de preços de 140 para 400$US por cada mil metros cúbicos do produto. OPresidente ucraniano acusou de imediato aPrimeira-Ministra de “negligência”, ao que estarespondeu que a responsabilidade do pagamento dedívidas cabia à empresa público-privada, aRosUkrEnergo, de que a Gazprom detém uma share

96 Para uma visão de conjunto do período anterior aos cancelamentose aos braços-de-ferro no fornecimento de gás natural à Ucrânia, verOlena Viter, Rostyslav Pavlenko e Mykhaylo Honchar (2006), Ukraine.Post-Revolution Energy Policy and Relations with Russia, GMB Publishing Ltd.

122

de 50% e de cuja Commissão de Coordenação o CEOda Gazprom, Alexei Miller, é Vogal.

Face a estas ameaças russas, a Ucrâniaretaliou, como nos conta Roman Kupchinsky,“Yushchenko also called for a review of the transit fees Gazprompays to transport Russian gas to Europe via Ukraine and the feesfor the underground gas storage facilities in Ukraine”97. Assimcontinua um jogo de acusações recíprocas queteve início em Janeiro de 2006. Nas duasprimeiras semans de Dezembro de 2008, pareceter-se começado a tracejar uma re-aproximaçãoentre o Presidente Viktor Yushchenko a ePrimeira-Ministra, Yulia Tymoschenko. Mas nãoparece haver sinais fiáveis de um esbatimentomais do que superficial dos conflitos de fundoentre os dois Estados “gémeos”, como têm sidoapelidados98. Na manhã do dia 1 de Janeiro de2009, em cumprimento do que tinha sido aventado,a Gazprom cortou o fornecimento de gás natural àUcrânia, exigindo os pagamentos em atraso eindicando que os preços, doravante, duplicarãose se chegar a um novo acordo de abastecimento.

O caso Ucrânia-Rússia é particularmenteinteressante dada a conotação eminentementepolítica da luta pelos recursos. Tal como aGeórgia, a Ucrânia é um Estado cuja transiçãodemocrática ainda deixa muito a desejar99. Tudo97 Roman Kupchinsky (2008), “A New Ukrainian Russian GasConfrontation,” Eurasia Daily Monitor, vol.5, issue 225, 24 de Novembro.98

? Quanto a esta ‘geminação’ e aos problemas que ela desencadeia, éfascinante a leitura de Benjamin E. Goldsmith (2004), Imitation inInternational Relations. Observational Learning, Analogies and Foreign Policy in Russia andUkraine, Palgrave.

99 Ver, por exemplo, Taras Kuzio (1998), Contemporary Ukraine. Dynamics ofPost-Soviet Transformation, ME Sharpe, Inc.; Sarah Birch (2000), Electionsand Democratization in Ukraine, Palgrave; e Roman Wolczuk (2003), Ukraine's

123

se passa, no fundo, como se a intensidade doconflito imanente entre os dois Estadosrespondesse a um dilema de raíz: por razõesgeopolíticas de acesso ao mar, a Rússia esforça-se sem cessar por se tornar independente dospercursos de escoamento dos seus produtosenergéticos que dependam de uma travessia doterritório da Ucrânia – ao mesmo tempo que querreter a sua posição de fornecedor monopolísticode gás e petróleo a Kiev. Enquanto a Ucrânia,pelo seu lado, tenta a todo o custo escapar auma dependência relativamente a Moscovo no quetoca ao fornecimento do gás natural e dopetróleo de que precisa – ensaiando, emsimultâneo e como que em paralelo, manter o seumonopólio no que toca ao percurso do tráfegoenergético provindo da Rússia e, por esta,encaminhado para mercados localizados a Oeste ea Sul.

Esta não e, todavia, a única leiturainterpretativa possível: há modelizaçõesalternativas a estas – menos estadualistas – quepõem antes a tónica nas redes de poder entreoligarcas russos e ucranianos, que Putin tem decontemplar e tentar aplacar. Tem sido uminvestement banker e Professor francês, Jérôme

Foreign and Security Policy 1991-2000, RoutledgeCurzon. Quanto à progressãoda política energetic russa, é útil a leitura do estudo genérico ebastante exaustivo de Danila Bochkarev (2006), Russian Energy PolicyDuring President Putin's Tenure. Trends and Strategies, GMB Publishing; paramaior resolução, ver o mais desigual mas cuidado (eds.) AndreasWenger, Jeronim Perovic, and Robert W. Orttung (2006), Russian BusinessPower. The Role of Russian Business in Foreign and Security Policy, Routledge. No quetoca aos impactos dos cortes energéticos na Ucrânia, ver o clássicoH. Quan Chu and Wafik Grais (1994), Macroeconomic Consequences of EnergySupply Shocks in Ukraine, Studies of Economies in Transition, paper No.12, World Bank.

124

Guillet, quem tem vindo a defender estainterpretação de maneira mais coerente earticulada. Segundo J. Guillet100, “[recent]conflicts are in fact not very different from those that took placein the early 1990s and reflect behind-the-scene conflicts betweenpowerful factions inside the Kremlin and in Ukraine rather thanthe exercise of an “energy weapon.” In the context of a Europeanenergy policy driven by Britain’s panic at becoming a gasimporter and by the ideological zeal to liberalize, the West shouldworry less about the exercise of a purported aggressivegeopolitical strategy and more about Putin’s lack thereof, and hisinability to control his warring lieutenants. Above all, the Westshould stop considering that Russia owes Europe any gas beyondits contractual obligations, which it fulfills with alacrity”. Atextura interna destes conflitos endémicosresponderia, assim, à lógica sociopolítica dacompetição entre grandes oligarcas e siloviki, deum como do outro lado, perante a qual V. Putin,D. Medvedev, V. Yuschenko e J. Tymoschenko nãoteriam remédio senão o de se vergar –contemporizando atnto quanto podem, e fazendo-oensaiando mediar as tensões de interessesconflituantes101. Na recente crise, desencadeadalogo a início de 2009, Guillet afirmoutaxativamente que “[w]orries about Russia or Gazprom100 Em Jérôme Guillet (2007), Gazprom as a Predictable Partner. Another Readingof the Russian- Ukrainian and Russian Belarusian Energy Crises, Russie.Nei.Visions, n.18,Março de 2007. Para uma leitura da crise recente encarada sob omesmo prima, ver Jérôme Guillet (2009), “Ukraine-Russia gas spat:some background and context”, Russia Profile.org, 5 de Janeiro. Para umainterpretação alternativa, ver Christophe-Alexandre Paillard,"Gazprom, the Fastest Way to Energy Suicide", Russie.Nei.Visions, n.17,Março de 2007.

101 Em 5 de Janeiro de 2009. Para uma posição-leitura mais‘clássica’, ver Roman Kupchinsky (2009), “Gazprom Stops GasDeliveries to Ukraine—What Next?”, Russia Profile.org, 5 de Janeiro.

125

using the "gas weapon" against Europe are misplaced. In theirofficial capacity, both are keenly aware of their absolutedependency on exports to Europe for a huge chunk of thecountry's income, and on the need for stable, reliable long termrelationships to finance the investments needed in gasinfrastructure (and they know their clients share that need). Theyare happy to play power politics with the West's worries as thisgoes down well with their own domestic audiences, butfundamentally they will not rock the gas boat. Now, what is a lotmore worrisome is that governments in Ukraine and Russia cantolerate - and indeed encourage - such blatant breaches of theirauthority and such large scale theft of what are effectively publicresources. That the highest levels of government in bothcountries, and major bits of their infrastructure can beinstrumentalised in what are disputes between unknownoligarchs only show how little rule of law and accountability thereis in these countries, and how powerless Putin really is whendealing with competing power factions”.

Seguir as negociações tripartidas (queenvolveram a Rússia, a Ucrãnia, e a UniãoEuropeia) das duas primeiras semanas de 2009 nãopermite responstas definitivas sobre qual destaslinhas de interpretação será a mais adequada.Tudo indica, em todo o caso que seja qual for asua lógica intrínseca e a solução conjunturalencontrada, o probema só será resolúvel numplano estrutural. O que se não vislumbra estarem boa verdade em curso. Em todo o caso, a 20 deJaneiro de 2009 foi anunciado o reatamento dadistribuição de gás natural de origem russa àEuropa e à Ucrânia, depois de cinco horas denegociações “difíceis” entre os Primeiros-Ministros V. Putin e J. Tymoschenko.

126

4.

A invasão da Geórgia e algumas reconfigurações na políticainternacional global

“The world has changed yet again. It has become absolutely clear that thesolidarity expressed by all after 9/11 needs be revived through the concepts

untainted by geopolitical expediency and built on the rejection of doublestandards when fighting against any infringements upon the internationallaw – whether it be on the part of terrorists, belligerent political extremists

or any others. […] We cannot tolerate any more attempts to resolveconflict situations by breaking off international agreements or by the

unlawful use of force. If such a venture goes unchecked, we will risk a chainreaction”

Sergey Lavrov, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa,

na 63ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, 27 de Setembro de 2008

“Defects are rooted in the past, which, although it has been overthrown, hasnot yet been overcome”

V.I. Lenin (1923), The Cultural Revolution

O que nos espera? Nos séculos XIX e XX, oestabelecimento, ainda que tão-só em potência,de um monopólio russo virtual quanto ao gásnatural oriundo da ex-Rota da Seda e arredores(e do petróleo, embora este esteja hoje em diaregulado por leis anónimas do mercado, aocontrário do gás natural), constituiriam um casusbelli mais do que suficiente. Com ainterdependência complexa em que hoje vivemos já

127

não é, manifestamente, assim. Mas por quantotempo se irá manter o standoff, com a crisefinanceira global que está a soprar com cada vezmais força? E qual o resultado, ao nível dasarquitecturas globais, dos desenlaces difíceisde prever mas que abrem múltiplas frentes quenão é possível acorrer, das várias contendas queestão a ter lugar na região e ao seu redor?

Seria descabido ensaiar uma resposta a umapergunta desta amplitude, ademais dado o grau deincerteza que questões multi-dimensionadas destetipo sempre encerram. Podemos, no entanto,esquissar um enquadramento maior que possa ircrescendo à medida que vão ocorrendo outrosefeitos da catadupa desencadeada em cascata narede contemporânea de interdependências que, emsimultâneo, tanto nos enriquece e tantofragiliza o sistema internacional em quevivemos. Para tanto, no que se segue tocodiversos pontos nevrálgicos que me parecemimportantes de tomar em linha de conta. Faço-onum enquadramento geral, e percorro, para oefeito, um gradiente de pontos que dão corpo ahipóteses mais gerais e a outras menos.

4a.

As crises financeira e económica global e a Rússia

Um primeiro ponto diz respeito àcredibilidade da eventual ameaça russa ao nívelglobal. Queria começar por afirmar que isso meparece improvável. A verdade é que a Rússia temsofrido mais com esta crise do que o Ocidente,

128

como também é certo que nem tudo são rosas nopaís de Putin e Medvedev. Para o entrever, bastaque nos atenhamos, em primeiro lugar, no planoeconómico

Com um sistema económico-financeiro baseadoem exportações de recursos naturais não-renováveis, em particular hidrocarbonetos, aRússia tem sofrido imenso com a recessão globalem curso – e o regime capitalista autoritárioque Moscovo exibe, um cariz em muitos sentidostípico de um “petro-Estado”102, tem-se visto102 Vem a propósito tecer alguns comentários sobre esta texturapolítica interna da sociedade russa. Seria impossível ser mais doque indicativo quanto aos estudos que têm vindo a ser produzidossobre a evolução da Rússia neste plano. Uns, debruçam-se sobre aemergência de novas elites oligárquicas, como Anton Steen (2003),Political Elites in the New Russia, the power basis of Yeltsin’s and Putin’s regimes,RoutledgeCurzon; Anton Steen and Vladimir Gel’man (2003), Elites andDemocratic Development in Russia, Routledge; Marshall I. Goldman (2003 ),The Piratization of Russia. Russian Reform Goes Awry, Routledge; ou o mais amploSimon Clarke (2007), The Development of Capitalism in Russia, Routledge.Outros preferem antes por a tónica na figura de V. Putin, comoVladimir Putin, Nataliya Gevorkyan, Natalya Timakova, AndreiKolesnikov (2000), An Astonishingly Frank Self-portrait by Russia's President,Public Affairs; Richard Rose and Neil Munro (2002), Elections withoutOrder. Russia's Challenge to Vladimir Putin, Cambridge University Press; ouRichard Sakwa (2008, original 2004), Putin. Russia's Choice, 2nd edition,Routledge. Outros, ainda, tomam como tema central o‘patrimonialismo’ da nova Rússia, como David Satter (2003), Darknessat Dawn. The Rise of the Russian Criminal State, Yale University Press; VladimirShlapentokh with Joshua Woods (2007), Contemporary Russia as a FeudalSociety. A New Perspective on the Post-Soviet Era, Palgrave Macmillan; Joel M.Ostrow, Georgiy A. Satarov, and Irina M. Khakamada (2007), TheConsolidation of Dictatorship in Russia. An Inside View of the Demise of Democracy,Praeger Security International; ou o ambicioso Marshall I. Goldman(2008), Petrostate. Putin, Power, and the New Russia,Oxford University Press.Por fim, há aqueles que preferem escrutinar a mecânica da ‘des-democratização russa, como Thomas Parland (2003), The Extreme NationalistThreat in Russia. The Growing influence of Western Rightist ideas, RoutledgeCurzon; oesplêndido M. Steven Fish (2005), Democracy Derailed in Russia. The Failure ofOpen Politics, Cambridge University Press; ou os mais específicosRichard Rose, William Mishler and Neil Munro (2006), RussiaTransformed. Developing Popular Support for a New Regime, Cambridge UniversityPress, e Olessia Koltsova (2006), News, Media and Political Power in Russia,Routledge. Todos sublinham estar em curso um ‘processo de transição

129

sistemicamente lesado por uma situação que oempurra no sentido de um agravamento do seucontrolo por elites ‘incrustadas’ no aparelho deEstado – designadamente os apparatchik dasinstituções de segurança na órbita de VladimirPutin, localmente conhecidos como siloviki. Aconjuntura, com efeito, não lhe é favorável.Desde 2001 que a economia russa se tinhahabituado a taxas de crescimento da ordem dos 7%ao ano, com o consumo a crescer ainda maisrapidamente, e capitais de baixo custo queconseguia com empréstimos que ia buscar a trocode ‘vantagens colaterais’ nas empresas públicas.

O sentimento, sem precedentes no país, desucesso económico, encheu as velas daAdministração Putin e tornou fácil a instalaçãoda ideia, na Rússia, de que o país poderiavoltar a jogar na primeira liga da políticainternacional. O pico dos preços do petróleo(que trazia, então, mais de 400 milhões de $USpor dia à economia russa) foi atingido em Julhode 2008, com o barril de crude a 147 $US. Desdeentão, todavia, o preço tem vindo de maneirasustida a cair, parecendo, em Dezembro de 2008,ter estabilizado ao redor dos 40 $US por barril.Com algumas excepções, os preços dos metaisnecessários para a construção das infra-estruturas industriais imprescindíveis para oprocessamento e distribuição de hidrocarbonetostêm subido em flecha, neste mesmo período. Pior,logo no início do Verão de 2008, de novo emsincronia com estes golpes profundos, a Bolsa deValores de Moscovo caiu para metade dos níveisque tinha atingido. Grande parte dos oligarcasnão-democrática’ em Moscovo.

130

russos viu o seu peso específico reduzidofortemente de um dia para o outro; entre Maio eOutubro de 2008, o valor agregado dos 25oligarcas russos no topo da listagem do célebreForbes magazine sofreram o que se calcula tersido uma redução de 62%, ou seja de 320 biliõesde $US103. Apesar das vastas reservas acumuladasno período das vacas gordas, a capacidade daAdministração também sofreu uma erosãoconsiderável. Significativamente, a quebra foimuitíssimo maior do que da Europa ou dos EstadosUnidos.

O efeito foi péssimo para a Rússia nas suasimplicações a curto como a médio prazo. Comosublinhou Peter Rutland, “US stocks plummeted,international investors cashed out their Russian holdings – whichaccounted for half the Russian stock market – in a bid to generatecash and cover their obligations. Foreigners have pulled $74billion out of the market, and both the dollar-denominated RTSand ruble MICEX have fallen about 50 percent”104. No que dizrespeito ao longo termo, a principal preocupaçãorussa continua a estar ligada ao preço dopetróleo – que representa um terço do encaixe doEstado russo e 60% dos seus ganhos comexportações. Em resposta, Medvedev temincentivado, por um lado, uma série deinvestimentos faraónicos na área dos petróleos,e, por outro lado, tem tentado diversificar

103 Para mais, ver Peter Rutland (2008), “The Impact of the GlobalFinancial Crisis On Russia,” Russian Analytical Digest 48, 17 de Outubro.

104 Ibid., Peter Rutland (2008). Vale a pena a leitura destepormenorizadíssimo artigo de P. Rutland para ter uma ideia bemgranulada das maleitas que afligem a economia e as finanças russascontemporâneas. Ver, também, o artigo não publicado, e jáabundantemente citado, de Radu Dudau (2009).

131

tanto quanto possível a base de sustentação daeconomia da Rússia.

Os resultados têm sido mistos. Enquanto aprimeira destas medidas esbarra contra aprevisível não-rentabilidade de alguns destesinvestimentos face a preços de crude mais baixos,mesmo presumindo uma descida no custo dos metaisnecessários para as tubagens, e tem ainda defazer frente a uma enorme subida no preço doscapitais disponíveis, a segunda é maispromissora – embora não seja de prever que possaobter resultados muito significativos a brevetrecho. A par e passo com a queda no valor dascompanhias russas ligadas aos hidrocarbonetos(sobretudo as petrolíferas) o Banco Centralsediado em Moscovo investiu maciçamente nadefesa do rublo – o resultado foi uma talhadasubstancial nas suas impressionantes reservasfinanceiras, que de Julho a Outubro de 2008passaram de 596 biliões de $US para 546 biliõesde $US.

Em Setembro-Outubro de 2008, apanhadadesprevenida depois de meses em que insistiu sera crise um ‘produto dos EUA’, e a estesrestrita, o que não era o caso, a Rússiadescobriu dolorosamente a ‘lei de Murphy’: “tudoo que possa correr mal, vai correr mal”. O preçodo petróleo, como vimos, caiu mais de 50 porcento em três meses, para 40 $US em Dezembro,empurrando a balança comercial russa, a suaconta corrente e, possivelmente, o seuorçamento, para posições deficitárias. O rublocaiu entre 20 e 25 por cento em relação ao dólarnorte-americano, e mais ainda em relação aoEuro. Em Dezembro, a economia russa entrou

132

oficialmente em recessão, com a produção,nalguns sectores, a cair de 20 a 30 por cento.As estimativas mais optimistas prevêem umaquebra violenta no crescimento da economia russa(até aqui era de 6 a 7 por cento ao ano) parazero, enquanto as menos optimistas prognosticam15 pontos negativos nesse crescimento em 2009105.

Uma ameaça global russa credível e eficaz épouco convincente face a dados deste tipo. Mas ofacto é que nem tudo está a correr mal à Rússia– ou pelo menos pode parecer ser esse o caso.Desçamos, num segundo momento, a exemplos maisconcretos.

4b.

A aliança táctica de Moscovo com os Bolivarianistas

Depois da energia e da Europa, o que dizerda Venezuela de Hugo Chavez e da aparente‘aposta Bolivariana’ de Moscovo? Para lá de umaretórica agonística crescente – proveniente deambos os lados, relativa a um aprofundamento dasrelações entre a Rússia e dos movimentos latino-americanos vocalmente anti-EUA – há obviamenteuma componente económica que não deve não serdesprezada no adensar do relacionamento entreMoscovo e Caracas. Do lado venezuelano, Caracasassinou um contrato de vários biliões de dólarespara a importação de equipamento militar russo.Há ainda a intenção anunciada por Moscovo devender à Venezuela tecnologia nuclear “para finscivis”. Do lado russo, vários gigantes105 Valdimir Frolov (2008), “Russia Profile Weekly Experts Panel.Russia in The Year 2008”, Russia Profile.Org, 26 de Dezembro.

133

energéticos de Moscovo têm vindo a manifestarinteresse em efectuar cada vez maioresinvestimentos em infra-estruturas energéticas naVenezuela. Segundo a já citada Oxford Analytica,“[a]ccording to [President] Chavez [in October],Venezuelan state oil company PDVSA will form a joint energyventure with Russian companies including Gazprom, Rosneft,Lukoil and TNK-BP that will give rise to a global ‘colossus,’ tocarry out both upstream and downstream activities in the oil andgas sectors, as well as operations in ‘many other areas’”106.

É certo que tanto uma como outra destasfrentes de aprofundamento das relaçõesbilaterais entre Caracas e Moscovo (a militar ea energética) não serão muito promissoras, tendoem conta tanto a descida nos preços do petróleode que ambas dependem, como a sua crescentevulnerabilidade face à crise financeira eperante a dureza que é de prever na recessãoeconómica agora global – os seus planosconjuntos de investimentos mais ambiciosos foramadiados sine die. Mas mesmo que as perspectivaseconómicas para uma implantação de peso daRússia na região não sejam as melhores,qualitativamente as iniciativas de Moscovo nãodeixam de ser preocupantes, sobretudo tendo emvista que se trata de uma região que confina,simultaneamente, com a fronteira sul dos EstadosUnidos, com um Atlântico Sul cada vez maisgeopoliticamente disputado, e em plena ‘coutada’da veneranda Doutrina de Monroe. As hipóteses deMoscovo em ganhar a supremacia económica naregião são fracas: os maiores parceiroscomerciais da Venezuela são os Estados Unidos, aUnião Europeia, e a China – por esta ordem. E só106 Oxford Analytica (2008), “Russia-Venezuela Ties,” The World Next Week, 22-28 de Novembro.

134

com grande dificuldade se vislumbra que talpossa vir a alterar-se mesmo no médio prazo semcustos sociais e políticos incomportáveis pararegimes tão fragilizados como têm vindo a ficarnos últimos meses os Bolivarianos

Em boa verdade, político-militarmente, acapacidade e talento que Moscovo tem para abriruma nova frente de tensão nesta região tãosensível não podem ser ignorados. Aintencionalidade política não falta. Tenhamospresentes as imagens dos bombardeirosestratégicos (obsoletos, é certo, mas emqualquer caso símbolos fortes de uma capacidaderecuperada de projecção russa global) queMedvedev fez alarde em encaminhar “em visita” áVenezuela. No plano simbólico, ainda, note-seque – decerto ofendida pela presença, em Agosto,de navios militares norte-americanos no MarNegro para lá enviados para efeitos de ajudahumanitária, “mas armados com sistemas demísseis de última geração”, como o Presidenterusso fez questão de sublinhar – Moscovo fezponto de honra em organizar exercícios militaresnavais conjuntos (intitulados VenRus 2008) com aVenezuela nas Caraíbas – com início a 1 deDezembro de 2008. Para o efeito, Moscovocolocou, aí, a 26 de Novembro, o seu cruzadornuclear Pyotr Veliky (Pedro o Grande), armado commísseis de última geração, e dois outros naviosde guerra, coincidindo com uma visita oficial deDmitry Medvedev a Hugo Chavez.

Seria difícil não interpretar a actuaçãorussa como um jogo clássico de balance of power no‘quintal’ dos norte-americanos. A “visita”militar naval russa inclui uma viagem altamente

135

simbólica do destroyer de referência AlmiranteChabanenko ao canal do Panamá, atracando, para oefeito, num antiga base naval norte-americana.

4c.

A presença militar naval da Rússia no Mediterrâneo

Não é só na Venezuela que Moscovo tem vindoa actuar, tanto material como simbolicamente,como uma “grande potência” apostada em“equilibrar” o adversário. Note-se, noutroslugares, a propensão da Rússia para este tipo degestos emblemáticos de ‘retaliação’ típica nosrelacionamentos entre great powers. Uma‘reciprocidade’ ocorreu também – com a pompa ecircunstância de um anúncio público, pelasautoridades russas e sírias – com a reactivaçãode uma antiga base soviética, a Base de Tartus,na sua linha de costa do Mediterrâneo Oriental.O mesmo Mediterrâneo que alberga os naviosnorte-americanos que entraram no Mar Negro emAgosto. Como escreveu David Eshel107, “[b]y 20August 2008 Moscow is flexing its muscles again in the easternMediterranean, and aims to reactivate old cold war navalinstallations with its ally, Syria. President Bashar Assad, on hisway to the Kremlin to finalize what looks to become a high profiledeal invited Russia to position surface/surface missiles on hisland in response to US deployment of missile interceptors inPoland. The Russians have sent its only aircraft carrier “Admiral107 Em David Eshel (2008), “Russian Mediterranean Naval Build-UpChallenges NATO Sixth Fleet Domination”, em Defense Update. InternationalOnline Defense Magazine, emhttp://www.defense-update.com/analysis/analysis_091207_navy.htm,recuperado a 10-12-08.

136

Kuznetsov” from its home base in Murmansk, towards theMediterranean and the Syrian port of Tartus. The mission comesafter Syrian President Bashar Assad said he is open to a Russianbase in the area.  The Admiral Kuznetsov, part of the NorthernFleet and Russia’s only aircraft carrier, will head a Navy missionto the area. The mission will also include the Black Sea fleetflagship, the missile cruiser Moskva, and several submarines”.

Trata-se de pouco mais do que a ameaça deuma ameaça, mas cuja intensidade há que sabernão subestimar. Como o antes citado DavidEshel108, op. cit, realçou, “[i]n the latest twist to worseningEast-West relations, NATO submarines and surface ships, whichmay include Royal Navy vessels, are already engaged in trying togather information on the new Amur stealth class boat, beingsecretly tested by the Russian Navy in the Baltic. Adding to thisgreater-than-normal scrutiny effort is in part, a response toRussia's recent decision to resume long-range bomber flightsclose, or even penetrating into NATO airspace, which has revivedmemories of Cold War confrontation between the two blocs. Infact, twice during last summer [2008], Russian Tu-95 Bearnuclear bombers have been spotted heading towards Britishairspace off Scotland, prompting the RAF to send fast reactioninterceptors to head them off. The prospect of Russia reactivatingits cold war naval bases in Syria's Tartus and Latakia ports, couldhave a most dramatic strategic impact. High-profile air defensemissiles and surveillance systems deployment around anyRussian-manned installations in Syrian ports, might also shift themilitary balance to Israel's disadvantage109, or even threaten a108 David Ebel, op.cit..

109 Conhecendo este contexto macro, é curioso ouvir autoridadesrussas falar da possibilidade de

aquisição de drones de fabrico israelita. Para dados de pormenorsobre isto, ver o que é discutido emhttp://www.yourdefencenews.com/russia+set+to+purchase+israelimade+spy+planes_15913.html e reproduzido emhttp://www.nytimes.com/2008/12/17/world/europe/17russia.html. Se ahipótese da compra ocorrer efectivamente puder, como parece, ser

137

clash between Israel and Russian forces, as happened during thelater stages of the so-called War of Attrition in 1970, along theSuez Canal. The Russian Black Sea fleet's 720th Logistics SupportPoint at Tartus has been in disuse since 1991, when the SovietUnion imploded. Yet it remains the only Russian military baseoutside the post-Soviet Commonwealth of Independent Statesterritory. Last year Russia reportedly dredged Tartus and beganbuilding a new dock at Latakia”. Uma visão negra. Portudo isto, sublinhe-se, é a uma forte ameaça deameaça aquilo a que estamos a assistir. Emborapara completar o ramalhete de bases soviéticasainda falte reactivar a baía de Cam Ranh, noVietname, e uma ou duas outras bases militaresnavais na África Oriental. Sejam quais forem asreverberações de tudo isto em Washington, até aomomento a Administração americana não manifestougrandes preocupações quanto aos aspectos militaresdesta “visita” à Venezuela ou quanto a esta re-instalação na Síria – limitando-se a acumular

afastada com alguma Razoabilidade (que sinal estaria a Rússia aenviar ao mundo, desprezando ostensivamente as auto-intituladasportentosas capacidades da indústria militar russa? Ao mesmo tempo,não comprou a Rússia, este Setembro, drones Tipchak, de produçãodoméstica?), poderá esta referência pública e publicada significarapenas um sinal enviado a Israel de que os seus drones sãoconhecidos – dos seus potenciais alvos? Ou uma mensagem interna paraos fabricantes russos? Sobre a também recente e em muito sentidoslaboriosa aquisição de novos UAVs por umas Forças Armadas russas emcontracção, modernização, e re-estruturação dolorosas, verhttp://intelligencesummit.blogspot.com/2006/03/russianuavs-making-comeback.html,. Para questões afins, ver, também,http://hsdailywire.com/single.php?id=6807, bem comohttp://www.strategypage.com/htmw/htproc/articles/20080913.aspx e ,ver ainda, e também,http://en.rian.ru/russia/20080910/116692635.html. Sobre os járeferidos seis novos satélites do sistema ‘GPS’ GLONASS, verhttp://www.rzd-partner.com/news/2008/11/18/333642.html, bem como olink http://sci.tech-archive.net/Archive/sci.geo.satellite-nav/2008-12/msg00099.html, e, ainda, o linkhttp://www.baumpub.com/cm/news_details.php?issue_id=94

138

dividendos internos quanto à partilhabipartidária, e no plano da sua opinião pública,no que toca à renovada postura russa deagressividade.

Uma vaga de desafios. A emparelhar, aliás,com os voos, agora quase de rotina, debombardeiros estratégicos russos sobre a NorthernPassage subpolar sazonalmente descongelada, nosfundo marinhos da qual Moscovo desfraldou abandeira russa – distribuindo depois asfotografias em todo o Mundo. Os bombardeiros sãoregularmente ‘escoltados’ por caças da NATO,britânicos, canadianos, ou norte-americanos, denovo numa resposta também ela típica de sistemasde balance of power. A 20 de Setembro de 2007, aRússia declarou que “Arctic seabed belongs to Russia”. A14 de Julho de 2008, ou seja muito pouco antesda invasão da Geórgia, a Armada russa, pelaprimeira vez desde o final da Guerra Fria,reiniciou o patrulhamento dos mares do Ártico.

Vale a pena que nos detenhamos por algunsmomentos neste ponto, as chamadas “cold wars” quea Rússia tem feito questão em vir a esboçar noÁrtico.

4d.

As ‘cold wars’: a frente russa do Ártico

Para tanto, cabem aqui alguns comentáriosprévios. O aquecimento global e odesaparecimento correlativo da calota Ártica,que estão a ocorrer de par com desenvolvimentostecnológicos de fundo, tornaram a perfuração dos

139

leitos marinhos do Ártico num projecto cada vezmais realista; e mais interessante, dada apresneça comprovada de grandes reservas depetróleo e gás natural no subsolo submarino degrande parte da região. Acresce o facto de odegelo ter vindo a tornar cada vez maistransitável – embora para já tão-só por barcosquebra-gelos especialmente preparados para oefeito – a chamada Northern Passage, com todas asimplicações que isso tem para o trânsitoeconómico da zona110. Em resultado, a tentação deuma ‘corrida ao Norte’ é enorme. Por um lado, aestimativa geralmente aceite é a de que tantoquanto um quarto das reservas de petróleo e gásnatural disponíveis no planeta estejamlocalizadas debaixo da calota111. Por outro lado,

110 Para este ponto ver Chatam House International Law DiscussionGroup (14 February 2008), “The Arctic and Climate Change”, ChatamHouse, disponível para descarga a 21.12.08, emhttp://www.chathamhouse.org.uk/files/11110_il140208.pdf. É, porexemplo, afirmado neste documento que “[t]he UN Secretary General has notedthat in the last three decades there have been declines in the extent of Arctic sea ice of 8.9percent in September and 2.5 per cent per decade in March; sea-ice thickness has alsocontinued to decline since the 1950s (report dated 31.8.07 to the UN General Assembly onoceans and the law of the sea). The end result will be a mainly ice-free Arctic Ocean insummer by 2100 or earlier with the following implications for navigation: 1. Increasedtanker and other traffic within the region resulting from increased oil and gas activitiessince these resources will be rendered more accessible. 2. Ice melt will open up passages fornavigation (eg by-passing Panama Canal in navigating between North America and China,cutting as much as 6500km from the journey). A round-trip from London to Tokyo wouldreduce to 9950 miles from 13,000 via Suez or from 14,300 via Panama”. Uma série devantagens iminentes.

111 Quanto a isto, ver, por exemplo, Juan Morán-López (2008), “TheArctic Ocean”, recuperado a 21.12.08, emwww.ce.utexas.edu/prof/mckinney/ce397/Topics/ Arctic / Arctic ( 2008 ).pdf : “[t]he Arctic Ocean contains many resources; some of the mineral resources includepetroleum and gas fields and polymetallic nodules. The Oxford Institute for Energy Studiesstates that the Arctic potentially holds a quarter of the world’s natural gas and oilresources”. Para um conjunto de estudos mais específicos e maisligados ao tema destes parágrafos, a recomendáveel a leitura dacolectânea (eds.) Myron H. Nordquist, John Norton Moore and

140

seis Estados (o Canadá, a Dinamarca – pela viado seu controlo da Gronelândia – os EstadosUnidos da América, a Islândia, a Noruega, e aRússia) podem invocar direitos sobre o leitomarítimo em causa – e isto numa conjuntura naqual nem o enquadramento legal nem a moldurainstitucional disponíveis fornecem as respostasdefinitivas e pacíficas que seria de desejar112.

Talvez o mais preocupante seja a aparenteindisponibilidade dos seis Estados que confinamcom o Oceano Ártico – e que podem vir a exercerdireitos soberanos sobre sectores dele – emcriar mecanismos de governação para a região; emencontros internacionais, todos professam serpossível um entendimento geral com base nosquadros jurídico-institucionais existentes. Omelhor exemplo deste aparente consenso é

Alexander S. Skaridov (2005), International Energy Policy, the Arctic and the Lawof the Sea, Koninklijke Brill NV, Leiden, The Netherlands.

112 Um muito útil estudo sobre o enquadramento legal e institucionale as suas insuficiências é o de David Liakos and Joseph Szela(2008), “Arctic Sovereignty”, International Law Commission, achado emstjohnsprep.org a 21.12.08. Vale a pena citar uma das suas partessubstantivas relevantes quanto a este ponto: “[t]he one internationaltreaty that is the most relevant for the arctic region is the United Nation Convention on theLaw of the Sea. The Convention is known as the ‘constitution of the oceans’. It has codifiedexisting customary international maritime law and it created new elements of internationalocean governance. While the Convention was completed in 1982, it did not come into forceuntil 1994. Among the arctic nations, Iceland ratified it in 1984, Finland, Sweden, Norwayratified in 1996, Russia in 1997, Canada in 2003 and Denmark in 2004. However, the UnitedStates has not ratified the treaty. The American Government has maintained that it acceptsall section of the Convention except for Part XI (the section dealing with the mining ofmineral resources on the high seas and beyond state jurisdiction.) However, by not ratifyingthe Convention it is unclear how the US can join the specific bodies created by it. UNCLOSprovides the foundation for international ocean governance. However its impact in theArctic is not understood. While it provides guidance for the rights and responsibilities ofinternational straits and their use for international navigation, the treaty does not providean answer to whether or not the Northern Sea Route and the Northwest Passage areinternational straits or internal waters. The Convention does provide alternatives to resolvethe dispute but does not compel the states parties to resolve their differences”.

141

porventura o da ‘Cimeira’ informal organizadacom o intuito de conciliar vontades, esbater orisco de conflitos, e concertar posições comuns.Para ilustrar este caso paradigmático, escolhoumas das várias descrições do encontro, a de RonHuebert, um membro do Centre for Military and StrategicStudies, da University of Calgary bem como ResearchFellow do Canadian International Council. Como R.Huebert o descreveu113, “[i]n May 2008 representative offive arctic states meet in Greenland. Each of these states has thepotential to claim an extended Arctic continental shelf in theArctic. These included Russia, Canada, United States, Denmark(for Greenland) and Norway [a Islândia esteveausente]. At the end of the meeting the heads of the Danishdelegation who had hosted the meeting stated that it had been atremendous success and that it had shown how the existingmultilateral framework worked. He then went on to state thatthere was not a need for an arctic treaty and that the five arcticnations can work out any differences between themselves.However, this perspective has not been universally accepted byall. Rather some observers have suggested that the Arctic isheaded to an increasingly ‘free for all’ based on the unilateralactions of the interested states. Thus there is a growing debate asto whether or not the exiting international regime is sufficient, orif the arctic states are increasingly turning to unilateral action. Ifindeed the latter is occurring, there is a fear that such action willlead to increasing tension and disputes in the north”. Umadisparidade de perspectivas como esta não podedeixar de fazer soar alarmes114.

113 Rob Huebert (2008), “Multilateral versus Unilateral Actions:Balancing the needs for International Governance in the New Arctic”,position paper for the 5th NRF open Assembly, September 24th-27th

um documento inestimável encontrado na net e dela descarregado a 2112.08, http://www.nrf.is/Open%20Meetings/Anchorage/Position%20Papers/Huebert_5thNRF_position_paper_session1%20(2).pdf.114 Incluindo em Moscovo. É neste contexto, julgo eu, que se devecompreender a surpreendentemente rápida disponibilidade russa em

142

Em boa verdade tais tensões começaram háalguns anos115. A Rússia foi o primeiro Estado aensaiar oficialmente, logo em 2001, umatentativa de asserção de direitos sobre o leitomarítimo do Ártico, ao registar como seu oextenso Lomonosov Ridge, uma cadeia de montanhassubmarinas que estariam ligadas à Sibéria, comouma extensão da sua plataforma continental. Aárea em causa é muito extensa, com umasuperfície total de 1.191.000 quilómetrosquadrados. A resposta das Nações Unidas foi a deque seria precisa informação geológica maisfidedigna do que a disponível para que essepedido fosse aceite. A 1 de Agosto de 2007, oGoverno de Moscovo deu instruções a um dos seussubmarinos – que supostamente estaria acartografar os fundos marinhos – para que lá

acorrer em ajuda à Islândia quando esta entrou em crise económico-financeira profunda em Outubro-Novembro de 2008.115

? Num quadro anterior ao da Convenção de 1994, a Dinamarcaantecipou-se-lhe em 1925. Não foi o único Estado a fazê-lo. É deregistar, por exemplo, que “Canada was the first country to extend its borderstoward the North Pole in 1925, though that claim is not universally recognized. The otherbordering countries followed suit but none enforced their claims. The United States isamong the countries that do not recognize Canada’s claims, going as far as sendingnuclear submarines into ‘Canada’s waters’ without notification. Recently, the icepack of theNorth Pole has been rapidly decreasing and the surrounding countries are either makingnew claims or reinforcing their previous ones”. Ver, para o não muito rico, masfascinante, pano de fundo histórico-legal deste e de outrosdesenvolvimentos,http://www.un.org/Depts/los/convention_agreements/convention_historical_perspective.htm . Ver também a submissão russaapresentada às Nações Unidas, disponível emhttp://www.un.org/depts/los/clcs_new/submissions_files/submission_rus.htm. Não foi a única. A Dinamarca submeteu uma proposta similar em2006. Como comentou O.S. Stokke (2006), “[m]uch to the dismay of Canada’sprime minister, Russia sent a submarine beneath the Arctic ice to plant a Russian flag andtake soil samples. Similarly, a U.S. Coast Guard icebreaker, the USCGS Healy, was sent to theArctic region to map the bathymetry; the U.S. claims the voyage had nothing to do withRussia’s expedition. No country has successfully extended their territory, but these claimswill be an increasing concern as more and more of the icepack melts away”.

143

hasteasse uma bandeira russa, no que foiencarado por muitos dos observadoresinternacionais como uma provocação hostil. Nomês de Setembro seguinte, Moscovo enviou umaexpedição para o Ártico com o intuito de invocaros seus direitos sobre muitas das reservas depetróleo e de gás natural lá existentes, e a 20de Setembro, a Rússia declarou ter “provado” que“the Arctic seabed ‘belongs to Russia’”116. A 14 de Julho de2008 os russos começaram a enviar barcos deguerra para patrulhar as águas do Ártico – pelaprimeira vez desde o fim da Guerra Fria.

Tudo indica que a Rússia venha a ver as suaspretensões (para não falar da sua actuaçãointempestiva) desafiadas no que toca à afirmaçãosegundo a qual a cadeia Lomonosov de montanhassubmarinas seria, efectivamente, uma parte dasua plataforma continental. É de esperar que aRússia venha a ver as pretensões contestadaspelo Canadá, pelos EUA, e pela Dinamarca. Há jáuma disputa entre a Rússia e a Noruega relativaaos direitos sobre uma parte do Mar de Barents.Mesmo uma leitura cursória da situação põe emevidência não só as consequências damarginalidade tradicional do Ártico, mas tambémos perigos inerentes ao aumento da suacentralidade. Oiçamos, de novo, Huebert, quandoeste leva a cabo um rastreio histórico dos116 Vladimir Frolov (2007), “The Coming Conflict in the Arctic”,Russia Profile.Org,, !7 de Julho, emhttp://www.russiaprofile.org/page.php?pageid=International&articleid=a1184076124, recuperado a 19.12.08.Como diz o texto, “Russia has recently laid claim to a vast 1,191,000 sq km (460,800sq miles) chunk of the ice-covered Arctic seabed. The claim is not really about territory, butrather about the huge hydrocarbon reserves that are hidden on the seabed under the Arcticice cap. These newly discovered energy reserves will play a crucial role in the global energybalance as the existing reserves of oil and gas are depleted over the next 20 years”.

144

relacionamentos internacionais no que ao Árticodiz respeito: “by the end of the Second World Wartechnological advances had allowed for southerners to start toenter and stay longer in the region. Unfortunately, the onset ofthe Cold War ended any opportunity for the development of aninternational cooperative regime as this activity increased.Instead the Arctic remained divided into one of the mostdangerous areas in the world. When the Cold War ended effortsto develop international institutions and arrangements began inearnest. Of particular note were the creation of the ArcticEnvironmental Protection Strategy (AEPS) and its successor theArctic Council. However, while these organizations have had somesuccess, most notably the production of the Arctic Climate ImpactAssessment, these efforts have not created a viable multi-lateralarctic body. Instead, the existing regime can best be thought ofas a immature and fragmented and stunted region-system”.Este último ponto é da maior importância.

Não existe, de facto, nenhuma entidademultilateral robusta para o Árctico117, sejamquais forem os ‘consensos’ professados. Pior,não há nenhuma arquitectura multilateral desegurança na região, pese embora aplausibilidade cada vez maior de disputas para oseu controlo; apesar de três breves meses maistarde os russos terem insistido na capacidade decada um dos Estados da região em resolverpotenciais disputas com os seus vizinhos quantoà partilha, a sua actuação demonstra qual o

117 Com uma excepção. Como Rob Huebert notou, “[t]he one exception is the1973 Polar Bear Treaty (Agreement on the Conservation of Polar Bears). Nominally dealingwith the protection of the Polar Bear population in Canada, the US, the USSR, Norway andDenmark, the real rationale of the treaty was to provide for a confidence measurement forthe superpowers in a time when NATO and the USSR were attempting to improve relationsthrough detente. Since that time there have been no other arctic specific treaties. Insteadwhat has developed is a series of international agreements (soft international law), andseveral general international treaties/conventions that have an impact on the Arctic but arenot specific to the region”.

145

sentido desta convicção. As consequênciaspotenciais não são as melhores.

Por trás da retórica consensualista, osfactos falam por si. Como notaram David Liakos eJoseph Szela118, apesar da relutância dos Estadosárticos em enriquecer a moldura multilateral daregião, na sua maioria estão a desenvolver meiosunilaterais que ampliem a sua capacidadeindividual de actuação no terreno. A verdade éque o Canadá, os Estados Unidos, a Noruega, e aRússia estão a ampliar as suas forças desegurança regional. Os EUA continuam a manteruma poderosa força militar no Alaska, onde têm26 mil soldados permanentemente estacionados,apoiados por três esquadrilhas de 22 caças F-15cada, bem como um número substancial de AWACS devigilância electrónica. Colocaram, também, umdos seus dois interceptores de mísseisbalísticos em Forte Greely, a cerca de cemquilómetros da fronteita Alaska-Yukon. E apesarde ter diminuído sensivelmente algumas dascapacidades da sua Guarda Costeira depois dofinal da Guerra Fria, tendo agora apenas trêsquebra-gelos na região, está em curso umplaneamento rápido com vista a um reforço dapresença militar naval da Coast Guard norte-americana no Ártico. O Ministério da Defesa daNoruega anunciou na Primavera de 2008 que aprioridade maior da sua política de segurança edefesa era doravante ‘o Norte’. Publicitoutambém o facto de que o seu orçamento de defesa

118

? David Liakos and Joseph Szela (2008), “Arctic Sovereignty”,International Law Commission, descarregado de stjohnsprep.org a21.12.08.

146

iria começar a crescer de maneira sustida,designadamente por via da construção, eminstalações espanholas, de cinco fragatas comcapacidades árticas. O Canadá recomeçou, em2002, o seu programa de treino no Ártico.Anunciou, de igual modo, que tinha dado início àconstrução de entre seis e oito navios depatrulhamento externo especificamente desenhadospara operar em gelos com apenas um ano. Paraalém disso, os canadianos também estão aconstruir uma base de reabastecimento no Árticoprofundo e de modo a garantir meios para umamelhor vigilância – incluindo o lançamento desatélites equipados com sistemas mais modernosde radar.

As Forças Armadas russas no Norte mantiveramsempre uma presença significativa na região119

apesar do fim da Guerra Fria, embora as suascapacidades se tenham visto substancialmentereduzidas – a manutenção de muitos dos seusmeios navais e aéreos não foi assegurada, emuita da sua frota na região foi pura esimplesmente deixada a enferrujar nos portos.Com o boom económico associado à subida dospreços do petróleo, as autoridades russas estãodesde há dois ou três anos a reconstruir as suascapacidades militares na região, e tanto oPresidente Putin quanto o Presidente Medvedevatribuíram uma ‘prioridade central’ ao reforçoda habilidade das forças russas em operar noÁrtico. Para o efeito, a Marinha russa recomeçou

119 Para um estudo interessante sobre a Marinha russa no Ártico e oseu papel científico e militar, ver Leonid Sverdlov (1996), “RussianNaval Officers and Geographical Exploration in Northern Russia (18ththrough 20th Centuries”, Arctic Voice, no. 11, 27.

147

operações de superfície nas águas da região em2008. Em paralelo, a Força Aérea re-iniciou, noprincípio de 2007, as suas patrulhas aéreas delongo alcance com o regresso ao espaço aéreo doÁrtico dos seus bombardeiros TU-98 Bear. OGoverno anunciou, em Moscovo, que iriareconstruir a Marinha de Guerra russa, e, depoisda construção de um enorme quebra-gelos nuclear,teve já início a criação de uma nova frota parao Norte120.

120 Para além do já citado R. Huebert (2008) op. cit., ver,designadamente, Jayantha Dhanapala (2008), “Arctic SecurityProblems. A Multilateral Perspective”, uma Public Lecture no SimonFraser University, a 12 de Março de 2008, deste tão empenhado antigoEmbaixador do Sri Lanka, emwww.gsinstitute.org/pnnd/events/Pugwash2008/pres_ arctic _Dhanapala.pd f disponível a 21.12.08. Beth Chalecki (2008), “Climate Change inthe Arctic and its Implications for U.S. National Security”, umatese de doutoramento recentemente defendida na Tufts University FletcherSchool of Law & Diplomacy,http://fletcher.tufts.edu/maritime/documents/ArcticSecurity.pdfdisponível a 21.12.08. A EU tem também sérios interesses na região:ver, por exemplo, o seu Commission of the European Communities(2008), The European Union and the Arctic Region, Brussels, 20.11.2008,COM(2008) 763 final, Communication for the Commission to theEuropean Parliament and the Council, disponível emhttp://www.europa-kommissionen.dk/upload/application/8a4b7e1e/uuu.pdf, a 21.11.08, “[t]he European Union is inextricably linked to the Arctic region […]by a unique combination of history, geography, economy and scientific achievements. ThreeMember States — Denmark (Greenland), Finland and Sweden — have territories in theArctic. Two other Arctic states — Iceland and Norway — are members of the EuropeanEconomic Area. Canada, Russia and the United States are strategic partners of the EU.European Arctic areas are a priority in the Northern Dimension policy. Beyond areas ofnational jurisdiction, the Arctic Ocean contains parts pertaining to the high seas and theseabed managed by the International Seabed Authority. […] In view of the role of climatechange as a "threats multiplier", the Commission and the High Representative for theCommon Foreign and Security Policy have pointed out that environmental changes arealtering the geo-strategic dynamics of the Arctic with potential consequences forinternational stability and European security interests calling for the development of an EUArctic policy. On the whole, Arctic challenges and opportunities will have significantrepercussions on the life of European citizens for generations to come. It is imperative forthe European Union to address them in a coordinated and systematic manner, incooperation with Arctic states, territories and other stakeholders”. pp. 2-3”.

148

Mas porquê esta corrida? Vladimir Frolov121

explica-o em termos de uma especulaçãoquantitativa: “Russia has the world's largest gas reservesand is the second largest exporter of oil after Saudi Arabia, but itsoil and gas production is slated to decline after 2010 as currentlyoperational reserves dwindle. Russia’s Natural Resources Ministryestimates that the country’s existing oil reserves will be depletedby 2030. The 2005 BP World Energy Survey projects that U.S. oilreserves will last another 10 years if the Arctic National WildlifeRefuge is not opened for oil exploration, Norway’s reserves aregood for about seven years and British North Sea reserves willlast no more than five years – which is why the Arctic reserves,which are still largely unexplored, will be of such crucialimportance to the world’s energy future”. É aindependência energética futura e os rendimentosa médio-longo termo que estão em causa; para aRússia, é também mais do que isso, se as coisasforem olhadas em conjunto com a sua actuação noCáucaso e na Ásia Central – é o garante de ummonopólio a curto-médio prazo.

Com dados destes, e sobretudo se tomarmos emlinha de conta a conjuntura agonística que temvindo a ensombrar o relacionamento entre aRússia e o “Ocidente”, é decerto compreensível aapreensão da maioria dos observadoresinternacionais. Como R. Huebert122 afirmou, “[t]heArctic is about to become a much busy international region. Themulti-lateral instruments that now exist are sparse and do notseem to be designed for a rapidly changing environment.Perhaps even more troubling is the unwillingness that the mainarctic states are showing to develop new instruments ofcooperation. Their willingness to invest in improving their

121 Vladimir Frolov? (2007), op. cit..

122 R. Huebert, op. cit..

149

northern security capabilities suggest that they do recognize thatchange is coming. But these current decisions suggest that all ofthe Arctic nations are signalling that they are ultimatelypreparing to depend on their own ability to protect their ownnorthern interests”. A conclusão parece iniludível:“There will be a growing increasing international presence in thenorth that will increase international interaction both betweenthe arctic states and from an increasing number of non-arcticstates. This will require governance systems that go beyond whatthe system now provides. The question is when and how will theybe developed. Will they be created to respond to an increasingseries of disputes that will inevitably arise over time and as suchtend to develop in an ad hoc and piece meal basis? Or will bethey be created in a rational and comprehensive manner that willallow the north to develop as an increasing important and busyinternational region. These are the questions that now face thearctic nations. It should be clear that there is a need to startthinking about new systems of governance in the north. This isnot to suggest that states need to begin to surrender theirsovereignty in the north. Instead it is to recognize that the northis changing and if the northern states do not work together therewill be a substantial cost that all will have to share”. Será quetal vai acontecer?

Não vale a pena fornecer mais dos muitosexemplos possíveis deste tipo de desafios em queo último par de anos tem sido profícuo. Masantes de o fazer, não queria deixar passar aoportunidade de tecer algumas consideraçõessobre uma dimensão relativamente nova (e, porisso, um pouco inesperada) do conflito russo-georgiano: a dimensão informática, aquilo a queos analistas norte-americanos têm vindo aapelidar de cyberwarfare. Disse no início desteestudo que sobre isso me iria debruçar e fá-lo-ei de seguida.

150

4e.

A guerra informática da Rússia e dos hackers na Geórgia

Fiz já alusão às ondas sucessivas de ataquesdesferidos – e meneados antes, durante, edepois, da invasão de Agosto de 2008 – sobreservidores na Geórgia. Uma rápida recapitulação,agora no quadro geral de uam afirmação da Rússiano seu espaço interno e no seu near abroad.

Como explicita o já antes citado Reportoficial do Governo georgiano sobre o tópico123,“[t]he Russian invasion of Georgia was preceded by a cyberattack on Georgia’s Internet facilities. A large number ofGeorgia’s Internet servers were seized and placed under externalcontrol from late Thursday, 7 August, whereas Russia’s invasionof Georgia officially commenced on Friday, 8 August. Also, muchof Georgia’s traffic and access was taken under unauthorizedexternal control at the same time that this first large scale attackoccurred”. Os sites visados foram vários, e todoseles muito bem escolhidos, como se o objectivofosse o de tolher as capacidades comunicacionaise de coordenação interna e externa do Estadogeorgiano e dos seus aliados: “36 important web siteswere identified as targets for hackers, including the US and UKEmbassies in Tbilisi, Georgian Parliament, Georgian SupremeCourt, Ministry of Foreign Affairs, various news agencies andother media resources, the Central Election Commission, andmany others”124.

123 Russian Cyberwar on Georgia (9 de Outubro de 2008), op. cit.: p.3.

124 Ibid., p.6. Como também sublinha o Report citado (p.9), “[t]heinformation presented in here catalogues and explains the historic first major use ofcyberattacks as a weapon of war during the Russian aggression against Georgia.

151

Quem lançou estes ataques? Tal como referi,os ataques brandidos provieram de diversasfontes, e fluiram num padrão descentrado: “[thehackers carried out a] kind of attack, known as adistributed denial of service attack, is aimed at making a Web siteunreachable. It was first used on a large scale in 2001 to attackMicrosoft [que neutralizou, entre inúmeros outros,gigantes como o Yahoo, o eBay, e a CNN] and hasbeen refined in terms of power and sophistication since then. Theattacks are usually performed by hundreds or thousands ofcommandeered personal computers, making a positivedetermination of who is behind a particular attack either difficultor impossible”. Tanto quanto se sabe, no caso daGeórgia não foi, porém, apenas o o ‘denial ofservice’ o estratagema utilizado: “[i]nitially, securityexperts assumed that the sites were felled via "distributed denialof service" (DDoS) attacks, a well-known method of assault thatuses hundreds or thousands of compromised personal computersto flood a targeted site with so much junk traffic that it can nolonger accommodate legitimate visitors. But investigators soonlearned that attackers were instructed in the ways of a far moresimple but equally effective attack strategy capable of throttling atargeted Web site using a single computer. Security researcherand Grey Goose [um consórcio de que falo abaixo]investigator Billy Rios said attackers disabled the sites using abuilt-in feature of MySQL, a software suite widely used by Websites to manage back-end databases. The ‘benchmark’ feature inMySQL allows site administrators to test the efficiency ofdatabase queries, but last year hackers posted online instructionsfor exploiting the benchmark feature to inject millions of junkqueries into a targeted database, such that the Web serversConsidering that this is the second Russian sponsored cyber-attack in just over a year, aswell as the alarming fact that the US Embassy in Tbilisi was listed for assault bycyberterrorists, NATO member states as well as NATO aspirant countries need to be on fullalert for future Russian aggression against critical online infrastructure”. Um ‘centrode execelência’militar existe já, para o efeito, na Estónia.

152

behind the site become so tied up with bogus instructions thatthey effectively cease to function”125. Uma inovação.

Como já disse atrás, os problemas, no casodoas ofensivas informáticas contra a Geórgia,não foram tão graves como poderiam ter sido, jáque, por um lado, muitos dos servidoresgeorgianos foram de imediato desconectados e osseus conteúdos ‘migraram’ para servidores noestrangeiro, e, por outro, visto que muitos dossistemas informáticos de Tbilisi são‘primitivos’, e por isso não estão online, nãoforam neutralizados. Como também já referi,debate-se se os ataques foram coordenados peloKremlin ou se terão sido espontâneos e levados acabo por hackers russos oportunistas; a relativabaixa virulência dos ataques sugere a primeiradas hipóteses. Mais ainda, muitos dos IPs deonde provenieram eram de endereços norte-americanos, franceses, espanhóis, latino-americanos, etc.. De qualquer modo, tratou-se,repito, do primeiro caso em que tal tipo deataques maliciosos em swarm [‘em enxame’]ocorreu em simultâneo com ataques militaresconvencionais.

Cada vez mais esta convicção de um‘descentramento’ se vai firmando; por exemplo,Aaron Mannes (22 de Agosto de 2008) sublinhou,no jornal britânico Guardian126, que “[t]he Russiangovernment may have instigated the DDoS attacks, although theevidence is unclear, and it is difficult to identify the origins of aDDoS attack. It appears that the DDoS attacks were in fact a mass

125 Nick Farrell (de Outubro de 2008), “Russia not responsible forcyber war on Georgia”, ITExamminer.com, disponível online.

126 Aaron Mannes (22 de Agosto de 2008).

153

action by regular Russian citizens”. De igual modo,concluiu o já citado Nick Farrell (de Outubro de2008), com base num estudo conduzido por umconsórcio que envolveu a Oracle, a Microsoft, oDepartement of Homeland Security, etc.. Vale apena citá-lo extensamente: “Project Grey Goose, avolunteer effort by more than 100 security experts from techgiants like Microsoft and Oracle, as well as former members ofthe Defence Intelligence Agency, Lexis-Nexis, the Department ofHomeland Security and defence contractor SAIC, said thatwhile Russian officials did little to discourage the online assault, itseems that it did not order the attacks. It looks as if the attackswere coordinated through a Russian online forum.  The forumwas prepared with target lists and details about Georgianwebsite vulnerabilities long before the two countries engaged in abrief but deadly ground, sea and air war. Goose principalinvestigator Jeff Carr said the administrators of the hacker forumwere keenly aware that American cyber sleuths were pokingaround and managed to shut them out. However, before the doorwas slammed, investigators unearthed a top-down hierarchy ofexpert hackers who doled out target lists of Georgiangovernment websites to novices. The Georgians blamed theRussian government, and Carr said that the level of advancepreparation and reconnaissance suggests that Russian hackerswere given information for the assault by officials within theRussian government and or military. But Grey Goose memberscould find no direct link between Russian government officialsand the forum administrators. Russian politicians and militaryofficials have previously endorsed coordinated cyber attacksagainst other nations as a show of nationalistic pride, and mayhave indirectly supported the attacks by giving the hackersintelligence”.

Em boa verdade, porém, há que sublinhar quenão foi na Geórgia que este tipo desincronização entre acções militares

154

propriamente ditas e acções informáticasprimeiro teve lugar – o mesmo tinha jáacontecido seis anos antes, em 2002, naChechénia. Como nos contaram, logo em 2004,Charles Billo e Welton Chang127: “"[i]n 2002,Chechen rebels claimed that two of their Web sites, kavkaz.organd chechenpress.com, crashed under hack attacks by theRussian FSB security service. The website crashes were reportedlytimed to occur concurrently or shortly after Russian SpecialForces troops stormed the Moscow Theater in which the rebelshad taken hostages. ‘On October 26 ... our Web Site kavkaz.orgwas attacked by a group of hackers’”, segundo afirmou,Movladi Udugov, o porta-voz de um dos sitesrebeldes. Depois do ataque, provindo dos EUA,Udugov clamou estar "amazed Russia's special services canoperate so freely on U.S. territory". Como nos explicaBrian Krebs128, na coluna entitulada Security Fix, doWashington Post, neste caso em Grozny, naChechénia, “[t]he attacks on one site, chechenpress.com, fellunder the category of brute-force denial of service (DoS) attacks,while on the other site, kavkaz.org, the attacks appeared muchmore sophisticated. According to Chechen sources, the Web sitewas hijacked by hackers from the FSB. The FSB hackers reportedlyaccomplished this by changing the domain registration of the siteand then eliminating the data for the site from the hosting server.Upon learning of these attacks, the rebels moved the informationon the sites to kavkazcenter.com. However, that site was attackedjust a week later, also apparently the work of FSB hackers”. Com127 Charles Billo and Welton Chang (2004), Cyberwarfare. An Analysis of theMeans and Motivations of Selected Nation States, Institute for Technology andSecurity Studies, Dartmouth College.

128 Brian Krebs (16 de Outubro de 2008) , “Russian Hacker ForumsFuleled Georgia Cyber Attacks”, Security Fix, The Washington Post,recuperado a 21-12.08, a partir do linkhttp://voices.washingtonpost.com/securityfix/2008/10/report_russian_hacker_forums_f.html?nav=rss_blog.

155

ou sem expedientes deste tipo, trata-se, ao quetudo indica, de um padrão que veio para ficar.

Qual foi, então, o padrão de pormenorseguido no caso georgiano? Houve só um ataquemilitar bem coordenado? Ou deu-se, antes, umataque militar-civil? O que parece ter tidolugar foi uma acção híbrida. Embora aparticipação de hackers ‘independentes’(congregados, informalmente, no que irei chamaruma ‘sociedade civil virtual’) pareçaindubitável, no caso da cyberwar contra aGeórgia, também o foi, ao que tudo indica, acumplicidade activa das autoridades do Kremlin.Como referiu o já citado Brian Krebs129, oinvestigador prinicipal do consórcio Project GreyGoose, a que já aludi, Jeff Carr, ao indicar queo site em que foram colocados os endereços e asreceitas de ataque, intitulado sugestivamenteStopGeorgia.ru. O ataque desferido viu-se a braçoscom defesas georgianas. Mas logrou batê-las; e aideia de que terá havido um forte grau depremeditação parece indiscutível: “’StopGeorgiaadministrators also equipped recruits with directions on evadingthose digital roadblocks, by routing their attacks throughInternet addresses in other Eastern European nations. The level ofadvance preparation and reconnaissance strongly suggests thatRussian hackers were primed for the assault by officials withinthe Russian government and or military, Carr said. The fact thatthe StopGeorgia.ru site was up and running within hours of theground assault -- with full target lists already vetted and with alarge member population -- was evidence that this effort did notjust spring up out of nowhere’, said Carr, speaking at a forum inTysons Corner, Va., sponsored by Palantir Technologies, an In-Q-Tel funded company in Palo Alto, Calif., whose data analysis

129 Brian Krebs (2008), op. cit..

156

software helped Grey Goose investigators track the origins andfoot soldiers involved in the cyber attack. ‘If they were planningahead of the invasion, how did they know the invasion was goingto occur? The only way they could have known that is if they weretold’”. Nada de muito surpreendente, como vimos.

Vale em todo o caso a pena lançar um olharmais minucioso sobre a natureza e implicaçõesdeste tipo, em tantos sentidos ‘compósito’, deactuação belicosa. Fascinantemente, J. Kramer-Duffiled130 teceu, a partir da Law School deHarvard, considerações de maior fundo relativasao baixo custo destes ataques muitas vezesbastante eficazes, por um lado, e, por outro, arespeito das incongruências “tecnológico-económicas” desencadeadas por este novo tipo deconflitualidade. Note-se que tanto um como ooutro destes dois factores favorece a utilizaçãodesta “arma” informática em situações de marcadaassimetria: (i) “Bill Woodcock, [the] research directorof the Packet Clearing House, a nonprofit technical organizationthat tracks Internet traffic, said cyberattacks are so inexpensivethat they are almost a certainty in modern warfare. ‘It costsabout 4 cents per machine’, he said. ‘You could fund an entirecyberwarfare campaign for the cost of replacing a tank tread, soyou would be foolish not to’”, e, como Kramer-Duffiledtambém insistiu, há que notar que (ii): “[s]etaside for a moment the cheesiness of a nation-state needing tooutsource its information-space to Blogspot, and try to considerthe whole bizarre set of exchanges of tactics and technologies inplay. Georgian troops move into breakaway region South Ossetia.Russian troops respond, repelling initial invasion and pushing130

? Jacob Kramer-Duffield (8 de Dezembro de 2008), “Cyber-War and Non-State Actors”, digital safety, emhttp://blogs.law.harvard.edu/digitalnatives/2008/08/12/cyber-war-and-non-state-actors/ , descarregado a 18.12.08.

157

Georgian forces into a full retreat. As part of continued counter-offensive, Russia adopts online assaults - first used less than adecade ago - and also used by Anonymous in their protestsagainst the Church of Scientology. Due to the success of thoseattacks, Georgia takes refuge on the servers of one of the world’smost powerful corporations, whose market capitalization ofUS$158 billion dwarfs Georgia’s GDP of $20.5 billion, using aservice first developed less than a decade ago”. O que nãodeixa de ser paradoxal.

J. Kramer-Duffiled formulou o ‘paradoxo’criado de maneira exemplar: “[d]igital citizenship is atricky business - online, it’s not entirely clear where one’s loyaltiesdo or should lie. What of international human rights activistswhose own governments spy on them? Or software entrepreneurswhose products are adopted by repressive governments? It maysimply be the case that with the near-zero cost of moving ideasaround the world, we must get used to our ideas being carriedforward and adopted by those with whom we disagree or evenfind abhorrent”. O que parece indiciar estarmosperante uma mudança de fundo, não só na naturezadas alianças políticas emergentes, que se vãoformando e dissolvendo, mas na própria noção doque é uma actuação político-militar e de quaisos seus limites e coordenadas.

Laurence Ifrah, um investigador francês,deu-nos em Novembro de 2008131 uma excelentedescrição-definição do que apelidou graficamentede “ hacktivism”, uma expressão que fala por si:“[h]acktivism represents a fusion between groups of hackers

131 Laurence Ifrah (2008), “‘Hacktivism’—a new threat?”, Défensenationale et sécurité collective: pp. 98-99, Paris, Novembre: pp. 91-99, emwww.defnat.com, [versão em lingual inglesa] descarregado a 02.01.09.Para um bom sumário, não da cyberwarfare propriamente dita, mas antesda utilização da net para efeitos de ‘mobilização e recrutamento’,ver o recente (e polémico) Mitchell D. Silber and Arvin Bhatt(2007), Radicalization in the West. The Homegrown Threat, New York PoliceDepartment.

158

and activist movements, thereby spawning a new form ofpolitico-technical commitment. […] Hacktivism has a widerepertory of possible online actions: petitions, websitedefacement, site redirection, DOS attacks, viral attacks, spam,theft of information, virtual sit-ins, data destruction, harassment,disinformation, rumour, provision of offensive tools, etc.Hacktivism can in fact range from civil disobedience to the mostsophisticated acts of piracy. Targets are as varied as are themethods used: anti-nuclear activists, anti-globalisationmovements, ecoterrorists, interstate or interethnic conflicts, Indiaand Pakistan, Turkey and the PKK, China and the United States.[…] One of the characteristics of hacktivism is the possibility ofacting alone, in contrast to all conventional communalistmovements, and this enables each individual to conduct his fightat any time of the day or night independent of any organisationthat might impose a place and times. He does, however, retainthe benefits of the group’s global communication and canidentify with it by using the templates and tools made availableon the Internet. This method is akin to that used by terroristnetworks that offer the advantages of their marketing andpublicity machine to carry their messages across the world. Thisform of openness is two-edged: at best, it enables one to benefitfrom a recognized image when expressing one’s demands, and atworst, it authorizes individuals to commit criminal acts, with thecertainty of a hypothetical anonymity. However, if they arecaught out by the forces of law and order they will make everyeffort to seek refuge behind the organisation to legitimise theirmisdeeds. This is where things get complicated; at what momentcan one say that an individual who has overstepped the more orless emphatic guidance of a virtual group is a member or amalicious opportunist? Within such groups, some promoteviolence, others do not, but each of them is an active advocate ofthe same ideology; no one can therefore state with anyconfidence that some are more legitimate than others”. Numquadro conceptual mais geral, L. Ifrah equaciona

159

as questões suscitadas por este novo tipo deactivismo em termos não muito diferentes dos deJ. Kramer-Duffiled: “[t]he debate on anonymity hasbeen the subject of much controversy; some see it as enabling aseparation between opinions and their author to allow for anobjective approach to the subject under discussion, while otherstake the opposing view that it enables individuals to escape fromthe consequences of the opinions expressed. Observation ofdiscussion forums shows that while texts are indeed more freelyexpressed, the written violence employed by many authors provesthat the latter, convinced of their protection behind theircomputer screens, are stretching the limits of the mostelementary good manners and civic responsibility”132. Novascoordenadas político-militares emergentes, semdúvida. Algo para que temos de nos preparar. Ealgo relativamente ao qual a Rússia está a linhada frente de inovação.

Se tal for o caso – e muito indica que é –as consequências deste género de coligações maisou menos espontâneas não são de desprezar. Oresultado de tais formas inovadoras de

132 Ibid.: p. 98. É também útil tomar em linha de conta as váriasfaces que tem assumido estes ataques informáticos, e Ifrah fá-lo emalusão aos conflitos de inícios de 2008 entre a Igreja deCientologia e os seus muitos adversários auto-intiutlados Anonymous[Anon]: “[t]he scientology.org site was interrupted for an entire weekend. Those stilloperating were pirated and the welcome page modified to include a message from thehacktivists. The Anons sent massive numbers of black pages to the fax machines of theirtarget to empty the black ink cartridges (blackfaxing), thousands of confidential documents(84 Mb of files) were published on the Internet via the PirateBay site and handed out on thestreet at the demonstrations on 10 February and 15 March 2008. Hounded in the UnitedKingdom, the call centres could no longer operate, victims of innumerable hoax telephonecalls, while in the United States, more than 6,000 threatening calls were recorded. Guerrillaaction continues with ‘Google Bombing’ type attacks, where the search engine ismanipulated by creating a maximum number of web pages interconnected by numeroushyperlinks to influence page classification in Google results. If a search is made for‘Scientology’, the first pages to be displayed will be those generating the maximum numberof links, in this case, those that criticise the sect. This ‘Google Bombing’ technique is alsowidely used by political militants during election campaigns”, p. 93.

160

intervenção ‘bélica’ suscita questões que seprendem com o velho binómio responsabilidade-liberdade agora postos em palco em contextosnovos. E a sua presença em guerras parecedoravante ser inevitável. Qual o significado ealcance político último destas intervenções deuma espécie de ‘metásteses’ de uma ‘sociedadecivil virtual’ de geometria variável, que se vaiformando e desfazendo à medida de causasconcretas que vão aparecendo? Coalitions of thespontaneously willing? Em todo o caso, um novo tipode ‘acção’ e de ‘participação política’ pareceestar a emergir, com o formato de ‘movimentospolíticos’ inusitado. Nem todas as ‘comunidadesvirtuais’ são “herbívoras”…

4f.

O rearmamento russo, a modernização, e a nova doutrina militarde Moscovo

A ‘guerra dos cinco dias’ na Geórgia sooualarmes em Moscovo – de um ponto de vistatécnico-militar. O que não é difícil decompreender. Como escreveu Dale Herspring133,“[f]rom the Russian military standpoint, the war in Georgia inAugust was a disaster. As one writer put it, ‘it turns out that a21st-century army did not go into battle -- it was a Soviet Armywith models from the 1960s and 1980s. For this reason, ratherthan a no-contact war, we had classical all-arms battles’”. Osmísseis Iskander (e tanto os SS-26 como os SS-

133 Dale Herspring (2008), “Russia's Military In The Throes OfChange”, Russia Profile.Org, 16 deDezembro,http://www.russiaprofile.org/page.php?pageid=CDI+Russia+Profile+List&articleid=a1229531182, a 17.12.08.

161

21) mostraram-se mais indiscriminados do queseria desejável134; aviões e helicópteros deataque ao solo demonstraram uma vulnerabilidadeinesperada; a interoperabilidade dosequipamentos falhou mais do que previsto; e aarticulação da military intelligence com as forçasoperacionais no terreno deixou, ao que parece,muito a desejar.

A acrescentar a alguns exemplos maisconcretos135: “the operation showed several Russianweaknesses. Systems in the area of C4ISR (command, control,communications, computers, surveillance and reconnaissance)were unsatisfactory. This led to an ambush of one column of the58th Army on 9 August, during which the commander of the 58thArmy, General Anatoly Khrulev, was wounded. It also led to poorcoordination between detachments, as well as difficulties inlocating enemy gun positions. The Georgian army’s superiorcapabilities in communications and electronic warfare enabled it,according to some sources, to suppress Russian communications.Russian troops also appeared to have limited scope for night-time operations, with few night-vision devices available forinfantry and tank detachments. One important discovery wasthat the Russian air force was unprepared for suppressing enemyair defences. The Georgians succeeded in creating a compact air-defence force in the conflict zone, as well as around Gori andTbilisi, using at least one or two battalions of Buk-M1 (SA-11) low-to high-altitude self-propelled SAM (surface-to-air-missile)134

? Embora,”[a]ccording to the Moscow Centre for Strategy and Technology Analysis(CAST), the Russian army used the Iskander-M tactical missile system and it proved highlyeffective in destroying military targets and infrastructure..”; citado emInternational Institute for Security Studies (2008), “Russia’s RapidReaction. But short war shows lack of modern systems”, Georgia Crisisspecial issue, volume 14, issue, 7 de Setembro, emwww.iiss.org/stratcom.

135 Citado no já referenciado International Institute for SecurityStudies (2008), op. cit..

162

systems, at least eight self-propelled launch vehicles for Osa-AK(SA-8B) low-altitude self-propelled SAM systems (two batteries),and six to ten self-propelled launch vehicles for Osa-AKM updatedSAM systems. On the first day of operations, Georgian air-defencesystems destroyed four Russian aircraft – a Tupolev Tu-22M3strategic bomber and three Sukhoi Su-25 attack aircraft. Thismeant that Russian aviation was all but absent from the combatzone on 9 August, although it reappeared on 10 August. TheRussian air force flew around 200 sorties during the five-dayconflict. The lack of night-vision equipment meant that itoperated mostly during the day, while the Georgian air force wasable to operate at night as well. Adding aircraft rumoured to belost […], plus those damaged beyond repair, the Russian airforce’s total losses could have exceeded ten aircraft. Ultimately,the Georgian air-defence systems in South Ossetia were destroyedby Russian infantry detachments, which captured at least six Buk-M1 and five Osa-AK or Osa-AKM self-propelled anti-aircraftsystems abandoned by the retreating Georgian army. Russianpilots had never rehearsed the disablement of air-defencesystems, largely because this had not been required during theconflicts in Chechnya. Problems in suppressing enemy air-defenceforces meant the Russian air force was unable to provide directsupport to its own troops. Even by 11 August, Russia had notcompletely achieved air dominance, and Georgian aircraft werestill attacking Russian troops and Tskhinvali”.

Porventura numa reacção directa a algumasdas deficiências detectadas, Vladimir Putinaprovou, logo em Setembro de 2008, um aumentodos meios financeiros necessários para olançamento de 6 novos satélites para reforçar oGLONASS, o homólogo russo do GPS. Foi feitatambém uma encomenda significativa de dronesTipchak, para orientação do tiro de artilharia.Resultado, seguramente, de lessons learned.

163

Outra coisa não seria de esperar, uma vezque Moscovo não levou a cabo nenhumamodernização sistemática das suas Forças Armadasna última dezena de anos – limitou-se aconstruir três navios. Agora pode fazê-lo,financeira e politicamente. E agora,militarmente, precisa de o fazer – e face àslessons learned na Geórgia e, por entreposta pessoa,no Iraque e no Afeganistão, sabe como o fazer. Enão deixou de o antedizer com rapidez e eficáciaperformativa.

Em inícios de Dezembro de 2008, o Ministroda Defesa da Rússia, Anatoly Serdyukov, anunciouuma reforma das Forças Armadas russas de grandefundo. O mais tardar em 2020 – tal é o projecto– os militares russos terão atingido o queapelidam de world standards. Uma verdadeira Revolutionin Military Affairs na Federação Russa. Será o Chefe doEstado-Maior General das Forças Armadas, e“Primeiro Vice-Ministro Adjunto da Defesa”, oGeneral Nikolai Makarov, que conduzirá aimplementação – e tem, para tanto, o apoioexpresso e incondicional de V. Putin e de D.Medvedev.

Para ver a dimensão do rearmamento e damodernização preconizadas neste ‘pós-Geórgia’,comecemos pelos números. Tornando a citar D.Herspring136 “[t]he officer corps is being cut from 355,000(there are 400,000 slots, but only 355,000 are filled at present) to150,000. The military will have 1 million troops under arms, andthat means one officer for every 15 soldiers (as opposed to thecurrent one for every 2.5). This means cutting the number ofgenerals from 1,107 to 886 (primarily in logistics, since much of136

? Idem.

164

that work will be civilianized), and colonels from 25,665 to 9,114.Majors will be cut from 99,550 to 25,000, while captains will gofrom 90,000 to 40,000 and all 140,000 warrant officers will beeliminated. The only rank to gain will be lieutenants, and they willgo up by 10,000. Even the hitherto sacred General Staff andDefense Ministry will take hits --- from 21,873 to 8,500. Physicalfitness tests are also being introduced, much to the chagrin ofMoscow's overweight officers: in the first part of 2008, 26 percentof all young officers tested failed. In addition, the number ofeducational institutions will be cut from 65 to three military andeducational centers, six academies, and one military university.Eighty percent of all military lawyers will be let go, and thenumber of physicians will drop from 7,967 to 2,200. By 2010, ifnot sooner, reformers hope Russia will have a 100 percentprofessional army, backed up by a reserve force of conscriptswho serve one year of active duty (which is hardly long enough tomaster modern military technology)”.

Depois dos dados quantitativos, osqualitativos, no plano da estrutura eorganização. Estão também em curso na Rússia oque Sergei Balashov137 apelidou de “major structuralmodifications” da instituição militar, como iremosver, no quadro de uma nova doutrina militar: oque é tão raro na Federação Russa como o era naantiga URSS138. Quais vão ser essas “modificações137 Sergei Balashov (2008), “Of Swords and Ploughshares”, RussiaProfile.Org, 26 de Dezembro.138

? Para as alterações ocorridas na primeira grande leva de mudança nadoutrina militar da Federação Russa depois do fim da ordem bipolar,ver Ole Kværnø (1999), “A New Russian Military Doctrine”, BalticDefense Review 2, 89-115, e, mais focado, Alexei Arbatov (2000), TheTransformation of Russian Military Doctrine. Lessons Learned from Kossovo and Chechnya,The Marshall Center Papers, no. 2. Para uma visão prospectiva deconjunto, ver a colectânea (ed.) Stephen (2001), The Russian Military intothe 21st Century, Frank Cass. Para uma leitura interpretativa dasmudanças pós-11 de Setembro de 2001 e das ligadas à segunda guerrana Chechénia, ver Andrei Shoumikhin (2003), The Russian Military’s New'Open Doctrine', National Institute for Public Policy. No que toca às

165

estruturais”? São sérias. Em vez de quartoníveis de comando agora existentes – “distritomilitar”, “exército”, “divisão”, e “regimento” –os russos passarão a ter apenas três – “distritomilitar”, “comando operacional”, e “brigada”.Mas talvez o mais inovador seja a decisão decriar um corpo de ‘oficiais não-comissionados’:uma mudança revolucionária para uma organizaçãotradicionalmente rígida, muitíssimohierarquizada, com enormes resistências aqualquer tipo de delegação de autoridade. Até aomomento, as tentativas de atracção de“kontraktniki” (soldados contratados) não temfuncionado a contento de ninguém (por causa desalários baixos e instalações residenciaisinadequadas)– embora o Kremlin esteja a envidaresforços para suprir as duas deficiências queidentificou. A 22 de Dezembro de 2008, o Primeiro-Ministro Vladimir Putin deu ordens ao Governopara que este alocasse “os fundos necessários”para um rearmamento, e que o fizesse de modo agarantir um controlo de qualidade eficaz sobre amudanças anunciadas no rescaldo da invasão da Geórgia de das lessonslearned neste último caso, ver o curto mas incisivo Dale Herspring(2008), “Russia's Military in the Throes Of Change”, Russia Profile.Org,16.12.08. O pano de fundo histórico é revelador: ver, assim, também,o importante Benjamin S. Lambeth (1978), How to Think About Soviet MilitaryDoctrine, RAND e, para o período pré-bipolar, Walter S. Dunn, Jr.(1995), The Soviet Economy and the Red Army 1930-1945, Praeger. Parauma avaliação-ponderação global da instituição militar russa e doseu peso específico e daquele que evidencia nos processos de tomadade decisão estratégicas, (eds.) Steven E. Miller and Dmitri Trenin(2004), The Russian Military. Power and Policy, The MIT Press, e David J.Betz (2004), Civil-Military Relations in Russia and Eastern Europe,RoutledgeCurzon; e, para o peso continuado da herança soviética napostura militar russa assumida na Ásia Central, ler Erica Marat(2007), “Soviet Military Legacy and Regional Security Cooperation inCentral Asia”, China and Eurasia Forum Quarterly, volume 5, no. 1, p. 83-114.

166

produção que irá ocorrer na área da defesa. Onúmero dois da Comissão Militar-Industrial doMinistério da Defesa russo, Vladislav Putilin,anunciou que a Rússia iria adicionar 70 misséisnucleares estratégicos ao longo dos próximostrês anos, efectivamente quadruplicando o seuoutput nuclear presente. O Ministério encomendarátambém mísseis de curto alcance, 300 tanques, 14vasos de guerra, 60 helicópteros militares e 50aviões de caça.

Nada disto é surpreendente. Como já notei,as Forças Armadas russas precisam de melhoriassubstanciais, depois do abandono relativo a queestiveram votadas durante a década de 90 e mesmodurante o primeiro mandato de Putin comoPresidente da Federação. Com a liquidezproveniente do petróleo, a situação começou aalterar-se. As despesas militares começaram asubir em flecha. Quadruplicaram nos últimoscinco anos, de 10 biliões de $US, em 2008, para40, em 2008. Mas este crescimento mostrou-seinsuficiente para efeitos da modernizaçãorequerida: como escreveu Balashov, “shortfalls wererevealed during the armed conflict with Georgia in summer,when it turned out the Georgian army actually outmatchedRussia in certain areas”139. O novo programa anunciadona semana do Natal de 2008 prevê investimentosda ordem dos 140 biliões de $US até 2011. Depoisde uma perda de cerca de 1 trilião de dólarescom a crise global no último quartel do ano,estes investimentos visam, também, reactivar aeconomia russa.

Tudo isto terá lugar no quadro de uma novadoutrina militar da Rússia. O Ministro Anatoly139

? S. Balashov (2008), op. cit., idem.

167

Serdyukov, num discurso proferido na penúltimasemana de Dezembro de 2008, lançou alguma luzsobre os ataques reais a que a Rússia pode vir ater de responder – e que justificariam esterápido rearmamento e reestruturação. SegundoSerdyukov, a finalidade é a de criar forçasmóveis, tanto marítimas como terrestres, demaneira a garantir a Moscovo a possibilidade decombater em “pelo menos três frentes emsimultâneo em conflitos locais e regionais comoo da Geórgia”140. O Director-Geral do Centro deInformação Política do Ministério da Defesa deMoscovo, Alexei Mukhin, sublinhou que “ apossibilidade era que tais conflitos pudessem

140

? Para textos que reflectem a consciência aguda das limitaçõesexistentes para a criação de uma verdadeira arquitectura desegurança na ‘linha da frente’ central, ou seja, do Cáucaso àfronteira chinesa, ver, para apenas dar dois exemplos, (eds.) JamesSperling, Sean Kay and S. Victor Papacosma (2003), Limiting Institutions.The Challenge of Eurasian Security Governance, Manchester University Press, e(eds.) M.E. Volten and B. Tashev (2007), Establishing Security and Stability inthe Wider Black Sea Area, IOS Press. Sem falar já da Chechénia , daIngushétia, e da própria Ossétia (agora Norte e Sul), todas elas ‘nocolo’ da Federação Russa. São numerosos os estudos sobre o durorelacionamento que a Rússia tem tido com a região da Chechénia.Algumas referências úteis incluem monografias pessimistas ‘de época’como Anatol Lieven (1998), Chechnya.Tombstone of Russian Power, YaleUniversity Press; Ben Fowkes (1998), Russia and Chechnia. The PermanentCrisis. Essays on Russo-Chechen Relations, Palgrave Macmillan; MatthewEvangelista (2002), The Chechen Wars. Will Russia Go the Way of the Soviet Union,Brookings Institution Press; Tracey C. German (2003), Russia's ChechenWar, RoutledgeCurzon. Para uma visão geral, que inclui aIngushétia, ver ainda Amjad Jaimoukha (2005), Chechens. A Handbook,RoutledgeCurzon. Faz falta um estudo genérico com o recuo analíticosuficiente para podermos pôr a situação geral do chamado Norte doCáucaso em boa perspectiva. Para uma muito elucidativa colectâneasobre o Islão russo, ver (eds.) Hilary Pilkington and GalinaYemelianova (2003), Islam in Post-Soviet Russia, RoutledgeCurzon.Paraoutra, mais recente, e sobre o Cáucaso em particular, (ed.) MosheGammer (2008), Ethno-Nationalism, Islam and the State in the Caucasus. Post-SovietDisorder, Routledge.

168

eclodir no prazo de um ano – oferecendo, assim,uma explicação para a pressa nos investimentos eno “procurement” militar anunciado. Mukhincorroborou, ainda, as declarações do seuMinistro, explicando que “[t]he military doctrine isswitching from considering the possibility of a global war withjust one adversary to preparing for a possible response to anumber of local conflicts”. Nada de muitosurpreendente, como vimos. “We’ve got quite a fewfragile political regimes and a global economic crisis, as well asthe growing tensions between the producers and consumers ofenergy. All of that makes it likely there will be an armedconflict”141, disse ainda Mukhin142. Agitprop mescladocom avisos à navegação?

Em todo o caso, o anúncio de umareformulação de peso da doutrina militar daFederação Russa foi feito com alarde e tónicasvariadas. Um exemplo valerá por todos: a 19 deDezembro de 2008, a agência RIA Novosti publicoua notícia de que “Russia's armed forces will get in 2009 anew military doctrine, meeting present-day realities as defined bynational security and foreign policy interests”. Para tantoforam dadas razões de fundo ligadas às mudançasno ambiente de segurança da Federação. Foi,designadamente, afirmado que, apesar da maioriados conflitos prevíseis serem de natureza local

141 Sibilinamente, foram referidos por Mukhin a China, oUzbequistão, a Ucrânia, e os Países Bálticos, como adversáriospotenciais de conflitos.Sem já aludir as contendas em que uma Rússiaressurgente se irá, quer queira quer não, envolver. Maas há mais.Três exemplos de frentes que os russos irão ter de defrontar: MarkBurles (1999), Chinese Policy Toward Russia and The Central Asian Republics, RAND;Susann Handke (2006), Geopolitics of the Sino-Khazak Pipeline, Clingendael,The Hague, Netherlands; Jonathan Holslag (2006), “China’s newmercantilism in Central Africa”, African and Asian Studies, volume 5, no.2, 133-169.142

? Ibid., S. Balashov (2008), op. cit..

169

ou regional, nem todos o são: “[i]t is to be hopedthat Russia's new military doctrine, while emphasising local andregional conflicts, will not lose focus on a large-scale nuclearconflict as probable in the current destabilised setting andinclude the missile defence system [norte-americano] amongexternal threats. In view of these factors, maintaining Russia'snuclear potential and its retaliation capability will be one of themain goals in guaranteeing its military security. To do so, it isnecessary to have top-class armed forces able to fight in everyenvironment and engage targets at any distance” 143. Maisuma vez um padrão elocucionário clássico – denovo um recado144.143

? Em RIA Novosti (19 de Dezembro de 2008), “Russia has a militarydoctrine for every occasion”, Russia Herald,http://story.russiaherald.com/index.php/ct/9/cid/871e5a31f6912bb3/id/444279/cs/1/ descarregado a 21.12.08.144

? É interessante colocar em paralelo a progressão da doutrinamilitar russa com a da política externa da Federação, dadas asenormes coincidências nos ritmos e nas inflexões de ambas. Emparticular, parece-me importante perceber a centralidade dorelacionamento da Rússia com os EUA no padronizar desta duplaprogressão. Para duas perspectivas sóbrias sobre o carácter menosideológico da política externa, mesmo se a de grandes potências, verJon Jacobson (1994), When the Soviet Union Entered World Politics, Universityof California Press, e Robert H. Donaldson and Joseph L. Nogee(1998), The Foreign Policy of Russia. Changing Systems, Enduring Interests, MESharpe, Inc.. Nunca foi grande a margem de manobra, mesmo a daRússia. Para uma leitura riquíssima das alterações necessáriasdepois da implosão da União Soviética, Alexei Arbatov (1993),“Russia's Foreign Policy Alternatives”, International Security, vol. 18,no. 2. pp. 5-43. O estudo de James M. Goldgeier and Michael McFaul(2004), Power and Purpose. U.S. Policy Toward Russia After the Cold War, BrookingsInstitution Press, retrata com segurança a evolução rápida dapolítica norte-americana vis à vis Moscovo pós-soviética. EmJonathan Monten (2005), “The Roots of the Bush Doctrine. Power,Nationalism, and Democracy Promotion in U.S. Strategy”, InternationalSecurity, vol. 29, no. 4, podemos avvaliar algumas das prinicipaisnovas tónicas da política externa norte-americana pós-bipolar. Parauma análise crítica da reacção de Vladimir Putin, logo no início dosanos 2000, ver Bertil Nygren (2008), The Rebuilding of Greater Russia. Putin'sforeign policy towards the CIS countries, Routledge.

170

Queria, agora, passar a considerações demaior generalidade e fundo sobre os impactos dainvasão da Geórgia pela Rússia em Agosto de2008.

4g.

A invasão da Geórgia, o ‘ressurgimento’ da Rússia, e o futuro

Se tomarmos estes constrangimentos múltiploscomo actuantes em simultâneo – e em muitossentidos eles são-no, ou seja, a Rússiaressurgente vai ver-se a braços com adversáriosvariados, em palcos diferentes, e tem de osenfrentar sem grandes meios, financeiros comomilitares – quererá isto dizer que acredibilidade de uma eventual ameaça russa anível global está inevitavelmente comprometida?Sim e não, a meu ver. Para o vislumbrar comnitidez, progridamos por exclusão de partes.Sejam quais forem os sonhos dos nacionalistasrussos, parece claro que a emergência de umaameaça da Rússia como nova potência hegemónicaglobal emergente está fora de questão. Édescabida a ideia de que os EUA poderiam, numfuturo previsível, ser destronados pela Rússia.

Tal como o está a pretensão de Moscovo de sevir a tornar num novo segundo pólo de umahipotética nova ordem internacional bipolar. ARússia, apesar das suas ainda enormes reservasfinanceiras e da sua aparente liquidez, não temmeios para tal, sejam eles económicos,militares, ou sequer político-ideológicos – se apostura renovada de grande potência de Moscovoteve algum efeito, ele foi, neste plano, no

171

essencial negativo, tendo em vista que a invasãoda Geórgia redundou num passo de monta nocaminho da descredibilização internacionalgeneralizada da Administração e das políticasrussas, que nem no CIS nem na Organização deCooperação de Shanghai conseguiram encontrar osapoios que buscaram para o reconhecimento daindependência da Abcásia e da Ossétia do Sul.Como Condoleezza Rice notou, de maneira acérbicae com forte dose de wishful thinking, a Rússiaarriscou tornar-se “irrelevante”, com a suaatitude.

Significará o que se passou – a actuaçãorussa e a relativa passividade “Ocidental” – quecaminhamos a passos largos para uma multi-polaridade diferenciada do ponto de vistafuncional: uma poliarquia com great powersmilitares (EUA e Rússia), outros económicos(EUA, UE, Japão, Índia, China, eventualmenteBrasil, e a própria Rússia), outros ainda‘culturais’, ou ‘civilizacionais’ (o “Ocidente”,o Islão, a China, a Índia)? Talvez. Embora mepareça que o centripetismo da globalização – pormuito que ela nos pareça ameaçada de momento,com insurgências ‘fundamentalistas’ político-militares reactivas e endémicas e crasheseconómico-financeiros cíclicos perigosos – tendea homogeneizar ao mesmo tempo que heterogeneíza.Este é o cenário mais provável. Mas reduzlargamente a Rússia a uma grande potênciaregional futura, cujo peso essencial se farásentir na sua ‘zona de influência’ – a do espaçopós-soviético e, porventura, a Europa com queconfina a Ocidente. A Federação Russa, depois deesculpida uma zona regional de influência, ver-

172

se-á rodeada de potências hostis com que terá delidar. O cenário é, portanto, o de uma Rússiaque, tanto aí como nos seus flancos Sul,islâmicos, e a Oriente, com a China, se irá verem apuros para exercer com facilidade a suaagora encetada hegemonia regional.

É, por tudo isso, implausível, que o‘desafio russo’ em cujo primeiro epicentroestamos, possa surtir efeitos imediatos. E,ainda que o continue tentar, não é decertolíquido que os consiga. Seria demograficamentepossível, em todo o caso, para uma Rússia emrápido desiquilíbrio populacional, projectar oseu hard power de maneira continuada, mesmo na sua“vizinhança próxima”, sem uma enorme dose de‘engenharia social e política’? Provavelmentenão. A expectativa média de vida dos homensrussos é de 58 anos – em larga medida por causado alcoolismo. Citando de novo a Oxford Analytica145

e Radu Dudau, é de sublinhar que, para alémdisso, as taxas de nascimento entre as mulheresque se identificam como russas até aos 35 anossão de 1,8, abaixo da chamada taxa desubstituição – os níveis mínimos de 2,1 quegarantem uma estabilidade demográficageracional. É nas repúblicas islâmicas daFederação, no Cáucaso do Norte (a Ingushétia,por exemplo), que as taxas de natalidade sãomais altas na Federação, com um estrondoso 4,1;segue-se-lhes a zona de fronteira com a China,no extremo-oriente russo. Nada disto étranquilizante para o Kremlin, seguramente.

145 Oxford Analytica (2008), “Russian Demographics”, The World Next Week, 8 a 14 de Novembro.

173

É certo que este crescimento demográficoassimétrico vai ser sobretudo preocupante aonível interno – até porque a assimetria que severifica é concentrada territorial, cultural ereligiosamente. No plano externo, dada apossibilidade de utilização das forças especiaismodernizadas e ‘profissionais’ cujo anúncioreferi (eficazes, com um pequeno número deefectivos) o problema manifestar-se-á decerto emmenor grau – pelo menos directamente. Note-se,no entanto, que mesmo assim o impacto indirectodo desiquilíbrio populacional russo é sério paraas suas ambições mais globais: a Rússia nãoconseguirá projectar externamente o seu hard powerde forma nem sustida nem eficaz se tiver, emsimultâneo, de lidar no seu interior, militar ousecuritariamente, com instabilidade num ou maisEstados da Federação – ou seja, o cenário futuromais plausível é o de uma Federação Russa queirá com rapidez ver aumentada a suavulnerabilidade a um imperial overstrech induzidopelos seus eventuais adversários. A adaptação,pela criação de forças especiais“profissionalizadas”, está efectivamente aacontecer, largamente em resultado das lessonslearned pelas autoridades de Moscovo com ainvasão da Geórgia em Agosto de 2008 – e ainsistência dos responsáveis do Kremlin empreparar as novas Forças Armadas em gestaçãopara que elas logrem ocorrer pelo menos trêscenários em simultâneo mostra a consciênciaaguda que Moscovo tem do facto146.

146 Ver Dale Herspring (2008), “Russia's Military In The Throes OfChange”, Russia Profile.Org, http://www.russiaprofile.org/page.php?pageid=CDI+Russia+Profile+List&articleid=a1229531182disponível em 17.12-08.

174

Em todo o caso, há que ter em mente que numMundo de interdependências uma ameaça, ou mesmoum risco, nunca vêm sozinhos. O Mundo está cadavez mais em rede. Tal como nas economias e nossistemas políticos e jurídicos, tal como nacultura e na ciência, também nas crises económicasse faz sentir uma integração global cada vezmaior, e o mesmo será seguramente o caso no quetoca aos conflitos, e aos desafios culturaiscentrífugos. É a própria ‘mecânica’ dainterdependência, como é inevitável, que a tantoconduz –a Grande Guerra de 1914-1918 foi oprimeiro conflito generalizado; a Segunda GuerraMundial envolveu ainda mais recantos do Mundo;muito há que sugere que o processo de‘mundialização dos conflitos’ irá continuar asua aceleração.

O que é que isto significa, no caso concretoda Rússia? Para a Rússia, as consequências dessacada vez maior interdependência de conflitos sãomuitíssimo perigosas. Vejamo-lo a contrario. Nem osEUA, nem a NATO, nem a UE, nem o o G-8 ou o G-20, nem uma eventual Liga ou Comunidade dasDemocracias, podem fazer frente, em simultâneo aum número substancial de ‘fogos’: e é isso queiremos todos ter de confrontar se a abertura deesta nova frente, oferecer, como já o está afazer, ‘janelas de oportunidade’ douradas – eessas brechas têm sido sensíveis desde Agosto de2008, para o Islão político radical, noAfeganistão, no Irão, no Paquistão, e com al-Qaedas147, o vazio de poder tem fomentado a147 Para uma discussão localizada mas do maior interesse sobreeventuais desafios que a Federação Russa irá de ter de confrontarnão ‘espaço pós-soviético’ da antiga soft belly da URSS, ver, portodos, Didier Chaudet (2008), “Islamist Terrorism in Greater Central

175

pirataria na costa da Somália, e o vácuo temsido explorado por uma Coreia do Norte teimosa,que depressa se insinuou na frincha aberta, ouem novas formas de sublevação que certamente nãodeixarão de aparecer – para todos os que estãodispostos a criar uma desordem terminal quealtere o Mundo ‘para assim criar um Mundomelhor’ ou que queiram assegurar proventospróprios com algum caos. O facto é que não hámecanismo sefectivos de governação global queconsigam estancar estes fenómenos de contágio –ao mesmo tempo que foram criadas as condições‘comunicacionais’ que os potenciam. O risco éenorme, mesmo para os movimentos políticos maisoportunistas, de se gerar uma situação em quetodos perdemos.

A verdade é que a Rússia pouco tem a ganharcom esta interdependência intensificada dosconflitos no quadro da globalização – apesar delhe poder parecer ter muitas cartas na mão.Infelizmnte, a sua posição estrutural pode levarMoscovo a laborar num erro de cálculo. É certoque, com a incursão georgiana que levou a cabo,a Rússia criou dificuldades a uma expansão do“Ocidente” (nomeadamente na direcção de umaUcrânia que parece fragmentada demais para umainclusão fácil no “Mundo democrático Euro-

Asia: The "Al-Qaedaization" of Uzbek Jihadism”, IFRI,Russie.Nei.Visions, no. 32, Dezembro. Chaudet fala aí, sobretudo, deentidades cada vez mais modulares e evanescentes de um ponto devista organizacional – e por isso muito mais difícies de controlar,ver o meu Armando Marques Guedes (2007), Ligações Perigosas. Conectividade,Coordenação e Aprendizagem em Redes Terroristas, Almedina, Coimbra – como oHizb ut-Tahrir e o Tablighi Jamaat, ambos presentes no Tajiquistão, noUzbequistão, e arredores. Ver, ainda, Didier Chaudet (2008), “Lamenace djihadiste en Grande Asie Centrale”, Politique Etrangère, no. 3:561-573.

176

Atlântico”) que lhe pode parecer uma garantia deque os seus

Mas será sempre uma vitória pírrica. Aposição de vantagem que a Rússia detém écircunscrita e com toda a probabilidade é sol depouca dura. Tendo em vista as reais capacidadesde Moscovo, o meio internacional em que a Rússiaestá imiscuída não é propício a apostas naquelesinteresses estratégicos ‘clássicos’ que, nummomento de revanche histórica, lhe podem parecermeritórios. Como também é verdade que o“Ocidente” precisa demasiado de umrelacionamento e de uma colaboração com a Rússia– nomeadamente no que diz respeito a linhas detransporte e apoio logístico ao esforço noAfeganistão e no Paquistão, ou até relativamenteà eventualidade de vir a ser preciso conter oIrão – e que isso dá a Moscovo uma margem grandeem que pode clamar uma vitória ‘estratégica’.Como o que o Kremlin fez depois de Agosto.

Decorre disto que, mesmo se olhadas ascoisas do simples ponto de vista dos ‘interessesnacionais’ russos imediatos, invadir a Geórgianão foi, linearmente pelo menos, uma boadecisão. A escolha moscovita de pôr o acentotónico no seu poder militar de modo a levar aomoinho dos seus interesses estratégicos no quevê como o seu near abroad – e a própria hipótesede Moscovo supor que com a incursão e oreconhecimento quase instantâneo das duas‘independências’ podia melhor defender essesinteresses nos palcos globais – não podem senãoter sido baseadas num equívoco na percepção queo Kremlin, e a opinião pública russa, têm de sipróprios. A capacidade de projecção externa

177

sustida do hard power que seria necessário paradefender os seus fins estratégicos de ‘grandepotência’ não existe na Rússia contemporânea.Mais tarde ou mais cedo, e de um ou de outromodo, os vizinhos que rodeiam a Federação vãoreagir. E os Estados Unidos da América, qualquerque seja a linha orientadora da novaAdministração, não vão querer permitir que umnovo pólo abertamente adversarial se constituano centro da grande Eurásia.

Revisitar a estratégia de afirmação deMoscovo desta óptica mais estreita de cepticismoé instrutivo. Conceitos ‘novos’ como o de“interesses especiais” russos soam demasiado aséculo XIX – e ligados à incerteza jurídico-internacional que então se vivia – para formaremuma qualquer verdadeira base convincente desustentação para o uso de um soft power normativoque a Rússia manteve em diversos meios‘terceiro-mundistas’, e em várias dasorganizações internacionais, como ‘legatária’ davelha União Soviética148; um soft power que temvindo a perder de maneira acelerada ao seembrenhar em aventuras expedicionárias além-fronteiras como foi a invasão da Geórgia, esobretudo o reconhecimento de dois novos148 Embora Moscovo esteja empenhada em reconstruir esse soft power pelavia de instrumentos de propaganda. Os externos estão ainda emconstrução. Mas, como escreveu há um par de anos Nicu Popescu,“[i]nside Russia, these ‘soft power’ weapons are older and better developed. Theycomprise media outlets, youth movements, internet websites, expert networks, regularconferences and even publishing houses. It is not difficult to see that such outlets are part ofthe same network. They have links to each other, and the same faces, commentaries andideas are simultaneously advanced by such outlets. They look like a network, but they arevertically integrated in a huge ‘public relations’ machine”. O artigo de N. Popescué muito detalhado quanto a este instrumentário. Em Nicu Popescu(2006), “Russia's soft power ambitions”, CEPS Policy Brief no. 115,Bruxelles.

178

‘Estados’ na sua vizinhança149. O que podeparecer ao Kremlin um benefício estratégico só oseria a curto prazo – e nem isso foi, dada arecusa internacional em ver nas acções russasmais do que a actuação de um novo rogue State empotência. Não é sequer evidente que Moscovovenha – como porventura terá esperado que viessea acontecer – a encaixar benefícios dorearranjo, que provocou, do jogo regional deinteresses no que toca às ‘políticas dehidrocarbonetos’; mesmo aí, as novasconfigurações emergentes – arranjos que‘compõem’ interesses nacionais arvorados comobandeiras pelos vários Estados da região, mastambém, como vimos, incluem apostas estratégicasmais políticas e de mais longo prazo, comoparece ser o caso com o Azerbaijão, e porventuraa Ucrânia, e até a Turquia – não favorecerãonecessariamente os desígnios da Rússia,quaisquer que eles sejam.

O que terá levado o Kremlin a um erro decálculo deste calibre? Para responder a estapergunta, quero voltar ao quadro genérico de‘percepção relacional’ em que desde o iníciodeste estudo tenho vindo a insistir – o dasleituras da conjuntura de cada um dos actores em149 Note-se que, um ano depois da declaração de independência doKosovo, a maior parte dos Estados membros das Nações Unidas(incluindo os Estados da Liga Árabe) não se tinham decidido quanto aesse reconhecimento – embora, como antes sublinhei, as situaçõestenham sido bastante diferentes uma da outra – e porventurafavoráveis a um mais rápido e fácil reconhecimento da independênciakosovar. O paralelismo estabelecido por Moscovo não tem uma realbase jurídica – nem, argumento, pretende tê-la. Trata-se, tão-só,como sublinhei, de uma asserção-exigência de ‘reciprocidade’ de uma‘grande potência’ regional, apostada em criar ‘zonas de influência’,por isso mesmo endereçada apenas a outras ‘grandes potências’; é umspeech act performativo e não uma declaração normativa comum.

179

causa. O entendimento das autoridades russas temsido em muitos sentidos atípico. Parece-me, emtodo o caso, que presumir que as acções deMoscovo responderam tão-somente a ‘escolhasracionais’, peca por simplificação face a factosmuito mais complexos do que os desenvencilháveispor meio dessa chave interpretativa simples – eque assume uma informação perfeita da conjunturae das suas implicações que Moscovo decerto nãoterá. Um segundo de atenção revela-o. Vale apena, para o efeito, que nos debrucemos sobre omuito específico “dilema de segurança” deMoscovo vis à vis a Washington, para compreendermoso peso que aí tem a percepção da ameaça sofrida– bem como as interpretações que, por essa via,levam a distorções nas escolhas efectuadas e nasua sequenciação. Uma mão cheia de exemplos põe-no em evidência, em larga medida ad absurdum.

Como Stephen Sestanovich observou comastúcia, o curso confrontacional e agonísticotomado pela Rússia em relação aos EUA não lograser inteiramente explicado pelo ‘desolamento’[traduzo deception] de Moscovo quanto aos low pay-offs dos últimos anos de cooperação entre uns eoutros. Do ponto de vista empírico, em termos de‘ganhos’ Washington forneceu muitos à Rússia:“[w]ithin a year of the attacks of September 11, 2001, Bush hasoffered Putin a new strategic arms treaty (which Putin has said heneeded for political reasons), shifted US policy on Chechnya fromcondemnation of Russia to understanding, recognized Russia asa market economy (an important step in easing bilateral tradedisputes), supported Russia’s accession to the World TradeOrganization, agreed to have Russia chair the G-8 […] for thefirst time, initiated a multibillion-dollar international version ofthe Nunn-Lugar program (a US effort launched in 1992 to help

180

dismantle weapons of mass destruction in the former SovietUnion), and upgraded Russia’s ties to NATO so that Russia’srepresentatives could participate on a more equal footing indeliberations on European security”150. A verdade é quetudo isto não chegou – ou o Kremlin fez mais doque contabilizar ganhos e perdas, ou incuiuoutras considerações na avaliação que fez. Emqualquer dos casos, há portanto que procurarnoutros domínios as raízes da nova políticarussa de confrontação que tanto veio alterar osganhos conseguidos, no quadro da relaçãobilateral, a partir de 2002.

Quais serão esses domínios? Para além detais pay-offs, aquilo que tem vindo aintensificar-se de forma razoavelmente clara temsido a percepção, por Moscovo, de que aestrutura do sistema internacional tal como elasedimentou depois do fim do Mundo bipolar – umaestrutura que o 11 de Setembro tem tornado cadavez mais nítida – não lhe assegura, de modonenhum, o nível esperado de ‘compatibilidadeestratégica’ por que anseia nos seus termosdoutrinários e cognitivos tradicionais e que sãotermos que cada vez se sentem mais amparados epotenciados por uma opinião pública à espera deuma solução salvífica face a expectativas que,nos últimos anos, se tornaram cada dia maisambiciosas.

Os passos dessa ‘cristalização de imagens’são fáceis de reconstruir. Vários foram osacontecimentos e tendências que, a pouco epouco, têm modificado de maneira sensível, desde2002, o posicionamento de uma política externarussa que, já em 2000, Vladimir Putin – guiado150 Stephen Sestanovich (2008), What Has Moscow Done? Rebuilding US-Russian Relations,” Foreign Affairs, November/December, pp. 16-17.

181

por uma visão quasi-messiânica de umressurgimento russo global – fizera a sua. Éfácil listá-los, pelo menos em linhas gerais e atraço grosso. Logo em 2003, 2004 e 2005, aoposição radical à entrada norte-americana noIraque (que Putin vislumbrou como uma intrusão ecomo uma retoma daquilo que, três anos e meioantes, a NATO tinha feito no Kosovo e naSérvia); o desconforto crescente sentido pelaaproximação progressiva, mas rápida einexorável, de uma NATO e de uma UE para juntodas fronteiras da Rússia – e, dentro das suas‘fronteiras nacionais’ históricas (as do CIS, ouseja as do espaço pós-soviético), o apoio àschamadas “colour Revolutions” na Ucrânia e naGeórgia; o reconhecimento “unilateral” do Kosovopor um “Ocidente” pressionado pelos norte-americanos; o desiquilíbrio ameaçador lido noprojecto de estabelecimento de um “escudo anti-mísseis” no interior do perímetro estratégico desegurança de uma Rússia habituada a criar buffersao seu redor o xadrez energético no Cáucaso e naÁsia Central, ou seja, no Mar Negro e no Cáspio– com a sua parafernália de bases militares deapoio à war on terror no Uzbequistão, na Kirguísia,e no Cazaquistão, ou seja, de novo, no interiordo campo de profundidade estratégica que advoganecessitar; – tudo isto militou em favor de umareacção generalizada que pressionou os decisorespolítico-militares russos a recuar e a descer doponto alto no relacionamento bilateral com osEUA que 2002 tinha soletrado.

A tudo isto se vieram juntar, naturalmente,propensões mais ‘clássicas’ como resultado de umnovo ambiente interno e externo de auto-estima

182

económica – por um lado, uma auto-estima emalta, internamente em larga medida vendida àopinião pública pelos esforços propagandísticosde Putin e dos seus siloviki, que insistiram, altoe bom som, que o ‘milagre’ decorria das suaspróprias políticas e não da subida internacionaldos preços da energia como efeito secundário daexplosão na procura chinesa e indiana e dastensões no Grande Médio Oriente; por outro lado,em resultado de propensões realistas maisclássicas, e congruentes, também, com apercepção, generalizada, de um enfraquecimentorelativo de uns Estados Unidos cada vez maisembrenhados num processo aparentemente imparávelde um imperial overstretch que uma coligação difusade inimigos parece apostada em intensificar demodo a torná-lo terminal.

A mistura foi explosiva. Do ponto de vistade Moscovo, ao reconhecimento de uma crescenteincompatibilidade estratégica sua comWashington, veio acrescentar-se a percepçãoclara de uma ameaça à sua segurança territoriale política. Adicionou-se-lhe, ainda, a ideia deque agora seria um bom momento para, interna eexternamente, reconstruir o relacionamentoexistente no quadro de um novo ‘jogo de somazero’ – a ser jogado num tabuleiro alterado deum modo tal que, da conjuntura relacional, aRússia poderia tirar vantagens suplementares:uma delas a de reconstruir um sentimento desegurança que tem vindo cada vez mais a ver comoprofundamente ameaçado. E Moscovo agiu. Oresultado nãofoi decerto o que Moscovo esperava:a conduta do Kremlin gerou uma atmosfera deconfrontação e falta de confiança. Mais uma vez

183

empowered, agora com a subida vertiginosa dospreços de hidrocarbonetos que exporta, a Rússiatem vindo a actuar como tem feito desde há pelomenos dois séculos. O padrão teve pouco de novo.Como é habitual, Moscovo mediu os ganhos e asperdas de uma conformação continuada com asestruturas que têm vindo a reger os seusrelacionamentos com o “Ocidente” – e concluiuque os ganhos podem hoje em dia ser maiores seenveredar por percursos relacionaisalternativos. Decorreu, daqui, uma série denovas opções – ou de novas tónicas em velhasopções – em matéria de política externa; eMoscovo assumiu-as como suas151.

Por quanto tempo e em que sentido? O que iráagora acontecer? A reorientação, ainda queparcial e mitigada, no carácter, na índole, enos pontos de aplicação do posicionamento

151 Cabe aqui fornecer algumas referências bibliográficassuplementares relativas à evolução e aos contornos da projecçãointernacional recente da Rússia. Um pano de fundo: (eds.) CathrynBrennan and Murray Frame (2000), Russia and the Wider World in HistoricalPerspective. Essays for Paul Dukes, Palgrave Macmillan. Maisespecificamente, Festus Eribo (2001), In Search of Greatness. Russia'sCommunications with Africa and the World, Ablex Publishing. Em progressãodiacrónica: John B. Dunlop (2003), The Rise of Russia and the Fall of the SovietEmpire, Princeton University Press; o notável Yegor Gaidar (2007,original 2006), Collapse of an Empire. Lessons for Modern Russia, BrookingsInstitution Press; uma estimativa ‘futurológica’, a de Daniel Yerginand Thane Gustafson (1994), Russia 2010. And What It Means for the World,Nicholas Brealey Publishing; Steven Rosefielde (2004), Russia in the 21stCentury. The Prodigal Superpower, Cambridge University Press; JakobHedenskog, Vilhelm Konnander, Bertil Nygren, Ingmar Oldberg andChrister Pursiainen (2005), Russia as a Great Power. Dimensions of securityunder Putin, Routledge; John M. Letiche (2007), Russia Moves into the GlobalEconomy, Routledge; (ed.) Roger E. Kanet (2007), Russia. Re-EmergingGreat Power, Palgrave Macmillan. Embora com grande variação nosenquadramentos escolhidos como pontos de partida e nos lugares dechegada, o surpreendente é o enorme grau de concordância entre todosestes autores.

184

exterior do Kremlin – uma reorientação queafecta muita da implantação da Rússia no Mundo,mas que põe o acento, sobretudo, norelacionamento de Moscovo com o “Ocidente”,tanto como seu contraponto privilegiado, quantocomo pièce de résistence da sua actuação performativa– muito provavelmente ir-se-á manter enquanto anova estratégia tiver sucesso. Ou seja, areorientação agonísitica da Rússia continuaráenquanto a escolha se mostrar capaz de garantiruma reprodução simples (ou, pelo menos, poucoturbulenta) dos dispositivos de poder instaladosno Kremlin e nas suas filiais, e enquanto lhefor possível satisfazer as expectativas – desdehá dois ou três anos em alta – que conseguiucriar na sua audiência (a sua ‘constituência”)doméstica. Mas tal não irá decerto acontecer demaneira linear. Nem porventura irá ser umprocesso pacífico. À medida que se vaiesboroando a base política e económica desta suareorientação político-posicional, como pareceinexoravelmente estar a ser o caso, a dissensãointerna irá com toda a probabilidade crescer aafirmar-se na Rússia, tal como se pode esperarvenha a acontecer com as pressões externas a queo Kremlin se vai cada vez mais ver sujeito.

A julgar pelo passado, as consequênciaspoderão não ser as melhores. A tendência podevir a ser a de que o relacionamento entre aRússia e o “Ocidente” endureça, segundo lógicasclássicas de poder e ascendência relacional – aomesmo tempo que, internamente, o Kremlin se podecontinuar a virar para formas de exercício de umpoder que se vê como “iluminado” e que seexprime em mecanismos cada vez mais

185

autoritários. Mas embora seja compreensível queesta tenha sido a leitura das elites ao leme deum Estado que detêem com mão firme, não é claroque esta deva ser a preocupação maior deMoscovo.

O que se pode então alvitrar quanto aodesenrolar da situação criada com a invasão daGeórgia? A Administração Medvedev-Putin pode terlogrado ganhos: designadamente um triunfo nafrente ‘anti-ocidental’ e até nos seus desígniostácticos face a uma segurança que lhe custa maisgarantir no seu próprio Cáucaso do Norte152. Osilêncio barulhento das opiniões públicas maisavessas ao projecto de consolidação do“Ocidente” e à hegemonia relativa dos norte-americanos – tanto as do espaço transatlânticocomo as do resto do Mundo, que têm por hábitofervilhar com indignação quando confrontada comactuações militares precisamente do tipo das deAgosto de 2008, desta feita mal se fizeram ouvir– corrobora esta hipótese. Como o reforça a

152 Na curta duração, note-se, uma relativa novidade. Ainda em 2004,um analista turco, Emre Ersen, pode escrever que “Putin has beensuccessfully implementing his vision of multi-polarism although his close relations with theAtlantic bloc within the framework of his multi-polaristic vision, though this does not suitDugin’s more confrontational foreign policy advice. Putin, from the very beginning of hispresidency, acted pragmatically and assessed the power relations between the Russian,Anglo-American, European and Chinese ‘poles’ in a realistic way, trying to keep himselfdistant from nationalistic or reactionary views. For the time being, the reactions of the othercountries to his recent doctrine also prove that Putin’s multi-polarism might create room ofmanoeuvre for Russian foreign policy. If he was to follow a more confrontational stanceagainst the Atlantic bloc, the current Putin doctrine might have renewed political tensionbetween Russia and the US, bringing a confrontation that Moscow would not be able toovercome because of the widened power gap between itself and Washington”; em EmreErsen (2004), “Neo-Eurasianism asd Putin’s ‘Multipolarism’ inRussian Foreign Policy”, Turkish Review of Eurasian Studies, Annual 4, pp.171-172. Muita água correu sob o moinho nos últimos anos, pelo queesta interpretação do ‘realismo Putiniano perdeu grande parte da suaplausibilidade.

186

reacção ‘herbívora’ de uma UE que não só nãologrou nem a união nem a firmeza necessárias,mas que ainda persistiu em retratar a suaprópria intervenção como mais uma vitória de umsoft power idealizado – uma atitude que resultatão-só de uma auto-representação que casa cadavez pior com conjunturas de great power politics deque, obviamente, somos mais espectadores do queactores. Quanto ao segundo, o de um maior graude controlo sobre o Cáucaso do Norte, talveztambém a Administração moscovita tenha encaixadodividendos. Mas a verdade é que sacrificou,nesses altares comparativamente secundários,interesses estratégicos mais amplos que muitoobviamente tem, e em cujos termos não pode nuncapermitir a iminência de uma explosão difícil decontrolar na faixa central de uma ‘linha dafrente’ que também é a sua – e muito menos devepotenciá-la, como parece poder ter feito porincaução. Como também é verdade que alienou um“Ocidente”, hostilizando-o em vez de com ele se‘engajar’ e, no processo, re-acordandodesconfianças compreensíveis num potencialaliado face a essa muito mais irreconciliável‘linha da frente’.

Vitórias circunscritas a palcos menores –por muito importantes que nos possam parecer –que redundem numa potencial degradação doambiente geral de segurança nas redondezas emque estamos inseridos desembocam, no fim do dia,em derrotas muitas vezes cobradas a preçosaltos. O Islão político radical ‘interno’ – naIngushétia, na Chechénia, nas zonas limítrofescom a fronteira chinesa – terão seguramentevisto as suas opções tácticas condicionadas

187

pelos re-arranjos que Moscovo logrou efectuar.Mas não foi assim com o islamismo externo – e,nele, em particular os agrupamentos maisradicais que serão tentados a encarar o Kremlincomo uma presa cada vez mais vulnerável e maisapetecível. A Europa e o “Ocidente” em geral nãotiveram, com nitidez, meios para estancar umregresso a power politics de consequênciasimprevisíveis. Para já. Mas o que Moscovoconseguiu seguramente foi dar algum fôlego a umaligação transatlântica que dele bem precisava –e que agora, mais do que nunca desde o fim daURSS, vê a Rússia como um adversário a conter.

As elites de Moscovo e de S. Petersburgo –as governamentais, os vários clusters de siloviki, eos oligarcas, três agrupamentos não mutuamenteexcludentes – circunscreveram excessivamente osquadros político-estratégicos em que calcularama sua actuação no Cáucaso do Sul. Agiram nostermos de uma percepção marcada pela experiênciahistórica que passou. Em resultado, nãoequacionaram tudo – embora tenham sidomagistrais naquilo que ponderaram – senão no quedepois, efectivamente, executaram, tantopolítica como militarmente. No médio e no longoprazo, a Rússia levou a cabo uma aposta táctica,e de alto risco, potencialmente perdedora – naconvicção de que estaria a levar a cabo umamanobra estratégica ganhadora. Oxalá nãotenhamos todos de a pagar – sobretudo nóseuropeus.

188

BIBLIOGRAFIA (ordenada por ordem cronológica epor autor)

Alan Moorehead (1956), Gallipoli, Ballantine Books.Joseph Nye (1990), “American Strategy afterBipolarity”, International Affairs vol. 66, no. 13,513-521.Benjamin S. Lambeth (1978), How to Think About SovietMilitary Doctrine, RAND.Alexei Arbatov (1993), “Russia's Foreign PolicyAlternatives”, International Security, vol. 18, no. 2.pp. 5-43. Jon Jacobson (1994), When the Soviet Union EnteredWorld Politics, University of California Press.Daniel Yergin and Thane Gustafson (1994), Russia2010. And What it Means for the World, Nicholas BrealeyPublishing.

189

H. Quan Chu and Wafik Grais (1994), MacroeconomicConsequences of Energy Supply Shocks in Ukraine, Studiesof Economies in Transition, paper no. 12, WorldBank.Walter S. Dunn, Jr. (1995), The Soviet Economy andthe Red Army 1930-1945, Praeger.Iver B. Neumann (1996), Russia and the Idea of Europe. Astudy in Identity and International Relations, RoutledgeLeonid Sverdlov (1996), “Russian Naval Officersand Geographical Exploration in Northern Russia(18th through 20th Centuries)”, Arctic Voice, no.11, 27. Zbigniew K. Brzezinski (1997), The Grand Chessboard.American Primacy and its Geostrategic Imperatives, BasicBooks.(eds.) Zbigniew Brzezinski and Paige Sullivan(1997), Russia and the Commonwealth of Independent States.Documents, Data, and Analysis, ME Sharpe Inc. Robert H. Donaldson and Joseph L. Nogee (1998),The Foreign Policy of Russia. Changing Systems, EnduringInterests, ME Sharpe, Inc..Taras Kuzio (1998), Contemporary Ukraine. Dynamics ofPost-Soviet Transformation, ME Sharpe, Inc..Anatol Lieven (1998), Chechnya. Tombstone of RussianPower, Yale University PressBen Fowkes (1998), Russia and Chechnia: the PermanentCrisis. Essays on Russo-Chechen Relations, PalgraveMacmillan. Ole Kværnø (1999), “A New Russian MilitaryDoctrine”, Baltic Defense Review 2, 89-115. Mark Burles (1999), Chinese Policy toward Russia and theCentral Asian Republics, RAND.Nikolas K. Gvosdev (2000), Imperial Policies andPerspectives Towards Georgia, 1760-1819, PalgraveMacmillan.

190

(eds.) Cathryn Brennan and Murray Frame (2000),Russia and the Wider World in Historical Perspective. Essays forPaul Dukes, Palgrave Macmillan.Sarah Birch (2000), Elections and Democratization inUkraine, Palgrave.Neil J.Melvin (2000), Uzbekistan. Transition toAuthoritarianism on the Silk Road, Harwood AcademicPublishers. Svat Soucek (2000), A History of Inner Asia, CambridgeUniversity Press.Roy Medvedev (2000), Post-Soviet Russia: a journey throughthe Yeltsin era, Columbia University Press.Vladimir Putin, Nataliya Gevorkyan, NatalyaTimakova, Andrei Kolesnikov (2000), An AstonishinglyFrank Self-portrait by Russia's President, Public Affairs.Dov Lynch (2000), Russian Peacekeeping Strategies in theCIS. The Case of Moldova, Georgia and Tajikistan, PalgraveMacmillan.Alexei Arbatov (2000), The Transformation of RussianMilitary Doctrine. Lessons Learned from Kossovo and Chechnya,The Marshall Center Papers, no. 2. Bülent Gökay (2000), The Politics of Caspian Oil,Palgrave Macmillan.Olga Oliker (2001), Russia's Chechen Wars 1994-2000.Lessons from the Urban Combat, RAND.John Sweetman (2001), The Crimean War, Osprey.(ed.) Stephen J. Cimbala (2001), The RussianMilitary into the 21st Century, Frank Cass.Stephen S. Saideman (2001), The Ties That Divide. EthnicPolitics, Foreign Policy, and International Conflict, ColumbiaUniversity Press.(ed.) Levon Chorbajian (2001), The Making ofNagorno-Karabagh. From Secession to Republic, PalgraveMacmillan.

191

Festus Eribo (2001), In Search of Greatness. Russia'sCommunications with Africa and the World, AblexPublishing.Svante E. Cornell (2001), Small Nations and GreatPowers. A Study of Ethnopolitical Conflict in the Caucasus,RoutledgeCurzon.Office of the President of the United States ofAmerica (2002), The National Security Strategy of the UnitedStates of America, Washington, disponível emhttp://www.whitehouse.gov/nsc/nss.pdf,recuperado a 20.09.08.(ed.) Peter van Ham and Sergei Medvedev (2002),Mapping European Security After Kosovo, ManchesterUniversity Press.Richard Rose and Neil Munro (2002), Elections withoutOrder. Russia's Challenge to Vladimir Putin, CambridgeUniversity Press.Matthew Evangelista (2002), The Chechen Wars. WillRussia Go the Way of the Soviet Union, BrookingsInstitution Press.Rick Fawn (2003), Realignments in Russian Foreign Policy,Frank Cass & Co., London. John B. Dunlop (2003), The Rise of Russia and the Fall ofthe Soviet Empire, Princeton University Press.Ian Jeffreis (2003), The Caucasus and Central AsiaRepublics at the turn of the Twenty First Century. A guide to theeconomies in transition, Allen & Unwin.Erik Berglöf, Andrei Kounov (2003), The New PoliticalEconomy of Russia, The MIT Press.Anton Steen (2003), Political Elites in the New Russia, thepower basis of Yeltsin’s and Putin’s regimes,RoutledgeCurzon.Anton Steen and Vladimir Gel’man (2003), Elites andDemocratic Development in Russia, Routledge.

192

Marshall I. Goldman (2003), The Piratization of Russia.Russian Reform Goes Awry, Routledge. David Satter (2003), Darkness at Dawn. The Rise of theRussian Criminal State, Yale University Press.Thomas Parland (2003), The Extreme Nationalist Threat inRussia. The Growing influence of Western Rightist ideas,RoutledgeCurzon.Andrei Shoumikhin (2003), The Russian Military’s New'Open Doctrine', National Institute for PublicPolicy.(eds.) Hilary Pilkington and Galina Yemelianova(2003), Islam in Post-Soviet Russia, RoutledgeCurzon.Jan Koehler and Christoph Zürcher (2003),Potentials of Disorder. Explaining Conflict and Stability in theCaucasus and in the Former Yugoslavia, ManchesterUniversity Press.Kevin Fewster et al. (2003, original 1985),Gallipoli. The Turkish Story, Allen & Unwin.Tracey C. German (2003), Russia's Chechen War,RoutledgeCurzon.(ed.) G. Gorodetsky (2003), Russia Between East andWest. Russian Foreign Policy on the Threshhold of the Twenty-First Century, Tel Aviv University. Roman Wolczuk (2003), Ukraine's Foreign and SecurityPolicy 1991-2000, RoutledgeCurzon.(eds.) James Sperling, Sean Kay and S. VictorPapacosma (2003), Limiting Institutions. The Challenge ofEurasian Security Governance, Manchester UniversityPress.Margot Light, John Löwenhardt and Stephen White(2003), “Russia and the Dual Expansion ofEurope”, in (ed.) G.Gorodetsky, Russia Between Eastand West. Russian Foreign Policy on the Threshhold of theTwenty-First Century: 56-70, Tel Aviv University.

193

J.T. Kotilaine (2004), Russia’s Foreign Trade andEconomic Expansion in the Seventeenth Century, KoninklijkeBrill NV, Leiden, The Netherlands.Emre Ersen (2004), “Neo-Eurasianism asd Putin’s‘Multipolarism’ in Russian Foreign Policy”,Turkish Review of Eurasian Studies, Annual 4: 135-172.(ed.) Moshe Gammer (2004), The Caspian Region.Volume I. A Re-emerging Region, Routledge.(ed.) Moshe Gammer (2004), The Caspian Region.Volume II. The Caucasus., Routledge.Clingendael (2004), Geopolitics and Oil Supply,Clingendael, The Hague, Netherlands.(eds.) Steven E. Miller and Dmitri Trenin(2004), The Russian Military. Power and Policy, The MITPress. David J. Betz (2004), Civil-Military Relations in Russiaand Eastern Europe, RoutledgeCurzon.Richard Sakwa (2008, original 2004), Putin. Russia'sChoice, 2nd edition, Routledge. James M. Goldgeier and Michael McFaul (2004),Power and Purpose. U.S. Policy Toward Russia After the ColdWar, Brookings Institution Press.Charles Billo and Welton Chang (2004),Cyberwarfare. An Analysis of the Means and Motivations ofSelected Nation States, Institute for Technology andSecurity Studies, Dartmouth College, encontradoemhttp://www.ists.dartmouth.edu/docs/cyberwarfare.pdf , a 21.12.08.Benjamin E. Goldsmith (2004), Imitation inInternational Relations. Observational Learning, Analogies andForeign Policy in Russia and Ukraine, Palgrave. Jenny Macleod (2004), Gallipoli. Making History, FrankCass.

194

Martin Gilbert (2004), “Churchill andGallipoli”, em Jenny Macleod (2004), Gallipoli.Making History, Frank Cass: 14-44.Steven Rosefielde (2004), Russia in the 21st Century. TheProdigal Superpower, Cambridge University Press.Robert E. Hunter and Sergey M. Rogov (2004),Engaging Russia As Partner And Participant The Next Stage ofNato-Russia Relations, RAND.Commission Staff Working Paper (2005), CountryReport. Georgia, SEC(2005) 288/3, Brussels.(ed.) Hans-Lukas Kieser (2005), Turkey BeyondNationalism, I. B. Tauris & Co.Marc Garcelon (2005), Revolutionary Passage. From SovietTo Post-Soviet Russia, 1985-2000, Temple UniversityPress.M. Steven Fish (2005), Democracy Derailed in Russia. TheFailure of Open Politics, Cambridge University Press.Jakob Hedenskog, Vilhelm Konnander, BertilNygren, Ingmar Oldberg and Christer Pursiainen(2005), Russia as a Great Power. Dimensions of security underPutin, Routledge.Amjad Jaimoukha (2005), Chechens. A Handbook,RoutledgeCurzon.(eds.) Femke Hoogeveen and Wilbur Perlot (2005),Geopolitical Changes and Energy, Clingendael, TheHague, Netherlands.Sinem Akgül Açikmeşe (2005), “Management ofSecurity in EU’s Neighborhood: Union’s TacticsRevisited”, Perceptions: 1-25, Ankara.(eds.) Oksana Antonenko and Kathryn Pinnick(2005), Russia and the European Union. Prospects for a NewRelationship, IISS.Jonathan Monten (2005), “The Roots of the BushDoctrine. Power, Nationalism, and Democracy

195

Promotion in U.S. Strategy”, International Security,vol. 29, no. 4.(eds.) Touraj Atabaki and Sanjyot Mehendale(2005), Central Asia and the Caucasus. Transnationalism andDiaspora, Routledge.Nikolai Petrov (2005), From Managed Democracy.Putin's regime evolution in 2005, PONARS Policy Memo No.396.Andrew C. Kuchins (2006), “Russian Democracy andCivil Society Back to the Future”, TestimonyPrepared for U.S. Commission on Security andCooperation in Europe, at Mark A. Smith (2006), “Sovereign Democracy. TheIdeology of Yedinaya Rossiya”, Conflict StudiesResearch Centre.Masha Lipman (2006), “Putin's 'sovereigndemocracy'”, The Washington Post, Saturday, July 15. Ivan Krastev (2006), “’Sovereign democracy’,Russian-style”, available at Opendemocracy.net,recuperado a 23-12-08. em http://www.cls-sofia.org/uploaded/1163753090__od161106.pdf _____________ (2007), “Balkan Deep Freeze. Whatthe Right Kosovo Precedent Might Look Like”, TheWall Street Journal, 2 de Fevereiro.Ariel Cohen (2006), Kazakhstan. Energy Cooperation withRussia. Oil, Gas and Beyond, GMB Publishing Ltd.Kelly M. McMann (2006), Economic Autonomy andDemocracy. Hybrid Regimes in Russia and Kyrgyzstan,Cambridge University Press.Yegor Gaidar (2007, original 2006), Collapse of anEmpire. Lessons for Modern Russia, BrookingsInstitution Press.Danila Bochkarev (2006), Russian Energy Policy DuringPresident Putin's Tenure. Trends and Strategies, GMBPublishing.

196

(eds.) Andreas Wenger, Jeronim Perovic andRobert W. Orttung (2006), Russian Business Power. TheRole of Russian Business in Foreign and Security Policy,Routledge.Nicu Popescu (2006), “Russia's soft powerambitions”, CEPS Policy Brief no. 115, Bruxelles.___________(1 de Dezembro de 2008), “The EU'ssovereign neighbours”, The European Council onForeign Relations.Jeffrey Mankoff (2006), “Vladimir Putin and theRe-Emergence of Russian Foreign Policy”,International Security Studies Certificate Paper Series, YaleUniversity, recuperado a 13.11.08 emhttp://www.yale.edu/macmillan/iac/security_papers/mankoff.pdf,. Susann Handke (2006), Geopolitics of the Sino-KhazakPipeline, Clingendael, The Hague, Netherlands.Jonathan Holslag (2006), “China’s newmercantilism in Central Africa”, African and AsianStudies, volume 5, no. 2, 133-169.Jan Hallenberg and Håkan Karlsson (2006), A NewStrategic Triangle. US, the EU and Russia in An EvolvingTransatlantic Security Environment, Routledge.Martin A. Smith (2006), NATO Russia Relations Since1991. From Cold War Through Cold Peace to Partnership,Routledge.Roderic Lynne, Strobbe Talbott, and KojiWatanabe (2006), Engaging with Russia, TheTrilateral Commission.Richard Weitz (2006), “Averting a New Great Gamein Central Asia”, The Washington Quarterly, 29, 3 pp.155–167.Eugene Rumer (2006), “The U.S. Interests andRole in Central Asia after K2”, The WashingtonQuarterly, 29, 3 pp. 141–154.

197

Kevin Rosner (2006), Gazprom and the Russian State,GMB Publishing Ltd.Richard Rose, William Mishler and Neil Munro(2006), Russia Transformed. Developing Popular Support for aNew Regime, Cambridge University Press. Olessia Koltsova (2006), News, Media and PoliticalPower in Russia, Routledge.Armando Marques Guedes (2006, original 2004),“Sobre a NATO e a União Europeia”, em ArmandoMarques Guedes, Estudos sobre Relações Internacionais:227-279, Instituto Diplomático, Ministério dosNegócios Estrangeiros, Lisboa Antes publicado emNação e Defesa 106: 33-76, Instituto de DefesaNacional, Ministério da Defesa, Lisboa. _______________ (2007), “A ‘Linha da Frente’. DoSudoeste dos Balcãs à Ásia Central”, Geopolítica,1: 19-77, Centro Português de Geopolítica,Lisboa.________________(2007), Ligações Perigosas.Conectividade, Coordenação e Aprendizagem em RedesTerroristas, Almedina, Coimbra.Ronald Park Bobroff (2006), Roads to Glory. LateImperial Russia and the Turkish Straits, I.B. Tauris & Co.Bülent Gökay (2006), Soviet Eastern Policy and Turkey,1920-1991. Soviet Foreign Policy, Turkey and Communism,Routledge.Marcel de Haas (2006), Geostrategy in the SouthCaucasus. Power play and energy security of states andorganizations, Clingendael, The Hague, Netherlands.Liana Jervalidze (2006), Georgia. Russian ForeignEnergy Policy and Implications for Georgia's Energy Security,GMB Publishing Ltd.Harold Elletson (2006), Baltic Independence and RussianForeign Energy Policy, GMB Publishing Ltd.

198

(ed.) Maureen Perrie (2006), The CambridgeHistory of Russia, Volume 1. From Early Rus’ to 1689,Cambridge Univerity Press.(ed.) Dominic Lieven (2006), The CambridgeHistory of Russia, Volume 2. Imperial Russia, 1689-1917, Cambridge Univerity Press.(ed.) Ronald Grigor Suny (2006), The CambridgeHistory of Russia, Volume 3. The Twentieth Century,Cambridge Univerity Press.Andreas Marchetti (2006), “Widening withoutEnlarging. The European Neighbourhood Policy andthe South Caucasus”. descarregado a 20.10.08, dosite da European Stability Initiative, emhttp://www.esiweb.org/index.php?lang=yu&id=198, Ingo Peters e Jan Bittner (2006), “EU–US RiskPolicy in the European Neighborhood: the casesof Moldova and Georgia”, in (ed.) Kari Möttöla,Transatlantic Relations and Global Governance, BrookingsInstitution.Olena Viter, Rostyslav Pavlenko and MykhayloHonchar (2006), Ukraine. Post-Revolution Energy Policy andRelations with Russia, GMB Publishing Ltd.Sergei Prozorov (2006), Understanding Conflict betweenRussia and the EU. The Limits of Integration, PalgraveMacmillan. O.S. Stokke (2006), “A legal regime for the Arctic? Interplay with the Law of the Sea Convention.” Marine Policy, vol. 31, pp. 402-408.Brian L. Davies (2007), Warfare, State and Society on theBlack Sea Steppe, 1500-1700, Routledge.Arne Hofmann (2007), The Emergence of Détente in Europe.Brandt, Kennedy and the formation of Ostpolitik, Routledge.Sanam S. Haghighi (2007), Energy Security. The ExternalLegal Relations of the European Union With Major Oil- And Gas-Supplying Countries, Hart Publishing.

199

Robert Amsterdam and Andrei Illarionov (2007),“Oil and Freedom in the New Russia”, Cato Institute,recuperado a 22.12.08, emwww.cato.org/pubs/policy_report/v29n1/cpr29n1-4.pdRobert Skidelsky (2007), “‘Liberal Empire’ vs‘Sovereign Democracy’”, Vedomosti, Wednesday, 30de Maio. Tomas Janeliūnas (2007), “Yet another attempt todefine Russia's regime”, Lithuanian Foreign PolicyReview 18.John M. Letiche (2007), Russia Moves into the GlobalEconomy, Routledge.(ed.) Roger E. Kanet (2007), Russia. Re-EmergingGreat Power, Palgrave Macmillan.Luís Tomé (2007), "O Grande Jogo Geopolítico nosEspaços do ‘Espaço Pós-Soviético’" in Geopolítica,Centro Português de Geopolítica, no 1: 187-240.Erica Marat (2007), “Soviet Military Legacy andRegional Security Cooperation in Central Asia”,China and Eurasia Forum Quarterly, Volume 5, No. 1, p.83-114.Mary Kaldor, Terry Lynn Karl and Yahia Said(2007), Oil Wars, Pluto Press.Valerie J. Bunce and Sharon L. Wolchik (2007),“Azerbaijan's 2005 Parliamentary Elections. AFailed Attempt at Transition”, um paper nãopublicado ‘prepared for CDDRL Workshop on ExternalInfluences on Democratic Transitions. StanfordUniversity’, que teve lugar a 25-26 de Outubrode 2007, e disponível online no site da CDDRL.Commission of the European Communities (11 deAbril de 2007), “Black Sea Synergy – a newregional cooperation initiative”, Communicationfrom the Commission to the Council and the European

200

Parliament on Black Sea Synergy, Bruxelles,descarregado em 14.11.08,http://ec.europa.eu/world/enp/pdf/com07_160_en.pdfRobert Skidelsky (2007), “‘Liberal Empire’ vs‘Sovereign Democracy’”, Vedomosti, 30 de Maio. Christophe-Alexandre Paillard, "Gazprom, theFastest Way to Energy Suicide", Russie.Nei.Visions,n.17, Março de 2007.Jérôme Guillet (2007), Gazprom as a Predictable Partner.Another Reading of the Russian- Ukrainian and RussianBelarusian Energy Crises, Russie.Nei.Visions, n.18, March2007._____________ (2009), “Ukraine-Russia gas spat:some background and context”, Russia Profile.org, 5de Janeiro.Vladimir Frolov (2007), “The Coming Conflict inthe Arctic”, Russia Profile.Org, recuperado a19.12.08, no dia 17 de Julho, emhttp://www.russiaprofile.org/page.php?pageid=International&articleid=a1184076124.Michelle Comelli (2007), “Building Security inits Neghbourhood through the EuropeanNeighbourhood Policy?”, in European Union StudiesAssociation (EUSA), paper apresentado na 10thBiennial Conference, May 17-19, Montreal,Canada. Descarregado a 20.10.08 emhttp://aei.pitt.edu/7787/01/comelli-m-02b.pdf,do site da University of Pittsburgh.(eds.) Katlijn Malfliet, Lien Verpoest andEvgeny Vinokurov (2007), The CIS, the EU and Russia.Challenges of Integration, Palgrave Macmillan.Ivan Krastev e Mark Leonard (2007) “New WorldOrder: The Balance of Soft Power and the Rise of

201

Herbivorous Powers”, Policy Brief, European Councilon Foreign Relations, London, (disponível online).Simon Clarke (2007), The Development of Capitalism inRussia, Routledge.Vladimir Shlapentokh with Joshua Woods (2007),Contemporary Russia as a Feudal Society. A New Perspective onthe Post-Soviet Era, Palgrave Macmillan.Joel M. Ostrow, Georgiy A. Satarov, and Irina M.Khakamada (2007), The Consolidation of Dictatorship in Russia.An Inside View of the Demise of Democracy, PraegerSecurity International. (eds.) M.E. Volten and B. Tashev (2007),Establishing Security and Stability in the Wider Black Sea Area,IOS Press.Saumya Mira et al. (2007), The Caucasian Tiger.Sustaining Economic Growth in Armenia, World Bank.Armine Ishkanian (2008), Democracy Building and CivilSociety in Post-Soviet Armenia, Routledge. (ed.) Moshe Gammer (2008), Ethno-Nationalism, Islamand the State in the Caucasus. Post-Soviet Disorder,Routledge.Marshall I. Goldman (2008), Petrostate. Putin, Power,and the New Russia,Oxford University Press.Boris Najman, Richard Pomfret and Gaël Raballand(2008), The Economics and Politics of Oil in the Caspian Basin.The Redistribution of Oil Revenues in Azerbaijan and CentralAsia, Routledge.Mitchell D. Silber and Arvin Bhatt (2007),Radicalization in the West. The Homegrown Threat, New YorkPolice Department.Chatam House International Law Discussion Group(14 de Fevereiro de 2008), “The Arctic andClimate Change”, Chatam House, disponível emhttp://www.chathamhouse.org.uk/files/11110_il140208.pdf, descarga a 21.12.08.

202

Russian Analytical Digest 40/08 (8 de Maio de2008), Russia and the Frozen Conflicts of Georgia, númeroespecial, em www.res.ethz.chGadi Evron (2008), “Battling Botnets and OnlineMobs. Estonia’s Defense Efforts during theInternet War”, Science & Technology, Inverno-Primavera, disponível online.Jayantha Dhanapala (2008), “Arctic SecurityProblems. A Multilateral Perspective”, uma PublicLecture no Simon Fraser University, a 12 de Marçode 2008, deste antigo Embaixador do Sri Lanka,emwww.gsinstitute.org/pnnd/events/Pugwash2008/pres_ arctic _Dhanapala.pdf disponível a 21.12.08 .Aurel Braun (2008), NATO-Russia Relations in the Twenty-First Century, Routledge.Alexander Cooley (2008), “Principles in thePipeline. Managing transatlantic values andinterests in Central Asia”, International Affairs 84 6(2008), 1173–1188.Sven Biscop and Jan Joel Andersson (2008), The EUand the European Security Strategy. Forging a Global Europe,Routledge.Ivan Krastev (2008), The Crisis of the Post-Cold WarEuropean Order, The German Marshall Fund of theUnited States.Ron Asmus and Tod Lindberg (2008), “Rue de laLoi. The Global Ambition of the EuropeanProject”, working paper, The Stanley Foundation.Ron Asmus e Mark Leonard (03 de Junho de 2008),“Get involved over Georgia or invite a war”,artigo publicado nos Financial Times, St PetersburgTimes e Weekendavisen (Dinamarca), disponívelonline.

203

Dmitry Medvedev (2006), “Nationalization of theFuture”, Expert, 43: 537, 24 de Julho.__________________(12 de Julho de 2008), “TheForeign Policy Concept of the RussianFederation”, Kremlin. President of Russia, tirado dehttp://www.norway.mid.ru/news_fp.html a13.11.08._________________(2008), “Speech at the Meetingwith Russian Ambassadors and PermanentRepresentatives to International Organisations”,15 de Julho de 2008, Kremlin. President of Russia,http://www.kremlin.ru/eng/speeches/2008/07/15/1121_type82912type84779_204155.shtml, recuperado a10.11.08.Nadia Arbatova (2008), “Regional Cooperation inthe Black Sea Area in the Context of EU-RussiaRelations”, Xenophon Papers 5, ICBSS.Vladimir Socor (2007), “South Stream: Gazprom’sNew Mega Project,” Eurasia Daily Monitor, vol. 4, no.123, 25 de Junho. __________ (2008), “Azerbaijan Hosts EnergySummit”, Eurasia Daily Monitor, vol. 5, no. 220, 17de Novembro.__________ (2008), “Addressing Naval Imbalancein the Black Sea After the Russian-GeorgianWar,” Eurasia Daily Monitor, vol. 5, issue 227, 24 deNovembro._____________2008), “Azerbaijan Quietly LendingImpetus to Nabucco Project,” Eurasia Daily Monitor,vol. 5, issue 228, 2 de Dezembro. Stephen Blank, Eugene Ivanov, James Jatras,Yelena Miskova, Andrei Tsygankov e Ethan S.Burger (2008), “Russia Profile Weekly ExpertsPanel: Waging War on Georgia”, Russia Profile Weekly,em www.Russia Profile.org

204

Felix K. Chang (2008), “Russia Resurgent. Aninitial look at Russian military performance inGeorgia”, Foreign Policy Research Institute: 1-6,http://www.fpri.org/enotes/200808.chang.russiaresurgentgeorgia.html (descarregado a 22.10.08),Philadelphia. Andrew Finkel (2008), “Georgia and TurkishAmbivalence,” Today’s Zaman, 12 de Agosto.Fariz Ismailzade (2006), Russia's Energy Interests inAzerbaijan. A comparative study of the 1900s and the 2000s,GMB Publishing Ltd.______________ (2008), “The Georgian-RussianConflict Through the Eyes of Baku”, Eurasia DailyMonitor, vol. 5, issue 154, 12 de Agosto. Tadeusz Swietochowski (2008), Encyclopedia ofAzerbaijan, Scarecrow Press.Misha Glenny (14 de Agosto de 2008), “Superpowerswoop”, New Statesman, emhttp://www.newstatesman.com/print/200808140018(16.11.08).Ian Traynor (16 de Agosto de 2008), “Six daysthat broke one country – and reshaped the worldorder”, The Guardian, London (online).Mike Collier (2008), “Estonia helps Georgia incyber war”, The Baltic News, na sua edição de 16 deAgosto, disponível emhttp://www.baltictimes.com/news/articles/21124,a 15-12-09.Aaron Mannes e Jim Hendler (2008), “Russia-Georgia CyberWar Assessment”, The Guardian Online,22 de Agosto.Roy Allison (2008), “Russia vs Georgia: TheFallout”, International Crisis Group, Europe Report195, 22 de Agosto.

205

Dimitrios Triantaphyllou (2008), “The Crisis inthe Caucasus - a new world order emerges”,descarregado a 20.09.08, a partir dehttp://dimitriosworld.blogspot.com/2008/08/crisis-in-caucasus-new-world-order_28.html Dimitrios Triantaphyllou e Yannis Tsantoulis(Outubro de 2008), Looking Beyond the Georgian Crisis:The EU in Search of an Enhanced Role in the Black Sea Region,ICBSS, Policy Brief no. 8, Athens.Fariz Ismailzade (2008), “The Georgian-Russianconflict seen through the eyes of Baku(Azerbeijan)”, Eurasia Daily Monitor, JamestownFoundation, Washington. ______________(2008), “Baku Emphasizes Economicand Humanitarian Assistance to Georgia”, EurasiaDaily Monitor, volume 5, issue 238, 15 de Dezembro.Zeyno Baran (29 de Agosto de 2008), “Will TurkeyAbandon NATO?”, The Wall Street Journal, New York(online). Sergey Markedonov (2008), “Caucasus ConflictBreaks Old Rules of the Game” Russian AnalyticalDigest, 45: 2-6, Zurich, www.res.ethz.ch(20.09.08).________________ (14 de Agosto de 2008), “A NewPrecedent Set. The South Ossetian War Turns aNew Page in post-Soviet History”, emRussiaProfile.org,http://www.russiaprofile.org/page.php?pageid=International&articleid=a1218740160&print=yes, descarregado a 10.11.08.______________ (24 de Setembro de 2008),“Georgia's Nation-State Project Fails”, StrategicCulture Forum, Moscow, (online).Ian Lesser (2008), “After Georgia. Turkey'sLooming Foreign Policy Dilemas”, The German

206

Marshall Fund of the United States. Analysis, Washington, emwww.gmfus.org (09.11.08)._________ (2008), “Turkey and the GlobalEconomic Crisis”, The German Marshall Fund ofthe United States.Emre Erdoğan (2008), “Two Roads Diverge in theSouth Caucasus”, The German Marshall Fund of theUnited States.Charles King (2008), “A comprehensive look atwhat's happening in Georgia and why...”, School ofForeign Service, Georgetown University, emhttp://www.salon.com/ (20.09.08).___________(2008), “The Five-Day War,” ForeignAffairs, November/December.Conselho de Segurança das Nações Unidas (2008),“The Situation in Georgia”, transcrição dasActas da Reunião de Emergência do Conselhoquando do reconhecimento pela Rússia daindependência da Ossétia do Sul e da Abcásia,que teve lugar a 28 de Agosto de 2008,http://www.undemocracy.com/securitycouncil/meeting_5969 (09.11.08).Stuart Koehl (14 de Agosto de 2008), “The PainGame. A military Response to Russia'sAggression”, The Weekly Standard (online).Ariel Cohen (2008), “Russian-Georgian War is aChallenge for the U.S. and the World”, HeritageFoundation, (online). David Eshel (2008), “Russian Mediterranean NavalBuild-Up Challenges NATO Sixth FleetDomination”, em Defense Update. International OnlineDefense Magazine, recuperado a 10-12-08 emhttp://www.defense-update.com/analysis/analysis_091207_navy.htm

207

George Friedman (2008), “The Medvedev Doctrineand American Strategy”, Stratfor. Geopolitical IntelligenceReport (2 de Setembro),http://www.stratfor.com/weekly/medvedev_doctrine_and_american_strategy (20.09.08).Oxford Analytica, “Why side with Saakashvili?”,The World Next Week, Setembro, semana de 6 a 12,recuperado a 19.12.08.http://www.oxan.com/worldnextweek/2008-09-04/isgeorgiaworthsupporting.aspx International Institute for Security Studies(2008), “Russia’s Rapid Reaction. But short warshows lack of modern systems”, Georgia Crisisspecial issue, volume 14, issue, 7 de Setembro,em www.iiss.org/stratcomJohn Daly (2008), “Naval Implications of theSouth Ossetian Crisis,” Eurasia Daily Monitor, vol.5, issue 173, September 10.Carlos Pascual e Steven Pifer (11 de Setembro de2008), “Securing Georgia”, The Brookings Institution,(online).Clifford G. Gaddy (11 de Setembro de 2008), “HowNot To Punish Moscow”, The Brookings Institution,(online).Michael E. O'Hanlon (11 de Setembro de 2008),“Russia and the Future”, The Brookings Institution, (nosite que tem online).Sergey Lavrov (2008), Address by Sergey Lavrov,Foreign Minister of the Russian Federation, atthe 63rd Session of the UN General Assembly, 27de Setembro. ____________(Outubro de 2008), “Face to Facewith America: Between Non-Confrontation andConvergence”, Profile, no. 38, disponível edescarregado a 16.11.08 no site da Embaixadora

208

russa em Oslo,http://www.norway.mid.ru/news_fp/news_fp_95_eng.htmlRob Huebert (2008), “Multilateral versusUnilateral Actions: Balancing the needs forInternational Governance in the New Arctic”,position paper for the 5th NRF open Assembly,September 24th-27th, em http://www.nrf.is/Open%20Meetings/Anchorage/Position%20Papers/Huebert_5thNRF_position_paper_session1%20(2).pdf ,descarregado a 21 12.08Congressional Research Service (CRS),actualizado por Jim Nichol (7 de Outubro de2008), Russia-Georgia Conflict in South Ossetia: Context andImplications for U.S. Interests, Washigton, disponívelonline. Adrian A. Basora e Jean F. Boone (Outubro de2008), “The Georgia Crisis and ContinuingDemocratic Erosion in Europe/Eurasia”, ForeignPolicy Research Institute, disponível paradescarga a 15.12.08, emhttp://www.fpri.org/enotes/200810.basoraboone.georgiacrisis.htmlIgor Torbakov (2008), “The Georgia Crisis andthe Russia-Turkey Relations”, JamestownFoundation, recuperado a 10.12.08 emhttp://www.jamestown.org/uploads/media/Torbakov_Russia_Turkey.pdfGeorgia Update, Government of Georgia (9 deOutubro de 2008), Russian Invasion of Georgia. RussianCyberwar on Georgia, disponível emhttp://hostexploit.com/downloads/CYBERWAR-%20fd_2_new.pdf, consultado em 17.12.08.Paul Goble (15 de Outubro de 2008), “TurkeyReturns to a Transformed Transcaucasus”,

209

Azerbeijan in the World. ADA Biweekly Newsletter, Baku(online). _________ (2008), “Is Iran the Main Beneficiaryof the Russian-Georgian War?”, Azerbaijan’s DiplomaticAcademy Biweekly Newsletter, Vol. I, No. 21, December1. Brian Krebs (16 de Outubro de 2008), “RussianHacker Forums Fuleled Georgia Cyber Attacks”,Security Fix, The Washington Post,http://voices.washingtonpost.com/securityfix/2008/10/report_russian_hacker_forums_f.html?nav=rss_blog, recuperado a 21.12.08.Peter Rutland (2008), “The Impact of the GlobalFinancial Crisis on Russia,” Russian Analytical Digest48, 17 de Outubro.Nicu Popescu, Mark Leonard, e Andrew Wilson(2008), “Can the EU win the Peace in Georgia?”,Policy Brief, European Council on Foreign Relations,London (online).Amnesty International,

Amnesty International (November 2008), Civilians inthe Line of Fire. The Georgia-Russia Conflict, AmnestyInternational Secretariat, United Kingdom.Igor Torbakov (2008), “The Georgia Crisis ad theRussia-Turkey Relations”, Jamestown Foundation,recuperado a 10.12.08, emhttp://www.jamestown.org/uploads/media/Torbakov_Russia_Turkey.pdfOxford Analytica (2008), “Russia-VenezuelaTies,” The World Next Week, November 22-28.Emrullah Uslu (2008), “Turkey and Iran SignAccord on Natural Gas Cooperation”, Eurasia DailyMonitor, vol. 5, issue 223, 21 de Novembro. Pavel Baev (2008), “Virtual Geopolitics inCentral Asia: US-Russian Cooperation vs.

210

Conflict of Interests”, Security Index no.1 (83),vol 14: 29-36.Julianne Smith (2008), The NATO-Russia Relationship.Defining Moment or Déjà Vu, CSIS & IFRI.Oxford Analytica (2008), “Russian Demographics,”The World Next Week, 8 a 14 de Novembro.Laurence Ifrah (2008), “‘Hacktivism’—a newthreat?”, Défense nationale et sécurité collective, Paris,Novembre: pp. 91-99, em www.defnat.com,descarregado a 02.01.09.Roman Kupchinsky (2008), “A New UkrainianRussian Gas Confrontation,” Eurasia Daily Monitor,vol. 5, issue 225, 24 de Novembro.____________(2009), “Gazprom Stops GasDeliveries to Ukraine—What Next?”, RussiaProfile.org, 5 de Janeiro.Arkady Ostrovky (2008), “Special Report onRussia”, The Economist, número de Novembro 29 a 5de Dezembro.NATO (2 e 3 de Dezembro de 2008), Final communiqué,Meeting of the North Atlantic Council at thelevel of Foreign Ministers held at NATOHeadquarters, Brussels; o longo texto integralestá disponível emhttp://www.nato.int/docu/pr/2008/p08-153e.htmlSteven Erlanger (2008), “NATO Chief Defends Re-Engagement with Russia”, International Herald Tribune,3 de Dezembro.Taras Kuzio (2008), “Ukraine Beefs Up ItsMilitary Defenses with an Eye on Russia,” EurasiaDaily Monitor, vol. 5, issue 232, 5 de Dezembro.David Liakos and Joseph Szela (2008), “ArcticSovereignty”, International Law Commission,descarregado de stjohnsprep.org a 21.12.08.

211

Juan Morán-López (2008), “The Arctic Ocean”, emwww.ce.utexas.edu/prof/mckinney/ce397/Topics/ Arc tic / Arctic ( 2008 ).pdf , recuperado a 21.12.08.Beth Chalecki (2008), “Climate Change in theArctic and its Implications for U.S. NationalSecurity”, Tufts University Fletcher School of Law &Diplomacy, recuperado emhttp://fletcher.tufts.edu/maritime/documents/ArcticSecurity.pdf, a 21.12.08. Roy Allison (2008), “Russia Resurgent? Moscow’sCampaign to ‘Coerce Georgia to Peace’”,International Affairs, vol. 84, no. 6, p. 1157.Commission of the European Communities (2008),The European Union and the Arctic Region, Brussels,20.11.2008, COM(2008) 763 final, communicationfor the Commission to the European Parliamentand the Council, disponível a 21.11.08, emhttp://www.europa-kommissionen.dk/upload/application/8a4b7e1e/uuu.pdf.Jacob Kramer-Duffield (8 de Dezembro de 2008),“Cyber-War and Non-State Actors”, digital safety,descarregado a partir dehttp://blogs.law.harvard.edu/digitalnatives/2008/08/12/cyber-war-and-non-state-actors/ , a18.12.08.Pavel Felgenhauer (2008), “Little Room forCompromise over the Missile Defense”, Eurasia DailyMonitor, vol. 5, issue 236, 11 de Dezembro.Dale Herspring (2008), “Russia's Military In TheThroes Of Change”, Russia Profile.Org, 16.12.08,descarregado a 17.12.08 e disponível emhttp://www.russiaprofile.org/page.php?pageid=CDI+Russia+Profile+List&articleid=a1229531182

212

Tom Shanker and C. J. Chivers (2008), “Georgialags in its bid to fix army”, International HeraldTribune, 18 de Dezembro.RIA Novosti (19 de Dezembro de 2008), “Russiahas a military doctrine for every occasion”,Russia Herald, encontrado e descarregado emhttp://story.russiaherald.com/index.php/ct/9/cid/871e5a31f6912bb3/id/444279/cs/1/ a 21.12.08.Bertil Nygren (2008), The Rebuilding of Greater Russia.Putin's foreign policy towards the CIS countries, Routledge.Valdimir Frolov (2008), “Russia Profile WeeklyExperts Panel. Russia in The Year 2008”, RussiaProfile.Org, 26 de Dezembro.Thomas Goltz (2009), “The Olympics War”, ADABiweekly Newsletter, vol. 2, no. 1, o número datadode 1 de Janeiro,http://www.ada.edu.az/files/beweekly/31/ADA%20Biweekly_Vol.%202_No.%201.pdf, recuperado01.01.09.Radu Dudau (2009), “The Guns of August. Russiaand the Black Sea Region in the Aftermath of theFive-Day War”, Politica Internationala, Bucharest, inprint. (eds.) Elana Wilson Rowe and Stina Torjesen(2009), The Multilateral Dimension in Russian Foreign Policy,Routledge. Margot Light (2009), “Russia and Europe and theprocess of EU enlargement”, in (eds.) ElanaWilson Rowe and Stina Torjesen, The MultilateralDimension in Russian Foreign Policy: 83-97, Routledge.Hammes Adomite (2009), “Inside or outside?Russia’s policies towards NATO”, in (eds.) ElanaWilson Rowe and Stina Torjesen, The MultilateralDimension in Russian Foreign Policy: 97-121, Routledge.

213

ANEXO

Um Mapa da Geórgia

Source: Central Intelligence Agency via the University of Texas atAustin. Perry-Castaneda LibraryMap Collection.[http://www.lib.utexas.edu/maps/georgia_republic.html

214