A filosofia guardiniana da pessoa

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CADERNOS GUARDINIANOS Nº 1 A Filosofia guardiniana da pessoa José Enrique Sobrero Bosch sdb

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CADERNOS GUARDINIANOS Nº 1

A Filosofia guardiniana da pessoa

José Enrique Sobrero Bosch sdb

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ÍNDICE

ÍNDICE ........................................................................................................... 2

INTRODUCÇÃO ............................................................................................. 3

CAPÍTULO PRIMEIRO ................................................................................... 5

VIDA E AMBIENTE DE ROMANO GUARDINI: .............................................. 5

Espaço e tempo de um grande pensador. .................................................. 5

CAPÍTULO SEGUNDO....................................................................................9

A FILOSOFIA GUARDINIANA DA PESSOA ...................................................9

A ESTRUTURA DO SER PESSOAL............................................................... 10

REFERENCIA DA PESSOA ÀS PESSOAS ......................................................17

«DEUS É O TU DO HOMEM»........................................................................21

CONCLUSÃO ............................................................................................... 23

BIBLIOGRAFIA............................................................................................. 25

Obras de Romano Guardini .................................................................... 25

Bibliografia em geral.............................................................................. 26

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INTRODUCÇÃO

A cátedra Antropologia Filosófica do Instituto Superior DomBosco possui uma orientação marcadamente metafísica. Perante a umaeleição dos conteúdos fundamentais sobre a Filosofia do homem, umavisão metafísica visa em colocar os alicerces onde construir umafenomenologia do ser humano.

Nesta perspectiva inscreve-se o «Caderno Guardiniano Nº1», danossa cátedra que complementa o tema da pessoa na apresentação datotalidade dos temas escolhidos para leccionar.

Com a metafísica abrimos uma porta indispensável para filosofarnestes tempos do nosso acontecer, com as circunstâncias própria danossa época.

Falar de Romano Guardini neste contexto particular daAntropologia Filosófica é uma grata tarefa que ofereço na linha dareflexão e da compreensão do mistério da pessoa humana na escola dopersonalismo dialógico.

A melhor apresentação de Romano Guardini vem da mão deJosef Ratzinger, outrora aluno de Guardini e herdeiro de essa forma tãoparticular de construir a teologia e a filosofia de cunho alemão.Fiquemos com este parágrafo do Papa Bento XVI:

«Guardini notava tal anseio pela verdade e a propensão para oque é originário e essencial, sobretudo nos jovens. Nos seusdiálogos com a juventude, particularmente no Castelo deRothenfels, que nessa época graças a Guardini era o centro domovimento juvenil católico, o sacerdote e educador promoveu osideais do movimento juvenil, como a autodeterminação, aresponsabilidade própria e a disposição interior para a verdade;ele purificou-os e aprofundou-os. Liberdade. Sim, mas só é livre —dizia-nos — aquele que “é completamente o que deve ser,segundo a sua natureza [...] Liberdade é verdade” (Auf demWege, S. 20). A verdade do homem é, para Guardini,essencialidade e conformidade com o ser. O caminho leva àverdade, quando o homem põe em prática “a obediência do

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nosso ser em relação ao ser de Deus” (Ibid., S. 21). Isto verifica-se,em última análise, na adoração, que para Guardini pertence aoâmbito do pensamento»1.

Espero que as consequências de esta opção personalistafavoreçam nosso espírito crítico e especialmente aumente nossa visãosobre o mundo com olhos sempre renovados e atentos à realidade nabusca da verdade.

1 BENTO XVI, Discurso aos participantes num congresso da «Fundação RomanoGuardini» de Berlim, Sala Clementina, Sexta-feira, 29 de Outubro de 2010, Cidadedo Vaticano. O discurso completo encontra-se no apêndice do CadernoGuardiniano Nº2.

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CAPÍTULO PRIMEIRO

VIDA E AMBIENTE DE ROMANO GUARDINI:Espaço e tempo de um grande pensador.

Ao pouco tempo da morte de Romano Guardini sucedida emMunique no 1º de Outubro de 1968, apareceu um pequeno livrointitulado Introdução a Romano Guardini de Henri Engelmann e FrancisFerrier2, autores franceses que brindavam a possibilidade de conhecer aRomano Guardini numa primeira leitura fundamental, breve e sucinta.Deste livrinho tiramos uma página que resume as primeiras etapas davida de Romano Guardini:

1885 Nasce em Verona (Itália).1886 Pelo trabalho de cônsul do pai, a família Guardini estabelece-se emMaguncia, (Alemanha).1904 Estúdios na Universidade de Munique.

Estúdios teológicos em Friburgo e em Tubinga.1910 Ordenação sacerdotal em Tubinga.1911 Opção pela nacionalidade alemã.1915 Doutoramento em Teologia em Friburgo, com a tese: A redenção emSão Boaventura.1922 Professor de Teologia na Universidade de Bonn.1923 Professor de Filosofia católica na Universidade de Berlim.1939 Os nazis tiram-lhe sua cátedra.1945 Professor na Universidade de Tubinga.1948 Professor na Universidade de Munique3.

O resumo dos autores franceses conclui no ano 1948. Porém,devemos completar os dados da vida de Romano Guardini acudindo aseu biógrafo espanhol, o padre Alfonso López Quintás, religiosomercedário:

1948 Catedrático extraordinário da Faculdade de Filosofia daUniversidade de Munique até seu aposentamento em 1962. Neste

2 ENGELMANN, Henri – FERRIER, Francis, Introduzione a Romano Guardini,(Quereriana, Brescia, 1968).3 Ibídem, 175.

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período (concretamente entre 1950 e 1962) aparecerão suasconferências sobre Ética.1948-1963 Celebração da Eucaristia e pregação dominical na igrejamuniquesa de São Luís.1854 Doutor honoris causa em Filosofia pela Universidade de Friburgo.1955 Começa subitamente a enfermidade da asma.1962 Prémio Erasmo ao melhor humanista europeu, outorgado emBruselas.1965 Hospitalizado durante médio ano devido ao colapso cardíaco.1968 Última viagem a Trento e a Ilha Vicentina (Norte da Itália): do dia 28de Agosto ao 15 de Setembro. Falecimento no dia 1º de Outubro. Funeralno dia 3 na igreja de São Luís. Enterro no dia 4 no pequeno cemitériosacerdotal de São Lourenço, propriedade da Congregação do Oratório4.

Um rasgo que caracteriza a vida do nosso sacerdote ítalo-alemão é ser «pedagogo espiritual». Com esta expressão descreve-se aconstante preocupação que ele tinha em situar-se convenientemente narealidade. Sua vida é um bom exemplo de realização pessoal. Ocupar osítio que nos corresponde não é uma tarefa fácil de conseguir.Assinalamos aqui a importância que teve em orientar sua vida ao serviçoda verdade, embora sofrer tantos infortúnios produzidos pela dolorosasituação da segunda guerra, entre eles, a confiscação do Castilho deRothenfels e a supressão da cátedra na Universidade de Berlim pelosnazis. Na vida de Romano produz-se um «forçado» retiro emMooshausen, para refugiar-se no silêncio e na solidão (1943-1945).

Justamente depois de viver esta experiência é quando recebe oconvite para ser professor extraordinário na Universidade de Tubinga,com a cadeira Cosmo visão cristã na Faculdade de Filosofia. Para ele foium verdadeiro rejuvenescer. Esta nova actividade docente enche-o devitalidade. Perguntando-me sobre a maneira de resolver as nefastasconsequências de uma guerra (penso em meu país, Angola), descobriuma estupenda resposta nesta passagem da vida de Romano Guardinique quiçá ajude a adoptar uma atitude coerente e sábia perante àproblemática da pós-guerra. Escreve Alfonso López Quintás:

4 LÓPEZ QUINTÁS, Alfonso, Romano Guardini, Maestro de vida, (Palabra, Madrid,1998), 391-392.

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«Era surpreendente que Guardini, nas suas alocuções, não tratavaas questões urgentes que parecia impor o entorno devastado pelapós-guerra. Sua penetrante capacidade de discernimentopermitiu-lhe compreender que a única forma de ultrapassar asituação desvalida era elevar-se a uma região de elevadaespiritualidade. Sua serena presença, sua forma rítmica eequilibrada de falar, sua consagração aos temas aparentementeafastados dos problemas quotidianos de aquele momento nãorespondiam à insensibilidade frente ao infortúnio colectivo, senãoa sua convicção de que era a única forma de superar ele essaprova e oferecer uma ajuda efectiva a seus compatriotas»5.

Destaco a capacidade de elevar-se a uma região de elevadaespiritualidade, que possivelmente parece uma repetição, mas que narealidade permite-nos brindar uma resposta de qualidade superior asnossas misérias quotidianas. É o indispensável salto de qualidade quedeveríamos atrever-nos dar todos os dias da nossa vida. Interessanteseria reconstruir um país com pessoas em relação.

Na última etapa da docência do professor Romano Guardini naUniversidade de Munique destacam-se a temática e a forma de transmitiresse conteúdo. Foram as lições sobre Ética natural e Ética e Revelação6,falando do comportamento humano e do ethos cristão. O ambienteestudantil das conferências era extraordinário desde o ponto de vista daconcorrência. Uma maravilhosa reunião de jovens escutandoatentamente as palavras do mestre. O método para comunicar osconteúdos era directo: colocavam-se as questões partindo da realidademesma do ser humano até chegar ao descobrimento da verdade. Esteprocesso começava sempre no próprio Guardini: primeiro era vivido porele e logo sugeria-lo aos outros. A finalidade era bem precisa: abrirhorizontes novos, orientar, oferecer uma luz às problemáticas quepropõe a vida ética.

A prolífica obra de Romano Guardini é uma verdadeirapalestra por ser uma doutrina de vida, a partir das experiências e da

5 Ibídem, 106-107.6 GUARDINI, Romano, Ética: Lecciones en la Universidad de Munich (Biblioteca deAutores Cristianos, Madrid, 2000).

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dedicação docente, a pregação, a animação juvenil, a reflexão filosófica eteológica. Suas palavras orientam e dão sentido à existência humana,sem distinções, incluindo todo tipo de público, desde seus colegas decátedra, seus alunos e alunas, até os fiéis da sua paróquia.

Quando se dedica ao tema específico da Filosofia, emerge comclareza sua proposta de orientação que serve para interpretar arealidade e responder às exigentes problemáticas do nosso acontecer.Sua cosmo visão é uma preciosa ajuda, uma ferramenta que actualmentepodemos utilizar sem pré-juízos, porque Guardini ensina-nos a pensarcom rigor, com profundeza, na interioridade do ser, o bem, o belo e overdadeiro.

Como uma das testemunhas da verdade do século XX, quiçá umtanto à margem de outras grandes figuras do pensamentocontemporâneo, nos segue ensinando a arte de procurar a verdade e devivê-la coerentemente na vocação individual à qual estamos chamados.

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CAPÍTULO SEGUNDO

A FILOSOFIA GUARDINIANA DA PESSOA7

Perante à responsabilidade de apresentar as ideias básicas deRomano Guardini sobre o tema específico da pessoa, tenho receio dereduzir levianamente e de maneira medíocre, o horizonte magníficotraçado pelo nosso autor.

Procurarei, porém, concentrar a minha atenção no livro «Mundoy persona»8, especialmente na segunda parte do texto, «A pessoa»,explicitada na «Estrutura do ser pessoal», «A referência da pessoa àspessoas» e «A pessoa e Deus».

«Mundo e pessoa» é um texto publicado por Romano Guardinique representa a contribuição decisiva sobre o tema antropológico porexcelência, com uma extraordinária precisão teórica. O livro contém asua filosofia da pessoa. São umas densas reflexões que culminarão nasconferências sobre «Ética» na Universidade de Munique9.

Romano Guardini assume a grave responsabilidade teórica dedefinir a ânsia do ser humano a partir da pessoa. É a competência daFilosofia (conhecer a essência da pessoa) colocando a pergunta: o que éo homem?, não puramente abstracta, senão na existência concreta. Porisso, a pergunta correcta será: quem sou eu em quanto homem? A travésdo método histórico-narrativo, Romano Guardini começa o seu discursonão da essência abstracta da pessoa, senão do homem concreto queexiste pessoalmente.

O primeiro elemento que aparece salientado na leitura de«Mundo e pessoa» é a palavra eu. O ser humano no mundo é eu, quer

7 De aquí para frente apresenta-se a sintese do Primeiro Capítulo da tesina doMestrado Las edades de la vida según Romano Guardini, Fundamento ontológico yantropológico del desarrollo de la persona, escrito por José Enrique SobreroBosch sdb, (UPS, Roma, 2011).8 GUARDINI, Romano, Mundo y persona: ensayos para una teoría cristiana delhombre (Ediciones Encuentro, Madrid, 2000).9 GUARDINI, Romano, Ética: Lecciones en la Universidad de Munich (Biblioteca deAutores Cristianos, Madrid, 2000).

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dizer, um ser individual que se situa diante uma totalidade. Se situa comohomem, de uma maneira «mais decisiva»10. Porque? Simplesmenteporque o ser humano sabe e expressa uma «determinação de sentido»que impele sua resposta: autoriza-o e obriga-o a responder e a enfrentaresta realidade.

Descobrimos assim a «determinação de sentido» como noçãofundamental para compreender ao ser humano. Esta noção subsiste esobrevive em cada situação particular, por mais especial que seja, erepresenta uma condição única, com pormenores irrepetíveis em cadaindividuo, expressadas concretamente nas qualidades pessoais(talentos), nas diversas etapas da vida, na bondade e na maldade, naconsciência, etc. Esta determinação de sentido é traduzida por RomanoGuardini como PESSOA. E aqui começa a descrição que nos levará aoentendimento e à compreensão desta realidade: a pessoa segundoRomano Guardini é um ser em relação.

A pergunta pela essência do ser humano segundo RomanoGuardini, como acabamos de ver, leva-nos a uma inquietante resposta: apessoa. Ser pessoa é a manifestação do ser humano. Na perspectiva deRomano Guardini significa que nos apresentamos diante da existênciaconcreta do ser humano, «pessoalmente existente»11.

A ESTRUTURA DO SER PESSOAL

A descrição que Romano Guardini faz no seu livro Mundo epessoa sobre a estrutura do ser pessoal é o mapa indispensável paracompreender sua ideia. São os estratos indispensáveis do sistemainterior da pessoa:

Pessoa e conformação: a totalidade. A pessoa é um serconformado.

Pessoa e individualidade: a esfera interior. A pessoa é um seralicerçado na interioridade.

10 GUARDINI, Romano, Mundo y persona: ensayos para una teoría cristiana delhombre, op. cit., 93.11 Ibídem, 94.

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Pessoa e personalidade: o espírito. Interioridade e autoconsciência.

Pessoa em senso próprio: o eu pessoal.

Os estratos servem para descobrir o fenómeno total da pessoahumana, com um movimento de em baixo para cima,

«não para deduzir o mais elevado do mais profundo, senão parapassar do substantivo, embora em essência menos importante, aosustentado, mas decisivo desde o ponto de vista do sentido»12.

O sustentado resolve-se a partir da descrição do conjunto deelementos que se integram para formar esta entidade chamada pessoa.

O estrato inferior ontológico da pessoa é a conformação.

Todos os elementos que constituem uma entidade estãoconectados em forma estrutural e funcional,

«de tal maneira que, em cada caso, o elemento subsiste e podeentender-se desde ele, e o todo subsiste e pode entender-sedesde os elementos»13.

Os cristais, os organismos, as estruturas sociais, são exemplosde conformações. A pessoa humana também é uma conformação, pois,vista desde um determinado aspecto, é uma unidade estrutural, entreoutras unidades, que realiza funções. Assim sendo, basta um olharpanorâmico para constatar que uma pessoa não é um ser caótico edesordenado, senão uma unidade precisamente ordenada. O corpo, queconstitui a dimensão mais visível do ser pessoal, está constituído porossos, músculos, órgãos, tecidos e outros componentes estreitamenteligados entre si. Todos eles, longe de ser uma mera justaposiçãodesorganizada, conformam um todo unitário.

Desde este primeiro estrato a pessoa humana fica situada comouma realidade unitária e ordenada, junto a outras realidades unitárias e

12 Ibídem.13 Ibídem.

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ordenadas. A pessoa é um ser conformado que existe com outros seresna totalidade: «Em tanto que conformação, o homem encontra-se comoforma entre formas, como unidade de processo entre outras unidades,como cosa entre cosas»14.

O seguinte estrato do fenómeno da pessoa é a individualidade.

A individualidade é o fenómeno vivo conformado pela unidadeda estrutura e das funções, auto delimitada ao mundo e independentedas coisas. Esta individualidade distingue-se das demais principalmentede duas maneiras: mediante a conformação dum mundo próprio e pelaindependência em relação às determinações da espécie.

O indivíduo vivo conforma um mundo próprio na medida em quese relaciona, de maneira especial, a través dos sentidos e das actividadesou das funções que realiza, com certos elementos circundantes que sãode importância vital para ele: a selecção em virtude das relaçõesnaturais, a organização do ser vivo, a iniciativa vital, os instintosprimários, a interioridade. Estas características observam-se tanto nosanimais como no ser humano e estabelece o mundo próprio de cadaespécie. Vislumbramos aqui uma diferencia substancial entre os animaise o ser humano, já que o animal não constrói seu mundo de formadeliberada e livre, senão pelos instintos e as tendências próprias de cadaespécie que o determinam. Pelo contrário, no caso da pessoa humana,podemos falar com mais propriedade da construção dum «mundopróprio», pois esse mundo é construído livremente, embora quando aliberdade da pessoa humana não seja absoluta:

«No ser total do homem existente pessoalmente encontra-setambém o estrato da individualidade viva. Por este estrato é ohomem ser vivo entre seres vivos; individuo, tanto frente àespécie, como frente aos demais indivíduos pertencentes àespécie»15.

O terceiro estrato da estrutura do ser pessoal é a personalidade.

14 Ibídem, 95.15 Ibídem, 98.

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Uma vez considerados os estratos básicos e gerais do todoordenado e do indivíduo vivo, Romano Guardini contempla o maispróprio do ser pessoal: sua dimensão espiritual.

A interioridade da pessoa humana converte-se na interioridadeda auto consciência, o que significa que a pessoa não só sabe acerca dasrealidades que o rodeiam, senão que ademais sabe que sabe e é capaz detomar para si o sentido das coisas e de dotar de sentido seu próprio agir.O animal manifesta-se com certa orientação e com certo sentido, masnão é ele que dá sentido às suas actividades, senão as determinaçõesgenético-biológicas próprias da sua espécie. O animal não é capaz decaptar o sentido das coisas nem de dar sentido por si mesmo às coisas:

«Consciência em sentido autêntico é possível pelo facto de que noser humano não somente possui o elemento “espiritual”, senãoque ele vive uma realidade espiritual concreta, espírito individual,que tem neste organismo sua base de acção e o lugar da suaresponsabilidade histórica. A interioridade da personalidade éuma interioridade da vontade»16.

Com a vontade, o ser humano qualifica o mero acto físico epsicológico (estímulo-resposta), porque capta o valor do objecto e aexigência de sentido de cada situação. A vontade «segura este valorcomo uma validez em si mesmo, adopta uma atitude frente a ele e desdeaqui começa a agir»17. Assim, a deliberação e a escolha que realiza o serhumano estão subordinadas a uma orientação de sentido. Estes são osprimeiros rasgos do conceito de liberdade em Romano Guardini.

Contudo, a interioridade da personalidade é uma interioridadeque explicita o agir e o criar do ser humano. Se olhamos para as obras eas criações de alguns animais, permanecemos boquiabertos pelahabilidade das suas construções. Pensemos nos ninhos das aves, nasteias de aranhas, nos formigueiros. Essas habilidades vêm determinadaspelas características próprias de cada espécie e não criações dumindivíduo determinado, daí que todos os indivíduos duma espéciepossuem as mesmas capacidades criativas. No caso da pessoa humana

16 Ibídem, 99.17 Ibídem.

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percebe-se uma clara capacidade criadora. A pessoa pode construir,elaborar e compor sem inclinações específicas que necessariamentedeterminem sua acção, pois a obra humana surge do espírito emboraquando esteja marcada pelos condicionamentos próprios de uma culturaparticular e de uma instrução especial: «A obra humana surge doespírito, de suas tensões e de sua audácia»18.

Por esta razão, a qualidade das obras humanas não se explica noimediato, senão no sentido que tem a obra em si. Justamente a técnica,como criação do ser humano, não é uma manifestação dos impulsosoperativos naturais, senão duma determinação do espírito que oimpulsiona a saltar por encima da natureza. A técnica não é utilidade,senão uma obra. Esta obra do ser humano pode ser, segundo RomanoGuardini, um potencial perigo ou um verdadeiro benefício. É uma coisa«tão tragicamente paradoxal, mas também, tão magnífico», ainda mais:

«A decisão de optar pela técnica dependerá de si a potênciaobjectiva alcançada nela e por ela, é equilibrada por uma medidacorrespondente de respeito, sabedoria, bondade de coração,força de carácter, e se, portanto, aquelas possibilidades sãocolocadas baixo critérios adequados. Se se faz recuar o olhar aoscomeços da criação técnica, há, sem dúvidas, graves motivos depreocupação. O domínio da natureza aumenta com umavelocidade vertiginosa, mas o homem não parece que acrescenteseu amadurecimento, sua segurança e sua força de carácter. Écomo se dos logros do homem surgira uma potência que segueseu próprio caminho independentemente do homem»19.

A dimensão espiritual da pessoa humana ultrapassa toda relaçãode possessão e de domínio. Ainda que se prive a uma pessoa da sualiberdade exterior, por exemplo metendo-a no cárcere, seu núcleoíntimo espiritual permanece livre. Assim se percebe que a interioridadeprópria da pessoa é incomensurável. Poderão ser mensuradas eanalisadas logicamente as acções exteriores do ser humano, mas seuinterior escapa a toda medida e a todo análise lógico. Ser pessoa significaque não se pode ser possuído, dominado, manipulado e utilizado, e que

18 Ibídem.19 Ibídem, 102

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não se pode ser substituído por outro. A pessoa humana é única eirrepetível.

O quarto estrato descreve à pessoa em sentido próprio.

Parece simples, mas é o coração da ideia de Romano Guardini.Até aqui se tem descrito a conformação, a individualidade e apersonalidade, sem chegar ainda ao núcleo do assunto. Estes trêsestratos têm preparado o caminho para que surja com clareza oessencial do conceito de pessoa: na unicidade e na autonomia do ser,quer dizer, «no carácter concluso da conformação, na interioridade davida, na fundamentação espiritual do saber e do querer, do obrar e docriar, ligadas no eu, que está de acordo consigo mesmo, que repousa emsi mesmo e que se domina a si mesmo»20.

É a forma de pertencer-se a si mesmo:

«Vista em conjunto (a pessoa) como realidade complexa, aberta ecompacta, submetida a mil condicionamentos mas capaz emdefinitiva de assumir seu destino com a autonomia que lhe dá suaconsciência de ser um eu, Guardini não hesita em afirmar que suacaracterística básica e definitória é aquela de possuir-se a simesma, no sentido de ser responsável dos seus actos,insubstituível, intransferível, irrepetível, sujeito de direitos edeveres, única no mundo»21.

«Á pergunta, o que és tu pessoa?, não posso responder: meucorpo, minha alma, meu entendimento, minha vontade, minhaliberdade, meu espírito. Nada de isso é ainda pessoa, senão, porassim dizer, sua matéria; a pessoa é o facto de que todo issoconsiste na forma de pertença a se»22.

A realidade toda do ser humano pertence ao âmbito da pessoa,da pessoa real, que existe realmente e se realiza concretamente. São os

20 Ibídem, 108.21 LÓPEZ QUINTÁS, Alfonso, Cuatro personalistas en busca de sentido (EdicionesRialp, Madrid 2009), 95-96.22 GUARDINI, Romano, Mundo y persona: ensayos para una teoría cristiana delhombre, op. cit., 109.

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distintos estratos da pessoa descritos anteriormente que se entrecruzamnuma determinação de sentido superior. Quando Romano Guardiniassinala que o facto de ter abordado o tema da pessoa humana a travésdos diversos «estratos» que conformam a estrutura da pessoa (pessoacomo conformação, como indivíduo vivente, como ser espiritual, comopersonalidade), tem só um fim didáctico, pois dessa maneira se percebecom clareza a amplitude e a complexidade do ser pessoal.

Não obstante é preciso aclarar que os diferentes estratosconsiderados separadamente na reflexão filosófica estão intimamentevinculados na realidade. A pessoa humana não é só matéria, só corpoorgânico, só alma, só espírito, só liberdade, só inteligência e vontade; apessoa humana não se reduz ao que os factores genéticos, geográficos,nacionais, culturais ou históricos fazem nela; senão que é uma realidadecomplexa na qual se encontram inter-relacionadas todas as dimensões,faculdades e condicionamentos supracitados. Considerar somente umadessas dimensões esquecendo ou incluso negando as outras,representaria um perigoso reducionismo. A pessoa humana constitui ummistério inesgotável ao qual podemos aproximarmos sem abrange-lototalmente. Quando a pessoa singular pega consciência da sua realidadecomplexa e fecunda ao mesmo tempo, a aceita, a integra e a faz crescer,encaminha-se para o amadurecimento e a realização existencial. Aindamais:

«Se tem dito que o ser é um facto místico, e se tem dito comrazão. Tão pronto como se tem consciência dele, se percebeclaramente que se compõe de mistério. O mistério se faz maisprofundo num grau decisivo, no grau de decisão do sentido dohomem, quando a proposição diz: “alguma coisa é”, senão “eusou”. A análise disto não seria possível só desde o ponto de vistafilosófico, senão que nos levará às raízes do religioso»23.

As últimas palavras que utiliza Romano Guardini para concluiresta secção (a estrutura do ser pessoal), como tem sido sublinhadoanteriormente, representam uma notável descrição para explicar asidades da vida. Saber, querer, viver e exercitar o carácter humano natotalidade das conexões da própria pessoa, enchem de significado as

23 Ibídem, 111.

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palavras amadurecimento e formação. O amadurecimento e a formaçãoda pessoa são a orientação e a tarefa das diversas idades, etapas oufases do crescimento e desenvolvimento do ser humano. Estes espaçosde tempo incluem uma duração determinada e uma gradualidadeespecífica. Contudo, este belo panorama da interioridade da pessoa temque ser completado com outras realidades, especialmente com aqueledado que vem de fora da pessoa: a pessoa em relação com outraspessoas.

REFERENCIA DA PESSOA ÀS PESSOAS

Na linha de pensamento de Romano Guardini sobre a pessoaaparece nitidamente a ideia do condicionamento. A pessoa pode estarcondicionada quer do interior quer do exterior. Em gérmen achamosaqui uma definição de liberdade. O mundo material e o mundo espiritualdesafiam à pessoa a pegar distancia e independentemente deles e comeles poder dar uma resposta adequada a seu ser mais íntimo. Aresponsabilidade da pessoa radica na toma de consciência destasrealidades (conexões da realidade e de sentido) «para substituir e paradar prova de se, mas que ela mesma (a pessoa) e como tal não estácondicionada por elas»24.

Então, o desafio de ser responsáveis, livres e conscientes alarga-se quando aparece o outro. Porém a pessoa, está condicionada poroutra pessoa?

Desde que nasce, a pessoa humana está relacionadaestreitamente a outras pessoas que contribuem a seu desenvolvimento.Aqueles que educam, protegem e socorrem a quem acaba de nascer nãofazem dele uma pessoa – desde o ponto de vista ontológico – porrealizar essas tarefas, senão que promovem seu crescimento integral.Em outras palavras, desde o ponto de vista metafísico, o bebé nascesendo uma pessoa humana, não obstante, desde o ponto de vistaexistencial deve crescer e desenvolver-se em diversos aspectos para seruma pessoa humana matura e plena. Este crescimento e esta maturaçãosó podem atingir-se em relação com outras pessoas. Porque se supõe

24 Ibídem, 113.

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que é uma relação de pessoas. Esta afirmação da existência da pessoa éindispensável para afrontar sua maturação e sua formação. Eis ofundamento de carácter essencialmente relacional da pessoa humana:

«Toda promoção de um homem por outro tem lugar já sobre abase do facto de que é pessoa… Depende, porém, a possibilidadede que seja pessoa, de facto de que, fora dela exista em absolutooutras pessoas? Ou mais exactamente: pode ser pessoa sem que,em tanto que “eu”, esteja referido a outra pessoa que representeseu “tu”, ou sem que, ao menos, exista a possibilidade de queoutra pessoa se converta em seu “tu”?»25.

Parece um jogo, uma competição: o eu com o tu, o tu com o eu.Em definitiva, também a relação eu-tu é um processo consciente queespecifica a função de cada pessoa. Esta especificação encontra-se naforma essencial de considerar ao outro como sujeito e não como meroobjecto. Porque existe agora um sujeito chamado «eu» e um sujeitochamado «tu»:

«Na mesma medida em que o ser considerado por mim, aoprincípio, como mero objecto, é libertado por mim na atitude do“se-mesmo” que surge de um centro próprio, convertendo-o numtu, na mesma medida sou eu um sujeito»26.

Somente existem relações inter-pessoais «eu-tu» quando seabandona o esquema de relação «sujeito-objecto» ou «eu-coisa», poisestes se caracterizam pela relação de domínio e uso. Uma pessoa serelaciona com um objecto (relação «eu-coisa») utilizando-o paradeterminadas tarefas, manipulando-o a vontade, comprando-o,vendendo-o ou descartando-o segundo as circunstâncias. A relação «eu-tu» é duma ordem totalmente diversa, pois nela se vinculam duaspessoas humanas e não há coisas ou objectos que actuem comocomponentes na relação. Romano Guardini indica que a relação inter-pessoal «eu-tu» possibilita o crescimento pessoal porque nela o olhar dooutro interpela-me e o meu olhar interpela-lo produzindo uma trocafecunda de sentimentos e de sentidos.

25 Ibídem, 114.26 Ibídem, 115.

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A relação «eu-tu», de pessoa a pessoa, caracteriza-se, naexplicação personalista de Romano Guardini no encontro e na linguagem.

O fenómeno do encontro ocupa um lugar central no discurso deRomano Guardini para compreender a realidade da pessoa. O verdadeiroencontro da pessoa com as outras pessoas é a prova da nossa condiçãode seres racionais. Quando a relação «eu-tu» é um efectivo encontro,surge o «nós». Atingir esta relação profunda produz felicidade, umsentimento que acompanha a vida da pessoa quando consegue viverrealmente com outras pessoas. No âmbito da ética, supõe uma opçãoincondicional pelos grandes valores: a felicidade se atinge quandovivemos na verdade, no bem, na bondade, na justiça, na beleza, naliberdade. Estamos ligados livremente a estes valores no mais profundodo nosso ser e nos capacita para nos vincular normalmente com osoutros. Assim, tentamos dar novos passos no encontro quando surgemoutros desafios: a generosidade, a confiança, a cordialidade, a fidelidade,a comunicação afectuosa, a participação, o respeito, a amizade.

Ao fim, um autêntico encontro desemboca numa relação depresença. A presença é a garantia do encontro. Porém, não vivemos«excessivamente» pressentes junto a outras pessoas, nem «tristemente»afastados delas, senão que, com todo respeito, a nossa presença é umasadia convivência, unindo o imediato com a distância, evitando assim operigo da dominação:

«A pessoa não surge no encontro, senão que actua nele. Dependede que as outras pessoas existam; só possui sentido, quando háoutras pessoas com as que pode ter lugar o encontro…Aqui setrata do dado ontológico de que fundamentalmente a pessoa nãoexiste na unicidade»27.

Na dinâmica do encontro, a pessoa está referida essencialmenteao diálogo, orientando sua vida espiritual à comunicação. Por isso, ooutro elemento da explicação personalista dialógica de Romano Guardinié a linguagem. Eis uma decisiva afirmação do nosso autor sobre uma

27 Ibídem, 117.

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certeza que se encontra na mesma essência da existência humana: «Avida espiritual faz-se realidade essencialmente na linguagem»28.

Então, porque a vida espiritual da pessoa é comunicação, haverámomentos de maior diálogo e outros de silêncios obrigados.

O que é a linguagem para Romano Guardini? «A linguagem é oâmbito de sentido em que todo homem vive. É uma conexão de formasde sentido determináveis por leis supra-individuais, na qual o homemnasce e pela qual o homem é formado. É um todo independente doindivíduo, do qual, segundo a sua capacidade, forma parte dele»29.

A explicação de Romano Guardini no livro Mundo e pessoacomeça no espaço e no tempo real de cada pessoa. O âmbito de sentidoe a história pessoal é a totalidade da qual forma parte o ser humano.Nesse âmbito, nessa história, a pessoa tem a experiência da linguagem,atinge a verdade e consegue a realização da relação «eu-tu». «Nessesentido, a linguagem significa o projecto prévio para a verificação doencontro pessoal»30.

A linguagem permite o diálogo e a troca comunicativa com asoutras pessoas. Através dele manifesta-se a dimensão espiritual dapessoa humana e seu carácter relacional, pois a linguagem não se reduzao componente material-orgánico que a constitui (língua, cordas vocais,lábios, sons, signos), senão que é a combinação deles com o significado eo sentido particular que provém do espírito. A linguagem é um actocorpóreo-espiritual próprio de um ser corpóreo-espiritual: a pessoahumana. Com a linguagem manifesta-se a orientação dialógica da pessoahumana e sua evidente referência às demais pessoas: «A pessoa existena forma do diálogo, orientada a outra pessoa. A pessoa está destinadapor essência a ser o eu de um tu. A pessoa fundamentalmente solitárianão existe»31. Como consequência do encontro e da linguagem na pessoahumana estabelece-se uma natural relação do homem de carácter

28 Ibídem.29 Ibídem, 117-118.30 Ibídem, 118.31 Ibídem, 121.

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dialógico, porque habita no mundo com outras pessoas e estabelecerelações inter-pessoais: a amizade, a comunidade e também a solidão.

«DEUS É O TU DO HOMEM»32

Romano Guardini sublinha que o «tu» mais profundo com que apessoa humana pode vincular-se é o «Tu» divino. A razão disto radica emque Deus criou ao ser humano e assim só Ele constitui o sentido maispleno da sua vida. A existência pessoal está essencialmente orientada aocriador. Este acto criador possui uma nota própria na relação entre Deuse a pessoa: a dignidade absoluta da pessoa:

«O impessoal, inanimado como animado, é criado por Deus semmais, como objecto imediato da sua vontade. À pessoa não quercria-la assim, porque careceria de sentido. Deus cria a pessoa porum acto que fundamenta sua dignidade: pela chamada. As coisassurgem pelo mandato de Deus; a pessoa pela sua chamada. Istosignifica que Deus chama à pessoa a ser seu Tu, ou, maisexactamente, que Deus mesmo se determina a ser o Tu dohomem»33.

A inclinação à relação com Deus não é uma coisa acidental navida do homem, senão, pelo contrário, é uma dimensão fundamentalque não pode ser negada se se quer abordar de maneira completa arealidade da pessoa humana. Negar a existência de Deus e a condiçãocriatural da pessoa humana significa negar a evidente finitude da pessoa.Precisamente a finitude e a limitação própria da pessoa humanamanifestam que ela não se deu a si mesma a existência, senão que a temrecebido como um dom de um ser superior.

Se o homem encontra em Deus seu «Tu» mais importante, éporque Deus tem feito primeiro ao homem seu «tu» quando o criou pelasua Palavra. Mais ainda, constantemente faz ao homem seu «tu» quandofala através da criação. As coisas são, segundo Romano Guardini,

32 Ibidem, 123.33 Ibidem.

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palavras que Deus nos dirige para celebrar um diálogo amistoso. Asdiferentes realidades da criação possuem um carácter verbal, pois, ao serchamadas à existência pela Palavra divina levam o cunho do Criador.Deus comunica-se connosco por meio delas:

«Esta é a relação «eu-Tu» essencial, aquela que não podedesaparecer. Nela está também inserido o mundo. O mundomesmo tem carácter verbal; aqui encontramos os pontos dereferência do diálogo. O mundo tem sido falado por Deus nadirecção do homem. Todas as coisas são palavras de Deusdirigidas a aquela criatura que, por essência, está determinada aachar-se em relação de tu com Deus. O mesmo homem estádestinado a ser ouvinte da palavra-mundo, E deve também ser eleque responde; por ele todas as coisas devem retornar a Deus emforma da sua resposta»34 .

Romano Guardini faz notar que estas expressões sãosemelhantes ao pensador Ferdinard Ebner35, mas em realidade, sãoinsinuações da obra de Theodor Haecker36.

Na base da vocação do ser humano está a dignidade absoluta,que recebe do Criador. Esta vocação-chamada realiza-se desde omomento que a pessoa responde. Este encontro, este diálogo, está emrelação entre o Criador e o homem sempre será iniciativa de Deus. Mas ohomem, em virtude do seu conhecimento e da sua obediência, manifestaesta relação «eu-Tu» com Deus. E mais, segundo Romano Guardini, «senão o faz, anula de ser pessoa, porque o homem com sua existênciainteira é resposta à chamada do Criador»37.

Na essência da pessoa humana encontra-se a resposta àchamada de Deus. Assim, a identidade essencial da pessoa humana naperspectiva guardiniana, desemboca numa explicação teológica (o «eu»cristão). O encontro decisivo entre Deus e o homem será Jesus Cristo.

34 Ibídem, 123-124.35 Cfr.EBNER, Ferdinard, La Parola è vita: dal Diario (Anicia, Roma, 1991).36 Cfr. HAECKER, Theodor, Che cosa è l’uomo? (Edizione Pauline, Alba, 1955).37 GUARDINI, Romano, Mundo y persona: ensayos para una teoría cristiana delhombre, op. cit., 123.

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CONCLUSÃO

A antropologia da pessoa elaborada por Romano Guardini é umpressuposto ontológico para abordar distintas questões éticas que estãoreclamando uma resposta valente neste momento hodierno no qualestamos imersos.

A filosofia guardiniana da pessoa considera a estrutura do serpessoal com aqueles estratos indispensáveis no sistema interior dapessoa, a saber, a totalidade, a interioridade, a personalidade e o eupessoal. A pessoa humana é uma realidade complexa na qual seencontram interligadas todas as dimensões, faculdades econdicionamentos que conformam a totalidade do ser vivente.

Este conceito de pessoa expressa sua plenitude na relação dapessoa com outras pessoas: é o dado que provém do exterior. Porém,esta referência da pessoa com outras pessoas apresenta-se como umverdadeiro desafio para a consciência, a liberdade e a responsabilidadepessoal.

O carácter essencialmente relacional da pessoa humanaestabelece as coordenadas sujeito-sujeito porque existe um sujeitochamado «eu» e outro sujeito chamado «tu». A explicação personalistada relação que nos brinda Romano Guardini se centra no encontro e nalinguagem. A vida da pessoa é comunicação, com momentos de diálogoe momentos de silêncio. A linguagem permite o diálogo e o intercâmbiocomunitário com outras pessoas. Como consequência do encontro e dalinguagem na pessoa humana se estabelece uma natural relaçãodialógica, porque habita no mundo com outras pessoas e estabelecerelações interpessoais. Neste contexto da comunicação inter-pessoal, aimportância da palavra, na sua criação e valorização, cobram umrealismo que nossa sociedade necessita de fazê-la uma e outra vez demaneira explícita. Precisamos da palavra. Palavra pensada,palavra expressa, palavra compartida, palavra dita, palavra calada.Cuidemos da palavra. Cuidemos da essência das coisas. Cuidemos dacomunicação. Há muitas palavras que estão gastas. Temos que pensar nasua seriedade antes de utilizá-las.

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No cume da consideração personalista está a relação com Deus.É uma relação eu-Tu essencial, porque Deus chama a cada pessoa desdeo primeiro momento da existência. Na base da vocação do ser humanoestá a dignidade absoluta, que lhe tem sido dada pelo Criador. Avocação-chamada completa-se desde o momento que a pessoaresponde. A essência da pessoa encontra-se na resposta à chamada deDeus.

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«Cadernos Guardinianos», pretende ser uma colectânea de temas quegiram entorno ao pensador ítalo-alemão Romano Guardini. Basicamentesão leituras de temas específicos e traduções de textos ao português.A principal utilidade é de apoiar as aulas universitárias de Filosofiasistemática.