A escultura de Romeu Costa à luz de Deleuze
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A escultura de Romeu Costa à luz de Deleuze Cristina Lopes
1
Abstract: This paper intends to show some of the works of the sculptor Romeu Costa
as well as the theoretical foundations that involve his creative process. Praxis which
acquired while working with master Lagoa Henriques and with the master Anjos
Teixeira, later in ESBAL, as well as experience teaching this subject, have certainly
contributed to the production of works of high aesthetic value. Some of his works are
treated here in a Deleuzian approach.
Keywords: Romeu Costa, sculpture, Deleuze.
Resumo: Este trabalho pretende mostrar algumas das obras do escultor Romeu Costa,
bem como os fundamentos teóricos que envolvem o seu processo criativo. Da praxis
que adquiriu ao trabalhar com o mestre Lagoa Henriques e com o mestre Anjos
Teixeira, posteriormente na ESBAL, assim como a experiência a ensinar esta disciplina,
têm certamente contribuído para a produção de obras de elevado valor estético.
Algumas das suas obras são aqui tratadas numa leitura deleuziana.
Palavras-chave: Romeu Costa, escultura, Deleuze.
Introdução
Este artigo está ancorado numa análise que se propõe iluminar alguns dos
pressupostos teóricos do trabalho de Romeu Costa, bem como o processo da sua
materialização. Iluminar, nas filosofias platónica e neoplatónica, nas quais assenta uma
forte componente do pensamento ocidental, indicia para um conhecer mais além,
desvendar ou revelar. O que significa que a obra que percecionamos pertence a um
determinado modus operandis em que o autor se posiciona, com os seus objetivos,
métodos e consequentes conceitos, dentro daquilo que poderemos designar como um
dado discurso estético. No seu trabalho molda sentimentos e sensibilidades para
exprimir e fazer vibrar a linguagem amorosa que é afinal a gramática do viver dos
afetos.
Romeu Costa nasceu em Lisboa em 1944, e cedo recebeu o chamamento para
aquela que viria a ser a sua profissão, a escultura. Bastante jovem ingressou nos
meandros da escultura. Ressalta duas figuras que o marcaram e com teve o privilégio de
trabalhar e aprender, o mestre Lagoa Henrique e o mestre Anjos Teixeira. Deste período
Romeu recorda com carinho e apreço a aprendizagem com Lagoa Henriques, de quem
foi assistente e que se tornou para si um exemplo a vários níveis, que nem o tempo
consegue remover o sorriso saudoso ao falar dessa etapa basilar da sua formação. Com o mestre Anjos Teixeira, de quem foi aluno, recebeu também valiosos ensinamentos,
ainda que a conceção formal dos mestres tenha sido bastante diferente, isto é Anjos
Teixeira trabalhou mais numa modelação típica do século XIX enquanto Lagoa
Henriques numa linguagem mais modernista. Foi precisamente desta perspetiva dos
diversos enquadramentos teóricos e práticos, que resultou uma enorme mais-valia, para
1 Mestranda da Faculdade de Belas Artes de Lisboa; E-mail: [email protected]
o seu processo de aprendizagem. Já munido da praxis, inclusive de esculturas de
grandes dimensões, ingressou na ESBAL onde concluiu com sucesso a licenciatura em
escultura.
No entanto o seu serviço social, não esteve apenas ao dispor da escultura, mas
antes se prestou a outros trabalhos, assim foi também professor no ensino básico, e
executou algumas obras no Centro Internacional de Escultura de Pero Pinheiro em
Sintra. Da vasta lista de exposições em que participou, salientam-se:
1963-Salão dos Novíssimos –SNBA; 1973-Ateliers Municipais de Lisboa- Coruchéus;
1980-Alternativa 0 - Museu de Arte Moderna – Belém; 1987-Bienal de Sintra; 1998-
Outros Oceanos- Galeria Municipal de Rio de Mouro; 1990-Casa da Cultura D. João V
–Mafra; 2003-Arte para Tocar- Sintra; 2009 - Ministério da Administração Interna –
Lisboa; e nos diversos eventos: Sintra Arte Pública, Amadora Arte Pública, Estoril Arte
Pública e Sesimbra Arte Pública; Esculturas ao ar livre.
Da leveza da pedra
As suas obras condessam de forma lapidar uma fluidez de formas em que a
rudeza do material é sublimado pela solene e ritualizada dimensão escultural. Os
significantes visuais exibem uma evidência formal, e o subterfúgio do signo (forma
esculpida) permite a pesquisa da plenitude e do silêncio no mesmo plano. As formas,
sobretudo as arquetípicas, surgem como a materialidade de um universo inefável e
intimista. Romeu Costa assume-se como um mitómano, donde ressalta naturalmente
que algumas das suas obras são o trabalho sobre um dado mito. Anjos e figuras aladas
estão bem representados, como é o caso da fig. 1, que é referente ao arcanjo Miguel na
sua luta contra o dragão. O mito do bem que luta contra o mal ou da luz e das sombras.
Miguel foi um dos mitos fundamentais, que se constituiu em aparato simbólico na
estrutura organizada pela Igreja católica medieval, serviu para regular as ações do
homem ocidental na Idade Média e ainda hoje se torna presente em muitos aspetos da
nossa cultura.
Figura 1 - Arcanjo Miguel (fotografia da autora, 2013)
Romeu afirma que o seu trabalho é um trabalho espiritual, pois a matéria ao ser
trabalhada torna-se numa obra que mais não é do que o resultado das suas meditações e
afetos transformados num dado espaço-tempo. Na medida em que toda a coisa no plano
imanente, define-se por agenciamentos de movimentos e de afetos. Ora essa coisa ou
objeto é conhecido através da perceção. Segundo Bergson, quando é uma perceção pura,
é absorvida no presente e capaz pela eliminação da memória sob todas as suas formas,
de obter da matéria, uma visão imediata e instantânea. Em «O que é a Filosofia?»
Deleuze e Guattari elogiam o início de Matéria e Memória de Bergson, enquanto
este reconhece a excelência de Espinosa, pois que a imanência não pertence a si mesma,
mas a um plano percorrido pelos movimentos do infinito, constituído pelas duas
potências da imanência, isto é pela potência de ser e de pensar. Os autores consideram
que nesse livro Bergson construi um plano que corta o caos, ao mesmo tempo um
movimento infinito de uma matéria que não para de se propagar e a imagem de um
pensamento que não para de fazer proliferar por toda a parte uma pura consciência de
direito “não é a imanência que é imanência “à” consciência, mas o inverso”(Deleuze;
Guattari, 1997, p.66-67). Estes seres alados e outras obras de Romeu Costa têm esse
caracter imanente que é inerente à obra de arte, por isso a obra é sempre «material
inalienável» (Adorno, 1970).
Figura 2 - Figura Alada (fotografia de Romeu Costa)
A fig.2 representa um ser alado ou mítico que é um tema recorrente na obra, o
mito enquanto outra dimensão intervém como materialidade ou imanência de uma
imagem virtual. Deleuze teoriza a partir de Bergson uma perspetiva positiva do virtual.
O virtual como produtividade pura, como horizonte da produção ontológica. Todas as
formas materializadas, sujeitos e objetos, todas as individuações, de coisas de estados
ou consciência, decorrem de acontecimentos imanentes. Toda a transcendência é um
produto da imanência, é esta que constitui um logos auto-consistente de realidade
sobrevoando quer o existente quer o possível.
No último artigo que Deleuze escreveu, que foi aliás a sua última obra,
sintetizou a tese de que «O acontecimento imanente atualiza-se num estado de coisas e
num estado vivido que fazem com que ele ocorra. O próprio plano de imanência
atualiza-se num Objeto e num Sujeito aos quais se atribui. Mas, por pouco separáveis
que sejam da sua atualização, o plano de imanência é em si mesmo virtual, tal como os
acontecimentos que o povoam são virtualidades. Os acontecimentos ou singularidades
dão ao plano toda a sua virtualidade, como o plano de imanência dá aos acontecimentos
virtuais uma plena realidade. (…) Há uma grande diferença entre os virtuais que
definem a imanência do campo transcendental, e as formas possíveis que o atualizam e
transformam em qualquer coisa de transcendente.» (Deleuze, 1995, p.3-7).
Figura 3 - N.ª Sr.ª da Nazaré para S. João das Lampas (fotografia de Romeu Costa)
No entanto ao longo da sua extensa carreira Romeu Costa levou a cabo diversas obras que surgiram não apenas do seu apelo criativo, mas de encomendas de diversas
proveniências. Desde logo o autor dá-nos a conhecer que o processo que desenvolve
para a criação é muito similar àquele que lhe dita o seu ímpeto artístico, sendo que
nestas circunstâncias acode a um apelo que lhe é exterior. Para a concretização da obra
elabora pesquizas históricas e contextuais que enquadrem a figura ou temática a ser
trabalhada. Isso permite-lhe ter uma perceção mais abrangente do universo em que a
personagem ou o tema a esculpir se situam. De alguma forma o seu critério para a
elaboração da obra é uma busca espiritual, através de cogitações sobre os aspetos
anteriormente abordados. A arte impõe-se assim por uma procura feita num espirito
transcendental. Tal como o verdadeiro é o local onde se encontram todos os valores, o
sagrado é o fim, o ideal transcendente, para o qual todos tendem naturalmente. A arte é
pois um patamar na ascensão para o absoluto tido como forma de encarnar o ideal no
real, ou o divino no Homem.
A figura 3 mostra uma imagem da Nª Sª da Nazaré com o menino, esta criação
surgiu duma encomenda do pároco de S. João das Lampas. Para esta obra o autor
adverte que trabalhou sobre o mito da Grande Mãe e da Criança Sagrada, que são temas
que têm atravessado os séculos, com diferentes apropriações e roupagens. A estátua foi
concebida em calcário de Lioz e representa a Virgem ou o eterno feminino, numa
aceção de contemplação e interioridade é pois, como Romeu informa, uma estátua
pisciana.
Da escultura inter-dimensional
Numa discursividade em que as peças parecem indagar o espetador imerso num
cosmos inter-dimensional. Este é um tema maior para o entendimento dos dispositivos
da obra em análise e das pesquizas desenvolvidas para a materialização artística. A
eloquência dos sinais percutidos torna-se mais real, entre as forças e ritmos, a dimensão
percecionada no espaço-tempo (Bergson, 2004) e a dimensão daquele que frui a obra e
que por isso está imanente a uma consciência particular.
Figura 4 e 5 - Neptuno (fotografia de Romeu Costa)
As imagens das figuras 4 e 5 dizem respeito a uma estátua que foi feita para a
Praia da Tocha em Cantanhede. É uma representação de Neptuno, também conhecido
como Posseidon é o Deus dos mares e oceanos da mitologia greco-romana. Geralmente
é representado como um ser metade homem, metade peixe que carrega um tridente
dourado, que se tornou o seu glifo na Astrologia. Romeu Costa revela que se considera
regra geral que a área do mapa astral na qual temos Neptuno nos mostra um ponto de
extrema sensibilidade. Consequentemente, o rei dos mares mostra nos nossos mapas
astrais onde temos a inclinação ao sonho, à fantasia e a fugir da realidade. No entanto é
sabendo essas lacunas que podemos aceder ás qualidades positivas que o próprio
Neptuno nos disponibiliza e que são absolutamente preciosas para o nosso
desenvolvimento e evolução enquanto seres humanos. Uma das mais importantes é a
intuição, enquanto capacidade de ultrapassar todas as adversidades e intempéries. Foi
nesta obra trabalhado o mito de Neptuno enquanto arquétipo. Segundo Carl Jung, os
arquétipos são memórias herdadas, representadas na mente como símbolos universais e
podem ser observados em sonhos e mitos. Os arquétipos ou mitos são estados de
entendimento ou concentrações universais de energia.
Á luz de Deleuze, há que pensar e criar conceitos, como dispositivos,
ferramentas, como algo que é inventado, criado, produzido a partir das condições dadas
e que opera no âmbito dessas condições. Assim o conceito é um dispositivo que faz
pensar. A nossa prática, como intercessores, coloca-nos em condição de não nos
refugirmos na “reflexão sobre”, mas operar, criar, experimentar, sem ser “agitando
velhos conceitos estereotipados como esqueletos destinados a intimidar toda a
criação…” (Deleuze e Guattari, 1992, p. 109). Deixando desta forma emergir as
multiplicidades e a criatividade, tal como é explanado na diversidade das obras de
Romeu Costa.
Figura 6 e 7 - S. Domingos em Castanheira de Pera (fotografia de Romeu Costa)
Na figura 7 observa-se Romeu Costa a dar os últimos retoques na estátua de S.
Domingos que é o padroeiro de Castanheira de Pera onde está atualmente. Esta
escultura surgiu na sequência de um concurso e a ideia original era a de fazer uma
idêntica à existente na igreja, datada do século XVIII. Romeu Costa argumentou para
ser feita uma obra atual e apresentou a proposta que se veio a concretizar nesta peça
construída com várias tipologias de pedra e que também mostra a sua mestria. O artista
informa que o desenrolar do processo impos os seus ritmos, com a conjugação das
diferentes partes para construir um todo edificado com uma incansável paciência e
perseverança. Estas pesquizas foram levadas a cabo por um olhar existencial que
elabora e comunica ideias e procura o entendimento da sua própria realidade afetivo-
emocional, na senda de um dispositivo tipo rizoma.
Aqui entrevem o conceito de rizoma segundo Deleuze e Guattari em que “Um
rizoma não cessaria de conectar cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrências
que remetem às artes, às ciências, às lutas sociais. Uma cadeia semiótica é como um
tubérculo que aglomera atos muito diversos, linguísticos, mas também, percetivos,
mímicos, gestuais, cogitativos... (Deleuze; Guattari, 2000, p. 16). O conceito deleuziano
de rizoma, que é um termo emprestado da botânica, é um sistema conceptual aberto,
sendo que nem todo o sistema conceptual aberto é um rizoma, há ainda outros aspetos
importantes do conceito, como o seu lado oculto, inicialmente invisível.
Figura 8 - Monumento ao Bombeiro em Armamar (fotografia de Romeu Costa)
A imagem da figura 8 é um monumento feito em bronze que homenageia os
bombeiros voluntários de Armamar. De facto os bombeiros têm perante as populações
uma imagem quase mítica, na medida em que por vezes põe em risco a própria vida,
para salvar pessoas e bens, adquirem assim, numa dada aceção, um estatuto quase de
herói contemporâneo. A importância da vida é também um aspeto basilar na obra de
Deleuze. Este ao conceber a vida como acontecimentos que se produzem como um
devir, um fazer-se, Deleuze desafia-nos com uma lógica do sentido e não fazendo
abstrações dos acontecimentos num a priori, já dado ou equacionado. Os
acontecimentos são singulares, não previsíveis na lógica de uma matriz identitária. Tal
como Deleuze, também Romeu Costa adverte que trabalha com processos novos, pois
ao criar, está abrindo passagem para outros processos que não o idêntico, como modos
de subjetividade, fazendo-se, acontecendo.
Se o sujeito, quer seja ele artista ou filósofo, é “produzido” por meio de forças
invisíveis, tal constituição faz com que, num primeiro momento, ele se considere como
sujeito ativo e iniciador do processo. É neste sentido que tal sujeito considera-se causa
das suas ações e das suas lembranças. Nesta situação, sendo-lhe impossível ter o
conhecimento das forças virtuais que possibilitaram a sua emergência, somente a obra
de arte ou o pensamento enquanto obra de arte – e é ai que se encontra a importância de
ambos – podem revelar o tempo ontológico do qual fazem parte as linhas, movimentos
ou ações vividos individualmente.
Logo, a experiência que a obra de arte proporciona ao artista consiste em nada
mais do que um salto ou uma experiência nesse tempo desdobrado nas suas várias
linhas coexistentes. Essa experiência permite ao artista ou pensador atingir os diversos
mundos ou dimensões que o constituem, as diferentes verdades que dizem respeito à sua
própria vida. Em outras palavras, a constituição da subjetividade já é uma
movimentação por esta subjetividade primeira, subjetividade do próprio tempo. Donde
Deleuze conclui que, ao contrário do se pensa usualmente, não é o tempo que é interior
ao homem, e sim o inverso, já que é o homem quem se move no interior desse tempo,
sendo a subjetividade uma dobra do tempo.
Figura 9 - Memorial da 1ª Participação Portuguesa nos Jogos Olímpicos (fotografia de Romeu Costa)
A imagem supra é o Monumento para consagrar a primeira participação
portuguesa nos Jogos Olímpicos, que se encontra no Comité Olímpico Português. Esta
peça foi feita em mármore e aço e pode-se considerar, nos termos de algumas passagens
de Deleuze, que representa uma poderosa vitalidade não orgânica. A sua simbologia é
evidente com a tocha olímpica, sendo o fogo considerado sagrado por muitos povos
desde a antiguidade. Os gregos tinham uma lenda segundo a qual o fogo teria sido
entregue aos mortais por Prometeu que o roubara de Zeus, para o dar aos humanos.
Romeu procurou nesta escultura representar a imponência do fogo e a perseverança dos
desportistas, enquanto a arte exprime pela sua visibilidade características que podem ser
paradoxais, mas que no entanto se harmonizam na composição.
Segundo Deleuze a tarefa da arte é produzir “signos” que nos levem a
ultrapassar os nossos hábitos preceptivos para o interior das condições de criação.
Quando percecionamos via o reconhecimento das propriedades da substância, vemos
tão-somente com um olhar banal pré-carregado de clichés. Nesse sentido, Deleuze cita
Francis Bacon: estamos perante uma obra de arte que produz um efeito sobre o sistema
nervoso, e não no cérebro. O que ele quer dizer com esta figura da linguagem é que, em
um encontro de arte, somos obrigados a experimentar o "ser do sensível." Nós
recebemos algo que não podemos reconhecer, algo que é "impercetível", não cabe num
modelo de produção hilemórfico de perceção em que os dados dos sentidos, a "matéria"
ou hyle de sensação, é ordenada por submissão à forma conceptual. Através da arte
acedemos à “sensação” ou ao ”ser do sensível”, o sentiendum.
Assim a filosofia é a criação ou construção de conceitos e por sua vez um
conceito é uma multiplicidade intensiva, inscrito num plano de imanência, e habitado
por "personagens conceptuais" que operam as máquinas conceptuais. Donde resulta que
a ciência cria funções num plano de referência e a arte cria um "bloco de sensação, isto
é, um composto de perceções.” (Deleuze; Guattari, 1992).
Conclusão
Do percurso e trabalho de Romeu Costa resulta uma espécie de ascese racional,
onde se vislumbra a presença primordial dos signos, a presença primordial da própria
escultura e onde existe uma transmutação de material informe em conceptualização
ontológica. Muitas das suas obras podem ser abordadas como a materialização daquilo
que Deleuze considera o ser-luz. Da mesma forma que o visível não se reduz a uma
coisa ou qualidade sensível, o ser-luz não se reduz a um meio físico, este ser-luz de
Deleuze é como uma estrutura, capaz de relacionar as visibilidades com a visão e ao
mesmo tempo com outros campos sensoriais, o que permite a penetração noutras
dimensões. A um dado nível poder-se-á considerar que o essencial dos debates da
atualidade se refere menos ao estruturalismo enquanto tal, à existência ou não de
modelos e meios a que se chama estruturas, do que ao lugar e ao estatuto atribuído ao
sujeito em dimensões que se supõe não estarem inteiramente estruturadas.
A obra de Romeu Costa abre como que uma janela para outras paisagens ou
dimensões. Nessa dimensão que é criada pela própria materialização da obra, construída
com as pesquizas e os investimentos não só monetários, mas também físicos,
ideológicos e teóricos. Evocando Deleuze «Ser digno do que acontece» que é aliás uma
máxima estoica, tantas vezes por ele mencionada, como o contrário do conformismo ou
da apatia e conseguir estabelecer possibilidades positivas das contingências da vida, é
estar à altura das circunstâncias como único garante de dignidade e capacidade de
criação.
As analogias entre o pensamento de Deleuze e a obra de Romeu Costa são claras
sobretudo no que se trata de criar condições de possibilidade do novo e das condições
objetivas da produção subjetiva da novidade. É de alguma forma a problemática
herdada de Bergson, de uma certa ontologia da criação. Donde resulta o plano da
imanência absoluta, a continuidade pensamento-ser, o acontecimento, o conceito não
como essência, mas como acontecimento. O plano de imanência define-se como vida,
ou como uma vida, isto porque para Deleuze, a vida não é essencialmente adaptação,
mas sim criação. Donde resulta que a vida é força criadora, e toda a criação é força de
vida manifesta, por isso o plano de imanência afirma a continuidade ontológica de todos
os processos criativos.
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