A Dieta Mediterrânica na Web EC

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1 A DIETA MEDITERRÂNICA NA WEB, UM POTENCIAL POR APROVEITAR Faculdade de Economia - Universidade do Algarve. Mestrado em Sociologia Mobilidades e Identidades Turismo, Patrimonialização e Identidades Sociais 17 de março de 2014 Eurídice Cristo n.º 9487 RESUMO: O presente artigo procurou abordar o tema Património Imaterial no contexto do fenómeno turístico a partir de um estudo de caso sobre a Dieta Mediterrânica, que teve por base a consulta de websites 1 de dois dos países que apresentaram a candidatura transnacional da Dieta Mediterrânica a Património Cultural Imaterial da Humanidade, à UNESCO 2 . Procurou-se observar se a dieta mediterrânica está a ser devidamente aproveitada para a promoção turística de Portugal e Espanha e das suas comunidades ‘representativas’ Tavira (Algarve) e Soria. Desenvolveu-se o tema com base na literatura, abordando a relação entre gastronomia e turismo. Aos valores associados à gastronomia enquanto experiência turística, tais como autenticidade, identidade, cultura e tradição juntam-se outros, ligados à dieta mediterrânica, tais como civilização mediterrânica, nutrição equilibrada e saúde, que vão ao encontro dos estilos de vida procurados hoje em dia pelas populações ocidentais. Isso representa um elevado potencial para a promoção dos destinos turísticos em questão. PALAVRAS-CHAVE: Dieta Mediterrânica; Património Cultural; Gastronomia; Turismo. ABSTRACT: This article sought to address the Intangible Heritage theme in the context of tourism phenomenon from a case study on the Mediterranean Diet, which was based on the consultation of websites of two of the countries involved on the transnational nomination of the Mediterranean Diet as UNESCO Humanity Intangible Cultural Heritage. The intention was to observe whether the Mediterranean diet is being fully exploited for tourism promotion of Spain and Portugal and their 'representative' communities Tavira (Algarve) and Soria. The theme was developed based on the literature addressing the relationship between gastronomy and tourism. Along with the values that are linked to gastronomy as tourist experience, such as authenticity, identity, culture and tradition values, the Mediterranean Diet brings another, such as Mediterranean civilization, balanced nutrition and health, which meet the current lifestyles of Western populations. This represents a high potential for the promotion of the concerned tourist destinations. KEYWORDS: Mediterranean Diet; Cultural Heritage, Food, Tourism. 1 Optou-se por se utilizar o término website em vez de sítio da internet por ser o mais comumente usado em Portugal. Também se utilizam outros términos em inglês, familiares ao utilizador da internet, como por exemplo, front page, search, link, etc…Apresentam-se em itálico. 2 Concretamente Portugal e Espanha.

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1

A DIETA MEDITERRÂNICA NA WEB, UM POTENCIAL POR APROVEITAR

Faculdade de Economia - Universidade do Algarve. Mestrado em Sociologia –

Mobilidades e Identidades

Turismo, Patrimonialização e Identidades Sociais

17 de março de 2014

Eurídice Cristo n.º 9487

RESUMO: O presente artigo procurou abordar o tema Património Imaterial no contexto

do fenómeno turístico a partir de um estudo de caso sobre a Dieta Mediterrânica, que

teve por base a consulta de websites1 de dois dos países que apresentaram a candidatura

transnacional da Dieta Mediterrânica a Património Cultural Imaterial da Humanidade, à

UNESCO2. Procurou-se observar se a dieta mediterrânica está a ser devidamente

aproveitada para a promoção turística de Portugal e Espanha e das suas comunidades

‘representativas’ Tavira (Algarve) e Soria. Desenvolveu-se o tema com base na

literatura, abordando a relação entre gastronomia e turismo. Aos valores associados à

gastronomia enquanto experiência turística, tais como autenticidade, identidade, cultura

e tradição juntam-se outros, ligados à dieta mediterrânica, tais como civilização

mediterrânica, nutrição equilibrada e saúde, que vão ao encontro dos estilos de vida

procurados hoje em dia pelas populações ocidentais. Isso representa um elevado

potencial para a promoção dos destinos turísticos em questão.

PALAVRAS-CHAVE: Dieta Mediterrânica; Património Cultural; Gastronomia; Turismo.

ABSTRACT: This article sought to address the Intangible Heritage theme in the context

of tourism phenomenon from a case study on the Mediterranean Diet, which was based

on the consultation of websites of two of the countries involved on the transnational

nomination of the Mediterranean Diet as UNESCO Humanity Intangible Cultural

Heritage. The intention was to observe whether the Mediterranean diet is being fully

exploited for tourism promotion of Spain and Portugal and their 'representative'

communities Tavira (Algarve) and Soria. The theme was developed based on the

literature addressing the relationship between gastronomy and tourism. Along with the

values that are linked to gastronomy as tourist experience, such as authenticity, identity,

culture and tradition values, the Mediterranean Diet brings another, such as

Mediterranean civilization, balanced nutrition and health, which meet the current

lifestyles of Western populations. This represents a high potential for the promotion of

the concerned tourist destinations.

KEYWORDS: Mediterranean Diet; Cultural Heritage, Food, Tourism.

1 Optou-se por se utilizar o término website em vez de sítio da internet por ser o mais comumente usado em Portugal. Também se utilizam outros términos em inglês, familiares ao utilizador da internet, como por exemplo, front page, search, link, etc…Apresentam-se em itálico. 2 Concretamente Portugal e Espanha.

2

1. ANÁLISE DE CASO

ENQUADRAMENTO

A dieta mediterrânica foi classificada como Património Imaterial da

Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e

Cultura (UNESCO) em Baku, no Azerbaijão, no passado dia 4 de Dezembro de

2013.3

METODOLOGIA

A consulta dos websites partiu do particular para o geral, seguindo as

seguintes etapas: Cidade/Região de partida da candidatura, Província/Região a

que pertence, Outro destino turístico do país, País. Este procedimento foi efetuado

para os websites de Portugal (Tavira, Algarve, Lisboa e Portugal) e de Espanha

(Soria, Barcelona, Espanha).

Sempre que possível fez-se uma navegação pelo website, de secção em

secção, tendo em conta a relevância do tema para o presente estudo (por exemplo,

secções de gastronomia, cultura, património, etc…) e, de seguida, a utilização do

mecanismo search.

Apresenta-se, de seguida, os resultados das consultas.

3 A classificação diz respeito a uma candidatura transnacional, apresentada por Portugal aliado à Croácia e Chipre, mas também à Espanha, Marrocos, Itália e Grécia – estes últimos quatro países tinham já os seus nomes e a dieta mediterrânica respetiva inscritos nos bens patrimoniais da Unesco desde 2010, mas associaram-se agora aos outros três numa candidatura renovada e mais abrangente. A candidatura portuguesa da “Dieta Mediterrânica” consistiu na primeira candidatura transnacional apresentada pelo Estado Português à Lista Representativa do Património Imaterial da Humanidade, e que se destina a reforçar o reconhecimento internacional desta expressão cultural alargada, no âmbito da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial. A decisão foi tomada durante a 8.ª Sessão do Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da UNESCO, onde esteve presente uma delegação portuguesa, liderada pela Câmara de Tavira. De notar, que também foi aquele Município que liderou a candidatura dos restantes países. http://www.turismodeportugal.pt/Português/AreasAtividade/desenvolvimentoeinovacao/Pages/DietaMediterranicaclassificadapelaUNESCOcomoPatrimonioImaterialdaHumanidade.aspx

3

PORTUGAL

Tavira

Município de Tavira: http://www.cm-tavira.pt/site/

O website do município de Tavira, na sessão ‘Gastronomia e Vinhos’ tem

uma parte dedicada à Dieta Mediterrânica e à candidatura. Aqui podemos

encontrar também o vídeo promocional.

A pesquisa por dieta mediterrânica originou muitos resultados: uma lista

imensa de notícias, eventos, exposições, de onde se destaca, a título de curiosidade:

- “Dieta Mediterrânica tema de carnaval infantil”;

- "Dieta Mediterrânica, património cultural milenar em exposição”.

Algarve

Turismo do Algarve: http://www.turismodoalgarve.pt

Na secção ‘Imprensa’ encontrou-se uma notícia de 24.01.2014 – “Algarve

aposta no turismo cultural”, que refere “a valorização da gastronomia pela Dieta

Mediterrânica, recentemente classificada Património Imaterial da Humanidade pela

UNESCO”.

Turismo do algarve: www.visitalgarve.pt/

Na secção ‘Cultura’ há um texto intitulado História, Gastronomia,

Entretenimento, Festivais e Eventos, que salienta as Cataplanas e as Caldeiradas de

peixe entre outras “iguarias típicas do Algarve”.

Não há qualquer referência explícita à dieta mediterrânica.

4

Lisboa

Turismo de Lisboa: http://www.visitlisboa.com/

Na secção ‘Gastronomia’ existe uma referência à comida mediterrânea: “Em

Lisboa, encontrará também o melhor da cozinha mediterrânea, pão, azeite, queijo,

enchidos e uma grande variedade de petiscos.”

A pesquisa por dieta mediterrânica originou 1 resultado: ‘Comidas do

Mundo’, um evento gastronómico que decorreu de 20 a 24 de fevereiro de 2014.

Portugal

Turismo de Portugal: http://www.turismodeportugal.pt/

Da pesquisa por dieta mediterrânica resultaram 3 referências. Em ‘Boas

Práticas e Tendências” faz-se o enquadramento da candidatura à UNESCO.

Turismo de portugal: www.visitportugal.com

O website tem uma secção bastante desenvolvida sobre ‘Dieta Mediterrânica’.

No entanto, não é fácil chegar a ela, há que ir a ‘Sugestões’, na parte de baixo do

website. Aqui começa-se por se salientar o aspeto identitário: “A Dieta Mediterrânica,

classificada Património Mundial pela Unesco, faz parte do bilhete de identidade da

gastronomia portuguesa.”

Neste website é visível o esforço de ligação da dieta mediterrânea a toda a

gastronomia portuguesa. A questão da identidade está reportada ao nível nacional. Nas

sugestões gastronómicas houve o cuidado de se apresentar pratos de diversas regiões do

país: o caldo verde do Norte, as receitas alentejanas à base de pão e a cataplana do

Algarve.

Destaca-se a cozinha simples e frugal, os alimentos de ‘época’, a saúde.

Também se fala no convívio à volta da mesa, da “convocação e transmissão de saberes”,

da “celebração intercultural e entre gerações”, da diversidade de produtos da terra e do

5

mar, mar esse que não obstante ser atlântico, na forma de estar e de comer, se associa ao

Mediterrâneo.

Em ‘informações úteis’, remete-nos para o website Prove Portugal.

Prove Portugal: www.proveportugal.pt

O portal pretende “aumentar a visibilidade e o reconhecimento internacional da

gastronomia portuguesa, sustentada em produtos genuínos de grande qualidade”.

Sendo a navegação difícil4

partiu-se logo para pesquisa por dieta

mediterrânica.

Não há referência ao reconhecimento da UNESCO.

ESPANHA

Soria

Ayuntamiento de Soria: www.soria.es

Existe uma referência à gastronomia de Soria, que oferece “variedad de

productos tradicionales (...) con nuevas materias primas de calidad y con identidad

propiá.”

Não existe referência explícita à dieta mediterrânica.

A procura por dieta mediterrânica apresentou 4 notícias, sendo a mais recente

de 1/08/2010 – 12:02, sobre uma horta municipal que se fez “aprovechando unos

terrenos municipales junto a la calle Dieta Mediterránea”. 5

Este website tem pouca informação e está pouco atrativo. Nos links de interesse

apenas remete para “Soria wikipedia”.

4 Na maior parte das vezes não era visível os títulos das secções. 5 (http://www.soria.es/actualidad/la-segunda-fase-de-los-huertos-municipales-arrancara-en-2014-avalada-

por-el-exito-de-lo-0)

6

Turismo de Soria: http://www.spain.info/es/que-quieres/ciudades-

pueblos/otros-destinos/soria.html

Sobre a gastronomia diz-se o seguinte:

La gastronomía soriana tiene en los derivados del cerdo y en los asados

de cordero sus principales aliados. Conserva, asimismo, otros platos de

tradición pastoril, como las migas (a base de pan, ajo y cerdo) y la

caldereta (guiso de cordero). La mantequilla es uno de los productos

artesanales más típicos de Soria.

Não há qualquer referência à dieta mediterrânica.

Barcelona

Fundación Dieta Mediterránea6: http://dietamediterranea.com/

É um website com muita informação sobre a dieta mediterrânica. Apresenta-a do

ponto de vista nutricional e também do ponto de vista cultural e social, destacando o

estilo de vida, as celebrações e as tradições:

A antiga palavra grega diaita, de onde deriva dieta, significa estilo de vida equilibrada e isto é exatamente o que é a Dieta Mediterrânea, muito mais do que um padrão nutricional.

Refere a localização geográfica dando ênfase ao ‘mediterrâneo’: “Algo más que

un mar (...) Mediterráneo, del latín mediterraneus, mar entre tierras”.

Aqui estão devidamente enfatizados os aspectos e valores que se pretende

associar à dieta mediterrânica:

- Simplicidade, variedade e sustentabilidade (“productos frescos, locales y de

temporada”);

- Tradição e património cultural (“valiosa herencia cultural”);

- Inovação (“Ha ido evolucionando (...) e incorporando sabiamente, nuevos

alimentos y técnicas”);

- Partilha, convívio e socialização (“ Los alimentos …el Mediterráneo

convocan”);

6 A FDM faz parte da parceria do projeto SlowMed – Slow Food as a menas of Dialogue in Mediterranean Contexts, cofinanciando pelo programa ENPI CBC MED. (http://www.in-loco.pt/pt/projectos/20140304/slowmed-slow-food-as-a-means-of-dialogue-in-mediterranean-contexts/

7

- Hábitos de vida saudáveis (“dieta equilibrada, variada y con un aporte de

macronutrientes adecuado”).

Catalunha: http://www.catalunya.com/

Na secção ‘Património Mundial’ existe um link para “património cultural da

UNESCO”, que remete para a página Generalitat de Catalunya (gencat) 7. Uma das

nove referências de património mundial apresentadas é “la dieta mediterrânea”:

Na secção ‘Gastronomia’ pode-se ler:

Tras la cocina catalana actual hallamos la historia de un país, un

territorio, una forma de ser y de hacer. Es por este motivo que se ha

presentado la candidatura a la Unesco, con el fin de que sea

reconocida como Patrimonio Inmaterial de la Humanidad.8

7 http://www20.gencat.cat/portal/site/Patrimoni/menuitem.a953ae2225e3a5cd3f6c8910b0c0e1a0/?vgnextoid=68075356066b0110VgnVCM1000000b0c1e0aRCRD&vgnextchannel=68075356066b0110VgnVCM1000000b0c1e0aRCRD&vgnextfmt=default&newLang=es_ESc 8 http://www.catalunya.com/que-quieres-hacer/gastronomia

8

Ainda no website da Generalitat de Catalunia existe um link para uma “gastroteca”

http://www.gastroteca.cat/. Aqui a procura por ‘dieta mediterrânea’ originou 18

resultados: 5 produtos, 3 locais ‘onde comprar’ e 10 sítios ‘onde degustar’.9

Espanha

Portal Tasting Spain: www.tastingspain.es

Na secção “Costumbres y tradiciones” há um pequeno texto sob o título

“Nuestro mejor património”:

Esta gastronomía centenaria ha sido reconocida internacionalmente. En

el año 2010 fue declarada por la UNESCO como Patrimonio Cultural e

Inmaterial de la Humanidad por ser mucho más que una alimentación

saludable y consolidarse como una cultura que propicia la interacción

social, el respeto hacia la tierra y la biodiversidad, y la conservación de

actividades tradicionales y artesanales vinculadas a la agricultura y a la

pesca.

Em “Gastronomía”, há uma subsecção intitulada “Visión Territorial”. A

encabeçar o texto está o título “100% MEDITERRÁNEO”. Aqui faz-se referência à

Costa Mediterrânica, designada também por “El Levante”.

9 Do meu ponto de vista isto é particularmente interessante pois mostra que existem 10 restaurantes já referenciados como locais de degustação da dieta mediterrânica.

9

2. DESENVOLVIMENTO

TURISMO PATRIMONIAL, GASTRONOMIA E TURISMO

Palmer 10

aborda a relação entre turismo patrimonial e identidade nacional,

defendendo que uma das razões porque o turismo patrimonial é tão popular e prevalente

é porque as imagens apresentadas revelam um passado que as pessoas reconhecem

como seu. Confere unidade e é intemporal.

Contudo, até há pouco tempo, raramente a gastronomia raramente fazia parte das

listas classificativas do Património dos destinos turísticos. Em 1999, Westering referia

que “although it is generally seen as a part of culture it is not seen as an aspect of

heritage.” 11

Westering entende a relação entre gastronomia e património como um elemento-

chave de motivação para a viagem turística e defende que as comidas e as bebidas têm

uma identidade geográfica. A comida fornece um mapa de referência. Algumas comidas

são rapidamente identificadas com um país ou região. Para além disso, por alguma

razão indefinida, os produtos locais sabem melhor no local de origem.12

Isto vai ao encontro do conceito de Bell & Valentines13

de ‘comer o local’. O

ambiente da refeição confere uma experiência muito mais significante do que apenas

comer e beber os produtos locais, é algo que não pode ser replicado em mais nenhum

lugar.14

Os turistas buscam maior autenticidade e experiências reais. 15

Nessa busca

privilegiam a cozinha local, pois a comida é talvez um dos últimos campos de

‘autenticidade’16

que os turistas podem pagar.17

10 1999: 319 11 Este aspeto também se apreende pela visualização dos websites pois a gastronomia nunca aparece incluída na secção Património, esta apenas inclui locais de património material (cultural ou natural). 12 Westering, 1999: 75-79 13 (1997, citados por Westering, 1999:80) 14 Westering, 1999: 80 15 Poon, 1994, citada por Westering, 1999:78 16 A questão do autêntico e da autenticidade da atração turística remete-nos para um debate mais vasto que não é aqui aprofundado. 17 MacCannel, 1973: 597

10

Através da autentificação, a linguagem do turismo responde a um dos

sentimentos mais universais da humanidade: uma nostalgia pelos bons velhos tempos18

,

levando à criação de mitos românticos como a crença na autenticidade e a tradição

gastronómicas.19

A indústria do turismo apoia-se no potencial dos mitos para promover

e vender destinos e atrações turísticas.20

Menasche (2013) também aborda a relação entre a comida e o património,

procurando explicar porque a dieta mediterrânea21

passou a integrar a Lista

Representativa do Património Cultural Imaterial da UNESCO.

O ato de comer tem uma enorme importância social22

e as suas múltiplas formas

podem ser tomadas como indicadoras da diversidade cultural existente23

. É o uso

ideológico da diversidade que torna possível converter a comida em património.24

A relação entre comida e identidade pode ser objeto de perceções negativas,

propiciando estereótipos25

e discriminações sociais “entre lo que es comido por

nosotros y lo que es comido por los otros” (26

). Não obstante, também pode converter-

se num valor positivo.

Com efeito, os benefícios criados por uma identidade gastronómica única e

memorável são imensos. Através dessa identidade os destinos turísticos tornam-se

jogadores importantes no turismo gastronómico, um nicho de mercado em contínuo

crescimento.27

Esses destinos tendem a atrair um grupo-alvo bastante lucrativo: turistas

de classe média alta que apreciam identidades gastronómicas únicas e memoráveis.28

18 Lévi-Strauss, 1966, citado por Fox, 2007:555 19 Fox, 2007:555 20 Palmer, 1999:316 21 Assim como a gastronomia francesa e a cozinha tradicional mexicana. 22 Da Mata, 1987:22, citado por Menasche, 2013: 182 23 Menasche, 2013: 182 24 Menasche, 2013: 186 25 Por exemplo, os italianos comem pasta, os alemães batatas. 26 Menasche, 2013: 184 27 Fox, 2006: 547 28 Eg. Bordieu, 1998; Olsen et al., 2000 ; Corrigan, 2004, citados por Fox, 2007:547.

11

3. CONCLUSÕES

É inegável que o turismo cultural é um mercado cada vez mais importante e que

se verifica uma tendência crescente para a importância da gastronomia na viagem

turística. 29

Desta forma, a gastronomia pode ser vista como uma força de suporte,

desenvolvimento e promoção do património. Desempenha um papel na promoção do

turismo, ‘per se’; na construção e manutenção do património e como catalisador para

uma atração turística composta. A comida edifica, assim, a natureza do turismo. 30

A marca «dieta mediterrânica» possui um elevadíssimo potencial de mercado que

pode ser melhor aproveitado para a promoção dos destinos turísticos31

. Em si reúne

argumentos e valores fortes, reconhecidos globalmente:

– O próprio nome remete-nos para o Mediterrâneo, espaço geográfico com um

significado cultural forte, associado ao ‘berço da civilização ocidental’ e que abarca

destinos turísticos bastante importantes como Itália, Grécia, França e Espanha. Recebe

cerca de 100 milhões de visitantes/ano.32

– O rótulo «mediterrâneo» passou a ser equivalente ao atributo “saúde”, indo ao

encontro das preocupações atuais, no mundo ocidental, de saúde e bem-estar.33

– É cada vez maior o reconhecimento da gastronomia enquanto elemento cultural

e patrimonial de uma região bem como da sua importância para a atratividade turística

da mesma.

– A inscrição enquanto património imaterial da Humanidade, da UNESCO,

confere uma dimensão internacional e uma projeção à escala global, perspetivando um

aumento do número de visitantes nas regiões mediterrânicas.

Nos websites consultados nota-se que se atribui importância à gastronomia para

a valorização turística do destino reconhecendo-se o papel que desempenha na

veiculação da identidade, autenticidade e qualidade do mesmo. Apesar disso, em muitos

dos casos, o recurso à marca ‘dieta mediterrânica’ ainda não se verifica ou é incipiente.

29 Richard, 1996, citado por Westering, 1999:78 30 Westering, 1999:81 31 Neste caso do Algarve/Portugal e de Soria/Espanha. 32 Dieta Mediterrânica Algarvia 33 Garcia, 2001: 31)

12

A marca ainda não está devidamente aproveitada pelas entidades responsáveis

pelo Turismo dos países e regiões envolvidas.

Em Portugal e em Espanha parece haver posições contrárias.

Em Portugal, é notório o “apadrinhamento” por parte de Tavira, que se traduz

em inúmeros eventos projetados em notícias nos media. Ao mesmo tempo verifica-se

um certo ‘alheamento’ por parte de Portugal e de Lisboa, como se a marca não fosse

relevante para a promoção turística dos destinos. Talvez porque não a sintam como algo

‘deles’.

Em Espanha, é curioso notar que a maior promoção à dieta mediterrânica é feita

pela Fundação Dieta Mediterránea, de Barcelona34

, e não pela região de Soria. Seria

interessante explorar as motivações políticas que levaram à escolha de Soria como

localidade porta-estandarte da dieta mediterrânica espanhola.35

Também é curioso notar

que os websites de Soria estão desatualizados no que respeita a este tema, apresentando

apenas notícias de 201036

, sem qualquer alusão aos desenvolvimentos recentes.

Verificou-se que, mesmo quando não há referência explícita à dieta

mediterrânica, a gastronomia local é amplamente reconhecida, nos websites visitados,

como um elemento cultural identitário do destino e amplamente divulgada e promovida

como atração turística. Salientam-se os valores da autenticidade, da tradição e herança

cultural, mas também da modernidade, da preocupação pela saúde, da criatividade, da

fusão de culturas, do estilo de vida.

Como defende Palmer 37

, as atrações patrimoniais são negócios que operam num

mercado turístico muito competitivo, o que justifica que, por questões de sobrevivência,

se utilize o senso comum do marketing – se uma boa história vende, porque não fazê-

lo?

O mesmo se poderá aplicar ao património imaterial e ao caso concreto da dieta

mediterrânea: - “Se uma boa história vende, porque não fazê-lo?” 38

34 Entidade parceira do projeto SlowMEd, já referido anteriormente. 35 Esse não era, contudo, o objetivo do presente trabalho, nem a consulta da web evidenciou essas motivações 36 Altura em que Espanha inscreveu a ‘dieta’ na UNESCO 37 1999: 319 38 Esta última observação e a paráfrase são da minha autoria.

13

BIBLIOGRAFIA E WEBSITES CONSULTADOS

Para a análise de caso

Tavira

http://www.cm-tavira.pt/site/ - consultado em 8-03-2014, 12:14

http://www.cm-tavira.pt/site/etiquetas/turismo - consultado em 8-03-2014, 12:08

Algarve

http://www.turismodoalgarve.pt/home.html - consultado em 8-03-2014, 11:47

http://www.visitalgarve.pt/ - consultado em 8-03-2014, 11:52

http://www.in-loco.pt/pt/projectos/20140304/slowmed-slow-food-as-a-means-of-

dialogue-in-mediterranean-contexts/, consultado em 13-03-2014, 20:20

Lisboa

http://www.visitlisboa.com/ - consultado em 8-03-2014, 12:03

Portugal

http://www.visitportugal.com/pt-pt/node/199728 - consultado em 16-03-2014, 17:51

http://www.turismodeportugal.pt/ e

(http://www.turismodeportugal.pt/Português/AreasAtividade/desenvolvimentoeinovaca

o/Pages/DietaMediterranicaclassificadapelaUNESCOcomoPatrimonioImaterialdaHuma

nidade.aspx) - consultado em 8-03-2014, 11:22

http://www.proveportugal.pt/ e (http://www.proveportugal.pt/gastronomia/dieta-

mediterranicax) - consultado em 8-03-2014, 11:34

http://www.turismodeportugal.pt/ e

(http://www.turismodeportugal.pt/Português/AreasAtividade/desenvolvimentoeinovaca

o/Pages/DietaMediterranicaclassificadapelaUNESCOcomoPatrimonioImaterialdaHuma

nidade.aspx) - consultado em 8-03-2014, 11:22

http://www.proveportugal.pt/ e (http://www.proveportugal.pt/gastronomia/dieta-

mediterranicax). - consultado em 8-03-2014, 11:34

Soria

http://www.soria.es/turismo/gastronomia - consultado em 15-03-2014, 17:42

http://www.fundacioncajarural.net/ - consultado em 13/03/2014, 20:56

Barcelona

http://www.catalunya.com/ -consultado em 15-03-2014, 18:25.

14

http://dietamediterranea.com/ e

http://dietamediterranea.com/mediterraneo/dieta-mediterranea-y-la-unesco/ - consultado em 13/03/2014, 20:30

Espanha

http://www.tastingspain.es/

Internacional

http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?lg=en&pg=00002 e http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?lg=en&pg=00482&activityID=00094

http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?lg=en&pg=00011#tabs

(http://www.unesco.org/archives/multimedia/index.php?s=flvplayer&pg=33&vo=2&vl=Eng&id=1680 -consultados em 13/03/2014, 20:09.

Para o desenvolvimento

Dieta Mediterrânica Algarvia, disponível em: http://www.drealg.net/moodle2/pluginfile.php/3523/mod_resource/content/1/dietmed_versao_por_reduzido.pdf e

Fox, R. (2006). Reiventing the gastronomic identity of Croatian tourist destinations. Hospitality Management 26 (2007), pp. 546-559.

Garcia, R. (2001). Dieta Mediterrânea: Inconsistências ao se preconizar modelos de dieta. Cadernos de Debate, Vol. VIII, pp. 28-36.

Liso, J. (1997). Salud y Dieta Mediterránea Castellano-Leonesa. Fundación Científica Caja Rural de Soria. Ingrabel, Soria. Disponível em http://www.fundacioncajarural.net/pages/publicaciones/pubindex.html

MacCannell (1973). Staged Authenticity: Arrangements of Social Space in Tourist Settings. The American Journal of Sociology, Vol. 79, No. 3, pp.589-603. Disponível em: http://www.jstor.org/discover/10.2307/2776259?uid=3738880&uid=2&uid=4&sid=21103756796363

Menasche (2013). Cuando la comida se convierte en patrimonio: puntualizando la discussión. Patrimonio Inmaterial, museos y sociedade, Balances y perspectivas de futuro, pp. 180-187. Ministerio de Educación, Cultura y Deporte.

Palmer, C (1999). Tourism and the symbols of identity. Tourism Management 20, pp. 313 – 321.

Westering, J. (1999). Heritage and Gastronomy: The pursuits of the ‘new tourist’. International Journal of Heritage Studies, 5:2, 75-81. Disponível em http://dx.doi.org/10.1080/13527259908722252