A complexidade do simples - Criação do conto musical 'A Caixa dos Laços'

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Rudesindo Soutelo A COMPLEXIDADE DO SIMPLES Criação do conto musical A Caixa dos Laços Mestrado em Educação Artística Área de Especialização em Educação Artística Trabalho efetuado sob a orientação da Professora Eugénia Moura Setembro de 2010 Nota: Redigido ao abrigo das normas do Acordo Ortográfico

Transcript of A complexidade do simples - Criação do conto musical 'A Caixa dos Laços'

Rudesindo Soutelo

A COMPLEXIDADE DO SIMPLES Criação do conto musical

A Caixa dos Laços

Mestrado em Educação Artística Área de Especialização em Educação Artística

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Eugénia Moura

Setembro de 2010

Nota: Redigido ao abrigo das normas do Acordo Ortográfico

Citação bibliográfica:

Soutelo, R. (2010). A complexidade do simples – Criação do Conto Musical 'A Caixa dos

Laços'. (PDF ed.). Vila Praia de Âncora, Portugal: Autor.

© 2010 by Rudesindo Soutelo

www.soutelo.eu

À Nela

Agradecimentos

Uma vida inteira dedicada à música precisaria de muitas páginas para mencionar todas

aquelas pessoas que puseram o seu grau de sabedoria na construção do meu ser. A todas

elas lhes estou muito agradecido, mesmo às que não foram coincidentes ou manobraram

com intenções pouco benévolas porque o seu contributo também foi essencial para o meu

crescimento. Da interação de absolutamente toda essa abundante confluência de

sabedoria é que posso pôr em ebulição as ideias e criar arte, cultura e economia, quer

dizer, conhecimento. Muito obrigado.

Mas a concretização desta dissertação de mestrado tem nomes em destaque. Em primeiro

lugar –“in principio erat verbum”– a Doutora Eugénia Moura que, para além de paciente

orientadora, foi quem me pôs a fervilhar as ideias com a encomenda de um conto musical;

espero que esteticamente goste da obra resultante. A Doutora Anabela Moura, criadora e

‘animadora’ do Mestrado de Educação Artística no IPVC que me encorajou a candidatar-

me. O Doutor Carlos Almeida, coordenador do Mestrado, pela disponibilidade constante.

Os Professores que desenvolveram a parte curricular, pela sua paciência, nomeadamente

aqueles com os que mantenho manifestas discrepâncias estéticas e artísticas, porque me

obrigaram a apurar os argumentos. A bibliotecária, Sónia Silva, pela ajuda em encontrar

alguns livros esgotados. Os colegas de mestrado, pelos ânimos que mutuamente nos

transmitimos. Os meus alunos, porque tiveram de refletir sobre os enigmas. Os amigos,

conhecidos e contactos diversos, por participar nas minhas teimas lendo, comentando ou

discutindo os meus escritos.

Os laços deste conto nunca seriam o que são sem os pincéis de Núria Guardiola, artista

plástica que transforma os meus laços em obras de arte e portanto em peças únicas,

mágicas e inspiradoras, pelo que lhe estou transcendentemente agradecido.

Fora de protocolo, um agradecimento muito especial, intemporal, sonoro e vibrante à

Professora Manuela Moura que lê, relê, faz sugestões e depura todos os textos que

produzo, e ainda ‘triangulou’ o conto com os seus alunos.

Direta ou indiretamente providenciaram contributos valiosos para este relatório, e pelos

quais estou muito agradecido, os alunos da Turma A do 5º ano da EB de Vila Praia de

Âncora (Alex, Ana, Bruno, César, Eduarda, Fernando, Inês, João M., João P., Joaquim,

Jorge, Juliana, Mafalda, Maria, Mariana, Marta, Marta[2], Miguel V., Miguel P., Mónica,

Nuno, Rafaela, Tatiana e Tiago) e a Turma de Área de Projeto e o Coro da Academia de

Música Fernandes Fão de Vila Praia de Âncora (Alexandra, Ana, Júlia, Carlos, Catarina,

Cláudia, Eva, Frederico, Joana, José F., José M., Maurício, Miguel, Pedro, Rúben, Sara,

Sofia, Tânia, Teresa N. e Teresa F.).

E a nível pessoal o agradecimento estende-se a: Rafael Araújo, Lurdes Brito, Duarte

Carvalhosa, Carlos Durão, Ana Escoval, Idílio Fernandes, Carla Ferreira, Emília Ferreira,

Ana Garcia, Flor Gomes, Susana Gonçalves, Margarida Silva, Ernesto Vázquez-Sousa e,

por me auxiliar na tradução inglesa, Jõao Miguel Alves.

Ainda a todos os que contribuíram mas não foram citados, para não fazer esta lista

interminável ou porque não tenho registo do seu contributo, e também aos que nunca

contribuíram mas que de algum modo estão no meu universo, quero expressar-lhes aqui a

minha mais profunda gratidão porque entre todos permitem-me ser quem sou e até

conseguem o milagre de que tudo corra bem para mim.

Muito obrigado.

ÍNDICE

Resumo ...................................................................................................................... 9

Abstract .................................................................................................................... 10

1. ABERTURA ............................................................................................................. 11

Prelúdio .................................................................................................................... 11

Introito ...................................................................................................................... 12

Pertinência ............................................................................................................... 13

Intuição, estratégia e ordem do Caos ...................................................................... 14

Dupla linguagem e transcendência .......................................................................... 15

2. O CONHECIMENTO DO CONHECIMENTO ........................................................... 18

Instinto ..................................................................................................................... 18

Neurociência ............................................................................................................ 19

Currículo Nacional do Ensino Básico ....................................................................... 21

A arte de educar os sentidos ................................................................................... 22

Antecedentes filosóficos .......................................................................................... 24

Interpretativismo ...................................................................................................... 25

Transmodernidade ................................................................................................... 27

Construtivismo ......................................................................................................... 28

Do princípio de razão suficiente ao princípio de razão inteligente ........................... 30

Complexidade essencial .......................................................................................... 31

Inferência ................................................................................................................. 33

3. A CIÊNCIA DO MÉTODO ........................................................................................ 37

Fundamentos e Organização ................................................................................... 37

Paradigma ................................................................................................................ 38

Enfoque qualitativo .................................................................................................. 38

Etnográfico, Narrativo ou Fenomenológico .............................................................. 39

Estudo de Caso ....................................................................................................... 40

A favor e em contra .................................................................................................. 41

Dados ....................................................................................................................... 41

Triangulação ............................................................................................................ 42

Ética .................................................................................................................... 43

Ilação ....................................................................................................................... 43

4. O PERCURSO DA CRIAÇÃO ................................................................................. 45

Emergência da Ideia ................................................................................................ 45

Público-alvo ............................................................................................................. 46

A adivinha e o enigma da arte ................................................................................. 48

Conteúdo de verdade .............................................................................................. 50

Destruição da aura .............................................................................................. 53

Batalha do “formal” ............................................................................................. 54

Ritualidade .......................................................................................................... 56

Pensamento único .............................................................................................. 56

Construção da verdade ....................................................................................... 58

Ópio para o povo ..................................................................................................... 61

Pré-análise............................................................................................................... 63

5. O CONTO ................................................................................................................ 67

Avaliação ................................................................................................................. 77

Excertos das interações ...................................................................................... 78

Música ................................................................................................................. 81

Orquestração ........................................................................................................... 83

Edição e Direitos do Autor ....................................................................................... 84

6. POSLÚDIO .............................................................................................................. 86

Re-exposição ........................................................................................................... 86

‘Coda’ para o futuro ................................................................................................. 87

Cadência final .......................................................................................................... 90

7. BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 91

ANEXOS ...................................................................................................................... 96

1.Tabela e excertos musicais .................................................................................. 96

2. Interações de adultos, enviadas ao correio eletrónico do autor ........................ 106

3. Interações Turma 5º/A da EB de Vila Praia de Âncora ..................................... 115

4. Interações da Turma de Área de Projeto da AMFF (V.P. Âncora) .................... 120

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Resumo

A necessidade de abordar novos desafios criativos que diversifiquem o catálogo de

obras, levou o compositor a considerar a criação de uma ‘peça de arte amiga das

crianças’. Uma série de circunstâncias pessoais, que eram simples anedotas, passaram

para primeiro plano ao receber uma encomenda para compor um conto musical. Numa

mudança de cidade, o transporte perdera uma caixa com a coleção de laços do

compositor e isso transformou-se na amêndoa da obra.

A encomenda oferece a segurança de que a obra vai ser estreada e, neste caso, com

um importante número de reposições mas o que alicia principalmente o compositor é a

oportunidade de contribuir para uma possível mudança de conceitos estéticos e

musicais nos futuros adultos.

A criação de um conto musical ‘para educar os sentidos’ evocando a transcendência,

levou a uma indagação em disciplinas longínquas mas com alguma ligação à

experiência da arte. Na filosofia, jogando um papel estruturador do pensamento no texto

do conto, tem a Teoria Estética de Adorno como pedra basilar mas faz um longo

percurso desde Platão e Aristóteles até Habermas, Foucault, Vattimo e Rodríguez-

Magda entre outros. A recolha dos contributos da neurociência, do evolucionismo, da

função do instinto na arte, da teoria da complexidade é fulcral para modelizar a

imprevisibilidade essencial da obra.

A metodologia é de enfoque qualitativo e assenta no paradigma construtivista sob a

forma de Estudo de Caso. Os resultados parciais da criação da obra foram triangulados

com duas turmas de crianças, uma do 5º ano da EB e outra de Área de Projeto da

Academia de Música, ambas de Vila Praia de Âncora, mais o Coro da mesma Academia

e alunos e colegas do compositor.

A investigação orientou-se para a ‘amusia’ ou ignorância musical e o processo

estimulador das adivinhas como imagem enigmática da arte. O texto criou-se com

metáforas filosóficas e adivinhas, e a música foi construída com uma técnica de

«complexos». Os objetivos da criação foram atingidos e, como em toda obra de arte, o

futuro dirá se A Caixa dos Laços contribuiu em algo para modificar os conceitos estéticos

e musicais.

Palavras-chave

Amusia – Educação Artística – Criação de um Conto

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Abstract

The need to address new creative challenges that diversify the catalog of works, led the

composer to consider the creation of ‘a children-friendly piece of art’. A series of personal

circumstances, which were simple anecdotes, have passed to the foreground after

receiving an order for composing a musical tale. During a city change, the transport had

lost a box with a collection the composer’s ties and this transformed itself into the almond

of the work.

The order grants the safety that the work will be premiered and, in this case, with an

important number of reruns, but what really attracts the composer is the opportunity to

contribute to a possible change of aesthetic and musical concepts in future adults.

The creation of a musical tale ‘to educate the senses’ referring to the transcendence,

has led to enquire into distant disciplines but with some connection to the experience of

art. In philosophy, playing a structuring role in the tale’s text, has the Adorno’s Theory of

Aesthetics as a cornerstone but goes a long way from Plato and Aristotle to Habermas,

Foucault, Vattimo and Rodriguez-Magda among others. The collection of contributions

from neuroscience, evolutionism, function of instinct in art and the theory of complexity

is central to model the essential unpredictability of the work.

The methodology is of qualitative focus and is based on the constructivist paradigm in

the form of a Case Study. The partial work creation results were triangulated with two

children classes, one from the 5th year of “EB” and the other from “Área de Projecto” of

the Music Academy, both from Vila Praia de Âncora, plus the Choir of the same the

Academy and students and colleagues of the composer.

The research was oriented to ‘amusia’ or musical ignorance and the stimulating process

of riddles as a cryptic image of the art. The text was created with philosophical metaphors

and riddles, and the music was built with a technique of «complexes». The creation’s

objectives have been achieved and, as in all works of art, the future will tell whether “A

Caixa dos Laços” contributed to the alteration of aesthetic and musical concepts.

Palavras-chave

Amusia – Artistic education – Creation of a tale

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1. Abertura

Prelúdio

O conteúdo de verdade das obras de arte funde-se com o seu

conteúdo crítico. (Adorno, 2008, p. 62)

Para o compositor, a criação é uma função tão natural como respirar e só fala dela

quando se manifesta alguma disfunção. Falar, então, da criação de um conto musical é,

em si mesmo, uma disfunção que vai atrapalhar a própria criação. Mas a educação

artística é criação ou apenas falar da criação?

Foi o próprio artista quem propôs a criação de um conto musical como tema de

investigação. Se toda a obra de arte tem de legitimar-se a si mesma, não seria arte se

recusa-se, sem mais, essa legitimação. O criador também se legitima a si mesmo, ainda

que esta legitimação se faça por meio das suas próprias criações. Portanto, investigar

a própria criação é a constatação da legitimação de si mesmo por meio da sua própria

criação; transitar do princípio de razão suficiente para o princípio de razão inteligente e

construir aí a complexidade teórica concebível para compreender a complexidade

prática observável.

Há uma realidade intemporal com a qual lidam todas as sociedades e que se patenteia

na ignorância. Refletir sobre isso leva a aprofundar na complexidade das ciências do

artificial, do engenho, para transformar a ciência em arte.

Certamente, a arte, enquanto forma de conhecimento, implica o

conhecimento da realidade e não existe nenhuma realidade que

não seja social. Assim, o conteúdo de verdade e o conteúdo social

são mediatizados, embora o caráter cognoscitivo da arte, o seu

conteúdo de verdade, transcenda o conhecimento da realidade

enquanto conhecimento do ente. A arte torna-se conhecimento

social ao apreender a essência; não fala dela, não a copia ou imita

de qualquer modo. (Adorno, 2008, p. 388)

A Caixa dos Laços é uma criação artística imersa numa investigação de educação

artística, mas o conto musical só pretende apreender a essência da realidade e não

retratá-la. É o relatório dessa criação que se espalha pelo conhecimento da realidade

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social. O conteúdo de verdade do conto e mais o desta dissertação estão vinculados

mas não coincidem porque são de natureza diferente.

Introito

Esta dissertação de Mestrado foi-se construindo a partir de trabalhos prévios onde se

arquitetaram argumentos, análises e mesmo muitos blocos de texto. Isso é assim

porque a coerência construtiva emerge duma interação complexa até alcançar uma

determinada expressão escrita, sempre aperfeiçoável, mas quando correta não precisa

de se mudar só para simular que é algo novo ou diferente. É uma repetição consciente

e deliberada –e não um plágio pois ninguém pode roubar-se a si mesmo– que ainda se

pode observar ao longo deste relatório, uma abstração formal mais do que um simples

‘leitmotiv’ ou variações sobre um tema. È o “respetivo conteúdo de verdade” enunciado

por Adorno. “Na instância suprema, as obras de arte são enigmáticas, não segundo a

sua composição, mas segundo o respetivo conteúdo de verdade”. (Adorno, 2008, p.

197).

Convém, contudo, referir aqui qual é essa composição, estrutura ou organização que

vai exprimir o conteúdo de verdade. Parte-se, como é óbvio, de uma revisão da

literatura. A Teoria Estética de Adorno é o apoio basilar mas se “o espírito das obras

pode ser a inverdade” (Adorno, 2008, p. 140) era preciso mergulhar na filosofia desde

Platão e Aristóteles, até Heidegger, Lourenço ou Habermas, com paragens demoradas

em Descartes, Leibniz, Wittgenstein, Foucault, Lipovetsky, Lévi-Strauss, Vattimo e ainda

em Rosa Maria Rodríguez-Magda –que nos redime do asselvajamento cibernético com

a proposta da transmodernidade– e mais no pensamento complexo de Edgar Morin,

para além de muitos outros autores, figurando alguns na bibliografia. Continuou-se

depois com a recolha do conhecimento que está à volta do tema, como os contributos

da neurociência, do evolucionismo e a função do instinto na arte. Na revisão da

metodologia procuraram-se soluções práticas que permitiram o avanço da dissertação

e aqui foram fundamentais autores como Stake e Denzin. Já para quebrar a amêndoa

central foram decisivas as leituras de Foucault, Boulez, Rodari, Küng, Rodríguez-Magda

e ainda as Competências Essenciais do Currículo Nacional do Ensino Básico.

“Desde que se possa apreender o conjunto, uma tragédia tanto

mais bela será, quanto mais extensa” (Aristóteles, 2008, pp. 114 ,

1451a).

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Para pôr em pé o “respetivo conteúdo de verdade” desta dissertação teve de se

aprofundar a questão da instranscendência no pós-modernismo. O autor-compositor –

que foi um ativo militante dessa instranscendência pós-modernista com propostas

fraturantes, nos anos 70 do século passado, com a criação do grupo neodadá ‘Letrinae

Musica’– considera isso totalmente ultrapassado, não merecendo mais do que uma

mera referência histórica. Mas no ambiente académico onde se desenvolve este

relatório, manifesta-se com rijeza um “asselvajamento cibernético ou mass-mediático”

(Rodríguez-Magda, 2004, p. 8) que precisa de ser acalmado com argumentos

académicos. Isso faz com que esta dissertação seja algo mais extensa do estritamente

necessário.

Não há nesta declaração, como é lógico, qualquer intenção desqualificadora ou

beligerante, apenas pôr em causa teorias que, na opinião do artista como sujeito ativo

da investigação, banalizam a essência e função intrínseca da arte e, por extensão, da

educação artística. Obviamente este apelo faz-se desde a ótica do construtivismo que

inspira as chamadas ‘novas ciências’, embora, na cultura ocidental, a música seja uma

das ciências mais antigas.

Pertinência

A pertinência do tema desta dissertação de mestrado justifica-se, em primeiro lugar,

pela experiência do mestrando de 40 anos exercendo a criação musical e porque, no

âmbito dum Mestrado de Educação Artística, é necessário criar a arte com a que vamos

construir o futuro, contribuindo para a renovação de um imaginário coletivo mais acorde

com a estética atual e que configure a memória das gerações vindouras, já que –citando

uma frase de Pierre Schaeffer (2008)– “se só fazemos a música que sabemos fazer,

não fazemos mais do que perpetuar a banalidade” (p. 335).

A religião do ultra consumismo pós-modernista esvaziou de conteúdos a sociedade,

mas a intranscendência da sua mensagem transformou-se num Cronos –o deus grego

do tempo– devorando os seus próprios filhos. A beleza deixou de ser artística, é

meramente tecnológica. A imaginação já não é criativa, é tão só repetitiva. A educação

já não potencia a capacidade dos sentidos, simplesmente os ocupa. “Delírio da extinção,

amável irrelevância, feliz substituição das catedrais pelas grandes superfícies”

(Rodríguez-Magda, 2004, p. 23).

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Esse problema do ‘olhar vazio’ do pós-modernismo –“doravante é o vazio que nos

governa, um vazio sem trágico nem apocalipse” (Lipovetsky, 2007, p. 11)– deve ser

muito importante quando, já na primeira página das Competências Essenciais do

Currículo Nacional do Ensino Básico, foi estabelecido “O desenvolvimento do sentido

de apreciação estética do mundo” entre os Princípios e valores orientadores do

Currículo. (Ministério da Educação, 2001, p. 15). Daí que a criação de um conto musical

para ‘educar os sentidos’ e que reflita sobre a amusia adquirida –a ignorância musical e

artística– é, pois, muito pertinente. A forma de conto permite dirigir-se tanto a crianças

como adolescentes nesse período que os neurocientistas identificam como crucial na

formação dos gostos musicais e do pensamento complexo.

A criação artística –ultrapassada a ditadura do efémero, da estetização da propaganda,

da inexistência do ser– é um ato transcendente reconhecido pelos autores das citadas

Competências Essenciais do Currículo quando afirmam que as artes “perpassam a vida

das pessoas, trazendo novas perspetivas, formas e densidades ao ambiente e a

sociedade em que se vive” (Ministério da Educação, 2001, p. 149) o que, subtilmente,

proclama a morte do pós-modernismo e rejeita a intranscendência na educação artística

e, por extensão, em todo o sistema educativo. Isto faz que um conto musical que se

sustenta nos valores que dão sentido à finalidade última do ser humano, a

transcendência, seja mais que pertinente.

Um Conto musical, uma vez criado, implica muitos setores sociais e industriais. Assim,

para poder chegar ao público em alguma das suas apresentações possíveis –livro,

partitura, gravação sonora ou de imagem, encenação em palco, na sala de aula ou no

quarto das crianças– precisa de fazer avançar toda uma complexa maquinaria produtiva

que envolve múltiplos setores económicos, o que o faz também socialmente muito

pertinente. Mas nada disso é possível sem o ato primigénio da criação da obra,

individual ou coletivamente, porque sem autor nada existe e, por isso, é mais do que

pertinente criá-lo.

Intuição, estratégia e ordem do Caos

Para atingir esse objetivo fulcral, a criação, o artista começa por observar o terreno onde

vai construir a sua obra. Analisa a orografia, a paisagem, a floresta, a fauna, as correntes

de água, os ventos, os caminhos, as populações, as construções existentes, os

materiais precisos, esquadrinha a história, antessente o porvir, mapeia o caos e age. Os

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artistas chamam a isso ‘intuição’ –“perceção instintiva”, “conhecimento imediato”,

“pressentimento da verdade”. (Priberam, 2010). Mas os generais dos exércitos, que

gostam de fardas e palavras altissonantes, decidiram chamar-lhe ‘estratégia’ e até a

definiram como a “ciência das operações militares”. Numa aceção menos beligerante,

isso não é mais do que a “combinação engenhosa para conseguir um fim” (Priberam,

2010).

Se, como diz Russ Marion (The Edge of Organization: Chaos and Complexity Theories

of Formal Social Systems, 1999, p. 212), o bater de asas de uma borboleta no Texas

pode mudar enormemente o modelo meteorológico de Chicago, então o movimento dos

lábios, as decisões aparentemente inócuas e as condutas arbitrárias podem afetar

notavelmente o futuro de uma organização. Mas a teoria da complexidade não se refere

a qualquer ação da borboleta, apenas àquelas que aconteçam em interação com certos

fatores e condições, ainda assim, Marion também diz: “It may be mathematical, but if

you think about the whole thing conceptually, it makes perfect sense” (Marion, 1999, p.

201). O resultado pode, então, ser uma teoria que explica tudo, inclusive os resultados

contraditórios, e perder qualquer sentido na formação de conceitos. É preciso mapear o

caos para modelizar a imprevisibilidade essencial.

Foi necessário afunilar a ‘intuição’ cara ao problema enunciado e na procura de uma

adequação metodológica que torne viável o desenvolvimento do tema proposto, pois,

os modelos culturais “são entidades flexíveis e maleáveis que constituem marcos de

referência para o ator social, e estão constituídos pelo inconsciente, pelo transmitido por

outros e pela experiência pessoal” (Hernández-Sampieri, Fernández-Collado, &

Baptista-Lucio, 2008, p. 9).

Dupla linguagem e transcendência

Obviamente um conto musical é a junção de duas expressões numa única forma

artística. Por um lado utilizam-se conteúdos verbais metafóricos e com diferentes

registos de compreensão, neste caso com adivinhas que estimulem a criatividade, e

paralelamente uma música complexa que gere pensamento abstrato.

O processo criador de cada uma das expressões está intimamente interligado ainda que

a complexidade de cada uma delas tenha soluções necessariamente diferentes.

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Também o discurso foi dividido em duas partes. A primeira contextualiza a história e

acompanha o percurso da razoável dúvida que suscita o valor enigmático da arte,

apoiando-se em filósofos como Adorno, Heidegger, Foucault, Sartre, Benjamin,

Wittgenstein, Leibniz e outros autores. A segunda parte, com as adivinhas e a música,

é mais lúdica.

A finalidade da criação artística do Conto musical ‘A Caixa dos Laços’ é, pois, produzir

uma ‘peça de arte amiga das crianças’. Os objetivos e todo o percurso criativo giram à

volta de duas ideias força: a definição de “Educação Artística como arte de educar os

sentidos” (Espiña, 2007) e a necessidade de transcendência do ser humano.

A ‘Teoria Estética’ de Theodor W. Adorno (2008) –onde se considera que a arte é o

antídoto mais razoável para combater uma sociedade selvagem– é a pedra basilar na

qual se apoia a mensagem e a construção do projeto, um conto filosófico semeado de

citações estruturadoras de pensamento.

O objetivo em si tem a vantagem de envolver, numa mesma obra, pessoas de qualquer

idade com interesses plurais mas que, a partir das próprias vivências e do seu nível

formativo, possam fazer leituras originais da história contada.

Os motivos pelos quais se chega a uma gravidez podem ser múltiplos e variados, desde

algo não desejado até uma reprodução assistida, mas, uma vez que se toma a decisão

de a levar para a frente, o objetivo é sempre o mesmo, transcender, ultrapassar a própria

existência, deixar memória, ir além do ordinário, ser fora de si, elevar-se acima do

vulgar.

Do mesmo modo, os motivos, causas, móbiles, motores ou razões que levam o artista

a criar uma obra determinada podem ser muitos mas –ultrapassado hoje o já antiquado

e obsoleto pós-modernismo– o objetivo final é também único: transcender.

“O artista é a origem da obra. A obra é a origem do artista. Nenhum

é sem o outro. E, todavia, nenhum dos dois se sustenta

isoladamente. Artista e obra são, em si mesmos, e na sua relação

recíproca, graças a um terceiro, que é o primeiro, a saber, graças

àquilo a que o artista e a obra de arte vão buscar o seu nome,

graças à arte.” (Heidegger, 2008, p. 11).

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“Transcendência significa ‘superação’. É transcendente, quer dizer,

‘transcende’ aquilo que realiza esta ‘superação’, aquilo que se

mantém aí habitualmente.” (Heidegger, 1990, p. 62).

Criar, pois, um conto musical é um ato de transcendência que o artista considera,

amadurece e elabora pormenorizadamente; mas esse processo não é linear e sofre

múltiplas transformações até finalmente alcançar a forma definitiva. Daí que não é muito

prático pôr os projetos criativos pormenorizadamente por escrito, pois precisam de ser

re-escritos várias vezes cada dia e isso é pouco produtivo em termos de criação, ainda

que pode ajudar a refletir mais aprofundadamente aos de escassa intuição. Fala-se aqui

de criação e não de cópia, de artistas e não de amadores, de transcender e não de

retrogradar. Fala-se, em definitivo, da educação artística e não de educação para o ócio

nem de socialização cidadã. Tudo isso será muito interessante no seu contexto mas tem

espaços próprios e ainda que possam coincidir, devem ser diferenciados para evitar que

a educação artística se dilua em boas intenções carentes de conteúdo. Se queremos

conseguir cidadãos adultos e competentes, a educação tem de sensibilizar as crianças

na transcendência e nas artes como assim o explicita o Currículo nacional do Ensino

Básico logo nos dois primeiros parágrafos do capítulo dedicado à ‘Educação Artística’:

As artes são elementos indispensáveis na elaboração da expressão

pessoal, social e cultural do aluno. São formas de saber que

articulam imaginação, razão e emoção. Elas perpassam as vidas

das pessoas, trazendo novas perspetivas, formas e densidades ao

ambiente e a sociedade em que se vive.

A vivência artística influencia o modo como se aprende, como se

comunicam e como se interpretam os significados do quotidiano.

Desta forma, contribui para o desenvolvimento de diferentes

competências e reflete-se no modo como se pensa, no que se

pensa e no que se produz com o pensamento.

(Ministério da Educação, 2001, p. 149)

A Criação Artística, como a que aqui se relata, é um projeto individual e submetido a

uma constante avaliação em permanente reformulação por parte do criador até alcançar

a forma definitiva, porque a motivação última de um artista é transcender.

Pág. 18 © 2010 by Rudesindo Soutelo

2. O conhecimento do conhecimento

Instinto

Em vista das múltiplas experiências documentadas de animais utilizando ferramentas

com as que conseguem alguma forma de expressão supostamente ‘artística’,

deveríamos pensar que os humanos não são os únicos animais inteligentes. Na internet

abundam os testemunhos de chimpanzés pintores, orquestras de elefantes, de

passarinhos da família Ptilonorhynchidae a decorar exaustivamente o seu imenso ninho,

ou de corvos habilidosos que aperfeiçoam ferramentas. Tudo isso, quando feito pelo

animal humano, pode até ser classificado de artístico mas a arte, apesar dos esforços

do pós-modernismo para esvaziá-la de conteúdo, é algo mais do que um cálculo de

resultados, precisa de uma vontade de transcender, uma intenção de criar algo que

reclame o nosso interesse depois de acabado. “As obras de arte que se apresentam

sem resíduo à reflexão e ao pensamento não são obras de arte” (Adorno, 2008, p. 188).

A metanarrativa do pós-modernismo –a globalização, como conquista do neoliberalismo

na sua ânsia por suprimir os estados– tem vontade uniformizadora e assim não admira

que, em 1993, Vitaly Komar e Alexander Melamid, artistas judeus formados no realismo

socialista soviético e na altura já residentes na Usamérica, convenceram o Nation

Institute para subsidiar o macro projeto People’s Choice. Queriam analisar as

preferências artísticas de perto de dois mil milhões de pessoas. O objetivo era encontrar

a globalizadora ‘arte universal’ mas os resultados do projeto, divulgados no livro Painting

by Numbers, são precisamente isso, números e estatísticas que nada nos dizem sobre

a universalidade da arte. (Wypijewski, 1997).

Os quadros mais votados –todos foram pintados pelos dois– eram aqueles que mais

lembravam as imagens de calendário. Isso levou Ellen Dissanayake a publicar um

interessante artigo sob o título Komar and Melamid Discover Pleistoceno Taste

(Dissanayake, 1998) onde pela primeira vez se estabelece uma ligação entre a atração

inata por certos tipos de paisagens e a herança do pleistoceno, quando a cultura

humana começou a emergir. O evolucionismo de Darwin entrou assim nos domínios

estéticos da arte. Por outra parte, a partir dos anos 70, a psicologia vinha investigando

as preferências paisagísticas dos humanos. Os trabalhos experimentais realizados pelo

casal Stephen & Rachel Kaplan permitiram definir quatro variáveis preditoras: Coerência

– Complexidade – Legibilidade – Mistério. (Kaplan & Kaplan, 1989, p. 221).

Extrapolando isso para todo o tipo de comunicação ativa, temos que a coerência é

fundamental para perceber a estrutura, o contexto e o espaço. Um certo grau de

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complexidade, de riqueza de elementos, é necessário para evitar o aborrecimento. A

legibilidade é a clareza para reconhecer as partes do discurso. E por último, mas de vital

importância, está o encorajamento para a descoberta, o aspeto de futuro, o mistério que

mexe com a imaginação humana. São quatro parâmetros básicos que determinam as

preferências visuais mas também as auditivas –a música– e em geral todo o tipo de

perceção ativa. Coerência, complexidade, legibilidade e mistério são, pois, as quatro

incógnitas a resolver no processo criativo do conto musical.

Voltando ao projeto People’s Choice, Komar e Malemid também quiseram descobrir a

música universal por meio da estatística mas o resultado não revelou algo de interesse

para além dos números. Talvez, como curiosidade perversa, cabe referir o fato desses

dados situarem, entre as músicas mais repelentes, as que utilizam acordeões, gaitas de

fole ou crianças. “É com horror que o sensório percebe a irracionalidade do racional”

(Adorno, 2008, p. 484).

Neurociência

Aos dois anos de idade, aproximadamente quando se inicia o desenvolvimento do

processamento verbal especializado, as crianças começam a mostrar uma preferência

pela música da sua cultura. Primeiro com músicas muito simples, facilmente previsíveis,

e por volta dos 10 anos, quando essa previsibilidade se torna facílima e começa a

aborrecê-las, procuram músicas que lhes proporcionem algum desafio. Isto tem a ver

com o desenvolvimento dos lobos frontais e o córtex cingulado anterior, responsável

pelo sistema de atenção, que até a essa idade não consegue atender a várias coisas

ao mesmo tempo e faz com que as crianças recebam a informação sonora em bloco, o

que as confronta com uma grande complexidade sónica. (Levitin, 2008, pp. 244-245).

Por sua vez, diversos neurocientistas descobriram mudanças microestruturais no

cérebro após a aquisição de aptidões motoras como as adquiridas pelos músicos.

Gottfried Schlaug tem demonstrado que os músicos têm um cerebelo e uma

concentração de massa cinzenta maior do que os não músicos. A massa cinzenta é

considerada como a responsável pelo processamento da informação. O corpo caloso –

a massa de fibra que conecta os dois hemisférios cerebrais– também é

significativamente maior nos músicos, nomeadamente nos que começam a sua

formação muito cedo (Schlaug & Gaser, 2003) e isto reforça a noção de que as

operações musicais se tornam bilaterais quando aumentam a prática pois os músicos

Pág. 20 © 2010 by Rudesindo Soutelo

coordenam e recrutam estruturas neuronais em ambos os hemisférios. (Levitin, 2008,

p. 241). O próprio Schlaug, numa investigação mais recente, demonstra que essas

alterações estruturais no cérebro acontecem com apenas 15 meses de formação

musical na infância e conclui que isso provavelmente se deva à plasticidade do cérebro

induzida pelo treino. (Schlaug, et al., 2009).

Os investigadores parecem coincidir em que o momento decisivo para estabelecer as

preferências musicais é na idade de 10 anos, e que por volta dos 14 anos é quando as

ligações neuronais atingem níveis de acabamento próximos dos níveis adultos.

Asseguram, ainda, que a maioria das pessoas tem os seus gostos musicais formados

entre os 18 e os 20 anos. Parece que a idade ótima para aprender um idioma como

nativo situa-se antes dos 6 anos e a idade para as matemáticas e a música é antes dos

20 anos. A partir daí, as dificuldades aumentam e muito provavelmente nunca consigam

dominar a linguagem da matemática ou da música como alguém que tenha feito a

aprendizagem mais cedo. (Levitin, 2008, pp. 246 - 247).

Já, quanto a conclusões puramente musicais e artísticas, os neurocientistas

demonstram possuir uma linguagem musical bastante rudimentar e uns gostos musicais

algo esquisitos e preconceituosos. Daniel J. Levitin e Oliver Sacks, dois dos mais

conhecidos entre os músicos pelos seus livros divulgativos sobre o cérebro e a música,

manifestam repulsa pela música de Wagner “devido ao seu antissemitismo pernicioso…

e a associação da sua música com o regime nazi” (Levitin, 2008, p. 258). Este é um

argumento tão precário como resistir à Teoria da Relatividade porque foi formulada pelo

“pai” das bombas que transformaram as cidades de Hiroshima e Nagasáqui no mais

infernal holocausto. A defesa que fazem da tonalidade apoia-se num gosto musical pelo

que, mais adiante, denominamos ‘musiquetas’, e que certamente agradam a uma massa

alargada de pessoas mas que não criam arte musical no sentido transcendente do

termo. Daí que ignoremos, por inconsistentes, essas conclusões musicais que chegam

a ser desqualificadoras quando se referem à música erudita dos últimos cinquenta anos.

(Levitin, 2008, p. 281).

Ainda assim, Levitin levanta um par de questões importantes para a pertinência deste

trabalho. A primeira: “o equilíbrio entre simplicidade e complexidade na música” (p. 248);

e a segunda: “a música que ouvimos gera esquemas e estruturas, inclusive quando

ouvimos de modo passivo” (p. 261). Isto enlaça com as conclusões de Kaplan & Kaplan

antes mencionadas sobre a perceção das estruturas como coerência e, ainda, o

estímulo da imaginação com os desafios da complexidade.

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Levitin refere que existe uma relação regular –estabelecida em estudos científicos sobre

gostos estéticos na pintura, poesia, dança e música– entre a complexidade da obra de

um artista e o quanto podemos gostar dela. A complexidade é um conceito totalmente

subjetivo pois o que para um indivíduo pode parecer uma complexidade impenetrável,

poderia ser uma simples brincadeira para outro. Do mesmo modo, o que uma pessoa

considera terrivelmente simples e sem graça, outra poderia achar difícil de

compreender, devido a diferenças de formação, experiência, interpretação e esquemas

cognitivos entre as pessoas. Os esquemas são tudo. Estruturam a compreensão; são o

sistema no qual se situam os elementos e as interpretações de um objeto estético. Os

esquemas alimentam os modelos cognitivos e as expectativas. Com um esquema, a

música mais complexa é interpretável mesmo quando se ouve pela primeira vez. Existe

uma tendência a não gostar das peças musicais que parecem demasiado simples mas

também das que se percebem como demasiado complexas. Quando a música está a

tocar, nomeadamente se se lhe prestar atenção, o cérebro vai antecipando os

acontecimentos musicais e se resulta trivialmente previsível carece do mínimo interesse

e considera-se como demasiado simples. Se, pelo contrário, ultrapassa os esquemas

cognitivos e desorienta, então designa-se como demasiado complexa. Mas se uma peça

musical radicalmente nova se ouve o suficiente número de vezes, parte dessa peça

acabará por ser codificada pelo cérebro desenvolvendo pontos de referência. (Levitin,

2008, pp. 248 - 252).

Currículo Nacional do Ensino Básico

A complexidade também é uma constante nas Competências Essenciais do Currículo

Nacional do Ensino Básico1 e, assim, na página 165, inicia-se a descrição das que

atribui à música com estas palavras:

“A música é um elemento importante na construção de outros

olhares e sentidos, em relação ao saber e às competências, sempre

individuais e transitórias, porque se situa entre pólos

1 Na consulta feita o dia 27 de Agosto de 2010 ao site da D.G. da Inovação e Desenvolvimento Curricular – http://sitio.dgidc.min-edu.pt/basico/Paginas/CNacional_Comp_Essenciais.aspx – do Ministério da Educação, estavam disponíveis, em ficheiros PDF, duas versões do Currículo Nacional do Ensino Básico: português e inglês. Em ambos os enlaces indicavam que se tratava da ‘versão completa’, mas no ficheiro PDF da versão portuguesa foram eliminadas as páginas 2 até à 14, que contêm a informação dos autores, editorial, ISBN, e ainda o prólogo, índice e introdução. (Ministério da Educação, 2001).

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aparentemente opostos e contraditórios, entre razão e intuição,

racionalidade e emoção, simplicidade e complexidade, entre

passado, presente e futuro.” (Ministério da Educação, 2001, p. 165).

Esta aberta declaração da importância da música na formação das pessoas é ainda

mais contundente na página 166 quando reconhece a sua transversalidade e manifesta

que:

“as competências específicas para a música na escolaridade

básica, têm como centro a pessoa da criança e do jovem, o

pensamento, a sociedade e a cultura, numa rede de dependências

e interdependências possibilitadoras da construção de um

pensamento complexo. Neste sentido, a música, como construção

social e como cultura, pode dar um conjunto de contributos para a

consolidação das competências gerais que o aluno deverá

evidenciar no final do ensino básico.” (Ministério da Educação,

2001, p. 166).

Nessa transversalidade que o Currículo Nacional do Ensino Básico reconhece à prática

musical como educação interdisciplinar, figura a perceção e consciencialização do

corpo, do espaço, do tempo, e da interação social, já que, ao acontecer em tempo real,

obriga a tomar decisões rápidas e coerentes “no respeito pela partilha de contextos

comuns” e favorecendo

“espaços de construção de singularidades, inovações, mudanças e

adaptações a novos cenários, através do desenvolvimento da

autonomia e o pensamento divergente.” (Ministério da Educação,

2001, p. 167).

A arte de educar os sentidos

Procurando uma definição do conceito de Educação Artística observa-se uma grande

disparidade. O que para uns é educação da arte, para outros é qualidade da educação.

Há quem equipare educação artística e educação científica e também há quem

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questione a educação artística ao duvidar do caráter científico dos objetos da arte. A

Doutora Yolanda Espiña, da Escola das Artes da Universidade Católica do Porto, numa

comunicação apresentada na Conferência Nacional de Educação Artística, (Outubro de

2007) resumia a controvérsia com o título: A educação artística como arte de educar os

sentidos, e tomando como ponto de partida a alegoria da caverna da República de

Platão (2008, pp. 315-320 [514a-518b]), concluía com estas palavras:

Se educar é mais um processo do que um objetivo então compete

à educação que chamamos “artística” o potenciar as capacidades

dos sentidos nesse processo de inovar o olhar, numa perspetiva de

integrar a identidade do educando no dinamismo da perceção

sensível da realidade envolvente, e fornecendo critérios para

interpretar simbolicamente a dita realidade envolvente. Neste

contexto, a educação artística tem o dever de aprofundar o

significado que a educação dos sentidos apresenta na constituição

do ser humano integral, estando a seu cargo a educação do olhar

e do ouvir, do tato (fundamental, por exemplo, na escultura) e dos

restantes sentidos, para que todos eles, adestrados pelo

conhecimento das leis do material da natureza e pelas suas

potencialidades simbólicas, sirvam para confirmar sensivelmente

que o desejo do homem não é em vão. (Espiña, 2007).

Partindo desta definição da educação artística como ‘a arte de educar os sentidos’,

reconhece-se a importância da perceção sensível na construção do conhecimento. Mas

é necessário não confundir o fim com os meios, a aparência com a eficiência, e desde

já devemos assumir que a função do palhaço não é fazer rir, mas utilizar o riso para

fazer pensar.

Gianni Rodari, na Gramática da Fantasia diz que quando se inventam histórias para

crianças, estas devem ajudar as crianças a inventar sozinhas as suas histórias. (Rodari,

2004, p. 16).

As crianças têm uma imaginação fértil e virgem que o processo educativo não deve

apagar, mas sim enveredar pelas formas culturais para que se manifeste criativamente.

Nesse processo educativo têm especial relevância as histórias pois estimulam o

imaginário e geram formas de pensamento. Quando essas histórias se fazem com

música, adiciona-se uma componente que pode favorecer o pensamento abstrato e

ainda atua como estímulo da parte motora.

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Antecedentes filosóficos

A ideia de que tudo está em processo e interagindo com o meio físico e social constitui

a bagagem da construção do conhecimento.

Auguste Comte, fundador da sociologia e do positivismo, escrevia em maio de 1822 que

era “muito conforme com a natureza do espírito humano que a observação do passado

possa facultar a predição do futuro, e que o possa fazer tanto em política como em

astronomia, em física, em química e em fisiologia” (Comte, 2002, p. 146).

“O Discurso do método, para bem conduzir a sua razão e procurar

a verdade nas ciências, convidava prudentemente o espírito

humano a limitar a sua exploração apenas ao universo ɸ dos

fenómenos naturais («objectiváveis»)” (Moigne, 1999, p. 84).

Jean-Louis Le Moigne, citando Paul Valéry, Martin Kemp, Leonardo da Vinci e

Giambattista Vico, refere que um século antes de Descartes já Leonardo da Vinci

distinguia entre ‘o primeiro universo natural’ que termina onde a natureza deixa de

produzir as suas espécies, e ‘o segundo universo natural’ que se estende até ao infinito.

“O homem com as coisas naturais cria, com a ajuda desta natureza,

uma variedade infinita de espécies” mas as mensagens do universo

ilimitado de da Vinci (Disegno) e de Vico (Ingenium) foram pouco

escutadas nos três séculos que se seguiram e “compreende-se

que, de Descartes a Einstein através da formulação do tão

adequado cálculo infinitesimal, a ciência se encontrasse

demasiadamente ocupada para que pudesse explorar outra coisa

que não os fenómenos naturais” (Moigne, 1999, pp. 83-84).

Contra a opinião de Auguste Comte –“a imaginação apenas deve desempenhar um

papel subalterno, sempre às ordens da observação”– o aparecimento excecional no

coração de todas as sociedades contemporâneas das ciências do artificial, as que têm

como projeto o estudo dos sistemas artificiais –ciências informáticas, ciências da

comunicação, da organização, da cognição, da música ou da quimio-farmacologia–

conhecem uma vitalidade que desde os anos 70 não deixa de crescer (Moigne, 1999,

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pp. 84-85). Jürgen Habermas, refletindo sobre a interpretação e a objetividade da

compreensão, diz-nos:

“Se comparamos a atitude da terceira pessoa daqueles que se

limitam a dizer como se comportam as coisas (é esta a atitude de

cientistas, entre outros) com a atitude performativa daqueles que

tentam compreender aquilo que lhes é dito (é esta a atitude dos

intérpretes, entre outros), vêm à luz do dia as consequências

metodológicas de uma dimensão hermenêutica da investigação”

(Habermas, 2010, p. 299).

Desde a antiguidade grega, que na cultura ocidental, a música é uma das quatro

ciências matemáticas que conformam o quadrívium, junto com a Aritmética, a Geometria

e a Astronomia. Mas só com a matemática natural dos sons não dá para movimentar as

emoções, para ultrapassar o limitado universo natural e criar o universo infinito da

construção duma comunicação musicalmente emocional, inteligente e transcendente,

para transformar a ciência em arte. As Ciências do Génio (ou do Ingenium, ou da

engenharia, ou do artificial, ou da conceção) restabelecem a engenhosidade que fora

coartada pelo Discurso de Descartes.

Interpretativismo

A tendência da filosofia positivista é reduzir todo o conhecimento válido ao

conhecimento científico e, inclusivamente, de querer resolver problemas de natureza

metafísica “tornando-nos assim como que senhores e donos da natureza” (Descartes,

2008, p. 87). No século XIX, Auguste Comte criou a Igreja positivista que, após a morte

do seu sumo pontífice, abandonou as ideias sociais, políticas e mesmo litúrgicas, para

transformar-se –ao confundir positividade e objetividade científica– numa religião da

ciência. O neopositivismo do século XX só mantém em comum com aquele positivismo

comtiano o rejeitamento da metafísica, pois o empirismo lógico que o sustenta não era

admitido por Comte.

O positivismo e o neopositivismo contemplam as Ciências Sociais como uma física

social, procurando um modelo universal válido. Frente a esse critério positivista, nos

finais do século XIX e inícios do XX, surgiu um novo paradigma, o interpretativismo –

que tem origem na fenomenologia de Husserl e Dilthey e na hermenêutica dos filósofos

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alemães da compreensão– e tem a intenção de compreender o mundo da experiência

humana (Cohen & Manion, 1994, p. 36) pois o comportamento humano não se pode

descrever e, ainda menos, explicar com base nas características exteriores e

objetiváveis (Santos, 2002). “In the social sciencies, there is only interpretation” (Denzin,

1994, p. 20).

Jürgen Habermas, na Fundamentação Linguística da Sociologia (2010), refere o

malogro das ciências sociais convencionais que não puderam honrar as suas

promessas teóricas e práticas.

A investigação sociológica não foi capaz de corresponder a

referências como as estabelecidas pela teoria abrangente de

Parsons; a teoria económica de Keynes falhou no plano político das

medidas eficazes; e na psicologia fracassou a pretensão de

explicação universal da teoria da aprendizagem –afinal havia

servido de exemplo paradigmático de uma ciência exata do

comportamento. Tudo isto abriu o caminho a abordagens

alternativas construídas sobre as bases da fenomenologia, da obra

tardia de Wittgenstein, da hermenêutica filosófica, da teoria crítica,

etc. Estas abordagens recomendavam-se pelo simples facto de

oferecerem alternativas ao objetivismo predominante –e não tanto

por uma superioridade reconhecida.

Em seguida impuseram-se duas abordagens medianamente bem-

sucedidas que constituíram exemplos de um tipo interpretativo das

ciências sociais: o estruturalismo na antropologia, na linguística e –

de um modo menos convincente– na sociologia; e o estruturalismo

genético na psicologia do desenvolvimento –um modelo que parece

ser promissor para a análise da evolução social, do

desenvolvimento de mundividências, de sistemas de crenças

morais e de sistemas jurídicos. (Habermas, 2010, p. 295)

Charles Percy Snow (1996) publicou em 1959 um livro muito polémico que cunha a

expressão “duas culturas” em referência à contraposição entre a cultura científica e a

cultura humanística. Segundo o autor, os humanistas não conhecem os conceitos

básicos da ciência, assim como os cientistas desconhecem as dimensões éticas, sociais

e psicológicas dos problemas científicos. As duas culturas, como foi traduzido na edição

ampliada de 1963, causou grande indignação no mundo académico mas devolveu a

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dignidade aos intelectuais de todo o mundo, ao deixar de considerá-los ignorantes em

ciência.

Numa secção intitulada “O imperialismo do positivismo”, Jean-Louis Le Moigne faz uma

nota, no rodapé, sobre o eminente epistemólogo René Thom, antes de virar em grande

inquisidor do positivismo, que em 1972 escrevia: “O acesso a um pensamento qualitativo

rigoroso é a partir de agora possível”. E continua: “Uma matemática da qualidade, um

pensamento qualitativo rigoroso… Proposições algo desconfortáveis para os «cientistas

habituados aos rigores da racionalidade científica» e que René Thom, atualmente,

propõe que sejam consideradas «como desculpáveis em autores com formação

literária» já que «procedem de um certo confusionismo mental» (Moigne, 1999, p. 33).

“A racionalidade intrínseca de uma civilização confere uma validade universal à sua

cultura e permite-lhe impor as suas luzes às outras civilizações” (Briey, 2009, p. 26).

Mas após Auschwitz e Hiroshima, a razão humana como motor do progresso civilizador

entrou em crise e a pretensão positivista do modelo universal válido não dava para

acreditar.

Transmodernidade

A filósofa da trans-modernidade Rosa Mª Rodríguez-Magda (2004) assinala que o fim

do paradigma unitário abriu as portas a múltiplas micrologias. (p. 27). As Grandes

Metanarrativas da Modernidade (iluminismo, hegelianismo, marxismo, cristianismo, …)

eram fruto dum esforço teórico, duma vontade de sistema, pertenciam ao âmbito do

conhecimento. O descrédito das metanarrativas promovido pelo pós-modernismo gerou

um novo Grande Relato: A Globalização. Mas a globalização é um resultado a posteriori

duma revolução tecnológica, efeito prático duma vontade de interconectividade, e não

pertence ao âmbito do conhecimento mas ao da informação (p. 28).

El paradigma universalista ha sido acusado de etnocentrismo,

homogeneización totalitaria, anulación de las diferencias,

imperialismo cultural, enmascarada hegemonía de la cultura

europea, blanca, cristiana, masculina, capitalista… (Rodríguez-

Magda, 2004, p. 83)

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e umas páginas mais à frente, refere como o acelerado dinamismo do mercado

globalizado deglute, centrifuga e uniformiza os hábitos, as comunidades e as formas de

vida suprimindo tudo quanto fique à margem da cultura comercial;

no solo iguala la alta y la baja cultura, sino que cancela la diferencia

social en una especie de «plebeyización», que, lejos de promover

una mayor ilustración popular, genera formas de intoxicación y

engaño que lesionan blandamente la privacidad y la autonomía

contribuyendo a la disolución efectiva de la sociedad civil

(Rodríguez-Magda, 2004, p. 113).

Construtivismo

A noção de sistema surge no século XVIII e assim, na Encyclopédie raisonnée des

sciences, des arts et des métiers de Diderot e de Alambert, um dos artigos mais longos

(40 páginas) é precisamente o que trata dos sistemas, e que em grande parte está

dedicado ao «sistema geral» das notações musicais. Referindo-se a ele Moigne anota:

“O processo de modelização mais espantoso inventado pelo

espírito humano, já que permite representar inteligivelmente,

reproduzir e comunicar o fenómeno mais inefável (o mais

indescritível) que é possível conhecer: a harmonia musical. No

século XVIII a palavra sistema exprime muitas vezes o que nós

entendemos, no século XX, por um modelo ou por um método de

modelização” (Moigne, 1999, p. 79).

Nesse artigo da Encyclopédie, referindo-se ao sistema estabelecido por Tartini diz que

“se não é o da natureza é, pelo menos, de entre todos os publicados até à data, aquele

cujo princípio é o mais simples e do qual as leis da harmonia parecem nascer menos

arbitrariamente”. O cartesianismo dos enciclopedistas impedia-lhes compreender a

realidade da música pois não era o sistema do italiano Tartini senão o do francês

Rameau, que já publicara, quarenta anos antes, em 1722, o Traité de l´harmonie,

(Rameau, 1984), quem abria os caminhos que a música ocidental iria percorrer até aos

inícios do século XX. Rameau estabeleceu a formação dos acordes por sobreposição

de terceiras e alargou as regras da modulação para todas as tonalidades favorecendo

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assim a consolidação do temperamento igual –a afinação mais artificial e desafinada de

quantas se tinham experimentado– mas garantiu um sistema coerente e universal com

regras claras que tanto serviu a Mozart como a Berlioz. Só em 1865 é que outro francês,

Claude Bernard, deita por terra o mito positivista dos «sistemas naturais» quando na

Introduction à la mèdicine expérimentale conclue: “Os sistemas não estão na natureza

mas no espírito do homem”. (Bernard, 1865, p. 297).

Habermas conta que nos anos setenta, várias tendências dentro e fora do mundo

académico favoreceram a aceitação do paradigma interpretativo. (Habermas, 2008, p.

32). Le Moigne refere que “de um modo assaz inovador e corajoso, sob a bandeira mais

paradigmática do que disciplinar do estruturalismo no lugar da da sistémica –que não

possuía ainda estatuto científico visível–, Jean Piaget restaura em 1968 as

epistemologias construtivistas”, sobre um suporte construído em 1934 por Georg

Bachelar; e propõe às novas ciências contemporâneas “um quadro de validação sólido

e argumentado: escapando ao asfixiante dualismo cartesiano, privilegiando a interação

do sujeito observador e do objeto observado mais do que a sua absoluta separação,

considerando o conhecimento mais um projeto construído do que um objeto dado”

(Moigne, 1999, pp. 72-73).

O termo «construtivismo» tem no século XX diversos usos mas, para o propósito que

nos ocupa, no Novo Dicionário da Filosofia e das Ciências Humanas de Louis-Marie

Morfeaux e Jean Lefranc (2009) encontramos três definições essenciais: 1)

Epistemológica ou da filosofia das ciências; 2) Lógica e Matemática; 3) Estética ou da

filosofia da arte.

CONSTRUTIVISMO (lat. constructus, construtivo).

1. Epist. Em todos os domínios, um ponto de vista que privilegia o

construído por relação com o dado, a aquisição por relação com o

inato nas atividades intelectuais. Ex. a epistemologia genética de

Piaget estuda como o espírito constrói as noções de causa, de

espaço, etc.

2. Lóg., Mat. Os objetos matemáticos são considerados como

construções mentais e não realidades independentes da atividade

do sujeito cogniscente. A não-contradição não é suficiente para

demonstrar a existência de um objeto matemático. Já em Kant: «O

conhecimento filosófico é o conhecimento racional pelo conceito, o

Pág. 30 © 2010 by Rudesindo Soutelo

conhecimento matemático é aquele que procede pela construção

de conceitos. Construir um conceito quer dizer apresentar a intuição

a priori que lhe corresponde» (R. Pura).

3. Est. Movimento fundado na Rússia por Tatline e Rodchenko em

1919. Eles queriam criar uma arte revolucionária verdadeiramente

internacional, ao suprimirem as referências às artes do passado, às

aparências naturais, ao recorrerem somente às formas criadas pelo

homem no mundo moderno industrial, quer dizer sem pressupostos

culturais. O construtivismo expandiu-se em todas as artes (artes

decorativas, cinema) e em toda a Europa (ex. o Bauhaus alemão)

em relação com a abstração geométrica.

(Morfeaux & Lefranc, 2009, p. 117)

Do princípio de razão suficiente ao princípio de razão inteligente

«Dizer algo a alguém» e «compreender o que é dito» repousam sobre pressupostos

mais complicados e bem mais exigentes do que o simples «dizer (ou pensar) o que é o

caso». Participar em processos de comunicação, dizendo algo e compreendendo o que

é dito, é uma atitude performativa que “admite, decerto, transições regulares entre as

atitudes da primeira, segunda e terceira pessoa”. “Ao comunicarem numa atitude

performativa, o locutor e o ouvinte participam ao mesmo tempo naquelas funções que

os seus atos comunicativos desempenham para a reprodução do mundo da vida

comum”. (Habermas, 2010, pp. 298-300).

A epistemologia construtivista, segundo Le Moigne, “é uma epistemologia da invenção:

a produção original pelo fazer (em contraste com a praxis que será reprodução da rotina

pelo fazer)” (Moigne, 1999, p. 131).

“Todo o conhecimento adquirido sobre o conhecimento torna-se num meio de

conhecimento iluminando o conhecimento que permitiu adquiri-lo”. Esta fórmula de

Edgar Morin (1986, p. 232) revela a recursividade indesmembrável da reflexão

epistemológica «conhecimento do conhecimento» e sublinha a necessária ambiguidade

da exposição sequencial de um corpo epistemológico.

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 31

Gottfried Wilhelm Leibniz (Leibniz, 2001) diz-nos que todo o ser criado está sujeito à

mudança (p. 43) e como todo o estado presente de uma substância simples é

naturalmente uma consequência do seu estado precedente, assim nela o presente está

prenhe de futuro (p. 46). Assim, não há caos, não há confusões a não ser na aparência

(p. 59). E os espíritos são ainda imagens da Divindade mesma, sendo cada espírito

como uma pequena divindade no seu departamento. (p. 63)

“Mas a razão suficiente deve também achar-se nas verdades

contingentes ou de facto, quer dizer, na sucessão das coisas

difundidas pelo universo das criaturas, onde a resolução em razões

particulares poderia ir a um detalhe sem limites, por causa da

variedade imensa das coisas da natureza e da divisão dos corpos

até ao infinito. Há uma infinidade de figuras e de movimentos

presentes e passados que entram na causa eficiente da minha

escrita presente, e há uma infinidade de pequenas inclinações e

disposições da minha alma, presentes, que entram na causa final”.

(Leibniz, 2001, p. 50)

Complexidade essencial

Reconhecer a complexidade é pensar simultaneamente os projetos de ação possível e

a avalização das suas consequências múltiplas. Passar da complicação à complexidade

é um logro da modelização sistémica.

Mas a justificação destes exercícios de modelização inteligível dos

fenómenos apercebidos como complexos com a finalidade de

intervenção deliberada não é dada: ela constrói-se precisamente na

própria ação modelizadora.

A modelização sistémica da complexidade faz efetivamente

emergir na sua prática essa inteligibilidade que cada um de nós

procura nas suas próprias práticas cognitivas.

Pág. 32 © 2010 by Rudesindo Soutelo

A inteligibilidade não é sinónimo de simplicidade e ainda menos de

simplificação.

(Moigne, 1999, pp. 164-165)

A música é um exemplo de modelização inteligível. A complexidade não está na

natureza das coisas mas sim no código que utilizamos para as interpretar. “Um

modelizador constrói as representações multidimensionais dos processos físicos e

cognitivos no seio dos quais intervém intencionalmente” (Moigne, 1999, p. 170). Não

obstante a complexidade teórica concebível pode não coincidir com a complexidade

prática observável e aí, inicia-se uma dicotomia entre a teoria e a prática, a sistémica e

a epistemologia, a criação e a interpretação, o que se traduz numa poderosa variável: a

imprevisibilidade essencial.

A imprevisibilidade é uma medida da complexidade instantânea de um sistema

modelizável que relaciona comportamentos não totalmente predeterminados ainda que

potencialmente antecipáveis. (Moigne, 1999, p. 191). A imprevisibilidade essencial está

na construção inteligente do modelo que nos permite conceber a inteligibilidade da

complexidade.

A complexidade não é esse mal absoluto que a bela racionalidade

francesa persegue em nome da clareza, da homogeneidade e do

Universalismo. É, pelo contrário, o reconhecimento da riqueza e da

diversidade das organizações de todas as dimensões e de toda a

natureza (Mélèse, 1979).

Na década de cinquenta, e por caminhos supostamente contrários, a imprevisibilidade

dominou toda a cena da música erudita. Uma aparente revolta iconoclasta liderada por

John Cage e seus colegas nova-iorquinos dava entrada ao acaso na composição

musical. Na Europa, Boulez, Stockhausen ou Ligeti conseguem “ilusões auditivas”

aleatórias (ao acaso) com “texturas tão complexas e ativas que não podem ser

percebidas no conjunto: o ouvido seleciona, efetua as suas próprias combinações e até

regista sons que não foram emitidos” (Griffiths, 1998, p. 166). A consciência da

imprevisibilidade deu entrada a fatores de indeterminação e, se excetuamos os jogos

musicais em voga nos finais do XVIII que permitiam construir peças musicais muito

simples segundo o resultado do jogo de dados, adotara-se pela primeira vez na

composição o que se denomina «forma aberta» ou, por analogia com as estruturas de

Alexander Calder, «forma móvel». A obra aberta está composta por um certo número

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 33

de «formantes» que por sua vez admite diversas variantes que o intérprete deve

escolher. A complexidade essencial construída pelos compositores deu origem a obras

em perpétuo devir e conhecidas por work in progress. A forma tornou-se duplamente

aberta, tanto para o compositor como para o intérprete.

A complexidade resulta do postulado de ambiguidade deliberada da

correspondência ativa entre o fenómeno modelizado e o modelo

estabelecido pelo sistema observante. (Moigne, 1999, p. 200).

Mas se era possível a modelização sistémica da composição, então um computador

podia compor de acordo com um determinado programa –o que aconteceu desde 1957

com a ILLIAC Suite, para quarteto de cordas, de Lejaren Hiller– e transformar a

composição numa rotina generalizada como sucede com a escrita automática de poesia.

Mas a criatividade –o grau de imprevisibilidade essencial certo para transcender–

continua a ser uma prerrogativa dos compositores e poetas. A música eletrónica, que

explora um excitante universo sonoro, tornou-se cada vez mais marginal. E isto não pelo

suposto conservadorismo da música erudita ocidental, mas porque elimina o intérprete

e com ele elimina algo essencial: a imprevisibilidade da execução.

Se podemos conceber (modelizar) a complexidade, nada nos impede de conceber a

compreensão, compreender a incompreensão, construir a conceção. Como sabiamente

se lê no evangelho de Lucas (14, 28): “Qual de entre vós, se quiser construir uma torre,

não começa por se sentar?” Mas talvez a opinião de Albert Einstein, citada por Popper,

seja mais eloquente: “Penso que a teoria não pode ser fabricada de resultados de

observação, mas há de ser inventada” (Popper, 1972, p. 525). Basta, pois, refletir.

Inferência

Na criação da música erudita ocidental, nomeadamente dos últimos cem anos, verifica-

se que, em geral, age conforme o paradigma construtivista, mesmo antes de este se

formular e concordamos com Habermas quanto a que parece ser um modelo promissor

para análises e desenvolvimento de sistemas de criação e de interpretação musical.

Um sujeito que evolui de um grau para o seguinte deveria poder

explicar porque são os seus juízos no grau superior mais

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adequados que os que formou no grau inferior (Habermas, 2010, p.

311).

O Currículo Nacional do Ensino Básico declara a importância da música na formação

das pessoas e assume nas competências essenciais a sua transversalidade desde uma

ótica construtivista:

As competências específicas para a música na escolaridade

básica, têm como centro a pessoa da criança e do jovem, o

pensamento, a sociedade e a cultura, numa rede de dependências

e interdependências possibilitadoras da construção de um

pensamento complexo. Neste sentido, a música, como construção

social e como cultura, pode dar um conjunto de contributos para a

consolidação das competências gerais que o aluno deverá

evidenciar no final do ensino básico. (Ministério da Educação, 2001,

p. 166).

A complexidade teórica concebida pelos autores das Competências Essenciais do

Currículo Nacional do Ensino Básico não se reflete na Lei que o desenvolve e aplica.

Assim a complexidade prática observável é reduzida pelo Decreto-Lei 6/2001, anexo II,

(Ministério da Educação, 2001a) a tão só o 5º e 6º anos. Tão afastada fica a teoria da

prática que não existe correspondência ativa entre o fenómeno modelizado e o modelo

estabelecido pelo sistema observante. Talvez para paliar essa escandalosa

discordância é que no mesmo Decreto-Lei se introduziram as Atividades Extra

Curriculares ainda que só foram implementadas pelo Despacho 12591/2006 do

Ministério da Educação (Ministério da Educação, 2006). Mas consultados os Relatórios

da Comissão de Acompanhamento do Programa das AEC (2006) (2006/2007)

(2007/2008) (2007/2008b), no que diz respeito à música, constata-se um absoluto

fracasso, nomeadamente pela falta de professores especialistas em música. Para

complicar ainda mais a situação, muitas Escolas Superiores de Educação fecharam ou

estão a acabar os Cursos de Música.

Para compreenderem o que lhes é dito, os intérpretes têm de

abranger um saber que se apoia em pretensões de validade

adicionais. (Habermas, 2010, p. 300).

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A formação musical dos professores de Educação Básica é extremamente deficiente

para poder garantir minimamente as competências essências que declara o Currículo

Nacional. Sem uma cultura da complexidade musical nem uma formação adequada não

podem interpretar nem compreender como a música se integra nessa “rede de

dependências e interdependências possibilitadoras da construção de um pensamento

complexo”. (Ministério da Educação, 2001, p. 166). E, tanto nas escolas de formação

dos professores como no desempenho dos professores na sala de aula das escolas de

EB, “el mundo dejó de ser factum, un conjunto de hechos, para convertirse en fictum,

un adherido de simulacros” (Rodríguez-Magda, 2004, p. 22). E, lembrando a já citada

frase de Pierre Schaeffer, continua-se a “perpetuar a banalidade”. (Schaeffer, 2008, p.

335).

Assistimos, pois, ao que Adorno (2008) na Teoria Estética assinala como

“sobrevalorização do princípio de realidade que interdiz sem mais o comportamento

estético” (p. 186). A questão básica desta dissertação é a ignorância musical e das Belas

Artes, o ‘olhar vazio’ que as ideologias populistas e reacionárias proclamam como direito

à ignorância e plebeização da sociedade. Constata-se, lamentavelmente, que se está a

gerar um abismo entre a teoria e a prática que torna assustador o conteúdo de verdade

que as reflexões filosóficas de Adorno nos apresentam.

Quem é totalmente privado de «ouvido musical», quem não

compreende a «linguagem da música», percebendo aí apenas a

confusão e interrogando-se sobre o que podem significar tais

ruídos, só elementarmente se dá conta do caráter enigmático; a

diferença entre o que ele ouve e o que ouve o iniciado circunscreve

o caráter enigmático. (Adorno, 2008, p. 187).

“The knowledge is constructed, not discovered” (Stake, 1994, p. 38) o que nos autoriza

a concluir que a cultura não se perde, destrói-se. Ainda que esta complexidade prática

observável parece não coincidir com a complexidade teórica concebida manifestada por

Habermas:

A nossa teoria psicológica afirma que os indivíduos preferem o grau

mais elevado de reflexão moral que dominam; afirmação essa que

é apoiada pela investigação (Habermas, 2010, p. 312).

Em síntese, a evidência de estarmos numa sociedade modelizada para avançar na sua

surdez –na dissolução efetiva da sociedade civil (Rodríguez-Magda, 2004, p. 113)–,

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desencoraja os pusilânimes mas obriga a redobrar esforços para evitar que a amusia

nos destrua.

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3. A ciência do método

A criação de um conto musical que reflita sobre a amusia adquirida, a ignorância musical

e artística, o ‘olhar vazio’ do pós-modernismo –“aguilhoada pela aprovação cultural da

arte, a amusia transforma-se frequentemente em agressão e é esta que move, hoje, a

consciência geral para a Entkunstung [negação da dimensão estética] da arte” (Adorno,

2008, p. 187)–, para o qual é preciso realizar uma investigação conducente a resolver

os diferentes problemas que a criação literária e musical engloba.

Fundamentos e Organização

Robert E. Stake publicou um artigo, em 1994, com o título “Case study: Composition

and Performance” que, obviamente, falava de composição e interpretação mas

estabelecendo um paralelismo entre a relação compositor–intérprete e a do professor–

investigador. Na música, o compositor compõe e o intérprete executa. Na educação

musical, o professor de música compõe e o investigador de educação musical interpreta.

O investigador deve escolher entre a execução inexpressiva ou a interpretação emotiva.

Não é necessariamente uma escolha limpa ou posição extremista. O investigador deve

concentrar-se numa descrição exata dos fenómenos, minimizando a interpretação, ou

deve seguir um processo que valorize as melhores competências de análise e síntese,

maximizando a interpretação? (Stake, 1994, p. 38)

Fazer um estudo qualitativo ou quantitativo são opções opostas. A escolha baseada no

papel do intérprete terá: um leal executante da partitura, ou uma combinação do melhor

do compositor além do intérprete. A reflexão feita por Stake leva-nos a pensar se o

educador artístico tem de ser um criador –um artista que suscita experiência– ou um

executante de experiências alheias, de experiências do passado ou mesmo um necrófilo

que só se interessa pelas experiências dos mortos, dos cadáveres, esquecendo a sua

contemporaneidade artística.

A fundamentação metodológica assenta, pois, em Robert E. Stake, um dos especialistas

mais credenciados no campo do Estudo de Caso na investigação social, assim como

noutros autores.

Pág. 38 © 2010 by Rudesindo Soutelo

O que há trinta ou quarenta anos atrás era relativamente simples, hoje tornou-se numa

tarefa muito complexa por causa do incessante incremento de métodos de investigação

disponíveis, “particularly in the social/applied sciences (O'Leary, 2004, p. 8).

Segundo Mertens (2005, p. 2) o referencial teórico do investigador influencia a natureza

da definição da pesquisa; e Mackenzie & Knipe (2006), referindo-se a esse referencial

teórico como paradigma, dizem que “influences the way knowledge is studied and

interpreted”.

Paradigma

A escolha do paradigma é o que vai orientar as decisões sobre metodologia, métodos,

literatura, desenho da investigação e, mesmo, a intenção filosófica ou motivação para a

realização de um estudo (Cohen, Manion, & Morrison, 2000, p. 38). Alguns autores

definem o paradigma como a junção de três elementos: a crença na natureza do

conhecimento, a metodologia e os critérios de validade (Mac Naughton, 2001, p. 32).

Paradigma é, pois, algo que serve de exemplo geral ou de modelo; princípios, teorias e

valores que como referencial teórico sustentam as decisões do investigador. Alguns dos

paradigmas teóricos discutidos na literatura científica são: positivista, pós-positivista,

construtivista, interpretativo, transformativo, emancipativo, crítico, pragmático e

desconstrutivista.

Mackenzie & Knipe (2006), adaptando propostas anteriores como a de Mertens (2005),

relacionam numa tabela os principais paradigmas com os tipos de estudo e desenho

das pesquisas. O paradigma interpretativo/construtivista – que tem origem na

fenomenologia de Husserl e Dilthey e na hermenêutica dos filósofos alemães da

compreensão interpretativa – tem a intenção de compreender o mundo da experiência

humana (Cohen & Manion, 1994, p. 36) “The knowledge is constructed, not discovered”

(Stake, 1994, p. 38). Em geral os construtivistas não partem de uma teoria, como os

pós-positivistas, pois é ao longo do processo de investigação que a teoria emerge e se

desenvolve. A investigação construtivista assenta mais em métodos qualitativos e

mistos do que em quantitativos (Mackenzie & Knipe, 2006).

Enfoque qualitativo

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“In the social sciences, there is only interpretation” (Denzin, 1994, p. 20). Numa

investigação de enfoque qualitativo, na maioria dos casos, não se provam hipóteses

pois estas geram-se durante o processo e vão afinando-se com a recolha de dados,

sendo o resultado do estudo. Não há, portanto, um processo claramente definido e o

investigador é consciente de formar parte do fenómeno. Os resultados não são

generalizáveis probabilisticamente nem se pretende a sua replicação (Hernández-

Sampieri, Fernández-Collado, & Baptista-Lucio, 2008, pp. 8-9).

No mundo académico de tradição positivista/pós-positivista subjazem ainda algumas

resistências e preconceitos sobre a investigação qualitativa. Denzin (1994) refere que

“Qualitative researchers are called journalists, or soft scientists. Their work is termed

unscientific, or only exploratory, or it is interpreted politically, as a disguised version of

Marxism or humanism” (p. 19). Mas o enfoque qualitativo na investigação tem já uma

longa tradição consolidada nos estudos sociológicos da Chicago School entre 1920 e

1930 (Denzin, 1994, p. 15).

Denzin, já no título do artigo citado, define o investigador qualitativo como ‘bricoleur’ e

diz que ele entende a investigação como um processo interativo moldado pela sua

história pessoal, biografia, género, classe social, etnia; o ‘bricoleur’ conhece o poder da

ciência; o produto do seu trabalho é o ‘bricolage’, uma complexa, densa, reflexiva,

criação–collage que representa a imagem do investigador, a compreensão e

interpretação do mundo ou dos fenómenos sob análise (Denzin, 1994, pp. 17-18).

Cada estudo qualitativo é, por si mesmo, um desenho de investigação, quer dizer, que

não há duas investigações qualitativas iguais ou equivalentes. Podem compartir

diversas similitudes mas não se podem replicar como na investigação quantitativa.

Lembremos que os procedimentos não são estandardizados e o fato de o investigador

ser o instrumento de recolha de dados –e ainda que o contexto ou ambiente evolua com

o decorrer do tempo– fazem com que cada estudo seja único, embora seja habitual

referir-se a eles pelas tipologias e assim definem-se quatro desenhos genéricos: a)

Teoria fundamentada, b) Desenhos etnográficos, c) Desenhos narrativos e d) Desenhos

de Investigação–ação. Não obstante as fronteiras entre estas tipologias serem muito

permeáveis, a maioria dos estudos toma elementos de mais de um desenho.

(Hernández-Sampieri, Fernández-Collado, & Baptista-Lucio, 2008, p. 686).

Etnográfico, Narrativo ou Fenomenológico

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Nesta perspetiva de tipologias, as questões dirigem-se para um estudo de desenho

etnográfico ou desenho narrativo. Por uma parte pretende-se descrever e analisar ideias

e crenças culturais, mas também narrar uma experiência de criação artística. Também

há elementos que apontam para um desenho de investigação-ação. Hernández, citando

Creswell, classifica os estudos etnográficos em ‘realistas’ ou mistos, críticos, clássicos,

micro etnográficos e os estudos de casos culturais (Hernández-Sampieri, Fernández-

Collado, & Baptista-Lucio, 2008, pp. 698-699). Hernández refere, ainda, os desenhos

fenomenológicos –citando, entre outros, Mertens, Creswell, Bogden e Biklen– que se

focam nas experiências individuais subjetivas dos participantes. Estes desenhos

fundamentam-se na análise de discursos e temas específicos, assim como na procura

de possíveis significados. O investigador confia na intuição, na imaginação e nas

estruturas universais para apreender a experiência. O estudo fenomenológico pretende

descrever e perceber os fenómenos desde o ponto de vista de cada participante

(Hernández-Sampieri, Fernández-Collado, & Baptista-Lucio, 2008, pp. 712-713).

Estudo de Caso

Quando o foco de atenção duma investigação é o caso, isso define-se como Estudo de

Caso e Stake enumera três tipos: intrínseco, instrumental e colaborativo. No estudo de

caso intrínseco o objetivo é estudar um caso único em particular (Stake, 1994, p. 35), o

qual é muito semelhante com o desenho fenomenológico mas também pode ser

etnográfico e narrativo para além de ter outros enfoques, mesmo quantitativos. Stake

utiliza o critério de que o Estudo de Caso não se define por um método específico, mas

sim pelo seu objeto de estudo; quanto mais concreto e único seja este, com maior motivo

podemos designa-lo como Estudo de Caso.

Atendendo ao problema de criar um conto musical, que é algo muito concreto e único

pois não se quer imitar ou reformular qualquer outro conto musical já existente, o Estudo

de Caso é o método mais natural e prático, dando resposta adequada às exigências da

criação artística. O Estudo de Caso retrata a realidade do fenómeno criativo sem

depender dos artifícios analíticos de outros métodos. O artista-investigador está mais

próximo da atividade criadora, tanto durante o estudo como no relatório final, pois

utilizará um discurso menos ‘académico’, mais natural e que as pessoas envolvidas na

educação e na criação artística reconhecem como próprio, bem como facilitando a

compreensão dos contributos.

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A favor e em contra

Algumas das vantagens do Estudo de Caso para o investigador-artista são que este

privilegia o enfoque holístico –defende a análise global e uma compreensão geral dos

fenómenos– em detrimento da análise de variáveis preestabelecidas; assume a

subjetividade como uma componente importante para o conhecimento científico; e

incentiva o desenvolvimento de modelos a partir dos próprios dados e não de hipóteses

prévias.

Entre as desvantagens está a parca informação que os manuais e as bibliografias de

investigação dedicam à análise qualitativa, enquanto são muito generosos com a

quantitativa. Isto aponta para um preconceito sobre a investigação qualitativa o que

privilegia a ‘execução inexpressiva’ frente a ‘interpretação emotiva’, prejudicando a

qualificação dos trabalhos qualitativos no âmbito académico. Outra desvantagem é a

imprevisibilidade do tempo necessário para que da ‘dispersão ou expansão’ dos dados

e da informação emerja a teoria, hipótese ou conteúdo de verdade da obra artística.

Finalmente, uma desvantagem para o Estudo de Caso em causa é a rara existência de

exemplos disponíveis que possam dar alguma luz aos que se enveredam pela

investigação-criação.

Dados

O investigador é o próprio instrumento de recolha de dados, influindo, interagindo e

decidindo da sua validade. A análise descreverá a informação e desenvolverá padrões

a partir da evolução dos dados. No final poderá gerar ou não alguma hipótese. A

natureza dos dados é narrativa e criativa, de tipo ‘soft’, aprendendo-se na observação

como afinar o tratamento e registo dos mesmos (Hernández-Sampieri, Fernández-

Collado, & Baptista-Lucio, 2008, pp. 11-15).

Os dados a recolher seguem um faseamento flexível a partir desta proposta inicial:

– Revisão bibliográfica, com ênfase nos estudos de estética e de criação musical.

– Revisão de repertórios musicais que interajam com a realidade a construir.

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– Criação de ideias, sequências e fragmentos que induzam hipóteses para a construção

duma linguagem musical que favoreça o pensamento abstrato.

– Criação e contextualização enigmática da história que estimule a criatividade.

– Criação da partitura definitiva do conto.

– Crenças, valores, contexto e historial do investigador formam parte do estudo.

A realidade por descobrir, construir e interpretar é subjetiva e só existe na mente do

investigador. É uma realidade que muda com a observação e a recolha de dados. Essa

realidade mutante não conhece cronogramas e só o bom senso ou sentido de

transcendência do artista-investigador pode dizer quando a realidade construída se

aproxima da imaginada. Se esta aproximação não se dá em termos satisfatórios para o

artista, pode o investigador concluir, no tempo calendarizado, o seu relatório de fracasso

mas o artista destruirá as provas.

Triangulação

O investigador do Estudo de Caso, como todos os investigadores, estabelece uma

confiança na precisão das observações e fiabilidade das interpretações. Os

investigadores qualitativos utilizam diversos métodos de triangulação para confirmar os

dados. São táticas de observações repetidas, de múltiplos observadores e de pontos de

vista. Os bons investigadores desafiam deliberadamente as suas próprias conclusões

emergentes, buscando explicações rivais apoiadas em dados e reforçando as

conclusões sobre o que aprendem (Stake, 1994, p. 38).

Tanto a música como a história que se foi construindo foram sistematicamente

submetidas à opinião de colegas e de alunos assim como, esporadicamente, de

crianças e de adultos não relacionados diretamente com o investigador, para testar e

recolher novos dados a fim de enriquecer a observação e afinar a eficácia comunicativa.

Stake assinala que os investigadores de Estudos de Caso naturalístico providenciam

descrições pormenorizadas, um conjunto de dados relativamente incontestáveis, uma

lista de padrões de significados claros e duradouros. Não por acaso, muitas vezes os

leitores são convidados a criar as suas próprias interpretações e implicações. O

investigador atua como um agente do leitor, um apoio para interpretações alternativas,

oferecendo dados em detalhe, que tanto podem contradizer como suportar as

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conclusões do investigador (Stake, 1994, p. 38). Essas interpretações alternativas são

o enigma da arte.

Toda a criação artística é, por definição, a descrição mais completa e pormenorizada

possível de si mesma. Se uma descrição melhora a criação que descreve então é falsa

ou a própria descrição é, em si mesma, a criação artística, mas a arte deixa de ser o

que é e perde a sua especificidade, negando a dimensão estética da arte e

transformando-se, como foi indicado anteriormente, no que Adorno denomina

Entkunstung.

A criação do Conto é, portanto, a mais pormenorizada descrição possível e este relatório

não é mais do que um relato necessariamente incompleto.

ÉTICA

Foi salvaguardada a identidade de todas a pessoas que providenciaram contributos para

o desenvolvimento da criação do conto, sendo informadas verbalmente da investigação

quando se solicitou o seu contributo. Por outra parte, a história, embora utilize uma

linguagem metafórica, nunca atribui nem revela identidades.

Os conceitos, ideias e pensamentos que entraram no conto diluídos no discurso mas

que têm autor, na edição da obra final são identificados com uma espécie de créditos

eruditos. Neste relatório são identificados no capítulo de análise do conto.

Na página de agradecimentos figuram todas as pessoas que de algum modo

providenciaram algum tipo de ajuda para levar adiante esta dissertação.

Ilação

“Suppose that all the world could be seen only through the eyes of a music educator.

What would the world look like?” (Stake, 1994, p. 31). Assim se iniciava o artigo e, numa

lógica de formalidade conclusiva, Stake retomava o tema inicial do duplo paralelismo

educador-compositor / investigador-intérprete para nos lembrar que o investigador de

educação musical não pode deixar de ser um intérprete, um improvisador. Mas a

partitura, aliás, todas as partituras estão mal definidas, são incompletas. E continuava:

os significados do compositor são vagos e inconstantes. Para concluir: Não há outro

mundo mais do que o observado através dos olhos de um educador de música (Stake,

1994, p. 44).

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A ilação disto é que a indefinição da partitura só é um problema para o executante

inexpressivo que não ultrapassa a aritmética da pauta. Essa calculada indefinição é a

que permite que o hálito da fantasia metodológica possibilite múltiplas interpretações

emotivas para nos conduzir a olhar o mundo, criativamente, através do compositor. O

conhecimento constrói-se com inspiração.

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4. O percurso da criação

Emergência da Ideia

No ano 2005, o compositor abandona Madrid para instalar-se em Tui, na Galiza, e na

mudança perdeu uma caixa. Essa caixa continha toda a sua coleção de laços. Após a

contrariedade que isso supunha, concebe a primeira ideia de fazer uma obra que se

intitule A Caixa dos Laços. A ideia concebida instala-se no subconsciente do autor e lá

vai fazendo amizade com outras ideias e alimentando-se do desenvolvimento de obras,

de leituras, de conversas, de observações, de escutas, enfim, a ideia prossegue a sua

gestação até ao dia em que é dada à luz.

A fase emergente dum projeto de criação, não tem um período de gestação definido, é

dificilmente calendarizável. Tanto pode alumiar em horas como em anos e muitas vezes,

só é preciso uma oportunidade para que o parto seja prematuro. Assim, o autor recebe

um dia a sugestão de escrever uma obra que envolva crianças, e imediatamente a ideia

da Caixa dos Laços salta para a frente. Pensa numa ópera para crianças com um

argumento que arranque do ponto onde a história real acaba: a ausência da caixa. Duas

crianças a brincar encontram a Caixa dos Laços e quando os experimentam tudo se

transforma. Cada laço transporta-os para um conto de fadas em simbiose musical: A

Flauta de Neve, A Violeta Borralheira, O Violino das Botas, e assim sucessivamente.

Inicialmente, o autor entusiasma-se e começa a esboçar o projeto mas há perguntas

que não ficam bem respondidas, como as habilidades técnicas das crianças cantoras e

instrumentistas que devam apresentar a ópera em palco, pois isso condiciona

excessivamente o discurso musical. Também está o enorme investimento de meses de

trabalho para escrever uma ópera para crianças intérpretes que dificilmente vai ser

compensado economicamente –reduzindo a qualidade de vida do compositor– nem

sequer em número de representações que preencham a sua auto-estima. Isto

desencoraja a criação e vai adiando o projeto porque a ética dum artista não tolera

conformar-se com obras inferiores, por compromisso.

“O autor é uma espécie de foco de expressão, que, sob formas mais

ou menos acabadas, se manifesta da mesma maneira, e com o

mesmo valor, nas obras, nos rascunhos, nas cartas, nos

fragmentos, etc.” (Foucault, 2008, p. 53)

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Público-alvo

Entretanto, a ideia dos simbióticos contos de fadas musicais vai-se tornando algo

leviana, pueril e fútil. A questão básica de para quem se faz um Conto Musical, dito em

termos académicos, qual o público-alvo, provoca uma reflexão mais aprofundada. A

resposta de manual –para satisfazer quem decide as verbas destinadas ao projeto–

pode ser uma adaptação moderna do clássico ‘panem et circenses’ da Roma decadente

que só pensava em comer e divertir-se. Para uma grande maioria, um Conto Musical é

um ‘espetáculo que envolve crianças’ e, segundo os casos, adicionar-se-á um grão de

‘cidadania’ ou de ‘moral’; nesse contexto, mencionar à ‘filosofia’ ou à ‘arte’ pode resultar

aborrecido, inconveniente ou mesmo pedantaria. Mas voltando à questão básica, existe

um público-alvo para a arte? Se concordássemos, então teríamos de admitir que a arte

não é apta para o resto da humanidade. Se por público-alvo só nos referimos à faixa

etária ou de madureza intelectual para compreender a mensagem, isso não afeta a obra

em si, tão só a forma de expressão escolhida, que pode primar a essência, a existência

ou ambas com diferentes níveis de compreensão.

Assim como a missão do palhaço não é fazer rir, mas servir-se do riso para fazer pensar,

o artista sabe que um conto musical, como qualquer outra peça de arte, não é um

espetáculo; utiliza, sim, o espetáculo da fantasia como meio, mas o seu fim é

transcender, é uma oportunidade para fazer crescer, artística e humanamente. O conto,

musical ou não, é uma experiência transcendente que o artista-compositor-autor partilha

com os ouvintes e leitores. O compositor-autor escreve para si próprio e o público só

tem acesso à sua criação quando está pronta para ser apresentada em alguma das

suas possíveis formas de comunicação, quer dizer, quando o criador está satisfeito com

a obra realizada, pois partilhar algo inacabado ou que não satisfaz ao próprio autor seria

indigno dum artista. Não seria ético, e segundo a proposição 6421 do ‘Tratado Lógico

Filosófico’ de Wittgenstein:

“É óbvio que a Ética não se pode pôr em palavras. A Ética é

transcendental. (A Ética e a Estética são Um)” (Wittgenstein, 2008,

p. 138).

Era, pois, preciso reformular o projeto porque as crianças são geralmente mais

baixinhas do que os adultos mas não são bobas nem deficientes como para que no

século XXI, quando o imaginário virtual e tecnológico forma parte do seu quotidiano,

ainda lhes andem a moer o juízo com fadinhas ou fadonhos. Só é preciso tomar alguma

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precaução técnica como a que indica o Prémio Nobel José Saramago em ‘A maior flor

do mundo’:

“As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito

simples, porque as crianças, sendo pequenas, sabem poucas

palavras e não gostam de usá-las complicadas.” (Saramago, 2001,

p. s/n).

‘Poucas palavras’ não quer dizer ‘poucas ideias’, nem idiotice, porque aquilo que não se

pode dizer com palavras simples é porque precisa de se refletir mais. Wittgenstein, na

proposição 4.116 esclarece:

“Tudo o que pode de todo ser pensado, pode ser pensado com

clareza. Tudo o que se pode exprimir, pode-se exprimir com

clareza. (Wittgenstein, 2008, p. 63).

Daí que, na contracapa de ‘A maior flor do mundo’, Saramago ainda escreva:

“E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura

obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender

realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar? (Saramago,

2001, p. contracapa).

Isto levanta uma outra questão sobre qual o público-alvo, pois quem compra os livros,

filmes, espetáculos e tudo o que consomem as crianças? As crianças podem pedir e até

pressionar, mas quem paga? Não será que o público-alvo é universal? Qualquer

assunto que implique crianças tem de lidar com duas ou três gerações: a das próprias

crianças, a dos pais e a dos avós. No caso dos contos, antes de as crianças aprenderem

a ler, são os pais, avós ou pessoas do seu ambiente familiar quem lhes lê o livro, quer

dizer, são os adultos quem descodificam a mensagem do autor e a adaptam à criança

recetora. Os adultos são, pois, tão alvos como as crianças já que filtram o que há de

chegar a elas.

Por público-alvo universal deve entender-se aqui, aquele que possui alguma

sensibilidade para as questões das crianças, incluindo as próprias crianças. Daí que o

compositor-autor não escreve um conto só para crianças –pois tem também de dirigir-

se aos adultos que ‘pagam’– nem para um contexto particular –como pode ser o escolar

ou familiar. O que sim faz o compositor-autor é uma ‘peça de arte amiga das crianças’

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que seja utilizável em todas as circunstâncias e por qualquer pessoa, inclusive na sala

de aula.

A adivinha e o enigma da arte

Dilucidada a questão do público-alvo, uma nova oportunidade chegou em forma de

encomenda paga para fazer um conto musical e a ideia da Caixa dos Laços voltou

novamente para a frente, desta vez, com a reflexão sobre a educação artística e a

formação de estruturas mentais muito mais madura. A história tem o mesmo ponto de

partida, a ausência da caixa, mas agora fazendo pensar as crianças. John Dewey, o

filósofo norte-americano que defendia a democracia e a liberdade de pensamento como

instrumentos para a maturação emocional e intelectual das crianças, numa citação de

Gianni Rodari, diz:

“O pensamento deve ser reservado ao novo, ao precário, ao

problemático. Daqui o sentimento de constrição mental e de perda

de tempo que as crianças experimentam quando lhes pedem que

reflitam sobre coisas familiares.” (Rodari, 2004, p. 207).

Pensar afasta-nos do aborrecimento e se pedirmos às crianças para pensar no que

aconteceria se os ingleses esquecessem de falar inglês, seguramente não terão tempo

para se aborrecer. Segundo Dewer, as construções fantásticas muitas vezes antecedem

um pensamento de tipo mais rigorosamente coerente.

Na ‘Gramática da Fantasia’, Gianni Rodari fala da adivinha como forma de

conhecimento. Traduzir um problema numa adivinha é o que distingue uma mente

genial, mas qualquer pessoa absolutamente comum pode, com o contributo da

instrução, inventar ou desenvolver modelos eficazes. (Rodari, 2004, p. 208).

O Doutor Carlos Nogueira, do Centro de Tradições Populares Portuguesas da

Universidade de Lisboa, define a adivinha como “um texto verbal curto que apela a uma

resposta, contida na pergunta de modo cifrado ou encoberto”. (Nogueira, 2004).

Em qualquer livraria podemos comprovar que a produção editorial de livros de adivinhas

é abundante, tanto para crianças como para adultos, o qual significa que a tradição das

adivinhas se mantém viva e criativa.

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Nogueira resume o processo estimulador das adivinhas deste modo:

Através da adivinha, a dúvida instala-se e as coisas designadas

pela linguagem perdem a sua dimensão unívoca em favor da

pulverização de sentidos, modificando radicalmente o

conhecimento que o sujeito tem do universo. Ela encerra

condensadamente uma importantíssima perspetiva que nos abre

caminho para uma visão singular daquilo que, no nosso quotidiano,

nos aparece a cada passo como obscuro ou demasiado evidente e

adquirido. Texto, portanto, que subverte e reinventa as estruturas

mentais hierarquizadas, muito por ação de um estranhamento

criador que valoriza outras visões do real. (Nogueira, 2004).

A adivinha é, pois, uma utilização lúdica da linguagem que através da poética e

enigmática estimulam a criatividade e a estética para reinventar-nos artisticamente. A

proposta estética formulada por Theodor W. Adorno sobre o enigma da arte mantém-se

inalterada:

O caráter enigmático das obras de arte permanece intimamente

ligado à história. Por ela se tornaram outrora enigmas, por ela

continuam a sê-lo e, inversamente, só esta, que lhes conferiu

autoridade, mantém delas afastada a penosa questão da sua raison

d'être. A condição do caráter enigmático das obras de arte é menos

a sua irracionalidade do que a sua racionalidade; quanto mais

metodicamente são dominadas tanto maior relevo adquire o caráter

enigmático. Através da forma, tornam-se semelhantes à linguagem,

parecem tornar-se apenas um em cada um dos seus momentos e

a este revelar, o qual desaparece em seguida.

Todas as obras de arte, e a arte em geral, são enigmas; isso desde

sempre irritou a teoria da arte. O facto de as obras de arte dizerem

alguma coisa e no mesmo instante a ocultarem coloca o caráter

enigmático sob o aspeto da linguagem. Ele macaqueia à maneira

de um clown; se se estiver nas obras de arte, se se participar na

sua realização, torna-se invisível; se delas se sair, se se rescindir o

contrato com o seu contexto imanente, ele retorna como um spirit.

(Adorno, 2008, p. 186).

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De facto, a práxis dos artistas importantes apresenta uma afinidade

com o enigma; é disso testemunho o prazer que os compositores

sentiram, durante séculos, na utilização de cânones enigmáticos. A

imagem enigmática da arte é a configuração da mimese e da

racionalidade. O caráter enigmático é algo que brota. (Adorno,

2008, p. 196).

Conteúdo de verdade

Adotada a estratégia formal das adivinhas, o seguinte passo no processo criativo era

estruturar a essência do conto para delimitar o conteúdo e aqui levantam-se novas

questões sobre a arte e sua função mágica. Novamente Adorno nos esclarece na ‘Teoria

Estética’ essa função:

A arte subsiste após a perda do que nela devia outrora exercer uma

função mágica e, depois, cultural. Perde o seu «para quê» - em

termos paradoxais: a sua racionalidade arcaica - e transforma-o

num momento do seu em-si. Torna-se assim enigmática; se já ali

não está para o que ela imbuía de sentido como seu fim, então, que

pode ela ser em si mesma? O seu caráter enigmático incentiva-a a

articular-se imanentemente de tal modo que, através da

configuração da sua absurdidade enfática, adquire um sentido. Sob

este aspeto, o caráter enigmático das obras não é o seu ponto

último, mas toda a obra autêntica propõe igualmente a solução do

seu enigma insolúvel. (Adorno, 2008, pp. 196 - 197).

Adorno aponta-nos a solução do enigma mas não o seu discurso narrativo porque não

é a sua composição o que faz enigmáticas as obras de arte, mas antes o “respetivo

conteúdo de verdade”.

A questão pela qual cada uma se liberta por si mesma desse

conteúdo de verdade que a atravessa –questão que retorna

infatigavelmente– «para que serve tudo isso?» –transforma-se

nesta– «É, pois, verdadeiro?» –questão do Absoluto, à qual toda a

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obra de arte reage ao desembaraçar-se da forma da resposta

discursiva. (Adorno, 2008, p. 197)

Daí que o pensamento discursivo vai manter o tabu sobre a resposta que procura

proporcionar, “…no entanto, porque carece de juízo (Urteil), não a fornece; deste modo

torna-se enigmática, como o horror do mundo primitivo, que se modifica, mas não se

esvanece.” (Adorno, 2008, p. 197).

Este ponto do processo pode tornar-se facilmente num beco sem saída. É preciso

manter o espírito sereno para continuar a refletir sobre o enigma e a discursiva da arte

até encontrar esse minúsculo ponto de luz na obscuridade que permita enfiar o

pensamento para construir a obra. Um conto musical não deve ser uma pura sucessão

de adivinhas desconexas, precisa de algo mais para que o enigma construa pensamento

criativo, artístico, estético, ético, filosófico. A responsabilidade do criador na Educação

Artística é muito importante pois é quem vai articular o discurso dos educadores. A

leitura demorada de Adorno trouxe finalmente essa luz inspiradora do argumento

filosófico, pedagógico ou, simplesmente, a moral da história. Na página 186 da ‘Teoria

Estética’ o autor encontrou o “respetivo conteúdo de verdade” necessário para

solucionar o enigma que devia ocultar.

Eis porque também foi lucrativo o estudo de homens incultos: o

caráter enigmático da arte torna-se neles flagrante até à sua total

negação, transformando-se, sem saber, em crítica extrema da arte

e, enquanto comportamento defeituoso, em suporte da sua

verdade. É impossível explicar a broncos o que é a arte; não

poderiam introduzir na sua experiência viva a compreensão

intelectual. Está neles tão sobrevalorizado o princípio de realidade

que interdiz sem mais o comportamento estético; aguilhoada pela

aprovação cultural da arte, a amusia transforma-se frequentemente

em agressão e é esta que move, hoje, a consciência geral para a

Entkunstung [negação da dimensão estética] da arte. Quem é

totalmente privado de «ouvido musical», quem não compreende a

«linguagem da música», percebendo aí apenas a confusão e

interrogando-se sobre o que podem significar tais ruídos, só

elementarmente se dá conta do caráter enigmático; a diferença

entre o que ele ouve e o que ouve o iniciado circunscreve o caráter

enigmático. Mas a natureza enigmática não se refere de nenhum

modo apenas à música, cuja inconceptualidade a torna quase

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demasiado óbvia. Um quadro ou um poema olham todos aqueles

que, por assim dizer, não decalcam a obra «segundo a sua

disciplina», com os mesmos olhos vazios que a música vira para o

inculto. (Adorno, 2008, pp. 186 - 187).

Aparece neste texto a palavra-chave sobre a qual arquitetar o conteúdo de verdade do

conto: “amusia”. O Dicionário da Porto Editora define-a assim:

amusia s.f. perda patológica de capacidades musicais; surdez

musical (amusia auditiva); alexia para as notas de música (cegueira

musical); perda do canto (amusia vocal); perda da capacidade de

tocar um instrumento (amusia instrumental); perda da capacidade

de escrever música (agrafia musical); ignorância das Belas-Artes

(Do gr. amousia, pelo lat. amusia-, «ignorância musical»)

Não é a patologia física a que interessa ao autor –essa é uma questão médica que só

muito recentemente se começou a investigar e provavelmente se consiga resolver–

antes é a amusia adquirida, a ignorância musical e das Belas-Artes, o direito à

ignorância proclamado por ideologias populistas e reacionárias o que o artista-

compositor-autor quer evidenciar no seu conto como origem do ‘olhar vazio’ que o pós-

modernismo inoculou na sociedade ocidental. O tema de que trataria o conto, ‘amusia’,

ficou definido e começou a emergir o seu ‘respetivo conteúdo de verdade’.

Ao passar revista ao que o mercado nos oferece com o rótulo de conto musical podemos

observar que não há uma tipologia definida para este género. Assim, para além de

considerar ou não como música os efeitos especiais, a função da música num conto

musical pode variar desde ser um mero fundo musical, fazer uma ilustração musical,

desempenhar um reforço musical da ação, ou representar uma narração musical que

pode até prescindir do texto. Por sua vez o texto do conto pode ser uma história musical,

uma história com referências musicais, uma história com alusões à música ou mesmo

uma história sem qualquer conexão com a música. Desde a simbiose comunicativa

história-música até a incomunicação de ambas tudo pode caber num conto musical. As

canções são ainda um recurso muito explorado neste género e o sistema tonal a

linguagem mais comum, com tendência a uma simplificação tão radical que parece

ignorar a inteligência das crianças.

Com o conteúdo de verdade já decidido, a história, logicamente, será musical mas o

compositor, como parece óbvio, não quer que a música seja um mero fundo, nem sequer

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uma ilustração dispensável. Poderia reforçar a história ou até contá-la mas nunca ser

um móvel decorativo. Se recapitulamos o conhecimento do conhecimento anteriormente

revisado, podemos perceber que tanto a música como a história são processos de

comunicação que implicam atitudes performativas onde o conhecimento ilumina o

próprio conhecimento que permitiu adquiri-lo.

A comunicação musical e a linguística podem contribuir para o mesmo fim mas, como

já foi referido, empregam recursos neuronais diferentes. Portanto, se aceitássemos

como objetivo o “possibilitar a construção de um pensamento complexo” como assim

no-lo encorajam as Competências Essenciais do Currículo Nacional, podemos utilizar a

música e a história como elementos estruturantes que se combinam entre si mas que

não têm, necessariamente, de repetir uma o que já está a dizer a outra.

A principal preocupação do compositor não é tanto a combinação de história e música

como qual será o melhor método para exprimir adequadamente ambas narrativas com

palavras simples e ideias complexas. Assim como não é aceitável confundir palavras

simples com vulgaridades plebeizantes, do mesmo modo a música não deve recorrer a

simplificações redutoras porque, como já descobriram os neurocientistas, aborrece as

crianças. Não sabemos se acontece o mesmo com os adultos que não foram

estimulados antes da idade limite dos vinte anos. Observando os espetáculos festivos

que patrocinam os estabelecimentos de ensino superior para os seus alunos, onde não

se dispensa a vulgaridade plebeia, o compositor interroga-se sobre a aprendizagem da

ignorância, da amusia, e o prestígio social da incultura nas instituições científicas.

Convém, então, rever alguns pressupostos éticos e estéticos

DESTRUIÇÃO DA AURA

“O efeito Hiroxima”, um artigo do filósofo português Eduardo Lourenço publicado a 13

de Agosto de 1995 no Jornal Público e incluído no livro ‘O Esplendor do Caos’

(Lourenço, 2007, pp. 95-102), esclarece a “boa consciência” que caracteriza a cultura

usamericana e o sentimento de povo eleito que lhe evita a inquietude, angústia ou

escrúpulos quando instituído em nação-guia deita sobre Hiroxima e Nagasáqui “o fogo

do inferno” –como Einstein, seu ‘pai’ legítimo, o denominou. Aquele apocalíptico

genocídio foi designado como “histórico” e pensado como o “tempo de Deus” enquanto

que Auschwitz pertence por definição à culminância perversa e tenebrosa da barbárie

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pré-histórica. A 6 de Agosto de 1945, Usamérica inaugurou solenemente, talvez sem o

saber, uma nova era, a era pós-moderna ou da hegemonia mundial usamericana.

O cogumelo de Hiroxima acabou por cobrir quase todo o planeta e sumiu o mundo no

pensamento débil do pós-modernismo, com perda do passado e do futuro. Essa

radiação de anti-modernismo trocou a ação de pensar pelo culto ao corpo e à tecnologia,

renunciando às utopias e ao progresso. Diluiu as ideologias e acabou com a auto-

superação e o esforço. A verdade passou a ditar-se desde os meios de massas e dos

gabinetes de marketing, onde se instalou o poder real.

John Cage recicla o dadaísmo –“Nel dadaismo si pone per la prima volta esplicitamente

un problema di grande rilievo per la estetica contemporanea, il concetto di

‘contemplazione estetica’ … gli aspetti più scandalosi del dadaismo … contribuiscono in

modo decisivo a mettere in crisi proprio questo aspetto della coscienza estetica otto-

novecentesca” (Vattimo, 2008, pp. 67-68)– e leva o absurdo musical à sua última

consequência escrevendo uma obra onde cada um dos três andamentos tem por única

grafia a palavra latina “tacet”, um termo musical que indica uma pausa prolongada.

O autor declara em Silence (Cage, 1978, p. 10) que o seu propósito era mudar a

perceção dos ouvintes, não para compreenderem, tão-só para prestar atenção a

atividade dos sons (“Just an attention to the activity of sounds”). A obra 4’ 33” –assim se

intitula por ser essa a duração da primeira interpretação realizada em Nova Iorque a 29

de Agosto de 1952 pelo pianista David Tudor– converteu-se num ícone do pós-

modernismo usamericano.

Mas chegado a esse limite abismal da música alegadamente erudita, só cabia o silêncio

absoluto ou o retorno ao mundo dos sons. Então começaram com a universal

“culturização” de todas as músicas na linha do que Eduardo Lourenço interpreta como

‘feérie’ cultural permanente, puramente decorativa e fantasmagórica (Lourenço, 2007,

p. 124).

BATALHA DO “FORMAL”

No III volume de ‘Ditos e Escritos’ de Michel Focault inclui-se um diálogo com o

compositor francês Pierre Boulez sobre “A música contemporânea e o público”

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publicada em 1983, onde o autor do ‘Marteau sans maître’ diz: “Será que falar das

músicas e alardear um ecumenismo eclético resolve o problema? Parece que, pelo

contrário, se o escamoteia… Todas as músicas são boas, todas as músicas são

agradáveis. Ah! O pluralismo, nada se compara a ele como remédio para a

incompreensão. … Tudo vai bem, nada vai mal; não há valores, mas há prazer”. E ainda

acrescenta que “o ecumenismo das músicas é uma estética de supermercado, uma

demagogia … para camuflar a miséria dos seus compromissos” (Foucault, 2006, p. 393).

A industrialização da música inicia nos sessenta a mundialização mas Focault considera

que muitos dos elementos destinados a dar acesso à música acabam precisamente

empobrecendo a relação que se tem com ela e assim as leis do mercado terminam por

estabelecer os limites de uma capacidade bem-definida de audição e delimitam cada

vez mais um esquema de escuta. Isto está de acordo com a teoria da “destruição da

aura” e as mudanças nas condições de produção que preconizava Walter Benjamin no

ensaio de 1936 ‘A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica’ (1992, p. 82).

O anti-modernismo usamericano não foi plenamente aceite na Europa onde o

pensamento nunca foi banido –tão-só abrandado– e Focault, que considera Boulez

como o sucessor de Shönberg e Webern, num artigo de 1982 intitulado “Pierre Boulez,

a Tela Atravessada” esclarece: “Na época em que nos ensinavam os privilégios dos

sentidos, do vivido, do carnal, da experiência originária, dos conteúdos subjetivos ou

das significações sociais, encontrar Boulez e a música era ver o século XX sob um

ângulo que não era familiar: o de uma longa batalha em torno do “formal”; era

reconhecer como na Rússia, na Alemanha, na Áustria, na Europa Central, através da

música, da pintura, da arquitetura ou da filosofia, da linguística e da mitologia, o trabalho

do formal tinha desafiado os velhos problemas e subvertido as maneiras de pensar”

(Foucault, Ditos e Escritos - Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema, 2006, p.

388).

Noutro artigo publicado no Corriere dela Sera, de 30 de Setembro de 1980, com o título

“L’imaginazione dell’ottocento”, Focault afirma que Boulez é “o herdeiro mais rigoroso e

mais criativo da Escola de Viena, um dos mais notáveis representantes da grande

corrente formalista que atravessou e renovou toda a arte do século XX (e não somente

na música)” (Ditos e Escritos - Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema, p. 382).

Este trabalho do formal faz-nos lembrar a Proposição 3 do ‘Tratado Lógico Filosófico’

de Ludwig Wittgenstein publicado em 1922 e que resume a essência da tradição cultural

europeia: “A imagem lógica dos factos é o pensamento” (Wittgenstein, 2008, p. 38) ou,

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desde outro ângulo, “Pensar o mundo é fazê-lo com categorias filosóficas” (Rodríguez-

Magda, 2004, p. 22).

RITUALIDADE

A queda do Muro de Berlim representou para Europa a vontade de transformação, a

recuperação da auto-confiança, da restauração duma certa transcendência e ética do

modernismo, ainda que assumindo as críticas do pós-modernismo. A filósofa catalã

Rosa María Rodríguez-Magda, desde o ano 1987, vem propondo em diversas

publicações a palavra “trans-modernidade” para designar essa mudança de paradigma,

pois as conotações do prefixo “trans” –transmissibilidade, transculturalidade,

transnacionalidade, transpolítica, transexualidade, transgénico, transvanguarda–

sugerem transformação, dinamismo, atravessamento de algo num médio diferente; esse

algo que vai “através de”, não se estanca, mas parece atingir um estádio posterior que

comporta a noção de transcendência (Rodríguez-Magda, 2004, p. 16). Para isso, o

indivíduo precisa de retomar a origem ancestral dos mitos e recriar a ritualidade, na qual

é oficiante ao mesmo tempo que criador e depositário do segredo da ausência (p. 21).

A filósofa da trans-modernidade convida-nos para uma revisão daqueles discursos dos

anos sessenta e setenta que hoje exercem como novo catecismo da vacuidade. A crítica

à ‘auctoritas’, no seu momento necessária, hoje legitima a falta de critérios de valor. A

denúncia da autoria converteu-se na coartada do plágio. O rechaço do cânone dá crédito

à literatura e à música lixo. A exibição de particularismos pretensamente universais

favorece o localismo grosseiro e o fanatismo racial. A luta contra os privilégios agora

anima a ditadura do igualitarismo e da mediocridade. (Rodríguez-Magda, 2004, p. 51).

Mas ainda é necessário chamar a atenção para a gíria politicamente correta e o

messianismo New Age e pseudo-histórico manipulador de massas. A trans-

modernidade não é uma ONG, é um lugar onde todos temos de brigar. (p. 16).

PENSAMENTO ÚNICO

O pensamento forte do modernismo aspirava a transformar a realidade (Tese). O

pensamento débil do pós-modernismo negava e desagregava a realidade (Antítese). A

trans-modernidade integra a realidade com a negação da realidade num espaço virtual

interativo (Síntese) (Rodríguez-Magda, 2004, p. 35). Mas a esta tríada Realidade-

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Simulacro-Virtualidade corresponde outra, Razão-Deconstrução-Pensamento único,

que arrepia ainda mais por carecer de alternativa e gera uma transcultura do desarraigo

global.

Assim como Hiroxima significou uma mudança de paradigma, outro acontecimento

apocalíptico, o dia 11 de setembro de 2001, marcou uma nova forma de pensar o

mundo. Outras potências emergentes –nomeadamente Brasil, China, Índia e Angola

mas não só– começam a ocupar espaços relevantes que fragmentam o poder global.

Estamos ultrapassando o paradigma da trans-modernidade, caminhando para um novo

pensamento forte de neo-modernidade múltipla, no sentido que Jürgen Habermas lhe

atribui no ‘Discurso Filosófico da Modernidade’ como uma existência livre de

dominações (Habermas, 2008).

Para além disto, o desafio de pensar, a urgência de atuar, continuam pendentes.

(Rodríguez-Magda, 2004, p. 46). O século passado apresenta-se-nos, ainda hoje, com

uma lógica confusa; não só na política ou na economia, mas sobretudo nas ideias e nas

artes, onde a felicidade fragmentária que ainda vendem os anúncios do ultra

consumismo pós-moderno entrou em crise, passou de moda, irrita, inclusive aos mais

intranscendentes. Mas o estupor do marketing é tão radioativo que atingiu mesmo os

tecidos sociais mais profundos. O antídoto da cultura já não faz efeito porque o pós-

modernismo rebaixou-a tanto que se confunde mesmo com a incultura.

Para assimilar e preencher aquele enorme vazio deixado pela morte de Deus, o

modernismo tinha ao seu dispor uma alta cultura bem treinada na “forma”. Para remediar

o vazio absoluto deixado pelo pós-modernismo não há contingentes intelectuais

suficientes, com treino do “formal”, que repensem a humanidade tão rápido como os

publicistas a desconstruem. O trans-modernismo criou algumas condições para isso,

como a sociedade organizada em redes de comunicação global, e que pode gerar um

novo e plural pensamento forte, base do neo-modernismo. Mas é urgente pensar se

queremos ser nós a reinventar-nos ou –parafraseando a Miguel de Unamuno–

aceitamos ‘que inventem eles, e nós aproveitar-nos-emos das suas invenções’2.

2 Numa disputa sobre a europeização ou africanização da península ibérica, Miguel de Unamuno envia no dia 30 de Maio de 1906 uma carta a José Ortega y Gasset onde escreve: «Inventen, pués, ellos y nosotros nos aprovecharemos de sus invenciones. […] La luz eléctrica alumbra aquí tan bien como allí donde se inventó» (Unamuno, 2006, p. 219). Este paradoxo, tão arraigado no nacionalismo espanhol, teve graves consequências no desenvolvimento económico da Espanha e o Informe Anual de 2008 da OMPI sobre o registo internacional de patentes confirma que as invenções espanholas não chegaram ao 0,6% mundial, muito longe do 11,3% da Alemanha ou mesmo do 4,2% da França (OMPI, 2009), países com os que frequentemente se compara. Também pode explicar o duvidoso mérito de no ano 2008 a Espanha ser

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“O que é original é insubstituível” diz Ígor Stravinski nas Chroniques de ma vie referindo-

se à morte de Diáguilev (Stravinski, 2005, p. 177).

CONSTRUÇÃO DA VERDADE

Forma e conteúdo são da mesma natureza, apreensíveis pela

mesma análise. O conteúdo recebe da sua estrutura a sua

realidade, e aquilo que chamamos forma é a ‘estruturação’ de

estruturas locais de que se constitui o conteúdo. (Leví-Strauss,

1983, p. 131).

Se a estrutura da história gira em torno do seu “respetivo conteúdo de verdade”, que,

segundo Adorno, é o que faz enigmáticas as obras de arte, é preciso encontrar um

elemento estruturador similar para a música, um conteúdo de verdade que a transforme

em enigma e desafio.

A propósito de Adorno, Edward W. Said, comenta:

El quid, como siempre en Adorno, es el problema de intentar decir

lo que da solidez a las obras, lo que les proporciona unidad y las

convierte en algo más que una mera recopilación de fragmentos.

Aquí muestra su aspecto más paradójico: uno no puede decir qué

vincula las partes si no invoca «la figura que crean todas juntas».

Uno tampoco puede minimizar las diferencias entre las partes, ya

que daría la sensación de que el hecho de mencionar la unidad, o

de darle una identidad específica, reduciría entonces su fuerza

catastrófica. (Said, 2009, p. 35).

A estrutura é a divisão do total da obra em suas partes constitutivas, a forma. O método,

em música, é o conjunto de procedimentos para construir a obra nota a nota. O sistema

tonal foi um método com funções estruturais, esgotado nos finais do século XIX. O

atonalismo gerou diversos procedimentos, o dodecafonismo foi o mais produtivo e dele

derivam todos os serialismos. Novos sons, texturas, automatismos, indeterminação,

incluída na Watch List pelo excessivo número de crimes contra a propriedade intelectual. (Office of the US Trade Representatives, 2009).

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colagem, tecnologia, computação, mixed media, etc. podem gerar novos métodos ou

não. Para facilitar, falaremos aqui de «complexos» –termo utilizado por Pierre Boulez

em alguns escritos como em A música hoje (Boulez, 2007, p. 38) se bem que não

sigamos os seus procedimentos– como unidades estruturantes e ainda de complexos

simples ou combinados segundo se manifestem só na história, só na música ou em

ambas, e também de complexos homogéneos ou heterogéneos segundo os atributos

constituintes como intervalos, durações, sucessões, sons, dinâmicas, métricas, timbres,

ataques, espaços, ou no texto as metáforas, adivinhas e imagens. Os analistas da

música do século passado preferem a terminologia da Teoria de Conjuntos. Allen Forte

(1973) inventou uma classificação dos conjuntos-classe que teve muito sucesso, e Jõao

Pedro Oliveira (2007) publicou uma teoria analítica abrangente que normaliza o léxico

musical português. Mas o compositor, por coerência com o pensamento complexo que

a música tem de induzir, mantém o termo de Boulez.

Um «complexo» é, pois, um conjunto de elementos a definir, por exemplo uma

sequência de números, mas Boulez chama a atenção para não cair no método

axiomático que nos permite criar teorias puramente formais como nas ciências

dedutivas. Devemos respeitar os princípios lógicos, senão os mal-entendidos instalam-

se, e em abundância. Não partamos absolutamente das substâncias e dos acidentes da

música, mas pensemos nela em termos de relações, de funções. (Boulez, 2007, pp. 28

- 30). Então não deve ser qualquer sequência de números ao acaso. “Toda reflexão

sobre a técnica musical deve ter origem no som, na duração, em suma: no material com

que o compositor trabalha”. (Boulez, 2007a, p. 33)

O compositor, obviamente, tem experiência acumulada na criação musical e alguns

«complexos» transitam de umas obras para outras mantendo uma espécie de marca de

autor, e isto não é metafórico pois um desses complexos está constituído pelos números

9 e 7 que são os que correspondem ao número de letras do nome (Rudesindo = 9) e

apelido (Soutelo = 7) e foi suficientemente testado em obras de todo tipo. O número de

complexos necessários pode ser definido por outro complexo mas, no mínimo, cada

obra precisa, de um complexo próprio e identitário. Habitualmente dá bom resultado

utilizar os números que correspondem à quantidade de letras de cada palavra do título

e dos andamentos, assim como datas de nascimento ou composição. O título do Conto

já está decidido, A Caixa dos Laços, que dá a sequência de números 1, 5, 3 e 5.

Com estes dois complexos –[9,7,] e [1,5,3,5]– já podemos experimentar. Considerados

como intervalos-classe (contando em semitons) obtemos uma ordenação intervalar

horizontal (melódica), vertical (harmónica) ou uma combinação de ambas que com 11

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transposições dá 12 alturas diferentes e 4 leituras possíveis (Original, Retrógrada,

Invertida e Retrógrada Invertida). Mas todos os intervalos têm duas orientações

possíveis –Exemplo: [1,5,3,5] contem as sequências {+1+5+3+5} e {-1-5-3-5}; ambas

são originais e ao mesmo tempo uma é inversão da outra– (Ver a tabela das sequências

de sons no Anexo 1). Os intervalos ainda podem ser substituídos pelos seus

complementares –o intervalo +7 é complementar de -5 num sistema de base 12. Este

complexo dá 8 sequências originais com 4 leituras que sumam 32 possibilidades mais

as suas transposições (32 x 12) que atingem um total de 384 combinações diferentes.

Mais do que suficiente para que o hálito da fantasia se esprema. Podemos ainda mudar

a base 12 por outra e os intervalos complementares expandirão as possibilidades.

Considerados como compassos estabelecemos as estruturas formais e ainda nos pode

dar o número de andamentos e a métrica. A orquestração também pode ser extraída

desses complexos, e a dinâmica, os registos sonoros, ou qualquer outro parâmetro que

queiramos organizar com uma lógica estruturante. Exemplo: A Abertura está dividida

em 1+5+3+5 secções. A Primeira é uma chamada de atenção e as outras 13 dividem-

se por sua vez em 1+5+3+5 compassos de 5/8 (8=3+5). Só o primeiro e o último

compassos são de 5/4. A percussão delimita as secções e as 3 centrais são só

percussões. (Ver excerto no Anexo 1). O ritmo predominante é de 5 com subdivisão

3+2, 2+3, 2+1+2, 1+2+2 ou 2+2+1, como um desafio para a atenção e coordenação.

A técnica dos complexos não condiciona nem reduz a imprevisibilidade essencial mas

faz legível o enigma da complexidade. Seguindo a recomendação de Boulez para não

cair num método axiomático é pelo que não se consideram os fractais, como teoria,

ainda que os complexos nos induzam a pensar que as partes e o tudo utilizam a mesma

estrutura a escalas diferentes.

Somos condicionados por nossos antecessores, não só num plano

estritamente pessoal, mas também de maneira geral, como parte

de uma coletividade. O que nos influencia não é, de modo algum,

uma técnica pura ou um pensamento abstrato, mas são as relações

entre o pensamento e a técnica, portanto a realização. De onde

provém, então, a desconfiança de alguns para com a morfologia, a

ponto de a negligenciarem completamente? De onde deriva a

alergia dos outros a todo conceito estético? Basta olharmos em

volta para notar os estragos, as devastações irreparáveis causadas

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por este estado de coisas. Se aqui se pode observar um abuso da

linguagem científica, lá se conhecem numerosas caricaturas da

terminologia filosófica; ambas são igualmente insatisfatórias, e o

ridículo de tal incompetência ofende insistentemente os ouvidos.

(Boulez, 2007a, p. 32)

Ópio para o povo

Acaso a música religiosa de Mozart não é, como a religião em si, ópio para o povo?

Quem faz esta pergunta é um teólogo católico, Professor Doutor na Universidade alemã

de Tubinga, Hans Küng, num ensaio intitulado ‘Mozart: Spuren der Transzendenz’

(Mozart: Vestígios da Transcendência) que escreveu com motivo do bicentenário do

compositor salzburguês e que está incluído no seu livro Música e Religião. (Küng, 2008,

p. 22).

“A música e a religião”, diz Hans Küng, “são fenómenos universais da humanidade, no

sentido tanto diacrónico –ao longo da história– como sincrónico –através dos

continentes”. E, como tais fenómenos universais, são altamente complexos e com

patrões humanos ambivalentes. A religião pode difundir humanidade mas também

justificar a inumanidade, assim como a música é utilizada tanto para o bem como para

o mal. Hans Küng refere como a música deu expressão a sentimentos nobilíssimos, a

belezas indescritíveis e de felicidade sublime. Mas com a música também se

encaminharam os passos de milhões de pessoas face à guerra e à morte. Não admira,

pois, que desde sempre os humanos diferenciem entre músicas que falam com a voz

dos deuses e aquelas outras que falam com a dos demónios; ou também, que algumas

pessoas religiosas a considerem uma forma de puríssima espiritualidade enquanto

outras, pela mesma razão, tenham a música como a mais detestável forma de

sensualidade. (Küng, 2008, p. 15).

Essa ambivalência referida por Küng remete-nos para a parte mais profunda da psique

humana, a que rege as emoções primárias do ‘eros’ e o ‘thanatos’ (o amor e o horror).

Refletindo sobre as emoções no processo criativo, Rudesindo Soutelo sustenta num

artigo que os compositores são ‘Manipuladores de emoções’ e conclui que “A

componente emocional não deve ser um elemento construtivo, mas antes o resultado

duma construção tecnicamente perfeita onde a imprevisível luta intrínseca da obra

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desencadeie vida emocional própria e diferenciada em cada um dos indivíduos que se

relacionam com ela”. Essa ‘imprevisível luta intrínseca’ é o que diferencia a obra de arte

da obra medíocre. No citado artigo define a originalidade como ‘o fator de

imprevisibilidade ou grau de acontecimentos inesperados que estão presentes na lógica

da comunicação, o qual desencadeia as emoções profundas.’ Também define o

conceito de mediocridade como ‘a reiteração banal do discurso previsível na procura de

suscitar a mesma sensação quando se dá o mesmo estímulo’. A originalidade, infere, é

criativa e diversa. A mediocridade é global, alienadora e destrutiva. (Soutelo, 2007).

Martin Heideger, em A origem da obra de arte, afirma: “O artista é a origem da obra. A

obra é a origem do artista. Nenhum é sem o outro. E, todavia, nenhum dos dois se

sustenta isoladamente”. (Heidegger, 2008, p. 11).

“Será o amor uma arte?” –pergunta o psicanalista Erich Fromm no início de A arte de

amar– “Se o for, então exige conhecimento e esforço. Ou será o amor uma sensação

agradável, que por acaso experimentamos, algo que ‘nos acontece’ se tivermos sorte?”

(Fromm, 2007, p. 11). Os compositores fazem-se a mesma pergunta com as emoções

e quando assumem a primeira premissa o resultado pode ser uma obra de arte, embora

não há dúvida que a maioria das pessoas acredita na segunda, uma questão de sorte.

A teoria dos afetos musicais, ou da caracterização psicológica das personagens, inicia-

se no Renascimento e acompanha toda a música erudita da era moderna. Esta

expressão ‘onírica’ da música não acontece por acaso e aí reside o que Hans Küng

descreve como o “imenso poder transformador da música, apto para sublimar e

metamorfosear quase qualquer experiência”. (Küng, 2008, p. 19).

Duas obras musicais de Rudesindo Soutelo, com títulos que envolvem emoções do

mundo onírico, vêm esclarecer isto. Feitiço (1998b) é um trio para violino, violeta e

violoncelo construído sobre quatro notas, as quatro notas mais emblemáticas da história

da música ocidental, as notas que conformam o nome de BACH (Si, Lá, Dó, Si).

Essas quatro notas elaboradas rigorosamente numa textura contrapontística de tensão

crescente suscitam uma emoção que nos abre a uma perceção diferente. O feitiço pode

ser Bach mas o ouvinte não tem porque conhecer o material sonoro utilizado. O feitiço

é um estado emocional abstrato que cada ouvinte vivencia de um modo diferenciado. A

segunda obra, para violeta, violoncelo e contrabaixo, intitula-se Arela (1998a), que no

português da Galiza quer dizer ‘anelo’, e está organizada a partir de uma escala para-

tonal –além, acima ou à volta da tonalidade– que gera uma inquietação, ânsia ou anelo

que só se acalma no final em forma de Coral. Aí é que podemos aplicar as palavras de

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Hans Küng, “onde a música combina a sua energia com a da religião num mesmo

sentido e face a uma mesma meta”. (Küng, 2008, p. 19)

Estas obras foram escritas nos anos 70 mas só no ano de 2009 é que puderam ser

estreadas3. Não foi a criatividade emocional o que as manteve vivas, antes bem o

conceito de transcendência, o rigor construtivo e a “imprevisível luta intrínseca” como

treino do ‘formal’. Convém dizer aqui que são das primeiras obras que Soutelo compõe

após o período de pós-modernista militante com o grupo Letrinae Musica. Na altura, a

trans-modernidade (Rodríguez-Magda, 2004) ainda não fora batizada e a maior parte

daquelas obras teve de acomodar-se nas gavetas.

A utilização industrial e fragmentária das emoções, sentimentos, crenças ou

conhecimento, reduzida ao ato do consumo, sem qualquer perspetiva de passado nem

futuro, transforma a visão mágica do mundo –que Jean-Paul Sartre desenvolve no

Esboço para uma teoria das emoções (Sartre, 2006)– num simples ópio para o povo.

Mozart transcende as categorias musicais. A música tem um hálito divino. “Em

determinados momentos é dado ao ser humano abrir-se, e abrir-se tanto que chegue a

perceber no som infinitamente belo o som do eterno”. (Küng, 2008, p. 19).

Pré-análise

Já logo no início, no próprio texto do conto se esclarece qual vai ser a estratégia

narrativa, “em forma de fábula, relato ou estória” evitando “converter isto numa

historieta, anedota ou facto pouco importante”. A categoria de ‘estória’ –uma história

não científica mas credível e inspirada– confronta-se com a de ‘historieta’ e serve para

introduzir, de um modo simples, o conceito de ‘musiqueta’ diferenciado de ‘música’.

Para a tal estória se tornar coerente, a filosofia é o elo de coesão dos fragmentos

dispersos. “Há uma infinidade de figuras e de movimentos presentes e passados que

entram na causa eficiente da minha escrita presente” (Leibniz, 2001, p. 50). Assim,

alguns autores entram na estória quer literalmente, quer por evocação ou paráfrases

mas sem alardes eruditos, de forma natural e diluídos no discurso. São conceitos, ideias

3 Estreadas o dia 24 de Abril de 2009 no Centro Galego da Arte Contemporânea (CGAC) de Santiago de Compostela pelo Grupo Dhamar.

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ou pensamentos que têm autor e serão identificados na edição final do conto numa

espécie de créditos eruditos.

Eis aqui algumas das expressões que semeiam a estória de ‘conteúdo de verdade’:

“visão mágica do mundo” (Sartre, 2006); “sentimento oceânico” (Freud, 2008);

“reprodutibilidade técnica” (Benjamin, 1992); “a ética não se podia pôr em palavras, era

transcendental” (Wittgenstein, 2008); “Recordavam, consideravam e esperavam,

porque o tempo estava nas suas mentes” (Agostinho, 2007); “Quem não tem amor pela

música ofende a verdade, e ofende também a sabedoria”, no original refere-se à pintura

(Filóstrato); “tinham substituído a política por mercado, a cultura por espetáculo, as

catedrais por centros comerciais e de ócio e até a educação tinham substituído por

informação fragmentária”, numa evocação da filosofia da trans-modernidade

(Rodríguez-Magda, 2004).

A paisagem e o contexto discursivo da estória estão fundamentados no pensamento

forte da tradição filosófica ocidental que, após a fragmentariedade intranscendente do

pós-modernismo, o neo-modernismo está a recuperar. Assim, para além dos citados no

parágrafo anterior, outros autores como Platão, Descartes, Leibniz, Kant, Nietzsche,

Dewer, Russell, Heidegger, Adorno, Gadamer, Foucault, Apel, Derrida, Vattimo,

Habermas, E. Lourenço, guiam o discurso junto com Baudelaire, Fromm, Mann, Eco,

Schönberg, Cage, Boulez, Kandinsky, Duchamp e toda a bagagem cultural acumulada

pelo autor-compositor nos quarenta anos de atividade criadora que, finalmente, começa

a ser reconhecida em teses de doutoramento e em comunicações em congressos

internacionais.

O conto vai ganhando corpo e consistência mas deve ser sugestivo, concentrado e

curto. Neste ponto, o projeto criativo sofre uma nova deriva para adequar a eficácia e a

eficiência no objetivo da educação artística como arte de educar os sentidos, que vai

para além dos físicos cinco sentidos e que podemos enumerar como sentido artístico,

estético, criativo, filosófico, crítico, musical, ético, enfim, o sentido humanista da

modernidade.

O projeto A Caixa dos Laços transforma-se numa aventura musical para crianças

baixinhas embrulhada numa estória para crianças mais crescidas. Uma estória filosófica

e um jogo de adivinhas que precisa da interação de diferentes gerações; pais ou avós

que contam, comentam, ornamentam ou adaptam a estória às capacidades inteligíveis

das suas crianças, e crianças estimuladas pela música e as adivinhas do conto que vão

pôr à prova os pais e os avós. Um conto em duas partes divisíveis e interligadas: ‘A

estória duma história musical’ e ‘As doze provas’. A primeira delimita o território e

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constrói o imaginário, a segunda é a parte lúdica que resolve enigmas para combater a

ignorância. Ambas as partes conformam um todo orientado para a educação artística,

no significado que a Doutora Yolanda Espiña lhe confere como a arte de educar os

sentidos para interpretar simbolicamente a realidade envolvente. (Espiña, 2007)

No apartado seguinte encontra-se o texto definitivo da primeira parte, ‘A estória duma

história musical’, onde se desenvolve, em chave musical, um ‘conteúdo de verdade’

metafórico que pode ser traduzido em múltiplas leituras criativas mas para aqueles que

não conseguem ultrapassar a literalidade do texto sempre está a curiosa estória musical,

que não é preciso esmiuçar aqui pois seria como matar o rouxinol para tentar descobrir

o enigma do seu canto.

Serão os analistas quem tenham de demonstrar se a matemática utilizada é áurea ou

não. Se o número ɸ foi bem calculado. Se o mistério dos números é magia ou falta de

imaginação. O compositor é muito parcial para falar do resultado do seu trabalho e se,

por ventura, o compositor pudesse expressar com palavras aquilo que expressa com

música então seria escritor. O compositor erudito é, essencialmente, complexo e

constrói o caminho a percorrer no próprio percurso da criação, tal como o poeta

modernista andaluz, António Machado, descreveu no poema XXIX dos Provérbios y

Cantares: “Caminante, son tus huellas / el camino, y nada más; / caminante, no hay

camino, / se hace camino al andar. / Al andar se hace camino, / y al volver la vista atrás

/ se ve la senda que nunca / se ha de volver a pisar. / Caminante, no hay camino, / sino

estelas en el mar”. Em arte, toda norma que não pode ser transgredida é desnecessária

porque, como já foi citado anteriormente, o conhecimento não se descobre, constrói-se.

Na música, se mexemos nos resíduos do passado, talvez descubramos alguma pérola

que impacte às massas pouco instruídas no que as Competências Essenciais do

Currículo Nacional do Ensino Básico definem como “rede de dependências e

interdependências possibilitadoras da construção de um pensamento complexo”

(Ministério da Educação, 2001, p. 166), mas as pérolas assim achadas sempre

conservarão esse princípio odorífero próprio da fermentação do lixo. Construir, e não

descobrir, pérolas é a missão do compositor ainda que não ultrapasse o ‘olhar vazio’ da

massa. Neste caso, o compositor sentir-se-ia muito grato se, atuando com esta obra

sobre os gostos de crianças e adolescentes, lograsse modificar os gostos da massa que

eles, algum dia, poderão vir a integrar.

Os compositores nunca poderão igualar-se aos seus equivalentes

populares no que se refere ao seu impacto instantâneo, mas, na

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liberdade da sua solidão, podem comunicar experiências de

intensidade única. Desdobrando grandes formas, comprometendo-

se com forças complexas, atravessando o espetro sonoro desde o

ruído ao silêncio, mostram o caminho a seguir para se atingir aquilo

a que Claude Debussy em dia chamou o «país imaginário, ou seja

um país que não se encontra no mapa». (Ross, 2009, p. 539)

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5. O conto

A Caixa dos Laços consta, pois, de duas partes. ‘A estória duma história musical’ e ‘As

doze provas’. Segue-se aqui o texto da primeira e o início da segunda na forma de

diálogo teatral. Em anexo incluem-se alguns excertos da música. O texto aqui colocado

é só uma das múltiplas formas de concretização do conto pois vai ser explorado como

livro, como narração sonora, como representação cénica, como audiovisual interativo,

para além das diversas explorações que permite a partitura musical e outras formas de

expressão artística.

***

Uma Abertura musical levanta o pano da imaginação e entra em cena a voz que relata

a seguinte estória:

Era uma vez um país que, não estando nos mapas, todos sabiam

que ele existia e mesmo onde se encontrava. Chamavam-lhe o País

da Música e obviamente estava habitado por músicos, gente muito

consciente da importância da sua arte. A perceção, a razão e a

emoção eram os alicerces da sua criatividade.

Mas num mau dia a sua história mudou.

Não querendo ser aborrecido, com pretensões de cientista

historiador –mas também não querendo converter isto numa

historieta, anedota ou facto pouco importante– vou contar o

acontecido em forma de fábula, relato ou estória.

O País da Música era uma terra muito harmoniosa e hospitaleira,

sempre de portas abertas e muito confiante. Tão confiantes eram

os seus habitantes que um dia chegaram lá os amusios –gente que

odeia a música porque não tem a capacidade de apreciar os sons–

e assumiram o controlo do país.

Os amusios não se interessavam pela visão mágica do mundo,

apenas pela sua dimensão económica. Assim, do País da Música,

levaram tudo e mais alguma coisa, nomeadamente o que mais

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brilhava, como os instrumentos de metal, que os amusios

penduravam nas suas casas para fazer ciúmes aos vizinhos, que

pensavam que eram de ouro.

Entre as muitas coisas que os amusios levaram do País da Música,

havia uma pequena caixa, sem valor material, mas que na confusão

também foi apanhada. Era uma caixa cheia de laços como os que

vestiam os cidadãos do País da Música.

Pelo caminho, o amusio que levava a caixa, decidiu aliviar a sua

carga deitando fora as coisas de menos valor. Foi assim que a

Caixa dos Laços se perdeu num lugar desconhecido.

A Caixa dos Laços era o bem mais apreciado no País da Música,

muito mais do que o próprio rei –afinal, qualquer cabeça servia para

levar uma coroa. A Caixa dos Laços guardava o maior tesouro do

País da Música, que era o segredo da inspiração musical. Quando

os habitantes do País da Música queriam fazer uma música nova,

iam ter com o guardião da Caixa e pediam-lhe um laço que os

inspirasse, que lhes abrisse a mente para perceber o ser, que lhes

aguçasse o seu juízo para pensar o mundo e que avivasse a chama

do espírito com emoções profundas.

Havia laços destinados a inspirar músicas brincalhonas e laços

para inspirar melodias de amor; laços para inspirar músicas de

crianças e laços para inspirar sinfonias. Cada música precisava de

uma inspiração própria e cada laço era único, sendo devolvido à

caixa mal o compositor acabasse a sua nova obra. Também havia

laços para inspirar os intérpretes, laços para inspirar os maestros

diretores e, ainda, laços para inspirar os cientistas da música. Para

fazer música inspiradamente, os habitantes do País da Música

sempre acudiam ao segredo da Caixa dos Laços, porque os laços

que eles punham, diariamente, não eram mais do que uma

evocação ou sacralidade estética do mistério da inspiração. Os

autênticos laços da inspiração guardavam-se naquela caixinha que,

para os músicos, era uma caixa sagrada, um sacrário.

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Só não havia laços para fazer musiquetas porque, como acontece

com as historietas, são de moda passageira, anedóticas, pouco

importantes e de valor artístico muito ligeiro. Não se ia malgastar a

inspiração em banalidades porque a inspiração era um bem

precioso, muito escasso, que se poupava para as coisas

importantes.

Sem a Caixa dos Laços, os músicos não conseguiam transmitir o

sentimento oceânico, que era a comunhão do espírito com a

imensidão e a sensação de eternidade ou plenitude. Sem os laços

da inspiração tudo se tornava superficial e a arte musical

esmorecia, enquanto os amusios iam controlando o país inteiro.

Os amusios consideravam que essa moda dos laços era uma

extravagância algo esquisita e antiquada. Para eles, que já tinham

substituído a política por mercado, a cultura por espetáculo, as

catedrais por centros comerciais e de ócio e até a educação tinham

substituído por informação fragmentária, o modelo de elegância era

o desarranjo.

Para controlar os países, os amusios não precisavam derrubar

governos nem mudar autoridades, pois, privados de perceber as

categorias musicais, culturais e artísticas, pensavam o mundo em

categorias económicas –mercancia, valor, dinheiro, capital, mais-

valia, lucro, custo, salários e produção. Era o mercado que ditava

as leis aos governos e este estava nas mãos dos amusios.

Diferenciar o canto de um passarinho do mugido de uma vaca era

tarefa impossível para os amusios puros ou congénitos. Não eram

surdos mas, para eles, ambas as coisas eram uma barulheira

desconfortável. Alguns nem sequer conseguiam distinguir os ritmos

mais simples, pelo que não podiam dançar, nem cantar, nem

emocionar-se com as belezas da música. Isso também os impedia

de aprender línguas, pelo que, com o seu poder económico,

obrigavam, todos os que queriam entrar no mercado, a falar o

amusianês.

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Os amusios puros ou congénitos não eram assim tantos mas

geriam as grandes corporações transnacionais. Para controlar

efetivamente o mercado eles tinham uma enorme rede de

ajudantes espalhados por toda a parte. Estes ajudantes eram

colaboracionistas dispostos a trair o seu país, a sua cultura e a sua

língua para assumir, como própria, a língua e a cultura invasoras.

O amusianês começou assim a espalhar-se pelo País da Música e

muitos, mal aprendiam a dizer quatro palavras, iam velozes vender

o seu saber musical aos novos poderosos, mas os amusios, como

não percebiam patavina de música, não confiavam naquele

entusiasmo prematuro. Então, o apetite económico destes

colaboracionistas levou-os a planear uma arma secreta para

oferecer aos amusios e, assim, serem aceites no clube dos

poderosos. Depois de algumas tentativas, acertaram na fórmula e,

finalmente, os amusios decidiram testar a arma secreta que lhes

era oferecida. Os resultados pareciam promissores.

As musiquetas entontecedoras, concebidas pelos perversos

colaboracionistas, começaram a ouvir-se nas lojas, nas ruas, nos

elevadores, nos telefones, nas escolas. Foi uma invasão em

massa! Até mesmo nos conservatórios de música se ouviam

aquelas musiquetas amusianesas. O silêncio desapareceu do

mundo e já ninguém conseguia pensar direito com tanta musiqueta

entontecedora à sua volta. Nunca antes se tinha conseguido algo

assim. Só a utilização habilidosa dos desportos passivos de

massas atingira, pontualmente, quotas entontecedoras igualmente

destacáveis mas que nada tinham a ver com o entontecimento

contínuo das musiquetas. A adoração que os amusios tinham pela

tecnologia contribuiu, grandemente, para o êxito daquela invasiva

reprodutibilidade técnica das musiquetas.

Os amusios estavam felizes mas queriam algo mais. Queriam ter

controlo sobre como e quanto entonteceriam as musiquetas. A

arma secreta foi aperfeiçoada e apareceram as musiquetas

subliminais para manipular a curva de rendimento laboral, de

consumo, de submissão. Havia musiquetas com mensagens

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subliminais para fazer a guerra, fazer o amor, fazer a política, fazer

que se fazia. E ainda musiquetas para manipular as crenças, as

ideologias, e as paixões primárias do baixo-ventre. As musiquetas

subliminais promoviam o consumo compulsivo e garantiam um

ótimo rendimento dos mercados amusios. O amusianês era a

língua franca das musiquetas mas, para obter ainda mais

rendimento económico, permitiam a babelização das traduções

traidoras.

A fórmula secreta das musiquetas era a reprodução, a cópia, a

repetição do já dito, a memória acrítica, a fragmentação. Mas essa

constante confusão entre memória e repetição, sem capacidade de

renovação, gerava decadência e irrelevância porque a

originalidade, a autenticidade, a criação era algo que não se podia

copiar. O ser e o não ser eram antagónicos. A cópia desencorajava

a criação.

Revestidos da falsa autoridade musical que lhes proporcionava o

êxito económico das musiquetas, começaram a disseminar a ideia

de que já não havia categorias musicais, que todas as músicas

eram boas, que todas as músicas eram agradáveis, que já não

havia valores, só havia prazer, e que as musiquetas eram a música

moderna, a nova música erudita. Doutores, licenciados e

analfabetos num discurso ecuménico de ignorâncias plurais

confirmavam a antiga sentença: “Quem não ama a música ofende

a verdade e, também, a sabedoria”.

Os músicos que se mantinham fiéis à ética do País da Música foram

postos de parte, sendo vistos como sonhadores à procura dos laços

perdidos. Obviamente, que a ética não se podia pôr em palavras,

era transcendental. Ética e estética eram as raízes da autêntica

diversidade musical que, em lugar de fragmentar, atuava como

força de coesão dos valores comuns. A herança e a memória eram

preservadas por aqueles músicos para construir a realidade do

futuro. Recordavam, consideravam e esperavam, porque o tempo

estava nas suas mentes.

Pág. 72 © 2010 by Rudesindo Soutelo

Como não colaboravam com o inimigo, a sua insubmissão era

duramente castigada com difamação e descrédito. Os amusios

sabiam que a música inspirada e criativa movimentava emoções

profundas e que podia neutralizar as musiquetas. Os músicos não

colaboracionistas eram, pois, os piores inimigos dos amusios, que

começaram a criminalizá-los por tudo, mesmo por querer viver do

seu trabalho intelectual criador. Quando eram levados ao tribunal

amusio, ainda que tivessem a razão, saíam sempre a perder.

Os amusios chegaram a fazer crer que a culpa de todos os males

residia nos direitos económicos que as leis concediam aos

compositores e intérpretes pelo uso, cópia e reprodução do seu

trabalho e, assim, incitando ao roubo do labor criador, impediam os

músicos insubmissos de sobreviver. Essa estratégia perversa

também diminuía grandemente as receitas das musiquetas, mas os

amusios que controlavam esse mercado, eram os mesmos que

fabricavam a tecnologia para copiar e reproduzir a música roubada.

Era um negócio rápido e redondo. A cultura da cópia contra a

criação, a destruição da imaginação, o triunfo da ignorância, eram

processos que se consolidavam e nos quais, sem o saber, toda a

sociedade colaborava.

Já todos se tinham esquecido que, no País da Música, existira uma

Caixa dos Laços, antes da chegada dos amusios –essa gente que

odeia a música porque não tem a capacidade de apreciar os sons.

Só um velho e faminto compositor guardava memória dessa caixa

mas ninguém acreditava nas suas fantasias. Consideravam-no um

tolo. Todos os dias, punha o seu laço, mesmo sabendo que aquilo

não era mais do que uma evocação do mistério da inspiração.

Como não há mal que sempre dure, ele esperava, considerava e

recordava. A memória devia, no seu entender, ser preservada em

ligação com a esperança presente das coisas futuras. Tão só a

magia da música poderia anular a arma secreta dos amusios, mas

a Caixa dos Laços estava perdida e sem a inspiração musical não

era possível enfrentar aquelas musiquetas entontecedoras.

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 73

Mas, havia de surgir o ‘dia feliz’ em que a história do País da Música

teria de mudar.

Duas crianças –uma menina e um menino irmãos– aborrecidas de

tanta musiqueta e de tantos brinquedos tecnológicos, foram para a

floresta à procura de aventuras mais estimulantes. E lá, brincando

na natureza, encontraram uma pequena caixa cheia de laços. Eram

tão bonitos aqueles laços que decidiram averiguar de onde vinham

para os devolver ao seu dono. Enquanto pesquisavam, puseram a

caixa num lugar seguro e secreto.

Perguntavam pela vizinhança se alguém sabia algo sobre laços,

para que serviam, onde se conseguiam. Todos olhavam para eles

com muita estranheza até que um velho lhes disse que, no País da

Música, se utilizavam laços. Mas onde está o País da Música, se

nos mapas não aparece? O velho afirmou que nunca estivera lá

mas que, quando criança, ouvira dizer que fora invadido por

pessoas que odiavam a música e que, talvez por isso, se teria

apagado a sua memória pois nunca mais ouvira referir o nome do

País da Música.

Ao ver que os meninos ficaram muito aflitos com a resposta, o velho

perguntou-lhes porque tanto se interessavam eles por laços?

Olharam um para o outro, como advertindo-se mutuamente que

tinham de guardar o segredo, e responderam ao mesmo tempo,

como se tivessem combinado: “É que gostaríamos de ter um laço”.

O velho percebeu que aquelas crianças tinham algo de especial e,

talvez, fossem a esperança presente das coisas futuras. Perguntou

então se, de verdade, queriam ir até ao País da Música para

conseguirem o seu laço. Sim, responderam os dois com

determinação. Mas o caminho não seria fácil e, para além de terem

de se esquivar das armadilhas dos amusios, seriam submetidos às

doze provas musicais.

Desde que os amusios tinham entrado lá e controlado o país, todos

desconfiavam de todos e até duvidavam se o rei seria também

Pág. 74 © 2010 by Rudesindo Soutelo

colaboracionista ou mesmo um amusio infiltrado, pois ninguém o

vira a assistir a concertos. Não admirava, pois, que os músicos

insubmissos tivessem de criar um sistema de autodefesa

clandestina para não serem eliminados. Todas as precauções eram

poucas.

Os caminhos que levavam ao País da Música eram múltiplos e

muito ramificados. Não importava a direção escolhida mas antes a

vontade e empenho para chegar lá. O velho, que na realidade era

um músico insubmisso e clandestino, disse-lhes que, para se

orientarem, deviam fazer uma pergunta a cada duodécima pessoa

que encontrassem pelo caminho –como se fossem as doze notas

musicais– mas, ainda assim, as respostas podiam ser falsas ou

mesmo não dar qualquer informação. Quando fizessem as

perguntas às pessoas certas, estas só responderiam depois de os

pôr à prova para se certificarem de que estavam dentro dos

segredos da música e que, portanto, não eram amusios.

Conseguirão os nossos meninos superar as doze provas musicais?

A Caixa dos Laços voltará a inspirar os músicos para neutralizar as

musiquetas entontecedoras dos amusios?

Esta estória duma história musical fica por aqui, com a mente

aberta à visão mágica do mundo. Mas agora, as crianças mais

baixinhas, as que gostamos de acompanhar os heróis, vamos

introduzir-nos no conto para ajudar os nossos meninos a superar

‘as doze provas’ –as doze adivinhas musicais– que nos permitirão

salvar o País da Música e ganhar um laço de músico.

O autor do conto sabe, por experiência, que o poder dos amusios é

imenso e que ‘A Caixa dos Laços’ pode não chegar ao seu destino,

mas aqui fica a memória, ligada à esperança presente dum futuro

inspirado.

***

Interlúdio musical: O coro canta ‘Aeiou’.

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 75

***

Os nossos heróis estão num cruzamento de caminhos e não sabem qual tomar. Mas só

podem perguntar à décima segunda pessoa que encontrem e começam a contar as

pessoas que passam.

MENINO Oito.

MENINA Nove.

MENINO Dez.

MENINA Onze.

MENINO Bom dia, minha senhora!

SENHORA 1 Bom dia, meninos.

MENINA A senhora vai querer ajudar-nos a escolher o bom caminho?

SENHORA 1 Com certeza, para onde é que os meninos querem ir?

MENINO Ao País da Música.

SENHORA 1 Ao País da Música? Ummmm… Isso é por aí.

MENINA E como sabe que é por aí?

SENHORA 1 Porque do outro lado venho eu e não ouvi nada disso. Vão com cuidado porque hoje

em dia há muito maluco pelos caminhos! (e continua o seu caminho)

MENINO Muito obrigado pela informação.

MENINA Tenha um bom dia.

MENINO Então vamos por aí.

MENINA Não. Já esqueceste o que nos disse o velho? As pessoas certas só respondem depois

de nos pôr à prova.

MENINO Pois é. A senhora não percebe patavina de música. Temos de contar outras doze

pessoas.

(Sentam-se e vão contando enquanto tocam as percussões)

Pág. 76 © 2010 by Rudesindo Soutelo

MENINO Temos de perguntar à próxima pessoa. Aí vem.

MENINA Bom dia, pode ajudar-nos a encontrar o caminho?

VELHO 1 Bom dia, alegres meninos. E a onde querem ir?

MENINO Ao País da Música.

VELHO 1 (Olha para os meninos com atenção e falando só para eles…) Sou a alma da partitura

e das minhas linhas pendura toda a música que perdura. Se adivinham a resposta

começa a aventura. (Vai-se embora).

MENINO Bem, agora tenho a certeza de termos perguntado à pessoa certa.

MENINA Certamente, agora só falta que nós encontremos a resposta certa. Tu tens alguma

ideia?

MENINO Sim, na sala vejo miúdos muito inteligentes.

MENINA Achas que devemos pedir ajuda para resolver este enigma?

MENINO (Abrindo a Caixa dos Laços e mostrando o conteúdo) Olha, a Caixa dos Laços está

cheia e temos uma dúzia de enigmas por resolver antes de encontrar o seu dono.

MENINA Está bem, então apontamos para uma dessas crianças baixinhas que estão na sala e

se souber a resposta certa, damos-lhe como prémio um destes laços.

MENINO Desde já pedimos desculpas ao dono da Caixa porque vai recebê-la com doze laços

menos.

MENINA Ainda bem, porque só com a ajuda da nossa ignorância, nunca chegaremos lá.

MENINO Então, ainda te lembras do enigma?

MENINA Acho que sim.

MENINO Miúdos! Prestem atenção. Quando apontarmos para um de vocês, se souber a resposta

certa vai ganhar um laço.

MENINA Ouçam bem. Sou a alma da partitura e das minhas linhas pendura toda a música que

perdura. Se adivinham a resposta começa a aventura.

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 77

(Aponta para uma criança da sala perguntando-lhe o nome, e depois outra e outra

repetindo, se necessário, o enigma até que alguém responda corretamente: A PAUTA.

Então ilumina-se o caminho. Soa a música ‘A aventura da pauta’. Entregam o laço à

criança que desvelou a chave do enigma e saem do palco pelo caminho iluminado).

***

Avaliação

A ideia primeira e original da obra realizou um longo percurso em constante mudança,

fruto duma avaliação permanente que levou a uma revisão sistemática do projeto e a

reformulá-lo várias vezes. Os critérios da autoavaliação do autor correspondem aos da

sua própria exigência de qualidade artística, mas isso tem uma excessiva carga de

subjetividade pelo que era preciso utilizar outros indicadores mais objetivos como a

triangulação.

No processo de redação da primeira parte, ‘A estória duma história musical’, o autor foi

lendo partes do texto a algumas pessoas à sua volta para comprovar a eficácia

comunicativa. Quando a primeira redação esteve pronta pediu a algumas pessoas da

sua confiança para emitirem uma opinião. Ponderadas as sugestões recebidas, passou-

se a redigir o texto definitivo e a submetê-lo a uma avaliação dos ‘consumidores’.

No dia 24 de janeiro de 2010 a primeira parte de ‘A Caixa dos Laços’, ‘A estória duma

história musical’ (Soutelo, A estória duma história musical, 2010), foi publicada no Portal

Galego da Língua, um meio eletrónico de notícias e artigos de cultura na língua

portuguesa da Galiza e está disponível nesta ligação:

http://pglingua.org/index.php?option=com_content&view=article&id=1822:a-estoria-

duma-historia-musical&catid=3:opiniom&Itemid=80&Itemid=36

Seguidamente, o autor enviou a ligação para os seus contactos solicitando comentários,

críticas ou sugestões sobre o texto publicado. As respostas recebidas até ao dia 7 de

fevereiro foram 10 e figuram em anexo (nº 2) por data de receção.

Por outra parte, no dia 5 de fevereiro ‘A estória duma história musical’ foi lida pela

Professora de Educação Musical da turma A do 5º ano de EB de Vila Praia de Âncora,

aos alunos com idades entre os 10 e 11 anos, pedindo-lhes, no fim, para descrever por

Pág. 78 © 2010 by Rudesindo Soutelo

escrito aquilo que tinham percebido ou sentido. As 24 respostas encontram-se em anexo

(nº 3).

No mesmo dia 5 de fevereiro, a mesma Professora leu o mesmo texto a uma turma de

Área de Projeto da Academia de Música Fernandes Fão de Vila Praia de Âncora, com

idades entre os 11 e 14 anos, pedindo também, no fim, para descrever por escrito aquilo

que tinham percebido ou sentido. As 18 respostas figuram em anexo (nº 4).

Numa análise rápida das 52 interações produzidas por escrito pode concluir-se que o

objetivo de conseguir uma ‘educação dos sentidos’ tanto de infantes como de adultos,

que facilite a interpretação simbólica da realidade envolvente cumpre-se, mesmo que a

obra não esteja finalizada e a parte submetida à avaliação é a de conteúdo filosófico

mais denso e difícil de compreensão por crianças.

Quase todos gostaram da estória: os adultos, por sentirem-se impelidos a refletir sobre

algo tão quotidiano como a música e a tomar consciência da ignorância que os

acorrenta; as crianças, porque perceberam a emoção da magia da estória, da ‘visão

mágica do mundo’, e alguns, até parece que vislumbraram o ‘sentimento oceânico’. Isto

deu fôlegos ao autor-compositor para avançar para a segunda parte, ‘As doze provas’,

onde as adivinhas e a música tem de os fazer transcender.

Nas interações produzidas, quer por adultos, quer por crianças, aparecem claros

indicadores de que os objetivos se alcançaram. Há algum temor nos adultos sobre a

capacidade de compreensão dos infantes, mas apenas 4 alunos da turma A do 5º ano,

manifestaram não terem percebido bem a história. Convém esclarecer que nas duas

turmas de crianças a estória foi lida uma única vez e sem qualquer comentário adicional.

Em geral, pode concluir-se que as mensagens que passam nos adultos são mais literais,

enquanto as crianças captam melhor a mensagem emocional.

EXCERTOS DAS INTERAÇÕES

Turma do 5º A da EB de Vila Praia de Âncora.

“Esta história fez-nos ver que agora qualquer pessoa vai a internet e tira músicas, jogos,

filmes e muito mais em vez de os comprar. Temos que pensar que é como trabalharmos

e não nos pagarem nada ao fim do mês”. (10 anos).

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 79

“Esta história deu para ver que as pessoas muitas vezes não sabem o que é bom. A

música é um dom que algumas pessoas ganham e que para eles é a sua vida. Nós não

devemos estragar o que é bom”. (10 anos).

“As músicas tiradas da internet são músicas falsas, a verdadeira música está dentro de

nós (inspira-nos)”. (10 anos).

“… gostei porque tem imaginação, criatividade e é uma história que no fim não conta

tudo, é uma história que mantém o suspense”. (10 anos).

“Senti que esta história é parecida com a vida real. Os músicos são mesmo os músicos

que compõem músicas e põem nos CDs, e os amusios são aqueles que ‘apanham’ as

músicas e as põem na internet”. (10 anos).

“A música faz felicidade. Os amusios são parvos, nunca ouviram a música entrar no

coração”. (11 anos).

“E também me fez sentir que a música pode ter vários sentidos e emoções”. (10 anos).

“Acho que os amusios estavam a brincar com o trabalho dos escritores, e a brincar com

a música”. (10 anos).

“… parece que o país da música vai desaparecer para sempre mas no final corre tudo

bem”. (11 anos).

Turma de Área de Projeto da AMFF de Vila Praia de Âncora.

“Achei que é uma bonita história que está cheia de mistérios”. (13 anos)

“É uma história interessante e que está aberta para a imaginação de cada um de nós.

Acho que aqueles meninos iriam conseguir recuperar a música”. (12 anos).

“É uma história triste, pois a magia da música foi totalmente apagada pelos amusios”.

(12 anos).

“… cada um tem a música dentro de si, só é preciso decifrá-la”. (12 anos).

“Acho que cada um de nós, pessoas e músicos, devemos salvar este mundo e devolver-

lhe a tão importante música. Este conto é muito bonito e mostra-nos realmente o que

está a acontecer à humanidade”. (13 anos).

Pág. 80 © 2010 by Rudesindo Soutelo

“Como os amusios eram gananciosos e só pensavam em produções económicas e

riquezas, fizeram com que os compositores perdessem o espírito musical.” (12 anos).

“Existem coisas, como a cultura, que nem toda a riqueza do mundo pode comprar, e

que o poder económico não é o mais importante”. (11 anos).

“Os amusios são as pessoas que só se importam com o dinheiro e não com a cultura.

A caixa dos laços é uma ideia metafórica que simboliza a inspiração. … A mensagem

desta história é que as pessoas estão a subvalorizar a música e que deveriam tentar

percebê-lo”. (13 anos).

“As pessoas, mas mais especialmente as crianças, em vez de darem asas a sua

imaginação e criatividade, para dar continuidade a esta bonita família das artes, têm

uma vida monótona e muito sedentária”. (14 anos).

“… as crianças que encontraram a caixa dos laços somos nós, os jovens músicos

promissores e todos os músicos que partilham esta opinião e juntos temos de voltar a

encontrar a música novamente”. (13 anos).

Interações de adultos enviadas por correio eletrónico ao autor.

“Fizeste-me pensar na responsabilidade que tenho na difusão da MÚSICA e em como

não posso deixar-me levar pelo facilitismo da gravação, do bonitinho e do deixa andar

porque o que interessa é que os alunos se divirtam.”

“… invita al razonamiento y nos sitúa en nuestra realidad más dura.”

“Na minha opinião vivemos numa comunidade ‘amusia’ e cabe-nos a nós, músicos,

educadores, Academias de Música, mudar este mundo em que vivemos, de modo a que

as crianças, à semelhança do conto, se comecem a interessar pela música e se deixem

invadir pelo poder extraordinário da música.”

“Esta visão crítica que apresentas e que, provavelmente funcionará como uma

estratégia para colocar as pessoas a pensar, será a tua forma de estar na vida:

descontente com o que vês, ativo na luta contra o que de errado acontece e na

construção de uma mudança.”

“Gostava de ter um bom laço para ser inspirado para os trabalhos de mestrado que

temos pela frente.”

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 81

“Não consegui deixar de pensar nas práticas que fomento (enquanto professora de

educação musical) e que vejo fomentar... Sem dúvida, precisamos acordar e estar

conscientes das possibilidades que, tantas vezes desperdiçamos, nos encontros únicos

e por isso, tão fundamentais, que acontecem dentro da sala de aula. Obrigado, por me

teres provocado.”

“O facto de deixar em aberto o final da estória poderá ser um bom caminho de análise

para futuras intervenções, nesta área.”

Há ainda duas interações que merecem atenção. A nº 3 do anexo 2 por fazer uma leitura

em chave da situação da língua portuguesa na Galiza, a qual demonstra que o objetivo

da metáfora simbólica também se cumpre e permite todo um mundo de interpretações;

e a nº 10 do mesmo anexo 2, por ser um exemplo de como a estória estimula a

criatividade e como, esta antiga aluna do autor, re-elabora a estória para resolver uma

estratégia na sala de aula. “Foi então que li a estória do professor e de imediato me veio

à ideia tudo o que descrevo em anexo. Também eu criei uma história com uma caixa

mágica, a qual veio do país da música e que só abria depois de percutida com um ritmo

secreto, o qual todos tínhamos de invocar! Lá dentro tinha informações valiosas acerca

de um compositor: Vivaldi, e de um instrumento musical; o Violino e a sua família das

cordas...… Muito Obrigada, Professor Rudesindo, graças a si tive, na minha profissão,

durante esta semana que passou, alguns momentos onde o Belo me espreitou! Ainda

há quem diga que a Perfeição não existe!”

MÚSICA

Muitas das músicas que hoje consideramos obras-primas da cultura ocidental, a

começar pelas do ‘divino’ Johann Sebastian Bach, nunca existiriam se fosse uma

condição inescusável a verificação científica, a ‘triangulação’, o parecer de segundas ou

terceiras pessoas –é suposto que tão divinas como a própria divindade o que já as torna

pouco originais. Transcendência é um termo que raramente se menciona nos tratados

científicos porque contraria a religião do experimental, da razão, da repetição.

Os músicos cientistas buscam leis gerais simplificadoras que lhes permitam controlar o

máximo de fenómenos musicais e assim, uma empresa catalã, agora com sede em San

Francisco (USA) (http://uplaya.com/corp/), criou uma aplicação informática que analisa

parâmetros musicais objetivos para predizer se uma canção determinada pode

transformar-se num êxito. Music Intelligence Solutions baseia-se nas semelhanças que

Pág. 82 © 2010 by Rudesindo Soutelo

o tema candidato tem com os gostos dos potenciais consumidores em cada país ou

grupo social. Já conseguiram êxitos como o do grupo californiano Maroon 5 ou o da

cantora Nora Jones que ganhou 8 prémios Grammy e as multinacionais discográficas

como Sony International, Universal ou Hollywood Records contam-se entre os seus

clientes. As semelhanças com as musiquetas do conto são assustadoras.

A fórmula secreta das musiquetas era a reprodução, a cópia, a

repetição do já dito, a memória acrítica, a fragmentação. Mas essa

constante confusão entre memória e repetição, sem capacidade de

renovação, gerava decadência e irrelevância porque a

originalidade, a autenticidade, a criação era algo que não se podia

copiar. O ser e o não ser eram antagónicos. A cópia desencorajava

a criação. (Soutelo, 2010).

Será que os cientistas são amusios? Quem, então, pode verificar, triangular ou avaliar

uma obra musical transcendente? Mozart foi atirado numa vala comum e só o seu cão

o assistiu nesse último transe, o qual deveria envergonhar a sociedade vienense mas

eles transformaram-no em ópio mercantil e insistem em seguir desprezando os

compositores enquanto estão vivos. Dir-se-ia que só gostam de compositores mortos,

de pérolas com esse caraterístico princípio odorífero que estimula o prazer alimentário

dos abutres.

Ainda assim, e como os altos ideais das Competências Essenciais da Educação

Artística no Currículo Nacional do Ensino Básico são, por agora, uma utopia muito

longínqua, o compositor trata de submeter a sua criação a quem possa fazê-lo duvidar

das certezas e mesmo das dúvidas.

Hoje consideramos ridículas às autoridades que examinaram Bach para o cargo de

Cantor da Igreja de Santo Tomás de Leipzig –e que o acharam um músico medíocre

mas que tinham de aceitá-lo porque não conseguiam atrair aos bons– ou àquelas outras

autoridades de Weimar que o recriminavam por introduzir na música tonus peregrinum

ou mesmo tonum contrarium– (Kolneder, 1996, p. 25 e 60). Só a ação do tempo é que

acabou pondo cada um no seu lugar. Pois com essa perspetiva e pouco entusiasmo o

compositor do conto mostra alguns excertos a colegas compositores tratando de

adivinhar nas suas felicitações algum indício ou suspeita de crítica. Depois entrega

excertos corais a um aluno que os ensaia com o coro da Academia de Música a 22 de

abril de 2010. O propósito desse ensaio era o de ele se preparar para um exame de

aceso a Universidade onde teria de apresentar uma peça de coro. O compositor assiste

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 83

em segundo plano e avalia as dificuldades de compreensão e interpretação assim como

as reações espontâneas das crianças cantoras. Como estavam lá para ajudar um colega

na preparação de um exame importante, todos se empenharam e conseguiram o seu

melhor. Nada de negativo foi anotado na avaliação da música que estavam a cantar,

era uma partitura nova com uma música algo diferente.

Quando isso acontece, e nenhuma das certezas do compositor são abaladas, produz-

se a maior das incertezas, quer dizer, o compositor duvida de si mesmo, pois, se a

transcendência de Bach demorou um século em ser percebida, saber-se compreendido

no primeiro ensaio transforma o compositor deste conto num perfeito imbecil. Chegado

a este ponto, e antes de cometer ‘dignicídio’, o compositor decide, prudentemente, que

seja o próprio tempo quem faça a avaliação. “La necesaria crítica, en su momento, a la

‘auctoritas’, legitima hoy la ausencia de criterios de valor” (Rodríguez-Magda, 2004, p.

51).

Orquestração

A origem deste conto, como já foi indicado, é uma encomenda com o intuito de se

representar em escolas e bibliotecas do norte de Portugal. A encomenda incluía a

sugestão de utilizar algumas percussões suscetíveis de ser tocadas por crianças com

um nível técnico elementar e foi tida em conta na partitura. Os espaços nos que se

apresentará inicialmente o conto são de dimensões muito diversas portanto foi

necessário prever uma orquestração muito flexível, ou diversas orquestrações, para

adaptar-se facilmente a cada cenário.

A primeira partitura foi redigida para piano e percussão e será esta a que se utilize para

divulgar o conto. Muito poucos locais previstos para representar o conto dispõem de um

piano útil para esse cometido mas, como a obra não está construída sobre instrumentos

ou linguagens instrumentais específicas, é possível e até muito recomendável que as

apresentações sejam feitas com diferentes versões instrumentais elaboradas a partir da

versão de piano. Isso dará mais versatilidade e diversidade. Serão versões para

instrumentos de corda, de sopros ou mistos e em formações de câmara, de orquestra

ou de banda. A percussão está presente em todas as versões e tem grande relevo,

mesmo com uma função estruturante marcando as secções. As peculiaridades de cada

agrupamento determinarão algumas alterações na partitura, pelo que, embora se trate

de uma obra fechada pode haver diferenças semânticas e mesmo substituição de certas

Pág. 84 © 2010 by Rudesindo Soutelo

partes. A versão de banda filarmónica e as de grupos de sopros justificam-se pelo

grande número de bandas existentes na zona o que dá azo a ser programada com mais

frequência dado a disponibilidade de efetivos.

Na interpretação da partitura serão precisos músicos de bom nível técnico que garantam

a coerência discursiva da música mas, simultaneamente e junto dos percussionistas

profissionais, integra-se esse pequeno grupo de crianças nas percussões que, ainda

que necessitam de ensaios para acertar os ritmos, não precisam de dotes especiais.

Pela função estruturadora que lhe foi atribuída, a percussão mantém-se em todas as

versões.

Edição e Direitos do Autor

A partitura, como até agora aconteceu com todas as obras do compositor, será editada

e, neste caso, em todas as versões possíveis desde que tenham alguma procura. A

versão de piano, por ser a mais reduzida relativamente ao número de páginas, será a

que mais se difunda tanto como partitura de estudo como acompanhando as edições do

conto em formato livro e também às gravações sonoras e audiovisuais. As outras

versões seguirão os usos e costumes da indústria editorial de música e algumas só

estarão disponíveis em regime de aluguer. Todo o trabalho –e a criação artística é um

trabalho, tão cansativo como qualquer outro– tem de ser expressado em termos de

rendimentos económicos. O Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (Lei n.º

24/2006 de 30 de Junho), no Capítulo V –Da transmissão e oneração do conteúdo

patrimonial do direito de autor– e Artigo 41º sobre Regime da autorização, diz:

1 – A simples autorização concedida a terceiros para divulgar,

publicar, utilizar ou explorar a obra por qualquer processo não

implica transmissão do direito de autor sobre ela.

2 – A autorização a que se refere o número anterior só pode ser

concedida por escrito, presumindo-se a sua onerosidade e caráter

não exclusivo.

3 – Da autorização escrita devem constar obrigatório e

especificadamente a forma autorizada de divulgação, publicação e

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 85

utilização, bem como as respetivas condições de tempo, lugar e

preço.

É clara, pois, a Lei quanto ao caráter oneroso das autorizações para utilizar as obras de

criação defendendo assim o direito de toda pessoa, inclusive os criadores artísticos, a

viver do seu trabalho.

Quantificar o tempo que o autor-compositor dedica a criar a obra é uma tarefa quase

impossível pois a experiência acumulada do artista mais o processo de pensar, ponderar

e refletir na obra não é objetivamente medível pois o que se espera de um compositor

é arte e não ‘metros de partitura’. A transcendência exige sacrifícios e enquanto o

compositor não ficar satisfeito com o resultado não deve entregar a obra. Daí que no

citado Código português, que transpõe as Diretivas Europeias sobre Propriedade

Intelectual, estabelece-se –no artículo 56º 2– o princípio de que o direito do autor “é

inalienável, irrenunciável e imprescritível”, e no artigo 10º 1 esclarece que “O direito de

autor sobre a obra como coisa incorpórea é independente do direito de propriedade

sobre as coisas materiais que sirvam de suporte à sua fixação ou comunicação”.

A prática habitual, quando um compositor recebe a encomenda de uma obra nova, é

pedir uma quantidade que o compense pelo tempo de plasmar a obra no papel, já que

estará impedido de realizar outras atividades. É uma quantidade sempre simbólica,

ainda que possa ser de importância. Esta quantia não significa qualquer cessão dos

seus direitos sobre a obra. No máximo, pode levar associada a reserva da estreia da

obra num prazo determinado. Quando a obra encomendada for interpretada seja pela

instituição ou pessoa que a solicitou como por qualquer outra devem ser cumpridas

todas as obrigações legais quanto aos direitos de autor e direitos conexos,

nomeadamente as obrigações económicas, pois esse é o salário do compositor. A

esperança do compositor é sempre que, antes de morrer, a obra se interprete um

suficiente número de vezes para que os direitos de autor paguem o trabalho de criar

cultura, de forjar futuro. Com licença dos amusios.

Pág. 86 © 2010 by Rudesindo Soutelo

6. Poslúdio

Re-exposição

O primeiro objetivo desta dissertação, a criação de um conto musical, foi atingido. O

segundo, criar a arte com a que vamos construir o futuro, também, ainda que não falte

quem diga que não é esse o futuro que deseja. Isso tem fácil solução: ser o próprio a

criar a arte com a que quer construir esse seu futuro; o compositor já cumpriu com a sua

parte e deixemos que seja o futuro a julgar. Mas outro objetivo se atingirá ainda, se a

mediocridade envolvente não se importa, que é o contributo para a renovação do

imaginário coletivo, iluminando os enigmas da transcendência. É aí que o balanço é

mais gratificante ao identificar-se com as Competências Essenciais do Currículo

Nacional do Ensino Básico quando invoca que “perpassa a vida das pessoas, trazendo

novas perspetivas, formas e densidades ao ambiente e a sociedade em que se vive”

(Ministério da Educação, 2001, p. 149).

A combinação engenhosa para conseguir um fim, que os militares gostam de chamar

‘estratégia’, levou o autor-compositor por caminhos complexos, em consonância com o

seu propósito de ter “como centro a pessoa da criança e do jovem, o pensamento, a

sociedade e a cultura, numa rede de dependências e interdependências possibilitadoras

da construção de um pensamento complexo” (Ministério da Educação, 2001, p. 166).

A finalidade última da criação artística do Conto musical ‘A Caixa dos Laços’ era produzir

uma ‘peça de arte amiga das crianças’ e, até onde se pode concluir num relatório desta

natureza, pode inferir-se que foi plenamente atingido ainda que não podemos esquecer

que o bater de asas duma borboleta no centro do poder pode provocar holocaustos, e

ainda bem que Russ Marion nos esclareceu que não é com qualquer bater de asas que

isso acontece.

A intuição, a neurociência, a filosofia, a educação, a metodologia, a estética, as ciências

e a complexidade essencial do ato criativo foi sintetizado aqui em duas ideias força: a

definição de “Educação Artística como arte de educar os sentidos” (Espiña, 2007) e a

necessidade de transcendência do ser humano. Mas tendo sempre presente, segundo

a consideração da hermenêutica, que a mesma associação entre o enunciado e o

mundo pode ser analisada intentione reta –a partir das perspetivas do locutor e do

ouvinte– ou intentione obliqua –da perspetiva do mundo da vida ou perante o pano de

fundo das premissas e práticas comuns em que toda e qualquer comunicação está

impercetivelmente inserida desde o início. Desde esse ponto de vista a linguagem

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cumpre três funções: (a) a da reprodução cultural ou de trazer ao presente as tradições,

(b) a da integração social ou da coordenação de planos na interação social, e (c) a da

socialização ou da interpretação cultural de necessidades. Portanto «Dizer algo a

alguém» e «compreender o que é dito» repousam sobre pressupostos mais complicados

e bem mais exigentes do que o simples «dizer (ou pensar) o que é o caso». (Habermas,

2010, pp. 297 - 298).

O pós-modernismo modelizou a sociedade para avançar na surdez, “na dissolução

efetiva da sociedade civil” (Rodríguez-Magda, 2004, p. 113), e isso obriga a redobrar

esforços para evitarmos ser destruídos pela amusia.

Quanto ao método científico seguiu-se o critério de Robert E. Stake de que o Estudo de

Caso não se define por um método específico, mas sim pelo seu objeto de estudo

(Stake, 1994, p. 35) e a criação dum conto musical é algo muito concreto e único. Este

relatório retrata uma realidade, necessariamente incompleta, vivida em primeira pessoa,

“com a atitude performativa daqueles que tentam compreender aquilo que lhes é dito”

(Habermas, 2010, p. 299) e sem depender dos artifícios analíticos de outros métodos.

O discurso, como disse Stake, pode ser menos ‘académico’ mas facilita a compreensão

dos contributos às pessoas que estão envolvidas na educação e criação artística.

A construção do conteúdo de verdade levou-nos numa viagem pelo caráter enigmático

da arte, e a formação de estruturas a partir da fantasia porque pensar afasta-nos do

aborrecimento e “o pensamento deve ser reservado ao novo, ao precário, ao

problemático” (Rodari, 2004, p. 207). Adorno deu-nos a chave do conteúdo, amusia, e

a verdade eclodiu.

‘Coda’ para o futuro

Em geral, todas as sociedades têm a música que merecem. Obviamente, a

transcendência só pode interessar a sociedades transcendentes. Se misturamos as

categorias artísticas e musicais, e dizemos que tudo é bom, é como aceitar que o lixo é

gastronomia e que nos transformemos em escatófagos. Boulez é claro quanto a isso: “o

ecumenismo das músicas é uma estética de supermercado, uma demagogia … para

camuflar a miséria dos seus compromissos” (Foucault, 2006, p. 393).

À luz do que o mercado vende como música para crianças e ainda muita da que se

vende para a massa adulta, o compositor ficou algo contrariado porque é difícil de

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admitir que seja por pura casualidade a coincidência de que uma grande maioria das

canções utilize, após um século de enterrada a tonalidade, estruturas simplificadoras do

sistema tonal. A questão a investigar, que talvez não suscite entusiasmo na comunidade

académica, é comprovar se existe alguma relação entre a audição de músicas

grosseiramente simples e o grau de submissão, conformismo ou sentido acrítico dos

indivíduos.

Outro fio desta ‘coda’ para o futuro são as linhas de atuação marcadas pelo Currículo

Nacional do Ensino Básico, que nesta dissertação serviram de referencial teórico para

sustentar muitas das decisões tomadas no processo criativo do conto, pois constituem

uma inovação para a educação musical, no sentido que Manuel Rivas Navarro dá ao

termo “inovação educativa” e que define como a incorporação de algo novo dentro de

uma realidade existente, em virtude do qual esta resulta modificada (Rivas Navarro,

2000, p. 20). Mas esta inovação pode ter significados diferentes segundo os conceitos

que se desenvolvam. Assim, Rivas Navarro distingue entre ‘renovação’ e ‘reforma’

dando ao termo renovação o sentido de aplicar uma nova energia que consiga

ultrapassar aquilo que já se considera velho e indica tanto a ação como o resultado de

renovar. Porém, o termo ‘reforma’, segundo Rivas Navarro, denota uma forma distinta,

uma nova forma, um refazer a forma precedente, o qual implica uma mudança mais

intensa e abrangente que a simples renovação. (Rivas Navarro, 2000, p. 21).

Nesta perspetiva é que deveríamos considerar o Decreto-Lei 6/2001, que reorganiza o

currículo do ensino básico, no que respeita à música, como uma “reforma educativa”

pois representa uma mudança de grande alcance. Mas na realidade essa reforma não

passa de uma pura utopia pois a música só é matéria curricular no 2º ciclo, 5º e 6º anos,

e em dois únicos anos é impossível desenvolver as competências específicas da

disciplina, pois estabelece que é preciso ter presentes quatro grandes organizadores:

1.- Interpretação e comunicação; 2.- Criação e experimentação; 3.- Perceção sonora e

musical; 4.- Culturas musicais nos contextos. E conclui:

“é essencial garantir que as aprendizagens conducentes à

construção de qualquer competência se devem basear em ações

provenientes dos três grandes domínios da prática musical –

Composição, Audição e Interpretação”. (Ministério da Educação,

2001, p. 170).

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Reconhecendo ainda que a prática vocal e instrumental, bem como a apropriação dos

conceitos musicais “só podem ser considerados efetivos se assentarem neste princípio

de base”. (Ministério da Educação, 2001, p. 170).

De nada servem umas Competências Essências tão revolucionárias se não se

disponibilizam os meios para fazê-las efetivas mas, e esta é questão chave, com que

professores se pretende implementar essas competências? A formação que recebem

no Curso de Especialista em Música de EB dá para pouco mais do que fazer

brincadeiras ‘musicais’ com os alunos.

Sendo, por Lei, uma responsabilidade dos estabelecimentos de ensino superior a

formação dos professores, tanto da etapa inicial como da posterior ou contínua, e tendo

já adaptado os planos de estudo ao novo marco educativo europeu, cabe agora –e esta

é a proposta de futuro– implementar estruturas que permitam atingir os objetivos do

novo modelo educativo baseado no desenvolvimento de competências. Está, pois, na

hora de ultrapassar o velho conceito de formação contínua que considerava o professor

como o objeto da formação e há que desenvolver um novo conceito da ‘aprendizagem

permanente’. Neste sentido, o compositor tem proposto noutros trabalhos, as Oficinas

do Ensino Curricular da Música (Soutelo, 2009), concebidas como estruturas integradas

nas instituições superiores de formação dos professores para dar apoio na

aprendizagem permanente que, para os docentes, representa o quotidiano

processamento da informação, de análise, de reflexão, avaliação, reformulação, etc.,

num contexto colaborativo de interação complexa, o que Fullan define como ‘Novos

horizontes’ –sistemas complexos que podem ser ‘guiados’ mas não ‘geridos’– e que é

preciso experimentar e confiar no processo de mudança, ainda que este seja

imprevisível. (Fullan, 2007, p. 31)

Se não providenciarmos ferramentas úteis para que os professores possam adquirir

essas ‘competências essências’, nunca poderão estimulá-las nos alunos e em vez de

possibilitar a formação de um pensamento complexo acabaremos propiciando a

simplificação redutora da ignorância. Entre todos –reformas educativas sem meios,

formação insuficiente, deixar andar, perda do valor da disciplina, o bonitinho das

crianças macaqueando musiquetas que não possibilitam a ‘construção de um

pensamento complexo’– estamos criando uma sociedade amusia da que cada dia está

mais longe o ponto de retorno.

Pág. 90 © 2010 by Rudesindo Soutelo

Cadência final

Concordamos com a Doutora Yolanda Espiña em que a Educação Artística é a arte de

educar os sentidos para vencer o ‘olhar vazio’ da ignorância e integrarmo-nos na

realidade envolvente interpretando adequadamente o seu simbolismo. Portanto, é

responsabilidade do educador dinamizar e potencializar a perceção sensível integral do

ser humano.

A Caixa dos Laços vai de encontro às Competências Essenciais do Currículo Nacional

do Ensino Básico quando estabelece: “O desenvolvimento do sentido de apreciação

estética do mundo”. (Ministério da Educação, 2001, p. 15). O potencial educativo deste

conto e a eficácia na sala de aula fica provada pelas interações recolhidas no contexto

escolar onde se verifica a transcendência da educação artística, nos termos

reconhecidos pelo Currículo Nacional, em que as crianças no contacto com as artes

“articulam a imaginação, razão e emoção”, e como “a vivência artística influencia o modo

como se aprende, como se comunicam e como se interpretam os significados do

quotidiano”. (Ministério da Educação, 2001, p. 149).

Da leitura das interações produzidas, tanto com adultos como com crianças, quanto à

primeira parte, a mais difícil conceptualmente pelo conteúdo filosófico e metafórico,

observa-se uma grande identificação com o sentir artístico como antídoto contra a

sociedade amusia. As interações da segunda parte, e da música, por serem mais lúdicas

e com o estímulo enigmático das adivinhas a suscitar fantasia, não surpreendem. Tudo

faz prever que –se não se desencadeiam manobras obstrucionistas– o conto vai

funcionar bem num amplo leque de público. Se a obra atinge um êxito razoável sempre

assomará a dúvida transcendental do compositor: É banalidade ou transcendência o

que percebe o público? Refletir “no modo como se pensa, no que se pensa e no que se

produz com o pensamento” (Ministério da Educação, 2001, p. 149) também alicia o

compositor a prosseguir criando.

Assim como o palhaço que só faz rir é um parasita das emoções primárias, a missão do

educador artístico não é divertir. O educador tem de aprofundar o caráter enigmático da

arte e treinar a perceção simbólica para dotar-nos do ‘respetivo conteúdo de verdade’.

A sua função é travar a ignorância, a amusia adquirida, o que Adorno chama

‘Entkunstung’ [negação da dimensão estética da arte], o ‘olhar vazio’. Se não

conseguirmos, teremos de continuar a lidar com broncos mas, como bem aponta

Adorno, é impossível explicar-lhes o que é a arte. (Adorno, 2008, p. 186).

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 91

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ANEXOS

1. Tabela e excertos musicais

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2. Interações de adultos, enviadas ao correio eletrónico do autor

1 / 24-I-2010

O QUE EU PENSO DESTA ESTÓRIA…

Gostei desta estória dentro duma história musical.

Tocaste no essencial do ser músico e do ser educador artístico.

Mesmo que a rotina se agigante diante de nós, não podemos perder a noção da

dimensão do que devemos mostrar às novas gerações que nos passam entre os dedos

e a quem, queiramos ou não, moldamos a alma.

Fizeste-me pensar na responsabilidade que tenho na difusão da MÚSICA e em como

não posso deixar-me levar pelo facilitismo da gravação, do bonitinho e do deixa andar

porque o que interessa é que os alunos se divirtam.

Gostava de fazer um exercício de composição com os meus alunos tendo por mote a

Caixa dos Laços, o País da Música e os amusios.

Obrigada por me teres feito refletir no que “ando aqui a fazer”.

2 / 25-I-2010

La historia la leí un par de días después de que me enviaras el borrador. Me pareció

fascinante, un gran trabajo, pero siempre visto desde la perspectiva adulta, del mayor.

Creo que esa era tu orientación, por contenido, por contexto, por léxico. Los primeros

párrafos y los últimos los veo "más cuento". Los intermedios llevan una carga específica

que no me extraña que termines diciendo que puede que sea "la última obra....". Pero

esa claridad sirve de punta de lanza, invita al razonamiento y nos sitúa en nuestra

realidad más dura. No eres subliminal, sino directo y osado. Y eso tiene valor y tal vez

un precio... Te prefiero así. Creo que tu historia conquistará corazones. De momento lo

ha hecho con el mío.

¿Para cuándo las 12 pruebas? Bravo!!

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 107

3 / 27-I-2010

Caro, a correr pela página:

“A perceção, a razão e a emoção eram os alicerces da sua criatividade.” Para além dos

músicos, aplica-se também a/os que levamos a língua os sangominhos!

“amusios” / “odeia a música” / “assumiram o controlo do país”: não posso evitar pensar

nos, digamos, aglotios / aglotas / troglotas... que qu[is]erem assumir o controlo da nossa

língua.

“Caixa dos Laços” / “segredo da inspiração musical” / “emoções profundas”: estou a ver

outro tanto nas entranhas da língua; ah!, as “emoções profundas”... (eu chamo-lhe

emoções fortes).

“músicas brincalhonas” / “melodias de amor”, etc.: põe “poesia” e já vês por onde vou.

“Alguns nem sequer conseguiam distinguir os ritmos mais simples”: alguns/algumas não

conseguem já distinguir vogais abertas das fechadas neste nosso cada vez mais

deserto...

“os impedia de aprender línguas”: os que pior falam inglês são os troglotas, os que

melhor os que levam (e sofrem) a língua em si.

“amusianês” = castrapo.

“babelização das traduções traidoras”: sem comentários.

“A fórmula secreta” / “a fragmentação”: fragmentar, de pessoa a pessoa, de geração a

geração, de país a país, de passado a presente, now where have I heard that before?...

“fiéis à ética do País” / “foram postos de parte” / “sonhadores à procura dos laços

perdidos” / “raízes da autêntica diversidade musical que, em lugar de fragmentar, atuava

como força de coesão dos valores comuns” / “para construir a realidade do futuro”: por

algo estás na AGLP!

Pág. 108 © 2010 by Rudesindo Soutelo

“Os amusios sabiam que a música inspirada e criativa movimentava emoções profundas

e que podia neutralizar as musiquetas. Os músicos não colaboracionistas eram, pois,

os piores inimigos dos amusios, que começaram a criminalizá-los por tudo”: snap!

Deixo de lado a análise mercado-económica, para a que não tenho “solução”; parece

como que houvesse duas raças de pessoas: as que “sentem” e as que “contam”... Em

todo o caso, como fazer para que o trabalho próprio não seja

copiado/deturpado/estragado? para que ao mesmo tempo dê vida, encarne e frutifique?

é o risco que corre quem cria: esgotar-se no criado, confiando em que não seja

estragado, dar[-se], a[ni]mar... Sim, sei, não resolve o problema de viver do trabalho

próprio, e suponho que os direitos de autor, com uma data de caducidade, são o que

menos insatisfeitos nos deixam...

Em fim, fazes-me lembrar os tempos saudosos da Sergeant Pepper's Band, do Yellow

Submarine, dos Blue Meanies (=amusios!), qv.

4 / 29-I-2010

A estória de uma história é fantástica a meu ver.

Esta história, na sua totalidade e depois de nos apresentar o que define o País da

música e a chegada dos amusios, transfere-nos imediatamente para o nosso País. Todo

o conto pode ser assumido como estando a falar do nosso País, embora também se

possa ligar a outros países. O nosso País do consumismo, das cópias, em que, no geral

as pessoas só ligam ao lado económico da música, a começar pelos próprios músicos.

Quando há bons concertos, estão os auditórios e teatros vazios… chegando os amusios

(Música Pimba) onde aparecem sempre com as mesmas músicas, editando discos

diversos diferentes, mas sempre iguais musicalmente… São as chamadas “musiquetas

amusianesas”, que são também o espelho do nosso país, pois em qualquer lugar que

se passe, lojas, ruas, centros comerciais, etc., o que se ouve? A música dita Pimba, ou

seja, a “musiqueta amusianesa”.

Na minha opinião vivemos numa comunidade “amusia” e cabe-nos a nós, músicos,

educadores, Academias de Música, mudar este mundo em que vivemos, de modo a que

as crianças, à semelhança do conto, se comecem a interessar pela música e se deixem

invadir pelo poder extraordinário da música.

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 109

PS.:Depois de ler esta bela estória, fico ciente de que o Rudesindo tem a inspiração dos

seus laços… que são uma das suas características, o uso dos laços. Transplantando-

nos para o conto: “Já todos se tinham esquecido que, no País da Música, existira uma

Caixa dos Laços, antes da chegada dos amusios –essa gente que odeia a música

porque não tem a capacidade de apreciar os sons. Só um velho e faminto compositor

guardava memória dessa caixa”, leva-nos a imaginar como o Rudesindo ainda acredita

no poder verdadeiro da Música e num futuro em que não existam os amusios.

5 / 29-I-2010

Considerei muito criativo, o facto de descreveres a situação atual da música com o teu

toque pessoal da caixa dos laços. Esse objeto é realmente interessante e é mesmo a

tua característica, associei-a imediatamente à tua pessoa, por isso gostei muito. Por

vezes pareceu-me cansativa a parte final, estava ansiosa por saber a conclusão e senti

que estava um bocado extensa. Também não sei para que faixa etária está escrita esta

história, se é para crianças parece-me longa.

Parabéns pela criatividade, aprendi muito com a história, nunca tinha ouvido falar de

"amusios", gostei do termo.

6 / 29-I-2010

Relativamente ao texto que enviaste, gostei muito dele e há várias conclusões que

emanam do seu conteúdo. Comecei por pensar que seria uma história para crianças, a

utilizar como estratégia de abordagem da realidade musical. Depois, concluí que ele é

o retrato que fazes da evolução da música e vi nele a realidade portuguesa, assim como

a tua forma de estar na música e o desejo (quiçá utópico) daquilo que gostarias que

acontecesse no futuro. A importância do laço na tua vida também se encontra espelhado

nesta estória. Esta visão crítica que apresentas e que, provavelmente funcionará como

uma estratégia para colocar as pessoas a pensar, será a tua forma de estar na vida:

descontente com o que vês, ativo na luta contra o que de errado acontece e na

construção de uma mudança.

Pág. 110 © 2010 by Rudesindo Soutelo

Neste texto, e pelo pouco que te conheço, eu vi o teu retrato!!!

Partilho com grande parte da tua visão e muitas vezes sinto-me impotente para dar a

volta. É que o próprio mundo da música é muito fechado, e para termos acesso a certas

coisas é um cabo dos trabalhos, porque nem todas as portas se abrem.

7 / 29-I-2010

Tive finalmente algum tempo para ler a estória.

Está bastante criativa! Gostei da mensagem, que é bastante actual, dado o que se passa

com a música na atualidade. Acho que humanidade e as pessoas que nos governam

precisavam de uns bons e bonitos laços para irem buscar inspiração para um mundo

melhor, e que olhem para a cultura, musical e/ou outras, como uma porta para um

mundo melhor.

Foste feliz e criativo na escolha do país, personagens e na implicação na vida das

pessoas com a magia da música.

Gostava de ter um bom laço para ser inspirado para os trabalhos de mestrado que temos

pela frente. Fala com as crianças e o velhinho para me arranjarem um bom laço .....

Parece que a estória não acabou ..... aguardo o seu final.

Falta uma boa ilustração e publicação .... Bom trabalho!

8 / 30-I-2010

Antes de mais obrigado por partilhares o teu conto.

A leitura do teu conto começou por me fazer arrepiar. É verdade. Chamaste a atenção

para algo que vai acontecendo quase sem nos apercebermos: a forma acrítica como

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 111

nos deixamos envolver e arrastar neste mundo 'global' onde o 'amusianês' se insinua.

As memórias vão-se apagando. O desejo de criar quase não existe e facilmente

cedemos a solicitações, conotadas de cultura (mais 'espetáculo' como disseste!).

Não consegui deixar de pensar nas práticas que fomento (enquanto professora de

educação musical) e que vejo fomentar... Sem dúvida, precisamos acordar e estar

conscientes das possibilidades que, tantas vezes desperdiçamos, nos encontros únicos

e por isso, tão fundamentais, que acontecem dentro da sala de aula.

Obrigado, por me teres provocado.

Relativamente ao conto, em si, posso dizer o que me parece do ponto de vista formal.

Nalguns parágrafos tive que reler para não perder o 'fio à meada' como se costuma

dizer. Refiro-me à 1ª leitura. Acontece que muitas vezes, o leitor se não entende de

imediato a ideia, não tem vontade de repetir para tentar perceber.

Claro que numa 2ª leitura esse problema já não se coloca.

O desenrolar da ação, provoca algum 'suspense'. No fim estava com curiosidade de

saber o que iria acontecer...

Pareceu-me um pouco confusa (ou talvez, pouco clara) a descrição do caminho que o

velho propõe às crianças para encontrarem o País da Música.

Senti ainda uma certa contradição entre o final da estória que deixa no ar a esperança

de uma solução e o comentário final do autor que ao dizer que a 'caixa dos laços' pode

ser a sua última obra inspirada nos transmite uma visão muito pessimista (será?).

Esta é a minha análise (talvez um pouco superficial pois não há tempo para muito mais)

mas sincera.

9 / 2-2-2010

Achei a estória dentro duma história musical muito interessante, pois faz-nos refletir

sobre como abordar as questões musicais aos alunos. Apesar de não estar muito por

dentro desta área isto fez-me pensar como é que a musica é apresentada às crianças

Pág. 112 © 2010 by Rudesindo Soutelo

e jovens; será que se tem a preocupação de despertar e motivar as crianças e jovens

para a expressão musical ou hoje em dia é vista como mais uma atividade para

preencher horários. Na realidade os laços é um pormenor, sem valor material, mas que

demonstra a importância que se deve dar á musica como arte. Quando a caixa dos laços

é encontrada, notei falta de enredo (comparando com a 1ª parte dos amusios) o que

não salienta a importância que deve ser dada á arte musical (isto no meu entender). O

facto de deixar em aberto o final da estória poderá ser um bom caminho de análise para

futuras intervenções, nesta área.

10 / 7-2-2010

Olá Professor

Estou enviando em anexo a descrição de uma atividade que implementei em sala de

aula há uma semana atrás, precisamente após ter lido o seu artigo com a estória de

uma história musical. Precisava, na altura, dum fio condutor bem imaginado para que

pudesse sensibilizar os meus alunos à audição do "Inverno" de Vivaldi, apresentar-lhes

o Violino e a família das cordas e também o dito compositor. Mas como?!!

Foi então que li a estória do professor e de imediato me veio à ideia tudo o que descrevo

em anexo. Também eu criei uma história com uma caixa mágica, a qual veio do país da

música e que só abria depois de percutida com uma ritmo secreto, o qual todos tínhamos

de invocar! Lá dentro tinha informações valiosas acerca de um compositor: o Vivaldi, e

de um instrumento musical: o Violino e a sua família das cordas.

Está claro que a estória da caixa dos laços que o professor conta invadiu a minha

imaginação e foi como se tivesse experimentado um dos laços da caixa do país da

música, porque a inspiração foi tal que conseguiu contagiar por completo a mente destas

crianças...a eloquência resultou de tal modo que o que quer que saísse daquela caixa

mágica a reação de muitas das crianças era "Uhau!!!!", entravam no mundo

encantado...o Violino e a sua família, o Vivaldi e a sua paixão pela música e por esta

família de instrumentos, foram verdadeiras descobertas para os meus alunos, cerca de

200 crianças ouviram o "Inverno" de Vivaldi com prazer e emoção, pois quando ouviam

o som do contrabaixo diziam que o pai estava zangado, e nas partes mais melodiosas,

identificavam os timbres do violoncelo e do violino referiam-se à mãe que falava com o

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 113

filho...houve comentários muito interessantes. Realizei a mesma atividade com as

crianças de Jardim de Infância e também foi um sucesso, algumas crianças foram dizer

aos pais que a caixa mágica deu a ouvir um violino a sério, com um som muito bonito...

Enfim foi uma experiência espantosa para mim, porque me senti como uma verdadeira

mediadora do poder da música sobre o ser humano...foi muito gratificante conseguir ver

claramente a música a mexer com as emoções dos meus alunos de um modo bem mais

profundo que o habitual.

Tal como o Professor Rudesindo pediu estou respondendo com uma mensagem, mas

de esperança, HAJA ESPERANÇA! Mais do que qualquer opinião estética, filosófica ou

científica, para mim a história da caixa dos laços será sempre a prova viva de que a

música exerce poder na sociedade...e que eu posso contribuir um pouquinho que seja

para que a música seja revalorizada no mundo atual, prenhado de amusios! No final das

contas há sempre um caminho a trilhar para a música, eu senti exatamente isso com

esta experiência! E só peço ao Universo que existam muitos Professores Rudesindos

por esse mundo fora, os quais possam dar ao mundo a Inspiração certa para que a

música ganhe a força que merece e a humanidade beneficie da evolução natural do

todo perfeito que existe na União harmoniosa do corpo, da mente e do espírito.

Muito Obrigada, Professor Rudesindo, graças a si tive, na minha profissão, durante esta

semana que passou, alguns momentos onde o Belo me espreitou!

Ainda há quem diga que a Perfeição não existe!

Atividade na sala de aula (Expressão Musical - AEC)

Sumario: Jogo rítmico na caixa mágica

Violino e família das cordas.

Audição do “Inverno” de Vivaldi enquanto pintam paisagem de Inverno/Violino.

No país da música eu entrei, um músico deu-me uma caixa mágica que só abria com

um ritmo secreto. Este músico pediu-me que transmitisse este ritmo secreto aos meus

alunos. Todos invocamos este ritmo, entoamos e percutimos com as mãos na caixa, um

de cada vez e depois todos juntos entoando o ritmo, quase em surdina, pianíssimo, só

assim é que ela abriria.

Pág. 114 © 2010 by Rudesindo Soutelo

Por fim a caixa mágica abriu-se e encontramos a imagem de um violino, uma outra

imagem com a família das cordas (Pai-contrabaixo, Mãe-violoncelo e a irmã mais velha-

viola de arco), e ainda mais uma imagem do Vivaldi, com a sua peruca branca, um

homem de outros tempos, segurando o seu violino.

O Violino era o artista principal, sendo o filhinho mais novo desta família e o Vivaldi era

um admirador incondicional desta família de instrumentos musicais.

Uma vez padre, este senhor percebeu a meio da celebração de uma das missas que

teria de ser músico, pois os sons da música e, em particular, desta família de

instrumentos não lhe saíam da cabeça. Então Vivaldi tornou-se músico e compôs muitas

peças musicais para o violino e a sua família. As “Quatro Estações” foi uma das suas

obras, talvez a mais famosa.

No Inverno nós estamos e o “Inverno” de Vivaldi pus a tocar no aparelho de som,

enquanto pintamos uma paisagem de Inverno, com neve, chuva e frio, e ainda um

violino.

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3. Interações Turma 5º/A da EB de Vila Praia de Âncora

5-02-2010

Esta história fala sobre o roubo. Serve para nós nunca roubarmos na nossa vida. Diz-

nos que os instrumentos musicais são muito valiosos. (10 anos).

Eu não percebi muito bem a história.

Acho que os amusios estavam a brincar com o trabalho dos escritores e a brincar com

a música. (10 anos).

O que eu senti da história foi vandalismo no princípio e tristeza no fim. (10 anos).

Esta história é muito bonita, mas é um pouco confusa. No desenvolvimento da história,

parece que o país da música vai desaparecer para todo o sempre mas no final corre

tudo bem. (11 anos).

O que eu percebi da história foi duas crianças, irmãos, encontraram uma caixa de laços

que pertencia ao país da música. (10 anos).

Pág. 116 © 2010 by Rudesindo Soutelo

Para mim, a música é a solução para a tristeza.

A música faz felicidade. Os amusios são parvos, nunca ouviram a música entrar no

coração. (11 anos).

Senti que esta história é parecida à vida real. Os músicos são mesmo os músicos que

compõe músicas e põe nos CDs e os amusios são aquelas pessoas que “apanham” as

músicas e as põe na internet.

Esta história é mesmo parecida com a realidade. (10 anos).

Eu não percebi bem a história mas houve umas partes que eu ainda consegui “apanhar”

que foram a da caixa dos laços, dos amusios e a do início. Não faz sentir nada porque

não percebi. Mas um dia irei perceber. (10 anos).

Acho que não é bom tirar coisas da internet e que há pessoas que não dão importância

à música. (10 anos).

Esta história fez-me pensar como será a vida dos compositores que não recebem nada

pelo trabalho que têm ao imaginar e criar, e quando este é copiado ou utilizado por

outros, sem imaginação mesmo sem autorização do autor. (11 anos).

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 117

Para mim, isto foi uma história importante. Às vezes os mais pequenos são os mais

espertos porque ajudam as pessoas enquanto que os grandes, ainda fazem pouco das

pessoas. (11 anos).

Ao ouvir esta história, sinto-me curiosa de saber como se chama, como é o princípio e

como é o fim. No caso desta gostei porque tem imaginação, criatividade e é uma história

que no fim não conta tudo, é uma história que mantém o suspense. (10 anos).

Senti que os amusios vandalizaram o país da música, apenas pelo dinheiro e toda a

gente esqueceu esse país e até os laços inspiradores esqueceram.

Esta história faz-nos ver que agora qualquer pessoa vai à internet e tira músicas, jogos,

filmes e muito mais em vez de os comprar.

Temos de pensar que é como trabalharmos e não nos pagarem nada no fim do mês.

(10 anos).

Esta história deu para ver que as pessoas muitas vezes não sabem o que é bom. A

música é um dom que algumas pessoas ganham e que para elas é a sua vida. Nós não

devemos estragar o que é bom.

É bom ouvir uma música calma quando estamos cansados ou aborrecidos, é bom ouvir

uma música com ritmo quando estamos muito bem dispostos, é bom ouvir uma música

querida quando estamos zangados com um amigo.

Ninguém, mas ninguém gosta de não ouvir música.

A música é vida, é alegria que corre dentro do coração. (10 anos).

Pág. 118 © 2010 by Rudesindo Soutelo

Fez-me sentir emoção e raiva: raiva dos amusios que tiraram todas as músicas ao país

da música. Achei engraçada a parte dos laços.

A história é muito bonita e fez-me sentir verdadeiramente como eles gostavam da

música. (11 anos).

Eu não percebi muito bem a história, mas houve umas partes em que senti que esta

história tinha como base o roubo da música. (10 anos).

Eu não percebi bem a história. (10 anos).

A música é importante na vida. Há pessoas que brincam com o trabalho dos outros.

Para as coisas más há sempre uma esperança.

Às vezes, ouvindo música, faz-nos sentir melhor.

As músicas tiradas da internet são músicas falsas. A verdadeira música está dentro de

nós (inspira-nos).

A música é especial. (10 anos).

Eu senti que este país existia. Esta história transmite-nos que nunca devemos ir buscar

coisas à internet sem as lermos. (10 anos).

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 119

Esta história fez-me sentir que a música é arte, é alegria…

Fez-me sentir também que não se deve vandalizar a música.

A música é tudo e todos gostamos dela!!! (10 anos).

Senti que esta história era muito longa e também senti que os amusios eram as pessoas

que “roubavam” aos músicos as suas obras musicais e depois inventavam músicas

irritantes para substituir as originais”. (? anos)

Eu não percebi muito bem a história que a professora contou. (10 anos).

Esta história fez-me sentir que não devemos “roubar” músicas da internet sem ter-mos

autorização do autor que a criou. E também houve outras partes que não consegui

perceber muito bem porque acho que a história era um pouco complexa.

E também me fez sentir que a música pode ter vários sentidos e emoções. (10 anos).

Eu não percebi bem a história. (10 anos).

Pág. 120 © 2010 by Rudesindo Soutelo

4. Interações da Turma de Área de Projeto da AMFF (V.P. Âncora)

05.01.2010

Achei que é uma bonita história e que está cheia de mistérios.

E que há pessoas que não gostam da música e por isso desprezam-na de todas as

formas.

Mas que existem outras, seja de que idade forem, que ainda têm a esperança de que a

música nunca acabará. (13 anos).

Esta história fala-nos que a inspiração dos compositores foi perdida por causa das novas

tecnologias e que as músicas estão a ser substituídas por “musiquetas”. As

“musiquetas” são músicas que fazem as pessoas fazerem coisas que não são

necessárias e são ouvidas por pessoas que não sabem apreciar a música. São

fragmentos que estão sempre a ser repetidos.

Esta história mostra que a música está a ser esquecida. (11 anos).

Para mim, esta história fala da importância que a música tem e que foi esquecida por

causa dos amusios que substituíram a música por musiquetas, por interesse económico.

É uma história interessante e que está aberta para a imaginação de cada um de nós.

Acho que aqueles meninos iriam conseguir recuperar a música. (12 anos).

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 121

Esta história dizia que muitos adultos são grandes músicos e muitas crianças gostam

de ser como eles. Sendo assim, a música tem um papel muito importante na vida das

pessoas. (11 anos).

É uma história triste, pois a magia da música foi totalmente apagada pelos amusios.

O país da música era um país extraordinário, que não aparecia nos mapas.

Os músicos usavam um laço para se inspirarem, para compor e fazer músicas.

Quando a caixa dos laços foi parar às mãos dos amusios, o país começou a ficar triste,

todos começaram a esquecer a música.

A única solução para a música ser recuperada era alguém passar pelos 12 desafios dos

amusios. (12 anos).

Na minha opinião, a história é muito interessante, mas era longa.

Os amusios ao tentarem controlar tudo e mais alguma coisa, destruíram tudo em que

os músicos acreditavam incluindo a caixa dos laços, fonte da inspiração dos músicos.

(12 anos).

Esta história é, de facto, muito interessante. Demonstra o verdadeiro amor pela música

e que realmente há pessoas que não sabem dar valor às coisas bonitas que existem.

Espero mesmo que cada um encontre o verdadeiro amor pela música que existe dentro

das pessoas, porque sim, cada um tem a música dentro de si, só é preciso decifrá-la.

Nunca deixem de sonhar. (12 anos).

Pág. 122 © 2010 by Rudesindo Soutelo

Eu acho que este texto é interessante mas ao mesmo tempo um bocado injusto por

parte dos amusios, pois apesar de não gostarem de música e instrumentos de música,

não tinham que fazer o que fizeram aos músicos como retirar-lhes os instrumentos e

porem em suas casas para fazer inveja aos vizinhos, também não tinham de tirar o seu

maior bem precioso, a caixa de laços. Sem a caixa de laços, os músicos não tinham

ideias para fazerem novas músicas e cada vez mais interessantes. No fim, os amusios

acabaram por gostar de música e transformaram-na numa coisa comum, sem categoria.

Duas crianças, um rapaz e uma rapariga tentaram encontrar a caixa dos laços. (13

anos).

Esta história mostra-nos que o espírito musical e a inspiração dos compositores foi

perdida por causa das inovações tecnológicas, por causa das pessoas que não sabem

apreciar música, realmente como ela é.

As “musiquetas” referidas no conto são aquelas músicas que controlam as pessoas,

aquelas que não podem ser apreciadas e que “absorvem” as mentes, obrigando-as a

“obedecer” à função por ela exercida.

Acho que cada um de nós, pessoas e músicos, devemos salvar este mundo e devolver-

lhe a tão importante música.

Este conto é muito bonito e mostra-nos realmente o que está a acontecer à humanidade.

(13 anos).

Eu penso que a história é muito interessante e tem muita fantasia.

Havia um país da música que não aparecia no mapa, mas existia e os habitantes eram

os músicos e havia uma caixa que continha laços que davam a inspiração para a música,

por exemplo: havia laços para música de crianças, música de sinfonia...

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 123

E um dia, os amusios invadiram o país da música e levaram tudo o que brilhava,

instrumentos de metal porque brilhavam e eram parecidos com o ouro.

Uma vez, dois meninos fartaram-se das musiquetas e encontraram a caixa de laços e

um velhote sabia o que era a caixa e disse: “É preciso passar 12 provas para salvar o

mundo da música. (13 anos).

Esta obra é interessante, pois faz com que o ouvinte se sinta dentro da história e que

imagine como reagiram os compositores e os amusios.

Como os amusios eram gananciosos e só pensavam em produções económicas e

riquezas, fizeram com que os compositores perdessem o espírito musical.

A história requer uma certa compreensão devido ao vocabulário e às várias etapas do

texto.

Como os laços significavam para os compositores do país da música, a música significa

para nós, ou seja, é a música que ouvimos que nos dá um bom ou um mau dia, é a

música que nos dá a inspiração para o resto do dia, é ela que nos dá a devida inspiração.

(12 anos).

Eu acho que esta história é bastante interessante porque fala de como a tecnologia veio

mudar as atividades da população.

Este conto também fala de como é mal copiar os outros autores, pois ao copiá-las, os

compositores não estão a receber o seu merecido dinheiro pelo trabalho que

desenvolveram.

Este conto também fala de como a música é trocada muitas vezes por coisas que não

têm muito interesse, como o facto de gastarem dinheiro em roupas quando muitas vezes

têm o roupeiro cheio desta. (12 anos).

Pág. 124 © 2010 by Rudesindo Soutelo

Dentro desta obra há várias conclusões que podíamos tirar, mas as mais importantes

são:

- Até um objeto muito insignificante, como uma simples caixa cheia de laços, pode ter

um grande valor;

- Existem coisas, como a cultura, que nem toda a riqueza do mundo pode comprar e

que o poder económico não é o mais importante;

- Até os povos que não apreciam a música, ou outro tipo de cultura, podem aprender a

gostar;

- Até umas peças de música, sem qualquer valor, como as musiquetas, podem atingir

um valor muito importante. (11 anos).

A mensagem que passou desta história é que muitas vezes, os músicos são roubados,

utilizam as suas músicas sem lhes pagarem nada. E que os comerciantes utilizam as

músicas para levar as pessoas a consumir e não apreciam o verdadeiro sentido da

música. Não dão o verdadeiro valor à música. (14 anos).

A mensagem desta história é complicada. O tempo final desta história, acho eu, é o

nosso presente.

Os amusios são as pessoas que só se importam com o dinheiro e não com a cultura. A

caixa dos laços é uma ideia metafórica que simboliza a inspiração. As musiquetas são

aquelas músicas que passam nas lojas e que nos controlam o cérebro.

A mensagem desta história é que as pessoas estão a subvalorizar a música e que

deviam tentar percebê-la. (13 anos).

© 2010 by Rudesindo Soutelo Pág. 125

Na minha opinião, esta história relata o facto de, na vida real a música estar a

desaparecer (já não se sente o mesmo como dantes).

As pessoas, mas mais especialmente as crianças, em vez de darem asas à sua

imaginação e criatividade, dando continuidade a esta bonita família das artes, têm uma

vida monótona e muito sedentária, onde passam a maior parte do tempo agarradas ao

PC, navegando na internet e jogando jogos virtuais.

Um mundo onde os criadores de algo não têm o merecido reconhecimento. Um mundo

onde esses criadores são como que atirados para o canto do esquecimento, ficando

apenas as suas obras mais emblemáticas. (14 anos).

A mensagem transmitida pelo texto que acabamos de ler é a seguinte: a música é um

“sentimento” que todas as pessoas possuem.

A música é algo capaz de controlar a nossa mente, ajuda-nos nos obstáculos mais

difíceis da nossa vida, como também nos alegra nos momentos mais felizes. A música

transmite paz.

Atualmente, a música tem vindo a ser desvalorizada gradualmente pelas populações. A

música está a começar a ser esquecida. Os compositores não recebem o devido valor,

porque as pessoas, neste momento, recorrem sistematicamente à internet, a fotocópias,

etc.

Se não pensarmos neste problema e não fizermos nada para o travar com as

populações futuras, este problema irá agravar. (14 anos).

Pág. 126 © 2010 by Rudesindo Soutelo

A mensagem que esta história me transmitiu é que presentemente o “país da música”,

ou seja, a nossa cultura musical em geral, está a ser desvalorizada e desperdiçada, pois

a música pura, criativa e inspiradora está a desaparecer gradualmente. As músicas são

subvalorizadas e os autores são penalizados, dado que as suas obras são

comercializadas de um modo pouco benéfico para eles. A música transformou-se então

numa forma de prejudicar as populações, visto que as músicas tornaram-se comerciais

e o seu propósito inicial, maravilhar, encantar e emocionar os ouvintes está a ser

substituído pela música comercial, produzida em massa com a ideia de vender e

enganar as pessoas. Mas isso não acontece apenas com a música; a arte, a escrita e a

pintura, entre outros, também estão a ser parcialmente modificadas de uma forma

negativa.

Segundo este texto, as crianças que encontraram a caixa dos laços somos nós, os

jovens músicos promissores e todos os músicos que partilham esta opinião e juntos

temos de voltar a encontrar a música novamente. (13 anos).