A casa, couto e morgadio de Paredes, na Meadela

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A CASA, COUTO E MORGADIO DE PAREDES NA MEADELA Fabíola Franco Pires 1. Fachada Sul da Casa de Paredes (foto da autora). 2010 2. Fachada Norte da Casa de Paredes, dentro do terreiro (foto da autora). 2010 Quem se dirige pela estrada da Meadela para a freguesia de Perre, e toma o acesso à A28 em direcção ao Porto depara-se, à sua direita, com um velho e despido edifício maltratado pelas agruras do tempo e pela impiedade do progresso. Progresso esse que, personalizado na construção de um acesso à auto-estrada, rompe o que foi anteriormente uma via medieval e agora discreto caminho, destruindo o portal brasonado que nos encaminhava para a entrada da antiga habitação protegida por oliveiras e bosques de carvalhos. Progresso esse que, de um rasgo, afastou para sempre a cortina verde da quinta, revelando o que as gerações mais novas de meadelenses desconheciam, e que hoje questionam à sua passagem. É a Quinta de Paredes e constituiu outrora a terça parte do que é hoje a actual freguesia da Meadela, e uma pequena parte da de Perre até S. Gil. Dado o estado em que se encontra há vários anos, e prestes a ruir definitivamente a qualquer momento, urgia, para além de ser feito um levantamento completo da estrutura ainda existente, recolher e relacionar factos e documentos a ele associados, bem como tentar perceber a sua evolução territorial e construtiva, e os protagonistas que permitiram a sua (re)edificação 1 . 1 O presente artigo foi o resultado da continuação da investigação iniciada na Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, intitulada "O Paço de Paredes na Meadela - Reconstrução de uma Memória" (Pires, Fabíola Franco, O Paço de Paredes na Meadela - Reconstrução de uma memória, Porto, FAUP, 2010), corrigindo, aprofundando, aperfeiçoando e enriquecendo os temas abordados para esse fim. Foi ainda apresentada no 3º Congresso Casa Nobre - Um Património para o futuro, em 2011, uma versão intitulada

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A CASA, COUTO E MORGADIO DE PAREDES NA MEADELA Fabíola Franco Pires

 1. Fachada Sul da Casa de Paredes (foto da autora). 2010

 2. Fachada Norte da Casa de Paredes, dentro do terreiro (foto da autora). 2010

Quem se dirige pela estrada da Meadela para a freguesia de Perre, e toma o acesso à A28 em direcção ao Porto depara-se, à sua direita, com um velho e despido edifício maltratado pelas agruras do tempo e pela impiedade do progresso. Progresso esse que, personalizado na construção de um acesso à auto-estrada, rompe o que foi anteriormente uma via medieval e agora discreto caminho, destruindo o portal brasonado que nos encaminhava para a entrada da antiga habitação protegida por oliveiras e bosques de carvalhos. Progresso esse que, de um rasgo, afastou para sempre a cortina verde da quinta, revelando o que as gerações mais novas de meadelenses desconheciam, e que hoje questionam à sua passagem. É a Quinta de Paredes e constituiu outrora a terça parte do que é hoje a actual freguesia da Meadela, e uma pequena parte da de Perre até S. Gil. Dado o estado em que se encontra há vários anos, e prestes a ruir definitivamente a qualquer momento, urgia, para além de ser feito um levantamento completo da estrutura ainda existente, recolher e relacionar factos e documentos a ele associados, bem como tentar perceber a sua evolução territorial e construtiva, e os protagonistas que permitiram a sua (re)edificação1.

                                                            1 O presente artigo foi o resultado da continuação da investigação iniciada na Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, intitulada "O Paço de Paredes na Meadela - Reconstrução de uma Memória" (Pires, Fabíola Franco, O Paço de Paredes na Meadela - Reconstrução de uma memória, Porto, FAUP, 2010), corrigindo, aprofundando, aperfeiçoando e enriquecendo os temas abordados para esse fim. Foi ainda apresentada no 3º Congresso Casa Nobre - Um Património para o futuro, em 2011, uma versão intitulada

1. De Villa Romano-Germânica a Couto Monástico

 3. Mapa dos limites das Villae romano-germânicas (nomes a cinza), e das da Reconquista (nomes a preto). A mancha no centro da Villa Paredes representa a quinta que fica dentro de muros. A linha periférica, a preto, corresponde aos limites da actual freguesia, e as duas linhas interiores aos limites das villae romano-germânicas, sendo que a mancha cinza representa os limites de Paredes, que incluíam uma pequena parte de Perre (mapa da autora).

A primeira referência ao topónimo Paredes aparece-nos na sua carta de Couto, datada de 19 de Maio de 1136, que lhe chama Villa2. No entanto, ele parece porvir de época anterior ao século XII. O topónimo surge já no Itinerário de Antonino, no século III, presente no derivado parietina, como algo que se encontra despovoado, em ruína, ou então no seu outro derivado, pardina, que representa parede velha ou restos de edifícios num campo3. Desta forma, estas paredes velhas que originaram o nome da

                                                                                                                                                                              "O Paço de Paredes na Meadela - Reconstrução de uma memória - Premissa de um projecto de arquitectura" com a orientação da Arquitecta Carla Alexandra Garrido de Oliveira. 2 " Deo seruientibus illam meam villam videlicet Paredes quam habeo in terra de Sancto Martino subtus monte Tarrugiu, concurrentem ad ecclesiam Sancte Christine de Meadela, juxta fluuium Limiam" in Javier, Francisco e Pérez, Rodriguez (2004). Os Documentos do Tombo de Toxos Outos. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, Sección de Patrimonio Histórico, 95. Villa era a unidade demo-agrária cultivada e povoada, tanto de povoamento disperso como aglomerado, que poderia ser de origem romana, sueva ou da Reconquista, variando o seu significado consoante a época. As tardo-romanas seriam grandes extensões de terreno que poderiam chegar aos 10 000m2, constituídas pela parte agrícola propriamente dita, e pela parte habitacional que englobava tanto as habitações, como os edifícios religiosos, construções anexas e espaços de cultura intensiva. As suevas poderiam designar também grandes explorações, como grupos de explorações familiares dependentes de um núcleo de povoamento, ou até uma comunidade de aldeia. E as da Reconquista já não funcionariam como unidades de exploração nucleares, mas eram tendencialmente divididas em casais dispersos, de carácter familiar, e arrendados por um senhor dominial. A designação villa seria, nesta altura, já quase meramente denominativa em relação ao seu âmbito inicial. Abreu, Alberto (2009). História de Viana do Castelo - 1º vol. Viana do Castelo : Câmara Municipal de Viana do Castelo, 103 e 194. 3 Vários Autores (2000). A Construção do Território. Mapa Histórico do Noroeste Peninsular, 231 e 232.

villa, teriam de aqui existir há bastante tempo e ter alguma importância para que o topónimo se conseguisse fixar. Na opinião de Almeida Fernandes, estas seriam paredes prediais relativas a uma quintã4 dentro dessa villa, surgida provavelmente no século IX. Aquando da presúria efectuada pelo conde Paio Vermudes à região, em 1068, Paredes ainda não é referida, estando no seu lugar a villa Germiadi5 (que corresponde hoje, sensivelmente, ao lugar de Portuzelo), já de denominação romana, conjuntamente com a villa Aunemundi, topónimo germânico (correspondente aos lugares actuais da Costa de Perre, Portela e Matinho, na Meadela). A villa de Paredes constituiria, portanto, a terça parte oriental da actual freguesia, juntamente com o lugar da Costa, em Perre, tendo nascido a partir da fusão, na época da Reconquista, das duas villae anteriores. Aunemundi poderia ter tido, tal como Germiadi, uma origem romana. Segundo Alberto Abreu, o ager publicus foi dividido, nesta região, ainda restando dele marcas da quadrícula romana na divisão das actuais freguesias6. Estas unidades situar-se-iam "(...) ao longo das vias de comunicação (itenera), junto às veigas e nas orlas dos montes, em sítio de boa exposição solar (...)", e estavam divididas em parcelas: o fundos, que englobava uma pars urbana constituída pela residência do dominus, dotada de "(...) lagares, celeiros, adegas, armazéns, estábulos e currais, forjas, fornos, teares, etc.", e a villa rustica ou fructuaria, na qual repousavam as instalações para os trabalhadores agrícolas livres; além destas fracções bem definidas, existiam jardins, alamedas e latadas7. À semelhança das galegas, estas, na Meadela, seriam divididas em duas partes essenciais: o intus, correspondente à zona habitacional que compreendia também os edifícios religiosos, construções anexas e espaços de cultura intensiva (cortinha, horta, pomar), e o foris, representado pelas zonas agro-pecuárias, como as terras onde se cultivava o vinho, cereais e forragens (ager), o bosque (saltus), e o monte (mons), onde se procedia à recolha de lenha e matos8. No centro da villa encontrar-se-ia a residência do dominus e, nesta região são visíveis os seus vestígios maioritariamente na toponímia, como é o caso do local denominado quelha do Antepaço, no limite entre Meadela e Santa Marta de Portuzelo9. Teria existido, segundo Alberto Abreu, no território da villa de Paredes, um paço tardo-romano10, centro administrativo daquele território, do qual não se pode actualmente precisar a

                                                            4 Provém do latim quintana, derivando do fraccionário latim quinta. Estava normalmente associada às honras, considerando-se, em 1288, nas Inquirições, que se trataria de um honramento por cateria pessoal, mas sempre associada à residência ("se em esta freguezia há casa de cavaleiro ou de dona que se defenda por honra (...) há aí uma quintã"). Poderia tanto ser nobre como viloa. Corresponde, sensivelmente, à chamada casa-pátio da nomenclatura geográfica actual: a casa com um recinto de muro que em cada banda liga ao início de uma empena, muitas vezes a dita casa num ângulo. Pode ou não conter torre, podendo essa torre também não o ser no verdadeiro sentido do termo. Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela. 147. 5 "villas Figueiredo et villa Castro et villa Medialbi et villa Soegildi... et in Soegildi et in Germiadi" in Revista Portuguesa de História, III, pp.257-ss retirado do livro Meadela História de A. de Almeida Fernandes, p.116. 6 Abreu, Alberto (2009). História de Viana do Castelo - 1º vol. Viana do Castelo : Câmara Municipal de Viana do Castelo, 91. O cardo seria definido pelas cumeadas da Serra de Santa Luzia, Perre e Nogueira. "Persistem ainda marcas dum módulo de 3 milhas quadradas (singelo na Meadela, Meixedo, Santa Marta, Freixieiro, S. Pedro de Soutelo, Vila Mou e S. Salvador da Torre, Nogueira,S. Cláudio; duplo em Afife, Areosa, Perre)". 7 Idem. Ibidem, 93. 8 Idem. Ibidem. 9 Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 116. Que desemboca no actual Castelo de Portuzelo, e onde teria existido um paço (palatiu) da época romana, centro de uma villa: "em direitura a um marco antigo que esta na entrada da quelha do Antepaço" in Tombo Novo da Meadela de 1743. 10 Ou Alti-Medieval. A ausência de vestígios concretos não pode, por enquanto, fundamentar esta teoria. Abreu, Alberto (1992). Carta de interesse arqueológico do Paço de Paredes da Meadela.

localização, facto igualmente reforçado pela existência de uma fonte do paço11. A mesma opinião é partilhada por Carlos Brochado de Almeida, que faz referência a achados arqueológicos (ara e silhares almofadados da época romana) encontrados no local da primitiva igreja da Meadela, nos Carregais. Como já foi referido, a 19 de Maio de 1136, D. Afonso Henriques doa esta villa ao mosteiro de S. Justo de Toxos Outos, situado perto da Vila de Muros, na Galiza. A razão da doação a um mosteiro tão longínquo da Meadela prende-se, segundo a opinião de Almeida Fernandes, com a necessidade de angariar partidários galegos eclesiásticos para a efectivação da independência nacional. Este acontecimento teria estado, portanto, associado às movimentações entre Condado Portucalense e Galiza por parte do nosso primeiro rei, numa época de grande instabilidade e de transformação do primeiro no que seria o Reino de Portugal, efectivamente, em 114312. O território do Couto, por prática habitual, era (e é ainda hoje), delimitado por marcos e padrões divisórios, em pedra, como podemos retirar da expressão das Inquirições de 1258 "couto de San Justo de Togios Outos per padroes."13. Os que teriam delimitado o Couto, nessa época, desapareceram para dar lugar aos do morgadio, com o brasão dos Bezerras gravado. Hoje em dia, apenas restam esses, em alguns pontos (e sempre na divisão entre Meadela e Santa Marta), os da Cruz de Cristo (por Santa Marta de Portuzelo ter pertencido a essa Comenda), e do "M", referentes já às freguesias. Do lado ocidental, na fronteira com a villa Ameadella (a terça parte central da actual freguesia), não existem, e não se sabe se alguma vez existiram, até porque na descrição dos limites do Couto, não são explícitos, apenas se referindo que faz fronteira com essa villa.14 Os limites de Paredes com Santa Marta de Portuzelo vinham então, no século XVIII, do rio Lima "(...) em direitura a um marco antigo que está na entrada da quelha do Antepaço (...)"15, ou em 1136 "(...) per portum de Portuzelu (...)16" . Daqui seguiriam para outro marco idêntico, antigo, como se denominava também o anterior, pela referida quelha, e daí a outro, com a respectiva cruz gravada. Atravessando o velho caminho encontrar-se-ia um redondo e com a mesma cruz, no baldio e "Alto do Xisto"17, correspondente , em 1136, à descrição "(...) et per petras de Sistu (...)"18. Dali em diante, mais dois marcos antigos e "(...) atravessando o rio quem vem da freguesia de Santa Marta (...)"19 (o ribeiro de Santa Martinha) encontrava-se outro, e daí ia-se "(...) em direitura meter-se ao rio que vem da freguesia de Perre [o ribeiro de

                                                            11 Fernandes (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo, 168. Esta já referida em 1540 no Tombo Velho da freguesia da Meadela. 12 Idem. Ibidem, 114. 13 Idem. Ibidem, 119. 14 "Conforme divide com Meadela e daí como divide pelo meio do Rio Lima". Traduzido por Almeida Fernandes do original "videlicet sicut diuiditur de Meadela et inde sicut diuiditur per medium fluuium Limiam". Javier, Francisco e Pérez, Rodriguez (2004). Os Documentos do Tombo de Toxos Outos. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, Sección de Patrimonio Histórico, 95. 15 Tombo Novo da Meadela traduzido por Almeida Fernandes Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 118. 16 Javier, Francisco e Pérez, Rodriguez (2004). Os Documentos do Tombo de Toxos Outos. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, Sección de Patrimonio Histórico, 97. "(...) per suos terminos antiquos, videlicet sicut diuiditur de Meadela et inde sicut diuiditur per medium fluuium Limiam et inde per portum de Portezelu (...)". 17 Tombo Novo da Meadela traduzido por Almeida Fernandes Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 118. 18 Javier, Francisco e Pérez, Rodriguez (2004). Os Documentos do Tombo de Toxos Outos. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, Sección de Patrimonio Histórico,97. 19 Tombo Novo da Meadela traduzido por Almeida Fernandes. Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 118.

Portuzelo], seguindo daqui para o sítio chamado das Arcas."20 (ou seja, a Ponte do Arco), em 1136 "(...) per portum de Rivo Maiori (...)"21 (mais uma vez o ribeiro de Portuzelo, em comparação com o mais pequeno, de Santa Martinha). Aqui terminava a divisão com Santa Marta e iniciava-se com Perre. Da Ponte do Arco ia-se pelo rio acima até Ameã (provavelmente o lugar de Vila Meã), e daí por duas quelhas (Telheiro) "(...) até à quina do campo chamado de Luzenças (...)"22, as referidas "(...) Luzenzam de Sunegildi (...)"23, no lugar de S. Gil. Daqui em diante os limites nada teriam a ver com as actuais freguesias, pois seriam feitos dentro da própria Meadela, entre Paredes e a villa Ameedela. Embora na escritura se chame apenas doação à passagem do território de Paredes para a posse dos monges galegos, verifica-se que ela seria, na verdade, um coutamento. Desde logo através das Inquirições de 1258 onde se refere que "estes davanditos ómees moram in Paredes, que he couto de Santo Justo de Togios Oucos per padrões, et coutou-o el Rey don Alfonso e Velio"24; mas também quando se verifica que, na doação de 1136, se refere que estes mesmos homens "Não respondam seja a quem for por furto, homicídio e rousso, fazendeira ou fossadeira, ou por outra qualquer coima, foro ou serviço, pelos quais outros homens são obrigados a responder perante nós, a não ser, unicamente, ao abade ou prior do mosteiro ou àqueles que, em mandato, tiverem os seus interesses.25". Portanto, Paredes seria um couto completo, ou seja, beneficiava das três isenções possíveis: dispensa militar (hoste e fossado), dispensa tributária (foro) e dispensa das multas criminais (peita ou voz-e-coima)26. Mas sendo Couto de Toxos Outos, e governado a uma grande distância, podemos verificar, através de um documento presente no Tombo do Mosteiro, datado de 18 de Abril de 1229, que se trataria, mais especificamente, de uma terra aforada aos seus habitantes. O objectivo do aforamento de uma terra por parte de um mosteiro e, neste caso, facilitado pela grande distância, seria a manutenção desses espaços altamente produtivos através do estabelecimento de uma comunidade aldeã que explorasse toda a área. Este facto encontra-se bem expresso no dito documento que os "homines de Paredes et da Gandra et de ipso cauto de Paredes..."27 celebraram

                                                            20 Tombo Novo da Meadela traduzido por Almeida Fernandes. Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 118. 21 Javier, Francisco e Pérez, Rodriguez (2004). Os Documentos do Tombo de Toxos Outos. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, Sección de Patrimonio Histórico,97. 22 Tombo Novo da Meadela traduzido por Almeida Fernandes. Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 118. 23 Javier, Francisco e Pérez, Rodriguez (2004). Os Documentos do Tombo de Toxos Outos. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, Sección de Patrimonio Histórico, 97. 24 Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 115. 25 Idem. Ibidem, 115. Traduzido por Almeida Fernandes do original " non respondeant alicui de furto, de homicidio, de rausso, fazendaria \aut/ et fossadaria seu de aliqua calumpnia uel foro regio aut seruicio quo alii homines nobis tenentur respondere nisi tantum abbati suo uel priori uel illis qui res monasterii de illorum mandato tenuerint.",. Javier, Francisco e Pérez, Rodriguez (2004). Os Documentos do Tombo de Toxos Outos. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, Sección de Patrimonio Histórico, 96. 26 Isenções estas apenas em relação ao rei (Estado), mas não ao Mosteiro, agora responsável pela administração do Couto, representado pelo abade do mesmo. 27 Os três lugares do Couto. Estes homines fazem-se aqui representar pelas pessoas mais ilustres que habitavam o Couto - os homens-bons - sendo estas as mais respeitadas do lugar, quase sempre proprietários ou artífices. Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 125 e 127. Javier, Francisco e Pérez, Rodriguez (2004). Os Documentos do Tombo de Toxos Outos. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, Sección de Patrimonio Histórico,97.

com o abade Joanni Tudin, onde se definem as direituras28 e foros29 que "antigamente foram firmadas entre os moradores de Paredes e os abades desse mosteiro."30. Podemos ainda perceber, através deste documento, o que seria aqui produzido, e quais os produtos estratégicos: assim, os homens-bons seriam obrigados a fornecer o mosteiro com a sexta parte de toda a lavrança de pão, vinho, sal e legumes; todos os moradores, anualmente, uma fogaça31 com vinho, uma teiga de cevada, uma monda32 com cinco ovos; em Maio quatro varas de bragal e mais uma fogaça, no Natal um coelho e uma galinha (se não tiver porco)33. O sal seria aqui o produto mais rentável, do qual não só o mosteiro galego tinha direitos. São também de destacar as culturas do vinho e do linho como produtos específicos desta região. A horta, a pecuária, e a produção de pão são também fontes de rendimento aqui praticadas sendo de salientar, no caso da última, a existência de um conjunto de moinhos no lugar de Portuzelo, onde seria feita a transformação dos cereais em pão (mondas e fogaças), existência essa já confirmada em 1136 pelo documento de doação ("...para que de hoje em diante possuais a referida villa, com seus prados, pastos, montes, fontes, rios, moinhos, árvores, vinhas e hortos.")34. Não existe qualquer referência a que pudessem ter aqui habitado monges beneditinos, ou que houvesse qualquer construção relacionada com eles, a não ser nas lendas. No entanto, Almeida Fernandes regista a presença do topónimo Granja na Meadela, referindo que "neste caso (...) não havia senão um simples prédio (ou granja de tipo inferior) e não grangia-cautum, geralmente encartada."35, sem, no entanto, nos esclarecer a sua localização. Da mesma forma, encontramos o topónimo, em 1693, referente ao campo que estava obrigado à fábrica da capela de Nossa Senhora do Rosário, que existiu na quinta (hoje em ruínas): "(...) para a fabrica da dita capella esta ja obrigado para a fabrica della o campo de Granja sitto na dita freguezia (...)36". Quer tenha existido ou não uma espécie de granja ou obediência beneditina em Paredes nesta época, traduzida num edifício específico, dela não restam vestígios visíveis. De qualquer forma, o couto deve ter tido, neste período, uma enorme importância enquanto centro salineiro e agrícola. Tanto é que, já em 1239, temos notícia de uma composição feita entre Toxos Outos e Tibães acerca das obrigações que o primeiro devia ao segundo por Paredes. Assim, o mosteiro galego era obrigado a fornecer, todos os anos, cinco alqueires de cevada, dez taleigas de sal, e um áureo

                                                            28 Seriam os produtos caseiros: animais, pão cozido, etc. 28 Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 127. 29 Seriam os tributos agrícolas e de serviços pessoais. Idem. Ibidem. 30 Javier, Francisco e Pérez, Rodriguez (2004). Os Documentos do Tombo de Toxos Outos. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, Sección de Patrimonio Histórico,97 e 98. Traduzido por Almeida Fernandes do original "...sint firma et stabilia sicut antiquitus fuerunt firma inter vos et antecessores nostros...". 31 Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 127. A fogaça seria um grande pão ou bolo. 32 Idem. Ibidem. A monda seria um pão. 33 Javier, Francisco e Pérez, Rodriguez (2004). Os Documentos do Tombo de Toxos Outos. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, Sección de Patrimonio Histórico, 97. " (...) tenetur monasterio sextam partem dare cuiuslibet etatis aut dignitatis sit. Omnes coniugati tenentur dare annuatim abbati singulas fogazas bonas cum uino et singulas teeygas de ceuada in mense januarii; in Pasca singulas mundas cun Ve ouis; in maio IIIIor varas de bragal et singulas fogazas; in Nathale Domini singulas coroçiis aut singulas gallinas si porcos non habuerint." 34 "(...) ab hac die et deinceps habeatis uos prefatam villam cum suis pratis, pascuis, montibus, fontibus, riuis, molendinis, arboribus, uineis, ortis et cum omnibus directuris suis...". Idem. Ibidem, 95. 35 Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 57. O autor atribui este termo a uma possível herdade que o mosteiro de S. Salvador da Torre aqui teria no século XVI, sem se atrever a confirmar. 36 "Obrigação à fábrica da capella de Nossa S.r do Rozario sitta na Frg.a da Meadella Tr.o da Villa de Vianna". Fundo do Registo Geral, vol. 31, fl. 287-288, 12/12/1693 (Arquivo Distrital de Braga).

a Tibães37. De onde vem esta obrigação, não foi encontrada, até hoje, documentação que a sustente, pois não consta do Tombo, mas perante a afirmação no documento que "na verdade, o Abade de Tibães nunca deve exigir mais ao próprio couto nem impedi-lo por si ou por outro nem inquietar o Abade de São Justo para além do que está escrito: e se acaso tem outras cartas sobre isto, nenhuma tem força contra esta composição.38", parece evidente que a tentativa de aqui obter direitos foi persistente, e que o mesmo deve ter adquirido nesta época alguma importância estratégica. 2. De Couto Monástico a Morgadio Da posse do Mosteiro de Toxos Outos, cuja última referência ao couto data de 1258, nas Inquirições de D. Afonso III39, até ao próximo documento que nos fala, mais uma vez, de Paredes, em 1494, aquando da sua permuta por terras mais próximas do mosteiro, com um casal de nobres galegos (Pedro Anes de Berruta e Cezília Afonso)40, decorrem 236 anos de nebulosos acontecimentos e conclusões acerca da sua efectiva posse e utilização. Pinho Leal refere, sem avançar datas nem fontes, que o primeiro senhor da quintã seria D. Pedro Henriques de Paredes, e que esta passaria depois para seu filho Martim Cabeça, e consecutivamente para a filha deste, Maria Martins, esposa de Lourenço Paes Guedes. Chegaria a propriedade à pertença da coroa "(...) ou por extinção desta família, ou por outras rasões que hoje se ignoram(...)"41, e foi doada pelo rei D. João I a um colateral de apelido Martins, em troca dos seus serviços na guerra contra Castela e "(...) sempre com privilégio de couto"42. Deste nobre de nome desconhecido, ela passaria posteriormente para os frades de outro mosteiro cisterciense galego, desta vez o de Oia, juntamente com a Torre de S. Gil de Perre, e daqui directamente para Fernão Gonçalves Bezerra. Deste período seria, portanto, inseguro retirar qualquer conclusão. No entanto temos notícia, a partir do Nobiliário de Famílias de Portugal, de Felgueiras Gayo, que este mesmo Fernão Gonçalves Bezerra, que foi almoxarife de Entre-Douro-e-Minho, "(...) comprou aos Frades de Oya ou Hoya Paredes e a Torre de Geraz e hua q.ta ao Bisconde de Ponte de Lima (...) em

                                                            37 "Notum sit omnibus tam presentibus quam futuris quod talis compositio interuenit inter domnum Durandum, abbatem, Petrum Uelium, priorem de Tibianis, ex una parte, et donum Johannem, abbatem, Martinus Seniz, Johannem Didaci, monachos Sancti Justi de Togis Altis ex altera, super quinque modiis de sale, decem talegis de ceuada et uno aureo que omnia dictus abbas de Tibianis debebat habere de cauto et in cauto de Paredes annuatim (...)".Javier, Francisco e Pérez, Rodriguez (2004). Os Documentos do Tombo de Toxos Outos. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, Sección de Patrimonio Histórico, 98. 38 " Abbas uero Tibianus nunquam debet plus exigere in ipso cauto ne ipsum per se uel per alium impedire, nec abbate Sancti Justi ultra quam scriptum est superius inquietare; et si forte aliquas cartas super hoc habet nullam contra hanc compositionem habeant firmitatem.". Idem. Ibidem,99. 39 A ele se referem, também, a carta de coutamento (18/12/1136), a confirmação de D. Sancho I (01/01/1187), a confirmação de D. Sancho II (16/11/1124), a concordata dos moradores de Paredes com Toxos Outos (18/04/1229), e a composição entre Toxos Outos e Tibães (02/1239). Idem. Ibidem, 95 a 99. 40 Este documento é transcrito pelo abade da Meadela no Tombo Novo da freguesia, de 1743. Epílogo dos usos e costumes desta Igreja de Santa Cristina da Meadela, fl. 395v, onde diz: "A troca ou comutação que fizeram Frei João Pardo, Abade do Mosteiro de S. Justo de Tojos Ortos, e seu convento da Ordem de Cister sito na diocese de Compostela, do Couto de Paredes e Portuzelo sito na freguesia de Santa Cristina de Meadela do Bispado de Tui, Reino de Portugal, de que eram senhores por doação que lhe fizera o Sereníssimo Infante D. Afonso filho do grande D. Henrique e Rainha D. Teresa, Rei que foi de Portugal, a Pedro Anes de Berruta e Cezília Afonso da mesma diocese de Compostela por outras terras mais vizinhas ao Convento, que estes lhe deram, foi feita em 22 de Agosto de 1494 segundo me consta de sentença de confirmação dos Juízes delegados da Sé Apostólica (...) proferida em 10 de Maio de 1496 (...)".40 Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 122. 41 Leal, Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho (1873). Portugal Antigo e Moderno: diccionario geographico, estatistico, chorographico, heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico de tódas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias - Vol. 4. Lisboa,147. 42 Idem. Ibidem.

1518 (...)"43, e que "(...) tudo vinculou no seu testamen.to feito em 1536."44. A partir daqui, tanto pelo Nobiliário, como através de outros documentos relativos a Paredes, sabe-se com certeza a sucessão dos vários proprietários e, em alguns casos, consegue-se estabelecer uma correspondência entre eles e as obras efectuadas na quinta. Também através dos aparelhos de pedra e vãos é possível datar, aproximadamente, as épocas de expansão e obras do conjunto. Paredes apresenta aparelhos de várias épocas intercalados, sendo por vezes difícil uma leitura coerente. Tendo em conta que determinados vãos podem ter mudado de posição ou ter sido reaproveitados de outras construções, é pertinente fazer uma leitura paralela destes com os aparelhos encontrados. Antes de uma análise mais profunda, interessa explicar a organização da quinta tal como se encontrava antes de ser desabitada pela última família de caseiros, a inserção do edifício nela, e a própria distribuição interna do mesmo, para assim percebermos a sua evolução e como chegou até ao último estágio antes da ruína.

                                                            43 Gayo, Manuel José da Costa Felgueiras (1750). Nobiliário de Famílias de Portugal - I Volume, Tomo I. Braga: Carvalhos de Basto, 30. 44 Idem. Ibidem, 308. 

  

4. Árvore Genealógica e informativa dos possuidores de Paredes (dentro de rectângulos) desde Fernão Gonçalves Bezerra até aos dias de hoje (esquema da autora com base na bibliografia acima citada).

2.1. A Quinta

 5. Esquema de distribuição das culturas e funções na Quinta de Paredes sobre uma planta de 1983, baseada em informações orais. (esquema da autora).

Era essencial, num estudo sobre uma quinta de produção agrícola onde ainda é possível ter acesso a algumas fontes de informação por via oral, perceber e caracterizar como se distribuíam as funções dentro dela. Em actividade até aos anos 80 do século XX, nela habitavam apenas os caseiros que ocupavam a torre e o corpo residencial a ela anexo como habitação. Os dois "braços", nascente e poente, mais o piso térreo da casa seriam anexos agrícolas. Paredes teve para a economia local, em todas as épocas, uma enorme importância. Ainda há poucos anos, as terras que os caseiros, trabalhadores directamente dependentes dos senhores da quinta, não exploravam, sub-alugavam a outros trabalhadores. Grande parte da população da Meadela trabalhava aqui a tempo inteiro ou sazonalmente. Dentro dos muros da quinta que confrontavam com os caminhos de acesso, encontrar-se-iam muitas divisões, quer por muros, quer por taludes, dos diversos campos explorados pelos caseiros, pelos trabalhadores contratados e pelos rendeiros. Semeava-se milho, batata e centeio. Os campos eram cercados de vinha em latadas, para aproveitar o solo45. A presença da vinha fazia-se

                                                            45 "(...) as uveiras que em muitos casos salpicavam o interior dos campos, desviaram-se para as orlas destes (...)". Araújo, Ilídio (1962). Arte paisagista e arte dos jardins em Portugal. Lisboa: Centro de Estudos de Urbanismo, 101.

sentir igualmente no terreiro, contribuindo para o sombreamento e aumentando a área produtiva. Não existem actualmente vestígios de poder ter existido um jardim ou um horto. Porém, e à semelhança de outras habitações nobres desta época, parece viável a sua potencial existência em tempos mais recuados, precisamente por ter sido uma quinta de recreio pertencente a uma família que tinha a primeira morada em Viana, e mesmo porque até há poucos anos aqui se encontrava a fonte do paço (pelo menos desde 1540, data em que é referida no Tombo Velho da Meadela) associada ao tanque e à fonte, o que indica uma preocupação com a organização do espaço envolvente da casa46. Dentro dos limites da quinta teriam existido igualmente duas bouças de que ainda restam alguns exemplares de árvores. Localizam-se a norte e a sul, junto a duas das entradas secundárias. A bouça norte seria de castanheiros e pinheiros, e a sul de carvalhos e um pinheiro manso, que ainda hoje sobrevive47.

 6. Eira e espigueiro na quinta de Paredes, durante uma malhada do milho (foto gentilmente cedida por Maria do Carmo Parente da Costa, filha do último caseiro). Anos 60

7. Tanque da quinta de Paredes, despojado das pedras trabalhadas que o embelezavam e da fonte. Nota-se aqui, em segundo plano, a proximidade da auto-estrada à casa (foto da autora). 2010

Junto à casa, a sudeste, e entre esta e a eira situava-se o laranjal, e o castanhal ocupava a parte poente entre a casa e o tanque. Haveria igualmente, dois estancarrios (noras), e um lavadouro. A eira e o espigueiro, todo em madeira e de pés e mós em granito, completariam esta lista de elementos essenciais à vida na quinta. Toda esta descrição reporta-se àquilo que se chamava, já no século XVIII, a quinta de Paredes "muros adentro", ou seja, como nos esclarece o Abade da Meadela, João de Barros, nas Memórias Paroquiais, "(...) o que se chama quinta de muros a dentro é des a congosta que vai por detrás da capella da dita quinta por uma cancela para a Fonte do Paço e dessa Fonte vem o caminho para a porta de António

                                                            46 Como podemos observar através do esquema, especialmente da planta datada de 1983, até esses dois elementos existia um caminho que partia do portão de entrada do terreiro, serpenteando pelo declive do terreno até atingir esse espaço. Também junto ao portal sul da casa, vêem-se vestígios de outro portal rasgado no muro, de que agora só restam poucas pedras, e que encaminhava precisamente para a zona do tanque, sobre-elevada através de um talude de 2m em relação à cota dos campos de cultivo. A configuração do terreno nesta parcela, de forma regular e alongada, leva-nos a pensar que este conjunto não poderia ter um fim agrícola, nem se encontraria certamente desenquadrado entre campos de cultivo, como se de uma implantação completamente aleatória se tratasse. Ele aproveita certamente a passagem ali de um dos ribeiros, mas podê-la-ia ter aproveitado em qualquer ponto do leito do mesmo. 47 É interessante verificar como se distribuíam aqui os terrenos de lavradio, sempre intercalados por bouças. Ainda hoje persiste este sistema, entre os actuais terrenos de Paredes, a freguesia de Santa Marta de Portuzelo e a de Perre, de que a veiga é um bom exemplo.

Fernandes de Paredes, e tudo o que fica para cima até às entradas dentro do circuito do caminho que vai para a fonte de casa de António Fernandes até sair pela cancela à estrada que vai da vila de Viana para a freguesia de Perre e tudo o mais que fica para cima até entestar na estrada para as freguesias de Perre e Outeiro, tudo se chama Quinta de Paredes muros a dentro, ou de Paredes a dentro."48, ou seja, todo o circuito murado que vemos representado na planta, formando uma espécie de cerca à volta do edifício, que já existia no século XVI e se chamava a "quamserca"49. A origem deste elemento é desconhecida, e pode por isso ser muito anterior à constituição do morgadio. Existiam também diversas entradas na quinta que correspondiam, naturalmente, a diferentes funções. Todas as entradas secundárias relacionar-se-iam com espaços diferenciados, como campos e bouças. As norte e sudeste eram as únicas que tinham acesso directo à habitação e, no caso da última, separava por muro alto (o "túnel escuro", como era popularmente chamado) os terrenos associados à casa, como o "campo do olival" (assim chamado pela proximidade à carreira de oliveiras que encaminhavam para a capela), o laranjal, a eira e o espigueiro, dos campos em redor, existindo nele, porém, um portão de acesso; era, no entanto, claramente secundária em relação à entrada norte, por aceder à casa a partir das traseiras. A entrada norte seria, então, por excelência, o entrada nobre da quinta, que José Rosa de Araújo nos descreve, no início do século XX, com as seguintes palavras: "(...) mais à frente, poucos passos andados, levanta-se o portal decrépito, armoriado do Paço de Paredes (...). O casarão mostra-se-nos depois de uma avenida de carcomidas oliveiras e de franqueado um segundo portal de arquitectura mais modesta."50. 2.2. A Casa

 8. Plantas do piso térreo, primeiro e segundo (torre) no século XX, baseado no levantamento do existente e em descrições orais. (desenho da autora). 2010

Passado o segundo portal entramos no terreiro, que em tempos teria sido fechado por todos os lados de construções e muros, e do qual parte caiu, junto à capela. Deste ponto podia ver-se, como que num convite, a escadaria a lançar-se,

                                                            48 Tombo Novo da Meadela, 1743 in Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 278. 49 "Na agra de Paredes huma leira de herdade assima da Quamserca que parte de aguiam com herdade do Passo (...)". Tombo Velho da Meadela, 1540 in Idem. Ibidem, 168. 50 Araújo, José Rosa de in Arquivo do Alto Minho.

mais à frente, lateralmente, aos nossos pés. E seria esta a entrada principal da casa, directamente para o piso nobre. A divisão correspondente à primeira porta seria o compartimento de recepção, por excelência, que no século XX corresponderia à cozinha, o local central da casa nesta época. A sala seria a porta imediatamente em frente, depois de subir as escadas. Dentro da sala grande que albergava a cozinha, e onde a enorme lareira era utilizada para cozinhar e aquecer a casa, o espaço foi dividido no século XX em três compartimentos diferenciados: a cozinha propriamente dita, que se situaria do lado poente e estaria iluminada pelas duas janelas norte e sul (aproveitando-se a norte para instalar a pia da louça, e a sul um lava-pés); e dois quartos feitos em tabique: o dos criados, mais a poente, mais pequeno e sem janela, e outro, encostado ao canto nascente, maior e já contando com a ventilação e iluminação da janela sul, assim como aproveitaria a concha de pedra embutida como armário para a roupa, que se fechava com uma cortina. A torre foi ocupada essencialmente por quartos. Um amplo, no último piso, e outro no piso nobre, junto do qual se encontrava a única casa de banho da casa, por baixo das escadas de acesso ao piso superior, e cujos dejectos eram recolhidos no piso térreo da torre, divisão à qual se chamava, precisamente, "casa dos despejos", à semelhança dos conventos, e à qual se podia aceder, a partir do corredor do primeiro piso, por um alçapão servido por escada de madeira. Contígua à sala encontrava-se outro quarto, o do tear, também dividido por uma parede de tabique, e cuja porta abria directamente para ela. E era esta a parte, digamos, habitável, da casa de Paredes durante o século XX, visto que já nesta época o módulo poente onde se encontra a janela de arco apontado estava em ruínas e aparentava desde há muito estar nesse estado. No piso térreo, para além da "casa dos despejos", existia ainda a adega, que ocupava todo o comprimento da cozinha. Por baixo da sala seria a tulha, onde se guardavam as caixas de milho, assim como integraria um galinheiro que se estendia para fora do edifício e se apoiava no muro curvo a sudeste. Os dois braços que se estendiam a partir da casa teriam funções diferenciadas. O poente seria quase exclusivamente para albergar animais, sendo as duas divisões mais a norte cortes e a última, por baixo das escadas, reservada para armazenar a comida destes. A parede da corte mais a sul ruiu, mas é possível, através de fotos antigas do local, perceber que a respectiva porta era mais alta e mais larga do que as outras, provavelmente porque aqui se guardaria também o carro de bois. Entre estas duas, no edifício que ainda mantém os dois pisos instalar-se-ia o celeiro, constituindo este um mezzanino de acesso por uma escada de madeira, onde se estendiam os cereais. Por outro lado, as funções do braço nascente prendiam-se essencialmente com a produção alimentar. Aqui se instalavam, de norte para sul, o forno, o lagar, e um telheiro que comunicava com a eira, o espigueiro e o terreiro através de uma porta, assim como o lagar com a eira. Seria portanto, uma zona de transição entre duas áreas, que serviria também para abrigar diversos instrumentos agrícolas relacionados com as malhadas do milho e o seu cultivo, e igualmente com a cultura do vinho, sendo uma célula de apoio a essas duas unidades de produção. Para além das divisões já descritas, existem mais duas: acrescentos posteriores que em certa medida colidem com a linguagem do edifício e se relacionam pouco com ele, funcionando autonomamente, mas que foram introduzidas pela mesma razão prática de todas as

outras: dois pequenos compartimentos para guardar ovelhas (no canto nordeste do terreiro) e porcos (encostado à escadaria de acesso ao piso nobre). Da capela pouco podemos falar nesta época. Estaria já em ruínas pelo menos há 100 anos e já só contaria com os muros, tendo a cobertura e o recheio desaparecido em data incerta. Assim seria a distribuição funcional quase até finais do século XX, altura em que as suas instalações deixaram de ter uso. Veremos, mais adiante, como em alguns aspectos eram díspares da sua utilização e intenção inicial, e de como as noções de conforto, privacidade e aproveitamento do espaço se foram alterando ao longo do tempo. 2.3. Evolução construtiva e seus intervenientes

 9. Plantas do piso térreo e primeiro, tendo a primeira fase da construção da casa assinalada a preto sobre uma planta do século XX. (desenho da autora).

Como já vimos, não existem certezas quanto a quem mandou edificar a casa. Parece haver uma lacuna de cerca de 24 anos entre a permuta efectuada por Pedro Anes de Berruta e a compra de Fernão Gonçalves Bezerra, que deixa espaço para muitas interrogações. Tanto Felgueiras Gayo como Pinho Leal são unânimes em afirmar que o couto veio parar às mãos deste último estando na posse dos frades do Mosteiro de Oia, mas nada referem acerca do casal galego. No entanto, parece claro que a parte mais antiga da construção que está hoje à vista na quinta, deve datar dessa altura: finais do século XV, início de XVI, ou seja, o corpo central constituído pela sala grande, a câmara nascente, e a poente51. Existe aí, ao nível da fachada, uma continuidade no aparelho, sem emendas. Ele é, em parte, do sistema clássico "testa peito", podendo datar já do século XVI52. Alguns vãos vêm também corroborar esta datação, como a porta chanfrada quinhentista que liga a sala grande, no primeiro piso, à torre, e uma janela manuelina dentro dessa mesma sala. Todas as outras fenestrações parecem ter sido alteradas posteriormente. Devem ter sido todas

                                                            51 A divisão mais a poente, no canto, hoje em ruínas, poderia igualmente ter feito parte desta empreitada, se não na construção, pelo menos no planeamento. No entanto, através da simples observação do aparelho é difícil tirar essa conclusão, visto que nas fachadas sul e poente, se algo houve, hoje nada existe. No entanto, os aparelhos das duas divisões parecem apresentar uma diferença, o que pode indicar épocas distintas, ou uma reposição menos cuidada. Existe também o arranque de uma parede, que é visível dentro do corpo poente, e que indica o prolongamento da parede norte. 52 Existem algumas excepções, nomeadamente a presença de aparelho irregular, do tipo opusincertum em alguns pontos que denotam aproveitamento de pedra de outras construções, preenchimento ou reparação de panos que desabaram.

semelhantes e construídas na mesma época, já que a configuração da sala assim o parece indicar: janela frente a janela, porta frente a janela. Também a porta de arco apontada vem introduzir a dúvida, já que tanto poderá datar ainda do século XV, como ser um revivalismo tardio do século XVI.

 10. Dois aspectos da sala grande: porta quinhentista, "concha" de pedra de função inicial desconhecida e lareira (fotos da autora). 2010

De qualquer forma, este conjunto central da construção, embora tenha sido erigido no período balizado entre finais de XV, início de XVI, foi-o certamente sobre estruturas mais antigas, facto que podemos verificar através de duas portas emparedadas que se situam a uma cota inferior à actual. Também a sua forma em planta, pouco regular, parece sugerir a opção de implantar o novo edifício sobre alinhamentos anteriores53. De igual forma, a varanda parece ter sido construída em duas fases: a primeira, cerca de metade, que iria sensivelmente até ao ângulo da torre, e a segunda, talvez completada aquando da construção do corpo nascente, de forma a rematar aquele vazio. A confirmar-se ser este corpo o inicial, e sem ter em conta outras possíveis construções já existentes, verificamos que aqui se encontra um esquema simplificado do paço descrito por D. Duarte no Leal Conselheiro, escrito nesta época, em que a sala grande é a divisão da lareira, o compartimento central da torre funcionaria como câmara de dormir, reservando todo o piso térreo para celeiros, adegas, cocheiras, arrumos, ou outras funções semelhantes, já que a ventilação/entrada de luz solar nesses espaços é nula, no caso da torre, e conta com outra câmara e trás-câmara54. Estes dois últimos compartimentos apresentam grandes irregularidades no aparelho. Dir-se-ia que foram alvo de profundas alterações. No entanto, e através dos vãos que apresenta, deve ter sofrido modificações em finais do século XVII, início de XVIII, com a abertura dos dois arcos de volta perfeita consecutivos e de uma pequena fenestração no piso térreo, igualmente datável. A janela de arco apontado sugere igualmente uma datação correspondente ao período inicial da construção.

                                                            53 Nada, a não ser alicerces de uma pré-existência indefinida e que só uma intervenção arqueológica poderá confirmar parece justificar uma tão grande falta de esquadria. 54 Ou pelo menos deve ter sido essa a intenção inicial, não sabendo se alguma vez se chegou a realizar.

 11. Plantas do piso térreo e primeiro, tendo a segunda fase da construção da casa assinalada a preto sobre uma planta do século XX. (desenho da autora).

Por motivos desconhecidos, e provavelmente num intervalo de meio século, o plano inicial, que contaria com a sala grande, uma câmara em cada extremo, e uma trás-câmara a poente, foi abortado, e iniciou-se a construção, sobre essas estruturas, do corpo a poente, que transformou a casa num L, como se pode confirmar através dos vãos que apresentam ombreiras chanfradas. Há mesmo, no que teria sido este corpo, vestígios de aparelho de cantaria cuidada, ainda do século XVI. Este facto, associado à introdução de uma nova escada de acesso exclusivo a esta ala, denota um certo cuidado na elaboração do espaço, pelo que pode ter passado para aqui a função que desempenhava a sala grande55. Ainda no compartimento da janela de arco apontado são visíveis três fileiras de cachorros a diferentes cotas, que são demonstrativos da sua ocupação em fases muito distintas: a mais baixa, que deve corresponder a uma primeira ocupação anterior ao século XVI; a do meio, coeva da abertura dos arcos, no século XVII/XVIII; e a última, que corresponde ao soalho da câmara da janela de arco apontado, provavelmente do século XVI. Existindo portas comunicantes entre a sala grande e a câmara da janela de arco apontado, e entre esta e o corpo poente, é provável que a determinada altura da vida da casa (entre finais do século XVI e algures entre o século XVII e XVIII) esta estrutura tenha funcionado plenamente56. No entanto, a partir desta data, quer por motivos estruturais, quer por eventual abandono e falta de manutenção da casa57, parte da zona sul/poente ruiu. Não se sabe se antes ou por via da introdução de novas

                                                            55 Sendo uma casa rural e, como veremos adiante, apenas habitada sazonalmente pelos seus senhores, a cozinha e a sala poderiam ter funcionado como divisões comuns, pelo que, a partir dessa data, por qualquer motivo que se desconhece, pode ter havido a preocupação de criar um espaço diferenciado. É de descartar a ideia de ser mais uma câmara devido à existência de um louceiro e de uma entrada completamente independente. 56 Ou, pelo menos, para isso parece ter sido erigida, não havendo certeza se alguma vez foi utilizada. 57 Deste período temporal existem alguns indícios escritos de que os proprietários não habitavam aqui, de que são exemplo escrituras associadas à construção da capela. Em 1693, António Jácome Bezerra, proprietário da quinta, morava "(...) na Rua de Santa Ana(...)", na Vila de Viana, assim como João Bezerra Jácome, em 1634, "(...) morador na vila de Vianna (...) nas cazas de morada (...) que sam na Rua das Rosas(...)". Também em 1758, o abade João de Barros nos informa que "Há nesta freguezia no Lugar da Costa (...) huma Caza antiquíssima chamada a Caza de Paredes, que de presente possuhe, e pertence a Francisco Jácome do Lago da Villa de Vianna (...)". Não sabemos se teriam existido caseiros ou alguém que cuidasse da quinta, ou lá habitasse. O que é certo é que os donos apenas usufruíam dela espaçadamente (se é que realmente o fariam). Obrigação à fábrica da capella de Nossa S.r do Rozario sitta na Frg.a da Meadella Tr.o da Villa de Vianna. Registo Geral, livro 31, fl.287 - 288, 12/12/1693. Registo da Licença para se dizer missa na Ermida da invocaçao de nossa senhora do Rozario sitta na Frg.a de Sancta Christina da Meadella no Morgado de Paredes. Registo Geral, livro 29, fl.363v.-364v, 30/08/1634 (Arquivo Distrital de Braga). Tombo Novo da Meadela, 1743 in Fernandes, A. de Almeida (1994). Meadela Histórica. Viana do Castelo : Junta de Freguesia da Meadela, 243.

fenestrações, o que é certo é que, a partir desta data, todo o canto sul/poente do paço foi abandonado, reduzindo o espaço habitacional a algumas das divisões primordiais - sala grande e câmara nascente. Também a sala grande deve ter sido afectada, já que na sua fachada sul são visíveis os remendos com um aparelho menos cuidado, e a consequente adição de um contraforte para suportar a reconstrução. Daí também, nesta fase, a mudança de janelas na sala grande.

 12. Plantas do piso térreo, primeiro e segundo (torre), tendo a terceira fase da construção da casa assinalada a preto sobre uma planta do século XX. (desenho da autora).

Não se sabe com precisão a origem do braço poente de carácter eminentemente agrícola. A única abertura datável, a do celeiro, remonta ao século XVII/XVIII. Daí não se perceber exactamente se o aparelho de pedra que parece datar, em alguns pontos, do século XVI, intercalado por outros que devem ser da época dos vãos, estava ali originalmente ou foi aproveitado das derrocadas da parte residencial.

 13. Fotos da capela de Nossa Senhora do Rosário na Quinta de Paredes, respectivamente em 1992 (foto gentilmente cedida pela ACEP Meadela) e em 2010 (foto da autora).

A capela é o único elemento datável através de documentos. Ficava no fim de uma carreira ladeada de oliveiras, entre os dois portais: o brasonado, que dava para o caminho, e o de acesso ao terreiro da casa. Tinha duas portas: a do público, virada para a carreira, e outra mais privada, de acesso ao terreiro. Era de uma arquitectura absolutamente despojada e chã. Dedicada a Nossa Senhora do Rosário, é curiosamente através dela que podemos reforçar a suspeita de que algumas zonas da casa, ruíram no século XVII. Quer fosse por falta de manutenção, abandono, ou qualquer outra catástrofe, é seguro afirmar que algures entre os anos de 1634 e 1693, a quinta entrou em estado de decadência. Se em 30 de Agosto de 1634, João Bezerra Jácome pedia licença para se dizer missa na capela "(...) que elle por sua devoçam

edeficara (...) no seu morgado de Paredes(...)"58, e que, portanto, a sua construção poderia ter sido iniciada no dealbar século XVII ou ainda em finais de XVI, a 12 de Dezembro de 1693, António Jácome Bezerra, que teria recuperado a quinta através de uma demanda judicial em 167759, edificou "(...) de novo huma capella da invocação de Nossa Senhora do Rozario na sua Quinta e Morgado de Paredes (...) a qual capella estava sitta na dita quinta e morgado e ficou de seus antepassados a qual por estar ja velha e muito arruindada com licença que tivera do Ilustrissimo Senhor Arcebispo de Braga a fizera de novo na dita quinta e morgado e melhorara de sítio (...)"60. Portanto, sabemos não só que num período de cerca de 60 anos a capela entrou em ruína, mas também que a que actualmente lá se encontra, não é a primeira, e nem sequer está implantada no mesmo lugar que a anterior que, de qualquer forma, não seria muito longe da actual, como nos diz o registo da licença para se dizer missa, pedido por João Bezerra Jácome e sua mulher Ana Barbosa de Sousa que "(...) tinham feito hua ermida de fronte das cazas da sua quinta morgado (...)"61. Dela temos notícia novamente a 3 de Janeiro de 1737, através de uma licença e provisão a favor de D. Tereza de Barros Bezerra, pedindo para se poder confessar na dita capela, porque "(...) a igreja parochial fica em grande distancia e deseja frequentar os sacramentos (...)"62. Foi talvez já no século XIX que a capela entrou definitivamente em ruína, pois já estaria assim no início do século XX, quando os últimos caseiros para lá foram, sendo lentamente despojada de tudo até aos dias de hoje, onde praticamente só restam as fachadas, e a principal já nem se encontra completa.

 14. Plantas do piso térreo e primeiro, tendo a quarta fase da construção da casa assinalada a preto sobre uma planta do século XX. (desenho da autora).

Deve ter sido também aquando da construção da segunda capela que se fechou o pátio e, provavelmente, a construção do corpo nascente, como demonstra a porta de entrada para o que era a sala no século XX, havendo o consequente alargamento da escada até ela. Teria sido igualmente, a partir desta altura, introduzido o espigueiro e a eira, a partir do início do cultivo do milho no nosso país.

                                                            58 Registo da Licença para se dizer missa na Ermida da invocaçao de nossa senhora do Rozario sitta na Frg.a de Sancta Christina da Meadella no Morgado de Paredes. Registo Geral, livro 29, fl.363v.-364v, 30/08/1634 (Arquivo Distrital de Braga). 59 Não se sabe os motivos, mas é talvez legitimo aferir que a quinta poderia estar realmente abandonada. 60 Obrigação à fábrica da capella de Nossa S.r do Rozario sitta na Frg.a da Meadella Tr.o da Villa de Vianna. Registo Geral, livro 31, fl.287 - 288, 12/12/1693 (Arquivo Distrital de Braga). 61 Registo da Licença para se dizer missa na Ermida da invocaçao de nossa senhora do Rozario sitta na Frg.a de Sancta Christina da Meadella no Morgado de Paredes. Idem, livro 29, fl.363v.-364v, 30/08/1634 (Idem). 62 Registo da Licença e provisão a favor de D. Teresa Maria de Barros Bezerra viúva de Francisco Jácome do Lago, da vila de Viana, para se confessar na capela que tem na freguesia de Meadela. Idem, livro 93, fl.213.-214v, 03/01/1737 (Idem).

 

A actual torre é um elemento difícil de datar. As suas janelas apresentam todas conversadeiras, sendo as do último piso diferentes das restantes. Por sua vez, há semelhanças entre elas e as do corpo nascente, construído provavelmente no século XVII, o que pode indicar obras na torre nessa época, provavelmente contemporâneas da capela, de forma a dignificar o conjunto por via de um elemento elevado. O aparelho é irregular no interior e apresenta remendos em varias zonas, sendo, no entanto, as fachadas sul e norte perfeitamente regulares, ainda que com aparelhos distintos uma da outra, não podendo o mesmo ser visível nas outras por se encontrarem ainda cobertas por vestígios de reboco e fungos que turvam qualquer percepção. Apenas na parede poente, sobranceira à sala, é possível observar um desfasamento do último piso da torre em relação ao de baixo, que corrobora essa mesma ideia. No entanto, parece certo que teria sido remodelada no século XVII, como o aparelho e as aberturas, por comparação com o acrescento nascente. Também o contraforte, pelo aparelho que apresenta, parece ter sido introduzido para um reforço da estabilidade da torre, e talvez por isso ela não tenha atingido grande altura, até mesmo porque, tendo a espessura das paredes cerca de 0,75m seria difícil suportar uma construção tão alta sem um reforço adicional. Não há certezas quanto à data em que foi introduzido, mas dada a diferença do aparelho em relação ao outro contraforte talvez aquando da remodelação integral da fachada sul (que a teria transformado em torre. Acaba por seguir também o que parece ser a tendência nesta região minhota, com a introdução de capelas e torres de aparato nas quintas nobres. A verdade, é que entre o Tombo Velho da Meadela, de 1540, que designa o local como herdade do paço, sem referir nenhuma torre, e a Chorographia Portugueza, de 1708, onde já se designa como "Casa Solariega, Torre e Quinta de Paredes", existe a probabilidade de esta se ter construído entre finais do século XVI e inícios do século XVIII. A partir do marido da 10ª administradora do morgado, Sebastião Correia de Sá, que apresentou uma petição ao Rei para se poder chamar Senhor de Paredes, bem como aos seus sucessores, em 21 de Janeiro de 180063, nenhuma notícia mais existe desta quinta, a não ser, obviamente, o que a memória oral dos intervenientes ainda atinge. As últimas obras realizadas na casa foram já no século XX, provavelmente a partir de 1922, aquando da mudança dos últimos caseiros para a quinta, e constam apenas de pequenas modificações espaciais já faladas no ponto acima.

                                                            63 Sebastião Correia de Sá. Carta para se poder chamar Senhor de Paredes e aos seus sucessores. Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv. 29, f. 252 - 21-01-1800 (Arquivo Nacional Torre do Tombo). É curioso verificar que Sebastião Correia de Sá, para legitimar o título de Senhor de Paredes, diz que a sua mulher é descendente de Pedro Anes de Berruta: "(...) tendo o Sr. D. Affonso Henriques antes de ser aclamado Rey duado aos Padres de S. Justo de Tojos Ortos da Ordem de Sister em Galisa o Couto e Sinhorio de Paredes na Com.ca de Vianna comprimição de o poderem trocar, doar, ou vender o vendera na Era de 300 que Pedro Annes da Baruta antepassado da Caza da Mulher do [Sup.e] D. Fran.ca Jacome de Moscozo fizera troca com os m.mos Padres dando antes hum senhorio que possuhia em Galiza e ficando com o do Couto de paredes [...] pelo decurso dos tempos e pela mudança talvez da legislação deste Reyno se [...] áquele Couto ao Termo da Villa de Vianna, não ficára aos descendentes modernos de Pedro Annes da Baruta senão a parte util do m.mo Senhorio que hera o que se conservava na Caza da referida mulher do [Sup.e] como Senhora do pred.o Pedro Annes da Barbuta pedindome fosse servido conceder-lhe a graça de se poder chamar Senhor de Paredes e igualmen.te os seus sucessores p.a unir esta honra que ja tivera a sua caza ao util que ainda tinha (...)". Não se sabe até que ponto isto é verídico, pois não foi encontrada ainda qualquer ligação deste Pedro Anes de Berruta a Fernão Gonçalves Bezerra, de quem Francisca Jácome do Lago Bezerra realmente descende. Mas está em aberto a real possibilidade de, através de linhagens que se desconhecem, a quinta tivesse passado efectivamente de um para outro.

A saída dos caseiros, por venda da quinta em 1987, a falta de utilização efectiva por parte dos novos donos (em alguns sectores, desde há muitos séculos), e a passagem fatal do acesso da A27/28 ditou a sentença de morte à casa de Paredes, transformando-a numa ruína que tende gradualmente a desaparecer. Este estudo efectua assim uma recolha exaustiva e uma síntese do que poderia ter sido a sua evolução constructiva, documentando o que pode, a curto prazo, perder-se para sempre ou, na melhor das hipóteses, alertar consciências para este tipo de património, levando à sua recuperação e reintegração no meio. A esperança mantém-se...