A Alta Sociedade Americana no Século 19

20
A ALTA SOCIEDADE AMERICANA NO SÉCULO XIX A família do magnata das ferrovias William Henry Vanderbilt pouco antes de ir à ópera. Novos-ricos como os Vanderbilt importam móveis reais europeus e inventam genealogias para ascender (pintura de Seymour Joseph Guy, 1874) Escaladores sociais se preparam para substituir a velha elite, que se defende. A atitude é a mesma hoje e sempre: desde o século XIX, em Nova York, mais e mais novos-ricos fazem parte da camada social mais alta. A rainha da sociedade, Caroline Astor, exige ostentação máximas nos bailes e outros eventos, a fim de defender a liderança das antigas famílias. Todos, menos os "quatro- centos" escolhidos pela Sra. Astor, devem ficar à distância.

Transcript of A Alta Sociedade Americana no Século 19

A ALTA SOCIEDADE AMERICANA NO SÉCULO XIX

A família do magnata das ferrovias William Henry Vanderbiltpouco antes de ir à ópera. Novos-ricos como os Vanderbiltimportam móveis reais europeus e inventam genealogias para

ascender (pintura de Seymour Joseph Guy, 1874)

Escaladores sociais se preparam para substituir a velha elite, que se defende. A atitude é a mesma hoje e sempre: desde o século XIX, em Nova York, mais e mais novos-ricos fazem parte dacamada social mais alta.

A rainha da sociedade, Caroline Astor, exige ostentação máximas nos bailes e outros eventos, a fim de defender a liderança das antigas famílias. Todos, menos os "quatro- centos" escolhidos pela Sra. Astor, devem ficar à distância.

A atacante vem do nada: de Mobile,Alabama, Estados Unidos. tem apenas30 anos, não é bonita, mas enérgica.Alva Vanderbilt não possui uma árvoregenealógica que se destaque, mas temdinheiro: seu marido é William KissamVanderbilt, neto do magnata dosnavios e trens Cornelius Vanderbilt,um peso de mais de US$ 100 milhões.Seu dinheiro é a sua arma.

Por US$ 3 milhões, os Vanderbiltconstruíram um castelo na QuintaAvenida, abarrotado de tapeçarias,afrescos de teto, janelas de vidrocolorido e um Rembrandt na sala docafé da manhã, tudo importado daFrança, peça por peça. o castelo éuma pedra para o odiado e desejadoterritório inimigo, a alta sociedadenova-iorquina.

Para os recém-chegados, a sociedade éterritório prometido e proibido. Nodecorrer do século XIiX, nasceu naterra da igualdade uma novaaristocracia. Não é uma altasociedade em sentido clássico que

rege Nova York: é um baluarte de costumes, laços familiarese valores, que sabe de sua singularidade e a preserva comtodo empenho.

Logo após a Guerra Civil, as relações de vassalagem e odireito de primogenitura foram abolidos, mas os filhos daliberdade não veem qualquer inconveniente em passar aofilho mais velho a propriedade e a posição, conformecostume feudal. E contra os newcomer, como os novos-ricosVanderbilt, os aristocratas recém-ascendidos defendem seusprivilégios até o sangue.

Mal seu castelo está pronto, admirado e comentado poramigos e inimigos, Alva Vanderbilt começa o ataque. Para ainauguração da casa em 26 de março de 1883, ela promete obaile de máscaras mais magnífico já visto por Nova York,convidando 750 pessoas com acompanhante. A data foiescolhida cuidadosamente: o tempo de quaresma acabou de

Um convite para o palácioda Sra. Astor é como umafidalguia. Sua lista seresume a 400 convidados -e, portanto, o âmbito davelha elite de nova-iorquinos (pintura deCarolus-Duran, 1890).Abaixo, uma de suas últimasresidências, no Central Park

passar, e a sociedade está ávida por diversão. E o melhor:será em uma segunda-feira, desde sempre o dia em que a Sra.Astor recebe para o baile ou para o jantar.

Sra. Caroline Astor, a rainha! Seu marido é WilliamBackhouse Astor Junior, filho de um dos homens mais ricosda América. Seu dinheiro proporcionou-lhe, há 30 anos, osmeios de subir como soberana ao paraíso da sociedade nova-iorquina - e lá ela reina, para julgar os vivos e os mortos

Os convites da Sra. Astor são comouma comenda de "Sir", suadesaprovação uma sentença de morte.Por décadas ela conseguiu manter osescaladores distantes da sociedade.Mesmo o comerciante mais bem-sucedidoda cidade, o fornecedor da altasociedade Alexander t. Stewart,

sucumbe no desprezo da Sra. Astor pela corporação docomércio. Mas os Vanderbilt construíram um palácio. E aimponência de sua arquitetura consegue o que anos de"rapapés e salumaleicums" nas antessalas dos ricos epoderosos não haviam conseguido - eles quebram o orgulho dasociedade. Por mais de seis semanas a York aristocráticaestá em polvorosa, antes do baile dos Vanderbilt. Nnoateliê do alfaiate de fantasias Lanouete, 140 empregadostrabalham dia e noite nos trajes. Eles e as costureiras dosabastados aprontam fantasias para caçadores de pele, índiossioux e vespões; cones de gelo para deusas do gelo,guarnecidos de diamantes; fantasias para rainhas e reis,para cardeais e cavaleiros.

Damas e cavalheiros ensaiam danças: toda tarde, um grupo dejovens treina a "quadrilha estrela", entre eles, CarrieAstor, a filha preferida da rainha. Mas, conforme o dia daverdade se aproxima, a jovem de 21 anos ainda não tem umconvite em mãos. "Eu nunca travei conhecimento com a jovem,nem com sua mãe", observa mordaz, Alva Vanderbilt. "Nnãoposso de modo algum recebê-la em minha casa."

A filha chora - e a mãe capitula. Caroline Astor, nacarruagem da família, dirige-se ao quartel general doinimigo na Quinta Avenida e aguarda no veículo, com sombriadignidade, enquanto um criado entrega o seu cartão devisitas. A dinastia da ferrovia, dessa forma, é aceitaoficialmente entre a sociedade nova-iorquina. Alguns

minutos após o retorno da Sra.Astor, um criado entrega o convitetão esperado para o baile de AlvaVanderbilt. A próxima segunda-feira,Caroline Astor e sua filha passarãona casa dos Vanderbilt.

Essa guerra não é travada comcanhões. Suas armas são ostras efilés-mignons, exércitos dequadrilhas e baterias de garrafas dechampanhe. Seu cenário não é o campoaberto, mas as escadarias, osparquetes e salões alinhados dospalácios na Quinta Avenida. Sua metanão é o prazer, nem a bela vida.Trata-se apenas da vitória - e doprestígio, do status, do triunfosocial.

Os vagões de trem particulares, osiates de US$ 500 mil com móveis àLuis XIiV, os casacos de focas, quecustam o rendimento anual de umafamília de classe média, osautomóveis, que entram na moda nofinal daquele século, os palácios deverão do tamanho de hotéis no balneário Newport, em RhodeIisland - todos esses bens não são produtos de prazer, masetapas na batalha por reconhecimento. Mesmo os esforçosbeneficentes da elite, a biblioteca pública de John JacobAstor, a universidade dos Vanderbilt, em Nashville, ou asdoações dos ricos para o Metropolitan Museum of Art,fundado em 1870, servem principalmente para marcar afronteira contra a plebe sem cultura.

"A razão que se encontra verdadeiramente na raiz dapropriedade é a concorrência ou a rivalidade", escreve em1899, no auge dessa época histérica, o professor deeconomia da Universidade de Chicago, Thorstein Veblen.Entre os caçadores e os colecionadores, a propriedade já émais símbolo do que utilidade - "sinal da supremacia doproprietário sobre outros membros do grupo". tudo que ohomem faz, ele o faz para o seu prestígio: mais do quedesfrutar, ele quer ser invejado.

Palácios dos Médici, castelosingleses e construçõesfrancesas renascentistasservem de modelo. Em 1883,Alva e William Vanderbilt(acima, sua irmã Margaret,por John Singer Sargent,1888) convidam para o novocastelo na Quinta Avenida(abaixo)

Na noite do evento, às dez e meia, uma hora antes do iníciodo baile, chegam os primeiros convidados de AlvaVanderbilt. Centenas de pessoas olham a chegada dascarruagens. Criados de calções e perucas empoadas recebemos visitantes, moças em trajes de camponesas estão a seuserviço. o luxo atinge os convidados como fogo deartilharia - os móveis pesados, as enormes pinturas, osgrossos tapetes e armaduras de cavaleiros. os salões comquase dez metros de pé-direito, os assoalhos de carvalhopolido, a lareira Renaissance.

Tudo aqui respira o pesado perfume da monarquia. Em umsalão em estilo francês antigo, um criado chama todos osnomes. Ao lado do senhor da casa, vestido de acordo com umaantiga pintura de sua própria coleção, com meia-calçaclara, gibão amarelo e capa de veludo com bordado dourado,está a senhora da casa - embaixo de um retrato seu emtamanho natural - fantasiada em brocado branco e amarelo deprincesa de Veneza, e usando um colar de pérolas quepertenceu à Catarina, a Grande.

Às onze e meia começa a dança. Apresentam-se váriasquadrilhas, como a quadrilha da porcelana Meissner, quandoas damas e os cavalheiros usam trajes brancos como nostempos de Frederico, o Grande, perucas brancas e narcisosbrancos na lapela. Depois da quadrilha, seguem valsa epolca, a gavota, e finalmente, a ceia, no andar superior,no "ginásio" de dois andares de altura. Lá os convidadospodem admirar os mares de flores - e principalmente um fatoinformado com ênfase, de que as rosas custaram US$ 2 aunidade, o dobro pago geralmente pela Sra. Astor.

Às seis horas da manhã, Alva Vanderbilt convida para aúltima dança. os custos do espetáculo são calculados em atéUS$ 250 mil. Mas valeu o seu preço. Mal chegou em casa, atoda poderosa Sra. Astor coloca os Vanderbilt em sua listade convidados para o próximo baile.

Os Astor também já foram principiantes, toscos e semqualquer noção de etiqueta social: John Jacob, por exemplo,o fundador da dinastia, havia emigrado em 1784 da cidade deWalldorf, em Baden, Alemanha, para Nova York, com US$ 25 nobolso. Nno decorrer de 50 anos, conseguiu juntar por meiode negócios de pele fraudulentos, bem como pela propriedadede favelas, as mais indignas de um ser humano no mundoocidental, a fortuna de US$ 20 milhões. Também os seus

modos não eram nada aristocráticos: convidado parajantares, ele comia ervilhas e sorvete com a faca.

Mas os seus descendentes aprenderam as boas maneiras, quelhes permitem manter a plebe à distância. E isso éextremamente necessário, pois na época da Guerra Civil,dinheiro novo e selvagem jorrou para dentro da cidade. Eleflui pelos corredores das duas bolsas, faz os créditos nosbancos de Nova York quase triplicar num prazo de três anos,se acumula nos cofres dos barões do aço, dos condes docarvão e dos duques do trigo. os multimilionários sãocarregados em suas ondas, e têm tudo - exceto oreconhecimento da sociedade, que passeia pela Broadway emforma de seda, cetim e rendas nos corpos das damas.

A fortuna de US$ 1 milhão é tida como "pobreza respeitável"

Não é o luxo, mas a concorrência que impele os ricos. Um dosmaiores iates particulares do mundo pertence ao editor nova-iorquino James Bennet (à esquerda): vaca a bordo providencialeite fresco para todos (pintura de Julius LeBlanc Stewart,

1890)

Por um momento, a cidade urra de prazer, de expectativa ede sofreguidão. Seiscentos bailes aquecem a temporada deinverno de 1865/66. Jogadores, bandidos e proprietários debordéis, vigaristas e impostores se misturam às pessoas acaminho da igreja ou a passear no Central Park.

Esposas de especuladores e rainhas da imprensa fazemcompras na tiffany e mandam os filhos para a Academia deDança de Allen Dodworth - como se fosse possível comprardistinção.

Do alto de seu status, a elite tradicional observa essascontorções. Ela chama esses ambiciosos novos-ricosarrivistas de "escaladores" - pois a subida aos auges doreconhecimento é longa, pedregosa e constantemente ameaçada

de queda. Presunçosos, os novatos jogam o charme de suasfilhas ou o seu poder na Wall Street no campo de batalhapara forçar o acesso - e cobrá-lo. Hhumilhação apóshumilhação.

A esposa de um magnata das minas de prata, por exemplo, queapós muita pressão segura nas mãos um convite para umanoite de gala na Washington Square, que lhe foi dado acontragosto, se põe a caminho, nessa grande noite, certa desua vitória. Mas ao chegar ao palácio iluminado, recebendoos convidados, a anfitriã manda dizer que não está. Umcriado lhe impede o acesso, afirmando simplesmente que asenhora da casa infelizmente não está presente: "Eu lheentregarei seu cartão de visitas".

Uma experiência humilhante, como legiões de novos-ricos têmde suportar. A escritora Edith Wharton, como filha da altaroda, cronista celebrada e difamadora da própria estirpe aomesmo tempo, descreve exemplarmente em seu romance Thecustom of the country, como uma lady da Quinta Avenida,abençoada com todos os bens terrenos, choradesesperadamente porque não recebe um convite para um sarauna casa de uma dama da sociedade.

Os heróis nos romances de Edith Wharton são mulheres.Afinal, são elas que, a serviço de seus maridos, decidem osduelos de todas as escaramuças de status e dominam oscampos de batalha com lustres reluzentes: os salões dejantar, de baile, de reuniões. Somente elas têm tempo paraaquilo que o economista Veblen descreve com o conceito"ócio representativo": a ocupação da mulher com coisassupérfluas - como legitimação do poder do marido, que podese dar ao luxo disso.

É que nas altas rodas nova-iorquinas as ladies não têmmuito que fazer, pois a educação das crianças fica a cargoda governanta, o serviço doméstico, da camareira irlandesae a cozinha, sob o comando de criados e cozinheiras. Assim,o trabalho das mulheres neo-aristocratas é principalmenteum só: desperdício no suor de seus rostos.

É uma disputa ritual como o potlatch dos índios doNnoroeste americano, cujos caciques costumam "combater-se"com grandes presentes e que, às vezes, destruíam tambémpropositadamente os próprios bens, como canoas, alimentos eescravos, como forma de demonstração de abundância e para

assim humilhar os oponentes. "Cada mulher depende de simesma", descreve as regras a Sra. Astor. "E procuraeliminar as outras com ostentação esbanjadora eextravagância doida." A pressão de acompanhar os outrosimpele o luxo a alturas estonteantes.

O crescimento dos palácios da cidade em direção ao norte,ao longo da Quinta Avenida, é incessante. Dizem que umjogador necessita de US$ 50 milhões para poder permanecernesse poker das vaidades. A família Vanderbilt não temequalquer despesa: 13 endereços da Quinta Avenida são suasresidências, uma após a outra. Cada joia mais suntuosa quea anterior, mais inglesa, mais parisiense, maisaristocrática.

Para milhões de pessoas, a metrópole no Rio Hudson se transforma em oportunidade

"Dêem-me seus cansados, seus pobres, suas massas exaustas queanseiam por respirar liberdade" é o que está escrito na Estátuada Liberdade, erguida em 1886 em Nova York. E as massas vêm:

para cinco milhões de imigrantes, que chegam na segunda metadedo século XIX, a metrópole no Rio Hudson em busca de

oportunidades. Impulsionados por uma vontade ferrenha desobreviver, com o fim da Guerra Civil Americana em 1865, osnovos cidadãos e os nativos desencadeiam uma dinâmica única,marcada pelas forças rudes do capitalismo (foto por volta de

1900)

E mais eclética: sem pudor, as casasemprestam seu charme confuso dospalácios de doges e de vilas dosMédici, de castelos britânicos eserralhos bizantinos, do gótico,barroco e rococó. A residência deCornelius Vanderbilt II e de suamulher, entre as ruas 57 e 58, é umamálgama dos castelos franceses deVersailles, Fontainebleau e estilovitoriano, com torrezinhas e portõesem arco, e um acesso semicircularpara carruagens. Os interiores estãoabarrotados de todos os países -salões turcos, egípcios, chineses egregos, recheados de bibelôs.

São os jornais para as massas quecomeçam a surgir, que enfiam oespinho do desejo ainda mais fundona carne dos excluídos. o folhetimde fofocas semanal Town Topics, porexemplo, compra de mordomos,

cocheiros, camareiras e empregados de escritórios detelégrafo os boatos sobre mulheres infiéis, maridosviciados em jogo e crianças bastardas - e colhe entre osgrandes da sociedade o suborno de cinco dígitos para o"cala-boca".

Nas lojas de moda masculina, os correspondentes da towntopics ficam à espreita e observam, por exemplo, o peso-pesado da bolsa, George Jay Gould, comprando "a mais finalingerie a US$ 20 o par" nas cores "branco-pérola, azul,rosa e creme."

Os espectadores das guerras de status se esforçam parapoder chegar o mais perto possível desse cenário. Existemlegiões de senhoras que, cheias de nostalgia por brilho,estudam diariamente a "yellow press". Há turistas subindo e

No verão, os ricos vão paraseus palácios em Newport,Rhode Island (abaixo, aresidência "The Elms", dobarão do carvão EdwardBerwind). Também HelenManice, filha de advogado,faz parte da sociedade(pintura de John WhiteAlexander, 1895)

descendo pela Quinta Avenida e pela Broadway, peregrinando,cheios de expectativa e dedicação; curiosos que seaglomeram nas calçadas diante da ópera, em noites de gala;ainda os que esperam por comensais abastados diante dasjanelas do restaurante Delmonico's, ou que se empoleiram emtúmulos para poder dar uma olhada nos participantesilustres do funeral.

Escaladores estudam o estilo de vidados grandes como se fossem lendas desantos. É uma espécie de mágica, deum feitiço de caça pré-histórico: secopiarmos exatamente as vestimentas,as danças e os modos daqueles que têmsucesso, teremos tanto sucesso quantoeles. Os newcomer se esforçam em

entender e seguir o livro de regras da aristocracia. Elespagam alfaiates para que lhes deem dicas de roupas - egenealogistas autoproclamados para elaborar árvoresgenealógicas, em cuja raiz se encontre Guilherme, oConquistador, do século XI.

Eles têm aulas de conversação com senhoras da alta roda queempobreceram, aulas de francês e lições de etiqueta. Elestrocam dicas na bolsa por convites para noites de segundaclasse, nas quais só os aguarda escárnio - e então seperguntam, às vezes, se todo esse esforço vale a pena:"Nnão é estranho", resume uma das concorrentes à ascensãosocial, num momento de lucidez, "como nós nos esforçamospara atingir um mundo que, afinal, nem é tão divertido?".Pois a vida da "classe ociosa", como Veblen a denomina, nãoé nenhum divertimento. É uma correria ter de fazer contatosconstantemente - e, simultaneamente, evitar todo aquelecuja posição social pudesse parecer contagiante. Hhá temposjá que um menu selecionado não é mais suficiente paramanter a elite motivada. Convidados caros são atraídos compequenos presentes: grampos valiosos para a dama,cortadores de charutos em ouro para o cavalheiro. Umanfitrião manda enrolar os charutos da digestão em notas deUS$ 100 recém-impressas.

Para o baile de debutantes de suafilha, Alice Gwynne Vanderbilt doaestojos de cigarros de ouro e lequesno valor de US$ 10 mil. Um anfitriãodecora sua recepção com centenas deaves canoras em gaiolas douradas eum lago artificial, no qual deslizamquatro cisnes vivos.

Nada mais do que "dinheiro,preocupação e azia é essa mania derecepções", geme uma estrategista dejantares, esgotada. E também aincansável Alva Vanderbilt tem seusmomentos de exaustão: nenhumaatividade feminina, disse ela certavez, seria "tão estafante para asreservas psíquicas quanto o papel deliderança na sociedade."

Pois cada um dos prazeres serveapenas para ser visto. Assim, tambémos jantares da Sra. Astor são maisencenação do que "delícias dopaladar": a sala de jantar decarvalho antigo, as tapeçariascaras, os candelabros de ouro - e nos tetos, afrescosflorais com o monograma dos Astor no centro. Criados delibré trazem as iguarias em pratos dourados: uma orquestratoca, escondida atrás de palmeiras.

As mesas estão cobertas com toalhas vindas de Paris, cujopreço basta para uma família de classe média viver por umano; em cima delas, rosas "gloire de Paris", flores demaçãs, azaleias, e, muito importante, um mar de orquídeas:"Como são as flores mais caras", Ward NncAllister, o mestrede cerimônias da Sra. Astor, determinou que "deve haverorquídeas em profusão."

São Alpes - na verdade Hhimalaias - que se erguem nospratos dourados: tartarugas e filés-mignons, patos eperdizes trufadas, codornas e foie gras, guarnecidos defrutas vindas das estufas de todas as estações.

Com modos perfeitos e o ar da corte da velha Europa, oscriados circulam entre as mesas - vestidos com jaquetas

No ano de 1888, BenjaminCurtis Porter faz o retrato deEmily, filha dos Vanderbilt.O clã luta também no localde veraneio por seu status:em 1895 a residência "TheBreakers" está pronta - com70 aposentos, o maiorpalácio do balneário deNewport

verdes de pelúcia, calças brancas até os joelhos, meias deseda pretas, fivelas de cinto douradas e coletes vermelhosde veludo cotelê. E na cabeceira da mesa reina a rainha,ornada de joias no valor total de mais de US$ 1 milhão,coroada com uma peruca majestosa e um diadema, que às vezesorna com estrelas cintilantes e pássaros de pedraspreciosas. Em torno de seu pescoço caem cascatas dediamantes. Um corpete brilhante amarra seu torso, tendopertencido anteriormente a Maria Antonieta. Suas costasestão cravadas de gemas preciosas, e com compostura estoicaela procura evitar que as pedras lhe entrem e cortem apele, ao sentar.

Pois ninguém está sentado aqui para se divertir. Ainsipidez das conversas à mesa é lendária. Iintelectuais,músicos, artistas e outrosintegrantes da "fauna colorida" sãoindesejados nos salões da altasociedade. As conversaçõesenfadonhas só deixam uma saída: gulaferrenha. Mas, ao mesmo tempo, éobrigação permanecer magro para, quem sabe, acompanhar aSra. Astor sentado a seu lado no divã, do qual ela observaos bailes: foi intimidante o caso daquela matrona, à qual arainha negou o lugar de honra a seu lado, por causa deexcessiva obesidade.

Costumes soltos também podem custar a cabeça. Uma simplespalavra como "calça", que remete ao baixo ventre, é tabupara um cavalheiro. Uma dama da sociedade, que trouxe daEuropa uma coleção de esculturas clássicas, se vê obrigadapela opinião pública a velar as partes íntimas dasdivindades com lenços.

"Nós somos tão decentes", comenta um cavalheiro, "queenrolamos cortinados em torno das pernas de nossos pianos".Mas o símbolo mais profundo dessa batalha ferrenha pelopasso certo é a dança. Ela é código, regulamento,disciplina - não se trata de diversão para preguiçosos, mastotal mobilização física para o balanço social que seexpressa no fato de ter dançado com o maior número possívelde parceiros.

A elegância do Mundo Velho é o exemplo em salas e salões

No jantar, na dança ou no chá das cinco, a elite estáconstantemente em busca da conexão certa. Nada mais do que

"dinheiro, preocupação e azia é essa mania de recepções", gemeuma dama da sociedade nova-iorquina (pintura de Julius LeBalanc

Stewart, 1883)

Principalmente o cotillon, uma manobra orquestrada com acomplexidade de um avanço da infantaria, é, como assegura oproprietário da academia de danças mais elegante da cidade,"a dança representativa da civilização moderna". Ela ensinavirtudes como atenção, pontualidade, discrição, obediência,além de "a disposição de sacrificar um breve prazerpessoal." Resumindo: sociedade é, como lamenta umobservador, "responsabilidade, da qual não existeafrouxamento; passatempo que não traz lazer."

Capataz desse trabalho escravo é o mordomo-mor da Sra.Astor, Ward McAllister, ou apenas "Mc", como o chamam. Eleandou pela Europa toda para aprender com duques, condes eum dos cozinheiros da Rainha Vitória a nobre arte do bemreceber. "ter sucesso como anfitrião é a escada para o

sucesso na sociedade", é um de seus lemas. E também: "Umafortuna de US$ 1 milhão é apenas pobreza respeitável".

Seu sentido para "viver a vida inglesa em perfeição",adquirido a duras penas, tornam-no em carrasco ideal doestilo de vida: pois a elite da América não conhece nadamais elevado do que manter a plebe à distância com estiloeuropeu. Os jantares e bailes organizados por McAllisterpara os reis de Nova York fazem dele, em pouco tempo, umhomem indispensável. Em 1872 ele encontra Sra. Astor - ereconhece imediatamente seu valor como figura de proa dasociedade. Sua origem, sua aparência imponente, envolta emvestidos do costureiro parisiense Worth, e sua ambição apredestinam ao papel de Grande Dama.

Além disso, seu marido rico, mas constantemente ausente,lhe garante total liberdade de movimento: diante dastorturas das maratonas de festas, ele foge para a Europa,para a Flórida ou para seu iate Ambassadress, o maior domundo. "O ar marinho lhe faz tão bem", diz a Sra. Astorpara desculpar a ausência do marido com amargacondescendência.

Com essa protetora a seu lado, McAllister consegue realizarseu maior feito em 1872: a fundação da Patriarchs - umasociedade dançante cuidadosamente selecionada para aquelesnova-iorquinos que, segundo seu julgamento, têm o direito eo dever de "controlar, dirigir e impulsionar a sociedade,bem como receber ou excluir pessoas à sua vontade". Suameta declarada é manter às portas da sociedade"aproveitadores", "malcriados" e "gente com nada, a não serdinheiro". Cada um dos 25 "patriarcas" pode convidar quatrodamas e cinco cavalheiros para o baile - e se um dosconvidados vier a se revelar como inadequado, McAllisterameaça o próprio responsável pelo convite com ignomíniasocial.

Dessa forma, ele dá à sociedade seu sentido econômico:transforma-a numa firma capitalista com identidadecorporativa, metas empresariais e agressiva suplantação daconcorrência. Sob sua direção, o salão de baile dos Astortorna-se recipiente e fronteira para a alta roda. O salãocomporta 400 convidados, o exato tamanho da elite de NovaYork, diz McAllister ao New York Tribune. Por anos nãorevela nomes, até que, por ocasião de um dos bailes anuaisda Sra. Astor, finalmente o resolver fazer - para deleite

dos assim elevados à nobreza. E para horror dos excluídos,como o magnata da ferrovia Collis P. Huntington, queoferece imediatamente US$ 9 mil a McAllister, para tentarobter acesso ao círculo dos "quatrocentos".

Pois o mundo dos escorraçados é o inferno do nada, daabsoluta insignificância. Judeus, negros e católicos têm oacesso à sociedade negado de qualquer jeito. Mas mesmo quemé convidado pela Sra. Astor, mas depois a desaponta porqualquer razão, é banido para esse purgatório por tantotempo, até que venha de joelhos pedir perdão. Aos exiladosnão resta outra coisa, a não ser inaugurar seu próprioparaíso. E finalmente, é no terreno da posse ancestral daaristocracia que os excluídos conseguem uma vitória épica:a ópera. A sociedade nova-iorquina adora a ópera - pois écara, tem cunho europeu e é um evento em que se pode servisto de qualquer lugar. verdadeiro aristocrata apareceatrasado, depois do jantar. Recebe no intervalo, naantecâmara de seu camarote, especialmente decorado comdivãs para esse fim - e se retira do templo das musas logoa seguir, para evitar o final trágico ("a society nãoaprecia cenas de morte", dizem) e chegar ainda pontualmentepara o próximo convite da noite. A ida à ópera, escreve umobservador pragmático, é a pausa de digestão entre jantar ebaile.

Em 1880, a Academy of Music é a única casa de ópera nacidade - e tão exclusiva, que um escalador como WilliamHhenry Vanderbilt oferece em vão US$ 30 mil por umcamarote. Mas Vanderbilt não se deixa intimidar. Com oauxílio de outros multimilionários excluídos, como WilliamRockefeller e William C. Whitney, constrói na Broadway,entre as ruas 39 e 40, uma "contraópera".

O terreno custa US$ 600 mil, e meio milhão o novo edifício,mas isso deve valer um camarote seguro. Em 22 de outubro de1883, o Metropolitan opera abre com o "Fausto", de Gounod.A nova casa de ópera é um sucesso imediato. Mas o grandetriunfo está no fato de a Sra. Astor desistir de seucamarote na antiga ópera, a fim de alugar um noMetropolitan. Como de costume, chega atrasada aoespetáculo, "explodindo no fogo de centenas de diamantes",como escreve um observador.

Embora o Dramatic Mirror escreva que a presença dosescaladores da estirpe dos Vanderbilt tenha "perfumado o ar

com o cheiro de notas de dólares frescas", a noite é umgolpe audaz e cheio de sucesso: o poder sobre a sociedadepertence agora ao dinheiro novo. o moral da aristocraciaestá abalado. A posição da Sra. Astor deixa também de serindiscutível. William Waldorf Astor, um sobrinho de seumarido, exerce uma tentativa de "golpe de estado", em 1890,pois sua esposa Mary colocou na cabeça que deverá ser,doravante, a soberana da sociedade de Nnova York.

Para defender seu monopólio, Caroline Astor manda imprimircartões de visita, nos quais ela usa apenas um único nome,como uma deusa: "Sra. Astor", nenhuma sílaba a mais.William Waldorf Astor se vinga com seu hotel de 11 andares,o "Waldorf", que ele constrói no terreno vizinho de suatia, na Quinta Avenida.

Sra. Astor não admite isso e muda. Em seu terreno, seufilho Jack erige, logo após, o "Astoria". tem cinco andaresa mais que o "Waldorf" e uma decoração ainda mais opulenta.Mas, logo em seguida, volta a reinar a paz entre os doisproprietários de hotéis: eles unem ambos os edifícios noandar térreo, como o "Waldorf-Astoria", de 1.300 quartos(que mais tarde é demolido e re-erguido maior e com maispompa na Park Avenue).

E é exatamente esse hotel de luxo que, em 1897, se torna opalco para a ruína da reputação da high society de NovaYork. É um ano negro: o mundo além da Quinta Avenidaencontra-se nas "dores de parto" de uma profunda depressão,mais de um entre 10 americanos não tem emprego, e nas ruasde Nova York, os sem-teto fazem fila diante das cozinhas dedistribuição de sopas.

Cornelia Martin, esposa de um industrial, tem a ideia deorganizar nos salões do "Waldorf" um baile de máscaras, deuma suntuosidade nunca vista - com a intenção declarada "dedar novo alento ao comércio" e, dessa forma, ativar aconjuntura.

Os Martins têm pouco apoio para o seu plano humanitário. Háameaças de bombas e protestos irados, os jornais se queixamdessa "extravagância", e clérigos advertem que, com umaostentação de luxo dessa magnitude, "o abismo crescente quesepara ricos dos pobres" será desnecessariamente tornadovisível.

A gerência do "Waldorf", com medo de manifestantes, mandapregar tábuas diante das janelas dos dois primeirosandares; aproximadamente 200 policiais fazem a segurançanas imediações do prédio.

Os Martins aparecem com guarda-costas; a banda dos US-Marines começa a tocar para a dança. É uma dança em cima deum vulcão, isso já é sinalizado pelas fantasias. Muitosconvidados se vestiram como figuras da corte da França pré-revolucionária: pelo menos dez Madames Pompadour, diversasMarias Antonietas, bem como quase cem cópias de rapapés dacorte e cortesãs tropeçam pelos salões, atrapalhados pelasespadas e embriagados de vinho, conhaque, uísque e oconteúdo de 60 caixas do mais caro champanhe que se podecomprar na América. o resultado do investimento monstruosoé uma terrível ressaca.

Uma nuvem de mau humor e tédio escurece nas semanasseguintes o brilho da society. "Meio milhão de dólares paralantejoulas e flores" teriam sido esbanjados pelos "reis dafantasia e as pseudo-rainhas", escreve um comentarista. Eestes não tiveram nem a metade da diversão que teriam meiadúzia de rapazes no concurso de tirar a palha do milho.

De caminho de pedras amelhor endereço

E para coroar tudo, osvereadores da cidadeduplicam após esseexcesso, os impostos sobreos bens dos Martins.Magoados em seus impulsosbeneficentes, o casalvende sua propriedade emNova York e se muda para aInglaterra. Também opedestal de Caroline Astorcontinua desmoronando. Oataque mais pesado vem da Sra. Stuyvesant Fish,proprietária de um palácio de milhões na esquina da Rua 78com a Madison Avenue. Ela mandou instalar um salão de bailecom a ordem expressa de que lá "uma pessoa de família baixadeverá sentir-se mal".

Até a década de 40 do século XIX, a QuintaAvenida era uma rua de terra, emolduradapor barracos. Então os antigos e os novos-ricos se mudaram para cá e transformaram arua no melhor endereço de Nova York (fotosde 1914)

A Sra. Stuyvesant Fish não se contenta em recepcionar seusconvidados - ela faz de tudo para assombrá-los. Em seusjantares se apresentam comediantes da Broadway, estrelas doVaudeville e palhaços femininos. Ela contrata músicos deragtime e meninas que dançam em gaiolas cheias de flores,que, por sua vez, estão nos ombros nus de carregadoresnegros.

Em suas festas, elefantes distribuem nas trombas amendoins,e convidados, a mando da anfitriã, devem conversar emlinguagem de criancinhas. Meninos fantasiados de gatosassustam as damas com camundongos brancos vivos; cães decolo, enfeitados com diamantes, comem da mais finaporcelana, até que um deles desmaie, por estar empanturradodemais.

A Sra. Astor não se diverte. Ela sibila desdenhosamente,feito serpente, contra a "tropa de circo" de suaconcorrente. Ela própria, "para a diversão segundo o bomcostume" - manda informar - confia "na conversação de seusconvidados". Claro é que muitas damas se empenham em tomaro seu lugar - mas ela espera que sua influência baste paratornar impossíveis "os métodos indignos" que "certasmulheres de Nova York aplicam para atrair um séquito."

Mas não há o que negar: o domínio da Sra. Astor estápróximo do fim. Para seu último baile no ano de 1904, aos75 anos, ela convida 1.200 pessoas - "até a periferia daperiferia da sociedade", segundo a manchete cheia deassombro de um jornal. Acabada e enrugada, enterrada porjoias, ela reina por um tempo sobre a cena. Em seguida, seretira, esgotada - e entrega o campo aos convidadosdesenfreados, que despejam vinho nos sofás, sapateiam emcima de caviar, jogado nos tapetes, acendem fósforosriscados nos quadros e carregando como lembrança o que lhesagrada.

Após um colapso nervoso no ano de 1906, a Sra. Astor seretira definitivamente para as paragens da fantasia. Comsua secretária social, ela continua fazendo listas deconvidados, sequências de cardápios, manda colocar convitesnos envelopes - mas, por ordem de seu médico, os convitesnunca são enviados, as encomendas de flores não são feitas,os planos de menus são descartados. Às tardes, como decostume, acompanhada por enfermeiros em traje civil,

passeia de carruagem pelo Central Park e acena jovialmentepara conhecidos imaginários.

Em outubro de 1908, aos 78 anos, morre a Sra. CarolineAstor. Com ela, também é levada ao sepulcro a elite dosquatrocentos: há tempos que a sociedade está incuravelmenteinchada, fora dos limites, desfeita em grupos ou facções.Alva Vanderbilt, sua velha concorrente, após a morte dosegundo marido, abandonou Nova York e viaja pela Europa.

Ao funeral da Sra. Astor comparecem 2 mil pessoas - cincovezes mais que aqueles quatrocentos, dos quais seconstituía a sua Nova York.