Post on 30-Jan-2023
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Agradecimentos
A Deus, por tudo o que não precisa ser dito.
À Espiritualidade, pela presença e confiança.
À minha família, minhas belas Luise, Lia e Nívea, pela
inspiração e apoio.
A todos os membros da Cialemarte (Cia. Leopoldo Machado de
Arte Espírita), os de ontem e os de sempre, meu local de pesquisa e
aprendizado constantes no terreno da arte.
Aos amados da Irmandade Espírita José da Luz, meu segundo
lar onde comecei a pisar nos palcos.
Aos amigos da Abrarte (Associação Brasileira de Artistas
Espíritas), que me fazem sentir menos solitário.
E finalmente a você, por tudo que ainda vai me ensinar.
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De todas as espécies de propaganda do
Espiritismo que temos feito e que se podem
fazer, a Arte a serviço da Doutrina é a mais
bela. É a que mais atrai gregos e troianos. E,
das artes, o Teatro tem destacado lugar.
LEOPOLDO MACHADO
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APRESENTAÇÃO
Acompanhei de perto a trajetória de Glaucio na feitura deste
trabalho, por ocasião da sua inserção no concurso promovido pelo
ICEB (Instituto de Cultura Espírita do Brasil), cujo fundador é o
criterioso, ponderado e sábio, Deolindo Amorim.
Durante alguns encontros pudemos trocar impressões,
compartilhar dúvidas, reunir alguma bibliografia, além daquela que
Glaucio já possuía, de modo que o seu trabalho fosse tomando uma
feição.
Na verdade, sua monografia já possuía um formato, o que
fizemos juntos foi apenas ler os rascunhos e adicionar mais citações,
analisando se havia ou não coerência com o pensamento espírita.
Todo o mérito deve-se a ele mesmo como autor, pois, leu,
estudou, refletiu, anotou e alcançou com êxito seu objetivo. Tanto que
este trabalho recebeu a premiação máxima.
Em todos os instantes das nossas conversas me deparei com
alguém aberto e disposto a rever o que fosse necessário, embora
soubesse desde o início o que desejava fazer e onde queria chegar.
O assunto naturalmente não se encontra esgotado, não se trata
do estado da arte, como se diz no meio acadêmico, nem Glaucio teve
semelhante pretensão, mas de uma contribuição significativa para
pensarmos com mais vagar e cuidado as questões relacionadas com a
arte espírita.
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Fico feliz que este trabalho tenha saído da gaveta e ganhe, agora,
o formato de livro. Que ele possa ensejar ao seu autor e a todos nós,
reflexões, consultas e aprofundamentos nesta temática ainda tão pouco
explorada, desdobrada e ao mesmo tempo tão importante em nosso
movimento doutrinário, a temática do Teatro Espírita.
Cezar Braga Said
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EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA
O presente texto talvez chegue ao público com um atraso muito
maior do que o que seu autor desejava quando o escreveu, mas
certamente foi um atraso providencial tanto para o texto quanto para o
autor amadurecerem.
Foi no ano de 2001 que o ICEB (Instituto de Cultura Espírita
do Brasil) promoveu seu primeiro concurso de monografias entre as
mocidades espíritas do Brasil, instituindo assim o Prêmio Deolindo
Amorim. Eu era então um jovem trabalhador espírita com toda a
empáfia de meus vinte e poucos anos, mesmo assim tive sérias dúvidas
sobre se deveria participar daquele concurso, pois não me julgava
preparado para tal. Mas o incentivo vinha de diversas pessoas queridas
que muito me animaram, em especial de três espíritos a quem sou
eternamente grato: Ricardo Rodrigues da Rocha, que anos antes me
presenteara com o livro "A dramaturgia espírita", com o qual comecei
meus estudos mais sérios sobre as relações entre Arte e Espiritismo;
Ana Maria dos Santos (Tia Ana), com quem aprendi muito sobre a
vivência nos palcos e a direção de elencos; Nivaldo de Oliveira
Cardoso, a quem na presente experiência carnal eu tive a felicidade e a
honra de chamar de pai e quem foi o responsável direto por minha
paixão pelas artes.
Um quarto espírito amado ainda se juntaria aos três primeiros.
Já decidido a participar do concurso, percebi que me faltava a
experiência e o conhecimento necessários para a pesquisa e redação do
texto; foi assim que busquei a orientação sábia e segura do amigo Cezar
Braga Said, que em grande parte foi o responsável pela organização do
material que apresentei à comissão organizadora do concurso.
Após a entrega dos originais, veio aquele período de ansiedade.
Ao final de alguns meses a surpresa: meu despretensioso trabalho fora
laureado com o primeiro lugar! Eu não podia caber em mim de tamanha
felicidade. Após a cerimônia de premiação na sede da então USEERJ
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(hoje CEERJ), eu e meu pai conversávamos quando ele disse: “Não
deixe que o sucesso de hoje te suba à cabeça, pois o mérito maior é da
espiritualidade”, era uma das pérolas de sabedoria que aquele homem
me legaria para a presente encarnação, e completou: “Daqui há uns dez
anos você vai reler este trabalho e perceber todos os equívocos e
lacunas dele e se perguntará como puderam de premiar.” Menos de um
ano depois meu pai retornava à Pátria Espiritual.
Os anos passaram sem que o texto viesse à lume e deixei-o um
tanto de lado, distribuindo-o via internet para alguns estudiosos e
amigos interessados no tema. Finalmente resolvi fazer uma releitura
daquele material e o resultado é o que se segue. O material original foi
bastante modificado, com a reescrita de alguns pontos, a adição de
outros e a supressão de outros tantos. Havia novas ideias,
conhecimentos novos e experiências que mudaram em grande medida
minha visão sobre o Teatro Espírita.
E agora penso: não é que meu velho estava certo?
Muita paz.
Verão de 2012
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INTRODUÇÃO
É inegável o avanço da Doutrina Espírita não só em terras
brasileiras como em diversos países ao redor do mundo. A cada ano o
Espiritismo é mais e mais procurado por aqueles que buscam conforto
ou conhecimento. É necessário, portanto, que os espíritas se ocupem da
divulgação doutrinária para levar, de maneira correta e eficaz, a Boa
Nova a um número maior de pessoas.
No trabalho de divulgação Espírita junto ao público não-espírita,
a arte merece especial atenção por ser o meio pelo qual melhor se
penetra o intelecto de cada indivíduo, uma vez que a arte não conhece
barreiras de cor, sexo, religião ou nacionalidade.
Ousamos dizer que, dentre as artes, o Teatro é a mais completa
por ter a capacidade de assimilar elementos da música, da poesia, das
artes plásticas, dança e até mesmo os recursos tecnológicos da televisão
e cinema.
Consultando a vasta bibliografia espírita, no entanto, nota-se que
há uma deficiência de livros que tratem da arte sob a ótica espírita; nos
poucos existentes, ao teatro são reservados os menores capítulos, que
não satisfazem a sede daqueles que se interessam pelo assunto. Livros
específicos sobre Teatro Espírita são ainda mais raros, podendo contar-
se nos dedos. Eis a razão de ser do presente trabalho.
Aqui iremos conversar não só a respeito da importância do
Teatro na divulgação do Espiritismo, mas também, e principalmente,
dos elementos pelos quais ele se faz importante como arte.
Em toda a argumentação procurou-se fugir a citações já
referendadas em outros trabalhos; achou-se melhor levantar
questionamentos e procurar caminhos novos para o Teatro Espírita, o
que deu um caráter muito mais de debate que da simples exposição de
idéias.
Pode-se dizer que o assunto tomou vida própria, não é trabalho
morto; seus méritos devem-se em grande parte aos amigos da
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espiritualidade, que com certeza, estiveram ao nosso lado para a
concretização do presente projeto. Assumo a responsabilidade pelas
falhas e/ou lacunas por ventura existentes.
Deixemos de lado as considerações que separam o leitor do
texto, agradecendo desde já a atenção que lhe for dispensada.
Muita Paz.
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HÁ UM TEATRO ESPÍRITA?
Assim como a Arte cristã sucedeu a Arte pagã,
transformando-a, a Arte espírita será o
complemento e a transformação da Arte cristã.
Allan Kardec
É necessário, de início, que se questione a existência ou não de
um Teatro Espírita e, caso ele exista, o que o caracteriza como tal.
Muitos participantes do movimento espírita, pouco
familiarizados com a arte (e até mesmo alguns que militam no campo
artístico), insistem que não existe uma “arte espírita”, mas sim uma
“arte com temática espírita” sem, no entanto, se preocuparem em
estabelecer o que seria uma e o que seria a outra; para um melhor
entendimento observe-se algumas definições:
ARTE ESPÍRITA – Compromissada com a correta divulgação
dos postulados do Espiritismo demonstrados em suas
manifestações. É por definição uma arte ideológica, o que
acarreta o risco de vir a apresentar caráter fortemente
panfletário, enfatizando a mensagem em detrimento da estética.
ARTE COM TEMÁTICA ESPÍRITA – Manifestação artística
que se utiliza de idéias e fenômenos embasados no Espiritismo,
sem ter, no entanto, compromisso com a Doutrina e sua
divulgação. Há exemplos deste tipo de arte em toda a nossa
cultura, podendo ser citados contos de Machado de Assis e
Edgar Allan Poe bem como diversos filmes hollywoodianos.
Recordamos aqui o livro Obras Póstumas, no qual Kardec
afirma que “Assim como a arte cristã sucedeu à arte pagã,
transformando-a, a arte espírita será o complemento e a transformação
da arte cristã”. E na Revista Espírita de 1860, complementa: “A Arte
espírita, (...) inspirar-se-á nos vaporosos e esplêndidos quadros da vida
futura que se desvenda”.
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Kardec, nestes e em outros trechos, faz referência a um tipo
renovado de arte, uma arte cujo principal compromisso será com a
revelação de ideais nobres; que leve o ser humano à auto-reflexão; que
o encaminhe para o autoconhecimento; uma arte que abandonará os
vícios e desequilíbrios da “arte pagã” e que não se perderá nas
superstições e dogmatismos da “arte cristã”, enfim, uma “ARTE
ESPÍRITA”.
Peço licença para abrir um parêntese a respeito destas formas de
arte.
A expressão arte pagã aparece em Kardec para designar toda a
produção cultural anterior ao advento do cristianismo, abarcando
inclusive as produções religiosas, estendendo-se ao que podemos
designar como arte profana (pro = fora, fanum = templo) ou laica, i.e.,
sem caráter religioso. A arte cristã, obviamente, será toda aquela que
se liga ao cristianismo, retratando cenas e personagens, demonstrando a
ideologia cristã. Geralmente é designada pelo nome arte sacra,
estabelecendo-se assim uma ligação com o sagrado, o religioso.
Já a arte espírita representa um desenvolvimento natural da arte
cristã, sendo uma nova vertente da arte de cunho religioso cujo
diferencial é o aspecto moral. A arte espírita tem como foco a
renovação do ser, sua evolução que se dá pela superação de seus
defeitos.
Mas ainda não se respondeu à pergunta título: Há um Teatro
Espírita? Para respondê-la é necessária, primeiramente, outra pergunta:
Quais as características do teatro espírita?
O artista que pretenda tornar sua arte útil à Doutrina Espírita
deve assumir um compromisso consigo mesmo de defender a pureza de
seus ideais. Deve dispensar atenção especial a fatores que
caracterizarão sua arte como espírita.
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Para ser espírita, uma peça deve se comprometer ou, melhor
dizendo, se compromissar com a pureza da mensagem espírita em seu
contexto. A simples demonstração da interferência dos espíritos sobre
o mundo material, por exemplo, não dará argumento sustentável para
chamar a uma peça de espírita; é necessário que se recorde a
advertência de Nazareno Tourinho em A Dramaturgia Espírita: “Para
ser espírita, uma peça teatral deve apresentar a mensagem correta do
Espiritismo na essencialidade do seu conteúdo.”
Isto equivale a dizer que não basta mostrar fenômenos
espirituais e/ou mediúnicos no palco; para ser uma peça espírita, deverá
conter a explicação (preferencialmente implícita, não-textual) a respeito
das leis que regem estes fenômenos, explicação esta que levará o
espectador a descobrir que não existem “fenômenos”, mas fatos tão
naturais e comuns quanto a chuva ou os batimentos cardíacos ou ainda a
eletricidade.
Outra característica importante foi ressaltada pelo ator Eduardo
Lemos, de O Cândido Chico Xavier; de acordo com ele, o Teatro
Espírita deverá caracterizar-se pela “forma profissional de levar a
mensagem espírita, respeitando o público ao qual se destina”, afinal,
quem paga para assistir a um espetáculo merece receber um produto
artístico de qualidade (a questão do profissionalismo será debatida em
capítulo próximo).
Acima de tudo, o Teatro Espírita não pode ser feito de forma
irresponsável, deve haver seriedade e ética no que se faz. Quando
falamos em ética, referimo-nos a ela em seu mais amplo sentido de
filosofia do agir em conformidade com o caráter moralizante da
Doutrina Espírita.
Portanto, o compromisso com a pureza da mensagem espírita a
ser divulgada, a qualificação estética do que será produzido e
apresentado e a ética, são os fatores norteadores para se caracterizar o
Teatro Espírita.
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Estamos longe de esgotar essas características, porém, para
evitar futuras repetições, vamos contentar-nos com estas, no momento.
Esboço de resposta
Já estabelecemos diferenças entre Teatro Espírita e Teatro com
Temática Espírita; citamos algumas características do primeiro e
deixamos em aberto outras possíveis. Qual a resposta ao título deste
capítulo?
A resposta é simples e, como a maioria das respostas simples,
esteve presente por todo o caminho que se percorreu para alcançá-la:
sim, há um Teatro Espírita que ainda divide espaço com o Teatro de
Temática Espírita. Antes eu julgava que a tendência era o
fortalecimento do primeiro em detrimento do segundo, hoje percebo o
quanto eu estava enganado. Estas duas modalidades não são
excludentes, mas complementares. Artistas compromissados de
maneira séria com a Doutrina levam seu trabalho aos quatro cantos do
país através do palco e, agora, da televisão e cinema. No dizer de
Eduardo Lemos “Teatro Espírita é um termo que está começando,
quase, a designar um estilo”.
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UM POUCO DE HISTÓRIA
Foi um início tímido. As informações que nos chegaram são
escassas e fragmentadas e levam-nos a crer que primeiro houve o teatro
com temática espírita. A primeira peça, encenada em Paris, foi
Maxwell, de Jules Barbier, encenada em 1867, encontra-se citada na
Revista Espírita de março daquele ano. Seguem-se diversas outras
peças em cujo enredo o Espiritismo surge como elemento gerador da
ação a desenrolar-se, umas mais, outras menos compromissadas com a
Doutrina.
Em 1897 surge a primeira obra teatral considerada
genuinamente espírita, a peça Spiritisme, de Victorien Sardou. Não
faremos aqui maiores considerações a respeito da peça ou de seu autor
por já existirem ótimos textos referentes ao compromisso do mesmo
com a Doutrina nas obras de Nazareno Tourinho e Eduardo C. Monteiro
entre outros.
No Brasil, a primeira peça com temática Espírita surge em 1866
com o título de Os Voluntários da Pátria, de autoria de Manuel Araújo
Porto Alegre; seu texto, que aproveita o clima da guerra contra o
Paraguai, gira em torno da mediunidade de D. Alexandrina, capaz de
ver os acontecimentos à distância e distinguir a aura e a tonalidade do
fluido das pessoas.
Já a primeira peça Espírita Brasileira é de difícil conhecimento;
Eduardo C. Monteiro em História da Dramaturgia com Temática
Espírita cita Humberto Brussolo como provável pioneiro; o ano era
1919 e a peça O Ressurgir de Uma Alma.
Muitas outras foram as peças de Brussolo e de outros
trabalhadores: Amaral Ornelas, Nair Gadelha, Maria Máximo, Ramiro
Gama, João Leão Pitta e tantos outros que deram sua arte em prol da
Doutrina. Não nos deteremos aqui em cada um deles por julgarmos que
o trabalho de Eduardo C. Monteiro já o fez com justiça em todos os
casos.
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A produção teatral e artística espírita é muito rica, tendo
penetração dentro e fora das casas espíritas até que... algo parece frear a
arte nas casas espíritas após a década de 50. Por quê? Não sabemos.
Alberto Centurião (ator, diretor, dramaturgo e espírita)
contribuiu valiosamente para o presente trabalho através de mensagem
eletrônica na qual, em dado ponto, escreveu:
Até os anos 50, a arte era linguagem natural, utilizada nos
meios espíritas como instrumento didático e veículo de
evangelização. O teatro e a música passaram a ser malvistos nas
casas espíritas a partir da década de 60, coincidindo com a
implantação do esquema “curso/palestra”.
Segundo minhas observações, o teatro (e a música
também) foi banido das casas espíritas a partir da implantação do
regime totalitário em 1964. A estrutura autoritária
(curso/palestra) foi adotada dentro das casas espíritas ao mesmo
tempo em que o autoritarismo se implantou na política. Seria
mera coincidência? Acredito que não.
Fosse porque concordavam com o autoritarismo
militarista, alinhando-se ideologicamente com ele, fosse por
temor de que a efervescência da atividade artística entre os jovens
acabasse por levar a militância política para dentro das casas
espíritas dando origem a perseguições pelo regime, o fato é que
os dirigentes espíritas trataram de reprimir e asfixiar as
manifestações artísticas dentro do movimento.
É uma opinião no mínimo intrigante, principalmente levando-se
em conta que o livro de Eduardo C. Monteiro cobre as manifestações
teatrais espíritas somente até a década de 50. Mera coincidência? Para
saber ao certo entramos em contato com Eduardo, expondo as idéias de
Alberto Centurião e a dúvida referente à limitação de seu livro à década
já mencionada; eis os esclarecimentos por ele dados em nosso contato
telefônico:
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Em primeiro lugar, o saudoso Eduardo C. Monteiro não lidava
especificamente no campo do teatro, era um historiador e, como tal, seu
trabalho no já mencionado livro foi apenas o de colher e relatar fatos.
Em segundo lugar, o projeto inicial de seu trabalho se estenderia até os
dias atuais, porém, devido a alguns problemas e pelo prazo já fixado
para a entrega, necessitou concluí-lo com o material que já estava
melhor catalogado. Havia ainda com ele à época de nosso contato
algum material posterior que, se espera, pode vir a ser publicado.
Agora o mais importante: de acordo com suas observações, o
teatro (e a arte) espírita passou por uma decadência natural, fruto da
falta de renovação dos elementos humanos; o movimento espírita
(como toda a história) passa por ciclos e foi uma dessas passagens de
ciclo que ocasionou a decadência natural da arte espírita: havia um
movimento de mocidades muito forte, estes jovens vibrantes e
trabalhadores cresceram, se tornaram adultos e os jovens que os
substituíram não possuíam a mesma garra e vibração de outros tempos.
Tenha sido por um motivo, tenha sido por outro ou talvez por
ambos terem se combinado, o fato de maior relevância é que nas
décadas de 60 e 70 as atividades artísticas nas casas espíritas são
tímidas e esparsas, ainda que louváveis. Acredito que não seria nenhum
absurdo se levantássemos a hipótese de um planejamento espiritual
nesse sentido para evitar as perseguições ao movimento espírita por
parte do regime então implanto
Chega o ano de 1980 e com ele um novo rumo para o Teatro
Espírita; é quando surge a peça Além da Vida, que se tornou referência
ao se falar em arte espírita; pela primeira vez um grupo de atores já
consagrados (Lúcio Mauro, Felipe Carone, Renato Prieto, Léa Bulcão,
Rosana Penna, Alexandre Barbalho), dirigidos pelo já famoso Augusto
César Vannuci, se propunha a fazer um trabalho sério cujo objetivo era
levar a mensagem espírita para os palcos nacionais. A peça, que deu
início ao Projeto Teatral Espírita, enfrentou várias dificuldades para
sua montagem, dificuldades que, de acordo com Renato Prieto, vinham
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principalmente da parte dos espíritas. Mas o tempo mostrou que
naquele grupo havia o compromisso com a divulgação doutrinária,
amor ao Espiritismo e seriedade.
Outros espetáculos vieram (Lembranças de Outras Vidas, Allan
Kardec – Um Olhar para a Eternidade, O Cândido Chico Xavier,
Violetas na Janela, E a Vida Continua..., entre outros), grupos surgiram
e proliferaram, aqueles que, porventura, não estavam bem intencionados
ou não buscaram qualificar sua obra não sobreviveram ao tempo.
Atualmente as peças espíritas lotam teatros; há aqueles grupos que se
profissionalizam, há aqueles que se apresentam apenas nas instituições
espíritas e todos trabalham juntos em prol da divulgação espírita.
A contribuição de Leopoldo Machado
Falar do passado do Teatro Espírita sem citar Leopoldo
Machado (1891-1957) seria impossível, para não dizer injusto.
Sem sombra de dúvidas o maior incentivador que o Teatro
Espírita do Brasil já conheceu, Leopoldo legou ao futuro obras
maravilhosas que, ainda hoje, primam pela atualidade, utilidade e visão
objetiva do Espiritismo e que, infelizmente, se encontram esgotadas e
quase esquecidas.
No campo da dramaturgia deu-nos o Teatro Espiritualista (2
volumes) e Teatro da Mocidade, obras com peças ligeiras e de fácil
montagem, próprias para serem encenadas por grupos de mocidade e
que ganharam notoriedade em todo o país.
Foi o grande incentivador das mocidades espíritas, realizando o
1° Congresso de Mocidades Espíritas do Brasil, em 1948.
A história do Pacto Áureo, que unificou o movimento espírita
brasileiro, teria sido bem diferente não fosse pela ação da Caravana da
Fraternidade e de toda a luta que empreendeu para a Unificação.
Para melhor ilustrar sua opinião a respeito do Teatro Espírita,
veja-se alguns trechos do prefácio de sua obra Teatro da Mocidade:
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Somos entusiasta do teatro a serviço da propaganda de
uma Doutrina.
Arte por excelência, é o teatro.
A arte que mais prende e enleia, que mais domina e
enleva, que mais educa e arrebata. (...)
O palco, a ribalta, dentro de centro espírita, ou fora, em
nome do Espiritismo, devem ser tribuna, escola e altar, ainda que
façam rir.
Desserve, portanto, à arte, ao teatro, à Doutrina e à
própria instituição espírita, quem, sem levar a sério suas
responsabilidades dentro da Doutrina, transforma em picadeiro ou
café-concerto, ou estúdio, um palco espírita. (...)
Somos partidário de programas teatrais, leves,
movimentados, alegres.
Lendo suas peças teatrais contidas nos volumes já citados, pude
perceber alguns aspectos que permitem situá-lo como um dos mais
criativos dramaturgos de seu tempo; em seus textos dramatúrgicos
encontramos um naturalismo de expressão que muito se assemelha ao
teatro de fim do século XIX; é claro que também nota-se uma certa
ingenuidade pontuando cada uma de suas peças, o que não representa
um defeito, antes uma qualidade, pois assim atinge ao público de forma
direta e eficaz na transmissão da mensagem.
Não é nossa intenção falar, aqui, tudo sobre o grande homem
que foi, e é, Leopoldo Machado, mas apenas prestar justa homenagem
àquele que dedicou sua vida à Causa Espírita, chegando mesmo a ser
chamado de “O Espírita n° 1” e que ainda hoje inspira grupos de arte
espírita por todo o país. Sobre ele Clóvis Ramos colheu a feliz opinião
de Agnelo Morato, no jornal A Nova Era de 15/09/1957 e a reproduziu
em seu livro Leopoldo Machado - Idéias e Ideais:
Leopoldo Machado não cabe numa simples crônica. Sua
vida de abnegação, de amor inexcedível à criança e ao Evangelho
só pode ser relatada como lição garantida, no dia que o fizermos
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numa obra de fôlego e gratidão. Esse homem, um dos mais
completos espíritas do Brasil, só pode ter lugar numa biblioteca
para consultas e aprendizado de cada hora.
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O TEATRO COMO FORMA DE ENSINAR
A proposta de utilizar o teatro com fins pedagógicos não é nova.
No Brasil do século XVI, por exemplo, o teatro foi amplamente
utilizado pelo Padre José de Anchieta (1534-1597) para a catequese dos
índios. No século XX, autores se utilizaram do teatro para falar de suas
idéias, planos e descontentamentos com o governo, além de diversos
segmentos religiosos representarem peças para difundir suas propostas,
etc.
Mas, como juntar a proposta pedagógica com a diversão que o
teatro deve proporcionar? É o que será visto neste capítulo.
Funções do teatro
Antes de mais nada é necessário que um fato seja apontado: a
arte é, acima de tudo, autônoma, possui vida própria; sua finalidade
básica é mergulhar em si e encontrar todas as respostas para todas as
perguntas. Independentemente das funções que forem aqui
apresentadas, a arte sempre será uma espécie de ser vivo, é arte por arte,
bastando para chegar a essa conclusão que seja vista em sua essência.
O Teatro, bem como todas as artes, pode ser analisado através
de três funções principais: Formalista, Naturalista e Pragmática.
A Função Formalista, como o nome já diz, interessa-se pela
forma de apresentação, essa forma contribui para o significado da obra.
É a que mais se aproxima do conceito de “arte pela arte”, pois se ocupa
da obra por motivos estéticos, que fazem parte do mundo artístico.
Procura-se, do ponto de vista formalista, os princípios determinantes da
organização interna em cada obra: os elementos de composição e as
relações que existem entre eles.
O teatro possui linguagem própria e cada tipo de arte possui a
sua. Aplicando-se esta função ao Teatro Espírita, será possível
estabelecer se uma peça está condizente ou não com a linguagem, ou
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código, teatral. É válido lembrar que a Função Formalista valoriza a
experiência estética como um momento em que se atinge uma
consciência intensificada do mundo através da percepção e da intuição.
De acordo com esta função o artista é um canal através do qual a arte se
faz arte.
A Função Naturalista interessa-se mais com o conteúdo que
com o modo de apresentação da obra. A obra de arte aponta para uma
realidade que se encontra fora dela, ou seja, uma realidade que não está
no mundo artístico, mas no mundo real que é retratado.
No caso do Teatro Espírita esta função se ocupará com a
mensagem que cada peça trouxer em seu contexto, não importando o
modo como está sendo mostrado. Pode-se dizer que esta função se
presta à “imitação da realidade”.
Existem três critérios para a avaliação artística de acordo com a
Função Naturalista que, para aqueles que desejarem, podem ser
facilmente utilizados ao analisar uma peça espírita, são eles:
1. A correção da representação - O assunto deve ser representado
corretamente para que possa ser identificado;
2. A inteireza - O assunto deve ser representado por inteiro;
3. O vigor - Conferirá um poder de persuasão, principalmente se a
situação que estiver sendo representada for imaginária.
A Função Pragmática, também chamada de Função Utilitária,
mostra que a arte serve como meio para se alcançar um fim não-
artístico, logo, não é valorizada por si mesma, mas apenas pela
finalidade a que se propõe.
Mas o que seria a “finalidade a que se propõe” a obra de arte?
Citamos Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins
em seu livro “Temas de Filosofia”: “... as finalidades a serviço das
quais a arte pode estar podem ser pedagógicas, religiosas, políticas ou
sociais” (grifo nosso).
É de nossa opinião que a finalidade pedagógica da obra de arte
está inserida nas três outras apontadas pelas autoras, pois idéias
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religiosas, políticas ou sociais precisam ser ensinadas e
problematizadas, isto é, um ato pedagógico. De acordo ainda com as
autoras do livro já citado, do ponto de vista pragmático a obra de arte
pode ser avaliada por critérios exteriores à ela, não interessando se a
mesma tem ou não qualidade estética. Será avaliada pelo critério moral
que aponta a finalidade à qual a obra de arte serve. O outro critério é o
da eficácia da obra em relação à sua finalidade, ou seja, se a obra atinge
a finalidade à qual se propôs. Como, porém, aplicar este conceito em se
tratando do Teatro Espírita? É o que será visto em seguida.
Proselitismo ou divulgação?
O ensino através do teatro fica comprometido quando se tenta
fazer do palco um púlpito de pregações onde serão passados
“importantes conceitos morais”; isto não é teatro, é uma maneira errada
até mesmo de ensinar; se a proposta de uma peça for o ensino da moral,
deve-se lembrar da opinião de Maria Mazzetti em seu Teatrinho na
Sala de Aula quando diz que “a moral (...) vem implícita na ação,
porque teatro é AÇÃO” (a questão específica da moral será debatida
em um próximo item).
Em teatro fala-se apenas o essencial, o importante para que a
obra seja eficaz. Ainda, segundo Maria Mazzetti, em teatro deve-se
suprimir: longas descrições, adjetivações, frases extensas, abstrações.
Acrescente-se aqui, para o Teatro Espírita, um outro item a ser
suprimido: pregação doutrinária.
Citando, novamente, Maria Mazzetti, dizemos que “o teatro
educa (...) não de maneira cacete, dando lição de moral expressa”.
Logo, é necessário que o “Teatro Espírita” não se perca no proselitismo
disfarçado de divulgação, que transforma as peças em monólogos
intermináveis que dão ao público, não-espírita principalmente, a
impressão de que Espiritismo é uma doutrina enfadonha e monótona.
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Uma peça teatral, como qualquer obra de arte, deve primar pela
qualidade com que é apresentada e quando se fala em qualidade fala-se
de seus elementos básicos. O Teatro Espírita não está isento dos
conceitos estéticos da arte; se a finalidade é divulgar a Doutrina, é
preciso que a peça tenha beleza, que exista uma direção correta, que as
interpretações sejam satisfatórias do ponto de vista artístico, que todos
os elementos imprescindíveis estejam no lugar, é preciso enfim, que a
peça seja esteticamente perfeita e profissional.
A qualidade estética de uma peça espírita é o meio que lhe
possibilita o alcance de sua finalidade: a divulgação da Doutrina
Espírita de maneira correta, feita por pessoas que entendem de teatro e
de Espiritismo.
Teatro moralista vs teatro moralizante
Até aqui se falou muito pouco a respeito da moral no Teatro
Espírita. De fato, devem ser tomados extremos cuidados para que uma
peça espírita atinja sua(s) finalidade(s) enquanto representação teatral
sem que se afaste dos princípios doutrinários e artísticos.
Nazareno Tourinho em seu livro “A Dramaturgia Espírita”
assinala: “Acontece que a ARTE só presta culto à deusa LIBERDADE,
votando solene desprezo a toda espécie de MORAL.”. Neste ponto
surge a dúvida: Como então fazer arte espírita aliando a estética e a
moral?
A Doutrina Espírita é um corpo de idéias que contribuem para
promover a edificação do ser humano. Em nenhuma das obras da
Codificação se pode detectar um caráter “moralista”, não há preceitos
morais estabelecidos cuja não observância resultará em castigos
divinos; é “moralizante” em toda a sua amplitude, pois incentiva o ser
humano a evoluir através do conhecimento das Leis Naturais. Leis
estas cuja não observância não traz castigos, apenas o retorno justo e
25
devido aos erros de percurso que podem ser compensados no seu
devido tempo.
Deve o Teatro Espírita, portanto, afastar-se do discurso
moralista e entregar-se totalmente à moralização daqueles que se
dirigem ao espetáculo em busca de aprendizado, conforto e diversão.
Aqueles que emprestam sua arte à divulgação da Doutrina precisam ter
em mente a observação de Emmanuel no prefácio de Nosso Lar, quando
assinala que “precisamos (...) do ESPIRITISMO e do
ESPIRITUALISMO, mas, muito mais, de ESPIRITUALIDADE.”
Espiritismo no teatro e teatro no espiritismo
Aqueles que lidam com Teatro Espírita (e com outros tipos de
arte) certamente já se defrontaram com um problema muito comum: a
resistência ao tipo de arte que se pretende desenvolver; resistência
dentro e fora do movimento espírita (tome-se por movimento espírita os
freqüentadores, dirigentes, instituições e federativas). Como reverter
este quadro? Vamos por partes.
Primeiramente lembre-se o que causa essa resistência:
Ignorância - Pode-se também chamar “desconhecimento”;
aquele que insiste em dizer que “a arte não tem tanta importância para
o espiritismo” demonstra claramente que ignora os textos de Kardec,
Emmanuel, André Luiz e Léon Denis (só para citar alguns) a respeito da
influência do Espiritismo na arte e a importância desta para o avanço do
movimento espírita através da divulgação de sua Doutrina. O espírita
que fecha os olhos e ouvidos ao conhecimento esqueceu-se das palavras
do Espírito de Verdade: “Espíritas, instruí-vos”.
Excesso de zelo - Também fruto da ignorância. Alguns
dirigentes espíritas acreditam que, impedindo a prática teatral em suas
instituições, estão protegendo a pureza doutrinária do Espiritismo. Não
se pode aliar a tão proclamada “pureza doutrinária” com uma obra
26
teatral sadia, moralizante e enriquecedora? É necessário, para esses
dirigentes, um estudo mais atento do Espiritismo.
Medo - Este é, pelo menos em parte, perdoável. De fato
existem pessoas que prestam um desserviço ao Teatro Espírita e ao
Espiritismo, produzindo obras sem qualidade técnica, com enredos
confusos que nada esclarecem sobre a Doutrina e até passam uma
imagem errônea do que ela é. São fatos lamentáveis que, porém, não
devem servir de desculpa para que todas as peças sejam rejeitadas. É
preciso que se use de bom senso ao selecionar o que é válido e o que
não é.
Vaidade - Este sim é um obstáculo terrível. A vaidade tem sido
a grande responsável por um sem número de problemas no movimento
espírita como um todo. No caso da resistência ao Teatro no
Espiritismo, ela se manifesta da maneira mais triste possível. É a
vaidade do tipo “eu não faço, eu não tenho talento para fazer, então
sou contra toda iniciativa de trabalho para o qual eu não tenho
capacidade; se eu não posso, ninguém pode”. O que falta a esse tipo de
espírita é apenas uma coisa: Evangelho, para que se resolva
interiormente e possa realmente viver em sociedade.
Como vencer todas essas barreiras? Deixe-me contar-lhes uma
história que se encontra no livro A Veneranda Joanna de Ângelis:
Divaldo Pereira Franco passava por enorme provação que
muito o incomodava; pedindo a Joanna de Ângelis, sua mentora
espiritual, algumas palavras de conforto, ouviu dela a seguinte
parábola:
“- Havia uma fonte pequena e insignificante, que estava
perdida num bosque. Um dia, alguém, por ali passando, com
sede, atirou um balde e retirou água, sorvendo-a em seguida, e se
foi. A fonte ficou tão feliz que disse de si para consigo:
- Como eu gostaria de dessedentar os viandantes, já que
sou uma água preciosa!
E orou a Deus:
- Ajuda-me a dessedentar!
27
Deus deu-lhe o poder. A fonte cresceu e veio à borda. As
aves e os animais começaram a sorvê-la e ela ficou feliz.
A fonte propôs:
- Que bom é ser útil, matar a sede. Eu gostaria de pedir a
Deus que me levasse além dos meus limites, para umedecer as
raízes das árvores e correr a céu aberto.
Veio então a chuva, ela transbordou e tornou-se um
córrego. Animais, aves, homens, crianças e plantas beneficiaram-
se dela.
A fonte falou:
- Meu Deus, que bom é ser um córrego! Como eu
gostaria de chegar ao mar!
E Deus fez chover abundantemente, informando:
- Segue, porque a fatalidade dos córregos e dos rios é
alcançar o delta e atingir o mar. Vai!
E o riacho tornou-se um rio, o rio avolumou as águas.
Mas, numa curva do caminho, havia um toro de madeira. O rio
encontrou o seu primeiro impedimento. Em vez de se queixar,
tentou passar por baixo, contornar, mas o toro de madeira
cerceava-lhe os passos. Ele parou, cresceu e o transpôs
tranqüilamente. Adiante, havia seixos, pequeninas pedras que ele
carregou e outras imovíveis, cujo volume ele não poderia
remover. Ele parou, Cresceu e as transpôs, até que chegou ao
mar.”
Todos somos fontes de Deus. Nós, que lidamos no campo da
arte, passamos por diversas encarnações antes que se nos despertasse a
sensibilidade artística; através de tantas outras experiências corporais
alargamos nossos horizontes graças ao aprendizado incessante; é
chegado o momento em que desejamos colocar nossa arte a serviço de
uma causa maior. Diante das barreiras que surgirem em nosso
caminho, não nos preocupemos nem nos queixemos, paremos e
esperemos; a atitude de parar e esperar não deve ser confundida com
inércia ou com acomodamento, mas deve ser vista como o que é: ação;
28
a ação de um trabalho sério e de qualidade que represente a Doutrina
como ela merece, de forma bela, sublime, consoladora, alegre e
moralizante. Através do trabalho, nessa parada seguida de espera,
cresceremos e ultrapassaremos os obstáculos do caminho; dessa forma é
que, um dia, alcançaremos o mar.
29
DO ATOR ESPÍRITA
A grande maioria das pessoas aprecia uma peça teatral, um filme
ou uma novela, porém é comum que sejam tecidos comentários nada
agradáveis sobre o ator, que, geralmente, é visto como promíscuo,
desajustado sexual, toxicômano ou alcoólatra, entre outras “coisas”.
Infelizmente esses comentários são, por vezes, fundamentados no
comportamento de alguns artistas; de outras vezes no entanto, são
simplesmente conjecturas e boatos.
O ator espírita não está imune a esse tipo de comentário.
Após alguns anos de vida teatral, anos esses em que transitei do
teatro espírita para o não-espírita e de volta para aquele, pude constatar
que os comentários feitos pelos espíritas a respeito do ator espírita
podem não ser tão agressivos, porém não são menos dolorosos. É
comum ouvir que ele está utilizando o espiritismo para autopromoção,
como massageador do ego e, até mesmo, como trampolim para o
sucesso. Ainda existem espíritas que não compreendem o valor do
artista em geral e do papel que a arte pode desempenhar no
aprimoramento moral, tanto dos que a apreciam, quanto dos que a
produzem.
É o que será discutido neste capítulo.
O ator e a ética
Observe-se um pequeno trecho do capítulo XIV de A
Construção da Personagem do consagrado ator, diretor e teatrólogo
Constantin Stanislavski, capítulo este intitulado “Para uma ética do
teatro”:
- Ele (o ator) precisa de ordem, disciplina, de um código
de ética, não só para as circunstâncias gerais do seu trabalho,
como também, e principalmente, para os seus objetivos artísticos
e criadores.
30
- A condição primordial para acarretar esta disposição
preliminar é seguir o princípio pelo qual tenho me norteado: amar
a arte em nós e não a nós mesmos na arte.
- A carreira do ator - prosseguiu Tórtsov - é uma carreira
esplêndida para aqueles que são dedicados a ela, que a
compreendem e enxergam sob um prisma verdadeiro.
- E se o ator não faz isso? - perguntou um dos alunos.
- Será uma pena, pois isto o incapacitaria como ser
humano. Se o teatro não puder enobrecê-lo, transformá-lo numa
pessoa melhor, você deve fugir dele - replicou Tórtsov.
É impressionante a simetria do pensamento de Stanislavski com
a proposta da Doutrina Espírita.
Ao apontar “ordem, disciplina” e “um código de ética” como
requisitos indispensáveis para que o ator desenvolva e desempenhe sua
arte de forma correta e completa, lembra-nos as advertências de
diversos autores a respeito da necessidade da disciplina para o
aprimoramento moral do espírito, do médium, do ser humano como um
todo, enfim. Não se pode esquecer que, de acordo com Chico Xavier,
da primeira vez que Emmanuel lhe apareceu, disse-lhe que para seguir
no caminho do Cristo eram necessários três requisitos: o primeiro,
disciplina; o segundo, disciplina; o terceiro, DISCIPLINA.
O princípio de “amar a arte em nós e não a nós mesmos na
arte” é uma advertência dos perigos da vaidade para o ser humano. O
ator, pela própria natureza e forma de seu trabalho, está mais sujeito aos
perigos da vaidade que outros profissionais, pois, o simples fato de se
dispor a subir em um palco demonstra que possui uma certa dose de
vaidade; o ator espírita deve direcionar sua vaidade para a qualificação
de sua arte, a fim de melhor divulgar a Doutrina. Em resumo: O ator
espírita deve ter uma “vaidade salutar”.
Os três últimos parágrafos da citação contêm, em conjunto, a
essência daquilo que se espera de um ator, seja ele espírita ou não.
Enobrecer-se através da arte, fazer dela o seu instrumento de
31
desenvolvimento moral e espiritual. Este conceito vai encontrar eco na
advertência de Emmanuel, no livro O Consolador:
Qualquer expressão emotiva deve ser disciplinada pela fé,
porquanto a sua expansão livre, na base das incompreensões do
mundo, pode fazer-se acompanhar de graves consequências.
A ética que deverá nortear um Teatro Espírita deverá ser,
portanto, uma ética moralizante, porém, não deverá ser moralista, pois a
Doutrina Espírita não assinala postulados de conduta moral que devam
ser seguidos à risca, antes ensina que o ser humano é construtor de seu
próprio destino.
O ator, a mediunidade e a técnica
No capítulo XIV de O Livro dos Médiuns, Kardec faz a seguinte
observação: “Todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência
dos Espíritos é, por esse fato, médium. (...) Pode, pois, dizer-se que
todos são, mais ou menos, médiuns.”
Diante destas palavras, pode-se considerar que se o fenômeno
mediúnico não se restringe aos espíritas, porque estaria ele restrito às
casas espíritas?
Sendo a mediunidade uma faculdade inerente do Espírito, não é
lógico crer que se limite a dias e horários determinados, mas, por outro
lado, a integração entre encarnados e desencarnados é incessante e se
aplica em qualquer atividade humana.
No capítulo 30 de Nos Domínios da Mediunidade o orientador
Áulus, faz a André Luiz e Hilário diversas considerações a respeito da
mediunidade; como a transcrição integral tomaria espaço, selecionamos
alguns trechos que melhor servem à nossa proposta:
-(...). A mediunidade como instrumentação da vida
surge em toda a parte. (...) Em todos os lugares , damos e
32
recebemos, filtrando os recursos que nos cercam e moldando-lhes
a manifestação, segundo nossas possibilidades.
(...) Todos os homens em suas atividades, profissões e
associações são instrumentos das forças a que se devotam.
Produzem, de conformidade com os ideais superiores ou
inferiores em que se inspiram, atraindo os elementos invisíveis
que os rodeiam, conforme a natureza dos sentimentos e idéias de
que se nutrem.
Estas palavras se aplicam a todos os campos do saber humano,
em todas as profissões, a todo momento. Para ver-lhe a aplicação no
caso do ator é necessário analisar o seu trabalho de representação, pois
ele (de acordo com Alberto Centurião) representa com o corpo, com as
emoções e com o perispírito, é por este fato que algumas pessoas,
quando em cena, experimentam as mais diversas sensações e algumas
chegam mesmo a se transfigurar, sendo este o mesmo fenômeno da
transfiguração descrito por Kardec em O Livro dos Médiuns, capítulo
VII, itens 122-3. O que Kardec classifica como um fenômeno raro, nós
dizemos que, pelo menos no caso do ator, pode resultar da combinação
do treinamento disciplinado (técnica) com a aptidão natural (talento).
Diante dessas afirmativas pode-se concluir que o trabalho do
ator é fruto exclusivo da mediunidade, certo? Errado.
Simone Vianna esclarece em depoimento: “Sem a técnica não
há como você desempenhar a sua função. Talento você pode ter, mas
precisa ter estudado.” Contar exclusivamente com a espiritualidade
para executar um trabalho artístico é uma atitude cômoda e ignorante
que, fatalmente, levará a pessoa ao fracasso. Se, como diz Kardec, todos
somos médiuns e, como complementa Áulus no livro já citado, a
mediunidade surge e se manifesta por toda parte, um médico, por
exemplo, serve como instrumento da espiritualidade para promover a
cura do corpo; se, porém, lhe faltasse o estudo e o conhecimento
técnico, ele não saberia como distinguir uma artéria de uma veia.
33
Da mesma forma o ator necessita de técnica, de estudo para o
melhor desenvolvimento de sua arte que é sua profissão. No dizer de
Stanislavski “quanto maior é o talento do ator, mais ele se preocupa
com sua técnica...”. Aquele que se propuser a fazer teatro com temática
espírita deve estar atento para isso; o ator espírita deve buscar o
aprimoramento constante de sua técnica e de sua arte; deve ser, acima
de tudo, um PROFISSIONAL. Essa palavra assusta e será melhor
discutir-se este tema em item próprio mais à frente.
Do conhecimento doutrinário ao conhecimento de si mesmo
O trabalho do ator não se limita à atuação; o ator deve estar
constantemente buscando conhecimentos artísticos, históricos, sociais e
culturais que levem ao aprimoramento de sua arte.
Ao ator espírita é pré-requisito indispensável o conhecimento da
Doutrina que abraça e divulga. Ele precisa estar constantemente
estudando os princípios básicos do Espiritismo, de forma metódica e
abrangente, lançando mão do conhecimento adquirido sempre que
necessário.
Em conversas com artistas espíritas (de todos os gêneros de arte)
pude constatar um fato que me é motivo de muita alegria: o quanto eles
entendem e procuram entender do Espiritismo e o quanto este
entendimento torna-os responsáveis em seu trabalho e suas vidas.
Através do conhecimento espírita o ator se encaminha para o
conhecimento próprio, o melhor meio que o ser humano tem de evoluir.
Antes de prosseguir, veja-se o que consta na Poética de
Aristóteles a respeito da encenação teatral (chamada por ele de
“Tragédia”) e seus efeitos:
É pois a Tragédia imitação de uma ação de caráter
elevado, completa e de certa extensão, em linguagem
ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas
pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não por
34
narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o “terror e a
piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções”.
O ator espírita ao dar vida a sua personagem passa, muitas
vezes, pela experiência de reconhecer nela elementos que também são
seus ou que podem vir a ser. Se esses elementos forem positivos e ele
não os possui (ainda), procurará os meios de se trabalhar para alcançá-
los; caso já os possua não se orgulhará, pois sabe que são latentes a todo
ser humano. Se por outro lado os elementos forem negativos, ele,
graças ao conhecimento adquirido no Espiritismo, estará pronto para
melhorar-se, modificando suas inclinações, passando então pela catarse
(do grego, kátharsis = purgação, purificação) que o impulsionará para a
conquista de novos atributos morais.
É necessário dizer-se que esta catarse não se efetua somente com
os atores, mas alcança o público, que ao mesmo tempo que adquire um
conhecimento básico (no sentido de primordial) do Espiritismo,
reconhece-se nas situações e personagens representados e recebe, então,
o direito e a oportunidade de escolha entre a mudança (purificação) ou a
estagnação momentânea.
O teatro espírita como profissão
Muitos companheiros espíritas sentem-se pouco à vontade ao ter
de discutir qualquer tema que vincule o Espiritismo ao dinheiro;
entretanto, este tem sido um tema constantemente debatido por artistas
espíritas. Quanto a ele tenho mais questões do que respostas e
procurarei exprimi-las de modo claro, muito embora seja assunto que
ainda não se encontre totalmente resolvido dentro de mim.
A Federação Espírita Brasileira, em sua página na Internet,
expõe que a DOUTRINA ESPÍRITA é o conjunto de princípios e leis,
revelados pelos Espíritos Superiores, contidos nas obras de Allan
Kardec, obras estas que constituem a Codificação Espírita. Declara que
35
toda a prática da Doutrina Espírita é gratuita, em obediência ao
princípio evangélico do “Dai de graça o que de graça recebestes”.
Raciocinemos sobre o assunto. O que exatamente Jesus nos
mandou dar de graça? A resposta está em Mateus 10:8 nas palavras do
próprio Cristo: “Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os
mortos expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai.”
Para que nosso raciocínio seja completo, vejamos o comentário
de Kardec contido em O Evangelho Segundo o Espiritismo:
Com essa recomendação, prescreve que ninguém se faça
pagar daquilo que nada pagou. Ora, o que eles haviam recebido
gratuitamente era a faculdade de curar os doentes e de expulsar os
demônios, isto é, os maus Espíritos. Esse dom Deus lhes dera
gratuitamente, para alívio dos que sofrem e como meio de
propagação da fé; Jesus, pois recomendava-lhes que não fizessem
dele objeto de comércio, nem de especulação, nem de meio de
vida.
Começamos, agora, a penetrar no tema proposto. O talento
artístico não foi sequer cogitado nos trechos reproduzidos até aqui por
se encontrar inserido em outro princípio: o da Lei de Trabalho, que
pode também ser encontrado na expressão “Ganharás o pão com o suor
do teu rosto”.
O talento artístico não é, ao contrário do que se poderia pensar,
um dom dado por Deus, mas sim uma conquista do espírito ao longo de
suas sucessivas experiências e ao cabo de muito esforço, dedicação e
estudo. O ator é, acima de tudo, um profissional especializado e não
pode, portanto, se dar ao luxo de trabalhar de graça. Cacilda Becker
fazia questão de frisar isto quando afixava, na bilheteria dos teatros
onde se apresentava, os dizeres “NÃO ME PEÇA DE GRAÇA A
ÚNICA COISA QUE TENHO PARA VENDER”; fazia isso porque
vários amigos seus pediam-lhe ingressos gratuitos.
36
Mas e o ator espírita? Estará ele à parte das leis de mercado?
Será ele menos profissional só porque é espírita?
Em Obras Póstumas Kardec nos diz:
Para alguém fazer qualquer coisa de sério, tem que se
submeter às necessidades impostas pelos costumes da época em
que vive e essas necessidades são muito diversas das dos tempos
da vida patriarcal.
Analise-se, agora, um caso típico dentro do movimento espírita:
um pequeno grupo de pessoas, todos membros de uma ou de várias
instituições espíritas, resolve montar um pequeno espetáculo teatral para
a arrecadação de recursos, a peça dá muito certo e eles resolvem
continuar com as atividades do agora “Grupo Teatral”. Com o passar
do tempo eles atingem um alto nível de qualidade chegando ao ponto de
serem convidados para se apresentarem em diversos lugares. De onde
extrair os recursos necessários para as viagens? E quanto aos membros
que trabalham? E os que estão desempregados? É neste momento que
muitos grupos promissores se desfazem pela falta de profissionalismo.
Para que o ator espírita prossiga com sua arte é necessário que
esta lhe provenha meio de vida, sustento, salário? Ou será que ele
deveria trabalhar de graça, dedicando apenas as horas livres? Dar restos
de tempo é uma atitude tão errônea como a do rico na história de
Lázaro. Deixar de fazer arte com temática espírita por medo de receber
o justo pagamento por ela é como colocar a candeia sob o alqueire, pois
a divulgação da Doutrina deixa de ser feita de maneira profissional e
correta.
Alguns irmãos de Doutrina irão criticar este pensamento
profissionalizante por acharem que isto é “mercantilizar o sagrado”
como se o Criador houvesse delegado tal poder às suas criaturas: o
poder de comercializar o intangível ou o ainda incompreendido.
37
Mas atenção: para merecer um retorno financeiro é
imprescindível qualificar a obra; que ninguém pense que basta fazer
“teatrinho” para se dizer ator. A qualidade é fundamental.
Muitos temem a profissionalização da arte espírita por acharem
que o dinheiro é algo que corrompe as pessoas. Richard Simoneti, no
livro A Voz do Monte, nos diz que “o dinheiro é neutro. Tanto pode ser
utilizado para o Bem como para o Mal”. Afinal Deus deu ao homem a
inteligência e o livre arbítrio sobre seus atos, portanto não é o dinheiro
que corrompe o homem, o dinheiro não pensa, não fala, é uma criação
da mente humana, logo, é o homem que se corrompe quando dá à
matéria uma importância maior do que a que realmente possui. O
dinheiro é apenas um objeto que pode ser bem ou mal empregado de
acordo com as inclinações das mãos que o administram, da mesma
forma que um martelo pode servir para erguer uma casa ou para pregar
um inocente a uma cruz.
Como dito no início do capítulo, temos mais perguntas que
respostas. Creio mesmo que este debate deva ser feito com cautela em
busca pelo bom senso.
Para concluir transcreverei a poesia de Alberto Centurião que se
encontra em sua adaptação de “A Cigarra e a Formiga”, vale ressaltar
que esta peça foi escrita para o 8° FECEF (Festival da Canção e
Encontro de Arte Espírita de Franca [S.P.]), realizado em setembro de
2000 e que teve como tema central “O ESPIRITISMO NA ARTE -
EVOLUÇÃO DO ESPÍRITO, REVOLUÇÃO NO MERCADO”, veja-
se o texto:
o poeta com estrelas na cabeça
e dentes cariados na boca
(e o meu amigo diz que o artista
não deve ser pago porque
é um dom divino
o de grafar belezas
para ensolarar a vida
38
dos trabalhadores profissionais)
mas o poeta tem a boca cheia
de dentes cariados e passa
a madrugada nas linhas do poema
- não é o livro de poesia necessário
quanto o pão da padaria?
- ou fazer bom pão também
não é um dom de Deus?
39
O GRUPO TEATRAL ESPÍRITA
O presente trabalho ficaria incompleto se não dedicássemos
algumas linhas àqueles que, movidos pelo idealismo, pretendam criar
um grupo teatral para trabalhar com a temática espírita. Daremos aqui
algumas idéias que muito podem contribuir quando da criação de um
grupo. Nossa proposta, entretanto, não é ditar regras que devem ser
seguidas à risca, mas sim apresentar propostas com base nas
experiências colhidas em alguns anos de vida teatral e entre pessoas
com igual vivência; propostas estas que podem servir de ponto de
partida para quem está se iniciando neste campo e, talvez, para auxiliar
na resolução de problemas de grupos mais antigos.
Não se deve acreditar que o grupo será formado da noite para o
dia; aqueles que se propuserem a encabeçar a tarefa deverão contatar os
“prováveis” membros, marcar o dia da primeira reunião, estabelecer
regras de trabalho e objetivos do grupo e isto demanda tempo.
O local dos encontros não precisa ter um palco (tendo estará
ótimo); deve ser espaçoso o suficiente para se realizarem os exercícios
teatrais (necessários para o burilamento de cada ator) e para os ensaios.
Um alerta: é provável que nos primeiros encontros o número de
participantes seja muito grande, o que motivará os líderes, com o passar
do tempo, porém, o número tende a se reduzir, mas não se preocupem
com isto, é bom que tal aconteça, os que ficarem são aqueles que se
sentem compromissados com o projeto do grupo e outras pessoas virão
juntar-se a vocês.
Com o passar do tempo e a convivência constante os membros
do grupo tendem a se ver como uma família e, como em toda família,
surgem os conflitos de personalidade; é responsabilidade de cada
membro que estes conflitos sejam resolvidos sem prejuízos para os
indivíduos ou para o grupo. Os líderes podem e devem procurar
soluções para este tipo de problema.
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Dentro do grupo os atores se trabalham interiormente, através
dos exercícios e dos ensaios; cabe aos líderes a tarefa de direcioná-los
ao aprimoramento pessoal através do qual amadurecerão como atores,
espíritas e seres humanos.
A disciplina é indispensável seja quanto ao horário de início (um
eterno problema no movimento espírita), na realização dos exercícios e
ensaios e em qualquer atividade desenvolvida pelo grupo.
Todos sabemos que fazer teatro é divertido. Ao fazer Teatro
Espírita podemos e devemos nos divertir com o fazer teatral, mas não
deve ser sinônimo de falta de seriedade; o ator espírita é também um
missionário levando mensagens de esperança, paz, fé e amor. Deve-se
encarar o fazer teatral com muita responsabilidade, pois, caso contrário,
o grupo peca pela falta de zelo para com a mensagem doutrinária e o
Espiritismo fica mal representado. Em resumo: fazer arte é divertido,
mas não é diversão.
Fator importante em um grupo teatral espírita é a harmonia
conseguida através da prece antes e depois de cada ensaio e
apresentação. Não se deve descuidar do fato de que irmãos
desencarnados que se encontram em um estado não muito feliz não
desejam que o trabalho alcance êxito; alguns enfermos da
espiritualidade são levados aos ensaios para tratamento de suas mazelas
espirituais, daí a importância de se manter um padrão vibratório elevado
evitando-se conversas paralelas desprovidas de propósito.
Caso haja problemas persistentes durante os ensaios, será mais
produtivo que os componentes sentem e conversem até encontrar a raiz
do problema e sua solução.
Certa ocasião, durante a preparação de um determinado trabalho
da Cialemarte, percebemos que os ensaios não estavam sendo
produtivos. As semanas transcorriam sem que sentíssemos nenhum
progresso no que ensaiávamos; havia uma visível falta de ânimo. Em
determinado momento cogitou-se inclusive o cancelamento da
apresentação. Durante a conversa franca estabelecida no grupo, um
41
irmão espiritual se apresentou e nos concitou à prece diária, pois o
grupo passava por um momento delicado em termos espirituais devido à
influência de infelizes irmãos desencarnados, influência esta propiciada
por nossa própria invigilância. Passamos então à realização diária de
uma prece, sempre às 18h, procurando envolver encarnados e
desencarnados na mesma sintonia, independente de onde cada membro
estivesse. Assim o problema foi superado e conseguimos dar
prosseguimento ao nosso trabalho.
O grupo teatral espírita deverá buscar qualificar as suas obras.
Um trabalho malfeito só chama atenção para suas falhas; é necessária e
imperiosa a qualificação dos trabalhos artísticos para atingir os
objetivos de divulgação do espiritismo e de valorização da arte espírita.
Os membros formadores do grupo devem estar de acordo com a
proposta: se a finalidade é ter-se um grupo teatral espírita, é preferencial
que todos os membros sejam espíritas tendo (preferencialmente)
freqüência a uma instituição. Não se pode prescindir deste requisito,
pois, caso contrário, tendo-se um grupo mesclado com pessoas de
outras filosofias religiosas ou sem nenhuma, e a proposta for apresentar
uma peça espírita, não haverá a sintonia necessária de pensamentos
pronta a debater a peça, apontar possíveis equívocos ou falar a respeito
dela junto ao público.
Desnecessário dizer que, atendendo à proposta de um grupo
teatral espírita, todas as peças devem conter fundo moral ainda que não
sejam necessariamente espíritas. Pode parecer estranho dizer-se isso,
mas o fato é que uma peça pode conter excelente cunho moralizante
sem que fale diretamente de espiritismo. Eduardo C. Monteiro, ao falar
do Grupo Dramático-Musical criado por Anália Franco, relata que “os
temas das peças não eram espíritas em essência, mas continham fundo
moral e de educação à juventude”.
Durante a realização do 8º FECEF (Festival da Canção e
Encontro de Arte Espírita de Franca [S.P.]) em setembro de 2000, os
participantes, entre os quais me encontrava, puderam constatar a
42
validade de um grupo espírita montar peças não-espíritas quando o
Grupo Arte e Vida se apresentou com O Pássaro Azul, adaptação do
livro homônimo de Maurice Maeterlinck. É claro que deverá ser
adotado um critério na escolha das peças, pois o grupo precisa priorizar
os temas espíritas.
Importante lembrar que é necessário que todos façam uma
leitura cuidadosa de cada peça, apontando possíveis falhas no enredo ou
na mensagem que estiver sendo transmitida.
É desaconselhável tentar administrar o grupo como se fosse uma
casa espírita, pois UM GRUPO TEATRAL ESPÍRITA NÃO É UMA
INSTITUIÇÃO ESPÍRITA, embora os seus integrantes estejam ligados
a uma ou mais instituições espíritas. Havendo a necessidade, cria-se
um Conselho Administrativo que se responsabilizará pelos campos
administrativo, financeiro, artístico, de secretaria e de divulgação. Estes
cargos podem, em sua essência, guardar algumas semelhanças com os
de uma diretoria de casa espírita, mas se tornam bem diferentes quando
de sua aplicação: um grupo teatral deve funcionar como se fosse uma
empresa.
Por falar em administração, toquemos em um ponto chave:
arrecadação de recursos financeiros e sua aplicação. Não é fácil se
montar uma peça de qualidade; mesmo para um grupo de pequeno porte
existem gastos com figurino, cenário, maquiagem, transporte,
divulgação, etc. Como conseguir os recursos? Acredito que a melhor
forma é através do estabelecimento de uma contribuição voluntária por
parte de seus membros. Opta-se por um valor coerente com a realidade
da maioria de seus membros e faz-se um trabalho de conscientização de
todos a respeito da necessidade de auto-gestão do grupo.
O grupo também poderá conseguir patrocínio junto a entidades
públicas e/ou particulares devendo, no entanto, recusar o apoio de
empresas de bebidas alcoólicas, cigarros, motéis, partidos políticos e
outras cujos produtos e serviços não estejam de acordo com a filosofia
moralizadora do grupo.
43
Há ainda a renda arrecadada em apresentações para as quais se
vendam ingressos. Para esta daremos a seguinte sugestão: após terem
sido pagas as despesas com o teatro (se estas existirem), divida-se a
renda da seguinte forma:
1/3 - Destinado a uma instituição filantrópica previamente
escolhida; assim atende-se ao objetivo caritativo que todo grupo
espírita deve ter.
1/3 - Incorporado ao patrimônio financeiro do grupo; aumentando o
patrimônio os gastos futuros são aliviados.
1/3 - Dividido em partes iguais entre os atores que participarem da
apresentação; através desta forma de ajuda de custo, não se
sacrificam aqueles que estiverem em dificuldades financeiras. Se
um dos atores abdicar de sua parte, que esta seja revertida para a
instituição filantrópica.
É importante que o grupo adquira livros (espíritas e não-
espíritas) sobre teatro e sobre arte em geral para que seus membros
possam se aprimorar artística e doutrinariamente através de pesquisas e
consultas.
Apesar de ser um grupo teatral espírita, no qual trabalha-se a
sensibilidade e em conseqüência a inspiração, é aconselhável que se
evitem manifestações mediúnicas durante os ensaios; não devem ser
proibidas, mas também não devem ser incentivadas. Imagine-se os
problemas que podem ocorrer em um grupo teatral se for esquecido
qual o objetivo de seus encontros. Ademais, a recomendação da FEB e
dos amigos espirituais é de que as manifestações mediúnicas sejam
realizadas nas reuniões a elas destinadas, i.e., as reuniões mediúnicas da
instituição espírita. Além disso devemos ter em mente que espíritos
esclarecidos têm consciência o bastante para saber o momento
adequado de manifestar-se de forma mais, digamos, “aberta”, ou
alguém consegue imaginar que um mentor espiritual não saberia seguir
uma norma simples que visa estimular o grupo a seguir seus objetivos
44
(no caso, artísticos) e não fazer com que toda reunião de
espíritas/espíritos se torne uma reunião mediúnica?
E caso elas ocorram? Conforme já o disse, não devem ser
proibidas nem incentivadas, o que equivale a dizer que o dirigente do
grupo deve usar sempre de bom senso para tais casos. Caso haja alguém
necessitando de apoio espiritual, é recomendável que o passe seja o
último recurso a ser empregado pelo dirigente; muitas vezes uma boa
conversa é capaz de resolver todo problema e não cria outros mais.
Quando digo que a mediunidade pode causar problemas em grupos de
arte espírita, e o digo por experiência própria, me refiro a fatores como
maturidade do grupo, idade de alguns participantes, a sensibilidade de
pessoas muito impressionáveis e outros fatores que podem transformar
um simples passe, por exemplo, em uma manifestação coletiva de
proporções tão grandes cuja solução requererá muito tempo e desgaste.
Por isso o dirigente do grupo de arte espírita deve ser um
estudioso de, no mínimo, três das obras básicas, a saber:
O Evangelho Segundo o Espiritismo – Nele encontra-se o guia
de conduta para toda a humanidade. É nele que o dirigente
encontra amparo espiritual e moral nos problemas que poderá ter
em seu trabalho.
O Livro dos Espíritos – Saber o porquê de determinados
problemas acontecerem, ter conhecimento de causa, dará ao
dirigente maior segurança e discernimento para buscar soluções
em cada caso.
O Livro dos Médiuns – Conhecendo a natureza do fenômeno
mediúnico, o dirigente estará mais capacitado a distinguir os
diversos tipos de mediunidade de uma manifestação puramente
anímica ou de caráter emocional.
Tais conhecimentos se fazem necessários para que se saiba lidar
com as situações de caráter espiritual dentro do grupo.
Lembremos sempre das palavras de São Tomás de Aquino:
“Ordem é cada coisa no seu lugar e no seu devido tempo”.
45
Para fechar este capítulo, mas não o seu assunto, não
encontramos nada mais apropriado que a observação de Hamilton
Saraiva em Centros e Dirigentes Espíritas:
No grupo teatral espírita, devem ser respeitadas, com
muito rigor, algumas 'leis' já consagradas da doutrina. A liderança
do diretor deve ser aceita e não imposta. A relação fraterna e
democrática será a tônica maior entre todos. A franqueza e a
sinceridade, sem agressão, deverão estar presentes sempre. A
humildade, a paciência, o respeito, a colaboração e o trabalho
serão as 'pedras-de-toque' para aferir os participantes.
46
O TEXTO TEATRAL ESPÍRITA
– DA INSPIRAÇÃO À ESCRITA –
Escrever para teatro é um pouco de talento e
criatividade e muito de exercício.
Edmundo Cezar
Não será objetivo deste texto ditar regras ou dar receitas para
aquele que deseja começar ou desenvolver a escrita do texto teatral
espírita. O que direcionará o mesmo será a troca de idéias e
experiências fundamentada em conceitos teóricos da dramaturgia.
Dramaturgia
O texto teatral é pertencente ao chamado gênero dramático,
gênero este que se refere diretamente aos textos escritos para
encenação. Hênio Tavares assim o define:
É o gênero representativo ou figurativo, por excelência.
Apresenta a combinação dos seguintes elementos:
a) Na forma: prosa ou verso.
b) No conteúdo: objetivo ou objetivo-subjetivo.
c) Na composição: representativa. (Para encenação em
palco.)
Portanto, sempre que falarmos em dramaturgia ou dramatúrgico
estaremos nos referindo aos textos escritos para encenação.
Os textos dramatúrgicos podem se apresentar em determinados
subgêneros (ou espécies) obedecendo às mais diversas orientações
formais. Não nos deteremos em esmiuçar cada uma delas,
recomendando a leitura de obras específicas para aqueles que desejarem
conhecê-las melhor, procedendo apenas a uma listagem das principais:
Tragédia, Comédia, Drama satiresco, Mistérios, Milagres, Auto, Farsa,
47
Tragicomédia, Drama, Variedades ou Revista, Ópera, Opereta,
Melodrama, Vaudeville, Commedia dell’arte, Sketches.
Estes gêneros aparecem e/ou se ligam a determinadas escolas ou
estilos dramáticos, i.e., estão subordinados a certas orientações criativas
que se sucedem no tempo, embora terminem por conviver de modo
mais ou menos harmonioso. Vale à pena elencá-las: Clássica, Medieval,
Renascentista, Romântica, Popular, Poético-musical, Realista,
Naturalista, Expressionista, Surrealista, Simbolista, Dadaísta, Futurista,
Realista seletiva.
Não nos deteremos em esmiuçar cada uma, recomendando a
pesquisa em manuais específicos. É importante salientar que o
dramaturgo tem por obrigação ser também um pesquisador.
Um teatro cheio de ideias
Antes de mais nada, é preciso alertar para o fato de que o teatro
espírita se insere (de acordo com Nazareno Tourinho) na categoria do
teatro de ideias, categoria que abrange três tipos de peças. As
explicações sobre cada tipo são de Walter Kerr citadas por Tourinho e
serão aqui reproduzidas na íntegra dada sua relevância para nosso
estudo.
1. Peça-problema
“A peça-problema limita-se simplesmente a apresentar o
seu problema; procura ser justa com ambas as partes; deixa o
pano cair sem nenhuma solução.”
2. Peça de tese
“A peça de tese vai um passo além. Apresenta o
problema político, social ou moral que tem em mente e aí debate
uma solução para aquele problema, ou pelo menos uma
interpretação definida para sua significação. Na peça de tese
conserva-se um certo jogo franco ou, pelo menos, um certo
interesse psicológico pelo inimigo. O resultado da peça, não
obstante, enquadra-se ao ponto de vista do autor, ilustrando-o.”
48
3. Peça de propaganda
“A peça de propaganda ainda vai outro passo além.
Apresenta um problema, debate a solução do autor e aí procura
incitar o público a uma ação imediata. Enquanto o dramaturgo de
tese se satisfaz em ter a aquiescência intelectual para as suas
ideias, já o propagandista só se satisfaz com engajamentos
apaixonados e cooperação prática.”
Nazareno deixa explícita sua preferência a que as peças espíritas
se enquadrem nos parâmetros da peça de tese. Particularmente não vejo
inconvenientes na utilização da peça-problema em nosso meio, já tendo
tido a oportunidade de assistir a este tipo de peça e até de ter escrito
algo do tipo; somente a peça de propaganda não é muito recomendável,
pois corre-se o risco de produzir mais um panfleto do que uma obra
artística, o que não quer dizer que não se possa fazer este tipo de peça,
apenas é necessário ter cuidado para não rebaixar a arte em função da
propaganda.
Teatro que se lê
É importante ter em mente que para exercitar uma arte qualquer,
é necessário ter contato teórico e prático com a mesma. Assim, se você
desejar pintar, vá a exposições pictóricas; se seu interesse é por canto,
vale à pena dar uma olhada em apresentações musicais; um aspirante a
poeta necessita ler poesia e assim por diante.
Isso nos leva a pensar: então para escrever pra teatro eu preciso
assistir a peças, certo? ERRADO. Ao assistir a uma montagem você
tem contato com o texto dramatúrgico filtrado pela visão do encenador
(ou diretor) e não com o texto em seu estado puro. O que você precisa é
se habituar a ler textos teatrais.
Não é muito comum esse tipo de leitura e você terá que procurar
bem, pois as editoras pouco acreditam na edição de textos teatrais. Mas
49
felizmente há aqueles editores que corajosamente apostam na
comercialização de dramaturgia, além do quê sempre se pode contar
com a internet e com os textos que amigos gentilmente nos cedem.
E o que ler? Isto já passa por uma questão problemática. De um
lado há o gosto pessoal de cada um; de outro há os autores obrigatórios.
Minha recomendação é que você leia de tudo em termos de
dramatúrgico.
Tenho tido a oportunidade de ler diversos dramaturgos e garanto
que minha escrita só ganha com cada um deles. Shakespeare, Federico
Garcia Lorca, Ibsen, Strinberg, Moliére, Oswald de Andrade, Nelson
Rodrigues, Alberto Centurião, Leopoldo Machado... Estes nomes
(dentre tantos outros) deverão passar a figurar em seu vocabulário e em
seus pensamentos. Você pode até não gostar de um ou de outro, é um
direito seu, mas é também seu dever conhecer um pouco da obra de
cada dramaturgo que você puder; prometo que sua própria escrita só irá
ganhar com isso.
Complementarmente é sempre útil ler sobre teoria e história do
teatro. Assim você será capaz de entender que um texto de Shakespeare,
por exemplo, obedece a padrões cênicos específicos de sua época,
alguns tendo se mantido, outros sido adaptados e outros abandonados
completamente.
Elementos do texto teatral
Um texto dramatúrgico é reconhecido por seus elementos
formais. Ao longo da história estes elementos foram sendo criados,
acrescentados, desenvolvidos, abandonados, questionados; no século
XX, principalmente, o modo de se escrever para teatro sofreu profundas
modificações. Entretanto, alguns elementos se mantiveram, e você terá
liberdade total para trabalhar cada um deles da maneira que sua
criatividade assim o dirigir. O que faremos a seguir será lançar um olhar
50
geral sobre estes elementos no intuito de dar-te subsídios para começar
ou desenvolver sua dramaturgia. Vamos a eles.
I. Tema
É o assunto geral da peça, devendo, obviamente, estar presente
em toda a trajetória do enredo da mesma.
Uma peça pode apresentar apenas um ou vários temas.
Recomenda-se evitar que em uma única peça surjam vários temas de
igual importância para seu desenvolvimento, o que não impede que a
um tema principal sejam agregados subtemas que sirvam ao tema
central sem competir com ele em ordem de importância.
Em minha experiência, percebi que um texto pode apresentar ao
menos três tipos de subtemas: explícitos (que são facilmente
identificáveis pelo público), implícitos (que requerem um pouco mais
de atenção e/ou conhecimento prévio do público) ou ainda
subjetivos/subliminares (que não são perceptíveis pelo público, pois
fazem parte de sua própria subjetividade ao escrever).
II. Gênero
Constantin Stanislavski costumava contar de um ator capaz de
dizer “boa noite” de mais de trinta formas diferentes. Um mesmo tema
pode ser tratado das mais diversas formas, fazendo com que um texto se
ligue a este ou àquele gênero.
Você não precisa conhecer detalhadamente cada gênero para
escrever. O que você precisa é “conhecer as motivações da lágrima e do
riso, daquilo que reputamos como sério e como engraçado”
(TOURINHO, 1991: 77).
Portanto, sinta-se à vontade em sua criação. Dê livre curso à
imaginação sabendo utilizar os recursos da emoção e do riso. O gênero
de seu texto surgirá naturalmente de suas páginas.
51
III. Enredo
O gênero é a forma de tratamento de um texto. O enredo é sua
organização, i.e., o enredo é a história na qual se expressa o tema e
os subtemas.
Aristóteles sugere que uma peça seja composta por começo,
meio e fim. O tema, portanto, é desdobrado em apresentação, evolução
(ou complicação) e conclusão (ou resolução). Embora esta fórmula
continue em vigor nos dias atuais, perdeu sua rigidez, com a
contemporaneidade subvertendo tal ordem, muitas vezes pela inversão
das partes, outras pela sua supressão, outras ainda pela sua ocultação,
deixando ao espectador um papel mais ativo do que o de simples
observador.
O enredo é apontado por Aristóteles como sendo o principal dos
elementos dramáticos, uma afirmativa que tomo como correta, pois “é o
enredo que abre caminho para a ação através do conflito e é ele que
fomenta a caracterização dos personagens [..]”. (TOURINHO, 1991:
78-9)
É sempre importante que o enredo seja verossímil, alterne
momentos de clímax e anticlímax em seu desenvolvimento, flua com
espontaneidade (embora isto também dependa dos atores), não se
detenha no óbvio nem em longas descrições (eu diria evitar a
tagarelice), surpreenda o espectador.
IV. Caracterização dos personagens
O escritor argentino Jorge Luis Borges escreveu um
interessantíssimo livro de contos de nome Ficções. Meu conto predileto
deste livro intitula-se “As ruínas circulares”; nele temos um homem que
se propõe a um projeto audacioso: sonhar um homem e depois de
sonhá-lo impor sua existência à realidade. Leva meses e anos nesta
tarefa até atingir seu êxito, pois a complexidade do cabelo, da mente, do
52
porte físico, consomem todo o seu ser. Criar personagens para uma peça
teatral é como sonhar seres humanos que se tornarão parte concreta do
mundo.
A caracterização dos personagens é assunto delicado. Muitas
vezes uma peça tem um enredo fascinante estragado por personagens
deslocados. Seus personagens devem ser coerentes com o gênero de
peça que você escreve.
Consultado sobre o tema, Edmundo Cezar fez um comentário
que julgo tão oportuno que reproduzo-o aqui:
Os personagens se caracterizam pelo que dizem, pelo que
os outros dizem dele e por suas próprias ações. É muito comum
para o iniciante (e para os poucos talentosos também) que a
dificuldade em caracterizar bem os personagens produza clichês.
O mais comum é o obsessor sem causa, sem argumentos, sem
vida pra contar.
É preciso cuidado, construa seus personagens de forma coerente
com seu texto. Nas palavras de Nazareno Tourinho: “A caracterização
dos personagens requer do dramaturgo bastante acuidade porque a
natureza humana não é nada simples, é superlativamente complexa”.
Captar a complexidade humana em um personagem é uma tarefa
desafiadora. Certa vez escrevi um texto que apresentava uma
personagem feminina que se portava como mulher, era vaidosa, mas se
apresentava com um perispírito masculino. Era um personagem tão
complicado que levei dias apenas na sua concepção. Se tornou uma
moça até atraente se você não prestar atenção em sua aparência.
É interessante criar seres humanos.
53
V. Ação
São as atividades dos personagens, o que eles fazem, o que
pensam e o que dizem, nascendo “sempre de um conflito existente nas
linhas mestras do enredo.” (TOURINHO, 1991: 82)
Diz Edmundo Cezar:
O principal elemento do texto é o conflito. O conflito
estabelece um eixo de oposição entre os personagens. Uns se
colocam de um lado da questão e outros de outro. Antagonistas e
Heróis se estabelecem. Personagens principais e secundários se
distinguem. Um bom conflito é aquele capaz de gerar na trama
uma relação de interesse da platéia. Quando um conflito se
soluciona, a peça acaba.
É importante ainda ter em mente que conflito não
necessariamente indica oposição, mas sim relação. Um monólogo, por
exemplo, estabelece uma relação (logo um conflito) entre o personagem
e o público e entre o personagem e o enredo.
VI. Diálogo
Em relação ao diálogo em um texto dramático, deve-se levar em
conta que é ele quem cria boa parte da ação de uma peça. É no diálogo
que se mostram o enredo, o conflito, a caracterização dos personagens,
o tema, subtemas e o gênero da peça. Por isso o dramaturgo deve dar
especial atenção à forma de construção dos diálogos.
Os diálogos devem ter um ritmo empolgante, envolvente,
capazes de manter o público atento. Às vezes aquela ideia magnífica
que você tem e que toma dez linhas é muito agradável de ler, mas
experimente colocá-la na boca de um personagem e você corre o risco
de causar bocejos sonoros na plateia.
54
Faça um teste: experimente falar um dos capítulos de Nosso lar,
de André Luiz. Você perceberá o quanto as longas falas do livro que
tanto nos iluminam se tornam um tormento cênico. A magia do teatro, e
do texto dramático, é ser capaz de dizer muito falando pouco, ou em
outras palavras, a síntese da linguagem.
Pergunta natural: se o diálogo é tão importante, o que acontece
nos monólogos? Eu me fiz essa mesma pergunta em 2007.
A direção do Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade, em
Nova Iguaçu, me encomendou um monólogo sobre a vida de Leopoldo
Machado; a ideia era celebrar o cinqüentenário de seu desencarne.
Me vi às voltas com dois problemas: primeiro, eu nunca havia
escrito nada por encomenda; segundo, eu não gosto de monólogos.
Em contrapartida tinha dois fatores a meu favor: primeiro, há
tempos já vinha pensando em escrever uma peça sobre a vida de
Leopoldo Machado, portanto tinha bastante pesquisa prévia sobre o
tema; segundo, eu nunca me adeqüei a padrões, e não seria desta vez
que iria fazê-lo.
O resultado da empreitada foi a peça Alegria Cristã: a história
de Leopoldo Machado, uma peça que possui dois formatos, uma
reduzida (em forma real de monólogo) e outra com mais cinco
personagens. A versão com os outros cinco personagens possui sete
páginas. A versão reduzida possui seis. Isto porque ao escrever o
monólogo, fugi ao padrão de um monólogo e inseri as participações de
outros atores, mas ainda assim o personagem central (Leopoldo) possui
falas gigantescas.
Como solucionei o obstáculo da ausência quase total de
diálogos? Foi relativamente simples; bastou lembrar de Clarice
Lispector, a genial escritora que criou o conceito de fluxo de
consciência na literatura e somar esta ideia com o que li certa vez em
um artigo de psicanálise, que a nossa mente está em constante diálogo
interior.
55
O monólogo é, portanto, um diálogo do personagem consigo
mesmo e consequentemente com o público.
VII. Rubricas
Essa é a parte mais fácil de explicar e uma das mais complicadas
de fazer. Na maioria das vezes o dramaturgo não acompanha a
montagem de seus textos. Também precisa ter em mente que seu texto
deixa de ser sua propriedade exclusiva no momento em que sai de sua
mente, podendo vir a ser montado por grupos muito distantes e mesmo
décadas após seu desencarne.
As indicações colocadas no texto, as rubricas, são importantes
ferramentas para expressar as ideias do dramaturgo e servirão de
parâmetro para os encenadores, mesmo quando estes modificam uma
coisa aqui e outra ali, a importância deste elemento é preservada.
Servem par indicar gestos, vestimentas, tiques nervosos,
sentimentos, modificações nos cenários, pausas e quaisquer outras
informações indispensáveis ao texto.
Mãos (e cabeça) à obra
Espero sinceramente que este texto sirva de pontapé inicial para
alguns e de subsídio adequado para outros. Os primeiros são os que
começam agora a escrever para teatro espírita. Os segundos são os que
já possuem experiência neste sentido.
De minha parte, posso dizer sem medo que aprendi muito
enquanto o escrevia, pois foi uma oportunidade de pensar de modo
claro no ofício ao qual tenho me dedicado ao longo desses anos. Pude
também rever alguns conceitos que certamente terão grande repercussão
em meus textos futuros.
Agora é o momento do próximo passo. Pesquisar, ler, assistir,
escrever, escrever, escrever, estudar mais um pouco e um pouco mais.
56
Comece escrevendo pequenas cenas, sketches, e vá evoluindo,
experimentando, aprendendo, conversando.
57
COMÉDIA ESPÍRITA É COISA SÉRIA
Engana-se quem pensa que a mensagem espírita deve ser
encenada apenas através do drama; a comédia possui igual valor.
Como fazer uma comédia espírita? Simples. Da mesma forma
que se faz qualquer outra peça espírita: com bom senso.
No curso da história, os humoristas sempre se destacaram por
seu engajamento, ainda que sutil, nas causas sociais. Através do humor
são apontados os problemas sociais, o descaso das autoridades, os
motivos das mazelas da população e suas soluções.
Através do humor no Teatro Espírita pode-se apontar absurdos
vistos no movimento espírita (como práticas mediúnicas ilógicas,
dirigentes intransigentes e autoritários, médiuns e trabalhadores
irresponsáveis, etc.) e mesmo problemas de âmbito pessoal e social
(alcoolismo, dependência química, conflitos familiares, etc.) de uma
forma leve, amena e divertida, sem agredir a quem quer que assista.
Pode-se muito bem fazer este tipo de humor desde que, implícito no
contexto, a direção correta seja apontada.
Pode-se, ainda, fazer um humor sadio, que traga alegria aos
corações; é preciso que os artistas espíritas se conscientizem de que
fazendo rir de forma inteligente, e não apelativa, estão contribuindo
para a elevação moral dos indivíduos, bem ao contrário do tipo de
humor mais em moda atualmente, repleto de frases de duplo sentido,
que instigam à sensualidade desequilibrada, sem o menor espírito
crítico em seu conteúdo (com raras exceções).
Deve-se lembrar que a alegria é elemento importantíssimo na
vida do ser humano; e por que não levar a alegria para dentro das casas
espíritas em momentos e formas próprias a cada tipo de atividade?
Afinal, no dizer de Leopoldo Machado, as casas espíritas não devem ser
semelhantes a “câmaras mortuárias” e é o próprio Leopoldo que
completa: “Muita alegria, que esta coisa de tristeza e casmurrice não é
58
de quem segue Aquele que pregava: 'Alegrai-vos, que é chegado o
Reino dos Céus!'“ (Citado por Clóvis Ramos).
O humor espírita é aquele humor saudável, que ensina
divertindo e diverte ensinando, fazendo com que o espírito caminhe
sorrindo e alegre na estrada infinita da evolução.
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EM DIREÇÃO À QUALIDADE
Para que o Teatro Espírita não se desvie de sua finalidade
pedagógico-divulgadora, alguns cuidados se fazem necessários.
Se em uma peça tiver de ser retratado um profitente de crença
religiosa que não seja a espírita, o ator deverá ser cauteloso na
composição da personagem, estudando os rituais e fundamentos da
religião interpretada para não cair em equívocos (como misturar
conceitos de religiões diversas), deverá também evitar fazer uma
personagem estereotipada ou ridicularizando-a. O mesmo conselho
serve para dramaturgos e diretores.
Em cenas que envolvam a sensualidade o cuidado é maior; não é
necessário que se explicite demais nem que se amenize em excesso:
pode-se ser sensual sem apelar para a vulgaridade e manter-se o bom
gosto sem ser piegas. Os atores envolvidos na cena devem ter confiança
mútua para que não sejam gerados constrangimentos.
No caso de cenas envolvendo a violência e/ou a obsessão, o
mesmo apontamento anterior: se muito contundente, torna-se gratuito;
se muito amenizado, não cria envolvimento da platéia com a história.
Se a intenção é uma história de época, deve haver coerência
histórica, ou seja, as vestimentas, a fala e os costumes dos personagens,
os objetos cênicos e até as citações devem estar de acordo com a época
e com o local (coerência geográfica) em que a ação se desenrola.
A peça espírita não deve se deixar levar por idéias políticas ou
por modismos, pode-se apresentar propostas sem levantar bandeiras;
não deve suscitar debates vazios ou pouco úteis para a evolução do ser
humano; deve, isso sim, manter-se fiel à Doutrina que divulga.
Todos esses apontamentos, e quaisquer outros que aqui se
possam acrescentar, servem a um propósito: qualificar o Teatro Espírita,
a fim de que ele possa atingir suas finalidades artísticas, divulgadoras e
moralizadoras.
60
ABENÇOADOS APLAUSOS
Certa feita em que me encontrava em uma das muitas
confraternizações a que compareço anualmente, conversava
animadamente com jovem senhora que falava do orador que viria em
seguida, uma vez que ela, segundo dizia, sempre ia às palestras por ele
ministradas. Após a exposição do orador, que nos arrebatou a todos por
seu brilhantismo, lógica, atualidade e bom humor, não nos contivemos e
irrompemos em aplausos entusiasmados. Qual não foi minha surpresa
ao ouvir da mesma jovem senhora, que não se devia aplaudir em
eventos espíritas porque em “A Gênese”, Kardec diz que “os espíritas
devem comunicar-se pela emanação fluídica do pensamento”(!?);
achando curiosas essas palavras passei a observá-la durante o restante
do evento e pude constatar, entre surpreso e incomodado, que ela não
aplaudia sequer as apresentações artísticas.
Este fato curioso, infelizmente está longe de ser raro no
movimento espírita; existem espíritas que crêem que os aplausos
dispersam as boas vibrações, podendo causar perturbação espiritual.
Estou até de acordo que os aplausos podem acarretar problemas caso
ocorram durante uma reunião mediúnica, por exemplo, mas não vejo
problema algum quando são dirigidos a um número de arte, ou uma
palestra, em evento festivo da instituição ou durante outro evento.
Em algumas instituições, os aplausos foram substituídos por um
sinal equivalente utilizado pelos deficientes auditivos: as mãos são
erguidas e movimentadas como chocalhos. Só esperemos que nessas
instituições nunca se apresentem artistas ou oradores portadores de
deficiência visual, o resultado seria no mínimo hilário.
Mas voltemos ao que aquela jovem senhora disse estar em “A
Gênese”. Como sou curioso, fui pesquisar na obra de Kardec e não me
surpreendi ao constatar que a afirmativa feita por ela NÃO EXISTE.
Kardec diz, no capítulo sobre fluidos, que estes são movimentados (e
não emanados) pelo pensamento, logo, o que determinará a condição
61
dos fluidos em um ambiente serão o interesse e o equilíbrio mental dos
presentes e não um simples, sincero e carinhoso aplauso.
Veja-se a opinião de Wilson Garcia em “O Centro Espírita e
suas Histórias”:
Sobre a afirmação de que os aplausos dispersam as boas
vibrações, diremos que isso não passa de tolice. Vibrações não
são como o ar, que se movimentam com as mãos. São energia que
somente o pensamento é capaz de movimentar e qualificar. É isso
mesmo o que diz o Codificador. O pensamento movimenta a
energia e transfere-lhe qualidades, porque a energia em si não
tem qualidade própria. Sob a ação do pensamento, essa energia
adquire valor. Num ambiente em que as pessoas se reúnem para
uma ação positiva, a energia ou 'vibração' tenderá a ser agradável
e benéfica. Não serão, pois, os aplausos que irão dispersá-la e
com isto trazer prejuízos para os presentes. Pelo contrário, a
manifestação de satisfação que acompanha os aplausos, diz o
bom senso, propiciará o aumento da quantidade de energia
positiva no ambiente, fortalecendo-o. Como se vê, dá-se o
contrário daquilo que certos dirigentes pensam.
Seja permitido, aqui, que este ator metido a escritor faça um
pedido: APLAUDAM! Aqueles que se dedicam ao Teatro Espírita
anseiam por saber se o público gostou de seu trabalho; em muitos casos,
após meses de ensaios e sacrifícios, por amor à arte e à Doutrina, o
aplauso é o único tipo de “pagamento” que eles recebem, pagamento
esse muito mais valioso que qualquer quantia monetária; aplaudam,
dêem-lhes essa alegria de saber que cumpriram sua tarefa com êxito.
Alguns pensam que as palmas podem contribuir para a vaidade.
Bobagem. O aplauso é uma forma de contato do público com o ator, é o
momento do espectador se aproximar dele, de fazer parte daquele
momento mágico, se o ator vai se envaidecer é problema dele, não do
público. Na verdade, os aplausos possuem uma função imprescindível
para o sucesso de uma apresentação. Explico melhor.
62
Costuma-se dizer que o palco é um espaço imantado, carregado
de eletricidade; vários são os atores que comentam sobre a energia do
espaço cênico. Essa energização começa bem antes das cortinas serem
levantadas e bem antes do ator pisar no palco: ela tem início nos
momentos que antecedem a apresentação, quando o ator está se
preparando, em concentração para seu papel, num momento que pode
ser chamado de “incorporação do personagem”. Enquanto a peça se
desenrola, atores e público entram em um jogo de troca de energias.
O ator suga a energia do personagem, une-a à da platéia, fica
completamente transformado num estado alterado de consciência
próximo ao transe. Quem nunca viu um ator que prosseguiu sua fala
apesar de ter havido algum acidente em cena?
O espectador deixa-se levar pela peça, mergulha na emoção do
espetáculo, passa pela catarse da qual já falamos. É comum vermos as
expressões de espanto, alegria, tristeza, excitação dos sentidos dos
espectadores durante uma apresentação.
O papel dos aplausos é o de quebrar essa magia, dar fim ao jogo,
à troca, para que o artista saiba que aquele momento acabou e que ele
pode deixar de ser o outro e voltar a ser ele mesmo e que o espectador
seja desperto de sua catarse e leve em forma de aprendizado o que
vivenciou naqueles momentos, mas que não dê continuidade à vivência
dos mesmos.
Para terminar esta parte, lanço uma provocação: se eu posso
aplaudir caso goste, isto quer dizer que também posso vaiar caso não
goste? Particularmente considero a vaia uma manifestação deselegante
e que contrasta com a lei de caridade, pois torna-se uma agressão.
Recomendo aquilo que ouvi certa vez do amigo ator Ciro Martins: “Não
gostou? Não aplauda!”
63
O TEATRO ESPÍRITA AMANHÃ
Ao ser indagado sobre o que o futuro estaria reservando para o
Teatro Espírita, Renato Prieto respondeu:
O tempo se encarregará de fazer uma seleção natural,
em que as pessoas que quiserem trabalhar de forma séria,
fazendo Teatro Espírita por amor à Doutrina ficarão, o que,
aliás, já é uma realidade presente.
Temos que trabalhar com seriedade, honestidade e
humildade, qualificando a obra cada vez mais.
Nós, que hoje damos nossa arte em prol da divulgação espírita,
estamos ainda colhendo os frutos do trabalho daqueles pioneiros de
décadas já passadas.
Humberto Brussolo, Victorien Sardou, Nair Gadelha, Leopoldo
Machado, Jésus Gonçalves, Amaral Ornelas, Augusto César Vannuci,
Felipe Carone e tantos outros companheiros já desencarnados deixaram
sementes de arte, de beleza, vida e esperança. São espíritos
trabalhadores, como eles, que hoje incentivam os grupos de arte no
movimento espírita; que, através do casamento fluídico de idéias,
inspiram artistas como Renato Prieto, Simone Vianna, Eduardo Lemos,
Ariovaldo Filho, Moacyr Camargo, Allan Bispo (cineasta), Cia. Laboro,
Grupo Arte Nascente (GAN), Instituto Arte & Vida, Associação
Brasileira de Artistas Espíritas (Abrarte) e tanto outros participando dos
eventos artísticos espíritas por terem confiança em nossa capacidade de
realização de um trabalho com qualidade, jamais nos afastando de
nossos ideais.
Cabe-nos, agora, dar prosseguimento à semeadura, preparar o
terreno para aqueles que se preparam para o reencarne; esses novos
artistas estarão, daqui há mais um pouco, fazendo a verdadeira Arte
Espírita.
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O Teatro Espírita, então, não necessitará mais de rótulos, pois
terá concretizado o que hoje apenas se cogita: a aceitação por parte de
todo e qualquer tipo de público. Para essa aceitação é necessário que as
peças espíritas na atualidade empenhem-se na divulgação não só dos
princípios espíritas, mas também e, principalmente, dos princípios
universais do amor, da bondade, da conduta moral, do equilíbrio
interior, da existência de uma força superior inteligente que cria e gera
tudo o que nos cerca; esses princípios não são propriedade exclusiva de
nenhum conceito religioso, são todos parte das Leis Naturais que se
encontram inscritas na consciência humana.
O terreno está a nossa frente, basta-nos ará-lo com as
ferramentas da qualidade decorrente do conhecimento doutrinário,
adubando-o com o fertilizante da seriedade para só então, semeá-lo com
a dedicação, o esforço e o amor.
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“MINHA VIDA ERA UM PALCO ILUMINADO...”
No Capítulo 5 de Atualidade do Pensamento Espírita, Divaldo
P. Franco dialoga com o espírito Vianna de Carvalho sobre assuntos
variados, entre os quais a Arte. Veja-se a questão 137:
Seria a Vida a expressão artística de Deus?
A Vida é emanação do pensamento de Deus que se
exterioriza em completa harmonia, portanto, como forma sublime
de Arte.
Diante da resposta dada, podemos afirmar que o universo é um
enorme teatro, onde os espíritos são os atores que representam dramas,
comédias, épicos...
Nesta gigantesca e monumental peça, os cenários são os
diversos mundos em toda a sua beleza e esplendor.
Os atores recebem a maquiagem necessária para o desempenho
de cada personagem nas sucessivas experiências reencarnatórias.
O roteiro está decorado e se encontra gravado na consciência
dos atores; mas todo ator tem o hábito de improvisar e, muitas vezes, o
enredo da peça acaba sendo posto de lado.
A platéia pagou para assistir a esse espetáculo com a “quantia”
de milênios de aprendizado até o alcance da perfeição; todos assistem
de camarote, incentivando os atores como só os melhores fãs fazem.
Neste teatro há muitos lugares vagos. Para ocupá-los, cada ator
deve conscientizar-se de que nesta peça não há protagonistas, todos são
coadjuvantes e trabalham juntos; não há vilões na história, todos são
heróis em potencial.
E Deus é o sublime dramaturgo que escreve o roteiro e deixa-
nos livres para criar as cenas e falas.
É o figurinista que desenha e tece, uma a uma, as vestimentas de
cada personagem.
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É o técnico de som que nos dá como trilha sonora a melodia do
universo.
É o iluminador que acende sobre nós holofotes para os quais
teimamos em fechar os olhos.
É também o cortineiro que abre as cortinas que nunca se fecham.
E, finalmente, Deus é aquele que está sempre pronto a aplaudir
de pé a cada fim de espetáculo.
Agora o que temos a fazer, de posse desse conhecimento, é ir
para nossas respectivas marcas, relembrar nossas falas e aguardar
nossas deixas, pois o espetáculo está apenas começando...
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CONCLUSÃO
Antes de apresentar nossa argumentação final cabem aqui dois
pedidos em forma de lembretes:
I. Espíritas, prestigiem as peças espíritas, compareçam ao teatro
sempre que for possível, incentivem os grupos nas casas
espíritas, dêem apoio a toda iniciativa que vise divulgar a
Doutrina de maneira séria.
II. Atores Espíritas, estudem, aprimorem-se, qualifiquem sua arte;
façam-se notar, assumam este compromisso, corram o risco,
permitam se entregar àquilo em que acreditam.
Espero que não tenha sido cansativo, para o leitor, o caminho até
estas derradeiras linhas. Obrigado por sua atenção e paciência.
Não se tem a pretensão de fechar o assunto que foi objeto deste
trabalho; lidar com qualquer tema ligado à arte é extremamente
complicado, pois não é possível abranger o tema de maneira absoluta, e
muitas vezes tem-se de lidar com a frustração de não poder encontrar
respostas que fechem a questão.
No decorrer deste trabalho, diversas perguntas foram levantadas;
ao encontrar as respostas é possível que várias outras tenham surgido.
Felizmente!
Como já foi dito, este é um trabalho sobre teatro, a mais
completa de todas as artes, e, por isso mesmo, não se pode fechar o
assunto apenas iniciá-lo.
Acreditamos, no entanto, ter deixado clara nossa posição, de que
vemos o Teatro como a forma mais eficaz de transmitir e divulgar os
ensinamentos Espíritas ao público que se encontra além das fronteiras
do movimento espírita. Graças à própria natureza do teatro e a maneira
como ele pode se apresentar, o TEATRO ESPÍRITA tem a capacidade
de não deixar que ninguém fique alheio à sua existência.
Pode-se dizer que o objetivo maior de nosso trabalho foi: fazer
pensar melhor sobre o Teatro Espírita, criar condições para que cada
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leitor faça seus próprios questionamentos e pesquisas sobre o assunto,
podendo chegar às suas próprias conclusões.
Glaucio V. Cardoso
http://glauciocardoso.blogspot.com
http://cialemarte.blogspot.com
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AVISO FINAL
Tudo o que você leu neste livro é passível de questionamento.
Quais os seus? Que tal anotá-los e, quem sabe, escrever o próximo livro
sobre Teatro Espírita?
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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