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A Teoria da Dependência: Uma Contribuição aos Estudos de Relações Internacionais
Revista Política Hoje, Vol. 22, n. 1, 2013 106
A Teoria da Dependência: Uma Contribuição aos Estudos de Relações Internacionais
José Alexandre Altahyde Hage (Fundação Armando Alvares Penteado)1
Resumo: O objetivo deste ensaio é analisar a teoria da dependência e seu impacto nos países em desenvolvimento justamente no momento em que alguns deles se industrializavam, como Brasil e México. Nosso intuito não é fazer algo evidente e mecânico, visto que verificar a teoria da dependência não guarda originalidade na época atual. Nossa intenção é comparar três fontes de critica e explicação: 1 – a percepção da CEPAL a respeito da Divisão Internacional do Trabalho, 2 – A critica de Cardoso e Faletto a respeito da industrialização e 3 – a visão de Marini sobre os limites e contradições das explicações precedentes. Por fim, gostaríamos de analisar a dependência tanto sob a tradição marxista e sua possível utilização como instrumento teórico das relações internacionais, sobretudo em um momento em que o centro hegemônico do capitalista entra em crise. Palavras-chave: Teoria Crítica; Marxismo; América Latina; Economia Internacional.
Abstract: This essay aims to analyze the dependence theory and its impact on developing countries exactly at the time when some of them were being industrialized, such as Brazil and Mexico. We do not intend to do anything evident and mechanic, as the verification of the dependence theory is not original in the current time. We intend to compare three critique sources and their explanations: 1 - how CEPAL deals with the International Division of Labor; 2 - the critique about industrialization by Cardoso and Faletto; and 3 - the view of Marini on the limits and contradictions of the preceding explanations. Finally, we would like to analyze the dependence on the Marxist tradition and its possible use as a theoretical instrument in International Relations, mainly at a time when the hegemonic capitalist center is in crisis.
1 José Alexandre Altahyde Hage é doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas. Possui estágio pós-doutoral pelo Depto de História da Universidade Federal Fluminense. Na atualidade é professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo, campus Osasco. E-mail: alexandrehage@hotmail.com.
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Keywords: Criticism Theory; Marxism; Latin-America; International Economy. Introdução
À primeira vista, a teoria da dependência não se encaixa no
agrupamento das teorias das relações internacionais da mesma maneira
que o realismo, o idealismo ou a interdependência.2 Quando os estudiosos
da dependência começaram a analisar o fenômeno em si foi por causa de
questões domésticas, das estruturas de classe, dos conflitos sociais e da
industrialização que apresentaram, em princípio, implicações
internacionais.
Da mesma forma que o marxismo, a dependência reconhece a força
dos atores internacionais e a expressão das grandes potências, como o
imperialismo e a hegemonia. Mas seu raciocínio não considerou sua
produção intelectual como contribuição aos estudos de Política
Internacional. Recentemente, com o crescimento dos cursos de Relações
Internacionais no Brasil, nos anos 1990, passou-se a considerar a teoria da
dependência como item de estudo e de compreensão da realidade dos
países em desenvolvimento.
Mas por que a teoria da dependência chamou atenção dos
estudiosos de relações internacionais? Uma resposta que procura ser
razoável é porque o sujeito de estudo continua válido. O sujeito são os
Estados nacionais e suas movimentações em um sistema visto como
desigual e oligárquico, no qual sua cadência cabe às potências mais bem
preparadas econômica e militarmente. Assim lembra Fred Halliday, para
2 Apenas como explicação no campo teórico das relações internacionais a primazia ainda cabe ao pensamento realista e ao liberal (idealista). Porém, isso não tem impedido o aparecimento de outras correntes, como a marxista aplicada na vida interestatal.
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quem o marxismo apresenta justificativas para ser instrumento avançado
de análise internacional a partir do ponto em que continuam existindo
países explorados (HALLIDAY, 2007: 64).
Deste modo, se o núcleo de estudo das relações internacionais é
ocupado, em primeiro lugar, pelos Estados e a posição deles em face aos
homólogos no jogo do poder e na luta pela distribuição de riquezas, então
é legitimo que a teoria da dependência seja alçada como instrumento
válido para estudar política internacional e seus correlatos: guerra, riqueza
etc. Nisso acreditamos não haver oposição de seus representantes.
A teoria da dependência goza de trânsito nas instituições
acadêmicas dos países em desenvolvimento no geral e na América Latina
em particular. Trata-se de uma explicação para compreender as razões
sociais, econômicas e históricas que concorrem para manter a situação de
pobreza de grande parcela das sociedades nacionais. No plano externo, a
teoria da dependência também é utilizada para analisar as desigualdades
políticas e econômicas existentes entre os Estados industrializados, grosso
modo localizados no Hemisfério Norte, e os dependentes, pobres do
Hemisfério Sul. É a dicotomia centro e a periferia.
É difícil precisar a gênese da teoria da dependência. Isto porque
estudos sobre a pobreza de povos coloniais e países “semicoloniais”,
presos por estruturas internacionais de poder, são encontrados no
pensamento marxista desde os primeiros anos do século XX. O próprio
Marx já havia debruçado sobre a exploração de países imperialistas, como
a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, sobre áreas consideradas abertas a
empreendimentos internacionais de concepções progressistas para o
capitalismo em expansão.
No texto A Dominação Britânica da Índia o pensador alemão havia
escrito que apesar dos dilemas morais resultantes do poder europeu sobre
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sofisticada cultura asiática os resultados poderiam ser salutares para os
próprios dominados. Os motivos para isso seriam os incrementos feitos
pelos capitalistas britânicos que, ao fim do processo colonizador, teriam
contribuído para a criação de uma Índia mais bem organizada em sua
economia e burocracia, portanto apta para lutar pela independência
(MARX, 1982: 320).
É claro que a independência nacional contaria, em grande monta,
com a consciência de classe do operariado local, que tomaria os destinos
do Estado para a conformação de uma nova Índia. Mas não restariam
dúvidas de que o instrumento a favor da causa também seriam frutos do
período em que Londres dominava o subcontinente por meio de estradas-
de-ferro, estaleiros, e fábricas que se tornariam patrimônio indiano.
Por vez, Lênin em seu Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo
procura analisar a relação entre países industrializados e agrários, bem
como o uso sistemático de investimentos financeiros, como meio de
dominação político-econômica. Aqui o revolucionário russo já aponta
atores que se tornarão importantes nos estudos sobre a dependência: as
empresas multinacionais em atuação nos países agrários. Um dos pontos
observados era o emprego de investimentos alemães, da Siemens e da
Krupp na Rússia czarista (LÊNIN, 1987: 41).
Ainda que Marx e Lênin não conhecessem o conceito de
dependência suas visões a respeito da preeminência político-econômica de
países centrais sobre periféricos do sistema internacional não são estranhas
para estudiosos da questão. Isto porque se o pano de fundo é a ascensão do
capital, financeiro, industrial e tecnologia como meios de projetar poder
dos Estados mais fortes, logo, eles passam a ser úteis para o debate da
teoria da dependência, uma vez que o problema da autonomia nacional (e
por que não questão nacional) está presente.
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Mas se o debate sobre problemas da dependência, em sua versão
preliminar, já estava presente no começo do século XX, como averiguou
Marx e Lênin, qual teoria então se considera como a mais presente e
evidente nos debates sobre pobreza econômica e distância de poder entre
os países centrais e periféricos após a Segunda Guerra Mundial?
Ao se pensar na teoria da dependência leva-se em conta sua versão
contemporânea, aquela produzida nas universidades de boa parte do
mundo em desenvolvimento, como a América Latina a partir dos anos
1960. Esse desdobramento da dependência dialoga com o marxismo
naquilo que ele tem de “feições internacionais” e na sensibilidade que seus
estudiosos têm para compreender fenômenos que levam ao conflito.
O debate da teoria da dependência leva em consideração as razões
que conservam os países do Hemisfério Sul em situação crônica de
pobreza para maioria de seus habitantes, bem como a posição dependente
que tais países têm no sistema econômico internacional. Por que o Brasil
continua periférico e com sua população básica pobre?
São perguntas dessa natureza que passaram a fazer os principais
nomes da teoria da dependência na América Latina, como Fernando
Henrique Cardoso, Enzo Faletto e Ruy Mauro Marini. Apesar de ter havido
forte industrialização na região por que a situação de exclusão e de baixo
nível de vida não mudou? Afinal, não era pronunciado logo após a
Segunda Guerra que à medida que houvesse industrialização mais as
sociedades nacionais progrediriam e neutralizariam aquelas máculas do
mundo agrário e atrasado?
Observando que a industrialização latino-americana, por exemplo,
não lograva situação promissora para a parte mais necessitada dos países
Cardoso, Faletto, Marini, e outros, abriram diálogo, nem sempre fácil, com
economistas que haviam defendido a industrialização como meio de
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superar a pobreza e alterar a posição relativa dos países pobres no sistema
internacional.3 Como não é fácil localizar quando o debate da dependência
começou, a não ser a dependência marcada pelos eventos dos anos 1960,
também é trabalhoso citar seus autores e compreender qual a relação
intelectual entre eles.
A razão para isto é que a teoria da dependência não é homogênea.
A saber, não há obrigatoriamente situação de concordância ou pensamento
comum entre aqueles que seguem essa orientação. A teoria da dependência
procura demonstrar que o sistema econômico internacional sofre uma
cisão que marca uma porção do Globo formado por países ricos e centrais.
Já no Hemisfério Sul parte considerável é de unidades políticas pobres.
Todos os seus seguidores acreditam que essa cisão não é natural.
Ela é resultado da forma com a qual o sistema internacional foi se
formando historicamente, portanto a situação de pobreza e riqueza é
resultado político e por isso pode ser alterado. Mas aí há o imbróglio.
Como mudar sistema que politicamente é dominado pelas grandes
potências que, coordenam a economia internacional e seus correlatos como
o progresso técnico e o papel das modernas empresas multinacionais, as
trocas comerciais, as instituições etc?
O debate na dependência para a superação da pobreza e exclusão
das grandes questões internacionais não é único. Pelo fato de ser
composição intelectual complexa a dependência oferece basicamente dois
3 É congruente explicarmos o conceito sistema internacional. Para a teoria realista de relações internacionais, tributária da política de poder; ou para a denominada Escola Inglesa, sistema internacional é maneira com a qual os Estados nacionais se relacionam por meio da moderna diplomacia e demais organizações internacionais, obedecendo a um centro aglutinador. Sob este prisma, quem coordena o sistema são as grandes potências que assim fazem por meio do poder político. Sobre esta leitura consultar Raymond Aron (ARON, 1986: 159).
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métodos de resolução: o reformista e o revolucionário. Pode acontecer do
teórico dependentista dialogar com os dois campos de ação.
O grupo reformista advoga a ideia de que a superação da pobreza
nacional, da maioria da sociedade, pode ser alcançada por meio de
políticas públicas, de melhorar a posição relativa do Estado no sistema
internacional à medida que ocorre industrialização com meios mais
avançados. Apesar de divergências com referência à ação alguns teóricos
da dependência, caso de Cardoso e Faletto, tem mais aproximação com o
reformismo da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) que
conflito aberto. Afinal, eles não ignoram os esforços sinceros de Celso
Furtado e Raul Prebisch (LOVE, 1998: 359).
Já o lado revolucionário compreende que a situação periférica de
um determinado Estado não deve ser superada apenas pela militância nas
organizações internacionais e políticas econômicas apropriadas, mas sim
por meio da violência, do enfrentamento ao sistema internacional que é
historicamente conformado pelas grandes potências seus esforços para
manter a situação de vantagem, o que tem sido feito também pelas armas.
Por isso, as guerras revolucionárias têm seu papel transformador na
história. 4
Nesta parte introdutória nossa intenção é demonstrar que a teoria
da dependência desenvolvida nos anos 1960 é resultado de pensamento
crítico, de Marx e Lênin, sobretudo. Contudo, seus autores não se fecham
somente no ideário revolucionário; há também o grupo reformista que, sem
ignorar a crítica dos primeiros, dialoga com a CEPAL.
4 Seriam os exemplos de grandes rupturas não somente com o capitalismo liberal anglo-americano, mas também com a economia socialista engessada, a soviética. Para Cardoso e Faletto China, Argélia e México são exemplos de esforços para a construção nacional sem ingerências das grandes potências (CARDOSO e FALETTO, 1977: 27).
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E qual é o objeto de estudo? É a situação de pobreza e exclusão da
maior parte das sociedades nacionais. Para a dependência essa questão às
vezes não somente perdura, mas se sofistica com o tempo. Quer dizer, o
que o pessoal da CEPAL não havia percebido é que o fenômeno da
dependência pode ser reforçado no processo de industrialização, pois
sociologicamente as classes dominantes migram do campo para a cidade;
deixam a agricultura tradicional e se transferem para os negócios urbanos,
conservando as vantagens de classe.
A CEPAL e a Desigualdade Internacional
Antes de discorrermos sobre a crítica da teoria da dependência
sobre o processo de industrialização do Terceiro Mundo, e da América
Latina em particular, é necessário comentar como ela ocorreu. Por
conseguinte, também é necessário compreender os atores e as ideias
ligados à CEPAL, órgão mais importante sobre estudos econômicos latino-
americanos.
A existência da CEPAL não é divorciada do desejo de industrializar
a América Latina. Apenas como ilustração histórica já havia no Brasil, nos
anos 1930, esforço não sistematizado de industrialização. Foi célebre o
empenho do governo Vargas para adquirir moderna siderurgia pela qual o
País adentraria em nível superior de economia na qual o crescimento seria
para dentro e não basicamente para fora, como na agroexportação.
Lembrando Gerson Moura, houve contatos importantes entre os
governos Vargas e Hitler para que o Brasil adquirisse usina siderúrgica por
meio de intercâmbio comercial e facilidades econômicas alemãs
(MOURA, 1982: 91). É conhecido que Getúlio usou artimanhas
conhecidas como pragmatismo equidistante com o qual o presidente
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jogava politicamente com as duas potências mundiais. No entanto,
considerando a posição geopolítica brasileira não seria da Alemanha
Nazista que o Brasil teria sua siderurgia, mas sim dos próprios Estados
Unidos que financiaram a Companhia Siderúrgica Nacional como
compensação por ter o Brasil participado do grande conflito com os
Aliados.
O clima de guerra marca a necessidade de se industrializar os
grandes países da América Latina, como Argentina, Brasil e México em
termos mais adiantados, como o planejamento governamental;
instrumento talvez não conhecido por Vargas nos anos 1930. Mas por que
a industrialização¿ A resposta emerge na criação da CEPAL após a Segunda
Guerra.
No pensamento estruturalista (sinônimo de CEPAL), países que
apresentam pauta de exportação amplamente baseada em produtos
agrícolas são fadados à posição periférica e não têm condições de dar saltos
de progresso técnico nem de planejar a vida nacional. Disso nascem
esforços de substituição de importações que os países latino-americanos
procurarão explorar até os anos 1980. Na ótica de João Manuel Cardoso
de Mello: “As economias periféricas enquanto exportadoras de produtos primários (mais tarde se diria: na etapa do desenvolvimento para fora) não dispõem, assim, de comando sobre seu próprio crescimento que, ao contrário, depende, em ultima instância, do vigor da demanda cêntrica” (MELLO, 1988: 15).
Demanda cêntrica que, de acordo com o autor, marca
profundamente as relações entre os países produtores de artigos primários,
bens não duráveis, com os industrializados, caso da Grã-Bretanha da
segunda parte do século XIX. Para esse fenômeno da economia política o
pensamento crítico latino-americano tem nome: deterioração dos termos
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de troca, resultado esperado da clássica Divisão Internacional do Trabalho
(DIT).
A gênese da questão é que para a economia clássica do século XIX,
David Ricardo entre outros, os negócios internacionais são organizados
informalmente pela DIT na qual os países participam com vantagens
comparativas. A saber, cada unidade política entra no comércio exterior
com aquilo que melhor produz. Isto porque há uma espécie de lei natural
da qual os países não podem ignorar; se o Brasil, por exemplo, é eficaz na
produção de café cabe ao País exportar esse bem. Escreve Ricardo sobre
Portugal e Inglaterra no final do século XVIII, referências polarizadas das
vantagens adquiridas: “A Inglaterra exportava seu tecido em troca de vinho porque, dessa forma, sua indústria se tornava mais produtiva para o país; Portugal importava tecido e exportava vinho porque a atividade portuguesa poderia ser mais beneficamente utilizada por ambos os países na produção de vinho. Se houver maior dificuldade na produção de tecidos, na Inglaterra, ou na produção de vinho, em Portugal (...) o comércio imediatamente cessará” (RICARDO, 1973: 324).
Em outro aspecto, a Grã-Bretanha tem de participar com a
exportação de suas máquinas e bens manufaturados. Por que o Brasil e
Argentina não exportam máquinas? Porque esses países não têm vantagem
comparativa para isso. Caso fossem produzir manufaturado o resultado
seria algo de qualidade inferior, pois não são nações capacitadas para tal.
Os países do Sul têm de aproveitar aquilo que a natureza lhes brindou:
terra, água e sol. As vantagens comparativas não são boas nem más para
quem as têm.
Por ventura, se a Grã-Bretanha produz máquinas não é por escolha
ou preconceito, mas sim pelo motivo de o país não ter vantagem
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comparativa5 na agricultura; nela não há grande incidência de sol nem
terreno agricultável suficiente para transformá-la em player mundial. O
que restaria ao império senão exportar máquinas e comprar alimentos?
Deste modo, cada país aproveita suas vantagens comparativas no mercado
internacional. O Norte exporta máquinas e o Sul vende produtos primários.
Mas por que combater essa lógica clássica? Porque no final das
contas ela distorce as relações econômicas internacionais a favor dos
países industrializados. Nos anos 1950 a equipe estruturalista, com Celso
Furtado, Luís Pereira e Aníbal Pinto, começou a reparar que a distorção a
favor do Norte significava, com o tempo, a depreciação do valor dos
produtos tropicais e o encarecimento dos manufaturados.6 Por tanto, aquilo
era transferência de riquezas da periferia para o centro que provinha desde
o século XIX (FURTADO, 1992: 62).
Eis a razão primeira de se industrializar a América Latina, escapar
da lógica perversa de transferência de riquezas para o Norte. Além disso,
o processo industrializante também teria o mérito de fazer alterações
5 Ainda que possa ser redundante pensamos ser conveniente reproduzir a visão de Furtado sobre vantagens adquiridas: “A vantagem comparativa eleva a produtividade econômica de um sistema sem modificar sua forma de produção. Aí está a origem da nossa forma de desenvolvimento. Primeiramente elevamos a produtividade econômica, em decorrência da inserção no sistema da divisão internacional do trabalho. (...) onde há uma expansão da renda, um aumento da produtividade econômica, mas não uma modificação nas formas e nas técnicas de produção, o que existe na verdade é modernização e não desenvolvimento” (FURTADO, 1981: 123). 6 Uma explicação simples. A deterioração dos termos de troca acontecia porque os produtos manufaturados agregavam valor por meio de progresso tecnológico, o que não ocorria com o bem agrícola. Na época da pax britannica uma locomotiva agregava valor com o passar do tempo – havia melhorias nela, o que contribuía para aumentar seu valor. Por outro lado, não havia valor agregado na agricultura. Naquele tempo a exportação de café, por exemplo, era do bem in natura, cujo valor se dava pelo trabalho aplicado. Por isso, era necessário exportar sempre maior número de café para comprar a mesma máquina, só que modificada pelas melhorias. É claro que esse raciocínio seria ultrapassado na atualidade em que há laboratórios cujo papel é pesquisar e agregar valor à agricultura, vide o que acontece com a soja.
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sociais à medida que ofereceria empregos urbanos para boa parte da
população rural, tradicionalmente com baixo perfil educacional.
No mesmo ponto, considerou-se que em uma economia
industrializada haveria aumento de renda para os trabalhadores, pois a
produção alcançaria altos níveis por causa do consumo nacional represado.
Em outras palavras, a industrialização se daria, inter alia, em virtude de
mão-de-obra que migraria do campo para a cidade e da transformação do
trabalhador em consumidor de bens duráveis, artigos que anteriormente
não poderiam ser comprados por essa classe social em razão do alto preço.
O aumento do consumo representaria o aumento da produção industrial –
por isso a circulação de riquezas.
Em países como o Brasil a industrialização só teria de acontecer
por meio de triangulação entre o Estado, o empresariado nacional e a
corporação multinacional. Para a CEPAL a cadência do processo caberia ao
Estado, ao ente político, por meio de novo arranjo burocrático nos países
periféricos: os modernos quadros do planejamento governamental;
técnicos treinados em universidades com competência de montar cenários
e balancear a realidade nacional, considerando possibilidades e obstáculos
nas regiões do país.
Essa operação mental não era original, uma vez que o Estado norte-
americano, nos anos 1930, governo Roosevelt já havia feito isso por meio
dos departamentos de controle e acompanhamento em situação de crise,
tanto a de 1929 quanto no clima da Segunda Guerra. Começando com setor
considerado estratégico, como petróleo, o poder público criou burocracias
que devessem coordenar toda a economia nacional (YERGIN, 2010: 253).
Embora ideologicamente o planejamento governamental, assim
como o nacionalismo econômico, fosse pressuposto da direita, dos
fascismos europeus, caso da Itália e da Romênia (Love, 1998) na América
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Latina ele ganhou simpatia da esquerda, reformista ou revolucionária. A
resposta para esse comportamento talvez seja o fato de a industrialização
regional demonstrar um quê de autonomia frente aos grandes centros
mundiais de poder.
A partir dos anos 1950 a aplicação dos programas de substituição
de importações contaria com o apoio de pessoal especializado na
formulação de estudos e com instrumentos de ação estatal. Esses
instrumentos, no exemplo brasileiro, seriam o financiamento no longo
prazo de novos empreendimentos industriais pelo antigo Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE), bens de capital, papel celulose,
mecânicos e outros.
Mas haveria também o emprego de medidas protecionistas e
facilidades tarifárias a favor do jovem empresário nacional. A medida
governamental mais conhecida seja a Instrução 113 da Superintendência
da Moeda e do Crédito (SUMOC), cujo propósito era a importação de
máquinas sem cobertura cambial, o que era conveniente em ambiente
internacional de pouca circulação de investimentos para a América Latina
(CAPUTO e MELLO, 2009).
Efetivamente Brasil e México avançaram na industrialização e
conseguiram montar infraestrutura suficiente para substituir parte
substancial das importações. Porém, apesar do aspecto positivo houve a
reprodução de firmes distorções sociais, bem como conservação do
distanciamento entre o Norte e o Sul. Nesse ponto a teoria da dependência
vai dedicar suas críticas à modernização limitada e ao falso
desenvolvimento.
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A Crítica Geral da Dependência
O livro Dependência e Desenvolvimento na América Latina, de
Cardoso e Faletto, é o trabalho mais conhecido sobre o tema. Nele os
autores acreditam que o erro dos teóricos cepalinos foi desconhecer a
íntima relação entre economia e sociedade ou, para usar a expressão do
citado livro, não utilizaram arcabouço sociológico para compreender o
porquê das limitações estruturais da América Latina para escapar das
amarras condicionais: “A noção de dependência alude diretamente às condições de existência e funcionamento do sistema econômico e do sistema político, mostrando a vinculação entre ambos, tanto no que se refere ao plano interno dos países como ao externo” (...) “A esfera política do comportamento social influi necessariamente na forma do processo de desenvolvimento” (CADOSO e FALETTO, 1977: 27 e 28).
Aliás, é preciso dizer, que a crítica da dependência não se dirige
apenas a um tipo de industrialismo – ela também abarca a visão neoclássica
do mercado internacional que tanto apego teve pelos dos produtores
agrícolas e economistas ligados à agroexportação. Trata-se da chamada
fazenda tradicional, conceito dados pelos autores ao modelo histórico pelo
qual se formou social e economicamente não só a América Latina, mas
todo o conjunto do mundo em desenvolvimento sob a coordenação da DIT.
A fazenda tradicional é a base econômica, de exportação agrícola,
que transformou aqueles países em plataformas especializadas para os
centros hegemônicos. Eram também os enclaves, áreas cuja posição na
economia internacional fora determinada pelas grandes potências. Por que
enclaves? Porque se tratava de territórios, coloniais ou semicoloniais, cuja
função era abastecer países industrializados com certos produtos que para
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alcançar níveis altos de eficiência necessitavam de arranjos políticos,
sociais e de organização: território específico para açúcar, café e tabaco e
meios políticos apropriados, uma oligarquia agrária e uma mão de obra
conveniente. Antes os escravos, agora muitos trabalhadores de baixa
instrução (CADOSO e FALETTO, 1977: 46).
Sob a situação de enclave fica claro que o território em questão não
goza de autonomia, nem consegue construir poder centralizado para
administrar a unidade nacional, o que se espera para a elevação do Estado
propriamente dito. O enclave é uma semicolônia, ainda que o seja país
“independente”. Sua dinâmica econômica, as decisões gerais de preço,
transporte e comercialização não contam integralmente com a cadência
local, do produtor.
Parte disso é feito no exterior, sob a cadência dos compradores,
negociadores e investidores; banqueiros, importadores, exportadores e
armadores sem os quais não há economia agroexportadora. Portanto, é
possível verificar qual é a posição de determinado país no sistema
internacional, o de ser fornecedor especializado de bens agrícolas e com
baixas possibilidades políticas de romper a lógica de comando de poder
internacional. 7
Mas não se pode ignorar a outra parte da equação que mantém o
país na dependência, as relações sociais internas e a cultura de classe.
Estudar a economia por meio da sociologia é reparar que as classes
dominantes latino-americanas no período agroexportador haviam
7 Pensamos não ser pedante relacionar o trecho acima com a percepção de Kenneth Waltz sobre a estrutura internacional. Waltz opina que a posição de um determinado Estado na estrutura internacional é resultado de seu poder nacional em consonância com os poderes hegemônicos (WALTZ, 2002). Cada Estado ocupa nicho que é lhe atribuído pelas grandes potências. Há como romper esse esquema? Sim, por meio da violência internacional.
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adquirido mentalidade “cosmopolita”, liberal. Não seria difícil perceber
que em um sistema livre-cambista as elites econômicas preferem montar
sua visão-de-mundo a partir dos grandes centros internacionais, sobretudo
os europeus, como Londres e Paris.
As classes dominantes, senhores agrários e correlatos, têm ligações
e sofrem reflexos das sociedades europeias e norte-americana. Por isso,
manter determinado país em situação de dependência, de
subdesenvolvimento moderno, como preferia Furtado, é necessidade
premente para que suas elites nacionais possam exercitar seu ecletismo e
formação cosmopolita: “(...) ‘o efeito de demonstração’ incorporar-se-ia à análise como elemento explicativo subordinado, pois o fundamental seria caracterizar o modo de relações entre os grupos sociais no plano nacional – o que, por suposto, depende do modo de vinculação ao sistema econômico e aos blocos políticos internacionais que podem produzir consequências dinâmicas na sociedade subdesenvolvida.” (CADOSO e FALETTO, 1977: 36).
Dependendo do país em questão, a vida nacional é dirigida a partir
de fora, do Hemisfério Norte. Contudo, Cardoso e Faletto não acreditam
no conceito de subdesenvolvimento, direto e reto, nem pensam que as
unidades dependentes sejam todas homogêneas, sem algum tipo de
gradação. Aqueles que conseguem manter a integração interna e a coesão
social, apesar de conflitos, são denominados sociedades nacionais.
Argentina, Brasil e México podem ser exemplos de sociedades
nacionais em que há presença do Estado na condução da economia
doméstica, na procura de coordenar algum plano de resistência às crises
provenientes do exterior.8 No modelo agroexportador, dependente, não há
8 Talvez um exemplo de resistência, apesar dos contratempos gerais e da posição “subalterna” brasileira ao sistema econômico internacional, seja a Convenção de Taubaté,
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como excluir os países da parte mais onerosa das crises econômicas
internacionais.
Berry Eichengreen demonstra de que no período áureo da
economia agrária, a belle époque comandada pela preeminência britânica,
a válvula de escape das crises sistêmicas era justamente jogar a parte mais
pesada, dos ajustes, para o Sul. Disso resultava desemprego, diminuição
de investimentos e outros males que as elites nacionais tinham de
administrar pelo fato de ter tirado proveito do Padrão Ouro livre-cambista
(EICHENGREEN, 2007: 67).
Desta forma, no parecer dos autores, o comportamento
cosmopolita, com pouco apego a projeto econômico para o país
dependente é algo que se transfere de uma cultura agroexportadora para a
industrializante. No fundo, a maneira de ver o mundo continua
praticamente a mesma. Na época da economia agrária a produção era
voltada para fora – exportava-se muito para que também se comprasse toda
a gama de bens de consumo duráveis e não duráveis. No período industrial
o país ainda depende do capital exterior.
No ambiente de substituição de importações é claro que a economia
nacional dá salto de importância e se sofistica por meio de novas
instituições que exigem conhecimento. Na lógica evolutiva dos anos 1950,
do Partido Comunista Brasileiro, a criação da burguesia nacional,
industrializante, é melhor que uma situação agrária, de monocultura. Sobre
isso, não se ignora o debate a respeito dos planos de industrialização
de 1906, em que o Barão do Rio Branco procurou articular meios para que os países produtores de café tivessem condições de sustentar o preço do produto em café das depreciações na Bolsa de Londres. Uma espécie de ante-sala histórica da OPEP nos anos 1960.
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concebidos por governos nacional-desenvolvimentistas, Getúlio Vargas e
Domingo Peron.
Porém, as características de dependência continuam no processo
industrializante por meios mais oblíquos. Não há banqueiros
internacionais nem negociantes intermediários na economia cafeeira ou
algodoeira. Pode até haver banco nacional de fomento, caso do BNDE
brasileiro. Mas parte substancial do capital investido no país dependente
pertence às multinacionais; não há cultura nacional de investimento e de
participação.
O rol de investimentos, de funções mais complexas, como
planejamento industrial, criação de novos produtos e pesquisa científica
fica tudo a cargo do país sede da empresa. O país receptor de capital fica
com encargo de fabricar de acordo com a orientação da matriz. O grupo
empresarial interno lucra por meio dos arranjos governamentais,
comentados acima, e conta com amplo mercado doméstico de consumo.
Neste nível, havia de igual modo a observação de que não só a
tecnologia e planejamento geral eram concebidos na matriz, mas que a
mesma tecnologia empregada no país dependente já era de “segunda mão”.
A saber, o que se utilizava no Sul era ultrapassado para as unidades
industrialmente avançadas. Desta forma, Estados Unidos e Europa
Ocidental guardavam sempre alguma dianteira em relação às suas ex-
colônias e à América Latina: “Foi o que aconteceu com toda a indústria de bens de consumo duráveis no Brasil. Desenvolvemos uma indústria que hoje em dia tem uma dimensão mundial e uma economia de escala que está na vanguarda da utilização técnica, etc., mas a concepção de todas as máquinas dessa indústria não pode ser reproduzida aqui, porque foi pensada lá fora. É por isso que digo que o sistema industrial brasileiro não é propriamente atrasado, ele é capenga, desequilibrado” (FURTADO, 1981: 128).
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Revista Política Hoje, Vol. 22, n. 1, 2013 124
Mas será que essa especialização por parte dos países dependentes
é algo aleatório, fruto espontâneo do passado? De alguma forma todo o
Hemisfério Sul, guarda características de dependência. As diferenças
econômicas e políticas entre os dois grupos de Estados, centrais e
periféricos, são dadas pela correlação de forças existentes historicamente.
Giovanni Arrighi, que dificilmente pode ser visto como membro
teoria da dependência, havia percebido que a ascensão das grandes
potências, que definem o sistema internacional, ocorre justamente em
ambiente de guerras e disputas coloniais. Disso nascem os ciclos históricos
comandados pelos países hegemônicos que transformam a parte derrotada
política e economicamente em periferia. Assim se deu com a preeminência
holandesa no século XVII e posteriormente com a Grã-Bretanha no século
XIX.
E o século XX contaria com a hegemonia norte-americana que
demonstraria desenvoltura internacional, que não apenas reproduziria a
das antigas potências mundiais, mas traria renovações que somente um
país das qualificações dos Estados Unidos teria condições. O volumoso
parque industrial presente em todo o mundo, a grandiosa máquina de
guerra e a poderosa relação financeira com o dólar são itens que, para
Arrigh impulsionaram Washington à posição de centro mundial da política
internacional (ARRIGH, 1996: 278).
Mas em que condições se mantém a preeminência dos Estados
Unidos sobre a América Latina? Sobre esse assunto Marini não é inocente;
ele sabe que a hegemonia de certas potências nunca é desvencilhada da
política do poder, da eventualidade da guerra e da atmosfera que ela causa
nas relações internacionais. Trotsky já falava na diplomacia do dólar e das
125
canhoneiras para a abertura de mercados externos e cobranças de dívidas
(Trotsky, 1990: 63).
Os Desdobramentos Críticos da Dependência
Em Theotônio dos Santos a crítica que pesa sobre Fernando
Henrique Cardoso, sobretudo por causa de sua carreira política, é a de que
no processo de dependência a posição subordinada dos países periféricos
aos centros hegemônicos não se traduz obrigatoriamente em desvantagens
e pobreza. Embora a posição de dependência expressasse limitações à
autonomia das unidades políticas ela também poderia ser canal
privilegiado para que as economias do Sul ganhassem espaço com as
potências industrializadas (SANTOS, 2000: 133).
Como foi sublinhado na parte introdutória deste texto não há
homogeneidade entre os integrantes da teoria da dependência. Há pontos
comuns entre eles, por exemplo, crítica à subordinação dos países e a
especialização econômica coordenada pelas potências tradicionais. Mas a
maneira pela qual o fenômeno se deu e a estratégia para escapar dele é algo
que não conta com consenso entre esses escritores, sociólogos e
economistas.
No campo da esquerda, que não desconhece o papel da revolução
socialista, Ruy Mauro Marini se filia ao marxismo de maneira mais franca.
Para o auto de A Dialética da Dependência, a posição subordinada da
América Latina é desdobramento direto do imperialismo norte-americano
e europeu ocidental desde o século XIX. Não desconhecendo a
industrialização que houve em alguns países da região, em princípios
nacionalistas, Marini ainda pensa que se trata de algo que, em alguma parte
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Revista Política Hoje, Vol. 22, n. 1, 2013 126
do tempo, terá de ser esgotada, posto que o convívio entre o nacionalismo
e importação de capital não é pacífico.
De igual modo, sob as experiências da CEPAL, o industrialismo não
rompe com a lógica imperialista, apesar de seus méritos. O imperialismo
pode coadunar com a industrialização nacional de duas formas: 1 – por
meio de investimentos diretos no setor em questão, capital financeiro. 2 –
por intermédio de transferência de tecnologias ultrapassadas que, às vezes,
o empreendedor internacional empregava como investimento direto
(MARINI, 2000: 80).
O traço negativo disso, além do exposto acima, é que o país
receptor desse investimento seria levado a importar mais. Quer dizer, a
transferência de máquinas e bens de capital do Hemisfério Norte, mesmo
ultrapassados tecnologicamente, seriam exportados para o Hemisfério Sul
por meio de intercâmbios desiguais. Não só o país dependente teria de
importar mais, daí a importância da Instrução 113 da SUMOC, como teria
de frustrar a poupança doméstica, uma vez que teria de saldar contas
negativas do balanço de pagamentos.
Em outra instância, sob o prisma mais dramático o autor também
acredita que a industrialização latino-americana não escapa da ótica
imperialista porque imperialismo e industrialização são componentes da
mesma política externa das grandes potências. Contudo, no juízo marxista
dessa relação resultam as contradições sociais que dão na revolução
libertadora: “(...) a industrialização se expressa, em um país atrasado, na agudização de contradições sociais de vários tipos: entre os grupos industriais e a agricultura e os latifundiários exportadores; entre a indústria e a agricultura de mercado interno; entre os grandes proprietários rurais e o campesinato; entre os grupos empresariais e a classe operária, assim como a pequena burguesia” (MARINI, 2000: 52).
127
Isto é, o impasse político-social nascente dessa industrialização, e
seus conflitos internos e externos, têm de ser resolvido de alguma forma,
à direita ou à esquerda. Não deve haver contemporização. Enquanto
vicejou o nacional-desenvolvimentismo de Vargas a desnacionalização da
economia foi menor que a projeção do Estado na produção. Mas com os
impasses do modelo a desnacionalização aumentou no período Juscelino
Kubitschek, 1956 a 1960, inclusive pressionando para que houvesse
remessa de lucros para as matrizes internacionais.
O movimento político-militar de 1964 é visto como maneira de
resolver a questão à direita. Ao esgotar o conflito latente o bloco civil-
militar desvendou o papel que o Brasil deveria cumprir na acumulação de
capital e no departamento da política exterior. Devia-se abrir mais a
investimentos internacionais, ao fortalecimento da grande indústria
(muitas multinacionais), na conformação de nova política trabalhista,
propícia à compensação dos investimentos, e o preparo de diplomacia
vinculada à liderança dos Estados Unidos. 9
Aliás, os movimentos autoritários na América Latina tiveram a
função de não permitir alterações das regras constituídas pelas potências
imperialistas. Digamos informais porque não se pode ignorar resistências
e protestos que intelectuais e políticos do mundo periférico procuraram
desenvolver no âmbito internacional. Mesmo que possa ser discutível a
9 A política externa brasileira, do governo Castelo Branco, é algo que tem de ser analisado à parte. Apenas como ilustração a política externa daquele presidente é chamada alinhamento automático, em que o Brasil abriria mão de visão particular das questões internacionais para adotar a norte-americana. Há quem não concorde com isso, como Oliveiros Ferreira. Para Marini aquela diplomacia pró-Estados Unidos funcionava mais como tática para fazer que o Brasil reproduzisse comportamento de preeminência na América Latina sem desagradar a potência líder do que um seguidismo inocente e despersonalizado (MARINI, 2000: 96).
A Teoria da Dependência: Uma Contribuição aos Estudos de Relações Internacionais
Revista Política Hoje, Vol. 22, n. 1, 2013 128
criação da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento10 nos anos 1960 tinha o propósito de instituir mais
espaço de negociação aos periféricos.
Em todo caso, para a dependência mais crítica, Marini e Santos, as
ditaduras regionais foram meios para fazer que a preeminência das
potências industrializadas não fossem contestadas, uma vez que os Estados
Unidos montaram programas de atração cultural das elites políticas locais.
Portanto, o papel da América Latina durante a história não é desempenhar
papel aleatório, mas sim se integrar ao sistema internacional a partir de sua
especialização.
Especialização que no século XIX, na pax britannica, fora
abastecer a Europa Ocidental de alimentos em geral – o que envolvia jogos
políticos de exploração entre as classes dominantes regionais e
metropolitanas para que o processo não se desarranjasse por causa de
conflitos sociais. Por conseguinte, a especialização não deixaria de existir
na atualidade, uma vez que a América Latina continua sendo fornecedora
de commodities.
Na leitura de Santos houve mudanças no sistema internacional. Os
Estados Unidos continuam fortes para imprimir sua posição, mas também
o desgaste contínuo que o país sofre é algo que pode ser percebido sem
dificuldades. Caso o processo de decadência continue Washington terá de
permitir novos arranjos internacionais (SANTOS, 2000: 125).
De igual importância na atualidade é a ascensão econômica da
China como segunda potência mundial e a reconstrução da Rússia. Mas
será que tudo isso mudaria a sorte dos países especializados no setor
primário de exportação? Mesmo que o Brasil se qualifique por meio do
10 UNCTAD, sigla em inglês.
129
crescimento econômico teria ele condições de alterar a ordem pela qual
participa do mercado mundial, basicamente exportando soja e minério de
ferro para a China?
Nos dizeres de Marini: “A Industrialização latino-americana
corresponde assim a uma nova divisão internacional do trabalho, em cujo
âmbito se transferem aos países dependentes etapas inferiores da produção
industrial (observe-se que a siderurgia, que correspondia a um sinal
distintivo da economia industrial clássica, generalizou-se se tal ponto que
os países como o Brasil já exportam aço), reservando-se para os centros
imperialistas as etapas mais avançadas (como a produção de computadores
e a indústria eletrônica pesada em geral), a exploração de novas fontes de
energia, como a de origem nuclear etc.)” (MARINI, 2000: 145).
No cálculo dos teóricos da dependência a resposta é não. Eles
negam a possibilidade de ascensão, ao menos econômica, pelo motivo da
industrialização latino-americana não ser original. Vale dizer, diferente da
Europa Ocidental, Grã-Bretanha, Países Baixos e Itália do Norte, a
industrialização brasileira, argentina e mexicana apresentam algum traços
marcantes que historicamente não permitem a esses países saírem da
dependência.
1 – Ao contrário do Norte a industrialização do Sul não foi
espontânea; ela não nasce do conflito social progressista, que varresse
elementos ultrapassados. No fundo, ela foi resultado da vontade das
próprias classes dominantes, não contestadas pelas forças revolucionárias,
que haviam perdido o poder de importar produtos de alto padrão de
consumo, a elite cafeeira paulista. Por isso o compromisso de classes que
Marini acredita ter existido a partir do Estado Novo, de 1937, até o
esgotamento do processo que se deu em 1964.
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Revista Política Hoje, Vol. 22, n. 1, 2013 130
2 – Para permitir a importação de bens duráveis e consumo das
classes altas faz-se necessário “enxugar” o consumo das classes populares.
Em outras palavras, deve-se regular o poder de compra das classes
trabalhadoras, concentrando renda e efetuando subsídios diretos e indiretos
a favor das importações. O resultado dessa política é a ampliação de
compra, de importação de artigos de luxo e bens de capital dos setores
empresariais.
3 – Embora tivesse sinais de progresso a industrialização da região
apenas reproduz o lucro de investimento das matrizes. Na falta de
possibilidades de reprodução do capital, em virtude de questões políticas
domésticas no Hemisfério Norte, a área em desenvolvimento tem servido
para esse propósito. A América Latina não deixa de ser parte integrada à
grande circulação de capital que necessita constantemente de nova
acumulação.
4 – Ainda que a industrialização mude a cena econômica nacional
ela não tem poder de romper o vínculo tradicional que perdura desde o
século XIX, na relação centro-periferia. Apresentando semelhança com a
modernização econômica do leste europeu, dos países socialistas, André
Gunder-Frank acredita que a América Latina também tem feições de países
satélites, uma vez que suas unidades políticas gravitam em torno de uma
potência.
Por fim, na leitura marxista, revolucionária, da dependência,
quanto a ala moderada e de acomodação, a situação de dependência não é
um momento histórico; é uma definição que pode ser anulada, desde que
haja iniciativas políticas que usem a violência internacional, Cuba,
Argélia, China. Isto porque a manutenção do sistema desigual, que
conforma a dependência, também é feita por meio de arranjos militares das
grandes potências.
131
Arranjos que, é claro, não são usados de forma volumosa. Não por
apego à letra do direito internacional e aos tratados, mas porque a
sistematização da dependência pode prescindir do aparelho militar a favor
da eficiência soft power,11 das instituições econômicas internacional. Para
Peter Gowan, ainda que isso possa entrar em terreno movediço essa
premissa não seria estranha para economistas contestadores dessas
instituições. O Fundo Monetário Internacional, O Banco Mundial e a
Organização Mundial do Comércio montariam estrutura de coloração
democrática, mas francamente voltadas para manter o jogo desigual do
sistema econômico internacional (GOWAN, 2003: 133).
Considerações Finais
Que a teoria da dependência não goza de homogeneidade entre seus
quadros já é sabido, vide a “contemplação do real” de Fernando Henrique
Cardoso, com seu marxismo analítico, e a esperança de revolução
continental presente em Ruy Mauro Marini. Mas haveria crítica
“acadêmica” sobre a dependência? Por outro lado, como a direita política
a percebe?
Intelectual considerado porta-voz sofisticado da direita, aliás, título
atribuído mais como algo pejorativo que constatação, José Guilherme
Merchior não atribuía valor suficiente às explicações da dependência sobre
as lacunas internacionais de poder e riqueza – entre o Norte e o Sul. O
diplomata a encarava mais como expressão de um mal estar intelectual-
11 Procurando adaptar o conceito de Antonio Gramsci, Joseph Nye escreve que soft power é o recursos que as grandes potências, caso dos Estados Unidos, podem utilizar para construir hegemonia a partir de meios que vão além do poder militar, como os culturais e ideológicos, mais propícios à legitimidade internacional (Nye JR, 2002).
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Revista Política Hoje, Vol. 22, n. 1, 2013 132
acadêmico do que fruto da realidade. A teoria seria amostra do sentimento
de inferioridade cultural dos países do Sul. Haveria como atribuir valor
explicativo à dependência anulando seus pressupostos, como centro-
periferia e subordinação tecnológica? Daí também se poderia duvidar da
explicação marxista da dependência.
Merchior atribuía a existência da dependência mais ao
subdesenvolvimento cultural latino-americano do que ao grande jogo das
disputas econômicas internacionais. Porventura, se a relação entre dois
países com pesos distintos na economia e tecnologia provoca dependência
por que então esse debate não é encontrado na sociologia canadense em
relação os Estados Unidos, por exemplo? Afinal, não são duas unidades
políticas que participam do mercado internacional com suas
especializações? Canadá e Austrália não são países de grande peso na
agricultura e mineração? (MERCHIOR, 1982: 84).
Talvez na perspectiva liberal, livre-cambista, a dependência não
tenha muito propósito no jogo da economia internacional. O papel
interventor do Estado; fazer deste núcleo um centro aglutinador da política
econômica também é de difícil percepção para uma ala do pensamento
liberal; aquela que no Brasil teve seu representante mais simbólico na
pessoa do professor Eugênio Gudin, um dos criadores do Instituto de
Economia da UFRJ.
Outra linha de crítica à dependência vem da teoria neo-realista (ou
realista estrutual) de Relações Internacionais, a política do poder
formulada por autores como Waltz. Para José Luiz Fiori (que não é
necessariamente realista) a dependência não sabe responder como deve se
comportar o Estado em um ambiente de geopolítica, em que o núcleo
central do sistema também pode sofrer transformações por disputas
(FIORI, 2001: 48).
133
Cardoso e Faletto pensam que o país dependente pode arrumar
acomodações entre os fortes sob os quais tiraria vantagens. Por outro lado,
o grupo revolucionário, de Marini e demais, tencionam fazer a revolução
socialista. Mas qual seria a visão deles a respeito do Estado? E como lidar
com a geopolítica que desconhece a situação de dependência? São
perguntas que Fiori faz a respeito de um instrumento intelectual sincero,
mas inocente.
De um lado temos a acomodação crítica. Reconhece-se o status de
dependência de um determinado país, mas a conformidade será
congruente, quer dizer, não haveria como romper a lógica do sistema
internacional? Por outro lado, haveria o empenho de contestar, mas não
haveria também certo voluntarismo, já que desconhece a máquina do
Estado? E mesmo no bloco socialista (socialismo soviético) não haveria
algum tipo de dependência?
Mas se a dependência for examinada sob a lente do marxismo e do
keynesianismo aumenta sua relevância. Para o marxismo a dependência é
expressão de dominação capitalista em seu teor avançado. Não se trata
mais de relações feudais de dominação em uma economia agrária,
conforme pensava o PCB. Considera-se o desdobramento dessa
dominação não só no âmbito doméstico das lutas de classe, mas também
no nível internacional.
O keynesianismo também não seria estranho para a teoria da
dependência, posto que o modelo de Keynes poderia ser instrumento para
abandonar a lógica da Divisão Internacional do Trabalho sem,
necessariamente, virar as costas para a economia agrícola exportadora. Em
princípio, ao menos com Cardoso, Faletto e Furtado, as implicações
industrializantes, via substituição de importações, apresentam avanços
econômicos e sociais, ainda que limitados. No fundo, a substituição de
A Teoria da Dependência: Uma Contribuição aos Estudos de Relações Internacionais
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importações não deveria ser um fim em si mesmo, mas uma escala para
algo superior; que preparasse a vida nacional para algo melhor.
A criação do capitalismo industrial sob uma classe empreendedora
brasileira, a ascensão de um mercado consumidor para as massas e a
possibilidade de pleno emprego eram itens que o esforço keynesiano
apresentava na América do Sul como algo razoável no médio prazo. Em
parte, a existência da CEPAL fora para sistematizar e aplicar esses esforços
no âmbito governamental.
Em Marini, também a substituição de importações logra coisas
boas, mas com conteúdo positivo bastante breve, talvez com menos de 20
anos: de 1946 a 1955, sob a experiência nacionalista de Vargas. E por que
essa brevidade e reticência? Porque mesmo a experiência de Vargas já era
fruto de pacto social com as classes dominantes, sem as quais não haveria
projeto desenvolvimentista. Quando o caldo desanda? Quando essas
mesmas classes perdem o poder de falar universalmente e não conseguem
mais contemplar os interesses do proletariado urbano e se vinculam
diretamente ao imperialismo.
A guisa de conclusão, podemos dizer que a teoria da dependência
não tem a intenção de esgotar as grandes questões internacionais, bem
como os dilemas e impasses das sociedades nacionais. Arcabouço
enriquecido pelo marxismo, com efeito, trata-se de um desdobramento do
pensamento crítico com bases mais sofisticadas e voltadas para a realidade
dos Estados em desenvolvimento, a dependência é recurso válido tanto
para a compreensão do sistema, caso da universidade, quanto para a
militância política.
Não há dúvidas de que em tempo de relativismos, de decretação
unilateral do fim dos Estados nacionais, da estratégia política e da
relevância das classes trabalhadoras, a teoria da dependência serve a
135
contento para desvendar ideologias, como a implacabilidade da
globalização, e a decadência das tradicionais grandes potências, como os
Estados Unidos. A teoria da dependência não é uma certeza, mas um
instrumento de compreensão e ação.
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