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Mestrado em Estudos Medievais
“A Filosofia Política de Dante e os conflitos entrepoder temporal e poder espiritual, na obra
Monarquia”
Unidade Curricular: Teorias Políticas na Idade Média
Docente: Professor Doutor José Meirinhos
Discente: Vitor Manuel Inácio Pinto (up201003256)
Porto, 17 de Dezembro de 2013
Resumo.
Conquanto o facto de ter nascido no século XIII e tendo
vivido quase o primeiro quartel do século seguinte, Dante
adiantou-se uns largos anos relativamente ao início oficial do
Renascimento porque era ele próprio é o Renascimento. O
verdadeiro génio é universal e ultrapassa todas as dissimuladas
divisões do tempo e porque esse génio floresceu, não sendo
original só na forma, mas também no idioma. Num tempo em que a
língua culta ainda era o latim, tomou ele o dialecto toscano e
transformou-o na língua literária que sem transformações
fundamentais se iria tornar no italiano clássico.
Dante foi um pensador rigoroso, delicado e intencional e
tinha o sonho de falar a todos os homens como um profeta que
conhece o valor da sua mensagem. Os esforços do homem medieval
para oferecer uma visão do além-túmulo foram suplantados pela
grandiosa concepção dantesca, rigorosamente elaborada segundo a
ciência da época. O universo de Dante é o de Ptolomeu e de
Aristóteles, convenientemente lido pela ideologia medieval.
Com estas características intrínsecas em Dante e como um dos
principais vaticinadores do ideal “monárquico”, o mesmo escreve,
o tratado político Monarquia, participando assim, na
problemática medieval na circunscrição da soberania entre poder
temporal e do poder espiritual. Saliento que, neste trabalho não
serão feitas comparações de género, pelo que, dedicar-me-ei de
forma pura e dura à obra supra citada.
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Palavras-chave: Dante – Aristóteles – Poder – Roma – Florença –
Império – Deus – Jesus –Papa – Filosofia – História.
Introdução.
Para abordar Dante Alighieri temos de ter em conta alguma
complexidade; elaborar um trabalho de pesquisa baseado numa obra
– Monarquia – que foi escrita nos inícios do século XIV em latim
e, posteriormente traduzida para línguas vernaculares – nem
sempre respeitando o léxico original – podem, com efeito
originar más interpretações. Contudo, respeitando o tema
proposto e sugerido, embarcai nesta epopeia. Muito se escreveu
sobre Dante. É um facto inegável que a obra Divina Comédia foi, com
certeza, o alvo preferencial de estudos nos meios académicos e
não académicos. Poderia mencionar outras obras de Dante que
“sofreram” alvo desses mesmos quadrantes estudantis e, mais uma
vez, não estudantis; mas não é minha intenção transformar esta
introdução num conteúdo volumoso. Não é que as obras de Dante
tivessem sido vastíssimas; ao que apurei, rodariam por volta de
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nove obras. Para a época, seria pois, uma raridade; quero eu
dizer com isto que, poucos foram aqueles que elaboraram quase
uma dezena de obras e, que tanto impacto tiveram na sociedade da
época, como nas sociedades vindouras.
Mas, o meu denominador comum, por assim dizer, o cerne do
meu trabalho de pesquisa, está focado na obra Monarquia. Já muito
se escreveu sobre a obra eleita por mim. Mas agora, coloca-se a
questão; será que se escreveu algo de aproveitável? Considero
uma ousadia fazer analogias qualitativas de quem as elaborou,
principalmente, se essas pessoas efectuaram esse trabalho no
seio do mundo académico. Posto isso, é para mim um desafio
motivador descodificar teores novos sobre Dante. Como
historiador, farei o que nós apelidamos de “cruzamento de
fontes”. Quero eu dizer com isto o seguinte: metodologicamente
falando (escrevendo), terei a “minha” obra de eleição Monarquia,
junto-lhe fontes bibliográficas de autores consagrados, artigos
fidedignos disponíveis online, sempre referente à área relacionada
com o meu tema e, finalmente, obtenho o meu trabalho final.
Com este parto já realizado, inspirou-me um nome: “A Filosofia
Política de Dante e os conflitos entre poder temporal e poder espiritual, na obra
Monarquia”. O nome tem similitudes de grandeza, mas na realidade,
não é mais que um pequeno contributo que eu irei fornecer em
prol da causa; entenda-se “causa” como a obra Monarquia de Dante
Alighieri.
Finalmente, quero destacar alguns dos autores com que vou
trabalhar. Sinto-me lisonjeado por ter a oportunidade de
trabalhar nas obras/artigos desses autores, o mesmo não acontece
com os mesmos, pois provavelmente alguns já não fazem parte
desta vida terrena a começar por Dante. E assim temos: Juan
Llambias de Azevedo, Doutorado em Direito e Ciências Sociais
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pela Universidade de Montevideu; Mirka Skarica Zuñiga, Doutorado
em Filosofia pela Universidade de Navarra; Maria Eugenia
Bertarelli, Mestre em História Social e da Cultura pela
Universidade Católica do Rio de Janeiro; Dante Alighieri, De La
Monarquia, Direcção de Francisco Romero, Editorial Losada SA:
Buenos Aires, 1941.
1ª Parte – A vida de Dante segundo Boccaccio.
Nesta primeira parte do meu trabalho darei um especial
destaque – ainda que, de forma muito sumária – e usando como
ponto vista um contemporâneo de Dante, neste caso, Boccaccio
(1313-1375), relativo ao desenrolar da vida de Dante; que
influências intrínsecas tiveram presentes na vida de Dante.
Julgo que faz todo o sentido contextualizar a época em que
viveu; quer em termos sociais, políticos e religiosos. Chamo
atenção para o facto de Boccaccio, ter sido a primeira
personalidade a elaborar uma biografia sobre Dante.
Dante nasce em Florença no ano de 1265; foi criado no seio
de uma família que podemos considerar abastada, comparativamente
a outras famílias daquela época. Durante a sua infância a sua
inteligência começou a dar sinais de glória futura. Ao contrário
de tantos outros, abdica da sua adolescência para se dedicar ao
estudo das artes liberais. Já numa fase mais adulta, entregou-se
por completo ao seu desejo de conhecer obras de poetas e as
respectivas análises críticas, como por exemplo: Virgílio,
Horácio, Ovídeo, Estácio e todos outros poetas famosos. Esta
entrega foi de tal maneira devota que se esforçou por imitá-los.
Percebendo com isso que essas obras dos poetas não são vãs nem
simples fábulas ou maravilhas, mas que neles se escondem os
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doces frutos da verdade histórica e filosófica.1 Foi um
autodidata em História e aprendeu Filosofia com vários mestres o
que conseguiu com demorado estudo e esforço. E para que não
deixasse qualquer parte da filosofia por investigar, a sua mente
vasculhou as mais ínfimas profundezas da teologia. Por questões
de ordem política, partiu para Bolonha e quando se aproximou da
velhice foi para Paris, onde revelou a altura do seu génio em
muitas disputas com tamanha glória para si. Como resultado,
obteve, com toda a justiça os mais elevados títulos. Durante a
sua vida, foi aclamado como poeta por uns, como filósofo por
outros e muitos foram os que lhe chamaram teólogo. Dante tenta
regressar a Florença, mas na sequência dos problemas políticos
anteriores, não consegue; ficando-se por Ravenna a convite de um
nobre cavaleiro chamado, Guido Novel da Polenta. Nessa terra
permaneceu até à sua morte em 1321. Boccaccio salienta: “Nenhum
desejo amoroso, nenhuma lágrima de desgosto, nenhum cuidado
doméstico, nem a tentadora glória de um cargo público, nem o
miserável exílio ou a intolerável pobreza tiveram o condão de
alguma vez desviar Dante do seu principal intento – os seus
estudos”.2
2ª Parte – Noção de império em Dante na obra Monarquia.
1 BOCCACCIO, Giovanni, “A vida de Dante”, Planeta Editora: Lisboa, 2007, p.40.2 Id., ibid, Cf. Op. Cit, p.71.
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No tratado Monarquia, na qual Dante divide em três
partes/livros, será porventura a sua melhor obra politica. De
forma superficial, analisemos o primeiro livro.
“A necessidade de Monarquia”, Dante tenta demonstrar como a
monarquia universal é a conjuntura necessária à satisfação do
ser humano. Usando Aristóteles como referência, Dante alega que
a Monarquia é fundamental para a boa organização do mundo.
“ (…)o género humano é inteiramente ordenado para um fim único [‘continuamente
fazer atuar a plenitude da potência do intelecto’], faz-se necessário [portanto, que] seja
um único que ordene e que esse único seja chamado monarca ou imperador.” 3
Para Dante, a Monarquia não é outro elemento senão uma prova
de reaver a paz num mundo conquistado pela divergência e pela
intriga em torno do poder. A afirmação de um poder universal por
parte de Dante é fruto de suas próprias experiências.4
Dante demostra-nos, de forma dedicada e apaixonada, os
problemas da instabilidade politica que viveu durante os anos na
sua terra natal – Florença – entre as facções partidárias dos
gibelinos e guelfos. O efeito das quezílias políticas vividas em
Florença no tratado de Dante e a forma como ele protegia a
Monarquia poderão ser mais reveladoras na sua correspondência
pessoal. Atente-se no caso da defesa que Dante faz ao imperador
do Sacro Império Romano-Germânico, Henrique VII. Convém não
esquecer que o tratado Monarquia foi iniciada, aproximadamente em
1310, época que ocorre com a chegada de Henrique VII à Itália.
Para Dante, trata-se de uma questão de vida, para além de
qualquer necessidade teórica ou intelectual.3ALIGHIERI, Dante. Monarquia.p.. 39, SALGADO, Karine, “Entre a cruz e a espada:as contribuições de Dante Alighieri para a ideia de uma monarquia universal”,In Meritum – Belo Horizonte [Em linha], [Consultado. 2013-10-22].Disponívelem: www: <URL:http://www.fumec.br/revistas/index.php/meritum/article/download/1200/821>,ISSN 1808-5733, Meritum, vº 7, nº 1, Jan./Jun. (2011), p.68.4 SALGADO, Karine, Cf. Ob. Cit., p.69.
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Vamos ao amago da questão; Dante vaticina o modelo imperial,
que apelida de Monarquia, assente numa forma de governo “que se
ergue sobre todos os seres que vivem no tempo, ou sobre tudo
aquilo que é medido pelo tempo”.5 Dante explica que o imperador,
que actuava no governo, estava acima de todos os poderes
existentes, seria pois, o único e o mais eficaz para garantir a
paz. A manutenção da paz aparece como factor primordial para o
Império, visto que a mesma protagonizou como “o meio mais
imediato para chegar ao fim supremo”.6 Logo, essa paz visa um
meio para atingir um fim; e esse fim passava em diminuir de
certa forma os conflitos e disputas nas cidades italianas, em
particular Florença, tal como já referi. Dante defende no seu
tratado que o monarca, entre os comuns dos mortais, estaria
plenamente capaz de aplicar a justiça.
Segundo Dante, no momento em que o imperador governa, a
justiça pode tornar-se perfeita ou tende a caminhar para a
perfeição, porque só ele no universo, está livre da cupidez e,
jamais seria “capaz de corromper-lhe a alma”7. Portanto: “Quando
nada pode ser já apetecido, impossível se torna a cupidez...”.8
Conforme a argumentação, o monarca estaria isento de qualquer
ambição podendo, com isso, radicar a justiça de forma perfeita.
É de salientar a importância que Aristóteles incute na justiça
e, com o denominador comum, os homens, principalmente nos cargos
de governantes. Segundo Aristóteles, a justiça era a virtude
5ALIGHIERI, Dante. Monarquia. (Coleção Os Pensadores). São Paulo: AbrilCultural, 1973, p. 193 In BERTARELLI, Maria Eugenia, “O Pensamento Político de DanteAlighieri: Um Diálogo com a Tradição Tomista”, In Aquinate [Em linha], [Consultado.2013-10-22]. Disponível em: www: <URL:http://www.aquinate.net/revista/edicao_atual/Artigos/11/Artigo-1-Bertarelli.pdf>, ISSN 1808-5733, Aquinate, n°. 11 (2010), p. 5. 6 Id., ibid, Cf. Op. Cit, p.5.7 BERTARELLI, Maria Eugenia, Cf. Op. Cit, p.5.8 Id., ibid, Cf. Op. Cit, p.5.
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máxima comparativamente com o próximo. O Juiz seria uma espécie
de “justiça animada”9, pois estava incumbido de estabelecer a
igualdade. Para Aristóteles: “O justo é intermediário entre uma
espécie de ganho e uma espécie de perda nas transações que não
são voluntárias, e consiste em ter uma quantidade igual antes e
depois da transação”.10 Usando este argumento Dante define que o
imperador seria a única pessoa justa, pois podia continuar nas
transações sem ambicionar algum ganho, já que nada mais
aspirava. Ao analisarmos o tratado de Dante, reparamos que
contempla uma ideologia de paz compreendido como suma da ação
política de um governante que sabe aplicar a justiça perante os
problemas que surjam.
Para Dante, o reconhecimento por parte da sociedade na acção
política do imperador, implicava vários significados; se por um
lado, ao apoiá-lo estariam pois a contribuir para manutenção da
paz no mundo, por outro lado, para atingir a perfeição a
sociedade deveria usufruir não apenas da paz, mas também de
liberdade. Dante observa que um aspecto principal da liberdade
seria o chamado livre arbítrio.11
Segundo Dante, o maior dom que Deus deu à humanidade foi a
liberdade. Com o livre arbítrio, acima referido, tinha-se o
poder de optar por uma vida afortunada, dentro do possível, à
humanidade. É de referir que essa mesma liberdade só teria
efeito caso a submissão ao imperador universal fosse uma
realidade e a mesma fosse de livre escolha. Contudo, essa
submissão só era valida caso o súbdito legitimasse o imperador
como autoridade suprema com capacidade de os gerir até ao fim.9 Id., ibid, Cf. Op. Cit, p.5.10ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2006. In BERTARELLI,Maria Eugenia, Cf. Ob. Cit., p 5.11 BERTARELLI, Maria Eugenia, Cf. Op. Cit, p.6.
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Por conseguinte, a sociedade deveria ser consciente e, ser capaz
de conhecer esse fim e cooperar na direcção de o atingir. Neste
caso, Dante atentou à matéria politica, que não seria apenas do
imperador a responsabilidade de governar, mas sim de toda a
sociedade. Em virtude disso, Dante acreditava na importância da
sua obra para “...elucidar proveitosamente o mundo...”,12 isto é,
dar a conhecer aos homens o fim, ou melhor, os fins para os
quais se ordena a humanidade.13 Com esta identificação, a
sociedade podia colaborar com o imperador com o objectivo de
alcança-los. É notório nas palavras de Dante a intenção activa
na sua tarefa política, quase como uma demanda a persuadir a
sociedade em acolher um imperador e seguir os seus sólidos
intentos. Com intenção de esclarecer esta normativa imperial,
Dante rege-se em fundamentos de organização humana, que visa
atingir dois objectivos: o paraíso terrestre e o paraíso
celeste.
Dante, no seu tratado, informa-nos que a sociedade são
caraterizados por uma estrutura corruptível e outra
incorruptível, ou seja, os seres humanos são integrados de corpo
e alma. E vai mais longe, ao defender que, cada ser humano
permitiria em si as estruturas já mencionadas. Concluí com isso
que, tal como a natureza está condenada a um só fim, o ser
humano pelo contrário, está condenada a dois: o corruptível e o
incorruptível.
Em jeito de suma, não deixo de observar em Dante a intenção
ou não – na minha opinião eu creio que é cheio de intenção -, o
objectivo ou mesmo finalidade dado ao homem no que diz respeito
às suas estruturas; como existem dois termos na humanidade, logo
12 ALIGHIERI, Dante. Monarquia. (Coleção Os Pensadores)… In BERTARELLI, Maria Eugenia, Cf. Ob. Cit., p 6.13 BERTARELLI, Maria Eugenia, Cf. Ob. Cit., p 6.
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era necessário equilibrar essa “balança” e, nada melhor que ter
duas entidades a reger esse encargo: o Papa e o Imperador.
Se o Papa, encaminha o ser humano à eternidade, o Imperador,
segundo alguns filósofos, conduz a sociedade à felicidade
temporal. Mas, quanto às duas formas de distinção – espiritual e
temporal - dedicarei este assunto na 4ª parte deste meu
trabalho.
3ª Parte – Roma a capital do Império.
No segundo livro, “Como o povo romano obteve legitimamente o
encargo da Monarquia e do Império”, Dante reúne provas de que o
governo da humanidade – o governo da monarquia universal –
pertence, por direito, ao povo romano. Portanto, povo esse que
foi ordenado a dominar o mundo. Na realidade e, seguindo o ponto
de vista de Dante, a política romana, com seus ímpetos de
violência, torna-se justificável a partir do momento em que o
Império impõe o ius, uma lei racional universalmente válida, aos
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povos dominados.14 Com isto, podemos afirmar que o princípio
teológico de Dante é dialético e que o seu modus operandi é
político. O evento histórico de uma autoridade mundial certifica
a existência de Deus, ao longo de uma história produzida por
homens que, a cada vez, resistem à universalização em nome dos
seus particularismos, e acabam ordenados numa comunidade
política mundial sob a autoridade da mesma lei.15 A legitimidade
do Império Romano é verificado também, pelo seu sucesso militar.
O crescimento do Império só pode, no ponto de vista de Dante,
induzir uma predileção divina. O sucesso militar de Roma está
directamente ligado à história da salvação.
Após esta sumula no que refere ao segundo livro da obra de
Dante, e analisando com rigor o seu conteúdo, pode-se dizer que,
– segundo Dante – o povo romano obteve o poder do universo sem
qualquer oposição, pois a sua grandeza era obra de Deus na qual
confirma esse direito. Dante, com a seguinte argumentação, diz:
“o direito, nas coisas, não é mais que a semelhança da vontade
divina”16, assim sendo, “o que é querido por Deus na sociedade
humana deve ser reconhecido como direito lídimo e puro”.17
Finalmente, o que não permaneça em harmonia com a vontade de
Deus não constitui o direito. Muitas vezes a vontade de Deus
permanece desconhecida, sujeitámo-nos a ostentações sinaléticas,
nas quais assinalam para o povo romano. À cabeça do povo romano
aparece a nobreza, pelo simples facto de serem os nobres que
lhes competia por direito o império do mundo, possibilitando
assim a afirmação de que “foi por direito e não por usurpação14 SALGADO, Karine, Cf. Ob. Cit., p.69.15 SALGADO, Karine, Cf. Ob. Cit., p.70.16 Dante Alighieri. “Monarquia”, In: Os Pensadores. Seleção de textos: Tomás de Aquino,Dante Alighieri, John Duns Scot, Willian of Ockham, São Paulo, Abril Cultural, 1973. In:PAIZANI, Gabriel Ferreira de Almeida, Revista de História, 2, 1 (2010), p. 3-21, Universidade Federal do Paraná, p.9.17 Id., ibid, Cf. Op. Cit, p.10.
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que o povo romano adquiriu a Monarquia”18, pelo que, “deve a
nobreza suprema ser atribuído o comando supremo”.19
Dante é apologista da conquista pelo combate, de maneira
que, seria uma aquisição legítima. Nas guerras, devem ser
praticados todos os meios diplomáticos antes que se chegue à
necessidade de combater, contudo, essas acções ao ter como causa
o império do mundo, logo, são as menos cruéis.
Tal como referi acima, o princípio teológico de Dante, nesta
fase, passa entrar em acção. Para defender o predomínio romano,
Dante salienta que, Jesus Cristo pretendeu nascer da Virgem
Maria sob o édito da autoridade romana. Reconhecendo por isso,
ao mesmo tempo, a justiça do édito e do domínio do imperador.
Neste caso, existe um pedido direcionado aos representantes do
poder espiritual: “que deixem, então, de injuriar o Império
Romano aqueles que se dizem filhos da Igreja. Vêm que Cristo,
esposo da Igreja, confirmou o Império nas duas pontas da sua
existência: no nascimento e na morte”.20 Portanto, fica explícito
que a autenticidade da autoridade imperial é confirmada pelo
próprio Deus. Após esta análise, só subsiste apenas um
“adversário” que possa competir com o imperador o título de
“senhor” do poder temporal, o papa. Tratarei deste assunto na
parte seguinte deste meu trabalho.
18 Id., ibid, Cf. Op. Cit, p.10.19 Id., ibid, Cf. Op. Cit, p.10.20 Id., ibid, Cf. Op. Cit, p.13.
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4ª Parte – O poder temporal versus poder espiritual e as suas argumentações.
Nesta última parte do meu trabalho, darei o enfoque
necessário ao terceiro livro, referente à obra Monarquia de
Dante; “O encargo da Monarquia e o Império provém imediatamente
de Deus“. O autor defende a ideia de que o poder temporal não
provém do poder espiritual, e que a autoridade do Império não se
relaciona com a autoridade do papa. Advinham-se dois poderes,
aqui provindos directamente de Deus, cada um com o seu propósito
e cada um com o seu objectivo. Deparamos com isto que Dante
relaciona-se mais com a modernidade, pois dá a entender que,
compreende bem a relação entre poderes, com isso surge, uma
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relação de obrigação e não de submissão, curiosamente o oposto
do que era divulgado por contemporâneos de Dante.
“Dante faz evoluir o debate tradicional entre a auctoritas do papa e a potestas
do imperador (...). Dante escreve que a auctoritas do imperador não depende da
auctoritas do papa (...), transformação semântica significando que o poder político é,
em sua própria ordem, fonte de legitimidade. Pode-se igualmente dizer que ele
transforma o debate tradicional reconhecendo a existência de uma tripla fonte de
legitimidade, e que existe na verdade, para ele, uma tripla auctoritas no campo dos
negócios humanos: aquela da fé e dos textos sagrados, aquela da política quando seu
exercício é legítimo, e aquela da razão na empreitada filosófica.”21
Salienta-se que, na obra Il Convívio, Dante também menciona e
justifica o poder do temporal independente da autoridade
espiritual. Sendo que, o poder do imperador justifica-se pela
necessidade do ser humano realizar o seu objectivo,
independentemente, da felicidade. Esta argumentação encontra um
certo apoio na história social, em que testemunha, por meio da
encarnação, a posição privilegiada do Império Romano no que diz
respeito aos propósitos divinos, pelo que, curvar-se ao Império,
na figura do imperador, é submeter-se ao próprio Deus, e isso é
a condição de qualquer ordem mundial humanamente possível.22
Analisemos então o livro três; Para as entidades
eclesiásticas o poder vinha directamente de Deus, agora, o
importante era saber se o poder temporal também dependia
directamente de Deus. Ora, Dante alega a submissão directa do
21 MÉNISSER, Thierry. Concilier communauté des hommes er souveraineté mondiale:l’empire selon Dante. Paris: 2004, p.120 in SALGADO, Karine, “Entre a cruz e aespada: as contribuições de Dante Alighieri para a ideia de uma monarquiauniversal”, In Meritum – Belo Horizonte [Em linha], [Consultado. 2013-10-22].Disponível em: www: <URL:http://www.fumec.br/revistas/index.php/meritum/article/download/1200/821>,ISSN 1808-5733, Meritum, vº 7, nº 1, Jan./Jun. (2011), p.71.22 MÉNISSER, Thierry, Cf. Ob. Cit., p.72.
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poder temporal perante Deus, mas não refuta aqueles que
argumentam o oposto, ou seja, que depende de Deus por meio do
Sumo Pontífice.23 Logo, o poder temporal não depende do poder
espiritual, pois toda a sua virtude e autoridade já existiam
antes da criação da Igreja. Como já referi anteriormente, Jesus
Cristo foi o fundador da Igreja, no momento em que persistia o
domínio do Império Romano. Prova disso é a transferência de bens
que Constantino faz à Igreja e, que não o poderia ter feito,
caso o seu poder não o permitisse.24 A Igreja também não tem
autoridade para incapacitar, ou melhor, contestar a autoridade
do Imperador, pelo que, também não tem autoridade, por parte de
Deus, para delegar qualquer Imperador, nem com o consentimento
da sociedade. Por isso, não tem autoridade perante Deus, sobre
qualquer lei natural, ou lei divina. Dante considera que a
Igreja não é um efeito da natureza, mas sim de Deus, e, não tem
qualquer autoridade para poder capacitar o Imperador por alguma
disposição natural. Refuta também, que não tem autoridade
perante Deus; pois é o próprio Jesus Cristo que faz a separação
entre o poder temporal e espiritual. E vai mais longe, ao
afirmar que a Igreja não tem o poder de por em causa o direito
do Imperador, pois, se não fossem dadas essas faculdades tanto
pela natureza como por Deus, portanto, não cabia ao Imperador
ser o portador dessa autonomia de direito. Por outro lado, a
Igreja recebeu o poder por parte da sociedade.25 Para além do
exposto, esta virtude de conferir o poder temporal, é
contraditório à natureza da Igreja. Deve-se levar em
23 SKARICA ZUÑIGA, Mirka, “El Gobierno Global Según Dante”, In Dialnet [Em linha],[Consultado. 2013-10-22]. Disponível em: www: <URL:http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2046503>, ISSN-e 0716-1913, Dialnet, nº 28 (2005), p.327. 24 SKARICA ZUÑIGA, Mirka, Cf. Ob. Cit., p.327.25 Id., ibid, Cf. op. Cit, p.327.
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consideração que a natureza da Igreja é a própria Igreja, e é
isso que defendeu Jesus Cristo. Contudo, Cristo distingue
claramente o seu reino do reino universal e, nesse sentido,
determina a missão dos representantes da Igreja.26
Dante argumenta que, perante a natureza do homem, pode-se
deduzir que a autoridade do Imperador depende directamente de
Deus. A natureza do homem, como corruptível e incorruptível, -
tema já abordado - tem uma dupla finalidade. Essa dupla
finalidade é a felicidade da vida terrena, por um lado, e a
felicidade da vida eterna no outro. A felicidade terrena é
remetida para o Imperador, e a felicidade eterna, para Sumo
Pontífice; ao qual ordenou aos homens esse fim através de vários
meios. Claro que, como se pode constatar, a felicidade terrena
consiste na paz e na liberdade e, por isso, seria uma finalidade
máxima para o Imperador. Esta submissão directa da autoridade
imperial referente a Deus torna-se válida, pois foi Deus que
inspirou o Imperador para os princípios universais adaptadas aos
diferentes tempos e lugares. É igualmente verdade que, através
da Divina Providência a sociedade elege o Imperador. Esta
autonomia do poder temporal sobre o poder espiritual, no
entanto, não significa que tudo está sujeito ao Imperador
perante o Sumo Pontífice, posto que a felicidade da vida terrena
está destinada à felicidade da vida eterna e, ambos vão de
encontro ao homem.27
Em jeito de conclusão, Dante cria um tratado sem hipóteses
de ser aplicado naquele tempo, num momento em que a fé e a
lógica ainda não eram bem aceites no seu conjunto. Sustenta
também uma disparidade mais definida entre o poder temporal e
26 Id., ibid, Cf. op. Cit, p.327.27 Id., ibid, Cf. Op. Cit, p.327.
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espiritual, não comprometendo forçosamente uma oposição ou
separação entre os dois poderes, em virtude de haver um duplo
fim para o homem, na qual deveria ser encaminhado pelo Imperador
e pelo Papa. Salienta-se a objectividade de Dante, quando
contesta sobre a importância da emancipação da vida terrena,
produzindo a sua teoria a partir de uma indiferença quanto aos
homens serem cristãos ou não, tanto que originou com isso, um
novo universo laico. O ser humano consegue um status próprio e uma
relativa autonomia da Igreja, ainda que, aplicada no plano
teórico. A fé e a inteligência do homem ao organizar as suas
próprias matérias sem valer-se da divindade, fez com que não
existisse nenhuma instituição superior ao Império, da mesma
maneira que não havia nenhuma instituição acima da Igreja. Para
atingir a harmonia perfeita, o poder era de ambos e, Dante, como
filósofo e cristão, reconhece os dois ideais. O paradigma
agostiniano das duas cidades sobrepõe-se, assim, à ideia de
Dante. Segundo alguns filósofos medievais da actualidade
concluem que, a sociedade daquele tempo, em geral, não dissertam
sobre os méritos comparados da democracia e da oligarquia; eles
interessam-se apenas pela monarquia. O cerne da questão é que, a
sociedade cristã é dual, não ameaçando por isso a sua unidade,
antes pelo contrário, reforça-o. O ser humano é uno e duplo, a
sociedade na qual ele vive deve sê-lo também: “Dante não quebra
a sociedade cristã, ele descobre o seu pluralismo”.28
28 PAIZANI, Gabriel Ferreira de Almeida, Cf. Ob. Cit., p.21.
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Conclusão.No desenvolvimento deste meu trabalho urge escalpelizar e
sumariar algumas ideias adjacentes como resultado deste estudo.
A filosofia cristã durante a Idade Média oferece-nos motivos
permanentes de reflexão. Porque, acima de tudo, convém preservar
a consistência das verdades e princípios, na qual gravitam
neles, aspectos ocultos e diligências inesperadas. É neste
contexto e nesta originalidade – no tratamento de conceitos
tradicionais –, que compõe o pensamento filosófico de Dante. A
filosofia política de Dante apresenta dois principais temas que,
continuamente viajaram numa reflexão durante a idade média: o
desejo de uma unidade politica na Europa e, a questão entre o
poder espiritual e temporal. No seu tratado – Monarquia –
escrito no início do século XIV, Dante deseja dar solução a
estes dois temas acima referidos, com base no estudo racional.
Em jeito conclusivo de tudo que foi escrito, surge-me uma
questão pertinente: Como analisou Dante a questão da paz e da
justiça? Dividiria esta resposta em duas partes; em primeiro,
Dante menciona que, a equidade das relações entre os homens e os
seus conflitos estendiam-se a toda humanidade e que, por isso, o
regulamento jurídico-político não podia terminar no âmbito de um
Estado, mas sim no englobar de toda a sociedade. Em segundo
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lugar, Dante descobre o valor da paz como um valor da comunidade
e, atribui essa responsabilidade às instituições políticas, como
meta suprema a atingir. Aliás, Santo Agostinho já defendia esta
ideia no século V. Mas a teoria política da Idade Média coloca
de lado esta ideia agostiniana, “empurrando” as questões da
justiça para o Estado. Por outro lado, Dante analisa que, no
âmbito da paz e da justiça, a justiça é um valor condicionante e
a paz é um valor condicionado. Uma paz baseada na injustiça é
uma paz frágil, sendo por isso, ameaçada constantemente pela
violência que pugna em realizar uma sociedade mais justa. E, no
entanto, Dante acredita que o valor da paz é mais importante do
que o da justiça. Considera ainda que, o princípio da força do
valor é inversamente proporcional à sua época, sendo descoberto
pela axiologia actual. Estava intrínseco em Dante que na sua
doutrina a aplicação da justiça fazia parte das tarefas do
monarca universal. Aqui, como no primeiro caso, o que Dante
evidencia não é parte da solução, mas sim, parte do problema nos
seus termos exactos. Este problema consiste na chamada
equivalência política da justiça. Não conseguimos encontrar um
regime governamental, em que o governante é obrigado a ser
justo. E o problema surge, porque cada homem transporta consigo
uma contra tendência para a justiça, que é o autointeresse. A
solução vista por Dante, visava na criação de um sistema
político que anulasse o conflito entre a justiça e o interesse
patente no espírito de quem teria de governar.
A filosofia política de Dante não foi feita em vão. A
edificação de um império universal é, sem dúvida, um sonho
impossível. Mas a ousadia da sua ideia, os problemas de
equilíbrio e as provas que reuniu, conferiram em Dante, um lugar
de destaque no universo filosófico.
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