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Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil.
9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
A CONTRIBUIÇÃO DO RESTAURO PARA UMA NOVA
HISTÓRIA DA PINTURA COLONIAL PAULISTA
Myriam Salomão 1
Resumo: A pintura paulista produzida no período colonial, principalmente na cidade de São
Paulo, ganha novos aspecto revelados por recentes restauros. Exemplos dessa nova visualidade
que se revela são os casos da Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, da Igreja da
Nossa Senhora da Boa Morte, ambas no centro da cidade, e da Capela de São Miguel Arcanjo em
São Miguel Paulista. Este estudo é uma análise desses restauros que permitirá um novo
entendimento da pintura paulista em seus aspectos técnicos, formais e históricos.
Escreva o resumo em itálico. Utilize espaço simples entre as linhas, fonte Arial, tamanho 10.
Palavras-Chave: Pintura colonial paulista. Restauro de pintura. Capela de São Miguel Arcanjo,
São Paulo. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São Paulo. Igreja de Nossa Senhora da Boa
Morte, São Paulo.
Abstract: The painting from São Paulo produced in the colonial period, mainly in the city o f São
Paulo, it wins new aspect revealed by recent restorations. Examples of that new visuality that one
reveal are the cases of the Church of the Order Third of Carmel, of the Church of the Good Death,
both downtown, and of the Chapel of São Miguel Arcanjo in São Miguel Paulista. This study is an
analysis of those restorations that will allow a new understanding of the painting from São Paulo
in their aspects technical, formal and historical. Word-key: Colonial painting of São Paulo. Restoration of paintings. Chapel of São Miguel
Arcanjo, São Paulo. Church of the Order Third of Carmel, São Paulo. Church of the Good Death,
São Paulo.
O período colonial paulista caracteriza-se por uma distinção em relação às demais
regiões brasileiras, determinada por diversos fatores, entre os quais podemos destacar o
relativo isolamento geográfico da região até o início do século XIX, gerando uma sociedade
com poucos recursos econômicos, em sua maioria, e que nem sempre teve como arcar com as
despesas da manutenção de uma atividade artística constante na capitania.
Com isso, temos a sensação de que em São Paulo pouco existiu das consagradas
expressões artísticas do período colonial – arquitetura, imaginária, música, talha e pintura – já
que muitas das igrejas (principal espaço de manifestação artística nesse período) ruíram ou
foram substituídas por outras, no final do século XIX e início do século XX, época do
desenvolvimento urbano e industrial da cidade de São Paulo. Se já encontramos dificuldades
em discorrer sobre a atenção dada à preservação das construções religiosas da região, quanto à
pintura essas dificuldades são ainda redobradas, acentuadas pelo fato de que a pintura paulista
produzida entre o final do século XVII e metade do XIX carece de estudos gerais quanto à
autoria, cronologia, iconografia, inventário das obras e dos modelos que circularam e
influenciaram essa produção.
Se no ano de 1937, Mário de Andrade nos lembra de que “no período que deixou no
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Brasil as nossas mais belas grandezas coloniais, os séculos XVII e XIX até fins do Primeiro
Império, São Paulo estava abatido, ou ainda desensarado dos reveses que sofrera” (1984,
p.73), atentando para o fato de que, no caso de São Paulo, o critério de julgamento tem de ser
outro. Etzel nos fala de verdadeiras “joias de família” (1974, p.132) que, por suas
particularidades tão próprias, devem ser entendidas e analisadas em seu contexto, pois
constituem “um núcleo característico, do Brasil-colônia: fechado, independente, agressivo e
cioso de sua liberdade total” (ETZEL, 1974, p.133).
Mas, atualmente surgem novos aspectos das pinturas paulistas revelados por restauros
recentes ou em andamento, pois apesar de não ser uma fonte direta, constituem fontes
documentais semintencionais, sendo raras as obras que chegaram inalteradas aos nossos dias
(LEVY, 1997). Exemplo dessa nova visualidade que se revela são os casos da Igreja da
Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, da Igreja de Nossa Senhora da Boa
Morte e da Capela de São Miguel Arcanjo, todas na cidade de São Paulo.
A análise dos restauros realizados ou em andamento, permitem um novo entendimento
da pintura paulista, posto que ao se realizar tal empreitada, questões diversas são colocadas,
desde o entendimento técnico da feitura daquela pintura, tudo que o tempo colocou ou retirou
na obra, até o que se espera ver ou mostrar para o apreciador atual, ou seja, é uma nova
pintura que se revela.
1. Igre ja da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo
A história da construção da igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo é
envolvida em incertezas: ao que tudo indica, começou a ser construída em 1697, pelo vigário
provincial, reformador e visitador dos frades do Brasil, frei Manoel Ferreira da Natividade.
Estava pronta em 1759, quando se inicia a pintura da capela-mor e a confecção da talha dos
retábulos, ficando completa por volta de 1763. Mas a igreja atual não é essa, pois segundo
registros dos livros de receitas e despesas dos terceiros, no período de 1792-93 ela estava em
sua fase de maior atividade construtiva, com a remoção dos antigos retábulos e colocação de
novos, além do trono e forro da capela-mor. Em 1906 a capela foi reformada e, em 1922
passou novamente por reformas, ficando pronta em 1927 e, portando, data dessa época o
estado atual do edifício (DANON & ARROYO, 1971).
A Igreja da Ordem Terceira possui todas as dependências necessárias para suas
atividades: capela, sacristia, salões de consistório e reuniões, além do jazigo, formando um
conjunto harmonioso completo na sua decoração com as pinturas da sacristia, biblioteca,
1 Doutoranda em Fundamentos e História da Arquitetura e Urbanis mo da FAU/USP. Bolsista CAPES.
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capela-mor, nave e coro, conforme já afirmado anteriormente (SALOMÃO; TIRAPELI,
2001, p.103).
Na sacristia há um painel pintado por José Patrício da Silva realizado entre 1785 –
1786 (CERQUEIRA, 2007) que representa Nossa Senhora do Carmo cercada de querubins
com o Menino Jesus no colo, entregando o escapulário a Santa Teresa. A pintura intitulada
“Nossa Senhora com o Menino e Santa Teresa”, considerada uma obra-prima do pintor
colonial paulista, José Patrício da Silva Manso (1740-1801), foi realizada sobre tela em vez de
pintada diretamente nas pranchas de madeira do forro como era costume na época, e fixada no
teto da sacristia. Esse fato representou bem mais conforto para o artista, pois o pintar na
superfície vertical à sua frente ao invés do andaime, deu- lhe o tempo, a luz e o ângulo que
melhor lhe convinha como atesta Júlio Moraes e sua equipe de restauradores, responsáveis
pelos trabalhos de restauro iniciado em março de 2006 e concluído em fevereiro de 2007
(CERQUEIRA, 2007, p.7).
Segundo os relatórios de trabalho (MORAES, 2007) a metodologia foi relativamente
fácil de estabelecer: remover a tela e aplicar-lhe uma reentelagem, emprestando ao tecido
original enfraquecido e deteriorado a resistência mecânica de uma tela nova aderida por trás, e
fixá- la depois a um novo painel, em substituição às velhas pranchas que a rasgaram com os
seus movimentos. Os seguintes critérios foram rigorosamente seguidos: respeitar totalmente
gestos e materiais originais, adicionando apenas o imprescindível à estabilização e resgate da
mensagem do artista, e o que se adicionou será sempre removível no futuro, em respeito ao
progresso técnico que também haverá de prosseguir. Concluindo o restauro, foi devolvida ao
seu local de origem, junto com a moldura original também restaurada (FIG. 1), e podemos ver
a homogeneidade de tons e superfície, e a integração de formas e cores obtida.
FIGURA 1: Painel “Nossa Senhora com o Menino e Santa Teresa”: à esquerda, antes do restauro em 2006 e, à
direita em 2007. Foto: Júlio Moraes Conservação e Restauro.
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Já as pinturas do forro da nave, do coro e da capela-mor foram executadas entre 1796
e 1797 pelo paulista de Santos, Padre Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819) e, de acordo
com Mário de Andrade (1945), Jesuíno primeiro pintou a nave, depois a capela-mor e, por
último, o coro. Na nave, a pintura sobre o forro tem figuras apoiadas diretamente sobre a
cimalha das duas laterais: três grupos de cada lado composto por quatro figuras de corpo
inteiro em cada grupo representando santos e santas carmelitas. No centro, há uma pintura de
Nossa Senhora da Conceição que até o ano de 2010 estava escondida por outra executada por
Pedro Alexandrino no final do século XIX (FIG.2), e só agora, após restauro voltamos a
visualizá- la (FIG.3).
FIGURA 2: Fotografia da pintura da nave da Igreja da Venerável Ordem Terceira de N. Sra. do Carmo, com
conjunto de santos e santas carmelitas nas laterais e ao centro Nossa Senhora da Conceição como se via até
2010. Foto: Nenas Medrano, 2003.
FIGURA 3: pintura do centro da nave após início do restauro, já com a imagem de N. Senhora da Conceição
pintada por Jesuíno do Monte Carmelo v isível. Foto: Jú lio Moraes Conservação e Restauro, 2010.
Os serviços executados no forro da nave e coro foram os seguintes, conforme conta no
relatório de Júlio Moraes (2010, p.9), restaurador responsável pelo projeto: decapagem das
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camadas de tintas superpostas à pintura original de Padre Jesuíno feita majoritariamente por
processos mecânicos, pois esse processo confirmou-se como o mais adequado, tanto por ser o
mais efetivo na remoção dos materiais adicionados, como por garantir controle mais fino da
remoção e evitar a permanência de produtos químicos.
Um item imprevisto de serviço foi executado (a princípio limitado ao restauro da
pintura), por determinação e com acompanhamento do IPHAN: a remoção dos arcos de
madeira que subdividiam o forro, ao haver-se constatado que a pintura de Padre Jesuíno do
Monte Carmelo prosseguia sob os mesmos e, portanto, tratava-se de elementos que escondiam
parte da pintura e descaracterizavam o conjunto. Assim, foi encontrada significativa área de
pintura original em ótimo estado escondida sob os mesmos. Verificou-se que o arco era de
confecção moderna, feito à máquina, e fixado com parafusos. A pintura é a dupla de santos
Elias e Eliseu, habitualmente representado nas igrejas carmelitas. Estas figuras foram
retocadas e o fundo, parcialmente repintado, indicou uma intervenção começada e inacabada,
talvez em função da decisão de instalar-se o arco de madeira.
É no conjunto de pinturas do forro da nave e do coro que temos uma das principais
renovações na visualidade: a restauração conseguiu resgatar, através de procedimentos
técnicos especializados, as pinturas existentes por debaixo das camadas de tintas e vernizes
que se lhe sobrepuseram nos séculos XIX e XX. É como um novo conjunto de pinturas que
surge revelando o verdadeiro Padre Jesuíno do Monte Carmelo (FIG. 4).
FIGURA 4: Forro da nave após conclusão do restauro. Foto: Myriam Salomão, 2012.
Diferentemente do forro da nave e do coro, a área da capela-mor possui uma camada a
mais de pintura artística sob o painel A Virgem Maria, São José e Santa Teresa (1796) do
Padre Jesuíno do Monte Carmelo, que é atribuída a José Patrício da Silva Manso. Portanto, o
objetivo da intervenção foi o resgate da área selecionada da primeira (autoria do Padre
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Jesuíno do Monte Carmelo), sem prejuízo da estabilidade da segunda (atribuída a José
Patrício da Silva Manso), observando-se e documentando-se a mesma dentro das
possibilidades técnicas existentes (MORAES, 2010, p.24).
No painel da capela-mor além da Virgem, de São José e de Santa Teresa surgiram
após o restauro diversas cabeças de anjos com pares de asas, às vezes em dupla ou às vezes
sozinhos (FIG. 5). E mais uma vez surge a pintura de Jesuíno em todo seu estilo afirmado na
conclusão de Mário de Andrade no livro dedicado ao padre pintor em 1945: “A obra de
pintura do padre Jesuíno do Monte Carmelo deriva da concepção artística do Barroco
europeu, imposta à nossa arte colonial. Mas não a exige.” (p.135), ou então: “Mas Jesuíno fica
no entremeio malestarento entre a arte folclórica legítima e a arte erudita legítima.” (p.143).
FIGURA 5: Detalhes da pintura do forro da capela-mor após o restauro. Foto: Myriam Salomão, 2011.
2. Igre ja de Nossa Senhora da Boa Morte
Apesar de ser uma irmandade fundada em 1728, a Nossa Senhora da Boa Morte a
princípio ficou estabelecida na Igreja do Carmo e não se sabe ao certo quando iniciou a
construção de seu templo, apenas que em 24 de julho de 1802 efetuou-se a compra do terreno
na Rua do Carmo, onde seria edificada e a inauguração em 25 de agosto de 1810 (MAGALDI
et al, 2009, p.29).
Durante o trabalho de restauro iniciado em 2006, após permanecer fechada por mais
de vinte anos devido a deterioração interna, foi descoberta uma pintura com a cena da
Coroação da Virgem no forro da capela-mor, escondida debaixo de grossas camadas de tinta e
com partes perdidas. Retirado na década de 1970, as pranchas que compunham o forro
estavam desmontadas e depositadas no coro, algumas apodrecidas e outras rachadas no meio
(MAGALDI et al, 2009, p.73). Provavelmente do início do século XIX, à medida que se
removeu as camadas de tinta, surgiram traços da representação que despertou o interesse por
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seus aspectos pictóricos e formais, acentuados pela boa qualidade técnica e integridade das
cores (FIG. 6).
FIGURA 6: Aspecto do conjunto de tábuas do forro da capela-mor encontradas durante o restauro arquitetônico.
As tábuas mais danificadas eram as que representavam partes do rosto de Jesus, a
totalidade do rosto de Nossa Senhora e parte do de Deus. Uma equipe de 12 restauradores
realizou estudos para a recomposição a partir de dezenas de versões de artistas para o tema da
Coroação da Virgem e iniciou-se o trabalho de reintegração da pintura que, a pedido dos
integrantes da irmandade, voltou ao local para onde foi concebida originalmente, ou seja, na
capela-mor (FIG. 7).
FIGURA 7: Pintura restaurada e recolocada no forro da capela-mor da Ig reja de N. Sra. da Boa Morte.
3. Capela de São Miguel Arcanjo
A Capela de São Miguel Arcanjo está entre os primeiros bens a serem tombados pelo
Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (antigo IPHAN) já em 1938, apenas um
ano depois da criação do órgão e entre 1939-1941 passou por sua primeira grande restauração
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coordenada pelo arquiteto Luís Saia, que encontrou uma construção à beira da ruína
(GONÇALVES, 2007).
Foi fundada em 1560 quando um grupo de índios Guaianazes ali se estabeleceu junto
com padres jesuítas vindos do colégio de São Paulo. A atual capela foi construída em 1622,
pois a antiga foi demolida devido ao seu estado de degradação, sendo que é considerada a
mais antiga do estado de São Paulo e marcou a chegada dos jesuítas na região. Após a
expulsão dos jesuítas do Brasil, os frades franciscanos assumiram a assistência religiosa do
local e frei Mariano da Conceição Veloso, de origem mineira, coordenou uma reforma da
capela ampliando-a (BRITO, 2008, p.34).
Com as diversas mudanças políticas e econômicas no Brasil e São Paulo, a região de
São Miguel Paulista passou por momentos alternados de estagnação e desenvolvimento, assim
como a capela teve diversos usos sociais: funcionou uma escola primária do final do século
XIX até a década de 40 do século XX no alpendre lateral; abrigou moradores nas décadas de
1950 e 1990; no final da década de 1970 um movimento popular desenvolveu atividades
culturais, além de ter abrigado escritórios de Direitos Humanos, do Menor, da Pastoral
Operária e uma biblioteca em meados da década de 1980 (BRITO, 2008, p.35).
Após a primeira restauração citada anteriormente, somente no início da década de
1980 recebeu nova atenção com uma obra de recuperação estrutural de suas instalações,
ficando até 2004 sem intervenções, quando recebeu o apoio financeiro de algumas entidades e
iniciou a recuperação física do edifício (interna e externamente) e de seu entorno, bem como o
traçado de seu perfil histórico-arqueológico. Para orientar os trabalhos de restauro no interior
da capela, a equipe buscou nos documentos do IPHAN relativos a primeira grande
intervenção, pistas que indicassem o que haviam encontrado e perceberam, que já nos anos
1940, os relatórios continham o resultado de prospecções em técnicas possíveis para aquela
época, apontando a necessidade de serviços de recuperação de pinturas dos altares e
elementos diversos de madeira.
Dos elementos da decoração interna, restaurados a partir de 2007 e concluídos até
2010, destacam-se na sacristia o oratório e o armário embutido e na capela lateral o conjunto
referente ao altar (FIG. 8), cujo colorido de seus ornamentos foram descobertos nesse restauro
e vem reforçar uma descoberta recente de que os templos paulistas mais antigos se
caracterizavam por serem mais coloridos (MUSEU DE ARTE SACRA, 2005).
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FIGURA 8: Altar da capela lateral, com detalhes à esquerda, da pintura ornamental.
Mas a surpresa maior para os técnicos restauradores foram pinturas murais nas paredes
de taipa atrás dos retábulos laterais da nave (FIG. 9), sendo que se encontram atrás de
estruturas de madeira que atualmente são os altares colaterais da nave e que foram descritas
pelo restaurador Júlio Moraes responsável pelo trabalho da seguinte forma:
“Os traços mais característicos das pinturas encontradas na capela de São Miguel são
a notável simplicidade de recursos técnicos e formais, d ispondo de uma paleta limitada a três
cores - branco preto e vermelho - e recursos visuais mais gráficos que propriamente pictóricos.
Os vestígios encontrados definem perfeitamente a divisão visual da parede, por meio da
pintura, em duas áreas horizontais: uma barra inferior, de pouca altura, cerca de 80 cm, com
motivos e composição mais pesados e maior uso de cores; e, um paramento ou sobre-barra dali
até o alto das paredes, em que predomina um fundo branco, amplamente recoberto por motivos
ornamentais pintados. Esta divisão, tradição milenar de origem funcional, é encontrada em
praticamente todo o mundo.” (MORAES, 2011, p.2).
FIGURA 9: Pinturas murais localizadas atrás dos retábulos laterais da Capela de São Miguel.
Também de acordo com a cronologia elaborada por Júlio Moraes (1996), elas
correspondem a um primeiro momento na história da pintura mural em São Paulo
compreendido entre 1532-1808, demarcado pelo início da colonização e pela vinda da família
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real portuguesa ao Brasil. É um período longo e também o menos conhecido, devido, por um
lado, aos numerosos desaparecimentos e reformas de edificações daquele período e, por outro,
à incipiência de prospecções e outros estudos pictóricos nos monumentos restantes.
Já consideradas as mais extraordinárias pinturas murais coloniais até agora conhecidas
em São Paulo, tanto pela elaboração visual sofisticada que preencheu e movimentou paredes
brancas, destacando os singelos nichos nelas existentes com referências pictóricas a alguma
arquitetura, como pelos conteúdos simbólicos contidos nos motivos fitomórficos mesclados a
elas. Ganham assim uma forte expressão artístico-religiosa-decorativa, que modificava e dava
outras dimensões a uma arquitetura muito simples. Trata-se com certeza de uma produção
jesuítica, pela sofisticação dos recursos plásticos obtidos dentro de uma extrema limitação
técnica.
Visando ampliar o debate e colher propostas a respeito de como tornar visíveis essas
pinturas ao mesmo tempo em que mantem a integridade dos altares laterais, foi promovido o
evento “I Encontro de Arte e Patrimônio: pinturas jesuíticas na capela de São Miguel, um
tesouro revelado”, no dia 15 de setembro de 2011 na própria capela. Tratou-se de evento
gratuito e aberto ao público, que contou com a presença de pesquisadores da história da arte
brasileira e do patrimônio cultural, e de vários representantes da comunidade local. Como
conclusão geral, o evento declarou a importância fundamental de se promover a convivência e
clara consignação ao visitante de duas diferentes épocas da capela: a jesuítica, representada
pelas pinturas, altar-mor e demais elementos mais antigos, e a franciscana, representada pelos
retábulos e pela espacialidade atual da capela.
Esta breve apresentação do tema que ainda poderá nos reservar muitas surpresas
escondidas por debaixo de camadas de tintas, termina lembrando o quanto a tecnologia nos
favorece a revelação das pinturas e nos dá uma nova visualidade com condições de ser muito
mais próxima à gênese das obras pictóricas e transformando mais uma vez nossa
compreensão da história.
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