CENTRO UNIVERSITÁRIO UNAPós Graduação em Jornalismo Cinematográfico
Disciplina: História do CinemaProfessor: Paulo Roberto
Igor do Nascimento Lima de Almeida
SERGEI EISENSTEIN - A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO NA MONTAGEM CINEMATOGRÁFICA
Sergei Mihailovitch Eisenstein, nascido em 23 de janeiro de 1898 na cidade de
Riga na Letônia (antiga parte integrante do Império Russo), foi um dos mais importantes
cineastas e filmólogos soviéticos. Começou sua carreira artística no teatro de Moscou em
1920, trabalhando para o movimento literário Proletkult, abreviatura da expressão russa
proletarskaya kultura (пролетарская культура), e significa "cultura proletária". Em 1923,
inicia sua carreira de teórico, escrevendo “A Montagem das Atrações” para o “ЛЕФ -
Levyi Front Iskusstv”, revista construtivista da “Frente de Esquerda das Artes”. O primeiro
filme de Eisenstein, “O Diário de Glumov”, também foi feito no ano de 1923 e fez parte da
sua produção teatral “O Homem Sábio”. Apesar dos constantes atritos com o regime de
Josef Stalin, causados pela sua discordância em como o comunismo e a liberdade de
expressão artística era tratada, Eisenstein prova que arte e política podiam coexistir em
1925 com seu primeiro longa-metragem “A Greve”. O filme trata de forma evidente uma
temática social quando, logo após a morte de um trabalhador, acusado injustamente de
roubo, uma greve é organizada pela classe de trabalhadores de Moscou. Nessa época, o
cineasta já trabalhava para o Estado Soviético e almejava transformar o cinema de
entretenimento vazio, em ferramenta política e vetor de transmissão do espírito
revolucionário da classe proletária. Não apenas brilhante na representação visual, mas
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também no conceito de montagem apresentado, “A Greve” trabalha com o paralelismo e a
introdução de imagens simbólicas. As montagens sugerem o conceito de metáfora e criam
uma relação onde determinados “ícones” se tornam peças importantes do filme. As
primeiras cenas mostram animais saudáveis e no final um boi aparece no matadouro, como
forma de comparação com a matança dos grevistas pelas forças militares do governo, que
também não deixa de representar a classe de trabalhadores.
Figura 1. Animais Saudáveis Figura 2. Abate de um boi
Os empresários e membros do czarismo são representados de
formas estereotipadas, se mantendo fiéis à realidade: bebendo uísque e fumando charutos.
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Figura 3. Empresários bebendo uísque Figura 4. Empresário fumando charuto
Eisenstein trabalha com montagens audiovisuais que exploram a simbologia e a
construção do sentido por meio da sugestão das imagens.
No ano de 1925, Eisenstein mostra ao mundo “O Encouraçado Potemkin”, obra
que é considerada, uma das mais importantes do cinema mundial e marco da inovação na
montagem cinematográfica. Filmado em 1925 e feito sob encomenda para comemorar os
vinte anos da Revolução Russa, o filme parte do fato histórico ligado à rebelião dos
marinheiros no navio de guerra Potemkin. Para criar uma obra universal, que fala contra a
injustiça e sobre o poder coletivo das revoluções populares, Eisenstein usa de técnicas de
montagem inspiradas nos ideogramas orientais. Se determinado ideograma significa
“telhado” e outro “esposa” a união dos dois é lida como “lar” e desta forma, com o choque
entre duas imagens aparentemente díspares, cria-se o impacto e o sentido a que se quer
chegar.
O diretor assume uma certa parcialidade conduzindo o espectador a uma
identificação com a tripulação, ao invés de se colocar em favor da aristocracia exploradora
da classe. Para produzir esse efeito, ele apresenta uma montagem em pequenos segmentos,
contando a história através de uma série de cenas distintas, aliada à utilização de atores não
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profissionais, caracteriza o filme como uma espécie de trabalho institucional, com os
amotinados adquirindo também a simpatia da população de Odessa. Dialeticamente, essa
segmentação poderia ser interpretada com uma tragédia grega, dividida em vários atos. Em
tempos em que os efeitos especiais eram usados apenas como simples técnicas de
produção, é louvável o esforço e brilhantismo do cineasta em atingir seus objetivos
conceituais e estéticos.
A clássica cena na escadaria de Odessa é a quarta parte do filme. As cenas iniciais
banhadas em luz e alegria são substituídas pelas imagens chocantes de repressão violenta
pela guarda do Czar. A própria escada já traz, em si, um símbolo da cruel hierárquica social
e política, da diferença entre as classes. A cena da mãe assassinada, cujo carrinho de bebê
desce degraus abaixo, é sempre citada como uma das mais famosas da história do cinema.
Eisenstein foi precursor no uso de efeitos especiais, usou contrastes e relações de corte e
montagem que ainda hoje servem como base para a realização de filmes experimentais.
Figura 5. Assassinato na escadaria Figura 6. Carrinho descendo a escadaria
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Dois anos após o lançamento de “O Encouraçado Potemkin”, Eisenstein nos traz
mais um dos seus filmes de cunho político, exacerbando as inter-relações entre o
proletariado a classe czarista soviética e o governo de Stalin. “Outubro” (filme de 1928),
foi feito a pedido da “Sovkino” (conselho responsável de cinema na URSS) e passou por
diversos problemas de censura por parte de Stalin. O filme marca a época dos conflitos de
Eisenstein com o poder, conflitos que se centraram principalmente nas partes do filme onde
aparecia a figura de Leon Trotsky. Trotsky é central no filme de Eisenstein, porém, 1927 é
o ano da expulsão de Trotsky do Partido e, o começo da reescrita da história levado a cabo
por Stalin. Obviamente, o senso ideológico stalinista influenciou o resultado final da obra,
que teve um terço de seu conteúdo original, eliminado. Não apenas pela figura de Trotsky
(considerado o último dos vilões por Stalin), mas também pelas cenas que continham
discursos de Lenin, dizendo ao próprio Eisenstein que "o liberalismo de Lenin já não é
válido. Devido a esses contratempos, “Outubro” é um filme oscilante entre a
experimentação formal e a ideologia política dominante e imposta. Entretanto, a fim de
driblar as imposições ideológicas, Eisenstein trabalhou a montagem de um modo
avassalador em “Outubro”. Por exemplo, a cena dos relógios, onde uma série de relógios
indica a hora de diversas capitais do mundo, entretanto, na hora da Revolução, os mesmos
se põem a girar loucamente até se sincronizarem com o tempo histórico de Moscou.
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Figura 7. Relógios de Moscou
Na obra de Eisenstein, principalmente nos cinco primeiros filmes produzidos por
ele, tomamos nota da chamada “montagem das atrações”. Em uma série de ensaios,
Eisenstein explica que sua teoria cinematográfica apropriava-se da dialética marxista:
propunha o choque da tese e da antítese, sua superação, gerando uma síntese. Os cortes são
abruptos: ponto, contraponto, fusão. Para ele, o impacto provocado por um filme acontecia
em função do ritmo, não do enredo narrado. O diálogo mostrado nos letreiros é reduzido ao
mínimo. Sempre protestos, expressões de desespero ou exaltações à luta. Não há tempo a
perder. Na “montagem das atrações”, mais importante do que estabelecer a identificação
emocional da platéia com os personagens é conseguir comunicar o significado de suas
ações conjuntas. Não importa as individualidades, o fundamental é a construção de
personagens coletivos.
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Figura 8. Amotinados em “Outubro” Figura 9. Expressão facial evidente
Em 1929, Sergei Eisenstein e Grigori Aleksandrov, saem da União Soviética com
pouquíssimo dinheiro e a incumbência de filmar nos EUA, levando junto e sub-
repticiamente a mensagem comunista. Até conseguirem o visto americano (e um contrato
com a Paramount), tiveram que estabelecer moradia em Paris e nesse tempo se dispuseram
à toda sorte de propostas de produção. Em consequência do fato, receberam a encomenda
de Leonard Rosenthal para filmar “Romance Sentimental”. O filme, em primeira instância,
nada mais era que um documento musical encenado por Marie Gris, onde a cantoria
intercalada com imagens de cisnes, estátuas de Rodin, nuvens, árvores, ondas do mar,
estrelas falsas, luzes e fogos se faziam presentes. O estranho fato do envolvimento de
Einsentein (diretor soviético, que revolucionou a linguagem cinematográfica) com a
produção tipicamente burguesa da França, cai por terra ao saber que o curta-metragem é
em todos os sentidos, e pioneiramente, um “clip” musical, o patriarca da estética do
videoclip. Além disso, é a primeira produção sonora de Eisenstein (o filme falado se
difundiu a partir de 1929). E, nele, o diretor aproveita para realizar pequenas, mas intensas,
experimentações cinematográficas com a música e até mesmo com a voz de Marie Gris.
Antes de começar a balada tristonha e repetitiva, frenéticos sons de uma música
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electroacústica, acompanham as imagens de um mar furioso, introduzindo no filme
dissonâncias propriamente modernas. Além dos novos adventos sonoros, o “clip” também
conta com inserções de efeitos gráficos que se assimilam a desenhos, nunca antes
utilizados nos filmes anteriores do cineasta.
Figura 10. Texto de “Romance Sentimental” Figura 11. Marie Gris
Não por acaso, mesmo em “Romance Sentimental”, certo princípio dialético do
cinema de Eisenstein continua ativo. A capacidade de tornar a encomenda de Rosenthal em
um filme que reflete o puritanismo burguês e a melancolia feminina tão frequente no
cinema, como fruto da repressão sexual, faz com que mais uma vez sua maestria conceitual
seja seu triunfo.
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Figura 12. Estátua de Rodin
A visão dos filmes de Eisenstein depois do fim da URSS (União das Repúblicas
Soviéticas) e do colapso do comunismo coloca ao espectador, sem dúvida, um problema de
ordem ideológica. Ele foi um dos grandes realizadores da propaganda comunista soviética.
As imagens no entanto são tão belas e comoventes, a elaboração tão grandiosa, a invenção
plástica tão rica que espectador nenhum fica insensível a elas. Por trás da propaganda, o
espectador descobre que Eisenstein, de fato, realizou vastos afrescos históricos que
expressam o passado da Rússia desde os tempos mais remotos até os anos da Revolução de
1917, embalado não apenas por uma utopia do século 20, mas duas: a do comunismo e a
do cinema como arte total. Não é apenas a beleza dos filmes que nos comove, mas a dupla
confiança de Eisenstein.
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Referências Bibliográficas:
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EISENSTEIN, Sergei. O sentido do filme. Rio de janeiro: Jorge Zahar. 2002.
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DANTAS, Elen Linth Marques. Uma Reflexão sobre “A Greve” de Eisenstein: A Montagem Soviética como estratégia ideológica. 2001. 1 v. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Cinema e Audiovisual) - Universidade de São Paulo, São Paulo.
OLIVEIRA, Vanessa Teixeira de. Sergei Eisenstein e o Paralelo das Artes. 2010. 1 v. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
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MACHADO, Murilo D’Almeida. Eisenstein quadro a quadro. 2009. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/16565479/Cinema-Ideograma-e-Poesia>. Acesso em: 8 nov. 2012.
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