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Universidade Federal do Amazonas
Programa de Pós-Graduação em História
Mestrado em História
MARCOS ROBERTO RUSSO DE OLIVEIRA
Amizades, porradas, facadas e caseiras fumegantes: uma história das galeras de
Manaus (1985-2000)
Manaus/AM
2017
5
Universidade Federal do Amazonas
Programa de Pós-Graduação em História
Mestrado em História
MARCOS ROBERTO RUSSO DE OLIVEIRA
Amizades, porradas, facadas e caseiras fumegantes: uma história das galeras de
Manaus (1985-2000)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Amazonas como
requisito para obtenção do título de mestre
em História Social.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Emílio Morga
Manaus/AM
2017
6
Ficha Catalográfica
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
de Oliveira, Marcos Roberto Russo
D278a Amizades, Porradas, Facadas e Caseiras Fumegantes : uma
história das galeras de Manaus (1985-2000) / Marcos Roberto
Russo de Oliveira. 2017
429 f.: il. color; 31 cm.
Orientador: Antônio Emílio Morga
Dissertação (Mestrado em História - Cultural) - Universidade
Federal do Amazonas.
1. Galeras. 2. História. 3. Jovens. 4. Turmas. 5. Manaus. I. Morga,
Antônio Emílio II. Universidade Federal do Amazonas III. Título
7
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Orientador e Presidente da Banca: Prof. Dr. Antônio Emílio Morga
(UFAM)
______________________________________________________________________
Membro Externo: Profª. Dra. Maria Verônica Secreto de Ferreras
(UFF)
______________________________________________________________________
Membro Interno: Prof. Dr. Raimundo Nonato da Silva
(UFAM)
______________________________________________________________________
Suplente: Profª. Dra. Márcia Eliane Mello e Souza
(UFAM)
______________________________________________________________________
Suplente: Prof. Dr. José Bento Rosa da Silva
(UFP)
Manaus/AM
2017
8
SUMÁRIO
Introdução......................................................................................................................03
Capítulo I
Os grupos de jovens briguentos e arruaceiros na historiografia, nas ciências sociais, na
literatura, nos jornais, no cinema e na memória de ex-
galerosos..........................................................................................................................05
1.1 As galeras e galerosos como consequência dos sentimentos de amizade e de
pertencimento aos bairros de residência..........................................................................41
1.2 O filme Selvagens da Noite, os filmes de lutas e as origens das galeras de
Manaus.............................................................................................................................72
1.3 A Zona Franca de Manaus e as origens das galeras................................................111
Capítulo II
“Os embalos de” Manaus “à noite” e de dia: dance, cachaça, brincadeiras de rua, surf
rodoviário, vandalismo, arruaça, atentado ao pudor, porrada e no meio de tudo isso, a
“garotada”......................................................................................................................135
Capítulo III
Fim de uma era: a extinção das galeras, embora não dos
galerosos........................................................................................................................209
Conclusão.....................................................................................................................277
Anexos...........................................................................................................................280
Referências Bibliográficas..........................................................................................405
9
“Rusty James – O que aconteceu com os caras que
acertaram a gente?
Esteve – Ele arrebentou os dois. Ele estourou os dois. [...].
Rusty James – Vamo [...] chamar o pessoal pra gente...
Esteve – [Dá] pra você calar a boca! Você e suas gangues.
Tudo besteira Rusty James. Tudo fantasia aí nessa sua
cabeça. É só um monte de babaca se matando.
Rusty James – Esteve, você não entende nada sobre gangues.
Esteve – [...] Fala pra ele. Vai, fala!
Garoto da Motocicleta – Foi uma grande bobagem.
Rusty James – Mas você achava muito importante. Você era
até o chefe da gangue.
Garoto da Motocicleta – É, no começo foi um grande barato,
mas depois ficou muito chato. Daí eu comecei a fazer a
cabeça deles pra acabar com as brigas, só porque todos
sabiam que eles já tavam de saco cheio. Todo mundo tava se
acabando. Pulavam de cabeça.
Esteve – É, mas não diz que foi um barato, porque não foi.
Garoto da Motocicleta – Só tô contando a minha experiência
com gangues. E tinha muita gente que (risos)... Que não
achava divertido ir pra uma briga. Cara, a maioria deles se
borrava nas calças. E o terror que tinham se transformava
em muita coragem.
Rusty James – Eu lembro que tinha uma energia entre vocês.
Esteve – Ah, vai dizer que você acreditou nessa história!?
Garoto da Motocicleta – Ah, você me fez lembrar de uma
coisa, Steve! O nosso vício era a amizade.
Esteve – „O Garoto da Motocicleta‟. Eu fico imaginando por
que ninguém estourou a sua cabeça com um rifle.
Garoto da Motocicleta – É que até nas mais primitivas
sociedades, há um respeito natural pelos insanos.”
Filme Rumble Fish (no Brasil, O Selvagem da Motocicleta).
Direção: Francis Ford Coppola. Ano: 1983.
10
INTRODUÇÃO
O estudo histórico que se pretende fazer com este trabalho investiga e discute o
surgimento, as práticas e o processo de decadência das turmas de jovens que, em
Manaus, receberam o nome de galeras. Tais turmas se assemelharam, em muitos
aspectos, às gangues dos Estados Unidos e a outros grupos juvenis existentes em outras
épocas e lugares.
O período abordado vai de 1985 até o ano de 2000, pois verificou-se que a
atuação das galeras foi intensa e mais significativa durante esses anos. As fontes
utilizadas foram as mais diversas, como os jornais A Crítica, livros de literatura infanto-
juvenil, teses de sociólogas sobre gangues de outras cidades brasileiras da década de
1990 e início de 2000, trabalhos escritos por historiadores sobre violência e práticas
sociais e culturais, sobre comportamentos juvenis e sobre a amizade, filmes, trabalhos
de historiadores de Manaus, de sociólogos de Belém e testemunhos de vida coletados
em entrevistas feitas a partir de técnicas da História Oral.
As galeras e seus membros, os galerosos, são frequentemente percebidos e
lembrados pelos habitantes de Manaus que viveram na cidade desde o final do século
XX, como uma realidade trágica e perturbadora. Porque suas ações ameaçaram e
incomodaram, durante pelo menos quinze anos, seus moradores. Por outro lado, as
mesmas ações praticadas pelas galeras e que eram desprezadas e irritavam os populares,
podem ser inseridas em um universo simbólico e cultural rico e diversificado, que
abrange não apenas práticas e ações violentas, mas todo um estilo de vida voltado para a
prática de uma modalidade de diversão e lazer que, até certo ponto, foi “inventado” e
desenvolvido pelos próprios jovens de classe baixa de Manaus. As poucas opções de
lazer da cidade, aliada à influência externa de filmes de gangues e à introdução da
cultura da dance music na cidade, com suas danceterias que tentatavam imitar as
grandes discotecas existentes há mais tempo em países mais ricos e de primeiro mundo,
também contribuíram para criar o fenômeno.
A implantação da Zona Franca de Manaus teria sido outro elemento que ajudou
neste processo, pois ao atrair uma nova leva de imigrantes vindos, sobretudo, do interior
para tentar trabalhar nas fábricas do Distrito Industrial, fez a cidade crescer e aumentar
de população muito rapidamente, o que representou um aumento das invasões e do
número de jovens em circulação nos bairros à procura do que fazer, e justo em uma
4
época em que as tecnologias pessoas que possibilitam um passatempo e lazer mais
introvertidos, como os celulares e computadores, ainda não existiam, ou não eram de
uso comum e acessível às pessoas em geral.
Os fortes laços de amizade tão característicos da juventude, desde tempos
remotos, foi outro fator importante na “invenção” e manutenção dos grupos de galera.
Porque a afinidade não só de idade, mas de gostos, de condição social e de lugar de
moradia era um elemento essencial de união usado por esses jovens para possibilitar
coesão e organização. Esta última característica, aliás, tendia a ser subestimada por
aqueles que não eram membros de galeras. Porque vistas de fora e de modo superficial,
as galeras pareciam ser grupos desorganizados e sem sentido nenhum. Entretanto, havia
muita ordem e sentido nas atitudes dos jovens que compunham essas turmas, mesmo
que, às vezes, alguns dos galerosos não tivessem muita consciência disso, nem
soubessem expressar essa ordem.
A comparação dos jovens das galeras com os jovens de grupos semelhantes, só
que de outras épocas e lugares, foi uma maneira encontrada para melhor perceber as
similaridades e discrepâncias das práticas e comportamentos dos jovens galerosos. E
isso porque um dos objetivos do trabalho foi tentar entender o contexto histórico em que
tais grupos se desenvolveram.
5
CAPÍTULO I
1 Os grupos de jovens briguentos e arruaceiros na historiografia, nas ciências
sociais, na literatura, nos jornais, no cinema e na memória de ex-galerosos
Da segunda metade da década de 1980 até, mais ou menos 2000, existiram em
Manaus várias turmas de jovens que se agrupavam em função de seus bairros de origem
e de seus “costumes em comum”.1 Essas turmas foram chamadas de “galeras”, tendo,
porém, este termo, adquirido, neste caso, uma conotação pejorativa. Porque era usado
para designar, segundo alguns, grupos de jovens que brigavam entre si ou que, segundo
outros, além disso, ameaçavam, promoviam desordens em locais públicos, roubavam,
estupravam e até matavam pessoas que nada tinham a ver com tais turmas. E isso sem
contar as acusações de que eles eram envolvidos com o tráfico de drogas e seriam
viciados. Assim, o termo “galera”, que antes podia ser usado livremente para se referir a
qualquer agrupamento de pessoas que se reuniam com uma certa regularidade para
praticar alguma atividade juntas2, passa, em Manaus, a ser usado, sobretudo, como
sinônimo de “gangue”.3
O termo galera pode designar também “um veículo sem tração própria, cuja
parte da frente assenta no veículo com tração, geralmente um caminhão ou trator, e
usado no transporte de carga”; algum “conjunto de indivíduos que, em um evento
esportivo, torcem por uma equipe [...]”; algum “conjunto de pessoas que geralmente
mantêm uma convivência próxima, seja por laços de amizade, familiares ou
profissionais (Ex: e aí, galera, tudo legal?)”; um “carro para transportes de bombeiros
em serviço de incêndios”; e um “forno para fundição”.4
Uma das versões para a origem desta palavra sustenta que ela “veio de „galeria‟
que é o setor de um teatro que fica na parte mais alta e distante do palco e que os
ingressos custam mais baratos”. Inicialmente ocupada preferencialmente pelos
“empregados e escravos que acompanhavam os senhores”, com o tempo, passou a ser 1
ocupada também pelos “estudantes que, por seu entusiasmo e energia juvenis, era o
1 - THOMPSON, Edward P. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
2 - DE OLIVEIRA, Marcos Roberto R. Galeras e galerosos: ou no tempo em que uma parte da juventude
de Manaus era realmente violenta (1985-1995). In: MORGA, Antônio Emílio (Org.). Encontro com a
História e as suas deliciosas contradições. Manaus: EDUA, 2015, p. 122.
3 - Ibidem.
4 - Ibidem, p. 121.
6
público mais participante, julgando negativa ou positivamente uma peça de teatro”, o
que teria feito surgir a variante galera enquanto turma de jovens, derivada de galeria.
Outros sugerem que galera veio do catalão “com o sentido de embarcação de guerra
movida a remo ou vela”, passando para o inglês com o sentido de “grupo de pessoas
condenadas a remar nas galeras”.5
Os rapazes e moças que fizeram parte de turmas de galeras em Manaus nesse
período, possuíam, em sua maioria, idade entre doze e vinte e poucos anos, baixo nível
de escolaridade, eram oriundos de famílias de baixo poder aquisitivo e moradores de
bairros considerados periféricos e sem muita infraestrutura urbana.6
Como alcançaram a adolescência durante as décadas de 1980 e 90, pode-se dizer
que foram “beneficiados” pela conjuntura política mais favorável pós-ditadura militar
quando, dentre outras coisas, transitar pelas ruas das cidades em grupos já não era visto
como uma ameaça subversiva de natureza política. Entretanto, pode-se dizer que as
galeras ainda foram alvo de represálias e extermínios que lembravam as práticas dos
agentes do governo militar anterior contra os comunistas, principalmente nos primeiros
anos da década de 1990. Cláudia “Punk”, uma das entrevistadas que foi da galera
“Selvagem” e Maicon Costa, mais conhecido na época em que era da galera
“Selvagem” como Neguinho do Break, disseram que as perseguições, ameaças, prisões
– muitas vezes arbitrárias –, torturas e mortes provocadas pelas autoridades policiais de
Manaus contra alguns galerosos (membros de galeras), representaram o início de uma
cruzada anti-galera que teve a declarada intenção de extinguir todos esses grupos
através da prisão ou eliminação das lideranças, o que também pode ser subentendido a
partir da leitura de algumas notícias do jornal A Crítica, por exemplo, sobre esse
assunto. Porque redirecionadas dos ativistas políticos contrários ao governo militar
iniciado em 1964, estas práticas de intimidação e repressão foram transferidas para as
novas figuras subversivas que passaram a representar um grande perigo para a ordem e
o bem-estar públicos da cidade: os jovens que brigavam em bandos, agrediam e, às
vezes, roubavam e matavam as pessoas.
Talvez por isso, durante a ditadura militar, não se saiba de que tenha existido tais 2
5 - Ibidem, p. 121-122.
6 - Para uma primeira, mas incompleta compreensão do “fenômeno das galeras” enquanto produto da
pobreza e da desestabilização demográfica de Manaus gerada pela ZFM, é interessante ler o livro Zona
Franca de Manaus: os filhos da era eletroeletrônica, de Edila Arnaud Ferreira Moura et al, sobretudo as
páginas 9-124.
7
grupos semelhantes às gangues estadunidenses e inglesas, apesar de nos Estados Unidos
e Inglaterra, principalmente, essas turmas de jovens mais ou menos autônomas e
infratoras serem muito comuns e bem mais antigas. Essa informação me foi passada em
duas ou três conversas informais que tive ao longo da pesquisa. Lembro que uma das
pessoas disse que na época da ditadura não haviam essas turmas simplesmente porque
ninguém se arriscaria a ser preso, torturado ou morto sob a suspeita de ser subversivo.
Neste trabalho, o uso que se fará da memória individual dos homens e mulheres
que foram entrevistados e que fizeram parte de galeras ou travaram, em algum
momento, algum contato mais ou menos relevante que lhes marcou ao ponto de ainda
serem capazes de se lembrarem delas, será norteado pela noção de que tal memória
nunca é somente um resquício de experiências individuais. Ao contrário, ela sempre é
também um produto mais ou menos consciente das experiências vividas coletivamente
em sociedade.
É deste modo que explicam Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva em
seu livro Dicionário de Conceitos Históricos, p. 276, dois dos sentidos que a palavra
memória pode assumir. Estes historiadores escrevem que como a memória é formada
“pelas lembranças vividas pelo indivíduo ou que lhe foram repassadas, [...] não lhe
pertencem somente, e são entendidas como propriedade de uma comunidade, um
grupo.” Neste sentido, os testemunhos de vida que virão à tona através da memória
individual e coletiva dos colaboradores (pessoas que concederam entrevista), devem ser
interpretados como “lembranças do cotidiano” dos grupos de galeras às quais os ex-
integrantes dessas turmas se vincularam, o que atenua bastante ou até pode anular as
“referências a acontecimentos históricos valorizados pela historiografia”.
Além disso, a memória coletiva “tende a idealizar o passado” e a amparar a
identidade do grupo ou da comunidade em suas lembranças que podem, por isso
mesmo, simplificar “o restante do passado”. Mas a própria “noção de tempo” também
pode ser simplificada pelo uso exclusivo da memória coletiva para se lembrar das coisas
que aconteceram. Porque tende-se, frequentemente, a separar e diferenciar muito
drasticamente “o presente (“nossos dias”) e o passado (“antigamente”, por exemplo).”
Ainda na página 276 da obra citada, os autores explicam que “mais do que em
datas, a memória coletiva se baseia em imagens e paisagens.” E como a memória é
seletiva, ela, às vezes, se esquece de determinadas coisas voluntariamente a fim de
ressaltar outras, o que a transforma em um instrumento que reelabora os fatos. “A
memória recupera o que está submerso, seja do indivíduo, seja do grupo, e a História
8
trabalha com o que a sociedade trouxe à público.” Baseados em História e Memória,
de Jacques Le Goff, Kalina e Maciel, na página 277, sugerem que nas sociedades
ágrafas “a atitude de lembrar é constante”, mas a memória coletiva confunde História e
mito.” Assim, toda vez que a memória coletiva é ativada, o passado é reconstruído.
O que define um grupo de jovens como briguento e arruaceiro? Necessita-se,
primeiro, esclarecer o que é uma briga e o que é uma arruaça? E o termo jovens,
aparentemente tão natural e exclusivo de pessoas com pouca idade? Não precisaria
também, exatamente por isso, ser melhor definido, para que a própria noção de
juventude tenha mais relevância e coerência dentro do contexto das faixas etárias?
Neste capítulo tentar-se-á compreender os significados que estes termos
assumiram e por que, geralmente, sempre foram, e ainda são associados,
principalmente, aos que já não são crianças, mas também ainda não atingiram o status
social de adultos. Para tanto, nos valeremos de alguns trabalhos de historiadores,
cientistas sociais, literatos, jornalistas, cineastas e da memória de pessoas que foram
integrantes de galeras ou que tiveram algum contato com estas, construindo com isso
representações7 sobre tais sujeitos históricos. Ao mesmo tempo, se fará uma
comparação destes grupos representados por tais discursos, com os dos jovens que
pertenceram às galeras e que, em Manaus, ficaram conhecidos como galerosos.8
As informações que servirão para construir sentidos diversificados a partir de
novas interpretações, ao comparar as práticas das galeras com as desses outros grupos,
3foram obtidas de entrevistas realizadas com pessoas que foram integrantes de galeras e
7 - O termo representação será empregado neste trabalho a partir do sentido que Erving Goffman atribui
a ele em um de seus mais influentes livros: “A perspectiva [...] neste relato é a da representação teatral.
Os princípios de que parti são de caráter dramatúrgico. Considerarei a maneira pela qual o indivíduo
apresenta, em situações comuns [...], a si mesmo e a suas atividades às outras pessoas, os meios pelos
quais dirige e regula a impressão que formam a seu respeito e as coisas que pode ou não fazer, enquanto
realiza seu desempenho diante delas.” GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na Vida Cotidiana.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 9; além disso, um dos sentidos que a palavra representação pode assumir,
de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, de Antônio Houaiss, é o de uma “[...] ideia
ou imagem que se concebe do mundo ou de algo”, o que condiciona bastante a realidade à maneira pela
qual os indivíduos e grupos percebem essa mesma realidade. Esse sentido do termo, porém, torna ainda
mais relevante a forma de abordagem de Goffman, uma vez que ela supõe que a representação é sempre
uma “encenação”, uma “montagem”, um “ato de representar papeis”, que tanto é feita por nós sobre nós
mesmos, quanto feita pelos outros a nosso respeito, o que deixa margem para a versatilidade, a
improvisação e certa autonomia e iniciativa individuais e grupais.
8 - Ao que parece, o primeiro uso da palavra galerosos feito pelo jornal A Crítica data de 21 de março de
1998. No periódico deste dia, pode-se ler na Manchete: “EXTORQUIA COMERCIANTES. GALERA
COBRAVA PEDÁGIO DE MORADORES EM PONTES”. Na fotografia que acompanha a notícia, há a
seguinte legenda: “Os “galerosos” presos emcheram uma cela do 9º Distrito Policial, no São José
Operário”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas, p. Polícia. Entretanto, de acordo com
as memórias de “Neguinho do Break”, hoje mais conhecido como Maicon Costa, Sheila “Guerreira” e
Cláudia “Punk” – três ex-galerosos da Selvagem, considerada por eles a primeira galera que surgiu em
9
com pessoas que tiveram algum contato relevante com elas, como um DJ que tocou em
várias discotecas de Manaus e moradores de bairros habitados e/ou frequentados por
galerosos. A intenção é perceber as semelhanças e diferenças que todos esses grupos
possuem, com a finalidade de melhor identificar quais as influências e permanências
culturais e temporais (antigas, medievais, modernas e contemporâneas) que herdaram e
das quais se apropriaram – conscientemente ou não, ressignificando-as ou não –, as
galeras de Manaus. Afinal, os galerosos, como quaisquer destes outros agrupamentos
juvenis considerados briguentos e arruaceiros, devem ser entendidos, também, levando-
se em consideração sua época, lugar de atuação e peculiaridades individuais e coletivas.
Ao consultar o Pequeno Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, de autoria
de Antônio Houaiss, pode-se perceber que a palavra briga tem quatro sentidos: “1 luta,
combate [...] 2 p.ext. discussão; bate-boca 3 disputa por um privilégio, um favor [...] 4
rompimento de relações”. Já a palavra arruaça indica: “1 tumulto ou desordem de rua
[...] 2 p.ext. muito barulho [...]”. Portanto, a princípio, os jovens aos quais vamos aludir
neste trabalho podem ser entendidos como jovens que lutavam entre si, não se
comunicavam de forma consensual e amigável – já que “batiam boca” –, buscavam
alguma vantagem através destas lutas e, consequentemente, rompiam as possíveis
relações harmoniosas que poderiam vir a ter se interagissem de modo mais diplomático.
Além disso, durante essas brigas, acabavam inevitavelmente promovendo confusões nas
vias públicas e ameaçando a ordem e o silêncio das ruas da cidade. Entretanto, a ordem
e o silêncio das ruas das cidades não são ameaçados somente por jovens baderneiros e
briguentos, bem como nem sempre são conquistados e mantidos apenas por aqueles que
têm por dever fazê-los vigorar. Mas mesmo o “tumulto”, a “desordem” e o “muito
barulho”, que caracterizam as ações dos arruaceiros, são considerados por muitos
habitantes e autoridades de uma sociedade como práticas desestabilizadoras que devem
ser evitadas.
Edward P. Thompson faz referência a um tipo de ritual comunitário de punição e
intimidação de algumas cidades inglesas do século XVIII e XIX chamado rough music
(música rude). Ele explica que essa prática
[...] era normalmente – mas nem sempre – organizada sem a participação de
pessoas investidas de autoridade ou de status de nobreza, sendo às vezes
Manaus –, que me concederam entrevista, na segunda metade da década de 1980 já se usava essa palavra
para se referir aos membros das galeras.
10
realizada em oposição a esse tipo de gente. Isso porque “era um modo
permitido de dar vazão a hostilidades que do contrário poderiam explodir fora
de qualquer controle. [...] não só dava voz a um conflito dentro da
comunidade, como regulava esse conflito de forma que estabeleciam limites e
impunham restrições.” Segundo o autor, “o atributo essencial da rough music
parecia ser o de que só funciona se funciona: isto é, (primeiro) se a vítima é
suficientemente “da” comunidade para ser vulnerável à desonra, para sofrer
com o tratamento; e (segundo) se a música na verdade expressa o consenso
da comunidade – ou pelo menos de grande parte dela (apoiada, como quase
sempre acontecia, pelos meninos, que encontravam no desfile uma ocasião
maravilhosa para dar vazão a sentimentos e agressões legitimados, dirigidos
contra os adultos), um grupo que fosse suficientemente numeroso e influente
para acovardar ou silenciar aqueles outros que – embora talvez desaprovando
o ritual – partilhavam em algum grau a mesma desaprovação em relação à
vítima.”
E Thompson diz mais:
[...] ao escutarem rumores do desfile iminente, sentem que “é uma
brincadeira demasiado violenta e capaz de provocar agitação nas cidades.
Mas ninguém toma medidas enérgicas para evitá-la, e, no dia marcado, as
autoridades não são avisadas de antemão, os policiais se escondem da
multidão numa viela [...], os cidadãos discretos não saem da casa. Quando a
autoridade chega por fim ao local, ninguém viu o desfile, ninguém dá
informações sobre quem tomou parte. Na rua, onde apenas alguns minutos
antes a procissão abrira caminho com seu clamor rouco, “as chamas dos
lampiões ondulavam, as árvores do passeio sussurravam, uns poucos vadios
andavam por ali com as mãos nos bolsos [...].
Esse exemplo não é o único, mas serve perfeitamente para mostrar que, ao longo
da história, nem sempre as desordens e barulhos das cidades são provocados apenas
pelos jovens. O ritual citado tinha por alvos estrangeiros que desobedeciam as normas
da população local, esposas que batiam ou traiam seus esposos e vice-versa,
trabalhadores que furavam uma greve ou revelavam um segredo etc., mas pode-se
perceber que os jovens, na rough music, eram muito mais um grupo que auxiliava os
adultos no processo de intimidação e punição da vítima para restabelecer a ordem da
comunidade, do que um grupo que ameaçava esta mesma ordem. Além disso, aqueles
que deveriam fazer cumprir a ordem e as punições, isto é, as autoridades, nessas
11
ocasiões, ou se comportavam de forma passiva diante do justiçamento popular ou, até
mesmo, poderiam ser o principal alvo de suas manifestações, numa clara demonstração
de continuidade de algumas das práticas dos charivaris do final da Idade Média e início
da época Moderna e de que “as formas populares auto-reguladoras”, como as chama
Thompson, eram uma estratégia interna da comunidade para se rebelar contra os abusos
dos nobres e das pessoas investidas de autoridade. Assim, a própria ideia de desordem,
neste caso, tinha outro sentido, pois visava restabelecer a ordem que a comunidade
pensava ter sido momentaneamente perdida.9
A historiografia sobre o tema das desordens públicas é bem representativa do
imaginário paradoxal que vai se construindo lenta e cuidadosamente sobre essa noção.
Em Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza, p. 10, Maria Stella
Bresciane comenta que:
A multidão, sua presença nas ruas de Londres e Paris do século XIX, foi
considerada pelos contemporâneos como um acontecimento inquietante.
Milhares de pessoas deslocando-se para o desempenho do ato cotidiano da
vida nas grandes cidades compõem um espetáculo que, na época, incitou ao
fascínio e ao terror. Gestos automáticos e reações instintivas em obediência a
um poder invisível modelam o fervilhante desfile de homens e mulheres e
conferem à paisagem urbana uma imagem frequentemente associada às idéias
de caos, de turbilhão, de ondas, metáforas inspiradas nas forças
incontroláveis da natureza.
Em História do Medo no Ocidente, p. 230, de Jean Delumeau, lemos:
[...] as estruturas nascentes de uma economia mais aberta do que a da era
feudal já rejeitam – e expelirão para fora de si mesmas durante 4
vários séculos – infelizes que não estão integrados nem à cidade que cresce,
nem ao universo rural, portanto pessoas sem estatutos, disponíveis para todos
os sonhos, todas as violências, todas as desforras [...]
Em Tudo que é Sólido Desmancha no Ar, p. 188-191 e 193-194, de Marshall
Berman, temos:
9 – THOMPSON, Edward. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p. 363-369.
12
[...] ao longo de quase todo o século, espaços urbanos têm sido
sistematicamente planejados e organizados para assegurar-nos de que
confrontos e colisões serão evitados. [...] Le Corbusier, [...] em L‟urbanisme
[...], o disse, bastante claro, em 1929: “Precisamos matar a rua!”. [...] Assim,
a arquitetura e o planejamento modernistas criaram [...] um mundo
espacialmente e socialmente segmentado – pessoas aqui, tráfego ali; trabalho
aqui, moradias acolá; ricos aqui, pobres lá adiante; no meio, barreiras de
grama e concreto [...].
Porém, citando a urbanista estadunidense Jane Jacobs, Berman vai além:
No entanto, [...] Jane Jacobs escreveu [...] Morte e vida das grandes cidades
americanas [...]. O primeiro, brilhante, argumento de Jacobs é que os espaços
urbanos criados pelo modernismo eram fisicamente limpos e ordenados, mas
social e espiritualmente mortos; o segundo, que foram tão-só os vestígios da
congestão, do barulho e da dissonância geral do século XIX que mantiveram
viva a vida urbana contemporânea; o terceiro, que o velho “caos” urbano na
verdade constituía uma ordem maravilhosamente rica e complexa, de que os
modernistas não se deram conta apenas porque seus paradigmas de ordem
eram mecânicos, redutivos e frívolos [...].
Já em Carne e Pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental, p. 332-333,
de Richard Sennett, entendemos outro porquê de tanta busca por ordem pelas
autoridades das cidades:
Todos os que tinham atravessado as revoluções de 1830 e 1848, [...] sentiam-
se preocupados com os movimentos de massa.” E ainda: “Em 1853, [...]
Haussmann levou a cabo o maior esquema de redesenvolvimento urbano dos
tempos modernos, destruindo boa parte da malha medieval e do
Renascimento; retas, as novas vias ligavam o centro da cidade aos distritos.
[...] Haussmann separou e dividiu as comunidades pobres com avenidas
largas. [...] Em virtude justamente do temor de Haussmann em relação às
multidões rebeladas, as ruas permitiam a passagem de duas carroças
militares, uma ao lado da outra; desse modo, a milícia teria plenas condições
de reprimir qualquer revolta.
Portanto, controle social a partir do controle dos corpos no espaço público.10
13
Neste sentido, é importante compreender também como se configuraram, em
vários momentos da história, alguns grupos de jovens, para entender a própria noção
que a palavra jovem possui, dependendo do contexto e do lugar. Assim, vemos que a
ordem, o silêncio e a estabilidade das ruas de uma cidade nem sempre foram de
responsabilidade apenas dos adultos. Por exemplo, em algumas cidades da Hélade
antiga retratadas por Homero, havia uma instituição chamada homelikié (igualdade
etária) que vinculava “os jovens uns aos outros”, de modo que ao mesmo tempo em que
“cria relações, hábitos, solidariedades que forjam a unidade do grupo dos couroi”
(filhos dos aqueus), ajudava os “gerontes, os Pais ou os Antigos”, a compor o exército,
ainda que se diferenciassem destes últimos. Esse “companheirismo numérico”, estudado
por H. Jeanmaire, que por sua vez serve de referência para Alain Schnapp, garantia “à
sociedade dos guerreiros sua coesão e sua autonomia”, tal como no trecho a seguir:
[...] grupo de companheiros, hetairoi, que tira da reciprocidade dos serviços
prestados sua justificação e seu equilíbrio. Os laços criados entre os jovens,
nos diz Jeanmaire, substituem os laços de sangue; em todo caso, atestam a
existência de uma sociabilidade particular que permite ao couros ter uma
posição e até mesmo exercer uma 5influência.11
Outra instituição das cidades-estados gregas que pode ajudar a compreender
melhor os sentidos que a palavra jovem adquiriu ao longo dos séculos, é a aghélai. Para
“o historiador grego Éforo”, esta “microssociedade” seria formada por crianças
cretenses recrutadas por outras crianças “mais notáveis e mais capazes” que formariam
grupos, os aghéle, chefiados pelo “pai daquele que” os congregou, sendo que este estava
“autorizado a conduzir o grupo à caça e às corridas e a punir quem lhe” desobedecesse.
Como as crianças eram sustentadas pelo “povo” e se enfrentavam em determinados
“dias fixos”, “aghéle contra aghéle”, essa prática servia não só para simular uma guerra
e treinar os novos guerreiros, mas também para educar por meio de exemplos e
emulações das condutas adultas. Brigando com paus e com as mãos nuas, eles
começavam a se enquadrar naquilo que se esperaria deles num futuro muito próximo,
aprendendo a lidar com o sofrimento e cansaço físicos desde cedo e encarando a
10 – BRESCIANE, Maria Stella. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo:
Brasiliense, 2004; DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras,
2009; BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1986; SENNETT, Richard. Carne e Pedra: o corpo e a cidade na civilização
Ocidental. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.
14
disciplina e a hierarquia de modo participativo. Afinal, “os jovens formam então um
grupo sob o comando de um chefe”, e não mais estão sob os cuidados de um
paidonomos (um mestre das crianças), o que estabelece uma diferença crucial entre as
crianças e os integrantes do aghéle. Agora até mesmo um certo controle do território
ficará sob a responsabilidade desses jovens, cujas atividades, dentre outras, incluirá uma
espécie de patrulha na cidade durante um mês, revezando-se com os outros grupos de
mês em mês, tanto para proteger a cidade, quanto para conhecê-la e adquirir uma
cidadania mais plena, pois a segurança da cidade e de seus habitantes dependia da
mobilidade de todos os seus cidadãos e do senso de pertencimento destes àquela.12
É isso que fará com que “Xenofonte, Platão e seus contemporâneos” entendam
“esses diferentes grupos de jovens” como uma “diversidade” capaz de “descrever as
instituições cívicas”. Alain Schnapp argumenta, baseando-se no estudo de P. Roussel
intitulado Études sur le principe d‟ancienneté dans le monde hellénique du Ve. Siècle
av. J.-C à l‟époque romaine (Estudos sobre o princípio de antiguidade do mundo 6
helênico do século V a. C à época romana d. C), de 1942, que tal atitude para com os
jovens se baseia no “princípio de ancianidade oposto ao princípio de juvenilidade”,
princípio que pode ser melhor esclarecido através das palavras de Aristóteles: “a própria
natureza traçou a demarcação ao distinguir entre os membros da mesma raça a classe
dos jovens e dos anciãos, uns destinados a obedecer, os outros a comandar.”13
Mas a maneira de trafegar pelo território deveria ser disciplinada, controlada,
“de modo a evitar que esses jovens se comportem como um exército em guerra”, o que
novamente enfatiza o tema da ordem e do controle que deveriam ser inculcados nos
jovens desde cedo pelos mais velhos.
Dessa forma, os jovens das galeras de Manaus possuem algumas continuidades
em comum com os jovens que formavam os aghéle, mas algumas coisas não se
harmonizam. Primeiro, os galerosos da Manaus do século XX não tinham vínculos
institucionais obrigatórios com adultos que representavam qualquer instituição, como
relataram Maicon Costa, Sheila “Guerreira” e Cláudia “Punk”:
Marcos – Você acha que escolheu, de livre e espontânea vontade, ser de
galera? Ou acha que foi levado a isso por não gostar de estudar, por não ter
11 - SCHNAPP, Alain. A imagem dos jovens na cidade Grega. In: LEVI, Giovanni & SCHMITT, Jean-
Claude (Orgs.). História dos Jovens, vol. 1: da Antiguidade à era Moderna. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996, p. 20-21.
12 - Ibidem, p. 24-25, 31-32.
15
7atenção da família, por falta de emprego, ou por falta de ter o que fazer em
seu bairro?
Maicon – Não, da minha parte, foi pura e livre espontânea pressão minha
mesmo. Ou eu ia pra galera, ou eu ia pra lugar nenhum. Porque pra mim
poder me entrosar dentro do, do... Ter um espaço dentro da discoteca, e eu
que gostava de dançar, eu tinha que entrar numa galera. Escolhi a
“Selvagem” por ser a mais temida, por ser a mais respeitada. Sabe? E por ter
mais identificação com as pessoas que tavam lá dentro. Sabe? Num foi essa
“por vontade própria”. Foi por pressão mesmo. Quer dizer, sê tem que
escolher um lugar. “Maluco: ou tu escolhe lá, ou tu escolhe aqui”. E eu
escolhi meu lado. Eu escolhi meu lado. Mas, sabendo, que eu tinha uma
imaginação, que eu não queria ser aquilo. Eu não queria ser um marginal. Eu
queria ser da galera, mas não queria ser marginal. “Ah, taxado”, a taxa era
essa. A taxa era “você é galeroso”. E isso fica pro resto da vida. Num tem
jeito. Você foi, e você virou ele. Fui galeroso, e hoje sou ex-galeroso.
Entendeu?14
Marcos – Você acha que escolheu, de livre e espontânea vontade, ser de
galera? Ou você acha que foi levada a isso por não gostar de estudar, por não
ter atenção da família, por falta de emprego ou por falta de ter o que fazer em
seu bairro?
Cláudia – Não. Eu era louca pra conhecer os membros da galera “Selvagem”,
eles eram muito falados. Eu estudava no CESC na época, e onde eu ia
falavam muito [...]. Quando eu conheci, eu fiquei fascinada pelo que eles
faziam, pela dança deles, pelo grupo e a organização que eles tinham. E eu
entrei de livre e espontânea vontade.15
Marcos – Você acha que escolheu, de livre e espontânea vontade, ser de
galera? Ou você acha que foi levada a isso por não gostar de estudar, por não
ter atenção da família, por falta de emprego ou por falta de ter o que fazer em
seu bairro?
Sheila – Não. Eu fui pra galera porque... Eu tinha o amor da minha mãe. Mas
eu fui uma pessoa muito sofrida. [...] Eu apanhava muito dentro de casa,
depois eu fui pra galera [...]. Ninguém me ameaçou, ninguém me mandou. Eu
que quis mesmo, que eu já era galerosa (risos).16
13 - Ibidem, p. 29-30; Os Jovens: o cru, a criança grega e o cozido, de Pierre Vidal-Naquet. In: GOFF,
Jacques Le & NORA, Pierre (Orgs.). História: novos objetos. Rio de Janeiro: F. Alves, 1995, p. 127.
14 - Maicon Costa, em entrevista concedida em 22/11/2014. Foi membro da galera “Selvagem” de 1986
até 1990. Na época das galeras, porém, Maicon disse que era conhecido como “Neguinho do Break”.
16
De acordo com as lembranças dos três ex-integrantes da galera “Selvagem”, po-
8de-se perceber que as galeras devem ser consideradas muito mais como “comunidades”
do que propriamente como instituições. Pois estes pequenos ajuntamentos, que Victor
Turner chama de “communitas”, são formados por “solidariedades sociais espontâneas,
não estruturadas”, o que as inviabiliza como grupos permanentes porque, ou “um grupo
informal desaparece ou, então, solidifica-se em uma instituição formal”, ainda que
surjam em momentos de “efervescência criativa” e contribuam “para a renovação
social”, tal como deixou subentendido Durkheim em uma de suas mais influentes obras.
Como as galeras não sobreviveram, a não ser alguns de seus antigos membros e
algumas de suas práticas – já mais ou menos ressignificadas – como as amizades, as
festas, as preferências musicais, as danças, as memórias e as solidariedades internas, é
mais plausível tratá-las enquanto agrupamentos não institucionalizados, como explica
Peter Burke em História e Teoria Social, ao tratar do conceito de comunidade e se valer
do antropólogo Victor Turner para discutir este termo.17
Além disso, como os próprios ex-integrantes explicaram, nenhum deles foi obrigado a
entrar para o grupo de galera. Ao contrário, todos escolheram conscientemente se
associar para se divertirem nos lugares que costumavam frequentar, geralmente as
discotecas, mas não somente nelas, e para se “entrosar”, como no caso de Maicon. Este,
embora tenha dito que entrou para a galera por “pura e livre espontânea pressão minha
mesmo”, fez esta escolha para “ter um espaço dentro da discoteca”, já que, segundo ele,
para ter esse espaço, principalmente ele, “que gostava de dançar”, “tinha” que integrar
alguma galera.
Percebemos, nesta declaração de Maicon, uma atitude condicionada ao mesmo
tempo pelo ambiente e pelo interesse particular dele. Assim como ele entrou porque
quis, não podia deixar de entrar se quisesse se enturmar no meio dos frequentadores das
danceterias. De fato, Cláudia relata quase a mesma coisa, ao dizer que ficou “fascinada
pelo que eles faziam, pela dança deles, pelo grupo e a organização que eles tinham”,
enquanto Sheila deixa subentendido que não se sentia muito à vontade em sua casa,
porque “apanhava muito”, apesar de ter o amor de sua mãe, o que provavelmente
também deve ter contribuído para que ela entrasse e permanecesse na galera, mesmo
15 - Cláudia “Punk”, em entrevista concedida em 30/11/2014. Foi integrante da galera “Selvagem” de
1989 até 1995/96.
16 - Sheila “Guerreira”, em entrevista concedida em 30/07/2014. Foi integrante da galera “Selvagem” de
1983 até 1993.
17
que tenha dito que “já era galerosa”.
Assim, a família, uma das principais instituições sociais que gradativamente
assumiu o dever de cuidar da integridade física e emocional das crianças e jovens no
curso da história, no caso dos três entrevistados, nem sempre cumpriu com essa função,
ou pelo menos, não como os três jovens gostariam, dando margem para que eles fossem
buscar refúgio no grupo de amigos unidos em torno da galera “Selvagem”. No caso de
Cláudia e Maicon, ambos relataram o seguinte:
Marcos – Você gostava de ser de galera? Por quê?
Cláudia – Porque eu tinha na galera o que eu não tinha em casa. Carinho,
admiração, cuidado, né? E na minha casa eu não tinha isso? Eu me sentia 9
melhor na rua do que em casa?
Marcos – E, fala sobre aquela questão do teu pai, porque o teu pai era muito
rígido, queria que tu estudasse em escola militar, e tal... E queria que tu
ficasse sempre, andando na linha, assim, em todos os aspectos, só que tu
não... Tu queria a diversão da rua, e tal.
Maicon – Isso é uma verdade, querido. [...] Meu pai [...] era militar. [...]
Estudou até a segunda série. Sabe? Então é aquilo. Ele era muito rígido. [...]
Ele queria meu bem, eu é que interpretava errado. [...] Hoje eu podia ser um
grande bombeiro. Hoje eu poderia ser, sabe? Coronel da PM. Se eu tivesse
seguido o conselho dele. Mas eu acho que Deus tinha um dom pra mim. Meu
dom era dançar. Eu me sinto bem no que eu sou hoje.
Portanto, vidas e práticas bem diferentes, quando se trata de família e integração
à sociedade, separam os jovens das cidades-estados gregas da Antiguidade dos jovens
da Manaus do século XX, apesar de ambos os grupos buscarem, cada um à sua maneira,
uma maior autonomia e participação dentro de suas respectivas comunidades. Porém, no
caso dos meninos gregos, essa autonomia e participação era muito mais regulada e
orientada pelos adultos. Entre os galerosos, ao contrário, essa busca por autonomia e
17 - Os argumentos sobre o conceito de “comunidades” feito acima foram elaborados a partir do livro
História e Teoria Social, de Peter Burke, p. 84. A obra de Victor Turner que Burke usa chama-se The
Ritual Process, e a definição da “communitas” como um grupo com “solidariedades sociais espontâneas,
não estruturadas”, bem como a ideia de que tais grupos não são permanentes, nem formais, pois ou eles
tendem ao desaparecimento ou tendem a institucionalizarem-se, está contida entre as páginas 131 e 165
da edição de 1969. Já a afirmação de que tais grupos surgem “em momentos de efervescência criativa”, é
mencionada por Burke como derivada de um desenvolvimento que Turner faz de uma observação de
Durkheim em sua obra Elementary Forms of the Religious Life, edição de 1912, p. 469 e 475.
18
participação se dava fora e, às vezes, contra as instituições sociais que tradicionalmente
tentam educar e conduzir a vida dos jovens, como a escola e a família.
O segundo ponto importante que deve servir de elemento de aproximação e de
distanciamento entre aqueles jovens do aghéle e os galerosos é que, apesar destes
últimos deliberadamente transitarem pela cidade para conhecê-la e ampliar suas
possibilidades de ser e estar neste espaço, não se deixando isolar no bairro de residência,
algo que os aproxima dos jovens do aghéle, essa atitude de perambular pelas ruas
correspondia a uma ampliação não muito conscientizada18
da cidadania dos jovens que 10
integravam as galeras, mas não de forma autorizada, incentivada e legitimada pelos
adultos e pelas autoridades, tal como os deslocamentos dos jovens das cidades gregas da
Antiguidade. Até porque, essa prática não era feita de forma disciplinada, controlada e
sob a supervisão de um adulto (apesar de, às vezes, muitos jovens de galera se
deslocarem com os líderes, que poderiam ser maiores de idade, ainda que dificilmente
adultos no sentido social e histórico pleno do termo, isto é, com filhos, esposa, profissão
definida e mais integrados à uma rede amical de adultos que de jovens e adolescentes19
),
11como acontecia entre os meninos do aghéle grego, nem visava à proteção do território
18 - Se nos valermos do estudo sobre a juventude feito por Paulo Sérgio do Carmo em Culturas da
Rebeldia: a juventude em questão, p. 166-167, e compararmos os jovens do Brasil da geração dos anos
1960 com os de vinte ou trinta anos depois, podemos até afirmar que os primeiros eram “mais atrevidos e
revolucionários” porque eram cheios de “certezas”, ao contrário da geração dos anos 1980/90, que
preferia “usufruir o aqui e agora, o carpe diem (aproveita o dia)”. Mas esses jovens, ainda segundo o
autor, embora não ou menos revolucionários, não eram reacionários. É que eles preferiam as diversões
“nos fins de semana em bares e danceterias”, aos sacrifícios exigidos pelo engajamento em uma causa
política e social defensora de ideais utópicos. Essas incertezas que afetaram mais as gerações dos anos 80
e 90 têm a ver também com a crise da Modernidade de que falam Kalina e Maciel Silva em Dicionário de
Conceitos Históricos, p. 299. Os autores explicam que a noção de autonomia, projetada pela
Modernidade nascida com o Iluminismo, não emancipou o homem, pois esse ideal não acompanhou a
noção de eficácia, outro de seus projetos, que se desenvolveu de forma desproporcional através de “um
grande desenvolvimento material” não acessível a todos. Como tais ideais, em parte, viraram mitos,
muitos interpretaram isso como uma espécie de última possibilidade fracassada de acabar com as desigu-
aldades sociais, daí o não engajamento direto de parte dessa geração, que passou a buscar à sua maneira
formas de autonomia e de projeção social.
19 - A ex-galerosa Cláudia “Punk” disse o seguinte sobre alguns dos jovens rapazes que eram da galera
“Selvagem”: “E também não era só moleque, era uns homens mesmo, assim, já, de 20 anos. [...] Eram
homens já feitos mesmo.” E mais: “Marcos – Você conheceu alguém que saiu porque entrou para o
Exército, ou porque se tornou maior de idade? Cláudia – Não. Entrava pro Exército, mas continuava na
galera.” Sheila “Guerreira” disse o seguinte: “[...] Só era homens, homens formados. Num era moleques
[...].” Sobre se os rapazes saiam da galera quando entravam para o Exército ou se tornavam maiores de
idade, lembrou: “Conheço. Conheço sim. Muitos, conheço, meu amigo Cleidson, que ele era da galera, e
era do quartel, mas não envolvia as duas coisas, entendeu? Marcos – Mas ele brigava mesmo assim?
Sheila – Não, não, não, não. Ele era mais calmo, ele não se envolvia não, nesse tempo não. Por causa do
quartel mesmo, a gente não deixava. Entendeu?”. Já Maicon Costa relatou: “[...] Conforme você ia
criando consciência, criando família, achando uma garota que gostava de você, que te pedisse, sabe?
Muitos pararam por família. Porque arranjava uma namorada , ela pedia. Porque a moça era de família.
Pra se desligar. Mas não era assim tão fácil. Muitos se desligavam. Quando completavam maioridade,
quando iam pro exército. Sabe? Quando já criava uma mentalidade mais... Mais [...] de futuro mesmo.
19
contra invasores estrangeiros. Alguns galerosos, ao invés disso, até representavam uma
ameaça aos outros jovens e pessoas em geral da cidade, pois pediam dinheiro das
pessoas para comprar bebidas, cola ou outra coisa qualquer e, quando não eram
atendidos, às vezes as agrediam física ou verbalmente.
Maicon relata da seguinte forma a prática de pedir dinheiro dos galerosos:
Marcos – [...] vocês chegavam a cobrar pedágio [...] de alguém? Maicon –
Chegava, chegava, acontecia muito.
Marcos – Na frente das discotecas...
Maicon – Na frente, é, nas paradas de ônibus, sabe? Nas paradas do próprio
bairro, pra saírem do bairro, pro cara entrar e sair, você num é do bairro, você
tinha que pagar um pedágio, ou então tu apanhava.
Marcos – E o que era feito com esse dinheiro? [...]
Maicon – É... A maioria era bebida [...]. Muitos era cola, que compravam pra
cheirar. O point era cheirar cola, e o loló. E o loló. O negócio era esse, era se
juntar, e também era muita cachaça. A famosa Tatuzinho, a Caninha da Roça,
que era que a turma comprava. Mas todo lugar, toda galera tinha envolvido
cola ou loló no meio. Quando não tinha os mais noiado cheirava tiner puro.
Além disso, alguns podiam roubar, estuprar, matar, invadir escolas, residências e
estabelecimentos comerciais, perseguir pessoas para assaltá-las, agredi-las ou mutilá-las
e até extorquir moradores e comerciantes de seus bairros, algo que lembra uma das
práticas de algumas organizações mafiosas.20
As galeras também brigavam entre si por
muitos motivos, desde um olhar considerado por elas como “mal-encarado” até a
simples presença de outro jovem ou grupo de galera de outro bairro ou rua em área que
alguns consideravam exclusiva de uma determinada galera.21
Contudo, eventualmente,
os galerosos podiam assumir outros papeis além daqueles mais rotineiramente
representados por eles, o que até mesmo podiam transformá-los, nessas ocasiões, em
defensores e justiceiros locais, sobretudo aos seus próprios olhos.22
Esta última atitude
revela uma certa permanência, entre os galerosos, da prática de
Parava. E isso era respeitado. Isso era respeitado.”; Esse traço dos jovens circunscritos a uma faixa etária
que varia entre o início da puberdade e a aquisição de uma família, tende a afastar os rapazes e moças da
influência exclusiva do grupo, mas não todos, nem da mesma maneira. Em As Turmas de Jovens, p. 198 e
200, Hubert Lafont assim descreve “os adultos [...] que não são „bem comportados‟, ou que, mesmo
casados, continuam a se comportar como “caras”” da Paris da década de 1960: “Uma vez adultos,
deixarão a turma, mas esforçando-se para continuar próximos da rua: por exemplo, [...] desenvolvendo
paralelamente à vida familiar uma vida de frequentador de café com suas rodadas, suas conversas e seus
rituais de homens, ou ainda se reunindo à noite com os amigos [...].” In: ARIÈS, Philippe & BÉJIN,
André (Orgs.). Sexualidades Ocidentais. São Paulo: Brasiliense, 1985.
20
12
pertencimento dos jovens da aghéle aos seus locais imediatos de habitação. Assim, as
maneiras de ser e estar destes jovens de galera podiam variar bastante, indo da plena
aceitação e acomodação a um único papel e desempenho, práticas que poderíamos
chamar de peculiares a um grupo que se enquadra e é enquadrado no perfil de galera,
até posturas e desempenhos mais complexos como, por exemplo, quando um mesmo
jovem praticava atitudes de galerosos ao estar com a turma de galera, mas não cultivava
essas práticas nas demais ocasiões e com outros tipos de pessoas.23
Sobre a busca por outras opções de espaços, lazer e conexão que, segundo alguns
20 - Ver os jornais com as seguintes manchetes: A Crítica, 15/04/1990, p. Polícia. “GALERAS
INVADEM OS COLÉGIOS DA COLINA”; A Crítica, 5/02/1990, p. Polícia. “GALERAS INVADEM
CASAS NO MORRO”; A Crítica, 25/01/1991, p. Polícia. ““GALERA” TENTA ESTUPRAR”; A
Crítica, 12/06/1994, p. Polícia. “„GALERA MATA ESTUDANTE PARA ROUBAR OS SAPATOS”; A
Crítica, 23/01/1996, p. Polícia. “GANGUE DE RUA PERSEGUE, MATA E ASSALTA RAPAZ NA
CIDADE NOVA”; A Crítica, 21/03/1998, p. Polícia. “EXTORQUIA COMERCIANTES. GALERA
COBRAVA PEDÁGIO DE MORADORES EM PONTES”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do
Amazonas. Sobre as extorsões de gangues, ver o filme O Ano do Dragão, de Michael Cimino, 1985.
21 - Como demonstra os trechos da entrevista com Maicon: “Marcos – Mas tinha também os olhares
atravessados, né? Às vezes, num era nem porque eram brigas antigas [...]. Eu acho que era porque alguém
tinha olhado atravessado pra alguém, ou então, o cara é que considerou assim. Olhou o outro, e pensou
que o outro tava encarando ele, aí, „pô, eu vou brigar com esse cara, e tal‟. Tinha isso? Maicon – Cara
[...]. Tinha muito isso. Tinha do cara pisar no teu pé, e tu ter que pedir desculpa dele. „Desculpa, porque
tu pisou no meu pé!‟ Fazia de propósito. Puxava teu cabelo, te dava cotovelada, pra ver se você reagia.
Sabe? Vê que tu não reagia, ele ia te bater de qualquer jeito.” E ainda: “Marcos – Você acha que o espaço
dentro [...] da cidade, era dividido pelos membros das galeras? Maicon – [...] Era dividido. É como eu tô
falando pra você. Depois que o Nego Celso morreu, virou zonais. [...] começou a ficar pior, foi quando
começou a brigar bairro dentro do próprio bairro. Exemplo: [...] a minha própria área do lado de cima.
Que andavam junta um tempo atrás, tavam se matando. [...] A rua ali de baixo já brigava com a rua daqui
de cima. E isso foi virando Manaus todinha também.” Obs: Nego Celso foi o líder da galera “Selvagem”.
22 - Em entrevista com “Medroso”, um rapaz que não foi galeroso, mas conheceu alguns na
Cachoeirinha, onde morou e mora, soubemos de uma ação pouco praticada pelas galeras. “Medroso”
contou que uma vez, os galerosos de seu bairro deram uma surra no pai de um integrante da galera, pois
ele costumava bater em sua mãe. Entendemos tais desempenhos mais complexos dos galerosos como uma
fuga do roteiro comum de suas ações, baseados nos termos teatrais que Goffman usa. Op., cit., p. 24.
23 - Os papeis que alguns dos jovens galerosos podiam desempenhar na cidade de Manaus nos anos
1980/90, até podiam surpreender os que já estavam acostumados a vê-los apenas como brigões, festeiros,
ladrões, estupradores, assassinos, bagunceiros, vândalos, bêbados e drogados. “Medroso” falou “[...] da
alegria daqueles jovens, porque [...] lembro que eles saíam juntos e, às vezes, num tinha briga, e eles eram
divertidos, eles [...] tiravam brincadeira, eu me lembro que eles faziam atividades entre eles, jogavam bola
juntos, então era uma forma de união alí [...].” Já no A Crítica de 26/10/1993, p. Polícia, a manchete
estampou: “GALERA DESTRÓI BARRACOS”. No corpo da notícia, lemos: “Moradores da invasão
“Oito de Setembro”, na zona leste de Manaus, acusaram [...] policiais militares de dar proteção a uma
“galera”, contratada pelo empresário que está requerendo a posse da área, Oswaldo Montenegro, para
destruir os barracos de 120 famílias que invadiram o local [...]. Ontem, [...] um pelotão da Polícia Militar
foi até o local, junto com Oswaldo Montenegro e assistiu, sem intervir [...], a “galera” destruir os
barracos. Os moradores [...] acreditam que “a galera” foi contratada pelo empresário “porque não poderia
usar a Polícia, já que não tem o mandado de reintegração de posse [...]”. Arquivo da Biblioteca Pública do
Estado do Amazonas. Deste modo, diferentes galerosos, em ocasiões diferentes, podiam agir só como
colegas que se divertiam, ou até mesmo como bandos contratados para finalidades geralmente estranhas
às suas práticas mais comuns. Esses bandos descritos na notícia lembram as rackets (“máquinas políticas”
que usam os serviços de membros de gangues) dos EUA de que fala Alba Zaluar em Gangues, Galeras e
Quadrilhas: globalização, juventude e violência, p. 27. In: VIANNA, Hermano (Org.). Galeras
Cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.
21
relatos, existiam principalmente no Centro de Manaus nos anos 1980 e 1990, assim se
expressou Maicon:
Marcos – Por que você acha que nessa época havia tantas galeras?
Maicon – Bem, eu acho, no meu entender, porque era o momento da época.
[...] O ponto principal no Centro da cidade era o Bancrévea Clube e o Cheik
Clube. E o ponto lá era esse, porque na época, a discoteca tava no auge. E [...]
os jovens se encontravam lá, o point era ali, não tinha outro lugar pra ir, no
bairro não tinha. Só era Centro. E lá se reunia e era daquele jeito mano, viu?
Ou ia pra bronca ou apanhava.
Marcos – Você acha que havia opções de lazer nos bairros para os jovens?
Maicon – Olha, as opções eram escassas. As opções eram escassas. Nós não
tínhamos celular, não tínhamos computador, não tínhamos nada disso aí.
Então, era brincar de patinete, entendeu? Soltar papagaio, soltar papagaio...
Entretanto, outras fontes nos fornecem outras imagens representativas das
opções de lazer da cidade de Manaus no final do século XX, tais como o DJ Raidi
Rebello, uma notícia do jornal A Crítica e os relatos de Cláudia “Punk”, Sheila
“Guerreira” e de “Medroso”. Vejamos um a um:
Marcos – Você acha que nessa época haviam muitas opções de lazer para os
jovens da cidade, principalmente nos bairros?
Raidi – Olha, eu acho que em matéria de discoteca, sim. Danceteria tinha...
Marcos – Mas nos bairros, assim...?
Raidi – Nos bairros existia. Eu num tô falando, Waike [...].
Marcos – Coroado.
Raidi – Coroado, ah... Tinha uma discoteca no Mutirão [...]. É... A Cidade
Nova, com a Hot Mix [...].
Marcos – [...] Se lembra do Zona Livre na Cidade Nova também? [...].
Raidi – Zona Livre?
Marcos – Ficava ali na Max Teixeira.
Raidi – Ah, sim, ficava bem no início, né? [...] Teve o Antares, que antes era
chamado de Classe A [...] ali no Dom Pedro. [...] tinha o Libermorro, aqui no
Morro da Liberdade [...]. [...] Grêmio de Constantinopla [...] em Educandos.
[...] Eu me lembro que, [...] no lançamento do Dance Mix Vol. 2, aonde eu
vou, eu acho que numas sete ou oito discotecas, inclusive em algumas que eu
não citei aqui. [...] Cada lugar bicho! Nem lembro mais. [...] Em 91.24
22
13
MANAUARA POUCA OPÇÃO DE LAZER
Com a principal praia e os balneários poluídos, o manauara tem poucas
opções de lazer nos finais de semana, se não for sócio de um clube de campo
ou tiver automóvel para ir até as praias particulares da cidade. Ou o banhista
se arrisca a enfrentar a sujeira da Ponta Negra, do Tarumã ou da Ponte da
Bolívia, ou fica em casa assistindo televisão.
Sair de Manaus pode ser outra alternativa, e as cidades mais procuradas, pela
estrada, são Itacoatiara e Manacapuru. [...] Para quem fica, o melhor é esticar
um pouco mais o sábado à noite e acordar bem tarde, na hora de pegar um
cineminha na sessão das 15 horas, levando as crianças, é claro, para assistir
aos filmes de aventuras que estão sendo exibidos durante as férias – os
cinemas estão sempre lotados no domingo à tarde.
Restaurante aberto no domingo é coisa rara em Manaus. Eles só começam a
receber clientes no início da noite. À noite a praça da Saudade oferece um
espetáculo à parte, com muitas variedades de comida regional.25
Marcos – Você acha que haviam opções de lazer nos bairros para os jovens?
Cláudia – Não, não tinha.
Marcos – Você acha que haviam opções de lazer nos bairros para os jovens?
Sheila – Não tinha não. Tinha não.
Marcos – Me diz uma coisa “Medroso”. É, você acha que naquele período, as
turmas [...] passaram a ser chamadas de galeras, e [...] a se chamar também de
galeras [...] porque haviam poucas opções de lazer nos seus bairros?
“Medroso” – Eu acredito que sim. O governo naquela época, não dava
incentivo pra qualificar, e mesmo, Manaus ainda tava em desenvolvimento,
mas mesmo assim, faltou do governo, pra que houvesse, sei lá, sabe lá se
num ia se tornar, esse grupo de galera, um grupo de dança. [...] Não houve
política de educação voltada para tentar trazer esses jovens que muitos diziam
que eram delinquentes, mas eles não eram delinquentes. Eles simplesmente
eram mal vistos, e se atuavam dessa maneira, eu acredito né, é a minha ótica,
[...] porque não tinha opção de lazer na cidade.26
14
24 - Raidi Rebello, em entrevista concedida em 29/07/2014. DJ, radialista e empresário, segundo ele, foi
o primeiro a levar a dance music (música para dançar) aos jovens de baixa renda de Manaus, ajudando a
massificar a cultura da discoteca não só na capital, mas no interior do Amazonas. Após ter sido DJ no
Tropical Hotel, tocou no Cheik Clube (1985/86 até 1994), e depois no Bancrévea Clube (1988 à 1998).
Nestas duas últimas, ao contrário de algumas outras danceterias nas quais tocava esse estilo de música, o
ingresso era acessível aos jovens de classe baixa.
25 - Jornal A Crítica, 15/01/1990, p. Cidade. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
23
De acordo com os relatos dos entrevistados e com o discurso da mídia impressa,
representado pelo jornal A Crítica, podemos perceber que para alguns, havia opções de
lazer na cidade para além do Centro, como comentou o DJ Raidi Rebello. Já para
Cláudia “Punk”, Sheila “Guerreira”, “Medroso” e para o jornal, estas opções inexistiam
ou eram poucas. Maicon também afirma que “as opções eram escassas” e que o Centro
de Manaus, na época, era o principal lugar de encontro e de divertimento dos jovens,
principalmente quando estes eram envolvidos com galeras e tinham por hábito
frequentar as discotecas. Afinal, não havia celulares nem computadores, somente as
brincadeiras mais tradicionais e rotineiras como peão, bolinha de gude, patinete e
papagaio, praticadas geralmente no bairro e, sobretudo, por crianças e jovens menores.27
Entretanto, até mesmo o DJ Raidi Rebello, em um trecho que foi suprimido de sua
citação acima sobre as danceterias dos bairros, para provar que havia opções de lazer
nestes bairros, ao menos em se tratando de discoteca, faz, entretanto, uma ressalva
importante: “[...] claro que não eram as opções bacanas...”. Ao dizer isso, sua declaração
coincide com a de Maicon de que o Centro era o principal “point” da cidade em função
de ali se localizarem o Bancrévea Clube e o Cheik Clube, que para muitos jovens eram
as danceterias de Manaus mais cobiçadas e acessíveis do período.
Uma das intenções deste primeiro capítulo, como já comentado, é tentar
estabelecer alguma relação, quando houver, entre as galeras de Manaus e outras formas
de organizações juvenis similares que existiram em outros períodos da história. A ideia é
identificar as semelhanças e diferenças destes grupos para compreender melhor tanto a
noção de jovens briguentos e arruaceiros em algumas épocas e lugares, quanto os
conceitos que aqueles que os representaram na História e na memória dos entrevistados,
usaram como noções para produzir determinadas imagens do que vêm a ser e fazer esses
jovens. A proposta, embora pareça difícil de ser realizada, se o for, servirá para melhor
definir quem foram os galerosos e o que foram as galeras de Manaus. Ao se fazer isso,
espera-se construir um histórico dos jovens que, ao longo dos séculos, se comportaram
de maneira parecida com os jovens galerosos e, portanto, podem ser considerados
26 - “Medroso”, em entrevista concedida em 18/02/2014. “Medroso” é um nome fictício. Este rapaz, que
sempre morou na Cachoeirinha, conheceu alguns galerosos e viu algumas de suas práticas quando era
criança e adolescente. Temendo ser reconhecido e virar alvo de alguma retaliação por ter falado sobre
coisas que os galerosos de seu bairro faziam, ele preferiu não se identificar.
27 – Minhas memórias permitem-me lembrar que eram comuns, a uns vinte ou trinta anos atrás, essas
brincadeiras de rua mais centradas no bairro de moradia. Mas conforme os jovens cresciam, procuravam
novas experiências e redes de amizades que extrapolassem o bairro. Para isso, as danceterias eram ideais.
24
“ancestrais” indiretos destes rapazes e moças que deram continuidade a essas práticas a
partir da ressignificação de condutas mais antigas e heterogêneas. Os dados que serão
usados para comparação e confronto com essas imagens continuarão sendo as pessoas
que foram entrevistadas através da História Oral Temática, trabalhada aqui enquanto
técnica de coleta de informações específicas por meio de perguntas, tal como sugere
José Carlos Sebe Bom Meihy em seu Manual de História Oral, ou seja, como produtora
de um documento e de uma narrativa que serão articulados com outras narrativas e
documentos.28
Contudo, as outras fontes também poderão, em alguns momentos, servir
de suportes para cruzar dados e visões.
Passando da Antiguidade para o final do período medieval e início do período
Moderno, podemos nos valer da obra de Robert Muchembled intitulada História da
Violência: do fim da Idade Média aos nossos dias, para continuar a investigação sobre
os grupos de jovens transgressores. 15
v
Neste trabalho, o autor argumenta que os “reinos de juventude” existentes entre
os séculos XV e XVII em várias cidades e reinos da Europa, abrigavam os “jovens em
idade de casar” praticantes de uma “cultura de bandos” que se agrupavam para fazer a
corte às mulheres de suas aldeias e cidades, defender-se de outros homens, solteiros ou
casados, que, porventura, lhes ameaçassem as chances de conseguir se casar com as
moças locais, num universo onde o “mercado matrimonial” era frequentemente restrito,
e para preservar a honra viril e a virtude guerreira, ambas profundamente associadas. Os
estrangeiros eram os principais alvos dessa violência cometida pelos jovens, mas não
somente eles. Valendo-se de cartas de remissão enviadas às autoridades e príncipes do
período para se livrarem de punições por terem matado ou mutilado alguém em uma
briga, Muchembled traça um perfil dos principais tipos de agressões cometidos pelos
jovens e de suas principais motivações. Ele alega, contudo, que em função das pessoas
em geral da época ainda apresentarem uma característica mais sanguinária e brutal do
que suas sucessoras dos séculos posteriores – amparado em trabalhos como O Processo
Civilizador, de Norbert Elias, e em teorias freudianas como a libido sexual e o ego –,
essas violências praticadas e sofridas pelos jovens também eram mais toleradas pela
sociedade e até mesmo pelos que deveriam executar as punições, pois antes da
monopolização da violência pelos Estados Modernos e, depois, pelas nações, e da
exigência de relações interpessoais mais pacíficas para o desenvolvimento do comércio,
28 - MEIHY, José Carlos Sebe. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola, 1996, p. 145-148.
25
reivindicada por alguns teóricos do Iluminismo como, por exemplo, Adam Smith, todos
viviam em um universo social onde a “cultura da violência” era predominante.29
Ainda segundo tal argumento, aos jovens eram “permitidas” certas liberdades
porque sua situação desconfortável de longa espera para se tornarem 100% sexualmente
ativos com o casamento e plenamente dignos dos privilégios adultos, tinha que ser
compensada de alguma forma, sob o risco de os adultos terem que lidar com revoltas
empreendidas por esses grupos de jovens insatisfeitos.30
Daí as “liberdades” concedidas
a eles através das brandas punições, que até os séculos XVI e XVII, eram
frequentemente negociadas entre os juristas encarregados de defender o caso do acusado
perante o poder judiciário local. 16
Se, por exemplo, apelasse para uma carta de remissão
habilmente escrita por um jurista, podia não ser condenado a pena alguma. Táticas
como bajulação das autoridades, apresentação de uma boa reputação do acusado, evoca-
ção da Paixão de Cristo – quando em período de sua celebração – e do fato de que a
agressão teria ocorrido em um contexto de legítima defesa, levavam os responsáveis
pela aplicação da lei a poupar, muitas vezes, os agressores.31
As ocasiões de festas eram outras circunstâncias em que aumentavam os distúrbios
sociais provocados pelos jovens, principalmente se estes já eram púberes, mas não
homens adultos (no sentido pleno do termo), posto que solteiros e frequentemente sob a
tutela, ainda, de pais ou de outros responsáveis, tal como indica Philippe Ariès em
História Social da Criança e da Família.32
Bebidas, frequentação de cabarés e tabernas
completavam o cenário, isso quando o palco das rixas e violências não eram as
fronteiras das aldeias vizinhas que opunham os rapazes pastores de uma e de outra
localidade, que se batiam com cajados e estilingues.
Além disso, os jovens praticavam uma “cultura juvenil da violência” para
encenar uma “virilidade” a fim de “ter relações carnais fora dos elos conjugais”. Porém,
seus combates, como escreve Muchembled:
[...] não visam à eliminação definitiva dos concorrentes. Eles têm por função
principal revelar a superioridade do vencedor. É a razão pela qual eles
29 - MUCHEMBLED, Robert. História da Violência: do fim da Idade Média aos nossos dias. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 8, 17 e 24.
30 - Ibidem, p. 22.
31 - Ibidem, p. 71-72.
32 - ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 2006, p. 11.
26
acontecem, na maioria das vezes, com arma branca, substituto do pênis.
Raros são aqueles [...] que não usam ostensivamente tal prolongamento do
ego. [...] São seguidos pelas armas com haste, do tipo do chuço, da lança ou
da alabarda [...]. Os bastões, com ferro ou não, alcançam o mesmo número,
as armas de fogo representam menos de 6%.33
Tratando dos jovens da região da Artésia, o autor explica que eles se irritavam
com muita facilidade, viviam vadiando por todos os lados e portavam armas brancas,
certamente para provar aos homens mais velhos da comunidade que “sua honra
masculina”, amparada em sua virilidade, era-lhes superior. Mas ao contrário do que
passou a acontecer depois, as muitas “rixas” desencadeadas dentro deste contexto não
eram uma ameaça ao “tecido social” do período. Segundo Muchembled, elas tornavam 17
“visíveis os códigos de sociabilidade e de solidariedade normativos” que orientavam a
vida não somente dos jovens, mas também dos adultos e das “moças a casar, às quais se
destinam principalmente esses combates incessantes de galos”.34
Esse tipo de violência do final da Idade Média e início do período Moderno é
chamado por Muchembled de “violência ritual controlada”. Seus principais praticantes
seriam os jovens com idades que variam entre 20 e 29 anos e que usam a violência
como uma “linguagem simbólica juvenil”. Um dos objetivos desse tipo de prática era
muito mais humilhar que matar, para se vangloriar de ter sido vencedor em uma briga
individual ou coletiva.35
Assim, preservava-se a honra e fazia-se vingança em nível
pessoal e comunitário, ao mesmo tempo em que se colocava sob a responsabilidade dos
mais jovens a tarefa de proteger a “moral e a honra das moças núbeis da aldeia”, uma
vez que os matrimônios eram endógamos. Daí Norbert Schindler chamar de “tutores da
desordem” aos jovens das sociedades europeias do início da era Moderna, o que,
quando comparados com outras imagens de grupos de jovens mais contemporâneos, nos
causa até certo estranhamento.
Entretanto, tais características dos jovens dos “reinos de juventude” só podiam
31 - Ibidem, p. 71-72.
32 - ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 2006, p. 11.
33 - MUCHEMBLED, Robert. Op., cit., p, 73-74 e 21.
34 - Ibidem, p. 76.
35 - Ibidem, p. 78-79.
27
se manifestar porque também eram, até certo ponto, apoiadas e legitimadas pelos
adultos, tal como as práticas do aghéle grego. É novamente Norbert Schindler quem
melhor explica essa peculiaridade:
No cantão dos Grisões, era difundido o costume, [...], de indicar
pessoalmente para cada moça um jovem que, durante certo período, seria o
guardião de sua honra: tratava-se, digamos assim, de uma espécie de teste de
casamento temporário, reunindo funções de familiaridade com a instituição
do casamento, de controle moral e de educação gradual para os futuros papéis
matrimoniais. Se pretendentes estranhos à comunidade tentavam cortejar as
moças, isso era considerado uma “invasão” e os jovens locais os rechaçavam
promovendo lutas duras, às vezes brutais. Nesses casos, os jovens se
constituíam em grupo social autônomo e, reivindicando o direito patronal de
proteção de “suas” moças, defendiam ao mesmo tempo a identidade da
aldeia.37
18
Novamente, comparando as atitudes dos jovens membros de galeras às atitudes
desses jovens de quatro ou cinco séculos atrás, pode-se perceber que existem algumas
semelhanças, mas também notáveis diferenças.
Vivendo em uma época em que as ações e experiências dos jovens são quase que
totalmente diferentes das dos adultos, em função do triunfo da escola e da educação
burguesa que tendeu a aumentar o tempo de dependência dos jovens, para que estes
possam se dedicar por mais tempo aos estudos e ter mais chances no mercado de
trabalho cada vez mais especializado, os rapazes e moças da Manaus dos anos 1980 e
1990 que integraram turmas de galeras, só podem ser compreendidos se for levado em
conta tal traço típico do século XIX e XX. Hoje em dia, há uma nítida separação entre
jovens e adultos quando se trata de suas áreas de atuação, mas isso não acontecia de
modo tão claro nas sociedades europeias do período Moderno. Como explica Norbert
37 - SCHINDLER, Norbert. Os Tutores da Desordem: rituais da cultura juvenil nos primórdios da era
Moderna. In: LEVI, Giovanni & SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.). História dos Jovens, vol. 1: da
Antiguidade à era Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 275. Também aos jovens eram
reservados os preparativos das festas de carnaval e, paradoxalmente, certas funções de manutenção da
ordem como, por exemplo, intimidar e punir outros jovens e até adultos infratores da moral comunitária.
Mas os jovens dos séculos XIX e XX vão ser menos ordeiros. Sobre isso, ver a obra de Jon Savage A
Criação da Juventude: como o conceito de teenage revolucionou o século XX, p. 51-59.
38 – SCHINDLER, Norbert. Op., cit., p. 275.
39 - SCHINDLER, Norbert. Op., cit., p. 266.
28
Schindler:
Nos charivaris, em que infrações no campo ético e social eram condenadas
publicamente, os jovens agiam em nome dos adultos e com tácito
consentimento destes; isso conferia aos atos dos jovens a mesma importância
dos realizados pelos adultos e simultaneamente os liberava do fardo da
responsabilidade.38
Isso ajuda a entender porque algumas práticas de adultos se
misturavam às dos jovens e vice-versa, como argumenta o autor:
A intensa troca entre a cultura juvenil e a dos adultos só foi possível pelo fato
de que também o comportamento desses últimos era bem menos disciplinado,
mais “juvenil”, para não dizer “infantil”, do que estamos habituados a
conceber hoje.39
Mas os jovens das aldeias do período Moderno na Europa talvez devam ser
considerados mais como “tutores da ordem pública” do que como outsiders, apesar
deles representarem também uma aparente contradição dentro daquelas sociedades.
Porque “justamente os indivíduos que ainda não eram adultos organizavam as festas
populares, os que estavam em idade de casar eram os guardiães da moral sexual,
aqueles19 que eram subversivos por definição deviam ser” os mantenedores da ordem
social.
Entretanto, os jovens galerosos já não tiveram como atuar sob o consentimento
tácito dos adultos ao realizarem suas ações. Desde o século XIX, educadores,
psicólogos, médicos e reformadores empreenderam uma verdadeira odisseia intelectual
para enquadrar os jovens em conceitos como puberdade, juventude e adolescência. O
primeiro, de viés fisiológico, bem mais usado pela Medicina; o segundo, relacionado
com as funções sociais do indivíduo, preferido pela Sociologia e o terceiro, ligado “às
mudanças na personalidade, na mente ou no comportamento”, compartilhado pela
40 - GROPPO, Luís Antonio. Juventude: ensaios sobre Sociologia e História das juventudes Modernas.
Rio de Janeiro: DIFEL, 2000, p. 13-14.
41 - Em seu livro A Criação da Juventude: como o conceito de teenage revolucionou o século XX, p. 29,
Jon Savage cita o livro de Rousseau e sugere que “a puberdade tinha efeitos mentais e emocionais tão
elementares que representava um “segundo nascimento”. Os sintomas eram “uma mudança de
temperamento, frequentes explosões de raiva, uma perpétua agitação mental”. Já Norbert Elias, em O
Processo Civilizador, de 1939, p. 68-69, afirmará que a obra didática de Erasmo influenciará muitos
humanistas e educadores e refletirá uma “expressão fundamental de auto-interpretação da sociedade
européia”. Sobre os conflitos de gerações de que fala Jon Savage, ler as páginas 30-179.
29
Psicologia, Psicanálise e Pedagogia.40
Apesar de todos esses trabalhos se inspirarem direta ou indiretamente em O
Emílio, de Jean-Jacques Rousseau, que por sua vez também se valeu dos tratados sobre
a polidez que vinham sendo escritos pelo menos desde o século XV, sendo o mais
famoso deles De civilitate morum puerilium (Da civilidade moral das crianças), de
Erasmo de Roterdã, publicado em 1530, nos séculos XVIII, XIX e XX, porém, em
função dos grandes movimentos e revoltas de massa verificados em muitas partes da
Europa e dos Estados Unidos, como a Revolução Francesa, a Revolução Industrial, as
Revoluções Liberais de 1830 e 1848, as guerras imperialistas, as duas Guerras Mundiais
e os grandes deslocamentos migratórios provocados por essas transformações, haverá
um renovado esforço para disciplinar os jovens, sobretudo quando solteiros, de classe
baixa e ainda sem profissão definida, o que os tornava potencialmente mais
ameaçadores aos olhos dos adultos estabelecidos. Se tratava cada vez mais de uma
diferença e conflito de gerações, como explica Jon Savage.41
Deste modo, ao se tentar fazer uma comparação das práticas dos grupos de
jovens descritos acima, desde o fim da Idade Média, com as dos galerosos de Manaus
do final do século XX, pode-se perceber, novamente, que há certas continuidades e
rupturas importantes em seus costumes.
20 A começar pelas liberdades que os jovens europeus de quatrocentos ou trezentos
anos atrás tinham, não se pode atribuir a mesma permissividade para as ações dos
jovens galerosos. Porque mesmo que muitos dos rapazes de galeras também tenham se
associado a estas turmas com a intenção de cortejar e conquistar as moças, e mesmo que
essa atitude possa ser considerada uma prática ritual de divertimento, busca por novas
experiências e inserção social através da fruição de direitos, como ter relações sexuais,
apesar de realizadas também através do uso da violência, elas não eram feitas sob a
supervisão dos adultos nem com o consentimento direto ou indireto deles, como no caso
dos jovens das aldeias e cidades do período Moderno. Além disso, elas também já não
visavam a manter o equilíbrio social da comunidade através da manutenção da ordem,
ao menos não para os adultos, para as pessoas que não eram envolvidas com galeras e
para as autoridades que frequentemente se sentiam desafiados pelos atos dos galerosos e
geralmente os combatiam. Alguns trechos da entrevista feita com Maicon Costa, podem
ajudar a ilustrar isso:
30
Marcos – Você conheceu alguém que saiu da galera porque brigou com os
outros membros da galera?
Maicon – [...] Não saia, levava um cacete. Entendeu? Se passava pra outra, só
se ninguém soubesse que ele já tava na outra lá. Mas se soubesse que ele tava
na outra, ele ia ser perseguido até... Até... Havia briga um entre o outro
mesmo. Havia aquelas brigas, sabe? Por causa de mulher.
Marcos – E quando já fazia parte da galera. Havia alguma pressão para que a
pessoa praticasse tudo o que os outros praticavam, incluindo as brigas, as
festas, o consumo de bebidas ou drogas, ou não havia essa pressão?
Maicon – Olha, pra ti falar a verdade. Nem precisava. [...] A pessoa já se
entusiasmava em tá junto. Já virou um vício, [...] você queria tá junto da
turma. Tanto que, praticamente, nós távamos juntos quase todos os dias. Final
de semana, sábado, Bancrévea. Domingo na Ponta Negra. À noite, de novo:
discoteca mais uma vez. Na segunda ia todo mundo pra Praça da Matriz.
Virou um vício. Se um fizesse, todo mundo ia no bolo. [...] Todo mundo
queria fazer o que o líder fazia. Todo mundo queria se espelhar no líder
principal. Naquela época, pra gente, eles pareciam super-heróis. A polícia
chegava eles corriam de bala, os cara atirava não pegava. Diziam que tinham
corpo fechado. E pra gente aquilo chega brilhava nos olhos, a gente via
brilhar nos olhos de alguns, sabe, idolatria, idolatria mesmo, dizer: “eu quero
ser igual esse cara”. O cara era bom de briga, o cara só andava com mais de
quatro mulheres e meninas bonitas. Sabe? Tinha um papo interessante, um
papo assim, fora do comum, sabe, um papo que você queria ter. Então,
praticamente era idolatria, idolatria mesmo.
Marcos – Haviam mulheres que andavam com galeras ou que eram
galerosas?
Maicon – Muitas. Muitas. Muitas galerosas. Tinha grupo de galera de
cinquenta meninas. De cinquenta meninas. Sabe? Chegou a ter cem meninas
em um grupo. Cem! Sabe o que é cem mulheres num grupo de galera? E
meninas bonitas, hein? Tinha lá as feiosinhas, mas tinha cada menina bonita.
Bonitas mesmo. Sabe? Mas, chegou ao patamar de ter cem meninas em uma
galera. Só de mulher. E mediante dos homens. Elas eram da “Selvagem”, mas
era “Selvagem” de mulher. E depois teve a dos “Anjos” também. [...] aquelas
cinquenta, só que a “Selvagem” sempre teve mais. A “Selvagem” sempre foi
superior.
Marcos – Ah! Me conta aquilo que tu me contou naquele dia, sobre a questão
dos estupros, e tal, que era uma coisa que te perturbava muito, e tal.
Maicon – É, essa era a parte que mais doía, né? Essa é a parte que eu, que eu
guardo das recordações que não são muito boas. Sabe? De você ver meninas
ser estupradas. Sabe? E nem estupro era, naquela época era uma curra.
31
“Vamo dar uma curra”, vamo... Sabe? “Vamo dar uma geral”. Sabe? Vamo
dar... O famoso “arrego”. “Hoje ela vai pro arrego, quem vai pro arrego é
aquela ali”. Sabe? Porque, de repente, é aquela que entra na galera e quer dá
uma de patricinha. Sabe? Num quer namorar com ninguém, quer dar uma de
“cú doce”, que eles diziam que era “cú doce”, e tal. Aí eles armavam pra
aquela ali ir pro “arrego”. Você vê aquilo acontecer... Sabe? É uma coisa que
não traz recordações boas. Sabe? E você tava ali, eles te obrigavam a
participar. Eles te obrigavam a fazer. Sabe? Era uma situação complicada. E
eu vi isso acontecer. Só que eu fico, assim, ainda bem que já foi... Eu já
peguei essa parte, na época eu já tinha uma moral, dentro da galera, eu dizia:
“eu não vou fazer isso não”. E salvei muitas. Eu fingia que ia fazer, pra salvá-
las. Eu fingia. Eu pedia pra ser o terceiro, o quarto, só pra quando, sobrasse
mais uns seis ali atrás, uns cinco, seis, eu pudesse tirar ela de lá. Sabe? Eu
montava, eu dizia, pra ela, [...] Eu andava com sonrisal no bolso (risos). Pra
botar na boca delas, pra elas babarem, pra dizer que elas tão... Tendo qualquer
coisa parecida, sabe? Desmaio, pra causar medo e... Eu salvei muita... Umas
três, eu me orgulho disso, entendeu? Por poder... Mas era uma parte que não
era legal.
Marcos – E algumas, você comentou que chegavam a engravidar, às vezes.
Maicon – É. É, algumas engravidavam, né? Você ouvia notícias de que
engravidou. Naquela época fazer um aborto era muito difícil. Né? Sê
encontrar uma Citotéque e... Hoje tem filhos de galerosos, de meninas aí que
já devem tá formados, que foram cria de, de, de estupro. Com certeza tem.
Sabe? Com certeza tem. Mas isso era feito, num era no meio daquela
multidão. Isso era grupos pequenos. Compreendeu? Quando se espalhava os
grupos, isso acontecia. Isso acontecia. Sabe? Mas havia. Ou então, tinha [...]
você arranjava namorada, hoje, aí tu queria obrigar ela a fazer contigo. Isso
gerava já, um, um “arrego”. Aí você batia nela, pra ela dar pra você. Isso
acontecia. Acontecia diversas vezes. Sabe?
Marcos – Mas tinha também os olhares atravessados, né? Às vezes, num era
nem porque eram brigas antigas, assim, o pessoal brigava porque já tinha
uma rixa antiga. Eu acho que era porque alguém tinha olhado atravessado pra
alguém, ou então, o cara é que considerou assim. Olhou o outro, e pensou que
o outro tava encarando ele, aí, “pô, eu vou brigar com esse cara, e tal”. Tinha
isso?
Maicon – Cara, [...]. Tinha muito isso. [...] Mas muita coisa aconteceu aqui,
bairro, por causa de mulher. Que o outro agarrou a mulher do cara [...], aí foi
criando essa confusão, entendeu?
Marcos – Você acha que a pouca ligação do jovem com a família, com a
escola, ou com outros grupos, contribuía para que esse jovem fosse buscar
32
respeito, admiração, abrigo e um sentido pra vida dentro do grupo de amigos
e galerosos da rua?
Maicon – Pra alguns tinha. Pra alguns tinha. Alguns iam porque gostava
mesmo. Porque tinha menina fácil. Era mais fácil de se arranjar as meninas.
“Cara é galeroso, e tal [...] Se você botasse uma roupa legal, elas já olhavam
pra ti. Se tivesse um... Pagasse um refrigerante, entendeu? Ou coisa parecida,
entendeu? Elas te olhavam diferente. Ou então, se tu brigasse bem, tu era o
cara. Tinha essas vantagens. E eu acho que isso puxava muito. E tinha muita
menina bonita. Sabe? Menina pra casar, menina bonita mesmo. Sabe? Isso
chamava muito.
Marcos – A experiência de ter sido de galera te trouxe algum benefício? Por
quê?
Maicon – Olha, benefício mesmo não trouxe. Galera não traz benefício a
ninguém. Sabe? Sempre galera vai te levar pra morte. Sabe? Só vai fazer
você ser difamado. Ficar mal visto. [...] As coisas boas foi a inteligência de
ver aquilo acontecer e você se transformar e dizer bem assim ó: “eu tô aqui,
mas eu vou fazer a diferença! Eu não vou acabar como ele”. A vantagem,
também, que você traz é essa. Que você tirou muitas experiências daquela
vida que você viveu ali. Sabe? Que você prestou atenção ali. Aquilo foi
uma... A maior experiência de vida desses que tão vivos hoje, que você
entrevistou, foi a maior experiência de vida. [...] E transmiti isso às pessoas
que viviam depois de mim. Sabe? As meninas que eu namorava, eu queria
mostrar pra elas que eu era o bom. Batia um papo diferente. Sabe? Enquanto
o cara levava ela pro mato, eu levava ela pro motel. Sabe? Enquanto o cara
oferecia uma lata de cola, pra ela cheirar, eu oferecia um churrasco, um x-
salada ou coisa parecida. E naquela época, o point era você ir pro lanche. O
point era a Alemã. [...] prum galeroso ir pra Alemã naquela época, sê
imagina? [...] E ela contar pras outras. “Pô, num tem o Maicon, o Maicon me
levou pra Alemã”. O gostoso disso era poder fazer a diferença.
Compreende?42
As memórias de Maicon permitem entrever que, apesar de alguns dos jovens que
entravam para as galeras, fazerem essa opção motivados pela facilidade de “arranjar as
meninas”, em nenhum momento Maicon deixa sequer subentendido que essa prática era
incentivada por adultos e tinha um papel de manutenção das relações sociais da cidade
de Manaus através dos possíveis casamentos que daí poderiam advir, apesar de dizer
que “tinha muita menina bonita. Sabe? Menina pra casar [...]”, e de que, de fato, muitos
rapazes e moças acabaram se casando e/ou tiveram filhos e, até hoje, em alguns casos,
33
ainda estão juntos.43
E embora os jovens galerosos, às vezes, brigassem entre si, mesmo sendo de um
mesmo grupo de galera, por causa de mulheres, ele também não diz que tais brigas
aconteciam para defender a honra dessas mulheres. No entanto, o próprio ato de brigar
por elas, já sugere que havia uma tentativa mais ou menos consciente, organizada e
ritualizada de defender, digamos, a posse exclusiva dessas mulheres, certamente
também muito cobiçadas por eles, tal como entre os jovens europeus estudados por
Robert Muchembled e Norbert Schindler. Por isso Maicon diz, quando indagado se
havia entrado para a galera em função de não estar muito vinculado a nenhuma
instituição mais tradicional, como família, escola, etc., que alguns realmente entravam
por causa da ausência ou fraqueza desses vínculos, mas outros não. Outros entravam
por21 causa das meninas e porque quando eram bons de briga, usufruíam de certas
vantagens, inclusive, junto às mulheres.
Além disso, os líderes, que só andavam “com mais de quatro mulheres e
meninas bonitas”, por terem “um papo interessante” e despertarem a “idolatria” de
muitos “seguidores”, incentivavam diretamente o ingresso e permanência dos jovens
nas galeras, já que eram, para estes, parecidos com “super-heróis”. Vê-se, com isso, que
os líderes das galeras exerciam uma influência relativamente grande nos demais 22
membros desses grupos, também por causa da ênfase em sua agressividade, que era uma
qualidade capaz de conferir virilidade aos seus portadores, algo que também se
assemelha aos comportamentos dos jovens europeus de alguns séculos atrás.
Contudo, apesar de viverem em uma época em que a moral sexual já estava bem
mais relaxada, se comparada à época dos jovens das aldeias e cidades estudadas pelos
historiadores dos “reinos de juventude”, os jovens de Manaus do final do século XX
ainda se comportavam como se fossem os defensores das moças solteiras que estavam
ao redor de sua zona de influência, e isso lembra um pouco as estratégias de proteção
que os jovens masculinos de antes usavam para monopolizar o acesso ao gênero oposto.
Mas isso era feito, às vezes, de forma violenta, tanto quando era um rapaz que batia e
obrigava sua namorada recente a praticar relações sexuais com ele, como quando era um
grupo menor, mais solidário e confiável de uma galera, destacado do grosso de seus
membros menos confiáveis, que organizava e executava uma “curra”, um “arrego”, uma
42 - Maicon Costa, em entrevista concedida em 22/11/2014.
43 - Ao longo da pesquisa, conheci uns cinco ou seis ex-galerosos/as que foram ou ainda estão casados
com cônjuges que conheceram nas festas de discotecas nos anos 1980 e 1990, quando eram adolescentes.
34
“geral”. A ressalva que Maicon faz, ao dizer que estas violações aconteciam
principalmente quando a moça dava uma de “patricinha” (menina de classe média
considerada pelos rapazes de classe baixa como mimada e socialmente privilegiada), de
“cú doce”, ao não querer namorar com ninguém, indica que estas moças eram as
principais vítimas. Mas isso nos revela também uma certa mistura de indivíduos de
várias classes transitando nos mesmos espaços, praticando mais ou menos as mesmas
ações e interagindo entre si, ainda que nem sempre de forma consensual.
Maicon nos revela também, através de seu testemunho de vida, que alguns
galerosos, mesmo em ocasiões de violência extrema, podiam se comportar de modo não
violento, calculado e até inesperado, como quando ele declara que “andava com sonrisal
no bolso [...]. Pra botar na boca delas, pra elas babarem, [...] pra causar medo e... Eu
salvei muitas... Umas três, eu me orgulho disso [...]”. Práticas que fogem do comum
como esta, novamente nos chamam a atenção para os vários papeis que alguns galerosos
podiam exercer para além daquele de meros delinquentes, dependendo do contexto, das
pessoas que interagiam com eles e de suas disposições pessoais.
Mas longe da zona de influência dos adultos e sem ter que se preocuparem com
a manutenção da ordem social, tal como se encontravam os jovens de antes, os rapazes e
moças – adolescentes e adultos – que integravam as galeras já eram considerados
totalmente transgressores, o que os diferencia bastante dos pseudo-outsiders de que fala
Norbert Schindler.
Ao falar das estratégias de conquista das meninas aplicadas pelos rapazes,
Maicon cita que fazer a diferença era fundamental. Ao invés de levar a moça para o
mato, era muito melhor, para ele, levá-la ao motel; ao invés de lhe oferecer um saco de
cola para ela cheirar, era mais apropriado lhe pagar um churrasco ou um x-salada, um
refrigerante e, se possível, leva-la à Alemã. Sempre com a intenção de chamar sua
atenção e se diferenciar dos demais rapazes, porque “eu queria mostrar pra elas que eu
era o bom. Batia um papo diferente. Sabe?”. Portanto, aqui, como entre os jovens
descritos por Muchembled e Schindler, os embates (físicos ou não) entre jovens por
acesso às moças solteiras era algo comum, embora não idêntico.
Esse tipo de sociabilidade forjada pelos próprios jovens teve que ser também
construída historicamente. As festas, por exemplo, organizadas geralmente pelos jovens,
como sugerem os trabalhos de Norbert Schindler e Daniel Fabre, se transformaram nas
ocasiões e espaços privilegiados das liberdades e experiências juvenis.44
Sair para se
divertir e paquerar, com o objetivo de viver emoções e aventuras ainda não ou
35
23
escassamente vividas, viraram desde o final do século XIX e durante todo o XX, marcas
registradas das pessoas jovens, mas as sociedades dos adultos também contribuíram
para que isso acontecesse.45
E, às vezes, são nestas festas que ocorrem a maioria dos
atos incivilizados e transgressores, como as violências físicas e verbais de que fala o
historiador Robert Muchembled em sua obra História da Violência.
Jon Savage afirma que os jovens mais autônomos e que gostavam de “sair para
as ruas, formar gangues e incomodar os adultos”, desde o final do século XIX se
opuseram, nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e em Paris, a princípio, de forma mais
ou menos consciente e organizada, aos anseios por ordem e disciplina preferidos pelos
adultos em suas sociedades europeias militaristas e industrializadas. Para os jovens,
“farrear” motivados “por tédio, desespero ou mútuo incentivo” já representava, naquela
época, a inversão dos valores “feudais de subordinação e deferência”.46
E como muitos jovens se encontravam em guerra não com outros países, como
44 - No capítulo intitulado Ser Jovem na Aldeia, p. 49, Daniel Fabre assim explica esta questão das festas:
“Em que momento, sob o Antigo Regime e no século XIX a juventude [...] afirma-se de súbito como
corpo constituído no seio de cada sociedade local? Em que ocasião vem para a frente da cena e é intimada
a exibir, nos limites permitidos, toda a gama de suas maneiras de ser? Que acontecimento reiterado e
comum pode oferecer-nos o melhor posto de observação dessa idade social, tal como nas sociedades
modernas e contemporâneas a delineiam nas aldeias, ainda amplamente dominantes, mas também na
maior parte dos bairros da cidade? Sem nenhuma dúvida, “a festa”, [...] a principal. [...] Nessa ocasião um
e outro sexo têm seus papéis, bem distintos; admite-se, sobretudo, que é ali que “se faz a juventude”. Uma
delegação, formal ou implícita, atribui aos jovens o dever e o direito de agir publicamente, de organizar a
festa de todos, nela dando a perceber a singularidade de sua condição.” In: LEVI, Giovanni & SCHMITT,
Jean-Claude (Orgs.). História dos Jovens, vol. 2: a época Contemporânea. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996. Já Norbert Schindler, op., cit., p. 276, assim se expressa sobre a importância das festas para
a sociabilidade dos jovens: “A segunda dimensão ritual que deu um perfil de grupo à cultura juvenil
masculina foi o papel privilegiado na preparação do carnaval e nos costumes carnavalescos: aqui os
jovens podiam ser considerados os verdadeiros protagonistas. Isto tinha a ver em primeiro lugar com o
fato de que esse período de loucuras e de inversões das regras oferecia justamente aos mais jovens
ocasiões particularmente apreciadas por poderem abandonar-se à fruição desenfreada e liberadora,
assumindo assim a função de válvula de escape.”
45 - Jon Savage escreve o seguinte a respeito dos jovens que só se tornavam delinquentes com a
contribuição dos adultos nos Estados Unidos: “Nas metrópoles do fim do século XIX, muitas crianças e
adolescentes eram deixados à própria sorte. Na falta de uma estrutura imposta por adultos, eles se
organizavam em gangues que mal podiam ser controladas.” Ele comenta que haviam muitas crianças
abandonadas e o grande fluxo de imigração de Manhattan tornava a cidade dura com os jovens. Mas para
que a sociedade de massa e urbana funcionasse, era preciso que todos se enquadrassem de alguma forma.
Daí a delinquência ser cada vez mais criminalizada. E as mesmas leis que fizeram os jovens se inserir
mais cedo no mercado de trabalho e na escola, possibilitou-lhes deixar de serem analfabetos e sem capital
e adquirir e ler revistas em quadrinhos sobre vagabundos e se tornarem consumidores de produtos
exclusivos para jovens. Por querer ser diferentes dos pais, viraram desordeiros. P. 50-179.
46 - SAVAGE, Jon. Op., cit., p. 58-59.
47 - Ibidem, p. 58-59, 71-73, 75,77; consultar também o capítulo Juventude, metáfora da mudança social.
Dois debates sobre os jovens: a Itália fascista e os Estados Unidos da década de 1950, de Luisa
Passerini, p. 354, 355, 368-369 e 370. In: LEVI, Giovanni & SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.). História
dos Jovens, vol. 2: a época contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
48 - Ibidem, p. 66-67, 70-71, 86.
36
os adultos, mas contras estes últimos e dentro de seus próprios territórios, preferiram se
voltar para a fruição de prazeres mais ou menos efêmeros e anárquicos simbolizados
pelas próprias percepções caóticas e inumeráveis que o advento das cidades modernas
proporcionou. Música, cinema, teatros, bares, bordeis e territórios de gangues se
tornaram seus espaços e objetos de lazer preferidos, principalmente quando rebeldes.47
É ainda Jon Savage quem argumenta que, nos Estados Unidos, a cultura juvenil só foi
tão precocemente incentivada e separada da cultura dos adultos, porque o próprio país
era visto por muitos empreendedores e cidadãos como uma nação no auge de sua vida e,
portanto, também jovem. Isso estimulou a perspectiva da busca de uma vida vigorosa,
saudável, intensa e alegre, atributos geralmente mais encontrados nos jovens que em
outras faixas etárias.48
Quanto à cidade de Manaus, seus habitantes e seus jovens também não ficaram
imunes a esse dinamismo e a essas contradições sociais criados pelas sociedades
industriais e pelo aumento da urbanização das cidades nos séculos XVIII, XIX e XX.
A historiadora Alba Barbosa Pessoa faz uma observação interessante ao tratar do
trabalho infantil em Manaus entre o final do século XIX e início do XX. Ela sugere, por
exemplo, que enquanto a casa e as praças públicas, aos finais de semana e feriados,
eram os principais locais de lazer e sociabilidade das crianças e jovens filhos de famílias
mais abastadas, a rua, ao contrário, era o principal cenário em que se desenvolvia não só
o trabalho diário das crianças e jovens de condição humilde, mas também o espaço mais
usado para suas brincadeiras, divertimentos e sabotagem do trabalho que tinham que
executar.
Porém, perambular pela rua, conversar nela e fazer “qualquer outra atividade que
não fosse o trabalho”, eram consideradas práticas inconvenientes pelas “autoridades”.
Mas para as crianças e jovens, isso era algo absolutamente normal e até mais adequado
ao seu estilo de vida, já que eles passavam mais tempo nas ruas do que em casa com
suas famílias. Como Alba Pessoa argumenta, amparada em Michel de Certeau, “O
correr, o perambular, o ficar na rua, para além de ser visto como um simples ato de
vadiagem pode ser percebido como uma prática subversiva desse mesmo espaço”.49
Norbert Schindler também faz referência à constante prática dos jovens do início
do período Moderno de demarcar seu território através de sua presença ruidosa e
desafiadora. Eles transitavam e apareciam nos lugares gritando, para exprimir um
“orgulho” e uma “alegria de viver”, um “bem-estar”, a “confiança na própria força física
transbordante”, usando aquilo que o historiador chama de “linguagem do corpo que era
37
praticamente impossível não captar”, anunciando “a própria presença física maciça”. E
comparando com jovens contemporâneos, o autor sugere que os exemplos atuais desses
jovens se encontram nas entradas das discotecas, quando eles fazem roncar os motores
de seus carros e motos para chamar a atenção das mulheres e pessoas do lugar.50
Entre os jovens das galeras de Manaus esses gritos de guerra eram feitos também
dentro das danceterias, quando chegavam e anunciavam suas turmas e quando certas 24
músicas, que eram ouvidas e consideradas como que hinos das galeras, eram tocadas
pelos DJs. Na verdade, certas músicas eram tão (in)diretamente incentivadoras de
desafios e brigas entre os jovens de galeras rivais que quase nunca eram tocadas dentro
das discotecas. Maicon lembrou de um episódio particularmente interessante que
aconteceu no Cheik Clube: após começar a tocar a música Do the rave stomp, de um DJ
argentino chamado Dero, e ver deflagrada uma briga de proporções assustadoras, o DJ 25
Raidi Rebello retirou o disco e o quebrou na frente do público frequentador. Segundo
Maicon, ao fazer isso, Raidi teria dito: “Eu não toco mais isso aqui. E não tocou
mais”.51
De fato, até hoje, nas vezes que frequentei as festas em que o DJ Raidi Rebello
tocou, não lembro de ter ouvido ele colocar essa música.52
Portanto, podemos perceber que há algo de socialmente desestabilizador na
postura de jovens que se apresentam em bandos mais ou menos numerosos, falando
alto, gritando e estufando o peito, como se quisessem deliberadamente provocar uma
briga com aqueles que estão por perto. Talvez porque são os próprios jovens que,
“interessados na defesa de seus privilégios”, determinam as fronteiras entre o “nós” e o
“eles”, e sempre que necessário, fazem isso até mesmo com brincadeiras de mau gosto,
49 - PESSOA, Alba Barbosa. Infância e Trabalho: dimensões do trabalho infantil na cidade de Manaus
(1890-1920). Manaus: EDUA, 2015, p. 215.
50 - SCHINDLER, Norbert. Op., cit., p. 304-305.
51 - Maicon Costa, em entrevista concedida em 22/11/2014.
52 - Desde 2014, voltei a frequentar as festas de Flash Back, sobretudo as promovidas pelo DJ Raidi
Rebello. Nelas, as músicas dos anos 1970/80 e 90 são relembradas e uma parte do público que frequentou
as discotecas nessas décadas e foram membros de galera comparece e se diverte bastante. Porém, agora,
todos já são adultos, com filhos, netos e ninguém faz mais parte de galeras. Passei a frequentar para
praticar o método da observação participante, muito utilizado por antropólogos e sociólogos quando
estudam pequenos e médios agrupamentos coletivos. Uma vez que parte do meu objeto de estudo
(pessoas que foram galerosas) ainda está viva e potencialmente disponível para ser entrevistada, frequento
estas festas não apenas para me divertir e sentir o que os demais sentem, mas para me integrar com eles,
ganhar sua confiança e ser visto, se possível, como eles, para tentar me ver como eles mesmos se veem.
Além disso, a ideia é conseguir estabelecer uma rede de contatos nesta comunidade de destino para
entrevistar ex-galerosos que ainda mantêm o hábito de curtir essas músicas e essas festas. O local, a
ocasião e as ações são também muito propícios às lembranças, minhas e deles, para recordar de detalhes,
sensações e histórias que aconteceram e que foram relevantes em nível pessoal e grupal. Ao menos é isso
o que Paul Thompson, em A Voz do Passado, p. 265, diz a respeito de um passeio pelo bairro, por
exemplo, ou de mostrar ao entrevistado algum objeto que possa estimular suas lembranças.
53 - SCHINDLER, Norbert. Op., cit., p. 273.
38
“rígidas normas rituais de admissão e de iniciação, com ações noturnas e”, não raro,
“com pancadas”.53
E como os jovens não precisam se associar de forma institucionalizada para
serem efetivos em suas ações, sobretudo quando são arruaceiros, desordeiros,
delinquentes, marginais, enfim, transgressores, o princípio de organização que regula 26
suas turmas provém dos grupos de pares (peer groups) que, segundo Norbert Schindler,
é determinado pela ideia de que “as pessoas permanecem unidas porque já se conhecem
há muito tempo”, ideia esta que se traduz, talvez, melhor, no sentimento de
pertencimento a um lugar e grupo que muitas pessoas possuem.54
Como se vê, as galeras possuem “ancentrais” indiretos mais parecidos com elas
do que se imagina. Mas não podemos estudá-las apenas a partir dos jovens que lhes
antecederam e, de certa forma, lhes legaram algumas práticas, costumes e ideias. Porque
ser um jovem galeroso em Manaus no final do século XX, implicava se reconhecer
como um membro de um grupo que se assemelhava a uma gangue. Ora, até mesmo
o27
filme que deu origem a estas turmas em Manaus mostra jovens de Nova York
extremamente organizados e hostis se digladiando madrugada adentro, depois de uma
tentativa frustrada de trégua e união das gangues pretendida pelo líder de outro grupo.
Mas as galeras não podem ser consideradas iguais às gangues. Alba Zaluar, em seu
estudo sobre “Gangues, Galeras e Quadrilhas: globalização, juventude e violência”,
pesquisando as galeras e gangues do Rio de Janeiro dos anos 1990, chama a atenção
para o caráter ressignificado e recriado dos grupos de gangues em território e cultura
brasileiros. Ela sugere que, apesar destes jovens terem readaptado localmente as práticas
das gangues estadunidenses que viam nos filmes, nesse processo alguns traços típicos
das gangues americanas foram “ressaltados”, outros “apagados” e outros, ainda, foram
totalmente inventados.55
Portanto, para entender o desenvolvimento das galeras em Manaus e dos jovens
que as integraram, será necessário entender o desenvolvimento dos jovens que fizeram
parte de gangues ao longo do século XIX e XX, principalmente nos Estados Unidos,
54 - Ibidem, p. 274.
55 - ZALUAR, Alba. Gangues, Galeras e Quadrilhas: globalização, juventude e violência. In: VIANNA,
Hermano (Org.). Galeras Cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: UFRJ,
1997, p. 50-51.
39
Paris, Londres e em alguns países latino-americanos, como El Salvador e México.
Sociólogos, antropólogos, periódicos e outros historiadores entrarão em uma
nova lista de fontes que discursaram e produziram imagens e representações em torno
da figura desses grupos e desses jovens. O Brasil não ficou de fora desse fenômeno das
galeras e gangues que inquietaram as autoridades e deram uma oportunidade para que
muitos jovens se sentissem pertencentes a algo maior do que eles, sem que
necessariamente tivessem que lutar contra a ditadura militar ou pintar o rosto e desfilar
pelas ruas das cidades do Brasil em protesto contra a corrupção do governo Collor de
Mello. Isso não quer dizer que sua atuação dentro dos grupos de galeras deva ser
considerada engajada politicamente e socialmente direcionada para fins positivos. Mas
suas transgressões ajudaram a produzir debates em torno dos jovens delinquentes em
geral e em Manaus, e foram alvo de uma verdadeira cruzada anti-galera empreendida
por populares, forças policiais, poder judiciário, funcionários do Conselho Tutelar e
líderes comunitários, principalmente a partir de 1990 e ao longo de toda esta década.
As galeras de Manaus devem ser entendidas também em função dos laços de
amizade que têm um grande potencial de unir os jovens; do advento da Zona Franca de
Manaus, a partir dos anos 1960; da exibição de um filme de gangues chamado The
Warriors (no Brasil, Selvagens da Noite), exibido nos cinemas em 1979; em função do 28
surgimento e sucesso das discotecas em Manaus; do período propenso aos
agrupamentos juvenis mais ou menos numerosos e mais ou menos agressivos, pois os
jovens faziam um uso da rua e das danceterias mais frequente do que se fez depois.
Além disso, não haviam as tecnologias pessoais – a não ser, no máximo, um walkman
ou mini-game – que possibilitam, hoje, o auto-isolamento, nem tantas livrarias,
universidades e shopping-centers (o Amazonas Shopping só foi inaugurado em 1991).
Por conta desse contexto, a rua e os amigos da rua constituíam o local e a turma
privilegiados para se divertir e se sentir “na moda”.
Quando comparados aos jovens que integraram bandos ao longo da história
Antiga, Medieval e Moderna, os jovens integrantes das galeras têm seus traços bem
definidos e que merecem ser bem diferenciados, mesmo que algumas características,
motivações, funções e objetivos sejam semelhantes e até possam confundir o estudioso
em um primeiro momento.
De auxiliares e representantes dos adultos e de suas comunidades, de protetores
40
da moral sexual e dos costumes da coletividade, de pessoas que não se distinguiam tanto
de seus pares mais velhos – a não ser pelo tamanho e por serem, ainda, tutelados –, os
jovens transgressores foram se tornando cada vez mais enquadrados pelas sociedades
altamente racionalizadas, industrializadas e segmentadas, o que reflete o próprio
processo de especialização das profissões, das funções sociais do indivíduo, da cultura e
das idades da vida.
41
1.1 As galeras e galerosos como consequência dos sentimentos de amizade e de
pertencimento aos bairros de residência
Como e por que os jovens se tornavam amigos de rapazes e moças que
pertenciam a grupos de galeras? Na epígrafe desta dissertação, extraída de um
diálogo do filme Rumble Fish – que no Brasil recebeu o nome de O Selvagem da
Motocicleta, estrelado por Matt Dillon e Mickey Rourke –, pode-se ler que o
combustível responsável pela existência das gangues era a amizade. É claro que estamos
falando de gangues que foram dramatizadas em um filme que, por sua vez, foram
adaptadas para o cinema a partir de um texto de uma escritora de Oklahoma que escreve
nas décadas de 1960 e 70. Mas seu texto não é oriundo de pesquisa acadêmica, e sim
uma literatura infanto-juvenil voltada para uma juventude até então pouco enfatizada
nos livros sobre as turmas de jovens. Suzan Eloise Hinton, a autora, fez um relativo
sucesso com seus primeiros trabalhos porque se concentrou não na juventude dourada
dos Estados Unidos da época, cujos representantes seriam os jovens promissores das
classes média e alta vivendo em um “estreito mundo dos bailes escolares”, mas nos
jovens das classes baixas beberrões, briguentos e com poucas perspectivas sociais se
comparados aos primeiros. Com isso, acabou criando “um outro universo, onde não há
pais nem autoridades adultas, um lugar onde os garotos vivem segundo suas próprias
regras”.56
Trinta anos depois, a premissa fundamental levantada por Hinton de que seria
um sentimento humano tão simples, apesar de complexo, como a amizade, o principal
fator de atração e união desses jovens, continuava atual na época das galeras de Manaus.
A energia de que fala Rusty-James, a personagem principal da história e a que
mais passa por um processo de transformação ao longo da trama, também foi lembrada
como um fator muito significativo por praticamente todos os colaboradores da pesquisa
que concederam entrevista, apesar de nenhum usar essa expressão para se referir a esse
tipo de interação vivaz quando se lembraram dos jovens das galeras de Manaus.
O respeito, outro termo que se destaca no diálogo, já que esclarece porque a
personagem que foi o chefe da gangue não teve a cabeça estourada, é outro elemento
importante que também foi exaustivamente rememorado pelos entrevistados, sobretudo
os que foram galerosos. 29
56 – HINTON, Susan E. O Selvagem da Motocicleta. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 123.
42
Vício, que o Garoto da Motocicleta relembra ao ser interpelado por Esteve,
completa a lista dos fatores mais relevantes para aquele jovem que havia sido membro
da gangue.
Portanto, amizade, energia, respeito e vício. Quatro sentimentos que merecem
ser explorados com mais detalhes, pois tais sentimentos foram muito destacados por
todos os colaboradores.
Assim, nos valeremos agora das memórias desses colaboradores para tentar
entender esse processo de busca e manutenção tanto das amizades dentro de um grupo
de galera, quanto dessa energia, desse respeito e desse vício conquistados, mantidos
e/ou perdidos dentro dessas turmas.
No contexto histórico das galeras estavam ausentes várias das tecnologias que
hoje “facilitam” a nossa vida, mas não incentivam os jovens a ir para a rua para forjar
nela suas experiências de vida. Naquele momento não havia computadores, celulares,
dvds e os vídeo-cassetes e vídeo-games eram utensílios acessíveis principalmente às
pessoas de classe média e alta. Portanto, praticamente só restava aos jovens das classes
baixas, de Manaus e de outros lugares, o convívio com os amigos da rua, da vizinhança
e do bairro, como comenta Maicon:
Marcos – Você acha que havia opções de lazer nos bairros para os jovens?
Maicon – Olha, as opções eram escassas. As opções eram escassas. Nós não
tínhamos celular, não tínhamos computador, não tínhamos nada disso aí.
Então, era brincar de patinete, entendeu? Soltar papagaio, soltar papagaio...
Marcos – Bolinha de gude!
Maicon – Bolinha de gude, peão, era o que a gente tinha na época, entendeu,
e o ponto principal, como todo mundo era jovem, a maioria, hoje, que nós
somos pais, éramos jovens na época, e era muita gente, entendeu? Então,
todo lugar sê tinha aqueles quinze, vinte jovens, entendeu, de cada bairro.
Então era aquilo, quando se juntava num tinha jeito, virou moda. Cada bairro
queria ter sua galera. Cada bairro queria ter seu território. Virou moda, moda,
toda Manaus criou isso. Virou uma moda tão grande. E o ponto principal:
algumas zonas eram “Selvagem”, e algumas zonas eram “Anjos Malditos”. E
quando chegava no Centro, era obrigatório se juntar, pra ser um grupo só, que
era o grupo principal.57
30
57 – Maicon Costa, em entrevista concedida em 22/11/2014. Foi membro da galera “Selvagem” de 1986
até 1990.
43
Eram nesses locais e com essas pessoas que se davam, muitas vezes, as relações
mais intensas e significativas, onde um jovem que não tinha motivo para ficar em casa –
devido aos pais não o respeitarem ou não terem condições de lhe alimentar e entreter
como ele gostaria – se integrava a toda uma rede de sociabilidade forjada por ele e pelos
outros amigos e conhecidos do “bando”.58
Assim, era construída uma relação de
lealdade e reciprocidade que esse jovem, na maioria das vezes, não encontrava em
nenhum outro lugar, às vezes nem mesmo na escola, mesmo esta também se
localizando, na maioria das vezes, no bairro. Porque se por um lado, vários dos
membros de galeras eram versáteis o bastante para, ao mesmo tempo, fazer parte de um
grupo que se reunia para sair, perambular, brigar, roubar, usar droga e ainda estudar, por
outro lado, muitos dos jovens que formavam esses grupos não estudavam, embora
frequentassem, a maioria, alguma escola para usar esse espaço como uma extensão do
território pertencente à galera.59
Desde pelo menos o século XVIII, tem-se construído uma noção de amizade que
diz respeito somente aos jovens e tenta fugir das prescrições dos mestres e preceptores.
Esta noção de amizade seria do tipo clandestina, sendo formada pelos jovens e por “seus
ritos e seus segredos, suas escapadas e juras”. Também é a partir deste século que
Diderot explica que o jovem se diferencia por “ter um coração novo, vitalidade, um
entusiasmo intacto, uma alegria de realizar [...]”.60
Comentando estas lealdades e vínculos amicais de duzentos anos atrás, Anne
Vincent-Buffault assim escreve:
A amizade torna-se um rito de passagem, a tal ponto os dois sexos ocupam
esferas distintas. Somente ela é capaz de ocupar a alma desses jovens à
espera do amor, de canalizar esse excesso de energia e de emoção. A lenta
saída da infância deve começar por essa busca semi-extasiada, 31
semitranstornada de um eu, que o encontro com o amigo favorece, para
reordenar um caos íntimo segundo o modo da semelhança, do jogo de
espelho e da imitação. Não há, portanto, nenhuma hesitação em se entregar às
amizades íntimas, nem reserva em relatá-las retrospectivamente: a amizade
58 – Jornal A Crítica, 08/01/1990, p. Opinião. Matéria “Galera”: um problema social, escrita por Flávio
Lauria Ferreira. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas; LAFONT, Hubert. As turmas de
jovens. In: ARIÈS, Phillippe e BéJIN, André (Orgs.). Sexualidades Ocidentais. São Paulo: Brasiliense,
1985, p. 197-198.
59 – GUIMARÃES, Eloísa. Escola, galeras e narcotráfico. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998.
60 – VINCENT-BUFFAULT, Anne. Da Amizade: uma história do exercício da amizade nos séculos
XVIII e XIX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 103-104.
44
apaixonada da adolescência preside a vínculos duradouros.61
Por meio das memórias de Maicon, novamente podemos tentar entender esse
“jogo de espelho e da imitação” das atitudes dos amigos de que fala Anne, bem como a
paixão derivada dessa amizade que estabelece “vínculos duradouros” e a entrega total a
esse vínculo:
Marcos – E quando já fazia parte da galera. Havia alguma pressão para que a
pessoa praticasse tudo o que os outros praticavam, incluindo as brigas, as
festas, o consumo de bebidas ou drogas, ou não havia essa pressão?
Maicon – Olha, pra ti falar a verdade. Nem precisava. Já... A pessoa já se
entusiasmava em tá junto. Já virou um vício, virou um vício, você queria tá
junto da turma. Tanto que, praticamente, nós távamos juntos quase todos os
dias. Final de semana, sábado, Bancrévea. Domingo na Ponta Negra. À noite,
de novo: discoteca mais uma vez. Na segunda ia todo mundo pra Praça da
Matriz. Virou um vício. Se um fizesse, todo mundo ia no bolo. Criou um
vício. Todo mundo queria fazer o que o líder fazia. Todo mundo queria se
espelhar no líder principal. Naquela época, pra gente, eles pareciam super-
heróis. A polícia chegava eles corriam de bala, os cara atirava não pegava.
Diziam que tinham corpo fechado. E pra gente aquilo chega brilhava nos
olhos, a gente via brilhar nos olhos de alguns, sabe, idolatria, idolatria
mesmo, dizer: “eu quero ser igual esse cara”. O cara era bom de briga, o cara
só andava com mais de quatro mulheres e meninas bonitas. Sabe? Tinha um
papo interessante, um papo assim, fora do comum, sabe, um papo que você
queria ter. Então, praticamente era idolatria, idolatria mesmo.
E ainda:
Marcos – O que unia os membros de uma galera?
[...]
Maicon – O que unia mesmo? A fidelidade. Existia uma irmandade mesmo.
Porque você sabia, você podia ter noção. Que não iam te abandonar. Você não
ia ficar só. Isso é uma realidade tanto que, quinta-feira, agora no feriado, teve
o aniversário do marido da nossa amiga Punk. A minha amiga Punk. E você
chegar lá e reencontrar toda aquela turma, de novo. E os abraços
32continuam os mesmos, as histórias, os sorrisos, o dia de você se arrepiar em
61 – Ibidem, p. 118-119.
45
encontrar de novo aquele amigo. Ó, eu me arrepio em falar. Sabe? Então era
uma fidelidade, era uma irmandade que existia realidade, existia amor.
Apesar de tudo existia amor um pelo outro. Era o que nos unia. Saber que
você tinha uma confiança em mim e eu tinha em você. É isso que nos unia.
Que nós podia fazer a coisa certa ou errada, mas pagava todo mundo junto.
Sobre a ausência de reserva ao relatar retrospectivamente essas amizades
apaixonadas da adolescência, Maicon, mais uma vez, rememora e conta emocionado
suas experiências de quando era membro da galera “Selvagem”:
Marcos – Você gostava de ser de galera? Por quê?
Maicon – (Risos) Cara, eu gostava! Sinceramente, eu gostava. Apesar das
brigas, tirando a parte ruim, tinha muita parte boa. Me formei homem ali
dentro. Me formei homem. Formei chefe de família vendo aquelas coisas
ruim. Peguei as coisas ruins e transformei em coisas boas. E procurava passar
isso pra quem tava do meu lado. Sabe? Muitos amigos, como disse pra você...
[...] Morei com a Punk. E você vê... Ninguém trabalhava. E saía um prali, de
repente tinha um rapaz que saía com um pouco de farinha, outro vinha com
arroz... Num era pouco. Ia nas suas casas, trazia alguma coisa, pedia da mãe,
do pai, juntava aquilo ali, fazia de pouquinho, repartia pra vinte. Ficava todo
mundo feliz, cara. Tanto que, acho que você tá percebendo que, o que eu tô
contando, eles contaram, há um brilho no olhar quando conta isso. Sabe? Há
uma sinceridade. Porque era gostoso. Isso tem até hoje. E fica as parte ruins,
daqueles que não souberam seguir. Infelizmente, muitos se perderam, muitos
morreram, muitos... Sabe? Não estão mais entre a gente. Muita coisa que...
Desandou mesmo.
Vê-se que o vício, a fidelidade aos amigos e a solidariedade tornava esses jovens
irmãos, cúmplices, ao ponto de Maicon ser capaz de dizer que mesmo hoje “os abraços
continuam os mesmos, as histórias, os sorrisos, o dia de você se arrepiar em encontrar
de novo aquele amigo. Ó, eu me arrepio em falar. Sabe?” Na qualidade de pesquisador e
antigo frequentador de algumas discotecas de Manaus, tenho frequentado assiduamente
muitas das atuais festas de Flash Back, sobretudo as promovidas pelo DJ Raidi Rebello
ou por pessoas ligadas ao seu fanclube. Nestas festas e devido ao meu envolvimento
com os colaboradores, tenho conhecido muitas pessoas que foram integrantes de galeras
e ainda mantêm suas amizades com outros antigos integrantes. Maicon e Cláudia
“Punk” são o exemplo mais claro disso, pois se conhecem a mais ou menos trinta anos,
46
mas continuam solidários um com o outro e muito amigos. Quando, por exemplo, um
deles promove alguma festa, seja para comemorar o aniversário de um amigo, o
nascimento de um novo filho ou para ajudar alguém em uma festa beneficente, é quase
certo que ambos não só se encontrem no evento, mas se ajudem para realizá-lo.
Cláudia, também chamada de Punk e ex-líder da ala feminina da galera
“Selvagem”, também lembrou desse respeito, dessa fidelidade, desse vício e dessa
solidariedade manifestados através da imitação, ao dizer que:
Marcos – Por que as galeras brigavam?
Cláudia – Olha. Eu acho que era porque... Querer mesmo, assim, fazer parte
de um grupo. Surgiu esses dois grupos e você... Era tão falado, sabe? Pra
você entrar, você era respeitada, sabe? Tinha um respeito. Você chegava em
qualquer bairro, “ah, é da Selvagem”, tinha aquele respeito, num é? Aquela
consideração, aquele respeito, ninguém te tocava. Então, todos queriam fazer
parte. Pra quando chegasse dentro do Bancrévea, ser respeitada né, ser
considerada né, no meio dos chefões, que era difícil. Quem não era do grupo
era excluído mesmo. Então, todo mundo queria fazer parte, porque todos
andavam igual, todos dançavam igual, sabe? Era uma coisa, assim, que
naquela época, a gente tinha vontade, mesmo, de fazer parte. Acho que toda
jovem daquele tempo queria fazer parte de uma gangue.62
Essa “afinidade dos amigos inseparáveis”, como explica Anne Vincent-Buffault,
citando o romance Louis Lambert, de Balzac, se expressa, é verdade, por meio dessa
divisão dos bens, feita de modo fraternal, e também através desse “pacto de aliança
ofensivo e defensivo”.63
De fato, tanto Maicon quanto Cláudia falam da quase
obrigatoriedade de pertencer a um grupo desses, sob o risco de ser marginalizado e
sofrer com essa exclusão. Cláudia “Punk” lembra que “Quem não era do grupo era
excluído mesmo”, ao passo que Maicon comenta que “[...] era obrigatório se juntar, pra
ser um grupo só [...]”. Também Raidi Rebello se expressou mais ou menos dessa forma
ao falar das galeras: 33
[...] Você tinha que pertencer a um dos grupos pra que você se sentisse
62 – Cláudia “Punk”, em entrevista concedida em 30/07/2014. Foi integrante da galera “Selvagem” da
segunda metade da década de 1980 até a primeira dos anos 1990.
63 - VINCENT-BUFFAULT, Anne. Da Amizade: uma história do exercício da amizade nos séculos
XVIII e XIX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p.126.
47
protegido. Quando você saía à noite, quando você voltava pra casa, né? Se
você fosse apontado por um grupo qualquer, como membro de um outro
grupo, sê tinha que sair correndo. Não dava nem tempo de explicar. Então,
isso criou uma divisão de grupos [...].64
Proteção para se defender de galeras rivais mas, também, para atacar inimigos
em potencial. Eis também um dos motivos que levava os jovens de trinta ou vinte anos
atrás a se agruparem em torno de uma galera. Sheila “Guerreira” relembra uma de suas
experiências quando era galerosa da seguinte maneira:
[...] Toda vez que eu chegava aí no Bancrévea, todo final de semana que eu
chegava, que eu ia pro banheiro lá embaixo, na quadra... Que a quadra era
“Anjos Malditos” e lá em cima era a “Selvagem”, no Bancrévea. Toda vez
que eu ia no banheiro, encontrava uma menina lá, com cabelo grandão, que
era lá da Praça 14. Chamavam ela de “Lobona”. Ela vestia um blusão, um
saião. Eu chegava lá, ela espancava as meninas. Pra dá dinheiro, pra
extorquir, [...] comprar lanche pra ela, comprar essas coisas. Então, [...] todo
final de semana [...] eu via aquela putaria, né? Dela dar nas meninas exigir
dinheiro das meninas, ela pegava panela, num sei da onde saia aquelas
panela, que ela dava na cabeça das meninas, tei, tei, tei...
Marcos – Dentro da danceteria?
Sheila – Dentro lá do banheiro da danceteria, lá embaixo.
Marcos – No Bancrévea?
Sheila – No Bancrévea. Só que elas tinham medo e num falavam nada. Só
que teve um sábado que eu peguei, entrei no banheiro, ela perguntou: “o quê
que tu quer?” Eu disse assim: “nada”. Ela disse: “sabia que eu te admiro, e
tal”. Também não falei nada. Aí ela pegou, eu vi aquela putaria. Eu vi ela
espancando duas amigas minha. Aquilo me enfureceu. Eu peguei ela – o
cabelo dela era grande – enrolei minha mão no cabelo dela, saí, só fiz assim,
puxei ela. Eu era seca. Num sei da onde eu criei força. Saí puxando ela até lá
no meio da quadra. Peguei, meti meu pé na garganta dela, saí dando. Dei, dei,
dei, dei, dei, dei nela. “Isso é pra você nunca mais extorquir”. Eu rasguei a
34
64 – Raidi Rebello, em entrevista concedida em 29/07/2014. DJ, radialista e empresário, segundo ele, foi
o primeiro a levar a dance music (música para dançar) aos jovens de baixa renda de Manaus, ajudando a
massificar a cultura da discoteca não só na capital, mas no interior do Amazonas. Após ter sido DJ no
Tropical Hotel, tocou no Cheik Clube (1985/86 até 1994), e depois no Bancrévea Clube (1988 à 1998).
Nestas duas últimas, ao contrário de algumas outras danceterias nas quais tocava esse estilo de música, o
ingresso era acessível aos jovens de classe baixa.
48
roupa dela. Eu sei que nesse dia, espalhou, assim, [...] lá na quadra,
queriam me, tipo assim, pra num deixar ninguém chegar perto de mim, né?
Pra dar uma lição nela, mesmo. Rasguei a roupa lá, queriam dar roupa pra
ela, eu disse: “ninguém dá roupa pra ela, ela vai sair assim”.
Marcos – Como é que ela saiu?
Sheila – Nua... Só de sutiã, [...] toda rasgada. [...] Ela passou acho que um
mês, ela voltou, eu já tava no comando, já. Foi quando a “Selvagem” brigava,
ainda, pra quem ia ficar comigo. Eu fiquei pro lado da “Selvagem”.
Marcos – Essa moça, essa garota, ela era de qual? Da “Anjos Malditos”?
Sheila – Não sei, nesse tempo eu não sei. [...] Só sei que eu dei nela. Então,
todas essas meninas que apanharam dela ficaram super minha amiga,
entendeu? Então, quando eu chegava aqui no Bancrévea, eu tinha meu
ingresso, que elas compravam. Eu tinha cerveja, tinha lanche. Mas eu nunca
meti uma faca, nunca dei um tapa nessas meninas. Entendeu? Eu conquistei a
amizade de cada um [uma] da gangue. Eu, num foi preciso eu espancar, num
foi preciso eu fazer isso, eu num mandava elas brigar. Se elas viam eu brigar,
elas tavam no meio, entendeu? [...] Eu fui muito instruída. Eu ia muito pela
mente dos mais velhos.65
Aqui, como nos demais relatos dos entrevistados, exceto no de Raidi, é possível
perceber que a busca por esse respeito e por essa proteção, para construir e manter uma
rede de segurança em volta de si mesmo e do grupo passava, inevitavelmente, pela
aprovação dos demais da turma que eram favorecidos pelas ações dos integrantes da
galera. Proteger e ajudar para ser protegido e ajudado em caso de necessidade.
Para Anne Vincent-Buffault, nessas amizades, ocorre um “aprofundamento das
relações entre semelhantes segundo o modelo familiar da intimidade. [...] O amigo ou
amiga torna-se o irmão ou a irmã que se escolhe.”66
Às vezes, a turma de galera podia se
comportar como uma família mais ou menos bem sucedida, ao ponto de até substituir a
família nuclear, como conta Cláudia:
Marcos – Você gostava de ser de galera? Por quê?
Cláudia – Porque eu tinha na galera o que eu não tinha em casa. Carinho,
admiração, cuidado, né? E na minha casa eu não tinha isso. Eu me sentia
melhor na rua do que em casa.
65 – Sheila “Guerreira”, em entrevista concedida em 30/07/2014. Foi integrante da galera “Selvagem” de
1983/84 até 1993.
66 - VINCENT-BUFFAULT, Anne. Da Amizade: uma história do exercício da amizade nos séculos
XVIII e XIX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 120-121.
49
Mas isso só ocorre quando os amigos já se conhecem e confiam um no outro.
Caso contrário, é necessário testar o novato de alguma forma. Nas galeras,
esses testes frequentemente envolviam alguma forma de violência física. Ou
alguém da turma era escolhido para brigar com o novato, ou este tinha que
passar por uma breve sessão de espancamento, para demonstrar que
aguentava “porrada”. Maicon lembrou que teve que brigar com Peteleco, um
membro mais antigo da galera “Selvagem” que sabia lutar capoeira e hoje em
dia, segundo ele, é professor desta arte marcial. Já Cláudia comentou que
para entrar na “Selvagem” das mulheres, as pretendentes “tinham que provar
que sabiam brigar meia hora [...]. Ela pegava peia de todo mundo (risos). Se
ela aguentasse, ela ficava. Se não, ela não ficaria não.”
Ainda frisando a busca por respeito, que ajudava a construir toda uma reputação
tanto dentro de uma galera quanto fora dela, os seguintes trechos de Maicon, Cláudia,
Sheila e Medroso são de grande esclarecimento:
Meu primeiro toque de cachaça foi na Ponta Negra. Porque eu vi todo mundo
tomando. E meu pai era cachaceiro de primeira. Meu pai morreu de cirrose.
Meu pai tomava cachaça pura, tirando gosto com cachaça. Mas nunca me
mandou ir na taberna comprar uma garrafa de cachaça pra ele. Isso eu trago
pros meus filhos. Eu num mando meus filhos pegar uma cerveja pra mim, eu
num mando eles comprarem bebida pra mim. Eu não faço isso. Pelo menos
essa índole do meu pai eu trouxe. Eu trouxe, e carreguei comigo. Entendeu?
Eu via meu pai se encachaçar, e vi meu pai morrer... Por causa da cachaça.
Sabe? E dentro da galera eu fui tomar cachaça. Por quê? Porque contagia.
Contagiava. Sê tava lá, te contagiava. “Os caras tão tomando cachaça, fica do
lado!” Pra te mostrar que tu era bom, sê ia tomar também.
Marcos – Você se sentia protegido e respeitado por fazer parte da galera? Por
quê?
Maicon – Bem, logo no início não. Assim que eu entrei, não. Fui obrigado a
brigar na galera pra poder entrar, fazer parte né, da galera, eu tive que brigar
com o líder. Inclusive levei pau, apanhei dos principais, inclusive que hoje é
professor de capoeira, e ele já lutava capoeira na época. Entendeu? E eu
entrei, não me sentia protegido. Eu fui pra me sentir protegido, mas logo no
início, durante o primeiro ano, sabe? Eu me sentia totalmente, um cara com
medo, com medo mesmo, de a qualquer momento sabe, ser assassinado, lavar
um... Ser aleijado, coisa parecida, mas logo depois eu comecei a criar
proteção e criei uma identidade muito forte com os líderes do grupo.
50
Inclusive que eu ensinei eles a dançar break, que foi aquela troca pra poder-
me ser um cara colocado, de alto respeito no grupo.
[...] Você aprendia a brigar na rua. Era isso que a gente idolatrava nos
principais. Que eles eram bons de briga.
Marcos – Eu acho que, também, já era um conflito de gerações, né, assim.
Havia um pessoal mais velho e um pessoal mais jovem [Maicon confirma,
dizendo, “é”]...
Maicon – Também, também. O galeroso queria aquele respeito, e os jovens já
não queriam mais respeitar os antigos “ah, tá velho, não se garante mais”. E
houve esses confrontos. Você tocou num ponto, também, muito importante.
“Ah, tá velho, ah, naquela época... Tu te garante pra mim”, tinha tudo isso
também, entendeu?
Os relatos de Cláudia mais significativos quanto a isso são esses:
Marcos – Você se sentia protegida e respeitada por fazer parte de uma galera?
Por quê?
Cláudia – Muito. Porque, é, eu via eles nos jornais, sério mesmo. Como,
vários tipos de, né? Posso falar? Assassino, estuprador, mas como a gente
conhecia, e a nossa situação era... A estrutura familiar em casa era a mesma
deles, porque a gente saiu de casa porque não tinha uma estrutura familiar,
mas a gente tinha esse ângulo ruim, né? Então, a partir do momento que a
gente... Eu fui pra andar com esse grupo, eu me sentia superprotegida.
Marcos – A experiência de ter sido de galera te trouxe algum benefício? Por
quê?
Cláudia – Numa parte sim. Eu aprendi muito, né? Não me arrependo mas,
assim, é, tudo que eu passei serviu de lição pra hoje, pros meus filhos, pra
mim mesma, né? Não me arrependo não, porque lá dentro eu tive respeito.
[...] Foi uma escola pra mim [...]. Aprendi a lidar com vários tipos de cabeça,
vários tipos de pessoas, hoje em dia eu respeito cada pessoa, [...] cada opinião
de cada um, eu não julgo ninguém. [...] serviu de lição pra mim não errar com
meus filhos, como minha mãe errou comigo, né? [...]
Marcos – Você ainda tem contato com algum de seus antigos colegas de
galera?
Cláudia – Vários. Até hoje eu não perdi contato com nenhum, eu acho. A
51
gente se comunica muito, todos estão casados, todos mudaram de vida, uns
são professores de capoeira, outros trabalham no Distrito, outros têm
fábricas. [...].
Marcos – Vocês ainda se reúnem pra conversar e sair?
Cláudia – Não todo o grupo, mas a maioria sim. Natal vão lá pra casa, sabe,
algum domingo aparece com a família, pra lá pra casa. Sempre tão em
contato comigo [...]. É uma amizade de mais de 27 anos, é uma coisa muito
gostosa. É como se fosse família mesmo, que eu não tenho família aqui,
então a gente adotou como família.
Marcos – Você chegou a sair de casa?
Cláudia – Saí de casa, morei na rua.
Marcos – Com quantos anos?
Cláudia – Com 17, 16 pra 17. A minha mãe nunca soube. Ela pensava que eu
trabalhava em casa de família [...]. Mas assim, sempre eles tiveram respeito
porque a gente sempre, é, jogou muito limpo com eles [...]. Ter respeito, que
a gente tava na mesma situação que eles tavam, então, diferente das outras
meninas que, se trocavam com eles, pra ter respeito [...]. Até hoje eles têm
muito respeito com a gente por causa disso. Morei na rua mesmo, de passar
fome, de comer, de correr atrás de sobrevivência. Mas assim, sempre com
esse grupo, sempre protegida por eles.
Agora vejamos os relatos de Sheila “Guerreira” também sobre a questão do
respeito:
Marcos – Você se sentia protegida e respeitada por fazer parte da galera? Por
quê?
Sheila – Eu me sentia protegida e respeitada sim. Eles me protegiam de tudo.
De tudo mesmo. De tudo que vinha pra cima de mim, eles me protegiam. E
eu tenho o respeito deles, como até hoje eu tenho, sou reconhecida por
muitos. Naquele tempo eu não namorava, eu não queria saber de namoro,
entendeu? Só era focada na gangue, só era focada na galera, né? Então, eles
me chamavam, tipo assim, de machuda, essas coisas, mas não. É porque era
meu jeito. Eu queria o respeito. O finado Nego Celso, ele me deu uma lição
de moral. Porque muita gente me oferecia droga. Então ele dizia assim pra
mim: “Guerreira! Faça seu nome”. “[...] faça seu nome crescer, faça você ter
respeito”.
Marcos – Como as pessoas entravam pra galera de vocês? Havia alguma
regra, algum ritual, ou qualquer pessoa da vizinhança ou que conhecia
52
alguém do grupo podia entrar?
Sheila – Não. É... Existia aquela regra, né? Só ficava quem aguentasse a
porrada, né? Mas eu nunca cheguei a botar, assim, [...] as meninas pra brigar
não. [...] Teve tempo também que eu já passei por uma de os chefão querer
me bater, porque eu passei pra “Anjo”... Como eu fiquei afim de um rapaz da
“Anjo Maldito”, eu fui pra “Anjo Maldito”. Quando eles souberam, botaram
arma na minha cabeça pra mim voltar de novo. Fazia só uma semana com o
cara, dei tchau e voltei de novo pra “Selvagem” (risos). Aí as duas gangues
ficaram brigando por causa de mim, porque sabiam que eu era boa, que eu
tinha conversa, que eu gostava.
Marcos – Você conseguia perceber, naquela época, que as pessoas que não
eram de galera tinham medo das que eram?
Sheila – Percebia sim. Tinham terror, tinham medo, pavor, tinham umas que
se escondiam, Deus me livre. Antes das duas o pessoal já tava indo embora,
porque sabia que três horas era porrada (risos).
Marcos – Três horas da manhã?
Sheila – É.
Marcos – E como você se sentia com relação a isso?
Sheila – Eu sabia que eu era respeitada, né? Respeitada graças a Deus. Mas,
mas alguns num tinham medo de mim não, chegavam mesmo, né? Mas num
era por medo, era o respeito. Como eu falei que eu fiz meu nome. Eu fiz meu
nome conquistando amizade, num foi induzindo, num foi dando, num foi
espancando, nem botando ninguém na parede. Entendeu? Eu conquistei
amizade de cada um deles. Com amor mesmo [...]. Agora, eu tinha os meus
dias de briga. Que eram os dois dias, que era no sábado e no domingo. Eu
num brigava a semana toda como falavam. Botavam meu nome por aí. Eu fiz
meu nome por causa da galera, não assim, de tá espancando, essas coisas.
Marcos – Você conheceu alguém que saiu porque brigou com os outros
membros da galera? Da mesma galera?
Sheila – Não, não, não, não, não, não. Todos são amigos até hoje.
Marcos – Não. Naquela época, saiu da galera porque teve uma briga, não
necessariamente uma briga física, mas uma discussão, aí saiu da galera por
causa disso?
Sheila – Bem. Eu fui uma, né? [...] eu saí por causa de uma pessoa, tive que
voltar de novo porque não queriam que eu ficasse longe da galera. Tanto que
teve uma reunião aqui que queriam quase me espancar, me linchar aqui na
frente do Cheik. [...] a mulher desse que eu tô tentando me lembrar, é um dos
fundadores da “Selvagem”, disse: “não! Ninguém vai fazer nada com ela,
53
porque ela que me protegeu”, no dia que eu dei nas meninas que queriam
bater nela aqui dentro. Então, desde esse dia, eu fiquei mais respeitada ainda.
O chefão disse: “olha! Ninguém vai bater nela. Ela vai ser a minha
considerada”.
Medroso comentou o seguinte:
[...] na sala de aula, dava medo, porque eles apresentavam perigo pra nós
dentro da sala de aula, uma vez que tinha sempre briga, é, a gente tinha que
ser submisso aos caprichos deles, não podia fazer determinadas coisas porque
no olhar deles, parecia que a gente queria tentar ficar na frente deles. Ao
contrário que eles queriam ficar na frente da gente como se fosse o dono do
pedaço. Isso acontecia, o galeroso, ele não só ficava na frente da galera na
rua, mas ele também tinha o espaço dele dentro da escola, como mandão da
parada.67
O respeito, frequentemente conquistado por meio das lealdades a essas
amizades, também era muito valorizado porque era através dele que uma grande
quantidade de pessoas conseguia se manter unida o bastante ao ponto de até brigarem e
arriscarem suas vidas para se defender e defender seus amigos. No livro Laranja
Mecânica, de Anthony Burgess, publicado em 1962, Alex, o jovem protagonista da
estória, assim descreve as gangues de seu tempo:
Agora, naqueles dias, meus irmãos, os grupos eram, em sua maioria, de
quatro ou cinco, sendo assim autogrupos, porque quatro era um número que
dava certinho num auto, sendo, portanto, seis o limite máximo para o
tamanho das gangues. Às vezes, gangues se juntavam para formar exércitos
malenks [pequenos] para uma grande noite de guerra, mas na maioria das
vezes era melhor circular em número reduzido.68
35
Mas o esquema de quatro ou cinco indivíduos que compunham uma gangue,
dificilmente valia para as galeras de Manaus, simplesmente porque para os galerosos,
quanto mais pessoas eles tivessem como potenciais aliados e amigos transitando pela
67 – Medroso, em entrevista concedida em 18/02/2014. Este rapaz nunca fez parte de galera, mas
conheceu galerosos do bairro Cachoeirinha, onde sempre morou, e viu muitas ações de galeras. Medroso
é um pseudônimo escolhido por ele para preservar seu anonimato.
68 – BURGESS, Anthony. Laranja Mecânica. São Paulo: Aleph, 2012, p. 59.
54
cidade em uma galera melhor, pois a quantidade servia para assustar e intimidar de
antemão qualquer turma ou galera rival. Além disso, os galerosos muito dificilmente
tinham carro e andavam com amigos galerosos dentro de veículos particulares. Seus
principais meios de locomoção eram os ônibus e as próprias pernas, que usavam para
fazer longas caminhadas e dar ou pegar “carreira” de alguma outra galera, ou seja,
correr atrás de alguém, ameaçando com a turma, ou correr de outro grupo para não
serem roubados, espancados ou mortos.
Lembro que havia até uma cantoria que a galera ML (Meninos Loucos), da
Cidade Nova, usava para ressaltar o aspecto numérico das galeras. Quando a música In
the guetto, de David Morales, era tocada pelo DJ, assim eles cantavam, na parte do
refrão: “ML empeso, e nague guetto”, o que queria dizer que eles, os integrantes da ML,
estavam em massa na Spectron, uma das danceterias dos anos 1990 e que cheguei a
frequentar. É possível até fazer uma nova leitura e dizer que eles estavam, todos, no
gueto, literalmente, uma vez que a Spectron dessa época já era frequentada por uma
grande quantidade de jovens membros de galeras, apesar de no início ela ter sido uma
casa mais elitizada e que recebia um outro tipo de público. Portanto, eles estavam na sua
área, no seu território, em casa, como dizem informalmente, embora o termo gueto seja
um conceito sociológico importante, complexo e que possui toda uma historicidade
própria que não convém nem temos a pretensão de discutir aqui.
Medroso, acima, comentou outra característica importante dos jovens membros
de galeras: o respeito e a interação que esses jovens buscavam não só nas ruas e em
lugares e ocasiões mais informais, mas até mesmo dentro das escolas e em lugares e
momentos que exigem uma maior disciplina e formalidade. Ao que parece, desde os
anos 1950 os jovens vêm se separando cada vez mais dos adultos e interagindo menos
com eles, ao mesmo tempo que se aproximam mais uns dos outros e passam mais tempo
juntos, seja na escola ou fora dela. A própria escola, as fraternidades, as festas, os bailes
e o interesse cada vez maior dos jovens em conviver e se comunicar mais com seus
pares, têm representado também uma significativa mudança no universo das pessoas
com pouca idade. Sendo assim, é possível entender porque esses jovens buscam
conquistar e manter respeito e admiração de seus aceclas até dentro desses espaços
geralmente fora de seus domínios.69
Também é por essa época que começam a ser acentuados, dentro do universo
juvenil, o culto à “aparência”, à “popularidade” e aos “atrativos exteriores, como
explica Luisa Passerini.70
55
Carla Coelho de Andrade também enfatiza a solidariedade, a fraternidade, a
lealdade e a fidelidade como noções fundamentais no processo de construção,
manutenção e permanência de uma galera, pois tais noções conferem coesão aos seus
membros e forjam uma identidade e uma reputação tanto ao grupo de galera quanto aos
seus integrantes em nível individual. Citando Glória Maria dos Santos Diógenes, que
escreveu Cartografias da Violência: gangues, galeras e o movimento hip hop, um
trabalho que analisa as galeras e gangues de Fortaleza na década de 1990, Carla
argumenta também que as galeras e gangues da periferia do Distrito Federal surgiram,
como as de Fortaleza, a partir de pequenos grupos de pichadores que evoluíram até se
transformarem em grupos que passaram a praticar outras ações contraventoras, como
assalto, tráfico, roubo e até assassinatos, o que a leva a concluir que tais agrupamentos
não desenvolvem apenas uma atividade, nem seus membros podem, todos, ser
identificados e representados desempenhando somente um papel. E isso porque seus
comportamentos são múltiplos e bem diversificados.71
Sobre a razão de os jovens se envolverem com galeras, Carla Coelho sugere que,
inicialmente, eles se agruparam motivados pela diversão e pelo aspecto lúdico que a
pichação lhes proporcionava, motivação essa que parece ser a mesma entre os jovens de
galeras de Manaus, exceto pelo fato de que nesta cidade a pichação não foi
necessariamente a primeira e principal atividade desenvolvida pelos jovens. Quando
perguntei de Cláudia “Punk” se na galera “Selvagem”, da qual ela fez parte, haviam
pichadores e se a galera pichava, ela respondeu que havia um ou outro, mas era raro. 36
Ainda sobre o aspecto da solidariedade e da fidelidade dos envolvidos em uma
galera, as constatações de Carla Coelho sobre as gangues e galeras do Distrito Federal
coincidem com as testemunhadas pelos colaboradores através das entrevistas. A
antropóloga escreve que a “família da rua” é “uma comunidade emocional que ampara,
apóia e dá proteção em situações nas quais a família de casa não pode intervir, mesmo
porque quase sempre desconhece as inquietações dos jovens”.
Carla Coelho ressalta também que as galeras, como as gangues, são criadas a
partir dos grupos de amigos da quadra, da rua, do bairro ou que estudam na mesma
69 – PASSERINI, Luiza. Juventude, metáfora da mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália
fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In: LEVI, Giovanni e SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.).
História dos Jovens: a época contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 354-355.
70 – Idem, p. 358.
71 – DE ANDRADE, Carla Coelho. Entre Gangues e Galeras: juventude, violência e sociabilidade na
periferia do Distrito Federal. Brasília: Tese produzida para o Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social (UnB), 2007. Disponível na Internet.
56
escola. Isso acontece porque quando alguém é ameaçado ou é vítima de agressão
provocada por algum rapaz ou turma, imediatamente recebe apoio de seus amigos mais
próximos, geralmente do mesmo bairro, rua, quadra ou escola. Apoiada em Albert
Cohen e em seu estudo Delinquent Boys: the culture of gang, de 1955, a autora
argumenta também que os jovens ingressam nas gangues para “encontrar resposta para
suas necessidades básicas, como o sentimento de pertencimento, de identidade, auto-
estima e proteção”, já que de acordo com essa leitura, há uma busca por satisfação das
““necessidades sócio-emocionais” que, não satisfeitas pelo primeiro grupo de
referência, podem ser supridas pelo grupo de pertencimento.”
Esse grupo de pertencimento, no entanto, não diz respeito somente a essa
“comunidade emocional” e a essa “família da rua”. Tem a ver também com o
pertencimento ao bairro. Este, por não proporcionar muitas alternativas de diversão e de
integração social aos jovens em função de, muitas vezes, serem de periferia e se
encontrarem sem as estruturas urbanas e capitais simbólicos ideias para que o morador
se sinta como um cidadão pleno, pode levar também seus jovens a se unir para
conquistar novos espaços de atuação. A ideia é, quase sempre, chamar a atenção para si
e extrapolar o limite do bairro, no qual estão situados apenas por uma questão de
residência, mas não de existência. Assim, o sentimento de que são excluídos do resto da
cidade perpassa a existência desses jovens, que passam a sair de seus bairros em busca
de outras emoções, experiências e diversões, apesar de sempre fazerem alusão aos seus
bairros ou ruas quando executam suas atividades e desenvolvem seu lazer.
No livro Rumble Fish – no Brasil, O Selvagem da Motocicleta –, de Susan E.
Hinton, há dois trechos muito significativos em que a autora problematiza, de forma
quase poética, essa questão das poucas opções para os jovens e da inevitável
territorialização deles nos bairros de residência:
[...] Eu já estava no centro da cidade, na zona, cheia de gente, de barulho e de luzes, e
dava pra sentir a energia que vinha de tudo [...].
– Por aqui tudo é legal [...].
– Quer dizer, as luzes. Detesto o nosso bairro. Não tem cor nenhuma.72
Por que cada um está num aquário separado? – perguntei. – Nunca vi nenhuma loja
botar cada peixe num aquário.
57
– São peixes de briga – o Motoqueiro falou. – Se eles pudessem, um mataria o outro.
[...] O Sr. Dobson [...] falou. – São peixes de briga siameses. Cada um tenta matar o
outro. Se você encostar um espelho no aquário eles se matam, lutando contra o próprio
reflexo.
[...] – Só queria saber se eles fariam a mesma coisa dentro do rio – o Motoqueiro
falou.73
Maicon e Sheila “Guerreira” já se referiram às poucas opções de lazer nos
bairros na época em que foram membros de galera, o que fazia com que muitos jovens,
galerosos ou não, procurassem se divertir indo para as danceterias do Centro, para a
Ponta Negra ou para qualquer outro lugar distante e potencialmente capaz de fornecer
alguma experiência de entretenimento que fosse diferente das que estavam acostumados
a usufruir nos bairros. Mas para compreender o segundo trecho do livro de Susan
Hinton, é necessário conhecer Morte e Vida de Grandes Cidades Americanas, o grande
trabalho da urbanista estadunidense Jane Jacobs. Tratando do problema da insegurança
das ruas das cidades dos Estados Unidos e da liberdade dos cidadãos dentro destas, a
autora comenta que existem basicamente três maneiras de lidar com a insegurança nas
grandes cidades: primeiro, deixando que as cidades permaneçam inseguras e que as
pessoas fiquem abandonadas à própria sorte; segundo, abrigando-se em veículos – tática
que não é 100% eficaz e só pode ser praticada por quem tem automóvel; e terceiro,
criando e cultivando “a instituição do Território”. Segundo Jacobs, foram os próprios
bandos de arruaceiros e membros de gangues de Nova York que estabeleceram, com o
passar do tempo, essa modalidade de viver na cidade. E, além disso, até chegaram a
convencer o Conselho Juvenil daquela cidade a respeitar e se orientar a partir da lógica
espacial das gangues. De acordo com essa lógica:
[...] uma gangue apropria-se de certas ruas e conjuntos habitacionais ou 37
parques – geralmente uma combinação dos três. Os integrantes de outras
gangues não podem entrar nesse Território sem a permissão de seus
proprietários, e se o fizerem correm o risco de ser espancados e enxotados.74
Ao que parece, o Conselho Juvenil aceitou o acordo com as gangues e estas
72 – HINTON, Susan E. O Selvagem da Motocicleta. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 69.
73 – Idem, p. 109-110.
58
concordaram em estabelecer uma trégua para diminuir as brigas e outras confusões
provenientes das guerras de gangues. Como as tréguas estipulavam “o reconhecimento
mútuo das gangues a respeito das fronteiras do Território e um acordo de respeitá-las”,
Jacobs argumenta que a divisão do espaço em áreas restritas, seja a feita por gangues,
pelo Estado ou por construtores particulares que transformam imensas áreas da cidade
em condomínios residenciais fechados e parques privados, acarreta em um aumento real
da insegurança e da segregação, porque leva as pessoas a se acostumarem com as cercas
e as fronteiras, visíveis ou invisíveis.
Trazendo o argumento de Jacobs para o nosso caso das galeras, e lendo o
segundo trecho do livro O Selvagem da Motocicleta, de Susan Hinton, à luz desse
argumento, pode-se inferir que a segregação das pessoas a partir da territorialização de
seus corpos em bairros descontínuos e, às vezes, praticamente desconectados do resto da
cidade, levam ou podem levar a uma busca improvisada pela apropriação das outras
partes da cidade, uma vez que as pessoas e, sobretudo, os jovens, não se deixam isolar
com facilidade. E os jovens “invadirão” os territórios não destinados a eles, seja
penetrando neles com violência através de suas andanças em turmas, fugindo de suas
casas e de seus pais, frequentando festas públicas e privadas nestes outros bairros e
consumindo os bens materiais e simbólicos que toda a cidade tem a oferecer, mas não
oferece voluntária e virtualmente a todos os que a habitam.
É neste sentido que Glória M. S. Diógenes explica o seguinte, ao analisar as
galeras de Fortaleza nos anos 1990:
O território tem a prerrogativa de definir marcas delimitadoras de áreas de domínio mas que atuam,
fundamentalmente, como passaporte de passagem dos jovens “proscritos” para o palco dos espetáculos
iluminados da cultura de massa. Isso porque “produzida industrialmente, distribuída no mercado de
consumo, registrando-se principalmentec no lazer moderno, a cultura de massa se apresenta sob as
mais diversas formas (informações, jogos, por 38
exemplo) mas particularmente sob a forma de espetáculo” (Morin, 1990:
77).75
Os peixes siameses que ficam separados, cada um dentro do próprio aquário,
narrados por Hinton em sua literatura infanto-juvenil, representam os jovens de que fala
Jacobs e Diógenes em seus respectivos estudos. São eles que, por falta de mais espaço e
74 – JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades Americanas. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.
47-49.
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de ter o que fazer, se matam por serem confinados em um espaço tão pequeno e com
poucas opções como geralmente são os bairros de uma grande cidade. Mesmo sendo tão
semelhantes e dependentes como irmãos siameses.
Outra narrativa infanto-juvenil, mas desta vez a que deu origem ao filme que,
por sua vez, foi uma das principais inspirações para que os jovens de Manaus
decidissem se agrupar em turmas semelhantes às gangues que, nesta cidade, receberam
o nome de galeras, merece ter um trecho citado ainda nesta parte do trabalho, pois
revelou-se muito ilustrativa desta sensação de pertencimento e segurança para os jovens
quando se trata de seus bairros de residência. Trata-se de The Warriors ou Os
Guerreiros, em português. O trecho diz o seguinte, já bem no final da estória.
[...] Agora estavam no território deles; tudo tinha uma familiaridade tremenda
e confortante. Conheciam a zona até aos seus confins, seis quarteirões curtos
por quatro quarteirões cumpridos. Eram capazes de os cobrir em pouco
tempo – cada tijolo era sobejamente conhecido, cada marca, cada sinal, [...]
cada esconderijo. Era como conhecer um espaço infinito e libertador de
almas, onde não podia haver verdadeiras ameaças. Não havia tanto espaço no
resto da cidade inteira.76
A última frase, entretanto, é paradoxal, porque dá a entender que apesar de o
bairro ser menor que a cidade e, na realidade, proporcionar menos espaço aos seus
habitantes, o que Sol Yurick quis dizer, e disse muito bem, é que o bairro, por mais
decadente e perigoso que seja, pode também ser capaz de dar uma enorme sensação de
tranquilidade, segurança e familiaridade aos seus moradores, sobretudo se estes são
jovens membros de gangues que acabam de passar a madrugada inteira tentando fugir 39
de outras gangues para não serem surrados ou mortos por elas, e tendo que voltar para o
seu bairro passando por outros bairros, ou seja, pelo território de outras gangues.
É por isso que podemos dizer que pertencer a um bairro ou galera significava
possuir uma referência, um lugar, um território e um grupo que se era obrigado a
defender e honrar, já que isso implicava na manutenção da reputação e da sobrevivência
dos envolvidos e, até, da zona de influência destes, como indicam os trechos a seguir:
Demonstrando a incapacidade de um indivíduo para afirmar sua dignidade,
75 – DIÓGENES, Glória M. S. Cartografias da Cultura e da Violência: gangues, galeras e o movimento
hip-hop. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do
Ceará, Departamento de Ciências Sociais, 1998, p. 36-37.
76 – YURICK, Sol. Os Guerreiros. Lisboa: Caminho Policial, 1989, p. 195.
60
ou seja, para defender a consideração e a posição que almeja manter e sobre
as quais repousa a estima que ele inspira a si mesmo e aos outros, a carência
revela ainda, em filigrana, a inaptidão para proteger aqueles que se encontram
na dependência dele, mulher, filhos, família ou para ser solidário ao grupo
com o qual possui algum vínculo particular. Todos correm o risco de se sujar
de lama por muito tempo, senão para sempre, pela desonra à qual seu pai ou
camarada se expôs.77
Onde os laços segmentais (familiares ou locais) são mais fortes, o que
acontece em bairros populares e vizinhanças pobres, o orgulho e o sentimento
de adesão ao grupo diminuem a pressão social para o controle das emoções
no uso aberto da violência para resolver conflitos.78
Sobre as relações das galeras com seus bairros, assim se expressou Medroso:
Marcos - Você chegou a frequentar, em algum momento, festas ou espaços
públicos que também eram frequentados pelas galeras?
Medroso - Bem, a partir, acho que foi quinze anos, eu cheguei a participar de
shows lá na antiga Super Star. Então, esse ambiente lá, ele era um ambiente
que se encontravam todo tipo de grupos, inclusive esses, é, a galera, né? Lá
na Super Star, que depois passou a ser chamada como Tropical Brega Night,
era um dos locais de reduto desses tipo de galerosos né, eu vou falar assim,
nessa linguagem, mas que esses jovens, eles iam pra divertir, às vezes eles
não queriam que outro determinado grupo tentasse invadir a área deles
porque ali tinham que passar por autorização deles, pra que pudesse. As
galeras, naquela época, eu recordo como se fosse hoje, que quando passavam
lá próximo de casa, é, pra ir lá pro Tropical Brega Night, que antes era a 40
Super Star, esses jovens, eles se concentravam próximo da avenida Tefé com
a Urucará, e esses jovens, eles, pra ir pra esse local né, eles primeiro
esperavam quem ia passar: se era a galera da Vila Mamão, se era a galera...
As galeras mais próximas que eles não gostavam. A galera da Vila Mamão
tinha rivalidade com a galera da Tefé, então eles não podiam se encontrar,
então as brigas rolavam muito na frente de casa, porque era próximo do
Tropical Brega Night, né?
77 – GUILLET, François. O duelo e a defesa da honra viril. In: CORBIN, Alan; COURTINE, Jean-
Jacques; VIGARELLO, Georges (Orgs.). História da Virilidade, Vol. 2, O Triúnfo da Virilidade, O
Século XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p. 103.
78 – ZALUAR, Alba. Gangues, Galeras e Quadrilhas: globalização, juventude e violência. In: VIANNA,
Hermano (Org.). Galeras Cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: UFRJ,
p. 38.
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[...] dava medo, porque eles eram mal visto e tanto é que uma das vezes eu
cheguei a ver aqueles jovenzinhos, novinho, tudo com pedaço de pau na rua,
tudo que tinha próximo deles, pedaço de pau, garrafa, pedra, eles utilizavam
pra tentar se defender da outra e pra não deixar que a outra passasse pela rua
deles [...].
[...] a gente tinha medo porque às vezes eles ameaçavam a gente,
a gente tinha que fazer determinadas coisas que eles queriam. E
essas coisas às vezes era atividades de aula, [...] às vezes era
tipo: “olha vou passar lá na tua rua e vê se tu baixa a tua cabeça
pra mim.” Então, tipo, era como se quizesse mandar na parada.
E isso aconteceu, e dava medo, muito medo.
Marcos - Você chegou a pagar “pedágio”, ou conheceu alguém
que precisou pagar “pedágio”, para passar lá no território de
alguma dessas galeras?
Medroso - Que eu saiba, assim, tinha, tinha rixa de grupos né,
mas pagar “pedágio” assim, eu nunca paguei, porque eu num
saía quase à noite. Mas quando eu saía algumas vezes pra festa,
rolava esse negócio de pagar “pedágio”, rolava. Isso daí é uma
das verdades que rolou, mas era assim, geralmente em bairros
mais pobres né? A Cidade Nova ainda tava crescendo, é, foi
inaugurada naquela época de noventa, ainda tava em fase de
desenvolvimento, mas bairros como, assim, próximo da zona
Sul, e naquela época atrás, hoje em dia a gente olha pelos
corredores dos igarapés de Manaus né, que geralmente era tudo
concentrado no centro. A maioria das galeras viviam nesse tipo
de ambiente, mas ao mesmo tempo, como eu já tinha falado,
tinha aqueles que tinha uma classe social bem, mas que se sentia
bem ali no grupo. Eu, em termo de “pedágio” assim, rolou sim,
que eu soube, mas eu não cheguei a ver, mas que rolava, rolava,
porque meus amigos comentavam isso. Mas não era todas. Não
podemos generalizar, mas que rolava.
62
Eles andavam em grupo, então eles queriam mandar em
território [...].
Marcos - Você chegou a conhecer algum galeroso, assim, de
forma mais íntima?
Medroso - Não porque eu tinha medo, eu evitava se aproximar
deles, porque, assim, eu acho que era muito arriscado naquela
época, como nossos pais já orientavam: “não fica perto desses
grupos porque eles são violentos.” E, às vezes, de manhã, agente
só via o resultado na rua né, lá da Cachoeirinha, de pedaço de
vidro, pedaço de pau, os comentários dos vizinhos passando,
mas por quê, porque os caras é, num queriam que os outros
grupos passassem. Lá na nossa rua, na Urucará, tinha a galera da
Kaxuxa, mais em cima, então, tinha o grupo da Tefé, mais em
baixo, e o grupo da Tefé era o que comandava, segundo os
jovens, né, daquela região, comandava a frente ali da, da
danceteria, então vinha outros grupos de fora, só que eles
tentavam evitar que eles entrassem no grupo, mas, assim, tentar
evitar de invadir, tipo assim: “Não, aqui a gente manda.” Eles
tinham tipo que ser submisso às ideias deles, aos caprichos
deles. Não podiam passar.
Marcos - Mas eles frequentavam mesmo assim, quando eles iam
lá, assim, sem provocar confusão?
Medroso - Frequentava mermo! Eles tinha uns que se aliavam.
Quando se aliavam, o risco de ter briga era pouco. Mas quando
tinha, eles se sentavam num canto, sentado tudo amontoado,
assim, próximo, ninguém dava nada, mas os paus tudo a uma
distância que tivesse ao alcance deles. Quando a galera passava,
eles já fechavam. Eram organizados. Se eu disser que não eram
organizados eu tô mentindo. Eles eram tudo organizado.
Eles queriam mostrar pra sociedade, tanto é que eles pichavam
os muro das parede pra demarcar território, mas por quê, porque
63
eles tinham conceito, eles criavam conceito [...].
[...] um tempo atrás, era muito forte a coisa. Tanto é que quando
dava o horário das sete horas da noite, a família da gente já
mandava logo a gente entrar, porque já tava dando o horário, já
tava se concentrando pra passar. E quando passava era porrada
mesmo. Era pedaço de pau rolando, era pedra em quem tivesse
perto, se tivesse um sapato bom eles roubavam. E assim vai. Era
rixa. Era uma rixa terrível.
Marcos - Você chegou a presenciar brigas entre galerosos?
Medroso - Vi, lá na frente de casa, rolou muito mesmo. Primeiro
que era na porta do Tropical Brega Night, antiga Super Star. Lá,
ixi, o caso era muito sério. Eu recordo que lá perto de casa,
quase na beirada da Tefé com a Urucará, os meninos deixava
todos os paus organizados porque, tipo assim, cada um tinha a
sua tarefa dentro da galera. Tinha aqueles que ficavam
espionando pra ver se a galera vinha lá longe, enquanto eles
davam sinais pra esse, dizendo: “olha, lá vem a galera.” Mas
eles acenavam meio de mímica, gesto, que tava se aproximando.
Então, o que ficava responsável pelos “equipamentos”, entre
aspas, pelas pedras, pelos pedaços de pau, pelos objetos que,
garrafa, sempre tinha um que colocava no cantinho, deixava
arrumado e já avisava pros outros, enquanto que o chefão
mesmo, o galeroso mesmo, o principal né, que era o Capim, ele
já ficava num canto. Então, geralmente, o chefe da galera vinha
na frente. Eu, assim que eu vi né, lá perto de casa, e o resto da
galera vinha na frente. Lá na “galera da Vila Mamão”, quando
passava lá perto de casa, eles eram cercados, o chefe né, por
meninas, e eles eram os caras mais forte assim, tipo assim,
querendo tá na mídia. Naquela época não se divulgava tanto
como se divulga hoje, como tá o Facebook, essas coisas tudinho,
mas naquela época não tinha esses negócio de mensagem, toda
mensagem era de boca em boca. “E aí, olha, fulano de tal tá
vindo a galera lá.” Aí eles se agrupavam, era o tempo deles se
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organizar, então o chefão ficava na frente, pra tentar encontrar
com o grupo. Quando eles vinham, aí a pedra rolava. Pedra,
pedaço de pau e a mãe da gente botava a gente pra dentro de
casa, é, com medo.
[...] os rapazes que moram lá perto de casa, né? Inclusive meus
irmãos, a gente tinha aquele olhar, tipo assim, de ídolo pra eles,
parece, parece brincadeira, mas eles eram vistos como ídolos pra
nós, porque eles conseguiam alcançar o foco deles, e tanto é que
quando tinha porrada de galera, as galera se reunia só pra assistir
a outra brigando. E isso acontecia ali na Borba com a Itacoatiara
[...].
Marcos - Essa questão da música eu cheguei a perceber na
Spectron, quando eu freqüentei lá de 95 à 99. Ou seja, às vezes
uma música mais agitada né, mais considerada, assim, como o
“hino” do bairro, o “hino” da galera de uma determinada área da
cidade, enfim, quando tocava essa música isso, às vezes,
motivava as brigas. Você chegou a presenciar isso também?
Medroso - Tinha a música da Praça 14, que era, como é que se
diz, a marca da Praça 14, eu não tô recordando o nome dela em
mente, mas assim, eu tenho ela na mente, não o nome dela em
mente, mas tinha uma música, que quando ele tocava, eles
cantavam é... “Bota pra 14”, alguma coisa assim...
Marcos - Aurora, DJ Dero! Tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã,
tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, hú!
Medroso - Essa música era a identidade da Praça 14 por quê,
porque rimava o nome. E os jovens de lá de perto de casa, que a
gente ia pra lá pra perto, algumas das vezes nós chegamos a
entrar no clube né, mas que dava pra ouvir os rapazes dessa
galera gritando bem alto: “bota pra 14”, e eles eram um grupo
tão localizado que eles conseguiram ter uma música de
identificação, os outros eu não sei se tinha, mas que esse grupo,
ele era muito visível, tanto é que quando vinha a galera de lá da
65
Praça 14, lá do Caxangá, eles se reuniam lá e eles eram bem
vistos ali, apesar de ter a rixa, a rivalidade, mas os moradores
próximos né, os jovens, não mãe e pai, eles viam eles como
ídolos, porque tinha uma identificação, tanto é que quando
tocava essas músicas dentro de casa, que a rádio passava, os
meus sobrinhos, assim como outros colegas meus, eles
cantavam a música do próprio cantor, ele cantava a ideologia do
grupo. E essa era a forma deles se comunicar.
[...] eles pichava à moda deles [...]. A “Galera da Vila Mamão”
tinha preta, mas quando vinha de lá da Vila Mamão, do bairro
Vila Mamão, eles já tinham um spray. Então, se tinha uma
pixação da galera da Kaxuxa, de branco, eles... Lá na Kaxuxa
era a cor branca. “Galera da Kaxuxa”, bem grande eles
colocavam, “Kaxuxa”, eles colocavam com x, aí o de lá da Vila
Mamão chegava e passava o preto por cima, “Galera da Vila
Mamão”. Então aquilo se tornava uma revanche pra aqueles
jovens, e aí eles pediam apoio pra outra galera que tinha mais
membro. E aí, tipo, eles mapeavam. “Olha, da Borba até a
Urucará vocês não podem passar”, e a Tefé, “se vocês passarem
vai ter porrada”. Então eles tinham que dá aquele voltona. E
rolava isso.
Medroso - Dançava lá no Tropical Brega Night, na Super Star,
minha irmã dançou lá. Então, aqueles galerosos, eles é que
prestigiava a minha irmã junto com as outras, porque era um
grupo chamado Les Girls.
Marcos - Les Girls?
Medroso - É, era um grupo chamado Les Girls. Tinha outros
grupos também, é, elas tinham roupas. Elas tinham roupas pra
dançar. Todo tipo de roupa. Quando era dia tal, foram
convidadas. Iam dançar. Então, quem prestigiava elas? Eram os
galerosos? Os galerosos iam prestigiar. E quando eles viam elas
bonitas né, que a maioria das minhas primas dançava nesse
66
grupo, elas tudo carnuda, bunduda, tudo perfeitinha, assim, da
maneira que eles queriam, eles tentavam se aproximar da gente,
de nós que não era galeroso, mas queria trazer elas pro meio
deles, pra que eles mostrassem: “nao, eu tenho uma namorada
bonita.” E ainda tinha mais: as meninas de lá da área, os
galerosos de lá de outro bairro não podia pegar, porque se
pegasse pegava porrada. Se pegasse alguma da região Sul né, se
pegasse, pegava porrada. Se eles soubessem, “olha, o fulano de
tal é, galera xis-xis, tá agarrando a garota”, eles largavam a
porrada. E não deixavam. Eu não sei se matavam, mas que
largavam a porrada, largavam. Tanto é que as minhas irmãs e as
minhas primas, elas não tinham namorados. Por que, porque
esses membros moravam muito perto da gente.
Nas lembranças de Medroso estão presentes algumas das principais atitudes dos
galerosos quando se tratava de senso de pertencimento ao lugar de residência: primeiro,
a proibição de que grupos de outros bairros transitassem livremente pelo bairro; depois,
as ameaças que faziam a outros jovens mesmo estes sendo do mesmo bairro, só que de
ruas diferentes; as cobranças de “pedágios”; o “mandar em territórios” porque os jovens
galerosos andavam em grupos; o medo que as pessoas tinham dos galerosos de seu
bairro, ao ponto de não se envolverem com eles de forma mais íntima; as orientações
dos pais para que seus filhos não ficassem nas ruas; os comentários dos vizinhos; os
resultados das brigas e confusões que podiam ser vistos pelos moradores pela manhã
através das armas improvisadas que os galerosos usavam quando brigavam no bairro à
noite; a existência, às vezes, de mais de uma galera atuando no mesmo bairro; as
alianças que essas galeras estavam propensas a fazer para se fortalecer e enfrentar outras
galeras rivais; a organização das galeras do bairro; o respeito e a submissão que algumas
galeras de bairros ou ruas diferentes tinham que ter quando circulavam por um bairro ou
rua considerados de domínio de outra galera; a criatividade das galeras, a criação de
“conceitos” e a demarcação dos territórios através das pichações; o toque de recolher
imposto tanto pelas galeras de forma não oficial quanto pelos pais, por meio da ordem
para que seus filhos se refugiassem em casa antes que as galeras passassem pelas ruas;
os roubos, as armas, os espiões, as formas de comunicação usadas pelos galerosos; a
67
idolatria que certos jovens tinham para com certos galerosos e as galeras que se reuniam
para assistir outras galeras brigarem; as músicas que eram como identidades de algumas
galeras ou do bairro das galeras, ao ponto de até mesmo alguns jovens que não eram
galerosos as cantarem e ouvirem como as galeras cantavam e ouviam; as disputas das
galeras através das pichações; a divisão do bairro feita pelas galeras e as fronteiras
invisíveis que eram estabelecidas; as mulheres bonitas do bairro que eram cobiçadas e
protegidas pelos galerosos do flerte de galerosos de outros bairros, ao ponto de algumas
não terem namorados.
Maicon também relatou que as brigas em seu bairro de moradia, Educandos,
passaram a ser comuns em um certo período. Ele relembrou que até mesmo alguns de
seus amigos antigos se tornaram inimigos, mesmo tendo tido, todos, uma trajetória de
vida parecida, sendo moradores do mesmo bairro e tendo sido amigos antes disso.
Entretanto, Maicon enfatizou que a geografia do Educandos, aliada a uma espécie de
divisão de classes dentro do bairro, contribuiu também para que os galerosos não se
entendessem com os “mauricinhos” que, segundo ele, moravam numa área do bairro
considerada mais elitizada, denominada “Alto de Educandos”. Maicon, ao contrário,
morava na parte baixa do bairro, chamada, por isso, pejorativamente, de “bodozal”, bem
como muitos outros que faziam parte de galera.
Em função disso, de acordo com as palavras de Maicon, havia até uma espécie
de divisão de classes dentro do bairro que era motivo de discriminação e rivalidades
entre alguns dos moradores. Os trechos a seguir, extraídos da entrevista concedida por
Maicon, merecem ser transcritos, pois são muito ilustrativos:
[...] aqui no meio do bairro, eu tenho a classe aqui, a classe do bodozal, aonde
eu faço parte, daqui pro bodozal. Tem a parte do Alto de Educandos, onde é a
classe que se acha que é mais, que é principal, entendeu? Então tinha isso. Lá
eles num davam moral pra gente.
Marcos – Como é o nome dessa parte do Educandos?
Maicon – É o Alto de Educandos.
Marcos – Alto...
Maicon – De Educandos.
Marcos – De Educandos.
Maicon – E tem a parte Baixa, que é a parte do bodozal, aonde eu faço parte.
Que é essa área aqui, que pega o bodozal do Educandos. O que eles chamam
de bodó. “Pessoal do bodó”. E esse nome a gente carrega até hoje. “Lá vem o
pessoal do bodó aqui pra cima”. Só que como a gente era maioria, eles
68
tinham que respeitar. Mas se tivesse só um, só um ou dois. Tinha que sair.
Você já era desprezado só no olhar.
Marcos – Você acha que o espaço dentro das danceterias, e dentro da própria
cidade, era dividido pelos membros das galeras?
Maicon – Você pode repetir de novo?
Marcos – Você acha que o espaço dentro das danceterias, e dentro da própria
cidade, era dividido pelos membros das galeras?
Maicon – Era. Era. Era dividido. É como eu tô falando pra você. Depois que
o Nego Celso morreu, virou zonais. Virou zonais. Né? Aí já brigava bairro
com bairro dentro da discoteca. Num tinha mais essa de fazer aquele grupão.
Alguns ainda se juntavam. Como o Educandos se juntava com a 7 de
Setembro, se juntava com a Praça 14. Né? Aí já tinha aquilo, do São
Raimundo brigar com o pessoal do Centro. Aí já vinha o pessoal do Japiim,
que era do “Poli”, já brigava com o pessoal dos “Canibais”, com o pessoal
dos “Mercenários”. Já virou isso aí, virou zonais. Aí começou a ficar pior, foi
quando começou a brigar bairro dentro do próprio bairro. Exemplo: eu ia pro
Cheik, vê a minha área, brigar com a minha própria área do lado de cima.
Que andavam junta um tempo atrás, tavam se matando. Inclusive chegou a
matar um ao outro. Chegou a ter morte dentro do próprio bairro por causa
disso. Sabe? A rua ali de baixo já brigava com a rua daqui de cima. E isso foi
virando Manaus todinha também. Exemplo: sê ia na zona leste, a rua 12
brigava com a rua 10. E assim foi indo. Generalizou de uma tal maneira, que
num tinha mais como segurar. Aí já ficou zonais, já ficou de bairro mesmo. Já
vinha o pessoal do São José pro Cheik, brigar com São José IV, dentro do
próprio Cheik. Já vinha o Educandos, pra brigar com a Santa Luzia. Sê
compreendeu como tava a situação? Aí, a minha área aqui, vou dizer aqui na
minha área, a parte de rua Nova, essa área, da parte de Baixo de Educandos,
brigava com a Boulevard, com a Peixoto, que era a área do Alto de
Educandos. A Boulevard já brigava com o Beco do Correio, que a parte onde
é o Prosamim agora. E o Prosamim já brigava com o pessoal do “Bodozal”.
Virou uma coisa, assim, você não conseguia entender. E você mesmo, nesse
medo, ficava sem saber o que fazer, porque tu conhecia todo mundo. Sê já
passava a ficar, vendo o quê fazer, pra onde você corria? Você cresceu com
todo mundo. E aí ficou uma coisa descontrolada.
Nego Celso, que é mencionado por Maicon, foi o líder da galera “Selvagem”.
Sheila “Guerreira”, Cláudia “Punk” e Raidi Rebello também o mencionaram em suas
memórias. Mas apenas Maicon e Sheila estabelecem essa relação entre a morte do líder
e o início das brigas entre galeras do mesmo bairro, que quase não mais se juntavam,
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pois ficaram isoladas das outras em zonas, ou seja, em seus bairros, daí ele dizer que as
turmas de galera viraram “zonais”. Seguindo esse processo, ainda de acordo com o
testemunho de Maicon, os galerosos de um mesmo bairro começaram a brigar entre si, o
que provocou um descontrole generalizado na atuação dos galerosos em toda Manaus e
até mesmo dentro das discotecas.
Esse relato de uma brusca transformação do comportamento das galeras e de
seus membros também foi feito por Sheila “Guerreira”, apesar de ter sido feito com
algumas variações. Ela narrou o seguinte:
Marcos – Por que você acha que nessa época havia tantas galeras?
Sheila – Bem, nessa época não havia tantas galeras. Haviam duas galeras, né?
[...] De 84 a [...] 92, por aí, acho que da “Selvagem” acabou, deixa eu ver, no
ano de 90, [...] 93. Aí que foram surgindo aquelas ganguinhas, aquelas
galerinhas, mas até 91, 92, ainda tava bem agitado [...].
[...] Tinha um pessoal, que depois que começou a surgir essas galeras, pra
acabar a galera mesmo da “Selvagem”, “Anjos Malditos”, quando começou a
formar essas outras galerinhas de bairros, que já foi terçado, essas coisas...
Então, eles faziam o quê? Eles brigavam e chamavam o nome de uma galera.
Da nossa. Outro bairro brigava, pá, chamava a galera da “Anjo”. Então,
nisso, foi o auê, foi começando aquela rixa mesmo feia, das duas galeras, foi
quando o negócio ficou feio. Foi quando acabou, aí foi começando. Aquelas
galerinhas que tava fazendo fuzuê foi crescendo, entendeu, em cima do nome
das duas galeras que eram famosas no tempo.
Marcos – Você quer dizer com isso que as outras galeras se inspiravam na
“Selvagem” e na “Anjos Malditos” pra brigarem e se tornarem mais
violentas, assim, é isso? Ganharem renome, tentarem ganhar renome?
Sheila – Isso, isso. É. Ganhar o nome nos bairros, né? [...] Depois vieram só
as galeras dos bairros mesmo. Cada galera... Era só dizer “Alvorada”...
Sheila sugere que as galeras de bairro eram menos “consideradas” que a
“Selvagem” e a “Anjos Malditos”, as duas mais famosas, pois usa os termos
“ganguinhas” e “galerinhas” para se referir a elas. Explica que as galeras de bairro só
surgiram após o início do fim da “Selvagem” e da “Anjos Malditos”, diferente de
Maicon, para quem essas galeras só teriam surgido depois da morte de Nego Celso, o
líder da “Selvagem”. E Sheila também acrescenta que alguns galerosos das turmas de
bairro começaram a roubar e cometer outros delitos e a anunciar que eram ou da
70
“Selvagem” ou da “Anjos Malditos”, tanto com o intuito de ficarem mais famosos e
adquirirem maior reputação em cima do nome delas, quanto com a intenção de acabar
de vez com as duas galeras principais. Além disso, “Guerreira” diz que por causa desse
“auê”, as rixas entre as duas galeras principais se intensificaram o que, contudo, parece
contradizer seu testemunho inicial de que ambas as galeras estavam acabando.
Sheila também confirmou o relato de Maicon, ao dizer que o espaço dentro das
danceterias e dentro da própria cidade de Manaus era dividido pelos membros de galera,
assim como Cláudia. Às vezes, o que acontecia era que não a galera em si era vinculada
a vários bairros, mas um ou outro integrante mais conhecido, respeitado e admirado é
que tinha uma espécie de passe livre para transitar pela cidade sem ser tocado, como
narrou “Guerreira”:
Mas como eu andava em todos os bairros, todos os bairros me conhecia [...].
Eu era de todos os bairros, eu num era só de um bairro.
Cláudia vai além ao dizer que não só ela e Sheila eram conhecidas em muitos
bairros, mas também eram queridas o bastante para serem recebidas com festa em
alguns lugares:
E se a gente fosse pra algum bairro, né Sheila, todo mundo já conhecia, a
gente não conhecia, mas eles sabiam quem era a gente, já recebia a gente com
festa, com presente, com ingresso na mão, dinheiro, com almoço, era uma
festa. A gente até ficava assustada, né Sheila?
De fato, no ano de 2016, Raidi Rebello se candidatou a
vereador e contratou Cláudia “Punk” para trabalhar em sua
campanha indo nos bairros de Manaus para ajudar a fazer o
trabalho de divulgação dele. E foi interessante porque ela me
contou, durante uma visita que lhe fiz, que foi reconhecida por
antigos frequentadores das danceterias e ex-galerosos, o que a
deixou muito feliz, pois ela se surpreendeu com a memória
dessas pessoas e com o fato de ainda ser muito respeitada e
querida por eles. Até mesmo de Sheila “Guerreira” eles se
lembraram, pois perguntaram de “Punk” por ela, alguns até
71
pensando que ela já havia falecido, uma vez que disseram que
tinham ouvido alguém dizer que elas já tinham morrido.
Contudo, nem sempre essa relação dos galerosos com os
bairros era harmoniosa. É novamente Cláudia quem nos fornece
um curioso testemunho de uma época em que estava causando
problemas no bairro Alvorada, junto com algumas de suas
amigas. Ela narrou o seguinte:
Marcos – Alguém chegou a ser preso por causa da galera?
Cláudia – Eu (risos).
Sheila – Eu (risos).
Cláudia – Todas nós. Nós fomos expulsas [...] do bairro Alvorada, porque o
policial não aguentava mais, prendia a gente toda semana. Era o “Muca” o
policial. Lembra do “Muca”, né? [Pergunta pra Sheila. As duas foram
entrevistadas no mesmo dia e Sheila estava presente no momento em que
Cláudia estava sendo entrevistada]. Esse “Muca”, ele não aguentava mais
prender a gente toda semana. Aí ele expulsou né, lá do Alvorada.
Marcos – Quantos anos vocês tinham na época?
Sheila – Eu tava com 19 anos.
Cláudia – Era. 17, 18, era de menor. E eu sempre dava meu nome errado pra
ele. “É Cláudia Regina dos Santos” (risos). Eu não tinha documento, na
época. Aí chegou um tempo que ele expulsou mesmo, e falou... E ele era
matador mesmo, ele matava as pessoas lá, quando ele tava de plantão, num
tinha um malandro na rua, a gente num sabia.
Sheila – Só num fez nada comigo porque eu tenho parente na polícia,
entendeu?
Cláudia – Aí ele falou: “se vocês não sumirem, eu...”
Sheila – “Vou matar vocês”.
Cláudia – “E ainda quebro a perna das outras. É a palavra de vocês contra a
minha. Quem é que vai provar? Né? Falo que foi legítima defesa, né?” E
expulsou mesmo.
Marcos – E vocês não voltaram mais?
Cláudia – Ele fazia... A rua era aqui, né? Ele fazia nós pularmos, é, várias
casas pra chagar na outra rua. Me amarrava, sabe? Aí, uma vez, eu falei pra
ele: “Muca...” Ele dava palmatória, né? “Fala. Nunca mais vou andar com
vagabundo.” Eu falei. “Muca, eu tenho medo do senhor, me dá só uma
palmatória”. Ele disse: “só porque tu quer me queixar, eu vou lhe dar quatro”.
E eu apanhei mais do que os outros, porque eu fui falar pra ele não me bater,
porque eu tinha medo dele. Eu apanhei muito dele assim.
72
Marcos – Foi só uma vez que isso aconteceu, ou várias?
Cláudia – Várias.
Marcos – E tu voltou, depois, pro bairro, ou não voltou mais?
Cláudia – Não. Mas eu fui presa por ele, por outras, outras vezes também,
mas não nesse bairro. Nesse bairro eu nunca mais voltei.
O vínculo com o bairro, portanto, não se dava somente através dessa sensação de
pertencimento a um determinado lugar de moradia e vizinhança. Ele também existia
porque alguns galerosos “aterrorizavam” o bairro, mesmo morando nele. Fosse
roubando, invadindo as residências, cobrando “pedágios” dos moradores, vandalizando,
agredindo verbal e fisicamente os residentes e demais transeuntes ou, simplesmente,
brigando entre si.
Sobre a questão das brigas entre jovens de um mesmo bairro ou de bairros diferentes, o
trecho a seguir, extraído de O Selvagem da Motocicleta, é muito rico em significados,
porque resume de forma brilhante essa postura agressiva, aventureira, provocadora e
exibicionista de muitos jovens, característica, entretanto, que não é contemporânea,
como foi descrita no capítulo anterior:
[...] anos atrás, quando a nossa gangue, os Packers, estava numa tremenda
guerra com a gangue vizinha. O Motoqueiro, que era presidente da turma,
falou:
– OK, vamos esclarecer direito pelo que é que nós estamos brigando.
Aí todo mundo disse que estava pronto pra matar ou pra ser morto, todo
mundo louco pra entrar em ação, e um cara – esqueci o nome dele, está em
cana agora – falou:
– Estamos brigando pra mandar nessa rua.
Aí o Motoqueiro falou:
– Conversa fiada. Estamos brigando por curtição.79
Assim, apesar de, aparentemente, os jovens brigarem apenas porque queriam
dominar uma certa área da cidade, geralmente um bairro, uma rua, uma quadra ou uma
determinada danceteria, como relatou Cláudia em outra parte de sua entrevista, brigar e
estabelecer uma galera, bem como estabelecer e controlar um território eram ações que,
em si mesmas, já representavam uma grande ousadia e fornecia aos jovens a
oportunidade de curtir com seus pares, como ficou claro na fala da personagem de
Susan Hinton.
73
411.2 O filme Selvagens da Noite, os filmes de lutas e as origens das
galeras de Manaus (1979-1998)
Em 2012, ao ir a uma locadora de DVDs de um colega para lhe pedir que
baixasse um filme da Internet, conversei com ele rapidamente sobre minha intenção de
começar uma pesquisa sobre as galeras e galerosos que existiram em Manaus nos anos
1980 e 1990. O tema foi imediatamente considerado extravagante, apesar de, também,
ter sido considerado por ele como muito interessante. Imediatamente ele me falou: “Tu
sabe que essas turmas surgiram por causa do filme, né?” Respondi: “Qual filme?” E ele
disse: “Aquele lá, das gangues, pera aí, deixa eu me lembrar. Já, já eu te digo.” E antes
dele se lembrar, eu falei: “Ah, eu sei qual é! Não é o Selvagens da Noite?” E ele
confirmou.
Esse diálogo foi inserido neste trabalho porque ele foi de fundamental
importância para que o historiador que o está escrevendo se sentisse, naquele ano de
2012, mais confiante e disposto a começar, de fato, uma pesquisa histórica sobre este
assunto. Até então, nada havia sido coletado ainda em termos de fontes, bem como
nenhuma hipótese sobre o surgimento destas turmas tinha sido elaborada, o que
proporcionou uma primeira reflexão e problematização sobre esses grupos.
Como consequência deste diálogo e da anterior pretensão de realizar a pesquisa,
logo solicitei de meu colega que fizesse uma cópia de Selvagens da Noite. Ele fez e eu
assisti várias vezes ao filme. Procurei o livro americano que deu origem a ele, já que o
filme é uma adaptação para o cinema de uma obra chamada The Warriors (Os
Guerreiros), escrito em 1965 por um ex-funcionário do Departamento de Bem-Estar
Social da cidade de Nova York. O livro, que pode ser enquadrado como uma literatura
sobre delinquentes juvenis, por sua vez foi escrito a partir de uma inspiração que veio de
Anábase: a expedição dos dez mil, de Xenofonte. Sol Yurick, o autor de Os Guerreiros,
havia lido a narrativa deste historiador e soldado grego da Antiguidade sobre a
“odisseia” dos soldados da Grécia que saíram de sua terra natal para lutar, como
mercenários de Ciro, na Pérsia, contra o irmão deste último, Artaxerxes, que ali reinava.
A história, que narra a jornada até a Pérsia e o retorno dos soldados gregos para a Grécia
depois de muitas batalhas e dificuldades de toda ordem, descreve, com uma relativa
79 – HINTON, Susan E. O Selvagem da Motocicleta. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 32.
74
riqueza de detalhes, as escaramuças, estratégias, emboscadas, traições, alianças,
venturas e desventuras de dez mil soldados gregos que perderam seu “mecenas” logo na
primeira batalha contra as forças de seu irmão e que, como consequência, ficaram sem a
proteção que lhes havia sido garantida por Ciro. Se encontrando em um território
desconhecido e “rodeados por todos os lados por cidades e tribos de homens hostis”, só
restou-lhes duas alternativas: ficar em terras dominadas pelo império persa e lutar contra
esse império até derrotá-lo e conquistá-lo, ou voltar para casa da melhor maneira e o
mais rápido possível. Os gregos se decidem pela segunda opção, o que lhes obrigou a
passar, contra a vontade, por várias aldeias, cidades e territórios de povos estranhos e
nem sempre amigáveis.80
Sol Yurick, mais de dois mil anos depois, praticamente transpôs essa trama da
fuga alucinada de um grupo de homens tentando escapar de um lugar perigoso e cheio
de “bárbaros” (estrangeiros) para os bairros de Nova York dominados por gangues. Ele
imaginou e narrou um grupo composto por cerca de dez integrantes de uma gangue que
sai de seu bairro para participar de uma reunião no bairro do Bronx, distante muitos
quilômetros do seu, é acusado de matar o líder de uma das principais gangues da cidade
que estava tentando reunir todas as outras para acabar com as brigas entre elas, uni-las e
tomar a cidade das mãos dos policiais e dos demais cidadãos, e passa a ser perseguida,
tendo que fugir abrindo “caminho à força através de território hostil dominado por
outras gangues até voltar para casa”, só que sem saber direito onde estão e como farão
isso.81
Walter Hill, que dirigiu a adaptação de Os Guerreiros para o cinema em 1979,
não chegou a imaginar, nem Yurick, a fascinação que a obra cinematográfica produziria
em muitos jovens e membros de gangues nos Estados Unidos e no mundo.82
Acostumado a dirigir filmes considerados “cruéis e feios”, como estampou em sua
manchete, em 1980, a revista Saturday Review, nem o cineasta nem o autor do livro
esperavam que, por exemplo, durante as filmagens, fosse preciso pagar gangues reais
para que não roubassem os equipamentos, ou que, durante as exibições nos cinemas, o
filme provocasse brigas entre algumas gangues, ou ainda, que o cartaz original
produzido e usado para ajudar no trabalho de marketing tivesse que ser 42
80 – Xenofonte. Anábase: a expedição dos dez mil. Tradução: Rui Valente. Évora: Sementes de
Mudança, 2008.
81 – Yurick, Sol. Os Guerreiros. Lisboa: Caminho Policial, 1989.
75
substituído por ter sido acusado de incitar distúrbios. Entretanto, todos esses imprevistos
só serviram para aumentar ainda mais a curiosidade do público e alavancar ainda mais o
sucesso de bilheteria do filme.83
Em Manaus, todos os colaboradores – pessoas que foram entrevistadas – que
foram membros de galeras, e até o DJ Raidi Rebello, que nunca foi integrante dessas
turmas, foram unânimes em afirmar que foi Selvagens da Noite o filme responsável pelo
surgimento dos grupos de jovens que se enturmavam para sair juntos, mas também para
provocarem turmas rivais, brigarem, se protegerem dos ataques e ameaças de outras
turmas e se identificarem através de roupas, acessórios (bonés, tênis, camisas, etc.) e
para conquistarem amizades e defenderem seus territórios, que podia ser uma rua, um
quarteirão, um bairro ou uma parte da discoteca que era frequentada todo final de
semana pelo grupo. Tais bandos foram chamados, em Manaus, de galeras, apesar de
terem uma forte semelhança com as gangues estadunidenses.
Maicon Costa84
, Sheila “Guerreira”85
e Cláudia “Punk”86
assim se referiram ao
filme e à sua influência no cotidiano dos jovens ao ponto de levá-los a formar grupos
que pretenderam, até certo ponto, emular as gangues dramatizadas na obra de Walter
Hill:
Marcos – Houve algum filme que inspirou vocês a formarem uma galera?
Maicon – Sim, sim. Filme “Selvagens da Noite”.
Marcos – Por que as galeras brigavam?
Maicon – Taí uma pergunta que é meio confusa. Afinal de conta, era mais pra
querer poder, sabe? Era mais pela época, pelo filme, sabe? De um querer ser
melhor que o outro, um ser... mandar mais que o outro. Quem mandava no
local era a “Selvagem”. E os “Anjos” também se achavam que eram donos,
mas sempre dava “Selvagem”.
Marcos – Você acha que as galeras acabaram? Por quê?
Maicon – Tudo acaba né mano? Acabou porque era ruim! Acabou porque era
ruim. Galera era ruim, bom só era as amizades. Galera era ruim, e sempre vai 43
82 – Endereço Eletrônico: cinemaexmachina.wordpress.com/2010/04/09/hello-word/; Yurick, Sol.
Warriors – Os Selvagens da Noite. Tradução: Fábio M. Barreto. Rio de Janeiro: Darkside Books, 2015, p.
52-53.
83 – Ibidem.
76
ser. Se alguém é... Lê essa sua reportagem, sabe? Se alguém lê esse
documentário que você tá fazendo, muito bonito, eu acho que isso tem muito
valor, o que você tá fazendo, viu querido. Muito valor. Eu carrego isso com
muito valor, faço questão. Aí você tá vendo que eu me emociono de vez em
quando. E se alguém lê isso, por mais que seja... Só faz mal. Não faz bem. A
gente só tá contando essa história hoje, porque aquilo teve que acontecer. Não
foi inventada, num vou inventar fazer uma galera. Aconteceu. A gente não
pensava que ia ter galera. Nós não imaginávamos. Veio um filme, a gente foi
assistir cara, e... Entendeu? O funk hoje, “quadradinho de oito”, sê imaginaria
que ia ter um funk desse? Eu ouvia “paráparápapápá”. Eu num imaginaria
que a menina virada de cabeça pra baixo, ia virar uma febre.
Marcos – O quê que ia virar uma febre?
Maicon – O funk.
Marcos – Que funk?
Maicon – Essa dança. O funk carioca. Essa dança, que generalizou.
Marcos – Aham!
Maicon – Entendeu? Generalizou. E naquela época, não tinha isso.
Marcos – Era muito mais marginalizado, né? Muito mais fechado, lá nas
favelas.
Maicon – Fechado. Compreende. E dizer pra ti, cara. Então, é aquilo. Pra
você que vai ler, ou então ouvir essa reportagem, a gente não quis ser
galeroso. A galera veio até a gente. Você compreendeu? A galera veio até a
gente. Nós estávamos lá, e veio uma influência. O filme que apareceu, que foi
o filme da hora, o filme sensação do momento, sabe? Sensação do momento
que transformou, cara. Transformou uma cidade. Transformou uma cidade.
Marcos – [...] Porque você acha que a galera colocou esse nome,
“Selvagem?”
Sheila – Porque tu lembra de um filme chamado “Os Selvagens da Noite”?
Por isso veio o apelido. Esse filme antigo, pois é, tinha essas gangues.
Marcos – É de 1979 esse filme.
Sheila – Isso. Foi isso mesmo. Por causa desse filme, aí botaram o nome.
Marcos – Houve algum filme que inspirou vocês a formarem uma galera?
Cláudia – “Selvagens da Noite”.
84 – Maicon Costa, em entrevista concedida em 22/11/2014. Foi membro da galera “Selvagem” de 1986
até 1990.
85 – Sheila “Guerreira”, em entrevista concedida em 30/07/2014. Foi integrante da galera “Selvagem” de
1983 até 1993.
86 – Cláudia “Punk”, em entrevista concedida em 30/07/2014. Foi integrante da galera “Selvagem” de
1989 até 1995/96.
77
Cláudia afirma que foi por inspiração do filme que a galera “Selvagem” foi
formada. Já Maicon, que também foi integrante da “Selvagem”, sugere que, além disso,
as galeras brigavam por causa do filme e por causa da vontade de mandar, de querer ser
melhor, querer ter poder e “por causa da época”. Sheila lembra que foi por causa do
filme que nomearam a galera de “Selvagem”.
Sol Yurick, o autor do livro, comenta que os garotos que assistiram ao filme de
Walter Hill nos Estados Unidos lhe disseram que foram profundamente marcados pela
obra cinematográfica, ao ponto de capturar sua “imaginação” e fazê-los assistir “de
novo, de novo e de novo”, contribuindo para estabelecer “um momento definitivo em
suas jovens vidas”.87
No Brasil e em Manaus não foi muito diferente. Em Manaus, por exemplo, Raidi
Rebello, em sua entrevista, lembrou que durante a segunda metade dos anos 1980,
Selvagens da Noite era constantemente exibido em uma área reservada para isso no
Cheik Clube. Naquele local, quando os frequentadores se cansavam de dançar e ficar
em pé no salão de dança, desciam para esta área onde eram exibidos alguns filmes para
que a “moçada” e a rapaziada pudessem descansar um pouco, relaxar e usufruir de um
outro clima e diversão durante a realização das festas que, como o DJ mesmo afirmou,
eram muito longas. Parece que a influência do filme, que era um dos preferidos dos
jovens, combinada com a presença e o deslocamento maciço deles, que vinham de todas
as zonas e bairros da cidade e se encontravam em determinados points, sobretudo aos
finais de semana, os incentivaram a querer criar algo parecido.88
Entretanto, Selvagens da Noite era apenas um dos filmes que exerciam uma forte
influência nos jovens de Manaus e de outras cidades do Brasil de trinta ou vinte anos
atrás. Mesmo que, devido à sua temática direta e subversiva, talvez tenha sido o mais
influente entre a juventude que saia para danceterias e/ou perambulava pela cidade em
grupos, naquele período, as autoridades públicas responsáveis pelo controle e censura
do que era exibido nos canais de televisão, moveram uma verdadeira caçada aos
programas considerados inadequados para passar em certos horários e para certos
públicos, principalmente crianças e jovens. E neste sentido, a mídia cumpriu um papel
muito importante, pois ajudou estas autoridades e a sociedade em geral a divulgar essa
caçada e esse controle maior que passou a ser buscado para evitar ou diminuir a
influência negativa da TV na mente imatura dos jovens, mas além de ajudar a divulgar,
a mídia também ajudou no próprio debate em torno dessa questão, mesmo que também,
paradoxalmente, avisasse aos leitores, na página de Televisão, sobre a programação que
78
passaria em cada canal de TV aberto, ocasião em que qualquer pessoa podia, por 44
exemplo, saber, de antemão, qual filme seria exibido, em que canal e a que horas. Nos
jornais A Crítica que foram consultados, detectou-se inúmeros anúncios de filmes cuja
principal trama eram brigas entre gangues, brigas entre lutadores de artes marciais ou
entre jovens estudantes de escolas.
A hipótese elaborada pelo pesquisador para responder provisoriamente a esta
provável influência do filme Selvagens da Noite e de outros filmes de lutas no
comportamento agressivo e gregário dos jovens, passa, portanto, pela inferência de que
o momento, as condições culturais de Manaus, com suas danceterias funcionando a todo
vapor e seus jovens frequentadores, além da ausência de outras formas de
entretenimento capazes de manter os jovens isolados uns dos outros, tais como os que
vieram a se popularizar depois, principalmente a Internet e o celular, que são capazes de
proporcionar distração e diversão sem que a pessoa precise estar na presença de outros
indivíduos, enfim, todos esses fatores foram fundamentais para permitir que as galeras
tenham vindo a existir naquele momento histórico, mas não depois.
De acordo com pesquisas feitas na década de 1990 na cidade de Glasgow com
dez alunos de doze anos de uma escola, concluiu-se que ver repetidamente cenas de
violência na TV poderia levar crianças e adolescentes, em especial, a se identificarem
com os personagens que cometem atos violentos. Ainda mais se os atos violentos dos
protagonistas não resultarem em punição aos seus praticantes. A lembrança de alguns
dos alunos que viram Pulp Fiction – Tempos de Violência, de Quentin Tarantino, foram
muito nítidas, e eles eram capazes até de reproduzir “quase palavra por palavra” alguns
trechos inteiros das falas de um dos personagens do filme que mais se destaca por ser
frio e violento. Os jovens se lembravam das roupas, do estilo, da confiança do
personagem que admiravam, da ausência de medo dele e até da maneira como ele
caminhava. O estudo revelou também que 42% dos jovens entre 10 e 16 anos haviam
visto este filme na Grâ-Bretanha em 1997.89
Ainda nos anos 1990, outro estudo, desta vez feito com 5 mil crianças de 12
anos de 23 países diferentes, com condições sociais diferenciadas e moradores de
regiões urbanas e rurais, com altos e baixos níveis de tecnologia e taxas de agressão,
concluiu que:
45
87 - Yurick, Sol. Warriors – Os Selvagens da Noite. Tradução: Fábio M. Barreto. Rio de Janeiro:
Darkside Books, 2015, p. 53.
88 – DJ Raidi Rebello, em entrevista concedida em 29/07/2014.
79
[...] a televisão é um meio sempre presente em todas as áreas pesquisadas, e
que as crianças passam mais tempo em frente da TV (uma média de três
horas) do que com qualquer outro meio de comunicação (rádio ou livros), ou
com qualquer outra atividade, inclusive lição de casa. Quase todos os jovens
amostrados conhecem o Exterminador, ou Rambo, ou citam um herói local
favorito como modelo principal.90
A pesquisa também concluiu que tais crianças tendiam a considerar que o uso da
violência para resolver conflitos e problemas era uma opção atraente e fascinante, uma
vez que seus ídolos, como Rambo ou O Exterminador, apesar de serem violentos, eram
heróis e conseguiam recompensas por suas ações violentas. Isso acontecia porque,
geralmente, ainda segundo outro estudo do mesmo período, os espectadores se deixam
atrair mais facilmente por personagens violentos que são envolventes e atraentes.91
E é talvez aqui onde podemos encontrar um forte argumento para explicar
porque o filme The Warriors (que no Brasil recebeu o título de Selvagens da Noite) foi
tão fascinante para muitos jovens da cidade de Manaus nos anos 1980 e 1990. Se a
trama e os personagens forem analisados minuciosamente, podemos descrevê-los da
seguinte maneira: a abertura inicia-se com sete minutos só mostrando o deslocamento
de dezenas de gangues dos mais variados estilos e etnias percorrendo as ruas e os
metrôs em direção a um encontro convocado pelo líder de outra gangue da cidade, uma,
porém, extremamente organizada e cujo chefe pretende propor uma trégua geral e a
união de todas as gangues para que elas possam tomar o governo das autoridades e
administrar – através da cobrança de pedágios – a cidade. Andando com ginga, vestindo
roupas garbosas e únicas, feito uniformes de exércitos de guerreiros em marcha (para
usar uma analogia de Anábase, de Xenofonte, de onde o livro que inspirou o filme
retirou sua ideia – anábase significa “marcha para o interior”) e exibindo seu arsenal
improvisado (paus, tacos de basebol, socos ingleses, correntes, facas, etc.), os membros
das gangues parecem ser os donos da cidade, amedrontando os transeuntes por onde
passam e sem a menor preocupação com a possibilidade de qualquer tipo de repressão,
ou seja, sem medo, características que, lembro, chamavam também muito minha
atenção quando, aos nove ou dez anos, tinha a chance de ver em algumas das muitas
madrugadas em que fiquei acordado, e nas quais o filme chegou a ser exibido.
89 – Nilsson, Nils Gunnar. As Crianças Merecem Qualidade. In: Carlsson, Ulla e Feilitzen, Cecilia von
(Orgs.). A Criança e a Violência na Mídia. Brasil: Edições UNESCO, 1999, p. 17-19.
80
46
A gangue protagonista, uma turma pequena e sem fama fora de seu circuito
residencial, Coney Island, também se desloca para a grande reunião convocada por
Ciro, o líder dos Gramercy Riffs, que pretende revolucionar a história da cidade e das
próprias gangues. Composta por nove membros, Os Guerreiros (The Warriors) não são
todos de uma mesma etnia, apesar de Sol Yurick, no livro, ter narrado uma gangue
formada só por negros. Na gangue do filme, brancos (aparentemente anglo-saxões e
italianos) e negros se misturam o que, segundo o autor do livro, assegurou, na época,
uma maior identificação do público e aceitação do bando, até porque, o protagonista
herói é um rapaz branco, alto, forte e bonito para os padrões americanos e europeus, isso
em um momento histórico em que os negros ainda eram explicitamente discriminados.92
Ao longo da história, a gangue dos Guerreiros é acusada de matar o líder Ciro,
tendo que fugir em seguida e tentar chegar ao seu bairro, atravessando a madrugada e a
cidade em meio à fúria, perseguições e emboscadas de várias outras gangues que têm
seus territórios invadidos ou, simplesmente, resolveram se vingar da morte de um
grande chefe de gangue que havia sido morto injusta e traiçoeiramente. Nessa fuga, os
Guerreiros perdem sua liderança principal, um rapaz negro, tendo que escolher um novo
líder que, entretanto, logo se manifesta e se faz aceitar ao disputar a patente com outro
membro e ao demonstrar mais equilíbrio, esperteza e espírito de liderança.
Na primeira cena de conflito entre duas gangues, os Guerreiros ainda chegam a
“parlamentar” com o líder dos Órfãos, uma gangue de “classe baixa” composta, na
ocasião, por cerca de 30 integrantes e com a qual têm contato ao passar por uma rua
cercada por condomínios populares de dois ou três andares, mas a diplomacia não vai
muito longe. Uma mulher (provavelmente a girlfriend93
do chefe da gangue) resolve se
intrometer na conversa dos dois líderes e pede que um dos Guerreiros lhe dê um de seus
coletes, algo que é considerado uma grande afronta e desonra. Como tem seu pedido
negado, atiça o conflito latente dizendo que agora o líder dos Órfãos iria deixar
“exércitos” passarem por lá, atitude que logo levaria outras gangues a querer fazer o
mesmo, pondo em risco o domínio e a reputação dos Órfãos naquela parte do bairro, o
que não só humilha o líder por ter ouvido isso de uma mulher na frente de uma gangue
rival como também o deixa nervoso e ansioso para resgatar o orgulho perdido. Diante 47
90 – Arnaldo, Carlos A. e Finnström, Asa. Juventude e Comunicação. In: Carlsson, Ulla e Feilitzen,
Cecilia von (Orgs.). A Criança e a Violência na Mídia. Brasil: Edições UNESCO, 1999, p. 43-44.
91 – Wartella, Ellen; Olivarez, Adriana; Jennings, Nancy. A Criança e a Violência na Televisão nos
Estados Unidos. In: Carlsson, Ulla e Feilitzen, Cecilia von (Orgs.). A Criança e a Violência na Mídia.
Brasil: Edições UNESCO, 1999, p.74.
81
da insistência da namorada provocadora e “encrenqueira”, o líder muda de ideia e diz
que só irá deixar os Guerreiros passarem por seu território se tirarem os coletes. Ele diz:
“Passem como civis, ou caio em cima de vocês. Tirem os uniformes.” Swan, o líder dos
Guerreiros, responde: “Vai te foder!” Pode-se imaginar o que vem depois.
Sol Yurick, no artigo que escreveu em 2015 para uma edição de seu livro, afirma
que as gangues dos anos 1960 que existiam em Nova York conheciam muito bem seus
respectivos bairros de residência, mas eram bastante ignorantes quanto ao resto da
cidade. Elas não possuíam automóveis, suas armas eram mais simples e raras e elas
quase não tinham muita participação em uma economia significativa, ao menos como a
que veio a caracterizar muitas ações de gangues de vinte ou trinta anos depois, quando
elas já estavam envolvidas com o tráfico de drogas em um nível não só local, mas
internacional.94
Porém, seu sistema de comunicação já era extremamente avançado e
dinâmico, pois era através dos líderes que se davam os contatos, os acordos, as tréguas e
eram negociadas permissões ou proibições para passar por um território controlado por
gangues rivais. E havia também o linguajar próprio dos membros de gangues (segundo
ele, uma espécie de ganglish – inglês de gangue), algo que Yurick chamou a atenção por
não percebê-lo nas falas dos jovens dramatizados no filme.
Em Manaus, práticas semelhantes aconteciam entre muitos jovens galerosos,
mas alguns pontos da cidade, como o Centro (onde havia as principais danceterias) e
alguns balneários, sobretudo a Ponta Negra, funcionavam também como locais comuns
de ponto de encontro das galeras. Esse quase isolamento nos bairros dos jovens
membros de gangues em muitas cidades dos Estados Unidos, assim como dos jovens
galerosos de Manaus, contribuía para aumentar o senso de pertencimento ao bairro ao
ponto desses rapazes e moças, às vezes, se considerarem realmente como “donos”
desses lugares. Ao mesmo tempo, a visão dividida da cidade em zonas de influência,
quase como um país ocupado por forças belicosas em guerra umas com as outras,
fornecia aos jovens a possibilidade de exercer uma espécie de “diplomacia paralela”,
onde somente eles participavam e entendiam as regras. Provavelmente, Selvagens da
Noite foi relativamente bem assimilado pelos jovens de Manaus neste sentido, pois o
filme enfatiza muito esta forma de transitar pela cidade. Os colaboradores que cheguei a
92 - Yurick, Sol. Warriors – Os Selvagens da Noite. Tradução: Fábio M. Barreto. Rio de Janeiro:
Darkside Books, 2015, p. 50-51.
93 – Passerini, Luisa. Juventude, metáfora da mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália
fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In: Levi, Giovanni e Schmitt, Jean-Claude (Orgs.).
História dos Jovens, Vol 2: a época contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 370.
82
entrevistar não foram tão claros quanto a estas explicações, provavelmente também 48
porque o pesquisador não lhes fez perguntas específicas sobre essa questão, mas Maicon
Costa deixou bem claro que:
Marcos – Você acha que o espaço dentro das danceterias, e dentro da própria
cidade, era dividido pelos membros das galeras?
Maicon – Era. [...] brigava bairro com bairro dentro da discoteca. [...] Alguns
[...] se juntavam. Como o Educandos se juntava com a 7 de Setembro, se
juntava com a Praça 14. Né? [...] tinha [...] do São Raimundo brigar com o
pessoal do Centro.
E como o filme foi muito feliz em coreografar as cenas de briga, em usar uma
trilha sonora estimulante e sombria, em criar um efeito de suspense sem perder o ritmo
de constante ação e aventura, além de sugerir, no início, que era possível aos jovens
organizados em gangues se unirem para usurpar o governo da cidade e dar uma espécie
de golpe de Estado, vindo a se comportar como um grupo revolucionário, apesar de
pouco consciente da importância política de suas ações, exceto o líder Ciro, que possui
essa visão de um modo quase demagógico e messiânico e a usa de forma consciente e
deliberada, não é difícil inferir que tal ideia tenha exercido um efeito de inspiração e
motivação em muitos dos jovens de Manaus daquela época. Contudo, entre os jovens de
Manaus que se organizaram em galeras que tentavam imitar as gangues do filme
Selvagens da Noite, não foi percebida nenhuma intenção política e revolucionária tal
como a existente no filme. Porque nenhum dos colaboradores chegou a mencionar
alguma intenção desse tipo quando as galeras surgiram.
Ao me lembrar de algumas das práticas de jovens galerosos da década de 1990,
quando cheguei a frequentar festas e outros espaços que também eram frequentados por
eles, me recordo que esse senso de pertencimento ao bairro era muito comum no meio
deles. Poucos galerosos se sentiam à vontade e tinham passe-livre para transitar por
bairros longes e desconhecidos. Até porque, suas ações, muitas vezes, despertavam o
desejo de vingança em galeras e galerosos rivais, fosse de bairros ou ruas diferentes,
restringindo-lhes a liberdade de ir e vir de qualquer lugar, já que quando isso acontecia,
os galerosos e/ou a galera ficavam “marcados”, o que significava que quando fossem
94 - Yurick, Sol. Warriors – Os Selvagens da Noite. Tradução: Fábio M. Barreto. Rio de Janeiro:
Darkside Books, 2015, p. 41.
83
pegos desprevenidos (sozinhos ou em uma situação de inferioridade numérica),
certamente seriam perseguidos, agredidos, mutilados ou mesmo mortos. Os poucos
galerosos e as poucas galeras que se arriscavam percorrendo territórios desconhecidos e
travando encontros inusitados com galerosos e galeras rivais, faziam isso de forma mais
ou menos improvisada e eram o que podemos chamar de os caras e as galeras mais
temidos e loucos. Porque alguns realmente não se importavam se seriam agredidos e
mortos e, de certa maneira, até procuravam qualquer tipo de confusão, fosse para brigar,
Fig 1. Foto do cartaz original do filme “Os Guerreiros”. Na legenda está escrito: “Estes são os
exércitos da noite. Eles têm a força de 100.000. Eles superam os policiais em cinco para um. Eles
poderiam governar Nova York. Esta noite todos estão fora para pegar os Guerreiros”. Para os ex-
galerosos, foi esse filme que introduziu a ideia de gangue entre os jovens de Manaus. Nos EUA, esse
cartaz foi depois substituído pelos produtores, por “ser acusado de incitar distúrbios”.
Fonte: https://cinemaexmachina.wordpress.com/2010/04/09/hello-world/
84
roubar, matar, mexer com alguma mulher, cobrar pedágio ou simplesmente dar ou
receber alguma “carreira” (perseguição) em alguém ou em alguma galera.
Eram durante as festas e durante os breves encontros em outros locais, como nas
saídas das festas, nos pontos de ônibus e nos caminhos que eram percorridos, a pé, pelas
ruas próximas desses lugares, que esses atritos e provocações vinham à tona com mais
frequência. Para se ter uma ideia, às vezes bastava um olhar atravessado (de soslaio,
sem maldade e rápido) de alguém para que um galeroso se sentisse ofendido e dissesse:
“Que foi buceta, quê que tu tá olhando?” Ao que, dependendo da resposta do outro ou
do tipo e da disposição de espírito, no momento, do galeroso que disse isso, já podia
levar a uma “pernada” (chute nas pernas para derrubar), um soco, uma sequência de
socos, um ponta-pé, uma gogozada de garrafa, uma facada, uma paulada ou uma sessão
completa de espancamento, quase como um linchamento, onde após um primeiro
galeroso começar a bater na vítima, os outros amigos viam, vinham e a agrediam
também.
Maicon Costa nos fornece uma ideia dessa atitude de alguns galerosos, que
Martín Sánchez-Jankowski chama de “individualismo desafiante” referindo-se, porém,
aos membros de gangues de cidades como Los Angeles, Boston e Nova York,
pesquisados por ele nos anos 1980:
Marcos – Mas tinha também os olhares atravessados, né? Às vezes, num era
nem porque eram brigas antigas, assim, o pessoal brigava porque já tinha
uma rixa antiga. Eu acho que era porque alguém tinha olhado atravessado pra
alguém, ou então, o cara é que considerou assim. Olhou o outro, e pensou que
o outro tava encarando ele, aí, “pô, eu vou brigar com esse cara, e tal”. Tinha
isso?
Maicon – Cara, quer que eu te fale uma coisa? Tinha. Tinha muito isso.
Tinha do cara pisar no teu pé, e tu ter que pedir desculpa dele. “Desculpa,
porque tu pisou no meu pé!” Fazia de propósito. Puxava teu cabelo, te dava
cotovelada, pra ver se você reagia. Sabe? Vê que tu não reagia, ele ia te bater
de qualquer jeito.
Parece que aconteceu com Selvagens da Noite e com os jovens que decidiram
formar grupos de briga e de arruaça que passaram a ser chamados de galeras, algo
semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos desde o início do século XX. Os
filmes sobre jovens que, de algum modo, conseguem se destacar e dramatizam, até certo
ponto, uma fantasia, retratam também uma realidade que, ao mesmo tempo, realimenta
85
a vida real de centenas de jovens que os assistem, provavelmente por se basear em
experiências reais, o que acaba servindo para intensificar a realidade vivida pelos
jovens, levando-os a se identificarem mais ainda com tais histórias.
E talvez venha daí a constante preocupação dos adultos com o que os jovens
assistem. Jon Savage explica que desde essa época, tentou-se controlar a produção de
filmes contendo violência, mas os esforços dos reformadores e administradores da
moralidade e bons costumes não acompanhavam os avanços da indústria.95
Savage
também explica que os jovens tendiam a assimilar dos filmes somente o que queriam e
aquilo com o que mais se identificavam, argumento similar ao apresentado pelo estudo
de Ellen Wartella, Adriana Olivarez e Nancy Jennings em A Criança e a Violência na
Televisão nos EUA, realizado nos anos 1990.96
Para Manaus, foi possível montar uma espécie de cronologia que indica desde
quando, mais ou menos, as práticas das galeras começaram a ser associadas à influência
de filmes violentos que eram exibidos na TV. Também foi possível coletar, sobretudo no
jornal A Crítica, diversos anúncios, principalmente nas páginas de Televisão, dos filmes
que eram geralmente oferecidos ao público brasileiro pelas principais emissoras. Com
base em uma análise desses dados, serão feitas algumas considerações acerca da
provável influência não só de Selvagens da Noite, mas de outros filmes de lutas como
inspiradores dos jovens no sentido de motivá-los a se agrupar de forma análoga a uma
gangue.
Constatou-se que de 1990 até 1998 – ano da última notícia que relaciona as
galeras às influências negativas de filmes violentos, e que foi coletada durante a
pesquisa – houve uma preocupação e uma denúncia cada vez maiores das autoridades e
das instituições oficiais que tinham por função zelar pela paz na cidade, pelo resguardo
da “dignidade, [...] respeito e [...] proteção integral da ora desprotegida população
infanto-juvenil” e pela censura de certos programas veiculados pelas emissoras.
Primeiro alguns jornalistas começaram a escrever suas matérias fazendo tal associação
entre os grupos de galeras e os filmes. Então os policiais, sobretudo delegados,
começaram a fazer o mesmo. Depois foi a vez de alguns especialistas que eram
chamados para comentar sobre a questão da violência entre os jovens que era assunto
das matérias que alguns jornalistas escreviam. Esses especialistas eram, em sua grande
maioria, psiquiatras e psicólogos. Por fim, houve a intervenção da própria justiça, por
meio da atuação de um juiz chamado Rafael Romano, não por coincidência, o mesmo
que abriu várias sindicâncias para investigar as danceterias da cidade durante os anos de
86
49
1994 e 1995, vindo até a ordenar o fechamento de algumas. Agora será feito um
levantamento de algumas dessas notícias que apontam os filmes de violência como um
dos principais fatores que levavam alguns dos jovens de Manaus a formar galeras.
Eis algumas das notícias:
Êxodo rural, situação econômica instável e filmes onde a violência é a
temática principal, quase sempre de procedência norte-americanos, exibidos
em horários reservados a menores são os principais fatores, na opinião do
superintendente em exercício da Polícia Judiciária Metropolitana Francisco
Sobrinho, responsável pelo nascimento e proliferação das galeras de ruas que
cresceram assustadoramente em Manaus [...].97
AS GALERAS DA CRISE
Lamentavelmente, a situação de insegurança em Manaus está a exigir das
autoridades urgentes e rigorosas providências. Não se pode aceitar que meia
dúzia de delinquentes promovam o pânico, a violência e submetam a
sociedade aos seus caprichos.
Não é de hoje que os jornais noticiam a ação das chamadas “galeras”,
compostas em sua grande maioria por adolescentes oriundos, em alguns
casos, da periferia. Se bem que muitos filhinhos de papai pode ser
encontrados badernando de noite.
O problema não é tão simples. E na minha modesta observação tem inúmeras
causas, sendo as principais, o governo com a sua conhecida incompetência e
a televisão que oferece, com os seus enlatados, um completo treinamento de
violência.98
PARQUE DEZ DENUNCIA MARGINALIDADE
[...] A epidemia de gangues se espalhou pela cidade e se tornou o assunto do
momento. Baseados nos filmes violentos, estes elementos que se dizem
menor de idade, mas que, na verdade são verdadeiros monstros, capazes de
praticar os mais atrozes crimes.99
GALERAS ELEVAM OS ÍNDICES DE CRIMES
Surgidas há pouco mais de um ano, influenciados por filmes norte-
americanos sobre gangues de rua, as galeras também se tornaram outro
95 – Savage, Jon. A Criação da Juventude: como o conceito de teenage revolucionou o século XX. Rio
de Janeiro: Rocco, 2009, p. 137-139.
96 – Wartella, Ellen; Olivarez, Adriana; Jennings, Nancy. A Criança e a Violência na Televisão nos
Estados Unidos. In: Carlsson, Ulla e Feilitzen, Cecilia von (Orgs.). A Criança e a Violência na Mídia.
Brasil: Edições UNESCO, 1999, p. 64-67.
87
grande transtorno aos moradores da Compensa [...].100
50
GALERAS COM PAVOR DA FUTURA POLÍCIA CIVIL
As quase 80 galeras identificadas pela Polícia Judiciária, por toda a cidade,
começaram a manifestar um certo medo, depois do combate a ser
intensificado, pelo secretário de Segurança Pública, Klinger Costa. Pelo
menos no Morro da Liberdade, Educandos, São José e Cidade Nova, o
número de casos diminuiu, segundo a própria polícia.
Apesar disso, os policiais não acreditam que elas cederão tão rapidamente,
pois algumas conseguiram se organizar e hoje cometem assaltos considerados
cinematográficos.
[...] O tráfico de influência, contra jovens despreparados psicologicamente,
também será combatido, pois, segundo Klinger Costa, a TV e o cinema
influenciam muito na vida desses jovens a ponto de torná-los [...] perigosos
marginais em pouco tempo.101
„GALERAS‟ AUMENTAM HOMICÍDIOS
Os grupos de menores agridem, brigam entre si, matam e são manchetes
em Manaus e em todo país
[...] Segundo o delegado, a questão do surgimento excessivo de “galeras”
deve-se a outros fatores como a violência estimulada pela televisão,
impunidade do menor e ganância de comerciantes que vendem bebida
alcóolica em festas frequentadas pelos mesmos. “A questão da impunidade
pesa mais. Sabe-se que existe toda uma proteção na lei para os menores e eles
estão cientes disso; daí uma das razões deles cometerem um crime e quando
presos, gritam logo: “Sou menor, sou menor”. É um absurdo, mas no caso de
infração cometida por menor a justiça é frouxa. Ou eles vão para casas de
recuperação ou, na maioria das vezes, são devolvidos a responsabilidade dos
pais”. [...]102
ADOLESCÊNCIA SOFRE CRISE DE VIOLÊNCIA
O conceito de “síndrome normal da adolescência”, formalizado pela
psicologia, é uma das maiores justificativas para explicar o comportamento
de revolta e agressividade típico em adolescentes e jovens. Faixa etária mais
suscetível para absorver influências seja lá de qual for a fonte, a adolescência
busca com mais sofreguidão ídolos que possam servir de modelo de
comportamento no meio em que vive.
97 – Jornal A Notícia, 12/01/1990, p. 8 (Geral). Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
98 – Jornal A Crítica, 18/01/1990, p. Opinião. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
99 – Jornal A Crítica, 12/07/1990, p. Polícia. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
100 – Jornal A Crítica, 21/10/1991, p. Polícia. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
88
A partir das informações que recebe das mais diversificadas áreas da
sociedade moderna, o adolescente, que ainda não tem o equilíbrio suficiente 51
para manter-se estável emocionalmente, é presa fácil da manipulação dos
aparelhos ideológicos, sobretudo de um dos mais fortes, da mídia.
“Muitos desses dados são normais no adolescente, que nesta idade passa por
confusão de identidade”, diz a psicóloga Alda Luíza Galval. Ela diz, no
entanto, que essa confusão, infelizmente, ainda é reforçada pelo que a mídia
idealiza. E nestes, casos, os jovens, mais vulneráveis, são vítimas mais
frequentes, pois, passando por crise de identidade, apelam para os ídolos que
vêm na televisão ou no cinema.
Na sua opinião numa base familiar sólida e definida dificilmente um jovem
comete desvios ou infrações, para usar uma linguagem técnica. “Todos os
filhos buscam um herói, e se não encontram nos pais, vão procurá-los nos
meios de comunicação de massa”, diz a psicóloga. [...]
Os estudantes Cibelly, 16, e Pablo, 18, concordam que a mídia encontra um
prato cheio nos jovens para vincular suas mensagens e manipular sua opinião.
Ela, que afirma um dia ter passado pela sua cabeça experimentar drogas mas
voltou atrás, acha que dependendo da companhia, o adolescente está apto
para se tornar um drogado ou um autêntico provocador de violência. Pablo,
seu namorado, lembra, para exemplificar, que certa vez, na saída do cinema
depois de ter assistido um filme de violência explícita (Cobra, com Sylvester
Stallone), um dos espectadores sacou de uma arma e começou a atirar tal
como o artista da história. “Deveria haver limitações na programação de
televisão também, como exibir um filme agressivo ou de sexo explícito em
horário mais apropriado ou cortar certas cenas”, dizem.
Eduardo Augusto, 20, acha que está na educação familiar, sobretudo, a causa
de todos os desequilíbrios na sociedade. “A televisão só faz contribuir para
aumentar a violência, exibindo filmes impróprios, ainda hoje em dia, quando
a criança não tem mais horário para dormir”. Para ele, o jovem mentalmente
fragilizado é vítima da imagem de ídolo que a mídia faz para influenciar seu
comportamento.103
SEXO EXPLÍCITO
JUIZ AMEAÇA TELEVISÕES COM MULTAS
Depois de ter recomendado e não ser atendido pelas emissoras de televisão,
para que fosse evitada a exibição de filmes contendo cenas de extrema
violência e principalmente sexo explícito, para maiores de 18 anos, no
101 – Jornal A Crítica, 9/03/1991, p. Polícia. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
102 – Jornal A Crítica, 22/08/1993, p. Polícia. Matéria escrita por Betsy Bel e Jocilene Chagas. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
89
horário nobre da televisão, o juiz da Infância e da Adolescência, Rafael de
Araújo, reiterou a determinação prolatada nos autos de nº 010/95, que orienta
as emissoras de TV, enquanto perdurar o horário de verão, a fazer a exibição 52
dos citados filmes, somente a partir das 23h, com chamada às 22h.
As emissoras que desrespeitarem a referida decisão, pagarão multa de 20 a
100 salários de referência, duplicados em caso de reincidência, podendo ser
até determinada a suspensão da programação da emissora por até dois dias,
consoante estabelece os arts. 1º, 4º, 6º e 253 a 255, da Lei de n° 8.069,
(Estatuto da Criança e do Adolescente).
Além do Juizado, fiscalizarão o cumprimento da medida, a Superintendência
da Polícia Federal, Comando da PMAM e Polícia Civil. A decisão do juiz,
que teve total apoio do representante do Ministério Público, foi tomada após
sindicâncias realizadas pelos órgãos técnicos do Juizado, aos quais foram
solicitados estudos da situação da programação das emissoras de televisão,
que estavam exibindo filmes para maiores de 18 anos, em horários
inadequados, filmes em sua maioria, de extrema violência e de sexo explícito.
Comentando a medida, no Juizado da Infância e da adolescência, o juiz
Rafael Romano falou inicialmente no apelo que fez as emissoras no sentido
de alterarem a programação, já que pelo fuso horário de Manaus, essa
programação estava entrando muito cedo no ar, levando cenas impróprias à
menores, em plena hora do jantar.
“Lamentavelmente não fomos atendidos. A exceção da [...] Rede Amazônica
de Televisão, as demais empresas do ramo fizeram ouvidos de mercador, não
deram qualquer importância aos nossos apelos, muito menos tiveram a
delicadeza de responder ao expediente que mandamos. No caso da Rede
Amazônica, argumentaram injustificadamente, que nada poderiam fazer já
que a emissora apenas restringe a retransmitir a programação via satélite”.
Em decorrência disso tudo, argumentou o Juiz, é que o Juizado decidiu por
bem, resguardar a dignidade, o respeito e a proteção integral da ora
desprotegida população infanto-juvenil, tomando uma medida mais rigorosa,
que antecede a esse segmento.
Antes que comentários nesse sentido, comecem a se levantar, o titular do
Juizado, Juiz Rafael de Araújo Romano, descartou esse procedimento:
“Longe de pretender ensaiar qualquer tipo de censura, espero que os
proprietários dessas emissoras se conscientizem da parcela de
responsabilidade que tem, inclusive que lhes foi condicionada quando das
suas concessões. O objetivo de informar, educar, cultivar, formar consciência
e divertir dentro da ética e do respeito, está sendo postergado pela corrida em
103 – Jornal A Crítica, 18/05/1994, p. D1 (Criação). Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
90
busca da maior audiência, e pelo aumento do faturamento, não importando os
meios a serem utilizados. O obscurantismo, a violência e a obscenidade,
fatores de destruição da personalidade humana, são vistos de forma
escancarada através de filmes, telenovelas e outros programas.
Segundo o juiz, a exibição desses filmes, em horários inconvenientes para a
crianças e os adolescentes, destrói de forma brutal, tudo aquilo que as
instâncias pedagógicas e educativas, à duras penas, chegaram a construir.
“Hoje a televisão brasileira, ao mesmo tempo que educa, deseduca,
transformando-se numa máquina propulsora de inversão dos valores éticos e
morais. Valores, com o amor, a fidelidade e o respeito mútuo, foram
substituídos pelo deboche, dissolução da sociedade conjugal, adultério,
incesto e homossexualismo, nas programações diárias de TV”.
As empresas de televisão, de acordo com Rafael Romano, tem alternativas
mais nobres, para sair do marasmo em que se vêem envolvidas. “Acreditamos
na capacidade de seus dirigentes, para em curto espaço de tempo,
apresentarem uma programação mais saudável à população, principalmente
ao público infantil, que à respeito de proporcionar audiência certamente se
recusam a terem cenas de sexo, servidas na hora do jantar”, concluiu.
Fuso horário dificulta cumprimento
As geradoras das principais emissoras de televisão no Amazonas afirmaram
que terão dificuldades em atender o mandado expedido pelo juiz da Infância
e Adolescência, Rafael Romano de Araújo, que determina a exibição de filme
violentos e de sexo somente após às 23h.
O diretor da TV Amazonas, geradora da TV Globo, Milton Cordeiro,
explicou que solicitou ontem orientações da Central Globo de Afiliadas para
saber como solucionar o problema. “A dificuldade é tremenda. O maior
problema é que somos apenas geradora de rede e não temos poder de mexer
na programação da Globo. Gravar um filme para repassá-lo em outro horário
é praticamente impossível”, explicou.
Segundo Cordeiro, a TV Amazonas continua aguardando uma posição do
diretor Francisco Góes, da Central Globo de Afiliadas. “Acreditamos que eles
vão enviar alguma posição para nossa orientação. É importante repetir que o
caso do filme “Instinto Selvagem”, que gerou toda essa polêmica, não foi
culpa nossa”.
Para o diretor da TV Rio Negro, geradora da TV Bandeirantes, Otacílio
Patrick Amato, o mandado do juiz não pegou a emissora de surpresa, mas
deve ser discutido devido as dificuldades de equipamentos da filiada. De
acordo com ele, a geradora já vinha gravando os filmes que passam no
horário das 11h15 para retransmiti-los às 19h45, mas o fato não era constante
por ausência de equipamentos necessários. “O problema é quando o filme
91
ultrapassa o horário do outro filme e temos que gravar todo o resto da
programação ou na questão da programação da Sexta Sexy que a bandeirante
exige que passe”. A Sexta Sexy é uma programação da emissora que inclui
apenas filmes de sexo no horário das 19h45, todas as sextas-feiras. “Mas as
cenas de sexo que envolve nossos filmes não significam nada diante das
novelas globais e a Bandeirantes ainda tem o cuidado de alertar que os filmes
são impróprios para menores de 14 anos”, comenta.
Amato afirmou ainda que é um verdadeiro absurdo alterar as chamadas dos
filmes para depois das 22h, pois as geradoras não tem poder para isso.
“Mesmo assim, estamos nos comunicando com a Bandeirantes para saber o
que devemos fazer”.
A CRÍTICA – Os problemas com o Juizado de Infância e Adolescência
parecem não atingir a TV A Crítica, geradora do Sistema Brasileiro de
Televisão. O diretor Rui Alencar, explicou que a exibição de filmes na TV A
CRÍTICA acontecem apenas depois das 24h. “Temos uma programação
estratégia para competir com a nossa concorrente Rede Globo e durante toda
a semana, o SBT apresenta outras programações e o Top Cine acontece
depois da zero hora. “Mas, caso tivermos que mudar alguma das nossas
programações, seria impossível por ocasião do nosso contrato com a rede que
nos obriga a manter o horário real dos programas.104
GANGUES DE RUA SE INSPIRAM EM FILMES
Para Álvaro Gaia Nina, vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB/AM), muitas ações poderiam ser realizadas visando diminuir a
violência, que ele considera ser causada pelas condições de extrema miséria
em que vive parte da população, agravada agora com as altas taxas de
desemprego.
“O instinto de sobrevivência leva as pessoas sem condições de sobrevivência
a apelarem para a violência como última forma de solucionar suas
necessidades”, afirma Gaia Nina. Assim como todos, o advogado aponta
também a programação televisiva como fomentadora da cultura da violência,
seja ela nos desenhos animados, nos programas de auditório e nos filmes.
Gaia Nina diz que hoje um dos principais problemas enfrentados pelas
populações periféricas é o surgimento de “galeras”, que atacam
indiscriminadamente nestes locais. Para o advogado, esse problema resulta da
tentativa da juventude daqui em procurar imitar as gangues de rua dos países
industrializados, mostradas nos filmes enlatados com um certo encanto.105
Como as notícias estão postas da mais antiga para a mais moderna, sendo a
primeira de 1990 e a última de 1998, fica evidente uma gradativa mudança de atitude,
92
de ênfase e de denúncia tanto da mídia impressa que veicula a informação, quanto das 53
pessoas e autoridades que são entrevistadas pelo jornal para fornecer opiniões e sugerir
explicações que esclareçam as razões e motivações de tantos jovens serem influenciados
por filmes e programas violentos que assistem na TV e no cinema.
Na primeira matéria pode-se ler que o jornalista, Tadeu de Souza, afirma que na
opinião do superintendente em exercício da Polícia Judiciária Metropolitana Francisco
Sobrinho, as galeras são o resultado do êxodo rural, de uma instabilidade na economia
naquele momento e dos filmes onde a violência é “a temática principal, quase sempre de
procedência norte-americanos”. A questão do êxodo rural e da crise econômica do início
da década de 1990 como fatores que também levaram ao surgimento das galeras, será
discutida no próximo subcapítulo. Aqui, convém tratar da influência dos filmes.
Na segunda notícia, vemos que duas eram as principais causas da existência das
galeras: a incompetência administrativa do governo do Estado do Amazonas e os filmes
“enlatados” exibidos pela TV, que proporcionavam “um completo treinamento de
violência” aos que os assistiam. A terceira afirma que os “monstros” membros das
galeras se baseiam nos filmes para cometer seus crimes atrozes. A quarta garante que os
grupos de galeras surgiram “há pouco mais de um ano, influenciados por filmes norte-
americanos sobre gangues de rua [...]”. A quinta notícia sugere que existem “quase 80
galeras” “por toda a cidade” e que elas estavam conseguindo “se organizar e” cometiam
“assaltos considerados cinematográficos”. Além disso, ainda nesta quinta notícia, o
jornalista parece começar a introduzir uma linguagem mais técnica no texto a fim de
preparar o terreno para chamar outros especialistas para falarem sobre a influência da
mídia visual nas ações dos jovens. Termos como “tráfico de influência” e “jovens
despreparados psicologicamente” sinalizam para uma preocupação maior com essa
tendência na mídia de atribuir aos filmes violentos as atitudes agressivas dos galerosos e
a própria existência das galeras. Nesta notícia, a influência dos filmes seria capaz até de
tornar os jovens “perigosos marginais em pouco tempo”. A sexta matéria introduz a
questão da impunidade juvenil, enfatizando a menoridade penal e a “ganância” dos
vendedores de bebidas alcoólicas nas festas, que estariam contribuindo também para o
aumento da violência entre esses rapazes e moças. Porém, a sexta matéria mantém o
fator violência na televisão como uma das principais influências, apesar de atribuir um
peso maior à impunidade proveniente da menoridade penal da qual usufruíam os jovens
104 – Jornal A Crítica, 25/01/1995, p. A3 (Cidade). Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
105 – Jornal A Crítica, 24/05/1998, p. Polícia. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
93
menores de dezoito anos.
A sétima notícia já consulta informações da psicóloga Alda Luíza Galval. Para a
especialista, existem comportamentos típicos de adolescentes como, a revolta, a
agressividade, a facilidade para se deixar influenciar, sobretudo quando os jovens não
têm uma família estruturada que lhes forneça “heróis” em que possam se espelhar, a
suscetibilidade “para absorver influências seja lá de qual for a fonte” e a “confusão de
identidade”. Por isso, segundo tal leitura, os jovens buscariam ídolos na mídia de massa,
geralmente no cinema e na TV, pois seriam emocionalmente mais vulneráveis que os
adultos e mais fáceis de serem manipulados por esses meios de comunicação e
entretenimento. Enfim, nesta matéria o jovem é apresentado como “mentalmente
fragilizado” e incapaz de agir por conta própria, pois a força desses mecanismos de
manipulação ideológica seriam muito grandes para que ele pudesse resistir a eles.
Eduardo Augusto, um rapaz de 20 anos que a notícia apresenta como uma pessoa jovem
que manifesta sua opinião, também diz que hoje em dia “a criança não tem mais horário
para dormir”, observação que se revela importante, na medida em que uma das
propostas de muitos projetos de controle e censura dos programas de televisão de
diversos países estabeleceram um horário fixo e geralmente tarde da noite, para a
exibição de alguns deles.106
Na oitava notícia, o juiz Rafael Romano exige novamente que as emissoras
respeitem os horários das 23h00 para exibirem seus filmes e demais programas com
conteúdos inadequados para menores de idade, com chamada (anúncios de que serão
exibidos) somente às 22h00. Porém, parece que foi um filme em particular – Instinto
Selvagem – o estopim para que tal ação jurídica de “caça às bruxas” fosse deflagrada
entre as autoridades responsáveis pela censura e controle da ondem e bons costumes na
cidade de Manaus na década de 1990. Ao menos é o que esclarece Milton Cordeiro,
diretor da TV Amazonas, uma das filiadas da TV Globo. O filme em questão, além de
violento, é muito erótico e, de fato, estimulou bastante a imaginação de muitas crianças,
adolescentes e até adultos, pois lembro de tê-lo visto na TV quando passou em 1995. E
lembro também que a maioria de meus colegas assistiram e comentaram entusiasmados
no dia seguinte as cenas de sexo tão bem simulados que pareciam reais. Porém, para
nós, não parecia simulação. Mesmo para os padrões morais e visuais de hoje, o filme
com certeza ainda é capaz de “chocar” muitas pessoas.
Enfim, na nona matéria, Álvaro Gaia Nina, vice-presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil, sugere que a miséria e o desemprego forçam muitas pessoas a
94
procurar solucionar seus problemas usando de violência. Ele diz também que tal 54
violência é agravada pela programação da TV, que fomenta uma “cultura da violência”.
Mas ao contrário das outras notícias que se referiam aos jovens como incapazes de
resistir às influências da televisão, neste caso, o texto coloca a fala do advogado da
seguinte forma: “Para o advogado, esse problema resulta da tentativa da juventude
daqui em procurar imitar as gangues de rua dos países industrializados, mostradas nos
filmes enlatados com um certo encanto.” Ou seja, pela primeira vez, os jovens são
noticiados como sendo os responsáveis por sua situação de integrantes de um grupo de
galera porque decidiram imitar, deliberadamente, um exemplo externo, e não somente
porque foram influenciados, passivamente, por algo que lhes veio de fora.
É interessante notar que nesse mesmo período, a ONU promoveu uma série de
debates e pesquisas sobre a relação entre a violência na mídia e as crianças, tanto que
chegou a publicar um livro em 1999 em que apresenta os resultados destas pesquisas.
Em 1997 esta entidade internacional também promoveu uma Convenção sobre os
Direitos da Criança, onde 191 países ratificaram as propostas que foram levantadas,
discutidas e aprovadas. Um dos principais pontos estabelece que a TV e sua influência
devem ser positivas e estimular a criança a praticar “a compreensão, a paz, a tolerância,
a igualdade dos sexos e a amizade entre todos os povos”.
Na obra, os capítulos investigam a questão no mundo inteiro, em estudos
comparados e específicos sobre esta influência, e chega à conclusão de que, apesar de
haver o direito de a criança ter acesso a formas variadas e saudáveis de entretenimento e
informação através da TV, existem, de fato, relevantes aspectos dessa relação que
merecem cuidado e algum tipo de controle, mesmo que nem todas as crianças sejam
influenciadas da mesma forma, nem em todos os lugares. Fatores sociais, culturais e
econômicos também interferem nessa influência, alterando a maneira como cada criança
ou jovem absorve e ressignifica cada informação e imagem que vê em filmes e outros
programas televisivos.107
Entretanto, tal polêmica e investida contra as emissoras e seus filmes e
programas inapropriados para os jovens, como vimos, já vinha sendo forjada desde o
início de 1990, quando a violência dos filmes começou a ser associada à origem, ao
aumento e à atuação das galeras de Manaus.
106 – Hammarberg, Thomas. Crianças e Influências Nocivas na Mídia: o significado da Convenção da
ONU. In: Carlsson, Ulla e Feilitzen, Cecilia von (Orgs.). A Criança e a Violência na Mídia. Brasil:
Edições UNESCO, 1999, p. 30.
95
De acordo com minhas memórias e experiências pessoas de infância e 55
adolescência, filmes de gangues, de luta entre estudantes de escola, de justiceiros
comuns que começam a aniquilar membros de gangues que dominam bairros inteiros,
de gangues de mulheres, de gangues de motociclistas e de cidades pós-industriais e pós-
guerras nucleares, de guerreiros imortais que lutam com espadas, de artes marciais, de
lutadores de rua desempregados que brigam por dinheiro, de lutadores de boxe, de
mafiosos e de violência banalizada, como parece ser o caso de Pulp Fiction – Tempos de
Violência, não só eram muito comuns nas redes de TV aberta nos anos 1980 e 1990,
como também exerciam uma enorme atração em milhares de jovens de Manaus e do
Brasil. Além de ser diversão garantida para a maioria dos jovens – pois estes não tinham
acesso à internet e a celulares, já que não existiam ou já existiam, mas não eram
populares nem tão capazes de promover uma interação virtual introvertida como veio a
ser depois – esses filmes eram e muito usados com fonte de inspiração pelas crianças e
jovens de todas as faixas etárias e condições sociais.108
Os filmes que serão listados e comentados a seguir, também seguem uma
cronologia em termos de ano em que foram exibidos na TV e no cinema. Todos foram
coletados no jornal A Crítica entre 1990 e 1998, e serão usados como um dos indícios
de que o surgimento, o auge e o declínio das galeras também coincidiu com a maior ou
menor frequência com que tais filmes eram exibidos na televisão aberta, bem como com
a maior ou menor quantidade de filmes sobre gangues que eram exibidos.
A CRÍTICA. 27 de novembro de 1990. Televisão.
Na programação do canal 5, é anunciado que o filme “Ruas de Fogo” será
exibido na faixa da Sessão da Tarde, às 12:30.
A CRÍTICA. 12 de dezembro de 1991. Televisão.
FILMES
American Ninja – Guerreiro Americano – TV AMAZONAS, 12h40
(American Ninja), EUA, 1985. Direção: San Firstemberg. Com Michael
Dudikoff, Steve James.
Luta Marcial. Ninjas assassinos a serviço de malfeitores atacam base
americana nas Filipinas. Dudikoff e James usam seus conhecimentos em artes
marciais para combatê-los.
107 - Carlsson, Ulla e Feilitzen, Cecilia von (Orgs.). A Criança e a Violência na Mídia. Brasil: Edições
UNESCO, 1999.
96
56
A CRÍTICA. 31 de dezembro de 1991. Televisão.
Mad Max – TV A CRÍTICA
(Mad Max), Austrália, 1979. Direção: George Miller. Com Mel Gibson,
Joanne Samuel.
Ficção. Policial persegue um motoqueiro que é morto durante a perseguição.
Os amigos do motoqueiro atraem o policial para uma cilada.
A CRÍTICA. 03 de março de 1992. Televisão.
“Highlander, o guerreiro imortal – TV Amazonas, 21h40m.
(Highlander), EUA, 1986. Direção: Russel Mulcahy. Com Christophe
Lambert, Roxane Hart, Clancy Brown, Sean Connery [...]
A CRÍTICA. 06 de abril de 1992. Página 2 (Esporte)
Anúncio da exibição do filme “Império do Crime”, feito pelo Cine
Cantinflas, na rua José Clemente.
A CRÍTICA. 24 de abril de 1992. Televisão.
Lutador de Rua – TV Amazonas, 22h50
(Hard Times), EUA, 1975. Direção: Walter Hill. Com Charles Bronson, Jill
Ireland.
Drama. Lutador de rua solitário, sem raízes e sem rumo, ganha a vida em
combates clandestinos, nos tempos da Depressão. Duração: 88 min
A CRÍTICA. 12 de maio de 1992. Televisão.
Gangs – Sentença Mortal – TV Rio Negro, 21h00 (Judgement), direção:
Willian Sachs. Com Elliott Gould, Emilia Crow.
Drama. As gangues dominam as ruas de Los Angeles. Pessoas são
assassinadas e juízes acovardados se rendem aos delinquentes. Uma juíza se
rebela contra a situação e atrai para si a fúria dos marginais. Duração: 90 min.
A CRÍTICA. 17 de maio de 1992. Televisão.
Um diretor contra todos – TV Amazonas, 12h30
(The Principal), EUA, 1987. Direção Christopher Cain. Com Jim Belushi,
Louis Gossett Jr.
Comédia. Professor é promovido a diretor de escola barra-pesada e tenta
resolver os seus infinitos problemas. Duração: 109 min.
108 – Memórias de Marcos Roberto Russo de Oliveira da década de 1990, época em que foi criança e
adolescente.
97
A CRÍTICA. 18 de novembro de 1992. Televisão.
A Gang da Loba – TV Rio Negro, 20h30
(Easy Wheels). EUA, 1989. Direção: David O‟Malley. Com Paul LeMat,
Eilee Davidson, Robert Miano.
Aventura. Menina criada por lobos torna-se motoqueira e, junto rapta outras
garotas, a fim de criar estirpe de mulheres criados por lobos e estabelecer a
supremacia feminina no mundo. Duração: 94 min.
A CRÍTICA. 15 de dezembro de 1992. Televisão.
Ruas de Fogo – TV Amazonas, 12h45
A CRÍTICA. 10 de junho de 1993. Televisão.
Anúncio do filme Mad Max – Além da Cúpula do Trovão
A CRÍTICA. 25 de julho de 1993. Televisão.
Anúncio de exibição do filme Desejo de Matar 3
A CRÍTICA. 7 de maio de 1994. Página D4 (Criação).
TELEVISÃO
FILMES
Vidas sem Rumo – TV Rio Negro, 21h30
(The Outsiders), EUA, 1983. Diração: Francis Ford Coppola.
Com Matt Dillon, Ralph Macchio, Tom Cruise, Rob Lowe, C. Thomas
Howell.
Drama. Um grupo de adolescentes de famílias pobres e desestruturadas vive
sempre em bando e enfrenta um cotidiano violento.
Duração: 91 min.
A CRÍTICA. 18 de maio de 1994. Televisão.
FULL CONTACT, impacto mortal – TV A Crítica, 12h25
(Angel Town), EUA, 1989. Direção: Eric Karson. Com Olivier Greener,
Tereza saldana, Frank Aragon, Tony Valentino.
Violência. Kickboxer francês vai estudar em Los Angeles e acaba ajudando
uma família de latinos ameaçada por gangues brutais. Duração: 104min.
A CRÍTICA. 21 de julho de 1994. Página D4 (Televisão).
GANGUES DE RUA – TV A Crítica, 12h30
(Street Soldiers), EUA, 1990. Direção: Lee Harry. Com Jun Chong, Jeff
Rector, David Homb, Jonathan Gorman, Joan Kim, Jason Hwang.
98
Violência. Duas gnangues de rua, uma formada por marginais e outra por
estudantes, se enfrentam num combate de morte. Duração: 93min.
A CRÍTICA. 29 de outubro de 1994. Televisão.
Anúncio do filme Lutador de Rua, na TV AMAZONAS, às 00h40.
A CRÍTICA. 29 de novembro de 1994. Televisão (D4).
Anúncio de exibição do filme TE PEGO LÁ FORA, na TV Amazonas.
A CRÍTICA. 8 de janeiro de 1995. Página D4 (Televisão).
KICKBOXER – O DESAFIO DO DRAGÃO – TV Amazonas, 12h40
(Triple Cross), Inglaterra, 1989. Direção: Mark DiSalle e David Worth. Com
Jean-Claude Van Damme, Dennis Alexio, Haskell, V. Anderson, Rochelle
Ashana.
Aventura. Jovem lutador vence campeonato de caratê na Califórnia e vai à
Tailândia para novo torneio. Massacrado por uma gangue de assassinos,
procura vingar-se. Duração: 100min
A CRÍTICA. 22 de março de 1995. Página D2 (Guia Rápido)
CINEMA
Tempo de Violência (Pulp Fiction, EUA, 1994) – Drama. Filme que vai
além da chamada “estética da violência”, adotando contornos estéticos bem
definidos. Aborda o outro lado do sonho americano, com uma juventude
longe das definições vagas de gerações X, longe dos tens, dos shoppings
certers. Direção: Quentin Tarantino. Com Bruce Willis, John Travolta, Uma
Thurman, Maria de Medeiros, Harvey Keitel, Amanda Plummer, Samuel L.
Jackson. Em cartaz no Amazonas 6, às 15h15, 18h e 20h45.
A CRÍTICA. 23 de abril de 1995. Página D4 (Televisão).
FILMES
[...]
NEW JACK CITY – A GANG BRUTAL – TV A Crítica, 22h30
(New Jack City), EUA, 1991. Direção: Mario Van Peebles. Com Wesley
Snipes, Ice T, Allenn Payne, Chris Rock, Mario Van Peebles, Judd Nelson,
Michael Michelle, Bill Nunn, Russel Wong, Bill Cobbs, Christopher
Williams, Vanessa Williams.
Violência. Homem ambicioso e sem escrúpulos usa o “crack”, a nova onda
no mundo das drogas em Manhattan, para ganhar dinheiro e se tornar
poderoso na comunidade negra. Um dos policiais mais experientes de Nova
York, que conhecia todos os segredos do mundo das drogas, se infiltra em
99
sua gang para tentar detê-lo. Duração: 100min.
A CRÍTICA. 28 de maio de 1995. Página C16 (Geral).
Anúncios dos filmes Street Fighter – A Última Batalha, no Cine Chaplin,
com censura livre. E do filme Double Dragon, no Amazonas 2 (no
Amazonas Shopping), com censura de 12 anos.
A CRÍTICA. 28 de maio de 1995. Página D4 (Televisão).
Anúncio de que o filme Garantia de Morte, com Jean-Claude Van Damme,
será exibido neste dia, às 21h05, na TV AMAZONAS – Canal 5.
A CRÍTICA. 10 de junho de 1995. Página D4 (Televisão).
Anúncio de exibição do filme VIDAS SEM RUMO, previsto para passar às
23h, na TV RIO NEGRO – Canal 13.
A CRÍTICA. 18 de junho de 1995. Página D4 (Televisão).
Anúncio do filme CYBORG, O DRAGÃO DO FUTURO, COM Jean-
Claude Van Damme, previsto para ser exibido na TV AMAZONAS – canal 5.
A CRÍTICA. 29 de junho de 1995. Página D4 (Televisão).
TV A CRÍTICA – Canal 4
12h30 – LIMITES DA CIDADE
(City Limits), EUA, 1984. Direção: Aaron Lipstadt. Com Darrel Lapson,
John Stockwell, Kim Cattrall, Rae Chong, Robby Benson.
Violência. Garoto órfão quer se tornar membro de uma gangue de
motoqueiros e acaba realizando seu sonho entrando num mundo de
violência.
Duração: 83min.
A CRÍTICA. 31 de agosto de 1995. Página D4 (Televisão).
Anúncio do filme Mad Max, previsto para ser exibido às 12h30, no canal 4,
tv A Crítica.
A CRÍTICA. 20 de setembro de 1995. Página D4 (Televisão).
Anúncio do filme UM DIRETOR CONTRA TODOS, previsto para ser
exibido pela TV AMAZONAS – Canal 5
A CRÍTICA. 22 de outubro de 1995. Página C11 (Geral).
Anúncio de exibição do filme MORTAL KOMBAT, no Renato Aragão, cuja
censura é livre, e do filme WATERWORLD – O SEGREDO DAS
100
ÁGUAS, no Amazonas 6, também sem censura.
A CRÍTICA. 27 de agosto de 1996. Página D4 (Televisão).
FILMES
TV AMAZONAS - CANAL 5
2h - SELVAGENS DA NOITE
(The Warriors), EUA, 1979. Direção: Walter Hill. Com Michael Beck, James
Remar, Brian Tyler.
Ação. Gangue é perseguida quando tem o líder acusado de assassinar outro
líder das ruas das gangues de rua.
Duração: 110min.
A CRÍTICA. 8 de setembro de 1996. Página D4 (Televisão).
Anúncio de exibição do filme O GRANDE DRAGÃO BRANCO, previsto
para passar no canal 5, TV AMAZONAS, às 12h35.
A CRÍTICA. 16 de outubro de 1996. Página D4 (Televisão).
Anúncio do filme ESPORTE SANGRENTO, previsto para ser exibido no
canal 4, TV A CRÍTICA, às 12h30.
A sinopse fornecida pelo autor da coluna é interessante: “Após passar uma
temporada no Brasil aprendendo capoeira, um jovem norte-americano volta
ao seu país para ensinar a arte aos seus alunos adolescentes. Mas, o chefe de
uma gangue de criminosos decide usar os garotos para realizar pequenos
delitos”.
A CRÍTICA. 20 de outubro de 1996. Página D4 (Televisão).
Anúncio do filme ROCKY IV, previsto para ser exibido no canal 5, TV
AMAZONAS, às 11h35.
A CRÍTICA. 23 de novembro de 1996. Polícia.
Anúncio do filme HIGHLANDER – O GUERREIRO IMORTAL,
previsto para ser exibido às 14h20, na TV AMAZONAS.
A CRÍTICA. 1º de fevereiro de 1997. Página D4 (Criação).
Anúncio de exibição do filme RUAS DE FOGO, previsto para passar no
canal 5, TV AMAZONAS, às 1h25.
A CRÍTICA. 1º de março de 1997. Página D4 (Televisão).
Anúncio do filme SKINHEAD – A FORÇA BRANCA, previsto para ser
exibido no canal 4, TV A CRÍTICA, às 22h35.
101
A CRÍTICA. 25 de março de 1997. Página D4 (Televisão).
Anúncio dos filmes LUTADOR DE RUA, previsto para ser exibido no canal
5, TV AMAZONAS, às 1h30; do filme OS BONS COMPANHEIROS,
concorrendo à seleção para passar no canal 5, no programa INTERCINE, às
21h35 [...].
A CRÍTICA. 21 de maio de 1997. Página D4 (Televisão).
Anúncio do filme ESPORTE SANGRENTO, com Mark Dacascos, previsto
para ser exibido no canal 4, TV A CRÍTICA, às 12h30.
A CRÍTICA. 7 de dezembro de 1997. Página D4 (Televisão).
Anúncio do filme O GRANDE DRAGÃO BRANCO, previsto para se
exibido no canal 5, TV AMAZONAS, às 11h15.
A CRÍTICA. 19 de junho de 1998. Página D4 (Televisão).
Anúncio do filme O GRANDE DRAGÃO BRANCO, previsto para ser
exibido no canal 5, TV AMAZONAS, às 13h.
A CRÍTICA. 27 de setembro de 1998. Página D4. Televisão.
Anúncio dos filmes [...] GLADIADOR, O DESAFIO FINAL, com Cuba
Gooding Jr e James Marshall, previsto para ser exibido no canal 5, TV
AMAZONAS, às 22h25. E VIDAS SEM RUMO, no canal 13, TV RIO
NEGRO, às 0h45.
Parece que de 1990 até 1996, os filmes que dramatizavam a atuação de variados
tipos de gangues foram mais comuns na programação dos canais de TV da cidade. Entre
27 de novembro de 1990 e 27 de setembro de 1998, ou seja, ao longo de quase oito
anos, dezoito filmes cuja principal temática consiste em histórias de gangues, foram
exibidos em vários canais, principalmente na TV A Crítica, TV Amazonas e TV Rio
Negro. São eles: Ruas de Fogo (três vezes), Mad Max (duas vezes), Império do Crime,
Gangs – Sentença Mortal, Um diretor contra todos (duas vezes), A Gang da Loba, Mad
Max – Além da Cúpula do Trovão, Desejo de Matar 3, Vidas Sem Rumo (três vezes),
Full Contact – Impacto Mortal, Gangues de Rua, New Jack City – A Gangue Brutal,
Cyborg – O Dragão do Futuro, Limites da Cidade, Selvagens da Noite, Esporte
Sangrento (duas vezes), Skinhead – A Força Branca e Os Bons Companheiros.
Ruas de Fogo retrata gangues de motoqueiros dos anos 1950 nos Estados Unidos
com “quartel general” próprio e capazes de parar um bairro quando se mobilizavam;
102
Mad Max, um filme extremamente influente junto ao público juvenil dos anos 1980 e
1990, sobretudo devido à sua estética e figurino ousados que misturam penteados punk,
roupas e botas de couro, veículos arrojados, armas improvisadas como correntes,
machados, barras de ferro, etc., comunicação oral quase monossilábica, para não dizer
primitiva, muita ação e aventura, se centra na rotina de um policial que passa a ser
perseguido por uma gangue de motoqueiros nômades, depois que contribui para a morte
de um deles; Império do Crime aborda a trajetória da gangue de Lucky Luciano, desde
quando era adolescente, considerado o fundador do sindicato nacional do crime nos
anos 1930, nos Estados Unidos; Um diretor contra todos, outro filme que cansei de ver
na Sessão da Tarde, programa que exibia filmes após as novelas da Globo que eram
reprisadas em Vale a Pena Ver de Novo, roteiriza a história de um professor que aceita
trabalhar como diretor de uma escola localizada em um bairro dominado por gangues e
que atuam dentro da escola; Mad Max – Além da Cúpula do Trovão, o terceiro filme da
bem sucedida franquia de George Miller, não só impressiona ainda mais que o primeiro
filme com a estética visual e sonora, como também mostra toda uma cidade sendo
controlada, aparentemente, por andarilhos sobreviventes de guerras e saques e
arruaceiros vindos de todos os cantos da terra que só podiam receber acolhida naquele
lugar; Desejo de Matar 3, inegavelmente um dos melhores filmes de Charles Bronson,
retrata um bairro inteiro cujos moradores, acuados, se prendem em casa enquanto os
integrantes de uma gangue dali, livres, controlam a área e têm até conexões com
gangues de outras zonas da cidade. Na última parte do filme, milhares de rapazes e
moças de gangues são acionados para brigar contra Bronson e outros agentes da ordem
e da paz. E eles parecem sair de todas as ruas, becos, quarteirões e bairros. Uma
verdadeira batalha do bem contra o mal, como os estadunidenses adoram ver. Neste
filme, as gangues roubam nas ruas, nas casas, invadindo-as à hora que querem, cobram
pedágios dos moradores e possuem até uma base de reunião e espécie de moradia
comum (um “antro” escuro parecido com um porão de edifício abandonado).
Já Vidas Sem Rumo, outra das histórias de Susan E. Hinton sobre brigas entre
gangues de cidades pequenas dos Estados Unidos, como Rumble Fish (no Brasil, O
Selvagem da Motocicleta, já mencionado neste trabalho), e que foi adaptada para o
cinema, retrata gangues formadas por rapazes ítalo-americanos ou ítalo-hispânicos
pobres que não se dão bem com as gangues de rapazes ricos. No filme, os rapazes de
classe média e alta são chamados de “grã-finos”, “socs” no livro, enquanto os rapazes
de classe baixa são chamados de “gringos”, no livro, “greasers”. Greasers vem de
103
greaser (lubrificante ou engraxate em português), porque os adeptos dessa “subcultura”
penteavam o cabelo para trás com a ajuda de gel, creme, cera ou pomada. Os “greasers”
eram os filhos da classe trabalhadora, ao contrário dos “socs” (abreviação de social ou
sociáveis, em inglês, segundo Susan Hinton), que eram os filhos de famílias de classes
mais abastadas. Por viverem em uma parte da cidade mais decadente, os “greasers” são
vítimas não só do racismo e do preconceito por serem pobres, mas também da
discriminação social oriunda dos bairros em que moram. Segundo Susan Hinton, ela
escreveu o livro The Outsiders (no Brasil, Vidas Sem Rumo), inspirada pelas injustiças
que os socs praticavam contra seus amigos greasers (a própria autora era filha de um
mascate e de uma operária, sendo também moradora de um bairro pobre e inserida na
cultura greaser).109
New Jack City – A Gangue Brutal, aborda o início do consumo e tráfico de
heroína em Nova York nos anos 1980. O filme se centra em uma gangue de traficantes
que passa a ser investigada por um agente da polícia que se infiltra no meio dela para
tentar desbaratar a organização. Apesar de ter o nome “gangue” em seu título, o filme,
entretanto, mostra muito mais uma das muitas organizações que trabalham com drogas
nos Estados Unidos, a uma gangue de fato, embora os limites entre uma organização e
uma gangue, naquele país, sejam muito tênues.
Cyborg – O Dragão do Futuro, dramatiza uma luta pela sobrevivência de
humanos contra organismos meio humanos e meio robôs, em uma era pós-apocalíptica e
socialmente anômica. Em meio a isso, uma gangue tenta encontrar o antídoto para uma
epidemia mundial que causa fome e doenças, porém, tal gangue pretende usar o antídoto
apenas para benefício próprio, o que leva um guerreiro que teve a família morta por essa
gangue, a lutar contra ela.
Selvagens da Noite já foi relativamente bem comentado neste mesmo
subcapítulo. Esporte Sangrento mostra um ex-militar e professor de capoeira que aceita
trabalhar dando aula desta arte marcial para alunos problemáticos e envolvidos com
gangues de uma escola. Mas as coisas não vão ser tão simples. Um dos alunos é
sobrinho do líder do tráfico local e, além disso, tem uma gangue e também conhece a
arte da capoeira, o que resulta em um conflito entre os dois. Um querendo afastar do
crime o adolescente, e o outro querendo aproximá-lo.
Skinhead – A Força Branca, retrata uma gangue de neonazistas australianos que
vive espancando os rapazes oriundos da comunidade vietnamita local, ao ponto de os
próprios garotos asiáticos terem que formar gangues para se proteger e atacar também
104
57
os skinheads. Também um filme muito influente entre os jovens dos anos 1990, apesar
de não ser tão exibido quanto os outros e de seu grau de politização, geralmente não tão
explícito nos demais.
Os Bons Companheiros, um dos melhores filmes de Martin Scorsese, se
concentra na trajetória de três sujeitos valentões e criminosos. A história é narrada pelo
mais jovem deles, que conta como, desde quando era adolescente, todos em seu bairro
ítalo-americano respeitavam os caras da máfia e como ele queria ser como um deles.
Outro filme extremamente violento, mesmo para os padrões de hoje, pois chega a ser
sádico e brutal em algumas cenas. Além disso, o filme encena quase poeticamente a
amizade dos três gangsters, tanto que usa essa amizade como mote para dar título à
obra. Os três também formam o que podemos considerar uma gangue, mesmo que seja
uma gangue dentro de outra “gangue” (a máfia).
Gangs – Sentença Mortal, A Gang da Loba, Full Contat – Impacto Mortal,
Gangues de Rua e Limites da Cidade também são filmes onde as gangues têm uma
grande participação, segundo as sinopses descritas pelo jornal, mas não foram vistos
pelo pesquisador. Ainda assim, seus roteiros parecem ser interessantes, do ponto de vista
de um estudioso do assunto sobre gangues.
Os demais filmes citados, como American Ninja – Guerreiro Americano,
Highlander – O Guerreiro Imortal, Lutador de Rua, Te Pego lá Fora, Pulp Fiction –
Tempos de Violência, Street Fighter – A Última Batalha, Double Dragon, Garantia de
Morte, Mortal Kombat, Waterworld – O Segredo das Águas, O Grande Dragão Branco,
Rochy IV e Gladiador – O Desafio Final, formam o que podemos chamar que filmes de
violência sem gangues, ou onde as gangues não exercem um papel principal. Todos,
porém, também foram muito influentes nos anos 1980 e 1990, principalmente American
Ninja, Highlander, Te Pego lá Fora, O Grande Dragão Branco e Rocky IV, levando-se
em conta que eram mais exibidos que os outros.
De 27 de agosto de 1996 até 27 de outubro de 1998, foram exibidos sete filmes
cuja principal temática é o conflito envolvendo gangues, contra sete filmes com
temáticas que não envolviam gangues.
Já entre 27 de novembro de 1990 e 27 de agosto de 1996, vinte filmes com
histórias de gangues foram exibidos contra apenas dez filmes que não são sobre
gangues, o que revela um período de maior ênfase nos filmes de gangues na primeira
109 – Endereço Eletrônico: www.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1209200514.htm
105
metade da década de 1990.
Se tomados isoladamente, esses dados não são suficientes para fazer concluir
que o período de surgimento, de maior incidência e de declínio das galeras tem a ver
diretamente com a influência desses filmes. Entretanto, como foi durante esse período,
entre 1990 e 1998, que mais saíram notícias nos jornais A Crítica relativas à atuação de
galeras, e como o auge das danceterias durou da segunda metade dos anos 1980 até
1996 ou 1997, momento em que algumas já haviam sido fechadas e houve uma
introdução maior de outros gêneros musicais diferentes dos que tocavam nas discotecas
(toadas de boi, pagode, forró), pode-se inferir que a junção desses fatores foram muito
relevantes para corroborar a conclusão de que tal fator cultural (os filmes vistos como
forma de entretenimento e de inspiração) exerceu, também, uma forte influência nas
ações dos jovens galerosos de Manaus.
Se dois desses fatores forem ligados, por exemplo, as danceterias e o filme,
constata-se uma combinação curiosa de formas de lazer que eram muito buscadas pelos
jovens de Manaus daquele momento. Ao conceder entrevista para a pesquisa, o DJ Raidi
Rebello comentou que “até pelo menos 88, 89, esse termo “galera” não existia pra
designar esse tipo de gangue né, que fazia arruaça na rua [...]”. Mas, segundo o DJ, após
a exibição do filme (que era exibido pelo próprio Cheik nas festas de final de semana), o
encontro de pessoas diferentes, de bairros e de ruas diferentes e de poderes aquisitivos
também diferentes dentro dos clubes (danceterias), bem como após um trabalho de
divulgação de um jornalista (de quem Rebello não se lembrou nem quis se lembrar do
nome) sobre os eventos que aconteciam no Bancrévea e que começou a anunciar, nos
jornais, que os jovens frequentadores formavam galeras que brigavam, o termo galera
começou a se tornar popular entre os moradores da cidade.
Sobre a influência direta do filme sobre as atitudes de violência que alguns
desses jovens praticavam, assim Rebello se pronunciou:
Por essa época, começaram a surgir, devido ao filme, a repercussão do filme,
começaram a surgir, ah... Haviam, dentro do clube, haviam brigas entre
facções, porque na realidade não tinham nomes, eram turmas que do mesmo
bairro brigavam com a outra, e pelo fato de se encontrarem aqui no Centro, as
confusões aconteciam aqui no Centro.
O termo “facções” usado por Rebello, não era usado na época das galeras, pois
só uma notícia usa esse termo aplicado às galeras, provavelmente tendo sido usado por
106
ele, na entrevista, mais por influência das atuais notícias sobre as organizações
criminosas envolvendo tráfico de drogas e milícias, já que se tornou comum após estar
sendo usado exaustivamente tanto pela mídia quanto por vários filmes e documentários.
Aqui, vemos a memória e a experiência de vida atual interferindo na e coexistindo com
a memória e a experiência de vida pretérita do colaborador. Ainda assim, é interessante
perceber como Rebello faz uma analogia livre entre as galeras e as facções.
Rebello também fez um comentário muito significativo sobre a história do filme:
No final dos anos 70 tinha sido lançado um filme chamado “Warriors –
Selvagens da Noite”, um filme famoso que conta a história de gangs
americanas que se reuniram um dia num local e, quem conhece a história do
filme sabe, houve um assassinato no início do filme, inclusive do cara que
tava unindo as gangs né, juntando, pra que elas reivindicassem – era até um
filme meio social – para que elas reivindicassem das autoridades públicas
mais apoio pro pessoal das periferias, aquela coisa toda.
Nenhum dos outros colaboradores entrevistados que chegaram a ser membros de
galera fez esse relato do filme, no sentido de dizer que ele era “meio social”, ou que as
gangs estavam se reunindo para reivindicar “das autoridades públicas mais apoio pro
pessoal das periferias”. Neste sentido, as memórias de Rebello destoam um pouco das
memórias de Maicon Costa, Sheila “Guerreira” e Cláudia “Punk”. Isso não quer dizer,
contudo, que os ex-galerosos não tenham dado a entender que também reivindicavam
atenção, consideração, respeito e “mais apoio pro pessoal das periferias”, pois suas
ações e motivações não vinham só do filme, mas de suas condições sociais difíceis que
os incentivava a criar e manter grupos para se autodefender e entreter, num período
histórico da cidade de Manaus em que as formas de lazer não proporcionavam muitas
opções de diversão para os jovens de classe baixa e moradores dos bairros periféricos. A
saída que eles encontraram foi se agrupar em turmas e sair para as danceterias. Neste
processo a própria influência do filme foi transformada e ressignificada, pois os
aspectos políticos e revolucionários das gangues retratados timidamente em Selvagens
da Noite não foram ressaltados entre as galeras de Manaus. Em Manaus, ao contrário, o
que mais foi ressaltado foram os estilos de vestimenta, a ideia de formar grupos mais ou
menos numerosos, conviver com eles, transitar pela cidade com eles e brigar e até
morrer ou matar por eles. A questão territorial também sempre foi muito importante
entre os galerosos, algo que já emula e se assemelha com as gangues do filme.
107
Outro aspecto das galeras que Sheila “Guerreira”, Cláudia “Punk” e Maicon
Costa levantaram foi a organização desses grupos. Eles não chegaram a comparar a
organização da “Selvagem”, galera da qual fizeram parte, com a organização das
gangues de Selvagens da Noite, mas deixaram bem claro que havia uma organização
interna nesta galera e que ela até causava admiração em alguns jovens. Sobre isso, assim
se expressou Cláudia “Punk”:
Marcos – Por que as galeras brigavam?
Cláudia – Olha. Eu acho que era porque... Querer mesmo, assim, fazer parte
de um grupo. Surgiu esses dois grupos [...]. Era tão falado, sabe? Pra você
entrar, você era respeitada, sabe? [...] Você chegava em qualquer bairro “Ah,
é da „Selvagem‟”, tinha aquela consideração, aquele respeito, ninguém te
tocava. Então, todos queriam fazer parte. Pra quando chegasse dentro do
Bancrévea, ser respeitada, né, ser considerada, né, no meio dos chefões, que
era difícil. Quem não era do grupo era excluído mesmo. Então, todo mundo
queria fazer parte, porque todos andavam igual, dançavam igual, sabe? Era
uma coisa, assim, que naquela época, a gente tinha vontade, mesmo, de fazer
parte. Acho que toda jovem daquele tempo queria fazer parte de uma gangue.
Marcos – Você acha que escolheu, de livre e espontânea vontade, ser de
galera? Ou você acha que foi levada a isso por não gostar de estudar, por não
ter atenção da família, por falta de emprego ou por falta de ter o que fazer em
seu bairro?
Cláudia – Não. Eu era louca pra conhecer os membros da galera
“Selvagem”, eles eram muito falados. Eu estudava no CESC na época, e onde
eu ia falavam muito, [...]. Quando eu conheci, eu fiquei fascinada pelo que
eles faziam, pela dança deles, pelo grupo e a organização que eles tinham. E
eu entrei de livre e espontânea vontade.
Sheila se lembrou das reuniões que a “Selvagem” fazia e dos sinais que recebia
de certos integrantes, geralmente os líderes, para que puxasse briga ou desse “pernada”
(chute nas pernas para derrubar) em alguém. Maicon se lembrou das armas que eram
cuidadosamente escondidas embaixo de bancas de revistas, nos muros e até em papelões
de tecidos, ou que eram confeccionadas após serem encomendadas aos pais de galerosos
que eram ferreiros.
Apenas Raidi Rebello não se referiu às turmas de galeras como sendo
organizadas. Eis um trecho de sua entrevista que ressalta isso:
108
Então, começou-se a usar o termo “galeras” pra designar o que chamávamos
de turmas, de grupos, na época, de gangues, talvez, embora não houvesse
uma [...] organização, [...] um cara que era o chefe. Na realidade existiam [...]
grupos que tinham líder, normalmente o mais mau elemento deles, ou o
maior, de maior tamanho, ou bom de briga, ou o cara mais louco, sei lá.
Existiam grupos que tinham, mas eu nunca ouvi falar que existia um líder
único, eu nunca ouvi falar que existia uma organização de galera. “Não, olha,
essa turma se junta com aquela turma dali, [...], vai brigar com num sei
quem.” Isso é estória, são lendas urbanas que as pessoas vão criando,
entendeu, talvez pra tentar dar uma conotação de uma organização pra uma
coisa que era absolutamente desorganizada. Brigava “Selvagem” com
“Selvagem”, [...]. Você tinha que pertencer a um dos grupos pra que você se
sentisse protegido. Quando você saía à noite, quando você voltava pra casa,
né, se você fosse apontado por um grupo qualquer, como membro de um
outro grupo, sê tinha que sair correndo. Não dava nem tempo de explicar.
Então, isso criou uma cisão, [...] criou uma divisão de grupos [...]. Eu acho
que houve um erro na divulgação dessa coisa, porque você acabou dando
oportunidade pra garotada se sentir fazendo parte de um grupo que na
realidade não existia organizadamente. [...] Então, essa coisa de galera, [...],
existia briga? Existia. Mas não existia o comando único [...]. Existia, às
vezes, turmas de um determinado bairro que ora era de um lado, ora era de
outro, entendeu? Dependendo de quem tava em maior grupo, em maior
número, na região.
O sociólogo Martín-Sanchez Jankowskis, analisando a postura de Hollywood ao
produzir seus filmes sobre gangues nos anos 1950, 60, 70 e 80, afirma que a maior
indústria cinematográfica do mundo contribuiu para transformar as gangues e os locais
de residência e atuação desses grupos em verdadeiros mitos nacionais. Porque além de
dramatizar em suas imagens e roteiros histórias que retratam apenas gangues
desorganizadas e habitando bairros igualmente desorganizados e incapazes de ajudar a
conter a atuação “maléfica” desses grupos, ajudou a criar também integrantes de
gangues sem sentimentos, sombrios, sem família ou com famílias despreocupadas e
distantes em relação a eles, como se esses rapazes e moças de gangues não fossem seres
humanos. Em suas próprias palavras:
Chegamos, finalmente, à definição que Hollywood dá do ambiente social das
gangues. Em todos esses filmes, as comunidades a que pertencem as gangues
109
aparecem como completamente desorganizadas e totalmente incontroláveis e
seus indivíduos incapazes de tomar conta delas mesmas. Assim, cada filme
contém várias cenas que procuram demonstrar que “esta gente” é incapaz de
fazer reinar a ordem, que todos aspiram, sem dúvida, além da disciplina, mas
ninguém sabe como instaurá-las. O único meio de restabelecer a ordem é,
então, fazer que a polícia intervenha. A mensagem mandada ao público é que,
sem a polícia (como instituição cuja autoridade vem de fora da comunidade e
cujo pessoal é composto de indivíduos que, em sua grande maioria não é de
lá), esta comunidade afundaria no maior caos. Dito de outra forma,
Hollywood representa uma situação urbana contemporânea por meio de uma
visão colonialista das mais tradicionais; sem a polícia (exército colonial),
estas comunidades pobres (países colonizados) viveriam numa desordem
contínua, já que os moradores mais bem intencionados desses bairros (países
pobres) não têm as competências necessárias para controlar as gangues
(facções e tribos) e impedi-las de guerrear entre si.110
Jankowski também observa que vários membros de gangues reais protestaram,
escrevendo um artigo para uma revista na época da exibição do filme The Warriors no
cinema, pois alegavam que não se identificavam com a visão cinematográfica de Walter
Hill sobre as gangues de rua de Nova York. Segundo esses jovens, os integrantes de
gangues representados no filme mais pareciam sujeitos sem emoções, sem amigos, sem
família, consciência, senso moral ou ambições, sendo que declararam que o filme trai o
livro escrito por Sol Yurick.111
No prefácio Como escrevi The Warriors e o que aconteceu depois, Yurick, ao
contrário, relembra que durante as coletivas de imprensa dadas pelos produtores e
atores, estes insistiam que The Warriors “era um filme sobre família”, e não “sobre
violência gratuita”. Ele argumenta também que chegou a ler sobre “a vaga história das
gangues”, apesar de dizer que elas não deixam registros. Comparando esses grupos com
organizações militares, familiares e tribais, sugere que eles são um amálgama dessas
três formas de estrutura comunitária, “uma espécie de organismo”. Afirma que “muitas
gangues rejeitavam as próprias famílias e criavam novas versões”. O autor afirma
também que as gangues surgiram de um “processo bioevolutivo”, “como um protesto
consciente ou inconscientemente, contra a homogeneização da globalização”.
Analisando apenas a atuação das gangues em Selvagens da Noite, é possível
percebê-las tanto como desorganizadas quanto organizadas. Em algumas cenas, a
desordem é ressaltada, como no momento em que a grande reunião das gangues é
dispersada pela polícia e os jovens membros saem correndo em todas as direções,
110
58
desnorteados. Em outras, ocorre tanto uma ênfase em sua organização quanto em seu
vínculo familiar, como se seus membros formassem, de fato, uma família. Como
exemplo de ordem, podemos citar a cena em que a gangue das mulheres arma uma
emboscada quase perfeita para os Guerreiros, quase os aprisionando e os matando em
seu “QG” (quartel general), após insinuarem que estavam dispostas a se divertir e
manter relações sexuais com eles, apenas para atraí-los. Outro exemplo de organização
acontece logo no início, quando dezenas de gangues de todos os tipos se deslocam para
o local da reunião quase como se fossem exércitos em marcha. Uma das gangues até
paga a moeda de cada integrante na catraca do metrô. Já as cenas em que os Guerreiros
conversam e tentam encontrar a melhor maneira de chegar em Coney Island, seu bairro
de residência, parecem indicar que apesar deles terem uma liderança, todos são
considerados importantes e tem voz no grupo, atitude que lembra não só um grupo
ordeiro como também uma família. A preocupação em chegar ao bairro, que representa
a casa, o lar da gangue, também é outro elemento recorrente no filme que sugere que o
grupo é mais que apenas uma gangue, é uma família.
Cláudia “Punk”, Sheila “Guerreira”, Maicon Costa e Medroso112
também se
lembraram da postura familiar que alguns galerosos adotavam dentro do grupo de
galera. Postura que corrobora o que Sol Yurick escreveu sobre a criação de novas
versões de famílias que os membros de gangues tendiam a fazer ao criarem ou entrarem
para uma gangue. Medroso falou de uma surra que os galerosos de seu bairro deram no
pai de outro galeroso, pois foi uma lição para que o homem não agredisse mais a mãe do
rapaz. Cláudia afirmou que se sentia mais à vontade com o grupo de galera do que com
sua família, experiência que também foi vivenciada de forma semelhante por Sheila. Já
Maicon relatou que andar com a galera, estar com ela em todos os momentos, em todos
os lugares, virou um vício, porque os jovens queriam imitar, queriam fazer o que os
outros faziam, principalmente aos líderes, que para eles, se pareciam com super-heróis.
À título de conclusão deste subcapítulo, certa vez, durante uma de minhas visitas
à casa de Cláudia “Punk”, levei a ela o livro The Warriors – Selvagens da Noite, que
inspirou o filme que tanto a influenciou e a vários outros jovens de galeras dos anos 59
110 – Jankowski, Martín Sánchez. As Gangues e a Imprensa: a produção de um mito nacional. In: Fávero,
Osmar et al (Orgs.). Juventude e Contemporaneidade. Brasília: UNESCO, MEC, ANPEd, 2007, p. 143.
111 – Idem, p. 144.
112 – Medroso, em entrevista concedida em 18/02/2014. “Medroso” é um nome fictício. Este rapaz, que
sempre morou na Cachoeirinha, conheceu alguns galerosos e viu algumas de suas práticas quando era
criança e adolescente. Temendo ser reconhecido e virar alvo de alguma retaliação por ter falado sobre
coisas que os galerosos de seu bairro faziam, ele preferiu não se identificar.
111
1980 e 1990. Apesar de conhecer muito bem ao filme e até possuir uma cópia pirata
dele em sua residência, ela nunca tinha visto o livro ou ouvido falar dele, mas ficou tão
surpresa e eufórica que arrumou o cabelo em sua sala e, alegre, pediu que Wilsinho, um
amigo “das antigas” – que também foi da “Selvagem” –, lhe tirasse uma foto segurando
o livro. Em seguida, postou a foto em seu Facebook e Whatsap, anunciando aos amigos
“das antigas” que livro era aquele. Portanto, encerro essa parte do trabalho com essa
foto, já que a considero muito representativa do que foi escrito e discutido aqui.
Fig 2. Cláudia “Punk” e o historiador Marcos. Fonte: Facebook, perfil Marcos
Russo.
112
1.3 A Zona Franca de Manaus e as origens das galeras
Durante a realização desta pesquisa ficou constatado que várias fontes utilizadas
indicavam que a instalação da Zona Franca de Manaus, no final dos anos 1960,
proporcionou não somente um aumento significativo no número de habitantes de
Manaus, que passou a receber um novo contingente de migrantes e imigrantes vindos
principalmente dos municípios da região Norte e Nordeste, mas também um novo
“surto” de especulação imobiliária, ocupações e invasões de terras e aumento dos casos
de violência envolvendo sobretudo homens adolescentes e jovens. A partir do ano de
1990, a imprensa, por exemplo, passa cada vez mais a associar as incursões dos grupos
de galeras às mazelas sociais provocadas por esse empreendimento capitalista
importado de fora e proposto pelos governos militares do Brasil do século XX.
Algumas notícias dos jornais A Crítica e A Notícia, bem como algumas
lembranças de Raidi Rebello e de Medroso, dois dos colaboradores que concederam
entrevista, focaram suas narrativas sobre as origens das galeras, em parte, no
crescimento populacional e no número de jovens existentes na cidade de Manaus nos
anos 1980 e 1990 que, segundo eles, era muito grande, mesmo se comparado com o de
hoje. Em outros momentos, as notícias sugeriam que os jovens desordeiros membros
das galeras eram o resultado do desemprego desencadeado por crises econômicas que
derivaram do governo Collor de Mello e de outras administrações que afetaram todo o
país, uma vez que tais crises resultaram em mais famílias desestruturadas e mais
desocupados vagando pelas ruas à procura de algum ganho, lícito ou não.
Neste subcapítulo, se tentará discutir e problematizar a questão da Zona Franca
de Manaus e se e até que ponto, de fato, este megaempreendimento realizado pelo
governo em parceria com o capital privado foi capaz de gerar todo um imenso
deslocamento de pessoas em um curto espaço de tempo de modo que até produziu,
direta e indiretamente, não só um êxodo rural parecido com o que ocorreu oitenta anos
antes, no auge do período de extração da borracha, mas também uma alteração na
quantidade de pessoas jovens que passou a residir na cidade de Manaus, motivadas pela
113
expectativa de conseguir se empregar em alguma das fábricas instaladas nesta cidade,
mas que, nem sempre, compunham o quadro de funcionários dessas empresas ou
praticavam qualquer outra atividade remunerada já que, segundo algumas destas fontes,
vários desses jovens oriundos de bairros e famílias de classe baixa e desestruturadas
seriam facilmente mobilizados pelas galeras e galerosos.
Eis alguns trechos das notícias dos jornais A Crítica e A Notícia que chegaram a
ser consultados e que ressaltam a influência da Zona Franca de Manaus na vida e no
comportamento dos jovens e demais residentes da cidade:
A CRÍTICA. 18 de janeiro de 1990. Opinião.
AS GALERAS DA CRISE
[...] a situação de insegurança em Manaus está a exigir das autoridades
urgentes e rigorosas providências [...].
Não é de hoje que os jornais noticiam a ação das chamadas “galeras” [...].
O problema não é tão simples. E na minha modesta observação tem inúmeras
causas, sendo as principais, o governo com a sua conhecida incompetência e
a televisão que oferece, com os seus enlatados, um completo treinamento de
violência [...].
O êxodo rural também contribui para isso. O Amazonas, apesar da
Constituição Estadual assim exigir, não tem uma política agrícola definida. O
campo está abandonado. O produtor não tem outro recurso a não ser mudar-
se para área urbana, onde o seu filho cedo ou tarde termina integrando um
desses bandos.
[...]113
A CRÍTICA. 23 de dezembro de 1990. (Página 16, 3º caderno)
[...]
A violência que as crianças são submetidas nas famílias na sua maioria em
processo de desagregação é absorvida. Estes meninos sem trabalho escolar
responsável buscam meios de resposta a essa violência. No grupo encontram
uma forma de adquirir segurança.
Tal observação é feita pelo psiquiatra Manoel Galvão, numa resposta a
agressividade demonstrada pelas “Galeras”. Na sua linha de pensamento é
necessário que tomemos como referência história [histórica] a agressão que
Manaus e seus habitantes sofreram desde a chegada do colonizador na
Amazônia.
– Tivemos o grande extermínio das comunidades indígenas, para no segundo
momento vivermos o êxodo rural com a adição da Zona Franca – afirma.114
114
60
A NOTÍCIA. 12 de janeiro de 1990. Página 8 (Geral)
ÊXODO FAVORECE GANGS
Êxodo rural, situação econômica instável e filmes onde a violência é a
temática principal, quase sempre de procedência norte-americanas, exibidos
em horários reservados a menores são os principais fatores, na opinião do
superintendente em exercício da Polícia Judiciária Metropolitana Francisco
Sobrinho, responsável pelo nascimento e proliferação das galeras de ruas que
cresceram assustadoramente em Manaus.115
A NOTÍCIA. 14 de janeiro de 1990. Página 8 (Geral)
BLITZ CONTRA AS GALERAS AINDA NÃO FOI DEFLAGRADA
[...]
Sobrinho cita a crise socio-econômica que o país enfrenta como um dos
pontos determinantes para o surgimento das gangs. Há milhares de
desempregados ou no sub-emprego, vivendo em condições de miséria. O
interiorano deixou o campo em busca de vida melhor na cidade. Passou a
viver em favelas sem poder dar assistência à família que se desintegrou.
[...]
Os jovens em grande parte são oriundos de lares desintegrados, sendo que
alguns convivem com a família. [...]116
A CRÍTICA. 27 de janeiro de 1991. Polícia.
BAIRROS CARENTES NÃO SE LIVRAM DE BANDITISMO
[...] O Lírio do Vale é povoado por um grande número de pessoas de baixa
renda. Com o desemprego em massa na Zona Franca, os bairros mais
carentes foram atingidos por maior escala da marginalidade. Tanto
adolescentes como adultos saem às ruas em busca de uma “aventura”
qualquer.117
A CRÍTICA. 23 de junho de 1991. Página 13 (Especial)
FÚRIA INDOMÁVEL
[...]
Cláudio Marcos, 19, ex-integrante da galera Selvagem. – Cansado de dar 61
113 – Jornal A Crítica, 18/01/1990, p. Opinião. Matéria As Galeras da Crise, escrita por Tadeu de
Souza. Biblioteca pública de Estado do Amazonas.
114 – Jornal A Crítica, 23/12/1990, p. 16, 3º Caderno. Matéria Jovem de 17 anos tomba com três tiros
no Morro da Liberdade. A Guerra das Galeras. O Desafio dos que Temem Viver. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas. 115 – Jornal A Notícia, 12/01/1990, p.8 (Geral). Matéria Êxodo Favorece Gangs. Biblioteca Pública do
Estado do Amazonas.
115
com a cara na porta, desistiu de procurar emprego e integrou-se a galera
Selvagem.
[...]
Uma vida marcada
[...]
Num Brasil classificado, segundo estatística da Organização das Nações
Unidas (ONU), como 61º país do mundo em nível de vida, a miséria
nordestina pode ser medida pela disputa de um calango, caçado a foice em
período de seca, para enganar a fome. No amazonas, onde a fome é driblada
pelo pirão do caldo de bobó com farinha de mandioca, pupunha, tucumã,
macaxeira, jerimum e por um número ilimitado de alimentos primitivos da
região, a miséria pode ser avaliada, entre outras causas, pela formação de
galeras.
Nos últimos cinco anos, período em que o interior do Estado foi submetido a
penoso abandono, a cidade da Zona Franca, do paraíso dos incentivos que
privilegia aos empresários faturamento anual de até 7 bilhões de dólares, foi
invadida pelo campesinato.
Desencantados do sonho de um dia se tornarem operários das indústria da
Zona Franca de Manaus (ZFM), milhares de famílias do interior ocuparam a
periferia em verdadeiros bolsões de miséria.
Entregues à própria sorte, a esquina é a primeira opção de vida para quem
sonhava com o paraíso da ZFM. No canto de rua, o desocupado está a um
passo da droga, de emoções jamais sentidas.
Ingênuos costumes trazidos do interior são diluídos pela maconha, cola de
sapateiro, cocaína e toda sorte de entorpecentes. Iniciados no consumo de
droga, poucos são os que ainda encontram saída e optam por vida diferente.
Para a maioria roubar é a solução mais prática não só para atender as
necessidades de rotina mas também para ter acesso ao passador, ao traficante
de droga.
Para muitos, o caminho mais próximo do furto, do roubo e do assalto pode
ser encontrado através das galeras. Formadas por rapazes de 14 a 17 anos, a
galera pode iniciar sua experiência com pequenos roubos – como tirar par de
tênis de um desconhecido – e terminar com um curriculum recheado de
homicídios.
[...]
As galeras, ao contrário do que afirmou o ex-secretário de Segurança Pública,
Klinger Costa, não desapareceram. Elas estão vivas e se proliferam por toda
116 – Jornal A Notícia, 14/01/1990, p. 8 (Geral). Matéria Blitz Contra as Galeras ainda não foi
Deflagrada. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
117 – Jornal A Crítica, 27/01/1991, p. Polícia. Matéria Bairros Carentes não se Livram de Banditismo.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
116
periferia da cidade e alguns de seus tentáculos já atinge, inclusive, o interior
do Estado.
O sonho de encontrar no paraíso da ZFM para muitos terminou em galera,
talvez jamais sonhado pelo humilde filho do campo que um dia abandonou
suas tradições de homem do interior para aventurar na cidade vida mais digna
e com perspectiva de futuro.
[...]118
A CRÍTICA. 11 de agosto de 1991. Polícia.
COMPORTAMENTO
MENORES PRATICAM 90% DOS CRIMES EM MANAUS
Cerca de 90% dos crimes em Manaus nos últimos dois anos forma praticados
por menores de 18 anos e, em geral, por „gangs de rua‟ que na versão
amazônica tomaram o nome de „Galeras‟. A conclusão faz parte de um
levantamento da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas sobre a ação
das 40 mais perigosas „galeras‟ nas áreas favilizadas [favelizadas] de Manaus,
que cobre dois terços da paisagem urbana da cidade.
[...]
A perversidade com que agem, inclusive com violência sexual sobre suas
vítimas, tem atraído a atenção de antropólogos, sociólogos e psicólogos sobre
o fenômeno, em geral atribuindo a desestruturação das famílias
transplantadas do interior para a capital [...].119
A CRÍTICA. 15 de agosto de 1991. Polícia.
Hoje são diversas comunidades que reclamam pela falta de segurança. Muitos
pais vêem suas famílias prejudicadas pela ação das galeras (fenômeno do
crime após a criação da ZFM). No entanto, os componentes destes grupos de
delinquentes tem uma origem: famílias desajustadas econômica e
socialmente. Esse desajuste é consequência principalmente da concentração
cada vez maior da renda combinado com a crise que vive vários setores da
economia nacional.120
A CRÍTICA. 13 de outubro de 1991. Página 5 (Cidade)
RURÍCULAS PEDEM PARA RETORNAR
Com a intenção de inverter o processo do êxodo rural registrado nestes
últimos tempos, o diretor das Comunidades do Interior do Amazonas, José
Cláudio Menezes, esteve com a secretária de Ação Social, Maria Emília
Mestrinho, solicitando dela transporte para oito famílias de agricultores que
pretendem voltar às comunidades produtoras de Araçá. De lá, elas irão de
117
62
barco até o rio Juma, onde pretendem se instalar definitivamente. A diretoria
do Movimento, juntamente com a SEAS e outros órgãos do Governo
estadual, tem procurado inverter o processo do êxodo.121
A CRÍTICA. 05 de abril de 1992. Página 3 (Cidade)
NOS BRAÇOS DO RIO, O AMARGO RETORNO
O sonho de melhorar de vida na Zona Franca ou de ficar rico num garimpo
continua trazendo centenas de pessoas a Manaus. Uma parte fica e a outra
utiliza a cidade como base para continuar viagem até os Estados de Rondônia
ou Roraima. Não há estatística mostrando a realidade da migração, somente a
Secretaria de Trabalho e Ação Comunitária (Setrac) tem anotações dos que
passam por lá em busca de ajuda. Uma tendência animadora é que muitos
interioranos começam a concluir que o fascínio da Zona Franca não é real.
De maio até dezembro do ano passado, 100 pessoas retornaram ao interior,
festeja a coordenadora de Assistência e Orientação Social, Natália de
Mendonça.
Em 1991, a Setrac atendeu a 182 pessoas que mudaram-se para Manaus
vindas de localidades da Região Norte; do Nordeste vieram 101; Centro
Oeste, 45; Sudeste, 36 e Sul, sete. Transitaram, na cidade retornando à sua
cidade de origem, 484 pessoas. Indo para outros Estados que não os seus,
geralmente Rondônia ou Roraima, passaram por Manaus 230 pessoas. Dos
municípios do interior do Estado chegou um total de 134 pessoas e
retornaram 100.
Natália Mendonça observa que nos quatro primeiros meses do ano passado a
Setrac não tinha recursos para auxiliar os que desejavam retornar ao interior,
o que somente aconteceu a partir do mês de maio, quando chegaram oito
pessoas e voltaram 11. Daí para a frente a tendência foi sempre de aumentar o
número de retorno em comparação com a chegada. Um perfil de quem volta
para casa mostra que eles estão há pouco tempo na capital, não conseguiram
lugar para morar e nem emprego, não tem qualificação profissional e no
máximo fizeram o 1º Grau. Geralmente deixaram parentes cuidando da terra
e quando concluem que não há como sobreviver na cidade grande, resolvem
fazer o caminho de volta.122
A CRÍTICA. 05 de abril de 1992. Cidade.
118 – Jornal A Crítica, 23/06/1991, p. 13 (Especial). Matéria Fúria Indomável, escrita por Castelo
Branco. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
119 – Jornal A Crítica, 11/08/1991, p. Polícia. Matéria Comportamento. Menores Praticam 90% dos
Crimes em Manaus. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
120 – Jornal A Crítica, 15/09/1991, p. Polícia. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
118
VIDA NA CAPITAL DESILUDE MUITA GENTE COM A CRISE
O centro [censo] do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
realizado no ano passado contou 1.010. 558 pessoas em Manaus. Mas a 63
radiografia da cidade mostrando a qualidade de vida dos habitantes somente
será mostrada no próximo ano. O diretor da Divisão de Pesquisas do
Amazonas, José Maria Serrão, explicou que todos os questionários foram
enviados à Diretoria Regional, em Belém, que depois os encaminhará para a
direção geral, no Rio de Janeiro, onde serão processados. Mesmo sem a
estatística dá para concluir que a vida perdeu qualidade na capital da Zona
Franca e está provocando desilusões.
Maria da Conceição Moreira de Souza, 37 anos, perambulava sexta-feira no
Porto de Manaus à procura de informações sobre preços da passagem de
barco para o município de Parintins. A história dela é parecida com a de
centenas de Marias. Há três anos a família chegou à capital, fugindo dos
problemas vividos num beiradão, no Baixo Amazonas. “A enchente tomava
nossas plantações, a juta estava sem preço, as crianças não tinham onde
estudar”, relata ela.
Mas o sonho de encontrar facilidades na capital caiu por terra muito cedo.
Somente com a experiência de agricultura, o marido, Manoel Tavares de
Souza, teve muita dificuldade em conseguir emprego. Trabalhou como
vigilante durante algum tempo, mas foi demitido e dedicou-se a fazer
biscates. Desiludido, passou a beber. Os seis filhos continuaram sem estudar
e todos se amontoavam num quartinho alugado. Conceição diz que tentou
conseguir terras em várias invasões, mas não conseguiu. Há seis meses o
marido abandonou a família e a situação ficou mais difícil. Na semana
passada ela recebeu um recado dos pais com a promessa de ajuda, caso
retornem ao interior.
“Acho que é melhor voltar”, diz Conceição. Ela chegou a Manaus com seis
filhos e teve mais um após a mudança, mas vai retornar sem o marido, a filha
mais velha, de 17 anos, e o segundo, de 16. “Eles resolveram tomar o rumo
deles”, conta. O retorno, com um gosto de derrota, será difícil para
Conceição. Uma passagem de segunda classe para Parintins custa Cr$ 210
mil.123
A CRÍTICA. 14 de junho de 1992. Página 3 (Cidade)
COMEÇA A VIAGEM DE REGRESSO
121 – Jornal A Crítica, 13/10/1991, p. 5 (Cidade). Matéria Rurículas Pedem para Retornar. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
122 – Jornal A Crítica, 05/04/1992, p. 3 (Cidade). Nos Braços do Rio, o Amargo Retorno, escrita por
Terezinha Patrícia. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
119
A crise no Distrito Industrial – responsável pela demissão de mais de 40 mil
trabalhadores –, aliada à recessão do País, que impede a oferta de novos
empregos, tem sido apontada como responsável pelo fim do sonho de muitos
interioranos que, há alguns anos, chegaram em Manaus em busca do
verdadeiro “Eldorado” e agora voltam, decepcionados e angustiados, para as 64
suas terras de origem. Tudo indica que o sonho acabou e que o amargo
regresso ao “lar” é mesmo inevitável.
O fato pode ser claramente constatado no Porto de Manaus (Rodway) onde
diariamente, dezenas de famílias embarcaram de volta às suas cidades de
origem trocadas por Manaus pensando em enriquecer e proporcionar
melhores condições de vida para seus filhos. O pequeno roçado e a criação de
porcos (suinos) ou galinhas foi substituída por uma gigantesca fábrica do
Distrito Industrial e hoje, sem dinheiro no bolso e sem perspectivas de um
futuro melhor os caboclos não têm outra opção senão voltar para casa.
José Silva Santos, 34 anos, pai de três filhos é uma das pessoas que se
“iludiu” com a Zona Franca de Manaus. Veio para cá há cinco anos em busca
de um emprego no Distrito e de um bom salário para sustentar os filhos e a
mulher. Seu maior sonho era viajar para o Japão, onde poderia aprender as
técnicas usadas pelo povo oriental para enriquecer. “Consegui emprego de
montador numa grande empresa que fabrica televisores. Meu salário nunca
deu, sequer, para comprar um barraco. Vivia em quarto alugado e o que
recebia dava apenas para adquirir comida. Achava que o amanhã seria melhor
e que eu teria a chance de viajar para fazer algum curso no Japão, como
muitos foram. Não consegui. Veio a crise no Distrito e eu fui demitido. Tentei
arranjar emprego em outras empresas, mas minha tentativa foi inútil. Sem
dinheiro e sem condições de continuar sustentando minha família em Manaus
apelei para um amigo que me emprestou o dinheiro para eu voltar, com a
minha família, para Manicoré, onde moram meus pais. Vou arriscar. Vou
plantar para tentar colher num futuro próximo. Aqui não dá mais para viver”,
desabafou Santos acrescentando que o mais angustiante é que vai retornar
para a terra onde nasceu em situação pior do que saiu.
O problema de José Santos é pequeno em frente ao da família Gomes.
Aparecido Lima Gomes, 53 anos, mora em Manaus há 11 anos. É casado e
tem cinco filhos. Também veio para cá em busca de emprego no Distrito
Industrial. Não conseguiu nada. Teve que trabalhar como marceneiro e, desde
cedo, colocou os filhos para vender frutas nas ruas da cidade. Uma das filhas
saiu de casa e se tornou prostituta. Os outros filhos, felizmente, não seguiram
123 – Jornal A Crítica, 05/04/1992, p. Cidade. Matéria Vida na Capital Desilude Muita Gente.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
120
pelo mesmo caminho do vício. Morou, sempre, em favelas e nunca teve
condições de dar uma boa alimentação para a sua família. No último ano a
situação piorou e ele decidiu jogar tudo pra cima e voltar para seu terreno,
localizado próximo a Manicoré, no rio Madeira. Com lágrimas nos olhos
garante que veio a Manaus colocar a perder sua filha mais velha. Jamais se
perdoará por isso. Vai embora na tentativa de conseguir, pelo menos, viver
mais alguns anos e deixar os outros filhos encaminhados. “Não sei o que vim
fazer aqui. Essa terra é uma enganação. Nunca deveria ter deixado o meu
terreno. Acho que não existe trabalho mais digno do que plantar e colher o
pão de cada dia. A possibilidade de ficar rico me fez cometer esse erro que,
agora, estou tentando reparar. Não voltei antes, para meu terreno, porque não
tive condições”, disse ele, enquanto tentava arranjar um lugar para armar a
sua rede no barco que iria lhe levar de volta ao lar.
Situações semelhantes a de José Santos e Aparecido Gomes ocorrem
diariamente [...]124
A CRÍTICA. 24 de setembro de 1998. Polícia.
[...]
O delegado Petrônio Carvalho, do 9º DP, no bairro de São José, diz que as
gangues aparecem sempre em bairros onde não há urbanização, onde faltam
escolas e áreas de lazer. Ele explica que esse problema social, estrutural,
causado pela desestruturação familiar [...].125
A CRÍTICA. 30 de maio de 1999. Página C4 e C5. Cidades.
[...]
Zona Franca
Defensor de movimentos sociais em Manaus, o advogado Lino Chíxaro
(PPS) diz que o fenômeno das galeras está ligada intrinsecamente ao
desenvolvimento econômico conturbado, implantado a partir de 1967, em
pleno regime militar, pelo modelo Zona Franca de Manaus.
“Manaus tinha apenas 170 mil habitantes em 1967 e, três décadas depois, tem
uma população de 1,7 milhões de habitantes”, diz o advogado. Se por um
lado o paraíso fiscal da Zona Franca gerou empregos, ele reconhece que
produziu igualmente m inchaço urbano extraordinário. “As indústrias
eletroeletrônicas, que desfrutaram todos esses anos de generosos incentivos
fiscais, esqueceram-se de retribuir socialmente o que ganharam”, diz [...].126
A CRÍTICA. 20 e 21 de junho de 1999. Página C1. Cidades.
As galeras converteram-se num fenômeno explosivo e mortífero no interior
do Amazonas, conforme levantamento realizado esta semana por reportagem
121
65
de A CRÍTICA. Elas não são episódicas ou uma ocorrência localizada, como
se poderia imaginar. Em todas as calhas de rio da imensa bacia hidrográfica
estabelecida em 1,5 milhão de quilômetros quadrados, as gangues atuam
assumindo a mesma feição de organização criminosa e truculência que
parecia peculiar apenas às galeras de Manaus.
[...] Por ter ligação rodoviária com Manaus, a cidade de Presidente
Figueiredo (a 107 quilômetros de Manaus), considerada intermediária pelos
padrões regionais, também registra o fenômeno. Tanto em Figueiredo como
em Itacoatiara e Manacapuru – interligadas por estrada com a capital do
Amazonas –, é comum a prisão de integrantes de galeras.
“Mantemos vigilância nessas cidades porque sabemos que é para lá que eles
fogem sempre que cometem crimes na capital”, reconhece o secretário de
Segurança Pública, Klinger Costa [...].
Gangue indígena
“Elas são expressão da forte onda migratória das zonas rurais para as cidades
do interior”, resume a secretaria de Saúde de São Gabriel da Cachoeira,
Maria Auxiliadora Leal, 46, que mora há 11 anos no Município. Ali, há duas
semanas um soldado do Exército foi morto por uma gangue formada por dez
índios, recrutados entre várias tribos.
[...]
Índios viram „galerosos‟
As galeras assumiram a sua visão mais assombrosa no município de São
Gabriel da Cachoeira (a 858 quilômetros de Manaus), no Alto rio Negro. Ali,
entre corredeiras e paisagens montanhesca, as galeras incorporam a cara e a
fala dos índios da região. As seis galeras em atuação nessa cidade de oito mil
habitantes são todas integradas por índios que migraram de suas aldeias.
“Como as galeras são fruto do êxodo rural, elas são formadas exclusivamente
por índios porque são eles, afinal, que habitam nossas áreas ribeirinhas”,
destaca o prefeito de São Gabriel, Amilton Gadelha, 40.
Elas ainda são pouco conhecidas da polícia, que sabe dos métodos de apenas
uma delas: a do Condomínio, formada por indígenas que chegaram a São
Gabriel para estudar e moram no Centro da cidade.
[...]127
A CRÍTICA. 27 e 28 de junho de 1999. Página C8. Cidades.
124 – Jornal A Crítica, 14/06/1992, p. 3 (Cidades). Matéria Começa a Viagem de Regresso, escrita por
Evelina Câmara. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
125 – Jornal A Crítica, 24/09/1998, p. Polícia. Matéria Presa Gangue que Tumultuou Maternidade.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
126 – Jornal A Crítica, 30/05/1999, p. C4 e C5 (Cidades). Matéria Quando não Matam, Ferem. [...]
Guerra de Gangues (Parte I), escrita por Síglia Regina e Orlando Farias. Biblioteca Pública do Estado
do Amazonas.
122
O estudante Daniel Pereira tem tudo para achar que saiu do “inferno”, como
ele mesmo diz. Afinal, poderia estar agora morto ou cumprindo pena no
presídio, destino que irremediavelmente cumpriram 90% dos seus amigos de
comunidade. Vigoroso aos 20 anos, alto e bom de briga, Daniel era membro 66
de uma das galeras mais atuantes do bairro São José Operário, Zona Leste,
espécie de celeiro desse fenômeno na periferia de Manaus.
Desde os 13 anos, quando ainda era menino de rua, Daniel foi levado por
menores mais velhos para uma das gangues. Passou seis anos convivendo
com as drogas e com o submundo do crime.
Um ano depois de ter decidido abandonar esse “mundo de perdição” como
diz, ele faz um balanço de sua vida que assusta. Daniel “louva a Deus” pelo
fato de ter saído vivo de seu encontro com as galeras [...].
[...] o ex-membro de galera reconhece que as gangues não existem por acaso.
Elas são consequência das desigualdades sociais. “Tenho que reconhecer, por
exemplo, que sou fruto do êxodo rural”, alega, em referencia à sua origem de
família pobre que veio nos anos 70 de Coari para Manaus, tangida pela
enchente do rio Solimões [...].128
A primeira notícia afirma que pelo fato do “campo está abandonado”, os
habitantes do interior estariam se mudando para a capital Manaus, “onde cedo ou tarde
o seu filho termina integrando um desses bandos” de galera; a segunda matéria
argumenta, através do psiquiatra Manoel Galvão, que a violência das crianças e jovens
envolvidas com galeras teria relação com “a agressão que Manaus e seus habitantes
sofreram desde a chegada do colonizador na Amazônia.” Tal violência teria gerado o
massacre de índios e “o êxodo rural com a adição da Zona Franca”; a terceira noticia,
novamente usando uma suposta autoridade no assunto sobre galeras, que estas seriam o
resultado de uma combinação de saída do campo, crise econômica e filmes de violência;
a quarta, outra vez se valendo da autoridade Francisco Sobrinho, diz que este “cita a
crise socio-econômica que o país enfrenta como um dos pontos determinantes para o
surgimento das gangs.” Para o superintendente da Polícia Metropolitana, “o interiorano
deixou o campo em busca de vida melhor na cidade”, mas não conseguiu “dar
assistência à família que se desintegrou”; a quinta afirma que por causa do “desemprego
em massa na Zona Franca”, os habitantes dos bairros mais carentes foram mais
127 – Jornal A Crítica, 20 e 21/06/1999, p. C1 (Cidades). Matéria Explosão. Galeras. Jovens do
Interior Formam Grupos Violentos. [...] Guerra de Gangues (Parte IV), escrita por Orlando Farias e
Síglia Regina. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
123
atingidos quanto ao aumento “da marginalidade”; a sexta cita Cláudio Marcos, de 19
anos, como um ex-integrante da galera Selvagem que se tornou galeroso por não
aguentar mais “procurar emprego” e “dar com a cara na porta”. Além disso, diz que no 67
Estado do Amazonas “a miséria pode ser avaliada, entre outras coisas, pela formação de
galeras”. Novamente alude ao abandono do interior e à invasão de Manaus motivada
pela Zona Franca. Entretanto, as “milhares de famílias do interior” que “ocuparam a
periferia em verdadeiros bolsões de miséria”, estariam desencantadas por não
conseguirem se tornar operárias das fábricas do Distrito. Seus “ingênuos costumes
trazidos do interior” estariam se corrompendo, já que muitos integrantes dessas famílias
estavam se transformando em usuários de drogas, criminosos e em membros de galeras,
ao invés de trabalhadores.
A sétima notícia afirma que 90% dos crimes em Manaus estavam sendo
praticados por jovens membros de galeras oriundos de famílias desestruturadas do
interior que se mudaram para a capital, segundo a Secretaria de Segurança Pública do
Estado do Amazonas; a oitava se refere às galeras como um “fenômeno do crime após a
criação da ZFM”, afirma que os jovens integrantes desses grupos são de “famílias
desajustadas econômica e socialmente” e alega que tal desajuste é resultado da situação
econômica ruim do país em vários setores combinada com a concentração de renda; a
nona matéria alude a um esforço no sentido de tentar inverter o processo do êxodo rural;
as matérias décima, décima primeira e décima segunda indicam que muitas pessoas
estavam desempregadas e decepcionadas após saírem de seus municípios de origem e
migrarem para Manaus na esperança de conseguir se empregar em alguma fábrica do
Distrito Industrial. E como não estavam mais conseguindo sobreviver longe de sua
cidade natal, a única alternativa que estavam encontrando era retornar, ainda que
frustrados.
Na notícia décima segunda, porém, é anunciado que “a crise no Distrito
Industrial – responsável pela demissão de mais de 40 mil trabalhadores –, aliada à
recessão do País, que impede a oferta de novos empregos” seriam os obstáculos que
estariam atrapalhando a vida dos “interioranos” residentes em Manaus naquele
momento; a décima terceira matéria também faz referência à Zona Franca como uma
128 – Jornal A Crítica, 27 e 28/06/1999, p. C8 (Cidades). Matéria Em Paz com Deus. Estudante Fugiu
do „Inferno‟ da Galera, escrita por Orlando Farias e Síglia Regina, com colaboração de Lúcia Carla
Gama. Biblioteca pública do Estado do Amazonas.
124
das razões do surgimento das galeras. Porque segundo o advogado Lino Chícaro, que é
consultado pelo jornal A Crítica, “o fenômeno das galeras está intrinsecamente ligado
ao desenvolvimento econômico conturbado, implantado a partir de 1967, em pleno
regime militar, pelo modelo Zona Franca”. Para esta autoridade, a população da cidade
cresceu muito e as indústrias “esqueceram-se de retribuir socialmente o que ganharam”.
A décima quarta matéria afirma que também em Presidente Figueiredo,
Itacoatiara, Manacapuru e São Gabriel da Cachoeira era comum a formação de galeras
cujos integrantes seriam oriundos de zonas rurais e até indígenas, como no caso de São
Gabriel da Cachoeira. Esses municípios seriam também locais de refúgio de muitos
galerosos que para lá se deslocavam procurando abrigo após cometerem algum delito
em Manaus e serem procurados pelas autoridades policiais, segundo o secretário de
segurança Klinger Costa; por fim, a décima quinta notícia apresenta um jovem
estudante chamado Daniel que, segundo a matéria, teria sido membro de uma galera do
bairro São José Operário por seis anos. Ainda de acordo com o autor do texto, Daniel
diz ter consciência de que é “fruto do êxodo rural”, uma vez que sua família migrou de
Coari para Manaus nos anos 1970 “tangida pela enchente do rio Solimões”.
A ideia de que o crescimento populacional de centros urbanos em
desenvolvimento e as oportunidades de emprego oferecidas por grandes cidades
industriais estimulam a delinquência e a criação de grupos de jovens arruaceiros não é
originária do século XX. Na Europa e nos Estados Unidos, essa ideia já estava presente
quando os hooligans ingleses, os apaches franceses e os garotos de gangues descritos
por Herbert Asbury em As Gangues de Nova York se tornaram um dos principais temas
das notícias espetaculares e de entretenimento dos leitores dos jornais sensacionalistas
do final do século XIX.129
Segundo Jon Savage, “o conceito ocidental de juventude” sofreu uma grande
influência da Revolução Industrial, porque tal movimento político e econômico
provocou “enormes migrações do campo para a cidade e inaugurou uma nova sociedade
baseada no materialismo, no consumismo e na produção em massa. Nas cidades
anônimas [...] estruturas tradicionais de trabalho, vizinhança e família se romperam”.
Amparado em um estudo escrito por uma assistente social de Chicago chamada Jane
Addams, The Spirit of Youth and the City Streets (O Espírito da Juventude e as Ruas da
Cidade), Savage argumenta que o industrialismo gerou ondas imigratórias gigantescas
para os principais centros urbanos dos Estados Unidos, mas as famílias que imigraram
tinham dificuldade para estabelecer uma conexão com o país. A geração dos pais
125
continuava muito apegada ao seu país de origem, enquanto os filhos, muitos dos quais já
nascidos em solo americano, não haviam conhecido a terra natal de seus pais. Isso
significava, na prática, que havia uma alienação entre filhos e pais quanto ao que ambos
conheciam e desejavam, pois os pais não conseguiam se desvincular totalmente de seus 68
costumes, língua e cultura, às vezes, chegando a impô-los aos filhos, mesmo quando já
não eram mais socialmente convenientes. Os filhos, por sua vez, tentavam se adaptar ao
novo ambiente, mas sofriam pressões dos pais para que não se integrassem totalmente
ao país de acolhida, uma vez que isso significaria uma ruptura e/ou traição dos elos
familiares. Estava preparado o terreno para um gradativo duelo de gerações.130
Na Europa, esse conflito de gerações começou a aparecer mais explicitamente a
partir da Primeira Guerra Mundial. As gerações que haviam lutado na guerra, ao
retornar, se sentiam na obrigação de auferir mais respeito, prestígio e obediência que os
mais jovens e que aqueles que não haviam participado do conflito, enquanto que os
mais jovens não só desprezavam os mais velhos por considerá-los os responsáveis pela
guerra, mas os desprezavam duplamente por os terem abandonado para irem lutar em
uma guerra aparentemente sem sentido algum. E uma vez que esses jovens filhos
haviam suportado o impacto do conflito substituindo os pais e irmãos mais velhos que
haviam ido lutar e trabalhando e cuidando de suas famílias junto de suas mães, irmãs e
avós, não viam razão para se comportarem com deferência diante da geração
imediatamente mais velha que eles. Para esses jovens que adquiriram muita autonomia e
independência durante esse período, a verdadeira guerra era contra os adultos, não
contra outras nações.131
Savage também sugere que durante o período das guerras, tornou-se muito
comum ver jovens adolescentes se divertindo em bares, desafiando rivais em disputas
nas ruas e provocando algazarras em espaços públicos. Como estavam soltos, ou seja,
sem a supervisão de um adulto da família que lhes inspirasse obediência, tinham
trabalho e dinheiro para gastar e estavam vivendo em um momento de penúria e
racionamento, a fuga que encontravam dessa realidade incerta e precária estava, às
vezes, em um copo de bebida e em uma casa de diversão ou de jogo. Segundo o autor,
isso também ajudou a criar um clima de desconfiança e rivalidade mútua entre as
diversas gerações durante e após as duas grandes guerras, tanto que um enquadramento
129 – SAVAGE, Jon. A Criação da Juventude: como o conceito de teenage revolucionou o século XX.
Rio de Janeiro: Rocco, 2009; ASBURY, Herbert. As Gangues de Nova York: uma história informal do
submundo. São Paulo: Globo, 2002.
126
maior dos jovens começou a ser considerado uma das principais soluções que os adultos
encontraram para resolver o problema.132
Assim, é possível que exista mesmo uma forte relação entre migração/imigração
de pessoas de cidades menores para cidades maiores e um vertiginoso crescimento de 69
desordens públicas provocadas por indivíduos recentemente instalados na sociedade que
os recebe, embora tal relação não seja provocada apenas pela migração. Assim, por que
tais grupos de jovens só começaram a aparecer na segunda metade da década de 1980,
se a Zona Franca de Manaus começou a se expandir e a atrair migrantes desde os anos
1970, quando iniciam-se sistematicamente os trabalhos de construção do Distrito
Industrial?133
A resposta a esta pergunta vai além do modelo de economia industrial
representado pelo complexo fabril instalado em Manaus, mas também é inegável a
influência desse modelo no surgimento dos grupos de galeras.
O estudo de Edila Arnoud Zona Franca de Manaus: os filhos da era
eletroeletrônica explica que a Zona Franca de Manaus foi criada pelo Decreto-lei nº
3.173, de 06/06/1957, mas só foi colocada em prática, ou seja, implementada, quase dez
anos depois, com o Decreto-lei nº 288, de 28/02/1967. A intenção do governo brasileiro,
à época, era criar uma zona de livre comércio que facilitasse a economia de importação
e exportação e incentivasse o comércio e o setor agropecuário por meio de incentivos
fiscais especiais. Na prática a implementação da Zona Franca atendia também ao
projeto que o governo militar estabeleceu de ocupar e desenvolver a região amazônica
com o intuito de garantir a segurança nacional.134
Ainda segundo este estudo, as primeiras indústrias que se estabeleceram em
Manaus no início dos anos 1970 se caracterizaram por suas instalações precárias,
“provisórias e acanhadas, produção ineficiente [...], como a perscrutar as possibilidades
reais de evolução desta proposta do governo colocada em ação”. Só a partir da segunda
metade desta década é que, sob pressão do governo, os empresários começam a ser
obrigados a construir “plantas industriais definitivas na região”.
Entretanto, embora o modelo de economia proposto significasse uma melhoria
na economia da Amazônia, desde o começo ele representou também um estímulo ao
êxodo rural e um abandono da produção agropecuária, com os previsíveis resultados
130 – Ibidem.
131 – Ibidem.
132 – Ibidem.
127
negativos na produção de gêneros alimentícios tradicionalmente cultivados, coletados e
comercializados no Estado.135
No livro História do Amazonas, escrito pelo professor Francisco Jorge dos
70
Santos, podemos ler que a Zona Franca de Manaus foi desenvolvida e implantada de
forma similar às zonas francas do México e de alguns países asiáticos. Em todas elas a
mão-de-obra mais requisitada era composta por mulheres e jovens vindos, sobretudo, de
áreas rurais e exigia um mínimo de qualificação e escolaridade. O historiador Francisco
Jorge retira essas informações do livro A Utilização do Trabalho Feminino nas
Indústrias de Belém e Manaus, de Edila Arnoud Moura dentre outros autores, publicado
em 1986. De acordo com esse estudo a única diferença entre essas zonas industriais é
que as da Ásia e do México foram desencadeadas pela “Revolução Verde” dos anos
1960, que alterou drasticamente a produção agropecuária através de inovações
tecnológicas como a introdução do uso de maquinários, agrotóxicos, fertilizantes,
desenvolvimento de pesquisas com sementes mais adaptadas aos diferentes tipos de
clima e solo e mais resistentes a pragas e doenças. A iniciativa, inicialmente patrocinada
principalmente pelos Estados Unidos e pelo grupo Rockefeller, se valeu do discurso de
que se a produção de gêneros alimentícios aumentasse, seria possível acabar com a
fome no mundo. Porém, tal “revolução” gerou foi um monopólio da produção desses
gêneros pelos grandes empresários do ramo e pelas nações mais ricas e industrializadas,
sobretudo Estados Unidos, Japão e países da União Europeia, bem como um aumento
da dependência dos países em desenvolvimento e do endividamento dos pequenos
produtores, que foram pressionados pelas empresas e levados a comprar, por meio de
empréstimos, máquinas para aumentar a produção e corresponder à demanda
crescente.136
Na Zona Franca de Manaus o que ocorreu, ainda segundo Edila Arnoud,
citada por Jorge dos Santos, foi uma imensa migração dos municípios do interior do
Estado do Amazonas para Manaus em função “do agravamento da crise agrária, do
avanço da privatização da terra, e em decorrência da perda gradual das condições de
vida e trabalho das populações rurais”.137
Se nos valermos de outro estudo utilizado pelo professor Francisco Jorge na
mesma obra citada acima, intitulado Zona Franca, Desenvolvimento Regional e o
133 – ARNOUD, Edila et al. Zona Franca de Manaus: os filhos da era eletroeletrônica. Série Pobreza e
Meio Ambiente. Belém: UNAMAZ, FUA, UFPA, 1993, p. 17-18.
134 – Ibidem.
135 – Ibidem.
128
Processo Migratório para Manaus, de Rosalvo Machado Bentes, também de 1986,
podemos constatar que Manaus passou “de 254 mil habitantes em 1967, para 634.756
habitantes em 1980”.138
Em 1995, saltou para 1.138.178 habitantes. Para Edila Arnould, 71
as pessoas que migraram para Manaus durante esse período, em sua grande maioria, não
conseguiram se empregar nas fabricas do Distriro porque não tinham nível escolar
apropriado e não conheciam outro tipo de trabalho senão aqueles relacionados com a
agricultura e com o ambiente rural.
Uma vez em Manaus e em uma época em que as danceterias estavam no seu
auge, a combinação desses fatores com a inexistência de serviços e aparelhos
tecnológicos que hoje em dia facilitam e até incentivam um tipo de interação mais
introspectiva, como a Internet e o celular, que se popularizaram e se tornaram cada vez
mais acessíveis apenas a partir dos anos 2000, contribuíram para que os jovens se
agrupassem para sair para as festas nas discotecas e para se divertirem, ainda que nem
sempre de forma pacífica. Sobre essa questão, assim se expressaram Medroso e Maicon
através de suas lembranças:
[...] hoje em dia tem esse tipo de mordomia, de aparelho tecnológico é mais
fácil de se encontrar em algum lugar, tanto é que rola essas festas, o rolezinho
que eu ouvi falar agora, atualmente, no passado não era visto assim. Os
grupos se organizavam, num existia nem shopping, o Amazonas Shopping
ainda tava no início, de 90 né, tava sendo implantado. Depois que veio essa
ideia de shopping.139
Marcos – Você acha que havia opções de lazer nos bairros para os jovens?
Maicon – Olha, as opções eram escassas. As opções eram escassas. Nós não
tínhamos celular, não tínhamos computador, não tínhamos nada disso aí.
Então, era brincar de patinete, entendeu? Soltar papagaio, soltar papagaio...
Marcos – Bolinha de gude!
Maicon – Bolinha de gude, peão, era o que a gente tinha na época, entendeu,
e o ponto principal, como todo mundo era jovem, a maioria, hoje, que nós
somos pais, éramos jovens na época, e era muita gente, entendeu? Então,
todo lugar sê tinha aqueles quinze, vinte jovens, entendeu, de cada bairro.140
136 – Endereço Eletrônico: m.mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/a-revolucao-verde.htm
137 – DOS SANTOS, Francisco Jorge. História do Amazonas. Rio de Janeiro: MenVanMen, 2010, p.
273.
138 – Ibidem, p. 272-273.
129
Quando entrevistado, Medroso enfatizou o que chamou de “desenvolvimento” 72
da cidade de Manaus na década de 1990, porém, argumentou que era “rara” e
praticamente única a opção que a Zona Franca representava para as pessoas em termos
de mercado de trabalho, pois com a crise econômica do início desta década, a mudança
de presidente, que teria gerado uma espécie de desnorteamento em alguns, o
desemprego provocado por demissões nas fábricas do Distrito Industrial e a
consequente desestruturação familiar que tais demissões tendiam a gerar, muitos jovens
perderam suas “mordomias” em casa. Para Medroso, tais fatores teriam motivado os
jovens a se tornarem galerosos, além da violência paterna e/ou familiar que, também, às
vezes, era um reflexo das precárias condições de vida de tais famílias.
Marcos - Você acha que havia galeras em toda a cidade de Manaus, em todos
os bairros, ou você acha que havia só em alguns bairros?
Medroso - Eu acho que era em todos, pra tudo quanto era lugar se ouvia falar
em galera. Manaus, nos anos 90, ainda tava em desenvolvimento. A Zona
Franca era um dos raros redutos pra emprego e naquela época, a cidade ainda
tava, assim, ainda tava passando por uma crise né, com mudança de
presidente, na época do Collor, houve aquele risco do país né, esse, isso aí foi
também um incentivo pra se tornar... Eu acredito que os jovens já estavam
analisando a vida, porque quando começou o impeachment do Collor daquela
época, o jovem já tava visualizando, porque muita gente, muitos jovens, não
posso dizer que galeroso só era em Manaus, porque galeroso tinha em todo
lugar do Brasil, porque aqueles galerosos entravam no meio das confusões
pra, pra exigir direitos. Aqui em Manaus, eu não me recordo se houve esse
tipo de ato público, mas os jovens, eu cheguei a conversar com os meninos
né, com os galerosos, com o Rione, eu conversei, ele falava que era errado
aquilo que o presidente tava fazendo, quer dizer, aquele galeroso, ele tava se
reconstruindo na vida, ele tava no meio da galera mas ele tinha um olhar
específico, e talvez essa malícia deles só se tornava assim, por reflexo do mal
governo. E fora que naquela época a Zona Franca de Manaus aqui, ela tava
desempregando muita gente. Então, as famílias tinham tendência a se
desestruturar. E muitas dessas eram um caso desses né, os colegas também
que o pai trabalhava e trabalhou e tinham as mordomias deles, dentro de casa,
139 – Medroso, em entrevista concedida em 18/02/2014. “Medroso” é um nome fictício. Este rapaz, que
sempre morou na Cachoeirinha, conheceu alguns galerosos e viu algumas de suas práticas quando era
criança e adolescente. Temendo ser reconhecido e virar alvo de alguma retaliação por ter falado sobre
coisas que os galerosos de seu bairro faziam, ele preferiu não se identificar.
140 - Maicon Costa, em entrevista concedida em 22/11/2014. Foi membro da galera “Selvagem” de 1986
até 1990.
130
e acabaram não tendo mais, entendeu? Eu acho que era Atari, se eu não tiver
enganado. Que Atari naquela época...
Marcos - Atari, vídeo-cassete e telefone convencional, na década de 90,
durante toda a década de 90, foram os três bens de consumo mais desejados.
[Na verdade, o Atari foi um dos vídeo-games mais desejados desde quando
foi lançado, nos anos 80, até a primeira metade dos anos 1990, quando sede
lugar ao Super Nintendo. Assim, estou me corrigindo, aqui, por ter falado que
ele foi o mais cobiçado ao londo de toda a década de 90].
Medroso – [...]. Mas assim, o emprego na Zona Franca, em Manaus, o local
de emprego era só a Zona Franca. Hoje em dia tem outras indústrias, mas a
Zona Franca, quando ela começou a quebrar aqui no Brasil, aqui em Manaus,
principalmente, ela aumentou o número de gente desempregada e eu acredito
que muitos dos jovens que eu conheci, que estavam envolvidos na galera,
porque o pai não tava com emprego, então o pai não tava com aquela
mordomia que ele foi criado. E outros que tinham mordomia, que ainda
tavam bem, tavam concentrados, porque isso varia muito de jovem pra
jovem. E eu vi isso nos anos 90, não só isso, porque eu convivi no meio
deles, apesar de não ser membro, não só eu como meus irmãos também tava
inseridos no grupo deles, porque a gente não era membro mas a gente tinha
que ficar perto deles por necessidade de jogar bola, por necessidade de fazer
trabalho de aula juntos. Tinha que tá juntos. Então aquele cara que era mal
visto, ele também tava com necessidade de, de recomposição intelectual. O
cara ele não podia ser visto como um vândalo, ele ainda era jovem, ele tava
no processo de adaptação na Terra. [...] a maioria deles só entrava na galera
ou quando os pais estavam desempregados, ou devido a violência dentro da
casa, que era uma das coisas que era debatida também. 141
Para o historiador Edsom Passetti, a teoria do êxodo rural, do desemprego e da
periferia usada para explicar a violência dos jovens de grandes cidades, pode ser
entendida, no Brasil, como resultado da influência da Política Nacional do Bem-Estar
do Menor (PNBM), que a partir do Regime Militar instaurado em 1964, passa a
classificar os adolescentes e jovens infratores como ou abandonados por famílias
desestruturadas, ou filhos de pais sem emprego, ou de pais migrantes, ou moradores
“das periferias das grandes cidades” “e sem noções elementares da vida em
sociedade”.142
A influência da crise econômica que afetou as fábricas do Distrito Industrial de
Manaus no início dos anos 1990, pode ser confirmada pelo alto índice de demissões que
aconteceram naquele período. Se até o “início de 1990”, cerca de 130 mil
131
trabalhadores” estavam empregados no Distrito Industrial, em 1991 só restavam
“80.000”. Em 1992, apenas 42 mil continuavam trabalhando. Esse número só veio a 73
crescer de novo e se manter em 1995, quando “a Zona Franca de Manaus fechou o ano
com 55.000 trabalhadores empregados”.143
Edila Arnoud também sugere que a instalação da Zona Franca de Manaus jamais
gerou um desenvolvimento contínuo, pois desde pelo menos 1982 as demissões em
massa foram frequentes e a precarização da cidade em termos estruturais só aumentou.
Segundo seu estudo, houve uma transferência dos recursos do governo através dos
incentivos fiscais para as empresas, o que provocou uma redução nos investimentos
públicos como saúde, educação, dentre outros setores sociais. A autora se apoia em
dados do Censo para afirmar que em 1940, “apenas 23,9% da população do Estado
residia em Manaus”, ao passo que em 1991, esse número subiu para 48,5%, o que
representou um enorme “aumento da demanda por alimentos, meios de transportes,
serviços de saúde, sistema escolar, etc”.144
Mesmo que o processo de migração em massa para Manaus não tenha começado
com a Zona Franca, já que desde pelo menos 1880 essa movimentação já era comum em
direção à capital do Amazonas devido à economia da borracha, a partir da década de
1970, esse processo se intensifica. E como consequência, a especulação imobiliária e as
invasões também se tornaram cada vez mais comuns, concentrando mais famílias em
espaços exíguos e sem estrutura adequada para habitação e lazer e afetando bastante as
crianças e adolescentes que foram obrigados a crescer nestas condições. Segundo Edila
Arnoud, tais limitações urbanas e sociais condicionaram negativamente muitos jovens,
homens e mulheres, levando-os a abandonarem a escola e a trabalharem desde muito
cedo, o que teria contribuído também para o aumento da criminalidade de várias zonas e
bairros da cidade e para a formação das galeras, na medida em que as oportunidades
sociais, para tais sujeitos, sempre foram mais escassas.145
De fato, até mesmo os tipos de
brincadeiras e diversões, nestes locais e para estas pessoas, tinham que ser
improvisadas. Era muito comum, por exemplo, a prática de lazer de crianças e jovens
nos igarapés, nas pontes suspensas de madeira sob o rio e nas ruas, o que contrastava
141 - Medroso, em entrevista concedida em 18/02/2014. “Medroso” é um nome fictício. Este rapaz, que
sempre morou na Cachoeirinha, conheceu alguns galerosos e viu algumas de suas práticas quando era
criança e adolescente. Temendo ser reconhecido e virar alvo de alguma retaliação por ter falado sobre
coisas que os galerosos de seu bairro faziam, ele preferiu não se identificar.
142 – PASSETI, Edsom. Crianças Carentes e Políticas Públicas. In: História das Crianças no Brasil. São
Paulo: Contexto, p. 357.
132
bastante com as formas de lazer de crianças e jovens de outras classes sociais, que
tinham a oportunidade de passear no Amazonas Shopping, brincar com aparelhos
eletroeletrônicos em casa ou na casa de amigos e frequentar danceterias mais elitizadas,
74
além de poderem realizar outras atividades.146
Talvez por isso o DJ Raidi Rebello, ao ser entrevistado, tenha dito que as
discotecas voltadas para o público de periferia, sobretudo o Cheik e o Bancrévea, eram
uma “espécie de Disneylândia” para esse público, constituído predominantemente por
jovens pobres e oriundos de bairros periféricos. Segundo ele:
[...] o Cheik e depois o Bancrévea [...] dominavam a vida da garotada. [...] os
clubes tinham um ambiente excelente pra época, e um sistema de iluminação
e de som que não existia no resto da cidade, esse era o grande contraste.
Porque eram dois clubes, ah, considerados de periferia, embora fosse Centro,
mas voltados para um público de poder aquisitivo menor, mas tinha a melhor
iluminação, às vezes, do Brasil inteiro. [...] o Cheik chegou a ter máquinas,
assim, que nunca existiram em Manaus. E isso acabava atraindo essa
garotada [...]. Eu tinha tocado durante cinco anos seguidos no Hotel Tropical,
na danceteria Studio Tropical, que era a coqueluche das danceterias, e saí de
lá pra vim tocar no Cheik. E trouxe pra cá toda uma parafernália que a
garotada não conhecia. Uma iluminação espetacular, um som legal, discos
importados, mixagens, não é? Equipamentos de primeira linha, equipamentos
de primeiro mundo. Ou seja, era uma casa de clube dentro do centro da
cidade, [...] frequentados por jovens de baixo poder aquisitivo, que moravam
nos bairros de periferia, mas que curtiam o que existia de melhor em termos
de música e de iluminação, falando em termos de Brasil, tá? Não tamo
falando só de Manaus. [...] Aqui aconteceram alguns fenômenos muito
interessantes. Até hoje eu tenho depoimentos de pessoas que chegam comigo
e falam o seguinte: eles eram office-boys, [...] guardadores de carros na
Eduardo Ribeiro, outros sapateiros, engraxates, outros trabalhavam como
carregador de depósito, não sei o quê, esse era o público das casas que
vinham pra cá. [...] Tanto o Cheik quanto o Bancrévea, o Raidi, a maneira de
tocar, é, se transformou numa, talvez na única coisa legal, na coisa boa, de
primeiro mundo, que a garotada de periferia tinha pra curtir. [...] Eu cheguei a
143 – DOS SANTOS, Francisco Jorge. História do Amazonas, p. 273.
144 – ARNOUD, Edila et al. Zona Franca de Manaus: os filhos da era eletroeletrônica. Série Pobreza e
Meio Ambiente. Belém: UNAMAZ, FUA, UFPA, 1993, P. 17-18.
145 – Ibidem, p. 25-26.
133
ter máquinas aqui, de iluminação, que custavam o preço de um Escort XR3,
na época. [...] Então, o Cheik virou esse tipo de referência. O cara não podia
falar mal de mim. “Ah, o DJ não presta!”, porque eu era o melhor DJ de
Manaus. [...] A iluminação era um negócio espetacular, que ninguém 75
conseguia acompanhar, por quê? O dinheiro que se ganhava era reinvestido
na compra de iluminação. Um disco, na época, com uma música, não existia
internet, custava vinte dólares, cara. [...] Quem podia ser DJ na época? Quem
tinha dinheiro cara, ou quem tinha uma fonte de renda pra você girar, você
comprar discos e tal. [...] Então, isso acabou transformando , tanto o Cheik
como o Bancrévea, numa espécie de Disneylândia da garotada.147
A notícia a seguir ajuda a confirmar que havia, realmente, danceterias em
Manaus mais voltadas para um público de periferia:
A CRÍTICA. 21 de fevereiro de 1992. Polícia.
CASA NOTURNA
Não se sabe que motivo está levando a Prefeitura a manter fechada a
Discoteca Classe A, no conjunto Kíssia. Os proprietários já cumpriram todas
as exigências e vale ressaltar que o local pode servir para divertir jovens que,
por falta de opção, acabam procurando divertimentos perigosos, como os
“pegas”.148
A Classe A, ao que a matéria aponta, seria uma discoteca mais elitizada que o
Cheik e o Bancrévea, pois seus frequentadores, sem poder se divertir nela por se
encontrar fechada, teriam acesso a automóveis e seriam praticantes de “pegas”, acesso
este que era negado a praticamente todos os frequentadores das discotecas voltadas para
um público de periferia, pois este público não tinha automóveis.
É importante que se ressalte também que o próprio tipo de trabalhador requerido
pelos empresários das fábricas que se instalaram, dava preferência, sobretudo, a pessoas
jovens, por exigir força, resistência, velocidade e destreza manuais.149
Essa preferência
fez com que grande parte dos migrantes fosse formada por pessoas jovens o que,
combinada com a atração que as danceterias exerciam em muitos desses adolescentes e
jovens, tornou possível a proliferação dos grupos de galera, segundo as fontes
consultadas neste subcapítulo. A iniciativa dos jovens no sentido de se organizarem e
146 – Jornal A Crítica, 13/11/1991, p. 4 (Opinião); A Crítica, 24/07/1994, p. A5 (Cidades); A Crítica,
06/08/1995, p. D5; DJ Raidi Rebello, em entrevista concedida em 29/07/2014; ARNOUD, Edila et al.
Zona Franca de Manaus: os filhos da era eletroeletrônica. Série Pobreza e Meio Ambiente. Belém:
UNAMAZ, FUA, UFPA, 1993, p. 35-36; Memórias de Marcos Roberto Russo de Oliveira.
134
desenvolverem práticas que tornaram peculiares as ações desses grupos, é outro
elemento importante que deve sempre ser levado em consideração quando se é obrigado
76a discutir sobre as origens destas turmas.
Para as galeras em si, Edila Arnaud dentre outros autores dedicaram duas
páginas de seu livro Zona Franca de Manaus: os filhos da era eletroeletrônica.
Publicado em 1993, no auge da atuação destas turmas, o trabalho coletivo se refere às
galeras como turmas de jovens que não estão tendo suas necessidades básicas
satisfeitas. Os jovens seriam, além disso, carentes de “expectativas” sociais positivas,
pois já nasceriam “excluídos” da “sociedade” e sem “espaço” nela. Os autores
argumentam que, por isso, as galeras não poderiam ser consideradas produto de uma
“rebeldia „natural‟ da idade”. Afirmam que tais grupos estavam atuando também em
várias cidades brasileiras e dizem que só em Brasília mais de trinta turmas de galera
foram identificadas como vendedoras de drogas, disputando os “territórios”, assaltando
e brigando com outras turmas. Sugerem que tais brigas indicam disputas “pela divisão
do espaço” e “pelo poder”. Classificados como jovens na faixa etária de 12 à 17 anos, os
autores citam “o chefe do setor de investigação da Delegacia de Vigilância e Proteção
ao Menor no Amazonas”, que alegou que em Manaus mais de 300 grupos já foram
identificados praticando assaltos, venda e consumo de drogas, estupros, homicídios e
roubos. Cada grupo seria formado por “cerca de 40 membros”. Para os autores, esses
jovens teriam:
[...] trajetórias de vida marcadas pelas dificuldades de suas famílias, sendo
obrigados desde cedo a conviver com a violência, seja no âmbito da própria
família seja na luta do dia a dia para sobreviver.150
Citando também uma matéria especial do jornal A Crítica de 23/06/1991, escrita
por Castelo Branco, cuja manchete chamativa da capa anunciava “GALERAS, O
TERROR DA NOITE”, os autores lembram que nos últimos dois anos 13 pessoas
haviam sido mortas no Morro da Liberdade, bairro onde os jornalistas que fizeram a
matéria realizaram sua investigação. E como a matéria do jornal, os autores do livro
lembram que uma “Delegacia das Galeras” já estava para ser construída, com o intuito
147 – Raidi Rebello, em entrevista concedida em 29/07/2014.
148 – Jornal A Crítica, 21/02/1992, p. Polícia. Manchete Casa Noturna. Biblioteca Pública do Estado do
Amazonas.
149 – ARNOUD, Edila et al. Zona Franca de Manaus: os filhos da era eletroeletrônica. Série Pobreza e
Meio Ambiente. Belém: UNAMAZ, FUA, UFPA, 1993, p. 19.
135
de combater as galeras através da repressão, apesar de outras pessoas do bairro terem
escolhido lutar contra os galerosos de forma alternativa. Como o diretor da Escola de
Samba Unidos do Morro da Liberdade que decidiu cooptar os integrantes de galeras
“para integrá-los à comunidade através de atividades sociais”. Finalizando sua
referência às galeras, os autores comentam que os policiais também têm contribuído 77
tanto para as agressões contra os jovens galerosos quanto para o extermínio deles e com
a extorsão desses rapazes e moças, quando os obrigam a roubar e dar-lhes parte do
roubo em troca de uma suposta “proteção”.
Novamente, neste trabalho, os jovens galerosos são produto de um determinismo
social e econômico que os condiciona e não permite que eles sejam vistos como sujeitos
ativos no processo de suas vidas e no desenrolar do cotidiano da cidade. São
apresentados como vítimas das precárias condições de habitação, de emprego, de
educação e de oportunidades que força-os a serem marginais e uma ameaça para a
sociedade. Como nas notícias em que eles são comentados e tem suas ações informadas
ao grande público. Entretanto, todos esses trabalhos e notícias, bem como as próprias
narrativas dos colaboradores que chegaram a lembrar e enfatizar a influência da Zona
Franca de Manaus nas atitudes dos jovens e no surgimento das galeras são coerentes no
sentido de que interpretam de modo relacional e estrutural a origem dessas turmas,
apesar de atribuírem um peso maior a esses fatores como responsáveis pela existência
das galeras. Ao longo deste trabalho, no entanto, a hipótese caminhará não só neste
sentido, mas também no sentido inverso, ou seja, de tentar perceber e mostrar em que
medida os próprios jovens foram essenciais no processo de criação, manutenção e
desestruturação dos grupos de galeras, ao mesmo tempo em conformidade e
independentes das influências externas.
150 – Ibidem, p. 123-124.
136
CAPÍTULO II
“Os embalos de” Manaus “à noite” e de dia: dance, cachaça, brincadeiras de rua,
surf rodoviário, vandalismo, arruaça, atentado ao pudor, porrada e no meio de
tudo isso, a “garotada”
Em 1977, John Badham dirigiu Os Embalos de Sábado à Noite, um filme que
mostra o cotidiano de um jovem de Nova York problemático que mora com a família,
não frequenta faculdade e trabalha praticamente só para comprar roupas e pagar sua
entrada nas discotecas mais badaladas da cidade. Em 08/11/2014, quando assisti ao
filme no canal TCM, fiz questão de ler e anotar a sinopse do filme para ver como este
foi visto pelo responsável por escrever estas sinopses. Havia essa descrição:
“Adolescente sem perspectivas tem seu momento de brilho semanal na pista de uma
discoteca”.
A adjetivação do jovem como “sem perspectiva” pode ser considerada um pouco
exagerada, na medida em que a personagem interpretada por John Travolta tem uma
certa liberdade de escolha e um horizonte, ainda que limitado, de expectativas. Não
precisa pagar aluguel, pois mora com os pais, tem direito, em casa, à alimentação e
abrigo e, ao menos no início, tem também um emprego como vendedor de uma loja de
tintas. Mesmo que não seja rico nem de classe média, não é, contudo, desamparado,
nem morador de rua, nem viciado em drogas. Tanto o filme quanto a sinopse chamaram
a atenção do pesquisador, porque não só representam, com uma semelhança incrível, o
que se passava no cotidiano das vidas de centenas de jovens de Manaus nos anos 1980 e
1990, como também servem para dar uma ideia inicial e resumida da rotina de muitos
integrantes de galeras que estão sendo foco deste estudo.
137
Apesar dos galerosos serem descritos, nos jornais A Crítica consultados, quase
sempre como desocupados, assaltantes, estupradores, homicidas, ladrões, vagabundos,
viciados em drogas e alcoólatras, quando entrevistei os três ex-integrantes da galera
“Selvagem” Maicon Costa, Sheila “Guerreira” e Cláudia “Punk”, bem como o DJ Raidi
Rebello e Medroso, que nunca foram galerosos mas interagiram com muitos, foi narrado
que, invariavelmente, muitos galerosos trabalhavam ou se mantinham ocupados com
alguma outra atividade durante os dias úteis da semana. Entretanto, tais ocupações não
excluíam outras, de cunho mais gregário, desportivo, lúdico, desafiador, autodestrutivo
e provocador.
Neste capítulo serão realizadas uma descrição e discussão de algumas das
principais atividades dos galerosos e das galeras, com o intuito de tentar entender como
se davam suas estratégias de diversão e como se desenrolava o cotidiano dos jovens que
eram galerosos. Espera-se que se consiga responder, com este capítulo, à seguinte
problematização elaborada no projeto de pesquisa: Por que, naquele momento histórico,
o aspecto viril (no sentido de força física, habilidade para brigar, valentia, ousadia,
aventura e fidelidade ao grupo) da galera era tão valorizado pelos rapazes e até pelas
moças que compunham essas turmas?
Como foi descrito no capítulo anterior, além da influência do filme Selvagens da
Noite, das amizades e dos comportamentos desafiadores dos jovens que, de acordo com
as comparações que foram feitas entre jovens de outras épocas e os que compunham as
galeras, fizeram vir à tona esses grupos, houve também um fator econômico, político e
social muito importante que acabou sendo determinante para o surgimento das turmas
de galeras: a instalação da Zona Franca de Manaus. No entanto, é insuficiente para o
entendimento do que foram as galeras, o foco somente nesses fenômenos. Porque a
atuação desses grupos não se dava somente através das influências desses fatores, mas
também através das diversas modalidades de ação e interação que os sujeitos que faziam
parte das galeras, bem como das próprias galeras – enquanto grupos – praticavam ao
viver na cidade de Manaus nas duas últimas décadas do século XX.
Por isso resolveu-se intitular este capítulo de “Os embalos de” Manaus “à
noite” e de dia, fazendo um trocadilho com o nome do filme. E se escolheu acrescentar
algumas das principais atividades que eram realizadas regularmente pelos galerosos e
por muitos outros jovens que, por terem feito parte da juventude desta época,
vivenciaram estas atividades de uma forma particularmente mais intensa que a
juventude de hoje e de épocas anteriores. Esse ponto é importante, na medida em que
138
pretende-se diferenciar tais jovens e tal juventude dos jovens e das juventudes de outras
épocas e lugares, exatamente para melhor perceber as semelhanças e diferenças que eles
possuem.
A prática rotineira dessas atividades pelos galerosos e até por pessoas que não
eram desses grupos, pode ser considerada comum porque, como vimos, esse período se
destaca pela introdução das primeiras discotecas em Manaus, pela forte influência de
filmes de gangues, pela característica amical mais gregária e rueira dos jovens e pelas
alternativas de brincadeiras e distrações à disposição dos jovens e que eram
“inventadas” por eles.
Essas invenções se manifestavam, até certo ponto, como resultado da
criatividade dos jovens mas, por outro lado, eram produto de uma espécie de
remodelagem ou ressignificação de outras atividades já desenvolvidas por jovens
alhures e genericamente. Neste sentido, dançar, ingerir bebidas alcoólicas, brincar na
rua, subir em cima de um ônibus em movimento (surf rodoviário), destruir certas coisas
da cidade (vandalismo), bagunçar e causar confusão na rua (arruaça), ofender a moral
sexual permitida (atentado ao pudor) e brigar, podem ser enquadradas como práticas
juvenis antigas e novas. Talvez a única variação, neste caso, em relação às práticas dos
jovens que viveram em épocas anteriores, seja o surf rodoviário. E isso porque em
séculos anteriores, não havia automóveis.
A dança dos jovens das galeras e dos jovens que não eram galerosos, mas
frequentavam os mesmos espaços e festas que os primeiros, não era uma dança como as
outras. As músicas também não eram iguais, bem como as festas e as intenções de
alguns dos seus participantes, ou seja, dos galerosos. O que durante a segunda metade
dos anos 1980 foi chamado de som em Manaus, nos anos 1990 ficou mais conhecido
como dance. E ir para o som ou curtir um dance era, basicamente, esperar o final de
semana chegar para colocar a melhor indumentária, se juntar com os amigos e ir para
alguma casa de diversão que oferecia como serviço música eletrônica tocada por um DJ,
efeitos de luzes e fumaça artificial sofisticados, uma atmosfera escura e sombria, apesar
dos efeitos de luzes sofisticados e uma aglomeração e animação que raramente eram
encontrados em outros lugares e ocasiões. Veremos, entretanto, que era curiosa e
paradoxal a combinação desses elementos.
Todos os cinco colaboradores foram muito enfáticos ao descreverem a
fascinação que as discotecas e danceterias exerciam no seu principal público, formado
por jovens. Eis alguns trechos de suas memórias que ressaltam essa fascinação:
139
Marcos – [...] esses [...] jovens, [...] fossem ou não de galeras, eram o
principal público que os DJs e as discotecas atraíam. Como era, então, o
convívio com esses jovens dentro das danceterias, principalmente quando
eles brigavam?
Raidi – Olha, eu posso falar pela minha. Eu sempre tive uma ascendência
muito grande sobre eles, ao ponto de, de ser ouvido, vamos dizer assim. Eu
não era somente um DJ. Eu era o cara que tinha criado o movimento todo,
não é? Quem criou o movimento, quem trouxe o Freestyle pra Manaus,
colocou isso dentro das discotecas, quem acabou transformando uma coisa
que era uma diversão pobre que eles tinham, com DJs que tocavam com
disco nacional, é, com iluminação de, que custava, ali, vinte reais comprado,
o cara passou a frequentar uma discoteca com um som importado, com um
DJ [...] que [...] tinha já o título de melhor DJ de Manaus, que tinha vindo do
Tropical. Eu era o DJ da elite da cidade. Eu tinha tocado durante cinco anos
seguidos no Hotel Tropical, na danceteria Studio Tropical, que era a
coqueluche das danceterias, e saí de lá pra vim tocar no Cheik. E trouxe pra
cá toda uma parafernália que a garotada não conhecia. Uma iluminação
espetacular, um som legal, discos importados, mixagens, não é?
Equipamentos de primeira linha, equipamentos de primeiro mundo. Ou seja,
era uma casa de clube dentro do centro da cidade, [...] frequentados por
jovens de baixo poder aquisitivo, que moravam nos bairros de periferia, mas
que curtiam o que existia de melhor em termos de música e de iluminação,
falando em termos de Brasil, tá? Não tamo falando só de Manaus. Claro, “ah,
mas não tinha o conforto de uma discoteca, tudo bonitinho, aquela coisa”.
Não. Era um clube com uma iluminação espetacular, um som espetacular, um
programa de rádio com as músicas que tavam tocando no momento, com
discos importados, né?151
[...] Tanto o Cheik quanto o Bancrévea, o Raidi, a maneira de tocar, é, se
transformou numa, talvez na única coisa legal, na coisa boa, de primeiro
mundo, que a garotada de periferia tinha pra curtir. Ele frequentava a
discoteca que tinha a melhor iluminação de Manaus. [...] O Tropical tinha
fechado na época, num tinha Starship, num tinha Spectron, num tinha
ninguém. A melhor iluminação tava aqui. Eu cheguei a ter máquinas que
custavam o preço de um Escort XR3, na época. Eu lembro que, às vezes, o
cara chegava “pô, tu não comprou um carro novo pra ti não Raidi, tá
ganhando dinheiro num compra”, falei: “olha, tá ali no teto”. Eu preferi
investi em uma coisa que eu achava bacana, uma máquina de iluminação, um
negócio legal, do que luxar. Eu não frequentava outros ambientes. Isso aqui
140
era o meu mundo, era a minha vida, entendeu? Então, o Cheik virou esse tipo
de referência. [...] Então, isso acabou transformando, tanto o Cheik como o
Bancrévea, numa espécie de Disneylândia da garotada. Tipo “meu, eu vou
pro Cheik que lá eu tenho melhor iluminação, eu tenho uma segurança boa na
porta, eu sou revistado e eu brinco tranquilo. O que pode acontecer comigo é
eu levar uma porrada, mas eu tenho certeza que eu não vou levar um tiro, não 78
vou levar uma facada, não vou levar uma garrafada – lá não tem. Então, são
coisas que as pessoas, nas matérias, nos sensacionalismos que fizeram,
passaram por cima disso. Se era tão ruim, por quê que fez tanto sucesso?
Porque tinha um monte de coisas boas que quem tava de fora não sabia. Não
é? O tipo de iluminação que foi usado aqui cara, tinha festa que era pra
inaugurar, comemorando a chegada de um aparelho novo. e eram máquinas
lindas, eu não sei se tu já pesquisou...
Marcos – Sim, eu frequentei a Spectron de 95 a 99, e haviam algumas dessas
máquinas, mas o Cheik eu não frequentei, eu era muito pequeno.
Raidi – Tinha uma coisa muito legal no Cheik. [...] Quando você soltava
fumaça, essa fumaça ficava presa [...] justamente aonde tavam as máquinas.
Então o efeito era espetacular. A gente tinha uma máquina [...], que ela ficava
dentro do teto [...]. E essa máquina descia com o auxílio do elevador, é,
hidramáticos, descia com a máquina, a máquina rodando, fazendo um monte
de efeitos, você descia na pista de dança, o pessoal afastava e ficava
dançando em volta da máquina. Essa máquina custava onze mil dólares.
Entendeu? E a gente contava no Brasil as discotecas que tinham. Tinha o
Cheik, tinha a Toco lá em São Paulo, a Help, no Rio de Janeiro. A gente
contava nos dedos as casas que tinham. E o Cheik era uma delas. Então, esse
tipo de investimento, [...] de coisa feita por um DJ, que no caso era eu, [...]
era um negócio pra mim, mas eu não agia muito como um negociante [...].
[...] Então, o Cheik tinha um som cinco anos na frente d todo mundo.
Enquanto todo mundo usava as caixinhas de som da Kenwood, que vendia
aqui no centro da cidade, a gente já usava as 45 bits, chamadas de WBOX, da
JVL, que eram tão grandes que o pessoal dançava em cima [...]. O Cheik
tinha telão no final dos anos 80 cara. Coisa que hoje, por exemplo, eu uso na
Studio Disco, eu uso nas minhas festas, [...] todas as minhas festas são com
vídeo clipe, eu fazia isso na década de 80. O Cheik tinha telão, o telão
custava vinte mil dólares. [...] Nós tínhamos câmeras, imagina, olha a coisa
do futuro cara. [...] nós tínhamos seis locais aonde tinha caixa de som [...]
com um metro e meio de altura. Em cada caixa de som dessa tinha um cabo
151 – Raidi Rebello, em entrevista concedida em 29/07/2014.
141
de vídeo. E nós tínhamos um funcionário, era o Walter, na época, que ele
manejava umas câmeras portáteis, né? O cara aguentava ficar só dez minutos
com ela no ombro, de tão pesada que ela era. [...] e ele subia em cima das
caixas, ligava o cabo de vídeo, que tava ligado no telão, e filmava as pessoas,
e jogava a imagem no telão. Nós tamo falando de final dos anos 80. Então,
você imagina a tecnologia, o que nós usávamos, era impensável em matéria
de Manaus.152
79
Então, os motivos que às vezes as pessoas não conseguem entender por que
que era tão legal, por que que as pessoas vinham tanto, era essa tecnologia
por trás, era essa, era essa coisa do cara se sentir usufruindo de uma coisa que
ele não tinha condição financeira de usufruir em outro lugar. Se ele quisesse
ter aquilo, além de não ter em Manaus, se ele fosse na Spectron, na época,
que era uma casa meio elitizada, o ingresso custava três vezes o preço daqui,
cara... E outra coisa: tocava outros tipos de ritmos, porque o Cheik acabou
caracterizando um tipo de ritmo, que na época chegaram a chamar de “som
raidiano”, uma corruptela com o meu nome, entendeu? “Breakiano”, num é?
“Som do Rebello”, sabe? As meninas eram chamadas de “raidetes” [...].
Então criou toda uma cultura, vamos dizer assim, do qual a garotada vinha,
gostava, frequentava porque o que era oferecido pra ela era uma coisa legal,
entendeu? Embora o clube, estruturalmente, talvez não tivesse muita coisa
pra oferecer. Mas a parte de som, de iluminação, né, era de primeiro
mundo.153
Marcos – As festas costumavam começar e terminar que horas? E a partir de
que idade se podia entrar? Isso falando principalmente das casas em que você
frequentou, assim.
Raidi – Dependia do dia. No sábado, por exemplo, era comum começar nove
horas da noite. E já na época, já havia uma prevenção contra menores, mas o
cara com dezessete anos de idade, vamos dizer assim, [...] ele já frequentava.
É, sê tem que ver o contexto da época. Primeiro que [...] ainda não havia [...]
esse controle tão grande sobre a presença de menores na noite [...]. Era uma
coisa mais liberada [...]. Você lembra que era muito comum na época, um
namoro entre um cara de vinte anos de idade e uma garota de quatorze. Saíam
casamentos com quinze anos de idade. Hoje em dia o cara é preso por
pedofilia se fizer um negócio desse. [...] Na época era muito comum garotos
de quinze, dezesseis anos de idade já tá na rua, já tá em festas, já tá em vários
lugares e, não havia uma... Havia fiscalização do Juizado de Menores e tal,
mas sempre uma fiscalização naquela coisa do “sim, o cara vai fazer o quê
152 – Idem.
142
em casa? O cara tem que se divertir.” No domingo, começava seis horas da
tarde, sete horas. E aí sim, no domingo era uma festa mais voltada pra
garotada. Alguns lugares chegavam a evitar vender bebida alcoólica, no
domingo, que era pra você não ter problema com o Juizado, né? O Juizado,
digamos que liberava você pra você ir até onze horas da noite, mas você tinha
que cumprir algumas normas pra que os caras ficassem tranquilos em relação 80
ao que você tava fazendo, entendeu? Então, [...] isso na época era bem
comum, não havia uma fiscalização tão grande. [...] Tem que colocar também
o seguinte: era uma população muito mais jovem [...]. Então, se não era essa
garotada frequentar os locais, muitos deles não teriam existido, porque não ia
ter público pra isso, suficiente [...]. Hoje esse público todo que tá nos forrós,
que tá aí com seus vinte e cinco, trinta anos de idade, passou pelas
danceterias da década de 90 [...]. Que era a coqueluche da época, né? Os anos
80 e 90, o som das danceterias, das discotecas, ele realmente chegou a fazer
frente à toada, que foi o grande movimento dos anos 90 aqui em Manaus.
Num é? E na década de 90 não tinha forró [...]. O próprio pagode num tava
tão forte [...].154
Marcos – Você acha que nessa época havia muitas opções de lazer para os
jovens da cidade, principalmente nos bairros?
Raidi – Olha, eu acho que em matéria de discoteca, sim. Danceteria tinha...
Marcos – Mas nos bairros, assim...?
Raidi – Nos bairros existia. Eu num tô falando. Waike [...].
Marcos – Coroado.
Raidi – Coroado, ah... Tinha uma discoteca no Mutirão que, inclusive,
pertenceu a um delegado que morreu a uns dois anos atrás. É... A Cidade
Nova, com a Hot Mix [...].
Marcos – Tinha o Zona Livre [...].
Raidi – [...] teve o Antares, que antes era chamado de Classe A, num é? Ali
no Dom Pedro. [...] Tinha o Libermorro, aqui no Morro da Liberdade [...]. O
Grêmio, em Educandos. Ah... O [...] Constantinopla [...] em Educandos
também. [...] Claro que não eram todos os bairros que tinham boas
discotecas, mas praticamente todos eles tinham seus locais, porque era uma
[...] onda, era uma coisa muito forte da discoteca, né? Então isso acabou
fazendo com que muita gente entrasse no ramo. Eu lembro que, eu tenho uma
filmagem minha no lançamento do Dance Mix Vol. 2, aonde eu vou, eu acho
que numas sete ou oito discotecas, inclusive em algumas que eu não citei
aqui. E lá eu cito o nome, né? Tipo: “eu tô aqui na discoteca tal”. Cada lugar
bicho! Nem lembro mais. Porque com o lançamento do meu disco, eu fui em
153 – Idem.
143
várias discotecas lançando o tal do disco. [...] Em 91.155
Marcos – [...] o que vocês costumavam fazer, assim, em termos de diversão,
[...] se vocês brigavam, se não brigavam?
Sheila – Não. A nossa turma, a nossa galera era o seguinte: passava a semana
todinha trabalhando, né? E só tínhamos dois dias, que eram os dois dias de 81
final de semana, pra brigar, que eram no sábado e no domingo. [...] aí quando
era final de semana, aí a gente marcava o horário... Porque naquele tempo
não existia celular, [...] a tecnologia avançada. Então, a gente marcava as
reuniões, que horas vão tá [...]. Então, naquele horário nós távamos no ponto.
No local da festa. A gente curtia, dançava e quando dava o horário das três
horas, todo mundo se reunia, que era hora da briga.156
[...] com treze anos, quatorze anos eu já frequentava Starship, Mykono‟s.157
Marcos – Você acha que havia opções de lazer, nos bairros, para os jovens?
Sheila – Opções e lazer?
Marcos – É, opções de lazer, assim, além das danceterias, entendeu?
Sheila – Não tinha não. Tinha não. [...] Só os clubes mesmo que a gente
frequentava [...].158
Marcos – Porque as galeras brigavam?
Cláudia – Olha. Eu acho que era porque... Querer mesmo, assim, fazer parte
de um grupo. Surgiu esses dois grupos e você... Era tão falado, sabe? Pra
você entrar, você era respeitada, sabe? Tinha um respeito. Você chegava em
qualquer bairro “ah, é da „Selvagem‟”, tinha aquele, num é? Aquela
consideração, aquele respeito, ninguém te tocava. Então, todos queriam fazer
parte. Pra quando chegasse dentro do Bancrévea, ser respeitada, né? Ser
considerada, né, no meio dos chefões? Que era difícil. Quem não era do
grupo era excluído mesmo. Então, todo mundo queria fazer parte, porque
todos andavam igual, todos dançavam igual, sabe?159
Sheila – [...] Aí quando a gente se reunia no clube, aí se juntava todas nós,
mas sempre nós duas no meio, nunca teve briga entre nós duas. Nunca teve
briga entre minha galera e a dela, entendeu? Tanto eles [elas] me respeitavam,
quanto eu respeitava elas. E é assim. A gente já vai fazer trinta anos de
amizade, e até agora nunca brigamos.160
154 – Idem.
155 – Idem.
144
Cláudia – O Raidi me proibia de entrar, eu ficava seis, sete e meia sem poder
entrar. As meninas tudo entrava, e só ficava dizendo que eu não podia entrar, 82
eu ficava fora. Hoje em dia ele é meu amigo, mas antes não (risos). [...]
Porque nós éramos terríveis, brigávamos com segurança, com homem, com
mulher, não tinha essa.161
Cláudia – [...] Eu pagava o meu aluguel... Posso falar?
Marcos – Claro.
Cláudia – Eu chegava pras meninas: “olha: chegou o final do mês. [...] pede
dinheiro e diz que é pra pagar meu ingresso”. Chegando sábado e domingo
“ah, a Punk tá sem ingresso”, aí davam. Eu te juro, meu sapato ficava cheio
de dinheiro e eu pagava meu aluguel só de entrada, como se fosse pra pagar
minha entrada. Morava eu e umas vinte, trinta meninas só num quarto.162
Claúdia – E dentro do Bancrévea havia uma divisão aqui ó. “Anjo” lá,
“Selvagem” aqui. Então, esse lado aqui ficava vago mesmo. [...] Só os
segurança no meio [...]. E o clube todo dançando igual, todo mundo se
vestindo... Era muita emoção [...]. [...] por isso que tudo era muito legal, né?
Cada música tinha um passo, né? Vinha a moda do Reebok, todo mundo tinha
que ter Reebok. Vinha a moda do blusão Yes, todo mundo tinha que ter o
blusão Yes, né? Então, o clube todo, acho que o que marcou mais a galera,
era isso. A forma de você se vestir, de você passar a semana todinha
treinando, não só brigar, né? Pra fazer passo de música, pra poder chegar no
sábado e fazer...163
Marcos - Você chegou a frequentar, em algum momento, festas ou espaços
públicos que também eram frequentados pelas galeras?
Medroso - Bem, a partir, acho que foi quinze anos, eu cheguei a participar de
shows lá na antiga Super Star. Então, esse ambiente lá, ele era um ambiente
que se encontravam todo tipo de grupos, inclusive esses, é, a galera, né? Lá
na Super Star, que depois passou a ser chamada como Tropical Brega Night,
era um dos locais de reduto desses tipo de galerosos né, eu vou falar assim,
nessa linguagem, mas que esses jovens, eles iam pra divertir, às vezes eles
não queriam que outro determinado grupo tentasse invadir a área deles
porque ali tinham que passar por autorização deles, pra que pudesse. As
galeras, naquela época, eu recordo como se fosse hoje, que quando passavam
156 – Sheila, em entrevista concedida em 30/07/2014.
157 – Idem.
158 – Idem.
159 – Cláudia, em entrevista concedida em 30/07/2014.
160 – Idem.
145
lá próximo de casa, é, pra ir lá pro Tropical Brega Night, que antes era a
Super Star, esses jovens, eles se concentravam próximo da avenida Tefé com
a Urucará, e esses jovens, eles, pra ir pra esse local né, eles primeiro
esperavam quem ia passar: se era a galera da Vila Mamão, se era a galera...
As galeras mais próximas que eles não gostavam. A galera da Vila Mamão 83
tinha rivalidade com a galera da Tefé, então eles não podiam se encontrar,
então as brigas rolavam muito na frente de casa, porque era próximo do
Tropical Brega Night, né? A antiga Super Star. Eu frequentei lá, só umas duas
vezes que eu fui, mas acompanhado com uma irmã minha, chamada Latércia.
Então, ela levou né, que naquela época, assim, não era tão complicado de
jovens participar de grupos, assim, pra ir pra danceteria, porque não tinha um
controle, praticamente o Estado ele não era totalmente controlado como hoje
em dia tá, né? Hora x, os jovens têm que se recolher, horário y é, não se
recolhe, mas naquela época, de 90, existia ainda esse controle, né? De jovens.
Quer dizer, naquela época não existia esse controle, né? Mas que comparado
com os dias de hoje, não sei como é que tá, né? Esse movimento galera, mas
era um grupo muito perigoso que se concentrava geralmente nas danceterias
[...].164
Marcos - Você chegou a presenciar brigas entre galerosos?
Medroso - Vi, lá na frente de casa, rolou muito mesmo. Primeiro que era na
porta do Tropical Brega Night, antiga Super Star.165
Marcos - Você falou que os jovens, né, que se reuniam em galeras, eles eram
unidos e eles jogavam bola juntos, eles ficavam ali se divertindo juntos. É...
Você chegou a presenciar, é... Eles reunidos assim, pra beber e pra ouvir
música e ficar dançando, assim, lá na casa de algum colega deles?
Medroso - Na casa eu não cheguei a ver, mas nas discotecas eu cheguei a
ver, nas duas ou três vezes que eu fui pra discoteca eles concentrados, mas
eles não, pelo que eu vi, nem todos bebiam.166
[...] a “Galera da Praça 14” [...] também era mais conhecida só que lá na parte
do Centro. Eles, assim, eu não recordo se eles chegavam a vir pro Tropical
Brega Night, mas no Caxangá, a “Galera da Praça 14” freqüentava muito
[...].167
Marcos - E quando você foi pra Super Star, você disse que foi umas duas
161 – Idem.
162 – Idem.
163 – Idem.
146
vezes pra lá, você percebeu que havia uma divisão entre galeras, na própria
danceteria, ou seja, cada galera ficava num espaço restrito, respeitando o
espaço das outras galeras, pra que não houvesse brigas?
Medroso - Ixi, existia mesmo. Na primeira vez que eu fui, tinha jovens 84
separados num canto. Os grupos que eram minoria, geralmente eles se
juntavam com outros, mas eles não queria perder a ideologia deles, do nome
deles, tanto é que nas pichações eles colocavam o nome deles: “Os Primos”,
“Galera da Tefé”, “Galera da Vila Mamão”. Ixi, eles simplesmente, quando
eles iam pros canto, todo galeroso que pertencia ao grupo, eles conheciam
eles tudinho, e aí, quando a música era muito agitada, aí era um empurra-
empurra, aí quem era membro da galera tal-tal, ia pra porrada no meio do
outro. Então existia aquele empurra-empurra , quando tava muito cheia né, aí
a galera ficava assim. Alguns próximos, aí depois empurravam, aí quando via
que não, já rolava briga.
Marcos - Essa questão da música eu cheguei a perceber na Spectron, quando
eu freqüentei lá de 95 à 99. Ou seja, às vezes uma música mais agitada né,
mais considerada, assim, como o “hino” do bairro, o “hino” da galera de uma
determinada área da cidade, enfim, quando tocava essa música isso, às vezes,
motivava as brigas. Você chegou a presenciar isso também?
Medroso - Tinha a música da Praça 14, que era, como é que se diz, a marca
da Praça 14, eu não tô recordando o nome dela em mente, mas assim, eu
tenho ela na mente, não o nome dela em mente, mas tinha uma música, que
quando ele tocava, eles cantavam é... “Bota pra 14”, alguma coisa assim...
Marcos - Aurora, DJ Dero! Tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã,
tã, tã, tã, tã, tã, tã, hú!
Medroso - Essa música era a identidade da Praça 14 por quê, porque rimava
o nome. E os jovens de lá de perto de casa, que a gente ia pra lá pra perto,
algumas das vezes nós chegamos a entrar no clube né, mas que dava pra
ouvir os rapazes dessa galera gritando bem alto: “bota pra 14”, e eles eram
um grupo tão localizado que eles conseguiram ter uma música de
identificação, os outros eu não sei se tinha, mas que esse grupo, ele era muito
visível, tanto é que quando vinha a galera de lá da Praça 14, lá do Caxangá,
eles se reuniam lá e eles eram bem vistos ali, apesar de ter a rixa, a rivalidade,
mas os moradores próximos né, os jovens, não mãe e pai, eles viam eles
como ídolos, porque tinha uma identificação, tanto é que quando tocava essas
músicas dentro de casa, que a rádio passava, os meus sobrinhos, assim como
164 – Medroso, em entrevista concedida em 18/02/2014.
165 – Idem.
166 – Idem.
167 – Idem.
147
outros colegas meus, eles cantavam a música do próprio cantor, ele cantava a
ideologia do grupo. E essa era a forma deles se comunicar.168
Eles se juntavam, geralmente, pra, pra ajudar uns entre os outros. Existia
aquele conjunto. Eles trabalhavam organizados, eles eram organizados. Os
que não tinha condições, os que tinham ajudavam, pelo menos o que dava pra 85
ver, porque quando a minha irmã ia pro Tropical Brega Night, [...] ela
comentava isso: os meninos que não tinham condições, eles pagavam a
entrada deles. Quando não pagavam, pagavam o refrigerante. Geralmente
pagavam refrigerante, entrada, ajudava a comprar alguma coisa até no final
do ano, natal, existia isso.169
[...] a gente fugia de noite, abria a janela pra ir ver lá, no Caxangá, por
exemplo, os membros de galera, os galeroso, porque a gente se sentia atraído,
ainda que a gente não quisesse viver no meio deles, ser como eles, mas a
gente sentia que eles eram os caras [...].170
Marcos – Por que você acha que nessa época havia tantas galeras?
Maicon – Bem, eu acho, no meu entender, porque era o momento da época.
O ponto principal, na época, em Manaus, era as discotecas. Essas músicas
que hoje nós chamamos de flashback, naquela época era a música da década,
era a nossa época de atualidade. Então tocava nas rádios, onde você ia tava
tocando essas músicas, então tudo era... Nós tínhamos... O ponto principal no
centro da cidade era o Bancrévea Clube e o Cheik Clube. E o ponto lá era
esse, porque na época, a discoteca tava no auge. E como os jovens, os jovens
se encontravam lá, o point era ali, não tinha outro lugar pra ir, no bairro não
tinha. Só era Centro. E lá se reunia e era daquele jeito mano, viu? Ou ia pra
bronca ou apanhava.171
Marcos – E quando já fazia parte da galera. Havia alguma pressão para que a
pessoa praticasse tudo o que os outros praticavam, incluindo as brigas, as
festas, o consumo de bebidas ou drogas, ou não havia essa pressão?
Maicon – Olha, pra ti falar a verdade. Nem precisava. Já... A pessoa já se
entusiasmava em tá junto. Já virou um vício, virou um vício, você queria tá
junto da turma. Tanto que, praticamente, nós távamos juntos quase todos os
dias. Final de semana, sábado, Bancrévea. Domingo na Ponta Negra. À noite,
de novo: discoteca mais uma vez.172
168 – Idem.
148
Marcos – E essas moças que andavam em galeras, brigavam?
Maicon – E muito. E muito.
Marcos – Você falou que elas brigavam até com os seguranças, nas
discotecas, num foi? 86
Maicon – Sem medo. Sem medo.
Marcos – A Punk também?
Maicon – A Punk era a líder principal. Num tinha medo. Num tinha bom não.
Elas davam soco, levavam três, mas iam pra cima. Caía duas, já tinha três em
cima dele. Caía três, tinha cinco em cima dele. E assim ia. Elas não
arregravam. Como eu digo pra você. Era todo mundo por todo mundo. Não
tinha essa. Era todo... Tanto que pra segurança sair de dentro do Bancrévea,
ele tinha que sair escoltado dentro do carro do Raidi, pra ir pra casa. Eles não
desciam pro Centro. Eles não eram loucos de sair. Eles não tinham essa
coragem. Eles eram bons lá dentro. Lá fora não. Só com uma arma na mão. O
cara podia ser o Hulk, ele não conseguia enfrentar cem homens. Cem
moleques, com terçado na mão, o que viesse na mão. E caras bons de
porrada. Moleques bons de porrada. Que se garantiam. Sabe? Eles batiam na
gente lá dentro, mas lá fora, eles eram menina.173
Marcos – Mas vocês não entravam com as armas lá dentro, né, do Cheik?
Porque tinha detector de metal ou pelo menos, revista. Vocês escondiam as
armas por lá? Como é que eram essas armas, e tal?
Maicon – Ah, nos muros, nas árvores, sabe? Em baixo das bancas de revista.
Era desse jeito. Era entocado por ali. Nas árvores, nas bancas de revistas,
sabe? Num tem aqueles rolos de tecido?
Marcos – Sei!
Maicon – Num fica aquele cano de papelão?
Marcos – Aham!
Maicon – A gente fazia ali dentro. Entocava ali dentro, fazia direitinho.
Guardava ali dentro ai, tirava.174
Marcos – Havia alguma música que a galera de vocês usava como um hino
próprio da galera, ou do bairro da galera?
Maicon – Tinha, tinha várias músicas. Tinha muita música, que a gente se
identificava. Muita... Pô! Technotronic foi o auge da galera. Technotronic foi,
assim... Tanto que falam: “olha aí o Poperou!”. Era o auge. O auge, o auge
169 – Idem.
170 – Idem.
171 – Maicon, em entrevista concedida em 22/11/2014.
172 – Idem.
149
mesmo, da galera. Sabe?
Marcos – Quando eu entrevistei a Punk, ela me comentou que a “Selvagem”
usava muita o... A “Anjos” também depois passou a usar, aquela música: [call
him Mr. Raider, call him Mr. Wrong], do Culture Beat...
Maicon – Culture Beat. 87
Marcos – Aí ela falou que vocês cantavam: “Selva vai viver, e Anjo vai
morrer”, aí o “Anjo” começou a cantar: “Anjo vai viver, e Selva vai morrer”.
Maicon – É, tinha essas... Tinha essa, essa...
Marcos – Tu não se lembra de nenhuma outra música, que os cara usavam?
Maicon – Bizz Nizz.
Marcos – Qual?
Maicon – Bizz Nizz.
Marcos – Ah, Bizz Nizz. Sei.
Maicon – Bota pra [...]. Pãrãnãnã. Cara, aquilo ali quando tocava. Aí tinha a
“New Are Angel”, quando tocava, num tinha jeito.
Marcos – Qual?
Maicon – “New Are Angel”. [E canta] New are angel, angel [...] Cara, essa
música quando tocava, cara, parecia que a gente não tinha voz. Os “Anjos”
dominavam. Dominavam. Era uma gritaria, que a gente calava. Em ver, que
era tão bonito você ver eles gritando, e faziam [faz um gesto com as mãos,
unindo os dois polegares, com as palmas viradas para a frente do próprio
corpo, formando duas asas] levantava a mão, e era aqueles cinquenta, mão
pra cima. Cara, generalizado. Pode ver que eu falo, eu me arrepio, pode
prestar atenção.
Marcos – Aham!
Maicon – Parece que você vive aquele momento. Sê parava pra admirar
aquilo ali. “New Are...” Você não ouvia, você só ouvia a voz deles. Quando
entrava a nossa era a mesma situação. Mesma situação.
Marcos – Essa do Bizz Nizz, que tu cantou, é... O refrão dela, vocês
cantavam assim: “eu vou baixar, eu vou baixar, porrada”, [e Maicon me
acompanha] “eu vou baixar, eu vou baixar, porrada...”
Marcos – Até na época que eu comecei a ir pra Spectron, ainda cantavam
desse jeito. As galeras cantavam desse jeito.
Marcos – Você acha que essas músicas ajudavam a criar um clima de disputa
entre as galeras, ao ponto de levá-las a brigar?
Maicon – As músicas? Ah, as músicas era... Cara, agora eu vou dizer pra ti.
Música do inferno? DJ Dero!
173 – Idem.
174 – Idem.
150
Marcos – “Do the rave stomp”, “Aurora”?
Maicon – Todas! O hino, o hino “Do the rave stomp”, cara, essa música o
Raidi teve que quebrar o disco. Ele disse: “eu não toco mais isso aqui
dentro”. Cara, era generalizado. Onde você olhava, parceiro, onde você
olhava. “Tããããã”, parece que o diabo vinha incorporando. Aquele Cheik
virava o inferno. Cara, eu vi o Raidi lá, ao vivo, tirar o disco, quebrar, e jogar
no meio do povo. “Eu não toco mais isso aqui”. E não tocou mais. Não tinha,
não tinha como segurar, não tinha segurança, não tinha, não tinha. A
discoteca toda virava assim, sabe... Uma arena de briga. Sério. Uma arena
que pra parar, era complicado. Porque depois que essa música tocava,
maluco, sério, aí era briga até o final da festa. Podia tocar qualquer outra
música, mas essa, parece que tava... Ela criou, assim, uma coisa tão grande,
que ninguém brigava no começo mais não. Esperava ela tocar. Quando essa
música entrava, parecia que o diabo vinha junto. O cara incorporava, aquele
Cheik chega tremia. “Tããããã, tã, tã, tã, tã, tã, tã”, aí “e bota pra 14”. Aí cada
um cantava seu hino. Cada um cantava: “bota pra...”, “bota pra Selvagem”,
pronto, aí num tinha jeito. Aí quando começava, sê ia se chegando. Ia
chegando... O pessoal do break já sabia, da roda de break, já saia fora lá pra
área externa do Cheik, porque sabia. Era feio. Sabe? Então, eu me recordo, eu
me recordo, na época, dessas músicas. O “Mr Vain”, o “Pô pop the jain”. “Tã,
tã, rã, pã, tã, pã, rã”. Pop the jain”. Quando começava: “pô, pop the jain,
poperô”…
Marcos – Ah! Technotronic.
Maicon – Technotronic. Technotronic foi o auge da galera, o “Mr. Vain”
também. O “Boys”. “Boys, boys, boys”. Era das meninas.
Marcos – O “Tarzan Boy”? Essa daí?
Maicon – Não, Sabrina. Sabrina.
Marcos – Sabrina, Sabrina!
Maicon – Esse era o das meninas. Tocava essa música, era porrada de
mulher.
Marcos – Aham!
Maicon – Sabe? Mas igual ao Dero, eu não vi igual.
Marcos – O Dero, o Raidi me explicou, quando eu entrevistei ele, que uma
vez ele tava tocando numa discoteca lá de São Paulo, aí, ele, ele tocou logo
depois do Dero. Aí quando o Dero foi passar o... Lá o, o equipamento pra ele,
e tal... “Fazer a passagem de som” pra ele, né? Ele fala assim. “Fazer a
passagem de som”. Aí o Raidi perguntou pra ele assim: “Dero, me diz uma
coisa: por que que as tuas músicas inspiram os jovens a tal ponto, que faz
com que eles briguem?” Aí o Dero respondeu pra ele: “cara, eu não sei. Até
na província de Rosário” [lá da Argentina... Eu imagino que seja na
151
Argentina, porque ele é da Argentina, né?], ele falou: “eu não sei, mas até na
província de Rosário, ela é proibida de tocar” porque... Enfim, porque gera
briga também. Ou seja, mesmo lá, não toca. Aí, assim, é meio que universal.
Aí, o Raidi explicou isso a partir de uma, a partir da própria música, das
próprias notas que são usadas no teclado que o Dero usa, que segundo o
Raidi, é um teclado muito agressivo. E o modo como ele executa, né, o som
daquela música, né, e do teclado, faz com que os ânimos de quem ouve se
exaltem. Ainda mais dos jovens, né? Os jovens eles são mais, eles são mais
propensos, digamos, a se animar com mais facilidade, e tal, né? Aí ele
explicou assim, desse modo. O que eu achei bem interessante, assim, a
explicação dele. Né? E eu vou colocar no meu trabalho essa explicação,
porque eu também sentia isso. Quando eu ia pra Spectron em 95, que foi
quando eu comecei a ir, e as galeras já estavam menos fortes, mas ainda
haviam muitas galeras, assim, eu ainda percebia, né, havia não só o Dero,
outras músicas também, eu ouvia, eu sentia... Eu sentia isso cara [risos
emocionados]
Maicon – O Dero fez surgir a galera de novo. Que tava amenizando. Quando
o Dero entrou no auge, as galeras voltaram de novo. Essa nova...
Marcos – E é de 92, né, o Dero?
Maicon – 91, 91, o Dero é de 91. Pra sê ter uma ideia, pra você ter uma ideia,
já tinha amenizado, a galera era só aquilo ali. Só tinha briga lá no Cheik. Mas
quando o Dero voltou, essa nova safra de jovens que tavam surgindo, cara,
entraram. Virou uma tal coisa... E foi... E a gente já tava, assim, com aquela
idade mais... A gente ficava olhando. Sabe? Incrível, incrível. Era coisa de
louco, de louco. Aquele Cheik tremia. Era preciso vim a polícia parar a festa.
Parar a festa. Era de enlouquecer, o cara enlouquecer. Sabe? Acendia as luzes
e a porrada cantava. Era segurança levando peia, já tinha quatro de novo na
porrada ali, já tinha dez daquele lado ali. Era generalizado. Era
generalizado.175
Marcos – Você acha que escolheu, de livre e espontânea vontade, ser de
galera? Ou acha que foi levado a isso por não gostar de estudar, por não ter
atenção da família, por falta de emprego, ou por falta de ter o que fazer em
seu bairro?
Maicon – Não, da minha parte, foi pura e livre espontânea pressão minha
mesmo. Ou eu ia pra galera, ou eu ia pra lugar nenhum. Porque pra mim
poder me entrosar dentro do, do... Ter um espaço dentro da discoteca, e eu
que gostava de dançar, eu tinha que entrar numa galera. Escolhi a
“Selvagem” por ser a mais temida, por ser a mais respeitada. Sabe? E por ter
mais identificação com as pessoas que tavam lá dentro. Sabe? Num foi essa
152
“por vontade própria”. Foi por pressão mesmo. Quer dizer, sê tem que
escolher um lugar. “Maluco: ou tu escolhe lá, ou tu escolhe aqui”. E eu
escolhi meu lado.176
Segundo os cinco trechos extraídos da entrevista concedida pelo DJ Raidi 88
Rebello, as danceterias Cheik Clube e Bancrévea Clube foram as primeiras
a disponibilizar um serviço semelhante aos que eram oferecidos pelas discotecas de
alguns outros lugares, como São Paulo e Rio de Janeiro, porém, a um preço acessível
aos jovens de classe baixa e de periferia de Manaus. E ainda que não tivessem “o
conforto de uma discoteca”, tinham a melhor iluminação, o melhor equipamento de som
de Manaus e músicas importadas em um período em que era difícil conseguir essas
músicas. Além disso, tais danceterias dispunham do melhor DJ, que no caso era o
próprio Raidi Rebello, e como este reinvestia todo o lucro das festas na aquisição de
novos e mais sofisticados equipamentos, as casas sempre estavam rivalizando com as
principais danceterias não só de Manaus, mas do Brasil.
O público, ainda segundo as memórias de Rebello, por ser formado
majoritariamente por jovens de baixo poder aquisitivo e de periferia, se sentia
usufruindo de uma forma de lazer que ele sabia que não ia encontrar em muitos lugares,
a não ser se fosse para outras danceterias mais elitizadas. No entanto, nestas as músicas
eram diferentes, o ingresso era mais caro e o público frequentador não lhe era familiar.
Rebello comentou sobre isso, mas a respeito dos “filhinhos de papai” que ficavam nos
carros estacionados do lado de fora durante as festas do Cheik, e não entravam porque
não se sentiam à vontade para interagir com aquele público de periferia.
E os boyzinhos, filhinhos de papai, o cara que ele mandava engraxar o
sapato, dava um dinheiro pra eles, pra eles comprarem as fitas que eram
vendidas aqui, pra poderem levar pros boyzinhos. Porque o cara não tinha
coragem de vir aqui, né? Porque ele não era da... O sujeito entrava aqui, já
ficava todo mundo olhando pra ele, pela maneira dele se vestir, dele se portar,
o cara já sabia que ele não era frequentador do Cheik. Então, o cara ficava, se
sentia constrangido, se sentia intimidado, e outra coisa: a maioria conhecia
um ou outro, mas não conhecia aquelas grandes turmas pra se enturmarem
[...]. E o cara parava o carro dele ali, [...] ele tinha uma visão completa da
iluminação que tinha, ouvia as músicas porque não tinha como evitar, era
175 – Idem.
176 – Idem.
153
tudo aberto, ele conseguia ver o público e ficava curtindo as músicas que
tocavam ali, porque a maioria num tinha muita coragem pra entrar aqui,
porque ele não fazia parte [...] dessa turma que frequentava.177
Mas no dia 25 de junho de 2016, na festa beneficente de Flash Back realizada na 89
Colônia Oliveira Machado, no Bar Coqueirinho, para fornecer uma ajuda à Sheila
“Guerreira”, que já se encontrava diagnosticada com câncer e em fase de tratamento,
conversei com Maicon Costa e com Raidi Rebello ainda no início da festa, quando não
tinha muita gente. Como a conversa era sobre as discotecas, eles se lembraram que a
Spectron, logo quando foi inaugurada, ainda no final da década de 1980, era tão
elitizada que só permitia a entrada de pessoas com sapato e roupa social. Maicon até se
lembrou que a primeira vez que foi para lá, foi barrado por não estar usando sapato.
Essa informação não foi relatada em nenhuma entrevista. Após ouvi-la, anotei-a em um
arquivo pessoal denominado Anotações de Conversas Informais, mantido
exclusivamente para registrar as observações e conversas que só consegui coletar
durante o trabalho de campo que realizei, tal como a observação participante dos
sociólogos e antropólogos.
Essa diferenciação das danceterias voltadas para o público de periferia é de
fundamental importância, porque era nelas que se podia encontrar a maioria dos
galerosos e das galeras que curtiam dance music. O próprio gênero musical, apesar de
possuir diversas subdivisões e subgêneros (Freestyle, House, Underground, Italo-
House, Techno, Eurodance, Dance Nacional, etc.,), floresceu e alcançou seu auge na
cidade de Manaus entre os anos 1985 e 2000. Justamente o mesmo período de principal
atuação dos grupos de galera.
De fato, em todas as entrevistas, ficou explícita uma relação muito forte entre o
surgimento e o auge das danceterias que tocavam dance music e o surgimento e
desenvolvimento dos grupos de galera. Rebello enfatiza que as festas atraiam tanto a
juventude de Manaus porque, além das atrações usuais, forneciam uma segurança
dentro das casas que desmente os boatos existentes até hoje que dizem que nas festas
das discotecas de antigamente só tinha muitas galeras, brigas, mortes e drogas. Sobre
essas questões, Raidi assim se expressou:
[...] garrafas, desde 1985/86, [...] eu bani [...], porque isso na realidade era um
177 – DJ Raidi Rebello, em entrevista concedida em 29/07/2014.
154
perigo. Caí, cortar alguém, ou alguém usar a garrafa como arma, [...]. Então,
existem algumas lendas urbanas que têm que ser tiradas, sabe?
[...] No centro da cidade as casas possuíam detector de metal, que nem a
polícia tinha, [...]. A violência dentro dos clubes era contida pela segurança.
O Cheik chegou a ter 70 seguranças. [...]. Acontecia briga? Lógico que
acontecia! Impossível de você evitar três, quatro mil pessoas dentro de um
lugar, principalmente garotada, e não ter confusão.
[...] A violência que havia na época era pro cara [...] roubar os blusões da Yes
Brasil [...], que era o ícone de consumo da garotada na época. Então, se
reunia aquela turminha [...] e tomavam as coisas da pessoa [...]. Então, uma
boa parte dessa atmosfera de medo vinha daí, na realidade não era das
pessoas que estavam no clube, mas do pessoal que tava do lado de fora do
clube, [...] entendeu?
[...] Quanto às drogas que o pessoal fala [...]. Cocaína [...] dentro de um clube
[...] que o ingresso custava três reais na época. [...] Qual é o poder aquisitivo
que essa garotada, que eram todas de periferia, teriam pra tá comprando
droga? [...] mesmo a maconha, entendeu? [...] Um troço que cheira, fede que
só o diabo? Se um cara acendesse um cigarro desse aqui ele era preso, o
segurança jogava ele lá fora, entendeu? [...] a garotada podia fazer uma série
de coisas erradas. Havia violência, havia na rua, havia violência na ida pro
terminal [...]. Mas dentro dos clubes? Qual era o interesse que nós teríamos
de permitir confusão, brigas dentro dos clubes? Já teriam fechado as
discotecas. As pessoas, às vezes, nunca param pra pensar: por que que o
Cheik durou vinte anos, por que que o Bancrévea durou tanto tempo se era
tão ruim assim? [...] Porque é mentira a grande maioria das coisas que falam.
[...] Marcos – Na época em que você tocava nessas discotecas, chegou a ficar
sabendo de algum caso de uso excessivo de força para conter as galeras ou
algum galeroso em particular?
Raidi – [...] Eu lembro [...] em algumas situações de [...] a segurança barrar
alguém ou colocar alguém pra fora por tá fazendo arruaça, o cara muitas
vezes ficava ameaçando a segurança, e isso poderia, realmente, talvez acabar
numa cena de violência fora, quando o segurança saísse [...]. O que acontecia
era que ele ia se meter numa confusão e os dois lados tão alterados, [...] e
num é muito difícil de você acabar apanhando ou tendo que usar uma atitude
mais drástica pra conter o cara, num é? [...] a gente procurava trabalhar com
seguranças um pouco mais calmos, [...] mas era necessário, às vezes, você ter
um cara que intimidasse, dentro da tua segurança, porque se não, esses caras
que brigavam, que, [...] tinham ascendência sobre as outras turmas, eles
podiam acabar mandando na tua festa. E isso era uma coisa que você não
podia deixar acontecer [...].178
155
Contudo, todos os colaborados relacionaram de forma direta as danceterias com
algumas das principais práticas dos galerosos, até mesmo Rebello, como no trecho final
de seu relato acima transcrito. Uma dessas principais práticas eram as brigas, as famosas
“porradas”, enquanto que outra era a dança. Daí as festas serem tão essenciais para a
manifestação e expressão desses grupos de jovens. As danceterias eram locais tão 90
procurados e admirados pelos jovens, que Rebello nos conta que “não eram todos os
bairros que tinham boas discotecas, mas praticamente todos eles tinham seus locais,
porque era uma [...] onda, era uma coisa muito forte da discoteca [...]”. As tecnologias
de que fala Rebello também eram outros elementos que contribuíam para chamar a
atenção dos jovens, pois em uma época em que os vídeo-clips ainda estavam
começando a aparecer, o Cheik já os exibia, bem como ao filme Selvagens da Noite,
como mencionado no capítulo anterior, e filmava imagens dos próprios frequentadores
dançando, como provam alguns dos poucos resquícios de imagens que ainda podem ser
vistas hoje em dia, em alguns DVDs de Flash Back que são vendidos nos camelôs de
Manaus ou que podem ser conseguidos quando se compra os ingressos das festas de
Flash Back organizadas pelo DJ Raidi Rebello. Talvez por isso o DJ tenha se referido às
festas como uma espécie de Disneylândia da garotada.
E uma vez que nas festas se reuniam grandes, médias e pequenas turmas de
jovens que se agrupavam para se deslocarem até as danceterias e para se protegerem e
se divertirem mutuamente, a combinação desse elemento com a influência dos filmes de
gangues, sobretudo Selvagens da Noite, com a época, que favorecia as diversões e
brincadeiras de rua, e com a ausência das tecnologias mais modernas de entretenimento,
como o celular e a Internet – que tornaram as formas antigas de interação mais direta
menos praticadas –, podem ser entendidos como os principais responsáveis pelas
atitudes dos jovens que resolveram criar grupos semelhantes às gangues e se destacar
dos demais jovens da cidade.
Fazer parte de um grupo de galera ou, ao menos, conhecer e travar, em algum
momento, algum tipo de contato com ele, se transformou em uma realidade comum para
muitas pessoas, sobretudo para os jovens. Sheila relembrou que já com treze, quatorze
anos, frequentava a Mykono‟s e a Starship. Também relatou que, além dos clubes, não
havia opção de lazer para os jovens na cidade. O relato de Cláudia coincidiu com o de
Sheila neste sentido. Sheila também comentou que naquela época, por inexistir celular,
178 – Idem.
156
os jovens marcavam seus encontros em determinados lugares e, portanto, tinham que
estar lá para interagirem e participarem das atividades desenvolvidas por seu grupo. Ela
comentou que os encontros de sua galera, a “Selvagem”, se davam nas danceterias e a
intenção, uma vez ali, era curtir, dançar e brigar, ainda que a briga se desse só depois de
certa hora.
Essa característica organizativa dos jovens de galera, bem como sua criatividade
para produzir formas de curtição e diversão alternativas – ou seja, que fugiam do senso
comum e transgrediam as leis da cidade –, também foi relembrada e relatada por todos
os colaboradores.
Cláudia e Sheila enfatizaram as amizades que o grupo de galera proporcionava,
assim como o respeito auferido pelos integrantes de uma turma como essa. Além disso,
a fascinação que as discotecas exerciam em muitos jovens pode ser entendida através da
experiência vivenciada por Cláudia, para quem nem mesmo os castigos que lhe eram
infligidos pelo DJ Raidi Rebello, que a proibia de entrar no Cheik antes de um certo
horário, eram suficientes para lhe desmotivar e fazê-la deixar de frequentar a danceteria.
Cláudia relatou também uma prática curiosa: a obtenção de dinheiro através da
dissimulação. Era mais comum que tal prática se desse da seguinte maneira: um
galeroso muito respeitado e com fama de briguento e de encrenqueiro chegava cedo à
danceteria, mas não entrava. Ficava na frente da discoteca e fingia que estava sem
dinheiro para comprar seu ingresso, ao mesmo tempo em que já ia rondando toda a
adjacência do local pedindo dinheiro dos que se encontravam do lado de fora esperando
algum amigo ou dando tempo para não entrar muito cedo na danceteria, pois esta
costumava estar vazia no início. Essa tática era praticada por muitos galerosos, tanto por
alguns não terem mesmo dinheiro para entrar, quanto por querer juntar uma grana a
mais para comprar bebida, cigarros e lanche. Mas no caso de Cláudia, sua artimanha era
usada para pagar seu aluguel.
Assim, vê-se que o ato de frequentar todo final de semana as discotecas
constituía, para muitos galerosos, uma prática não só de diversão, mas de sobrevivência
dentro de seu universo social e cultural. Uma vez que possuíam uma habilidade e um
capital simbólico para extraírem vantagens de sua condição de integrantes de galeras,
não raro possuíam consciência dessas “armas” e se valiam delas para conseguir o que
queriam.
Essa tática de obtenção de dinheiro, por outro lado, só era eficaz não só por
causa da reputação dos galerosos, que os fazia ser conhecidos como jovens que
157
agrediam e tomavam as coisas das pessoas quando pediam e não recebiam o que
pediam. Ela era eficiente porque dentro do universo da cultura da dance music e das
discotecas de Manaus dos anos 1980 e 1990, estar disposto e preparado para dar algum
dinheiro, cigarro, gole ou copo de bebida, pedaço de sanduiche ou qualquer outra coisa
a um galeroso podia significar também a conquista de respeito e consideração perante
os galerosos e a preservação da integridade física. Lembro que quando frequentei a
Spectron entre 1995 e 1999, sempre levava uma carteira de cigarro Derby – apesar de
não ser fumante –, que custava R$ 1,00, ou separava em um bolso exclusivo da calça
algumas moedas para dar a algum galeroso que, porventura, viesse me pedir alguma
coisa. Geralmente eles chegavam e diziam: “Tem um real aí pra interar minha entrada?”
ou, “me arruma um cigarro aí, moleque!”, ou ainda, “arruma umas moedas aí, pra gente
interar o goró”. O “goró”, formado pela mistura de cachaça ou alguma outra bebida
forte e refrigerante, era a bebida mais consumida dos galerosos, já que rendia bastante,
embebedava rápido e lhes era mais acessível financeiramente.
Às vezes, quando não recebiam o que pediam, os galerosos davam tapas, socos,
chutes e até facadas nas pessoas, como provam diversas notícias dos jornais A Crítica
que foram consultados179
, e como cheguei a ver acontecer nos lugares que frequentei e
que também eram frequentados pelas galeras. E como eu não era o único a andar sempre
preparado para tentar escapar das ações agressivas e intimidadoras das galeras, muitos
galerosos já sabiam que seriam atendidos e conseguiriam o que queriam se pedissem de
forma resoluta e ameaçadora.
Cláudia também frisou as roupas que os integrantes das galeras vestiam e os
passos de dança que costumavam ser aperfeiçoados ao longo dos dias úteis para serem
demonstrados aos finais de semana nas discotecas. Segundo ela, essas coisas, e não
somente as brigas, ficaram muito marcadas na memória de muitos que vivenciaram tais
experiências. Ela falou também da divisão que havia dentro da discoteca Bancrévea
entre a galera “Anjos Malditos” e a galera “Selvagem”, ao mesmo tempo em que os
seguranças ficavam no meio das duas tentando manter uma certa ordem e paz na pista.
A “emoção” tornava “tudo” “muito legal”, porque “cada música tinha um passo, né?”
Medroso também se lembrou do sucesso e da influência que as músicas
exerciam em muitos jovens integrantes de galeras. Como Cláudia, ele comentou que
tanto as danceterias quanto a própria cidade eram divididos pelos galerosos, sendo que
nas danceterias, eram comuns o “empurra-empurra” e as “porradas” quando a música
era muito agitada. Medroso também lembrou da música que talvez tenha sido a que
158
mais desencadeava brigas entre os galerosos: Do The Rave Stomp, do DJ Dero. Embora
não tenha lembrado do nome da música, nem do DJ que a mixou, comentou que havia
uma música que a galera da Praça 14 usava como marca. E até cantou como os
galerosos cantavam uma parte da música. Tanto Medroso quanto Raidi e Maicon
destacaram essa música como uma das mais influentes junto aos jovens galerosos. Para 91
o pesquisador, as músicas que eram utilizadas pelos jovens para motivá-los a brigar,
mais pareciam hinos de guerra, daí a descrição delas como se fossem tais hinos. E essas
músicas tanto podiam se referir aos grupos de galera, quanto aos bairros desses grupos.
No caso de Do The Rave Stomp e de Aurora, ambas mixadas pelo DJ Dero e muito
parecidas, muitas galeras usavam o refrão para dizer: “bota pra 14”; “bota pra
Compensa”; “bota pra Alvorada”. Ou seja, as galeras usavam a música para anunciar de
onde vinham e para destacar sua presença maciça na cena noturna da cidade e das
danceterias.
A ocasião em que tais músicas tocavam era tão importante que, de acordo com
Maicon e com Raidi, dava motivo para uma mudança completa de atitude dentro da
discoteca, e até contribuía para o aumento dos comportamentos violentos entre os
jovens galerosos, como lembrou Maicon a respeito das músicas do DJ Dero no trecho
de sua entrevista em que ele fala sobre isso, e como lembrou o DJ Raidi Rebello no
trecho a seguir:
Marcos – Entre 1995 e 1999, período em que eu frequentei a Spectron Disco,
lembro que alguns membros de galera brigavam com mais frequência ao
ouvirem determinadas músicas. Era como se ficassem mais agitados e
eufóricos, ainda mais quando a música em questão era considerada o “hino da
galera” ou do “bairro da galera”. O “hino da galera” eu coloquei entre aspas,
né, assim, porque era quase como se fosse um hino. Elas viam desse jeito,
né? Você se lembra de alguma música que era ouvida e cantada quase como
um “hino de guerra” por alguma dessas galeras? Porque parecia um “hino de
guerra”, né, dentro das danceterias? Eu lembro, na Spectron que, às vezes, ele
[o DJ] tocava a música aí, um ou dois, assim, três de algumas galeras, assim,
né? Aí, é, se empolgavam, brigavam, batiam, assim, rapidinho, né? Aí depois
tentavam se esconder, porque o segurança logo chegava e botava pra fora,
né? Daí, eu quero saber se tu se lembra de alguma dessas músicas, que eram
ouvidas e cantadas, né, quase como um “hino de guerra”?
179 – Como exemplo deste fato, ler o Jornal A Crítica, 29/08/1993, p. Polícia. Matéria “Negou um
cigarro e acabou assassinado pela galera”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
159
Raidi – Lembro de várias. Tinha algumas que... Bom, tem uma que é a
principal delas, né, que inclusive era muito usada pelo pessoal da Praça 14.
Marcos – “Aurora” DJ Dero?
Raidi – É. “Aurora” é, tem o ritmo parecido. É porque é assim: o Dero, que é
um DJ argentino, na realidade o nome da música chama-se “Do The Rave
Stomp”.
Marcos – “Do The Rave Stomp”!
Raidi – Né? Essa é a grande música da, da, da 14. Só que a 14 era somente
uma delas. Eles tinham um negócio de “bota pra 14”, que seria em cima da
música, mas “bota pra Alvorada”, “bota pra Compensa”, ah, cada bairro
construía a letra da maneira como achava melhor. Tinha uma outra música
[...], tá aqui. Ou é essa ou é essa. Não pode ser outra. [Começa a tocar Fun
Tribe, música “N.E.G.U.S”]. [...] O pessoal cantava: “oh, eh, oh, a
„Selvagem‟ já chegou, oh...” Eles usam esse cântico até hoje. Quando eles
vão pra uma festa de Flash Back, alguma coisa, aí quando entra essa música
eles falam: “oh, gê, oh, a Compensa já chegou”, “oh, gê, oh, a 14 já chegou”.
E por aí vai. Quer dizer, são as músicas que eles cantavam, e tem dezenas de
outras que, às vezes, a gente não ouvia porque você tá na cabine, e sê tá com
um retorno muito alto. Eu escutava o que eles cantavam, mas eu não
conseguia entender. Eu conseguia entender, às vezes, um bairro ou outro e tal,
né? Mas esse aqui eu lembro que era todas as vezes. E o Dero, né? [...] o “Do
The Rave Stomp”, aliás, [...] eu, em 98, eu acho, 99, eu toquei em São Paulo,
num clube chamado Nova Floresta. E tinham várias atrações. E uma das
atrações era o Dero, e eu toquei depois dele. E quando a gente tava fazendo a
passagem do som, eu chamei ele, e perguntei pra ele: “Dero, me responde
uma coisa: por que que a tua música é, excita tanto o pessoal ao ponto de
leva-los a brigar?” Aí ele disse pra mim [...]. “Raidi, eu não sei! Na província
de Rosário é proibido de tocar “Do The Rave Stomp” (Risos).
Marcos – Na Spectron, eu cheguei a presenciar, nos domingos que eu fui [...]
eu não sei se era o Alex Marques, o DJ que tava tocando lá no dia, ele, às
vezes, começava a tocar, aí, dez, quinze segundos depois, ele tirava, porque
começavam as brigas [...]. E ainda dizia assim: “Olha aí, tá vendo? Desse
jeito num vai dar pra tocar DJ Dero, vocês ficam brigando”. Aí dificilmente
tocava até o final. “Do The Rave Stomp” e “Aurora”.
Raidi – É, era complicado. Eu me lembro já, na década de 2000, eu tava
fazendo, eu fazia umas festas no Olímpico, que davam cinco, seis mil
pessoas, na Noite do Flash Back e tal, e o pessoal me pressionava muito pra
tocar, né, o DJ Dero. E eu não gostava, tinha muita gente, era perigoso...
Marcos – Isso nos anos 2000 já, né?
Raidi – Década de 2000. Já era festa de Flash Back, já tinha mais de dez anos
160
que a música tinha saído [...]. E o público, vamos dizer, já tava bem mais
envelhecido, né? Essa coisa toda. E eu me lembro que pressionaram muito, aí
eu peguei, falei pro pessoal assim: “olha, eu vou tocar a música do DJ Dero.
Se tiver uma briga durante a música, [...] eu vou quebrar o disco”, a gente
tava tocando com vinil, né? “Eu vou quebrar o disco e, eu juro pra vocês que
nunca mais eu toco essa música, vocês nunca mais vão ouvir essa música,
nem no meu programa, nem num baile meu”. E toquei a música. Música
inteira, a maior tranquilidade. Neguinho pisava no pé do outro pedia
desculpa, entendeu? Sabe, aquela tranquilidade. Terminou a música, eu falei:
“gente, vocês viram do que vocês são capazes? Vocês viram que quando
vocês querem, vocês não brigam? Vocês viram que não é a música que faz
brigar? Porque se fosse a música vocês iam brigar de qualquer jeito. Coloquei
pra tocar outra música. Teve umas trezentas brigas.
Marcos – Outra música do Dero?
Raidi – Outra música. Antes (risos) de terminar a terceira batida da outra
música, já tinha dado uma briga ali, outra briga ali. Os caras, ninguém brigou
durante a música porque se não eu ia quebrar o disco. Mas o Raidi não falou
nada sobre brigar na outra música (risos). Foi bem engraçado isso, ficou todo
mundo rindo, né? Eu falei: “vocês são fogo, né?” Como eu não falei que não
ia acontecer nada, [...] se brigar na outra música não tem problema, né? Mas
é, realmente, eu acredito que seja uma junção que o Dero fez, ah... De um
teclado extremamente agressivo, e ele somou um contrabaixo. Que não é
muito usual de fazer. Então, o teclado tem um tom grave muito forte, num é?
E a maneira que ele executa, também é bem diferente, vamos dizer assim.
Porque, ah, o toque tocado por esse teclado, ele se torna agressivo. Você
conhece [...] a música do cacetinho?
Marcos – Não! De nome, assim. Talvez se eu ouvir.
Raidi – Sê já viu festival folclórico? Já foi no festival folclórico?
Marcos- Já, já.
Raidi – Já viu a apresentação do cacetinho? Olha aqui. [Coloca a música pra
tocar]. Esse teclado é o teclado do Dero, sampliado. E tocado por mim, numa
música, que é a [...] música de cacetinho [...]. Só que não tocada pelos
instrumentos que você ouve, que são saxofone... Ela soa agressiva. Ou seja,
não é a música, é o teclado, é o timbre que ele usa, que torna agressiva. Não
soa agressiva? Parece música do Dero, né?
Marcos – Parece.
Raidi – Pois é! Essa música é amazônica. Essa música é da dança do
cacetinho. De Maués, sei lá de onde. Eu pedi pro cara tocar, e fiz, na época,
tentei fazer uma música na época com coisa, mas não ficou lá muito boa, eu
nunca coloquei essa música [...] pra tocar. Mas pra você ver como, como o
161
timbre do teclado que ele usa, realmente, torna até uma coisa folclórica meio
agressiva. Então, eu acho que eram algumas músicas que realmente puxavam
pra esse lado. E aconteceu um período que, que foi muito assim, né? Que foi
o período Techno, que vai de 92 até 95 mais ou menos. Num é? Em que as
músicas adquiriram uma conotação extremamente rápida, agressiva, eram uns
teclados, quanto mais agressiva melhor. Se você pegar tudo que aconteceu,
ah, na era Techno, que seria mais ou menos 92, você vai observar que as
músicas são todas assim. [...] Se você pegar [...] o 2 Unlimited, por exemplo,
que seriam o... [Coloca o 2 Unlimited, música “No Limit”]. Ó, ó o timbre de
música?
[...] Olha aqui o tipo de música. [E toca Anticappella, música “Everyday”].
Isso é 92. [...] É, você pegar aí o... [E toca Obumbratta, música
“Apotheosis”]. Olha o teclado. [Toca “Asi Me Gusta a Mi”, de Chimo Bayo].
Sê vê que tudo puxa prum lado meio sombrio, meio agressivo. Esse era o
Techno [...]. E aí, você vai pegar várias músicas que são assim. [...] O próprio
Fonny De Wulf, que foi produtor do Plaza, que era um grupo infantil lá da
Bélgica. Olha o que o cara fez bicho! Né? Um negócio extremamente
agressivo. Isso aqui é uma espécie de mix que tocou na época. [E coloca uma
música formada por uma mixagem de várias outras músicas Techno do início
dos anos 90]. [...] Ou seja, houve uma mudança na linha melódica, [...] início
de 92 e 94 que, vamos dizer assim, se você juntar, foi o período em que
cresce a violência. É o período assim, que se torna meio perigoso você sair na
rua e tal. Acho que acabou juntando as coisas, né? O tipo de música que
começou a fazer sucesso durante esse período. Você vê que logo após, já em
93, 94, você já começa a sentir a entrada da Eurodance. Que já é uma música
mais melodiosa, com vocais femininos, num é? Que é quando aparece o
Culture Beat, Double You, num é? Tem o som do Masterboy, todos eles
baseados num vocal feminino e um rapper masculino cantando, num é?
Quando a música fica um pouco mais leve, vamos dizer assim. Sai um pouco
daquele período meio sombrio do Techno, da década de 90. Até o nome da
música é complicado bicho: “James Brown is dead”, “James Brown está
morto”. Aí o cara diz assim: “Pô, mas a música era isso mesmo?” Na
realidade, o que eles queriam dizer, era que toda música do final dos anos 80
e início da década de 90, os ícones House, aquela coisa lá, eles eram
baseados, ah, nos samples do James Brown. “ge up‟ah, gerugurê”, isso aí tem
em umas trocentas músicas da época. Se você pegar aqueles gritinhos: “uh,
yeh, uh”, isso é James Brown. Foi tirado dos discos do James Brown. Então,
o que eles quiseram dizer, na época, com “James Brown is dead” seria o
seguinte: “pô, o que é James Brown, o tipo de música derivada da maneira
musical do James Brown, está morta, né?” Na realidade não queria dizer que
162
o James Brown tava morto, ele tava vivo na época, ainda, né? Então, é, as
músicas tinham uma conotação de rompimento com o passado. Então, é, o
teclado, a maneira,o Techno, ele tocava, inclusive, nas teclas pretas do
teclado, que são as teclas [...] oitavadas [...]. Que são somas de oitavas, por
isso que dá esse timbre meio [...] sombrio na música, né? [...] fantasmagórica,
né? E vem da região do teclado aonde ela é tocada.180
92
Maicon, apesar de citar várias outras músicas como inspiradoras de brigas dentro
das danceterias, enfatiza muito as músicas do DJ Dero como as que mais levavam os
jovens de galera a brigarem. Ele comenta também que a música Boys, de Sabrina,
quando tocava, levava as mulheres a brigarem. Além disso, cita a música We‟re Gonna
Catch You, de Bizz Niss, como outra das grandes músicas muito influentes junto aos
jovens de galera. O refrão instrumental desta música era cantado da seguinte maneira:
“Eu vou baixar, eu vou baixar porrada”, e era repetido algumas vezes.
Algumas destas músicas, de fato, se transformavam numa espécie de marca de
algumas galeras, como relatou Medroso ao deixar subentendido que a música Aurora,
do DJ Dero, era a identidade da galera da Praça 14. Porque os galerosos de uma
determinada galera ou bairro se identificavam com elas e passavam a agir de forma
combinada e organizada quando as ouviam. E essa habilidade das galeras para se
organizar e atuar de forma combinada em certas ocasiões, não passava despercebida dos
jovens que não eram galerosos. É novamente Medroso quem nos relata que até mesmo
seus sobrinhos e colegas cantavam a música do DJ Dero tal como cantavam os
galerosos. E isso porque aqueles jovens galerosos eram vistos como ídolos por alguns
destes adolescentes que não eram integrantes destas turmas. Segundo Medroso, a
música era uma forma com a qual os galerosos de um grupo usavam para se comunicar,
e era também a “ideologia” deles.
De fato, Maicon deixou bem claro, em seu testemunho que, por exemplo, a
música New Are Angel, de Esteve Vasques, foi totalmente apropriada pelos integrantes
da “Anjos Malditos”, a principal rival da “Selvagem”, galera da qual fez parte. Ele
relatou que quando essa música tocava, “parecia que a gente não tinha voz. Os “Anjos”
dominavam. Dominavam. Era uma gritaria, que a gente calava. Em ver, que era tão
bonito você ver eles gritando [...].”
Maicon, ao falar destas músicas e do quanto elas mexiam com os ânimos dos
jovens frequentadores das danceterias, relembra também da emoção que sentia e ainda
180 – DJ Raidi Rebello, em entrevista concedida em 29/07/2014.
163
sente, só por estar relembrando destas experiências que vivenciou há tanto tempo. Neste
sentido, podemos perceber que havia, de fato, um sentimento familiar e de
pertencimento muito forte dos galerosos tanto em relação às galeras quanto em relação
aos seus bairros e às próprias discotecas. Cláudia deixou esse sentimento transparecer
em algumas ocasiões também, como pode ser lido em um trecho de sua entrevista citado
acima.
As músicas serviam também para promover um tipo de provocação entre as
galeras, como deixou claro Cláudia, citada pelo historiador no trecho da entrevista de
Maicon:
Marcos – Quando eu entrevistei a Punk, ela me comentou que a “Selvagem”
usava muito o... A “Anjos” também depois passou a usar, aquela música: [call
him Mr. Raider, call him Mr. Wrong], do Culture Beat...
Maicon – Culture Beat.
Marcos – Aí ela falou que vocês cantavam: “Selva vai viver, e Anjo vai
morrer”, aí o “Anjo” começou a cantar: “Anjo vai viver, e Selva vai morrer”.
A música em questão chama-se Mr. Vain, do Culture Beat, e até hoje é muito
curtida pelos antigos frequentadores das discotecas de Manaus que ainda ouvem e se
divertem com esse gênero musical.
Ao falar do gesto de mãos que simulava o bater das asas de um anjo, que os
integrantes da “Anjos Malditos” faziam ao ouvirem New Are Angel, e ao ouvir Maicon
dizer que o pessoal esperava as músicas do DJ Dero tocar para começar a brigar dentro
da danceteria, temos a impressão de que estamos lidando com jovens integrantes de
exércitos em formação de batalha programados para atacar ao ouvir um comando.
O estar preparado para bater, brigar, apanhar e para defender algum amigo da
galera eram outras das principais práticas dos jovens galerosos. As ocasiões e lugares de
briga eram, muitas vezes, inusitadas, mas, ao mesmo tempo, tinham lugar e horário
certos: as danceterias, suas adjacências e os pontos de ônibus mais próximos das festas
que reuniam galeras.
A relação das brigas das galeras com as músicas que essas turmas mais
gostavam de ouvir é difícil de ser negada. Mesmo o DJ Raidi Rebello tendo tido o
cuidado de evitar essa relação mais direta com as músicas e com as danceterias,
sobretudo com o Cheik e com o Bancrévea, aonde tocou por mais tempo, em alguns
momentos ficou claro que a relação existia. Eis dois trechos de sua entrevista que
164
sugerem isso:
Marcos – A partir do ano 2000, ou até antes, as galeras e as discotecas de
Manaus entraram em processo de decadência. Várias danceterias fecharam e
praticamente não se ouviu mais falar de galeras em Manaus. Em sua opinião,
quais foram os fatores que motivaram a decadência das galeras e a
decadência das discotecas?
Raidi – Eu acho que uma coisa tá ligada à outra, né? É, começou a acontecer
uma fuga do público, buscando outros ritmos. Esse público foi envelhecendo
também, e eles começaram a buscar um ritmo mais suave, vamos dizer assim,
no caso o forró a toada, o pagode, que são ritmos um pouco mais lentos, né?
Até pelo próprio envelhecimento da turma. A música teve uma decadência
muito grande, a Dance Music esgotou algumas fórmulas que funcionaram
durante muitos anos, no caso do Eurodance, por exemplo, o Underground
que também tornou a cena... Começou a se tornar feio, vamos dizer assim.
Era bom de dançar, mas ruim de ouvir, e isso acabou fazendo com que o
movimento dentro das casas noturnas passasse a cair.
Marcos – [...] De 2000 pra cá, tocando primeiro no Olímpico Clube, depois
no Rio Negro Clube, você conseguiu perceber alguma manifestação, em seu
público, que lembrou algum comportamento típico das galeras que existiram
em Manaus nas décadas de 80 e 90?
Raidi – Olha, na realidade, continuou a ter turminhas. As confusões, que
eventualmente aconteciam nas festas, nunca eram causadas por uma única
pessoa. Continuava a ter as turminhas. Só que já não tinha a conotação... E o
engraçado é que a grande maioria, causadas por uma garotada que nem tinha
vivido a época. Num é? Sê imagina 2004, 2005, quando eu fiz essas festas no
Olímpico, já tinham pelo menos [...], em relação ao último ano de
funcionamento do Bancrévea, já tinha pelo menos uns sete anos que o
Bancrévea tinha fechado. E [...] a partir de 94, 95 começou a haver um
controle muito grande sobre a presença de menor na discoteca. Aí sim,
começou a acontecer um controle muito grande por parte dos clubes. Houve
uma exigência maior do poder público, e os clubes começaram, realmente, a
fiscalizar o sábado, o que acabou fazendo a garotada ir pro domingo, né? As
domingueiras ficaram mais lotadas. E essa [...] mudança de formato, atingiu
também “A Noite do Fash Back”. Você evitava a entrada do menor. Porque a
música continuava a provocar reações. Por exemplo, como a gente tava
conversando aqui sobre o Dero, sobre aquela parte mais radical da música da
época, que incitava um pouco a violência, mas eu acho que na realidade, isso,
depois, no final da década, nos anos 90 já, [...] a própria velocidade da
165
música dos anos 90... Eu, por exemplo, eu hoje, eu evito muito, nas minhas
apresentações, a década de 90. Eu tenho muita música que eu não toco. Eu
não gosto de tocar o Underground dos anos 90, eu acho ele agressivo, e eu
acho uma música de má qualidade, num é? [...] eu procuro tocar o Eurodance
e, [...] as músicas mais melodiosas que, vamos dizer assim, são mais bonitas
de ouvir, do que as músicas que são melhores pra dançar [...]. [...] Mas eu
acho que a aceleração do ritmo na década de 90, principalmente a partir de
94, 95, o ritmo, a batida sobe de 132 para 135, daí vai pra 138, depois vai pra
140, num é? Quando entra o Underground. Esse aumento da velocidade, eu
acho que prejudicou e muito a, vamos dizer assim, a excitação do público
com relação à música, que acaba fazendo com que o pessoal se empolgue
demais. E isso repercute no aumento da violência. E atinge a garotada, que
não tá acostumada com o ritmo. Se você pegar a música eletrônica de hoje,
ela é uma música insípida. Ela não consegue empolgar, num é?
Mas mesmo apesar das brigas, as discotecas eram locais de diversão tão
badalados que os jovens até se ajudavam para frequentar esses espaços, como dá a
entender Medroso, ao dizer que os jovens eram tão organizados que até pagavam a
entrada de seus amigos quando estes não tinham condições de pagar. Fosse comprando
refrigerante, roupa, tênis ou comida, a ideia era não deixar ninguém pra trás, como
relatou Maicon ao dizer que na galera você encontrava amigos que não te abandonavam,
memória que foi explorada no capítulo anterior sobre a questão das amizades como um
dos fatores que fizeram surgir as galeras.
O último trecho da entrevista de Medroso que foi selecionado para se discutir a
questão da influência das discotecas e do dance na vida dos jovens de galera, sugere
também que até a “garotada” que não era galerosa admirava a “garotada” que era:
[...] a gente fugia de noite, abria a janela pra ir ver lá, no Caxangá, por
exemplo, os membros de galera, os galeroso, porque a gente se sentia atraído,
ainda que a gente não quisesse viver no meio deles, ser como eles, mas a
gente sentia que eles eram os caras [...].
Já o testemunho de Maicon reafirma o que foi dito por Raidi, no sentido de
enfatizar o auge das discotecas e das músicas que tais danceterias tocavam. Mas Maicon
ressalta também, e de forma particularmente espetacular, as brigas que aconteciam
dentro e ao redor das casas noturnas que ofereciam música eletrônica como principal
alternativa de diversão. Para ele, quando os jovens se reuniam nos points da época, que
166
eram o Cheik e o Bancrévea, se não fossem “pra bronca”, apanhavam. Porque “a pessoa
já se entusiasmava em tá junto” e porque a galera e as festas de final de semana haviam
virado um “vício”. Maicon também ressalta a ousadia e habilidade para brigar das
moças que eram galerosas e dos galerosos homens, bem como a capacidade que os
membros tinham de se autoajudar em caso de necessidade, como quando diz: “era todo
mundo por todo mundo”. A questão da organização fica clara na descrição que Maicon
faz das armas que eram entocadas nos muros, nas árvores, embaixo das bancas de
revistas, escondidas em rolos de tecidos de papelão e na intimidação que os jovens
galerosos podiam praticar contra algum segurança para se vingar de alguma contenda
mal resolvida dentro da discoteca, quando ficavam, por exemplo, fora das danceterias
na expectativa de que ele saísse a pé para ir para casa. Segundo Maicon, o segurança
“podia ser o Hulk, ele não conseguia enfrentar cem homens. Cem moleques, com
terçado na mão, o que viesse na mão. E caras bons de porrada. Moleques bons de
porrada. Que se garantiam. Sabe?”.
Sobre a questão da relação dos seguranças e do DJ Raidi Rebello com os
galerosos e galeras dentro das discotecas, Rebello assim se expressou:
Marcos – Em 25/05/1984, o policial Aristarco Galvão de Oliveira, que nos
finais de semana trabalhava como segurança na discoteca Pipo‟s, na rua
Lauro Bittencourt, bairro Santo Antônio, foi linchado por uma galera de
menores armados de paus e pedras. O fato ocorreu no interior da discoteca e
segundo o jornal de onde peguei esta notícia, A Crítica, 21/01/1990, foi
motivado pelo excessivo rigor com que o segurança tratava a rapaziada na
casa dançante. Na época em que você tocava nessas discotecas, chegou a
ficar sabendo de algum caso de uso excessivo de força para conter as galeras
ou algum galeroso em particular?
Raidi – Cara, depende do que se considera “uso excessivo de força”, né?
Hoje em dia, até um castigo é uso excessivo de força, uma palmada numa
criança é uso excessivo de força. Eu não cheguei a ficar sabendo dessa
notícia aí. [...] Mas que era comum queixas de gente que frequentavam a
discoteca sobre a ação violenta de um segurança ou outro, isso normalmente
era [...]. E que também havia uma violência de contrapartida, também, né? Eu
lembro que, em algumas situações de você, a segurança barrar alguém ou
colocar alguém pra fora por tá fazendo arruaça, o cara muitas vezes ficava
ameaçando a segurança, e isso poderia, realmente, talvez acabar numa cena
de violência fora, quando o segurança saísse [...]. Mas, é, reclamações,
queixas havia sim, de parte a parte. Tanto do segurança ser agredido por
167
alguém, né? Quanto o segurança acabar revidando, né? Mas normalmente,
assim, o segurança não brigava com ninguém. Ele num era provocado por
ninguém. O que acontecia era que ele ia se meter numa confusão e os dois
lados tão alterados, tão exaltados e, num é muito difícil de você acabar
apanhando ou tendo que usar uma atitude mais drástica pra conter o cara,
num é? Então, na época, [...] a gente procurava trabalhar com seguranças um
pouco mais calmos, vamos dizer assim, mas era necessário, às vezes, você ter
um cara que intimidasse, dentro da tua segurança, porque se não, esses caras
que brigavam, que, vamos dizer assim, tinham ascendência sobre as outras
turmas, eles podiam acabar mandando na tua festa. E isso era uma coisa que
você não podia deixar acontecer [...].
As proibições de que era alvo Cláudia “Punk” quando brigava dentro do Cheik,
no sentido de ficar sem poder entrar até certa hora, ou de ficar de castigo por uma ou
duas semanas, sem poder entrar nas festas, também foram relatadas por Rebello:
Marcos – Você, como DJ, ou o dono da casa onde você tocava, chegaram a
proibir a entrada de algum galeroso ou galera em particular devido a sua fama
de briguentos?
Raidi – Vários. Isso era comum. Eu lembro que eu sempre falava pra turma
quando eu fazia, às vezes, os meus discursos de saudação. “Oi gente, boa
noite” e tal, “obrigado pela presença de vocês aqui. E ó, quero avisar aos
chefinhos das turminhas aí embaixo que se a sua turminha brigar, o líder vai
pra fora”, entendeu? Os seguranças conheciam quem eram os líderes, né? A
turminha que era comandada. Tinha sempre um que era o maior, era que
tinha mais dinheiro da turma...
Marcos – Já tinha fama de briguento.
Raidi – Já tinha fama de briguento. Então, se alguém da tua turma brigasse,
você era colocado pra fora. E isso acabava inibindo. Aí o cara dizia: “ó, num
vai brigar ninguém, eim? Porque se não eu vou pra fora”. E, muitas vezes, o
cara não tinha dinheiro pra comprar... [...] e ia ficar lá fora sozinho. Muitas
vezes a turma [...] acompanhava ele [...]. Aí ficava todo mundo puto com ele,
né? “Pô, sê fez perder, na realidade, a festa”, porque o cara vinha pra festa. O
tcham era ficar na festa, num era ser colocado pra fora, num era brigar. A
briga era uma consequência, às vezes, um desentendimento de um e de outro,
questão de espaço, uma turma que gostava de ficar perto de uma caixa, a
outra queria ficar também. Essas coisas que a segurança tinha que tá
contornando o tempo inteiro.
168
É interessante comparar os relatos de Maicon com os de Raidi a respeito das
músicas do DJ Dero. Enquanto o primeiro colaborador explica que as músicas desse DJ
fizeram “as galeras voltar de novo”, só que dessa vez, uma “nova safra de jovens que
tavam surgindo [...] entraram”, fato, entretanto, “incrível” e “coisa de louco” para
Maicon, o segundo colaborador relatou que ouviu do próprio DJ Dero, em uma
discoteca de São Paulo, a declaração de que até mesmo na província de Rosário suas
músicas eram proibidas de tocar. Além disso, em outro trecho da entrevista concedida
por Rebello, o DJ explicou que, à época de Dero e até cerca de dois ou três anos depois,
ou seja, entre 1992 e 1995, o Undergound e as batidas das músicas podem ser
considerados de um período “radical” e incitador de violência, pois para Rebello, é
neste momento que ocorre um aumento da violência, já que as músicas ficam cada vez
mais agressivas e sombrias. Porém, tal característica musical também tem uma relação
direta com o aumento das batidas das músicas, que sofrem uma aceleração em seu ritmo
e saltam de 132 batidas em 1994/95, para 140 logo em seguida. E, para Rebello, essa
mudança do perfil rítmico das músicas teria gerado uma empolgação maior no público
frequentador das casas.
Fig 3. Foto de primeira página do jornal A Crítica, de
29/11/1998. A legenda diz: A pista de dança da boate Spectron,
no Centro de Manaus, vira ringue de pancadaria e “afirmação”
na disputa violenta pelo poder entre as “galeras”. Fonte:
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Em outro momento de sua entrevista, Maicon também concorda com a hipótese
169
levantada pelo pesquisador sobre as brigas entre as galeras e entre os galerosos ser um
conflito de gerações, corroborando o que afirma no trecho “E a gente já tava, assim,
com aquela idade mais... A gente ficava olhando. Sabe?”, e com o que sugere,
indiretamente, Rebello, ao dizer que houve períodos de recrudescimento da violência
provocados pelos jovens das galeras. O trecho é o seguinte:
Marcos – Eu acho que, também, já era um conflito de gerações, né, assim.
Havia um pessoal mais velho e um pessoal mais jovem [Maicon confirma,
dizendo, “é”]...
Maicon – Também, também. O galeroso queria aquele respeito, e os jovens
já não queriam mais respeitar os antigos “ah, tá velho, não se garante mais”.
E houve esses confrontos. Você tocou num ponto, também, muito importante.
“Ah, tá velho, ah, naquela época... Tu te garante pra mim”, tinha tudo isso
também, entendeu?
Mas a “cachaça” e as “brincadeiras de rua” eram outras práticas essenciais na
vida dos jovens de galera. Maicon, Sheila “Guerreira”, Cláudia “Punk”, Medroso e o
historiador se lembram que eram comuns as bebedeiras e as atividades recreativas dos
galerosos, até porque, seu lazer, praticamente, era todo voltado para práticas lúdicas
coletivas, fossem estas pacíficas ou mais violentas.
Frequentar as danceterias e “puxar” briga com outras turmas, de certa forma,
eram as práticas preferidas das galeras, mas estas turmas não dispensavam uma boa
bebida e uma boa conversa na companhia dos amigos galerosos. Sobre isso, assim se
pronunciaram os colaboradores:
Marcos – Quais eram os locais onde a galera se reunia?
Sheila – [...] nossas primeiras reuniões foram Praça do Congresso. Depois de
muitos anos foi Praça da Matriz. Logo que começou a “Selvagem”. [...] e a
reunião do “Anjos Malditos” era Praça da Polícia. [...] todas as quartas [...].
Depois que a gente terminava as nossas reuniões na Praça da Saudade, nós
íamos todos pra Ponta Negra. Chegávamos lá dez horas, onze horas da noite,
nós se reunia, andava de jetsky, ia beber [...]. Tinha peixe assado, nós tinha
comida, nós tinha janta, nós tinha até café-da-manhã. Nós saíamos de lá, às
vezes oito horas, nove horas da manhã [...].
Marcos – Como vocês conseguiam dinheiro pra fazer essas diversões todas?
Sheila – Olha, como nós éramos queridas pela galera, tinha uns que [...]
compravam... Tinha gente na nossa turma que era filhinho de papai. Então,
170
eles que compravam pra gente. [...] Eles não deixavam ninguém me tocar. Eu
podia beber a noite todinha. [...] se eu bebesse demais, eles cuidavam de
mim, num eram homens enchiridos de tá metendo o dedo, essas coisas, como
hoje em dia tem, né? Não. Eles tomavam conta de mim mesmo. [...] se eu
ficasse bêbada eles [...] compravam sopa, [...] cuidavam de mim direitinho,
entendeu?181
93
Sheila – [...] 85, por aí [...] eu já era fera nas briga. [...] no Bancrévea [...],
todo final de semana que eu chegava [...] que eu ia no banheiro, encontrava
uma menina lá, com cabelo grandão, que era lá da Praça 14. Chamavam ela
de Lobona. [...] ela espancava as meninas [...] pra extorquir, pra dar dinheiro
pra ela, comprar lanche pra ela [...]. [...] teve um sábado que eu [...] entrei no
banheiro, [...] vi ela espancando duas amigas minha. Aquilo me enfureceu. Eu
peguei ela – o cabelo dela era grande – enrolei minha mão no cabelo dela, saí
[...] puxando ela até lá no meio da quadra. Peguei, meti meu pé na garganta
dela, saí dando. Dei, dei, dei, dei, dei, dei nela. “Isso é pra você nunca mais
extorquir”. [...] Então, todas essas meninas que apanharam dela ficaram super
minha amiga, entendeu? Então, quando eu chegava aqui no Bancrévea, eu
tinha meu ingresso, que elas compravam. Eu tinha cerveja, eu tinha lanche.182
Sheila – [...] o pessoal que me conhecia naquele tempo, pensava que eu usava
droga. Porque eu chegava bêbada, essas coisas, não. A minha droga sempre
foi a cachaça (risos), a cerveja e meu cigarro.183
Marcos – Ah, e outra coisa que eu queria te perguntar. Você era a única,
assim, da galera, que um tempo foi moradora de rua, ou haviam outros que
também eram moradores de rua?
Cláudia – [...] Nós éramos um grupo que morávamos na rua mesmo. Mas,
assim, [...] aqui na 24 de Maio, perto da Spectron, tinha uma garagem na
descida da Epaminondas [...]. E lá os camelôs guardavam suas coisas. Então,
fomos pra lí. Não tínhamos pra onde ir, né? Aí fomos morar ali. Só que
assim. Só entrava ali quem era considerado e respeitado. [...] Esse morador
deixou a gente puxar uma luz, né? Um gato lá da casa dele, e botava um
radinho lá... Aí uma vez, chegou o natal, a gente não tinha como fazer nossa
ceia, né? Aí fomos lá no Rêmulo. O rapaz falou: “se vocês fizerem uma
faxina aqui, a gente dá uns vinho, dá um peru, dá um arroz...” A gente falou:
“tá bom”. Fomos fazer a faxina lá no Rêmulo, aí ganhamo peru, ganhamo
arroz, farofa, aí os meninos foram atrás de isopor, aí nisso, a cavalaria veio,
né? “O quê que vocês tão fazendo aqui”? “Ah, a gente num tem onde ficar, a
181 – Sheila “Guerreira”, em entrevista concedida em 30/07/2014.
171
gente tá aqui, mas não tá mexendo com ninguém”. “Tem bebida aí?”
Sentaram, beberam com a gente, depois foram embora (risos). A própria
cavalaria, que eram os policiais.184
Maicon – [...] eu não bebia, eu vim aprender a beber na galera. Meu primeiro 94
toque de cachaça foi na Ponta Negra. Porque eu vi todo mundo tomando. E
meu pai era cachaceiro de primeira. Meu pai morreu de cirrose. Meu pai
tomava cachaça pura, tirando gosto com cachaça. Mas nunca me mandou ir
na taberna comprar uma garrafa de cachaça pra ele. Isso eu trago pros meus
filhos. Eu num mando meus filhos pegar uma cerveja pra mim, eu num
mando eles comprarem bebida pra mim. Eu não faço isso. Pelo menos essa
índole do meu pai eu trouxe. Eu trouxe, e carreguei comigo. Entendeu? Eu
via meu pai se encachaçar, e vi meu pai morrer... Por causa da cachaça. Sabe?
E dentro da galera eu fui tomar cachaça. Por quê? Porque contagia.
Contagiava. Sê tava lá, te contagiava. “Os caras tão tomando cachaça, fica do
lado!” Pra te mostrar que tu era bom, sê ia tomar também.
Marcos – E as meninas tomavam, também?
Maicon – Ham!
Marcos – (Risos).
Maicon – “Velho Barrero”. Ia pro [...] de Barrero.
Marcos – “Barrero”? O que é isso?
Maicon – É, “Velho Barrero”. Aquela, aquela cachaça “Velho Barrero”.
Quando não era “Tatuzinho” mesmo. A [...] “61” [...] e a “Caninha da Roça”.
Era o que a galera tomava na época. Raramente sê tomava Montilla, isso era
raro. Era cachaça mesmo. Num sei se você chegou a ver, na época, que
vendia na Ponta Negra, era um saquinho, que tinha um jacaré, que era a
cachaça no saquinho?
Marcos – Não! Vi não.
Maicon – É. Tinha aquilo ali. O cara comprava o saquinho de cachaça e, tu
tomava que nem dindin.
Marcos – Caramba!185
Sheila “Guerreira” relembrou que costumava sair com a turma de galera para a
Ponta Negra, com o objetivo de se divertir e beber, relato que também foi confirmado
por sua amiga Cláudia, embora o desta não tenha sido posto aqui.186
Além disso,
“Guerreira” nos conta que tinha cerveja garantida no Bancrévea depois que surrou
182 – Idem.
183 – Idem.
184 – Cláudia “Punk”, em entrevista concedida em 30/07/2014.
172
Lobona, uma moça que costumava extorquir as meninas nesta danceteria nos anos 1980.
Como pôs um fim àquelas agressões e ameaças que as adolescentes sofriam, passou a
ser muito respeitada e admirada por elas, ao ponto de receber ingressos, lanche e bebida
das garotas, algo que, lembro, também era mais ou menos comum, dependendo do perfil
do galeroso ou galerosa. Afinal, nem todos os galerosos e galeras atacavam as pessoas 95
somente para agredir, roubar, matar e estuprar. Havia galeras e galerosos que só
brigavam para se defender ou defender aos seus amigos, como na ocasião em que Sheila
brigou para livrar suas amigas da agressão de Lobona.
Cláudia “Punk” se lembrou de quando morava na rua e, em pleno natal e sem ter
o que comer, conseguiu, junto com sua turma, fazer uma faxina na boate Rêmulos em
troca de uma ceia e de vinho. E, ao que parece, durante a confraternização até mesmo
quem não devia beber, bebeu.
Já Maicon relatou que veio começar a beber na galera porque “contagiava” e
porque queria “mostrar que” também “era bom”. Lembro que na época em que andei
com galerosos e frequentei a Spectron Disco, além da praça do Congresso, nos anos de
1998 e 1999, também me sentia atraído por algumas coisas que os galerosos faziam,
sobretudo as bebidas, o cigarro, o uso de brincos, as brigas, as danças e as músicas.
Contudo, de todas essas práticas, me entreguei, deliberadamente, apenas à bebida, ao
cigarro – já com 14 anos, portanto depois de já estar acostumado a comprar carteiras de
cigarro nos dias de domingo, apenas para dar aos galerosos que me pediam na discoteca
– ao uso de brincos – moda comum entre galerosos – e às danças e músicas. Porque
sempre tive medo de brigar e me considerava sem nenhum talento para exercer tal
prática.187
Segundo Maicon, mesmo as mulheres bebiam, o que corrobora o que foi dito por
Sheila e Cláudia sobre seus momentos de curtição regada a álcool.
A questão das bebidas e das brincadeiras de rua são importantes, porque podiam
levar, às vezes, um galeroso ou uma galera inteira a praticar atitudes, digamos, menos
aceitáveis por parte das autoridades. Roubos, agressões, arrombamentos de casas e
estabelecimentos comerciais, assaltos, estupros, assassinatos, mutilações e perseguições
eram frequentemente desencadeados depois ou durante bebedeiras homéricas. Várias
dessas atitudes foram relatadas nos jornais A Crítica que foram consultados e,
geralmente, eram anunciados como resultado do efeito do álcool ou de drogas.188
Mas
185 – Maicon Costa, em entrevista concedida em 22/11/2014.
186 – Ler as entrevistas completas ao final do trabalho, em Anexos.
173
nenhum dos colaboradores comentou sobre isso ou enfatizou essa questão.
As brincadeiras de rua, por serem praticadas fora do recinto doméstico e longe
da supervisão dos pais e de adultos, davam aos jovens a oportunidade de perambular
pelo bairro e por locais, às vezes, ermos e perigosos, ao mesmo tempo em que 96
estimulava o instinto gregário, tão comum em animais que precisam estar sempre
unidos aos outros da mesma espécie para sobreviver. Não se quer dizer com isso que os
galerosos e as galeras, bem como os jovens em geral de 30 anos atrás eram mais
animais que humanos em suas práticas de lazer. O que se pretende destacar é que, na
ausência ou escassez de brinquedos e instrumentos de entretenimento mais sofisticados
– como celulares, computadores e vídeo-games, que permitem uma diversão mais
isolada –, os jovens dessa época tinham que usar de seu próprio corpo e de sua
criatividade para se divertir e atuarem como crianças e jovens.
Jogar bolinha de gude, soltar papagaio, brincar de manja pega, se esconde ou
outra brincadeira do gênero eram atividades comuns e acessíveis aos jovens de baixa
renda de qualquer bairro e família de Manaus. Entretanto, a partir de uma certa idade,
tais brincadeiras se tornavam chatas, enjoativas e “muito de criança”. Queria-se, então,
usufruir de outras formas de lazer, digamos, mais adultas e menos infantis. No livro
Santa Luzia: história e memória do povo do emboca, Agnaldo Nascimento Figueiredo
diferencia as brincadeiras infantis Barra Bandeira, Cangapé, Manja, Rolar Peneu,
Carrinho de Rolamento, Pião e Papagaio de Papel das “brincadeiras”, escritas entre
aspas por ser de um teor mais juvenil e representar “um verdadeiro ritual de iniciação da
puberdade”.189
Na obra nostálgica sobre o bairro, o escritor, que também é um antigo morador
do bairro, comenta que essas “brincadeiras” eram “tertúlias juvenis, realizadas nos fins
de semana na casa de algum rapaz ou moça que estivesse fazendo aniversário no
bairro.” Apesar de estar falando de “brincadeiras” que aconteciam nos anos 1960 e
1970, segundo o autor, nestas festas eram ouvidas músicas da Jovem Guarda, dos
“Beatles, Elton John, Pholhas” “e músicas eróticas francesas” em que se aproveitava
para perder a timidez, dançar colado com o “broto” ou cocota, aprender a seduzir, e
“mostrar a roupa nova”. Essa prática é familiar às dos galerosos, exceto pelo contexto e
pelas festas destes últimos serem públicas e realizadas em danceterias e não em
residências particulares. Aguinaldo Figueiredo também se lembra que tais “esbórnias
187 – Memórias de Marcos Roberto Russo de Oliveira.
188 – Consultar os jornais A Crítica da década de 1990, sobretudo as páginas de Polícia.
174
eram regadas a muito „leite de tigre‟, bebida feita da mistura de cachaça ou álcool,
açúcar e leite condensado “moça”. É interessante citar um trecho da obra do autor:
As brincadeiras representavam, também, o momento de libertação para a
maioria dos rapazes que começavam a ter os primeiros contatos com as 97
bebidas alcoólicas e cigarros, que terminavam sempre em mal-estar para os
iniciantes, em forma de ondas de vômitos e espetáculos surreais, pois a
liberalidade do álcool, alterava a natureza psicológica dos mais fracos, que
queriam superar ou exaltar essas fraquezas e seus traumas existenciais.
Declarações de amor, brigas por ciúmes, namoros desfeitos, reatamentos de
casos antigos, com pedidos de perdão ou apenas desopilar a adrenalina,
desafiando desafetos conquistados durante a semana, eram os resultados
finais dessas picardias juvenis, que ficaram marcadas na vida e memória de
muitos santa-luzienses. Muitos casais que hoje são pais de família no bairro
se conheceram nessas festas.190
Os integrantes das galeras, além das idas às festas nas danceterias aos finais de
semana, das idas à Ponta Negra e às Praças da Matriz, da Saudade e do Congresso,
como relataram Cláudia e Sheila, frequentavam também arraiais, bares localizados no
próprio bairro da galera, desafiavam-se e provocavam-se mutuamente quando
transitavam à pé pela cidade e pelos bairros, brigavam com os “mauricinhos”,
perseguiam jovens de galera ou outras pessoas para roubar-lhes roupas de marcas,
bonés, cintos, calçados da moda, cordões, relógios e dinheiro e ameaçavam e agrediam
estudantes nas saídas das escolas, como indicam as seguintes fontes:
A CRÍTICA. 9 de julho de 1994. Polícia.
„GALERAS‟ INFESTAM ARRAIAL DO HILÉIA
As galeras tomaram conta do arraial do conjunto Hiléia I, onde as danças
folclóricas suspenderam suas apresentações temendo agressões aos
integrantes. Há brigas todas as noites de gangues rivais, do Hiléia e do
Redenção, denunciam os moradores, que apelam à Polícia Militar para fazer
blitize no arraial. Os conflitos são insuflados por um homem conhecido como
„Macaco Chimpanzé‟, de nome Ataíde, que, usando microfone do arraial
insulta e calunia moradores que não simpatiza. „O pior pode estar para
acontecer‟, alertou um morador, reforçando o pedido de vizinhos para a
Polícia ir ao loca.191
189 – FIGUEIREDO, Agnaldo Nascimento. Santa Luzia: história do povo do emboca. Manaus: Edições
Muiraquitã, 2008.
175
A CRÍTICA. 1º de novembro de 1994. Polícia.
FACADA NO PEITO
RIXA ENTRE „GALERAS‟ ACABA EM ASSASSINATO DE 98
ESTUDANTE
Uma antiga rixa entre integrantes de gangues de rua pode ter sido o motivo
da morte da estudante Mary Jane Marques Serrão (17), assassinada com uma
facada no peito, domingo passado, por volta das 22h30, na avenida Pedro
Teixeira, nas proximidades do Le Bom Marchê, no D. Pedro, Zona Noroeste
de Manaus. A acusada do crime identificada como J, está detida na Delegacia
Especializada de Assistência à Criança e ao Adolescente (Deapca), no
Alvorada.
A vítima que residia no bairro do Alvorada, no beco Pedro Teixeira, não tinha
permissão de frequentar o bairro da Compensa, local dominado pela „galera‟
da acusada. Um dos amigos da estudante, Raimundo Benedito Lopes, (18),
disse que recentemente sua irmã “Nena”, amiga de Mary Jane, foi esfaqueada
por J. “Antes da „Nena‟ chegar na casa da sua madrinha, na Compensa, ela
foi ferida”, lembrou.
Raimundo Lopes observou que a gangue de rua da Compensa confunde todos
os adolescentes e jovens do Alvorada como integrantes de „galeras‟. “Não
pertencemos a nenhum desses grupos, mas eles insistem em nos agredir todas
as vezes que vamos à Compensa”, disse.
De acordo com uma das versões apresentadas ontem no Instituto Médico
Legal (IML) por colegas da vítima, o crime ocorreu logo após a estudante ter
saído da boate Classe A, na avenida Pedro Teixeira. A adolescente RSR, de
16 anos, disse que acompanhava Mary Jane e o companheiro desta,
conhecido como Wanderlon, com quem a estudante estava morando há um
ano.
Conforme RSR, os três se encontravam na portaria da danceteria quando
foram surpreendidos por J, que estava com a irmã Joana e a colega Patrícia.
Armada com uma faca, J partiu contra a vítima, enfiando a arma branca no
peito dela. Mary Jane morreu ao dar entrada no Pronto Socorro Municipal 28
de Agosto.
Conivente – Um homem que ocupava um Fusca branco, de placas não
identificadas, tentou impedir que a acusada fosse presa. Raimundo Benedito
disse que ainda conseguiu segurar J, mas foi impedido quando o
desconhecido o obrigou a soltar a moça, ameaçando-o com um revólver e
dando um tiro para o alto. “Nós falamos para ele do crime, mas ele nem ligou
190 – Idem.
191 – Jornal A Crítica, 9/07/1994, p. Polícia. Matéria “„Galeras‟ infestam arraial do Hiléia”. Arquivo
da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
176
e pediu para soltá-la”, afirmou.
Parentes da estudante, que não quiseram se identificar, disseram que o
homicídio aconteceu no interior da boate, e Wanderlon não estava
acompanhado de Mary Jane. “Ela saiu com uma colega para ir dançar no
Classe A. tenho informações de que uma jovem da Compensa, integrante de
uma galera, cometeu o crime, matando-a na pista de dança. Não posso
garantir que Mary não participava também de alguns destes grupos. Enquanto
ela morou no beco Santa Etelvina, no Santa Terezinha, garanto que não
integrava nenhuma „galera‟, salientou uma senhora.
Outra versão apresentada ontem foi de que “Nena” era quem integrava uma
“galera” do Alvorada e recentemente levou uma facada de J (irmã de um
fugitivo da penitenciária). “A Mary era muito amiga da „Nena‟ e logo após
saber disso, se armou com a colega, para revidar a agressão. Só que J tomou
conhecimento da investida das duas e no domingo resolveu dar um basta,
matando friamente Mary Jane”.
O velório da estudante aconteceu durante toda o dia de ontem na capela da
igreja Assembléia de Deus, na rua Nova Esperança, em frente ao Centro de
Oncologia do Amazonas (Cecon), onde os familiares da vítima são
frequentadores. “Minha filha depois que casou se desviou do Evangelho”,
disse a mãe.192
A CRÍTICA. 29 de maio de 1994. Polícia.
„GALERA‟ TRUCIDA DOIS IRMÃOS A GOLPES DE TERÇADO E
PERNAMANCA
O crime ocorreu após discussão num bar no bairro Terra Nova, sendo as
duas vítimas massacradas por mais de 20
Mais de 20 rapazes, integrantes de uma gangue de rua, assassinaram ontem
de madrugada os irmãos Francisco Amorin Filho, 26 anos, e Raimundo
Francimar Barros, de 17, momentos após uma discussão num bar de
propriedade de um homem de prenome Peixoto, no bairro Terra Nova 2, atrás
do conjunto Manoa. Os dois rapazes foram espancados com pedaços de
pernamancas e golpeados a terçadadas, quando, após correrem muito,
tentavam pedir ajuda do irmão Fausto Amorin, residente no bairro Florestão.
Eles não conseguiram obter socorro e foram mortos no quintal do industriário
Cláudio Silva, localizado na avenida Santa Mônica.
Os familiares das vítimas desconhecem o motivo do duplo homicídio. O
irmão Fausto Amorin disse ontem que soube através dos moradores que
Francisco e Raimundo e sua cunhada (esposa de Francisco) bebiam no bar do
Peixoto, quando o irmão mais novo, Raimundo Francimar Barros, discutiu
com um dos integrantes da gangue. “Não sei o que levou a galera a matar os
177
dois, somente tomei conhecimento hoje pela manhã através dos vizinhos”,
afirmou.
A gangue perseguiu os dois irmãos até o quintal do industriário, que disse ter
temido abrir a porta para socorrê-los, pois poderia também ser morto. 99
Segundo Cláudio Silva, que reside com o pai, os mais de 20 rapazes
arrancaram estacas da cerca que faz divisa do seu terreno para espancar
Francisco e Raimundo, que não resistiram e nem chegaram a serem levados
ao hospital.
Pavor – Portas e janelas golpeadas a terçadadas, cercas arrancadas, varais de
roupas espalhadas no chão, foram as marcas deixadas pela gangue na
madrugada de ontem. As famílias apavoradas temiam se tornar mais uma
vítima dos rapazes que armados com pedaços de paus, facão e terçados
ameaçavam a quem tentasse socorrer os dois irmãos ou então, desafiá-los.
O funcionário do Instituto Médico Legal (IML), Francisco Enéas, por
exemplo, teve a porta golpeada a terçadadas. “Eles pensavam que eu havia
dado guarita para as duas vítimas, então tentaram arrombar a porta com uma
pernamanca. Graças a Deus um vizinho disse que me conhecia como
trabalhador”, disse. Os moradores fizeram um apelo ao Governo do Estado
para que coloque um posto policial naquelas imediações – o mais próximo
está localizado no conjunto Mundo Novo.193
Marcos – Nos jornais de 1990 que estou pesquisando, já li notícias de
algumas galeras ou alguns galerosos chegavam a assaltar, às vezes, as
pessoas que passavam na rua, que voltavam dos cinemas e discotecas. E essas
pessoas não eram, na maioria das vezes, de galera. Alguma vez a sua galera
chegou a fazer isso?
Maicon – Várias vezes, isso procede. Várias vezes isso aconteceu. Varias
vezes mesmo. Sabe. Era, era... Quando vinha num tinha jeito. Ainda mais
quando era os mauricinho.
Marcos – Eles vinham com os tênis da moda né, com as roupas da moda que,
às vezes, vocês não conseguiam comprar e tomavam mesmo.
Maicon – É justamente. Sabe era... Se bem que a gente fala assim, eu. Sabe?
Sabia que era uma coisa errada, mas tava no meio. E aí, nós tínhamos raiva
dos mauricinhos, como hoje falam que é os playboy, na época era os
mauricinho. Eles tacavam o cacete na gente [...] se pegassem a gente também,
eles batiam na gente. Se eles pegassem o galeroso, coitado da gente também.
Eles davam de taco de baseball, e a gente não tinha taco de baseball, eles
192 – Jornal A Crítica, 1/11/1994, p. Polícia. Matéria “Facada no peito. Rixa entre „galeras‟ acaba em
assassinato de estudante”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
193 – Jornal A Crítica, 29/05/1994, p. Polícia. Matéria “„Galera‟ trucida dois irmãos a golpes de
terçado e pernamanca”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
178
tinham. Nós não tínhamos soco inglês, eles tinham. Porque eles tinham poder
aquisitivo pra conseguir. A mãe... Muitos deles eram filhos de policiais.
Sabe? Soco inglês. Davam de taco de baseball. Se eles pegassem a gente,
coitados. Não tinham piedade. E havia esse troco! E havia esse troco. Não só
dizendo... A gente fazia muito mais maldade, mas eles também não ficavam
por baixo não, eles também arrepiavam se pegassem um da gente.194
[...] Aí onde é que você encontrava conforto? No meio deles. Era pra onde
você corria. Porque você num encontrava conforto no meio dos mauricinhos,
no meio dos outros. Exemplo: aqui no meio do bairro, eu tenho a classe aqui,
a classe do bodozal, aonde eu faço parte, daqui pro bodozal. Tem a parte do
Alto de Educandos, onde é a classe que se acha que é mais, que é principal,
entendeu? Então tinha isso. Lá eles num davam moral pra gente.
Marcos – Como é o nome dessa parte do Educandos?
Maicon - É o Alto de Educandos.
Marcos – Alto...
Maicon – De Educandos.
Marcos – De Educandos.
Maicon – E tem a parte Baixa, que é a parte do bodozal, aonde eu faço parte.
Que é essa área aqui, que pega o bodozal do Educandos. O que eles chamam
de bodó. “Pessoal do bodó”. E esse nome a gente carrega até hoje. “Lá vem o
pessoal do bodó aqui pra cima”. Só que como a gente era maioria, eles
tinham que respeitar. Mas se tivesse só um, só um ou dois. Tinha que sair.
Você já era desprezado só no olhar.
Marcos – Então tu acha que haviam galeras de mauricinhos também?
Maicon – Tinha, tinha. Num é a toa que eram os mauricinhos. Tinha, tinha
sim. Tinha. Andavam de carro, os Chevetes da época, os Chevete. Os Opalas
da época, eles andavam com cinco, seis dentro, com os taco de baseball.
Marcos – E eles treinavam em academias, essas coisas, alguns?
Maicon – Olha, naquela época o fisiculturismo tava no auge. As academias
de musculação tavam no auge. E a maioria era isso... Só que pra gente, na
época, era as academias de bairro, de fundo de quintal. Era aquelas garrafas,
aqueles peso que você botava cimento, cimento na lata... Porque nós não
tínhamos poder aquisitivo pra pagar uma academia. E eles tinham. E eles
tinham. Né? E na época também o judô e o karatê tava muito forte, na época.
E só quem fazia isso era os mauricinhos. A gente não, a gente era porrada de
rua mesmo. Tinha que ser bom! Ia pra rua brigar. E o que nos salvava era a
capoeira. Que a capoeira sempre foi do nosso lado. Era pra onde a gente
corria. Corria pra capoeira. Né? Era o que era a nossa área, era a capoeira e
briga de rua. Você aprendia a brigar na rua. Era isso que a gente idolatrava
179
nos principais. Que eles eram bons de briga. Sabe? E os mauricinho tinha,
tinha, e eram perversos. E eram perversos. E se falar pra você, muito pior que
a gente. Porque a gente batia de mão, eles davam de taco de baseball na 100
gente. É... Quebravam a boca, arrancavam os dente, arrancavam a unha,
aleijavam. É por isso que houve uma revolta em matar. Se é pra fazer, vamo
fazer pior. Já que eles batem, a gente vai lá e mata. A ideia era essa.195
A CRÍTICA. 7 de julho de 1993. Opinião (Página 4)
MAURICINHOS
Os frequentadores almofadinhas do Amazonas Shopping Center, também
conhecidos como mauricinhos, criaram um verdadeiro pandemônio, brigaram
entre si, quebraram vidraças e um deles, não satisfeito, acabou cortando a
canivete o braço de um segurança. Cenas desse tipo só denigrem a imagem
do shopping.196
A CRÍTICA. 9 de janeiro de 1990. Polícia.
“GALERA” RENDEU 15 PESSOAS QUE SAÍAM DO CLUBE NA
GETÚLIO VARGAS
Uma “galera” armada de revólver e faca, assaltou de uma vez só, nada menos
que 15 pessoas, numa parada de ônibus, na avenida Getúlio Vargas, perto da
sede do Bancrévea por volta das 23:00hs de anteontem. Os ladrões obrigaram
todo mundo a ficar de frente para a parede de uma casa e passaram a tomar-
lhes todos os objetos. Levaram até sapatos “Reebok” de moças e rapazes que
nada puderam fazer para se defender.
[...] As pessoas eram obrigadas a deixar cair as bolsas e colocar os relógios e
cordões no chão. O assalto durou pouco tempo dada a habilidade dos ladrões
que fugiram, subindo a avenida Getúlio Vargas.
[...] Uma das vítimas, o estudante Kleber Barroso Santana (19 anos) perdeu
um relógio marca Citizen avaliado em hum mil cruzados novos e um par de
tênis marca “Reebok”. Ambos objetos, lhe foram dados pelos pais durante o
natal. Cleber não se lastima por ter perdido os objetos. Até dá graças a Deus
por estar contando a história. Segundo ele, os ladrões colocaram armas em
sua cabeça. Foi ainda esmurrado porque demorou a tirar os sapatos.197
A CRÍTICA. 27 de março de 1991. Polícia.
GALERA QUASE MATA UM OPERÁRIO NO COROADO II
Cinco indivíduos ainda não identificados pela polícia, por pouco não
eliminaram a pauladas, ontem de madrugada, o operário Afrânio Silva dos
194 – Maicon, em entrevista concedida em 22/11/2014.
180
Santos, 19 anos, residente à rua Amazonas, 111 – Coroado II. Afrânio andava 101
na direção de casa, numa rua paralela a Amazonas, quando foi abordado
pelos desconhecidos que armados com pedaços de pau, o atacaram e
tomaram seu cordão e o relógio [...]198
A CRÍTICA. 04 de março de 1991. Polícia.
GALERAS INFERNIZAM JOVENS DO JAPIIM
Sem saber mais a quem recorrer, os moradores do bairro Japiim, apelam as
autoridades competentes, no sentido de ajudarem no combate as galeras que
se instalaram nos últimos meses no local. Quase todos os dias, à noite,
estudantes são atacados e, quando não são assaltados, são agredidos pelos
delinquentes mirins.
Em turmas de até 15 pessoas, eles atacam também jovens e tentam estuprá-
las. O fato vem causando revolta entre os pais das vítimas que já decidiram
até partir para o contra-ataque, para ver se param um pouco com a ação dos
membros das galeras.199
Apesar da gravidade de tais atitudes, todas essas práticas eram executadas, na
maioria das vezes, de forma lúdica pelos galerosos e galeras. Porque em suas atividades
era difícil separar o que era sério daquilo que era bagunça e apenas divertimento. Suas
formas de entretenimento podiam começar pacíficas e inofensivas e daí sofrer uma
gradativa mudança, acabando em um bate-boca, troca de ofensas, olhares atravessados,
carreiras (perseguições e fugas), troca de socos, chutes e de outros instrumentos usados
como armas em nível individual, brigas envolvendo turmas pequenas, médias e grandes
de galeras rivais há algum tempo ou que, simplesmente, se estranharam pela primeira
vez, assaltos, roubos, estupros e mortes de pessoas não galerosas e ameaças variadas,
como as representadas pelos galerosos que intimidavam os estudantes e trabalhadores,
sobretudo do turno da noite.
Na primeira notícia, vemos que as galeras estavam importunando o arraial do
Hiléia ao ponto dos integrantes das danças não se apresentarem mais no local com medo
dessas turmas. Por outro lado, lembro que quando frequentava os arraiais nos anos
195 – Idem.
196 – Jornal A Crítica, 7/07/1993, p. 4 (Opinião). Matéria “Mauricinhos”. Biblioteca Pública do Estado.
197 – Jornal A Crítica, 9/01/1990, p. Polícia. Matéria “„Galera‟ rendeu 15 pessoas que saiam do clube
na Getúlio Vargas”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
181
1990, sempre tinha alguma briga, mas a intenção principal dos galerosos, uma vez ali,
era prestigiar o evento junto com as pessoas não galerosas. Entretanto, como os 102
membros das galeras bebiam muito e já tinham uma tendência mais agressiva e
audaciosa para provocar confusões, sem contar que já possuíam rixas com outras
turmas, acabavam, eventualmente, brigando e promovendo algo mais que a mera
diversão pacífica. Além disso, no universo cultural e social dos galerosos, a diversão
nunca estava totalmente separada da confusão. As brigas e ofensas, as armas e carreiras,
os gestos corporais que indicavam uma espécie de declaração de guerra aos que se
incomodavam com tais gestos, representavam uma extensão de suas formas de se
entreter. As danças, as músicas, as bebidas, as andanças e brincadeiras pessoais e
íntimas com os amigos eram apenas uma parte desse universo. Certamente a parte
menos perigosa e destrutiva, do ponto de vista da integridade física dos envolvidos. Mas
daí em diante, quase nunca era possível prever o que um galeroso ou galera era capaz de
fazer.
A segunda notícia dá uma ideia dessa troca de papeis que os galerosos podiam
praticar. Mary Jane, morta em frente da danceteria Classe A, a princípio não era
envolvida com galeras e, segundo seu amigo Raimundo Benedito, foi considerada
galerosa por J e, por isso, foi atacada. Já na segunda versão do caso, Mary Jane seria
não só amiga de uma moça que tinha rixa com a acusada. Ela seria também uma amiga
de uma galerosa que estaria tentando “pegar” J para vingar uma facada que esta amiga,
Nena, havia sofrido dela. E mais: Mary Jane estaria se armando com Nena para executar
a vingança. É difícil saber o que realmente aconteceu naquele dia em frente ou dentro da
danceteria Classe A, haja vista a distância no tempo e as várias versões conflitantes.
Mas esse caso demonstra a instabilidade das atitudes dos jovens, sobretudo quando
integravam galeras. O que era para ser um dia de diversão e distração acabou, para essa
adolescente e para seus conhecidos e familiares, em tragédia.
Maicon também enfatizou a generalização das brigas das galeras e como elas
fugiram ao controle. Ele comentou que depois da morte de Nego Celso, o líder da galera
“Selvagem”, os galerosos dos bairros não se juntavam mais para formar aqueles grupões
de jovens que, embora fossem de vários bairros diferentes, por serem integrantes ou da
“Selvagem” ou da “Anjos”, só brigavam em função da galera. Sua explicação sugere
198 – Jornal A Crítica, 27/03/1991, p. Polícia. Matéria “Galera quase mata um operário no Coroado II”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
199 – Jornal A Crítica, 04/03/1991, p. Polícia. Matéria “Galeras infernizam jovens do Japiim”.
182
que a partir do fim da galera “Selvagem”, após a morte do líder desta galera, houve uma
debandada, uma desarticulação da galera e uma desunião de muitos de seus membros.
Sem o nome da galera e sem a própria galera e seus líderes para manter reunidos esses
rapazes e moças, começou a haver uma identificação maior com o bairro e não mais
tanto com a galera. E uma vez os bairros sendo mais exaltados e reivindicados que as
galeras, estas se apropriaram mais do que antes da noção espacial que segrega através
da territorialização. Parece que a partir de então, os jovens de galera começaram a brigar
em função principalmente dos bairros. Mary Jane, por exemplo, não tinha permissão
para transitar pela Compensa, pois segundo Raimundo Benedito, amigo da vítima, todos
os galerosos da Compensa confundiam os jovens do bairro Alvorada como membros de
galera. Maicon também explicou que se a pessoa fosse jovem não importava se não era
de galera. Se os galerosos a vissem de bobeira transitando pelas ruas em situação de
vulnerabilidade, eles agrediam, roubavam e faziam horrores. Principalmente quando a
pessoa era jovem e não era do bairro.
A terceira notícia anuncia uma galera de 20 membros que assassinou dois irmãos
que bebiam em um bar. Após um dos galerosos discutir com um dos irmãos, correram
atrás deles e os mataram com paus e terçados, duas das principais armas usadas pelas
galeras.
As quarta e quinta citações demonstram que as agressões e assaltos às pessoas
que não eram galerosas eram bem comuns entre as galeras. Maicon confirma tal fato e
corrobora as notícias dos jornais pesquisados neste sentido, enfatizando, porém, que
essas agressões ocorriam muito mais quando eram os “mauricinhos” as vítimas em
potencial. E isso porque, segundo uma sugestão do pesquisador de que havia “galeras de
mauricinhos”, e segundo o que foi relembrado por Maicon, estes jovens também
“barbarizavam” com os galerosos quando os pegavam. Arrancavam os dentes, as unhas,
davam de taco de baseball e de soco inglês. Para se vingarem e para “fazer” “pior”, os
galerosos resolveram matar. A sexta matéria, apesar de curta, é significativa porque
confirma o que Maicon relatou sobre o fato de alguns mauricinhos serem também um
pouco agressivos e vândalos, quase tanto quanto os galerosos, razão de Maicon e de sua
turma terem raiva deles. Nesta notícia, os mauricinhos foram acusados de brigar entre si
no Amazonas Shopping, vandalizarem em parte do recinto e ainda cortar o braço de um
segurança.
A sétima notícia narra um assalto de 15 pessoas na avenida Getúlio Vargas,
cometido por uma galera armada de revólver e faca e que levou tênis Reebok – um dos
183
grandes ícones de consumo da “garotada” no início anos 1990 – cordões, relógios,
dinheiro, etc.
Já a oitava notícia anuncia que os galerosos do Japiim estavam ameaçando os
estudantes e atacando e tentando estuprar as jovens do bairro. Eles estariam se reunindo
“em turmas de até 15 pessoas”.
Por isso, as ações das galeras facilmente se transformavam em vandalismo,
arruaça, bagunças, atentado ao pudor e desordens perigosas, destrutivas e
autodestrutivas.
O Cheik Clube, antes de fechar no final de 1994, por ordem judicial, foi
denunciado como um dos principais redutos das turmas de galerosos que
intranquilizavam toda a área adjacente da danceteria. Uma das testemunhas que
denunciou as ações dos jovens que frequentavam as festas e perturbavam a paz na área,
disse que até mesmo jovens fazendo sexo em seu quintal, localizado próximo à
discoteca, chegou a flagrar. Outras relataram que não podiam sair de suas casas nos
finais de semana, pois tinham medo de serem atacadas pelas galeras. Outras disseram
que pessoas já haviam sido mortas, feridas e assaltadas pelos integrantes destas turmas
que se concentravam nas imediações do clube durante os dias de festa. Como
consequência desse clima de insegurança gerado pela ação dos jovens galerosos, o Juiz
Rafael Romano abriu uma sindicância e averiguou, através de funcionários que para lá
foram enviados para fazer perguntas aos moradores, se a danceteria deveria ser fechada.
Eis as notícias que foram encontradas no jornal A Crítica e que comprovam que, nesse
período, os atos ilegais dos galerosos já estavam passando dos limites:
A CRÍTICA. 24 de novembro de 1994. Polícia.
„CLASSE A‟ É FECHADA POR CAUSA DE DROGAS, ARMAS E
PANCADARIA
A INTERDIÇÃO DURANTE 120 DIAS FOI DETERMINADA PELO
JUIZ DA INFÃNCIA E DA JUVENTUDE, COM APOIO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO
A danceteria Classe A, no conjunto Kíssia-Dom Pedro I, foi interditada por
120 dias por determinação do juiz titular da Infância e Juventude, Rafael de
Araújo Romano, com apoio de parecer favorável do Ministério Público,
diante das denúncias de que adolescentes frequentam o clube em horário
impróprio, portam armas, usam drogas, ingerem bebidas alcoólicas,
provocam brigas, causando transtornos e insegurança aos moradores
vizinhos.
184
No seu despacho do dia 21 passado, o juiz Rafael Romano revela resultados
da sindicância realizada no local:
A assistente social Heloísa e o inspetor geral Rógenes, do Juizado da Infância
e Juventude, ouviram dez moradores, alguns dos quais não quiseram se
identificar com medo de represálias e, outros, demonstrando muita revolta,
fizeram questão de declarar suas identidades;
Algumas residências foram invadidas pelas „galeras‟ que se digladiavam e
queriam a todo custo entrar na casa para se esconder e, como consequência
da invasão, uma dona de casa sofreu parada cardíaca, encontrando-se com a
saúde comprometida;
Que são vendidas bebidas alcoólicas, como cerveja, caipirinhas e outras no
bar que fica localizado no interior da danceteria;
Foi dito pelo proprietário de uma churrascaria localizada em frente à
danceteria que as adolescentes desfilam nuas ou com minúsculas peças,
expondo seus corpos ainda de menina;
Que a danceteria é frequentada por grande número de homossexuais que se
expõe ao ridículo, sem qualquer constrangimento;
Que as „galeras‟ promovem verdadeiros bang-bang, deixando em risco a vida
de todos os moradores da imediação;
Os adolescentes que ali frequentam portam facões e todos os tipos de armas,
desde a mais rudimentar até revólver, que são escondidas por entre os ramos
das árvores que ficam ao longo das calçadas das residências, tornando-se
perigoso o acesso dos próprios moradores às suas casas num horário mais
avançado da noite;
A instalação da boate tornou-se um lugar extremamente perigoso, com
música demasiadamente alta, tornando-se impossível, por exemplo, assistir a
um programa de televisão;
Lamentam os moradores que nos conjuntos Dom Pedro, Kíssias e Deborah
moram pessoas influentes, como delegados, promotores de Justiça, e não
tenham conseguido pelo menos minimizar o problema;
Foi constatado pelos sindicantes na casa 137 marcas de perfuração de balas
no portão de ferro, declarando os moradores ter sido durante a ação de
„galeras‟.
Afirmam os moradores que nos finais de semana passam a ser prisioneiros
em suas próprias casas, não sendo possível vir à frente ou sair à rua, pois
grupos de adolescentes se agridem entre si.200
A CRÍTICA. 30 de novembro de 1994. Cidade (A5).
VANDALISMO
JUIZADO FECHA CHEIK CLUBE
185
Mais uma danceteria deve ser fechada esta semana, em Manaus, seguindo o
mesmo destino da danceteria “Classe A”, localizada no conjunto Kyssia, e
que foi interditada pelo Juizado da Infância e Adolescência, pelo prazo de
120 dias, por causa dos atos de vandalismo promovidos pelos frequentadores, 103
tanto dentro como fora do estabelecimento. Trata-se do Cheik Clube, na
avenida Getúlio Vargas esquina com Ramos Ferreira, no centro.
Em entrevista concedida, ontem, em seu gabinete, o juiz Rafael de Araújo
Romano, titular da Vara Especializada, confirmou que tem recebido inúmeros
telefonemas de pessoas que residem nas rus Ramos Ferreira, Monsenhor
Coutinho e na avenida Getúlio Vargas, fazendo denúncias contra as
constantes ações de galeras, que fazem o Cheik Clube de quartel-general,
para depois saírem promovendo toda sorte de desordens e brigando entre si,
fazendo com que a batalha campal resulte em tiros e feridos, apedrejamento
de carros e residências, transformando as noites de domingo, em verdadeiras
noites de terror.
Segundo o juiz Rafael Romano, uma equipe de inspetores de vigilância do
Juizado, já está em campo fazendo as necessárias sindicâncias, que servirão
de suporte a uma decisão rigorosa da Justiça da Criança e do Adolescente, se
realmente forem confirmados os abusos denunciados.
“Se preciso for, vamos tomar todas as medidas enérgicas possíveis, para que
a população tenha devolvido o seu sossego. É preciso que esses vândalos
saibam que existe lei e que a mesma deve ser cumprida”.
Afirmou o juiz que a população está manifestando todo seu apoio às ações
que foram empreendidas recentemente no Juizado, fazendo citação ao
fechamento da danceteria Classe A. “Da parte da imprensa, essa Justiça
também tem recebido a mesma coisa, o que nos anima a agir agora também
no centro da cidade”.
TJA apóia – No Tribunal de Justiça, o residente desembargador Roberto
Hermidas de Aragão, assegurou estar perfeitamente de acordo com as últimas
decisões da Justiça da Infância e da Adolescência, em relação ao fechamento
de danceterias que estão tirando a tranquilidade e o sossego dos moradores
das proximidades.201
A CRÍTICA. 8 de dezembro de 1994. Polícia.
NA MIRA DE JUIZ
MAIS DUAS DANCETERIAS PODERÃO SER FECHADAS
Depois de fechar por 120 dias a danceteria Classe A, e agilizar as
sindicâncias que estão em fase final para lacrar as portas do Cheik Clube, o
200 – Jornal A Crítica, 24/11/1994, p. Polícia. Matéria “Classe A é fechada por ordem judicial”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
186
juiz Rafael Romano, da Infância e da Adolescência, já colocou em sua alça de
mira duas outras discotecas, a “Spectrom” e o “Pagode da Armação”, onde já
foram registrados dois casos de homicídios.
Desde ontem que os inspetores do Juizado de Menores estão fazendo um 104
completo levantamento sobre as condições de funcionamento da danceteria
“Spectrom”, rua Lôbo D‟Almada com 24 de Maio e o “Pagode da Armação”,
nas esquinas das rua Barroso e Saldanha Marinho. As constantes denúncias
dos vizinhos sobre atos de vandalismo e violência praticados por grupos de
galeras, levaram o juiz Romano a tomar a medida.
Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJA),
“até a Polícia não aguenta mais, com o trabalho que está tendo para conter as
brigas de grupos de galeras existentes no “Pagode da Armação”.
Na “Spectrom”, a situação não é diferente. Ao final das noites de embalo,
grupos de jovens delinquentes quebram tudo o que encontram pela frente,
observa a assessoria de imprensa. O juiz Rafael Romano, que já se
desobrigou da função de Presidente da Comissão Eleitoral, vai dar tempo,
integral à questão e já manteve contato, inclusive, com o comando da Polícia
Militar do Amazonas (Pmam) no sentido da realização de blitzes nos dois
locais.202
A CRÍTICA. 16 de dezembro de 1994. Polícia.
VIZINHOS RECLAMAM
JUIZ ESTUDA A INTERDIÇÃO DE DUAS DANCETERIAS
DENUNCIADAS
Até a Polícia não aguenta mais com o trabalho que está tendo para conter as
brigas entre grupos de galeras existentes no “Pagode da Armação”. A frase,
dita pelo juiz da Infância e da Adolescência, Rafael Romano, evidencia a
preocupação daquela autoridade em minimizar os atos de vandalismo e
violência praticados por grupos de jovens desocupados naquela boate e na
“Spectron‟, ambas denunciadas por moradores que se sentem prejudicados.
No “Pagode da Armação”, localizado nas esquinas das ruas Saldanha
Marinho e Barroso, já foram registrados pelo menos dois casos de homicídio.
Um galpão coberto com telhas de zinco, uma possante aparelhagem de som,
bebida alcoólicas à vontade e um número sem fim de jovens e adultos fazem
daquela casa de diversão o palco ideal para suas brigas.
Na discoteca “Spectrom”, encravada na esquina da rua Lôbo D‟Almada com
24 de Maio, as brigas generalizadas entre grupos de galeras, o aumento do
consumo de drogas entre menores, além de ameaças às pessoas que moram
201 – Jornal A Crítica, 30/11/1994, p. A5 (Cidade). Matéria “Vandalismo. Juizado fecha Cheik
Clube”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
187
próximas ou passam por perto da danceteria levaram o juiz da Infância e
Adolescência, Rafael Romano, a pedir urgência ao Juizado de Menores para
que a equipe de inspetores observe as condições de funcionamento das
danceterias com a intenção de fechá-las o mais rapidamente possível. 105
“Queremos que as famílias que habitam próximas a esses locais ou que por
ali tenham que passar a caminho de suas casas o façam com toda a
tranquilidade”, deseja o juiz Rafael Romano, que já fechou por quatro meses
a boate Classe A e está agilizando as sindicâncias para que o Cheik Clube
tenha a mesma punição.
Ele explicou que os menores que vierem a ser apanhados em flagrante nos
dois locais com substâncias tóxicas serão encaminhados à Delegacia de
Menores, enquanto os adultos serão levados para a Delegacia de Prevenção e
Repressão a Entorpecentes. “Vamos ter um Natal e um final de ano
tranquilos”, observa o juiz da Infância e da Adolescência.203
A CRÍTICA. 17 de dezembro de 1994. Polícia.
SEGURANÇA REFORÇADA
SPECTRON DIZ NADA TER A VER COM „GALERAS‟
„A Spectron Discoteca está na praça há 10 anos e não forma nem nunca
formou galeras, porque este fenômeno é nacional e está surgindo por motivos
alheios à discoteca‟, garantiu ontem a direção da danceteria, que estaria „na
mira‟ de interdição pelo juiz da Infância e da Adolescência, Rafael Romano,
diante de reclamações de vizinhos, conforme „release‟ distribuído à imprensa
pela sua Assessoria de Comunicação.
Num fax enviado a esta Editoria, a direção da discoteca afirma que mantém,
dentro da casa de diversão, mais de 20 funcionários „para zelar pela
segurança, coibir e resolver qualquer problema que possa surgir‟.
Em relação a drogas, assegurou que jamais permitiu que alguém usasse tal
substância nas sua dependências.
„Finalmente, queremos estar à disposição das autoridades competentes para
ajudar e colaborar em tudo que possa trazer tranquilidade para os jovens‟.204
A CRÍTICA. 17 de janeiro de 1995. Polícia.
FORMAÇÃO DE “GALERAS”
JUIZ DA JUVENTUDE INTERDITA CHEIK CLUBE DURANTE 90
DIAS
Encerrada a fase de sindicância e apoiado no parecer do Ministério Público, o
juiz Rafael de Araújo Romano, do Juizado da Infância e da Juventude,
202 – Jornal A Crítica, 8/12/1994, p. Polícia. Matéria “Na mira de juiz. Mais duas danceterias poderão
ser fechadas”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
188
determinou ontem a interdição das atividades do Cheik Clube pelo prazo de
90 dias, com o fim de resguardar a proteção das crianças e dos adolescentes e
garantir a tranquilidade e o sossego público que há meses vinham sendo 106
ameaçados pela ação de galeras, formadas durante os embalos dos finais de
semana, na mencionada casa de diversão. Incontinenti à decisão tomada, o
juiz oficiou o secretário de Segurança Pública e Cidadania, Klinger Costa, ao
delegado geral de Polícia, Francisco Sobrinho, e ao comandante da Polícia
Militar, coronel PM Mael Sá, no sentido de que impeçam qualquer
programação no mencionado clube.
Num volumoso processo, motivado por denúncias sobre as constantes
presenças de crianças e adolescentes e formação de galeras no referido local,
consta o resultado das sindicâncias efetuadas por uma equipe do Juizado da
Infância e da Juventude. Segundo esse levantamento, das 16 casas localizadas
nas proximidades da danceteria, 15 foram unânimes na decisão pelo
fechamento do Cheik Clube. Os vizinhos denunciaram as brigas de galeras
sempre no encerramento das programações, onde os muros das residências
são escalados por jovens que tentam fugir do perigo iminente. Dizendose
prisioneiros em suas próprias residências, os moradores justificaram esse
pedido no fato de que já não podem nem sair de casa sem que corram risco de
violência ou assalto, que se tornaram comuns naquelas cercanias. Menores
que não são acostumados a esse clima, são encontrados completamente nus
nos quintais das casas para onde fogem, com medo até de morrer pela
exacerbada violência. Nos pátios das casas vasilhames de bebidas são
jogados aleatoriamente. O Juizado apurou também que, mesmo sem ter
qualquer programação nos feriados, o local já passa a ser ponto de encontro
de marginais, usuários de drogas e travestis. De acordo com os vizinhos do
Cheik, nem mesmo a Polícia é capaz de proporcionar segurança a quem vive
nas imediações.
No relatório apresentado ao juiz e que motivou sua decisão de fechar o
Cheik, existem citados casos até de prostituição, que prolifera
galopantemente entre crianças e adolescentes. Uma vizinha até flagrou
menores praticando sexo na garagem de sua residência.
CONFUSÕES COMEÇAM LOGO CEDO
O clima de violência que adentra pela madrugada, começa cedo, logo após às
19:00, quando os adolescentes ficam promovendo bagunças, deixando a
vizinhança em pânico, obrigando-os até a portar armas em sua defesa. Na
batalha campal contra o inimigo, as geleras saem quebrando tudo pela frente,
203 – Jornal A Crítica, 16/12/1994, p. Polícia. Matéria “Vizinhos reclamam. Juiz estuda a interdição
de duas danceterias denunciadas”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
204 – Jornal A Crítica, 17/12/1994, p. Polícia. Matéria “Segurança reforçada. Spectron diz nada ter a
ver com „galeras‟”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
189
agredindo pessoas e automóveis, acabando por atingir pessoas inocentes.
O presidente do Cheik Clube, ouvido no Juizado, admitiu que ocorrem
brigas, mas sem grandes riscos. Só que nas proximidades do clube menores
foram encontrados mortos, após o horário de funcionamento desses
dancings.
Procurado pela reportagem sobre o fechamento, o juiz Rafael Romano, que
anteriormente já havia determinado o fechamento da danceteria “Classe A”,
no Conjunto Kissya, disse estar agindo com rigor, em prol do que determina
o Estatuto da Criança e do Adolescente, no capítulo que se refere ao
resguardo da integridade física e a proteção que deve ser dada aos mesmos.
“O local já vinha se tornando uma referência para o encontro das chamadas
“galeras”, que enturmadas, desafiavam-se, entre si pelo domínio dos pontos
de consumo e tráfico de drogas, saindo pelas avenidas agredindo as pessoas,
assaltando transeuntes e deixando em terror toda a vizinhança.
Para o juiz Rafael Romano, “o fechamento do Cheik Clube não significará o
fim da violência praticada pelas galeras no centro da cidade. Deverão esses
adolescentes se deslocarem para outros clubes, ainda em funcionamento no
centro. Sobre a possibilidade de novas medidas de impacto contra esses
inferninhos, o juiz deixou escapar que novas sindicâncias estão em
andamento, e que novas casas podem cerrar em breve suas portas.205
A CRÍTICA. 20 de janeiro de 1995. Polícia.
„PAGODE DA ARMAÇÃO‟ FECHADO POR CAUSA DE BRIGAS E
DROGAS
CONFUSÕES, BEBIDAS, DROGA E SEXO ENVOLVENDO
MENORES, ALÉM DE DOIS HOMICÍDIOS, MOTIVARAM O
JUIZADO A LACRAR O CLUBE
Numa medida mais dura [...] o juiz [...] Rafael de Araújo Romano,
determinou ontem o fechamento, em caráter definitivo, do “Pagode da
Armação” [...], nas imediações do qual ocorreram dois homicídios no ano
passado.
[...] a análise dos autos de sindicância realizada pela Inspetoria Geral de
Vigilância e pelo Serviço Social, motivado por denúncias de crianças e
adolescentes no “Pagode da Armação” que foram flagradas ingerindo bebidas
alcoólicas, tanto dentro quanto nas imediações, e se envolvendo em brigas e
confusões, num local onde se reúnem aproximadamente mais de mil pessoas,
sem que este ofereça necessária segurança aos participantes, funcionando
precariamente num estacionamento improvisado de veículos, e pondo em
risco a integridade física dos presentes, que na hipótese de uma desordem
ficam impedidas de sair, por existirem apenas duas portas, ficando uma
190
constantemente fechada quando dos eventos.
Os responsáveis pelas sindicâncias detectaram [...] a presença [...] de pessoas
visivelmente embriagadas, que passam a cometer atentados ao pudor, fazendo
necessidade pelas esquinas, à vista de todos, sem que exista alguém para 107
coibir esse procedimento.
As promoções do “Pagode da Armação” chegam inclusive a tumultuar o
trânsito pela área central da cidade, uma vez que ocorre a ocupação da via
pública, impedindo o acesso de veículos nas ruas Barroso e Saldanha
Marinho.
[...] Com o funcionamento do Pagode, os meninos de rua tornaram-se mais
perigosos, pois passaram a se envolver com bebidas alcoólicas e se misturar
com outros marginais que promovem assaltos às residências. Pela vizinhança,
segundo foi apurado, menores estavam praticando sexo à frente dos portões
das casas. Inclusive até ocorrem cenas de strip-tease de menores, ficando os
demais aplaudindo. Os moradores inclusive reclamaram que já não pode nem
sair ou chegar em casa, pois correm o risco de ser assaltados ou atingidos por
uma bala perdida [...].
Segundo denúncias da vizinhança, um elemento de nome Isaías, comanda
uma gangue de adolescentes de rua, e os protege, e quando este arromba
residências, deles recebem cobertura.
Conforme foi também apurado, o som que sai do referido Pagode é realmente
ensurdecedor. O fechamento foi pedido por todos que residem nas
imediações, principalmente por reunir também adolescentes que praticam
toda sorte de infrações, entregando-se à prostituição e ao uso de drogas, onde
até batentes das casas são utilizados para esse fim.
Os alunos da “Casa do Estudante”, também falaram do clima de violência no
local, onde por falta de policiamento até gargalo de garrafa já foi usado,
colocando em risco a vida dos outros.206
A CRÍTICA. 24 de janeiro de 1995. Polícia.
DJs EM AÇÃO
Cerca de dez disc-jockeys de casas noturnas de Manaus estarão reunidos na
próxima sexta-feira na discoteca Spectron para a terceira versão da noite DJs
contra a violência.
A festa pretende chamar a atenção das turmas que vão a muitos desses locais
atrás não de diversão, mas de confusão.
Durante a noitada de sexta, o DJ Raidy Rebelo aproveita para lançar seu
quarto disco “Dance Music”, prometendo até mesmo cantar ao vivo”.207
205 – Jornal A Crítica, 17/01/1995, p. Polícia. Matéria “Formação de “galeras”. Juiz da Juventude
interdita Cheik Clube durante 90 dias”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
191
A primeira matéria destaca que a discoteca Classe A foi fechada por ordem do
Juiz Rafael Romano, após a realização de uma sindicância que recolheu informações a 108
respeito das atitudes dos frequentadores da danceteria em frente e dentro da casa. É
interessante perceber que, apesar das denúncias de que os jovens estariam brigando
muito, de que a casa estaria sendo frequentada por muitas galeras e estes bebiam, se
drogavam e representavam uma ameaça não só para si, mas para os moradores das
adjacências, enfim, apesar de tudo isso, é difícil não relacionar o fechamento da Classe
A no dia 24 de novembro de 1994, com o assassinato da jovem Mary Jane, ocorrido em
frente à danceteria vinte e três dias antes, como visto na matéria acima.
O Cheik Clube, acusado na segunda notícia de ser o quartel-general das turmas
de galera, além de ser denunciado, basicamente, pelas mesmas ações dos jovens
frequentadores da Classe A, receberia em seu recinto jovens galerosos que promoviam
“toda sorte de desordens” que faziam “com que a batalha campal” resultasse “em tiros e
feridos, apedrejamento de carros e residências, transformando as noites de domingo, em
verdadeiras noites de terror.” Chamados de vândalos nesta notícia, os galerosos que
frequentavam o local estavam sendo denunciados sobretudo pelos moradores das ruas
Monsenhor Coutinho, Ramos Ferreira e Getúlio Vargas. E como no caso da Classe A, as
acusações não eram poucas. Das dezesseis residências que fizeram parte da sindicância,
quinze se pronunciaram a favor do fechamento do Cheik, sendo que as principais
reclamações foram: “as constantes presenças de crianças e adolescentes e formação de
galeras”; “as brigas de galeras sempre no encerramento das programações”; as invasões
das casas “onde os muros [...] são escalados por jovens que tentam fugir do perigo
iminente”; “risco de violência ou assalto, que se tornaram comuns naquelas cercanias”;
“menores que não são acostumados a esse clima, são encontrados completamente nus
nos quintais das casas para onde fogem, com medo até de morrer pela exacerbada
violência”; “nos pátios das casas vasilhames de bebidas são jogados aleatoriamente”; “o
local já passa a ser ponto de encontro de marginais, usuários de drogas e travestis”;
“prostituição, que prolifera galopantemente entre crianças e adolescentes”; flagrante de
prática sexual na garagem de uma casa; “bagunças”, que “são promovidas logo cedo”,
já a partir das 19h00, e continuam madrugada adentro; brigas de galeras que destroem
206 – Jornal A Crítica, 20/01/1995. Matéria “„Pagode da Armação fechado por causa de brigas e
drogas”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
207 – Jornal A Crítica, 24/01/1995, p. Polícia. Matéria “DJs em ação”. Biblioteca Pública do Amazonas.
192
“tudo pela frente, agredindo pessoas e automóveis, acabando por atingir pessoas
inocentes”; e de mortes de menores ocorridas “nas proximidades do clube [...] após o
horário de funcionamento desses dancings.”
Nesta segunda notícia, o Juiz Rafael Romano alega que o Cheik “já vinha se
tornando uma referência para o encontro das chamadas ““galeras”, que enturmadas,
desafiavam-se, entre si pelo domínio dos pontos de consumo e tráfico de drogas [...]”.
Além disso, o juiz prevê que as galeras não iriam acabar com o fechamento das
danceterias Classe A, Cheik Clube e Pagode da Armação, que logo em seguida também
foi fechada. Ao invés disso, as turmas iriam passar a frequentar outras casas ainda em
funcionamento no Centro. De fato, a última notícia, sobre os DJs que se reuniram na
Spectron Disco para promover uma festa cuja intenção seria conscientizar o público
sobre as brigas e confusões, indica que as práticas dos jovens galerosos em frente das
danceterias estava afetando até o próprio negócio dos empresários do ramo do
entretenimento noturno em Manaus e do ramo da música, isso sem falar em uma das
próprias alternativas de lazer dos jovens da cidade que, provavelmente, também se
viram prejudicados com a diminuição das casas noturnas disponíveis. O detalhe curioso
de que a festa “DJs contra a violência” estaria na terceira versão, sugere também que
não era a primeira vez que os DJs e os empresários do ramo tentavam minimizar as
brigas e comportamentos demasiadamente antissociais praticados por alguns dos jovens
que frequentavam essas casas noturnas.
Sobre a questão das drogas e da violência cometida dentro das danceterias Cheik
e Bancrévea, o DJ Raidi Rebello já comentara que tal fato existia, mas não se dava da
maneira como os jornais noticiavam e da maneira como algumas pessoas comentavam.
Pois a violência dentro desses clubes era contida pelo sistema de segurança que eles
possuíam, o que incluía até mesmo detector de metal para não permitir que as pessoas
entrassem armadas. Sobre o detector de metais relatado por Rebello, foi encontrada uma
notícia informando sobre o início de seu uso pela danceteria Cheik Clube:
A CRÍTICA. 19 de setembro de 1992. Polícia.
APARELHO DETECTARÁ ARMAS NOS CLUBES
Um aparelho denominado Garrete, que serve para detectar quem usa armas,
poderá ser usado nas portas de clubes e boates de Manaus, como uma forma
de prevenção a crimes.
Um dos que deverão usar o aparelho nesta semana é o Cheik Clube, de
acordo com informações do diretor Raidi Rebelo, que já procurou a
193
Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, para comunicar o fato.
Declarou que a forma atual de revistar as pessoas nos clubes, não
impossibilita de que pessoas entrem armadas nos estabelecimentos noturnos.
Por mais que exista rigor dos responsáveis pela portaria, revistando todo
mundo, sempre surgem aqueles elementos mais habilidosos, que levam armas
até no solado dos sapatos.
O uso da Garrete, já colocado em prática em outras cidades, tem contribuído
também com o trabalho da polícia. Ele é usado também por policiais durante
as operações nos bares, casas de jogo e outras casas noturnas, conforme
informações dos investigadores da Delegacia de Ordem Política e Social
(DOPS) ao tomarem conhecimento do uso do Garrete à porta do Cheik
Clube.
Sugeriram às autoridades no sentido dessa prática servir de modelo às
diligências policiais.
Explicaram que em outros centros, já se tornaram comuns as pessoas
andarem armadas, para se defender de assaltos, sequestros e outros crimes.
Mas nem todos os portadores de armas têm essa verdadeira intenção.
Viciados em drogas, ou mesmo pessoas simplesmente alcoolizados, são
capazes de perder a cabeça, fazendo uso das armas em qualquer local, dizem
os policiais, lembrando alguns crimes registrados em Manaus.208
Segundo a quarta notícia, na danceteria Pagode da Armação, nem mesmo a
polícia estava mais aguentando ter que resolver os problemas causados pelas brigas e
confusões das galeras. Novamente os atos dos galerosos são caracterizados como “de
vandalismo” e, assim como na Spectron, os jovens estariam ingerindo muitas bebidas,
drogas e sendo, simultaneamente, praticantes e vítimas de assassinatos nas adjacências
dos clubes, tal como foi concluído pelas sindicâncias que foram abertas para averiguar a
Classe A e o Cheik. Na quinta notícia, a direção da Spectron Disco teria enviado um fax
à Editoria do jornal A Crítica para comunicar que “não forma nem nunca formou
galeras”, alegando que tal fenômeno estaria acontecendo em nível nacional e, portanto,
não teria a ver com a danceteria. Se colocando à disposição das autoridades para ajudar
na minimização das brigas e confusões, a direção da Spectron também informou que
mantém na casa “mais de 20 seguranças” para impedir as brigas e o uso de drogas.
Rebello também falou em sua entrevista que o Cheik, à época em que ele ali trabalhou,
chegou a ter 70 seguranças.
Na sétima notícia, que anuncia o fechamento definitivo do Pagode da Armação,
novamente foram constatadas reclamações de atentado ao pudor, brigas, uso de drogas e
194
bebidas por menores, som “ensurdecedor”, bloqueio de trânsito na rua, uso de “gargalo
de garrafa” por elementos do local que estariam ameaçando os alunos da “Casa do
Estudante”, e uma denúncia de funcionamento precário e improvisado (a danceteria
funcionava em um estacionamento, dava mais de mil pessoas e só tinha uma saída 109
acessível em caso de emergência). Esta reclamação já não está presente nas acusações
de que foram alvo a Classe A, o Cheik e a Spectron. Porém, no Pagode da Armação, as
festas estariam contribuindo para tornar os meninos de rua mais perigosos, uma vez que
tais meninos estariam ingerindo bebidas alcoólicas e se misturando com “assaltantes” de
“residências”. Cenas de sexo nos portões das casas praticado por menores e de strip-
tease, também praticados por adolescentes, além do medo que toda essa aglomeração
provocava nos moradores do local, foram outras reclamações que entraram para os
autos da investigação judicial.
Sheila, Cláudia, Medroso e Rebello não comentaram sobre as ações que podem
ser consideradas como vandalismo, praticadas pelas galeras. Mas Maicon sim. Eis os
trechos de sua entrevista em que ele sugere isso:
Marcos – Alguém da galera de vocês chegou a matar em uma briga?
Maicon – Já. Chegou.
Marcos – Quem, assim?
Maicon – Olha, por nome mesmo, pra saber quem morreu, dificilmente a
gente sabia. Porque era muita gente. Nunca tinha aquilo de uma briga de três,
quatro, era sempre de quinze, vinte, cinquenta. Aí, sempre você via tinha
alguém estirado no chão. Sempre tinha alguém estirado no chão. Ou morria
de paulada. Entendeu? Ou morria de paulada. De gogó de garrafa.
Dificilmente você ouvia um tiro. Mas era terçado, era terçadada, era...
Quando não morria, saia mutilado. Saia mutilado. Mas a tendência depois
que começava... Alguém tinha que sair... Alguém tinha que ir pro além. E
nessas confusões sempre, num vou dizer que toda vez, mas de umas cinco,
seis briga, sempre saia um morto.209
Toda Manaus era envolvida. Só que hoje você escuta bem assim, nos
noticiários: “ah, o cara invadiu o colégio e matou lá dentro”. Não existia isso
na época. Não tinha isso. Podia ter briga. Mas de ter um cara do “Anjos
Maldito” e o outro da “Selvagem” no mesmo colégio, podia até ter isso. Mas
a bronca era lá fora. Dificilmente você ouvia essa história: “Ah, o cara matou
208 – Jornal A Crítica. 19/09/1995, p. Polícia. Matéria “Aparelho detectará armas nos clubes”.
Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
195
um dentro do colégio!”. Ou “o cara invadiu lá o hospital, e mataram o cara lá
dentro”. Isso nós tínhamos muito medo. Existia também o medo.210
Marcos – Ah! Me conta aquilo que tu me contou naquele dia, sobre a questão 110
dos estupros, e tal, que era uma coisa que te perturbava muito, e tal.
Maicon – É, essa era a parte que mais doía, né? Essa é a parte que eu, que eu
guardo das recordações que não são muito boas. Sabe? De você ver meninas
ser estupradas. Sabe? E nem estupro era, naquela época era uma curra.
“Vamo dar uma curra”, vamo... Sabe? “Vamo dar uma geral”. Sabe? Vamo
dar... O famoso “arrego”. “Hoje ela vai pro arrego, quem vai pro arrego é
aquela ali”. Sabe? Porque, de repente, é aquela que entra na galera e quer dá
uma de patricinha. Sabe? Num quer namorar com ninguém, quer dar uma de
“cú doce”, que eles diziam que era “cú doce”, e tal. Aí eles armavam pra
aquela ali ir pro “arrego”. Você vê aquilo acontecer... Sabe? É uma coisa que
não traz recordações boas. Sabe? E você tava ali, eles te obrigavam a
participar. Eles te obrigavam a fazer. Sabe? Era uma situação complicada. E
eu vi isso acontecer. Só que eu fico, assim, ainda bem que já foi... Eu já
peguei essa parte, na época eu já tinha uma moral, dentro da galera. Eu dizia:
“eu não vou fazer isso não”. E salvei muitas. Eu fingia que ia fazer, pra salvá-
las. Eu fingia. Eu pedia pra ser o terceiro, o quarto, só pra quando, sobrasse
mais uns seis ali atrás, uns cinco, seis, eu pudesse tirar ela de lá. Sabe? Eu
montava, eu dizia, pra ela, ela... Eu andava com sonrisal no bolso (risos). Pra
botar na boca delas, pra elas babarem, pra dizer que elas tão... Tendo qualquer
coisa parecida, sabe? Desmaio, pra causar medo e... Eu salvei muita... Umas
três, eu me orgulho disso, entendeu?211
Marcos – Para a galera de vocês, qual era a galera mais temida da cidade?
Por quê?
Maicon – A galera mais temida era a “Selvagem”. Era a galera mais temida.
Até hoje é comentado. Sê falar, era a da “Selvagem”, a “Selvagem” era...
Onde chegava, a “Selvagem” destruía. Onde chegava aquela galera em
massa, destruía. Chegava a “Selvagem”. E a nossa maior rival, eram os
“Anjos”. Num ficava pra traz também não.212
Maicon comenta que as brigas não envolviam apenas “três, quatro, era sempre
de quinze, vinte, cinquenta.” As armas mais comuns eram “gogó de garrafa”, paus e
terçados, sendo que as armas caseiras também eram muito utilizadas, como relatou
209 – Maicon Costa, em entrevista concedida em 22/11/2014.
210 – Idem.
196
Maicon em outro trecho de sua entrevista.213
E como “quando” o sujeito “não morria‟,
“saia mutilado”, “a tendência depois que começava” era de alguém “ir pro além”. De
fato, em inúmeras notícias do jornal A Crítica que foram consultados, foram informadas 111
centenas de brigas entre galerosos que envolviam muitos jovens e provocavam não só
mortes, mas mutilações sérias como perda de membros, lesões na cabeça e nos órgãos
vitais, além de arrombamentos e destruição de casas de pessoas que eram perseguidas
por galeras e de familiares de galerosos que cometiam algum delito, fugiam e, diante da
impunidade, levavam as pessoas agredidas, geralmente populares já insatisfeitos com as
ações desses galerosos, a se vingar na casa de seus familiares. Além disso, para Maicon,
na época em que ele conviveu com galeras, havia brigas mas não brigas e confusões
dentro de colégios e hospitais, como se verificava na ocasião em que realizamos a
entrevista, ou seja, em 2014. Entretanto, chegou-se a coletar algumas notícias que
indicam que nos anos 1990, alguns galerosos e algumas galeras invadiam hospitais para
roubar, para fazer pressão na equipe médica de plantão que, durante a madrugada, teve
que tentar manter a vida de um galeroso da turma invasora que havia sido alvo de uma
agressão, e escolas. Quando invadiam estas últimas, suas ações podiam ser para roubar,
para danificar a escola ou para perseguir algum aluno já marcado pela galera. Sobre a
questão dos estupros ou curras a que se referiu Maicon, a mesma coisa pode-se dizer das
demais práticas. Foram relatadas abundantemente nos jornais pesquisados. Agora serão
citadas algumas notícias que corroboram o que Maicon falou dos estupros e algumas
que o contradizem quanto às invasões de escolas e hospitais. Também serão citadas duas
notícias que sugerem que os galerosos podiam invadir casas e terem suas casas
invadidas pela fúria da população, indignada com seus atos.
A CRÍTICA. 5 de janeiro de 1990. Polícia.
CAPTURADOS MEMBROS DA “GALERA DO SEXO”
A menor M. S. B (16 anos), estudante, moradora do Lírio do Vale 2 foi
estuprada pela galera anjos do sexo.
Esta galera é formada por vários elementos viciados em tóxicos que rondam
os colégios na intenção de pegar alguma garota para sua taras animalescas.
O fato aconteceu após uma festa na casa de Rodney Feitosa Farache (20 anos,
rua 36, casa 69, mesmo bairro, estudante do colégio da Encarnação), na
passagem do Ano Novo.
Por volta das 5h da madrugada, Roger, como é conhecido no Bairro, se
212 – Idem.
213 – Ler a entrevista completa de Maicon em Anexos.
197
reuniu com seus companheiros e arquitetaram um estupro. Junto com um
colega que trabalha com seu pai em um parque de diversões, localizado perto
da feira modelo. A galera formada por sete marginais, muitos deles viciados
em drogas, encontraram a menor namorando perto de um campo de futebol, e
partiram pra cima do rapaz, que foi seguro à força, para assistir ao estupro.
Todos os sete abusaram da menor, que pedia para não fazerem aquilo, que
estava passando mal. Mas nenhum deles quis saber do sofrimento da jovem
que pedia para ir embora, prometendo que não diria nada a ninguém. Seu
namorado tentou reagir, foi brutalmente agredido, ficando com vários
hematomas pelo corpo, por um milagre não foi morto.
M. S. B. levou o fato ao conhecimento dos agentes da 10ª Intendência, foi
apontando a casa de um deles, Roger e Raimundo Lima da Silva (20 anos,
casado, rua da Estanave, beco 2, casa 37, Compensa 3) que também trabalha
no parque de diversões.
A 10ª Intendência, no comando da dra. Nilza Rodrigues, vai continuar com as
buscas para capturar os outros integrantes da galera. Muitos moradores do
Lírio do Vale há tempos vem se queixando da ação dessas galeras. A menor
M. S. B. não foi a primeira a cair nas mãos destes marginais. “Eles ficam
perto dos colégios fumando maconha, esperando o término das aulas para
atacar. Nós já fizemos vários apelos para a Polícia Militar desse batidas, pelo
menos duas vezes por semana, isto já ajudaria muito nosso bairro tão sofrido
com bandidos que estão imperando. Imagine esta garota e a família, devem
estar traumatizados com o que aconteceu. Se a polícia não resolver nada em
relação a estes casos de assaltos e estupros, os moradores vão acabar fazendo
justiça com as próprias mãos”, disse um morador revoltado com os estupros
constantes que vêm ocorrendo naquele bairro.
Roger declarou que no momento em que estavam abusando da menor,
reconheceu que ela era estudante do mesmo colégio que o seu, e tentou
convencer os demais a desistirem, mas foi reprimido pela maioria e até
ameaçado de agressão. Mas sua vensão [versão] foi negada pelo seu colega,
que também foi preso, dizendo que Roger foi o primeiro a dar a idéia e
estuprar a garota.
Raimundo, vulgo “Compensa” disse que conhecia a turma do Lírio do vale
há um ano, desde quando começou a trabalhar com galera. “Eu apenas
acompanhei o pessoal, não sabia que iam fazer aquilo, estou arrependido”,
desabafou “Compensa”.
Rodney se mostrava arrependido e apreensivo, com medo de ser recolhido
para a Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, dizendo que era de menor e
deveria ser recolhido para o juizado de menores, era trabalhador e não um
marginal.
198
Os pais da menor deram queixa na 10ª Intendência e não vão sossegar
enquanto os demais bandidos não forem recolhidos ao xadrez.214
A CRÍTICA. 25 de janeiro de 1990. Polícia.
ASSALTANTES SAQUEARAM E DANIFICARAM COLÉGIO 112
A escola Antônio Matias Fernandes, situada no Bairro da União, foi assaltada
ontem de madrugada, por volta das 3h 15. Os bandidos usaram a rede das
balizas de futebol para escalar a parede da escola e, por cima, invadir as salas
de aula.
Um outro arrombou o cadeado do portão principal do corredor de entrada,
que fica em frente da quadra do colégio.
Entraram no gabinete odontológico e levaram luvas, caixa com 55 bisnagas
de anestesia, tesouras, bandejas, luzes e canetas. Em seguida foram para a
cozinha e levaram o rancho da merenda escolar das crianças, além de duas
botijas de gás. Da sala da diretora, levaram ventiladores, máquinas de
escrever, aparelhos de som, e vários livros.
No consultório odontológico além de levarem todo o material, ainda
quebraram várias vidraças e para entrarem, tiveram que arrombar a porta com
um pé-de-cabra.
Todo o material foi levado em uma Kombi de cor branca e um Fusca
amarelo. “Foi um assalto audacioso. Os bandidos chegaram por volta de 1h
30 da madrugada e fizeram o maior barulho, parecia que iam quebrar toda a
escola, foram embora por volta de 3h 15, depois que fizeram a limpeza”,
disse uma professora.
A escola fica em frente a uma quadra para uso dos alunos. No entanto todas
as noites, muitos pivetes se reúnem para bater pelada, o que provoca muita
confusão, quando algum responsável pela escola tenta proibir a brincadeira,
pois eles ameaçam quebrar tudo e dizem que não adianta chamar a polícia.
Há suspeitas de que os responsáveis pelo roubo, sejam os pivetes que
realizam as peladas à noite, e no momento em que vão embora, atiram pedras
nas janelas, quebrando as vidraças.
A diretoria da escola já fez várias denúncias para que a polícia efetue algumas
batidas, a fim de intimidar os bagunceiros
O local virou um encontro de viciados em drogas, todas as noites eles se
reúnem e ficam fumando maconha bem em frente da escola, os vizinhos já
não suportam a situação em que se encontra o bairro da União.
As galeras tomam conta das ruas, e a partir de 9h da noite, não permitem
mais ninguém andar pelo bairro. O banditismo impera naquela área, várias
214 – Jornal A Crítica, 5/01/1990, p. Polícia. Matéria “Capturados membros da “Galera do Sexo”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
199
garotas que retornam do colégio, já foram estupradas.
A escola tem um vigia, que fica somente até o começo da noite, já que é
época de férias escolares, a diretora o libera. Ontem à noite, os bandidos
aproveitaram que a escola estava desprotegida e entraram com facilidade.
Arrombaram um cadeado do portão principal e usaram as redes das balizas
para escalar a parede, entrando pelo andar superior. De lá foi rápido chegar
até as salas de aula e levar o que tinha de mais importante.
A diretora e os professores não descartam a possibilidade dos ladrões
conhecerem muito bem o local, acreditando que são moradores do bairro,
sabendo que o vigia deixava cedo a escola, por causa das férias escolares.
Segundo os cálculos, o prejuízo foi grande, pois os equipamentos
odontológicos são caríssimos, além do aparelho de som. A diretora prestou
queixa e abriu inquérito na Intendência de Roubos e Furtos e fizeram um
apelo às autoridades, no sentido de tentar recuperar todo o material roubado,
pois a escola é frequentada por crianças de famílias carentes e no mês que
vem, as aulas terão o início e tudo precisa estar pronto para os alunos.
A Polícia Militar foi acionada e já está no encalço dos bandidos, pois uma
vizinha viu quando a Kombi e o Fusca saíram da escola com todo o material
roubado. Muitos moradores ouviram na madrugada barulho vindo da direção
do colégio, mas não se atreveram a sair de suas casas para ver o que
realmente acontecia. Temiam que os ladrões estivessem armados e atirassem
em qualquer pessoa que se aproximasse do local e preferiram ficar apenas
observando pelas brechas das janelas.
Uma das professoras da escola tem um irmão que é investigador da Polícia
Judiciária e ele garantiu que estará à frente das buscas para apreender o
material roubado e não dará sossego aos bandidos.
O vigia da escola disse que se estivesse no local tirando serviço,
provavelmente teria morrido, pois não tem revólver para se defender e
proteger o local.
Os bandidos estavam tranquilos e ainda fizeram muito barulho, chamando a
atenção dos moradores, mas mesmo assim continuaram com o serviço,
ninguém se atreveu a interromper o assalto. Depois de quase duas horas,
recolheram tudo o que puderam carregar e foram embora na maior
tranquilidade.
A ousadia dos ladrões foi tamanha, que ainda rasgaram a bandeira nacional e
a deixaram jogada com papéis rasgadas no chão.
A cadeira do dentista foi totalmente destruída, arrancaram os fios que fazem
funcionar as brocas e cortaram todo o estofamento.215
A CRÍTICA. 05 de fevereiro de 1990. Polícia.
200
GALERAS INVADEM CASAS NO MORRO
Os moradores da rua professor José Esteves, Morro da Liberdade, próximo
da feira do Cajual estão apavorados com os membros da galera Canibal
liderada pelos bandidos Auro, Kito, Márcio, Maçal, Santos, Dodó e outros e
que após às 22 horas ficam atacando as pessoas que transitam naquela artéria. 113
Semana passada além de agredirem várias pessoas que transitavam próximo à
feira do Cajual ainda assaltaram uma residência e ameaçaram as pessoas que
se encontravam dentro da casa nº 40 de morte caso fossem denunciá-los na
polícia.
Os moradores do Morro da Liberdade estão apavorados e pedem
providências do comandante da Polícia Militar e do intendente geral da
Polícia Judiciária para que faça uma blitz naquela artéria antes que outras
pessoas venham ser vítimas dos membros da galera Canibal.216
A CRÍTICA. 01 de abril de 1990. Polícia.
CONFRONTO DE BANDIDOS ATÉ DENTRO DO COLÉGIO
Um confronto entre duas “galeras” quase resultou em morte, anteontem de
manhã, no bairro de São Raimundo. Os marginais começaram a briga no
campo do JAP e terminaram no colégio São Luiz de Gonzaga, interrompendo
as aulas e ferindo uma professora. Apesar do caso ter sido registrado na
polícia, não se tomou providência alguma. As “galeras”, uma chamada
“Morido da rua Cachoeira” e uma outra “Demônios da Ponte” entraram em
confronto em pleno dia, no meio de muita gente.
A situação se agravou dentro do colégio invadido pelos marginais conhecidos
como “Cortado”, “Biró”, “Picareta” e “Bobó”, além de outros.
Além da professora que saiu com ferimentos diversos, um rapaz quase teve o
braço decepado. Este foi agredido no campo da Jap e perto da paróquia
desprovida de guarda de segurança. Os bandidos, feitos loucos, após o
tumulto no campo, saíram, correndo, invadindo o São Luiz de Gonzaga,
agredindo quem encontrasse pela frente.
Um grande tumulto ocorreu dentro do colégio; todo mundo defendeu-se
como pode porque a polícia lá não apareceu.
“Estamos sem policiamento. Os poucos soldados que ocupam o posto são
alcoólatras e não dão importância a nada em nosso bairro,” denunciaram os
moradores da rua Cinco de Setembro [...].217
A CRÍTICA. 30 de agosto de 1990. Polícia.
NO ALVORADA
215 – Jornal A Crítica, 25/01/1990, p. Polícia. Matéria “Assaltantes saquearam e danificaram colégio”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
201
„GALERAS‟ PODEM INVADIR HOSPITAIS DE MANAUS
Bebês, mães e funcionários de saúde. Esses são as novas vítimas das galeras
que há mais de dois meses vem ameaçando invadir a maternidade Balbina
Mestrinho, localizada na rua 7 do Bairro Alvorada I. ontem por volta das 114
17:30h, 10 marginais armados com faca, pedra, pau e até terçados tentaram
invadir a Maternidade para procurar éter. A invasão não se consumou graças a
ação de um enfermeiro, que já vai armado para o trabalho devido a gravidade
da situação.
Os funcionários da enfermaria, que não quiseram se identificar com medo de
retaliações por parte das galeras, dizem que há mais de 02 meses vêm
recebendo ameaças por telefone. Segundo eles os interlocutores pedem
apenas para deixarem uma bolsa com todo éter que existir na Maternidade na
calçada em frente ao prédio, pois eles (os bandidos) não pretendem fazer mal
a ninguém.
O que deixa o pessoal ainda mais inseguro é o fato das pessoas que ligam
ameaçando saberem de tudo que se passa dentro da maternidade. Muitos
funcionários escalados para os plantões estão se recusando a ir trabalhar
devido ao pavor instalado.
Insegurança – O posto só conta com um segurança por noite, que chega por
volta das 21:h00. Quando ele falta, segundo os funcionários isso ocorre com
muita frequência, o local fica completamente desprotegido. Já foi pedido pela
direção da maternidade, à PM, um fortalecimento do policiamento mas até
agora os policiais só apareceram por lá uma só vez, após uma das muitas
ameaças de invasão, indo embora meia hora depois.218
A CRÍTICA. 01 de março de 1992. Polícia.
GALERA MATA E DESTRÓI RESIDÊNCIA
Quem pensava que a ação da Polícia tinha exterminado de vez as “galeras”,
teve uma triste surpresa ontem. O desentendimento entre dois integrantes de
uma dessas “gangs”, que age no bairro Tancredo Neves, ocasionou uma série
de atos violentos, que começaram com a morte do desempregado Cícero
Gomes do Amaral, 28, e culminaram na destruição da casa onde reside a mãe
do homicida, Cosme Pinto de Souza, 25. A sequência proporcionou aos
vizinhos cenas dignas dos violentos filmes hollywoodianos.
O “filme” começou no final da noite de sexta, quando Cícero chegou à casa
de um dos integrantes da “galera”, onde todos estavam reunidos bebendo. Ele
teve uma discussão com Cosme e este esperou a melhor hora para desferir
216 – Jornal A Crítica, 05/02/1990, p. Polícia. Matéria “Galeras invadem casas no morro”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
217 – Jornal A Crítica, 1/04/1990, p. Polícia. Matéria “Confronto de bandidos até dentro de colégios”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
202
golpes de faca no oponente. Foram três facadas certeiras: uma nas costas,
outra na região lombar e uma terceira no pescoço. A vítima caiu morta e o
homicida fugiu em disparada. Cícero bem que tentara abandonar o convívio
com os marginais.
Conseguiu emprego como auxiliar de produção da firma Santa Cláudia, mas 115
foi demitido recentemente, quando a empresa precisou se desfazer de alguns
funcionários para aliviar a crise.
Diante da fuga de Cosme, seus companheiros de “galera”, revoltados,
decidiram dar o trôco em quem não tinha nenhuma relação com o crime.
Foram todos à casa da mãe do homicida, dona Maria da Paz, 64. Esta já havia
sido avisada do que estava acontecendo e percebeu o que iria sofrer junto
com a filha. Decidiu, então, sair correndo do pequeno e apertado barraco de
três cômodos. Três dos marginais entraram ali e destruíram tudo o que viram
pela frente, liderados por dois elementos conhecidos como “Tapuru” e
“Ratinho”. As duas mulheres não puderam fazer nada. Apenas ficaram
olhando e chorando diante do que assistiam.
As duas, que fazem parte da Igreja Evangélica Assembléia de Deus, não
tinham culpa do que Cosme havia feito, nem assim escaparam à fúria da
“galera”. Perderam na destruição um gravador que compraram com
sacrifício, instantes, ventilador e o fogão. “Vim do Purus para a cidade
pensando em conseguir melhor. Construí este tapiri com muito esforço e
agora vêm esses bandidos destruir tudo o que tenho. Eu não poss [posso]
negar um prato de comida ou uma cama para meu filho, por pior que ele seja.
Agora, não sou culpado do que ele fez”, lamentava-se, chorando muito, d.
Maria.219
Os galerosos podiam também perturbar a paz de lares para idosos, depredar
ônibus, telefones públicos e praças, pular os muros das residências, invadir velórios,
espancar transeuntes nas ruas e surfar em ônibus em movimento. Todas essas práticas
que estão sendo descritas e discutidas aqui, podem se inserir nas práticas de lazer e,
geralmente, faziam parte das brincadeiras de muitos galerosos, ainda que mais pareçam
brincadeiras de mau gosto. Mas para eles, essas práticas eram indissociáveis da
condição de galerosos. Porque esses jovens praticamente viviam em função dos desafios
que eles mesmos impunham para si ou que sua turma, os adultos ou uma galera rival
lhes impunham. Quase tudo era sempre motivo de gozação, bagunça, curtição e
brincadeira, até mesmo, às vezes, assassinatos e atos de vandalismos sérios e
218 – Jornal A Crítica, 30/08/1990, p. Polícia. Matéria “No Alvorada „galeras‟ podem invadir
hospitais de Manaus”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
203
aparentemente sem sentido, como quebrar os telefones públicos ou invadir, agredir e
destruir a casa de uma pessoa. Eis as notícias que indicam tais práticas. 116
A CRÍTICA. 21 de janeiro de 1991. Polícia.
GALERAS AGRIDEM IDOSOS: Dr. THOMAS
Galeras formadas por jovens do bairro Vila Amazônia estão agredindo e
assaltando os velhinhos que moram na Fundação Dr. Thomas. A presidente
Ilsa Valois ao tomar conhecimento do fato decidiu pedir ajuda das
autoridades da segurança pública a fim de dar um basta no abuso.
Os bandidos estão agredindo durante a noite devido a facilidade que
encontram para entrar no terreno da Fundação pelos fundos e como a maioria
dos idosos já não possuem uma visão boa são assaltados pelos bandidos.220
A CRÍTICA. 10 de abril de 1990. Polícia.
BANDO DEPREDA ÔNIBUS E AMEAÇA PASSAGEIROS
“Manaus está entregue a violência. A polícia não consegue controlar as
galeras que ficam pelas ruas depredando os ônibus”, disse um estudante,
falando do acidente ocorrido no domingo, por volta de meia noite quando um
coletivo que faz linha para o conjunto Ajuricaba, foi atacado pelos marginais,
que jogavam sacos com água e areia.
Os marginais ficavam em vários locais espalhados no centro da cidade. Por
onde os ônibus passavam, eram depredados. Na Constantino Nery, próximo
ao bairro de São Geraldo, na Chapada e na estrada dos Franceses. Em todos
esses locais, os integrantes das galeras jogavam pedras e paus. O medo era
constante dentro do coletivo. Alguns passageiros gritavam desesperados com
a situação.
Um trabalhador, que reside no conjunto Juruá, declarou que a PM prende
apenas pessoas que trabalham e estudam. os verdadeiros bandidos ficam
soltos por aí, matando, assaltando e estuprando. O rapaz disse ainda que os
PMs quando chegam para pedir documentos, pedem de uma maneira
grosseira e se o elemento não estiver portando seus documentos, é logo
recolhido para a cadeia.
[...] A Polícia Judiciária comete infrações da mesma natureza. Algumas
testemunhas denunciaram que nas batidas realizadas nos clubes, os policiais
chegam a dar medo. Um ou outro policial já entra no clube com a arma na
mão, mandando logo parar a música e acender as luzes. Com grosseria e sem
educação, os policiais revistam todo mundo e quem estiver sem documentos
219 – Jornal A Crítica, 01/03/1992, p. Polícia. Matéria “Galera mata e destrói residência”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
204
é preso e jogado na caçapa da viatura.
“Está na Constituição que não é mais obrigatório o cidadão portar
documentos. A polícia chega grosseiramente e vai pedindo documentos e 117
quem não tiver, é preso sem poder dar qualquer explicação”, denunciou um
morador do Santo Agostinho.
As gangs de marginais continuam agindo livremente, roubando casas
comerciais e residênciais. Os coletivos agora são o alvo preferido dos
bandidos.
Eles se escondem atrás dos muros e ficam no escuro esperando os coletivos
passarem. [...] Muitos ônibus estão circulando com as vidraças quebradas. Os
motoristas disseram que isso é resultado das pedras arremessadas pelos
marginais. Um motorista da empresa Japiim, disse que existe uma “galera”,
na estrada dos Franceses, próxima da Oliva Pinto, que todas as noites, por
volta de 23 horas, eles se reúnem para atacar os coletivos.
[...] Em qualquer bairro ou conjunto de Manaus, existe uma “galera”,
formada na maioria por menores de idade que se aproveitam desse fator para
escapar da prisão. Alguns pais são responsáveis pelos atos animalescos de
seus filhos, pois não levam uma conversa pra saber o que eles estão fazendo
pelas ruas. São filhos rebeldes sem nenhuma causa, que são mal
influenciados pelos marginais que já estão acostumados a roubar e fazer
badernas em qualquer ambiente. Vários desses elementos se entregam desde
cedo ao tóxico e fazem de tudo para conseguir a droga. São capazes de
roubar, matar ou mesmo sequestrar alguém para obter o “bagulho”. A cada
dia que passa, a cidade se “atola” na lama da marginalidade e da violência.
Os crimes estão aumentando e as polícias sempre passivas, com os braços
cruzados [...]221
A CRÍTICA. 5 de junho de 1994. Página A3 (Cidade).
VÂNDALOS DESTROEM AS PRAÇAS DA CIDADE
A MAIORIA DAS PRAÇAS DE MANAUS TEM SINAIS DE
DESTRUIÇÃO DE VÂNDALOS, QUE TAMBÉM AFASTAM SEUS
FREQUENTADORES POR AÇÕES VIOLENTAS
Yara Montenegro
[...] A maioria das pessoas tem medo de sentar nos bancos de concreto
durante a noite, quando as galeras, cheira-colas e assaltantes passam a atuar.
[...]222
A CRÍTICA. 9 de novembro de 1994. Opinião (A4)
220 – Jornal A Crítica, 21/01/1991, p. Polícia. Matéria. “Galeras agridem idosos: Dr. Thomas”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
205
VANDALISMO
. 118
Os moradores das adjacências da esquina da avenida Getúlio Vargas com a
Ramos Ferreira, no centro da cidade, estão passando por maus momentos.
Adolescentes que frequentam o Cheik Clube, muitos dos quais membros de
galeras, saem, após as vesperais dos domingos praticando assaltos,
espancando transeuntes, pulando os muros, invadindo velórios no necrotério
da Beneficente Portuguesa e armando brigas gigantescas contra grupos
rivais.223
A CRÍTICA. 26 de janeiro de 1995.
MAIS DE 2 MIL TELEFONES SÃO DEPREDADOS
O PREJUÍZO DE 1995 CUSTOU CERCA DE 3 MILHÕES DE REAIS,
SEGUNDO A TELEMAZON, QUE PROCURA CONSCIENTIZAR O
USUÁRIO PARA PRESERVAÇÃO DOS APARELHOS
Somente no ano passado, 2140 telefones públicos foram depredados em
Manaus. Em toda a cidade, existem três mil telefones.
A depredação significa que quase o total de aparelhos são depredados por
ano, causando um prejuízo à Empresa de Telecomunicações do Amazonas
(Telamazon), de dois a três milhões de reais por ano com manutenção de
aparelhos. Desde o final do ano passado, o número de depredações de
telefones públicos diminuiu, devido a uma campanha da Telamazon que
procura conscientizar as pessoas da importância do aparelho e as maneiras
corretas de usá-lo.
Em todos os locais da cidade, os aparelhos sofrem a ação dos destruidores.
Nas praças, por exemplo, a destruição é maior, segundo o diretor de
Operações da Telamazon, Raimundo Nonato da Costa Freire. O perfil
daqueles que destroem telefones públicos não é bem definido pela empresa.
Em todos os lugares, existem pessoas que ficam irritadas com facilidade por
não conseguirem completar uma ligação telefônica e descontam a “ira” nos
aparelhos; as “galeras”, que muitas vezes destroem e picham os orelhões; e
ainda aqueles que quebram o aparelho para ter acesso ao cofre e roubar fichas
telefônicas, além de tirar as cápsulas transmissoras e receptoras dos
monofones (aparelho colocado ao ouvido para transmissão e escuta), e o
disco ou teclado (dígitos). Alguns destes materiais podem ser utilizados em
aparelhos telefônicos comuns – esta é a causa da depredação [...]
[...] A Telamazon já recebeu denúncias de moradores da Cidade Nova que
221 – Jornal A Crítica, 10/04/1990, p. Polícia. Matéria “Bando depreda ônibus e ameaça passageiros”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
222 – Jornal A Crítica, 5/06/1994, p. A3 (Cidade). Matéria “Vândalos destroem as praças da cidade”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
206
chamaram a Polícia porque um grupo de jovens tentava destruir um orelhão.
A destruição destes aparelhos tem feito com que a Telamazon instale os
aparelhos próximos de locais públicos que funcionam até tarde. 119
O orelhão (proteção do aparelho), segundo Gerilson Souza [chefe de Divisão
de Telefones do uso Público], serve para as brincadeiras das “galeras”, que
gostam de se pendurar e destruí-lo”.224
A CRÍTICA. 13 de maio de 1997. Página A3.
„SURFISTAS‟ DESAFIAM A MORTE NOS ÔNIBUS
Síglia Regina
“O limite é a morte e nós ultrapassamos esse limite. Quem cai é otário”. A
frase ficou registrada em vídeo, é de um “surfista” dentro do ônibus 420 com
destino ao bairro da Cidade Nova, encorajando os colegas que vão subir no
teto do ônibus para “pegar uma onda”.
Mas nem sempre os garotos tem tanta convicção para definir o que sentem
quando se arriscam em cima dos ônibus em movimento. Na madrugada de
segunda-feira, 12, de cima do ônibus 420, outro “surfista”, E. 16 anos,
estudante da 8ª série e morador da Cidade Nova, dá a sua justificativa para o
surfe sobre o ônibus: “Não tem nada de mais. É só se mostrar.” , grita.
Na hora, o que importa é a empolgação. Enquanto os ônibus percorrem a
avenida Constantino Nery, o máximo da ousadia se restringe aos gritos e ao
ato de colocar metade do corpo para fora da janela do ônibus. Os garotos
percebem que estão sendo seguidos e filmados, por fiscais de uma empresa
de transportes. O carro suspeito toma outro rumo seguindo o ônibus 01335,
linha 402 da Comunidade União. Não há mais desconfiança. Quando os
carros passam debaixo do viaduto, conta E., “todo mundo grita, porque faz
eco”.
Para alguns a aventura começa a partir daí. Num movimento rápido, um dos
rapazes - com o rosto coberto pela camisa - sai pela janela e segura-se no teto
do veículo. Salta e, em segundos, está deitado se apoiando na abertura de
ventilação dos ônibus. Depois outro. Rápido, já são três deitados na cobertura
quando o ônibus passa pela Max Teixeira (estrada da Cidade Nova) e, na
pista ao lado, passa uma viatura da Polícia Militar sem nada perceber.
Um grupo de rapazes e garotas acompanha a aventura, seguindo o ônibus 420
no carro Escort, placa JWI 9954. Depois do terminal de integração de ônibus
do bairro Cidade Nova, os “surfistas” tomam coragem e se levantam. Com os
pés presos na abertura superior de ventilação, um deles faz pose de braços
abertos para as fotos. Enquanto isso, os colegas incentivam do lado de dentro
223 – Jornal A Crítica, 9/11/1994, p. A4 (Opinião). Matéria “Vandalismo”. Arquivo da Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
207
do carro. O motorista diminui a velocidade. O caminho é cheio de curvas e o
“surfista” acompanha dançando com o corpo ao vento. É sua versão de
liberdade. 120
GRUPOS PERTURBAM E APEDREJAM
Não são apenas os surfistas que agitam a última rota dos ônibus. Ao passar
pelo bairro da Chapada, na madrugada de ontem, o ônibus 402 da
Comunidade União foi apedrejado por um grupo de rapazes na avenida
Constantino Nery e o ônibus 612 foi atacado por outra gangue na
Japiinlândia.
Quando a bagunça vem de dentro, o motorista é ameaçado se tentar levar o
ônibus para um distrito policial, contou o motorista Pedro Marques, que
dirigia o ônibus 402 que foi apedrejado na Chapada.
Para o diretor geral da empresa Viman/Soltur, César Tadeu, isso é resultado
da rivalidade entre gangues. Tadeu promete levar hoje as imagens do
apedrejamento ao presidente da Empresa Municipal de Transportes Urbanos
(Emtu), Juizado da Infância e Adolescência e Polícia Militar, a fim de cobrar
providências.
DIVERSÃO E PERIGO NO CENTRO
Domingo. Meia-noite. Jovens e adolescentes lotam o terminal central de
ônibus próximo à Igreja Matriz. Os motoristas se preparam para a última rota.
Na primeira arrancada do motor, um grupo de rapazes tenta entrar
pela janela do ônibus 01209 - do bairro Japiim. Só um consegue. O fiscal da
empresa de transportes Viman/Soltur, Ivaldo Santos, o retira de dentro do
veículo e ameaça arrancar à força se outro tentar repetir o ato.
A turma que espera não faz muito tempo se agitava ao som “dance” das
discotecas Mikonos, Spectron e Sheik Clube. Agora passeia pela Praça da
Matriz e se distribui nos pontos do terminal. Ainda dá tempo para o namoro
de alguns, antes do último ônibus sair. Chega uma viatura da Polícia Militar e
o fiscal da empresa de transportes Viman/Soltur, Ramon Cavalcante,
comenta: “A polícia não dá conta”.
Quinze minutos depois, na avenida Getúlio Vargas. Dentro do ônibus 06601,
da empresa Viman, os primeiros sinais são apenas de divertimento: o som é
uma das músicas de sucesso do grupo baiano “É o tchan” cantada pela
garotada. As cadeiras e paredes do ônibus se transformam m instrumentos de
percussão. A turma rodeia uma menina que dança.
No terminal de integração da avenida Constantino Nery, o taxista Eugênio
Fernandes Melo conversa com a equipe de reportagem: “Vocês também estão
atrás? Daqui a pouco isso vai virar uma bagunça”, anuncia.
224 – Jornal A Crítica, 26/01/1995. Matéria “Mais de 2 mil telefones são depredados”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
208
Preocupado por conhecer os comentários sobre o surfe nos ônibus, o taxista
Eugênio saiu para vigiar os filhos. “Quero ver se eles estão metidos nisso”,
diz, antes de seguir o ônibus da linha 221 rumo ao bairro Nova Esperança.225
121
Note-se que as quinta e sexta notícias apresentam as ações das galeras como
“brincadeiras de galeras” e “diversão”, respectivamente. Os orelhões dos telefones
públicos estariam sendo destruídos não só porque as pessoas ficavam irritadas quando
colocavam a ficha e não conseguiam realizar a ligação, mas também porque os
galerosos gostavam de se pendurar nessa parte do objeto. Já as ações dos jovens que
surfavam nos ônibus – fato que chegou a ser visto ao vivo pelo pesquisador deste
trabalho quando este era adolescente e ainda frequentava a Spectron –, foram descritas
como atos de jovens que procuravam “empolgação” e, segundo a explicação de um
deles, “se mostrar”. Para Síglia Regina, que escreveu a matéria, o “surf” nos ônibus
seria uma “versão da liberdade” desses jovens, que não teriam medo da morte nem do
perigo representado pela subida no teto de um ônibus em movimento.
É interessante que a maneira como os jovens, galerosos ou não, se deslocavam
para uma das principais paradas de ônibus, com o objetivo de irem para casa, é descrita
de forma pormenorizada e bem fiel ao que realmente acontecia nesse período. Segundo
a matéria, as turmas que agitavam nas danceterias há alguns minutos se reúnem na
estação de ônibus em frente à Igreja da Matriz, onde alguns jovens namoram, outros
tentam entrar pelas janelas do ônibus sem pagar, vão se distribuindo ao longo da estação
e quando alguns entram em um ônibus de número 06601, começam a cantar uma
música do grupo “É o tchan”, que fazia sucesso na ocasião, e a bater nas “cadeiras e
paredes” como se fossem “instrumentos de percussão”. A “garotada” “rodeia uma
menina que dança” e um taxista que ali se encontra para ver se seu filho está metido
naquilo alega que daqui a pouco aquilo viraria “uma bagunça”. Em outro trecho da
matéria, as músicas ouvidas e dançadas nas discotecas são descritas como "dance”, mas
a jornalista comete um pequeno equívoco quando escreve que os jovens acabaram de
sair do “Sheik Clube”. Da Spectron e da Mykonos sim, mas não do Cheik, uma vez que
esta danceteria já não se encontrava em funcionamento desde janeiro de 1995, como
visto acima, ainda neste capítulo. Mas a jornalista foi perspicaz ao perceber que o “surf”
dos jovens, muitos dos quais eram membros de galeras, proporcionava-lhes uma
225 – Jornal A Crítica, 13/05/1997, p. A3. Matéria “„Surfistas‟ desafiam a morte nos ônibus”, escrita
por Síglia Regina. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
209
adrenalina e curtição que, de certa forma, completava a noite de diversão desses jovens
de forma audaciosa e atraente, pois a atitude chamava a atenção de muita gente. As
gritarias, o vento no rosto quando se sentavam nas janelas com metade do corpo para
fora do veículo, tudo isso constituía uma parte de uma das principais formas de lazer
dos jovens integrantes de galeras de Manaus. A jornalista só não teve a felicidade de
ficar sabendo da existência de uma galera chamada (OS), “Os Surfistas”, da Cidade
Nova. Esta galera era bem conhecida por seus “surfs” durante as madrugadas dos finais
de semana. O pesquisador nunca chegou a conhecer nenhum de seus membros, mas
chegou a ouvir falar deles. Essa e outras atitudes mais transgressoras dos jovens em um
ônibus eram bem comuns. O pesquisador se lembra de ter pulado várias vezes pela
janela do ônibus que o transportava à Spectron aos domingos, com o objetivo de
economizar dinheiro mas, também, só para agitar diante dos amigos da turma e passar a
ser visto como um moleque que não tinha medo, nem era incapaz de fazer certas coisas.
Porque perante uma turma de galera ou de amigos que saiam juntos para as festas das
danceterias nos anos 1980 e 1990, era muito importante chamar a atenção e se destacar
de alguma forma. O pesquisador não brigava, não “surfava” e nem era integrante de
galera, apesar de praticar algumas coisas que as galeras praticavam. Diante dessas
carências, ele procurava se destacar por meio da bagunça sem agressão física e
destruição de objetos e através da dança. Mesmo hoje, nas festas de Flash Back e em
festinhas menores promovidas por algum antigo frequentador das danceterias em sua
residência ou em algum imóvel alugado, o pesquisador ainda dança, pois ainda aprecia
as músicas e a alegria e diversão que tal atividade é capaz de proporcionar.
Assim, como conclusão deste capítulo e respondendo provisoriamente à
pergunta levantada nesta parte do trabalho, pode-se dizer que as galeras e galerosos
cultivavam tanto o aspecto viril (no sentido de força física, habilidade para brigar,
valentia, ousadia, aventura e fidelidade ao grupo), porque neste momento histórico as
brincadeiras e formas de lazer dos jovens, de uma maneira geral, eram mais voltadas
para as expressões corporais, tais como: danças, “porradas”, exibição de roupas de
marcas, de armas e de comportamentos ameaçadores como encarar alguém ou ofender
com um palavrão. E essas atitudes acabavam aumentando as chances de brigas e
desentendimentos, sobretudo entre os jovens. Além disso, as músicas que tocavam nas
danceterias ajudavam a criar um clima de disputa e provocação – ainda que também
criassem um clima lúdico – nos ânimos e sentimentos da “garotada”, que acabava se
empolgando e praticando cenas de violência em algumas ocasiões. Contudo até mesmo
210
os atos mais agressivos e transgressores dos jovens galerosos devem ser compreendidos
dentro desta perspectiva lúdica e, portanto, cheia de significados simbólicos, na medida
em que faziam parte do universo social e cultural dos jovens da cidade de Manaus de
trinta ou vinte anos atrás. E esta característica juvenil difere muito os jovens enturmados
dessa época dos jovens enturmados de hoje.
CAPÍTULO III
Fim de uma era: a extinção das galeras, embora não dos galerosos
Neste capítulo se tentará compreender como e por que as galeras começaram a
desaparecer na cidade de Manaus ao longo do final da década de 1990. No capítulo
anterior, ao se discutir sobre a influência das músicas que tocavam nas danceterias, já se
adiantou, em um determinado trecho, que o fim das danceterias representou também o
fim das galeras, pois para o DJ Raidi Rebello, e de acordo com o que foi percebido pelo
historiador através da experiência que este teve como frequentador das danceterias e
observador dos galerosos, “uma coisa tá ligada à outra, né?”.
Contudo, não foi apenas a decadência da dance music e o fechamento gradativo
das principais discotecas de Manaus que ocasionaram uma mudança nas atitudes dos
jovens ao ponto de contribuir para o fim das turmas de galeras. Ao entrevistar Cláudia,
Sheila, Maicon e o DJ Raidi Rebello, e ao pesquisar as notícias dos jornais A Crítica,
percebeu-se que o aumento da repressão por parte das autoridades da cidade, a
intermitente introdução de programas de reabilitação de menores, o extermínio de
líderes e de jovens galerosos, a pressão constante e progressiva dos moradores dos
bairros mais atingidos pela violência dessas turmas, o sucesso de outros ritmos musicais
(diferentes da dance music) e as frequentes denúncias de populares que avisavam à
polícia sobre os galerosos que mais intranquilizavam seus bairros, fizeram com que os
grupos de galera, pouco-a-pouco, fossem presos, eliminados (mortos), se convertessem
a alguma religião, se mudassem de cidade para não serem presos ou mortos e mudassem
de vida. Até porque, como muito bem comentou Rebello, toda essa geração que havia
nascido nos anos 1970 e início de 1980, já estava envelhecendo e começou a procurar se
211
divertir de outras maneiras.
A forte introdução das toadas de boi na cultura musical de Manaus se deu antes
de 1995, mas parece que somente após esse ano, o gênero virou moda e começou a
desbancar a dance music, ainda que tal processo tenha sido lento, pois ao longo de todo
o fim da década, as toadas, o forró e o pagode ainda tiveram que competiam com as
mais antigas e tradicionais discotecas que se encontravam em funcionamento.
Sobre essa questão, é interessante lermos esses testemunhos:
Marcos – A partir do ano 2000, ou até antes, as galeras e as discotecas de
Manaus entraram em processo de decadência. Várias danceterias fecharam e
praticamente não se ouviu mais falar de galeras em Manaus. Em sua opinião,
quais foram os fatores que motivaram a decadência das galeras e a
decadência das discotecas?
Raidi – Eu acho que uma coisa tá ligada à outra, né? É, começou a acontecer
uma fuga do público, buscando outros ritmos. Esse público foi envelhecendo
também, e eles começaram a buscar um ritmo mais suave, vamos dizer assim,
no caso o forró a toada, o pagode, que são ritmos um pouco mais lentos, né?
Até pelo próprio envelhecimento da turma. A música teve uma decadência
muito grande, a Dance Music esgotou algumas fórmulas que funcionaram
durante muitos anos, no caso do Eurodance, por exemplo, o Underground
que também tornou a cena... Começou a se tornar feio, vamos dizer assim.
Era bom de dançar, mas ruim de ouvir, e isso acabou fazendo com que o
movimento dentro das casas noturnas passasse a cair.226
[...] a partir de 94, 95 começou a haver um controle muito grande sobre a
presença de menor na discoteca. Aí sim, começou a acontecer um controle
muito grande por parte dos clubes. Houve uma exigência maior do poder
público, e os clubes começaram, realmente, a fiscalizar o sábado, o que
acabou fazendo a garotada ir pro domingo, né? As domingueiras ficaram
mais lotadas. E essa [...] mudança de formato, atingiu também “A Noite do
Fash Back”. Você evitava a entrada do menor. Porque a música continuava a
provocar reações. 227
[...] depois, no final da década, nos anos 90 já, [...] a própria velocidade da
música dos anos 90... Eu, por exemplo, eu hoje, eu evito muito, nas minhas
apresentações, a década de 90. Eu tenho muita música que eu não toco. Eu
não gosto de tocar o Underground dos anos 90, eu acho ele agressivo, e eu
acho uma música de má qualidade, num é? [...] eu procuro tocar o Eurodance
e, [...] as músicas mais melodiosas que, vamos dizer assim, são mais bonitas
212
de ouvir, do que as músicas que são melhores pra dançar [...]. [...] Mas eu
acho que a aceleração do ritmo na década de 90, principalmente a partir de
94, 95, o ritmo, a batida sobe de 132 para 135, daí vai pra 138, depois vai pra
140, num é? Quando entra o Underground. Esse aumento da velocidade, eu
acho que prejudicou e muito a, vamos dizer assim, a excitação do público
com relação à música, que acaba fazendo com que o pessoal se empolgue 122
demais. E isso repercute no aumento da violência. E atinge a garotada, que
não tá acostumada com o ritmo. Se você pegar a música eletrônica de hoje,
ela é uma música insípida. Ela não consegue empolgar, num é?228
A CRÍTICA. 7 de agosto de 1999. Página B1. Bem Viver.
DJ
O TODO-PODEROSO DAS PISTAS
Cláudia do Valle
Existe um ramo de atividade em plena ascensão no planeta. Uma profissão
que ganha status e espaço na mídia e que consegue ser única e falar a mesma
língua em todo o mundo, seja em desfiles, eventos, bares, rádios e casas
noturnas. Ela é responsável pelo sucesso (ou fracasso) de uma festa e
necessita de um ser apenas, que atende pela sigla de DJ (Deejay).
O DJ faz a noite realmente acontecer. Só ele tem o poder de intimidar as
pessoas, determinar o pique da pista de dança, tocando as músicas certas, na
hora apropriada, e mantendo o clima de energia, adrenalina e até transe. Ele é
o todo poderoso das discos. Em Manaus, apesar das poucas opções de clubes
noturnos, reduto preferido dos DJs, percebe-se claramente a importância
deste para esquentar os notívagos, muitos chegando até ao amanhecer do dia.
[...] “O DJ tem que estar concentrado no público, perceber as diferenças de
idade, se há muitos casais para dosar as sequências musicais”, fala Graciano
[Rebelo].
[...] Considerando a música como uma das artes mais democráticas, Mendes
atribui ao DJ a responsabilidade de desconstruir a canção para criar um
arranjo novo, elaborado, com o que está acontecendo e com o que pode agitar
a pista. “O DJ não sabe tudo o que vai tocar na festa e o público não manda
absolutamente na pista. Ele tem que procurar ouvir passado, presente e as
tendências de uma maneira não menos seletiva”.
O público de Manaus, na visão dos DJs, é atípico, complicando a vida dos
comandantes das mixagens eletrizantes. Graciano Rebelo diz que os
frequentadores das pistas de dança são muito ecléticos. “Hoje estamos
passando por uma crise, uma entressafra, não há nada de muito novo e no
226 – Raidi, em entrevista concedida em 29/07/2014.
227 – Idem.
213
momento alguns recorrem ao flash-back”, explica o DJ da Joven Pan.
Neudo Amorim também acha complicado tocar para o público de Manaus,
principalmente pelo desconhecimento das tendências musicais. “Muitas
pessoas chegam ao Zolt e no meio da noite, no auge do Techno, pedem um
flash-back ou boi-bumbá, mas o espírito da casa não é esse”.
Eletrônico será a música do milênio
[...] Graciano rebelo explica que a música, assim como a moda, é cíclica, e 123
um ritmo não some de cena totalmente. “Sempre ficam nichos que aparecem
nos períodos de entressafra. Não é que não existam novas produções, mas é
que a fórmula está desgastada. [...]”.229
A CRÍTICA. 8 de outubro de 1999. Caderno Bem Viver. Fim de Semana.
Especial. Página B8 e B9.
JOVENS TARDES DE LAZER
Fernanda Teixeira
Há um filão inexplorado em Manaus, esperando por empresários criativos e
ousados: o mercado cultural e de lazer da cidade. O público adolescente e
jovem que estuda pela manhã ou à noite pulveriza suas atenções. Da Internet
ao shopping, das conversas telefônicas aos estudos, até a malhação pura e
simples, essa turminha não consegue eleger uma modalidade de diversão
comum, uma atividade de massa, capaz de concentrar atenções e de se tornar
um produto da indústria. Manaus, em resumo, não tem nenhuma atração
forte, na linha das matinês dominicais ou do próprio shopping em fins de
semana, para ser “consumido” nos chamados “dias úteis”.
As academias, embora sejam apenas uma “atividade meio” – cujo fim é
preparar o corpo para aparecer bem diante da “tchurma” –, estão mais
próximas de disparar na preferência dos jovens e, a cada dia, ganham novos
adeptos. “Gosto de malhar todos os dias. Além disso, quando surge a
oportunidade, jogo vôlei e futebol. E, nos fins de semana, reúno os amigos
para tocar na minha banda”, diz o estudante George Albuquerque, 16.
“Durante as tardes não tenho muito o que fazer. Às vezes, fico em casa, vou
malhar, faço dança, ajudo meu pai e minha mãe em outras atividades. Sempre
encontro algo para ocupar meu tempo. Gosto de estar em movimento a todo
instante”, ressalta a estudante Caroline Aragão, 16.
A opção dos que não se preocupam tanto em cultuar o corpo e manter a forma
física é o sono, inimigo mortal da indústria cultural, mas, inegavelmente, um
antídoto para aliviar a agitação de manhã. “Durante a semana, durmo todas as
tardes. Depois, escuto música, assisto à televisão e vou à casa da minha
228 – Idem.
214
vizinha e ficamos horas conversando. Tudo depois de dormir”, confessa a
estudante Fernanda Belo, 16. Ela e suas amigas Renata e Cristina, têm o
mesmo lema: dormir o “sono da beleza” diariamente.
“Quando chego da escola, pego no sono. No final da tarde, vou à academia,
às vezes, ao trabalho do meu pai, onde aproveito e faço meus deveres
escolares”, confere Renata Alanís, 16. Já a estudante Cristina Martins, 17,
passado o tempo dedicado ao sono, fica horas a fio conversando com as 124
colegas. “Mas, além de dormir e ficar falando ao telefone, dou aula de inglês
e vou ao meu curso de idiomas. E como não poderia deixar de ser, no sábado
à tarde, vou ao salão”, defende-se.
Malhar, dormir, fazer tarefas e... namorar. Eis o que faltava e talvez o
chamariz para os empresários amazonenses. “Eu namoro todos os dias, de
tarde e à noite. Nos fins de semana, passo a tarde com meu namorado. Não
tem lugar para ir, então, vamos ao shopping, à Ponta Negra e a algum
lanche”, declara a estudante Rafaela Lima, 16. Sua amiga Laura Castelo
Branco, 15, também confirma que à tarde fica com o namorado e depois vai a
aula de espanhol. “A cidade não tem muitos lugares para se divertir durante
as tardes, seja em dias úteis ou mesmo nos fins de semana. O shopping,
fatalmente, acaba sendo o ponto dos jovens, principalmente nos domingos”,
confirma Laura.
Apontando opções
A criação de espaços alternativos faz a imaginação dos jovens fluir. “Deveria
ter um shopping não só de lojas, mas que tivesse barzinhos, danceteria,
enfim, ser um local de encontro para fazer aquele happy hour”, idealiza a
universitária Alice Cavalcante, 18. Outros, alegam falta de tempo para se
divertir em meio a tantas obrigações, como é o caso da estudante Joviana
Castro, 16. “Faço natação, curso de matemática, que aliás não gosto mas
tenho que ir, e depois vou à academia e, às vezes, no fim de semana, vou ao
cinema”, comenta.
E ainda tem aqueles que passam horas navegando na Internet e conversando
nas salas de bate-papo. “Minha mãe não me deixa sair. Então, fico em casa,
faço pesquisas na Internet, entro no canal de bate-papo e, mais tarde, vou à
natação e ao curso de inglês. E só”, reclama Suzana Areosa, 17. Depois de
dormir, estudar e malhar, Fabrício Marques, 17, se encontra com os amigos
para tocar instrumentos musicais, em sua casa. “Tento fazer algo diferente,
mas não tem para onde ir e o que fazer”, diz.
Um compromisso com o futuro. Essa é a preocupação do estudante Waldir
Júnior, 17. Ele está se preparando para prestar vestibular e, desde já, tem
229 – Jornal A Crítica, 7/08/1999, p. B1 (Bem Viver). Matéria “DJ. O todo poderoso das pistas”.
Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
215
abdicado de algumas diversões. “Faço cursinho à tarde. Os alunos do terceiro
ano sabem que precisam se distanciar das festas. Porém, se surgir um
programa, eu não deixo de me divertir. Afinal, no próximo ano, tenho que
assumir minhas responsabilidades”, reforça Waldir.
Entre livros e deveres, os estudantes estão à procura de espaços em que
possam empregar a energia natural da idade e que lhes ofereçam o
indispensável “agito”. E não importa se for em dias úteis ou mesmo em fim
de semana. É um filão aberto, esperando por alguém interessado em explorá-
lo.230
A CRÍTICA. 23 de outubro de 1999. Página B1. Bem Viver.
MATINÊ
A TERDE NA DISCO
Fernanda Teixeira
O fim de semana voltou a ter espaço em Manaus. A boate Crocodillo‟s, point
de dez entre dez da geração descolada da década de 70, reabre suas portas
abraçando o filão dos tens, a turminha entre 10 e 18 anos ansiosa por ter
canto cativo na cidade. “Manaus tem uma noite legal, mas só para adultos”,
diagnostica a VJ Helen Ponciano (foto ao lado), do “Top Teen”, da TV A
Crítica/SBT, canal 4, que comanda o renascimento da ferveção, na
Crocodillo‟s.
O melhor de tudo é que a concorrência é bem comportada. A Spectron, que
atua há algum tempo no seguimento, com um concorrido “mingau”, junta a
moçada aos domingos, com o melhor das pistas e das FMs. Tudo comandado
pelo DJ Raidi Rebelo.
Os tens estão dando seu grito de liberdade na matinê “Top Te-en”. A idéia de
Ponciano caiu em cheio no anseio da turminha, que vinha pulverizando a
atenção entre os diversos points da cidade. “Primeiramente, nossa intenção
era juntar a galera que assiste ao programa “Top Teen”, da TV A CRÍTICA,
que não pode sair à noite, e fazer uma tremenda festa”, conta Helen. A
inauguração do espaço, na boate Crocodillo‟s, emplacou a agradável surpresa
de reunir mais de 300 pessoas.
Os meninos e meninas entre 10 e 18 anos estão se esbaldando. “O problema,
em Manaus, é que não há um espaço para o público que estamos atingindo. E
a matinê é o local ideal para dançar, bater um papo, paquerar e se divertir a
valer”, garante Helen. Nas pistas rolam variados ritmos, como tecno, dance e
as sempre atuais canções das décadas de 70 e 80. Além dessas, os sucessos de
Spice Girls, Backstreet Boys, Madonna, N‟Sync, Raimundos, Charlie Brown
Jr caem no gosto desse segmento jovem, que é estrelado pelos DJs Mário
216
Picanço e Luís Fernando.
Aprovando opções
A idéia de realizar matinês vem atraindo a atenção da chamada “geração
saúde”. Além do espaço para dançar, o local também é apropriado para
paqueras e conhecer novas pessoas. A cidade precisa de mais lugares com
essa linha de ritmos e descontração. [...]. Sem dúvida, as matinês são as
melhores opções para quem deseja se divertir de forma segura e saudável”, 125
diz o estudante Luciano Azevedo.
A turma que frequenta matinês garante que não são vendidas bebidas
alcoólicas e o lugar é totalmente seguro e aconchegante. “Os pais não têm
onde levar os filhos. Primeiramente, eles pensam no nosso bem-estar e na
segurança. Além disso, as matinês começam cedo, portanto, terminam cedo e
qualquer pessoa pode pegar o ônibus, como no meu caso”, explica o
estudante Marcos Assunção, 20. Ele e seu amigo, o estudante Will Fadul, 18,
comentam que preferem ir a um espaço, onde encontrem pessoas da mesma
idade [...]. “A maioria dos locais que tem na cidade é só para adultos. Já nas
matinês, a gente encontra pessoas de idade compatível à nossa. Os jovens
precisam de mais espaços. Seria interessante se todos os bairros tivessem
uma praça, um barzinho, um shopping ou até mesmo clubes que abrissem
suas portas para realizar matinês. Mas acredito que falta interesse”, lamenta.
A verdade é que os adolescentes clamam por espaços que ofereçam diversão
e agito. Mas, para isso, eles precisam contar com a colaboração de
empresários abertos a investir nesse setor cultural da cidade.231
A CRÍTICA. 9 de junho de 1996. Página D1 (Criação).
BOI CONQUISTA DE VEZ A PARADA
AS TOADAS DE BOI ESTÃO DEIXANDO DE SER UM FENÔMENO
FONOGRÁFICO LIGADO ESTRITAMENTE AO MÊS DE JUNHO.
ALÉM DOS CERCA DE 20 CDS JÁ NA PRAÇA, O MERCADO MOSTRA
QUE TEM FÔLEGO PARA AGUENTAR O EMBALO ATÉ O PRÓXIMO
CARNAVAL, COM MUITOS DISCOS PROGRAMADOS PARA CHEGAR
ÀS LOJAS NO SEGUNDO SEMESTRE
Betsy Bell
A cultura do boi-bumbá está produzindo um fenômeno fonográfico em
Manaus. Cerca de 18 títulos de CDs de toadas estão disponíveis no mercado,
com a promessa de atingir 200 mil cópias este ano. A projeção é dos
produtores independentes e do sócio-proprietário da gravadora Amazon
Record/Atração, Heitor Santos, responsável pela produção e distribuição de
230 – Jornal A Crítica, 08/10/1999, caderno Bem Viver. Fim de Semana Especial, p. B8-B9. Matéria
“Jovens tardes de lazer”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
217
nove CDs do gênero.
[...]
O lançamento deste mês ainda é do Bumbá Brilhante. Primeiro CD produzido
pelo estúdio Dance Mix do dee jay Raidi Rebelo, “Bumbá Brilhante” será
lançado no próximo dia 22 com percussão totalmente montada por
computadores e teclados profissionais. A tiragem inicial é de 5 mil cópias [...]
Heitor Santos destaca, por exemplo, o interesse do mercado internacional. “A 126
partir de agora vão ter um marketing mais agressivo. O mercado
internacional está interessado e não é à toa que o Carrapicho foi para França.
Aliás, o grupo foi à França não para tocar forró. Tudo está girando em torno
das toadas de boi-bumbá”, explica.232
A CRÍTICA. 15 de junho de 1996. 1ª Página.
CRIAÇÃO
NÃO DÁ PARA COMPETIR
BOI SUSPENDE ATÉ PEÇA
Para fugir da competição do boi-bumbá, a Companhia Teatral Vitória-
Régia faz uma pausa na temporada da comédia “As Desgraças de Uma
Cria”, encenada hoje e amanhã na Casa de Luz.233
A CRÍTICA. 2 de julho de 1996. Página D1 (Criação).
TOADA SERÁ O RITMO DO PRÓXIMO VERÃO234
O primeiro trecho da entrevista com Raidi argumenta que existe uma relação
entre o fechamento das danceterias e o fim das galeras, pois ao mesmo tempo em que o
público foi envelhecendo, a música que tocava nas discotecas não estava mais
agradando ao seu principal público, uma vez que a fórmula que havia funcionado por
muito tempo não estava mais funcionando. Paralelamente a isso, algumas músicas que
começaram a fazer sucesso nas pistas de dança passaram a empolgar tanto os jovens que
o DJ Raidi Rebello começou a evitar tocar certos subgêneros da dance music, tentando
evitar brigas e confusões nas festas. Embora essa exclusão de certas músicas tenha sido
descrita por Rebello como feita somente a partir das festas de Flash Back, após os anos
2000, onde as festas já tinham uma outra configuração, é provável que alguns DJs
tenham aderido a ela antes mesmo do auge do período das festas de Flash Back,
pressionados pelas próprias autoridades que aumentaram a frequência de vezes em que
davam batidas nas casas noturnas. Nos jornais pesquisados, percebeu-se que durante
231 – Jornal A Crítica, 23/10/1999, p. B1 Bem Viver. Matéria “Matinê. A terde na disco”. Arquivo da
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
218
toda a década de 1990 foi constante a fiscalização e repressão de bares, boates,
danceterias e casas de jogo por parte de juízes, polícia e órgãos vinculados aos direitos e
proteção ao menor. 127
O Eurodance e o Underground se tornaram feios, segundo Rebello, e no caso do
segundo subgênero, ele era bom para dançar, mas ruim de ouvir. Como o controle
dentro das casas nunca deixou de acontecer, os menores começaram a frequentar apenas
ou principalmente as festas de domingo, o que afetou também o público do gênero. Os
menores eram os principais envolvidos em galeras, mas uma vez as opções de
danceterias e dias do final de semana disponíveis para frequentar as discotecas
diminuindo para esse público, e uma vez que a música passava por um momento de
decadência, ao mesmo tempo em que as toadas, o forró e o pagode conquistavam um
público maior, houve um retraimento das ações das próprias galeras.
Ao falar que a música eletrônica de hoje não consegue empolgar porque é uma
música insípida, Rebello defende o argumento da decadência musical como um fator de
forte influência na diminuição e gradativa extinção das galeras. A notícia cuja manchete
é “DJ. O todo-poderoso das pistas”, de 1999, também menciona que Manaus estava com
poucos clubes noturnos naquele momento. A autora da matéria, Cláudia do Valle,
escreve que para os DJs, o “público de Manaus” “é atípico” e eclético e, à época, estaria
passando por um período de “crise”, de “entressafra”, onde não havia “nada de muito
novo”, daí alguns DJs estarem se valendo das músicas antigas que haviam feito sucesso
e ainda eram garantia de empolgação nas noites. Essa é a característica de uma festa de
Flash Back. Tal comentário do DJ Graciano Rebelo corrobora o que foi dito por Raidi
Rebello. Nesta notícia o DJ Graciano Rebello também “explica que a música, assim
como a moda, é cíclica, e um ritmo não some de cena totalmente. “Sempre ficam nichos
que aparecem nos períodos de entressafra”.
Assim, deve-se entender este período de “entressafra” como resultado de uma
mudança no perfil do gosto musical das pessoas e amadurecimento (envelhecimento)
dos públicos frequentadores das casas noturnas. Graciano também diz “que a fórmula
está desgastada”, assim como Raidi.
Na notícia “Jovens tardes de lazer”, Fernanda Teixeira escreve que Manaus tem
232 – Jornal A Crítica, 9/06/1996, p. D1 (Criação). Matéria “Boi conquista de vez a parada”. Arquivo
da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
233 – Jornal A Crítica, 15/06/1996, 1ª Página. Matéria “Criação. Não dá pra competir”. Arquivo da
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
234 – Jornal A Crítica, 2/07/1996, p. D1 (Criação). Matéria “Toada será o ritmo do próximo verão”.
Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
219
uma forte demanda por entretenimento adolescente nos dias úteis da semana, pois
nenhuma forma de lazer juvenil praticado nestes dias consegue competir com as festas
das danceterias dos domingos e dos passeios no shopping. Exceto pelas academias de
musculação, pelo shopping, pela Ponta Negra e pelos lanches, os jovens não teriam
muitos lugares para frequentar. Uma das entrevistadas da jornalista, chamada Laura,
chega a dizer que os jovens só têm o shopping para se divertir, em qualquer dia da
semana. Alice Cavalcante, outra entrevistada, sugere que o shopping deveria ser um
espaço mais alternativo, não só com lojas, mas com bares, danceterias e outras opções
que proporcionassem mais atividades aos jovens. Como se vê, esta notícia demonstra
que a moda dos shoppings estava começando a pegar em Manaus, sobretudo entre os
jovens, o que, certamente, também ajudou a desenvolver na cidade um outro tipo de
cultura de entretenimento juvenil. De fato, com o fechamento da Spectron Disco em
2000, que pode ser considerada a última grande discoteca tradicional, antiga e cujo
público, em parte, ainda era formado por jovens de galera de Manaus, ocorre a vitória
dos shoppings como principais redutos dos jovens da cidade, o que se verifica, de certa
forma, até hoje. O último parágrafo desta matéria também é muito significativo e
sintomático, pois sugere que os jovens estavam, em 1999, “à procura de espaços em que
possam empregar a energia natural da idade e que lhes ofereçam o indispensável
„agito‟”.
A notícia “Matinê. A terde [tarde] na disco”, também corrobora que os jovens
menores de idade ficaram prejudicados com o aumento do controle praticado pelas
autoridades nas casas noturnas. Embora não diga diretamente isso, pode-se tal fato ser
inferido quando se compara todas essas fontes e relatos com a constante ênfase que se
faz, nessas fontes, à escassez de lugares de diversão para os menores de dezoito anos.
Fernanda Teixeira cita a VJ Helen Ponciano, que diz que “Manaus tem uma noite legal,
mas só para adultos”. A Spectron é citada, bem como o DJ Raidi Rebello, que ali tocava
na ocasião, como uma casa que oferece um “mingal” aos domingos e como uma das
poucas que pode oferecer concorrência à boate Crocodillo‟s. E a notícia indica que essas
festas de matinê, ou seja, realizadas às tardes, eram voltadas para um público entre os 10
e os 18 anos, pois esse público não podia sair à noite. Novamente, tal informação leva a
crer que houve mesmo uma mudança no perfil do público frequentador de muitas casas
noturnas, o que acabou contribuindo, juntamente com outros fatores, para a crise das
discotecas, para o declínio das galeras e para o sucesso de outros ritmos musicais. Na
notícia são anunciados “os sucessos de Spice Girls, Backstreet Boys, Madonna, N‟Sync,
220
Raimundos e Charlie Brown Jr”, músicos e bandas que jamais tocariam nas danceterias
antigas que não estavam mais em funcionamento, exceto Madonna. E isso não por
preconceito, mas porque apenas Madonna é da época dessas danceterias e era do gosto
do público, ou melhor, algumas de suas músicas eram de seu gosto. A questão da
segurança, do horário ainda cedo em que as festas da matinê eram realizadas, o encontro
de jovens da mesma faixa etária (todos menores de idade) e a ausência de adultos, são
descritos, nesta notícia, como fundamentais para proporcionar um espaço a esses jovens
e uma afinidade, uma compatibilidade maior entre eles. Esta última característica não
acontecia nas festas dos anos 1980 e início de 1990, nem mesmo nas domingueiras
descritas por Raidi. Nas danceterias antigas, menores se misturavam com adultos de
varias idades, e isso foi uma das coisas que também foi combatida pelas autoridades
desde 1990, quando entra em vigor no Brasil o ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente), embora tenha se dado de forma gradativa e particular, dependendo dos
Estados e das cidades.
As notícias sétima, oitava e nona demonstram que as toadas de boi estavam
caindo cada vez mais no gosto do público, ao ponto de ameaçar a apresentação de peças
de teatro, danceterias, bares e outras formas de entretenimento manauara. A manchete
da primeira notícia diz que “Boi conquista de vez a parada” e que havia deixado “de ser
um fenômeno fonográfico estritamente ligado ao mês de junho”. Na nona manchete, é
anunciado que “Toada será o ritmo do próximo verão”. Mesmo Raidi Rebello gravou,
em seu Estúdio Dance Mix, um CD do Bumbá Brilhante, apesar de nunca ter sido um
apreciador das toadas de boi.
Agora serão citadas algumas notícias sobre o controle e repressão das
autoridades ao longo de toda a década de 1990, sobre as denúncias de moradores de
bairros frequentemente assediados por galeras, sobre suas passeatas contra a violência
das galeras e galerosos e sobre os períodos de extermínios que, tanto para algumas
notícias do jornal A Crítica, quanto para Maicon, Cláudia, e Sheila, podem ser
entendidos como acontecimentos cruciais que levaram à diminuição e ao fim das
galeras.
A CRÍTICA. 12 de janeiro de 1990. Polícia.
POLICIAMENTO OSTENSIVO
GOVERNADOR PROMETE ACABAR COM “GALERAS”
O governador Amazonino Mendes anunciou ontem “uma blitz séria, grave”,
para acabar com as galeras de menores que “estão infernizando os bairros e
221
agora o centro de Manaus”.
[...]
“Hoje nós temos um novo fenômeno no processo criminal, o que ocorre no
Brasil todo, que são as famosas galeras, formadas por menores”, disse. “Eu
vou acabar com isso aqui. É preciso”, advertiu.
Entretanto, Amazonino considerou esse problema “muito complicado, porque
o menor é amparado pelo Código de Menores, que são suscetíveis de sofrer
certas injunções policiais, penais, e isso agrava muito o problema”.
[...]
Amazonino considerou, também, que esses menores que estão “fazendo isso,
no fundo são vítimas da injustiça social que campeia nosso país há muitos
anos, mas isso não quer dizer que eles estejam liberados para cometer
injustiças, trazer lágrimas para os lares, assaltando, andando de 20, 30,
armados de revólver, faca, terçado, infernizando os bairros”.
Segundo ele, essa blitz faz parte de uma luta muito grande contra a
marginalidade, que começou com a extinção da Polícia Civil, “para dotar o
Amazonas de condições satisfatórias no combate ao crime”.
[...]235
A CRÍTICA. 19 de janeiro de 1990. Polícia
OPERAÇÕES CONTRA OS PORTADORES DE ARMA
A polícia Judiciária, com o objetivo de diminuir a violência e os bárbaros
crimes que constantemente acontecem em Manaus, vai realizar uma rigorosa
batida nas boates e inferninhos espalhados pelo centro e bairros.
Muitos participantes dessas casas de diversões andam armados e quando
aparece qualquer confusão, puxam armas sem medir as consequências.
O Cheik Clube e o Bancrévea Clube são locais muito frequentados pelos
jovens e é ali que as famigeradas galeras atacam. No ano passado foram
registradas várias mortes em decorrência de brigas de turmas.
A polícia vai intensificar as batidas todos os fins de semana e quem for pego
portando alguma arma será recolhido ao xadrez e os menores serão levados
ao juizado.236
A CRÍTICA. 03 de fevereiro de 1990.
NOVO PROGRAMA DO IEBEM
As famigeradas galeras, que invadem as ruas de Manaus, encontram agora
mais um adversário. Desta vez quem entra firme na guerra contra elas é o
IEBEM do programa do Movimento Patrulheirismo, que procura dar ao
menor mais uma chance de reabilitação.
Antônio Carioca, presidente do órgão agiliza toda sua equipe de trabalho para
êxito deste empreendimento, que espera-se totalmente positivo.237
222
A CRÍTICA. 12 de fevereiro de 1990.
CONSELHO COMBATE GALERAS DE RUAS
128
O presidente do Conselho Comunitário dos moradores do bairro de Nova
Esperança, José Ciro Gomes, iniciou uma campanha de atendimento às
pessoas carentes doando remédios, prestando assistência médica e
odontológica e advogatícia.
Esta semana reunido com os moradores decidiu iniciar uma campanha de
combate às galeras e para isso vem contando com o apoio do governador
Amazonino Mendes.
José Ciro Gomes iniciou as visitas domiciliares e mutirões para tirar
documentos a todas as pessoas que não possuem recursos para pagar as taxas
de emolumentos.
O trabalho comunitário desenvolvido pelo presidente José Ciro Gomes está
contribuindo muito com as famílias carentes do bairro de Nova Esperança.238
A CRÍTICA. 31 de março de 1990.
CHEIK CLUBE TERÁ REINAUGURAÇÃO HOJE
O Cheik Club estará reinaugurando logo mais, às 21 horas, sua nova
discoteca, agora sob a coordenação da equipe Dance Mix, liderada por Raidi
Rebello. Com inúmeras novidades em termos de som e luzes, num ambiente
de total segurança, a discoteca, com certeza, fará a “cabeça” do público
jovem que há muito esperava por isso.
Uma das novidades que será mostrada neste sábado, além da nova
ornamentação, é o Kripton, um aparelho importado da Espanha – só existem
cinco deles no Brasil –, em forma de Ovni (Objeto Voador Não Identificado)
que proporciona mais de 20 efeitos luminosos simultaneamente. Os mais
novos lançamentos e o potencial som das aparelhagens também serão outros
atrativos.
Na última sexta-feira, Raidi Rebello e o sócio Tony apresentaram a nova
discoteca à imprensa, um coquetel bastante disputado e que além do Kripton,
foi mostrado o novo esquema de segurança, uma das grandes preocupações
do clube, para evitar incidentes dentro e fora do Cheik nos dias de bailes.
Autoridades do Juizado de Menores também compareceram ao coquetel.
A partir da insegurança, o Cheik Club funcionará todos os sábados e
235 – Jornal A Crítica, 12/01/1990, p. Polícia. Matéria “Policiamento ostensivo. Governador promete
acabar com galeras”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
236 – Jornal A Critica, 19/01/1990, p. Polícia. Matéria “Operações contra os portadores de armas”.
Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
237 – Jornal A Crítica, 3/02/1990. Matéria “Novo programa do IEBEM”. Biblioteca Pública do Estado.
223
domingos, agora muito mais amplo, pois anexou o bar que funcionava ao
lado à discoteca.239
129
A CRÍTICA. 04 de março de 1990. Polícia.
JUIZADO VIGIA CLUBES SOCIAIS
O diretor Falabela, do Bancrévea Clube, se conscientizou de que os menores
de idade não podem permanecer no clube após a meia-noite. Por volta das 23
horas e 30 minutos, a diretoria avisa pelo sistema de som, pedindo que os
menores se retirem do local.
O menor que se recusar a se retirar do clube ficará à disposição do Juizado de
Menores, que irá ao local buscar o menor. Tudo isso é para evitar que estes
garotos se envolvam com as galeras e traficantes.
Por serem adolescentes, não percebem o perigo que estão correndo, ao
passarem a madrugada nas ruas.
A diretoria do Bancrévea Clube quer trabalhar em equipe com o Juizado de
Menores, denunciando os menores que se recusarem a se retirarem do clube
após a meia-noite.240
A CRÍTICA. 01 de abril de 1990. Polícia.
OPERAÇÃO NA CIDADE CONTRA AS “GALERAS”
A Polícia Judiciária vai efetuar uma série de batidas nos bairros e conjuntos,
para inibir as galeras e arrombamentos nas residências.
No conjunto Hiléia, as galeras estão soltas, atacando residências e fazendo
quebra-quebra nos estabelecimentos comerciais. Alguns dos integrantes
dessas galeras está envolvido em estupros e até mesmo em tráfico de drogas,
segundo denúncias de moradores.
Dois elementos perigosos são os cabeças da galera, que sempre se encontram
em jum [um] laanhe [lanche] e ficam esperando as vítimas, para roubar
dinheiro e jóias. Alguns moradores já disseram que não vão esperar pela ação
da polícia para prender esses marginais, que estão tirando o sossego do
conjunto [...]
Muitos desses marginais quando são presos pelos policiais, dizem logo que
são de menor ou então que são trabalhadores. Mas na verdade são perigosos
assaltantes, viciados e traficantes que algumas vezes conseguem escapar da
polícia.
238 – Jornal A Crítica, 12/02/1990. Matéria “Conselho combate galeras de ruas”. Biblioteca Pública do
Estado do Amazonas.
239 – Jornal A Crítica, 31/03/1990. Matéria “Cheik Clube terá reinauguração hoje”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
224
Quando presos, os pais contratam logo um advogado e a desculpa é sempre a
mesma: são de menores e não podem responder pelos seus atos.
O pai do menor seria o responsável direto do filho. Se ele fosse preso, o pai
seria recolhido ao xadrez no lugar do filho. Dessa maneira, a família teria que
educar e prestar mais atenção ao filha, que nessas horas é um “santo” [...]241
130
A CRÍTICA. 03 de maio de 1990. Polícia.
MICHILES QUER A POLÍCIA NAS RUAS
No início da semana o deputado Humberto Michiles requereu junta à Mesa
da Assembléia Legislativa do Estado que sejam convocados o comandante da
Polícia Militar e o superintendente da Polícia Judiciária para comparecerem à
ALE em data a ser definida, para serem sabatinados sobre a questão do
policiamento na cidade de Manaus.
Michiles foi enfático ao destacar a grave crise que ocorre na segurança da
cidade com o aparecimento das “galeras de bairro”. “Estes bandos so
integrados por jovens desajustados que já fizeram muitas vítimas, ficando na
maioria das vezes impunes”, disse Michiles. O deputado lembrou a atuação
de uma dessas “galeras” no conjunto residencial Hiléia, quando um destes
bandos invadiu e assassinou o proprietário de um restaurante, crime que
deixou a comunidade atônita. “Um pai de família foi eliminado friamente e
de forma covarde, sem nenhuma chance de defesa.”
O deputado do PDC falou ainda que recebeu, na semana passada, um abaixo-
assinado organizado por professores e moradores do Hiléia, em que
denunciam a falta de policiamento e a total insegurança que domina a área.
Os moradores pedem que seja reformado um prédio que inicialmente serviria
de delegacia de polícia do bairro, mas que hoje está totalmente abandonado.
O abaixo-assinado contém 600 assinaturas [...]242
A CRÍTICA. 04 de junho de 1990.
CEL. ILMAR PROMETE “GUERRA” ÀS GALERAS
„Guerra aos marginais, guerra ao banditismo, guerra às galeras‟. Foi o que
prometeu o novo superintendente da Polícia Judiciária, Cel. PM – Ilmar
Faria, ao assumir a direção do órgão na sexta-feira passada [...]
„Não aguentamos mais ver diariamente a vida de pais de família ser tirada por
pessoas desequilibradas que circulem livremente pelas ruas‟ – afirma o
aposentado Berenício Lopes, 69 anos, morador do centro da cidade.
Para ele, a ação da polícia deve ser enérgica, pondo um fim imediato
principalmente das galeras que estão se multiplicando cada vez mais, pois são
240 – Jornal A Crítica, 4/03/1990, p. Polícia. Matéria “Juizado vigia clubes sociais”. Biblioteca Pública
do Estado do Amazonas.
241 – Jornal A Crítica, 1/04/1990, p. Polícia. Matéria “Operação na cidade contra as galeras”.
biblioteca pública do Estado do Amazonas.
225
esses adolescentes que futuramente se transformam em bandidos perigosos.
„Eu mesma já fui atacada por três membros de uma galera, em plena Eduardo
Ribeiro, nas primeiras horas da noite‟ – afirma a estudante Neide Vieira, 19
anos –, eles são agressivos, e só não me mataram por não ter reagido, e ter
lhes dado minha bolsa e relógio [...]‟
O melhor exemplo do índice de criminalidade em Manaus, segundo o auxiliar 131
de Serviços Gerais, Roberto Salles, é o bairro onde mora o Santo Antônio,
local onde os marginais é que fazem sua lei e os moradores tem que obedecer
[...]243
A CRÍTICA. 04 de junho de 1990. Polícia.
MORADORES DENUNCIAM GALERA
O conjunto Ajuricaba está sendo invadido por mais uma “galera” que invade
as casas e agride todos os moradores que andam à noite no próprio conjunto.
A denúncia foi feita por uma das vítimas dos marginais e disse que o nome da
“galera” é “bodó”. Estes bandidos costumam se reunir na esquina da Av.
Leste, do mesmo conjunto, fumando maconha e cheirando cola de sapateiro.
Os moradores alegaram que os dois soldados que fazem plantão no pequeno
quartel do 5º Batalhão de Polícia Militar, não podem fazer nada porque não
dispõem de armas para combater os marginais [...]
Segundo informações de comerciantes, a gangue é liderada pelo elemento de
nome Carlinhos, que mora na rua B-33, esquina com a rua B-36, do mesmo
conjunto. Quando é realizada alguma festa, os integrantes da “galera Bodó”
começam a badernar, trazendo confusão entre as pessoas que estão ali
somente para se divertir. Em seguida a briga começa e logo a festa termina
com prejuízo para o dono da brincadeira.
As autoridades precisam desde já pensar numa solução para terminar com
essa máfia que está por trás dessas gangues de pivetes, que usam todo tipo de
armas e desafiam até mesmo os policiais. Muitos desses marginais usam
revólveres de grosso calibre que nem mesmo a polícia possui. Como e aonde
eles conseguem essas armas, ninguém sabe [...]244
A CRÍTICA. 12 de junho de 1990. Polícia.
JUDICIÁRIA ABRE GUERRA CONTRA AS GALERAS E LADRÕES
DE CARROS
“A ordem é prender todas as galeras que infernizam a vida de muita gente
[...]. no último fim de semana: quase 30 marginais foram presos e se
encontram recolhidos nos xadrezes das intendências distritais e
242 – Jornal A Crítica, 3/05/1990, p. Polícia. Matéria “Michiles quer a polícia nas ruas”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
226
especializadas.
[...]
Outros bairros que necessitam de maior policiamento são o da Matinha
(Presidente Vargas), Glória, São Raimundo, Santo Agostinho, Betânia e
tantos outros. Inúmeras denúncias são feitas tanto por telefone como na 132
própria redação de A Crítica contra as galeras [...]
Com a prisão dos marginais, alguns ex-detentos, a polícia está desvendando
latrocínios, cujas vítimas foram pessoas ligadas às famílias de baixa renda.
Derival Siqueira Rocha, o “Gaga-Mel”, chefe da galera “Pirata”, foi
reconhecido como um dos participantes de um latrocínio ocorrido
recentemente.
O centro da cidade tem sido também atingido pela marginalidade. Até perto
do quartel do Comando da PM, as galeras atacam [...]245
A CRÍTICA. 12 de agosto de 1990. Polícia.
SÃO JOSÉ PEDE MAIS SEGURANÇA
Os moradores do São José Operário estão denunciando as gangues que tiram
diariamente o sossego de quem tem que acordar cedo para trabalhar e estudar.
Os assaltos são frequentes e todos temem sair de casa [...].246
A CRÍTICA. 7 de março de 1991. Polícia.
JUIZADO DE MENORES FAZ OPERAÇÕES
O presidente da Associação dos Moradores do bairro da Cachoeirinha, Elson
Silva, disse ontem que está providenciando o encaminhamento de Ofícios ao
Juizado de Menores e 1ª Intendência do bairro pedindo providências contra o
funcionamento do Amazonas Show Clube nos finais de semana haja vista que
esse é o maior fator que contribui com o crescimento do índice de violência
naquela comunidade.
Outras casas noturnas serão visitadas pelos diretores d Associação e àquelas
que não cumprirem rigorosamente com as determinações da Lei do Silêncio
será pedido o fechamento de modo que os moradores da Cachoeirinha
possam ter mais tranquilidade.247
132132
243 – Jornal A Crítica, 4/06/1990. Matéria “Cel. Ilmar promete “guerra” às galeras”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
244 - Jornal A Crítica, 4/06/1990, p. Polícia. Matéria “Moradores denunciam galeras”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
245 – Jornal A Crítica, 12/06/1990, p. Polícia. Matéria “Judiciária abre guerra contra as galeras e
ladrões de carros”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
246 – Jornal A Crítica, 12/08/1990, p. Polícia. Matéria “São José pede mais segurança”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
247 – Jornal A Crítica, 7/03/1991, p. Polícia. Matéria “Juizado de Menores faz operações”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
227
A CRÍTICA. 9 de março de 1991. Polícia.
GALERAS COM PAVOR DA FUTURA POLÍCIA CIVIL
As quase 80 galeras identificadas pela Polícia Judiciária, por toda a cidade,
começaram a manifestar um certo medo, depois do combate a ser
intensificado, pelo secretário de Segurança Pública, Klinger Costa. Pelo
menos no Morro da Liberdade, Educandos, São José e Cidade Nova, o 133
número de casos diminuiu, segundo a própria polícia.
Apesar disso, os policiais não acreditam que elas cederão tão rapidamente,
pois algumas conseguiram se organizar e hoje cometem assaltos considerados
cinematográficos.
[...]248
A CRÍTICA. 10 de março de 1991. Polícia.
LÍDERES QUEREM AJUDAR TRABALHO DE KLINGER
A insegurança que toma conta dos bairros periféricos de Manaus, fez com
que os líderes comunitários filiados a CUC – Central Única das Comunidades
–, sob a presidência do professor Raimundo Santos, solicitasse que o futuro
superintendente da Polícia Judiciária, Dr. Klinger Costa, promovesse um
encontro dos intendentes com o diretor geral da Polícia Federal, Romeu
Tuma para que juntos podessem traçar uma meta de ação na área de
segurança para o Estado do Amazonas.
O combate às galeras foi uma das principais solicitações feita pelos líderes
comunitários, pois estão agindo livremente nos bairros promovendo assaltos,
estupros, agressões e vandalismos, sem que nenhum deles sejam punidos
pelos órgãos de Segurança do Estado.
O presidente da Associação de moradores do bairro Tancredo Neves, Altamir
Fonseca, lamentou a falta de segurança existente em sua comunidade,
principalmente nos fins de semana, onde as discotecas funcionam até de
madrugada lotada de menores e não aparece um agente do Juizado de
Menores e muito menos um policial militar ou da Judiciária para disciplinar o
local.
[...] O presidente da Associação do bairro de Cachoeirinha, Elson Silva,
também fez seu apelo para que fosse disciplinado junto a Intendência de
Ordem e Política Social e a própria Urbam a abertura de novos bares, pois
existem ruas que as famílias não conseguem mais dormir sossegadas devido a
barulheira provocada pelas caixas de som das casas noturnas. O
funcionamento do Amazonas Show Clube, tem causado sérios transtornos
para os moradores das ruas Ajuricaba com a Borba, onde no último final de
228
semana houve até troca de tiros entre os membros de galeras.249
A CRÍTICA. 18 de março de 1991. Polícia.
FIVELAS DE CINTO SÃO USADAS PELAS GALERAS 134
Pelo menos oitenta membros de galeras de vários bairros foram presos ontem
de madrugada, durante a operação “arrastão” das polícias Civil e Polícia
Militar. Um fato curioso é que todos os membros de galeras usavam cintos
com fivelas de ferro que a polícia, a partir de agora, considerará um tipo de
arma “branca”.
Foram apreendidos mais de 200 cintos e, segundo o Cel. Brandão, durante
todo este período das operações, quer for agarrado com o utensílio, ficará
sem o mesmo. Isso, na hora dos conflitos entre os membros de galeras, pode
até matar uma pessoa, dependendo da parte atingida. É ferro puro e nós não
deixaremos ninguém andar com isso pelas ruas, explicou.
[...]
Outro bairro onde muitos cintos foram apreendidos foi no São José. Lá,
também foi onde mais se fechou casas noturnas e bares.250
A CRÍTICA. 20 de março de 1991. Polícia.
Os efeitos da operação arrastão realizada no último final de semana,
continuam tendo um efeito positivo entre a população, principalmente aos
moradores de bairros onde a onda de violência vinha extrapolando todos os
limites. As galeras também foram bastante afetadas com a presença dos
policiais e nos dois últimos dias, observou-se uma queda no número de casos
de vítimas.251
A CRÍTICA. 5 de abril de 1991. Polícia.
“INIMIGOS DA POLÍCIA” DETIDOS PELO ARRASTÃO
Seis membros da galera denominada “Inimigos da Polícia Civil”,
recentemente criada e que estava espalhando o terror no bairro da Compensa,
foram presos durante um “arrastão” feito pelos policiais do 8º Distrito
Policial, do mesmo bairro. O delegado Francisco Ferreira, ontem de plantão,
mostrou ainda as armas apreendidas em poder da galera.
[...]
Segundo o delegado Francisco Ferreira, todos os membros serão
identificados criminalmente, por vadiagem e porte de arma “branca”. Os que
248 – Jornal A Crítica, 9/03/1991, p. Polícia. Matéria “Galeras com pavor da futura Polícia Civil”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
249 – Jornal A Crítica, 10/03/1991, p. Polícia. Matéria “Líderes querem ajudar trabalho de Klinger”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
229
forem liberados terão um prazo de 30 dias para encontrarem trabalho, caso
contrário serão recapturados e enviados à Penitenciária Desembargador
Raimundo Vidal Pessoa.
– Enquanto estes delinquentes estiverem importunando e cometendo crimes 135
Contra a população, a polícia estará nas ruas para coibir estes bandidos –,
garantiu o delegado [...].252
A CRÍTICA. 17 de maio de 1991. Polícia.
BANDO ENCAPUZADO MATA DELINQUENTE NO MORRO
O delinquente Orleilson Felício dos Santos, o “Binho”, de 17 anos, foi
executado com 23 tiros, ontem de madrugada, depois de ser raptado por três
homens encapuzados de dentro de uma lanchonete, ao lado de sua casa, na
rua São Pedro, 675 – Morro da Liberdade.
[...] A família e alguns moradores da rua São Pedro, no Morro da Liberdade,
estão culpando a Polícia Civil pelo crime. Para eles, os homens encapuzados
eram policiais que andavam atrás de “Binho” a vários dias.
Para outros moradores, no entanto, o delinquente mirim teve o fim que
mereceu, pois apesar da pouca idade, 17 anos, era temido por quase todos no
Morro da Liberdade e também por alguns policiais. „Binho‟ foi acusado
recentemente de ter assassinado um outro menor, na ponte do cajual, mesmo
bairro, durante um conflito de galeras.253
A CRÍTICA. 10 de agosto de 1991. 1ª página.
SÃO JOSÉ PROTESTA SOBRE A VIOLÊNCIA
Cerca de 200 moradores do Bairro São José I protestaram ontem contra a
violência e a morte de cinco pessoas nos últimos seis meses, vítimas de
galeras, em uma passeata que percorreu as principais ruas do bairro. Já
considerado um dos bairros mais violentos de Manaus, o São José, segundo
moradores, necessita de pelo menos de mais uma delegacia de polícia. Na
última sexta-feira, o taxista Francisco Rodrigues da Silva, 27 anos, foi
atacado e morto a pauladas por membros de uma das inúmeras galeras
existentes no bairro que tentaram roubá-lo.254
A CRÍTICA. 19 de setembro de 1991. Polícia.
VIOLÊNCIA
MORADORES REVOLTADOS PROTESTAM EM PASSEATA
250 – Jornal A Crítica, 18/03/1991, p. Polícia. Matéria “Fivelas de cinto são usadas pelas galeras”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
251 – Jornal A Crítica, 20/03/1991, p. Polícia. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
230
Dezesseis homicídios registrados nos últimos nove meses. O último ocorrido
quinta-feira passada, tendo como vítima a estudante Naísa das Chagas, 16
anos, morta com um tiro na cabeça por um mecânico até agora foragido, 136
levaram os moradores do Morro da Liberdade à revolta. “Justiça a qualquer
custo” é o novo lema dos moradores que ontem à tarde, realizaram uma das
maiores passeatas já registradas em Manaus.
Iniciada às 16 horas, cerca de 400 moradores, entre estudantes, trabalhadores
e donas de casa, comandadas pelos párocos Mauro Cleto, da igreja de São
Lázaro e Danival Oliveira Lopes, da igreja do Morro da Liberdade e o
Monsenhor Francisco Pinto, percorreu várias ruas do bairro, cobrando
providência dos políticos e da polícia. Cartazes e faixas pediam justiça e
controle à violência.
[...] A passeata percorreu 12 ruas do Morro da Liberdade fez algumas pausas
na frente do 2º Distrito Policial e na Delegacia Especializada de Prevenção e
Repressão a Entorpecentes e estacionou em frente à casa de nº 230, da rua
José Chevalier, onde Naísa das Chagas foi assassinada friamente pelo
mecânico até agora identificado apenas por “Dadá”.
[...] A jovem estudante morava com parentes em Manaus, mas seus pais
viviam em Santarém, para onde o corpo foi trasladado na sexta-feira. De
temperamento aguçado, segundo algumas amigas, Naísa era também
catequista da igreja do Morro da Liberdade.
O padre Danival Oliveira Lopes, 36 anos conhecia Naísa há algum tempo e,
mesmo sem a presença de seus familiares, fez questão de realizar o protesto.
[...] Por outro lado, monsenhor Francisco Pinto, que abriu a missa celebrada
no final da passeata, pediu o apoio da comunidade do bairro, no sentido de
ajudar a polícia a evitar conflitos com delinquentes juvenis que se
proliferaram com o surgimento, há dois anos, das famigeradas galeras.
16 mortes por galeras foram registradas
Indiferentes às operações da polícia que só nos últimos nove meses realizou
28 “arrastões” no bairro, as galeras identificadas no Morro da Liberdade, num
total de nove, passaram a investir todas as noites contra moradores da área.
Neste período foram registradas 16 mortes, sendo que metade foram vítimas
que nada com os conflitos e simplesmente passavam pelos locais onde s
mesmas se confrontavam.
“Canibais”, “Piratas”, “Selvagens da Noite”, “Caveira” e “Os Malditos”, são
252 – Jornal A Crítica, 5/04/1991, p. Polícia. Matéria “„Inimigos da Polícia‟ detidos pelo arrastão”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
253 – Jornal A Crítica, 17/05/1991, p. Polícia. Matéria “Bando encapuzado mata delinquente no
Morro”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
254 – Jornal A Crítica, 10/08/1991, 1ª Página. Matéria “São José protesta sobre a violência”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
231
algumas das mais violentas galeras que surgiram há cerca de dois anos no
bairro e, que neste período, além das mortes, fizeram dezenas de vítimas. Os
estudantes das escolas Adalberto Vale e Paula Ângela são obrigados a
desistirem de assistir as aulas, temendo ataques de membros de galeras na
volta para casa.
Líderes comunitários de bairros próximos e do próprio Morro da Liberdade,
já tentaram de tudo para conter o índice de violência no bairro, mas não
conseguiram muita coisa. Meses atrás, o padre Danival Lopes divulgou uma
carta aberta à comunidade, onde denunciou, entre outros crimes, furtos de
objetos sacros da Paróquia e até “boca de fumo”, mas nenhuma providência
foi tomada pelas autoridades.
As ruas São Pedro e Dr. Martins Santana, próximas ao Clube Libermorro, nos
finais de semana (sexta e sábado), ficam intransitáveis e os moradores são
obrigados, muitas vezes a esperar a madrugada para retornarem às suas casas
ou então nem sair. A onda de violência em consequência dos membros de
galera é insuportável e os moradores exigem segurança.255
A CRÍTICA. 21 de setembro de 1991. Polícia.
PENITENCIÁRIA
TRÊS GALERAS DO MORRO ESTÃO FORA DE CIRCUITO
Numa operação realizada no Morro da Liberdade e bairros adjacentes,
policiais do Sétimo Distrito prenderam três galeras denominadas Piratas,
Mercenários e Canibais que vinham intranquilizando a comunidade
praticando assaltos, arrombamentos, curras, estupros e outros delitos. Durante
a diligência que começou na noite de quarta-feira, dia 18, a polícia encontrou
barreiras para prender outros marginais que conseguiram fugir, segundo o
delegado Ramirez, que comandou a operação. Após serem indiciados em
vários crimes, os marginais foram encaminhados ao presídio público.
Não houve maior atrito entre os policiais e bandidos. Mas, durante a
operação, um bando de marginais entrou em atrito entre si na ponte da rua
Maués, quando pelo menos dois saíram baleados. Os feridos não procuraram
os prontos socorros do estado, para não serem identificados pela polícia.
Atendendo o apelo dos moradores do Morro que saíram em passeata como
protesto contra a violência, todo o contingente do Sétimo Distrito foi
acionado no combate às galeras composta por arrombadores, assaltantes à
mão armada, consumidores e passadores de droga.
Apontado com [como] chefe de uma das galeras, Mário Flávio dos Santos, o
Neguinho, foi um dos primeiros a ser capturado, na ponte do Cajual. Com a
prisão deste, os policiais conseguiram prender os marginais Antônio Gomes
dos Santos, Roberto Freitas Paixão, José Alves Feitosa, Francisco das Neves
232
Cunha, Ivo da Costa Branco, Raimundo Sales Ribeiro, Otávio de Medeiros
Ramos, Pedro Gonçalo Braga, Cícero Taveira de Souza e Expedito Gusmão d
Souza, além de adolescentes que tiveram seus nomes omitidos, por questão
de ética do Código de Menores.
Com a prisão desses marginais, a polícia pretende recuperar pelo menos uma
parte dos furtos das residências e casas comerciais, explicou o delegado 137
Ramirez. Revelou que as galeras agem também acobertadas pelos
receptadores que financiam uma grande parte dos assaltos e arrombamentos.
Ou seja, garantem armas, munições e até carros aos ladrões.
O delegado pediu um voto de confiança do povo do Morro da Liberdade à
polícia, a fim desta ir, pouco a pouco, tirando os marginais de circulação.
Segundo Ramirez, inúmeros delinquentes estão soltos. São, em sua maioria,
elementos desconhecidos da polícia, o que lhes facilita as manobras
criminosas.
“Os perversos” presos em flagrante
Numa operação praticamente inédita da Polícia Civil, policiais do 8º Distrito
(Compensa), prenderam em flagrante delito, ontem de madrugada, oito
membros de uma galera. denominada “Os perversos” galera havia furtado
duas grades de refrigerantes e uma bicicleta, da casa do comerciante Teodoro
dos Santos Almeida, 33 anos, após arrombarem a porta principal do
estabelecimento, localizado à rua Amazonas, 307 – Compensa I – e menos de
meia hora após o registro da ocorrência todos foram presos nas proximidades
de uma „boca-de-fumo‟ naquele bairro.
O delegado Rogério Tavares foi quem comandou a operação, juntamente com
seis policiais investigadores. Os membros de galera presos são Ernesto
Santos Neto, 22 anos, José Franciney Tavares de Albuquerque, 19 anos,
Francisco Ricardo Martins da Silva, 20 anos, Rômulo da Silva Barroso, 18
anos, Manoel Roberto de Melo, 22 anos, Antônio Maia Freitas de Amorin, 18
anos, João Nonato Oliveira, 21 anos e Daniel Carlos Santos de Oliveira, 18
anos, todos residentes no bairro da Compensa.
A prisão dos membros de galera, segundo o delegado Rogério Tavares, só foi
possível devido o registro feito pela vítima, imediatamente ao furto. Foi
organizada uma diligência em duas viaturas que cercaram a área onde
ocorreu o furto e de imediato quatro suspeitos foram presos e acabaram
confessando o crime. Os outros quatro membros foram presos nas
proximidades de uma „boca-de-fumo‟, onde tentavam trocar os objetos
furtados por „pasta‟ de cocaína.256
255 – Jornal A Crítica, 19/09/1991, p. Polícia. Matéria “Violência. Moradores revoltados protestam
em passeata”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
233
A CRÍTICA. 26 de setembro de 1991. Polícia.
MORADORES DO MORRO JÁ TEM UM POSTO POLICIAL
A Conclusão das obras do Posto Policial do Morro da Liberdade, na rua Dr.
Martins Santana, feitas pela R.L. Engenharia Ltda, encerraram ontem, e, até o
início da próxima semana deve ser entregue à Polícia Militar. A iniciativa da
construção do PPO, foi dos moradores do bairro, apavorados com o índice de 138
violência no local, devido o surgimento de várias galeras que nos últimos
nove meses provocaram a morte de 16 pessoas.
[...] O engenheiro anunciou que a empresa estará construíndo, nos próximos
meses, outro Posto Policial no bairro de São Raimundo, também com o apoio
dos moradores [...]257
A CRÍTICA. 07 de outubro de 1991. Polícia.
EXPLORAVA MENORES
POLÍCIA INTERDITA UMA DISCOTECA NO COROADO
O secretário de Segurança Pública, coronel PM Antonio Guedes Brandão,
determinou a interdição por tempo indeterminado, ontem de madrugado, da
Discoteque Art Show, no bairro do Coroado II. Motivo: todos os 134
frequentadores encontrados no local eram menores de idade na faixa etária de
11 a 16 anos. O coordenador de fiscalização da Secretaria Municipal de
Limpeza Pública (Semulp), João de Deus Fink, que participou do 49º
“Arrastão” realizado pela Sesep, foi quem lacrou pessoalmente a discoteque.
Na maioria dos bares, clubes e discoteques por onde o “Arrastão” passou,
ontem de madrugada, foi possível observar a exploração, por parte dos
proprietários de tais ambientes, de venda de bebidas alcoólicas, cigarros e
outros produtos, a menores de idade. O coordenador de fiscalização do
cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, o secretário de
segurança pública, coronel PM Carlos Daniel Mar e a educadora Neuda
Jesus, ficaram irritados ao constatarem o que eles consideram verdadeira
“promiscuidade” a menores, proporcionada pelos donos de boates.
Para o secretário de Segurança Pública, está faltando maior fiscalização do
Juizado de Menores, em tais ambientes. Antônio Guedes Brandão observou
ainda que não há qualquer tipo de controle das autoridades judiciárias quanto
a proibição da entrada ou permanência de menores, após as 21 horas, em
locais frequentados por adultos e onde seja explorada a venda de bebidas, por
exemplo.
O subsecretário de Segurança Pública, delegado Hélio dos Santos Rocha,
também ficou estarrecido ao ver o número de crianças, a maioria do sexo
256 – Jornal A Crítica, 21/09/1991, p. Polícia. Matéria “Penitenciária. Três galeras do Morro estão
fora de circuito”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
234
feminino, até às 3 horas da madrugada nos clubes, bares e boates. Na sua
opinião, os pais destas menores também deveriam ser responsabilizados e até
mesmo punidos, pois não fiscalizam os locais e horários dos filhos, muitos
dos quais acabam se envolvendo com drogas e prostituição. Já o delegado
geral Francisco Sobrinho, que ontem comandou a operação “Arrastão”,
juntamente com o comandante geral da Polícia Militar, coronel PM Amílcar 139
Ferreira, consideraram o problema muito sério e que somente com um estudo
urgente e drástico sobre o assunto, poderiam encontrar algumas soluções para
evitar que menores fiquem à mercê do submundo do crime e, principalmente
das drogas.
“É triste ver crianças como estas induzidas a consumirem bebidas alcoólicas
e fumar desse jeito. No seu tempo ninguém via isso”, lembrou um
investigador mais antigo, lamentando o futuro dos jovens das últimas duas
décadas.
[...]258
A CRÍTICA. 24 de outubro de 1991. Polícia.
POSTO CORRESPONDE
O Posto Policial da PM, no Morro da Liberdade, vem correspondendo as
expectativas dos moradores, principalmente os localizados entre as ruas Dr.
Martins Santana e São Pedro. Desde a inauguração do PPO, os confrontos
entre galeras diminuíram.259
A CRÍTICA. 13 de dezembro de 1991. Polícia.
ADOLESCENTES SOFREM VIGILÂNCIA
A Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), da Polícia Civil e a Justiça
da Criança e Adolescência começaram ontem uma operação em toda a cidade
que visa proteger os adolescentes do vício de droga, da explorações de
jogatinas nos bares e “inferninhos”. Segundo os policiais da DOPS, os
comerciantes que permitirem o acesso de menores de idade nos bares, boates
e outras casas de diversão, serão multados e na reincidência terão seus
estabelecimentos fechados.
De posse de um relatório enviado pela Delegacia Especializada de
Homicídios e Sequestros (DEHS), os investigadores da DOPS verificaram
que a maioria dos crimes praticados por adolescentes ocorreram nos bares e
casas de jogatina. Outros delitos começaram nesses estabelecimentos e
terminam nas ruas. O mais recente crime ocorreu no bairro da Compensa,
quando o menor R.B.M., de 16 anos, matou a facadas o trabalhador Erasmo
257 – Jornal A Crítica, 26/09/1991, p. Polícia. Matéria “Moradores do Morro já tem um posto
policial”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
235
Santoro Bianco, 29 anos. O delito se deu num salão de jogo de sinuca.
As comunidades podem procurar a DOPS, na avenida Constantino Nery à
frente do estádio Vivaldo Lima, para apresentar denúncias, apelos ou
sugestões. Segundo os policiais, a ajuda da população é essencial ao trabalho
da Polícia Civil no combate ao crime que envolve adolescentes. 140
A exploração de casas de prostituição, jogatinas, bares e boates nos bairros
compostos em sua maioria por famílias carentes contribui para o crescimento
da violência, afirmam os investigadores da DOPS. Aumenta, segundo os
policiais, o número de garotas que vivem da prostituição e de meninos que
acabam se integrando em quadrilhas e galeras.260
A CRÍTICA. 20 de dezembro de 1991. Polícia.
POLÍCIA DESARTICULA GANGUE DE MENORES NA COMPENSA
II
A equipe de policiais do Oitavo Distrito Policial (Compensa), prendeu
anteontem, às 21h, uma quadrilha de menores que vinha atemorizando os
moradores daquele bairro. A prisão de Elizeu Freitas da Costa, o pastor, 18,
J.R.G., o Beto, 17, e W.O.S., o Bilóia, 17, ocorreu na Rua do Porto,
Compensa II, local onde, segundo o delegado do 8º. DP, Rogério Tavares, as
galeras costumam se reunir para “tramar” os golpes e fazerem uso de drogas.
Os acusados foram presos através de denúncia feita por uma das vítimas da
galera. Somente na semana passada várias pessoas tiveram cordões e diversos
objetos de valores levados pelos menores. O delegado disse que há muito
tempo a quadrilha vinha sendo procurada pelos policiais, porém sempre
davam um jeito de fugir.
Na noite de terça-feira, após receber a denúncia, Rogério Tavares resolveu
fazer uma campana para pegar os marginais. O líder da galera, o Bilóia, ao
ser preso tentou reagir, uma vez que estava portando um revólver calibre 38,
mas, foram presos e levados para 8º. DP para prestar depoimento.
Com excessão de de J.R.G, o Beto, os outros integrantes possuem diversas
entradas na Delegacia Especializada em Roubos e Furtos (DERF), por assalto
à mão armada. Rogério Tavares disse que pedirá prisão preventiva de Elizeu
Freitas e encaminhará os menores à Delegacia Especializada.
Somente neste mês de dezembro mais de cinco galeras foram presas no bairro
da Compensa, onde a maioria dos membros, estão na faixa dos 16 a 18 anos.
O número de gangues vem se alastrando assustadoramente nos bairros
periféricos da cidade. A mãe de um dos presos, que não quis se identificar,
258 – Jornal A Crítica, 7/10/1991, p. Polícia. Matéria “Explorava menores. Polícia interdita uma
discoteca no Coroado”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
259 – Jornal A Crítica, 24/10/1991, p. Polícia. Manchete “Posto corresponde”. Biblioteca Pública do
Estado do Amazonas.
236
fez um alerta aos pais de família para que “dê mais atenção aos seus filhos,
principalmente os adolescentes, quando neste fase é fácil ser ludibriado pelas
más companhias, disse ela.261
141
A CRÍTICA. 21 de dezembro de 1991. Polícia.
CAIXAS COMUNITÁRIAS AJUDAM A POLÍCIA NA PRISÃO DA
GALERA
Na coleta feita, anteontem, das denúncias colocadas nas caixas comunitárias
do bairro da Compensa, os policiais do Oitavo Distrito Policial (Compensa),
prenderam os membros de uma perigosa galera daquela comunidade. Trata-se
de Antônio Cosmo da Silva, o Manco, 18, e Sérgio Normando Maia, o
Piolho, 19.
[...] Com a prisão dos integrantes da galera, os policiais conseguiram
recuperar aparelhos de som, televisão, revólveres e outros objetos de valores,
que se encontram naquela delegacia para serem devolvidos.
[...] Desde a instalação das caixas comunitárias, os policiais do 8º DP, já
prenderam três galeras organizadas entre elas, „Selvagem da Compensa‟ e
„Pitiuá‟ [...].262
A CRÍTICA. 27 de janeiro de 1994. Polícia.
INVESTIGAÇÃO CONCLUI
„GUARDA MIRIM‟ DE GENERVINO NÃO TEM NADA DE
PARAMILITAR
O titular da Delegacia Especializada de Assistência e Proteção à Criança e ao
Adolescente (Deapca), Aluísio Affonso Caldas, já encaminhou ao Conselho
Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, à Procuradoria Geral de
Justiça (PGJ) e à Secretaria de Estado de Justiça, Segurança Pública e
Cidadania (Sejusc), cópia do investigatório sobre o programa de Atendimento
à Criança (Guarda Mirim) solicitado pelo Ministério da Justiça.
O programa foi denunciado em julho do ano passado como um trabalho
paramilitar que vinha sendo desenvolvido com crianças e adolescentes pelo
reservista do Exército Genervino Valério de Souza, que também é o
presidente da Associação dos Moradores do Zumbi II.
No documento investigatório, instaurado no dia 27 de julho de ano passado, a
equipe de policiais da Deapca concluiu que o responsável pela formação do
grupo não estava passando qualquer tipo de trabalho paramilitar aos menores.
260 – Jornal A Crítica, 13/12/1991, p. Polícia. Matéria “Adolescentes sofrem vigilância”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
261 – Jornal A Crítica, 20/12/1991, p. Polícia. Matéria “Polícia desarticula gangue de menores na
compensa II”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
237
O que aconteceu foi uma disputa pela direção da Associação Comunitária do
bairro, que Genervino Valério ganhou duas vezes consecutivas”, explicou
Caldas, afirmando ainda que o denunciante do programa, Raimundo Nonato
de Souza Santos, não se conformava em perder a eleição, por isso resolveu
prestar queixa no Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), com
argumentos sem fundamentos. 142
De acordo com Aluísio Caldas, a denúncia feita pelo então candidato não foi
baseada em fatos concretos. “Ele apenas dizia que havia sido vítima da
Guarda Mirim, mas não especificava quem o vitimou”, lembrou o delegado,
ressaltando que um dos motivos da resolução de Genervino de Souza foi a
conquista dos moradores com o programa.
Sem galera – Durante a apuração dos fatos, o delegado disse que não foi
encontrado armamentos com os menores. “Eles eram apenas instruídos pelo
reservista do Exército para terem um melhor comportamento na sociedade”.
Para Caldas, se cada um dos bairros de Manaus tivesse um líder comunitário
como Genervino Valério, a cidade não teria a quantidade de galeras que
ocupa principalmente a zona periférica.
Ele explicou que muitas vezes os meninos se entusiasmavam com outros
garotos, já participantes do programa, e por isso optavam pelo método
educacional passado por Genervino, em vez de integrar as gangues de rua.
[...]263
A CRÍTICA. 28 de janeiro de 1994. Polícia.
PARAMILITAR SIM
Sérgio Bártholo
O delegado Aluísio Affonso Caldas, da Delegacia Especializada de
Assistência e Proteção à Criança e ao Adolescente (Deapca) não investigou a
“Guarda Mirim”. Este é o único argumento aceitável para que ele tenha
chegado à conclusão de que o “comandante” Genervino Valério de Souza não
usava técnicas militares para a educação de crianças no bairro Zumbi II, na
Zona Leste de Manaus.
O projeto, que Genervino diz ter enviado a órgãos do Governo e à própria
Secretaria de Segurança, dizia que a “Guarda Mirim” usava os manuais da
Polícia Militar e do Exército Brasileiro (Formação de Oficiais).
As fotos publicadas em A Crítica, em primeira mão, e na revista “Isto É”,
dias depois mostrava e provavam o treinamento militar.
O próprio “comandante” Genervino deu entrevista em A Crítica dizendo que
estava disposto a mudar os métodos militares para manter o trabalho de apoio
262 – Jornal A Crítica, 21/12/1991, p. Polícia. Matéria “Caixas Comunitárias ajudam a polícia na
prisão da galera”. Biblioteca Pública do Esado do Amazonas.
238
às crianças carentes do bairro Zumbi II.
O trabalho do “comandante” Genervino deve continuar sim, dentro do que
ele se propõe a fazer pelas crianças, com metodologia apropriada. O que não
pode é o delegado chegar a uma conclusão inverídica, tentando desmentir,
sem ter apurado os fatos, que os métodos eram militares. As crianças faziam
rondas noturnas armadas de facões e até trabalhavam no 9º Distrito Policial 143
entregando intimações, sim. Segundo o dicionário Aurélio, paramilitar
significa “corporações particulares de cidadãos, armados, fardados,
adestrados, que não fazem parte do exército ou da polícia de um país.264
A CRÍTICA. 28 de maio de 1994. Polícia.
COMUNIDADES DENUNCIAM AS GALERAS
De acordo com o assessor de Comunicação da Polícia Militar, major Mário
Silva, o crescente número de gangues de rua fez com que a PM levantasse
previamente os focos onde se concentram os adolescentes, responsáveis por
dezenas de crimes registrados semanalmente em Manaus.
O trabalho de identificação dos integrantes e os locais onde eles atuam foi
feito com a colaboração de representantes das comunidades, conforme
informou Mário Silva. O “arrastão” contra as ações das galeras será feito
pelos cinco BPMs: 1º, 4º, 5º, 6º e 7º.265
A CRÍTICA. 31 de maio de 1994. Polícia.
SALDO DE OPERAÇÕES DA PM
PRESOS 15 MEMBROS DE GALERA E NOTIFICADOS 106
VEÍCULOS
Noventa e três detenções, sendo 15 integrantes de galeras; 106 veículos
notificados e 13 armas apreendidas (entre revólveres, facas, terçados e
canivetes), este foi o saldo das seis Operações da Polícia Militar realizada no
último final de semana com um efetivo de aproximadamente 400 homens.
Além das Operações, a PM atendeu durante o sábado e o domingo passados,
através do Centro de Operações (Copom), 268 ocorrências, sendo 47
agressões; 35 desordens; 54 acidentes de trânsito, dos quais 47 não tiveram
vítimas; nove furtos e nove tentativas de homicídio.
O comandante do Policiamento da Capital, coronel PM Édson, as Operações
“Mosaico” (que tem a apoio da Polícia Civil); “Anjos da Guarda” e
“Antiassalto” continuam atuando, assim como a Operação “Pagamento” que
iniciou semana passada nas agências do BEA.
As operações realizadas no último final de semana tiveram como principal
263 – Jornal A Crítica, 27/01/1994, p. Polícia. Matéria “Investigação conclui. „Guarda Mirim‟ de
Genervino não tem nada de paramilitar”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
239
objetivo prevenir os assaltos nos transportes e postos de gasolina, desarticular
galeras, vistoriar os veículos (documentação, condição) e passageiros (se
portavam armas e drogas) e retirar películas de Insufilm.
O comandante explicou que a Operação “Anjos da Guarda” permanecerá 144
Atuando em alguns terminais de ônibus (Constantino Nery, Cachoeirinha,
Matriz e finais de linha); a Operação “Antiassalto” irá agir especificamente
no centro da cidade, enquanto a “Mosaico” continuará realizando as “rondas
policiais” na periferia, revistando bares, boates e locais onde se concentram,
principalmente, os integrantes de galera.
[...]266
A CRÍTICA. 31 de julho de 1994. Polícia.
NA CIDADE NOVA
SETE COMUNIDADES PROMOVEM PASSEATA PEDINDO
SEGURANÇA
Cerca de 800 pessoas participaram ontem de manhã de uma caminhada
contra a violência e pela paz e cidadania, nas principais avenidas do Mutirão
da Cidade Nova. A manifestação teve à frente as sete comunidades que
copõem a área missionária São Francisco, coordenada pelo padre Luis
Giuliani, que também faz parte da Pastoral Social da Arquidiocese de Manaus
e Partoral do Menor. A abertura do evento foi feita pela arcebispo da capital,
dom Luiz Soares Vieira.
Conforme Giuliani, o objetivo em ampliar a luta contra a violência partiu das
comunidades Bom Jesus, São Francisco, São João Batista, São Paulo, Nossa
Senhora de Fátima e Bom Pastor, que resolveram se solidarizar com a
comunidade Divino Espírito Santo.
O padre explicou que recentemente, a comunidade Espírito Santo realizou
uma passeata em protesto aos constantes confrontos de galeras, e não recebeu
apoio das outras comunidades. “Muita gente estava com medo de participar
daquela manifestação, temendo sofrer represália. Mas desta vez todos se
uniram para dar um basta para todo tipo de violência”, afirmou Giuliani.
De acordo com ele, a Caminhada não se limitou apenas a pedir policiamento
e segurança para o bairro, mas principalmente para mostrar às autoridades a
situação em que vivem os moradores do Mutirão, local onde não existe água,
escola, enfim uma infra-estrutura adequada de moradia.
Cruz – Como forma de repúdio, os moradores caminharam com dezenas de
264 – Jornal A Crítica, 28/01/1994, p. Polícia. Matéria “Paramilitar sim”. Biblioteca Pública do Estado
do Amazonas.
265 – Jornal A Crítica, 28, 05, 1994, p. Polícia. Matéria “Comunidades denunciam as galeras”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
240
faixas pedindo justiça e maior atenção para àquele bairro. Numa cruz de
quase dois metros, foram colocados vários nomes de pessoas que morreram
ao tentar construir poços d‟água.
Cada uma das sete comunidades ficou encarregada em apresentar uma faixa
denunciando algum tipo de violência, a Divino Espírito Santo, por exemplo,
ficou a da “Violência Contra a Saúde”; a de Bom Jesus, “Violência pela falta 145
de escola”; a de São João Batista, com a da da família (aborto, estupro) e
sacolão; a de Nossa senhora de Fátima, da violência policial, a de São
Francisco da fome e desemprego. Conforme o padre 72% dos moradores do
Mutirão estão desempregados.267
A CRÍTICA. 15 de setembro de 1994. Polícia.
COMPENSA III PROMOVE PROTESTO ANTIVIOLÊNCIA
Os moradores do bairro da Compensa III realizarão sábado uma passeata Em
Favor da Vida e Contra a Violência, chamando atenção das autoridades para
uma ação enérgica contra o crescente índice de violência no bairro,
principalmente contra a atuação de „galeras‟, responsáveis por constantes
conflitos, estupros e homicídios na área.
Organizada pela Associação de Moradores, pela Paróquia e pela Comissão
dos Direitos Humanos, a manifestação se concentrará a partir das 8h, na
pracinha em frente à escola estadual Quarentona e seguirá até à Feira
Modelo.
A Compensa repete as manifestações que a comunidade do Espírito Santo do
Mutirão Amazonino Mendes promoveu contra a violência das gangues de
rua, que desemncadearam perseguições a moradores que as denunciaram à
Polícia, incendiando a casa de uma família da comunidade, que, por sua vez,
ateara fogo na casa de um dos líderes das „galeras‟ que infestam o bairro.268
A CRÍTICA. 7 de janeiro de 1995. Polícia.
ADVERTÊNCIA NA POSSE
NOVO DELEGADO-GERAL ENQUADRA „GALERAS‟ EM CRIME
DE VADIAGEM
[...] Para desarticular as “galeras” ele irá trabalhar em conjunto com a Polícia
Militar e com o Juizado da Infância e Adolescência.
O novo delegado observou ainda que os reformatórios para adolescentes,
como o abrigo Dagmar Feitoza e Marisa Mendes deverão ser ampliados,
devido o crescente número de detenções que está previsto para os próximos
meses.
266 – Jornal A Crítica, 31/05/1994, p. Polícia. Matéria “Saldo de operações da PM. Presos 15
membros de galera e notificados 106 veículos”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
241
Conforme Sobrinho, os delegados dos DPs ficarão encarregados de realizar
um trabalho junto às comunidades para descobrir os locais onde se
concentram as gangues de rua. No levantamento constará o nome do líder,
dos integrantes e a área de atuação. 146
Para deter os acusados a Polícia deverá aplicar a Lei de Contravenção Penal
(vadiagem), isto é, a pessoa presa terá um prazo de 30 dias para se ocupar
com alguma atividade trabalhista, mesmo sem Carteira de Trabalho assinada.
Após a expiração deste período e caso ocorra uma nova detenção, a pessoa
será conduzida à penitenciária Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, por
infração à Lei.
[...]269
A CRÍTICA. 11 de janeiro de 1995. Polícia.
POPULAÇÃO AJUDARIA
CAIXAS COLETORAS DE DENÚNCIAS CONTRA „GALERAS‟
DEVEM VOLTAR
Uma idéia antiga, as caixas coletoras de denúncias sobre integrantes de
grupos de “galeras”, que muito sucesso fizeram há pelo menos três anos no
bairro da Compensa, podem ser reativadas em outros bairros e ajudar a
Polícia Civil a combater e diminuir os índices de criminalidade existentes,
uma prioridade da Secretaria de Segurança Pública, Justiça e Cidadania
(Sejusc).
As caixas comunitárias eram instaladas em centros comunitários e os
moradores que por ela ficavam responsáveis denunciavam, de forma
anônima, quais os jovens (e adultos) que faziam parte das gangues.
Autor da idéia, o delegado Rogério Tavares, preferiu não se estender sobre o
assunto, embora tivesse relembrado que as caixas coletoras surgiram quando
ele chefiou o 8º Distrito Policial, no bairro da Compensa.
“Este é um assunto que o delegado geral Francisco Sobrinho deverá estudar
com carinho, embora as caixas coletoras de denúncias tenham sido de muita
valia para o nosso trabalho”, observou o delegado.
[...] A Secretaria de Segurança, Justiça e Cidadania (Sejusc) também está
pensando em fotografar todos os elementos que sejam comprovadamente
integrantes dos grupos de “galeras”, denunciados pela população.270
A CRÍTICA. 18 de janeiro de 1995. Polícia.
267 – Jornal A Crítica, 31/07/1994, p. Polícia. Matéria “Na Cidade Nova sete comunidades promovem
passeata pedindo segurança”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
268 – Jornal A Crítica, 15/09/1994, p. Polícia. Matéria “Compensa II promove protesto antiviolência”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
242
OPERAÇÕES PEGAM SUSPEITOS E DEZ TIPOS DE ARMAS
Cinquenta e uma pessoas foram detidas durante a Operação “Antigalera”
realizada durante a sexta-feira e o sábado na periferia da cidade. Na blitze
que vem acontecendo todos os finais de semana foram apreendidos ainda sete 147
armas brancas (faca, punhal, terçado), três revólveres e um veículo [...].271
A CRÍTICA. 18 de abril de 1995. Polícia.
POLÍCIA CIVIL PREPARA GRANDE OPERAÇÃO CONTRA AS
„GALERAS‟
A AÇÃO SERÁ DE SURPRESA, DISSE O DELEGADO-GERAL
FRANCISCO SOBRINHO, AO FAZER UM BALANÇO DAS
OPERAÇÕES PADRÃO E ALELUIA
O delegado-geral Francisco Sobrinho anunciou ontem que está concluindo os
estudos para deflagrar uma operação antigaleras até o final deste mês. Sem
entrar em detalhes, “para termos o elemento surpresa a nosso favor”,
Sobrinho apenas revelou que os policiais estarão à paisana e que os carros a
serem utilizados durante a operação não estarão caracterizados.
O anúncio da operação foi feito na tarde de ontem quando o delegado-geral
reuniu jornalistas para divulgar os números das duas operações policiais, a
“Aleluia” e “Padrão” montadas durante o período da Semana Santa para
assegurar a tranquilidade da população.
Aos repórteres, o delegado-geral disse que foram detidas 50 pessoas, 14
armas foram apreendidas, duas prisões em flagrante de traficantes de drogas
foram efetuadas e que 78 carros foram vistoriados [...].
Foram apreendidas quatro revólveres de calibres variados, uma pistola, uma
escopeta, duas espingardas, dois terçados e três facas (com grupos de
“galeras) [...].272
A CRÍTICA. 5 de maio de 1995. Polícia.
NO SÃO JOSÉ OPERÁRIO II
FAMÍLIA DE MORTO POR „GALERA‟ PROMOVE PASSEATA
ANTIVIOLÊNCIA
A mãe do estudante Nélson Messias de Souza (16), morto a pauladas por uma
gangue no bairro de São José Operário II, Zona Leste, há duas semanas,
confirmou para amanhã, entre 9h e 10h, a realização de uma passeata
antiviolência pelas ruas do bairro.
269 – Jornal A Crítica, 7/01/1995, p. Polícia. Matéria “Advertência na posse. Novo delegado-geral
enquadra „galeras‟ em crime de vadiagem”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
270 – Jornal A Crítica, 11/01/1995, p. Polícia. Matéria “População ajudaria. Caixas coletoras de
denúncias contra „galeras‟ devem voltar”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
243
“Atualmente, pela quantidade de “galeras” que existem, o bairro de São José
é onde mais matam pessoas”, disse Maria do Carmo Messias de Souza, mãe
do estudante, cuja declaração é confirmada pela própria Polícia Civil, que
sempre inclui o bairro em suas operações policiais de finais de semana. 148
Segundo a mãe do estudante, que esteve ontem na redação deste jornal
acompanhada da ex–namorada do filho, a passeata pretende sensibilizar as
autoridades para exercerem um combate mais rigoroso contra os chamados
grupos de “galeras” que infernizam a vida dos moradores e são responsáveis
por grande parte dos casos de homicídios que ocorrem no bairro.
“Vamos às ruas para pedir ao secretário de Segurança, dr. Klinger Costa, que
reforce a segurança no São José”, disse Maria do Carmo. Segundo ela, o filho
Nélson foi assassinado depois de ter saído de uma festa na danceteria
“Scalibu” junto com a namorada, Lessandra Lima, que ainda saiu ferida.
Testemunha ocular do crime, Lessandra relembrou à A CRÍTICA que um
rapaz identificado como “Robson”, amigo de Nélson, acenou para ele ir ao
seu encontro após ter saído da danceteria, por volta de meia–noite.
“Logo que ele (Nélson) se aproximou, surgiram pelo menos 12 rapazes,
armados de paus, pedras e um revólver que foi disparado por três vezes.
Nenhum dos tiros acertou meu namorado que foi morto na minha frente”,
disse Lessandra, ao citar como acusados pelo homicídio “Macaxeira”,
“Antônio”, “Cereio” e o próprio “Robson”. Nélson era morador da rua 15,
número 12, etapa B e estudante da 5ª série da escola “Francisca Mendes”, em
São José Operário II.273
A CRÍTICA. 3 de junho de 1995. Polícia.
FECHAMENTO DE DANCETERIAS
MANIFESTAÇÃO CONTRA „GALERAS‟ DA COMPENSA ADIADA
POR CHUVA
A manifestação dos moradores, estudantes e professores do bairro da
Compensa, Zona Norte, que estava marcada para ontem foi transferida para a
próxima sexta-feira, às 9h, em frente à boate Nova Dancing. O ato, que tem
como finalidade pedir segurança para o local, foi transferido em
consequência da forte chuva de ontem. Os moradores pretendem fazer um
protesto gigante.
O assassinato do estudante Ivanildo Cunha Moreira (15), aluno do colégio
Eldah Bitton Teles (Quarentão), ocorrido no último domingo, por volta das
271 – Jornal A Crítica, 18/01/1995, p. Polícia. Matéria “Operações pegam suspeitos e dez tipos de
armas”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
272 – Jornal A Crítica, 18/04/1995, p. Polícia. Matéria “Polícia Civil prepara grande operação contra
as „galeras‟”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
244
21h incentivou a comunidade a ir às ruas para chamar atenção das
autoridades. De acordo com o professor Creomar Mota, a incidência da
violência, tendo à frente integrantes de gangues de rua, é uma das maiores
preocupações dos manifestantes.
Conforme Mota, o colégio já perdeu três alunos, vítimas de agressões
praticadas por “galeras”. Uma das funcionárias do colégio observou que, na 149
semana passada, uma jovem – estudante do Quarentão – escapou de ser
estuprada, quando se dirigia ao trabalho, por volta das 5h. “A sorte dela foi
ter escutado o barulho da movimentação de carro. Isso fez com que gritasse e
o estuprador fugisse, deixando-a despida”, afirmou.
No ato público os manifestantes irão pedir o fechamento de algumas
danceterias do bairro da Compensa, onde há constantes conflitos entre
adolescentes e jovens, muitos dos quais envolvidos em gangues de ruas.
“Esses locais atraem muitos jovens que integram „galeras‟. Armados de facas,
terçados, armas de fogos e pedaços de paus eles acabam atemorizando
qualquer pessoa”, disse uma residente.
[...]274
A CRÍTICA. 19 de abril de 1996. Polícia.
ACABA INTERVENÇÃO POLICIAL NA COMPENSA
MAIS DE CEM PESSOAS FORAM PRESAS E CERCA DE 140 ARMAS
APREENDIDAS DURANTE OS NOVE DIAS DE INTERVENÇÃO
OPERACIONAL NO 8º dISTRITO
O secretário de Justiça, Segurança Pública e Cidadania, Klinger Costa,
anunciou ontem o fim da “intervenção operacional” no 8º Distrito Policial
(DP), no bairro da Compensa, na zona Oeste. De acordo com ele, depois de
nove dias de intervenção, foram presas mais de 100 pessoas, inclusive
menores infratores; estouradas várias bocas-de-fumo e apreendidas cerca de
140 armas, sendo 36 delas de fogo.
Das mais de 100 pessoas presas, cinco foram mandadas à penitenciária
central, quatro delas por comercialização de entorpecentes e uma por estupro.
Seis menores foram remetidos ao abrigo de menores Dagmar Feitosa,
acusados de integrar gangues de rua do bairro.
[...]275
A CRÍTICA. 18 de maio de 1996. Polícia.
MORADORES FAZEM PASSEATA CONTRA VIOLÊNCIA
A presidente da Associação dos Moradores do Bairro de São Lázaro, Romy
273 – Jornal A Crítica, 5/05/1995, p. Polícia. Matéria “No São José Operário II. Família de morto por
„galera‟ promove passeata antiviolência”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
245
Cirino Mesquita, respondeu ontem que não pode ser responsabilizada pela
ocorrência de ações de gangues de ruas na comunidade, como foi acusada por
moradores. Na semana passada, duas pessoas foram assassinadas por
membros de “galera”. 150
“Como presidente da Associação não posso ser responsabilizada pela
violência que existe no bairro e não adianta acusar pessoas ou entidades,
porque a violência é causada pela falta de uma política social mais humana”,
alertou Romy Mesquita, anunciando para hoje uma passeata em protesto
contra a violência no bairro, que sairá às 17 horas de frente da igreja.
Ela esclareceu que as mortes não ocorreram dentro da quadra, mas em ruas
do bairro e a briga era entre “galeras”. “A festa ocorreu sem qualquer
incidente”, garantiu.
Romy Mesquita disse que a quadra é um bem da comunidade e é livre para
eventos, como atividades esportivas, sociais, folclóricas e religiosas, desde
que solicitada com antecedência.276
A CRÍTICA. 20 de maio de 1996. Polícia.
PASSEATA CONTRA A VIOLÊNCIA
Organizada pelo grupo jovem da igreja do bairro, com apoio da Associação
dos Moradores, entidades e estudantes, a comunidade de São Lázaro realizou
sábado à tarde uma passeata de repúdio à onda de violência no bairro,
condenando principalmente a ação de gangues de rua. Na semana passada,
duas pessoas foram mortas em ataques de “galeras” nas proximidades da
quadra desportiva da comunidade. Na sexta-feira, uma gangue tentou invadir
o colégio antóvila Mourão Vieira para agarrar uma aluna, da qual queria
saber onde estava o namorado dela. A passeata serviu para chamar a atenção
das autoridades de segurança para o problema.277
A CRÍTICA. 21 de maio de 1996. Polícia.
SÃO LÁZARO PEDE O FIM DA AÇÃO DAS „GALERAS‟
A PASSEATA DE SÁBADO CHAMOU ATENÇÃO DA DELEGACIA DE
POLÍCIA DO BAIRRO, QUE NÃO TEM VEÍCULO PARA ATENDER OS
APELOS DA COMUNIDADE
Sob a ameaça de membros das três galeras que atuam no bairro, a
comunidade organizada do São Lázaro realizou, sábado, uma passeata com
cerca de 500 pessoas. “Nossa passeata só não foi maior porque teve gente
274 – Jornal A Crítica, 3/06/1995, p. Polícia. Matéria “Fechamento de danceterias. Manifestação
contra „galeras‟ da Compensa adiada por chuva”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
275 – Jornal A Crítica, 19/04/1996, p. Polícia. Matéria “Acaba intervenção policial na Compensa”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
246
com medo”, disse um membro da Pastoral Vocacional da Igreja Católica, que
pediu para não ter seu nome divulgado.
A passeata percorreu as ruas dos bairros de São Lázaro e Betânia, alertando
os moradores para o problema, que, de acordo com a presidente da 151
Associação Comunitária, Romy Cirino Mesquita, “não se resume apenas à
violência”. São Lázaro reclama de alternativas de lazer também, como
quadras de esporte. “É uma forma de integrarmos o adolescente à
comunidade”, diz líder da comunidade, que prepara um abaixo-assinado
como mais de mil assinaturas para ser levado “às autoridades”.
O vice-coordenador, Raicler Ferreira, da Juventude Unida na Fé (JUF), disse
que a passeata serviu como um grito de alerta para o problema da violência
na comunidade do São Lázaro. “Nós queremos paz para nosso bairro”, conta.
A falta de segurança é total, principalmente, para quem transita nas ruas após
as 22h. Além da prática do “goelo”, como é chamado o roubo de cordões,
pulseiras e anéis contra as pessoas, as galeras costumam “sangrar” as nádegas
das vítimas, com golpes de facas e canivetes, no momento da abordagem.
A falta de segurança em São Lázaro atinge os alunos dos colégios. Com o 2º
Distrito Policial instalado em sua área, os moradores afirmam que não
adianta ligar porque os policiais civis alegam que não tem viaturas para
combater a ação das “galeras”.278
A CRÍTICA. 19 de agosto de 1996. Polícia.
NOVO PLANO DEVE COMBATER AS „GALERAS‟
Com o objetivo de buscar o apoio da comunidade no sentido de combater a
violência na região Oeste da cidade, o secretário Klinger Costa, o delegado-
geral da Polícia Civil, Petrônio Carvalho, e o delegado-geral-adjunto, Mário
César Nunes, juntamente com uma equipe de delegados, reuniram-se, na
sexta-feira passada, com os líderes comunitários dessa área para traçar um
plano de trabalho conjunto, em que a comunidade dá informações e a Polícia,
a ação repressiva, no combate permanente às chamadas “galeras de ruas” e
outras ações delituosas.
Hoje, conforme estatísticas apresentadas pela Polícia Civil, a região Oeste é a
segunda mais violenta de Manaus, perdendo apenas para a região Leste. A
reunião teve como ponto principal orientar os líderes a fazerem uso do
sistemas 147 - Disque Denúncia, sem precisar que a pessoa que está
denunciando se identifique.
276 – Jornal A Crítica, 18/05/1996, p. Polícia. Matéria “Moradores fazem passeata contra violência”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
277 – Jornal A Crítica, 20/05/1996, p. Polícia. Matéria “Passeata contra a violência”. Biblioteca Pública
do Estado do Amazonas.
247
O delegado-geral lembrou que só com a ajuda da comunidade pode-se
diminuir os índices de violência nos bairros da área Oeste e adjacências.
Klinger anunciou a chegada das novas viaturas da Polícia Civil, no Próximo
dia 5 de setembro.279
152
A CRÍTICA. 21 de agosto de 1996. Polícia.
COMUNIDADES FAZEM PASSEATA PELA PAZ
Líderes comunitários da Zona Leste de Manaus, tendo à frente o presidente
da Associação da Comunidade do Zumbi dos Palmares, Genervino Valério de
Souza, vão promover, no próximo sábado, uma Passeata pela Paz naquela
área, considerada a mais violenta da cidade. Para a manifestação, as
lideranças pediram o apoio da própria Polícia Civil, Ordem dos Advogados
do Brasil, Ministério Público e Centro de defesa dos Direitos Humanos
(CDDH).
Conforme Genervino, “a gota para a realização dessa passeata foi o brutal
assassinato de uma jovem de 16 anos, entre cujos autores estão dois
menores”. Ele disse que o crime “não foi cometido por seres humanos, mas
por verdadeiras bestas”.
A adolescente foi espancada, desnudada, estuprada e executada a golpes de
terçado, características de ação de gangues de rua que atuam na Zona Leste.
Um dos acusados já se encontra detido, enquanto a Polícia procura os outros
dois apontados.
A Passeata pela Paz na Zona Leste sairá às 9 horas, da chamada “Bola” do
São José, nas proximidades do shopping Grande Circular. “Estamos
convidando não só as comunidades da Zona Leste, mas todas as comunidades
que estão enfrentando a ação das chamadas galeras”, disse Genervino.280
A CRÍTICA. 26 de agosto de 1996. Página A11 (Polícia).
COMUNIDADES ENTREGAM MANIFESTO AO MINISTRO JOBIM
Cláudia Guerra
O presidente da Associação comunitária do Zumbi do Palmares, Genervino
Silvério de Souza, informou que será levado ao Ministro da Justiça, Nelson
Jobim, e ao governador Amazonino Mendes, um manifesto com as
reinvindicações das comunidades da Zona Leste. Entre as reinvindicações
está a liberação dos menores somente em caso de comprovada a inocência,
caso contrário serão entregues aos órgãos de defesa da criança e do
adolescente; aos Centro dos Direitos Humanos, para acompanhamento,
278 – Jornal A Crítica, 21/05/1996, p. Polícia. Matéria “São Lázaro pede o fim da ação das „galeras‟”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
279 – Jornal A Crítica, 19/08/1996, p. Polícia. Matéria “Novo plano deve combater as „galeras‟”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
248
incluindo os programas de recuperação.
No caso de crimes hediondos, como assassinatos e estupros, praticados por
menores ou com participação destes, seriam julgados juntamente com os
maiores. As organizações governamentais e não-governamentais que
defendem e colocam nas ruas o menor infrator, deverão se tornar
responsáveis pelo mesmo, pelo futuro e pelas ações. 153
No documento os manifestantes pedem ainda que, no futuro, comissões de
defesa dos direitos humanos passem a ouvir em primeiro lugar as lideranças
comunitárias, “sem segundas intenções ou partidarismo”. “Na semana
passada um rapaz, conhecido como „Marquinho‟, ia ser liberado após ser
encontrado com uma arma caseira, quando soubemos levamos as vítimas
dele. Três mulheres que ficaram deformadas pelos golpes de terçados dados
por esse membro de galera”, disse Genervino, lembrando que há meses a
comunidade vem lutando para a criação de um conselho distrital e zonais
com a participação efetiva das lideranças comunitárias, que logo deverão
estar funcionando.281
A CRÍTICA. 5 de setembro de 1996. Página C15 (Polícia).
MEDO NAS ESCOLAS
NOVO ISRAEL REALIZA PASSEATA ANTIVIOLÊNCIA
Os moradores de Novo Israel decidiram ir à luta pela conquista da paz no
bairro. Ontem, das 8h30 às 9h30, mais de três mil pessoas fizeram uma
passeata ao redor da escola de 1º e 2º graus Dulcinéia Varella, carregando
cartazes com pedidos de não à violência.
A iniciativa partiu de alunos e professores do Dulcinéia Varella, orientados
pelo diretor Paulino Santos. Outros estabelecimentos de ensino do bairro,
assim como a igreja católica e entidades comunitárias de Novo Israel, se
uniram à causa e juntos reivindicaram maior policiamento na área.
De acordo com Paulino, a situação no bairro não poderia ser mais
preocupante. Ele conta que, além dos homicídios, assaltos e estupros
constantes, os estudantes deparam-se diariamente com ataques de membros
de galera, que os impedem de estudar e chegam até mesmo a ameaçá-los de
morte. “Nos turnos da tarde e noite a situação fica ainda pior. Como o muro
do colégio é baixo, os marginais entram na escola e praticam roubos. Na
sexta-feira passada duas estudantes foram assaltadas. Os ladrões levaram seus
cordões de ouro e, ao serem expulsos do local, prometeram voltar e voltaram
mais tarde com terçados”.
O diretor da escola Dulcinéia Varella está preparando um documento em
280 – Jornal A Crítica, 21/08/1996, p. Polícia. Matéria “Comunidades fazem passeata pela paz”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
249
conjunto com representantes da Associação de Pais e Mestres e entidades
comunitárias para entregar, na próxima quinta-feira, ao secretário de
Educação, José Melo. “Vamos expor nossos problemas no abaixo-assinado e
solicitar que o muro do colégio seja aumentado, assim como a cobertura da
quadra de esporte. Também pediremos ao major Francisco das Chagas
Lisboa, responsável pelo 6º Batalhão da Polícia Militar, policiamento 154
ostensivo”, avisa Paulino.282
A CRÍTICA. 22 de outubro de 1996. Polícia.
QUALIDADE É DESTACADA
„OPERAÇÃO IMPACTO‟ DETEVE 257 PESSOAS EM TRÊS DIAS DE
AÇÕES
O compasso (instrumento escolar utilizado para demarcar círculos) é a nova
arma de membros de gangue de rua. O objeto, encontrado em poder de um
membro de gangue de rua na Cidade Nova (Zona Norte), surpreendeu
policiais militares que participavam da “Operação Impacto”, ocorrido durante
o final de semana em toda a cidade, quando foram detidas 257 pessoas, a
maioria por desordem, além de várias armas apreendidas. Mais de 500
homens foram utilizados na operação.
De acordo com o coronel Raimundo Encarnação, comandante do Comando
do Policiamento da Capital (CPC), [...] “Todos os batalhões participaram da
operação, quando as equipes fecharam cada bairro trabalhado, conseguindo,
com isso, um resultado totalmente favorável no que se refere a apreensão de
armas e desfecho de gangues de rua”, disse ele.
Em toda a cidade foram apreendidas, além do compasso, três pistolas 765,
uma espingarda, dois revólveres calibre 38, duas barras de ferro, dois
terçados, 10 canivetes, dois estiletes, e 27 facas tipo peixeira. “A maior parte
das apreensões de armas e de pessoas ocorreu, como já era esperado, na Zona
Leste [...].283
A CRÍTICA. 26 de janeiro de 1997. Polícia.
BATIDA RETIRA MENORES DE DANCETERIAS
A AÇÃO DA POLÍCIA MILITAR TERÁ PARTICIPAÇÃO DE
VIGILANTES DO JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE E DA
DEOPS, ABRANGENDO TODAS DANCETERIAS
O tenente-coronel PM Moacyr Carioca, chefe da 5ª Seção da Polícia Militar,
anunciou ontem que a segunda fase da operação “Pente Fino” será
direcionada aos proprietários das danceterias e discotecas situadas no centro
281 – Jornal A Crítica, 26/08/1996, p. Polícia. Matéria “Comunidades entregam manifesto ao
ministro Jobim”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
250
comercial de Manaus. “As casas não podem permitir menores em suas
dependências porque ferem a lei”, observou o oficial PM.
Em cerca de três horas de ação realizada domingo passado, os comissários de
menores e os homens da Polícia Militar visitaram as principais danceterias 155
localizadas na área central da cidade.
Entre as detenções de 401 adolescentes, 22 deles tinham 11 anos de idade, o
que chamou a atenção das autoridades do sistema de segurança, admitindo
que uma mudança de comportamento desejada não se resume apenas a ações
de polícia dos órgãos de segurança.
“Os pais e os donos de danceterias têm sua parte neste processo”, explicou.
A próxima operação policial, marcada para hoje, terá a participação dos
agentes da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops). A medida pretende
verificar se as casas noturnas de diversão estão com as taxas de
funcionamento pagas junto à Secretaria de fazenda do Estado (Sefaz).
O QUE REGULAMENTA A PORTARIA
[...] “A Polícia Militar e o Juizado de Menores atuam juntos para fazer
cumprir a portaria 02/96 do juiz da Infância e da Juventude, Antônio Celso da
Silva Gióia”, disse.
Para regular a entrada e permanência de crianças e adolescentes menores de
18 anos, nas casas que exploram comercialmente bilhar, sinuca, diversões
eletrônicas e vídeo games em geral, o juiz Celso Gióia assinou a portaria
02/96, em junho de 1996, determinando que o acesso de menores fica
regulado da seguinte forma: a) até às 20h, para menores de 10 a 14 anos; b)
Até às 22h, para menores de 15 a 18 anos.
[...] Carioca disse ainda que não será permitido o acesso e a permanência de
crianças e adolescentes nas danceterias, em qualquer horário, vestindo
uniforme escolar, portando material escolar ou qualquer indício que evidencie
a evasão escolar.
[...]284
A CRÍTICA. 29 de janeiro de 1997. Polícia.
DANCETERIAS NÃO ABREM
O anúncio de que uma blitz policial iria retirar menores das danceterias do
centro da cidade fez com que as discotecas não abrissem as portas no
domingo passado. O chefe da 5ª Seção da PM-AM, tenente-coronel Moacyr
Carioca, considerou “louvável” o comportamento dos donos dessas casas.285
282 – Jornal A Crítica, 5/09/1996, p. Polícia. Matéria “Medo nas escolas. Novo Israel realiza passeata
antiviolência”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
283 – Jornal A Crítica, 22/10/1996, p. Polícia. Matéria “Qualidade é destacada. „Operação Impacto‟
deteve 257 pessoas em três dias de ações”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
251
A CRÍTICA. 1º de fevereiro de 1998. Polícia.
GRUPO DE SEGURANÇA PROVOCA POLÊMICA
POLICIAL MILITAR CRIA „DRAGÕES DA NOITE‟ PARA COMBATER 156
GALERAS NO BAIRRO AMAZONINO MENDES II E É ACUSADO DE
PRÁTICA DE VIOLÊNCIA POR MORADORES
José Polari
A criação de uma guarnição comunitária no bairro Amazonino Mendes II -
Mutirão (Zona Leste) está causando polêmica devido sua atuação no área e
por seu caráter paramilitar. O grupo é organizado pelo soldado do 7º Batalhão
de Polícia Militar, Arnaldo Lima, que também dá treinamento militar de
bastão 90, técnica que consiste em dominar as pessoas por meio de cassetete.
Denominado de “Dragões da Noite”, o grupo é acusado de espancar pessoas
menores de idade, suspeitos de pertencerem às galeras, de os manterem em
cárcere privado dentro da casa do policial e, ainda, de obrigar os moradores
do bairro a pagar uma taxa de segurança no valor de R$ 10. Entretanto, Lima
defende a presença dos “dragões” na vigilância das ruas porque os mesmos
combatem as galeras, mantêm a segurança no local e evitam muitos roubos às
residências.
“Quem nos acusa de violentos são aqueles que querem manter a presidência
da associação de moradores, mas nosso trabalho está sendo elogiado pelos
moradores, que se sentem mais seguros com a presença dos nossos
patrulheiros”, argumenta Lima. O policial disse que seu comandante, coronel
PM Henriques, sabe da atuação dos patrulheiros, mas também o ordenou a
não usar o nome nem o uniforme da corporação militar em sua atividade.
De acordo com Lima, antes ninguém no bairro podia andar nas ruas porque
corria o risco de ser assaltado e muitas meninas foram estupradas por
membros de galeras. “Com a criação dos “dragões”, no mês de novembro do
ano passado, agora reina tranquilidade nas ruas, porque acabaram as brigas e
os marginais pararam de atuar dentro de nossos limites”, declarou o policial,
acrescentando que o grupo atua com 25 homens, geralmente moradores de
outros bairros, que não tinham oportunidade de emprego, mas agora podem
ganhar o sustento de suas famílias. Segundo Lima, cada patrulheiro recebe
por mês R$ 200.
Segundo Lima, seu grupo já manteve diversos conflitos com as gelaras
[galeras] do bairro, tendo inclusive tomado armas brancas, como peixeiras e
284 – Jornal A Crítica, 26/01/1997, p. Polícia. Matéria “Batida retira menores de danceteria”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
285 – Jornal A Crítica, 29/01/1997. Polícia. Matéria “Danceterias não abrem”. Biblioteca Pública do
Estado do Amazonas.
252
terçados, todas em poder de menores de idade. O policial disse que, devido
eles estarem mantendo a ordem e tranquilidade no conjunto, trabalho que
vem sendo elogiado pelos demais moradores, isto tem causado ciúmes nas
pessoas que fazem parte da presidência da associação de moradores, partindo
delas as denúncias de agressão contra os membros de galeras.
“Quando abordamos esses elementos e constatamos que estão drogados ou
armados, os encaminhamos até minha casa e de lá entramso [entramos] em
contato com a Polícia Militar ou Civil para que os prendam”, afirmou Lima.
O soldado disse que nos diversos confrontos que tiveram com membros de
galeras, nunca houve feridos ou mortos. “Apenas os detemos e aguardamos
os policiais para levá-los até a delegacia”, explicou.
Sobre a cobrança irregular da taxa de R$ 10 dos moradores, Lima comentou
que realmente cobra esta quantia para pagar os salários dos patrulheiros e
também para compra de material, mas só paga quem pode e quem quer. Lima
disse saber que seu trabalho ainda é ilegal porque não está regularizado nos
órgãos competentes, mas tem recebido apoio de diversas autoridades, entre
elas o deputado João Fonseca Junior, o Janjão.
Entretanto, o deputado Janjão disse desconhecer a existência do grupo
“Dragões da Noite” e negou que tenha prometido fornecer materiais e
uniformes para o soldado Lima. “Tenho um trabalho assistencial muito
grande no bairro Amazonino Mendes II, mas que consiste apenas nas
melhorias estruturais do local, como reforma em escolas e postos médicos”,
comentou.
Segundo o deputado, ele jamais poderia apoiar tal iniciativa, porque confia
nas instituições, tanto da Polícia Militar quanto da Civil, e por admirar
bastante o trabalho desenvolvido pelo secretário de Segurança Pública,
Klinger Costa.
Comandante conhece trabalho
O comandante do 7º Batalhão da Polícia Militar, coronel PM Fernandes
Chaves Henriques, disse que não autorizou o soldado Arnaldo Lima a formar
grupo de vigilância privada, mas disse ter conhecimento do trabalho dele no
bairro Amazonino Mendes II, [...].
Segundo o coronel, o soldado faz o sérvio sem utilizar o nome da corporação
e que seu serviço de informação foi destacado para o local e constatou que os
moradores que pagam a taxa de R$ 10, o fazem espontaneamente. “As
informações que temos dizem que todas essas denúncias de agressão, que
fazem contra o grupo de segurança, partem de pessoas que brigam pela
presidência da associação de moradores do local”, disse o coronel,
acrescentando que este tipo de assunto não diz respeito, diretamente, a Polícia
Militar.
253
De acordo com o coronel Henriques, o soldado Lima, no início, chegou a lhe
solicitar o fornecimento de armas de fogo e bastões para seus patrulheiros,
mas o comandante negou e ainda o aconselhou a não armas os “dragões”,
para evitar maiores problemas. “O soldado Lima está ciente de que se usar
revólveres ou o nome da corporação pode ser preso”, declarou Henriques.
Segundo o coronel, ele já chamou o soldado diversas vezes para cobrar
explicações sobre o funcionamento do grupo de segurança particular, tendo
inclusive alertado sobre a legislação existente para esta finalidade. Para o
coronel, o que existe no bairro Amazonino Mendes é um grupo de segurança
que funciona de forma irregular. O coronel negou tratar de um grupo
paramilitar, mesmo porque Lima já prometeu registrar os “Dragões da Noite”
junto aos órgãos competentes.
Moradores fazem denúncia de violência
Nunca tive problemas com os vigilantes, mas já os vi prenderem uma pessoa
cheirando cola, amarrarem o saco em sua mão e desfilarem com ele pelas
ruas do bairro”, denunciou um morador, que preferiu manter seu nome em
sigilo. Este mesmo morador, porém, disse que depois que os vigilantes
passaram a fazer ronda no bairro, acabaram as brigas de galeras e também os
assaltos.
De acordo com esse morador, uma vez ele teve problemas com os seguranças
do Alexandre, grupo antigo que vigiava o local, porque estava bêbado, mas
estes nunca prendiam, como fazem os patrulheiros do Lima. “Quando as
pessoas aqui são presas e levadas para a casa do policial, sofrem os piores
constrangimentos e, até a chegada da viatura da PM, são espancados”,
afirmou.
Outro morador, que também não quis se identificar, disse que uma vez sua
irmã foi agredida por membros de uma galera e ele chamou os patrulheiros
para fazer a prisão dos elementos, mas quando chegaram ao local onde eles
estavam, esses eram amigos dos “dragões”, e então passou a ser agredido
como se fosse ele o errado. “Existe muita proteção para determinadas
pessoas, que podem fazer tudo, e outros não podem fazer nada e, se
reclamarem, podem até apanhar”, denunciou.
Já o vice-presidente da Associação de Moradores do bairro Amazonino
Mendes II, Domingos Torres Neto, disse que nunca teve problema com a
segurança do soldado Lima, mas que fiscaliza o trabalho dos patrulheiros
para evitar os excessos. De acordo com Neto, a atuação dos “dragões” é
positiva porque diminuiu bastante a marginalidade no local.
Entretanto, Neto declarou que os casos de denúncias de violência se devem
porque o trabalho de vigilante não agrada a todos, uma vez que algumas
pessoas que foram presas reclamaram de terem sido espancadas na casa de
254
Lima. “Ninguém tem o direito de bater nas pessoas, mas se essas denúncias
chegarem até mim, tomo as devidas providências”, declarou Neto,
acrescentando que o trabalho dos “dragões” tem sido positivo.286
A CRÍTICA. 7 de março de 1998. Polícia.
SÃO SEBASTIÃO 157
BAIRRO FAZ PASSEATA CONTRA AÇÃO DE „GALERA‟
Moradores do bairro São Sebastião (Zona Sul) realizaram na tarde ontem
uma manifestação pelas ruas da comunidade, para protestar contra o aumento
de violência no local. Os manifestantes pediam justiça para os assassinos do
morador Daniel Rodrigues, 48, morto no dia 7 de fevereiro último, quando
foi atacado por membros de galera para roubar apenas R$ 2.
“Este pai de família foi atacada por mais de dez menores, membros de galera,
que o espancaram no meio da rua até à morte, tudo porque o mesmo tinha
pouco dinheiro no bolso”, acusou Edmilson Lucena Gomes, presidente da
Associação de Moradores do São Sebastião. Gomes disse que os menores
chegaram a ser presos pela polícia, mas foram libertados pela Justiça, através
de advogados, e agora encontram-se em liberdade e prontos para fazer novas
vítimas.
Para o presidente da associação e organizador da passeata, a violência no
bairro está fora de controle porque as galeras tomaram conta do lugar,
promovendo as maiores atrocidades contra os moradores. Ele denuncia que
os membros de galera promovem roubo sistemático contra a população,
como “goelo” e ultimamente aumentou também o número de estupros contra
as mulheres.
“Quando a polícia prende, a família desses delinquentes chegam a vender
suas casas para pagar advogados e assim pôr em liberdade esses marginais”,
disse Gomes. O presidente da associação denunciou que está sendo ameaçado
de morte por pais de adolescentes infratores, porque iniciou uma cruzada para
combater a violência no bairro, o que está dessagrando [desagradando]
algumas pessoas que se aproveitam da violência em proveito próprio.
Com cartazes nos quais pediam o fim da violência e punição para os
membros de galeras, os manifestantes seguiram em direção ao terminal de
ônibus do bairro de Petrópolis, onde foi realizada uma missa campal, rezada
pelo frei Miguel, pároco da comunidade.
O padre disse não estar muito a par da situação da comunidade porque
chegou de Belém há pouco mais de três semanas, mas revelou que escuta
muitas histórias de violência e impunidade acontecida no local. “Estamos
286 – Jornal A Crítica, 1/02/1998, p. Polícia. Matéria “Grupo de segurança provoca polêmica”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
255
tentando reverter esse situação, porque aqui estamos todos caminhando
alegremente, em defesa de vidas”, disse o pároco.287
A CRÍTICA. 1º de novembro de 1998. Página A2. Geral.
BAIRRO ARMANDO MENDES
PASSEATA ALERTA PARA A VIOLÊNCIA 158
Jovens do bairro Armando Mendes realizaram ontem uma manifestação para
chamar a atenção dos moradores do bairro e das polícias para a onda de
violência que impera no bairro principalmente nos finais de semana quando
pessoas são assassinadas e outras são feridas devido à ação das galeras que
tomam conta das ruas.
A manifestação foi organizadas pelos próprios jovens que participam de
associações religiosas sob a coordenação de Renê Prestes e contou também
com a colaboração de membros da União da Juventude Socialista (UJS) na
pessoa de seu presidente, o advogado Marcelo Ramos.
Com um carro de som e fanfarra da escola do bairro, eles percorreram as
principais ruas do bairro convidando os outros moradores para participar do
movimento contra a violência e falando sobre os últimos casos ocorridos no
bairro.
O coordenador informou que as galeras estão tomando conta do bairro e
quando as mesmas se encontram para brigar deixam um rastro de sangue. No
final da semana passada, o palco da violência foi a praça do Amor, localizada
em frente à escola Maria Madalena.
Mais de 20 jovens brigavam entre si armados com terçado, facas e gargalo de
garrafa. O resultado foi uma morte e nove feridos que foram levados para o
pronto-socorro 28 de Agosto. Os três policiais do PPO do bairro não puderam
fazer nada.
Depois das 22hs quem sai às ruas corre o risco de ser atacado pelos bandos.
Na ponte do Areal, localizada na parte baixa do bairro, os delinquentes estão
cobrando pedágio e quem se nega a pagar é espancado e jogado no igarapé.
O advogado Marcelo Ramos acredita que, para acabar com a violência, não
basta colocar polícia nas ruas, mas oferecer opções de vida para a população
jovem como emprego, mais escola, lazer e esporte.288
A CRÍTICA. 5 de maio de 1999. 1ª Página.
POLÍCIA
“GALERA‟ REUNIDA
Numa operação combinada com os próprios moradores, a Polícia Militar
287 – Jornal A Crítica, 7/03/1998, p. Polícia. Matéria “São Sebastião. Bairro faz passeata contra ação
de „galera‟”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
256
fechou ontem à tarde todas as vias de acesso do Igarapé do 40 e prendeu 14
jovens (foto) acusados de aterrorizar a comunidade. Os policiais do 1º BPM
chegaram às 15h e fizeram o que chamam de “saturação” da área – ocuparam
as entradas e saídas do bairro e avançaram até o campo de futebol, onde os
menores e adolescentes foram encurralados. Os supostos infratores foram
acusados pelos moradores de cobrar pedágio na ponte do bairro, roubar casas 159
e agredir as pessoas. Dois deles teriam praticado homicídios. O grupo, do
qual fazia parte uma mulher, foi encaminhado para o 1º DP e para a
Delegacia de Menores. PÁGINA a2289
A CRÍTICA. 8 de maio de 1999. 1ª Página.
POLÍCIA FAZ MEGAOPERAÇÃO
A Polícia Militar mobilizou 975 homens de seu contingente numa
megaoperação de combate à violência, que começou ontem à noite e
terminou na madrugada de hoje, nos principais bairros de Manaus. Os
quartéis foram esvaziados e até os policiais que trabalham em setores
administrativos da corporação participaram da ação denominada “Águia
Zero”. O principal objetivo é desarmar a população e impedir a ação de
“galeras”. PÁGINA a2290
A CRÍTICA. 30 de maio de 1999. Página C4 e C5. Cidades.
QUANDO NÃO MATAM, FEREM
MUTILADOS POR GALERAS
GANGUES DE RUA DEIXAM SUA MARCA PELOS BAIRROS ONDE
ANDAM. NÃO FALTAM RELATOS DE VIOLÊNCIA
Registros de mutilação estão mais concentrados na Zona Leste, uma área
populosa e carente da cidade. A maioria dos moradores já sofreu ou
presenciou agressões
GUERRA DE GANGUES (PARTE I)
SÍGLIA REGINA
E ORLANDO FARIAS
Existe uma guerra silenciosa acontecendo na periferia de Manaus. A violência
das galeras ou gangues de rua está formando uma legião de pessoas
mutiladas, feridas, marcadas pelo medo e pela dor.
Durante o ano passado, 2.217 pessoas foram vítimas de atentados cometidos
por armas brancas, que incluem facas, terçados, canivetes e outros
instrumentos perfurantes ou cortantes. Outras 2.630 sofreram agressão física
288 – Jornal A Crítica, 1/11/1998, p. A2 (Geral). Matéria “Bairro Armando Mendes. Passeata alerta
para a violência”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
257
em 1998. Esses números foram registrados pelo pronto-socorro 28 de Agosto,
que até o ano passado concentrava os atendimentos de emergência no setor
público.
Os ferimentos por arma de fogo não costumam ser associados às galeras, que
em geral usam armas não-convencionais, como pedaços de madeira, tijolos, 160
terçados, enxadas e outras ferramentas para ferir e matar. Pela característica
do armamento das galeras, a violência se torna mais cruel. As vítimas,
quando não morrem, ficam com cicatrizes ou têm seus membros e órgãos
comprometidos.
O atendimento médico para casos de violência também fica mais complexo e
oneroso, lembra o diretor Orestes Guimaraes, que dirige os dois maiores
pronto-socorros de Manaus, o 28 de Agosto e o João Lúcio Machado, na
Zona Leste. O tratamento de uma pessoa que recebeu facadas não sai por
menos de R$ 3 mil, e se o paciente for internado em Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) o valor sobe para R$ 10 mil. “É um custo que poderia ser
evitado porque a violência também poderia ser evitada”, lembra o diretor.
Até o ano passado, quando o pronto-socorro 28 de Agosto concentrava os
atendimentos de emergência na cidade, 40% eram decorrentes de violência,
incluindo aí também os acidentes de trânsito.
Quase a metade dos casos de violência vinha da Zona Leste, que é também a
mais populosa e que concentra grande índice de pobreza. Oronto-socorro
João Lúcio Machado, que funciona há oito meses, foi criado para atender
essa demanda. Só neste ano, no período de janeiro a abril, foram atendidos
624 casos de pessoas vítimas de agressões físicas e ferimentos por armas
brancas.
Em apenas um mês, em dezembro de 1998, foi possível identificar 75 casos
em que as vítimas afirmaram ter sido atacadas por galeras. As entrevistas com
as vítimas foram feitas pelo próprio pronto-socorro, a pedido do governador
Amazonino Mendes, durante uma visita aos pacientes. Os dados tinham a
finalidade de servir como amostragem da origem dos casos de violência.
Considerando essa amostragem, é como se a cada dia pelo menos três
pessoas sofressem espancamentos, facadas ou golpes de outra natureza,
praticados pelas gangues de rua. Durante um ano seriam mais de mil vítimas,
só de galeras. “É um número ainda abaixo da realidade porque o pronto-
socorro da Zona Leste estava em início de atividade quando foi feito o
levantamento”, observa o diretor.
[...]
289 – Jornal A Crítica, 5/05/1999, p. Polícia. Matéria “Polícia. „Galera‟ reunida”. Biblioteca Pública do
Estado do Amazonas.
290 – Jornal A Crítica, 8/05/1999, 1ª Página. Matéria “Polícia faz megaoperação”. Biblioteca Pública do
Estado do Amazonas.
258
Polícia acompanha
Um estudo pormenorizado da Secretaria Estadual de Segurança Pública
indica que o fenômeno das gangues de rua, que em Manaus são mais
conhecidas por galeras – está muito longe de ser erradicado socialmente. Pelo
menos, demonstra que o Estado já se conscientizou de que esse é um
problema sério e determinante do grau de violência na cidade. Por isso
mesmo, desde 1991, quando um relatório da Polícia Militar do Estado
indicou que 70% dos crimes em Manaus eram praticados por esses jovens
organizados, as gangues passaram a ser acompanhadas mais de perto.
Apenas nos cinco primeiros meses deste ano, segundo o levantamento da
Secretaria de Segurança, já aconteceram 442 ataques de galeras. A Zona
Leste de Manaus, constituída por favelas e bairros populosos surgidos por
ocupação desordenada nos últimos 15 anos, é a área campeã.
No total, as estatísticas indicam o registro de 138 casos e a maioria deles no
bairro São José Operário, apontado como o maior em concentração de
„galerosos‟, com a crônica policial em Manaus costuma citar os membros das
gangues.
Controle
O secretário estadual de Segurança Pública, Klinger Costa, diz que pelo
menos o aparelho policial tem maior controle sobre elas. “O problema é sério
porque envolve menores de idade”, resume. Uma maior familiaridade de
como as galeras atuam em Manaus, incluindo táticas como a infiltragem em
algumas das mais violentas e atuantes, permitiu que a polícia conseguisse
prender vários chefes de gangues.
O problema é que elas parecem se renovar de forma contínua e progressiva.
No bairro São José Operário, duas professoras que tiveram filhos
massacrados por uma delas, garantem que o número de gangues
simplesmente dobrou nos últimos tempos. “Há pelo menos um fato novo:
eles deixaram de se digladiar entre si e estão combatendo galeras de outros
bairros”, diz uma das professores [professoras].
[...]291
A CRÍTICA. 10 e 11 de outubro de 1999. Página C1. Cidades.
PROJETO MUNICIPAL
GALERAS AMPARADAS
PROGRAMAS SOCIAIS CHEGARÃO ÀS GANGUES DE RUA
Meta inicial da prefeitura é livrar cerca de dois mil jovens de Manaus da
marginalidade, dando-lhes condições de trabalhar, estudar e ter direito à
saúde e entretenimento
A Prefeitura de Manaus vai entrar forte no combate à violência praticada
259
pelas chamadas galeras, que reúnem, principalmente, adolescentes dos
bairros de periferia da cidade. O prefeito Alfredo Nascimento decidiu, após
análise de um amplo estudo sobre a violência em Manaus, estender os
programas sociais da Prefeitura aos integrantes das galeras, dando-lhes
condições de trabalho, saúde, educação e cultura, para que possam deixar a
prática do crime. A meta é beneficiar cerca de dois mil jovens. 161
“Vamos dar condições para os que querem se livrar da marginalidade
abandonarem as galeras, prestando toda assistência possível, assim como já
começamos a fazer com as crianças que moravam nas ruas e viviam
drogadas”, explicou Alfredo.
O projeto “Sou jovem, sou da paz” está sendo elaborado há ais de três meses
por equipe de especialistas designados pelo prefeito. A espinha dorsal do
programa está pronta e, agora, Alfredo quer discuti-la com o Ministério
Público, Universidades do Amazonas e outras dezenas de entidades
religiosas, governamentais e não-governamentais interessadas no assunto.
Cadastro
Alfredo tem em mãos um cadastro de membros de galeras de vários bairros,
elaborado pela Polícia Civil. “O combate à violência e a reintegração desses
jovens à sociedade são deveres de todos”, justificou, garantido que o forte do
projeto é o combate às causas da desordem social, através de programas
sociais, uma vez que a Prefeitura não tem funções de policiamento ostensivo
e de polícia judiciária.
DESTINO É A PRISÃO
Caça a quem não aproveitar
Há pelo menos dois meses, o prefeito Alfredo Nascimento vem se reunindo
semanalmente com delegados, assistentes sociais, psicólogos, educadores e
médicos para ouvir sugestões, discutir soluções e viabilizar um programa
consistente, maduro, que fuja das promessas e boas intenções, e que se
traduza em ações específicas, competentes e viáveis. Acredito que estamos
muito próximos desse objetivo”, disse.
Os estudos realizados mostram, segundo Alfredo, que grande parte dos
jovens se integra às galeras por absoluta falta de oportunidade de trabalho e
de outras atividades. “A Prefeitura vai garantir alternativas a eles, com
objetivo, também, de reduzir os índices de violência. Um trabalho específico
será desenvolvido com os líderes de cada galera. agora, os que optarem por
continuar na desordem, a Polícia vai agir de forma ainda mais dura”,
avisou. “O que acontece hoje é que o menor pratica um delito, a polícia
prende, a justiça solta e o jovem volta para a delinquência, sem qualquer
291 – Jornal A Crítica, 30/05/1999, p. C4-C5 (Cidades). Matéria “Quando não matam, ferem”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
260
assistência. O que precisa ser feito é que cada segmento cumpra a sua parte,
ou seja, que a polícia faça a sua parte, que a Justiça colabore, que a
imprensa se envolva, que o Ministério Público fiscalize e colabore para o
cumprimento da Lei, que a Prefeitura cumpra o seu papel social e que as
famílias se envolvam e assumam a maior parte das responsabilidades”,
relatou o prefeito.
O projeto “Sou Jovem, sou da Paz” alcançará jovens a partir dos 14 anos e
envolverá as estruturas de praticamente todas as secretarias do Município. O
programa prevê estágio remunerado, qualificação profissional, orientação
básica para o ingresso ou retorno ao mercado de trabalho, reintegração à
escola e ao ambiente familiar, assistência médica, odontológica, psicológica,
tratamento de dependência química, atividades culturais e esportivas, com
participação ativa das famílias desses jovens. “Será um grande mutirão
social anti-violência, capaz de pavimentar novos caminhos para contribuir
ao restabelecimento tanto da auto-estima de jovens, desesperançados, que
merecem oportunidade da ressocialização, quanto do estado de segurança de
nossa população”, explicou o prefeito.
Governo quer dar profissão
Através de ações pedagógicas, cursos profissionalizantes, disciplina e valores
morais, o Centro Sócio Educativo de Internação Dagmar Feitosa vem
investindo na reintegração social de 43 adolescentes, internados na instituição
por práticas de atos infracionais graves. O programa faz parte da
Coordenadoria da Criança e do Adolescente (CCA) e abriga menores de
Manaus e de outros municípios do Estado, que cumprem reclusão de três
anos em regime fechado por ordem judicial.
O Governo do Estado, em parceria com a Secretaria de Estado do Trabalho e
Assistência Social (Setrab), através da CCA, vem desenvolvendo projetos
voltados para atividades de recuperação e proteção desses jovens. Os projetos
têm como público-alvo as crianças e adolescentes que se encontram em
situação de abandono, são vítimas de maus tratos, de exploração sexual e, no
trabalho, de negligência, crueldade e opressão, além de menores envolvidos
em atos infracionais e abandono permanente ou temporário nas ruas.
Recentemente, a Setrab assinou um convênio com o Exército, que vai
absorver 20 jovens que estão em liberdade assistida para trabalhar a parte
disciplinar, além de programas voltados para a erradicação do trabalho e da
prostituição infanto-juvenil. Esses trabalhos deverão ser desenvolvidos com o
apoio das comunidades, explica a secretária do Trabalho e Ação Social
Maryse Mendes.
Para o coordenador do CCA, Paulo Sampaio, o regime implantado no
Dagmar Feitosa tem apresentado bons resultados. O modelo segue as normas
261
do Estatuto da Criança e do Adolescente, que recomenda que haja separação
dos adolescentes por faixa etária e também de acordo com a gravidade do
delito cometido.
“Eles têm todo um programa de educação através de convenio com a Seduc e
alguns já estudam para fazer o supletivo.292
162
A CRÍTICA. 21 e 22 de novembro de 1999. Página B1.
ORQUESTRA JOVEM
A “GALERA” ERUDITA
O novo projeto da Secretaria de Cultura tem nome: orquestra “Floresta
Amazônica”, formada por garotos pobres da periferia da cidade de
Manaus
Betsy Bell
O ritmo deles é outro. Vindos do mundo das “galeras”, eles poderiam muito
bem estar ligados no som dos tiros, dos pneus e das sirenas das viaturas da
polícia que bate às suas portas. No entanto, eles preferiram se entregar à
harmonia. Esse é o histórico dos garotos pobres da periferia de Manaus que
compõem a Orquestra Jovem “Floresta Amazônica”. Uma turma do barulho
perfeito, sinfônico, cultural.
A Orquestra Jovem é um projeto criado pela Secretaria de Estado da Cultura
e Turismo, dentro do programa “Música Erudita e Arte” – o mesmo que
recebeu um prêmio da Fundação Cesgran-Rio, em 1997, pela fundação da
Amazonas Filarmônica.
A estréia da Orquestra Jovem aconteceu com grande sucesso no dia 5 de
novembro, Dia da Cultura, no Teatro Amazonas, e na ocasião, o governador
Amazonino Mendes ficou tão entusiasmado que ofereceu, de imediato, bolsas
de estudo aos integrantes.
A bolsa tem o valor de um salário mínimo (R$ 136). O suficiente para bancar
80 jovens que sonham com a música [...].293
A CRÍTICA. 30 de novembro de 1999. Página C1. Cidades.
TANCREDO NEVES
MULHER LUTA CONTRA BANDIDOS
Cansada de conviver com tanta violência, a dona de casa Lucinete Soares
Cavalcante, 41, mãe de cinco filhas adolescentes, decidiu tomar medidas
radicais e assumiu o papel que deveria ser da polícia: investigar, denunciar e
abrir guerra contra a delinquência do bairro onde mora, o Tancredo Neves,
Zona Leste. Corajosa, ela diz não ter medo das ameaças de morte e já ganhou
292 – Jornal A Crítica, 10-11/10/1999, p. C1 (Cidades). Matéria “Projeto Municipal. Galeras
amparadas”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
262
até um apelido. É a “dama de ferro” de lá.
Vítima de oito assaltos, Lucinete, que também é a atual líder comunitária do
bairro, traz no sangue a coragem e a determinação de lutar contra a violência.
Há 11 anos, idade que o bairro Tancredo Neves tem, ela tornou-se uma
espécie de referência pelo fato de estar sempre disponível para resolver
problemas dos moradores. 163
A luta contra a violência, no entanto, vinha lhe causando insônia e revolta.
Foi Lucinete quem criou e registrou a Associação dos Moradores do bairro,
tornando-se, assim, sua primeira presidente. Mas ela estava cansada de pedir
ajuda às autoridades e não conseguir nada e resolveu, com o apoio de outros
moradores, combater a delinquência.
Ontem, ela conseguiu vencer sua primeira batalha. Depois de fazer o
levantamento de nomes e endereços de membros e líderes de galeras do
Tancredo Neves, contando para isso com outros comunitários, que preferem,
ao contrário dela, ficar no anonimato, a “dama de ferro” viu chegar um
verdadeiro pelotão de policiais que irão fazer uma “varredura” no local.
No seu discurso para o comandante do 7º Batalhão, tenente coronel Armando
Maurillo Torres, e os mais de 80 policiais postados à sua frente, num terreno
onde funciona a caixa d‟água da Cosama, Lucinete foi direta. “Sou uma
mulher corajosa e vamos juntos acabar com a marginalidade neste bairro.”
A dona de casa também é membro do Conselho Comunitário de Segurança
(Conseg), coordenado pelo delegado Francisco Sobrinho, e tem no seu vice-
presidente comunitário, o cabo aposentado Gabriel Martins, um verdadeiro
escudeiro. “Ele me ajuda muito e é um dos poucos que teve coragem de
denunciar esse verdadeiro absurdo, onde crianças e adolescentes nos obrigam
a ficar presos em nossas próprias casas”, desabafa.
O coronel Maurillo Torres, que coordena junto com o major Gilberto Serudo
o Policiamento Itinerante Comunitário (PIC) que se instalou ontem no
Tancredo Neves, elogiou a iniciativa corajosa da líder comunitária e das
famílias que confiam no trabalho da Polícia Militar. O PIC também será
levado ao Coroado, São José, Invasão Grande Vitória, Armando Mendes e
comunidade da Sharp, Mauazinho, Colônia Antônio Aleixo e Distrito
Industrial.
[...]294
Como se vê, todas essas notícias informam sobre as operações das polícias,
sobre os protestos dos moradores contra as ações de galeras, sobre as medidas do
Juizado de Menores, sobre um coquetel promovido pela danceteria Cheik Clube não só
293 – Jornal A Crítica, 21-22/11/1999, p. B1. Matéria “Orquestra Jovem. A “Galera” Erudita”.
Biblioteca Pública do Estado do amazonas.
263
para apresentar o Kripton, mas também para ganhar a confiança das autoridades quanto
às festas realizadas ali – por isso estas autoridades foram convidadas –, sobre as
declarações de políticos e autoridades de que iriam acabar com as galeras, sobre as
denúncias dos moradores dos bairros mais atacados pelas galeras, sobre a parceria das 164
autoridades com a população para combater as galeras, sobre as interdições de bares,
boates, danceterias e casas de jogo, sobre os programas de ocupação e reabilitação
promovidos pelas autoridades com o intuito de ajudar aos jovens e diminuir a atuação
dos galerosos, sobre a iniciativa de alguns moradores que criaram guardas dentro do
bairro para inibir as ações das galeras e sobre um rapaz anunciado como membro de
galera que foi morto, segundo algumas testemunhas, por policiais.
A questão dos extermínios como um dos fatores responsáveis pelo fim das
galeras, foi descrita por Cláudia, Maicon e Sheila da seguinte maneira:
Marcos – A prisão, a morte ou uma briga muito violenta interferiu, alguma
vez, nos membros da galera ao ponto d acabar com o grupo ou diminuir sua
força?
Cláudia – Sim. Quando mataram o líder geral, né? Começou a matança
mesmo de [...] vários membros, de a polícia chegar [...], matar mesmo.
Mataram nosso líder, que era o Nego Celso, que ele era muito querido por
nós todos. Depois mataram o líder da outra galera, que era o “Gavião”, que
era o chefe da “Anjo”. Mataram ele ali na Praça da Polícia. [...] mataram
vários outros colegas nosso. Aí foi quando eu tive que viajar também, porque
invadiram a minha casa, que eles iam pegar minha mãe, aí ameaçaram jogar
meu corpo no varradouro, com minha mãe...
[...] aí foi quando começou a tremer mesmo, aí foi quando foi morrendo a
galera.295
Marcos – Você acha que as galeras acabaram? Por quê?
Cláudia – Devido à pressão naquele tempo dos... De extermínio mesmo,
exterminador [...], exterminaram mesmo. Tinha um exterminador que [...] já
faleceu, o secretário. [...]. Ele determinou que ia acabar com a galera, e ele
matou muita gente. Membros de galera. Ele não, né? Um grupo comandado
por ele. E ele me deu a chance de sair, ou eu ia ter um fim ruim, como o dos
meus colegas. Mas, assim, eu acho que depois desse extermínio que teve, né?
294 – Jornal A Crítica, 30/11/1999. Página C1. Cidades. Matéria “Tancredo Neves. Mulher luta contra
bandidos”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
264
Muita gente ficou com medo, porque era muitas pessoas aparecendo morta aí
falava que era queima de arquivo, mas não, a gente sabia que era eles mesmo,
porque... Foi quando todo mundo se separou, se despediu, foram viver sua
vida. Foi quando acabou mesmo a galera [...].296
165
Marcos – E o que levou ao fim das galeras? Quais foram os fatores que
levaram as galeras a acabarem? Na tua opinião, assim.
Sheila – Na minha opinião, foi porque muitos [...] já tavam cansados. Já
tavam velhos mesmo, pra comandar, saíram, foram viver suas vidas, sua
religião, e também teve muita polícia [...].297
[...] uma policial [...]. Até hoje ela tem função na polícia.
Marcos – Aí ela caçou vocês também, foi?
Sheila – Ela procurava muito a gente. Porque a gente era o terror.
Marcos – E na época, ela era patrulheira, assim, policial que fazia patrulha?
Sheila – Não. Ela era investigadora.
Marcos – Polícia Civil?
Sheila – Isso, polícia civil. Ela tinha uma equipe de exterminação. Então, não
gosto nem de falar dela, porque também não me interessa a vida dela. Não
gosto de meter polícia no meio.298
Marcos – A prisão, a morte ou uma briga muito violenta interferiu alguma
vez nos membros da galera ao ponto de acabar com o grupo ou diminuir sua
força?
Maicon – Veio diminuir mais quando começou a vim as desovas. As desovas.
Que todo final de semana aparecia um desovado. Aí foi quando amenizou
mais... Num foi nem porque morreu, ou morria um integrante. Porque quando
morria um integrante todo mundo ia pro velório, todo mundo ia pro enterro.
Lamentar e chorar entendeu? Ainda mais quando fazia parte da nossa turma.
Mas começou a amenizar depois das desovas. Todo final de semana aparecia
um desovado.
Marcos – Isso foi o quê? 91, 92?
Maicon – Não, isso ainda chegou a ser 88, 89. Começo de 90 foi quando
começou a aparecer muito... Aí foi quando veio a morte do Nego Celso. Aí
pronto! Aí foi quando desandou de vez.299
[...] Mas te falar uma verdade [...], às vezes, é difícil de falar, mas quem mais
295 – Cláudia “Punk”, em entrevista concedida em 30/07/2014.
296 – Idem.
265
matava galeroso era a polícia. Quem mais matava os galerosos num era nem
os outros galerosos, era mais a polícia. [...] Todo dia, como aparecia “ah,
galerosos mataram o jovem”. Aparecia três desovados. Aparecia três 166
desovado. Naquela época nós não tínhamos carro pra desovar ninguém.
Quem fazia aquilo era a polícia. Isso é verídico.300
Comparando estes testemunhos com as notícias acima citadas sobre a constante
e intensa repressão das autoridades públicas, bem como com as notícias que serão
citadas abaixo, pode-se inferir que é muito provável que alguns galerosos tenham
realmente sido mortos por grupos de extermínios, pois esta prática, no Brasil, já era
comum desde o período da ditadura civil-militar. Além disso, a conhecida chacina da
Candelária aconteceu em 23 de julho de 1993, bem no auge do período de atuação dos
grupos de galera em Manaus e em outras cidades do Brasil. Neste episódio, ocorrido no
Rio de Janeiro, oito jovens – sendo seis menores de idade – foram assassinados por
policiais militares. Além do mais, alguns trechos de algumas notícias, às vezes,
informam o leitor de que a ação efetiva das autoridades estava conseguindo diminuir os
índices de violência causados pelas galeras, mas, ao mesmo tempo, em outras notícias,
alguns trechos informam que as galeras continuavam dominando na cidade. De fato,
tantas batidas policiais, prisões, apreensões de armas, denúncias, ações de moradores
para tentar diminuir o problema e constantes discussões das autoridades sobre a
criminalidade das galeras, faz pensar que estas não estavam acabando coisa nenhuma.
As notícias a seguir aludem a episódios de extermínios semelhantes registrados em
Manaus e em outras cidades brasileiras neste mesmo período.
A CRÍTICA. 12 dezembro de 1991. Polícia.
MENORES: VÍTIMAS DE ESTERMÍNIO
Brasília – Cerca de 150 crianças e adolescentes foram assassinados em
Brasília nos últimos três anos. A maior parte das mortes ocorreu em brigas
entre gangs das cidades satélites. A denúncia foi publicada anteontem no
“Correio Braziliense”. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal
contesta os índices de violência.
A maior ocorrência de brigas, segundo a reportagem do “Correio” e [é] na
297 – Sheila “Guerreira”, em entrevista concedida em 30/07/2014.
298 – Idem.
299 – Maicon, em entrevista concedida em 22/11/2014.
266
cidade satélite do Gama. As turmas brigam pelo controle das quadras e para
ter mais prestígio com as garotas. Em vez da inocente brincadeira de roubar
bandeira, em que um grupo sai vitorioso quando captura o estandarte do
outro, no Gama sai vitorioso quem mata o líder da gangue rival.301
167
A CRÍTICA. 18 de dezembro de 1991. Polícia.
MENORES REFUGIAM-SE COM MEDO DA MORTE
Belo Horizonte – Ameaçados de morte em outras capitais, os meninos de rua
estão se refugiando na capital mineira, onde não existem grupos de
extermínio de menores.
[...] Belo Horizonte tem uma população estimada em 400 meninos de rua,
que tende a crescer com a vinda de crianças e adolescentes de outros estados.
Isso tem gerado um confronto com os comerciantes da cidade. Segundo
apurou a CPI, o Clube de Diretores Lojistas de Belo Horizonte pediu, em
ofício às autoridades policiais e judiciais, a realização da operação “Arrastão”
no centro, quando foram presas ilegalmente quase 500 crianças.
O vereador Eduardo Lima participou ontem, com o deputado federal Célio de
Castro, integrante da CPI do Menor da Câmara dos Deputados, de um debate
no fórum de imprensa sobre os novos direitos da criança e do adolescente,
realizado nesta capital.
O deputado lembrou que as crianças negras e do sexo feminino são as mais
atingidas pelos grupos de extermínio ou pelas sevícias praticadas por
policiais.302
A CRÍTICA. 25 de junho de 1994. Polícia.
CINCO MENORES CHACINADOS NO TERRA NOVA
OS CADÁVERES FORAM ENCONTRADOS PELOS MORADORES
POR VOLTA DAS 11 HORAS, NUM LOCAL DE DIFÍCIL ACESSO
NO BAIRRO, SURGIDO DE UMA INVASÃO
Betsy Bell
Cinco adolescentes foram chacinados na madrugada de ontem num terreno
atrás do bairro de Novo Israel e conjunto Manoa (Zona Norte da cidade). Os
menores tinham idade entre 14 e 17 anos e foram encontrados pelos
moradores do local por volta das 11h de ontem. Todas as crianças e
adolescentes foram mortas com um tiro nas costas.
Três das vítimas já haviam sido identificadas pelos parentes: Antônio Cleuto,
de 14 anos; Renildo Neves da Silva, de 17 anos; e Israel, de 18 anos. Os
300 – Idem.
301 – Jornal A Crítica, 12/12/1991, p. Polícia. Matéria “Menores vítimas de extermínios”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
267
outros dois menores não foram identificados.
O morador Cláudio Marcantes afirmou que o terreno pertence à empresa
Sharp e está abandonado há vários anos.
A irmã de Renildo da Silva, a dona-de-casa Joana Maria Neves da Silva, teve
informações de que os assassinos eram homens idosos que estavam atrás de
um rapaz “cabeludo” chamado Carlinhos e de outro homem conhecido como 168
“Batata”.
“Os caras estavam com muita raiva desses homens e pegaram qualquer um
para matar depois de não encontrá-los”, comentou Joana. Ela afirmou ainda
que dois dos cinco acusados são moradores do bairro, mas já se encontravam
foragidos.
Carlinhos e “Batata” também não foram mais encontrados. Joana da Silva
não sabia os nomes dos acusados.
Mães de vítimas horrorizadas
A mãe de Renildo, Maria de Fátima Marques dos Santos, contou que o filho
tinha saído de casa às 19h de quinta-feira para participar com amigos de uma
quadrilha que acontecia na rua da Liberdade – principal rua do conjunto.
“Na verdade, os amigos dele eram viciados em cola e não sei se eles se
afastaram da festa para cheirar a droga. Só tive notícias de que cinco homens
pegaram eles, amarraram e mataram com tiros e facadas. Alguns também
foram degolados”, explicou a mãe da vítima.
No local da chacina, os corpos dos menores não apresentavam sinais de
cortes de faca, mas dois deles aparentavam estar com pescoço quebrado.
Joana da Silva informou ainda que Renildo não era um desocupado, nem
integrante de galera. ele era lavador de carros.
“Renildo não tinha brigado com ninguém e não imagino o motivo da
chacina. Acho tudo um absurdo e minha mãe está passando mal”, comentou.
Renildo era o filho caçula de Maria Marques dos Santos. Ela tem mais quatro
filhos, que souberam do assassinato só ontem pela manhã.
A mãe de Antônio Cleuto, Maria Articlênio, contou uma outra versão para a
história do filho. Ela garantiu que ele saiu de casa, também por volta das 19h,
para ir ao colégio. Antônio Cleuto parece ser o menor dos meninos que foram
assassinatos. Segundo o depoimento de sua mãe, Antônio Cleuto, de 14 anos,
nunca se envolveu com drogas e também era o caçula de uma família de 10
filhos. “Não sei como ele veio parar aqui e ser morto desse jeito. Tem
meninos que estão aí com ele que nem conheço e nunca vi aqui no bairro”,
contou ela, que estava no local do crime acompanhando todos os
acontecimentos”.
302 – Jornal A Crítica, 18/12/1991, p. Polícia. Matéria “Menores refugiam-se com medo da morte”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
268
Tenente não acredita em briga de „galeras‟
A reportagem do jornal A Crítica recebeu a informação sobre a chacina dos
menores por um morador do bairro de Terra Nova que não quis se identificar.
Até às 13h de ontem, a perícia policial ainda não tinha chegado no local, mas
alguns policiais já se encontravam na área do crime.
O tenente José Mário informou que aparentemente o crime não envolveu
briga e que os menores devem ter sido levados à força até o local. Eles
também não podiam confirmar se o crime foi cometido por “galeras”, como
acusavam muitos moradores.
“Pelo que se pode ver, eles foram amarrados antes dos assassinos atirarem,
porque os pulsos estão inchados e eles estão de costas”, comentou. Nenhum
dos meninos estava com cordas nas mãos. Muitos curiosos foram até o local
do crime, que ficava numa parte alta do terreno, onde o acesso só podia ser
feito depois da travessia de um igarapé.
Um dos aspectos que mais chocava no crime era que os meninos chacinados
aparentavam ter menos idade do que realmente tinham. “Parecem crianças de
8 a 10 anos”, comentou um dos moradores do bairro.303
A CRÍTICA. 26 de junho de 1994. Polícia.
COMISSÃO DE ALTO NÍVEL APURA SE CHACINA FOI AÇÃO
POLICIAL
Três equipes da Delegacia de Homicídios e Sequestros estão em
investigação, com reforço de outras especializadas
Uma comissão de alto nível, formada por um delegado da Polícia Civil, um
oficial superior da Polícia Militar e pelo procurador geral de Justiça do
Estado, Orlando Santiago, vai apurar a possível participação de policiais na
chacina de cinco adolescentes na madrugada de sexta-feira, no bairro de Terra
Nova, na Zona Norte de Manaus.
A informação foi dada ontem pelo delegado titular da Delegacia de
Homicídios e Sequestros, Mário César Nunes. De acordo com ele, pela
gravidade do assunto, o próprio delegado geral de Polícia Civil, Hélio Rocha,
estará coordenando as investigações. Disse também que o inquérito policial já
foi aberto e todo efetivo da delegacia, três equipes, com o reforço de agentes
de outras especializadas, está investigando a chacina.
Mário César Nunes afirmou que as autoridades policiais vão dar uma
resposta à altura dos anseios da sociedade para esclarecer até o final a
chacina, uma das maiores já praticadas em Manaus. Os adolescentes, entre 14
e 17 anos, foram executados no estilo que caracteriza os grupos de
extermínio, com as mãos amarradas para trás e babados pelas costas.
A maioria deles havia saído de casa para ir a uma festa junina e foram
269
levados por cinco homens que lhes amarraram e mataram numa área
próxima, ainda coberta por uma floresta. O crime, estampado nas páginas dos
jornais de ontem, chocou toda a sociedade e está tendo repercussões
internacionais, com a denúncia de entidades ligadas aos direitos humanos.
Identificadas todas as vítimas da matança
Os adolescentes Joel dos santos Xavier, de 18 anos, guardador de carros num 169
restaurante da praia da Ponta Negra; Moisés Pereira da Silva, de 16, feirante,
e Jander da Silva Cardoso, de 15, foram identificados como sendo os outros
três menores chacinados anteontem num matagal da Colônia Terra Nova,
uma invasão atrás do conjunto Manoa.
Eles foram encontrados juntamente com Antônio Cleup Serafim Articlénio,
de 14, e Renildo Neves da Silva, de 22, de bruços e com os punhos
amarrados, e a primeira versão de que eles tinha sido mortos a tiros foi
contestada ontem pela dona de casa Antônia dos Santos Xavier, que
encontrou seu filho Joel dos Santos com 18 facadas e um tiro nas costas.
Conforme Antônia Xavier, um dos cinco adolescentes teve o coração todo
perfurado e o outro o rosto retalhado.
A mãe de Joel contou que seu filho saiu da sua casa na quinta-feira, por volta
das 19h, para ir ao arraial da comunidade e desde então não o viu mais.
Conforme ela, a informação que teve, através dos moradores, é de que seu
filho estava conversando com um colega quando cerca de 10 homens, usando
máscaras e peruca e portando armas de fogo (tipo espingarda e
metralhadora), se aproximaram os levaram.
Ontem o pátio do IML amanheceu lotado de parentes e amigos de Joel, que
era frequentador da Igreja Assembléia de Deus. Muitos evangélicos
lamentavam a morte do rapaz, que trabalhava durante os finais de semana
como guardador e lavador de carros num restaurante na praia da Ponta Negra
e fazia algumas vezes limpeza em piscinas. Ele era o terceiro filho da dona de
casa e o único que a ajudava nas despesas com seu marido que é picolezeiro.
Briga gerou a matança
Testemunha aponta comerciante como um dos cinco matadores
A moradora S.M.L. contou ontem a principal versão para a chacina dos cinco
menores da Colônia Terra Nova no enterro das vítimas, que aconteceu por
volta das 10h30, no Cemitério Parque Tropical.
S.M.L. afirmou que estava às 16h30 do último dia 23 com um dos meninos
chacinados na taberna de um homem conhecido apenas como Francisco ou
“Chiquinho”. Conforme ela, uma briga começou no local envolvendo o
proprietário da taberna e os dois rapazes conhecidos como “Cabeludo” e
303 – Jornal A Crítica, 25/06/1994, p. Polícia. Matéria “Cinco Menores chacinados no Terra Nova”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
270
“Batata”. Na briga com os dois rapazes estava ainda um outro homem
chamado Manoel.
S.M.L. garantiu que o menino chacinado não se envolveu na briga. “O
Chiquinho e o Manoel ficaram com muita raiva dos dois rapazes e
ameaçaram matar ambos e qualquer outro amigo deles. Eles correram atrás
do „Cabeludo‟ e „Batata‟ armados. Eu e meu amigo saímos da taberna”,
declarou.
De acordo com ela, às 19h15, na hora do arraial, ela avistou seu amigo (o
menino que foi assassinado) e chamou por ele, viu também a briga entre os
homens recomeçar e uma correria em direção ao local do crime. “Eles
arrastaram meu amigo e mais os outros meninos que foram mortos. Acusaram
eles de serem amigos do „Cabeludo‟ e do „Batata‟ e levaram para o mato.
Depois não se viu mais nada. Mais tarde, me informaram sobre a chacina”,
revelou.
S.M.L. informou também que outros dois menores escaparam da chacina.
São eles, “Bodó” e “Xã”. S.M.L. disse que não sabia os verdadeiros nomes
deles e outros moradores que confirmaram a história garantiram que eles
também fugiram. A moradora, no entanto, contou que esses menores vão se
apresentar à Polícia para ajudar nas investigações. Ela afirmou que não vai se
identificar e está com muito medo de alguma represália dos assassinos.
“Já tenho informações qde eu eles deixaram um bilhete no local avisando que
se vingariam se alguém contasse alguma coisa”.
Outros moradores do Terra Nova que estavam no enterro dos meninos
também confirmaram os fatos. A moradora Maria Gomes, informou, por
exemplo, ter visto os assassinos. Ela afirmou que eram cinco homens e que
todos estavam armados. Um era idoso (o acusado Manoel tem por volta de 60
anos) e os outros aparentavam 30 anos. Segundo ela, a chacina pode ter sido
cometida por policiais, mas não tem certeza. “Um estava com uma peruca
para se disfarçar e todo mundo do bairro viu eles procurarem o Cabeludo e o
Batata. Eles estavam irados e matariam qualquer um. foi o que aconteceu”,
declarou.
Enquanto isso, no enterro das vítimas, os parentes só pediam “justiça”. Cerca
de 100 pessoas participaram do enterro e estavam indignadas com a chacina.
“Não temos mais segurança e todo mundo está com medo de falar”, dizia um
tio de Moisés Pereira da Silva.
Suspeitas de moradores
Os rapazes teriam sido sequestrados, já que percorreram mais de dois
quilômetros até o local onde foram encontrados mortos (da Polícia).
Os rapazes são integrantes de galera (de moradores). A Delegacia
Especializada de Homicídios e Sequestros (DEHS) somente poderá confirmar
271
ou não a hipótese de briga de galera amanhã através dos livros de registros da
Delegacia de Assistência e Proteção à Criança e ao Adolescente;
Os cinco adolescentes foram assassinados por policiais (de
moradores). Para investigar o possível envolvimento de policiais no crime
será formada uma Comissão composta por um oficial superior da PM e um 170
delegado superior da PC.304
A CRÍTICA. 2 de julho de 1994. Polícia.
CHACINA FOI VINGANÇA CONTRA GALERA
MORTOS ERAM INTEGRANTES DE GANGUE
O titular da Delegacia de Homicídios e Sequestros, Mario César, disse ontem
que os cinco rapazes chacinados integravam um grupo de jovens infratores
temível no bairro da Colônia Terra Nova II, uma invasão localizada atrás do
conjunto Manoa. “Eles cheiravam cola de sapateiro, faziam pequenos furtos
e, muitas vezes, agrediam os moradores”, afirmou o delegado, informando
que na tarde do dia do crime todos venderam objetos furtados e se
encontravam drogados atrás da igreja do bairro quando foram levados pelos
três acusados.
Conforme Mário César, os constantes atos de violência praticados pelos sete
rapazes – contando como os irmãos gêmeos JSD, o „Bobó‟, e GSD, o „Chã‟,
de 17 anos, que escaparam da chacina. Ele confirmou que os adolescentes
conhecidos como “Cabeludo” e “Batata”, também integrantes do grupo de
Jander, Joel Renilson Moisés Antônio Cleup e de “Chã” e “Bobó”, tiveram
um atrito no estabelecimento comercial de Francisco Saldanha da Silva, o
„Chiquinho‟, que prometeu matá-los.
O delegado disse ainda que Francisco teria avisado vários moradores do
bairro para evitar que seus filhos fossem para as ruas, pois iria matar qualquer
rapaz que encontrasse. Para Márcio César, o crime foi premeditado, pois
soube que Francisco se desfez de todas as suas mercadorias por preços
irrisórios para em seguida abandonar a residência e o ponto comercial.
Amarradas, vítimas „desfilaram‟
O delegado geral Hélio Rocha e o titular da DEHS, Mário César, suspeitam
que moradores da Colônia Terra Nova 2 tenham concordado com a chacina
dos cinco rapazes, já que no dia do crime viram quando os rapazes eram
levados pelos acusados e não tomaram nenhuma providência. De acordo com
Hélio Rocha, uma das maiores dificuldades encontradas durante a
investigação é o silêncio dos moradores, que se recusam a prestar qualquer
informação sobre o caso.
Na entrevista à imprensa, ele fez um apelo aos moradores, pedindo que o
304 – Jornal A Crítica, 26/06/1994, p. Polícia. Matéria “Polícia. Comissão de alto nível apura se
chacina foi ação policial”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
272
ajude a localizar os acusados, para que estes possam pagar pelo crime
cometido. “Não é preciso que se identifique, basta telefonar para qualquer
delegacia e até para a Secretaria de Justiça”, avisou. [...]
Policiais – Apesar do terceiro homem acusado de participar da chacina não
ter sido identificado, os delegados afirmaram que está descartada a
possibilidade do envolvimento de policiais. “Esta atribuição dada, a
princípio, aos policiais está totalmente descartada. Essa informação gerou
muito incômodo para a instituição, mas conseguimos provar que não houve
participação da Polícia‟, afirmou o delegado geral”.305
A CRÍTICA. 4 de novembro de 1994. Polícia.
CHACINADOS PRATICAVAM AGRESSÕES E ESTUPROS
Várias moças estupradas, uma das quais chegou a ter parte do mamilo
arrancado, dezenas de pais de família espancados e ameaçados de morte e um
constante clima de violência no ar. Era assim que viviam os moradores do
bairro da Colônia Terra Nova, uma área de invasão localizada na Zona Norte
da cidade, onde em junho passado foram chacinados cinco adolescentes,
acusados de integrar uma das diversas gangues de rua lá existentes.
A informação foi colhida ontem por policiais da Delegacia Especializada de
Homicídios e Sequestros (DEHS), através de uma conversa com o feirante
Washington Braga Coelho, de 28 anos, um dos culpados pelo crime. Ele foi
preso na última terça-feira, numa mercearia daquela comunidade. Washington
confessou ter participado da matança juntamente com os comerciantes
Francisco Saldanha da Silva, o “Chiquinho”, e Manoel Alves Figueira.
Wasington teve as pernas quebradas a golpes de pernamanca e Francisco teve
uma filha estuprada.
De acordo com o acusado, os cinco rapazes – Jander da Silva Cardoso (15),
Antônio Cleud Serafim Articlini (14), Moisés da Silva (16), Joel dos Santos
Xavier (18) e Renildo Alves da Silva (22) – integravam a “galera” do
“Cabeludo” e “Batata”, e estavam acostumados a atemorizar a população. Ele
disse ainda aos policiais que foi vítima de uma cilada de algum residente da
área da invasão. O acusado afirmou que muitos moradores sabiam do crime e
até ajudaram os três a levar os cinco adolescentes para um matagal onde
aconteceu a chacina. As cordas com que os cinco foram amarrados e
desfilaram pelas ruas, foram fornecidas por moradores.306
Cláudia mencionou em sua entrevista que teve que fugir para não ser morta e
desovada como outros galerosos. Maicon justificou as desovas de galerosos como ações
policiais com o argumento de que os galerosos não possuíam carros, mas a polícia sim.
E Sheila lembrou de uma policial civil que já era até acostumada a perseguir e eliminar
273
as galeras. E parece que muitos galerosos até já a conheciam, como fica subentendido
em seu comentário. Todos os três colaboradores enfatizam que as perseguições e
extermínios promovidos por grupos direta ou indiretamente ligados às polícias, foram os 171
principais responsáveis pelo fim das galeras, sobretudo pelo fim da “Selvagem”, galera
da qual faziam parte.
Apesar das ações das galeras continuarem a ser noticiadas nos jornais A Crítica e
em outros mesmo após o ano de 2000, uma das hipóteses deste trabalho sustenta que o
fechamento da Spectron Disco neste ano – a última grande danceteria de Manaus que
ainda reunia uma grande quantidade de jovens membros de galeras –, contribuiu
também para uma gradual mudança nas atitudes dos jovens envolvidos com turmas na
cidade. Os outros fatores descritos neste capítulo, incluindo o envelhecimento natural
dos jovens de galera que haviam nascido nos anos 1970 e início de 1980, completam a
lista das razões que levaram as galeras a se extinguir, ao menos na maioria dos bairros.
Até mesmo já a partir de 1998, as notícias sobre galeras vão ficando mais raras,
de acordo com os jornais A Crítica consultados. E como a prefeitura passou a investir de
forma mais séria nos programas de reabilitação dos jovens galerosos, é possível inferir
que houve uma diminuição e gradativa extinção das galeras também em função do
trabalho desenvolvido pelas autoridades responsáveis por instalar e administrar
atividades de cunho educacional e desportivo voltadas para os jovens, sobretudo os mais
carentes e vulneráveis em termos sociais.
O título deste capítulo chama-se “A extinção das galeras, mas não dos
galerosos”, porque as turmas de galeras deixaram pouco-a-pouco de atuar, mas não
algumas das práticas dos galerosos, incluindo o uso de determinadas armas para
ameaçar, assaltar, ferir e matar. Entretanto, ampliaram-se, nas notícias dos jornais, os
tipos de contravenções que seriam praticadas por galeras. Constatou-se que algumas
práticas que não eram comuns entre galerosos e que nem sequer cheguei a coletar nos
jornais pesquisados, começaram a ser noticiadas em alguns jornais mesmo depois de
2010. Foram recolhidos alguns desses jornais e serão selecionadas algumas notícias que
anunciam as ações de alguns transgressores das leis como galerosos, apesar de suas
ações não serem praticadas pelos galerosos na época da existência das galeras. Eis
algumas delas:
305 – Jornal A Crítica, 2/07/1994, p. Polícia. Matéria “Chacina foi vingança contra galera”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
306 – Jornal A Crítica, 4/11/1994, p. Polícia. Matéria “Chacinados praticavam agressões e estupros”.
274
Manaus Hoje. 22/07/2015. 1ª Página.
Quantos anos para cada um
No Amazonas você encontra todo tipo de galeroso
Toca fogo e rouba R$ 600 mil do banco onde era supervisor. Página 3
Mata namorada de 14 anos e espalha as víscera pelo chão. Página 4
Prega a palavra de Deus para jovens, depois estupra as meninas e ainda sorri.
Página 5307
Manaus Hoje. 24/09/2015. 1ª Página.
Galerosos atacam Manaus Moderna
Cinco bandidos chegaram cedo para fazer a feira e levaram R$ 7 mil.
Imagens das câmeras registram a quadrilha correndo pelos boxes e
apontando armas para as vítimas308
Manaus Hoje. 20/01/2016
R$ 50 mil
Grana viva por delegado morto
Traficantes da zona Sul anunciam prêmio em dinheiro para quem
trouxer a cabeça do delegado George Gomes na bandeja. Ciente dos
riscos, ele diz que não tem medo e desafia os galerosos. página 7309
Manaus Hoje. 1/09/2015. 1ª Página.
Revolta na Cidade Nova
Galerosos matam por uma moto
Bruno Cativo parou para lanchar quando os assaltantes chegaram310
Manaus Hoje. 12/11/2015. 1ª Página
Protegidos por bandidos
Moradores do Jorge Teixeira estão com medo até de ir na padaria
comprar pão, após cinco homicídios nos últimos dias. Uma mulher disse
ao MH que só se sente segura perto dos galerosos. “Com eles ninguém
mexe”.311
Manaus Hoje. 15/10/2015. 1ª Página.
Galerosos na Catraca – páginas 6 e 7
Vai de busão? Perigo!
[...]
345 mil reais da renda dos busões foram embolsados pelos bandidos. As
275
172
zonas Norte e Leste são o alvo principal dos galerosos. [...]312
Manaus Hoje. 31/08/2015. 1ª Página.
Redenção. Galerosos colocam palhaço nos postes e manda população se
recolher mais cedo pra casa
Traficantes viram os donos da rua313
Observemos que a primeira manchete informa três tipos de galerosos existentes
no Amazonas: um ladrão e incendiário de banco que trabalhava como supervisor do
mesmo; um rapaz que assassinou sua namorada com um terçado; e um homem que se
fazia passar por pregador da “palavra de Deus” e tentava estuprar moças. Entretanto, em
todas as notícias que foram coletadas para a pesquisa relativas à atuação de galeras na
década de 1990, não foi encontrada nenhuma ação de galera ou galeroso que seja igual a
estas praticadas por esses homens. Nenhum galeroso foi descrito como funcionário de
um banco, muito menos como ladrão do dinheiro de um estabelecimento como este.
Também não foi encontrada nenhuma notícia de que um galeroso tenha assassinado sua
namorada ou tenha feito se passar por outra pessoa para estuprar moças. As galeras e
galerosos podiam fazer coisas muito mais hediondas que as praticadas por estes três
sujeitos, mas a própria descrição desses rapazes meramente como galerosos, e não como
membros de galeras, como era sempre feito nos anos 1990, já sugere que a palavra
“galeroso” está sendo utilizada pelo veículo informativo de forma indiscriminada e
inapropriada.
A segunda manchete também se refere aos assaltantes como galerosos e não
como galeras. Apesar das galeras nos anos 1990 também serem descritas como
quadrilhas, às vezes, gangues, como esses sujeitos foram descritos nesta notícia, uma
quadrilha de verdade não é a mesma coisa que uma galera. Alba Zaluar, no livro
Galeras Cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais, explica que uma
quadrilha é composta por bandidos profissionais ou semi-profissionais que se associam
307 – Jornal Manaus Hoje, 22/07/2015, 1ª Página. Manchete “Quantos anos para cada um. No
Amazonas você encontra todo tipo de galeroso”. Arquivo pessoal do autor.
308 – Jornal Manaus Hoje, 24/09/2015, 1ª Página. Manchete “Galerosos atacam Manaus Moderna”.
Arquivo pessoal do autor.
309 – Jornal Manaus Hoje, 20/01/2016, 1ª Página. Manchete “R$ 50 mil. Grana viva por delegado
morto”. Arquivo pessoal do autor.
310 – Jornal Manaus Hoje, 1/09/2015, 1ª Página. Manchete “Revolta na cidade Nova. Galerosos
matam por uma moto”. Arquivo pessoal do autor.
311 – Jornal Manaus Hoje, 12/11/2015, 1ª Página. Manchete “Protegidos por bandidos”. Arquivo
pessoal do autor.
276
somente para a realização de algum assalto, roubo ou outra contravenção qualquer, mas
não possui lideranças tão bem definidas, nem seus membros permanecem juntos após a
173
execução do ato.314
As galeras, como as gangues, ao contrário, possuem lideranças
definidas, um vínculo mais duradouro através da confiança que seus membros inspiram
uns nos outros e através de uma história do grupo que é compartilhada e defendida pelos
integrantes. Os locais de moradia ou alguma atividade em comum que é regularmente
praticada pelos membros também servem para dar coesão aos galerosos e membros de
gangues.
A terceira manchete descreve traficantes que oferecem R$ 50 mil pela morte de
um delegado, mas ao final do texto, os traficantes são chamados de galerosos. Porém,
em plena época dos galerosos e das galeras que realmente se destacaram como tais,
nenhuma turma de galera teria condição de pagar sequer mil reais pela cabeça de
alguém, ainda que os próprios galerosos fossem capazes de matar pessoalmente por
questões mais banais. Mas uma ameaça de um galeroso ou galera a alguma autoridade
alta, como um delegado, não chegou a ser conhecida através de nenhuma fonte.
Novamente, nesta manchete, há um exagero e um sensacionalismo no uso indevido
desta palavra para descrever outros tipos de criminosos e suas ações.
A quarta manchete descreve assaltantes de moto como galerosos, mas na época
das galeras dificilmente um galeroso ou galera assaltava veículos. O mais comum era
que assaltassem residências, estabelecimentos comerciais e pessoas nas ruas para tomar-
lhes carteiras, relógios, cordões, bolsas, roupas e calçados.
A quinta manchete alega que as pessoas do bairro Jorge Teixeira estavam se
sentindo mais tranquilas ao lado dos galerosos, pois ninguém mexia com eles. É muito
difícil pensar que alguém, nas décadas de 1980 e 1990, se sentisse tranquila e protegida
da ação de outros marginais ficando ao lado de galerosos. Porque quem não era galeroso
e da galera do bairro, era geralmente visto como uma potencial vítima, e costumava ser
agredida ou ameaçada pelas galeras.
A sexta manchete e a sétima novamente anunciam os marginais como galerosos
e não como uma galera. As turmas de galeras, em nenhuma destas manchetes, são
312 – Jornal Manaus Hoje, 15/10/2015, 1ª Página. Manchete “Galerosos na catraca”. Arquivo pessoal do
autor.
313 – Jornal Manaus Hoje, 31/08/2015, 1ª Página. Manchete “Redenção. Galerosos colocam palhaço nos
postes e manda população se recolher mais cedo pra casa”. Arquivo pessoal do autor.
277
destacadas ou sequer aparecem nos textos. Na sétima notícia, os traficantes são descritos
como galerosos, mas os galerosos de trinta ou vinte anos atrás, raramente eram
envolvidos com o tráfico de drogas, apesar de as galeras também serem capazes de
estabelecer toque de recolher para os moradores dos bairros, como ficou claro na 174
entrevista de Medroso, Maicon, Raidi Rebello e de inúmeras notícias que foram
coletadas dos anos 1990. Além disso, como os traficantes descritos nesta manchete, os
galerosos também se portavam como se fossem os donos da rua e eram vistos desta
maneira por muitos populares.
Assim, o mito dos galerosos ainda persiste, pois é comum, até hoje, se ouvir
falar de que este ou aquele galeroso cometeu algum delito. Mas as menções às turmas
de galera deixaram de ser comuns, indicando que no imaginário coletivo da população
de Manaus muitas das ações dos galerosos ficaram para sempre marcadas como coisas
muito significativas. Tanto que ainda se usa o termo para designar ações de bandidos os
mais diversos.
Por isso “a extinção das galeras, embora não dos galerosos”.
314 – ZALUAR, Alba. Gangues, galeras e quadrilhas: globalização, juventude e violência. In: VIANNA,
Hermano (Org.). Galeras cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1997.
278
CONCLUSÃO
O presente estudo sobre as galeras e galerosos de Manaus que existiram entre
1985 e 2000 concluiu, portanto, que tais turmas se originaram e persistiram por, pelo
menos uns quinze anos, em função de vários fatores. A época propícia, o filme
Selvagens da Noite, as discotecas, filmes de gangues e de violência em geral, a criação
da Zona Franca de Manaus, o forte sentimento de amizade e de pertencimento grupal
que os jovens tendiam a desenvolver entre si e devido às formas alternativas e criativas
que os próprios jovens “inventaram”. Além disso, através deste trabalho, foi possível
perceber as múltiplas e diversificadas práticas e papeis desempenhados pelos rapazes e
moças que compunham as turmas de galeras.
Porque ser galeroso não era só ser um jovem que andava enturmado, saia para
danceterias, brigava com outras turmas e agredia as pessoas. Era também ajudar aos
amigos em caso de necessidade, sair para se divertir de forma pacífica, apesar de estar
sempre preparado para se defender de algum ataque de outra galera ou turma qualquer.
Era usar a influência da galera ou do nome famoso e intimidador de algum galeroso
para tirar vantagens perante os outros jovens, sobretudo nos principais points
frequentados pelos jovens galerosos. Era estar pronto para defender um amigo ou
membro da galera quando eles precisavam de apoio. Era trabalhar ao longo da semana
para ter condições de comprar o ingresso no sábado e no domingo e poder encontrar a
turma. Era ouvir músicas tão empolgantes nas danceterias que era quase impossível não
querer fazer parte também das curtições e agitações, através da imitação. Pois a galera
“contagiava”, como disse Maicon, e “você queria ser como eles”.
Mas ser um galeroso e andar com uma turma de galera podia representar
também uma grande ameaça para a sociedade. As perseguições, prisões, blitz de polícia,
279
fechamento de danceterias e até extermínios de que foram vítimas vários desses jovens
ao longo de toda a década de 1990, não reflete outra coisa se não esse pavor inspirado
pelas galeras nas pessoas em geral da cidade de Manaus.
As poucas opções de lazer disponíveis para os jovens da cidade, bem como o
surgimento de danceterias que pareciam uma “Disneylândia da garotada”, completam o
contexto histórico que tornou possível a existência e desenvolvimento desses grupos,
pois na escassez de formas de diversão mais interessantes que aquelas tradicionalmente
praticadas e conhecidas das crianças e adolescentes, uma parte da juventude procurava
se entreter de forma não usual e menos infantil, razão também do grande sucesso das
discotecas, cujo público era formado, em grande medida, por jovens que não queriam
mais apenas se divertir no bairro brincando com jogos e brincadeiras mais antigas e, “de
criança”, como empinar papagaio, bolinha de gude e outras desse tipo. Além disso, à
época, não havia internet nem celular à disposição dos jovens, de modo que estes
pudessem ficar, como ficam hoje, isolados em casa ou em qualquer outro lugar, apenas
nos sites de relacionamento ou ouvindo música, dois dos usos mais comuns que os
jovens fazem do aparelho de celular e da internet, desde a massificação dos dois
serviços e produtos. A época, portanto, não favorecia a introversão, mas a extroversão,
daí ser comum e ter virado um modismo a prática do andar e viver enturmado. A turma
protegia e, muitas vezes, até substituía a família ausente ou com dificuldade para se
comunicar ou conviver bem com o jovem.
Entretanto, para muitos jovens galerosos, “dava gosto ser galeroso”, porque os
“lideres” pareciam “super-heróis”. A consideração auferida pelos grupos, o respeito e o
medo inspirado por eles, também contribuíam para fascinar aos jovens.
Mais como os jovens foram envelhecendo e a cidade passou por uma mudança
no gosto musical de seu público, também em função de uma crise verificada dentro da
música eletrônica já a partir da segunda metade dos anos 1990, as galeras foram se
acabando e seus jovens mudando de vida. Muitos também morreram, se mataram ou
foram presos, saindo de circulação, desfalcando e abalando a vida dos grupos, como no
caso da “Selvagem”, que praticamente acabou depois que seu líder, Nego Celso, foi
morto, segundo relataram Cláudia “Punk”, Sheila “Guerreira” e Maicon Costa, antigos
integrantes desta galera. Constituir família, se apaixonar por uma moça ou rapaz,
arrumar um trabalho, servir às forças armadas ou se converter a alguma religião,
também levaram, direta e indiretamente, ao fim das galeras, apesar destes elementos
quase não terem sido discutidos, enfatizados e problematizados ao longo deste trabalho.
280
Preferiu-se dar ênfase a outros elementos, considerados pelo pesquisador como
mais influentes para o fim das turmas de galeras, e para a gradativa mudança de vida
dos jovens que as formavam.
Alguns programas sociais da prefeitura e atitudes de moradores preocupados
com as ações delituosas das galeras também devem ser consideradas como outros
importantes fatores de desagregação dessas turmas, pois a constante luta das
comunidades e das autoridades para colocar um fim nos comportamentos agressivos dos
galerosos, foram minando suas ações e encurralando seus membros mais destacados.
Após o fim das galeras, só restou o “mito” das galeras através do uso do termo
galeroso para designar qualquer ação contraventora, como visto na parte final do
terceiro capítulo. Porque ficou incoerente, até para uma matéria sensacionalista de
jornal, falar em galeras depois do ano de 2000.
281
Anexos
Transcrição da entrevista oral feita com “Medroso”, em 18/02/2014, com o auxílio de
um gravador de voz, para obtenção de informações sobre as galeras e sobre os galerosos
que existiram em Manaus nos anos 1980 e 1990. Esta transcrição faz parte de uma
pesquisa feita para o curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Amazonas.
Marcos – Ok! Aqui é Marcos Roberto falando, no momento da entrevista que ele vai
começar a fazer com um rapaz chamado Medroso, que vivenciou, nos anos 80 e 90, em
Manaus, o momento do auge das galeras na cidade.
Marcos - Bem, quantos anos você tem Medroso?
Medroso - Trinta e oito anos.
Marcos - Pode repetir?
Medroso - Trinta e oito anos.
Marcos - Você se lembra da primeira vez em que ouviu falar de galeras em Manaus?
Medroso - Isso tudo começou na infância, a partir dos sete, oito anos, quando se ouvia
falar né, a partir de nossos pais, que existia grupos de galera, era perigoso, que a gente
não podia ficar determinados horários da noite na rua, com risco até de ser pego pela
galera. Então, nossos pais, eles botavam a gente cedo na casa pra que a gente
acontecesse algum risco de lá dos galerosos, lá de próximo do bairro, do meu bairro, da
Cachoeirinha, de eles tentarem alguma coisa contra nós. Então, a partir da infância né,
que começa, eu começo a ouvir aquela ideia de galera, mas a ideia de galera não é
aquela ideia de dizer que, no meu olhar de infância eu via como uma coisa perigosa,
algo que poderia colocar em risco a nossa reputação, a nossa vida, e que eram jovens
marginalizados, assim, que nossos pais falavam que eram marginalizados e que eles
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podiam fazer qualquer tipo de agressão.
Marcos - O que as galeras daquela época significavam pra você?
Medroso - Assim, a meu ver, olhando hoje né, o que foi do passado, que eram jovens
que não tinham oportunidade, outros tinham oportunidade, eles viviam, existiam grupos
de pobres no meio, assim, da classe média, porque a galera não era formada em si por
grupos totalmente de pessoas pobres, mas tinha gente de classe média a qual eu vi, e
hoje em dia são engenheiros, alguns exercem a profissão de professor, outros se
tornaram evangélicos. Então, no passado, quando criança, nossos pais criou a gente
dizendo: “aquilo, esses jovens lá, evitam ficar perto porque eles são perigosos, pode
fazer algum mal”. E por isso que os nossos pais colocavam a gente pra dentro. E a partir
disso, essa visão que eu tenho hoje das galeras, é totalmente diferente daquele que eu
tinha primeira né, porque eram jovens divertidos, só que não tinham oportunidade, a
cidade ainda tava em pleno desenvolvimento aqui em Manaus, é a cidade era muito
assim, fechada, ainda num tava com essa explosão de população, como Rio, São Paulo,
mas aqui em Manaus ela tava fechada assim ainda, a cidade ela tava se expandindo, ela
tava em pleno desenvolvimento, naquela época né, de 90, dos anos 90. E, é isso!
Marcos - Você chegou a frequentar, em algum momento, festas ou espaços públicos que
também eram frequentados pelas galeras?
Medroso - Bem, a partir, acho que foi quinze anos, eu cheguei a participar de shows lá
na antiga Super Star. Então, esse ambiente lá, ele era um ambiente que se encontravam
todo tipo de grupos, inclusive esses, é, a galera né. Lá na Super Star, que depois passou
a ser chamada como Tropical Brega Night, era um dos locais de reduto desses tipo de
galerosos né, eu vou falar assim, nessa linguagem, mas que esses jovens, eles iam pra
divertir, às vezes eles não queriam que outro determinado grupo tentasse invadir a área
deles porque ali tinham que passar por autorização deles, pra que pudesse. As galeras,
naquela época, eu recordo como se fosse hoje, que quando passavam lá próximo de
casa, é, pra ir lá pro Tropical Brega Night, que antes era a Super Star, esses jovens, eles
se concentravam próximo da avenida Tefé com a Urucará, e esses jovens, eles, pra ir pra
esse local né, eles primeiro esperavam quem ia passar: se era a galera da Vila Mamão,
se era a galera... As galeras mais próximas que eles não gostavam. A galera da Vila
Mamão tinha rivalidade com a galera da Tefé, então eles não podiam se encontrar, então
as brigas rolavam muito na frente de casa, porque era próximo do Tropical Brega Night,
né? A antiga Super Star. Eu frequentei lá, só umas duas vezes que eu fui, mas
acompanhado com uma irmã minha, chamada Latércia. Então, ela levou né, que naquela
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época, assim, não era tão complicado de jovens participar de grupos, assim, pra ir pra
danceteria, porque não tinha um controle, praticamente o Estado ele não era totalmente
controlado como hoje em dia tá, né? Hora x, os jovens têm que se recolher, horário y é,
não se recolhe, mas naquela época, de 90, existia ainda esse controle né? De jovens.
Quer dizer, naquela época não existia esse controle né? Mas que comparado com os dias
de hoje, não sei como é que tá né? Esse movimento galera, mas era um grupo muito
perigoso que se concentrava geralmente nas danceterias, e é isso.
Marcos - Como você se sentia quando tinha que dividir espaço com os galerosos?
Medroso - Ah, essa época foi horrível. Quando eu estudava na escola chamada Balbina
Mestrinho né, era uma escola lá que infelizmente tinha alguns galerosos, e esses
galerosos pertenciam a um grupo da avenida Tefé, né? É, aqui era chamada antigamente
de... Como galera da Tefé, e esses grupos, às vezes, estudavam lá, mas num era todos
né? Alguns de, de pobres né? Eles estudavam junto com nós né? Então dava medo,
porque eles eram mal visto e tanto é que uma das vezes eu cheguei a ver aqueles
jovenzinhos, novinho, tudo com pedaço de pau na rua, tudo que tinha próximo deles,
pedaço de pau, garrafa, pedra, eles utilizavam pra tentar se defender da outra e pra não
deixar que a outra passasse pela rua deles, porque naquela época, tinha a galera da
Kaxuxa, na Urucará, lá de cima, tinha a galera dos Irmãos Metralha, tinha a galera... Era
muita galera né? Era visto como galera. Assim, galera dos Irmãos Metralha, então esses
grupos se juntavam pra tentar combater uma galera maior. A galera, eu digo assim a
galera da Vila Mamão, era uma galera muito grande. Eles se concentravam né, eram
jovens que estudavam também, que participavam da mesma escola que eu estudava, só
que quando era à noite, esses jovens que se concentravam com nós, assim, na sala de
aula, dava medo, porque eles apresentavam perigo pra nós dentro da sala de aula, uma
vez que tinha sempre briga, é, a gente tinha que ser submisso aos caprichos deles, não
podia fazer determinadas coisas porque no olhar deles, parecia que a gente queria tentar
ficar na frente deles. Ao contrário que eles queriam ficar na frente da gente como se
fosse o dono do pedaço. Isso acontecia, o galeroso, ele não só ficava na frente da galera
na rua, mas ele também tinha o espaço dele dentro da escola, como mandão da parada.
Marcos – Essa aqui tu já respondeu, né? Haviam galerosos nas escolas em que você
estudou? Só havia nessa ou... É, você só encontrou galerosos nessa escola ou em outras
escolas em que você estudou, você conviveu também com esses grupos?
Medroso - Nao, tinha em vários lugares, por exemplo, lá no Cunha Melo, eu não estudei
lá né, mas houve casos de colegas, colegas meu, assim, conhecido, eu não recordo o
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nome, mas que foram... Morreu né, dentro da escola, por motivos de outro grupo de
galerosos que nem tinha rivalidades com eles. Tinha a galera dos Primos, lá próximo, e
tinha a galera da Raiz também, só que pouco conhecida, como a da Tefé e da Vila
Mamão. Esses grupos que ficavam em outras escolas, por exemplo, Rui Araújo,
geralmente eles se vestiam naturalmente como nós né, com roupa de aluno, é tanto no
Balbina como na nossa própria escola, porque eles num aparentavam né, mas quem já
tinha visto eles na madrugada né, no horário da noite, quando eles atacavam, tinha
medo, temia, então, esses galerosos que eu vi, eles eram também de lá do Cunha Melo,
do Euclides da Cunha, do Niuburge, quer dizer, essas escolas, elas se tornaram nos anos
noventa, assim, o galeroso estudava, ele não era visto assim só como marginalizado, ele
tinha, assim, um ato intelectual porque ele queria ser, ter alguma coisa né, ele não
sabia...
Marcos - Mas você acha que todos os galerosos estudavam, ou só alguns que
estudavam?
Medroso - Bem, os que eu conhecia né, próximo da minha casa, todos estudavam, só aí,
com o tempo né que eu vim saber que outros deixaram os estudos, assim tinha, assim,
eu vou citar nomes, tinha o Capim, que eu não sei se ele terminou os estudos dele, mas
tinha o irmão dele, o Macaco, que ele era perigoso, mas ele estudava, tanto é que hoje
em dia eu vi ele, tá até de moto, vive bem, tem uma condição financeira boa, mas que
no passado né, o passado dele condenou ele daquela forma né, hoje em dia ele mudou os
aspectos dele, da época...
Marcos - Mas ele ainda é visto como uma ameaça, por alguém lá do bairro, assim,
alguém ainda se lembra desse passado dele, além de você?
Medroso - Bem, lá ele era mal visto pelos moradores e também num era só ele, tinha o
César Louro, tinha outros jovens que participavam, mas esses eram os mais
mandachuva né, que mandavam lá na área. Tinha que passar por eles, era como se fosse
um chefão lá dentro, sendo que o irmão dele era o maior né, que era o Capim, até por ter
um físico bem mais avantajado do que ele, era o que mandava, mas ao mesmo tempo
era como se os dois mandassem né, porque era família, parentes ali dentro e, num eram
só visto como eu né, mas como outros meninos também, outros moradores, a minha
mãe viu eles, meu pai, meus primos também tinha medo porque a conversa das galeras
no passado, quando rolava, na sala de aula a gente já tinha medo, fora de casa a gente
tinha medo porque às vezes eles ameaçavam a gente, a gente tinha que fazer
determinadas coisas que eles queriam. E essas coisas às vezes era atividades de aula, às
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vezes não era atividade de aula, às vezes era tipo: “olha vou passar lá na tua rua e vê se
tu baixa a tua cabeça pra mim.” Então, tipo, era como se quizesse mandar na parada. E
isso aconteceu, e dava medo, muito medo.
Marcos - Você chegou a pagar “pedágio”, ou conheceu alguém que precisou pagar
“pedágio”, para passar lá no território de alguma dessas galeras?
Medroso - Que eu saiba, assim, tinha, tinha rixa de grupos né, mas pagar “pedágio”
assim, eu nunca paguei, porque eu num saía quase à noite. Mas quando eu saía algumas
vezes pra festa, rolava esse negócio de pagar “pedágio”, rolava. Isso daí é uma das
verdades que rolou, mas era assim, geralmente em bairros mais pobres né, a Cidade
Nova ainda tava crescendo, é, foi inaugurada naquela época de noventa, ainda tava em
fase de desenvolvimento, mas bairros como, assim, próximo da zona Sul, e naquela
época atrás, hoje em dia a gente olha pelos corredores dos igarapés de Manaus né, que
geralmente era tudo concentrado no centro. A maioria das galeras viviam nesse tipo de
ambiente, mas ao mesmo tempo, como eu já tinha falado, tinha aqueles que tinha uma
classe social bem, mas que se sentia bem ali no grupo. Eu, em termo de “pedágio”
assim, rolou sim, que eu soube, mas eu não cheguei a ver, mas que rolava, rolava,
porque meus amigos comentavam isso. Mas não era todas. Não podemos generalizar,
mas que rolava.
Marcos - E quanto ao uso ou ao tráfico de drogas. Isso era comum entre as galeras, pelo
menos entre as lá da Cachoeirinha?
Medroso - Isso aí eu não sei. Se eu falar que eu vi eu tô mentindo. Eu não sei, porque o
que eu conheci esses galerosos do passado né, assim, os que eu conheci né, eles não
eram pessoas de risco, assim, de drogas. Eles eram violentos. Eu não posso comparar
porque se eu for dizer que eles eram tudo isso eu tô mentindo. Eles andavam em grupo,
então eles queriam mandar em território, ao contrário, se existiu, foi em outros grupos,
como, alguns conhecidos, como alguns que tavam envolvidos, assim, Diabo Louro né,
que era um, tinha um de galera também que existia, saiu até no jornal a morte dele, esse
jovem, só que eu não recordo a data, mas ele já, o jornal falava que ele era tanto
galeroso como usuário de droga, mas das próximas de lá da zona Sul né, que hoje se
chama de zona Sul, eu não cheguei a ver, tanto é que quando via aqueles galeroso
passarem na rua, eram gente divertida, que, que queria se animar, mostrar a cara né, mas
dessa, dessa maneira né, desse modo de agir, tentando se localizar, dizer que ele é
alguém, mas só que às vezes, o lado dele de ser alguém acabava violentando um outro
grupo que era nós, que a gente não era envolvido, com droga, assim a sociedade né, que
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eu falo.
Marcos - E quanto a... aos roubos, assim, que aconteciam e que, às vezes, eram ditos,
principalmente pela imprensa, que haviam sido cometidos pelas galeras. Você conheceu
algum galeroso ou alguma galera que roubava, “batia cordão”, coisas do gênero?
Medroso - Ah, ali próximo da zona Sul existia o grupo que roubava sapato. Esse
Reebok, na época né, chegou a ter o Nike, se eu não..., parece que teve o Nike também,
mas o Reebok era o na moda, o cano longo. Então é, a galera que não tinha condições
né, eles procuravam cercar esses grupos que tinham bota, esse Reebok. Então, era um
tipo de sapato muito usado nessa época, e tanto é que quando se fala em galera naquela
época, já pensava logo em uma indumentária, sapato Reebok cano longo, é uma
identificação, roupas às vezes preta, às vezes não, mas as meninas utilizavam roupa
preta assim como meio Punk, não Punk, mas meio Punk. Porque a indumentária delas
sugeria aquilo pra nós né, pode não ser, mas tentar se vestir na moda.
Marcos - Você chegou a conhecer algum galeroso, assim, de forma mais íntima?
Medroso - Não porque eu tinha medo, eu evitava se aproximar deles, porque, assim, eu
acho que era muito arriscado naquela época, como nossos pais já orientavam: “não fica
perto desses grupos porque eles são violentos.” E, às vezes, de manhã, agente só via o
resultado na rua né, lá da Cachoeirinha, de pedaço de vidro, pedaço de pau, os
comentários dos vizinhos passando, mas por quê, porque os caras é, num queriam que
os outros grupos passassem. Lá na nossa rua, na Urucará, tinha a galera da Kaxuxa,
mais em cima, então, tinha o grupo da Tefé, mais em baixo, e o grupo da Tefé era o que
comandava, segundo os jovens, né, daquela região, comandava a frente ali da, da
danceteria, então vinha outros grupos de fora, só que eles tentavam evitar que eles
entrassem no grupo, mas, assim, tentar evitar de invadir, tipo assim: “Não, aqui a gente
manda.” Eles tinham tipo que ser submisso às ideias deles, aos caprichos deles. Não
podiam passar.
Marcos - Mas eles frequentavam mesmo assim, quando eles iam lá, assim, sem
provocar confusão?
Medroso - Frequentava mermo! Eles tinha uns que se aliavam. Quando se aliavam, o
risco de ter briga era pouco. Mas quando tinha, eles se sentavam num canto, sentado
tudo amontoado, assim, próximo, ninguém dava nada, mas os paus tudo a uma distância
que tivesse ao alcance deles. Quando a galera passava, eles já fechavam. Eram
organizados. Se eu disser que não eram organizados eu tô mentindo. Eles eram tudo
organizado. Eles, alguns, não é todos, os galerosos não usavam, assim, de galera pra
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galera. Na galera da Tefé, que eu conheça, eles usavam Reebok, mas não eram todos.
Acredito eu que muitos foi de roubo ali de, tipo, só no passa-passa, aquela coisa
simplificada...
Marcos - Você chegou a presenciar conversas entre galerosos? Se sim, sobre o que eles
costumavam falar?
Medroso - No caso, o auge da galera lá perto de casa, eles, assim, os grupos, eu cheguei
a ouvir conversas deles. Assim, eram grupos que pensavam também, porque a mãe da
gente falava: “é perigoso, tal-tal”, mas a aproximação de jovens da idade de quinze né,
dezesseis anos, como, na época, eu acho que já tava nessa faixa etária, eu enxergava já a
maneira deles de tentar, tentar se mostrar que não era incapaz. Eles queriam mostrar pra
sociedade, tanto é que eles pichavam os muro das parede pra demarcar território, mas
por quê, porque eles tinham conceito, eles criavam conceito, eles tinham a forma deles
de querer mudar, mas eles também , como eu já tinha falado, eles pensavam em estudar,
alguns estudavam. Num era qualquer galeroso, como se, é, a mídia, às vezes, falava:
“Ah, galeroso, tal-tal.” Eu acredito que a mídia exagerava muito pra tentar, tipo,
mostrar, é, que o governo tava trabalhando. Que a polícia tava trabalhando. “Ó, pegou
um grupo de galera xx.” Mas, na verdade, eu vejo assim, como se o governo tentasse
mostrar é, trabalho. Aí pegava os galeroso. E não se falava de político preso naquela
época. Assim, eu nunca ouvi. Mas de jovens, de galerosos, todo tempo os jornais
estampavam: “galera tal e tal é pega com o vandalismo tal-tal.” Mas esses jovens que eu
conheci, assim, como eu não vou chegar a comentar o nome, mas eu cheguei a
conversar com alguns, e perguntei deles, assim né, sobre a situação deles, por que
aquilo. Era uma forma que eles tinham de se manifestar, dizer que eles eram alguém.
Esse rapaz me respondeu. E, assim, eu fiquei até, depois eu me aproximei dele, mas
assim, quando a galera já tava em declínio, porque um tempo atrás, era muito forte a
coisa. Tanto é que quando dava o horário das sete horas da noite, a família da gente já
mandava logo a gente entrar, porque já tava dando o horário, já tava se concentrando pra
passar. E quando passava era porrada mesmo. Era pedaço de pau rolando, era pedra em
quem tivesse perto, se tivesse um sapato bom eles roubavam. E assim vai. Era rixa. Era
uma rixa terrível.
Marcos - Você chegou a presenciar brigas entre galerosos?
Medroso - Vi, lá na frente de casa, rolou muito mesmo. Primeiro que era na porta do
Tropical Brega Night, antiga Super Star. Lá, ixi, o caso era muito sério. Eu recordo que
lá perto de casa, quase na beirada da Tefé com a Urucará, os meninos deixava todos os
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paus organizados porque, tipo assim, cada um tinha a sua tarefa dentro da galera. Tinha
aqueles que ficavam espionando pra ver se a galera vinha lá longe, enquanto eles davam
sinais pra esse, dizendo: “olha, lá vem a galera.” Mas eles acenavam meio de mímica,
gesto, que tava se aproximando. Então, o que ficava responsável pelos “equipamentos”,
entre aspas, pelas pedras, pelos pedaços de pau, pelos objetos que, garrafa, sempre tinha
um que colocava no cantinho, deixava arrumado e já avisava pros outros, enquanto que
o chefão mesmo, o galeroso mesmo, o principal né, que era o Capim, ele já ficava num
canto. Então, geralmente, o chefe da galera vinha na frente. Eu, assim que eu vi né, lá
perto de casa, e o resto da galera vinha na frente. Lá na “galera da Vila Mamão”, quando
passava lá perto de casa, eles eram cercados, o chefe né, por meninas, e eles eram os
caras mais forte assim, tipo assim, querendo tá na mídia. Naquela época não se
divulgava tanto como se divulga hoje, como tá o Facebook, essas coisas tudinho, mas
naquela época não tinha esses negócio de mensagem, toda mensagem era de boca em
boca. “E aí, olha, fulano de tal tá vindo a galera lá.” Aí eles se agrupavam, era o tempo
deles se organizar, então o chefão ficava na frente, pra tentar encontrar com o grupo.
Quando eles vinham, aí a pedra rolava. Pedra, pedaço de pau e a mãe da gente botava a
gente pra dentro de casa, é, com medo.
Marcos - Mas vocês gostavam de assistir, né?
Medroso - Era muito, assim, era uma coisa violenta, mas era legal, assim, entre aspas
né, porque aqueles jovens, é, eles queriam expressar a maneira deles de, de dizer: 'ah, eu
sou alguém na vida', mas só que ainda que erroneamente, talvez por causa do governo
daquela época, não criava incentivos para jovens, como hoje em dia tem, assim, de
cursos, e naquela época num tinha essa mordomia que existe hoje em dia, num existia
essa mordomia. Os jovens, Manaus já tava em fase de desenvolvimento, mas os jovens,
daqui de Manaus né, eles não tinham tanta oportunidade de curso, de qualificação,
então, mente vazia né, como minha mãe e meus pais falam, “oficina do diabo”. E aí,
esses jovens se atacavam no mundo, não tinha nada, saía da escola, talvez fazer as
atividades deles, mas, eles se sentem livres pra fazer esse tipo algazarra. Era interessante
né, mas se voltassem direto pro governo, não contra a sociedade. E era isso.
Marcos - E você acha que haviam..., haviam rapazes ou meninas que andavam em
galeras, mas que não brigavam e que, inclusive, eram contra as brigas?
Medroso - Bem, eu não conheço. Mas tinha a “galera dos Primos” lá perto da Maués,
que eles se uniam né, pra combater outro tipo de galera. Eu nunca vi assim, naquela
época, casos de jovens que, “ah, vamos fazer um trabalho social”, tentar levar algum
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tipo de atividade pra ajudar idoso, pra tentar ajudar a própria sociedade e até eles
mesmos, né. Mas, assim, eu vi casos né, de galeras se ajudar, mas de, assim, tentar obter
algum benefício, assim, eu nunca vi. Poderia existir, mas...
Marcos - Como as galeras se ajudavam?
Medroso - Como eu já tinha falado, eles eram tudo organizado. Então, quando
precisava de um sapato, aí tem isso naquela época lá que eu vi né, eles roubavam.
Então, tipo assim, “ah, a moda é o Reebok”, então tinham alguns que já tinham né, mas
pra que todos ficassem quase todos semelhante à moda deles, eles acabavam roubando
sapato de outros grupos. Os grupos mais fraco, ou talvez eram um grupo mais forte, mas
que eles precisavam se juntar com os outros, pra que ele pudesse ganhar poder, mostrar
que tem. Porque a mãe e os pais desses rapazes, ao ouvir delas né, que eu cheguei a
conversar com algumas. Elas não tinham condições de vida, assim, financeira boa. Elas
viviam ali, é, de vendas, autônomas e, impressionava que naquela época o Reebok era
caro, então de repente um pobre aparecer com um Reebok daqueles caro era estranho. E
geralmente era por roubo.
Marcos - E você acha que as galeras brigavam só com outras galeras? Ou elas brigavam
com pessoas e as roubavam mesmo se não fossem destas turmas?
Medroso - Eu vi casos, assim, que existia desavença dentro do próprio grupo. Eu vi,
porque a “galera da Kaxuxa” ela se desfez né, mas era uma galera forte, que se reunia
com a “galera da Tefé”, e essa galera ela se unia, mas aí depois parece que teve uma
desavença com um dos cabeça e um dos membros da galera, e aí se desmembraram e se
desfez, e ainda permaneceu a “galera da Tefé”. E a “galera dos Primos”, parece que
nessa época, ninguém ouviu falar, parece que mudaram de bairro. Naquela época o
governo tava implantando a Cidade Nova, então algumas das casas que tinham de
jovens que moravam alí próximo, ganharam casa e acabaram se dividindo, indo pra
outros cantos, se formando outro tipo de galera mais distante. Mas, assim...
Marcos - Você acha que as galeras acabaram? Por quê?
Medroso - Bem, acabaram, se eu disser, acabaram entre aspas. Eu acho que ainda
existem vestígios desse tipo de marginalidade. Ela, a galera, também esse nome
“galera”, ainda incentiva a ideia de gente que é ignorante, mas hoje em dia o termo
“galera” é usado pra outras qualidades, “galera boa”, sei lá. Ah, mas eu acho que não
acabou. Ela é pequena mas ela já é organizada, já trabalha, trabalho em grupo, em redes
sociais e perdeu aquela qualidade dela primeira, que era primitiva, de tá na rua, porque
não tinha mensagem, não tinha telefone celular, não existia aqui em Manaus, pelo
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menos que eu sei, não existia. A forma que eles se comunicavam era de boca em boca,
como eu comentei, mas assim, hoje em dia, eu sei que existe vestígios, é possível
encontrar isso nas redes sociais, porque quem viveu naquela época sabe muito bem
como era a forma deles se organizarem. Hoje em dia o galeroso, se é que eu posso dizer
também né, que é galeroso, mas porque os próprios meios de comunicação dão
nomenclaturas que não... que divergem daquele grupo. O galeroso que eu conheci no
passado, eles geralmente usava Reebok, tinha uma atitude mais primitiva, ele também
era pensante e tinha uma qualidade de vida, alguns pobre, outros médio, e comparado
com os dias de hoje, o que eu vejo assim é, tem jovens que vivem em grupo, não sei
dizer de direito se ele é considerado galeroso, porque ele já trabalha com a rede social,
pra se encontrar em determinados locais, eu acho que parece que desse grupo do
passado, foi consumido alguns vestígios deles e aplicados nos grupos atuais. Mas que
eles não deixam de beber da ignorância do passado, ou também da alegria daqueles
jovens, porque eu me lembro que eles saíam juntos e as vezes num tinha briga, e eles
eram divertidos, eles se concentravam e tiravam brincadeira, eu me lembro que eles
faziam atividades entre eles, jogavam bola juntos, então era uma forma de união alí, que
talvez, talvez não, é certo que o governo não dava esses incentivos de tentar tirar essa
marginalidade, mas que tentasse concentrar um foco pra aqueles jovens.Com o passar
do tempo, eu vi que o governo tentou trazer, mas ainda era fraco, ainda era incipiente,
era o mínimo ali, mas que esses grupos de galerosos do passado, não era tão violento
como o que tá agora, porque agora tá mais organizado, mas eu não posso dizer se é
galeroso, se não é, porque eles também bebem dos vestígios dos galerosos do passado,
que esses galerosos não eram tão violento como tá agora né, parece que o crime, tipo,
ficou mais organizado, todo lado tem celular, tem notebook, o galeroso às vezes mais
pobre, hoje em dia tem esse tipo de mordomia, de aparelho tecnológico é mais fácil de
se encontrar em algum lugar, tanto é que rola essas festas, o rolezinho que eu ouvi falar
agora, atualmente, no passado não era visto assim. Os grupos se organizavam, num
existia nem shopping, o Amazonas Shopping ainda tava no início, de 90 né, tava sendo
implantado. Depois que veio essa ideia de shopping. Comparado né, fazendo essa
comparativa do passado com o atual, os jovens da atualidade eles bebem do passado, e
nunca vão deixar de beber do passado, eles sempre vão viver do passado, de tentar
consumir a ideia do outro, tentar criar grupos, e assim vai.
Marcos - Você falou que os jovens, né, que se reuniam em galeras, eles eram unidos e
eles jogavam bola juntos, eles ficavam ali se divertindo juntos. É... Você chegou a
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presenciar, é... Eles reunidos assim, pra beber e pra ouvir música e ficar dançando,
assim, lá na casa de algum colega deles?
Medroso - Na casa eu não cheguei a ver, mas nas discotecas eu cheguei a ver, nas duas
ou três vezes que eu fui pra discoteca eles concentrados, mas eles não, pelo que eu vi,
nem todos bebiam. Por isso que o galeroso do passado não era totalmente beberrão, ele
tinha uma ideia de tentar se localizar na sociedade, ele queria o espaço dele, e a maneira
dele apresentar essa forma era, às vezes, a parte desse lado que era até mal visto. Às
vezes ele queria mostrar um lado bom de que ele tava alí, ele era alguém, mas que ele
era marginalizado pela própria sociedade, porque o próprio governo também não dava
incentivos pra que esses jovens pudessem se localizar no mercado de trabalho. Hoje, é...
Esses jovens que se reuniam né, lá na rua, às vezes eles bebiam refrigerante né, que eu
vi, que na minha convivência de infância eu vi isso. De beber, poderia existir né, outros
grupos, mas os grupos que eu conheci, eles não eram de tá consumindo drogas né,
assim, e os que eu sei de drogas, de bebidas assim, geralmente saía no jornal, assim,
como a... “Os Anjos Selvagens”, tinha outras galera, eram muitas galeras naquela época,
mas as conhecidas eram as que saíam nos jornais...
Marcos - “Anjos Selvagens” ou “Anjos Malditos”?
Medroso - “Anjos Malditos”! “Anjos Malditos”! Mas se eu não tiver enganado tinha
“Anjos Selvagens” também, porque tinha a “Galera dos Primos”, tinha a “Galera da Vila
Mamão”, uma das conhecida, tinha a “Galera da Praça 14”, tinha também, que também
era mais conhecida só que lá na parte do Centro. Eles, assim, eu não recordo se eles
chegavam a vir pro Tropical Brega Night, mas no Caxangá, a “Galera da Praça 14”
freqüentava muito, assim, os jovens se vestiam de preto, alguns que eu cheguei a ver, e
eles eram, assim, os rapazes que moram lá perto de casa né, inclusive meus irmãos, a
gente tinha aquele olhar, tipo assim, de ídolo pra eles, parece, parece brincadeira, mas
eles eram vistos como ídolos pra nós, porque eles conseguiam alcançar o foco deles, e
tanto é que quando tinha porrada de galera, as galera se reunia só pra assistir a outra
brigando. E isso acontecia alí na Borba com a Itacoatiara, então os cara num eram
totalmente galeroso, galeroso, os caras eles tavam na mídia, num tinha televisão pra
focar esse lado dos jovens, mas que eles...
Marcos - Eles tinham o respeito né, da comunidade ali, né?
Medroso - Eles eram idolatrados pelos jovens mais novos, ainda que a gente tinha
medo, mas a gente queria saber quem era eles, quem era eles, tanto é que a gente às
vezes saía escondido de nossas mães, pra saber quem era eles, porque aquilo atraía a
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gente, de saber quem era aquele cara que tá botando a cara pra mostrar que ele é
alguém, mostrar que ele não é só galeroso, porque eles também eram cobiçados pelas
meninas. O galeroso né, desses grupos, eles num era só mal visto, as meninas gostavam
de homens mais fortes, então esse tipo de rapazes que atuavam na frente eram bem visto
e eles tinham mais facilidade de conquistar mulheres do que um que não era inserido no
grupo. E às vezes acontecia de colegas meus se inserir no grupo justamente pra ganhar
mulher, namorar, conseguir entrar num espaço de mídia. Às vezes eles não ligavam pras
ideias dos pais, que diziam: “não que isso não presta”. E de repente o pai se espantava,
porque o filho tava no meio, mas por quê, porque esses jovens eles se identificavam,
porque ele queria mostrar que ele era alguém também, e acabava entrando, e as galera
não era pouca, era muita, e a quantidade de membros, assim em torno de, eu cheguei a
ver galera de cinco, num sei se pode-se dizer que era cinco assim, mas tinha galera de
mais de oitenta membros, eu cheguei a ver. A “Galera da Vila Mamão” tinha mais de
oitenta, tanto é que quando eles subiam a Urucará, chega era aquela multidão de jovens,
era muito jovem, jovens de todas as idades, chega não dava nem pra dizer qual era a
idade, mas dava pra dizer que era em torno assim de quinze pra cima, assim, mais ou
menos, mas...
Marcos - De quinze até quanto, assim? Vinte e três, vinte e dois?
Medroso - Vinte e três, vinte e quatro anos, porque eles nunca, devido a eles estarem
inseridos no grupo, eles iam envelhecendo mas eles iam evoluindo, e esses jovens eles
mesmos iam vendo que num era aquele caminha [o], tanto é que hoje o grupo de
galeroso não é como o antigamente, porque uns viraram pai de família, já tem olhar
mais diferente, como eu já tinha falado, alguns já conseguiram emprego, alguns se
tornaram evangélicos, alguns se tornaram professor, é, é... foi o momento do auge
mesmo, que ele não era entendido.
Marcos - Você chegou a ficar sabendo de algum que foi preso?
Medroso - De lá assim não, existia né, eu vi casos né, no jornal da manhã, eles sempre
falavam de grupos de galera que eram presos tal-tal, mas assim, de preso, preso, eu não
cheguei a... Eu sei que a polícia chegava mas não conseguia, a polícia chegava na frente
da danceteria, mas tudo se espalhavam né, quem ia, quem ia saber, naquela época a
polícia era fraca, não é como tá hoje né, bem organizada, quer dizer, bem organizada
entre aspas né, vários carros, tem a própria internet que eles podem localizar, tem sinais
de todo tipo que eles podem imaginar, hoje em dia tem câmera em tudo que é lugar,
coisas que não tinha no passado, então pra identificar, o pessoal só ouvia falar quem
293
eram os perigosos mas...
Marcos - E quando você foi pra Super Star, você disse que foi umas duas vezes pra lá,
você percebeu que havia uma divisão entre galeras, na própria danceteria, ou seja, cada
galera ficava num espaço restrito, respeitando o espaço das outras galeras, pra que não
houvesse brigas?
Medroso - Ixi, existia mesmo. Na primeira vez que eu fui, tinha jovens separados num
canto. Os grupos que eram minoria, geralmente eles se juntavam com outros, mas eles
não queria perder a ideologia deles, do nome deles, tanto é que nas pichações eles
colocavam o nome deles: “Os Primos”, “Galera da Tefé”, “Galera da Vila Mamão”. Ixi,
eles simplesmente, quando eles iam pros canto, todo galeroso que pertencia ao grupo,
eles conheciam eles tudinho, e aí, quando a música era muito agitada, aí era um
empurra-empurra, aí quem era membro da galera tal-tal, ia pra porrada no meio do
outro. Então existia aquele empurra-empurra , quando tava muito cheia né, aí a galera
ficava assim. Alguns próximos, aí depois empurravam, aí quando via que não, já rolava
briga.
Marcos - Essa questão da música eu cheguei a perceber na Spectron, quando eu
freqüentei lá de 95 à 99. Ou seja, às vezes uma música mais agitada né, mais
considerada, assim, como o “hino” do bairro, o “hino” da galera de uma determinada
área da cidade, enfim, quando tocava essa música isso, às vezes, motivava as brigas.
Você chegou a presenciar isso também?
Medroso - Tinha a música da Praça 14, que era, como é que se diz, a marca da Praça
14, eu não tô recordando o nome dela em mente, mas assim, eu tenho ela na mente, não
o nome dela em mente, mas tinha uma música, que quando ele tocava, eles cantavam
é... “Bota pra 14”, alguma coisa assim...
Marcos - Aurora, DJ Dero! Tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã, tã,
tã, tã, tã, hú!
Medroso - Essa música era a identidade da Praça 14 por quê, porque rimava o nome. E
os jovens de lá de perto de casa, que a gente ia pra lá pra perto, algumas das vezes nós
chegamos a entrar no clube né, mas que dava pra ouvir os rapazes dessa galera gritando
bem alto: “bota pra 14”, e eles eram um grupo tão localizado que eles conseguiram ter
uma música de identificação, os outros eu não sei se tinha, mas que esse grupo, ele era
muito visível, tanto é que quando vinha a galera de lá da Praça 14, lá do Caxangá, eles
se reuniam lá e eles eram bem vistos ali, apesar de ter a rixa, a rivalidade, mas os
moradores próximos né, os jovens, não mãe e pai, eles viam eles como ídolos, porque
294
tinha uma identificação, tanto é que quando tocava essas músicas dentro de casa, que a
rádio passava, os meus sobrinhos, assim como outros colegas meus, eles cantavam a
música do próprio cantor, ele cantava a ideologia do grupo. E essa era a forma deles se
comunicar.
Marcos - Você chegou a conhecer ou ficar sabendo de alguém que se converteu a
alguma religião e saiu da galera, de alguma galera?
Medroso - Tinha um rapaz assim, eu me esqueci o nome dele, mas é... deixa eu tentar
me lembrar aqui. Era um que era muito punk, ele não era assim punk, punk, mas ele
vestia uma forma diferente da gente na sala de aula. Ele ia de preto, a camisa tinha que
ser branca, mas ele ia de preto pra depois quando saísse da sala vestia ela. Eu não tô
recordando o nome dele, mas ele se tornou evangélico, ele deixou o grupo. Hoje em dia
parece que ele é pastor. Eu me esqueci o nome dele, eu não tô recordando. Ah, Fofão!
Marcos - Mas ele era de galera? Ele freqüentava as danceterias? Ou ele era Punk
mesmo?
Medroso - Ele era de galeras, tanto é que ele era de lá da Raiz né, junto com outros, que
eram muitos, não eram poucos, então eles se concentravam e iam pra outras festas,
como lá no centro, como o Cheik, eles freqüentavam aqueles ambientes, tudo era
rapazes novos, hoje em dia tão tudo já casado, já têm filhos, mas eles freqüentavam lá.
Eu não sei se outros amigos deles freqüentavam, assim, de igreja evangélica né, depois
que saiu, mas que ele, o Fofão, ele foi muito galeroso, e ele brigava mesmo. Todo
mundo tinha medo. A escola lá, quando ele chegava, todo mundo tinha medo, até os
galerosos de outras áreas tinham medo, porque ele era visto como violento, era muito
violento mesmo, era bom de briga.
Marcos - Deixa eu lembrar de uma pergunta que eu queria te fazer, aqui. Porque tem
nos outros formulários mas, devido a nossa conversa tá tão interessante, aí eu tô
lembrando de algumas perguntas que estão nos outros questionários, mas que eu posso
fazer pra ti também.
Medroso - Da localização, pode ser? Tipo, a marca do tênis, assim, por exemplo, vou
falar da marca né, que era uma das coisas interessantes né, porque isso...
Marcos - A marca da galera?
Medroso - A marca da galera! Cada um, eles pichava à moda deles, tanto é que eles não
tinham a estética de fazer a beleza, logo, se sabia que aquele jovem sabia escrever,
estudava. Tanto é que no nome “Galera da Tefé”, eles escreviam com acento, e o
galeroso colocava o acento, ele colocava, ele era, entre aspas, alfabetizado, não era de
295
qualquer forma. Alguns é, algumas pichações que eu vi, algumas eram de riscos, riscos
simples, outros já com detalhes de língua, tipo a “Galera dos Primos”, as letras eram em
forma de balão, balão e no finalzinho tinha uma cabeça de um boneco com uma língua
de fora. Então, aquele símbolo lá tinha um rostinho, tipo deboche, mas que representava
a ideologia deles. Tinha a “Galera da Vila Mamão”, as cores que eles usavam eram
vermelha e preta, eram as mais predominantes. Tinha verde, que era a galera dos... A
“Galera da Vila Mamão” tinha preta, mas quando vinha de lá da Vila Mamão, do bairro
Vila Mamão, eles já tinham um spray. Então, se tinha uma pixação da galera da Kaxuxa,
de branco, eles... Lá na Kaxuxa era a cor branca. “Galera da Kaxuxa”, bem grande eles
colocavam, “Kaxuxa”, eles colocavam com x, aí o de lá da Vila Mamão chegava e
passava o preto por cima, “Galera da Vila Mamão”. Então aquilo se tornava uma
revanche pra aqueles jovens, e aí eles pediam apoio pra outra galera que tinha mais
membro. E aí, tipo, eles mapeavam. “Olha, da Borba até a Urucará vocês não podem
passar”, e a Tefé, “se vocês passarem vai ter porrada”. Então eles tinham que dá aquele
voltona. E rolava isso. Tinha a Praça 14 que ele vinha de lá da Praça 14 e entrava no
bairro da Cachoeirinha. Tinha a marca deles, a marca da Praça 14 também, só não me
recordo se era preto que eles utilizavam, mas tinha a pichação “Galera da Praça 14”. “É
da 14”, eu cheguei a ver umas placas, assim, um desenho, “É da 14”, escrito
naturalmente, com acentuações normais inclusive, é, bem organizados inclusive,
algumas tinha ponto final. Então, o galeroso não era visto de qualquer forma. Ele era
ajuizado, ele era alfabetizado, não era qualquer galeroso.
Marcos - Me diz uma coisa Medroso. É, você acha que naquele período, as turmas de
jovens passaram a se aglutinar, e passaram a ser chamadas de galeras, e passaram a se
chamar também de galeras né, porque essas turmas se apropriaram desse nome, enfim,
você acha que essas turmas passaram a andar com esses grupos, é, porque haviam
poucas opções de lazer nos seus bairros?
Medroso - Eu acredito que sim. O governo naquela época, não dava incentivo pra
qualificar, e mesmo, Manaus ainda tava em desenvolvimento, mas mesmo assim, faltou
do governo, pra que houvesse, sei lá, sabe lá se num ia se tornar, esse grupo de galera,
um grupo de dança. Poderia ser, é impossível, mas poderia ser, ou, eu não tenho a ideia
da origem de “galera”, eu já cresci, nasci ouvindo “galera”, o conceito de “galera” pra
mim era visto como um cara que brigava, que era violento, que era perigoso, que podia
fazer algum mal pra gente. Mas que o governo, no passado, eu me recordo que era
muita preocupação com... a educação num era, nunca foi né, mas a educação num tinha
296
níveis. Tanto é que nas escolas eles davam caderninhos com a capa, a capa, eu recordo,
tanto nós que não era da galera, membro da galera, quanto os que eram membro
recebiam caderninho com a frente do governador, que eu vi aquilo. Hoje em dia eu via
aquilo como errado, que era obrigação do governo dá. Eu acredito que o governo, ele foi
muito fraco. Não houve política de educação voltada para tentar trazer esses jovens que
muitos diziam que eram delinquentes, mas eles não eram delinquentes. Eles
simplesmente eram mal vistos, e se atuavam dessa maneira, eu acredito né, é a minha
ótica, eles atuavam dessa maneira porque não tinha opção de lazer na cidade. Quando
tinha futebol eles mesmos se organizavam. Eles jogavam na própria rua. Na Tefé, com
pleno desenvolvimento, eles jogavam bola. Colocavam a trave de pau, às vezes de pedra
na rua, num era tão movimentada a rua, mas era uma das mais movimentada, e jogavam
bola lá. Na época da copa, na época de 90 houve uma copa se eu não tiver enganado,
então nessa época, esses galerosos eles arrumavam, enfeitavam. Era eles que enfeitavam
a rua, quando tinha a rua de lazer, eles é que ficavam na organização. Na rua de lazer, lá
perto de casa, eles ficavam na frente, se tentassem bagunçar, eles botavam pra fora.
Quer dizer, aqueles jovens, eles tavam se reinterando, assim, eles mesmos. Eles mesmos
foram se ajuizando, porque incentivo do governo não tinha, qualificação, se existiu isso
eu não vi. Porque eu não era membro de galera, mas eu não vi isso. Nos governos
passados só se via de expulsar camelô da rua, as capas dos caderninhos era, como eu já
falei, a capa dos candidatos na frente, tipo pra fazer marketing, não existia o respeito ao
cidadão. Por isso que os jovens eles tinham esse, é, acabavam, assim, a mercê né, eles
ficavam sem direção, num tinha uma direção pra eles. Num tinha psicólogos, existia
mas não tinha, assim, uma preocupação de política voltada pra juventude. Acredito eu
que se houvesse no passado essa ideia de política de educação, certamente esses jovens,
eu não vou dizer todos né, mas muitos num iam tá infiltrados no meio da violência, iam
ter conceitos de violência, iam ter conceito de respeito ao cidadão. Coisa que nas
disciplinas do passado, tinha mas era raro. O ensino num era comparado que tá hoje,
que hoje tem vagas de licenciaturas específicas. No passado era um professor de uma
área, e ele tinha que dar aula até..., e era assim. Não tinha professor de arte, num tinha
assim, direcionado, era professor mesmo formado que dava aula pra gente.
Marcos - Você chegou a conhecer alguém, ou ficar sabendo de alguém que era de galera
e que depois que completou 18 anos e foi chamado pra servir às forças armadas,
abandonou a galera?
Medroso - Ah, eu vi, isso aí foi dois casos que eu vi. Eu não recordo o nome deles, mas
297
que entraram no exército e abandonaram as galeras. Então, parece assim, que depois que
eles receberam essa, porque no exército do passado não é o exército de hoje, eu digo
isso porque o jovem do passado, eles, assim, apesar de alguns ser membro de galera, eu
acho que comparados aos jovens de atualmente, não era tão violento como tá. O do
passado, ele era violento, mas não era igual como tá agora, porque agora tá tipo um
crime. Eles tá, na verdade eles faziam tentar mostrar, é porque eram jovens, todo mundo
passou pela sua juventude, como eu que passei pela minha juventude, eu usava
determinadas roupas quase parecidas com a deles. Porque me espelhei neles, por quê?
Porque eles queriam mostrar que eles eram alguém. Ainda que mal vistos mas aquilo
atraía nós, porque num tinha um espaço, então eles mesmos faziam à maneira deles, se
vestiam da forma deles. A televisão era rara. Tinha televisão, as informações que
passavam eram pouca, assim, em termos de jovens. Mas já mostrava violência também,
e talvez esses jovens se sentiam atraídos por isso, e acabavam entrando pro crime. Mas
não quer dizer que eles eram criminosos. Eles simplesmente, como eu sempre vou falar,
eles eram mal vistos, mal interpretados e o governo não dava oportunidade pra que eles
pudesse ser alguém. Faltou governo e se Manaus se multiplicou em galera, vestígio
deve existia com certeza, mas comparado com o que tá hoje, desses jovens que saíram e
entraram no exército, nas forças armadas, dois deles que eu vi, eles não voltaram mais
pra galera. Completou 18 anos, entrou, se eu não tiver enganado, eu não tô recordando o
nome, mas foram dois que eu conheci, entraram e sumiram do mapa. Ninguém sabe.
Marcos - Você acha que a família né, a família de alguns desses jovens né, nós não
podemos generalizar, mas você acha que a família de alguns desses jovens, devido a
serem famílias desestruturadas, ou muito pobres, é, ou que não davam mesmo atenção
pro filho, tinham dificuldade pra, pra educar esses filhos e manter eles em casa? E você
acha que isso acabava contribuindo pra que esses jovens vivessem na rua e entrassem
pras galeras?
Medroso - É, o jovem mais, aquele que não tinha mais condições de vida, é, era mais
fácil de entrar prum grupo desse por que, porque não tinha incentivo. É uma das
palavras-chave. O governo tava mais preocupado na própria política de si, na época tava
construindo a Cidade Nova, tinha obras, mas que ao meu ver, as famílias ficaram
desestruturadas por que, porque os pais, às vezes eram dependentes químicos, outros
eram violentos na família, então esses jovens, assim... Ah, teve um caso de um colega
meu que se tornou galeroso por que, porque o pai dele era violento. E ele não queria
ficar daquele jeito, porque quando chegava em casa, era violência contra a mãe dele e o
298
pai, o pai violentava a mãe dele e se pudesse dava nele também, e nos irmãos dele. Eu
não recordo o nome, mas é porque faz tempo isso. Ele, esse jovem, ele infelizmente não
teve uma vida natural. Talvez se o pai tivesse estudado, sei lá, o pai dele era alcoólatra,
ele era violento. Então, mesmo ele sendo membro de galera, ele entrou porque ele não
conseguiu viver dentro do ambiente familiar. Ele simplesmente deixou o ambiente, e
partiu pro grupo da galera, é, como uma forma, assim, de se afastar da família, porque
ele só via violência, violência, então aí se espelhou na violência. Mas que ele era uma
pessoa bacana. Eu num tô recordando o nome dele, porque foram vários que eu conheci.
Mas que ele era, ele só se espelhou nesse lado por causa da violência. Esse é um dos
casos, dos vários que poderiam existir. Casos diferentes. Outro caso também foi do
César Louro, e do Gringo, eles foram galeroso mas eles tinham condições de vida
financeira boa. Mas eles se sentiam atraídos por que, porque eles viam os jovens se
vestir diferente, se reuniam, e os jovens daquela época queriam tá em grupo. Ainda que
eles fossem de classe média bem, assim. Então, existe aquele lado ali, que tem dinheiro,
e tem aquele que não tem condições e vai pro meio pela violência da família. Outros se
sentem atraídos mesmo, ainda que a mãe ajude, como o Capim e o Rione. Eles, eles, a
mãe deles tinha uma condição razoável, mas eles entravam mesmo pelo interesse da
violência e se sentiam atraídos e é isso. O pai e a mãe eles são o foco, tanto é que hoje
em dia, alguns jovens são vistos como galerosos, alguns, mas há uma diferença. Porque
hoje existem formas de explicações pra não violentar, agora a gente tá entrando numa
ideologia de, atualmente, alguns jovens tão tentando se localizar, comparado com o
passado. No passado não tinha essa informação pela internet. Hoje tem. Num é galeroso
né, hoje em dia recebe essas nomenclaturas, “rolezinho”, e outras e outras coisas, mas
no passado não tinha, não tinha essa ideia. Hoje, hoje tem os mecanismos de
informação, “olha, faz isso, tal-tal”, o jovem só cai no erro se ele quiser. No passado, o
jovem queria mostrar que ele era alguém. Ele queria mostrar. E é isso.
Marcos - Eu estava pesquisando no jornal A Crítica de 1995, um dia desses, ali na
Biblioteca Pública do Estado, e eu peguei uma informação do caderno de polícia
bastante interessante. Dizia que alguns dos orelhões públicos, não todos, alguns, que
eram danificados todo ano – ao todo eram mais de 2000 orelhões danificados por ano,
sendo que na cidade, naquele ano, só haviam 3000 orelhões, segundo a notícia -, enfim,
o rapaz que escreveu lá no jornal disse que alguns, alguns dos danos causados aos
orelhões, ou até aos telefones mesmo né, porque são duas peças distintas né, telefone e
orelhão que protege o usuário e o telefone de sol e chuva, enfim, o responsável lá, pela
299
Telemazom, estava explicando que alguns dos danos eram causados por membros de
galera que gostavam de se pendurar nos orelhões. E eu achei isso fantástico porque em
95 eu já ia pra Spectron, eu já convivia com galeras, eu não era galeroso, mas eu
convivia com galeras. E, eu não lembro disso, eu não lembro de ver um galeroso se
pendurando em orelhão, embora eu já tenha visto galerosos batendo nos orelhões, mas
não se pendurando. Eu nunca vi isso. Daí eu gostaria de te perguntar se tu chegou a
presenciar isso, alguém se pendurando em orelhão e quebrando os orelhões?
Medroso - De ver pendurado não, mas de quebrar sim. Porque, talvez esse repórter teve
a chance de ver algo assim né. Mas na minha época eles quebravam. Eles quebravam
onde tivesse. E também o galeroso não pode ser visto como o destruidor porque num era
só eles. Porque às vezes, tinha os infiltrados que não eram galeroso mas que faziam
vandalismo, e eles, os galerosos, é que acabavam levando a culpa por esse tipo de coisa.
Mas eu me recordo que tinha colegas que não eram membros de galera e que
quebravam telefone, porque eles se sentiam, sei lá, faziam aquilo por ignorância, por
não ter estudo, ainda que tivessem estudo porque estudavam né, mas faziam aquilo por
estupidez mesmo.
Marcos - Alguns quebravam, segundo esse, essa pessoa que comentou esse caso no
jornal, pro jornalista, alguns quebravam não porque eram de galera, mas porque naquela
época o serviço, na maioria dos orelhões, ainda era por ficha. Haviam pouquíssimos
orelhões, que estavam sendo testados ainda, que funcionavam a cartão. Alguns
quebravam porque eles iam tentar realizar a ligação com a ficha e não conseguiam
finalizar a ligação, e alguns quebravam de raiva, segundo o rapaz que trabalhava na
Telemazon né, que era responsável por fiscalizar esses orelhões públicos. Então, mais
uma vez, isso relativiza um pouco esse vandalismo destruidor das galeras.
Medroso - Pois é, vandalismo né, entre aspas né, porque quando você se sente na
necessidade de ter uma ficha de telefone como naquela época tinha, era a fichinha né,
pra você conseguir a ligação, eu acho que não era só o galeroso, qualquer pessoa ali...
Marcos - Qualquer pessoa, foi o que ele disse, qualquer pessoa.
Medroso - Mas isso aí acontecia às vezes nas brigas. Às vezes o orelhão, assim, era
atingido por que, porque às vezes o cara tava com raiva e queria descontar a raiva dele
em algum canto, mas em termos de agressão a orelhão, eu nunca tinha visto, assim,
pendurado, mas assim, de quebrar tem.
Marcos - Você acha que haviam galeras em toda a cidade de Manaus, em todos os
bairros, ou você acha que haviam só em alguns bairros?
300
Medroso - Eu acho que era em todos, pra tudo quanto era lugar se ouvia falar em
galera. Manaus, nos anos 90, ainda tava em desenvolvimento. A Zona Franca era um
dos raros redutos pra emprego e naquela época, a cidade ainda tava, assim, ainda tava
passando por uma crise né, com mudança de presidente, na época do Collor, houve
aquele risco do país né, esse, isso aí foi também um incentivo pra se tornar... Eu acredito
que os jovens já estavam analisando a vida, porque quando começou o impeachment do
Collor daquela época, o jovem já tava visualizando, porque muita gente, muitos jovens,
não posso dizer que galeroso só era em Manaus, porque galeroso tinha em todo lugar do
Brasil, porque aqueles galerosos entravam no meio das confusões pra, pra exigir
direitos. Aqui em Manaus, eu não me recordo se houve esse tipo de ato público, mas os
jovens, eu cheguei a conversar com os meninos né, com os galerosos, com o Rione, eu
conversei, ele falava que era errado aquilo que o presidente tava fazendo, quer dizer,
aquele galeroso, ele tava se reconstruindo na vida, ele tava no meio da galera mas ele
tinha um olhar específico, e talvez essa malícia deles só se tornava assim, por reflexo do
mal governo. E fora que naquela época a Zona Franca de Manaus aqui, ela tava
desempregando muita gente. Então, as famílias tinham tendência a se desestruturar. E
muitas dessas eram um caso desses né, os colegas também que o pai trabalhava e
trabalhou e tinham as mordomias deles, dentro de casa, e acabaram não tendo mais,
entendeu? Eu acho que era Atari, se eu não tiver enganado. Que Atari naquela época...
Marcos - Atari, vídeo-cassete e telefone convencional, na década de 90, durante toda a
década de 90, foram os três bens de consumo mais desejados. [Na verdade, o Atari foi
um dos vídeo-games mais desejados desde quando foi lançado, nos anos 80, até a
primeira metade dos anos 1990, quando sede lugar ao Super Nintendo. Assim, estou me
corrigindo, aqui, por ter falado que ele foi o mais cobiçado ao londo de toda a década de
90].
Medroso - Pois é, fora o sapato né, que o sapato não tem quem diga que não seja. Mas
assim, o emprego na Zona Franca, em Manaus, o local de emprego era só a Zona
Franca. Hoje em dia tem outras indústrias, mas a Zona Franca, quando ela começou a
quebrar aqui no Brasil, aqui em Manaus, principalmente, ela aumentou o número de
gente desempregada e eu acredito que muitos dos jovens que eu conheci, que estavam
envolvidos na galera, porque o pai não tava com emprego, então o pai não tava com
aquela mordomia que ele foi criado. E outros que tinham mordomia, que ainda tavam
bem, tavam concentrados, porque isso varia muito de jovem pra jovem. E eu vi isso nos
anos 90, não só isso, porque eu convivi no meio deles, apesar de não ser membro, não
301
só eu como meus irmãos também tava inseridos no grupo deles, porque a gente não era
membro mas a gente tinha que ficar perto deles por necessidade de jogar bola, por
necessidade de fazer trabalho de aula juntos. Tinha que tá juntos. Então aquele cara que
era mal visto, ele também tava com necessidade de, de recomposição intelectual. O cara
ele não podia ser visto como um vândalo, ele ainda era jovem, ele tava no processo de
adaptação na Terra. Talvez a minha condição de vida era diferente da deles, mas que
eles eram, muitos deles, não a maioria né, não, quer dizer, a maioria deles só entrava na
galera ou quando os pais estavam desempregados, ou devido a violência dentro da casa,
que era uma das coisas que era debatida também. Às vezes um membro da galera
perguntava “iaí, como é que tu tá?”, no caso do Capim ele perguntava como é que tava
os meninos na família. Teve uma das vezes, que eu posso te dizer aqui, que essa galera
deu no pai de um dos galerosos. Porque ele aprontava, dava porrada. Então o galeroso,
ele tava trabalhando já de entrar na família também. Ele não era só visto como briga,
briga, pra, nas ruas. Ele atuava também no meio dos amigos, assim como existia, assim,
nesse caso né, num era todos, num era toda galera, mas lá perto de casa acontecia isso.
Quer dizer, o pensamento de um valia pro outro, num era totalmente igual, mas desse
grupo lá acontecia isso. Então, é, às vezes, quando o cara era padrasto né, o caso de
padrasto como esse que aconteceu, quando um pai de um membro da galera batia, então
ele se revoltou, pegou os galeroso e deram nele. Quer dizer, quem era pra atuar era o
psicólogo, era o próprio governo, era a polícia pra tá atuando, só que eu acho que na
ótica deles, eles viam que ninguém fazia nada, então eles mesmos agiam da maneira
deles, da forma deles, então é muito complexo.
Marcos - Medroso? Você chegou a conhecer galerosos que trabalhavam?
Medroso - Sim, tinha mesmo. Tinha os que trabalhavam e eles não só trabalhavam
como também eram bem vistos, por que, porque por ter uma condição de trabalho, ele
não tinha muito tempo pra tá na rua porque ele trabalhava, alguns trabalhavam com os
pais né, eram novos, outros trabalhavam no Distrito, mas ainda era numa idade de 18 a
19 anos, mas eram membros. Eles se juntavam, geralmente, pra, pra ajudar uns entre os
outros. Existia aquele conjunto. Eles trabalhavam organizados, eles eram organizados.
Os que não tinha condições, os que tinham ajudavam, pelo menos o que dava pra ver,
porque quando a minha irmã ia pro Tropical Brega Night, tal coisa, ela comentava isso:
os meninos que não tinham condições, eles pagavam a entrada deles. Quando não
pagavam, pagavam o refrigerante. Geralmente pagavam refrigerante, entrada, ajudava a
comprar alguma coisa até no final do ano, natal, existia isso. Porque a moda do final do
302
ano, de ter um sapato Reebok cano longo, uma roupa bacana, era visto como auge ali, o
cara era o... todo mundo olhava pra ele, todo mundo têm um foco pra ele.
Marcos - Quando foi que você começou a perceber que essas galeras dos anos 80 e 90,
começaram a entrar em processo de decadência?
Medroso - Na própria escola, lá pra 97, já, 97, 98, eu comecei a perceber, como eu já
tinha comentado, que alguns tinham ingressado no exército, porque alguns dos
membros era de 15 a 23 anos, então eles começaram a entrar pro Exército. Fazendo uma
comparação de idade, dá pra perceber que muitos deles, eu vi alguns entrar pro
Exército, outros se tornaram evangélicos, em torno de 23 anos, assim. Teve casos que eu
notei essa decadência por eles ter ido buscar o próprio progresso deles. A mãe dando em
cima, porque o auge da droga existia, mas num era tanto como tá agora. Existia droga. A
preocupação do jovem era tentar se localizar. Existia casos de drogas, mas não era, pelo
menos os que eu via, eu não me recordo disso, mas...
Marcos - Quando você fala que eles tentavam se localizar, você quer dizer que eles
tentavam construir uma identidade? É isso?
Medroso - É isso! O jovem, ele mesmo não sabe, mas a verdade é que ele queria
construir uma identidade, ele queria mostrar que ele era alguém na vida, ele tinha, como
aquele caso que eu disse, lá trás, que o rapaz viu a violência da família e acabou indo
pra esse outro contexto. Teve outros que aconteceu casos de entrar por entrar, tinha uma
condição financeira, mas tava ali porque gostavam , se sentindo atraído. E tinha outros
casos. Meus irmãos queriam entrar na galera só que minha mãe botava em cima. Não
deixava de jeito nenhum. E a gente queria saber, porque geralmente os galeroso eles
usavam terçado, pelo menos das vezes que eu cheguei a ver, foi terçado. Assim,
revólver eu não lembro, mas faca, terçado...
Marcos - Faca, punhal...
Medroso - Punhal era tipo um ornamento. Eu cheguei a ver aquilo como um ornamento
no grupo deles, que eles mostravam. Eu cheguei a ver no grupo deles, eles mostrando,
eles não mostravam pros pais, mas lá, quando tava em vários grupos, a gente era
ameaçado: “não fala nada, se falar vai pegar porrada.” Então, eles apresentavam os
punhais, apresentava terçado, então a gente já não passava naquele local, pra não dar
vista. A gente era criança na época, era inocente. E os mais velhos mandava, a gente não
era membro, mas mandavam na gente. Sei lá, ameaçavam a gente. Então a gente tinha
medo, não falava pros nossos pais, porque tinha medo e poderia pegar a gente lá na
escola e largar-lhe a porrada. Em todo caso, isso aconteceu dentro das escolas. Eu vi,
303
colega meu pegando porrada de galeroso, porque eles tinham dedurado, que tinha
roubado sapato, alguma coisa assim. Aí a mãe foi no colégio e foi procurar saber.
Marcos - Você chegou a presenciar as galeras em festas de carnaval, principalmente no
sambódromo, festas juninas e festas de aniversário? Ou seja, essas galeras também
“invadiam” esses espaços, usavam esses espaços, se apropriavam deles, como se fossem
espaços públicos, é, e como são espaços públicos né, pelo menos no caso das festas
juninas e no carnaval, são festas públicas. Mas no caso dos aniversários não são festas
públicas, mas mesmo assim, eu lembro que algumas galeras né, na época em que eu
andava com elas, elas se entrosavam mesmo, entravam de penetra e bebiam ali,
comiam, dançavam e até animavam, muitas vezes, o ambiente. Às vezes brigavam
também, mas às vezes até animavam e tornavam a festa melhor. Mas enfim, você
chegou a presenciar isso?
Medroso - O aspecto cultural da galera rolava, muito mesmo. Na época do carnaval
nem se fala. Eles se reuniam, pelo menos é o que eu vi, e convidavam alguns travestis
pra dançar na frente e eles iam tocando tambor. Porque a ideia de homossexualismo
existia, mas num era tanto. Tinha, lógico, a ideia de discriminação, mas tinha um rapaz
chamado Cola, que ele se vestia em traje feminino...
Marcos - Cola?
Medroso - Ele era conhecido como Cola. Então ele se vestia de mulher, pintava o
cabelo de louro, e ele saia dançando e os galeroso tudo iam atrás. Nas marchinhas de
carnaval, assim, eles mesmos criavam a banda deles e tocavam. Eles mesmos tinham os
instrumentos. Eles tinham o aspecto cultural deles também, num era só a violência. Eles
pegavam, se reuniam com esse homossexual que ficava lá perto de casa, e eles saíam
pra vários lugares lá no bairro. E quando ele se sentava né, o Cola, os galerosos ficava
tudo ao redor tocando tambor, as músicas de carnaval, marchinha, aquelas coisas bem...,
mas rolava isso no carnaval. Na festa junina rolava também o boi que eles tinham.
Assim, é engraçado, parece brincadeira, mas eles, eles eram tão cultural também porque
o aspecto da violência não se batia. Isso provava que eles tinham um desejo de cultura
também. Olha só, ele mesmo tá mostrando a própria identificação né, tentando se
entronizar ali. Porque quando eles criaram esse boi, eu me esqueci, eu não sei se é
malhadinho, era um boizinho que tinha lá. Então eles cantavam as músicas, tinha os
membros da galera que se vestiam de índio. Parece brincadeira, mas tinha esse grupo lá,
o grupo da Tefé eles se reunia e eles, eles, as famílias chamavam pra dentro da casa. Lá
na Urucará, aconteceu casos deles irem pra casa da Marluce, no terreno dela, que era
304
bem espaçoso, eles convidavam, chamavam esse boi. Eu só não tô lembrado se era
malhadinho, o boi. Aí eles iam pra lá, os galeroso Capim, Rione, César Louro, aquele, a
moçada todinha, e era muito menino, eu era moleque, era muito mesmo. Então eles se
reuniam que ficava cheio o terreno. Aí eles colocavam chapéu enfeitado da maneira
deles lá, porque num tinha, num tinha investimento, num tinha nada, eles usavam aquilo
que eles tinham. As roupas que eles usavam, era as sobras do Corre Campo, toda
engilhadinha, do Corre Campo, dos outros e outros anos, eles usavam no boizinho deles,
tocando música, aí cantava pra nós, criança, a gente era pequeno na época, e a gente foi
vendo a evolução deles, que, tanto é que alguns num tão mais, num ficaram no grupo de
violência, se é que eu posso falar que é violência né, porque eles eram, assim, tinha a
ideia de cultura. Eles podiam até não saber, mas que eles gostavam de vestir gostavam.
Carnaval, é, era época de carnaval, festa junina e, principalmente, no dia do Judas. Quer
dizer, existia religiosidade no meio deles. E quem matava o Judas eram eles. Eram eles
lá.
Marcos - Você chegou a presenciar algum ritual pra alguém que ainda não era membro
da galera poder fazer esse ritual, passar por ele, e ser admitido na galera?
Medroso - Não cheguei a ver. O que eu sei, assim, por meio dos meus colegas né, é que
eles davam sabacú. Mas eu não tenho certeza né. Mas o que eu ouvi falar é que eles
davam sabacú e o que mais? Era tipo uma entrada assim, de vários jovens que os
meninos comentavam, e do outro, tinha que correr.
Marcos - Corredor, passar pelo corredor?
Medroso - Corredor, aí tinha que correr. Era isso que eles comentavam. Eu nunca
cheguei a ver o famoso batismo deles, mas que rolava, rolava. Então, se quisesse entrar
pro grupo da galera, tinha que ser submisso às ideias deles, tinha que fazer determinadas
coisas. Num podia ser maior do que o chefe. Tinha que ser “soldado”, assim, entre
aspas, tipo “soldado”.
Marcos - Haviam galeras formadas só por mulheres? Você chegou a presenciar isso?
Medroso - Na “Galera da Vila Mamão” tinha muita mulher, mas era, era uma galera de
homens.
Marcos - Mesclado?
Medroso - É. As galerosas que tavam envolvidas eram tudo namorada deles. Mas, tipo
assim, as mais bonitas ficavam com os chefes. Ainda tinha essa. E tinha aquelas que
eram, mas que queriam entrar na galera, eu não sei como é que era, mas elas eram
convidadas e acabavam partindo pra tá naquele grupo lá, tinham algumas que não eram
305
membros, mas elas tavam no meio porque elas se sentiam atraídas pelo galeroso.
Marcos - E você chegou a presenciar brigas, assim, entre mulheres?
Medroso - Mulher não! Teve uma briga lá na frente de casa, que era muita gente vestida
de preto nesse dia, então, na hora que tava rolando o quebra pau, tinha mulher no meio,
mas num dava pra saber se elas tavam tentando se proteger, porque na hora minha mãe
arrastou todo mundo lá pra dentro. Mas eu cheguei a ver briga e tinha mulher sim. Eu
não vi a continuidade da briga porque quando chegava nesse horário, minha mãe, oh...
que era o que a gente queria assistir. Tanto é que naquela hora eu tinha comentado que a
gente fugia de noite, abria a janela pra ir ver lá, no Caxangá, por exemplo, os membros
de galera, os galeroso, porque a gente se sentia atraído, ainda que a gente não quisesse
viver no meio deles, ser como eles, mas a gente sentia que eles eram os caras, eles
tavam na mídia. Num tinha televisão, assim, não tinha a imagem deles na televisão, mas
eles eram a mídia, o foco deles, dos jovens que não eram galerosos, eles eram bem
vistos. Claro! Se reunia culturalmente, procuravam o progresso deles mesmos, eles
tentavam delimitar espaço. Então isso prova que eles eram bem organizados, apesar de
eles não ser bem visto, mas eles tinham o lado negro e o lado bom deles. O lado bom e o
negro.
Marcos - Agora, finalizando aqui essa entrevista que eu como pesquisador tive a honra
de ter com você Medroso, uma última pergunta. Você ainda tem contato com algum
desses galerosos hoje em dia? E se tem, você pode me apresentar a ele pra que eu
continue entrevistando outras pessoas que fizeram parte das galeras?
Medroso - Contato eu tenho, e muito, porque alguns se tornaram engenheiros, outros se
tornaram pais de família, natural, assim, trabalhando no Distrito tal-tal, é, tem outros
que eram mal vistos, mesmo como o Rione, hoje em dia ele tem uma moto, ele trabalha.
Parece que trabalha no Distrito.
Marcos - Tem família?
Medroso - Tem família, tem mulher, vive bem.
Marcos - Ele tem a tua idade ou é mais velho que você?
Medroso - Mais velho do que eu. Então eles, nesse auge deles né, as meninas eram
loucas pra ficar com esses caras, apesar de não ter nada. Mas as meninas eram loucas,
porque eram o cara da parada, eles mandavam lá, num tinha como. Assim, tentar entrar
em contato com eles, eu acho meio difícil eles quererem comentar a vida deles do
passado, porque alguns, quem sabe os evangélicos, mas eu acredito assim que... Eu acho
que de minha parte, se eu pudesse ajudar sim né, acho que sim, da parte deles eu
306
acredito que não, porque é um passado negro pra eles. Tem coisas que eles cometeram
que, acredito eu, que eles não vão querer comentar, assim, foi mais violento do que eu
imagino né, e também foi mais cruel do que eu imagino. Como eu falei! Tem o lado
cultural deles, tem o lado negativo e o positivo. O lado que, que ele mesmo tenta fazer
com que o grupo dele alí, o chefão, faça com que o grupo dele aprenda a brincar alí no
meio dele, tenham imitação, e eles só vão entrar em contato com outra galera se o
chefão autorizar. Então, era isso que rolava. Aí, depois que veio essa decadência, que
acabou né, é até bom ter acabado, porque a violência quando quebravam, a rua ficava
infestada de vidro, pedaço de pau, gerava medo, pânico, e ninguém queria passar por
isso lá na rua.
Marcos – Mas eu vou fazer a pergunta novamente porque você só respondeu a metade
dela. Você quer, ou pode me apresentar pra algum deles? Ou não quer?
Medroso – Olha, eu acho melhor não (risos) porque eu tenho medo de represálias,
porque muitos desses galerosos, eu não sei se tão no meio da droga né, porque eu já vi
casos de alguns que estão inseridos como traficantes. Então, eu tenho medo de chegar
próximo e eles não gostarem ah, sei lá, 'tu falou da gente, tal-tal, a gente vai ser
divulgado, tal-tal.' Porque existe esse lado. Aí eu acho melhor não. Eu tenho medo. Até
hoje eu criei aquele medo né, porque aquele medo do passado, ele se tornou ainda hoje
porque a violência tá diferente. Então, aquele cara que era galeroso no passado, ou ele
se tornou uma pessoa natural, normal, ou ele se tornou uma coisa rebelde mesmo, de
entrar no tráfico de drogas e sei lá, e querer alguma coisa, e tentar... Mas aqueles grupos,
o que eu conheci do passado, ah, da “Galera da Kaxuxa”, eu conheci membros da
“Galera da Kaxuxa”, tanto dos membros como os chefes. Da “Galera da Tefé”,
membros e chefe. Os mais, assim, falados né, é... tinha a “Galera da Vila Mamão”
também. Quer dizer, aqueles grupos, a gente via, conhecia eles por quê, porque os
encontros deles, de porrada, era lá perto de casa. Então a gente já sabia quem era o
chefão. Eu só não tô recordando nomes porque é muito tempo, mas que eles, quando se
reuniam, que eles queriam entrar na festa, eles entravam mesmo. E era porrada mesmo.
Era porrada e rolava, às vezes, até briga por mulher, por mulher...
Marcos - E os evangélicos? Será que os evangélicos topariam falar?
Medroso - Pode ser. Eu não sei se o Fofão vai querer. O Fofão, ele era de galera, tanto é
que quando ele entrou na igreja né, rapidinho mudou aquele aspecto dele. Quando eu
conversei com ele, chega eu tomei até um susto, porque quem via né, aquela imagem
daquela criatura dentro da sala de aula temia, tinha muito medo. Ele era terrível, ele,
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porque ele era forte e a gente era tudo raquítico, magro. Aí, na frente dele dava medo.
Marcos - Tu ainda tem contato com ele?
Medroso - Tenho contato com todos, ainda! Tenho contato com o Rione, com eles ainda
tenho. Só que não é igual, porque conforme a época né, a gente vai perdendo aquele
contato de infância. E tanto é que alguns que passaram por mim, não me reconheceram,
porque talvez pela idade já, que já tá né? Eu era bem pequenininho, eu era muito
moleque naquela época, era mais franzino. Mas eles, eles eram, eles assim, eles, alguns
ficaram mais fortes, têm condições de vida bem, outros não têm, não sei se tá na droga,
ou se tá em outra...
Marcos - E o quê que tu acha de me apresentar pra esse Fofão, pra vê se eu tento
conversar com ele, e aí, basta que tu me apresente pra ele, entendeu? Porque depois vai
ficar, a negociação, já vai ficar entre eu e ele.
Medroso - Pois é...
Marcos - Entendeu? E eu vou falar pra ele que se ele quiser, eu não vou descrever o
nome dele em minha pesquisa. Eu vou colocar um nome inventado, um nome fictício.
Pra manter o anonimato dele. Então, por isso que eu tô te perguntando isso. Porque eu
preciso “caçar” essas testemunhas aí da história das galeras, ou melhor, pra poder
escrever uma história das galeras – porque as galeras “não” tem história ainda – e eu,
como pesquisador né, daqui da Universidade Federal, como graduando da Ufam, prestes
a terminar meu curso, é, já que estou pesquisando sobre isso, eu tenho que explorar essa
questão. Aí por isso que eu tô te perguntando, entendeu? [Disse, acima, que as galeras
não têm história, porque não sei de nenhum relato escrito por um historiador que tenha
sido feito, antes deste, sobre as galeras. Mas é óbvio que elas possuem história
individual e grupal, como qualquer indivíduo e grupo].
Medroso - Pois é! Eu vou tentar entrar em contato com eles né, se eu tiver tempo
também. Eu tô fazendo o meu trabalho final. Mas ele também é uma das indicações,
porque ele é mais velho do que eu, né? Ele viveu muito essa época do auge de tá nas
danças. Tem outros que poderiam, mas só que os outros, eu não acho que, assim, eu não
tenho coragem. É muito perigoso, assim, pela cara deles, aparenta ser perigoso ainda,
por mais que já passou aquela época da galera, talvez agora seja gangue, uma coisa mais
forte. Mas eu vou tentar entrar em contato com o Fofão. Assim, com relação ao meu
nome fictício, eu acho que Medroso ainda vai dar pra saber que é eu. Tem que ser um
nome mais... Talvez medroso.
Marcos - Tá bom. Medroso. Tá gravado já aqui.
308
Medroso - Ou outra coisa assim...
Marcos - Corajoso! (risos meus).
Medroso - É, ex, é, ex-membro não, assim, como eu posso dizer meu Deus? Eu sei que
eu tive contato com eles todos alí, dalí da zona Sul. Então, eles, assim, eu sou muito
conhecido né, se eu me expor como [?], é provável que ele descubra que eu sou o [?].
Mas que coloque um nome mais camuflado. Medroso, sei lá, porque até hoje eu tenho
medo daquilo. Porque aquilo deixou sequelas pra gente, na escola. E eu me considero
como medroso ainda. Porque os caras largavam a porrada mesmo. Eu cheguei, uma vez,
a ser ameaçado pela galera.
Marcos - Por que?
Medroso - Porque eles num foram com a minha cara, simplesmente. Eles queriam bater
no meu irmão, aí o meu irmão deu porrada num dos membros, e um desses membros se
tornou inimigo da nossa família, né! Eles queriam largar a porrada na gente, aí, como a
minha irmã era bonita na época, e a galera queria que a minha irmã tivesse no meio
deles, porque ela era muito bonita minha irmã. Então, por ela ser bonita, é, tinha essa
ideia de colocar mulher bonita no meio pra que o cara mostrasse que ele tava no poder
alí. Eles queriam as mulheres bonitas pra eles. E a minha irmã era muito cobiçada, ela
era uma das que dançava lá.
Marcos - Dançava aonde?
Medroso - Dançava lá no Tropical Brega Night, na Super Star, minha irmã dançou lá.
Então, aqueles galerosos, eles é que prestigiava a minha irmã junto com as outras,
porque era um grupo chamado Les Girls.
Marcos - Les Girls?
Medroso - É, era um grupo chamado Les Girls. Tinha outros grupos também, é, elas
tinham roupas. Elas tinham roupas pra dançar. Todo tipo de roupa. Quando era dia tal,
foram convidadas. Iam dançar. Então, quem prestigiava elas? Eram os galerosos? Os
galerosos iam prestigiar. E quando eles viam elas bonitas né, que a maioria das minhas
primas dançava nesse grupo, elas tudo carnuda, bunduda, tudo perfeitinha, assim, da
maneira que eles queriam, eles tentavam se aproximar da gente, de nós que não era
galeroso, mas queria trazer elas pro meio deles, pra que eles mostrassem: “nao, eu tenho
uma namorada bonita.” E ainda tinha mais: as meninas de lá da área, os galerosos de lá
de outro bairro não podia pegar, porque se pegasse pegava porrada. Se pegasse alguma
da região Sul né, se pegasse, pegava porrada. Se eles soubessem, “olha, o fulano de tal
é, galera xis-xis, tá agarrando a garota”, eles largavam a porrada. E não deixavam. Eu
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não sei se matavam, mas que largavam a porrada, largavam. Tanto é que as minhas
irmãs e as minhas primas, elas não tinham namorados. Por que, porque esses membros
moravam muito perto da gente.
Marcos - Elas tinham medo que acontecesse alguma coisa com o namorado delas, né?
Medroso - É, aí é por isso que elas não namoravam com ninguém, porque tinha medo,
era muito perto. Os galerosos, ao nível delas né, eram vistos como marginais, tal-tal.
Mas que elas eram até uma forma de ídolos pra eles, porque elas dançavam pra eles.
Elas dançavam no palco...
Marcos - Elas dançavam dance music?
Medroso - É, na época do Beto de Paula, o Beto de Paula animava as festas lá no
Tropical Brega Night, antiga Super Star também, é, era, a fila era imensa pra poder
entrar, e as mais bonitinhas né, os galerosos se aproximavam pra querer ficar. E
inclusive, das dançarinas né, que tinham as dançarinas que dançavam lá. Uma dessas era
minha irmã, minhas primas. Era em torno de seis mulheres dançando. Seis. Tinha a
Kátia, a Kátia não era, não era parente da gente, mas era próxima, então ela dançava. E
a Kátia era bonita, todas eram bonitas. Todas dançavam juntas. Assim, não tem esse
preconceito como tá hoje né, mas antes dançavam. E é isso.
Marcos - Pô, muito obrigado então Medroso. É... valeu essa entrevista aí, e fica o
compromisso aí de a gente tentar estabelecer o contato com o Fofão, né? A gente vai
tentar. Se não der, num deu, ninguém vai morrer por isso. Mas, obrigado.
310
Transcrição da entrevista oral feita com o DJ Raidi Rebello, no dia 29/07/2014, com o
auxílio de um gravador de voz, para obtenção de informações sobre as galeras e sobre
os galerosos que existiram em Manaus nos anos 1980 e 1990. Esta transcrição faz parte
de uma pesquisa feita para a disciplina Monografia Histórica, do curso de Licenciatura
Plena em História, da Universidade Federal do Amazonas.
Marcos – Ok. Aqui é Marcos Roberto falando, no momento da entrevista que ele vai
começar a fazer com o DJ Raidi Rebello, a respeito das galeras que existiram em
Manaus nos anos 80 e 90. Hoje é dia 29 de julho de 2014.
Raidi – Bom, antes a gente tem que fazer uma espécie de retrospecto do quê que
aconteceu pra... Até chegar né? Nessa denominação. Nos anos 80, até pelo menos 88,
89, esse termo “galera” não existia pra designar esse tipo de gangue, né? Que faziam
arruaça na rua, essa coisa toda. Na realidade era até uma saudação, por exemplo: eu
usava, quando eu cumprimentava o público, tanto aqui no Cheik quanto depois, em 88,
a partir de 88 no Bancrévea, ah, “boa noite galera”. Era a minha saudação, era a minha
saudação na rádio, “boa noite galera”. Ah... No final dos anos 70 tinha sido lançado um
filme chamado “Warriors – Selvagens da Noite”, um filme famoso que conta a história
de gangues americanas que se reuniram um dia num local e, quem conhece a história do
filme sabe, houve um assassinato no início do filme, inclusive do cara que tava unindo
as gangs né? Juntando, pra que elas reinvidicassem – era até um filme meio social –
para que elas reinvidicassem das autoridades públicas mais apoio pro pessoal das
periferias, aquela coisa toda. E um grupo foi acusado por isso, sem ter feito né? Eles
presenciaram o assassinato e foram acusados pelo grupo que tinha assassinado o cara, e
esse grupo chamava-se “Warriors” né? Que a tradução pro português é “Selvagem”.
Então, o nome do filme aqui no Brasil era “Warriors – Os Selvagens da Noite”. E aí,
ah... Na década de 80, aqui no Cheik Clube, tinham vários grupos de dança, de break,
311
num é? Eram vários grupos de dançarinos de break. Alguns se chamavam “The Break
Revenge”, “The Break Machine”, “Os Embaixadores do Break”, e por aí ia. Que era o
tipo de ritmo que tava predominando na moda, baseado inclusive em alguns filmes que
tinham saído na época, como: “Na onda do break”. Então, era um movimento que tava
surgindo nos Estados Unidos e que tava repercutindo muito, principalmente dentro dos
clubes que tocavam um estilo de música que seria o Freestyle, na época, que não era
conhecido por esse nome, mas que era uma batida que privilegiava o ritmo, o tipo de
dança, que seria o break. Fora esses grupos de break, existiam outros grupos que se
vestiam de maneira engraçada. Alguns andavam de chupeta, outros andavam com
camisa abotoada no pescoço e o resto aberto, outros andavam com os blusões da Yes
Brasil, que eram os blusões da moda na época. É, uma outra turma andava toda de
branco, uma outra turma andava toda de preto, e cada um tinha os nomes os mais
engraçados possíveis, num é? Mas eram grupos de dança, não tinha conotação de briga.
É claro que o encontro de várias pessoas, de vários bairros diferentes, de poderes
aquisitivos também diferentes, dentro dos clubes da época, como o Cheik, o Bancrévea,
no final dos anos 80 já colocando uma média de três, quatro mil pessoas reunidas né, na
época? Se esse número hoje já assusta pela quantidade de gente, você imagina isso a 25
anos atrás. Era, era... A população de Manaus era cinquenta por cento menor do que
existe hoje. Então, essas quatro mil pessoas que frequentavam o local, cinco mil,
facilmente seriam quinze mil pessoas hoje. Como se você reunisse, proporcionalmente,
quinze mil pessoas dentro do local. É claro que surgiu as disputas territoriais, vamos
dizer assim, porque tinha turma que vinha do bairro, então, as pessoas que vinham do
bairro, elas se identificavam umas com as outras. Algumas, de algumas ruas, então
vinham dez, quinze pessoas de uma determinada rua e formava um grupo. Na maioria
das vezes, grupos de dança, outras vezes grupos que acabavam se desentendendo com
uma outra turma por causa de namorada, ou porque alguém mexeu com num sei quem
do grupo. Então, tinham aquelas confusões, aquelas coisas normais que existe em
qualquer lugar. A variação pra coisa da galera começa, no final dos anos 80, um
jornalista que eu não me lembro do nome, nem quero me lembrar, entendeu? Num sei
nem se tá vivo. Ele começou a fazer um trabalho de divulgação sobre os eventos que
aconteciam no Bancrévea. O Cheik e o Bancrévea se tornaram fenômenos na época,
pela enorme quantidade de gente que vinha pra festa. Então, você imagina, um local em
que – existiam poucas discotecas em Manaus, na época – a Spectron tava no início, na
época era uma casa de alto nível, então era uma casa que dava trezentas pessoas, a
312
Starship era muito pequenininha, num é? E só existiam os dois grandes no Centro.
Primeiro o Cheik e depois o Bancrévea, que foi aonde eu toquei, onde eu já tava
tocando na época, com um programa de rádio muito forte, e que acabava atraindo essa
garotada pro Centro. Então, isso aqui virou um fenômeno. Porque, praticamente, a vida
noturna da cidade, da garotada, se resumia ao centro da cidade, aqui o eixo da Getúlio
Vargas, por causa dos dois clubes, né? Quando eu comecei aqui em 86, o Ronaldo
Tiradentes fazia no Bancrévea o baile “Emoções” num é? Depois o próprio Fred Lobão,
que hoje é, é... Trabalha na Difusora, é um jornalista que apresenta um programa de
notícias, ele era DJ na época, ele tocava no Bancrévea também. Então os clubes, esses
dois clubes, eles dominavam a vida da garotada. E isso começou a atrair a atenção das
pessoas por quê, pra enxergar o quê que tava acontecendo, por que que essa garotada
vinha toda pra cá, qual era a atratividade que tinha aqui. E esse jornalista começou a
fazer, e começou a divulgar os eventos. Nisso, eu já tava no Bancrévea, e começou a
divulgar os eventos que aconteciam lá. Escolha da “Garota Bancrévea”, escolha, ah...
Nós tínhamos academias que haviam disputas de fisiculturistas, né? Pra ver quem tinha
o físico mais legal, e tal, tinham campeonatos, tinham desfiles, desfiles de moda, alguns,
algumas butiques do centro da cidade, aproveitando aquela onda, aquela enorme
quantidade de gente nos clubes, financiavam eventos que aconteciam. Eu trazia, às
vezes, alguns artistas famosos, como Alexandre Frota, Roberto Bataglin, na época,
algumas modelos que tinham saído na Playboy, aquela coisa toda eram trazidas pro
Cheik, e isso acabava aumentando o movimento, essa coisa toda. Fora que os clubes
tinham um ambiente excelente pra época, e um sistema de iluminação e de som que não
existia no resto da cidade, esse era o grande contraste. Porque eram dois clubes, ah,
considerados de periferia, embora fosse Centro, mas voltados para um público de poder
aquisitivo menor, mas tinha a melhor iluminação, às vezes do Brasil inteiro. Num é? O
Cheik chegou a ter máquinas, assim, que nunca existiram em Manaus. E isso acabava
atraindo essa garotada, esse público todo. E começou a despertar o interesse, num é?
Esse jornalista começou a fazer o trabalho. Eu não sabia qual era a intenção do cara. Na
realidade ele era candidato a vereador, tinha pretensão política pra um período à frente,
talvez um ano e meio, dois anos à frente, e ele foi, vamos dizer assim, se imiscuindo
dentro das promoções que divulgavam, porque quem não queria uma divulgação num é,
no jornal, sobre os eventos que aconteciam? E, ele começou a fazer essa divulgação. Por
essa época, começaram a surgir, devido ao filme, a repercussão do filme, começaram a
surgir, ah, haviam, dentro do clube, haviam brigas entre facções, porque na realidade
313
não tinham nomes, eram turmas que do mesmo bairro brigavam com a outra, e pelo fato
de se encontrarem aqui no Centro, as confusões aconteciam aqui no Centro. Nos clubes,
havia um sistema de vigilância que não existia no resto da cidade. Por exemplo: ah,
você deve ouvir, você talvez já tenha ouvido nas suas pesquisas, muita gente
comentando sobre brigas, aonde voava mesa, cadeira, o diabo a quatro. Isso é uma
mentira. Nos clubes, tanto no Cheik, quanto no Bancrévea, a partir de 85, nunca teve
mesa ou cadeira dentro do clube. Isso era uma coisa que não combinava com o tipo de
música, com a discoteca. Mesa e cadeira pra quê, se ninguém ia ficar sentado? E era
tudo garotada, num tinha velho, num tinha gente um pouco mais idosa pra ficar sentada
tomando cerveja na mesa. Ah, outra coisa: garrafas, desde 1985/86, quando eu assumi o
comando do Cheik, por exemplo, eu bani as garrafas do clube, porque isso na realidade
era um perigo. Caí, cortar alguém, ou alguém usar a garrafa como arma, com uma
garrafada no outro, então, tinha uma coisa que foi afastada. Então, existem algumas
lendas urbanas que têm que ser tiradas sabe? “Ah, tinha brigas, tinha gente que saia
cortado com garrafa”, isso é mentira, é gente que além de não ter vivida na época, além
de não ter frequentado ou, às vezes, pode ter frequentado pra se autovangloriar, pra
dizer que frequentava um lugar muito perigoso. Com toda sinceridade, eu não trocaria a
década de 80 e 90, que eu vivi, pela década de hoje. Eu saio na rua hoje, com muito
mais receio do que naquela época. Num é? São épocas bem diferentes. Agora, por que
do nome galera? esse jornalista foi quem começou a falar da galera, da galera que
brigava. E eu tenho minhas dúvidas sobre se esse nome “Anjos”, existia na época ou se
foi uma criação dele pra nomear uma espécie de contraponto de uma galera que
realmente tinha uma turma que se chamava “Selvagem”. Mas dizem... Eu, por exemplo,
nunca soube quem era a “Selvagem”, quem eram seus líderes ou pseudolíderes, ou
aonde tinha começado. Uns diziam que era uma turma que, aqui na Getúlio Vargas, que
inclusive morava praticamente na frente do secretário de segurança, o Klinger Costa,
que morava aqui na Getúlio Vargas, praticamente na frente da casa dele, teria sido o
surgimento, aonde tinha três, quatro caras que eram da “Selvagem”. Na realidade teve
três, quatro mal-elementos que moravam aí, que se juntavam com outros mal-elementos
que moravam em outros locais, e que começaram a se autointitular “Selvagem”, e o
jornal começou a falar sobre isso, né? Afinal, ah, você venderia muito jornal se falasse
sobre uma coisa, é, onde tinha uma enorme quantidade de gente, né? Então, os jornais
passaram a se valer do que acontecia aqui, pra vender jornal, né? Qualquer rusga que
tinha, qualquer confusão que tinha, já não era briga entre grupos, já virava uma briga
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entre galeras. Então, começou-se a usar o termo “galeras” pra designar o que nós
chamávamos de turmas, de grupos na época, de gangues, talvez, né? Embora não
houvesse o desafio, qualquer pessoa dizer que existia uma organização, existia um cara
que era o chefe. Na realidade existia. Existiam grupos que tinham líder, normalmente o
mais mal-elemento deles, ou o maior, de maior tamanho, ou bom de briga, ou o cara
mais louco, sei lá. existiam grupos que tinham, mas eu nunca ouvi falar que existia um
líder único, eu nunca ouvi falar que existisse uma organização de galera. “Não, olha,
essa turma se junta com aquela turma dali, junta todo mundo, vai brigar com num sei
quem”. Isso é estória, são lendas urbanas que as pessoas vão criando, entendeu? Talvez
pra tentar dar uma conotação de uma organização pra uma coisa que era absolutamente
desorganizada. Brigava “Selvagem” com “Selvagem”, sabe? Turmas que a gente achava
que era da “Selvagem”, outro que se dizia que era da “Selvagem”. Você tinha que
pertencer a um dos grupos pra que você se sentisse protegido. Quando você saía à noite,
quando você voltava pra casa, né? Se você fosse apontado por um grupo qualquer, como
membro de um outro grupo, sê tinha que sair correndo. Não dava nem tempo de
explicar. Então, isso criou uma, uma cisão, vamos dizer assim, criou uma divisão de
grupos, em que um era da “Selvagem”, outro era da “Anjos”. Existiam outros grupos
menores na época, que me fogem o nome também. Mas a coisa começou a ficar
dividida, talvez pela divulgação que se deu errada disso, né? Eu acho que houve um erro
na divulgação dessa coisa, porque você acabou dando oportunidade pra garotada se
sentir fazendo parte de um grupo que na realidade não existia organizadamente. Eram
nomes que se davam, tinham dois grupos brigando, “ah, eram os „Anjos‟ com a
„Selvagem‟”, uns, alguns, falaram que era o “Nego Celso”, que foi um cara que foi
assassinado na década de 90. O corpo dele foi achado lá aonde tavam construindo o
edifício Aruba, lá na Ponta Negra, na década de 90. Outros diziam que era um cara que
morava aqui na Getúlio Vargas. Outros, num é, então num existia. “Anjos”, por
exemplo, eu não sabia nem quem era. Nem quem fazia parte do grupo. Então, essa coisa
de galera, das galeras, na realidade, que surgiram, existia briga? Existia. Mas não existia
o comando único, não existia. Existia, às vezes, turmas de um determinado bairro que
ora era de um lado, ora era de outro, entendeu? Dependendo de quem tava em maior
grupo, em maior número, na região.
Marcos - E essa galera “Anjos” que você fala. Seria “Anjo Malditos” ou só “Anjos”?
Porque nos jornais eu já li “Anjos Malditos”.
Raidi – Pra você vê, era mais conhecida como “Anjos”. O cara não completava a frase,
315
vamos dizer assim, o pessoal falava o pessoal dos “Anjos” e da “Selvagem”. O que eu
sabia, e o que eu tenho certeza absoluta, é que o nome “Selvagem” veio do filme,
“Warriors”, que eram “Os Selvagens da Noite”. As gangues se empolgavam com aquela
coisa e... E as gangs que eram retratadas no filme, algumas chegaram até a imitar.
Alguns andavam com taco de beisebol, entendeu? Só que não podia andar no meio da
rua que a polícia pegava qualquer coisa que fosse uma arma, né? Aí eles eram cercados
e num dava pra tá andando com aquilo pra cima e pra baixo. Então eles começaram a
diferenciar as turmas através das roupas, né, que eles usavam, num é? Então era muito
engraçado. Tinha gente que se vestia todo de preto, outros de preto e branco, outros
usavam uma calça com uma perna branca e uma perna preta, e por aí. Havia um monte
de maneiras de se vestir. O que no início eram turmas de dança, que na realidade se
identificavam com aquele vestuário pra dançar, pra fazer turminha, acabou, depois, com
o crescimento realmente da violência, né? Vamos dizer, com o envolvimento da turma
com a violência, e talvez um pouco com essa divulgação excessiva desses nomes,
acabaram se criando esse, essa fama dessas duas galeras, que na realidade num existia
comando, e nem funcionava como grupo organizado.
Marcos – É, você falou do filme “Warriors”. Esse filme é de 79, mas você falou que ele
passou nos anos 80 aqui. Ele passou no cinema aqui, nos anos 80? Na TV nos anos 80
ou nos dois nos anos 80?
Raidi – Cara, ele começou a passar em vários lugares, ah, aqui no Cheik, por exemplo,
tinha uma, uma, uma área de projeção. Tinha telão, num é, na época tinha um telão, e
nesse telão eram passados vários filmes. O “Warriors” era um dos preferidos, que a
garotada gostava de assistir, entendeu? Mas ele, embora tenha passado na década de 70,
passou na década de 70 nos Estados Unidos.
Marcos – Ele foi produzido em 79.
Raidi – Em 79, mas levava de dois a três anos pra um filme desse chegar aqui. Como
nós tamo falando aí de 86, 87, a coisa ainda tava bem viva na memória de todos eles.
Quem assistiu o filme no cinema, vamos dizer assim, num é? E já tava saindo o vídeo
cassete. Eu me lembro já que aqui, dele ter sido passado aqui em vídeo cassete. Tinha os
telões, eram uns telões da Sony, grandes, pareciam uma geladeira o telão na época, e se
usava aqui, lá embaixo, pra ter tipo uma sala de cinema. Então, passavam vários filmes,
num é, à noite? Então, quem vinha aqui pra festa dançava, dançava, ficava cansado,
descia, ia pro cinema com a namorada, ficava lá sentado, assistia um filme ou outro e
tal, depois subia novamente e ia dançar de novo, porque as festas duravam muito tempo.
316
Começava nove horas da noite e terminava cinco horas da manhã.
Marcos – Eram dias de sábado essas festas?
Raidi – Sábado e domingo. No domingo era uma matinê bem mais curta, né?
Normalmente terminava em torno de onze horas da noite, onze e meia, até mesmo por
causa dos ônibus. As outras terminavam quanto mais tarde melhor por causa dos ônibus
também. Porque, você imagina se uma festa dessa termina três horas da manhã, quatro
horas da manhã, quando você jogava três, quatro mil pessoas na rua, sem ter
absolutamente o que fazer! Então havia, assim, quase que um acordo, vamos dizer
assim, de cavalheiros, entre autoridades e proprietários de clubes, num é? Isso não só no
Centro, mas na cidade de Manaus inteira, pra que se levasse a festa até quatro da manhã,
pras pessoas num ficarem a rua, porque não tinha ônibus quatro horas da manhã. Tinha
só quatro e meia, cinco, aquela coisa toda. Então, o objetivo era pra que a pessoa
pudesse se deslocar facilmente daqui.
Marcos – Como você acha que essas galeras surgiram? Bom, essa aí você já respondeu,
né? Acho que não precisa responder de novo.
Marcos – Já cheguei a ler, em notícias de jornais de 1990, que as famílias estavam
pedindo à polícia que desse batidas nas discotecas espalhadas pelo centro da cidade.
Segundo essas famílias, os jovens que frequentavam as danceterias usavam drogas e
“praticavam cenas violentas”, o que criava uma atmosfera de medo na cidade. Isso no
jornal A Crítica, que foi o único jornal que eu pesquisei. Esse clima de medo, provocado
por esses jovens, chegou a prejudicar o trabalho dos organizadores das festas que
aconteciam nas discotecas, diminuindo, por exemplo, o número de frequentadores, ou
levando a justiça a decretar o fechamento de algum desses estabelecimentos?
Raidi – Olha! Na realidade, na realidade, ah, ah, houveram, no final dos aos 80, uma
ação mais efetiva da polícia com relação à blitz dentro das casas noturnas, aquela coisa.
Só que o quê que acontecia. No centro da cidade as casas possuíam detector de metal,
que nem a polícia tinha, na porta de entrada. Então, a maioria dessas batidas que a
polícia dava, eram inócuas nesse sentido, porque o problema não tava dentro do clube.
O problema tava fora, num é? A violência dentro dos clubes era contida pela segurança.
Os clubes, na época, chegavam a ter. O Cheik chegou a ter 70 seguranças. Então, você
tinha praticamente um segurança a cada metro dentro da casa, o que impossibilitava o
surgimento de brigas dentro da casa. As pessoas não tinham cadeira à disposição, não
tinham mesa, não tinham garrafa, não tinham arma, não tinha como entrar com arma,
num é? Então, a possibilidade de briga era remota. Acontecia briga? Lógico que
317
acontecia! Impossível de você evitar três, quatro mil pessoas dentro de um lugar,
principalmente garotada, e não ter confusão. Então, esse lance das, das, do que
acontecia na rua a partir de uma determinada época, acredito que a partir do início dos
anos 90, de brigas, de confusão, muitas vezes não eram causados pela garotada dentro
dos clubes, num é? Era gente, por exemplo, ah... A violência que havia na época, era pro
cara roubar tênis e pra roubar as pessoas mesmo. É, tirar a roupa, roubar a camisa,
roubar os blusões da Yes Brasil que o cara usava, o tênis da L.A. Gear, que era o ícone
de consumo da garotada na época. Então se reunia aquela turminha, esperava passar
alguém, e iam lá e tomavam as coisas da pessoa, e muitas vezes com violência. Num é?
Ninguém chegava “oh, me dá, por favor, seu tênis”. O cara chegava lá batendo nas
pessoas e tomando o tênis. Então, uma boa parte dessa atmosfera de medo vinha daí, na
realidade não era das pessoas que estavam no clube, mas do pessoal que tava do lado de
fora do clube, que assaltava, que fazia as coisas, cenas de violência com o pessoal que
tava voltando pra casa, que tava indo pro terminal de ônibus, entendeu? Então havia
realmente, a polícia, na época, ela criou uma ação violenta, eu lembro que a prefeitura,
através da Semusp, eles criaram uma ação, é, de regulamentação das discotecas, não só
do centro da cidade, mas em vários lugares, e assim, exigiam uma série de coisas, “olha
tem que ter bombeiro, tem que ter segurança, tem que ter detector de metal”. E a
maioria das discotecas do centro possuía até mais do que eles exigiam. Num é? Em
alguns momentos a gente chegava a tá na frente deles, por exemplo, detector de metal
existia há muito tempo. Eu lembro que eu cheguei, numa época, a doar para o Klinger, o
doutor Klinger, eu cheguei a doar dez detectores de metais. Que nós tínhamos
importado dos Estados Unidos, que a polícia não tinha. A polícia revistava as pessoas
metendo a mão. E nós doamos, né? Na época não existia produção no Brasil. Então, nós
tínhamos uma relação estreita. Quanto às drogas que o pessoal fala, eu acho, eu acho
ridícula a acusação. Eu sempre ridicularizei os jornalista na época, mas meu, “vocês são
loucos”. Sabe? O cara falar em cocaína, num é? Dentro de um clube de perifera que o
ingresso custava três reais na época, frequentado por pessoas que... Existia uma
promoção no domingo e no sábado, chamada, é, “a fila dos espertos”, “a hora dos
espertos”, que era assim: uma hora antes da casa abrir, quem tivesse na fila, entrava de
graça. E era uma maneira de você, a pessoa que não tivesse dinheiro naquela semana,
poder frequentar a festa. Era uma, uma ação que era uma coisa bacana, meio social,
trazia simpatia pra discoteca, e também fazia com que a discoteca ficasse lotada desde
cedo. Então, você imagina se um cara desse ia ter dinheiro pra tá consumindo cocaína.
318
Eu achava engraçado quando saía essas coisas no jornal. “Ah, os caras tão usando droga
dentro da discoteca”. Aonde? Qual é o poder aquisitivo que essa garotada, que eram
todas de periferia, teriam pra tá comprando droga? A droga, você poderia encontrar em
casas mais finas, que eu não vou citar o nome porque eu não quero acusar ninguém.
Você poderia encontrar em casas mais finas, em casas onde iam pessoas com poder
aquisitivo pra comprar. Num é? Sei lá, eu sou um cara que não bebo e não fumo. E eu
comandei uma equipe de som que foi famosa aqui em Manaus, chamada Dance Mix,
que chegou a tomar conta de seis, sete casas noturnas, né? Num era um só DJ, eram
vários, e uma das normas que tinham dentro da minha equipe era que não podia nem
beber, nem fumar. Quem fumasse ou bebesse era excluído da equipe, porque eu sempre
achei, tanto o fumo quanto a bebida, eu sempre achei meio porta de entrada pra outros
vícios mais sérios. Então, é uma coisa que eu sempre tive na cabeça. De evitar isso
dentro das pessoas que conviviam comigo. Eu tinha esse pensamento na época, e era eu
que contratava, era eu que formava as equipes, era eu que escolhia os DJs, era eu que
treinava essas pessoas pra tocar. Eu exigia: “meu, não pode beber nem fumar”. Qualquer
um dos dois vícios, pra mim, era execrado, e outras coisas também, lógico, não podia.
Mas dentro das discotecas, com esse público, é, vamos dizer, de periferia que vinha pro
centro da cidade, eu acho muito difícil que alguém tivesse poder aquisitivo, na época,
pra usar cocaína ou qualquer outro tipo, mesmo a maconha, entendeu? Porque a
maconha, como é que você vai usar maconha dentro da discoteca com três mil pessoas?
Um troço que cheira, fede que só o diabo? Se um cara acendesse um cigarro desse aqui
ele era preso, o segurança jogava ele lá fora, entendeu? Então qual era o tipo de droga?
Tinha que ser uma droga que não chamasse a atenção. Cocaína? A que preço meu? Eu
não sei quanto custava na época, mas se hoje é caro, imagina na época quanto custava.
Que era muito mais difícil, mais complicado. Então, eu acho que muitas vezes, é,
erravam nessa, vamos dizer, nessa linha de raciocínio. “Ah, dentro da discoteca tem
droga!” Não tem. O cara podia beber muito, a garotada podia fazer uma série de outras
coisas erradas. Havia violência, havia na rua, havia violência na ida pro terminal, havia
violência, num é? Mas dentro dos clubes? Qual era o interesse que nós teríamos de
permitir confusão, brigas dento do clube? Já teriam fechado as discotecas. As pessoas,
às vezes, nunca param pra pensar: por quê que o Cheik durou vinte anos, por quê que o
Bancrévea durou tanto tempo se era tão ruim assim? Se tinha tanta briga, confusão,
morte, num sei o quê, diabo a quatro? Os caras não conseguem entender isso. Porque é
mentira a grande maioria das coisas que falam. “Ah, olha, matou fulano dentro de
319
clube!” Nunca aconteceu. Eu me lembro de uma manchete de jornal muito interessante
que saiu. Uma segunda-feira. Abre-se o jornal: “segurança do Cheik é assassinado”. O
quê que você entende disso?
Marcos – O quê que eu entendo disso?
Raidi – Você leu a manchete. “Segurança do Cheik é assassinado.”
Marcos – Ah, sim! Os galerosos mataram o cara.
Raidi – Mataram o cara lá dentro do Cheik. Aí você lê a matéria e, sabe o que tava lá?
Um cara que tinha trabalhado como segurança no Cheik, tava dentro do ônibus lá no
terminal 3, num sei o quê da zona Leste, entendeu? Houve um assalto e o galeroso
matou o segurança”. Olha a manchete do jornal: “segurança do Cheik assassinado”.
Uma manchete tendenciosa, claramente envolvendo o nome da discoteca da moda, na
época, do lugar mais frequentado, mais falado de Manaus, na época, com o assassinato.
Pra quê? Pro cara vender o jornal. Pro cara, “porra oh meu, mataram um cara lá no
Cheik”. E o cara que não leu a notícia, pra ele mataram um cara no Cheik. É assim que
começam as lendas, entendeu? Por causa de matérias como essa. Mas esse jornal existe,
entendeu? Esse jornal existe.
Marcos – Foi em que ano, mais ou menos, isso? 95, 96?
Raidi – Cara, por aí.
Marcos – Eu ainda não cheguei nessa época. Talvez eu encontre.
Raidi – É, talvez você encontre. Na década de 90 que tá essa matéria. É, tu vais
encontrar muita coisa, principalmente sobre o jornalista que eu falei, no final dos anos
80...
Marcos – É o Castelo Branco, esse cara?
Raidi – Não, não, não. eu acho que o Castelo Branco, na época, ainda frequentava as
festas. Ele ainda era frequentador. Não, esse jornalista, cara, eu não lembro o nome dele,
lembro direitinho da fisionomia dele, mas não lembro do nome dele. Ele trabalhava no
Diário do Amazonas. A Castelo Branco surge em dois mil e pouco, entendeu? Ele já
surge em 2000, já.
Marcos – Mas eu peguei, eu peguei uma matéria do jornal A Crítica de 91, junho ou
julho de 91, em que tava dizendo que ele se infiltrou, durante quatro dias, numa galera
lá do Educandos [Morro da Liberdade]. Eu não lembro o nome agora da galera, mas
tirou foto e tudo. Apareceram rapazes sem camisa, com a camisa no rosto pra não
aparecer o rosto, né e tal, e descalços, assim, com facão na mão. Uma notícia bem
sensacionalista. Divulgaram a foto, na primeira página, de um rapaz com um facão na
320
mão, “galeras, o terror da noite”, e tal, aí, explicando que ele se infiltrou durante quatro
dias. Por isso que eu pensei que fosse ele, esse Castelo Branco.
Raidi – Rapaz, eu acho que não. Acho até que pela idade dele, se você pegar 91, por
exemplo, eu acho que o Castelo Branco, ele deve ter 40 anos, 42 anos. 91, nós tamo
falando aí à 20 anos, né? 24 anos atrás. Ele tinha 20 anos de idade, né? O Sabino tu tá
querendo falar, né?
Marcos – Eu não sei, eu não sei se é o Sabino.
Raidi – O Sabino era um cara, o Sabino, ele frequentou as festas aqui do Centro. Não
sei se nessa época ele já era jornalista, se já tava fazendo esse tipo de coisa. Mas, como
você mesmo notou na matéria, a coisa é sensacionalista. Ah, o cara tinha, na época,
gente que andava com terçado, mas tu acha que o cara andava com terçado no meio da
rua?
Marcos – Não.
Raidi – Que nem nos filmes da Idade Média, o cara andava com a espada, o cara anda
com terçado? Claro que isso não acontecia, entendeu? Ah, tinha, haviam confusões em
que, de repente, um puxava um terçado escondido em qualquer lugar...
Marcos – Eu entrevistei um rapaz da Cachoeirinha, que não foi de galera, mas ele
morava ali perto do Tropical Brega Night, depois Super Star, aí, é, ele comentou que
conhecia vários dos jovens que moravam lá, e que iam pra esse Tropical, e que eram de
galera. “Galera da Tefé”, “Galera da Vila Mamão”, “Galera da Kaxuxa”, e ele comentou
que, às vezes, os galerosos né, eles, é, porque eles sabiam que nos dias de festa, as
turmas dos outros bairros iam pra lá, né? Aí, o quê que eles faziam: eles pegavam, e
colocavam, assim, em cantos estratégicos, escondidos, assim, né, pedras, paus, facas, e,
enfim, deixavam lá. Aí ele comentou até que era tudo bem organizado, assim, e tal, é,
essa formação de galeras nesse período. Aí, mas é claro, eles não andavam, assim, eu
ainda não vi, ainda não li nada assim, nem ouvi ninguém comentando que eles
andavam, assim, armados e tal. E eu li até uma notícia que, de 95 se eu não me engano,
também no jornal A Crítica que, não, de 90 também tem, que as polícias estavam
fazendo blitz e estavam, é, estavam tomando dos jovens cintos com fivelas grandes,
porque achavam que aquilo era usado pelas galeras como armas e tal. Aí tavam
tomando. Tem até foto disso e tal. Mas assim, sair já desfilando é um pouco exagerado,
realmente. Por isso que eu lembrei desse Castelo Branco e te falei.
Raidi – É, olha, você vê! Você falou “Galera da Mamão”, é aquilo que eu te falava. Na
época, existiam grupos que eram de ruas, de, de vila, da Tefé...
321
Marcos – Dos bairros, né? Do bairro. Usavam o bairro como nome da galera.
Raidi – Usavam o bairro como nome... Não da galera, e não era “galera da”. O termo
“galera” começa em 91, 92. Aí começa, começa, você começa a chamar “galera da”.
Marcos – Um termo pejorativo...
Raidi – É, começa a ter conotação pejorativa, tanto que eu me lembro que nos anos 90
eu parei de usar o termo. Eu mudei de “galera” pra “moçada” porque “galera” passou a
se tornar pejorativo.
Marcos – Era uma coisa que eu ia perguntar pra ti também. É porque eu sempre ouvia,
no teu programa Dance Mix, né? É, tu usando esse termo “alô moçada”, e tal. Aí eu ia
perguntar se tu preferia usar esse termo à “galera”, porque o termo já estava muito
pejorativo.
Raidi – Já, já tava pejorativo, e eu tive que abandonar. Mas eu usava, nos anos 80, eu
usava “galera” e muita gente usava o termo porque não era pejorativo. Ele se tornou
pejorativo. Na falta de um nome melhor, poderiam ter escolhido “gangue”, entendeu?
Na falta de um nome melhor pra designar esses grupos de jovens que tinham,
começaram a chamar de “galera”. E isso acabou generalizando, né? Acabou ficando
uma coisa que qualquer grupo de pessoas era chamado de “galera”, qualquer, né? Então,
tinha esse lance. Pra você vê: esse lance dos bairros, ele criou uma coisa de tal maneira
que, na década de 90, era até perigoso você sair prum outro bairro.
Marcos – Sim.
Raidi – Num é?
Marcos – Sozinho ou em grupo.
Raidi – Sozinho ou em grupo era perigoso.
Marcos – Era perigoso porque mesmo que você não fosse de briga, sua turma não
quisesse fazer mal nenhum, a outra turma que era de briga achava que tu tava querendo
fazer o mal...
Raidi – É.
Marcos – Aí encrencavam, e tal.
Raidi – Mas eu acho engraçado é que, eu me lembro que nos anos 70, essa coisa
aconteceu comigo. Eu morava na Luís Antony, e eu namorei uma menina, que veio a ser
até a minha primeira esposa, na época, que morava na Aparecida. Cara, eu perdi a conta
das vezes que eu tive que brigar, tive que enfrentar gente que morava na rua dela,
simplesmente porque não era do bairro. E olha que a minha tia, não é, que era casada
com o professor [...] Monteiro, na época, que era considerado uma sumidade em
322
Matemática, ele inclusive é nome de escola aqui em Manaus, a minha tia morava na rua,
no Beco da Indústria, né? Que era onde morava a menina com quem eu namorava. E eu,
eu era impedido, às vezes, de entrar lá, num é, por causa do bairrismo, vamos dizer, que
tinha. Então, acho que na realidade a coisa começou como bairro e depois foi evoluindo,
e como era bacana aquele nome “Selvagem” e “Anjos”, acabaram, acabaram que as
turmas acabaram se considerando fazendo parte de um grupo ou de outro. E, na
realidade, não existia aquele grupo assim, “não, olha, eu sou da „Selvagem‟, você, você
e você”, a cidade era dividida nisso. Na realidade tinha grupos que ficavam: “peraí!
Quem tem mais gente? Ah, é o pessoal da „Selvagem‟. Eu vou ficar do lado da
„Selvagem‟”, num é? Então, você tinha que acabar se identificando com um grupo ou
outro, pra você conseguir conviver dentro daquela, dentro daquele ambiente.
Marcos – Por outro lado, esses mesmos jovens, usassem ou não drogas, fossem ou não
de galeras, eram o principal público que os DJs e as discotecas atraíam. Como era,
então, o convívio com esses jovens dentro das danceterias, principalmente quando eles
brigavam?
Raidi – Olha, eu posso falar pela minha. Eu sempre tive uma ascendência muito grande
sobre eles, a ponto de, de ser ouvido, vamos dizer assim. Eu não era somente um DJ. Eu
era o cara que tinha criado o movimento todo, não é? Quem criou o movimento, quem
trouxe o Freestyle pra Manaus, colocou isso dentro das discotecas, quem acabou
transformando uma coisa que era um diversão pobre que eles tinham, com DJs que
tocavam com disco nacional, é, com iluminação de, que custava, ali, vinte reais
comprado, o cara passou a frequentar uma discoteca com um som importado, com um
DJ, eu tinha sido o DJ do Hotel Tropical, então, eu não era um DJ da periferia que tava
tocando. Eu tinha já o título de melhor DJ de Manaus que tinha vindo do Tropical. Eu
era o DJ da elite da cidade. Eu tinha tocado durante cinco anos seguidos no Hotel
Tropical, na danceteria Studio Tropical, que era a coqueluche das danceterias, e saí de lá
pra vim tocar no Cheik. E trouxe pra cpa toda uma parafernália que a garotada não
conhecia. Uma iluminação espetacular, um som legal, discos importados, mixagens, não
é? Equipamentos de primeira linha, equipamentos de primeiro mundo. Ou seja, era uma
casa de clube dentro do centro da cidade, não é? Com, vamos dizer assim, frequentados
por jovens de baixo poder aquisitivo, que moravam nos bairros de periferia, mas que
curtiam o que existia de melhor em termos de música e de iluminação, falando em
termos de Brasil tá, não tamo falando só de Manaus. Claro, “ah, mas não tinha o
conforto de uma discoteca, tudo bonitinho, aquela coisa”. Não. Era um clube com uma
323
iluminação espetacular, um som espetacular, um programa de rádio com as músicas que
tavam tocando no momento, com discos importados, né? Aqui aconteceram alguns
fenômenos muito interessantes. Até hoje eu tenho depoimentos de pessoas que chegam
comigo e falam o seguinte: eles eram office-boys, outros muitas vezes, guardadores de
carros na Eduardo Ribeiro, outros sapateiros, engraxates, outros trabalhavam como
carregador de depósito, não sei o quê, esse era o público das casas que vinham pra cá.
Iam lá, compravam seu ingresso, bonitinho, não tinha problema nenhum. E os
boyzinhos, filhinhos de papai, o cara que ele mandava engraxar o sapato, dava um
dinheiro pra eles, pra eles comprarem as fitas que eram vendidas aqui, pra poderem
levar pros boyzinhos. Porque o cara não tinha coragem de vir aqui, né? Porque ele não
era da... O sujeito entrava aqui, já ficava todo mundo olhando pra ele, pela maneira dele
se vestir, dele se portar, o cara já sabia que ele não era frequentador do Cheik. Então, o
cara ficava, se sentia constrangido, se sentia intimidado, e outra coisa: a maioria
conhecia um ou outro, mas não conhecia aquelas grandes turmas pra se enturmarem,
como eles tinham, né? O salão ficava todo dividido por aqueles, aquelas rodas de gente
dançando, cada um ia pra dentro da roda, fazia sua dança, fazia a sua performance, saía,
depois entrava outro. Isso, com dançarino normal, eu não tô falando os breaks não, fora
os dançarinos de breaks. E aí, esses caras não entravam. Aquela parte de fora ali ficava
cheia de carros, de gente parada lá do lado de fora. Num tinha essas paredes aqui no
Cheik, sabe essa parede que tu tá vendo fechada aqui, aquela parede que atravessa o
salão? Não existia isso. Isso aqui era o salão. Tá vendo aquelas duas janelas ali? Aquela
parede ali não existia. Se tu observar, tu vê que tem um, uma, embaixo tem uma cor
diferente da parede. Em cima do relógio tem uma listra, digamos que aquela parede
todinha não existia, a cabine de som era ali. O DJ tocava dali, e esse salão todinho não
tinha essa parede que você tá vendo atravessando, nem aquela que tu tá vendo do lado
de fora. Era tudo aberto. O Cheik tinha umas, umas janelas em cima, ali, onde tá aquela
parte verde, ele tinha umas janelas na parte de cima, só, tipo uma platibanda, e o resto
era livre. E o carro parava o carro dele ali, onde você tá vendo aquele carro parado lá,
ele tinha uma visão completa da iluminação que tinha, ouvia as músicas porque não
tinha como evitar, era tudo aberto, ele conseguia ver o público e ficava curtindo as
músicas que tocavam ali, porque a maioria não tinha muita coragem pra entrar aqui,
porque ele não fazia parte da, dessa turma que frequentava. Ah... O Cheik, que era
turma de periferia. Então, esses caras vinham pra cá, às vezes iam lá comigo, eu vendia
fitas, né? Mixadas lá, então o cara chegava “olha, eu quero uma fita”. E imagina, uma
324
fita custava, era desproporcional, uma fita custava dez reais, e o ingresso pra entrar aqui
custava três. Então, só três mesmo custava o ingresso. Então, não era qualquer pessoa
que podia comprar. E eu vendia trinta, quarenta fitas todo final de semana. Porque a
garotada comprava pros amigos que não vinham, compravam pra mandar pros parentes
no interior, pros amigos, compravam pra comprar pra gente de outras capitais, num é?
Porque, ah, o programa Dance Mix, o tipo de música que tocava, à época que eu
comecei a mixar, isso acabou virando referência pro Norte do Brasil inteiro. Pro interior
inteiro. Eu viajo todo final de semana, hoje, pra tocar no interior, por quê? Uma parte
pelo seguinte: a elite, hoje, do interior, formada pelos comerciantes, pelos políticos, pela
turma que tá lá, essa turma estudou na capital, na época, anos 80, 90, e essa turma
frequentava o Cheik, porque quando eles vinham pra cá, eles não tinham poder
aquisitivo pra ir numa casa mais... Ah, pra cá, o pai bancando, às vezes com suor e
sacrifício a estadia dele aqui na capital pra ele poder fazer um curso, fazer um, né?
Estudar numa escola melhor na capital, às vezes no interior nem tinha escola de
segundo grau, vamos dizer assim, de primeiro grau, só tinha primário, o cara terminava
o primário tinha que vim pra capital, pra fazer, e eles acabavam vindo muito pro Cheik.
E hoje em dia, eu vou tocar no interior, e a casa é cheia, por quê? Porque tem uma parte
desse público que me acompanhou na época, na década de 80 e 90, num é? Então, o
Cheik, ele se transformou numa espécie de... Tanto o Cheik quanto o Bancrévea, o
Raidi, a maneira de tocar, é, se transformou numa, talvez na única coisa legal, na coisa
boa, de primeiro mundo, que a garotada de periferia tinha pra curtir. Ele frequentava a
discoteca que tinha a melhor iluminação de Manaus. Não tinha. O Tropical tinha
fechado na época, num tinha Starship, num tinha Spectron, num tinha ninguém. A
melhor iluminação tava aqui. Eu cheguei a ter máquinas aqui, de iluminação, que
custavam o preço de um Escort XR3, na época. Eu lembro que, às vezes, o cara chegava
“pô, tu não comprou um carro novo pra ti não Raidi, tá ganhando dinheiro, num
compra”, falei: “olha, tá aí no teto”. Eu preferi investi em uma coisa que eu achava
bacana, uma máquina de iluminação, um negócio legal, do que luxar. Eu não
frequentava outros ambientes. Isso aqui era o meu mundo, era a minha vida, entendeu?
Então, o Cheik virou esse tipo de referência. O cara não podia falar mal de mim. “Ah, o
DJ não presta”, porque eu era o melhor DJ de Manaus. Eu tinha tocado no Tropical,
num é? A iluminação era um negócio espetacular, que ninguém conseguia acompanhar,
por quê? O dinheiro que se ganhava na festa era reinvestido na compra de iluminação.
Um disco, na época, com uma música, ao existia internet, custava vinte dólares cara.
325
Vinte dólares. Se nos formos pegar o início da década de 90 e, a URV foi três pra um,
lembra? Quando foi transformado pelo Fernando Henrique de URV em dólar, era três
pra um. Então, nós vamos ter um disco custando sessenta reais. Concorda comigo?
Vinte dólares seria o equivalente a sessenta reais no início dos anos 90. Sessenta reais
por uma música? Quem podia ser DJ na época? Quem tinha dinheiro, cara, ou quem
tinha uma fonte de renda pra poder você girar, você comprar os discos e tal. Então, tinha
essa dificuldade. O cara, muitas vezes, o cara tinha dinheiro, vai comprar o disco, vai
comprar onde? Disco vinha dos Estados Unidos. Não tinha pra vender aqui em Manaus.
Entendeu? E outra coisa. Como que o cara, mesmo que tivesse dinheiro, ia comprar um
disco, com uma música, por vinte dólares? Porque os discos chamavam-se “disco mix”,
né? “Dance Mix”, o nome, inclusive, porque era o nome do meu programa, chamava-se
Dance Mix, que era um mix feito pra dançar com uma música, uma versão maior do que
a que era lançada na rádio. Então tinha uma música só. Custando vinte dólares. Então,
isso acabou transformando, tanto o Cheik como o Bancrévea, numa espécie de
Disneylândia da garotada. Tipo, “meu, eu vou pro Cheik que lá eu tenho melhor
iluminação, eu tenho uma segurança boa na porta, eu sou revistado e eu brinco
tranquilo. O que pode acontecer comigo, é eu levar uma porrada, mas eu tenho certeza
que eu não vou levar um tiro, não vou levar uma facada, não vou levar uma garrafada –
lá não tem. Então, são coisas que as pessoas, às vezes, nas matérias, nos
sensacionalismos que fizeram, passaram por cima disso. Se era tão ruim, por quê que
fez tanto sucesso? Porque tinha um monte de coisas boas que quem tava de fora não
sabia. Não é? O tipo de iluminação que foi usado aqui cara, tinha festa que era pra
inaugurar, comemorando a chegada de um aparelho novo. E eram máquinas lindas, eu
não sei se tu já pesquisou...
Marcos – Sim, eu frequentei a Spectron de 95 à 99, e haviam algumas dessas máquinas,
mas o Cheik eu não frequentei, eu era muito pequeno.
Raidi – Tinha uma coisa muito legal no Cheik, que era o seguinte: você observa que o
Cheik é um clube feito com lage invertida, né? Sê tá vendo que ele não tem viga, ele é
um teto liso, né? Então, tu imagina isso aqui pintado de preto, certo, e ali onde tá aquela
parte verde era fechado, uma platibanda da mesma altura só que fechando bem na
coluna, de uma coluna pra outra, fechando o clube todinho. Quando você soltava
fumaça, essa fumaça ficava presa nesse... Justamente aonde tavam as máquinas. Então,
o efeito era espetacular. A gente tinha uma máquina, depois, quando a gente sair daqui
eu vou te mostrar ali na divisão, bem na divisão onde tá o muro hoje, a gente tinha uma
326
máquina, que ela ficava dentro do teto, pra cima, aonde é o telhado. E essa máquina
descia com o auxílio de elevador, é, hidramáticos, descia com a máquina, a máquina
rodando, fazendo um monte de efeitos, você descia na pista de dança, o pessoal afastava
e ficava dançando em volta da máquina. Essa máquina custava onze mil dólares.
Entendeu? E a gente contava no Brasil as discotecas que tinham. Tinha o Cheik, tinha a
Toco lá em São Paulo, a Help, no Rio de Janeiro. A gente contava nos dedos as casas
que tinham. O Cheik era uma delas. Então, esse tipo de investimento, esse tipo de, de
coisa feita por um DJ, que no caso era eu, que eu era louco por música, louco por
iluminação, louco por discoteca, eu não, eu não... É claro que isso era um negócio pra
mim, mas eu não agia muito como um negociante “não, vou pegar esse dinheiro pra
mim”. Eu queria pegar o dinheiro pra ter o disco mais legal, eu queria ter o melhor
equipamento, eu queria ter o melhor som, eu queria ter a melhor iluminação. Eu
comprava som em São Paulo, e trazia isso de estrada pra cá pra Manaus. Porque não
tinha som aqui em Manaus. Então o Cheik tinha um som cinco anos na frente de todo
mundo. Enquanto todo mundo usava as caixinhas de som da Kenwood, que vendia aqui
no centro da cidade, a gente já usava as 45 bits, chamadas WBOX, da JVL, que eram
tão grandes que o pessoal dançava em cima das caixas, de tão grandes que elas eram,
entendeu? O Cheik tinha telão no final dos anos 80 cara. Coisa que hoje, por exemplo,
eu uso na Studio Disco, nas minhas festas, eu só trabalho com telão, né? Todas as
minhas festas são com videoclipe, eu fazia isso na década de 80. O Cheik tinha telão, o
telão custava vinte mil dólares. Eu comprei na Vídeo Crom, com o Getúlio aí, que hoje
já tá de volta a Manaus, um grande amigo meu. A gente comprava, a gente tinha telão
no Cheik. Nós tínhamos câmeras, imagina, olha, olha a coisa do futuro cara. Você
imagina seis, cada caixa de, eu, nós tínhamos seis locais aonde tinha caixa de som.
Grandes, caixas de som com um metro e meio de altura. Em cada caixa de som dessa
tinha um cabo de vídeo. E nós tínhamos um funcionário, era o Walter, na época, que ele
manejava umas câmeras portáteis, né? O cara aguentava ficar só dez minutos com ela
no ombro, de tão pesada que ela era. E era portátil, né? Era desse tamanho as câmeras e
ele subia em cima das caixas, ligava o cabo de vídeo, que tava ligado no telão, e filmava
as pessoas, e jogava a imagem no telão. Nós tamo falando de final dos anos 80. Então,
você imagina a tecnologia, o que nós usávamos, era impensável em matéria de Manaus.
Isso pouca gente falou sobre isso. Então, os motivos que às vezes as pessoas não
conseguem entender por que que era tão legal, por quê que as pessoas vinham tanto, era
essa tecnologia por trás, era essa, era essa coisa do cara se sentir usufruindo de uma
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coisa que ele não tinha condição financeira de usufruir em outro lugar. Se ele quisesse
ter aquilo, além de não ter em Manaus, se ele fosse na Spectron, na época, que era uma
casa meio elitizada, o ingresso custava três vezes o preço daqui, cara... E outra coisa:
tocava outros tipos de ritmos, porque o Cheik acabou caracterizando um tipo de ritmo,
que na época chegaram a chamar de “som raidiano”, uma corruptela com o meu nome,
entendeu? “Breakiano”, num é? “Som do Rebello”, sabe? As meninas eram chamadas
de “raidetes”, na época. Então criou toda uma cultura, vamos dizer assim, do qual a
garotada vinha, gostava, frequentava porque o que era oferecido pra ela era uma coisa
legal, entendeu? Embora o clube, estruturalmente, talvez não tivesse muita coisa pra
oferecer. Mas a parte de som, de iluminação, né? Era de primeiro mundo.
Marcos – Entre 1995 e 1999, período em que eu frequentei a Spectron Disco, lembro
que alguns membros de galera brigavam com mais frequência ao ouvirem determinadas
músicas. Era como se ficassem mais agitados e eufóricos, ainda mais quando a música
em questão era considerada o “hino da galera” ou do “bairro da galera”. O “hino da
galera” eu coloquei entre aspas, né, assim, porque era quase como se fosse um hino.
Elas viam desse jeito, né? Você se lembra de alguma música que era ouvida e cantada
quase como um “hino de guerra” por alguma dessas galeras? Porque parecia um “hino
de guerra”, né, dentro das danceterias? Eu lembro, na Spectron que, às vezes, ele [o DJ]
tocava a música aí, um ou dois, assim, três de algumas galeras, assim, né? Aí, é, se
empolgavam, brigavam, batiam, assim, rapidinho, né? Aí depois tentavam se esconder,
porque o segurança logo chegava e botava pra fora, né? Daí, eu quero saber se tu se
lembra de alguma dessas músicas, que eram ouvidas e cantadas, né, quase como um
“hino de guerra”?
Raidi – Lembro de várias. Tinha algumas que... Bom, tem uma que é a principal delas,
né, que inclusive era muito usada pelo pessoal da Praça 14.
Marcos – “Aurora” DJ Dero?
Raidi – É. “Aurora” é, tem o ritmo parecido. É porque é assim: o Dero, que é um DJ
argentino, na realidade o nome da música chama-se “Do The Rave Stomp”.
Marcos – “Do The Rave Stomp”!
Raidi – Né? Essa é a grande música da, da, da 14. Só que a 14 era somente uma delas.
Eles tinham um negócio de “bota pra 14”, que seria em cima da música, mas “bota pra
Alvorada”, “bota pra Compensa”, ah, cada bairro construía a letra da maneira como
achava melhor. Tinha uma outra música ah, que era do, do Dedley Simens, eu acho,
deixa eu ver se eu acho aqui. Eu não sei se a gente vai encontrar cara, que eu tô sem,
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sem o [...] Drive, não tá funcionando. Acho que eu vou acabar tendo que tocar com
outra coisa. Ele não vai tocar. Porque esse daqui é ligado no outro aparelho. [Começa a
tocar a música].
Marcos – Ah, sei qual é essa música. Gosto muito dela. [Na verdade, eu também
confundi essa música com “N.E.G.U.S”, do Fun Tribe].
Raidi – Será que eu tô confundindo? Eu tô confundindo. Ah, tá aqui. Ou é essa ou é
essa. Não pode ser outra. [Começa a tocar Fun Tribe, música “N.E.G.U.S”]. Bem
parecida, né? Muito parecidas, eu confundo uma com a outra. O pessoal cantava: “oh,
eh, oh, a „Selvagem‟ já chegou, oh...” Eles usam esse cântico até hoje. Quando eles vão
pra uma festa de Flash Back, alguma coisa, aí quando entra essa música eles falam: “oh,
gê, oh, a Compensa já chegou”, “oh, gê, oh, a 14 já chegou”. E por aí vai. Quer dizer,
são as músicas que eles cantavam, e tem dezenas de outras que, às vezes, a gente não
ouvia porque você tá na cabine, e sê tá com um retorno muito alto. Eu escutava o que
eles cantavam, mas eu não conseguia entender. Eu conseguia entender, às vezes, um
bairro ou outro e tal, né? Mas esse aqui eu lembro que era todas as vezes. E o Dero, né?
[...] o “Do The Rave Stomp”, aliás, inclusive, eu, em 98, eu acho, 99, eu toquei em São
Paulo, num clube chamado Nova Floresta. E tinham várias atrações. E uma das atrações
era o Dero, e eu toquei depois dele. E quando a gente tava fazendo a passagem do som,
eu chamei ele, e perguntei pra ele: “Dero, me responde uma coisa: por que que a tua
música é, excita tanto o pessoal ao ponto de leva-los a brigar?” Aí ele disse pra mim, ele
disse... “Raidi, eu não sei! Na província de Rosário é proibido de tocar “Do The Rave
Stomp” (Risos).
Marcos – Na Spectron, eu cheguei a presenciar, nos domingos que eu fui, é... Eu
cheguei a presenciar em alguns domingos, é, eu não sei se era o Alex Marques, o DJ que
tava tocando lá no dia, ele, às vezes, começava a tocar, aí, dez, quinze segundos depois,
ele tirava, porque começavam as brigas, aí ele tirava. E ainda dizia assim: “Olha aí, tá
vendo? Desse jeito num vai dar pra tocar DJ Dero, vocês ficam brigando”. Aí
dificilmente tocava até o final. “Do The Rave Stomp” e “Aurora”.
Raidi – É, era complicado. Eu me lembro já, na década de 2000, eu tava fazendo, eu
fazia umas festas no Olímpico, que davam cinco, seis mil pessoas, na Noite do Flash
Back e tal, e o pessoal me pressionava muito pra tocar, né, o DJ Dero. E eu não gostava,
tinha muita gente, era perigoso...
Marcos – Isso nos anos 2000 já, né?
Raidi – Década de 2000. Já era festa de Flash Back, já tinha mais de dez anos que a
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música tinha saído já. E o público, vamos dizer, já tava bem mais envelhecido, né? Essa
coisa toda. E eu me lembro que pressionaram muito, aí eu peguei, falei pro pessoal
assim: “olha, eu vou tocar a música do DJ Dero. Se tiver uma briga durante a música,
né? Eu vou quebrar o disco”, a gente tava tocando com vinil, né? “Eu vou quebrar o
disco e, eu juro pra vocês que nunca mais eu toco essa música, vocês nunca mais vão
ouvir essa música, nem no meu programa, nem num baile meu”. E toquei a música.
Música inteira, a maior tranquilidade. Neguinho pisava no pé do outro pedia desculpa,
entendeu? Sabe, aquela tranquilidade. Terminou a música, eu falei: “gente, vocês viram
do que vocês são capazes? Vocês viram que quando vocês querem, vocês não brigam?
Vocês viram que não é a música que faz brigar? Porque se fosse a música vocês iam
brigar de qualquer jeito. Coloquei pra tocar outra música. Teve umas trezentas brigas.
Marcos – Outra música do Dero?
Raidi – Outra música. Antes (risos) de terminar a terceira batida da outra música, já
tinha dado uma briga ali, outra briga ali. Os caras, ninguém brigou durante a música
porque se não eu ia quebrar o disco. Mas o Raidi não falou nada sobre brigar na outra
música (risos). Foi bem engraçado isso, ficou todo mundo rindo, né? Eu falei: “vocês
são fogo, né?” Como eu não falei que não ia acontecer nada, né? Se brigar na outra
música não tem problema, né? Mas é, realmente, eu acredito que seja uma junção que o
Dero fez, ah... De um teclado extremamente agressivo, e ele somou um contrabaixo.
Que não é muito usual de fazer. Então, o teclado tem um tom grave muito forte, num é?
E a maneira que ele executa, também é bem diferente, vamos dizer assim. Porque, ah, o
toque tocado por esse teclado, ele se torna agressivo. Você conhece uma música, a
música do cacetinho?
Marcos – Não! De nome, assim. Talvez se eu ouvir.
Raidi – Sê já viu festival folclórico? Já foi no festival folclórico?
Marcos- Já, já.
Raidi – Já viu a apresentação do cacetinho? Olha aqui. [Coloca a música pra tocar].
Esse teclado é o teclado do Dero, sampliado. E tocado por mim, numa música, que é a,
que é a música do cacetinho a música da apresentação da dança do cacetinho. Só que
não tocada pelos instrumentos que você ouve, que são saxofone... Ela soa agressiva. Ou
seja, não é a música, é o teclado, é o timbre que ele usa, que torna agressiva. Não soa
agressiva? Parece música do Dero, né?
Marcos – Parece.
Raidi – Pois é! Essa música é amazônica. Essa música é da dança do cacetinho. De
330
Maués, sei lá de onde. Eu pedi pro cara tocar, e fiz, na época, tentei fazer uma música na
época com coisa, mas não ficou lá muito boa, eu nunca coloquei essa música, num é?
Pra tocar. Mas pra você ver como, como o timbre do teclado que ele usa, realmente,
torna até uma coisa folclórica meio agressiva. Então, eu acho que eram algumas
músicas que realmente puxavam pra esse lado. E aconteceu um período que, que foi
muito assim, né? Que foi o período Techno, que vai de 92 até 95 mais ou menos. Num
é? Em que as músicas adquiriram uma conotação extremamente rápida, agressiva, eram
uns teclados, quanto mais agressiva melhor. Se você pegar tudo que aconteceu, ah, na
era Techno, que seria mais ou menos 92, você vai observar que as músicas são todas
assim. São todas assim. Se você pegar 92, pega o 2 Unlimited, por exemplo, que seria
o... [Coloca o 2 Unlimited, música “No Limit”]. Ó, ó o timbre de música?
Marcos – DJ Trajic, né?
Raidi – Não, DJ Trajic veio depois já. Olha aqui o tipo de música. [E toca Anticappella,
música “Everyday”]. Isso é 92. Isso aí você tá vendo 92. É, você pegar aí o... [E toca
Obumbratta, música “Apotheosis”]. Olha o teclado. [Toca “Asi Me Gusta a Mi”, de
Chimo Bayo]. Sê vê que tudo puxa prum lado meio sombrio, meio agressivo. Esse era o
Techno [...]. E aí, você vai pegar várias músicas que são assim. [Toca outra música]. O
próprio Fonny De Wulf, que foi produtor do Plaza, que era um grupo infantil lá da
Bélgica. Olha o que o cara fez bicho! Né? Um negócio extremamente agressivo. Isso
aqui é uma espécie de mix que tocou na época. [E coloca uma música formada por uma
mixagem de várias outras músicas Techno do início dos anos 90]. [...] Ou seja, houve
uma mudança na linha melódica, na década de 90, início de 92 e 94, que, vamos dizer
assim, se você juntar, foi o período em que cresce a violência. É o período assim, que se
torna meio perigoso você sair na rua e tal. Acho que acabou juntando as coisas, né? O
tipo de música que começou a fazer sucesso durante esse período. Você vê que logo
após, já em 93, 94, você já começa a sentir a entrada da Eurodance. Que já é uma
música mais melodiosa, com vocais femininos, num é? Que é quando aparece o Culture
Beat, Double You, num é? Tem o som do Masterboy, todos eles baseados num vocal
feminino e um rapper masculino cantando, num é? Quando a música fica um pouco
mais leve, vamos dizer assim. Sai um pouco daquele período meio sombrio do Techno,
da década de 90. Até o nome da música é complicado bicho: “James Brown is dead”,
“James Brown está morto”. Aí o cara diz assim: “Pô, mas a música era isso mesmo?”
Na realidade, o que eles queriam dizer, era que toda música do final dos anos 80 e início
da década de 90, os ícones House, aquela coisa lá, eles eram baseados, ah, nos samples
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do James Brown. “ge up‟ah, gerugurê”, isso aí tem em umas trocentas músicas da
época. Se você pegar aqueles gritinhos: “uh, yeh, uh”, isso é James Brown. Foi tirado
dos discos do James Brown. Então, o que eles quiseram dizer, na época, com “James
Brown is dead” seria o seguinte: “pô, o que é James Brown, o tipo de música derivada
da maneira musical do James Brown, está morta, né?” Na realidade não queria dizer que
o James Brown tava morto, ele tava vivo na época, ainda, né? Então, é, as músicas
tinham uma conotação de rompimento com o passado. Então, é, o teclado, a maneira, o
Techno, ele tocava, inclusive, nas teclas pretas do teclado, que são as teclas, ah, que são
as teclas oitavadas que chamam, né? Que são somas de oitavas, por isso que dá esse
timbre meio meio, vamos dizer, sombrio na música, né? Meio fantasmagórica, né? E
vem da região do teclado aonde ela é tocada. Igual o capitão Nemo que tocava no
“Vinte Mil Léguas Submarinas”. Se você observar o tipo de música que ele toca no
“Vinte Mil Léguas Submarinas”, é, é toda também meio sombria, porque ele só tocava
nas teclas pretas do teclado.
Marcos – Eu sabia que havia uma relação entre a música e essa agressividade maior.
Por isso que eu perguntei.
Marcos – tenho um de seus DVDs em que você anunciou que ia comemorar seus 30
anos de profissão no Ginásio Amadeu Teixeira. Nele você inseriu, no meio dos clipes,
imagens das danceterias e do pessoal que frequentava elas nos anos 80 e 90. Cheik,
Bancrévea, Spectron, Caxangá. Gostaria de saber se você tem alguma gravação de uma
briga ou tumulto provocado por uma briga que tenha acontecido nessas danceterias, e se
eu posso ter acesso a ela?
Raidi – Cara, eu não sei. Talvez... Eu acho que das danceterias, acho difícil, a gente tem
pouca coisa cara, da época. Embora a gente tenha filmado dezenas de festas, ah, quando
foi chegando na década de 2000, esse material foi guardado aqui no Cheik, numa sala,
dentro de uma caixa com um monte de fitas, sem o devido cuidado. Nós perdemos boa
parte do material, deu uma infiltração, aí tipo assim, a gente demorou dois anos pra
perceber. Quando fomos ver, a gente tinha perdido. Nós recuperamos pouca coisa do
material. Eu te confesso que não sei, só se olhar o material bruto, porque aquele material
que é usado lá, já é um material editado, vamos dizer assim, a gente tira um pedaço
bacana que tenha, né? Tem, nós temos algumas filmagens, assim, de duas, três horas
seguidas filmando na casa. Eu acho improvável, até mesmo porque não seria uma coisa
gratificante, vamos dizer assim, de se colocar num vídeo. Eu acho que a imagem seria
até desprezada. Mas, eu posso tentar ver no material bruto, original. Isso das danceterias
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da época, né? Dos tumultos que tenham havido na época. Eu precisaria olhar, não tenho
certeza se tem esse material. Eu tenho umas duas ou três fitas com material bruto, ou
seja, três horas de filmagem e a gente tirou, sei lá, dez minutos de imagens que
interessavam a gente. Não sei se tem. Não lembro de ter visto, ter assistido alguma briga
em alguma festa. Eu lembro de uma coisa que eu vi, mas também num sei se ainda
tenho algum material assim, eu me lembro, eu me lembro de uma filmagem de uma
briga no Olímpico, já década de 2000, já não era as festas das danceterias da época,
eram as festas de Flash Back, eu me lembro que o menino tava filmando o telão,
entendeu? E surgiu uma briga embaixo e, na realidade, a briga não era o foco da
filmagem. O foco da filmagem era o telão, e ele tava filmando um clipe que tava
acontecendo no telão, e eu tocando do lado. Surgiu uma briga, quase que na parte da
lateral do palco, onde ficava no canto da tela, e tinha uma imagem dessa, mas não era
das danceterias da época. Já era das festas, mais depois.
Marcos – É, já não tinha mais galeras, o “mito” das galeras já tinha...
Raidi – Não, já não tinha, não tinha. Ou eu acho que você usou a palavra certa. Na
realidade, esse lance das galeras ele foi um mito no sentido, não que não tenha existido,
mas foi um mito no sentido de que elas existiram organizadamente com comando único,
ou que eram, na realidade, a mesma galera que atacava e brigava na Colônia Antônio
Aleixo e atacava e brigava lá no, no São Jorge, na Vila da Prata. Eram turmas que se
autointitulavam de um lado ou de outro, ou que o jornal, na pauta, “pô, vamos dizer que
era o quê?”, não é? “Bota aí que era o pessoal da „Selvagem‟”, eram os galerosos. Aí
tudo virou galera. Entendeu? A conotação é tipo virose hoje. Antigamente era resfriado,
gripe, agora só chamam de virose. Tudo virou virose, tudo que tu pega é virose. Pega
resfriado, gripe, agora só chamam de virose. Pega resfriado, gripe, pneumonia, o que
for,, tu tá com uma virose. Então, a galera virou um termo genérico pra designar
qualquer tipo de turma que envolvesse mais de uma pessoa. Se o cara brigava com a
turma de uma rua, “a galera pegou o fulano e meteu numa briga”, e tal, coisas que não
eram chamadas de galera antes. “Ah, turma da Vila Mamão pegou o fulano lá, bateu no
cara lá”, aí virou galera. o termo galera começou a ser usado, ah, indiscriminadamente,
vamos dizer assim. Então eu acho que nesse ponto foi mito. Foi mito nesse sentido. Na
realidade, muitas das coisas que foram intituladas como galera, foi apenas um nome que
passaram a usar pra designar qualquer turminha que tivesse. Qualquer briga que tivesse,
três dum lado dois do outro, era a galera 1 contra a galera , aí de preferência, o pessoal
da “Anjos” contra a turma da “Selvagem”, né? Que se via na época. Eu me lembro, eu
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me lembro de algumas festas no Bancrévea em que você botava a segurança no meio,
no meio da pista de dança, pra você evitar brigas de turmas.
Marcos – Por que elas ficavam reunidas em cantos específicos?
Raidi – Ficavam reunidas em cantos específicos, entendeu? Então, você separava, né?
Você colocava. Então, tinha turma que “não, eu não sou dessa turma, eu sou daquela”, e
queria passar pro outro lado, o segurança não deixava. Então, pra você ver como era
uma coisa meio de mito, as pessoas nem se conheciam cara. Sê queria que quatro, cinco
mil pessoas se conhecessem, duas mil se conheciam pro lado daqui, duas mil se
conheciam pro lado dali? Isso é mito, cara, é lenda urbana, entendeu?
Marcos – É provável, pelo que eu me lembro, é provável que alguns, alguns caras que
se intitulavam, ou eram intitulados líderes pela galera, né? E que brigavam
frequentemente com os grupos, ou então com pessoas específicas que geralmente eram
consideradas líderes também, de outras galeras, é provável que esses sim, é, brigassem
mesmo, fossem acostumados a brigar tanto dentro quanto fora da danceteria, mas no
geral, até onde eu pude perceber tanto na minha experiência como um jovem que andou
com essas turmas, né? Com algumas, que frequentou alguns lugares, quanto através das
minhas pesquisas, a maioria dos jovens só se reunia pra sair pra se divertir. De
preferência pras danceterias. Carnavais, blocos de carnavais, coisas assim, a maioria.
Eram poucos os jovens que brigavam mesmo, assim, os que eram envolvidos com o
crime.
Raidi – É, mal-elementos como tem até hoje. eu acho que... Tinha uma turma que,
porque é assim. Tem pessoas que procuram se destacar de alguma maneira. Num é?
Então, alguns procuravam se destacar pela violência, pela coisa... Agora, eu volto a
dizer o seguinte: eu não posso responder pela Spectron, por exemplo, na década de 90,
eu só fui pra lá em 98. Eu posso responder pelo Cheik e pelo Bancrévea. E, o que eu
posso garantir é que mesmo aqueles caras que seriam os brigões, os valentões, eles
evitavam de aprontar dentro dos clubes, até mesmo porque eu, por exemplo, cansei de
pegar o microfone e falava, sempre falei muito: “quem manda aqui sou eu. Aqui não
tem gangue, não tem galera”. Sê pode perguntar pra qualquer pessoa da época. Ouviram
várias vezes eu falar. Eu sempre pegava o microfone e falava: “quem manda aqui sou
eu”. E um dos motivos disso era a diferença de idade entre eu e a turma que tava
frequentando. Quando eu vim do Tropical pra cá, eu tinha 29 anos de idade, 28 anos. E
o Cheik era frequentado pela garotada de 16, 17. Então, era uma diferença de idade de
dez anos e, de um cara que já era um cara adulto pra adolescentes, então, havia um... E
334
fora tudo isso, eu era meio um líder pra essa garotada. Talvez você não tenha visto, mas
eu tenho matérias de jornal, de 87, de página inteira da notícia sobre mim. Entendeu? Eu
tenho, eu tenho salvo isso. Página inteira de jornal. O título da matéria era até assim:
“Raidi Rebello, o discotecário que virou ídolo”. Em 87, cara. Já matéria de página
inteira. Depois tem matéria de 89, matéria de 91 falando sobre mim, e falando sobre o
fenômeno que era um DJ comandar um grupo tão grande de pessoas. Então, a turma me
via como um ídolo, como um cara que muitas vezes, dava oportunidade a eles de terem
acesso às coisas que eles não teriam né, normalmente? Embora todos eles estivessem
pagando, mas tinha coisas, assim, que eu fazia, por exemplo, meu aniversário, eu
mandava fazer vinte mil salgadinhos aqui na Praça 14, eu reunia cinco, seis...
Marcos – Você até anunciou, na última festa em que você tocou, na Spectron, eu fui, e
você até anunciou que a próxima que você vai fazer, não lembro aonde...
Raidi – Ah, eu vou fazer como era antigamente. Eu fazia vinte mil salgadinhos, aí cada
pessoa que entrava ganhava um prato com salgadinhos, uma fatia de bolo, eu mandava
fazer um bolo com cinco metros de comprimento, pra poder dá pra todo mundo uma
fatia, dava um pratinho com bolo, com num sei o quê, e uma ficha pra comprar um
refrigerante no bar. “A entrada era de graça?” Não. O cara pagava pra entrar. Mas ele
ganhava o refrigerante, ganhava o bolo, se divertia, ou seja, esse dia, era um dia de
diversão, era um dia de brincadeira, era um dia, né? Aí alguns traziam presentes pra
mim, entendeu? Era um negócio muito legal, feito na época. Criava uma integração
muito grande entre o público e o Raidi. Então, a turma acabava tendo um respeito por
mim maior do que, por exemplo, tinha pelo Alex, por outros que eram mais novos, num
é? E, vamos dizer, mais do top deles, ou muitas vezes, gente que eles tinham visto
crescer, né, dentro da discoteca. Então, não tinha o mesmo respeito.
Marcos – Você se lembra das danceterias que haviam em funcionamento em Manaus
nos anos 90?
Raidi – Várias. Década de 90, vamo vê. Aqui no Centro nós tínhamos... Nos anos 90
nós tínhamos Cheik, até 94; nós tínhamos o Bancrévea...
Marcos – Até quando o Bancrévea?
Raidi – O Bancrévea foi até 98. O Cheik até 94, o Bancrévea até 98. Ah... Nós tínhamos
Beer dance; nós tivemos também o Hangar 39; nós tivemos a Starship; isso falando das
grandes casas aqui no Centro. A Spectron, a Mykono‟s, Crocodillo‟s, que sempre, bem
ou mal, sempre existiu. Nós tivemos a Super Star; a Dança de Ciganos; Caxangá; o
Mistura Brasileira, que depois virou Amazonas Show Clube; nós tivemos o Palace
335
Clube, na Cidade Nova; Hot Mix... Deixa eu ver que mais: no Coroado Waike Arte
Show Clube.
Marcos – Waike?
Raidi – Waike, Waike. Era uma discoteca que tinha no Coroado. Tinha a Lambateria
Esporte Clube, também no Coroado. Deixa eu ver... teve a 320, uma discoteca ali, que
era bem em frente da casa do Amazonino Mendes, ali na Belo Horizonte. E, eu acho que
talvez outras, vamos dizer, de vida mais curta, ou menos notadas. Mas as que marcaram,
realmente, as pessoas, foram essas que eu citei.
Marcos – As festas costumavam começar e terminar que horas? E a partir de que idade
se podia entrar? Isso falando principalmente das casas que você frequentou, assim.
Raidi – Dependia do dia. No sábado, por exemplo, era comum começar nove horas da
noite. E já na época, já havia uma prevenção contra menores, mas o cara com dezessete
anos de idade, vamos dizer assim, ele já, já frequentava. É, se tem que ver o contexto da
época. Primeiro que não havia, ainda não havia essa coisa, esse controle tão grande
sobre a presença de menores na noite, vamos dizer assim. Era uma coisa mais liberada,
mais, num é? Você lembra que era muito comum na época, um namoro entre um cara de
vinte anos de idade e uma garota de quatorze. Saíam casamentos com quinze anos de
idade. Hoje em dia o cara é preso por pedofilia se fizer um negócio desse. Né? Então,
as coisas têm que ser encaradas dentro do contexto da época. Na época era muito
comum garotos de quinze, dezesseis anos de idade já tá na rua, já tá em festas, já tá em
vários lugares e, não havia uma... Havia fiscalização do Juizado de Menores e tal, mas
sempre uma fiscalização naquela coisa do “sim, o cara vai fazer o quê em casa? O cara
tem que se divertir”. No domingo começava seis horas da tarde, sete horas. E aí sim, no
domingo era uma festa mais voltada pra garotada. Alguns lugares chegavam a evitar
vender bebida alcoólica, no domingo, que era pra você não ter problema com o Juizado,
né? O Juizado, digamos que liberava você pra você ir até onze horas da noite, mas você
tinha que cumprir algumas normas pra que os caras ficassem tranquilos em relação ao
que você tava fazendo, entendeu? Então, isso foi, isso na época era bem comum, não
havia uma fiscalização tão grande. É... Tem que colocar também o seguinte: era uma
população muito mais jovem. Num é? Do que hoje. Se antes, e hoje nós temos aí 30%,
40% de jovens, na década de 80 esse número chegava a 60, 70%. Então, se não era essa
garotada frequentar os locais, muitos deles não teriam existido, porque não ia ter
público pra isso, suficiente, não havia tanto... Hoje esse público todo que tá nos forrós,
que tá aí com seus vinte e cinco, trinta anos de idade, passou pelas danceterias da
336
década de 90, na realidade. Que era a coqueluche da época, né? Os anos 80 e 90, o som
das danceterias, das discotecas, ele realmente chegou a fazer frente à toada, que foi o
grande movimento dos anos 90 aqui em Manaus. Num é? E na década de 90 não tinha
forró, não tinha... O próprio pagode num tava tão forte, num é? O que era forte nos anos
90, nós tamo falando isso já pra 95, 96, foi a toada, num é?
Marcos – Eu lembro disso também. Forró também, começou por aí, 98...
Raidi – É, o forró começou em 98, e as discotecas... E começou justamente pela queda
na qualidade musical das discotecas. 98 foi o último ano de funcionamento do
Bancrévea, que funcionou até março. Depois de 98 eu fui pra Mykono‟s, depois fui pra
Spectron...
Marcos – Spectron fecha em 2000 também.
Raidi – Fecha em 2000. Foi, tive uma passagem pela Crocodillo‟s e, e foi quando as
minhas festas de Flash Back passaram a se tornar tão fortes que eu comecei a preferir,
em vez de tá tocando todo final de semana, fazer uma festa a cada três meses, que
financeiramente era melhor pra mim. e me desgastava menos, foi na época também que
eu tava com a academia, precisava me voltar pros meus negócios particulares e tal, e eu
comecei a me voltar um pouco mais pra essa área, do que pra área que, de onde eu tava
vindo. Aí, a idade vai chegando também, já num vai ter muita paciência pra tá
acompanhando o quê que tá tocando.
Marcos – Você acha que nessa época haviam muitas opções de lazer para os jovens da
cidade, principalmente nos bairros?
Raidi – Olha, eu acho que em matéria de discoteca, sim. Danceteria tinha...
Marcos – Mas nos bairros, assim?
Raidi – Nos bairros existia. Eu num tô falando. Waike, Waike...
Marcos – Coroado.
Raidi – Coroado, ah... Tinha uma discoteca no Mutirão que, inclusive, pertenceu a um
delegado que morreu a uns dois anos atrás... A Cidade Nova, com a Hot Mix, entendeu?
Se nós formos pro lado do...
Marcos – Tinha o Zona Livre antes, ah... Se lembra do Zona Livre na Cidade Nova
também? Antes da Hot Mix, eu acho?
Raidi – Zona Livre?
Marcos – Ficava ali na Max Teixeira.
Raidi – Ah, sim, ficava bem no início, né?
Marcos – É, nos 90.
337
Raidi – Não, a Hot Mix foi antes dele. É, Hot Mix é 88 cara. A Hot Mix começa em 88.
O, pra cá pra esse outro lado teve o Antares, que antes era chamado de Classe A, num é?
Ali no Dom Pedro. Bem em frente do Kíssia ali, do, é, tinha... Então, acho que, claro
que não eram as opções bacanas... Tinha o Libermorro, aqui no Morro da Liberdade,
Olaria, os clubes faziam festas na época das discotecas, das danceterias,
acompanhando... O Grêmio, em Educandos. Ah... O [...] Constantinopla também, o
Grêmio de Constantinopla também, em Educandos também. Então tem, aqui pro lado
do Santo Antônio teve o... Me fugiu o nome. Famosa também no Santo Antônio, um
grande clube que tinha discoteca lá também. Então, assim, claro que não eram todos os
bairros que tinham boas discotecas, mas praticamente todos eles tinham seus locais,
porque era uma, era uma onda, era uma coisa muito forte da discoteca, né? Então, isso
acabou fazendo com que muita gente entrasse no ramo. Eu me lembro que, eu tenho
uma filmagem minha no lançamento do Dance Mix Vol. 2, aonde eu vou, eu acho que
numas sete ou oito discotecas, inclusive em algumas que eu não citei aqui. E lá eu cito o
nome, né? Tipo: “eu tô aqui na discoteca tal”. Cada lugar bicho! Nem lembro mais.
Porque com o lançamento do meu disco, eu fui em várias discotecas lançando o tal do
disco. O Dance Mix Vol. 2. Em 91.
Marcos – A partir do ano 2000, ou até antes, as galeras e as discotecas de Manaus
entraram em processo de decadência. Várias danceterias fecharam e praticamente não se
ouviu mais falar de galeras em Manaus. Em sua opinião, quais foram os fatores que
motivaram a decadência das galeras e a decadência das discotecas?
Raidi – Eu acho que uma coisa tá ligada à outra, né? É, começou a acontecer uma fuga
do público, buscando outros ritmos. Esse público foi envelhecendo também, e eles
começaram a buscar um ritmo mais suave, vamos dizer assim, no caso o forró, a toada,
o pagode, que são ritmos um pouco mais lentos, né? Até pelo próprio envelhecimento da
turma. A música teve uma decadência muito grande, a Dance Music esgotou algumas
fórmulas que funcionaram muitos durante muitos anos, no caso do Eurodance, por
exemplo, o Underground que também tornou a cena... Começou a se tornar feio, vamos
dizer assim. Era bom de dançar, mas ruim de ouvir, e isso aí acabou fazendo com que o
movimento dentro das casas noturnas passasse a cair. Paradoxalmente, né? Com o
aumento, com a melhoria da internet, o aumento da quantidade de opção de música, né?
É uma coisa muito paradoxal. Às vezes eu não consigo entender, realmente, a relação.
Você aumenta a oferta de música e diminui a qualidade? Deveria ser o contrário. Se
você aumenta a oferta deveria ser mais fácil você escolher coisas boas pra tocar. E não é
338
o que acontece no início da década de 2000. A música vai perdendo a qualidade, os
sucessos vão rareando cada vez mais, e também, temos que olhar outra coisa: uma safra
inteira de DJs envelhecem sem ter substitutos à altura. Né? Também tem esse lado, num
é? Mas não vamos culpar a nova geração por isso, né? Eu acho que na realidade houve
uma piora na qualidade musical, e um esgotamento de um filho, vamos dizer assim,
uma fórmula musical, e um esgotamento de um filão, vamos dizer assim, uma fórmula
musical que deu certo durante muito tempo. E a nova fórmula não agradou muito.
Marcos – Quando você tocava nas discotecas, qual era o número aproximado de
pessoas que costumava frequentá-las?
Raidi – Em torno de três mil pessoas, na época, a cada dia, isso tanto no Cheik quanto
no Bancrévea. Na Spectron esse número já era um pouco menor, até mesmo porque a
casa não pegava essa quantidade de gente. Já girava em torno de 1500 a 2000 pessoas.
Marcos – Em 25/05/1984, o policial Aristarco Galvão de Oliveira, que nos finais de
semana trabalhava como segurança na discoteca Pipo‟s, na rua Lauro Bittencourt, bairro
Santo Antônio, foi linchado por uma galera de menores armados de paus e pedras. O
fato ocorreu no interior da discoteca e segundo o jornal de onde peguei esta notícia, A
Crítica 21/01/1990, foi motivado pelo excessivo rigor com que o segurança tratava a
rapaziada na casa dançante. Na época em que você tocava nessas discotecas, chegou a
ficar sabendo de algum caso de uso excessivo de força para conter as galeras ou algum
galeroso em particular?
Raidi – Cara, depende do que se considera “uso excessivo de força”, né? Hoje em dia,
até um castigo é uso excessivo de força, uma palmada numa criança é uso excessivo de
força. Eu não cheguei a ficar sabendo dessa notícia aí. Não sabia, não tinha
conhecimento. Mas que era comum queixas de gente que frequentavam a discoteca
sobre a ação violenta de um segurança ou outro, isso normalmente era, até mesmo pelo
nível das pessoas que eram contratadas pra fazer a segurança das casas. Eu lembro que,
em algumas situações de você, a segurança barrar alguém ou colocar alguém pra fora
por tá fazendo arruaça, o cara muitas vezes ficava ameaçando a segurança, e isso
poderia, realmente, talvez acabar numa cena de violência fora, quando o segurança
saísse, fosse fazer alguma coisa. O que acontecia era que ele ia se meter numa confusão
e os dois lados tão alterados, tão exaltados, e num é muito difícil de você acabar
apanhando ou tendo que usar uma atitude mais drástica pra conter o cara, num é? Então,
na época, é, a gente procurava trabalhar com seguranças um pouco mais calmos, vamos
dizer assim, mas era necessário, às vezes, você ter um cara que intimidasse, dentro da
339
tua segurança, porque se não, esses caras que brigavam, que, vamos dizer assim, tinham
ascendência sobre as outras turmas, eles podiam acabar mandando na tua festa. E isso
era uma coisa que você não podia deixar acontecer, que seria um frequentador
comandar o que acontece dentro da tua festa. E era isso que se procurava evitar.
Marcos – Você, como DJ, ou o dono da casa onde você tocava, chegaram a proibir a
entrada de algum galeroso ou galera em particular devido a sua fama de briguentos?
Raidi – Vários. Isso era comum. Eu lembro que eu sempre falava pra turma quando eu
fazia, às vezes, os meus discursos de saudação, “oi gente, boa noite” e tal, “obrigado
pela presença de vocês aqui. E ó, quero avisar aos chefinhos das turminhas aí embaixo
que se a turminha brigar, o líder vai pra fora”, entendeu? Tinha sempre um que era o
maior, era o que tinha mais dinheiro da turma...
Marcos – Já tinha fama de briguento.
Raidi – Já tinha fama de briguento. Então, se alguém da tua turma brigasse, você era
colocado pra fora. E isso acabava inibindo. Aí, o cara dizia: “ó, num vai brigar ninguém
em, porque se não eu vou pra fora”. E, muitas vezes, o cara não tinha dinheiro pra, pra
comprar... Pra ser colocado pra fora, e ia ficar lá fora sozinho. Muitas vezes a turma, ele
era colocado pra fora e a turminha acompanhava ele, né? Aí, ficava todo mundo puto
com ele né, “pô sê fez perder, na realidade a festa”, porque o cara vinha pra festa. O
tcham era ficar na festa, num era ser colocado pra fora, num era brigar. A briga era uma
consequência, às vezes, um desentendimento de um e de outro, questão de espaço, uma
turma que gostava de ficar perto de uma caixa, a outra queria ficar também. Eram essas
coisas que a segurança tinha que tá contornando o tempo inteiro. Mas era comum, a
gente proibia a entrada de, “olha, esse cara num entra aqui”, dava um castigo de duas
semanas pro cara que tinha brigado, e por aí ia.
Marcos – No dia 24/01/1995, o jornal A Crítica anunciou que, “cerca de Dez disc-
jockeys de casas noturnas de Manaus estarão reunidos na próxima sexta-feira na
discoteca Spectron para a terceira versão da noite DJs contra a violência. A festa
pretende chamar a atenção das turmas que vão a muitos desses locais atrás não de
diversão, mas de confusão. Durante a noitada de sexta, o DJ Raidi Rebello aproveita
para lançar seu quarto disco “Dance Music”, prometendo até mesmo cantar ao vivo”.
Essas festas eram uma iniciativa só das danceterias e dos DJs, ou havia alguma parceria
entre vocês e a prefeitura, o governo ou alguma outra instituição?
Raidi – Normalmente com a Secretaria de Segurança. Normalmente era, havia um
diálogo, vamos dizer assim, com a Secretaria de Segurança...
340
Marcos – Eu vou te mostrar essa notícia que eu fotografei ainda há pouco, quando eu
passei na biblioteca.
Raidi – Pô, interessante cara. Seria interessante se tu...
Marcos – Tá qui ó! É de 24/01/95.
Raidi – Virou a máquina. Interessante, eu não tinha lido isso.
Marcos – Já, conseguiu ler?
Raidi – Consegui. Parece ser uma coluna social.
Marcos – É, eu acho que tá na parte da coluna social.
Raidi – Eles colocaram “Dance Music”.
Marcos – É, eu reparei o erro deles também.
Raidi – É, isso era comum. É, isso foi uma época que a gente tentou juntar os DJs, pra
tentar diminuir, né? As brigas que ocorriam. O engraçado é que nessa época aí, 25 de
janeiro, eu tinha acabado de entrar no Bancrévea. Foi logo após o fechamento do Cheik,
que foi fechado por ter o alvará caçado por uma ação do, do Rafael Romano. E o
engraçado foi que não teve nada a ver com o Clube. Teve um assassinato aqui na, nessa
rua aqui, na Monsenhor Coutinho, de um vigia de rua. Aí morava um advogado famoso,
e os moradores pagavam esse vigia. E uma noite de domingo, eu acho, de madrugada, o
Cheik já tinha fechado, tipo, umas três horas antes, já tava fechado. Teve uma confusão,
um roubo, tentativa de roubo, e esse garoto foi assassinado pelo vigia. Segundo
informações que passaram, foi meio que legítima defesa. Só que, na época, havia uma
pressão muito grande da sociedade, pelos jornais, né? Da violência que tava
acontecendo. E como o Cheik era a única discoteca que tava aqui perto, pagou o pato,
embora não tivesse nem em funcionamento.
Marcos – É a última pergunta. De 2000 pra cá, tocando primeiro no Olímpico Clube,
depois no Rio Negro Clube, você conseguiu perceber alguma manifestação, em seu
público, que lembrou algum comportamento típico das galeras que existiram em
Manaus nas décadas de 80 e 90?
Raidi – Olha, na realidade, continuou a ter turminhas. As confusões, que eventualmente
aconteciam nas festas, nunca eram causadas por uma única pessoa. Continuava a ter as
turminhas. Só que já não tinha a conotação... E o engraçado é que a grande maioria,
causadas por uma garotada que nem tinha vivido a época. Num é? Sê imagina 2004,
2005, quando eu fiz essas festas no Olímpico, já tinham pelo menos, já tava pelo menos,
em relação ao último ano de funcionamento do Bancrévea, já tinha pelo menos uns sete
anos que o Bancrévea tinha fechado. E, na época, havia uma conotação, num é? A partir
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de 94, 95 começou a haver um controle muito grande sobre a presença de menor na
discoteca. Aí sim, começou a acontecer um controle muito grande por parte dos clubes.
Houve uma exigência maior do poder público, e os clubes começaram, realmente, a
fiscalizar o sábado, o que acabou fazendo a garotada ir pro domingo, né? As
domingueiras ficaram mais lotadas. E essa, essa, vamos dizer assim, mudança de
formato, atingiu também “A Noite do Flash Back”. Você evitava a entrada do menor.
Porque a música continuava a provocar reações. Por exemplo, como a gente tava
conversando aqui sobre o Dero, sobre aquela parte mais radical da música da época, que
incitava um pouco a violência, mas eu acho que na realidade, isso, depois, no final da
década, nos anos 90 já, depois disso, 94, 95, a própria velocidade da música dos anos
90... Eu, por exemplo, eu hoje, eu evito muito, nas minhas apresentações, a década de
90. Eu tenho muita música que eu não toco. Eu não gosto de tocar o Underground dos
anos 90, eu acho ele agressivo, e eu acho uma música de má qualidade, num é? É, eu
procuro tocarr o Eurodance e, eu procuro tocar as músicas mais melodiosas que, vamos
dizer assim, são mais bonitas de ouvir, do que as músicas que são melhores pra dançar,
vamos dizer assim. E isso inclui uma série de músicas que eu acabo não tocando. Sê foi
no meu último evento, sê viu. Num toco Dero, eu não toco uma série de outras músicas
que, se você viu a sequência que eu fiz, ela é toda melodiosa. Eu não toco, por exemplo,
o “Tam-Tam”,o “Tow Babi”, que é uma das músicas da época, eu não toco o Chimo
Bayo, né? Eu não toco “La Tia Henriqueta”, sei lá. Essas músicas que são agressivas pra
ser tocadas, porque eu não quero que aconteça nada nos eventos, eu prefiro que o
evento, realmente, transcorra de uma maneira mais tranquila. Então, a gente acabou
abandonando uma série de músicas. Mas eu acho que a aceleração do ritmo na década
de 90, principalmente a partir de 94, 95, o ritmo, a batida sobe de 132 para 135, daí vai
pra 138, depois vai pra 140, num é? Quando entra o Underground. Esse aumento da
velocidade, eu acho que prejudicou e muito a, vamos dizer assim, a excitação do
público com relação à música, que acaba fazendo com que o pessoal se empolgue
demais. E isso repercute no aumento da violência. E atinge a garotada, que não tá
acostumada com o ritmo. Se você pegar a música eletrônica de hoje, ela é uma música
insípida. Ela não consegue empolgar, num é? E a parte que você acha mais bonita são as
músicas mais melodiosas, que também não trazem nada de novo em matéria de
adrenalina, vamos dizer assim. Muito pelo contrário. Ela te acalma um pouco. Então,
essa é a grande diferença, vãos dizer assim, que eu vejo nas festas de Flash Back hoje
em dia. As festas de Flash Back hoje em dia, elas são mais voltadas, hoje, pras músicas
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mais melodiosas, não para aquela música que marcou época.
Marcos – Ok.
Raidi – Acabou?
Marcos – Acabou.
Transcrição da entrevista oral feita com Sheila do Socorro Marinho de brito, em 30 de
julho de 2014, com o auxílio de um gravador de voz, para obtenção de informações
sobre as galeras e sobre os galerosos que existiram em Manaus nos anos 1980 e 1990.
Esta transcrição faz parte de uma pesquisa feita para o curso de Mestrado do Programa
de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Amazonas.
Marcos – Ok. Aqui é Marcos Roberto falando, no momento da entrevista que ele vai
começar a fazer com uma moça chamada Sheila, que também foi membro de galera nos
anos 80 e 90. Hoje é 30 de julho de 2014.
Marcos – Com quantos anos você começou a andar com galeras? e com quantos anos
deixou de andar?
Sheila – Comecei a andar com 13 anos. E parei, deixa eu vê só... Com uns 23 anos.
Marcos – E quantos anos você tem agora?
Sheila – Vou fazer 44 dia 23, agora, de agosto.
Marcos – Qual era o nome da galera?
Sheila – “Selvagem”.
Marcos – Você tinha algum apelido?
Sheila – “Guerreira”.
Marcos – Quem era o chefe, o líder?
Sheila – Bem. Deu branco agora, eu não tô lembrada mas, dos homens...
Cláudia – Nego Celso.
Sheila – Não, tinha um homem, que ele morava aqui na Praça 14. Ele sim. Era ele, o
Peri... Deixa eu me lembrar. Eu não tô lembrando o nome dele, ele morava na 14. Ele
sim comandava a galera da “Selvagem”. Ele. Foi um dos primeiros a, a ser o líder da
“Selvagem”. Ele e o pessoal daqui da vila.
Cláudia – Mas depois o Celso também ficou o grande líder.
Sheila – Depois de, de, de...
343
Cláudia – Era o Nego Dilso e o Nego Celso?
Sheila – Não, não é não. É... Num é o Nego Dilso e nem o coisa, o chefão mesmo que
era da “Selvagem”, foi ele que formou a “Selvagem”.
Cláudia – Ah tá! Aí depois dessa formação...
Sheila – Aí depois dessa formação, aí depois de dois anos, aí veio o Nego Celso, o
Nego Dilso que a gente chama, veio o Peri, veio o Peteleco, veio... Aí veio formando só
os chefões mesmo. Mas como eles não queriam aquele monte de chefões, eles me
colocaram, só eu, pra lidar só com as mulheres. Entendeu? Depois de um tempo, aí com
14 anos mesmo, aí eu conheci a “Punk”, a gente conhecia ela como Cláudia. Ela e a
“Big Loura”. Elas ficavam dançando, aí ela dizia que me admirava. Pediu pra entrar, aí
eu botei ela na galera também. Foi quando a gente começou, por exemplo, assim, eu
andava mais com homens, eu andava mais com os chefões. Então ela ficou andando
mais com as meninas.
Marcos – Quais eram os locais onde a galera se reunia?
Sheila – Bem. A nossa reunião aqui, a nossa reunião era aqui na Praça do Congresso.
Nossas reuniões.
Claúdia – Na Matriz.
Sheila – No Congresso logo, o primeiro. Nosso primeiro, nossas primeiras reuniões
foram Praça do Congresso. Depois de muitos anos foi Praça da Matriz. Logo que
começou a “Selvagem”. Logo que começou mesmo, as duas gangues, “Selvagem” e
“Anjos Malditos”, a reunião da “Selvagem” era Praça do Congresso e a reunião do
“Anjos Malditos” era Praça da Polícia. Entendeu? Então, todas quartas, e eles só faziam,
parece que eles adivinhavam, que só faziam no mesmo dia que nós íamos fazer. Tinha,
tipo assim, um espião. Se nós íamos prum canto, eles também tavam fazendo, aí tinha
vez que tinha briga nesses dias de noite, entendeu? Eu me lembro benzinho ainda,
quando nós subíamos tudinho, era Peteleco, era todo mundo, nós íamos pra lá. Nós
éramos tudo adolescente, pequeno ainda. Teve até o finado, que ele morreu por causa do
filho dele aqui, o Caixa. Finado Caixa. Mas eu não me lembro, eu esqueci o nome dele,
na realidade. Por que a gente só se conhecia por apelido. A gente não gostava de dizer
os nossos nomes. Ainda tinha as reuniões... Depois que a gente terminava as nossas
reuniões na Praça da Saudade, nós se reunia, andava de jet-ski, ia beber, como ela falou,
né? Tinha peixe assado, nós tinha comida, nós tinha janta, nós tinha até café-da-manhã.
Nós saíamos de lá, às vezes oito horas, nove da manhã, tinha uns que ainda ficavam, eu
ia me embora, só que...
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Marcos – Como vocês conseguiam dinheiro pra fazer essas diversões todas?
Sheila – Olha, como nós éramos queridas pela galera, tinha uns que já, uns trabalhavam,
eles num gostavam de roubar. Tinha uns que usavam droga, tal, num sei, mas só que eu
não usava droga. Eu fui sempre careta, né Cláudia? Mais ou menos careta. Eu num
tenho aquele ditado: “eu nunca experimentei”. Eu experimentei a maconha, a pasta, mas
eu não fiquei no vício. Isso não é pra mim. Entendeu? Aí, nós se reuníamos lá, era
aquela festa. Eles compravam... Tinha gente na nossa turma que era filhinho de papai.
Então, eles que compravam pra gente.
Cláudia – O Binho, ele morava no Vieiralves com a tia dele, muito bem de vida ele era,
mas ele era um dos chefões também.
Sheila – É, o Binho, é, o Binho da “Selvagem”. Ele tá até aqui no meu face, eu tenho o
whatsapp dele. É o Binho. Ele era da Compensa, entendeu? Aí a gente, pronto, ficou
primo, primo, primo dele, assim, num deixar... Olha, quando eu comecei a andar na
“Selvagem”, eu era tipo o mascote. Eles não deixavam ninguém tocar em mim.
Ninguém. Como eu era virgem, mocinha, linda, loura... Eu sou loura (risos), pintei o
cabelo, então eu era tipo o mascote deles. Eles não deixavam ninguém me tocar. Eu
podia beber a noite todinha. Só era homens, homens formados. Num era moleques que
nem hoje em dia, que hoje em dia é moleque de galera. Então eles, eles tratavam a gente
assim, por exemplo, eles me tratavam naquele tempo... Porque aqui a minha história é
uma, a dela é outra, né? Então naquele tempo, quando eles se reuniam, eles me
tratavam, assim, como mascote. Eu podia passar a noite, não deixavam ninguém beber,
se eu bebesse demais, eles cuidavam de mim, num eram homens enchiridos de tá
metendo o dedo, essas coisas, como hoje em dia tem, né? Eles tomavam de mi mesmo.
Eu ficava muito, e não deixavam, se eu ficasse bêbada eles me deixavam, compravam
sopa, compravam, cuidavam de mim direitinho, entendeu? Só o pessoal da Compensa
aquele tempo. Era Binho, Paulo X-9, o Dinho, esse que ainda agora tava falando. O
Dinho, Odiel, é, Zezinho, é, tem o Zeca, meu irmão, que é meu irmão por parte de,
assim, por consideração, que é filho do meu padrasto. Tem vários outros nomes da
Compensa. Tem Alvorada, tem Chapada. O Cleidson é da Chapada, que a gente chama
de Charles. Que é aquele que nós tava conversando. Era da chapada. Mas é o “Toro”, o
apelido dele é “Toro”, que era da Chapada. Também brigava pra caramba.
Marcos – Ele era da Chapada? É isso?
Sheila – É. Ele era do bairro Chapada. Era o “Toro”. Era outra galera, todos os bairros,
entendeu? Só era uma gangue. Tinha aquele ditado: “„Selvagem‟ era São Jorge, Centro,
345
essas coisas. A „Anjos Malditos‟ era Glória, Santo Antônio, é, Vila da Prata”. Então, ali
era “Área Branca”. Chamava-se...
Marcos – “Área Branca”?
Sheila – É, chamava-se “Área Branca”.
Marcos – Por que “Área Branca”?
Sheila – Porque era da galera “Anjos Malditos”. Entendeu? Esses bairros. E pra cá,
então, a “Selvagem” era mais unida. São José também, logo que começou São José,
essas coisas, era “Anjos Malditos” pra lá.
Marcos – Ah, uma coisa que eu queria perguntar, mas acabei esquecendo de perguntar
pra ela [pra Cláudia]. É... Porque você acha que a galera colocou esse nome,
“Selvagem”?
Sheila – Porque tu lembra de um filme chamado “Os Selvagens da Noite”? Por isso
veio o apelido. Esse filme antigo, pois é, que tinha essas gangues?
Marcos – É de 1979 esse filme.
Sheila – Isso. Foi isso mesmo. Por causa desse filme, aí botaram o nome.
Cláudia – Tinha o filme “Anjos Malditos” também...
Sheila – É, “Anjos da Noite”, parece. Foi uma galera que tinha. Então, botaram esses
dois nomes, nessas duas galeras. Era muito legal olha, nosso tempo.
Marcos – O que a galera costumava fazer?
Sheila – Bem, em que termo, né? Como assim tu quer saber?
Marcos – Bem, o que vocês costumavam fazer, assim, em termos de diversão, de, se
vocês brigavam, se não brigavam?
Sheila – Não. A nossa turma, a nossa galera era o seguinte: passava a semana todinha
trabalhando, né? E só tínhamos dois dias, que eram os dois dias de final de semana, pra
brigar, que eram no sábado e no domingo. Todos trabalhavam. Então, nós tínhamos
nossas reuniões de galera, entendeu? Mas todos iam para casa, e a maioria trabalhava.
Trabalhava, aí quando era final de semana, aí a gente marcava o horário... Porque
naquele tempo não existia celular, num existia, né? A tecnologia avançada. Então, a
gente marcava as reuniões, que horas vão tá, pra tal num sei o quê, pro final de semana.
Então, naquele horário nós távamos no ponto. No local da festa. A gente curtia, dançava
e quando dava o horário das três horas, todo mundo se reunia, que era hora da briga.
Marcos – Vocês brigavam com alguma outra galera? Se sim, com qual?
Sheila – “Anjos Malditos”
Marcos – Só com essa?
346
Sheila – Só com essa. Só tinha essa nesse tempo. “Anjos Malditos” e “Selvagem”.
Depois, muitos anos depois, foram surgindo “Bebê a Bordo”, é, bebê num sei da onde,
foram surgindo essas galerinha mesquinhas. É, tinha, tinha a galera daqui do, daqui
desse, me esqueci o nome aqui. Da, do Boulevard. Aí surgiram as “guerras” do Bariri,
né? Surgiu outras, aí surgiu outros tipos de galera que tinha em torno de novela,
entendeu? “Bebê a Bordo”...
Marcos – “Bebê a Bordo” era uma galera também?
Sheila – Era uma galera. Apanhava da “Selvagem” e “Anjos Malditos” (risos). Mas
parou isso. É, aí foram surgindo aquelas galerinha, foi o tempo que o Klinger, né? O
Klinger Costa começou a acabar a galera mesmo, naquele tempo, né? “Pantera”, meu
Deus do céu, procurava a gente como agulha no palheiro.
Marcos – “Pantera”?
Sheila – É, “Pantera”. Delegada.
Marcos – Quem era a “Pantera”?
Sheila – A “Pantera” era da polícia civil, ela.
Marcos – Ah, era um policial?
Sheila – É uma policial. Até hoje ela ainda tem função na polícia. Até hoje ainda tá...
Marcos – Aí ela caçou vocês também, foi?
Sheila – Ela procurava muito a gente. Porque a gente era o terror.
Marcos – E na época, ela era patrulheira, assim, policial que fazia patrulha?
Sheila – Não. Ela era investigadora.
Marcos – Polícia civil?
Sheila – Isso, polícia civil. Ela tinha uma equipe de exterminação. Etão, não gosto nem
de falar dela, porque também não me interessa a vida dela. Não gosto de meter polícia
no meio.
Marcos – Por que as galeras brigavam?
Sheila – Bem. Nós tínhamos aquelas rinxas, né? Uma com a outra. Então, quando
chegava, os chefões tinham rinxas já com os outros chefões da outra gangue. Então, nós
tínhamos que acompanhar eles na briga, né? Já que eu era uma das líderes da galera. e
eu tinha que acompanhar eles. Eles falavam pra mim: “você vai?” Eu disse: “vou”.
“Você tá dentro?” Eu digo: “tô”. Então, nós íamos brigar. Então, eles só apontavam...
Naquela hora, eles só faziam me olhar com o olho, eu já sabia em quem dar pernada,
né? Eu era tipo assim, só pra chamar briga. Entendeu? E deixava o resto tudo com eles.
Eu num brigava... Eu brigava muito aqui fora, mas lá dentro não. Era com eles. Eu
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andava muito era armada com corrente, que eu saía dando correntada nos outros (risos).
Marcos – Corrente?
Sheila – É, corrente. Tipo aquelas de cachorro, aquelas correntes grossa, eu andava por
dentro da minha calça. Eu andava armada. Essa era a minha arma. E Deus, né? Deus em
primeiro lugar. Deus me livre, sem ele... Hoje me chamam de “Lenda Viva”. Porque eu
era o terror (risos).
Marcos – Você se senia protegida e respeitada por fazer parte da galera? Por quê?
Sheila – Eu me sentia protegida e respeitada sim. Eles me protegiam de tudo. De tudo
mesmo. De tudo que vinha pra cima de mim, eles me protegiam. E eu tenho o respeito
deles, como até hoje eu tenho, sou reconhecida por muitos. Naquele tempo eu não
namorava, eu não queria saber de namoro, entendeu? Só era focada na gangue, só era
focada na galera, né? Então, eles me chamavam, tipo assim, de machuda, essas coisas,
mas não. É porque era meu jeito. Eu queria o respeito. O finado Nego Celso, ele me deu
uma lição de moral. Porque muita gente me oferecia droga. Então ele dizia assim pra
mim: “Guerreira! Faça seu nome”. Acho que ele me amava, eu num sei, naquele tempo.
Ele dizia assim, ele sentava, aqui nesse bar, aqui nesse barzinho aqui, se falasse, ele ia
falando, parece que eu tô vendo: “faça seu nome, faça seu nome crescer, faça você ter
respeito. Quando vier, nunca se meta com negócio de droga. Droga é droga.” Porque ele
era envolvido com droga, né? Ele era traficante. Quem matou ele foi a polícia. Então, o
que ele num quis pra uns, ele quis pra mim. E eu não sei o que foi que ele viu em mim,
porque com as outras mulheres ele maltratava, mandava fazer coisas com ele que só
Deus duvida. Entendeu? Comigo ele nunca fez isso, graças a Deus. Quando chegava
perto de mim... Teve uma vez que uma pessoa foi oferecer uma droga pra mim, ele
falou: “se você quiser viver, saia de perto dela, você num ofereça. Se caso, um dia, eu
sair de perto dela, ela já sabe tudo que eu já passei pra ela”. Entendeu? Ele me deu uma
lição de vida. Então, é por isso que eu nunca me envolvi com droga, minha droga, hoje
em dia, é o cigarro. Eu sempre fui galerosa chique.
Marcos – Galerosa o quê?
Sheila – Galerosa chique. É, assim, eu nunca andei maltrapilha, eu nunca, graças a
Deus... Eu já dormi fora de casa, mas eu nunca fui jogada. Sempre eu trabalhava,
trabalhava, trabalhava pra ter a minha roupinha no final de semana, com meu
dinheirinho, entendeu? Eu sempre trabalhei. Eu só não fui...
Marcos – É, quando você andava com a galera, você trabalhou em quê?
Sheila – Bem. Desde nova eu trabalhava como doméstica, né? Eu trabalhava em casas
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de família. Olha! Eu era galerosa, mas todos gostavam de mim. Entendeu? Por causa de
quê? Porque eu era muito comunicativa, conversava, eu era rápida pra fazer minhas
coisas, porque, desde nova, minha mãe ensinou a valorizar a casa, né? Começando a
limpar. Então, a casa da minha mãe, até o tempo que eu morei com minha mãe, a casa
dela era impecável. Então, tudo que eu aprendi na minha casa, eu passei na [pra] casa
dos outros. Entendeu? Fui morar pra casa dos outros. Tenho dois filhos, né? Sou vó,
graças a... Amo meus netos. Então, tudo isso que minha mãe passou, eu passei pra fora.
E quando vi aquelas pessoas que, que, que eram drogadas ou cheiravam cola, ah mana,
quando eu chegava no Centro, via aqueles bandos de cheira-cola, eu pegava os sacos,
metia na cabeça. Quando era no outro dia, eles tavam com a cabeça tudo raspada, num
sabia de nada, aí eu dizia: “olha, eu não quero vocês cheirando cola, isso não é pra
vocês”. Eles pararam de cheirar cola. Muitos já morreram, muitos mesmo, naquele
tempo, ah! Se eu for contar a história mesmo, é um livro.
Marcos – Aham! E hoje em dia, você trabalha?
Sheila – Hoje eu tô... Olha, eu já trabalhei de vigilante. Entendeu? Eu fui vinte e cinco
anos vigilante, mas não carteira assinada, e não fiz o curso. Mas por peixada, que eu
tenho muita peixada, tenho meus amigos, da polícia, tenho vários amigos da polícia, são
coronéis, e o outro é major. Tenho vários amigos coronéis, me colocavam em tudo
quanto era segurança, quando eu tava trabalhando com eles. Entendeu? Trabalhei com
eles. Minha profissão, hoje em dia, profissional, é manicure. Sou manicure. Ó, nem
cuido das minhas (risos). Cuido, atendo meus clientes...
Marcos – Mas você trabalha na sua casa mesmo?
Sheila – Não. Eu vou à domicílio. Me ligam, aí eu vou. Entendeu? Agora, fazendo parte
do grupo do whatsapp do Raidi. Nunca pensei na vida, um dia, tá sentada do lado do
meu fã, né? Porque eu sou fã dele.
Marcos – Seu ídolo.
Sheila – Meu ídolo, meu ídolo. Nunca pensei tá um dia... Porque o Raidi foi uma das
pessoas que teve ódio da gente. Entendeu?
Marcos – Ele te proibia de entrar também no Cheik, nos lugares?
Sheila – Mano, graças a Deus, comigo não aconteceu isso, como o lado dela, entendeu?
O lado dela... O Raidi eu não sei. O Raidi nunca me proibiu de entrar em canto nenhum.
Nunca, graças a Deus. Isso eu falo, porque eu tenho certeza. Agora, ele mandava o
seguinte: eu entrava, já ficavam de olho em mim. Mas, de me proibir, isso eu tenho
certeza, num é puxando o saco, num é porque eu tô aqui [esta entrevista foi feita na
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academia Cheik Clube, localizada na avenida Getúlio Vargas. Porém, até 1994,
funcionou como danceteria, e ainda hoje tem como locatário o DJ Raidi Rebello, que
agora ali trabalha como empresário e dono da academia], eu tô contando a realidade, tô
contando os fatos. Eu nunca fui proibida pelo Raidi de entrar. Entendeu? Aquele pessoal
parece que já tinha medo de mim, assim... Que o Raidi já teve medo. Entendeu? O Raidi
já teve aquele medo de andar armado, eu tô contando, assim, de ter segurança perto
dele, com medo de eu fazer alguma coisa com o Raidi. Entendeu? Pra quê que eu vou
fazer isso? Nunca tive intenção de nada dele. Nós tinha intenção da galera sim, mas ele
tinha um medo da gente que Deus me livre... Até quando eu chegava, assim, a menina ia
me revistar, eu só olhava com um olho pra ela, ela já sabia que eu tava armada. Só que
eu não andava armada lá dentro do clube, mas eu nunca sequer cheguei a puxar a arma
dentro do clube, não. Como eu te falei, andava muito de corrente, então, elas já sabiam
que eu andava.
Marcos – E tu entrava com a corrente, mesmo assim?
Sheila – Entrava, mas eu nunca...
Marcos – Dizia que era acessório da roupa?
Sheila – Não. Era porque ela ficava por dentro da minha calça, eu pendurava bem aqui
assim, ela ficava por dentro, que usava aquelas calças...
Marcos – Mas tu não usava lá dentro também, né?
Sheila – Nunca, nunca...
Marcos – Só fora.
Sheila – Só fora, nunca usei. E, é, nunca usei lá, assim, em termos de briga, essas coisas
não, nunca lá dentro. Só aqui fora. Porque fora nós tinha que tá mais preparada, mais
armada. Mas dentro não, a gente era no mano-a-mano. Lá dentro jamais eu vou usar
uma coisa... Agora, têm várias donas que têm várias marcas minhas, né? Nas costas, de
corrente (risos).
Marcos – Já tinha detector de metal nessa época aí da corrente?
Sheila – Não, não, não, não, não, não, não. Veio já depois de muitos anos já, né? Aí foi
se avançando a tecnologia, né? E era, às vezes eu faltava até trabalho pra...
Marcos – Tu já era vigilante?
Sheila – Já, já sim, já sim. Tanto que eu quebrei meu pé na banda da Difusora, o Raidi
tava tocando lá no Sambódromo. Aí ele veio lá comigo, o Ari Guedes também, faz dez...
Marcos – Quebrou o pé como?
Sheila – Brigando, né? Mas foi tentando imobilizar a pessoa, né? Então, tava chovendo
350
nesse dia, eu escorreguei, cai e quebrei meu pé. Dez anos já se foram que eu quebrei o
pé. Então, é essa a história, né?
Marcos – Por que você acha que nessa época haviam tantas galeras?
Sheila – Bem, nessa época não havia tantas galeras. Haviam duas galeras, né? Essa eu
digo. Havia duas galeras. Às vezes o pessoal, como eu te falei. Depois de 90... De 84 a
dois, a 92, por aí, acho que da “Selvagem” acabou, deixa eu ver, no ano de 90, noventa
e, não... 93. Aí que foram surgindo aquelas gangunhas, aquelas galerinhas, mas até 91,
92, ainda tava bem agitado, aí foi quando acabou mesmo, porque a polícia botou muito
pra cima, acabou a galera da “Selvagem”. Foi nesse tempo que eu me separei da Punk, a
Punk foi prum lado, eu fui pro Outro. Passaram mais de, de 20 anos pra gente se
encontrar depois.
Marcos – Por que vocês se separaram?
Sheila – Devido à perseguição, né? Da polícia. Muita, tava muita. A galera já tava
demais, entendeu? Mas não em torno de roubo, essas coisas, não. porque tudo que
roubavam, aqueles pessoal, ladrãozinho fulero que vinham roubar, botavam a culpa na
galera. Ou então, por exemplo, tinha, assim, aquela... Tinha um pessoal, que depois que
começou a surgir essas galeras, pra acabar a galera mesmo da “Selvagem”, “Anjos
Malditos”, quando começou a formar essas outras galerinhas de bairros, que já foi
terçado, essas coisas... Então eles faziam o quê? Eles brigavam e botavam o nome de
uma galera. Da nossa. Outro bairro brigava, pá, chamava a galera da “Anjo”. Então,
nisso, foi o auê, foi começando aquela rixa mesmo feia, das duas galeras, foi quando o
negócio ficou feio. Foi quando acabou, aí foi começando. Aquelas galerinhas que tava
fazendo fuzuê foi crescendo, entendeu? Em cima do nome das duas galeras que eram
famosas no tempo.
Marcos – Você, você quer dizer com isso que as outras galeras se inspiravam na
“Selvagem” e na “Anjos Malditos” pra brigarem e se tornarem mais violentas, assim, é
isso? Ganharem renome, tentarem ganhar renome?
Sheila – Isso, isso. É. Ganhar o nome nos bairros, né? Então, eles botaram esse “Bebê a
Bordo”, tinha o pessoal daqui, meu Deus do céu, são muitos. Acho que nesse tempo
veio... Depois vieram só as galeras dos bairros mesmo. Cada galera... Era só dizer
“Alvorada”...
Marcos – Eu cheguei a ler algumas nos jornais, vou citar pra você agora, pra ver se
você se lembra, se você chegou a ouvir falar. “Pantera Assassina”. É... Deram um nome,
pruma galera num sei da onde, de “Pantera Assassina”. Teve uma outra chamada
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“Canibais”, que parece que era do Educandos [na verdade, era do Morro da Liberdade].
“Miseráveis da Fome”, de um outro bairro que eu não lembro agora. Enfim, tem vários
nomes, assim, só que eu não lembro de todos.
Sheila – Não, nenhuma dessas eu ouvi falar nesse tempo.
Marcos – Tá vendo só?
Sheila – Nunca ouvi faler dessa “Fome num sei da onde”, “Pantera”, porque, bem, bem
que chamavam eu de Pantera. Era Pantera e Lobona naquele tempo.
Marcos – Quem que chamava?
Sheila – Os meus amigos me chamavam de Lobona.
Marcos – Aham.
Sheila – Entendeu? Porque eu tinha cabelo curtinho, louro. Eu sempre fui loura. Aí eles
me chamavam de Lobona. O apelido veio depois que eu comecei a “guerrear” Bariri
com Glória. Aí botaram meu apelido de “Guerreira”. Mas Lobona porque logo no
começo, quando num existia, ainda, “Selvagem” e “Anjos Malditos”, toda vez, eu já era
perigosa, eu já brigava demais com treze anos, quatorze anos eu já frequentava Starship,
Mykono‟s. Então, quando o Raidi começou a vim pra cá, eu vim. Pro Bancrévea. 85,
por aí.
Marcos – 85?
Sheila – É, 85, por aí. Aí eu comecei, eu tinha 15 anos, eu já era fera nas briga. Não,
comecei a andar na galera, não. E, nem me lembro o ano que ele veio praí. Foi oitenta
e... Foi 85, acho, que o Raidi veio praí, e já em 84 eu já andava com esse pessoal, já. Só
que quando eu cheguei nesse Bancrévea, foi quando foi formada a galera. E eu não era
de nenhuma galera, ainda. Toda vez que eu chegava aí no Bancrévea, todo final de
semana que eu chegava, que eu ia pro banheiro lá embaixo, na quadra... Que a quadra
era “Anjos Malditos” e lá em cima era a “Selvagem”, no Bancrévea. Toda vez que eu ia
no banheiro, encontrava uma menina lá, com cabelo grandão, que era lá da Praça 14.
Chamavam ela de “Lobona”. Ela vestia um blusão, um saião. Eu chegava lá, ela
espancava as meninas. Pra dá dinheiro, pra extorquir, pra dá dinheiro pra ela, comprar
lanche pra ela, comprar essas coisas. Então, todo final, sabe assim, todo final de semana
que, às vezes, eu via aquela putaria, né? Dela dar nas meninas, exigir dinheiro das
meninas, ela pegava panela, num sei da onde que saía aquelas panela, que ela dava na
cabeça das meninas, tei, tei, tei...
Marcos – No Bancrévea?
Sheila – No Bancrévea. Só que elas tinham medo e num falavam nada. Só que teve um
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sábado que eu peguei, entrei no banheiro, ela perguntou: “o quê que tu quer?” Eu disse
assim: “nada”. Ela disse: “sabia que eu te admiro e tal”. Também não falei nada. Aí ela
pegou, eu vi aquela putaria. Eu vi ela espancando duas amigas minha. Aquilo me
enfureceu. Eu peguei ela – o cabelo dela era grande – enrolei minha mão no cabelo dela,
saí, só fiz assim, puxei ela. Eu era seca. Num sei da onde eu criei força. Saí puxando ela
até lá no meio da quadra. Peguei, meti o pé na garganta dela, saí dando. Dei, dei, dei,
dei, dei, dei nela. “Isso é pra você nunca mais extorquir”. Eu rasguei a roupa dela. Eu
sei que nesse dia, espalhou, assim, que espalhou lá na quadra lá, que queriam me, tipo
assim, pra num deixar ninguém chegar perto de mim, né? Pra dar uma lição nela
mesmo. Rasguei a roupa lá, queriam dar roupa pra ela, eu disse: “ninguém dá roupa pra
ela, ela vai sair assim”.
Marcos – Como é que ela saiu?
Sheila – Nua... Só de sutiã, só de coisa, assim, toda rasgada. Eu disse: “pois de hoje em
diante, ninguém vai dar roupa pra ela”. Ela passou acho que um mês, ela voltou, eu já
tava no comando, já. Foi quando a “Selvagem” brigava, ainda, pra quem ia ficar
comigo. Eu fiquei pro lado da “Selvagem”.
Marcos – Essa moça, essa garota, ela era de qual? Da “Anjos Malditos”?
Sheila – Não sei, nesse tempo eu não sei. Eu só sei que, eu num sei nem se ela... Eu
nem sabia se era “Selvagem”, se era, não sei. Só sei que eu dei nela. Então, todas essas
meninas que apanharam dela ficaram super minha amiga, entendeu? Então, quando eu
chegava aqui no Bancrévea, eu tinha meu ingresso, que elas compravam. Eu tinha
cerveja, tinha lanche. Mas eu nunca meti uma faca, num dei um tapa nessas meninas.
Entendeu? Eu conquistei amizade de cada um da gangue. Eu, num foi preciso eu
espancar, num foi preciso eu fazer isso, eu num mandava elas brigar. Se elas viam eu
brigar, elas tavam no meio, entendeu? Tudo isso. É aquela coisa, num tinha. A minha
história é mais diferente da dela, porque ela já foi já no tempo da, galerosa mermo, que
teve terçado, essas coisa. E ela era muito errada, ela foi menina de rua, entendeu? Eu
não tive esse problema. Eu fui muito instruída. Eu ia muito pela mente dos mais velhos.
E eu botei ela. Ela falou que ela era minha fã?
Marcos – Falou, eu acho que ela falou sim.
Sheila – Que ela era minha fã. Aí que entrou na galera. Mas eu nunca obriguei. Ela me
admirava que só. Então eu botei. Depois ela fez a galera dela, só de meninas. E eu não,
eu não gostava de andar com as meninas, só gostava de andar com gente mais velha...
Marcos – Ah, ela fez uma galera é... Só ela?
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Sheila – É, só ela. Ela fez a galera dela. Era só de mulheres. Andava. Aí foi quando teve
esse caso, que acabou a polícia – que a Pantera andava atrás dela – que ela foi embora
pra Itacoatiara, fugida. Eu não, me afastei. Aquilo já foi no tempo que eu saí grávida,
tive meus filhos, tive marido, foi no tempo que eu queria...
Marcos – Você saiu quando ficou grávida?
Sheila – Não. Eu me afastei. Eu saí grávida com 16, 15 anos tive, e tive meu primeiro
filho com 16. Passei um mês, dois meses, voltei de novo pra galera. Aí depois, em 88,
tive a minha filha, aí eu fiquei andando na galera. Aí quando ela inteirou um ano, ela
andava comigo por aqui pelo Cheik. Hoje, hoje...
Marcos – Com um ano de idade sê trazia ela pra cá?
Sheila – Trazia. Dia de domingo trazia ela. Às vezes vinha polícia, eu escondia ela por
aqui, escondia ela por alí, saía escondendo ela. Hoje em dia tá com 26 anos.
Marcos – 26?
Sheila – 26 anos, hoje. Agora quem anda comigo é minha neta. Mas ela não anda de
noite, né? Ela anda... Ela é a mascote do grupo do whatsapp. Ela anda só assim, a gente
vai pra feijoada, né? O Raidi tem é... Eu que ponho ela, minha mascote.
Marcos – Três gerações, então, de flashback e de curtição?
Sheila – Três gerações de flashback e de curtição. Só o meu filho que não gosta, o meu
filho é mais boi. Agora, a minha filha gosta, todos os flashback ela vai. Ela vai comigo,
agora é minha neta, que ama o Raidi.
Marcos – Ela foi com você, dia 19, pra Specton? Sua filha?
Sheila – Foi sim, tava lá sim. Todos os flashback ela tá. Eu tenho foto dela, eu tenho da
minha neta.
Marcos – Você acha que haviam opções de lazer, nos bairros, para os jovens?
Marcos – Naquela época?
Sheila – Opções de lazer?
Marcos – É, opções de lazer, assim, além das danceterias, entendeu?
Sheila – Não tinha não. Tinha não.
Marcos – Haviam outras opções?
Sheila – Não, não tinha, não tinha outras opções. Só eram os clubes mesmo que a gente
frequentava, mas lazer, essas coisas.
Marcos – Aham.
Marcos – Você acha que os joven que você conheceu, do seu bairro, gostavam de
frequentar a escola, ou a maioria só ia porque era obrigada pela família?
354
Sheila – Bem. Nesse termo aí, ah, tem muitos que... Não, muitos estudaram sim. Não, é
muito diferente da história dela, ela já conheceu outra parte, né? A minha, naquele
tempo, que eu saiba, muitos iam pra aula sim. Frequentava a aula sim. Eu, eu fiz só até
o primeiro ano. Eu deixei mesmo os estudos porque eu quis. Mas muitos, hoje em dia,
são formados, quer dizer: que muitos andavam na galera, não estudavam. Deixaram de
estudar. Depois que saíram da galera, resolveram voltar aos estudos. Tenho amigos, esse
que eu te falei, Cleidson, hoje em dia, é um ótimo vigilante, trabalha de carteira
assinada. Tem outros amigos meus, hoje, que são evangélicos, pastores, entendeu? São
bem de vida. Eu conheço vários que são bem de vida, tal, num querem mais saber disso,
continuaram os estudos. É porque a vida da minha amiga aí, ela já viveu outra história,
né? Ela já viveu mais com o pessoal de rua. Eu não, eu já vivi mais, com o pessoal mais,
né? Mais daquele tempo, mais os chefões mesmo, né? No meu eram mais chefões. Eu
num tinha nada de, de negócio de tá em rua, essas coisas, eu me dava com o pessoal,
mas eu odiava esses negócio de tá com o pessoal de rua... E então, eles tá mendigando,
num gostava. Eu dava muito conselho pra eles, pra eles trabalharem, entendeu? Tudo
isso eu falava pra eles.
Marcos – Todas as galeras brigavam, ou haviam algumas que não brigavam?
Sheila – Todas as duas brigavam. Todas, todas as galeras brigavam.
Marcos – Como as pessoas entravam pra galera de vocês? Havia alguma regra, algum
ritual, ou qualquer pessoa da vizinhança ou que conhecia alguém do grupo podia entrar?
Sheila – Não. É... Existia aquela regra, né? Só ficava quem aguentasse a porrada, né?
Mas eu nunca cheguei a botar, assim, as duas gangues, as meninas, pra brigar não. Eu
não colocava, entendeu? Teve tempo também que eu já passei por uma de os chefão
querer me bater, porque eu passei pra “Anjo”... Como eu fiquei afim de um rapaz da
“Anjo Maldito”, eu fui pra “Anjo Maldito”. Quando eles souberam, botaram arma na
minha cabeça pra mim voltar de novo. Fazia só uma semana com o cara, dei tchau e
voltei de novo pra “Selvagem” (risos). Aí as duas gangues ficaram brigando por causa
de mim, porque sabiam que eu era boa, que eu tinha conversa, que eu gostava. Aí foi
uma... O terror naquele tempo.
Marcos – Lembrei de uma coisa agora. Você tem fotos, da época, assim, de vocês?
Sheila – Não, não, não. Eu tenho DVDs da, que a gente dançando naquela época.
Marcos – Naquela época vocês dançando?
Sheila – Quer dizer, eu não tenho. Não. Mas nós temos, assim, DVDs que mostram não
a galera.
355
Marcos – As danceterias?
Sheila – As danceterias. Tem o Bancrévea, tem o...
Marcos – Cheik, Bancrévea, Caxangá, Spectron, eu tenho. Eu tenho um em casa.
Sheila – Então, tudo isso. Agora você vê a diferença. Naquele tempo a gente só ia pra
curtir.
Marcos – Mas vocês, vocês aparecem em algum desses...?
Sheila – Eu apareço.
Marcos – Você aparece?
Sheila – O Raidi tem vários.
Marcos – Sério?
Sheila – É.
Marcos – Será que tem como a gente conseguir com ele, pra ele gravar um trecho pra
mim?
Sheila – Olha, num sei. Só você falando com ele.
Marcos – Pois é.
Sheila – Conversa com ele.
Marcos – Não, mas você tem que liberar, porque eu vou, eu vou...
Sheila – Não, mas aí ele te dá, pode ficar a vontade.
Marcos – Eu vou poder usar a sua imagem pra mostrar, entendeu? Olha, tá qui ó, eu
entrevistei essa moça.
Sheila – Não, pode perguntar dele. Eu acho que ele tem a minha época, ele tem. Ele tem
sim. Ele falou que, às vezes, eu apareço em várias, né? Então, é o seguinte: naquele
tempo, nós só íamos curtir. Nós curtíamos a noite todinha, e a coisa mais difícil era você
vê uma latinha de cerveja, nós dançava demais. Tem gente nas filmagens que hoje em
dia são enorme, que hoje já são tudo, agora, que vão. A maioria... Esses DVDs que eu
tenho, eu apareço, né? Eu novinha, mas eu acho que o Raidi tem eu quando eu novinha.
Marcos – Você já viu?
Sheila – Ainda não, não, não, porque eu não gostava muito de aparecer, nem em foto, eu
não gostava. Eu falo, hoje, no, no sapp, eu não gostava de tirar foto, eu num gostava de
ser filmada, que eu tinha medo, naquele tempo, de alguém me ver. Minha mãe sempre
me dava conselho. “Olha, não vai aparecer em filmagem, num vai tirar foto, pode ser
alguém que tá”, num sei o quê. Então, eu evitava, entendeu? Por isso que hoje em dia eu
não tenho essas relíquias, como eu falo pro Raidi, eu não tenho essas relíquias. Muita
gente tem, né? Agora, como eu... Ham!
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Marcos – Você pode tentar conseguir com ele essa filmagem sua? Aí você me passa?
Sheila – Agora não tenho, porque agora eu tô muito ocupada, né? Só se...
Marcos – Não, não agora, assim, quando você não tiver ocupada.
Sheila – Só se tu... Vem aqui tu mesmo que ele passa pra ti. Ele puxa rapidinho. Aí,
pode vim aí com ele. Porque eu, eu num gosto de tápedindo não. Vem aí que – tu que é
o historiador – vai, pede dele que ele te dá.
Marcos – Tá bom.
Marcos – E quando a pessoa já fazia parte da galera. Havia alguma pressão para que a
pessoa praticasse tudo o que os outros praticavam, incluindo as brigas, as festas, o
consumo de bebidas ou drogas, ou não havia essa pressão?
Sheila – Não. Vou dizer uma coisa pra ti. Pressão sobre a briga tinha. Pra gente brigar.
Pra brigar aqui ó. Agora pra, quem quisesse beber, bebia, agora pra mim, nunca
ninguém veio me oferecer droga, porque eu não aceitava, né? E se alguém usava era por
ele mesmo. E também, naquele tempo, a droga era muito cara. Num é como hoje que,
qualquer cano que você vá, ela tá dominando a cidade. Então, a droga naquele tempo
era o lança-perfume, né? Que [...] uma coisa assim. Então, era a coisa mais difícil do
mundo você vê.
Marcos – Como é o nome dessa outra coisa aí que você falou?
Sheila – Eu não me lembro não, porque eu não sei nome de droga, entendeu? Eu só sei
a maconha, a pasta-básica, né? E essa, a cocaína. Agora aqueles, daqueles tempos lá, eu
não sei. Que usava muito aquelas pílulas, né? Eu não me lembro, e não vem à mente
porque eu nunca tome, entendeu? Já me ofereceram. O raidi, hoje em dia, tá vendo
como eu sou, mas o pessoal que me conhecia naquele tempo, pensava que eu usava
droga. Porque eu chegava bêbada, essas coisas, não. A minha droga sempre foi a
cachaça (risos), a cerveja e meu cigarro. Eu num gosto... Até hoje eu fico apavorada.
Hoje eu comento, aqui no whatsapp dele eu não nego pra ninguém, que eu já usei a
pasta, a maconha, mas foi, tipo assim, a curiosidade pra saber. A curiosidade mata, né?
Então, eu usei, não por muito tempo mas... Agora, esse negócio de cocaína, o meu nariz
nunca soube o que é isso. Isso eu digo, entendeu? Porque eu tenho gente na família que
já usou, própria minha filha, meu filho. Então, isso pra mim é, fico horrorizada,
entendeu? Hoje eles têm sequelas, tem muita gente que tem sequela sobre o negócio da
cocaína, né? Então, isso pra mim, não...
Marcos – Nos jornais de 1990 que estou pesquisando, já li notícias de que algumas
galeras ou alguns galerosos chegavam a assaltar, às vezes, as pessoas que passavam na
357
rua, que voltavam dos cinemas e das discotecas. E essas pessoas não eram, na maioria
das vezes, de galera. As pessoas que eram assaltadas, né? Segundo o jornal. Alguma vez
a sua galera chegou a fazer isso?
Sheila – Bem. Se já fez eu nunca vi. Porque eu acompanhava eles todos, sempre que
nas reuniões, a gente sempre comentava: “por favor, nunca roubem. Porque do roubo já
vai começar, começar a polêmica. Então, não roubem. Vamos trabalhar, vamos fazer...”,
Mas... É como eu falei pra ti. Como tinha as outras galerinha começando, 90 começou.
O tempo do All Star, o blusão Yes, essas coisas, então, aquele pessoal já foram botando
o olho nas... Então, qualquer coisa que eles roubavam, era a nossa galera, ou então era a
outra galera contrária. Então, nossa galera não tinha nada a ver com isso, entendeu?
Era outro pessoal que já roubava mesmo, eram ladrões mesmo, roubavam e gritavam o
nome de uma das galeras. Entendeu? Eu já sei porque eu já vi. Eu vi eles falando bem
assim: “ah, eu tô ti roubando, tu diz que nós somos dessa galera aqui”. E eu conhecia
todos os membros da galera. Num era ele, entendeu? Eles faziam isso que era pra ter
rinxa entre as duas galeras.
Marcos – Você conseguia perceber, naquela época, que as pessoas que não eram de
galera tinham medo das que eram?
Sheila – Percebia sim. Tinham terror, tinham medo, pavor, tinham umas que se
escondiam, Deus me livre. Antes das duas o pessoal já tava indo embora, porque sabia
que três horas era porrada (risos).
Marcos – Três horas da manhã?
Sheila – É.
Marcos – E como você se sentia com relação a isso?
Marcos – E como você se sentia com relação a saber que as pessoas tinham medo das
galeras?
Sheila – Eu sabia que eu era respeitada, né? Respeitada graças a Deus. Mas, algumas
num tinham medo de mim não, chegavam mesmo, né? Mas num era por medo, era o
respeito. Como eu falei que eu fiz meu nome. Eu fiz meu nome conquistando amizade,
num foi induzindo, num foi dando, num foi espancando, nem botando ninguém na
parede. Entendeu? Eu conquistei amizade de cada um deles. Com amor mesmo, não foi
espancando. Agora, eu tinha os meus dias de briga. Que eram os dois dias, que era no
sábado e no domingo. Eu num brigava a semana toda como falavam. Botavam meu
nome por aí. Eu fiz meu nome por causa da galera, não, assim, de tá espancando, essas
coisas.
358
Marcos – Alguma pessoa da galera de vocês chegou a morrer vítima de uma briga?
Sheila – Já sim.
Marcos – O Nego Celso, né?
Sheila – Não, mas é o seguinte: o Nego Celso já não foi morto por nossa galera. O Nego
Celso já foi morto por policiais mesmo, porque era envolvido com droga. Entendeu?
Então, ele já era o terror da Colônia.
Marcos – Da Colônia?
Sheila – Isso. Ele era o terror da Colônia.
Marcos – Ele morava lá?
Sheila – Morava lá. Eu conheço onde a família dele mora, irmã dele, lá na Colônia.
Entendeu? Só que ela não gosta de falar sobre isso. Ontem mesmo eu tentei, depois que
tu falou, eu tentei ir com a minha amiga, Nete, lá, eu queria ir lá, falar com ela, o ano
que ele morreu, perguntar sobre isso, um pouco da vida dele, pra mim falar, né? Só que
eu não quis não, porque ela é muito braba, essas coisas, num gosta de falar dele, que ele
morreu muito cedo. Aí eu não fui.
Marcos – Alguém da galera de vocês chegou a matar em uma briga?
Sheila – Eu nunca vi. Eu nunca vi. Agora pode ser, em outros bairros, já vi falar muito.
Agora, já vi pol... Eu já vi ó, gangues não, agora negócio de briga entre, assim, galera de
brigar, eu nunca vi se matarem não. Eu já vi policial matar das galeras. Eu vi não, eu
sabendo que tem gente, policial matando. Aquele tempo foi o que veio o grupo de
extermínio, de policial, mataram muitos das gangues. Foi quando vieram pra matar
mesmo.
Marcos – Isso 90, 91, por aí?
Sheila – Isso. Quando vieram matar mesmo, matavam mesmo. Num queriam saber não.
Marcos – Alguém chegou a ser preso por causa da galera?
Sheila – Sim. Eu e minha amiga Punk. Mas eu fui presa só uma vez. Mas não presa,
detida, né? No Centro. Por causa de briga nós fomos... Foi o maior terror lá no...
Marcos – Aonde foi a briga e onde você ficou presa?
Sheila – Não. Porque naquele dia nós íamos saindo daqui do Bancrévea, aí teve maior
briga. Naquele tempo já tava acontecendo esses negócio de policiais, né? Então nesse
dia, acho que umas dez viaturas saíram cercando nós, porque nós saímos em galeras
daqui, a viatura foi capturando a gente, a gente saía correndo, feito doido, pra Praça da
Polícia. Eu sei que era polícia, camburão, pessoal dentro da viatura. E nesse dia tinha
vindo meus dois irmão de menor. Aí chegou lá, levaram, aí chegou a De Menor
359
[provavelmente a Delegacia de Menor], disseram que iam levar meu irmão, eu digo:
“ninguém vai levar meu irmão, ninguem vai levar meu irmão”, saía batendo, saía
chutando. “Ah, porque você é muito, você é muito alterada”, eu digo: “eu sou mesmo,
mas ninguém vai levar os meus irmãos. Como é que eu vou chegar em casa sem meus
irmãos? Ninguém vai levar meus irmãos”. Aí a Punk: “Guerreira, para se não...” Eu
digo: “nada, aqui ninguém vai preso não”. Eu saía batendo, saía chutando. Aí queriam
vim, eles pegavam os cassetete, assim, eles davam cacetada, aí os meninos, aí eu fazia
bem assim: “ninguém vai bater em ninguém aqui não, porque todo mundo aqui é de
menor. Vocês não têm o direito de bater em ninguém”.
Marcos – Todo mundo aqui é o quê?
Sheila – Porque a maioria era de menor, né? Porque era num domingo. Aí, “ninguém
vai bater em ninguém aqui não”. Mano, eu sei que deu... Não, era um sábado mesmo.
Você quer saber. Naquele tempo não tinha essa proibição de menor, né? Pra ir pra festa,
essas coisa. Todo mundo podia curtir, todo mundo podia brincar. Mas não tinha essa
proibição como hoje tem essa lei, né? Então, aí, nós chegamos lá, a polícia quer saber.
“Ninguém vai prender ninguém não”. Eles faziam rolar, botaram foi um monte, assim,
pra rolar lá na lama. Entendeu? Os policiais naquele tempo. E depois que eles
malinaram bem dos meninos, aí foi que eles soltaram os meninos. Pra ir pra casa. Aí
saíram cercando tudinho, dizendo que era pra todo mundo ir pra casa, depois de terem
batido...
Marcos – E te deteram, ainda, em algum posto?
Sheila – Não, não, não, não, não. Não me deteram mais não. Eu disse que ia pra casa e
ia levar meus irmãos. Eles soltaram meus irmãos, nós fomos pra casa. Chegou em casa,
a gente apanhou da mamãe (risos). Pronto. Só isso. Mas daí nunca fui presa. Nunca fui
presa, não sou fichada em canto nenhum, graças a Deus.
Marcos – A prisão, a morte ou uma briga muito violenta interferiu alguma vez nos
membros da galera, ao ponto de acabar com o grupo ou diminuir sua força?
Sheila – Bem. Diminuir, diminuiu, né? As brigas. Ah, ficou demais as brigas, ficou
muito, muito, muito, que a polícia botou muito pra cima, aí foi quando foi acabando. Foi
acabando mesmo, aí muitos já foram se casando, foram seguindo suas religiões, né?
Acabou. Acho que em 93 já tinha acabado, né.
Marcos – Você conheceu alguém da galera que tenha sido internado em um hospício,
pelos pais ou pela justiça, após ser considerado louco?
Sheila - Não, não, não, não, não. Não conheço.
360
Marcos – Eu coloquei essa pergunta aqui porque, num dos jornais A Crítica que eu
pesquisei, é, em algumas ocasiões, assim, o jornalista escrevia isso, assim, né? “Que os
galerosos, alguns sofrem de, de distúrbios psicopatológicos”, e tal, aí... Em alguns
momentos, assim, poucos, se referiram aos galerosos não só como drogados, como
várias outras coisas que eles sempre usam como, como estereótipo, assim, pra, pra
classificar, né? Mas se referiram a eles como loucos. Por isso que eu coloquei isso aqui
pra perguntar, né? Porque eu achei meio surpreendente. Eu nunca conheci também
nenhum galeroso louco, assim, na minha época.
Sheila – Também não. Também nunca conheci não. Via louco mas por ver, agora
negócio de louco, distúrbio mental, isso também já é demais.
Marcos – É.
Marcos – Você conheceu alguém que saiu da galera porque se converteu a alguma
religião?
Sheila – Já, conheço vários, muitos.
Marcos – Ainda tem contato com eles?
Sheila – tenho sim. Tenho, tenho sim. Muito.
Marcos – Você conheceu alguém que saiu porque brigou com os outros membros da
galera? Da mesma galera?
Sheila – Não, não, não, não, não, não. Todos são amigos, até hoje.
Marcos – Não. Naquela época, saiu da galera porque teve uma briga, não
necessariamente uma briga física, mas uma discussão, aí saiu da galera por causa disso?
Sheila – Bem. Eu fui uma, né? Que, naquele que eu te falei. Que eu briguei, não
briguei, mas eu saí por causa de uma pessoa, tive que voltar de novo porque não
queriam que eu ficasse longe da galera. Tanto que teve uma reunião aqui que queriam
quase me espancar, me linchar aqui na frente do Cheik. Porque eu tava, teve essa coisa.
Queriam me linchar na frente do Cheik. Por causa, a mulher desse que eu tô tentando
me lembrar, é um dos fundadores da “Selvagem”, disse: “não! Ninguém vai fazer nada
com ela, porque ela me protegeu”, no dia que eu dei nas meninas que queriam bater nela
aqui dentro. Então, desde esse dia, eu fiquei mais respeitada ainda. O chefão disse:
“olha! Ninguém vai bater nela. Ela vai ser a minha considerada”. Então... Mas tem
muitos que saíram da “Selvagem”, que já foram praquelas turminhas, né? Essas
turminhas, dos grupo de outra galera. Aí já queriam briar já, com o pessoal da
“Selvagem”, já queriam brigra com o pessoal da “Anjos Malditos”. Eu me lembro de
alguns nomes da “Anjos Malditos”, que é o Carrasco, né? Ainda tinha o C1, C2, S1, S2,
361
que era duas louras, tinham dois louros que eram irmãos, que é o C1 e C2. Tinha o
Carrasco, tinha o Sérgio... Eu conheço muitos, eu conheci muitos. Da “Selvagem” eu
me esqueci... Tinha aqui essa vila aqui, num tinha a vila, a vila aqui no Centro?
Marcos – Num lembro não.
Sheila – Tem uma vila bem aqui, ainda existe. Essa vila morava todos os integrantes da
“Selvagem”.
Marcos – Todos os integrantes da “Selvagem”?
Sheila – Moravam alguns.
Marcos – Alguns?
Sheila – Moravam alguns da “Selvagem” aí. Na vila aqui pra baixo, morava. Só que eu
não tô lembrada porque é muitos anos, né? A gente esquece os nomes. Mas eram
muitos. Uns eu conheço, né? Peri, Nego Dilso, Nego Urso.
Marcos – Neste caso de alguém que saiu porque brigou com os outros membros,
alguém quis se vingar, ou apenas cada um seguiu o seu caminho?
Sheila – Cada um seguiu o seu caminho. Entendeu? Ninguém quis se vingar não.
Marcos – Você conheceu alguém que saiu porque passou a estudar, e não quis mais
andar com a turma por causa disso?
Sheila – Hum?
Marcos – Você conheceu alguém que saiu porque passou a estudar, e não quis mais
andar com a turma por causa disso?
Sheila – Eu conheço gente que saiu da galera pra fazer sua vida com família. Estudar,
voltar a estudar, como eu te falei, voltar a estudar, fizeram... Construíram famílias, né?
Hoje são pais, mães, avós agora também. Então, isso que acabou a galera.
Marcos – Além de você, né? Você conheceu alguém que saiu da galera porque entrou
em outra?
Marcos – Se bem que você saiu e voltou, né? Ameaçada, e tal, voltou. Mas você
conheceu alguém que saiu de vez e foi pra outra?
Sheila – Eu conheço. Como eu te falei. Muitas se afastaram da “Selvagem”, foram pra
“Bebê a Bordo”, foram pra outras galerinhas de bairro, né? Que foram formando,
galerinhas de bairro. Aí saíram, mas... Não que eu não conheço não.
Marcos – Quando você fala assim: “galerinha de bairro”, você diferencia, né, das duas
centrais, que eram a “Selvagem” e a “Anjos Malditos”, né?
Sheila – Isso.
Marcos – Sair da galera era considerado uma traição?
362
Sheila – Era sim.
Marcos – Você conheceu alguém que saiu porque entrou para o Exército, ou porque se
tornou maior de idade?
Sheila – Conheço. Conheço sim. Muitos, conheço, meu amigo Cleidson, que ele era da
galera, e era do quartel, mas não envolvia as duas coisas, entendeu?
Marcos – Mas ele brigava mesmo assim?
Sheila – Não, não, não, não. Ele era mais calmo, ele não se envolvia não, nesse tempo
não. Por causa do quartel mesmo, a gente não deixava. Entendeu?
Marcos – O que unia os membros de uma galera?
Sheila – A união.
Marcos – A própria união, né? A confiança alí.
Sheila – A própria união, confiança deles tudinho.
Marcos – Aham.
Marcos – Havia alguma música que a galera de vocês usava como um “hino próprio”
da galera ou do bairro da galera?
Sheila – Tinha sim, mas no momento... Ela cantou aquela lá, mas tinha outras,
entendeu? Mas, na minha mente, é muita coisa agora, hoje em dia, num tô lembrada
não. Mas eu também tenho uma música.
Marcos – Qual é?
Sheila – É... A minha múica mesmo, né? Que o pessoal fala, mas num é de galera, é a
que chama o meu nome. Eu tenho aqui.
Marcos – Toca aí pô, pra mim gravar só um pouquinho aqui.
Sheila – Peraí. Deixa eu puxar aqui. Deixa eu ver na minha lista. Eu tenho DVD, eu
tenho o clip dele. [E coloca pra tocar, no seu celular, Bizz Nizz, música “Don‟t Miss the
Party Line”].
Marcos – Conheço essa música.
Sheila – Aí tem uma parte que ele canta [...], aí vai: “Guerreira”, num tem essa parte?
Marcos – Aham.
Sheila – Aí o pessoal botava na roda e chamavam: “Guerreira”. Aí ficou a música. Aí
todos já sabem. Quando toca essa música, eles sabem que... (risos). Lembram de mim.
Marcos – Você acha que essas músicas ajudavam a criar um clima de disputa entre as
galeras, ao ponto de levá-las a brigar?
Marcos – As músicas que tocavam nas danceterias que os jovens da época gostavam.
Sheila – Sim. Tinha, tinha, tinha duas. Tinha só duas. Mas era só na hora mesmo, do
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horário de brigar mesmo. Num era toda hora não, entendeu? Tinha o horário.
Marcos – Você acha que o espaço dentro das danceterias, e dentro da própria cidade,
era dividido pelos membros das galeras?
Sheila – Como é que é?
Marcos – Você acha que o espaço dentro das danceterias, e dentro da própria cidade,
era dividido pelos membros das galeras?
Sheila – Era sim. Era dividido sim. Nas danceterias e nos bairros. Entendeu?
Marcos – Para a galera de vocês, qual era a galera mais temida? Por quê?
Sheila – Como é que é?
Marcos – Para a galera de vocês, qual era a galera mais temida? A mais temida, assim,
que vocês mais tinham medo?
Sheila – Não, não, nós não tínhamos medo. Entendeu? Num era medo, era... São rivais
as duas, sempre foram rivais, que era “Anjo Maldito” e “Selvagem”, entendeu?
Marcos – Você acha que a pouca ligação do jovem com a família, com a escola ou com
outros grupos, contribuía para que esse jovem fosse buscar respeito, admiração, abrigo e
um sentido pra vida dentro do grupo de amigos e galerosos da rua?
Sheila – Não entendi.
Marcos – Essa aqui ó. [Mostro a pergunta para que ela leia].
Sheila – Naquele tempo, o pessoal muito deixava... Num era como hoje, que muitos
deixam a família por droga. Né? Mas, pra mim, que eu conheci naquele tempo lá, eu
nunca soube de gente que saiu de casa por causa da galera. Entendeu? Moravam...
Marcos – Mas a pergunta não foi exatamente essa. Olha só: “você acha que a pouca
ligação”, não que o jovem saísse de casa pra ir... E abandonava tudo. “A pouca ligação
do jovem com a família, com a escola”, não só com a família, mas com a escola, “ou
com outros grupos”, assim, jovem que não ia pra nenhuma igreja, que não tinha outros
amigos, assim, entendeu? Você acha que isso contribuía... Se isso contribuía, entendeu?
Pra que esse jovem fosse buscar respeito, admiração, é, e um sentido pra vida na galera?
Sheila – Na galera. Eles iam pra galera, pra se sentirem respeitados. Entendeu?
Marcos – Aham.
Sheila – Não pra coisar. Eles iam pra galera mesmo, pra sentir aquele respeito. Eles
queriam ser respeitados, queriam ser reconhecidos, valorizados, entendeu? Eles queriam
fazer de tudo pra chamar a atenção, na galera. Aí foi quando foi surgindo isso.
Marcos – Você gostava de ser de galera? Por quê?
Sheila – Ah, eu gostava. Eu gostava não por ser, queria ser galerosa, não. Eu queria só
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ser respeitada por eles, entendeu? Gostava muito sim, gostava. Fiz muitos amigos,
grandes amigos... Hoje em dia, quando eu, às vezes, não é todos que eu vejo, mas como
eu tô muito diferente, né? Eles me olham, eles me admiram, porque eles dizem que eu
nunca mudei. Eu digo: “mudei sim, que eu já tô mais velha, eu não sou mais sequinha,
eu não sou mais loura, eu sou morena”. Então, hoje, muitos, aqueles que eram afas... Eu
tenho amores do passado, não correspondidos, entendeu? Hoje em dia eles chegam pra
mim: “cara, tu era o amor da minha vida, eu te amava, só que nunca tive coragem...”
Muitos tinham medo de chegar perto de mim. Hoje em dia, nos Flash Back da vida que
a gente tá indo, muitos tão aparecendo. Num rola, eu tô solteira, né? Sou solteira, num
quero relacionamento com ninguém.
Marcos – Agora essa pergunta aqui ó. Você acha que escolheu de livre e espontânea
vontade, ser de galera, ou você acha que foi levada a isso por não gostar de estudar, ou
por não ter atenção da família, ou por falta de emprego, ou por falta de ter o que fazer
em seu bairro?
Sheila – Não. Eu fui pra galera porque... Eu tinha o amor da minha mãe. Mas eu fui
uma pessoa muito sofrida. Desde pequena, porque eu tive padrasto. Hoje em dia...
Marcos – Porque você teve padrasto? Aí por isso que você foi sofrida?
Sheila – É, eu apanhei muito, eu apanhei muito. Não de ele me estuprar, essas coisas aí,
ele foi um ótimo pai, mas eu apanhava muito dentro de casa, depois eu fui pra galera, aí,
pra mim num vê minha mãe sofrendo, eu saí de casa, eu fui morar em quarto alugado...
Marcos – Ele batia na sua mãe também?
Sheila – Não, não, não. Nunca ele bateu na minha mãe, não, isso não. Ele tratou minha
mãe super bem. Meus irmãos também. Tanto que hoje, num existe mais aquele pessoal...
Você não vê mais pai, mãe dá beijo na mão, né? E nós não, nós até hoje damo... Eu dou
a benção do meu padrasto. Beijo a mão dele, “Deus abençoe”, e eu dou um abraço nele.
Toda vez. Entendeu? Hoje em dia a coisa mais difícil do mundo. Então, o que ele
passou pra gente que eu achava errado, hoje em dia eu acho certo. Entendeu? Ele tava
tentando ensinar as coisas pra gente. Eu acho que se ele não tivesse feito isso com a
gente, eu acho que hoje a gente não era... Como é que se diz? Uma família, né? Até
hoje, graças a Deus, eu nunca virei as costas, nunca bati no meu padrasto, nunca...
Apanhei dele, porque eu respeitava, porque ele me criou coo filha. Mas hoje em dia nós
temos, nós, nós três, mais velhos, que não somos filhos dele, respeitamos mais ele do
que os dois. Só que ele tem uma filha, que ele ama a filha dele, tá lá na casa dela agora.
Só que ela é o tipo de pessoa que ela é muito fechada. Ela não é igual a mim. Entendeu?
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Então, eu criei respeito, eu tenho respeito pelos meus dois pais, pelos meus pais, eu
tenho. E o que ele tentou passar pra mim, hoje em dia eu dou valor. Entendeu? Se eu...
O que eu achava ruim no tempo da galera, hoje em dia eu fico olhando, e hoje eu
agradeço, entendeu?
Marcos – Então, você escolheu de livre e espontânea vontade, né, ir pra galera?
Sheila – De livre e espontânea vontade. Ninguém me ameaçou, ninguém me mandou.
Eu quis ir mesmo, que eu já era galerosa (risos).
Marcos – A experiência de ter sido de galera te trouxe algum benefício? E se trouxe,
quais foram esses benefícios?
Sheila – Bem. A galera me ensinou muita coisa, né? O bom e o ruim. Tanto que hoje em
dia tá qui eu, né? Saí da galera... A galera me ensinou a viver, a apanhar, né? Porque
como minha mãe diz: “quando a gente não aprende dentro de casa, o mundo é o
professor”. Então, eu aprendi muito na rua. E hoje em dia eu dou valor cada coisa que
eu aprendi. Entendeu? Hoje, eu olho pra mim e olho pra muitos outros, e vejo que eu tô
muito bem na frente de muitos. Porque eu não me entreguei às drogas, né? Eu não me
entreguei a várias outras, como prostituição, bebida, essas coisa. Então, eu agradeço
muito à galera. Entendeu? Muito mesmo. Me ajudou muito. Graças a Deus.
Marcos – Você ainda tem contato com algum dos seus antigos colegas de galera?
Sheila – Tenho sim. Vários.
Marcos – Vocês ainda se reúnem pra conversar e sair.
Sheila – Olha. Agora, depois de mais de vinte anos, que nós se encontramos novamente.
E hoje, agora, nós temos celulares, né? Que naquele tempo num existia celular,
computador, num tinha face... Agora não, nós todos nos encontramos, agora, nos
comunicamos pelo telefone, pelo whatsapp, pelo face, aí a gente fica... Tanto que agora
o Raidi fez o whatsapp, né? Justamente reunindo as pessoas da época. Mas não como
galera, mas pessoas que curte Flash Back. Entendeu? Então taí, nós tamo... Nós todos
conversamos, olha, tanto que agora, esse ano, já tivemos três encontros, só esse ano,
com eles tudinho. E eu tô tentando reunir mais. Tenho vários da Compensa que eu
conheço.
Marcos – Da Compensa?
Sheila – É. Tenho vários amigos da Compensa que eu posso dá, que eles podem fazer a
entrevista também. Mas são... Tem uns que são drogados...
Marcos – Tem uns que são o quê?
Sheila – Tem uns que eu olho, que eu tenho pena. Tá todo mundo, tudo envolvido com
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droga. Os que não eram envolvidos com droga, na época, hoje em dia, todos acabaram
com droga. Entendeu? É uma coisa assim, que a gente brigava pra eles num entrarem no
mundo das drogas, e hoje em dia eles se envolveram com a droga, eles deixaram a droga
dominar eles. Entendeu?
Marcos – Alguns, né, só?
Sheila – Alguns só, alguns. Num é todos, só alguns. Que eu já olhei, já vi magros,
secos, meu Deus, que dá pena de ver. Pé inchado. Homens bonitos, naquela época, hoje,
meu Deus, eu olho, sinceramente. Eu brigo com eles.
Marcos – Você acha que as galeras acabaram?
Sheila – Bem. Acabaram.
Marcos – E o que levou ao fim das galeras? Quais foram os fatores que levaram,
levaram as galeras a acabarem? Na sua opinião, assim.
Sheila – Na minha opinião, foi porque muitos, como eu te falei, já tavam cansados. Já
tavam velhos mesmo, pra comandar, saíram, foram viver suas vidas, suas religião, e
também teve muita polícia. Deu muita, a galera já ficou muito, muito, muito mesmo
foi... Acabou a “Selvagem” e a “Anjos Malditos”, acabou. Ficou o nome nahistória. E
nós ainda continuamos, eu e a Punk continuamos, ainda, mas sem galera, eu já num
tinha mais aquela galera da “Selvagem”. Mas como eu andava em todos os bairros,
todos os bairros me conhecia, como o São Jorge... Eu era de todos os bairros, eu num
era só de um bairro. Mas eu num fiquei mais com negócio de galera. A Punk continuou
com a galera, eu não, eu ia mais pra curtir, pra ver, pra brigar, né? Não me envolvi mais
com galera não. A Punk continuou com a galera dela, eu não. Eu já era mais afastada,
elas brigavam mais, eu já fui ficando já mais afastada, mais um pouco mais... E aquela
coisa: a pessoa vai sabendo até o certo, o limite dela, né? Aí vai acabando. Pronto,
acabou mesmo.
Marcos – Então agora fale o seu nome completo pra que fique registrado na entrevista.
Sheila – O meu nome é Sheila do Socorro Marinho de Brito.
Marcos – Sheila do Socorro...
Sheila – Marinho.
Marcos – Marinho...
Sheila – De Brito.
Marcos – De Brito.
Marcos – Ok.
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Transcrição da entrevista oral feita com Cláudia Gomes de Azevedo, em 30/07/2014,
com o auxílio de um gravador de voz, para obtenção de informações sobre as galeras e
sobre os galerosos que existiram em Manaus nos anos 1980 e 1990. Esta transcrição faz
parte de uma pesquisa feit para o mestrado do Programa de Pós-Graduação em História
Social da Universidade Federal do Amazonas.
Marcos – Ok. Aqui quem fala é Marcos Roberto, no momento da entrevista que ele vai
começar a fazer com uma moça chamada Cláudia, que fez parte de galeras no final dos
anos 80 e início dos anos 90. Hoje é 30/07/2014.
Marcos – Bem, Cláudia. Com quantos anos você começou a andar com galeras, e com
quantos anos deixou de andar?
Cláudia – Comecei a andar com 16, e deixei de andar com uns 32, 34. Uns 34 é. [Na
verdade, depois ela me disse que deixou de andar com uns 27, 28 anos].
Marcos – E quantos anos você tem agora?
Cláudia – 41.
Marcos – Qual era o nome da galera?
Cláudia – “Selvagem”.
Marcos – Você tinha algum apelido?
Cláudia – Sim. Punk.
Marcos – Quem era o chefe, o líder?
Cláudia – Nego Celso e Peteleco.
Marcos – Peteleco?
Cláudia – É. E Nego Celso.
Marcos – Quais eram os locais onde a galera se reunia?
Cláudia – Na Praça da Matriz, Ponta Negra e aqui no Cheik e no Bancrévea.
Marcos – O que a galera costumava fazer?
Cláudia – Ah, costumávamos nos reunir, fazer reunião, arquitetar como... É, ia fazer pra
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poder render os outros grupos e assim por diante.
Marcos – Como assim, render os outros grupos?
Cláudia – Porque assim: tinha uma rivalidade entre “Anjos” e “Selvagem”, e era uma
disputa muito grande dentro do Bancrévea, pra quem comandasse lá dentro, né? Então,
o grupo que lá dentro brigasse e saísse melhor, é, ganhava poder alí dentro, naquele
momento, né? Então, a gente arquitetava: “olha, se vim um grupo das meninas da
“Anjos” não vamos deixar elas é, avançar. Vamo botar pra cima delas”, aquele negócio
de brigar mesmo, e titar elas de cena mesmo.
Marcos – Essa galera, “Anjos”, é a “Anjos Malvados”?
Cláudia – “Anjos Malditos”.
Marcos – Ah, “Anjos Malditos”.
Marcos – Houve algum filme que inspirou vocês a formarem uma galera?
Cláudia – “Selvagens da Noite”.
Marcos – Warriors, né?
Cláudia – Aham.
Marcos – Vocês brigavam com alguma outra galera?
Cláudia – Só com a “Anjos Malditos”.
Marcos – Só com a “Anjos Malditos”.
Marcos – Essa galera, “Anjos Malditos”, era de qual, ou de quais bairros?
Cláudia – É, Glória, Santo Antônio, é, Vila da Prata, São Raimundo era dividido,
Compensa dividida, Compensa I, II; Alvorada I, II, aí era dividida. A I e II era a
“Anjos”, dependendo, assim, entendeu? Mas todos se conheciam, era incrível. Quando
um via o outro já sabia que... Pelos símbolos que usavam no chapéu, né? Hang Loose
sabia que era o pessoal da “Selvagem”, né? E o que tinha uma mãozinha assim [e faz o
símbolo com a mão], sabiam que ra o pessoal da “Anjos”. Então, eles andavam com
esses bonés já pra se identificar, quem era quem.
Marcos – A mãozinha, assim, era Hang Loose? [E tento fazer o gesto com a mão].
Cláudia – Hang Loose era a “Selvagem”. Você sabia que, né? Então todos tinham, tanto
no blusão, como no boné, assim, essa identificação. E os “Anjos Malditos” eram assim
[e faz o símbolo com as mãos], ou duas asinhas, como se fosse uma asa de um anjo.
Marcos – Entendi.
Marcos – Por que as galeras brigavam?
Cláudia – Olha. Eu acho que era porque... Querer mesmo, assim, fazer parte de um
grupo. Surgiu esses dois grupos e você... Era tão falado, sabe? Pra você entrar, você era
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respeitada, sabe? Tinha um respeito. Você chegava em qualquer bairro “ah, é da
„Selvagem‟”, tinha aquele, num é? Aquela consideração, aquele respeito, ninguém te
tocava. Então, todos queriam fazer parte. Pra quando chegasse dentro do Bancrévea, ser
respeitada, né? Ser considerada, né? No meio dos chefões, que era difícil. Quem não era
do grupo era excluído mesmo. Então, todo mundo queria fazer parte, porque todos
andavam igual, todos dançavam iguam, sabe? Era uma coisa, assim, que naquela época,
a gente tinha vontade, mesmo, de fazer parte. Acho que toda jovem daquele tempo
queria fazer parte de uma gangue.
Marcos – Você se sentia protegida e respeitada por fazer parte de uma galera? Por quê?
Cláudia – Muito. Porque, é, eu via eles nos jornais, sério mesmo. Como, vários tipos
de, né? Posso falar? Assassino, estuprador, mas como a gente conhecia, e a nossa
situação era... A estrutura familiar em casa era a mesma deles, porque a gente saiu de
casa porque não tinha uma estrutura familiar, mas a gente tinha esse ângulo ruim, né?
Então, a partir do momento que a gente... Eu fui pra andar com esse grupo, eu me sentia
superprotegida.
Marcos – Você chegou a sair de casa?
Cláudia – Saí de casa, morei na rua.
Marcos – Com quantos anos?
Cláudia – Com 17, 16 pra 17. A minha mãe nunca soube. Ela pensava que eu
trabalhava em casa de família, e eu pra rua mesmo, morei na rua mesmo. Mas assim,
sempre, eles tiveram respeito porque a gente sempre, é, jogou limpo com eles em
termos, né? Ter respeito, que a gente tava na mesma situação que eles tavam, então,
diferente das outras meninas que, se trocavam com eles, pra ter respeito com a gente,
não. Até hoje eles têm muito respeito com a gente por causa disso. Morei na rua mesmo,
de passar foe, de comer, de correr atrás de sobrevivência. Mas assim, sempre com esse
grupo, sempre protegida por eles.
Marcos – Por que você acha que nessa época haviam tantas galeras?
Cláudia – Eu acho que era por, por querer mesmo fazer parte. Como a “Selvagem”
ficou muito famosa naquele tempo, né, e a “Anjo” também, então era, assim, você, tipo
um time de futebol, você matava e morria pela aquela gangue mesmo. Todos queriam
fazer parte. Acho que era por causa do, da fama que corria o mundo, né? Todo mundo
queria fazer parte de uma gangue.
Marcos – Você acha que haviam opções de lazer nos bairros para os jovens?
Cláudia – Não, não tinha.
370
Marcos – Você acha que haviam opções de trabalho para os jovens da cidade de
Manaus naquela época?
Cláudia – Não, não tinha.
Marcos – Você acha que os jovens do seu bairro gostavam de frequentar a escola, ou a
maioria só ia porque era obrigada pela família?
Cláudia – Era obrigada pela família.
Marcos – Todas as galeras brigavam, ou haviam galeras que não brigavam?
Cláudia – Todas brigavam.
Marcos – Como as pessoas entravam pra galera de vocês? Havia alguma regra, algum
ritual ou qualquer pessoa da vizinhança, ou que conhecia alguém do grupo, podia
entrar?
Cláudia – Não, tinha uma regra. As pessoas que queriam entrar, eram principalmente as
mulheres, né? Tinham que provar que sabiam brigar meia hora de... Ela pegava peia de
todo mundo (risos). Se ela aguentasse, ela ficava. Se não, ela não ficaria não.
Marcos – Mas essa... Essa regra, esse ritual, era feito só entre vocês, mulheres, ou os
meninos participavam, batendo em vocês também?
Cláudia – Não. Só entre as mulheres. Homens com o grupo dos homens, se fosse entrar
no grupo dos homens, e mulheres só com mulheres.
Marcos – Mas quando vocês andavam, vocês andavam mulheres e homens juntos, né?
Cláudia – Juntos. Todos juntos.
Marcos – E quando já fazia parte da galera, havia uma pressão pra que a pessoa
praticasse tudo o que os outros praticavam, incluindo as brigas, as festas, o consumo de
bebidas ou drogas, ou não havia essa pressão.
Cláudia – Não, não havia. A gente fazia porque queria mesmo fazer, mas não havia
não. E também não era só moleque, era uns homens mesmo, assim, já, de 20 anos. Não
tinha esses molecotes que tem agora. Eram homens já feitos mesmo. Em Manaus toda
conheciam eles pelos apelidos, todo mundo. E se a gente fosse pra algum bairro, né
Sheila? Todo mundo já conhecia, a gente não conhecia, mas eles sabiam quem era a
gente, já recebia a gente com festa, com presente, com ingresso na mão, dinheiro, com
almoço, era uma festa. A gente até ficava assustada, né Sheila? Quando chegava num
lugar, “aí, tá a Punk, a Guerreira aqui...” Nossa! Era a festa.
Sheila – Porque depois que nós nos separamos, nós duas, ela teve... Porque logo no
começo era eu, né? Aí ela queria entrar, né, pra galera. Ela ficava me admirando de
longe, ela e a outra... Aí ela entrou, aí depois, quando se separou, ela ficou prum lado,
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eu fiquei pro outro. Ela ficou com uma galera, e eu fiquei com a outra. Aí quando a
gente se reunia, no clube, aí se juntava todas nós, mas sempre nós duas no meio, nunca
teve briga entre nós duas. Nunca teve briga entre minha galera e a dela, entendeu? Tanto
eles [elas] me respeitavam, quanto eu respeitava elas. E é assim. A gente já vai fazer
trinta anos de amizade, e até agora nunca brigamos.
Cláudia – E naquele tempo, nós tínhamos autoridade, né? Um poder, assim, sobre elas,
num sei o por quê, mas nós tínhamos. Né? Mas a gente sempre usou pro bem isso.
Sheila – A gente não obrigava elas a brigar, a gente não obrigava elas a fazer, não. elas
só brigavam porque tavam no meio da gente, queria brigar, então vai brigar também.
Cláudia – O Raidi me proibia de entrar, eu ficava seis, sete e meia sem poder entrar. As
meninas tudo entrava, e só ficava dizendo que eu não podia entrar, eu ficava fora. Hoje
em dia ele é meu amigo, mas antes não (risos). Ele me proibia de entrar. Porque nós
éramos terríveis, brigávamos com segurança, com homem, com mulher, não tinha essa.
eu acho que é por isso que eles me respeitam até hoje, e têm consideração, né?
Sheila – Esse Gilberto aí era um. A gente brigava com um homem, tu já ouviu falar no
“Robocop”?
Marcos – Não. No filme Robocop?
Sheila – Não. No segurança?
Marcos – Ah, não.
Cláudia – Ele é até policial do Choque.
Sheila – É. Então, ele, quando era esse segurança aí, nós saía na porrada com ele, que
cada um ficava um metro, dois metro com ele, na porrada aí com ele. Eles iam pegar a
gente, pra ir botar pra fora, num tinha não...
Cláudia – uma vez, fui dar nesse Gilberto aí e o outro, eles rasgaram a minha blusa. Eu
brigando mesmo, na porrada mesmo com ele, né? Aí tinha um degrau no Cheik, né? Eu
esqueci, eu caí, né? Nisso que eu caí, ele puxa minha blusa e rasga, entendeu? Minha
blusa, eu fiquei só de sutiã. Eu disse: “você vai pagar minha blusa agora”. Aí, num si
quem me deu uma blusa lá dos meninos, né? Aí lá vem o seu Elias, o chefe da
segurança. Ele não me suportava. “Punk, eu vou pagar sua blusa, você vai ficar oito
meses sem entrar”. Eu digo: “tá bom, tá bom, me devolva a blusa que eu quero entrar de
novo no Bancrévea, no Cheik”. Toda vez que eu brigava eu era proibida de entrar.
Porque num era briguinha, era briga, assim, de acabar isso aqui tudinho, a festa todinha
acabava. Porque atrás de nós vinha outros e outros, e acabavam. O Raidi pirava com a
gente. Hoje em dia não. hoje em dia ele tá mais light com a gente.
372
Marcos – E me diz uma coisa: como foi que você conseguiu esse apelido, “Punk”?
Cláudia – Eles me deram. Acho que era porque, na época, o meu cabelo era todo
arrepiadinho. E me deram esse apelido.
Marcos – Nos jornais do anos de 1990 que eu estou pesquisando, já li notícias de que
algumas galeras ou alguns galerosos chegavam a assaltar, às vezes, as pessoas que
passavam na rua, que voltavam dos cinemas e das discotecas. E essas pessoas não eram,
na maioria das vezes, de galera. Alguma vez a sua galera chegou a fazer isso?
Cláudia – Não, não, nunca não. Nosso tema, mesmo, era focar em briga, mesmo, em
brigar, em marcar encontro, ir pra Ponta Negra, reuniões mesmo, era tudo muito bem
organizado. Tinha nossas reuniões, tinha é, toda sexta-feira a gente ia, à noite, pra Ponta
Negra, passava a noite lá, fazendo peixa asssado, né? Bebendo, de manhã nós vinha pra
casa, mas não tinha esse negócio não. Roubar não. Alguns faziam, e pegavam a fama,
né?
Marcos – Você conseguia perceber, naquela época, que as pessoas que não eram de
galera tinham medo das que eram?
Cláudia – Com certeza sim. E muito (risos)
Marcos – E como você se sentia com relação a isso?
Cláudia – Me sentia muito poderosa (risso).
Marcos – Alguma pessoa da galera de vocês chegou a morrer vítima de uma briga?
Cláudia – Já, várias. Não mulheres. Homens, né? Dos homens vários.
Marcos – Vários!
Marcos – Alguém da galera de vocês chegou a matar em uma briga?
Cláudia – Da nossa não porque a galera, ela se expandia, por todos os bairros. Então,
com certeza houve sim, e muito.
Marcos – Alguém chegou a ser preso por causa da galera?
Cláudia – Eu (risos).
Sheila – Eu (risos).
Cláudia – Todas nós. Nós fomos expulsas da Alvorada, do bairro Alvorada, porque o
policial não aguentava mais, prendia a gente toda semana. Era o “Muca” o policial.
Lembra do “Muca”, né? [Pergunta pra Sheila]. Esse “Muca”, ele não aguentava mais
prender a gente toda semana. Aí ele expulsou, né? Lá do Alvorada.
Marcos – Quantos anos vocês tinham na época?
Sheila – Eu tava com 19.
Cláudia – Era. 17, 18, era de menor. E eu sempre dava meu nome errado pra ele. “É
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Cláudia Regina dos Santos” (risos). Eu não tinha documento, na época. Aí chegou um
tempo que ele expulsou mesmo, e falou... Ee era matador mesmo, ele matava as pessoas
lá, quando ele tava de plantão, num tinha um malandro na rua, a gente num sabia.
Sheila – Só num fez nada comigo porque eu tenho parente na polícia, entendeu?
Cláudia – Aí ele falou: “se vocês não sumirem, eu...”
Sheila – “Vou matar vocês”.
Cláudia – E ainda quebro a perna das outras. É a palavra de vocês contra a minha.
Quem é que vai provar, né? Falo que foi legítima defesa, né? E expulsou mesmo.
Marcos – E vocês não voltaram mais?
Cláudia – Ele fazia... A rua era aqui, né? Ele fazia nós pularmos, é, várias casas pra
chegar na outra rua. Me amarrava, sabe? Aí, uma vez, eu falei pra ele: “Muca...” Ele
dava palmatória, né? “Fala. Nunca mais vou andar com vagabundo”. Eu falei: “Muca,
eu tenho medo do senhor, me dá só uma palmatória”. Ele disse: “só porque tu quer me
queixar, eu vou lhe dar quatro”. E eu apanhei mais do que os outros, porque eu fui falar
pra ele não me bater, porque eu tinha medo dele. Eu apanhei muito dele assim.
Marcos – Foi só uma vez que isso aconteceu, ou várias?
Cláudia – Várias.
Marcos – E tu voltou, depois, pro bairro, ou não voltou mais?
Cláudia – Noa. Mas eu fui presa por ele, por outras, outras vezes também, mas não
nesse bairro. Nesse bairro eu nunca mais voltei.
Marcos – Foi presa também por causa da galera, outras vezes?
Cláudia – Aham.
Marcos – A prisão, a morte ou uma briga muito violenta interferiu, alguma vez, nos
membros da galera ao ponto de acabar com o grupo ou diminuir sua força?
Cláudia – Sim. Quando mataram o líder geral, né? Começou a matança mesmo de
morrer vários membros, de a polícia chegar é, matar mesmo. Mataram nosso líder, que
era o Nego Celso, que ele era muito querido por todos nós. Depois mataram o líder da
outra galera, que era o “Gavião”, que era o chefe da “Anjo”. Mataram ele alí na Praça
da Polícia. A Praça da Polícia era do pessoal da “Anjo”. A Praça da Matriz era nossa,
né? Então, a gente amanhecia alí e... E mataram ele lá, e depois mataram o Nego Celso,
mataram vários outros colegas nosso. Aí foi quando eu tive que viajar também, porque
invadiram a minha casa, que eles iam pegar minha mãe, aí ameaçaram jogar meu corpo
no varradouro, com minha mãe... E ela fazia, a “Pantera”. Na época, ela matava mesmo.
Aí foi na época que já foi acabando mesmo. Já foi, em 94, né Sheila? Por aí. 90, né, que
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o Nego Celso morreu?
Sheila – 90, 91 o Nego Celso faleceu, aí foi quando começou a, agitar mesmo a galera,
né? Aí...
Cláudia – É, aí foi quando começou a tremer mesmo, aí foi quando foi morrendo a
galera.
Marcos – Você conheceu alguém da galera que tenha sido internado em um hospício
pelos pais ou pela justiça, após ter sido considerado louco?
Cláudia – Não.
Marcos – Você conheceu alguém que saiu da galera porque se converteu a alguma
religião?
Cláudia – Sim.
Marcos – Uma ou várias?
Cláudia – Várias.
Marcos – Você conheceu alguém que saiu da galera porque brigou com os outros
membros da galera?
Cláudia – Sim. Quando traía o grupo, se você conversava com outro grupo que não
fosse o seu grupo, e alguém soubesse, você era afastada por um ano.
Marcos – Neste caso, alguém quis se vingar, ou apenas cada um seguiu seu caminho?
Cláudia – Cada um seguiu seu caminho.
Marcos – Você conheceu alguém que saiu porque passou a estudar e não quis mais
andar com a turma por isso?
Cláudia – Com certeza.
Marcos – Uma pessoa só ou várias?
Cláudia – Várias. Hoje em dia saoformadas, tão, uma é enfermeira-chefe lá na
Brastemp, a outra é, aqui no Braga, ela estuda, ela é chefa do encarregado dos
mecânicos. Teve várias que tão bem, e eu tô feliz por elas.
Marcos – Você ainda tem contato com elas, assim?
Cláudia – Tenho, com todas elas.
Marcos – Você conheceu alguém que saiu da galera porque entrou em outra?
Cláudia – Aham (risos). Conheci.
Marcos – Essa aqui você já respondeu, né? Sair da galera era considerado uma traição?
Cláudia – Aham. Muita. Deus me livre.
Marcos – Você conheceu alguém que saiu porque entrou para o Exército, ou porque se
tornou maior de idade?
375
Cláudia – Não. Entrava pro Exército, mas continuava na galera.
Marcos – O que unia os membros de uma galera?
Cláudia – Era o nosso respeito um pelo outro, a nossa compreensão. Se um comia um
pão, era dividido com todos, entendeu? Se tu não comia, todo mundo corria atrás pra ti
comer também. Então, nós era muito unido. Pra quem olhava de fora num era assim.
Mas não, entre nós mesmo, éramos muito unidos. Tinha aquela irmandade mesmo que,
hoje em dia, não tem, né? Você tinha como irmãos mesmo, sabe? Se ela não tinha uma
roupa você reunia, dava aquela roupa, tudo. “Eu vou almoçar, tu não tem”, tu não comia
sozinha, dividia contigo, então era assim.
Sheila – Às vezes num tinha nem sapato, o pessoal era que comprava pra nós, né?
(Risos).
Cláudia – É. Pagava aluguel, era assim. Eu pagava o meu aluguel... Posso falar?
Marcos – Claro.
Cláudia – Eu chegava pras meninas: “olha: chegou o final do mês. Fala pra todo mundo
que, é, pede dinheiro e diz que é pra pagar meu ingresso”. Chegando sábado e domingo
“ah, a Punk tá sem ingresso”, aí davam. Eu te juro, meu sapato ficava cheio de dinheiro
e eu pagava meu aluguel só de entrada, como se fosse pra pagar a minha entrada. Eu
pagava meu aluguel. Morava eu e umas vinte, trinta meninas só num quarto.
Marcos – Tudo da galera?
Cláudia – Tudo. Teve uma época que nós todas fomos morar juntas alí no Alvorada. E
num era só nos, a galera toda ia pra lá. Então, era meio complicado, assim, os vizinhos
já ficavam meio assustados...
Sheila – Num era nem por causa da gente. Era porque aquela casa já era tipo... A casa
que nós fomos morar, nós não sabíamos, era um ponto de venda de drogas, já era visada
aquela casa. Então, o cara já tinha sido preso. Então ficou, quando eu fui morar lá ficou
mal visto, entendeu? Aí com mais aquele monte de gente, aí pronto.
Marcos – Ah, e outra coisa que eu queria te perguntar. Você era a única, assim, da
galera, que um tempo foi moradora de rua, ou haviam outros que também eram
moradores de rua?
Cláudia – Não. Nós éramos um grupo que morávamos na rua mesmo. Mas, assim, rua
é, é, aqui na 24 de Maio, perto da Spectron, tinha uma garagem na descida da
Epaminondas alí, num tem? E lá os camelôs guardavam suas coisas. Então, fomos pralí.
Não tínhamos pra onde ir, né? Aí fomos morar alí. Só que assim. Só entrava quem era
considerado e respeitado. Agora assim, a gente tinha referência das outras porque a
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gente andava limpinha. Ninguém dizia que a gente morava na rua pelo fato da gente
sempre andar limpinha, né? E as meninas que andavam com a gente eram muito bonitas.
Então, ninguém dizia que a gente morava na rua, porque tinha o respeito, assim, né? De,
num eram todas... Então, do meu grupo moravam lá, o chefe também. Mas assim, nós
andava limpinha, num andava maltrapilha, né? Mas a gente morou sim na rua. Chegar
ao ponto de, aqueles carrinho de kikão, dormir três embaixo, três em cima. Chovia, aí
cobria na lona, revezava. Dorme três embaixo e três em cima, e assim ia.
Marcos – Aonde é exatamente esse lugar que vocês...?
Cláudia – Aqui ó. Num tem a Spectron?
Marcos – Sei.
Cláudia – Então. Subindo, né? Aí tem a Epaminondas, a Epaminondas descendo a
Spectron, né? Tu descendo, tem uma loja de roupa do lado, agora é uma casa, uma
garagem lá que fizeram, grandona. Esse moradr deixou a gente puxar uma luz, né? Um
gato lá da casa dele, e botava um radinho lá... Aí uma vez, chegou o natal, a gente não
tinha como fazer nossa ceia, né? Aí fomos lá no Rêmulo. O rapaz falou: “se vocês
fizerem uma faxina aqui, a gente dá uns vinho, dá um peru, dá um arroz...” A gente
falou: “tá bom”. fomos fazer a faxina lá na Rêmulo, aí ganhamo peru, ganhamo arroz,
farofa, aí os meninos foram atrás de isopor, aí nisso, a cavalaria veio, né? Tinha
cavalaria naquele tempo. “O quê que vocês tão fazendo aqui?” “Ah, a gente num tem
onde morar, a gente tá aqui, mas não tá mexendo com ninguém.” “Tem bebida aí?”
Sentaram, beberam, beberam com a gente, depois foram embora (risos). A própria
cavalaria, que eram os policiais. E alí a gente morou por muitos anos.
Marcos – Que festinha foi essa que vocês fizeram no Rêmulo‟s?
Cláudia – Não, faxina.
Marcos – Ah, eu entendi festinha.
Cláudia – Pra ganhar a ceia de natal.
Marcos – Ah sim.
Marcos – Essa daqui num precisa fazer pra vocês, né? Vocês já responderam. Haviam
mulheres que andavam com galeras, ou que eram galerosas?
Cláudia – Muitas.
Marcos – Elas brigavam?
Marcos – Também vocês já responderam.
Marcos – Havia alguma música que a galera usava como se fosse um hino próprio da
galera, ou do bairro da galera?
377
Cláudia – “Selva vai viver, e Anjo vai morrer” (risos). Era uma música de Flash Back, e
eles respondiam pra gente assim, e nós respondia pra eles da mesma forma.
Marcos – Como é? Canta aí de novo?
Cláudia – “Selva vai viver, e Anjo vai morrer”, e eles respondia: “Selva vai morrer, e
Anjo vai viver”. É uma múisca que tem que, tu cantando, parece que tá falando essa
mesma...
Marcos – Eu sei. Qual era essa música? Tu se lembra dessa música Sheila?
Sheila – Eu tenho o hino...
Marcos – É “Mr. Vain”? É “Mr. Vain” essa música? “Call him Mr. Raider, call him Mr.
Wrong, call him Mr. Vain, Vain…” [Canto um trecho da música “Mr. Vain”, do Culture
Beat].
Cláudia e Sheila – É, é essa mesmo.
Marcos – Ah, eu conheço.
Cláudia – E dentro do Bancrévea havia uma divisão aqui ó. “Anjo” lá, “Selvagem”
aqui. Então, esse lado daqui ficava vago mesmo, né?
Sheila – Vago.
Cláudia – Só os segurança no meio, assim. Era uma divisão mesmo, né? E o clube todo
dançando igual, todo mundo se vestindo... Era muita emoção, assim. Até nós, né? Por
isso que tudo era muito legal, né? Cada música tinha um passo, né? Vinha a moda do
tênis Reebok, todo mundo tinha que ter Reebok. Vinha a moda do blusão Yes, todo
mundo tinha que ter o blusão Yes, né? Então, o clube todo, acho que o que marcou mais
a galera, acho, era isso. A forma de você se vestir, de você passar a semana todinha
treinando, não só brigar, né? Pra fazer passo de música, pra poder chegar no sábado e
fazer...
Marcos – Você acha que essas músicas ajudavam a criar um clima d disputa entre as
galeras, ao ponto de levá-las a brigar?
Cláudia – Com certeza. O intuito era esse.
Marcos – Você acha que os espaço dentro das danceterias e dentro da própria cidade,
era dividido pelos membros de galera?
Cláudia – Com certeza.
Marcos – Para a galera de vocês, qual era a galera mais temida da cidade? Por quê?
Cláudia - A “Selvagem”. Porque o [...] dela é o mais forte, e não dava chance mesmo
pras outras. Mas a “Anjos” também era muito respeitada. Mas a “Selvagem” era mais.
Marcos – Essa aqui não precisa nem perguntar. Qual galera era considerada a maior
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inimiga de vocês?
Cláudia – Era a “Anjos Malditos”.
Marcos – Você acha que a pouca ligação do jovem com a família, com a escola, ou com
outros grupos contribuía para que esse jovem fosse buscar respeito, admiração, abrigo e
um sentido pra vida dentro do grupo de amigos e galerosos da rua?
Cláudia – Com toda certeza.
Marcos – Você gostava de ser de galera? Por quê?
Cláudia – Porque eu tinha na galera o que eu não tinha em casa. Carinho, admiração,
cuidado, né? E na minha casa eu não tinha isso. Eu me sentia melhor na rua do que em
casa.
Marcos – Você morava só com a sua mãe?
Cláudia – Minha mãe e meus irmãos. Só que é... Era diferenciado o tratamento deles
comigo, né. Ela tratava eles melhor do que eu. Então, na rua eu achei um acolhimento
melhor do que em casa.
Marcos – Você acha que escolheu, de livre e espontânea vontade, ser de galera? Ou
você acha que foi levada a isso por não gostar de estudar, por não ter atenção da família,
por falta de emprego ou por falta de ter o que fazer em seu bairro?
Cláudia – Não. Eu era louca pra conhecer os membros da galera “Selvagem”, eles eram
muito falados. Eu estudava no CESC na época, e onde eu ia falavam muito, eu era louca
pra conhecer. Quando eu conheci, ei fiquei fascinada pelo que eles faziam, pela dança
deles, pelo grupo e a organização que eles tinham. E eu entrei de livre e espontânea
vontade.
Marcos – Ah, sim, eu ia me esquecendo. Porque não tem aqui. Vocês tinham alum
símbolo que vocês usavam pra pixar? Vocês pixavam?
Cláudia – Hang Loose.
Marcos – Mas vocês pixavam isso pelas paredes?
Cláudia – É, alguns sim, mas não era... Era raro, alguns faziam, mas não todos.
Marcos – A experiência de ter sido de galera te trouxe algum benefício? Por quê?
Cláudia – Numa parte sim. Eu aprendi muito, né? Não me arrependo mas, assim, é,
tudo que eu passei serviu de lição pra hoje, pros meus filhos, pra mim mesma, né? Não
me arrependo não, porque lá dentro eu tive respeito. Até hoje, né? Serviu de lição. Foi
uma escola pra mim, aprendi muito mesmo. Aprendi a lidar com vários tipo de cabeça,
vários tipos de pessoas, hoje em dia eu respeito cada pessoa, cada, cada opinião de cada
um, eu não julgo ninguém. Quem sou eu pra julgar. Mas, assim, serviu de lição pra mim
379
não errar com meus filhos, como minha mãe errou comigo, né? Hoje em dia eu tenho
uma filha que faz faculdade de Psicologia, tenho filhos bons, que estudam. São
totalmente diferentes do que eu fui. Né? Tento passar uma estrutura familiar na minha
casa, coisa que eu não tive com a minha família, né?
Marcos – Você ainda tem contato com algum de seus antigos colegas de galera?
Cláudia – Vários. Até hoje eu não perdi contato com nenhum, eu acho. A gente se
comunica muito, todos eles estão casados, todos mudaram de vida, uns são professores
de capoeira, outros trabalham no Distrito, outros têm padarias, outros têm fábricas. E a
gente se comunica muito, e a gente lembra, só faz rir muito do que a gente fez, mas hoje
em dia todos estão bem, graças a Deus.
Marcos – Vocês ainda se reúnem pra conversar e sair?
Cláudia – Não todo o grupo, mas a maioria sim. Natal vamos lá pra casa, sabe, algum
domingo aparece com a família, pra lá pra casa. Sempre tão em contato comigo, num
perderam esse contato não. É uma amizade de mais de 27 anos, é uma coisa muito
gostosa. É como se fosse família mesmo, que eu não tenho família aqui, então a gente
adotou como família.
Marcos – Você não tem família aqui?
Cláudia – Não. Minha família toda é do Rio. É... Minha mãe veio com meu pai pra cá,
em 82, pra trabalhar na FUNAI, né? Aí meu vai veio a falecer agora, em 2001, a minha
mãe voltou, só ficou eu e um irmão meu aqui. Mas eu tenho família aqui, né? Tive
marido, tive filho. Eu fiquei por aqui.
Marcos – E sua mãe? Foi embora?
Cláudia – Foi pro Rio de Janeiro.
Marcos – Você acha que as galeras acabaram? Por quê?
Cláudia – Devido à pressão naquele tempo dos... De extermínio mesmo, exterminador
mesmo, exterminaram mesmo. Tinha um exterminador que o pessoal... Posso falar?
Marcos – Se você quiser.
Cláudia – Ele já faleceu, o secretário. É o Klinger Costa. Ele determinou que ia acabar
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Transcrição da entrevista oral feita com Maicon Costa, em 22/11/2014, com o auxílio de
um gravador de voz, para obtenção de informações sobre as galeras e sobre os galerosos
que existiram em Manaus nos anos 1980 e 1990. Esta transcrição faz parte de uma
pesquisa feita para o curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Amazonas.
Marcos – Ok. Aqui é Marcos Roberto falando, no momento da entrevista que ele vai
começar a fazer com um rapaz chamado Maicon Costa, que andou com jovens de galera
nos anos 80 e 90. Hoje é dia 22 de novembro de 2014.
Marcos – Bem. Maicon, com quantos anos você começou a andar com galeras? E com
quantos anos deixou de andar?
Maicon – Eu comecei a andar com a galera mesmo, foi em 1986. Eu tinha 16 anos de
idade, né? E me afastei, diretamente, quando interei meus 20 anos.
Marcos – Qual era o nome da galera?
Maicon – Galera “Selvagem”.
Marcos – Você tinha algum apelido?
Maicon – “Neguinho do Break”.
Marcos – Quem era o chefe, o líder?
Maicon – Líder? Foi um dos meus grandes amigos. Nego Celso.
Marcos – Quais eram os locais onde a galera se reunia.
Maicon – O ponto de encontro era, o principal: Praça da Matriz e de lá nós nos
dirigíamos direto para o Cheik e para o Bancrévea Clube.
Marcos – O que a galera costumava fazer?
Maicon – A tendência principal era brigar. A tendência principal era essa, né? Mas o
ponto de encontro era pra bater papo, maquiar o que nós íamos fazer, entendeu? O quê
que cada um ia fazer, o quê nós íamos preparar pra enfrentar a outra gangue, a outra
galera.
381
Marcos – Houve algum filme que inspirou vocês a formarem uma galera?
Maicon – Sim, sim. Filme “Selvagens da Noite”.
Marcos – Vocês brigavam com alguma outra galera? Se sim, com quais?
Maicon – Olha, a galera principal, “Anjos Malditos”. Galera “Anjos Malditos” que era
a nossa maior rival, em questão de briga, entendeu? Generalizou-se. Era as duas galeras
que tinha na época, que era a “Selvagem” e veio a “Anjos Malditos”, que era onde a
bronca pesava.
Marcos – Por que as galeras brigavam?
Maicon – Taí uma pergunta que é meio confusa. Afinal de conta, era mais pra querer
poder, sabe? Era mais pela época, pelo filme, sabe? De um querer ser melhor que o
outro, um ser... mandar mais que o outro. Quem mandava no local era a “Selvagem”. E
os “Anjos” também se achavam que eram donos, mas sempre dava “Selvagem”.
Marcos – Ah, me diz uma coisa. É... fugindo um pouco aqui das questões. Quando eu
entrevistei a Punk, ela falou que vocês pegaram o nome “Selvagem”, pra colocar o
nome da galera “Selvagem”, do filme “Selvagens da Noite”. Mas ela disse que o pessoal
do “Anjos” pegou esse nome, “Anjos Malditos”, de um filme também. Um filme de
terror, num sei, ela falou lá. Ela não soube falar muito bem, na verdade, ela só falou que
tinha um filme com esse nome, aí o pessoal pegou desse filme. Sabe alguma coisa a
respeito?
Maicon – Bem, bem, sobre, sobre os “Anjos”, entendeu, realmente, tinha o filme
“Anjos Malditos”, mas isso veio muito depois que surgiu os “Anjos”. Pelo que eu saiba,
o nome “Anjos Malditos” surgiu de uma música. De uma música que tocava no... dentro
da discoteca, no Bancrévea Clube, “New Are Angel”, entendeu?
Marcos – Repete aí!
Maicon – “New Are Angel”. Angel, anjo, entendeu? E o significado principal eu não
sei, só que eles começaram a cantar Anjos em cima dessa música. Foi da onde realmente
surgiu. E depois veio o filme, entendeu, Anjos Malditos? A galera surgiu antes, surgiu
antes, né, que virou “Anjos Malditos”.
Marcos – Qual era o grupo [grupo musical] que cantava essa música? Você se lembra?
Maicon – Olha, sinceramente, eu não lembro agora no momento, mas eu tenho a
música. Eu tenho essa música...
Marcos – Então depois tu me passa, ok?
Maicon – Com certeza.
Marcos – Você se sentia protegido e respeitado por fazer parte da galera? Por quê?
382
Maicon – Bem, logo no início não. Assim que eu entrei, não. Fui obrigado a brigar na
galera pra poder entrar, fazer parte né, da galera, eu tive que brigar com o líder.
Inclusive levei pau, apanhei dos principais, inclusive que hoje é professor de capoeira, e
ele já lutava capoeira na época. Entendeu? E eu entrei, não me sentia protegido. Eu fui
pra me sentir protegido, mas logo no início, durante o primeiro ano, sabe? Eu me sentia
totalmente, um cara com medo, com medo mesmo, de a qualquer momento sabe, ser
assassinado, lavar um... Ser aleijado, coisa parecida, mas logo depois eu comecei a criar
proteção e criei uma identidade muito forte com os líderes do grupo. Inclusive que eu
ensinei eles a dançar break, que foi aquela troca pra poder-me ser um cara colocado, de
alto respeito no grupo.
Marcos – Entendi.
Marcos – Por que você acha que nessa época havia tantas galeras?
Maicon – Bem, eu acho, no meu entender, porque era o momento da época. O ponto
principal, na época, em Manaus, era as discotecas. Essas músicas que hoje nós
chamamos de flashback, naquela época era a música da década, era a nossa época de
atualidade. Então tocava nas rádios, onde você ia tava tocando essas músicas, então tudo
era... Nós tínhamos... O ponto principal no centro da cidade era o Bancrévea Clube e o
Cheik Clube. E o ponto lá era esse, porque na época, a discoteca tava no auge. E como
os jovens, os jovens se encontravam lá, o point era ali, não tinha outro lugar pra ir, no
bairro não tinha. Só era Centro. E lá se reunia e era daquele jeito mano, viu? Ou ia pra
bronca ou apanhava.
Marcos – Você acha que havia opções de lazer nos bairros para os jovens?
Maicon – Olha, as opções eram escassas. As opções eram escassas. Nós não tínhamos
celular, não tínhamos computador, não tínhamos nada disso aí. Então, era brincar de
patinete, entendeu? Soltar papagaio, soltar papagaio...
Marcos – Bolinha de gude!
Maicon – Bolinha de gude, peão, era o que a gente tinha na época, entendeu, e o ponto
principal, como todo mundo era jovem, a maioria, hoje, que nós somos pais, éramos
jovens na época, e era muita gente, entendeu? Então, todo lugar sê tinha aqueles quinze,
vinte jovens, entendeu, de cada bairro. Então era aquilo, quando se juntava num tinha
jeito, virou moda. Cada bairro queria ter sua galera. Cada bairro queria ter seu território.
Virou moda, moda, toda Manaus criou isso. Virou uma moda tão grande. E o ponto
principal: algumas zonas eram “Selvagem”, e algumas zonas eram “Anjos Malditos”. E
quando chegava no Centro, era obrigatório se juntar, pra ser um grupo só, que era o
383
grupo principal. Mas em cada bairro virou moda, virar galera. Onde tinha quinze jovens,
tinha uma galera, num tinha jeito.
Marcos – Você acha que haviam opções de trabalho para os jovens da cidade de
Manaus daquela época?
Maicon – Tinha, tinha, tinha muita opção de trabalho, muito mais que hoje. Muita
mesmo. Só que naquela época, como a maioria era jovem, os pais trabalhavam. Sabe,
era muito mais fácil você ter as coisas, dificilmente de hoje. Por exemplo: muitos não
tinham mesmo mas... Também começou a vim muita coisa pirata, como a Yes Brasil, a
Pier, que era as roupas da moda, a Kaiká, que era as roupas pros ricos, não tinha, mas
tinha outras opções. O pessoal, entendeu, que tinha menos poder aquisitivo, entendeu,
conseguia as coisas também. Os pais davam. Então, qualquer coisa que você vendia,
fazia lucros. E a turma se juntava ali e tinha uns que não conseguia, ia roubar. Mas
também tinha muito trabalhador que era da galera. Muito cara que trabalhava no
Distrito, trabalhava no centro, que eram galeroso. Trabalhava em sapataria. Muitos
foram expulsos de seus trabalhos porque, quando foram descobertos que eram da galera,
por medo, eram mandado embora. Mas, a maioria trabalhava. E alguns trabalham, eram
poucos que sabiam, que trabalhava pro tráfico, outros era roubo mesmo, roubavam
mesmo, mas era uma coisa muito fechada. A gente pouco sabia disso. O que era muito
auge era saber que era da galera, mas os roubos mesmo, dificilmente você sabia que
alguém da galera... Roubavam cordão, que era o principal, roubavam cordão. A famosa
bater carteira, era o que acontecia.
Marcos – O “pedágio”, vocês chegavam a cobrar pedágio, assim, de alguém?
Maicon – Chegava, chegava, acontecia muito.
Marcos – Na frente das discotecas...
Maicon – Na frente, é, nas paradas de ônibus, sabe? Nas paradas do próprio bairro, pra
saírem do bairro, pro cara entrar e sair, você num é do bairro, você tinha que pagar um
pedágio, ou então tu apanhava.
Marcos – E o que era feito com esse dinheiro? Vocês compravam bebida, o que era
feito?
Maicon – É... A maioria era bebida, ou então era cola. Muitos era cola, que compravam
pra cheirar. O point era cheirar cola, e o loló. E o loló. O negócio era esse, era se juntar,
e também era muita cachaça. A famosa Tatuzinho, a Caninha da Roça, que era que a
turma comprava. Mas todo lugar, toda galera tinha envolvido cola ou loló no meio.
Quando não tinha os mais noiado cheirava tiner puro.
384
Marcos – Você acha que os jovens do seu bairro gostavam de frequentar a escola, ou a
maioria só ia porque era obrigada pela família?
Maicon – A maioria ia porque era obrigado. A maioria ia por obrigação.
Marcos – Todas as galeras brigavam, ou haviam algumas que não brigavam?
Maicon – Não, todas brigavam, todas brigavam. Não tinha como não. Todas brigavam
porque era aquilo. Se você fosse pro Centro, você era obrigado. Ou você dava uma de
homem e brigava, ou você apanhava. Entendeu? Mas era obrigatório, se fosse pro
Centro era obrigado brigar.
Marcos – Como as pessoas entravam pra galera de vocês? Havia alguma regra, algum
ritual, ou qualquer pessoa da vizinhança, ou que conhecia alguém do grupo podia
entrar?
Maicon – Bem! Era igual assistir Cidade de Deus hoje. O cara chegava e dizia: olha, eu
quero entrar. Que eu tenho vontade, eu me amarro”. “Eu quero entrar na „Selvagem‟, eu
quero entrar no „Anjos‟, porque alguém da „Anjos‟ me bateu, alguém da „Selvagem‟ me
bateu”. E era isso. Mas pra falar a verdade, havia... Eles sondavam se o cara realmente
ia entrar ali. Se ele num veio da galera, ou se ele tava ali pra ser algum X-9, como
dizem, um X-9, um cagoeta, porque na época era cagoeta. Cagoeta, né? E, pra entrar, ou
ele já tinha que ser respaldado, pelos chefões lá, pelos líderes da galera. Se não fosse
respaldado ele tinha que entrar e brigar com o líder do grupo, ou então o líder escolhia
alguém pra brigar com essa pessoa que ia entrar.
Marcos – Pra provar que aguentava porrada, né? Pelo menos bom de briga, assim, um
pouco?
Marcos – E quando já fazia parte da galera. Havia alguma pressão para que a pessoa
praticasse tudo o que os outros praticavam, incluindo as brigas, as festas, o consumo de
bebidas ou drogas, ou não havia essa pressão?
Maicon – Olha, pra ti falar a verdade. Nem precisava. Já... A pessoa já se entusiasmava
em tá junto. Já virou um vício, virou um vício, você queria tá junto da turma. Tanto que,
praticamente, nós távamos juntos quase todos os dias. Final de semana, sábado,
Bancrévea. Domingo na Ponta Negra. À noite, de novo: discoteca mais uma vez. Na
segunda ia todo mundo pra Praça da Matriz. Virou um vício. Se um fizesse, todo mundo
ia no bolo. Criou um vício. Todo mundo queria fazer o que o líder fazia. Todo mundo
queria se espelhar no líder principal. Naquela época, pra gente, eles pareciam super-
heróis. A polícia chegava eles corriam de bala, os cara atirava não pegava. Diziam que
tinham corpo fechado. E pra gente aquilo chega brilhava nos olhos, a gente via brilhar
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nos olhos de alguns, sabe, idolatria, idolatria mesmo, dizer: “eu quero ser igual esse
cara”. O cara era bom de briga, o cara só andava com mais de quatro mulheres e
meninas bonitas. Sabe? Tinha um papo interessante, um papo assim, fora do comum,
sabe, um papo que você queria ter. Então, praticamente era idolatria, idolatria mesmo.
Marcos – Nos jornais de 1990 que estou pesquisando, já li notícias de algumas galeras
ou alguns galerosos chegavam a assaltar, às vezes, as pessoas que passavam na rua, que
voltavam dos cinemas e discotecas. E essas pessoas não eram, na maioria das vezes, de
galera. Alguma vez a sua galera chegou a fazer isso?
Maicon – Várias vezes, isso procede. Várias vezes isso aconteceu. Varias vezes mesmo.
Sabe. Era, era... Quando vinha num tinha jeito. Ainda mais quando era os mauricinho.
Marcos – Eles vinham com os tênis da moda né, com as roupas da moda que, às vezes,
vocês não conseguiam comprar e tomavam mesmo.
Maicon – É justamente. Sabe era... Se bem que a gente fala assim, eu. Sabe? Sabia que
era uma coisa errada, mas tava no meio. E aí, nós tínhamos raiva dos mauricinhos,
como hoje falam que é os playboy, na época era os mauricinho. Eles tacavam o cacete
na gente [...] se pegassem a gente também, eles batiam na gente. Se eles pegassem o
galeroso, coitado da gente também. Eles davam de taco de baseball, e a gente não tinha
taco de baseball, eles tinham. Nós não tínhamos soco inglês, eles tinham. Porque eles
tinham poder aquisitivo pra conseguir. A mãe... Muitos deles eram filhos de policiais.
Sabe? Soco inglês. Davam de taco de baseball. Se eles pegassem a gente, coitados. Não
tinham piedade. E havia esse troco! E havia esse troco. Não só dizendo... A gente fazia
muito mais maldade, mas eles também não ficavam por baixo não, eles também
arrepiavam se pegassem um da gente.
Marcos – Você conseguia perceber, naquela época, que as pessoas que não eram de
galera tinham medo das que eram?
Maicon – Tinha. Tinha. Tinham pavores. Pavor mesmo sabe? Existia um medo
incondicional, Manaus parou naquela época. Sabe, tinha lugares na cidade de Manaus,
como na Zona Leste, logo que iniciou a Zona Leste, ficou sitiada. Algumas invasões,
naquela época lá, ficou sitiada. Tipo, seis da tarde, cinco da tarde, você se trancava todo.
E havia... Havia, assim, já sabia que ia ter confronto. Exemplo: o São José II com o São
José III ia ter confronto. E não tinha essa, quem tivesse na rua rodava. Só em questão de
ser daquela área. Não tinha essa de, “não, vou pegar só aquele”. Não! Você era do São
José I, se fosse do São José II, tchau pra ti, não interessava quem você fosse. Se você
fosse jovem, não interessava, tu era de lá, tu apanhava. Se eu fosse, como eu sou do
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Educandos, se eu fosse pra Santa Luzia, não interessa se eu era da galera ou não, eu
apanhava. Sabe lá, eles faziam barbaridade. Então, muita gente inocente morreu por
causa disso. Muita, muita, muita gente morreu por causa disso mesmo. Não tinha
escolha, não tinha direcionamento. Era qualquer um de um bairro, se fosse pro outro,
invadisse o território do outro, ia apanhar.
Marcos – Somente os jovens, ou principalmente os jovens?
Maicon – Principalmente jovens. Principalmente. A idade era essa, era o jovem. Você
batia com a idade, passou, sê apanhava.
Marcos – E como você se sentia com relação a isso? Com relação a perceber, já naquela
época, que as pessoas tinham medo das galeras? Como você se sentia?
Maicon – Algumas vezes eu me sentia o cara. E muitas vezes, eu me sentia, assim...
Desprezado. Sabe? Desprezado. Me sentia um puro marginal mesmo. Eu me sentia um
grande marginal. Sabe? Porque até alguns familiares já não te queriam mais perto. Até
alguns familiares não te queriam mais perto. Só em questão de você andar. Mesmo
sabendo que você era uma boa pessoa, que você não praticava o que os outros
praticavam, mas você estava lá, existia tudo isso. Tudo isso.
Aí onde é que você encontrava conforto? No meio deles. Era pra onde você
corria. Porque você num encontrava conforto no meio dos mauricinhos, no meio dos
outros. Exemplo: aqui no meio do bairro, eu tenho a classe aqui, a classe do bodozal,
aonde eu faço parte, daqui pro bodozal. Tem a parte do Alto de Educandos, onde é a
classe que se acha que é mais, que é principal, entendeu? Então tinha isso. Lá eles num
davam moral pra gente.
Marcos – Como é o nome dessa parte do Educandos?
Maicon - É o Alto de Educandos.
Marcos – Alto...
Maicon – De Educandos.
Marcos – De Educandos.
Maicon – E tem a parte Baixa, que é a parte do bodozal, aonde eu faço parte. Que é essa
área aqui, que pega o bodozal do Educandos. O que eles chamam de bodó. “Pessoal do
bodó”. E esse nome a gente carrega até hoje. “Lá vem o pessoal do bodó aqui pra cima”.
Só que como a gente era maioria, eles tinham que respeitar. Mas se tivesse só um, só um
ou dois. Tinha que sair. Você já era desprezado só no olhar.
Marcos – Então tu acha que haviam galeras de mauricinhos também?
Maicon – Tinha, tinha. Num é a toa que eram os mauricinhos. Tinha, tinha sim. Tinha.
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Andavam de carro, os Chevetes da época, os Chevete. Os Opalas da época, eles
andavam com cinco, seis dentro, com os taco de baseball.
Marcos – E eles treinavam em academias, essas coisas, alguns?
Maicon – Olha, naquela época o fisiculturismo tava no auge. As academias de
musculação tavam no auge. E a maioria era isso... Só que pra gente, na época, era as
academias de bairro, de fundo de quintal. Era aquelas garrafas, aqueles peso que você
botava cimento, cimento na lata... Porque nós não tínhamos poder aquisitivo pra pagar
uma academia. E eles tinham. E eles tinham. Né? E na época também o judô e o karatê
tava muito forte, na época. E só quem fazia isso era os mauricinhos. A gente não, a
gente era porrada de rua mesmo. Tinha que ser bom! Ia pra rua brigar. E o que nos
salvava era a capoeira. Que a capoeira sempre foi do nosso lado. Era pra onde a gente
corria. Corria pra capoeira. Né? Era o que era a nossa área, era a capoeira e briga de rua.
Você aprendia a brigar na rua. Era isso que a gente idolatrava nos principais. Que eles
eram bons de briga. Sabe? E os mauricinho tinha, tinha, e eram perversos. E eram
perversos. E se falar pra você, muito pior que a gente. Porque a gente batia de mão, eles
davam de taco de baseball na gente. É... Quebravam a boca, arrancavam os dente,
arrancavam a unha, aleijavam. É por isso que houve uma revolta em matar. Se é pra
fazer, vamo fazer pior. Já que eles batem, a gente vai lá e mata. A ideia era essa.
Marcos – Alguma pessoa da galera de vocês chegou a morrer vítima de uma briga?
Maicon – Várias, várias!
Marcos – Tu se lembra de alguns nomes, assim?
Maicon – Olha, na briga mesmo. É... Finado Célio. Finado Célio.
Marcos – Ele era daqui do Educandos também?
Maicon – Não, o Célio não! O Célio era do Japiim. Era do Japiim. Finado Birco.
Finado Tino.
Marcos – Birco?
Maicon – Birco. Birco. Finado Tino. Que era da 13 de Maio, um dos grandes líderes da
13 de Maio. Também morreu num...
Marcos – “13 de Maio” era uma galera?
Maicon – Não. A 13 de Maio era na Colônia Oliveira Machado. Era a área mais temida
da área. Entendeu? Onde você não descia. Você não entrava. Até polícia pra entrar era
difícil. Na antiga 13 de Maio, na Colônia Oliveira Machado.
Marcos – E o Tino, morreu numa briga?
Maicon – Morreu numa briga. Morreu numa briga. Sabe? Coisas que você vai... Vai ver,
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era... Mas te falar uma verdade que, às vezes, é difícil de falar, mas quem mais matava
galeroso era a polícia. Quem mais matava os galerosos num era nem os outros
galerosos, era mais a polícia. [...] Todo dia, como aparecia “ah, galerosos mataram o
jovem”. Aparecia três desovados. Aparecia três desovado. Naquela época nós não
tínhamos carro pra desovar ninguém. Quem fazia aquilo era a polícia. Isso é verídico.
Marcos – Alguém da galera de vocês chegou a matar em uma briga?
Maicon – Já. Chegou.
Marcos – Quem, assim?
Maicon – Olha, por nome mesmo, pra saber quem morreu, dificilmente a gente sabia.
Porque era muita gente. Nunca tinha aquilo de uma briga de três, quatro, era sempre de
quinze, vinte, cinquenta. Aí, sempre você via tinha alguém estirado no chão. Sempre
tinha alguém estirado no chão. Ou morria de paulada. Entendeu? Ou morria de paulada.
De gogó de garrafa. Dificilmente você ouvia um tiro. Mas era terçado, era terçadada,
era... Quando não morria, saia mutilado. Saia mutilado. Mas a tendência depois que
começava... Alguém tinha que sair... Alguém tinha que ir pro além. E nessas confusões
sempre, num vou dizer que toda vez, mas de umas cinco, seis briga, sempre saia um
morto.
Marcos – Alguém chegou a ser preso por causa da galera?
Maicon – (Risos) Diversas vezes. Diversas vezes. E era aqueles trinta, vinte ia, ia
dormir no famoso xadrez, né? Na época era xadrez. Mas eu me orgulho que graças a
Deus eu nunca entrei numa cela, eu nunca fui preso. Mas fui muito pra parede, levei
muito pescoção, levei muito, levei muito tapa da polícia. Sabe? Fui muito pra parede,
levei muito pescoção. Muito murro na costela, que eles não tinham piedade não. Eles
não tinham piedade. Naquela época todo jovem pra polícia era galeroso. Todo jovem
que usava cabelo sorvetão, que tinha o famoso cabelo do Menudo, que era de
Xitãozinho e Xororó, que usava aquele estilo de cabelo, era galeroso. Não tinha jeito.
Era moda? Era. Mas pra polícia virou marca. É galeroso. E o sorvetão principalmente.
Era moda da época o cabelo sorvetão.
Marcos – A prisão, a morte ou uma briga muito violenta interferiu alguma vez nos
membros da galera ao ponto de acabar com o grupo ou diminuir sua força?
Maicon – Veio diminuir mais quando começou a vim as desovas. As desovas. Que todo
final de semana aparecia um desovado. Aí foi quando amenizou mais... Num foi nem
porque morreu, ou morria um integrante. Porque quando morria um integrante todo
mundo ia pro velório, todo mundo ia pro enterro. Lamentar e chorar entendeu? Ainda
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mais quando fazia parte da nossa turma. Mas começou a amenizar depois das desovas.
Todo final de semana aparecia um desovado.
Marcos – Isso foi o quê? 91, 92?
Maicon – Não, isso ainda chegou a ser 88, 89. Começo de 90 foi quando começou a
aparecer muito... Aí foi quando veio a morte do Nego Celso. Aí pronto! Aí foi quando
desandou de vez.
Marcos – Você conheceu alguém da galera que tenha sido internado em um hospício,
pelos pais ou pela Justiça, após ser considerado louco?
Maicon – Não, não, nesse caso eu não sei. Nesse caso eu não sei. Mas que alguns é...
Perderam mesmo a noção, de tanto cheirar, de tanto fumar... Fumar maconha, cheirar
loló, cheirar cola. Muitos realmente... Não ficaram muito bem. Sabe? Não ficaram
muito bem. Começaram a perder noção da, da sua dignidade própria e mental,
entendeu? Mas, pelo que eu saiba. Eu vi ser internado em hospício alguns que
apanharam de paulada, que perderam... Ficaram, sabe? Eu soube, eu não comprovei, eu
soube que isso aconteceu. Mas pelo que eu vi que alguns amigos, alguns que eram
membros da turma, entendeu? Começaram a perder a noção, sabe? Viraram até
mendigos, alguns viraram até mendigos. Foram morar na rua mesmo, em questão da
droga. Em questão do vício mesmo. Saíram de suas casas... Alguns até viviam bem.
Tinham uma família bem comportada, sabe? A mãe e o pai, sabe? Dignos ali do filho,
sabe? Família digna. Escolheu ir pra rua por causa da droga. Porque era muito forte a
cola, era muito fácil de conseguir.
Marcos – Eu fiz essa pergunta, sobre se algum tinha sido internado, e tal, depois de ter
sido considerado louco pela Justiça ou pelos pais, porque em umas duas ou três notícias
do jornal A Crítica né, que eu pesquisei, o jornalista que escreveu a notícia colocou lá
que os jovens de galera sofriam... Só que ele generalizou, né? Ele colocou assim: “esses
jovens”, né? “A maioria sofrem de distúrbios psicopatológicos”. Ou seja: o cara já tava
apelando né, assim, pra “vender” a notícia, né? Eu imagino, né, porque, assim: eu penso
que a maioria desses jovens não era doida. Tinha alguns, assim, que eram mais ousados,
mais malucões, mas não eram doidos, entendeu? Então é meio forçar a barra dizer que
eles sofriam de “distúrbios psicopatológicos” que nem um doente mental mesmo, que
você tem que internar, e tal. É meio que forçar a barra. Aí por isso que eu coloquei essa
pergunta aqui, né? Porque é pra confrontar a visão de vocês a respeito disso, com a
visão do jornalista, entendeu? Porque o jornalista num era galeroso, num andava com
galeroso. Então, ele queria “vender” a notícia, aí ele colocava o negócio de um modo
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sensacionalista, entendeu, assim? Na maioria das vezes, claro. É claro que, às vezes, ele
colocava coisas que realmente aconteciam, né? Como você mesmo colocou, é, que os
roubos, né, aconteciam os roubos, e tal, de pessoas que não eram de galera... Isso aí
realmente acontecia, mas... Enfim. Mas, valeu pela informação.
Marcos – Você conheceu alguém que saiu da galera porque se converteu a alguma
religião?
Maicon – Sim. Sim. Não tinha outra opção. Ou ele ia mesmo, entendeu? Eu vi vários,
sabe? Vários, e até me lembrei de uma coisa anterior quando você fez uma pergunta.
Você imaginar que eu posso te levar a gerente de banco, a professores, a técnicos de
informática que eram marginais de primeira, e hoje estão formados. Alguns até donos de
empresa, que eram caras de pegar terçado e retalhar outro. E no outro dia tá fazendo seu
1º grau. Sabe? Então, num é assim, dizer que tinha distúrbio mental. Era moda. Tudo é
serio. Hoje eu sou chefe de família, meu estilo é dança, sou professor de dança.
Formado. Dancei com Latino. Sou um dos cinco melhores DJs de Manaus. Então não
sou um louco. Era moda. Dava gosto de ser galeroso. Sério! Você entrava, dava gosto de
ser. Sabe por quê? Porque você encontrava amigos. Apesar de tudo, você encontrava
amigos que te defendiam, não ficava nenhum pra trás. Eles não te deixavam pra trás.
Entendeu?
Marcos – Você conheceu alguém que saiu da galera porque brigou com os outros
membros da galera?
Marcos – Da mesma galera, assim? Brigou com...
Maicon – É, é, eu vi sair... Não saia, levava um cacete. Entendeu? Se passava pra outra,
só se ninguém soubesse que ele já tava na outra lá. Mas se soubesse que ele tava na
outra, ele ia ser perseguido até... Até... Havia briga um entre o outro mesmo. Havia
aquelas brigas, sabe? Por causa de mulher.
Marcos – Briga interna.
Maicon – Interna. Às vezes não se batiam mesmo, havia uma briga. E quando o líder
sabia, ele mandava ir pra rixa. “Bora, entra os dois aí na roda. Vamo acabar com essa
palhaçada. Bora pode brigar os dois aí”. E as coisas... Entendeu? E as coisas... Chegava
até, realmente, um furar o outro. Isso acontecia, porque era muito jovem. Era muita
gente. E muita gente junta sabe como é que é. Às vezes quando tava cheirando cola com
o outro, se desentendiam. Jogavam um noia pro outro. Saca. Aí no fim das contas era...
Marcos – Como é que era esse jogar noia um pro outro (risos)?
Maicon – Mano, eu vou dizer pra ti. Era um lance tão louco. Tu tava com aquele saco
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na mão, aí o cara fazia bem assim (joga a mão pra frente, como se tivesse jogando um
feitiço em mim), com a mão, tipo jogando um negócio pra ti. Lá, tu pegava a noia dele...
Marcos – O “feitiço”?
Maicon – Lá tu pegava o “feitiço”, a noia dele.
Marcos – (Risos).
Maicon – E saia correndo, “eu tô pegando fogo, tô pegando fogo”. O cara jogava noia
de fogo em ti, e tu pensava que tava pegando fogo. Era um negócio totalmente fora,
sabe? Do contexto, de você dizer: “cara, eu vi isso acontecer. Eu tava lá, eu vi. De gritar.
“Ah meu Deus! Eu tô pegando fogo! Socorro, ele jogou noia em mim! Aí de repente o
outro vinha e jogava água. Pra apagar o fogo. Era uma coisa assim, totalmente fora...
Que só a cola fazia. Só a cola com o tiner fazia.
Marcos - Sair da galera era considerado uma traição?
Maicon – Era! Era! Era, era, era considerado uma traição. Era principalmente é... Se
você fosse pra outra galera. Sair da nossa pra ir pra galera rival. Aí você era
considerado...
Marcos – Você conheceu alguém que saiu da galera porque entrou para o exército, ou
porque se tornou maior de idade?
Maicon – Muitos. Conforme você ia criando consciência, criando família, achando uma
garota que gostasse de você, que te pedisse, sabe? Muitos pararam por família. Porque
arranjava uma namorada, ela pedia. Porque a moça era de família. Pra se desligar. Mas
não era assim tão fácil. Muitos se desligavam. Quando completavam maioridade,
quando iam pro exército. Sabe? Quando já criava uma mentalidade mais... Mais de
futuro, de futuro mesmo. Parava. E isso era respeitado. Isso era respeitado.
Marcos – Mas alguns continuavam mesmo já com vinte, vinte e poucos anos.
Maicon – Ahhhhh! Tinha galeroso de 40 anos.
Marcos – O Nego Celso, você falou que ele morreu com uns 28 ou 30 anos, num foi?
Maicon – É o Nego Celso morreu com seus 30 anos. 28 pra 30 anos.
Marcos – O que unia os membros de uma galera?
Maicon – De que forma? De que forma?
Marcos – Em todos os aspectos. O que unia? Era a fidelidade ao grupo, era, era essa,
essa, essa diversão, assim, até nas brigas, que muitos gostavam, de brigar, e tal? E essas
ousadias, essas aventuras que o grupo praticava? Não só as danças, mas as brigas?
Porque vocês perambulavam muito pelos bairros também, né? Perambulavam, e isso
constituía uma diversão, né? Não só uma forma de explorar o espaço da cidade, pra
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conhecer vizinhanças novas e bairros novos, mas pra provocar rivalidades pra, enfim,
paquerar meninas de bairros rivais. É... Vocês eram desafiados, dentro de seus bairros,
por moleques que vinham de fora, também, eu imagino. Então, tudo isso constituía uma
aventura pra vocês, que fazia com que vocês se unissem em torno da galera. E isso
acabava sendo um elemento, assim, de união. É nesse sentido que eu pergunto, assim. O
que unia, né?
Maicon – O que unia mesmo! A fidelidade. Existia uma irmandade mesmo. Porque
você sabia, você podia ter noção. Que não iam te abandonar. Você não ia ficar só. Isso é
uma realidade tanto que, quinta-feira, agora no feriado, teve o aniversário do marido da
nossa amiga Punk. A minha amiga Punk. E você chegar lá e reencontrar toda aquela
turma, de novo. E os abraços continuam os mesmos, as histórias, os sorrisos, o dia de
você se arrepiar em encontrar de novo aquele amigo. Ó, eu me arrepio em falar. Sabe?
Então era uma fidelidade, era uma irmandade que existia realidade, existia amor. Apesar
de tudo existia amor um pelo outro. Era o que nos unia. Saber que você tinha uma
confiança em mim e eu tinha em você. É isso que nos unia. Que nós podia fazer a coisa
certa ou errada, mas pagava todo mundo junto.
Marcos – Havia mulheres que andavam com galeras ou que eram galerosas?
Maicon – Muitas. Muitas. Muitas galerosas. Tinha grupo de galera de cinquenta
meninas. De cinquenta meninas. Sabe? Chegou a ter cem meninas em um grupo. Cem!
Sabe o que é cem mulheres num grupo de galera? E meninas bonitas, hein? Tinha lá as
feiosinhas, mas tinha cada menina bonita. Bonitas mesmo. Sabe? Mas, chegou ao
patamar de ter cem meninas em uma galera. Só de mulher. E mediante dos homens. Elas
eram da “Selvagem”, mas era “Selvagem” de mulher. E depois teve a dos “Anjos”
também. Se formou a dos “Anjos” também, aquelas cinquenta, só que a “Selvagem”
sempre teve mais. A “Selvagem” sempre foi superior. Mas mesmo assim tinha. Tinha.
Pra ti ter uma ideia, pra você entender, que tinha cem numa galera e oitenta em outra, tu
imagina quanta gente tinha? Fora os homens. Então você imagina que toda Manaus era
envolvida. Toda Manaus era envolvida. Só que hoje você escuta bem assim, nos
noticiários: “ah, o cara invadiu o colégio e matou lá dentro”. Não existia isso na época.
Não tinha isso. Podia ter briga. Mas de ter um cara do “Anjos Maldito” e o outro da
“Selvagem” no mesmo colégio, podia até ter isso. Mas a bronca era lá fora. Dificilmente
você ouvia essa história: “Ah, o cara matou um dentro do colégio!”. Ou “o cara invadiu
lá o hospital, e mataram o cara lá dentro”. Isso nós tínhamos muito medo. Existia
também o medo. Existia o medo. Nós apanhávamos do pai e mãe. Nós apanhávamos...
393
Eu cheguei a ver mãe e pai chegar na frente do... No meio da galera, e saí levando o
filho na cinturãozada. E o líder dizia: “ninguém se mete, é o pai!”. “É o pai”. Eu vi isso
acontecer. De pai chegar no meio de cem galeroso, assim, e tirar o filho na tapa. Na
tapa. Sabe? Eu vi isso acontecer. Então, eles metiam medo. Eu apanhava do meu pai.
Sabe? Não havia esse confronto. De filho bater em pai. Dificilmente você ouvia isso:
“ah, o galeroso matou seu pai”. Hoje você vê isso. Mas não tinha isso na época. Nós
brigávamos com outros galerosos. Roubávamos, batíamos, sabe? Aquela coisa que eu
falei pra você mais uma vez: virou moda. Se você fosse da época, dos amigos do teu
bairro, de cinco, dois era galeroso. Mas eram teus amigos. Porque eles sabiam respeitar.
Marcos – Ah! Me conta aquilo que tu me contou naquele dia, sobre a questão dos
estupros, e tal, que era uma coisa que te perturbava muito, e tal.
Maicon – É, essa era a parte que mais doía, né? Essa é a parte que eu, que eu guardo
das recordações que não são muito boas. Sabe? De você ver meninas ser estupradas.
Sabe? E nem estupro era, naquela época era uma curra. “Vamo dar uma curra”, vamo...
Sabe? “Vamo dar uma geral”. Sabe? Vamo dar... O famoso “arrego”. “Hoje ela vai pro
arrego, quem vai pro arrego é aquela ali”. Sabe? Porque, de repente, é aquela que entra
na galera e quer dá uma de patricinha. Sabe? Num quer namorar com ninguém, quer dar
uma de “cú doce”, que eles diziam que era “cú doce”, e tal. Aí eles armavam pra aquela
ali ir pro “arrego”. Você vê aquilo acontecer... Sabe? É uma coisa que não traz
recordações boas. Sabe? E você tava ali, eles te obrigavam a participar. Eles te
obrigavam a fazer. Sabe? Era uma situação complicada. E eu vi isso acontecer. Só que
eu fico, assim, ainda bem que já foi... Eu já peguei essa parte, na época eu já tinha uma
moral, dentro da galera. Eu dizia: “eu não vou fazer isso não”. E salvei muitas. Eu fingia
que ia fazer, pra salvá-las. Eu fingia. Eu pedia pra ser o terceiro, o quarto, só pra
quando, sobrasse mais uns seis ali atrás, uns cinco, seis, eu pudesse tirar ela de lá. Sabe?
Eu montava, eu dizia, pra ela, ela... Eu andava com sonrisal no bolso (risos). Pra botar
na boca delas, pra elas babarem, pra dizer que elas tão... Tendo qualquer coisa parecida,
sabe? Desmaio, pra causar medo e... Eu salvei muita... Umas três, eu me orgulho disso,
entendeu? Por poder... Mas era uma parte que não era legal.
Marcos – E algumas, você comentou que chegavam a engravidar, às vezes.
Maicon – É. É, algumas engravidavam, né? Você ouvia notícias de que engravidou.
Naquela época fazer um aborto era muito difícil. Né? Sê encontrar uma Citotéque e...
Hoje tem filhos de galerosos, de meninas aí que já devem tá formados, que foram cria
de, de, de estupro. Com certeza tem. Sabe? Com certeza tem. Mas isso, era feito, num
394
era no meio daquela multidão. Isso era grupos pequenos. Compreendeu? Quando se
espalhava os grupos, isso acontecia. Isso acontecia. Sabe? Mas havia. Ou então, tinha
[...] você arranjava namorada, hoje, aí tu queria obrigar ela a fazer contigo. Isso gerava
já, um, um “arrego”. Aí você batia nela, pra ela dar pra você. Isso acontecia. Acontecia
diversas vezes. Sabe?
Marcos – E essas moças que andavam em galeras, brigavam?
Maicon – E muito. E muito.
Marcos – Você falou que elas brigavam até com os seguranças, nas discotecas, num foi?
Maicon – Sem medo. Sem medo.
Marcos – A Punk também?
Maicon – A Punk era a líder principal. Num tinha medo. Num tinha bom não. Elas
davam soco, levavam três, mas iam pra cima. Caía duas, já tinha três em cima dele. Caía
três, tinha cinco em cima dele. E assim ia. Elas não arregravam. Como eu digo pra você.
Era todo mundo por todo mundo. Não tinha essa. Era todo... Tanto que pra segurança
sair de dentro do Bancrévea, ele tinha que sair escoltado dentro do carro do Raidi, pra ir
pra casa. Eles não desciam pro Centro. Eles não eram loucos de sair. Eles não tinham
essa coragem. Eles eram bons lá dentro. Lá fora não. Só com uma arma na mão. O cara
podia ser o Hulk, ele não conseguia enfrentar cem homens. Cem moleques, com terçado
na mão, o que viesse na mão. E caras bons de porrada. Moleques bons de porrada. Que
se garantiam. Sabe? Eles batiam na gente lá dentro, mas lá fora, eles eram menina.
Marcos – Mas vocês não entravam com as armas lá dentro, né, do Cheik? Porque tinha
detector de metal ou pelo menos, revista. Vocês escondiam as armas por lá? Como é que
eram essas armas, e tal?
Maicon – Ah, nos muros, nas árvores, sabe? Em baixo das bancas de revista. Era desse
jeito. Era entocado por ali. Nas árvores, nas bancas de revistas, sabe? Num tem aqueles
rolos de tecido?
Marcos – Sei!
Maicon – Num fica aquele cano de papelão?
Marcos – Aham!
Maicon – A gente fazia ali dentro. Entocava ali dentro, fazia direitinho. Guardava ali
dentro ai, tirava.
Marcos – Havia alguma música que a galera de vocês usava como um hino próprio da
galera, ou do bairro da galera?
Maicon – Tinha, tinha várias músicas. Tinha muita música, que a gente se identificava.
395
Muita... Pô! Technotronic foi o auge da galera. Technotronic foi, assim... Tanto que
falam: “olha aí o Poperou!”. Era o auge. O auge, o auge mesmo, da galera. Sabe?
Marcos – Quando eu entrevistei a Punk, ela me comentou que a “Selvagem” usava
muita o... A “Anjos” também depois passou a usar, aquela música: [call him Mr. Raider,
call him Mr. Wrong], do Culture Beat...
Maicon – Culture Beat.
Marcos – Aí ela falou que vocês cantavam: “Selva vai viver, e Anjo vai morrer”, aí o
“Anjo” começou a cantar: “Anjo vai viver, e Selva vai morrer”.
Maicon – É, tinha essas... Tinha essa, essa...
Marcos – Tu não se lembra de nenhuma outra música, que os cara usavam?
Maicon – Bizz Nizz.
Marcos – Qual?
Maicon – Bizz Nizz.
Marcos – Ah, Bizz Nizz. Sei.
Maicon – Bota pra [...]. Pãrãnãnã. Cara, aquilo ali quando tocava. Aí tinha a “New Are
Angel”, quando tocava, num tinha jeito.
Marcos – Qual?
Maicon – “New Are Angel”. [E canta] New are angel, angel [...] Cara, essa música
quando tocava, cara, parecia que a gente não tinha voz. Os “Anjos” dominavam.
Dominavam. Era uma gritaria, que a gente calava. Em ver, que era tão bonito você ver
eles gritando, e faziam [faz um gesto com as mãos, unindo os dois polegares, com as
palmas viradas para a frente do próprio corpo, formando duas asas] levantava a mão, e
era aqueles cinquenta, mão pra cima. Cara, generalizado. Pode ver que eu falo, eu me
arrepio, pode prestar atenção.
Marcos – Aham!
Maicon – Parece que você vive aquele momento. Sê parava pra admirar aquilo ali.
“New Are...” Você não ouvia, você só ouvia a voz deles. Quando entrava a nossa era a
mesma situação. Mesma situação.
Marcos – Essa do Bizz Nizz, que tu cantou, é... O refrão dela, vocês cantavam assim:
“eu vou baixar, eu vou baixar, porrada”, [e Maicon me acompanha] “eu vou baixar, eu
vou baixar, porrada...”
Marcos – Até na época que eu comecei a ir pra Spectron, ainda cantavam desse jeito.
As galeras cantavam desse jeito.
Marcos – Você acha que essas músicas ajudavam a criar um clima de disputa entre as
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galeras, ao ponto de levá-las a brigar?
Maicon – As músicas? Ah, as músicas era... Cara, agora eu vou dizer pra ti. Música do
inferno? DJ Dero!
Marcos – “Do the rave stomp”, “Aurora”?
Maicon – Todas! O hino, o hino “Do the rave stomp”, cara, essa música o Raidi teve
que quebrar o disco. Ele disse: “eu não toco mais isso aqui dentro”. Cara, era
generalizado. Onde você olhava, parceiro, onde você olhava. “Tããããã”, parece que o
diabo vinha incorporando. Aquele Cheik virava o inferno. Cara, eu vi o Raidi lá, ao
vivo, tirar o disco, quebrar, e jogar no meio do povo. “Eu não toco mais isso aqui”. E
não tocou mais. Não tinha, não tinha como segurar, não tinha segurança, não tinha, não
tinha. A discoteca toda virava assim, sabe... Uma arena de briga. Sério. Uma arena que
pra parar, era complicado. Porque depois que essa música tocava, maluco, sério, aí era
briga até o final da festa. Podia tocar qualquer outra música, mas essa, parece que tava...
Ela criou, assim, uma coisa tão grande, que ninguém brigava no começo mais não.
Esperava ela tocar. Quando essa música entrava, parecia que o diabo vinha junto. O cara
incorporava, aquele Cheik chega tremia. “Tããããã, tã, tã, tã, tã, tã, tã”, aí “e bota pra 14”.
Aí cada um cantava seu hino. Cada um cantava: “bota pra...”, “bota pra Selvagem”,
pronto, aí num tinha jeito. Aí quando começava, sê ia se chegando. Ia chegando... O
pessoal do break já sabia, da roda de break, já saia fora lá pra área externa do Cheik,
porque sabia. Era feio. Sabe? Então, eu me recordo, eu me recordo, na época, dessas
músicas. O “Mr Vain”, o “Pô pop the jain”. “Tã, tã, rã, pã, tã, pã, rã”. Pop the jain”.
Quando começava: “pô, pop the jain, poperô”…
Marcos – Ah! Technotronic.
Maicon – Technotronic. Technotronic foi o auge da galera, o “Mr. Vain” também. O
“Boys”. “Boys, boys, boys”. Era das meninas.
Marcos – O “Tarzan Boy”? Essa daí?
Maicon – Não, Sabrina. Sabrina.
Marcos – Sabrina, Sabrina!
Maicon – Esse era o das meninas. Tocava essa música, era porrada de mulher.
Marcos – Aham!
Maicon – Sabe? Mas igual ao Dero, eu não vi igual.
Marcos – O Dero, o Raidi me explicou, quando eu entrevistei ele, que uma vez ele tava
tocando numa discoteca lá de São Paulo, aí, ele, ele tocou logo depois do Dero. Aí
quando o Dero foi passar o... Lá o, o equipamento pra ele, e tal... “Fazer a passagem de
397
som” pra ele, né? Ele fala assim. “Fazer a passagem de som”. Aí o Raidi perguntou pra
ele assim: “Dero, me diz uma coisa: por que que as tuas músicas inspiram os jovens a
tal ponto, que faz com que eles briguem?” Aí o Dero respondeu pra ele: “cara, eu não
sei. Até na província de Rosário” [lá da Argentina... Eu imagino que seja na Argentina,
porque ele é da Argentina, né?], ele falou: “eu não sei, mas até na província de Rosário,
ela é proibida de tocar” porque... Enfim, porque gera briga também. Ou seja, mesmo lá,
não toca. Aí, assim, é meio que universal. Aí, o Raidi explicou isso a partir de uma, a
partir da própria música, das próprias notas que são usadas no teclado que o Dero usa,
que segundo o Raidi, é um teclado muito agressivo. E o modo como ele executa, né, o
som daquela música, né, e do teclado, faz com que os ânimos de quem ouve se exaltem.
Ainda mais dos jovens, né? Os jovens eles são mais, eles são mais propensos, digamos,
a se animar com mais facilidade, e tal, né? Aí ele explicou assim, desse modo. O que eu
achei bem interessante, assim, a explicação dele. Né? E eu vou colocar no meu trabalho
essa explicação, porque eu também sentia isso. Quando eu ia pra Spectron em 95, que
foi quando eu comecei a ir, e as galeras já estavam menos fortes, mas ainda haviam
muitas galeras, assim, eu ainda percebia, né, havia não só o Dero, outras músicas
também, eu ouvia, eu sentia... Eu sentia isso cara [risos emocionados]
Maicon – O Dero fez surgir a galera de novo. Que tava amenizando. Quando o Dero
entrou no auge, as galeras voltaram de novo. Essa nova...
Marcos – E é de 92, né, o Dero?
Maicon – 91, 91, o Dero é de 91. Pra sê ter uma ideia, pra você ter uma ideia, já tinha
amenizado, a galera era só aquilo ali. Só tinha briga lá no Cheik. Mas quando o Dero
voltou, essa nova safra de jovens que tavam surgindo, cara, entraram. Virou uma tal
coisa... E foi... E a gente já tava, assim, com aquela idade mais... A gente ficava
olhando. Sabe? Incrível, incrível. Era coisa de louco, de louco. Aquele Cheik tremia.
Era preciso vim a polícia parar a festa. Parar a festa. Era de enlouquecer, o cara
enlouquecer. Sabe? Acendia as luzes e a porrada cantava. Era segurança levando peia, já
tinha quatro de novo na porrada ali, já tinha dez daquele lado ali. Era generalizado. Era
generalizado.
Marcos – Você acha que o espaço dentro das danceterias, e dentro da própria cidade,
era dividido pelos membros das galeras?
Maicon – Você pode repetir de novo?
Marcos – Você acha que o espaço dentro das danceterias, e dentro da própria cidade,
era dividido pelos membros das galeras?
398
Maicon – Era. Era. Era dividido. É como eu tô falando pra você. Depois que o Nego
Celso morreu, virou zonais. Virou zonais. Né? Aí já brigava bairro com bairro dentro da
discoteca. Num tinha mais essa de fazer aquele grupão. Alguns ainda se juntavam.
Como o Educandos se juntava com a 7 de Setembro, se juntava com a Praça 14. Né? Aí
já tinha aquilo, do São Raimundo brigar com o pessoal do Centro. Aí já vinha o pessoal
do Japiim, que era do “Poli”, já brigava com o pessoal dos “Canibais”, com o pessoal
dos “Mercenários”. Já virou isso aí, virou zonais. Aí começou a ficar pior, foi quando
começou a brigar bairro dentro do próprio bairro. Exemplo: eu ia pro Cheik, vê a minha
área, brigar com a minha própria área do lado de cima. Que andavam junta um tempo
atrás, tavam se matando. Inclusive chegou a matar um ao outro. Chegou a ter morte
dentro do próprio bairro por causa disso. Sabe? A rua ali de baixo já brigava com a rua
daqui de cima. E isso foi virando Manaus todinha também. Exemplo: sê ia na zona leste,
a rua 12 brigava com a rua 10. E assim foi indo. Generalizou de uma tal maneira, que
num tinha mais como segurar. Aí já ficou zonais, já ficou de bairro mesmo. Já vinha o
pessoal do São José pro Cheik, brigar com São José IV, dentro do próprio Cheik. Já
vinha o Educandos, pra brigar com a Santa Luzia. Sê compreendeu como tava a
situação? Aí, a minha área aqui, vou dizer aqui na minha área, a parte de rua Nova, essa
área, da parte de Baixo de Educandos, brigava com a Boulevard, com a Peixoto, que era
a área do Alto de Educandos. A Boulevard já brigava com o Beco do Correio, que a
parte onde é o Prosamim agora. E o Prosamim já brigava com o pessoal do “Bodozal”.
Virou uma coisa, assim, você não conseguia entender. E você mesmo, nesse medo,
ficava sem saber o que fazer, porque tu conhecia todo mundo. Sê já passava a ficar,
vendo o quê fazer, pra onde você corria? Você cresceu com todo mundo. E aí ficou uma
coisa descontrolada.
Marcos – Eu acho que, também, já era um conflito de gerações, né, assim. Havia um
pessoal mais velho e um pessoal mais jovem [Maicon confirma, dizendo, “é”]...
Maicon – Também, também. O galeroso queria aquele respeito, e os jovens já não
queriam mais respeitar os antigos “ah, tá velho, não se garante mais”. E houve esses
confrontos. Você tocou num ponto, também, muito importante. “Ah, tá velho, ah,
naquela época... Tu te garante pra mim”, tinha tudo isso também, entendeu? Só que...
Marcos – Mas tinha também os olhares atravessados, né? Às vezes, num era nem
porque eram brigas antigas, assim, o pessoal brigava porque já tinha uma rixa antiga. Eu
acho que era porque alguém tinha olhado atravessado pra alguém, ou então, o cara é que
considerou assim. Olhou o outro, e pensou que o outro tava encarando ele, aí, “pô, eu
399
vou brigar com esse cara, e tal”. Tinha isso?
Maicon – Cara, quer que eu te fale uma coisa? Tinha. Tinha muito isso. Tinha do cara
pisar no teu pé, e tu ter que pedir desculpa dele. “Desculpa, porque tu pisou no meu pé!”
Fazia de propósito. Puxava teu cabelo, te dava cotovelada, pra ver se você reagia. Sabe?
Vê que tu não reagia, ele ia te bater de qualquer jeito. Mas muita coisa aconteceu aqui,
bairro, por causa de mulher. Que o outro agarrou a mulher do cara [...], aí foi criando
essa confusão, entendeu? Foi criando essas confusões. E também um ponto muito,
muito, que ficou muito crítico, foi a época que começou as armas caseiras.
Marcos – Ah, me conta sobre isso. Naquele dia a gente conversou, tu disse que o
pessoal da tua turma chegou a contratar um ferreiro, alguma coisa assim...
Maicon – É! Filho de ferreiro. Sabia quem era filho de ferreiro, ia lá, entendeu? Fazia,
como é que fazia as armas caseiras. Entendeu? As armas caseiras. Que eram as
punheteiras, batia, pow! Entendeu? Metia lá pólvora, com parafuso, prego, sabe? Prego.
Alguns que tinham aquelas armas de ar comprimido, botavam sal. Sal, pra dá tiro de sal,
pra queimar o outro. Dá tiro na cara pra ver se queima os olhos. Aí foi quando começou
a desandar. Aí começou a desandar. Aí foi quando teve algumas coisas feias. Aí
começou a ter muita morte. Muita morte. Quando num tinha morte, era mutilação. Eu
vejo, tem muitos hoje que tão aleijados. Muitos hoje são aleijados por causa disso.
Marcos – Para a galera de vocês, qual era a galera mais temida da cidade? Por quê?
Maicon – A galera mais temida era a “Selvagem”. Era a galera mais temida. Até hoje é
comentado. Sê falar, era a da “Selvagem”, a “Selvagem” era... Onde chegava, a
“Selvagem” destruía. Onde chegava aquela galera em massa, destruía. Chegava a
“Selvagem”. E a nossa maior rival, eram os “Anjos”. Num ficava pra traz também não.
Também não ficava pra traz. Sabe? E mais-a-mais [...] sempre foi a “Selvagem”.
Marcos – Você acha que a pouca ligação do jovem com a família, com a escola, ou com
outros grupos, contribuía para que esse jovem fosse buscar respeito, admiração, abrigo e
um sentido pra vida dentro do grupo de amigos e galerosos da rua?
Maicon – Pra alguns tinha. Pra alguns tinha. Alguns iam porque gostava mesmo.
Porque tinha menina fácil. Era mais fácil de se arranjar as meninas. “Cara é galeroso, e
tal [...] Se você botasse uma roupa legal, elas já olhavam pra ti. Se tivesse um... Pagasse
um refrigerante, entendeu? Ou coisa parecida, entendeu? Elas te olhavam diferente. Ou
então, se tu brigasse bem, tu era o cara. Tinha essas vantagens. E eu acho que isso
puxava muito. E tinha muita menina bonita. Sabe? Menina pra casar, menina bonita
mesmo. Sabe? Isso chamava muito. Chamava muito. E muitos iam porque era moda.
400
Era aquilo ali, “eu quero tá dentro da galera”. Sabe?
Marcos – Você gostava de ser de galera? Por quê?
Maicon – (Risos) Cara, eu gostava! Sinceramente, eu gostava. Apesar das brigas,
tirando a parte ruim, tinha muita parte boa. Me formei homem ali dentro. Me formei
homem. Formei chefe de família vendo aquelas coisas ruim. Peguei as coisas ruins e
transformei em coisas boas. E procurava passar isso pra quem tava do meu lado. Sabe?
Muitos amigos, como disse pra você... O Paulinho Viana, hoje um grande cantor de boi,
é daquela parte, andava comigo. Eu e ele foi um daqueles [...] “olha, vamo consegui isso
aqui. Vamo continuar aqui, porque é legal, a gente tem muita gente, mas vamo... Sabe?
Cheguei aqui. Sabe? Morei com a Punk. E você vê... Ninguém trabalhava. E saía um
prali, de repente tinha um rapaz que saía com um pouco de farinha, outro vinha com
arroz... Num era pouco. Ia nas suas casas, trazia alguma coisa, pedia da mãe, do pai,
juntava aquilo ali, fazia de pouquinho, repartia pra vinte. Ficava todo mundo feliz, cara.
Tanto que, acho que você tá percebendo que, o que eu tô contando, eles contaram, há
um brilho no olhar quando conta isso. Sabe? Há uma sinceridade. Porque era gostoso.
Isso tem até hoje. E fica as parte ruins, daqueles que não souberam seguir. Infelizmente,
muitos se perderam, muitos morreram, muitos... Sabe? Não estão mais entre a gente.
Muita coisa que... Desandou mesmo.
Marcos – Você acha que escolheu, de livre e espontânea vontade, ser de galera? Ou
acha que foi levado a isso por não gostar de estudar, por não ter atenção da família, por
falta de emprego, ou por falta de ter o que fazer em seu bairro?
Maicon – Não, da minha parte, foi pura e livre espontânea pressão minha mesmo. Ou
eu ia pra galera, ou eu ia pra lugar nenhum. Porque pra mim poder me entrosar dentro
do, do... Ter um espaço dentro da discoteca, e eu que gostava de dançar, eu tinha que
entrar numa galera. Escolhi a “Selvagem” por ser a mais temida, por ser a mais
respeitada. Sabe? E por ter mais identificação com as pessoas que tavam lá dentro.
Sabe? Num foi essa “por vontade própria”. Foi por pressão mesmo. Quer dizer, sê tem
que escolher um lugar. “Maluco: ou tu escolhe lá, ou tu escolhe aqui”. E eu escolhi meu
lado. Eu escolhi meu lado. Mas, sabendo, que eu tinha uma imaginação, que eu não
queria ser aquilo. Eu não queria ser um marginal. Eu queria ser da galera, mas não
queria ser marginal. “Ah, taxado”, a taxa era essa. A taxa era “você é galeroso”. E isso
fica pro resto da vida. Num tem jeito. Você foi, e você virou ele. Fui galeroso, e hoje sou
ex-galeroso. Entendeu?
Marcos – E, fala sobre aquela questão do teu pai, porque o teu pai era muito rígido,
401
queria que tu estudasse em escola militar, e tal... E queria que tu ficasse sempre,
andando na linha, assim, em todos os aspectos, só que tu não... Tu queria a diversão da
rua, e tal?
Maicon – Isso é uma verdade, querido. Eu, eu... Meu pai, meu pai, o pai da gente
sempre quer o bom pra gente. Acho que o pai querer o pior pro filho isso, acho que isso
é raro. O que o meu pai [...] era militar. E vem daquela época que você não fazia o
curso. Ele veio direto do exército, direto pra PM. Logo que começaram os primeiros,
pra entrar na PM, da PE, né? Da Polícia do Exército, pra passar pra PM direto. Ele é
dessa época. Meu pai, pô! Estudou até a segunda série. Sabe? Então é aquilo. Ele era
muito rígido. Aquele policial antigo, aquele pessoal da antiga mesmo, que é severa,
que... Meu não chamou... Meu pai morreu num chamando um palavrão. E de vez em
quando eu solto um palavrão. Meus filhos chamam palavrão, hoje. Sabe? Uma coisa que
eu me admiro muito do meu pai sobre isso, sabe? Ser um cara semianalfabeto e, ser um
lutador, cara, sabe? Ele queria meu bem, eu é que interpretava errado. Nós
interpretávamos errado. O bem querer que eles tinham pela gente. Sabe? Hoje eu podia
ser um grande bombeiro. Hoje eu poderia ser, sabe? Coronel da PM. Se eu tivesse
seguido o conselho dele. Mas eu acho que Deus tinha um dom pra mim. Meu dom era
dançar. Eu me sinto bem no que eu sou hoje. Sabe? Só num ganhei dinheiro, só num
fiquei rico. Sabe? Mas, tô muito feliz. Porque eu sou uma boa pessoa, eu sou um bom
cidadão, eu sou bastante conhecido. Eu tenho raízes, cara. Sabe, querido? Eu tenho
raízes. Eu tenho pessoas que se espelham, eu tenho jovens que olham pra mim, “cara, eu
queria ser como tu, eu queria dançar como tu dança”. E eu me orgulho disso. Porque eu,
apesar de não ter seguido o que meu pai queria que eu fosse, um militar, eu fiz um bem
às pessoas. Faço bem até hoje. Eu tenho uma dança, sabe? Já passou por mais de dois
mil jovens por aqui. Você viu uma preocupação, ainda agora, com um ex-brincante, com
a notícia de que tinham matado ele. Então, fica. E isso que ficou hoje, vem daquelas
raízes de lá, passadas, entendeu? Eu me orgulho disso. Eu me arrependo de algumas
coisas. Mas eu me orgulho muito mais do que me arrependo. Porque eu tenho família. E
eu tô feliz porque você tá na minha casa, [...] de um ex-galeroso e hoje chefe de família,
um cara profissional, um cara legal. Sabe? Que tem histórias pra contar, histórias
bonitas.
Marcos – A experiência de ter sido de galera te trouxe algum benefício? Por quê?
Maicon – Olha, benefício mesmo não trouxe. Galera não traz benefício a ninguém.
Sabe? Sempre galera vai te levar pra morte. Sabe? Só vai fazer você ser difamado. Ficar
402
mal visto. [...] Galera: ou é uma gangue, sabe? Você é do tráfico? As pessoas vão te
respeitar por medo. Elas vão ter medo de ti, elas não vão te respeitar, elas vão ter medo.
Elas não vão te respeitar. É como eu tô dizendo pra você. Cara! É uma coisa que pra
mim, eu acho que pra mim for tentar te explicar, nem o próprio Raidi tentar te explicar,
o que foi aquilo que aconteceu em Manaus. Foi uma febre. É inexplicável. Como hoje o
whatsap é uma febre, assim foi a galera. Hoje não. Você... Se o cara tentar ligar daqui,
você tá falando com o teu amigo lá... No Japão. Você fazia questão de encontrá-lo. Você
queria ir lá, você queria tá lá no meio deles. As coisas boas foi a inteligência de ver
aquilo acontecer e você se transformar e dizer bem assim ó: “eu tô aqui, mas eu vou
fazer a diferença! Eu não vou acabar como ele”. A vantagem, também, que você traz é
essa. Que você tirou muitas experiências daquela vida que você viveu ali. Sabe? Que
você prestou atenção ali. Aquilo foi uma... A maior experiência de vida desses que tão
vivos hoje, que você entrevistou, foi a maior experiência de vida. Mas também, a gente
deixou muita coisa pra traz. Muitas vezes eu deixei de ir pra aula. Muitas vezes eu
deixei de ir pro colégio. Eu entrava, na mesma hora, mas a vontade era tanta de tá no
meio da turma, que você num assistia nem o primeiro tempo. Sabe? Isso é muita coisa
ficou pra traz. Você vê que a turma, nós somos sobreviventes. Nós vivemos dia-a-dia. A
gente não tem um poder aquisitivo, a gente não tem um bom emprego, sabe? A gente
rala todo dia. Eu acho que todos que você entrevistou, você vê que é a mesma história.
Sabe? É luta dia-a-dia, por quê? Porque perdeu lá traz. Perdeu lá traz. Deixou a desejar
lá traz. Não se interessou lá traz. Compreendeu? Então, digo: só o que trouxe é, dá
minha parte, que tava lá, foi a minha experiência, que eu adquiri lá dentro, a mim
próprio. E transmiti isso às pessoas que viviam depois de mim. Sabe? As meninas que
eu namorava, eu queria mostrar pra elas que eu era o bom. Batia um papo diferente.
Sabe? Enquanto o cara levava ela pro mato, eu levava ela pro motel. Sabe? Enquanto o
cara oferecia uma lata de cola, pra ela cheirar, eu oferecia um churrasco, um x-salada ou
coisa parecida. E naquela época, o point era você ir pro lanche. O point era a Alemã. [...]
prum galeroso ir pra Alemã naquela época, sê imagina? E eu tendo que tomar [...] E ela
contar pras outras. “Pô, num tem o Maicon, o Maicon me levou pra Alemã”. O gostoso
disso era poder fazer a diferença. Compreende? E eu não fumo, eu nunca botei um
cigarro de maconha na boca. Minto, minto. Eu cheguei a provar. Sabe? Eu botei um
saco de cola no meu nariz. Entendeu? Mas percebi que aquilo não era pra mim. E eu
não bebia, eu vim aprender a beber na galera. Meu primeiro toque de cachaça foi na
Ponta Negra. Porque eu vi todo mundo tomando. E meu pai era cachaceiro de primeira.
403
Meu pai morreu de cirrose. Meu pai tomava cachaça pura, tirando gosto com cachaça.
Mas nunca me mandou ir na taberna comprar uma garrafa de cachaça pra ele. Isso eu
trago pros meus filhos. Eu num mando meus filhos pegar uma cerveja pra mim, eu num
mando eles comprarem bebida pra mim. Eu não faço isso. Pelo menos essa índole do
meu pai eu trouxe. Eu trouxe, e carreguei comigo. Entendeu? Eu via meu pai se
encachaçar, e vi meu pai morrer... Por causa da cachaça. Sabe? E dentro da galera eu fui
tomar cachaça. Por quê? Porque contagia. Contagiava. Sê tava lá, te contagiava. “Os
caras tão tomando cachaça, fica do lado!” Pra te mostrar que tu era bom, sê ia tomar
também.
Marcos – E as meninas tomavam, também?
Maicon – Ham!
Marcos – (Risos).
Maicon – “Velho Barrero”. Ia pro [...] de Barrero.
Marcos – “Barrero”? O que é isso?
Maicon – É, “Velho Barrero”. Aquela, aquela cachaça “Velho Barrero”. Quando não era
“Tatuzinho” mesmo. A [...] “61” [...] e a “Caninha da Roça”. Era o que a galera tomava
na época. Raramente sê tomava Montila, isso era raro. Era cachaça mesmo. Num sei se
você chegou a ver, na época, que vendia na Ponta Negra, era um saquinho, que tinha um
jacaré, que era a cachaça no saquinho?
Marcos – Não! Vi não.
Maicon – É. Tinha aquilo ali. O cara comprava o saquinho de cachaça e, tu tomava que
nem dindin.
Marcos – Caramba!
Maicon – Era.
Marcos – Você ainda tem contato com algum de seus antigos colegas de galera?
Maicon – Vários. Vários. Muitos. Muitos mesmo.
Marcos – Vocês ainda se reúnem para conversar e sair?
Maicon – Ainda. Ainda. Se a gente pudesse, todo final de semana nós saíamos. Nós
saíamos. Sabe? E o Raidi nos proporciona isso até hoje. O Raidi pra gente, ele é um
grande ídolo. Sabe? Porque através dele, nós [...] juntos ainda. Sabe? Nós temos contato
um com o outro. Sabe? As festas de flashback nós estamos lá. Nós não brigamos mais, a
não ser que vão mexer com a gente. A gente não tem mais essa índole. A gente sabe que
tem alguém esperando em casa. Antigamente tinha alguém nos esperando. Hoje tem
alguém, que tá esperando mais ainda, que a gente tem que cuidar. São nossos filhos,
404
nossa própria integridade. Né? E o flashback é onde a gente se reúne. E hoje, a gente faz
aniversário, chama todo mundo. A gente inventa as festinhas, pra tá ali junto ouvindo
um flashback. Hoje o Raidi tá interagindo com a gente. Sabe? A gente conversa. Sabe?
Hoje, nós levamos nossas famílias juntos com a gente. Sabe? Nós levamos filho,
amigos, esposas. E é uma reunião, apesar da gente toque, é uma reunião onde você ri,
você se emociona, você chora. Você lembra daqueles que se foram, daqueles que se
perderam. Sabe? Então, sempre é renovado, esse encontro é renovado. Sabe? Tem que
fazer uma renovada. Sabe? Cara! Foi bom. Renovado de novo. Sei que eu venci.
Marcos – Você acha que as galeras acabaram? Por quê?
Maicon – Tudo acaba né mano? Acabou porque era ruim! Acabou porque era ruim.
Galera era ruim, bom só era as amizades. Galera era ruim, e sempre vai ser. Se alguém
é... Lê essa sua reportagem, sabe? Se alguém lê esse documentário que você tá fazendo,
muito bonito, eu acho que isso tem muito valor, o que você tá fazendo, viu querido.
Muito valor. Eu carrego isso com muito valor, faço questão. Aí você tá vendo que eu me
emociono de vez em quando. E se alguém lê isso, por mais que seja... Só faz mal. Não
faz bem. A gente só tá contando essa história hoje, porque aquilo teve que acontecer.
Não foi inventada, num vou inventar fazer uma galera. Aconteceu. A gente não pensava
que ia ter galera. Nós não imaginávamos. Veio um filme, a gente foi assistir cara, e...
Entendeu? O funk hoje, “quadradinho de oito”, sê imaginaria que ia ter um funk desse?
Eu ouvia “paráparápapápá”. Eu num imaginaria que a menina virada de cabeça pra
baixo, ia virar uma febre.
Marcos – O quê que ia virar uma febre?
Maicon – O funk.
Marcos – Que funk?
Maicon – Essa dança. O funk carioca. Essa dança, que generalizou.
Marcos – Aham!
Maicon – Entendeu? Generalizou. E naquela época, não tinha isso.
Marcos – Era muito mais marginalizado, né? Muito mais fechado, lá nas favelas.
Maicon – Fechado. Compreende. E dizer pra ti, cara. Então, é aquilo. Pra você que vai
ler, ou então ouvir essa reportagem, a gente não quis ser galeroso. A galera veio até a
gente. Você compreendeu? A galera veio até a gente. Nós estávamos lá, e veio uma
influência. O filme que apareceu, que foi o filme da hora, o filme sensação do momento,
sabe? Sensação do momento que transformou, cara. Transformou uma cidade.
Transformou uma cidade.
405
Marcos – Ok Maicon! Agora, eu queria te perguntar o seguinte: se tu queres que eu
coloque o teu nome, quando eu for divulgar a tua entrevista no meu trabalho. Tu queres
que eu coloque o teu nome verdadeiro, ou tu queres que eu coloque um pseudônimo, um
apelido, pra manter o teu anonimato?
Maicon – Não mano, não. Tranquilo. Eu acho que nada melhor que a verdade. Eu não
tô condenando ninguém, eu não tô nem acrescentando a mais, nem a menos. Eu só tô
colocando o que eu vi. Alguns viram outras coisas ali dentro, eu vi outras. Alguns viram
as mesmas coisas. Eu acho que tem algumas histórias que batem, que você viu. E tem
aquelas histórias... Você viu que eu tô sendo muito verdadeiro nas minhas palavras,
tanto que meus filhos ouviram o que eu tô falando aqui. Depois eles vão me perguntar,
“pai!”. Eles vão me perguntar, daqui a pouco. Sabe? Então, eu preciso contar pra eles
porque eles estão ouvindo um pai de verdade. Um verdadeiro pai que fez algumas
coisas lá, não obrigatórias, porque aconteceu. Sabe? Pode colocar. Meu nome Jonas
Cardoso da Costa, na época “Neguinho do Break”, na época da galera, e depois virou
Maicon Costa. Um grande dançarino de Break. Um grande dançarino, um grande
coreógrafo. O cara que foi três vezes conceituado o melhor cover do Michel Jackson da
região Norte do Brasil. Me orgulho disso. Isso surgiu daquelas raízes. A parte boa que
ficou. Mas ser galeroso num é bom não.
Marcos – Pô, brigado Maicon. Foi muito legal a nossa entrevista.
Maicon – Pô, eu que agradeço mano. Eu que agradeço e fico feliz.
406
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FONTES ORAIS
CLÁUDIA GOMES DE AZEVEDO. Também conhecida como “Punk”, apelido que
ganhou desde quando entrou para a galera “Selvagem” em 1989. No entanto, essa galera
não existe mais, nem a galerosa “Punk”. Apenas a alcunha e as memórias ainda estão
vivas.
MAICON COSTA. Foi integrante da galera “Selvagem” de 1986 à 1990. Na época era
mis conhecido como “Neguinho do Break”, já que era um exímio dançarino desta
modalidade de dança. O nome Maicon, segundo ele, é uma homenagem à Maicon
Jackson, seu grande ídolo.
MEDROSO. Rapaz que sempre morou no bairro Cachoeirinha e chegou a conhecer
alguns integrantes de galeras, ver algumas de suas ações e ser vítima de algumas delas,
embora tenha declarado que nunca foi agredido. Medroso é um nome fictício, para
preservar o seu anonimato.
DJ RAIDI REBELLO. Nos anos 1980 e 1990 trabalhou em diversos clubes, e ainda
hoje trabalha neste ramo. Segundo ele, foi o primeiro a levar a dance music (“música
para dançar”) aos jovens de classe baixa de Manaus, ajudando a massificar a cultura da
discoteca não só na capital, mas também, depois, nos municípios do interior do
Amazonas. Após ter sido DJ no Tropical Hotel, começou a tocar no Cheik Clube
(1985/1986 até 1994) e depois no Bancrévea Clube (1988 até 1998). Nestas duas
últimas, ao contrário de algumas outras danceterias nas quais tocava esse estilo de
412
música, o ingresso era acessível aos jovens de classe baixa.
SHEILA DO SOCORRO MARINHO DE BRITO. Também conhecida como
“Guerreira”, apelido que ganhou desde quando entrou para a galera “Selvagem” mais ou
menos em 1985. Porém, tal como sua colega “Punk”, não faz mais parte de nenhuma
galera.
FONTE BIOGRÁFICA
MARCOS ROBERTO RUSSO DE OLIVEIRA. Atualmente mestrando do curso de
mestrado em História Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e ex-
adolescente que andou com alguns galerosos e frequentou alguns espaços que também
eram frequentados por eles, embora nunca tenha chegado a se considerar membro “de
galera”.
FONTES FÍLMICAS
O Ano do Dragão. Direção: Michael Cimino. Ano: 1985.
Comando para Matar. Direção: Mark L. Lester. Ano: 1985.
Desejo de Matar 3. Direção: Michael Winner. Ano: 1985.
Highlander – O Guerreiro Imortal. Direção: Hussel Mulcahy. Ano: 1986.
Karatê Kid. Direção: John G. Avildsen. Ano: 1984.
Lutador de Rua. Direção: Walter Hill. Ano: 1975.
Mad Max. Direção. George Miller. Ano: 1979.
O Grande Dragão Branco. Direção: Newt Arnold. Ano: 1988.
Ruas de Fogo. Direção. Walter Hill. Ano: 1984
Selvagens da Noite. Direção: Walter Hill. Ano: 1979.
American Ninja – Guerreiro Americano. Direção: San Firstemberg. Ano: 1985.
Império do Crime. Direção: Michael Karbelnikoff. Ano: 1991.
Gangs – Sentença Mortal. Direção: Willian Sachs. Ano: 1992.
Um diretor contra todos. Direção: Christopher Cain. Ano: 1987
A Gang da Loba. Direção: David O‟Malley. Ano: 1989.
413
Mad Max – Além da Cúpula do Trovão. Direção: George Miller. Ano: 1985
Vidas sem Rumo. Direção: Francis Ford Coppola. Ano: 1983.
Full Contact, impacto mortal. Direção: Eric Karson. Ano: 1989
Gangues de Rua. Direção: Lee Harry. Ano: 1990.
Te Pego Lá Fora. Direção: Phil Joanou. Ano: 1987.
Kickboxer – O Desafio do Dragão. Direção: Mark DiSalle e David Worth. Ano: 1989.
Pulp Fiction – Tempo de Violência. Direção: Quentin Tarantino. Ano: 1999.
New Jack City – A Gang Brutal. Direção: Mario Van Peebles. Ano: 1991.
Street Fighter – A Última Batalha. Direção: Steven E. De Souza. Ano: 1994.
Double Dragon. Direção: James Yukich. Ano: 1994.
Garantia de Morte. Direção: Deran Serafian. Ano: 1990.
Cyborg – O Dragão do Futuro. Direção: Albert Pyun. Ano: 1989.
Limites da Cidade. Direção: Aaron Lipstadt. Ano: 1984.
Mortal Kombat. Direção: Paul W. S. Anderson. Ano: 1995.
Waterworld – O Segredo das Águas. Direção: Kevin Reynolds. Ano: 1995.
Esporte Sangrento. Direção: Sheldon Lettich. Ano: 1993.
Rocky IV. Direção: Sylvester Stallone. Ano: 1985.
Skinhead - A Força Branca. Direção: Geoffrey Wright. Ano: 1992.
Os Bons Companheiros. Direção: Martin Scorsese. Ano: 1990.
Gladiador – O Desafio Final. Direção: Rowdy Herrington. Ano: 1992.
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Jornal A Crítica, 24/09/1998, p. Polícia. “Presa Gangue que Tumultuou Maternidade”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 30/05/1999, p. C4 e C5 (Cidades). “Quando não Matam, Ferem. [...]
Guerra de Gangues (Parte I)”, escrita por Síglia Regina e Orlando Farias. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 20 e 21/06/1999, p. C1 (Cidades). “Explosão. Galeras. Jovens do
Interior Formam Grupos Violentos. [...] Guerra de Gangues (Parte IV)”, escrita por
Orlando Farias e Síglia Regina. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 27 e 28/06/1999, p. C8 (Cidades). “Em Paz com Deus. Estudante
Fugiu do „Inferno‟ da Galera”, escrita por Orlando Farias e Síglia Regina, com
colaboração de Lúcia Carla Gama. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 13/11/1991, p. 4 (Opinião). Biblioteca Pública do Estado do
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galera”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
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Jornal A Crítica, 1/11/1994, p. Polícia. “Facada no peito. Rixa entre „galeras‟ acaba em
assassinato de estudante”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 29/05/1994, p. Polícia. “„Galera‟ trucida dois irmãos a golpes de
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Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 24/11/1994, p. Polícia. “Classe A é fechada por ordem judicial”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
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Jornal A Crítica, 8/12/1994, p. Polícia. “Na mira de juiz. Mais duas danceterias poderão
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Jornal A Crítica, 16/12/1994, p. Polícia. “Vizinhos reclamam. Juiz estuda a interdição
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Amazonas.
Jornal A Crítica, 17/12/1994, p. Polícia. “Segurança reforçada. Spectron diz nada ter a
ver com „galeras‟”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 17/01/1995, p. Polícia. “Formação de “galeras”. Juiz da Juventude
interdita Cheik Clube durante 90 dias”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
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Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
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Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 05/02/1990, p. Polícia. “Galeras invadem casas no morro”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
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Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 30/08/1990, p. Polícia. “No Alvorada „galeras‟ podem invadir hospitais
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Jornal A Crítica, 01/03/1992, p. Polícia. “Galera mata e destrói residência”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
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Jornal A Crítica, 10/04/1990, p. Polícia. “Bando depreda ônibus e ameaça passageiros”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
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por Síglia Regina. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
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Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 08/10/1999, caderno Bem Viver. Fim de Semana Especial, p. B8-B9.
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Jornal A Crítica, 23/10/1999, p. B1 Bem Viver. “Matinê. A terde na disco”. Arquivo da
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 9/06/1996, p. D1 (Criação). “Boi conquista de vez a parada”. Arquivo
da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 15/06/1996, 1ª Página. “Criação. Não dá pra competir”. Arquivo da
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 2/07/1996, p. D1 (Criação). “Toada será o ritmo do próximo verão”.
Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 12/01/1990, p. Polícia. “Policiamento ostensivo. Governador promete
acabar com galeras”. Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Critica, 19/01/1990, p. Polícia. “Operações contra os portadores de armas”.
Arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 3/02/1990. “Novo programa do IEBEM”. Biblioteca Pública do
Estado.
Jornal A Crítica, 12/02/1990. “Conselho combate galeras de ruas”. Biblioteca Pública
do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 31/03/1990. “Cheik Clube terá reinauguração hoje”. Biblioteca Pública
do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 4/03/1990, p. Polícia. “Juizado vigia clubes sociais”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 1/04/1990, p. Polícia. “Operação na cidade contra as galeras”.
Biblioteca pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 3/05/1990, p. Polícia. “Michiles quer a polícia nas ruas”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
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Jornal A Crítica, 4/06/1990. “Cel. Ilmar promete “guerra” às galeras”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 4/06/1990, p. Polícia. Matéria “Moradores denunciam galeras”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 12/06/1990, p. Polícia. “Judiciária abre guerra contra as galeras e
ladrões de carros”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 12/08/1990, p. Polícia. “São José pede mais segurança”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 7/03/1991, p. Polícia. “Juizado de Menores faz operações”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 9/03/1991, p. Polícia. “Galeras com pavor da futura Polícia Civil”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 10/03/1991, p. Polícia. “Líderes querem ajudar trabalho de Klinger”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 18/03/1991, p. Polícia. “Fivelas de cinto são usadas pelas galeras”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 20/03/1991, p. Polícia. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 5/04/1991, p. Polícia. “„Inimigos da Polícia‟ detidos pelo arrastão”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 17/05/1991, p. Polícia. “Bando encapuzado mata delinquente no
Morro”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 10/08/1991, 1ª Página. “São José protesta sobre a violência”.
Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
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Jornal A Crítica, 19/09/1991, p. Polícia. “Violência. Moradores revoltados protestam em
passeata”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 21/09/1991, p. Polícia. “Penitenciária. Três galeras do Morro estão fora
de circuito”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 26/09/1991, p. Polícia. “Moradores do Morro já tem um posto
policial”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 7/10/1991, p. Polícia. “Explorava menores. Polícia interdita uma
discoteca no Coroado”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 24/10/1991, p. Polícia. “Posto corresponde”. Biblioteca Pública do
Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 13/12/1991, p. Polícia. “Adolescentes sofrem vigilância”. Biblioteca
Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 20/12/1991, p. Polícia. “Polícia desarticula gangue de menores na
compensa II”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 21/12/1991, p. Polícia. “Caixas Comunitárias ajudam a polícia na
prisão da galera”. Biblioteca Pública do Esado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 27/01/1994, p. Polícia. “Investigação conclui. „Guarda Mirim‟ de
Genervino não tem nada de paramilitar”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
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do Amazonas.
Jornal A Crítica, 28, 05, 1994, p. Polícia. “Comunidades denunciam as galeras”.
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membros de galera e notificados 106 veículos”. Biblioteca Pública do Estado do
Amazonas.
Jornal A Crítica, 31/07/1994, p. Polícia. “Na Cidade Nova sete comunidades
promovem passeata pedindo segurança”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 15/09/1994, p. Polícia. “Compensa II promove protesto antiviolência”.
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enquadra „galeras‟ em crime de vadiagem”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 11/01/1995, p. Polícia. “População ajudaria. Caixas coletoras de
denúncias contra „galeras‟ devem voltar”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 18/01/1995, p. Polícia. “Operações pegam suspeitos e dez tipos de
armas”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 18/04/1995, p. Polícia. “Polícia Civil prepara grande operação contra
as „galeras‟”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 5/05/1995, p. Polícia. Matéria “No São José Operário II. Família de
morto por „galera‟ promove passeata antiviolência”. Biblioteca Pública do Estado do
Amazonas.
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Pública do Estado do Amazonas.
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antiviolência”. Biblioteca Pública do Estado do Amazonas.
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do Estado do Amazonas.
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do Estado do Amazonas.
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Pública do Estado do Amazonas.
Jornal A Crítica, 18/12/1991, p. Polícia. “Menores refugiam-se com medo da morte”.
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Jornal Manaus Hoje, 24/09/2015, 1ª Página. “Galerosos atacam Manaus Moderna”.
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morto”. Arquivo pessoal do autor.
Jornal Manaus Hoje, 1/09/2015, 1ª Página. “Revolta na cidade Nova. Galerosos matam
por uma moto”. Arquivo pessoal do autor.
Jornal Manaus Hoje, 12/11/2015, 1ª Página. “Protegidos por bandidos”. Arquivo
pessoal do autor.
Jornal Manaus Hoje, 15/10/2015, 1ª Página. “Galerosos na catraca”. Arquivo pessoal do
autor.
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postes e manda população se recolher mais cedo pra casa”. Arquivo pessoal do autor.
SITES
Endereço Eletrônico: cinemaexmachina.wordpress.com/2010/04/09/hello-word/
Endereço Eletrônico: www.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1209200514.htm
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verde.htm
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