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Criminalidade e drogas: problemas sociais analisados a partir
do filme “Cidade de Deus”
Everton Samuel dos Santos Melo
Universidade do Minho (Portugal)
O cinema cada vez mais tem abordado assuntos relacionados à sociedade quer no âmbito da violência, da miséria, das drogas, da criminalidade, da loucura, de desemprego, quer em outros temas. Um dos géneros que aborda tais temáticas é o drama, que designa uma acção geralmente violenta ou emotiva na qual se confrontam personagens histórica e socialmente inscritas num quadro, retratadas pelas ações do quotidiano. Estes temas permitem que a narrativa fílmica seja reconhecida pelo espectador como parte integrante do fenómeno social. De entre as questões cruciais enfrentadas principalmente nas grandes cidades, estão a criminalidade e as drogas. Neste contexto, torna-se relevante a análise do filme “Cidade de Deus”, pelo fato de este tratar de temas pertinentes a todas classes sociais. Os problemas como as drogas e a criminalidade atravessaram séculos e ainda, configura-se uma realidade, na qual a sociedade não conseguiu solucionar e, certamente, este será um grande desafio para o século XXI, exigindo assim um olhar diferenciado para estas questões. The cinema has increasingly addressed issues related to society either in the context of violence, poverty, drugs, crime, madness, unemployment, among other topics. One of the genres that addresses these themes is the melodrama that caracterizes its narrative that is easily understood, portrayed by the actions of everyday life. These themes allow the film narrative to be recognized by the viewer as part of a social phenomenon. Among the crucial issues faced especially in large cities are crime and drugs. In this context, it becomes relevant the analysis of the film “City of God ", because it addresses relevant topics that are concerned to all social classes. Social problems such as drugs and crime have crossed centuries and still being a cruel reality in which society can not solve yet, and certainly this will be a great challenge for the XXI century, thus requiring a different view to these issues. Palavras-chave: Cinema, Criminalidade, Cidade, Drogas, Problemas sociais. Keywords: Cinema, Crime, City, Drugs, Social Problems.
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1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo apresentar alguns problemas inseridos em nossa
sociedade, nomeadamente a criminalidade e as drogas. Para análise de tais temas, o
filme “Cidade de Deus”, produzido em 2002, por Fernando Meirelles e co-direção de
Kátia Lund será utilizado como corpus para verificar estes problemas sociais na
modernidade, particularmente nos grandes centros urbanos. Torna-se necessário
mencionar que o cinema, entendido como arte, evidencia a criatividade do produtor
cinematográfico, ao promover a interação do público com a história apresentada. Isto
mostra a capacidade de criação do produtor para tornar a linguagem das imagens
acessível ao espectador.
Neste sentido, a dinâmica das imagens constitui a linguagem cinematográfica, com
sintaxe e léxico próprios, que possibilita, muitas vezes, de forma descontraída, a fácil
compreensão do enredo em relação aos temas apresentados. Observa-se, assim, que o
cinema sugere elevada crítica por conter características quotidianas do sujeito
contemporâneo, chegando até a transcender o campo estético, atingindo o social. Desta
forma, o cinema torna-se um objeto de estudo para as ciências sociais, por isso, a
proposta deste trabalho é analisar apenas os dois aspectos sociais, evidenciados no filme
“Cidade de Deus”.
Considerando o cinema um meio de crítica e de denúncia sociais, pode-se dizer que os
temas no âmbito da violência, da miséria, das drogas, da criminalidade, da loucura e do
desemprego são levados a propósito para levantar questões do interesse dos cidadãos.
Nesta acepção, temas que fazem parte da realidade do ser humano são projetados no
ecrã, sem levar o espectador à reflexão resultando numa aceitação do mesmo ao que vê.
Muitos géneros cinematográficos utilizam recursos para “prender” a atenção do
espectador. No filme “Cidade de Deus”, a crítica e as denúncias sociais expressas por
meio da criminalidade e das drogas são recursos utilizados para comunicar com o
espectador.
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De entre os géneros cinematográficos, o drama, assume a estrutura dramática ao colocar
em centro a vingança como forma de expressão. Jacques Aumont e Michel Marie
(2008:80) afirmam:
O drama é quase sempre particularizado: drama burguês, drama histórico, drama romântico (…) Designa uma acção geralmente violenta ou emotiva na qual se confrontam personagens histórica e socialmente inscritas num quadro credível. Embora alguns elementos cómicos possam ser integrados na acção, o caráter dominante deve continuar a ser a seriedade. (Aumont; Marie 2008:80)
Neste sentido, os autores demonstram, que na ação do drama, os personagens assumem
confrontos que apresentam características verossímeis no enredo. Massaud Moisés
(1985:162) citando Bernard Beckerman (1970:19) assegura que o drama propriamente
dito envolve a “(…) atividade de representar, em que um ator retrata o comportamento
de uma personagem, o qual, por sua vez, revela a vida profunda da personagem”. Isso
indica que a representação do ator revela o papel da personagem inserida em um
contexto.
Porém, torna-se necessário mencionar que, o cinema, além de descrever a realidade
determina a sociedade ao apresentar para o espectador temas relacionados às questões
sociais. Assuntos como o crescimento desordenado de grandes centros urbanos e a falta
de interesse do poder público com as camadas sociais que necessitam de investimentos
sócio-educacional e econômico resultam, muitas vezes, na criminalidade e nas drogas.
Tais ações praticadas por traficantes são vistas como forma de “compensação” da
miséria por que passa a população marginalizada, para assim, se fazerem percebidas e
reconhecidas socialmente. Há filmes que apresentam questões cruciais enfrentadas
principalmente nas grandes cidades, a criminalidade e as drogas têm se mostrado como
um dos principais temas de interesse nas produções cinematográficas brasileiras.
Destacam-se nos últimos anos além do próprio Cidade de Deus, filmes como
Carandiru, Tropa de Elite 1 e Tropa de Elite 2, de entre outros que abordam a
violência.
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Advirta-se, desde já, que, o principal objetivo do trabalho não é atribuir uma noção
artística do cinema a partir do filme escolhido descrevendo os aspectos estéticos ou
ressaltando o valor económico da produção, por exemplo, mas visa essencialmente a
análise de Cidade de Deus sob o aspecto social inerente à marginalidade deste
complexo urbano, na cidade do Rio de Janeiro. Para isso, selecionamos algumas
imagens do filme, que tem como protagonistas os temas da criminalidade e das drogas.
Tal interesse deve-se ao fato de este abordar temas que estão presentes em todas as
classes sociais. Estes temas podem ser considerados o fio condutor do filme em questão,
se entendidos como elementos sociais que constituem uma sociedade que cresce sem
planejamento e sem estrutura do Estado.
É oportuno mencionar que estes temas atravessaram o século XX e ainda, configuram-
se a realidade, na qual a sociedade não conseguiu solucionar e, certamente, este será um
grande desafio para o século XXI, exigindo assim um olhar diferenciado para estas
questões. A importância deste trabalho consiste, portanto, na contribuição académica
sob o viés social, permitindo redimensionar o olhar dos temas abordados. Trata-se de
um trabalho analisado em corpus cinematográfico e também em textos científico e
jornalístico, com um foco crítico em assuntos presentes na sociedade contemporânea,
pautados na visão de especialistas no assunto, permitindo reafirmar a cientificidade
deste artigo, tendo em vista o filme abordado.
2. O FILME CIDADE DE DEUS
A cinematografia brasileira tem abordado aspectos comuns da realidade social de
comunidades marginalizadas, nos últimos anos. O tráfico e suas vertentes nos grandes
centros urbanos, principalmente, têm se tornado uma constante, o que explica o
destaque da população periférica em produções cinematográficas, ora em narrativas
ficcionais, ora em documentários.
(...) o filme é dotado de uma capacidade significante que lhe permite recriar a realidade sob a forma de uma linguagem recorrendo a uma série de processos
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de reelaboração poética que o transformam num gênero técnico-formal mais virado para a expressão (...) (Setaro, 2004).
A importância do filme (figura 1) consiste em apresentar as características que
conduzem o espectador a identificar a realidade do ambiente que constitui parte da
periferia do Rio de Janeiro e apresenta as mazelas sociais da classe popular inseridas na
comunidade que tem o mesmo nome do filme. Os personagens, o figurino e a
caracterização da periferia são reconhecidos pelo espectador, que identifica em cada
cena a violência explícita na Cidade de Deus.
Figura 1 – Filme Cidade de Deus.
O espectador se depara com situações da criminalidade e das drogas na favela e
identifica a lei instaurada pelos traficantes afim deles próprios decidirem quem morrerá
e quem sobreviverá. A lei estabelecida pelos traficantes na favela mostra o poder que
esses criminosos exercem sobre os moradores do complexo habitacional. Interessante
observar que o subúrbio é a representação das mazelas da periferia. Essa representação
explícita no quotidiano do complexo habitacional, que leva o nome do filme, indica a
visão que a classe média tem sobre a periferia (figura 2).
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Figura 2 – Periferia “Complexo habitacional Cidade de Deus”.
O contexto social da narrativa indica a aproximação da ficção com a nossa sociedade,
explícita nos papéis estabelecidos dos atores no filme. Não sendo objeto deste estudo, a
discussão sobre os papéis dos personagens relevantes no enredo, ficarão sugeridas para
estudos posteriores. No entanto, apresentaremos uma breve descrição de alguns
personagens e da história.
O filme é baseado em relatos biográficos de moradores, tendo como protagonista o
personagem Buscapé, um narrador de histórias da favela. À medida que o protagonista
identifica os atores deste subúrbio e descreve a vida dos habitantes de sua comunidade,
ele descortina o surgimento da Cidade de Deus, com um alarmante e crescente
desenvolvimento do tráfico de drogas.
Tal relato garante a permanência construída sobre o que significa estar inserido numa
sociedade a qual é produtora e reprodutora da criminalidade. Ao descrever a trajetória
de cada integrante do subúrbio, por se tratar de relatos de jovens da favela, Buscapé não
só confirma a imagem social coletiva de uma periferia, mas também, incita no
espectador a máxima, de que, ao jovem, que nasce no subúrbio está reservado o destino
de ser criminoso e traficante.
Em contraponto a esta situação, a qual, está reservada a maioria dos outros jovens com
quem Buscapé convive, este, vê no trabalho a condição necessária para sair do destino
que Cidade de Deus reserva, para quem nasce, em uma verdadeira oficina de
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marginalizados. Zé Pequeno e Cenoura são a representação do banditismo na periferia
porque, ambos detém o controle do crime e do tráfico de drogas na favela.
O viés cinematográfico, de Cidade de Deus, revela a guerra pela disputa pelos pontos de
venda e comercialização de entorpecentes em uma favela, estando estruturado em três
momentos históricos distintos, especificadamente, nas décadas de 1960, de 1970 e de
1980. A criminalidade, na comunidade, inicia-se com pequenos furtos e assaltos (figura
3), que se intensificam trazendo, mais tarde, consigo ainda outros aspectos pertinentes a
tal realidade. São também inseridos no enredo o contexto de convivência das quadrilhas
de traficantes, a rivalidade e a hostilidade que são o retrato de uma situação evolutiva e
que, com o passar do tempo, deixou suas marcas de medo e sangue na favela.
Figura 3 – Início da criminalidade.
A vulnerabilidade do trabalhador frente à arma do bandido, como está explícita na
figura 3, proporciona identificar a criminalidade presente em uma sociedade caótica e
evidencia a fragilidade do sistema de segurança estatal em um complexo habitacional
como o descrito. É importante ressaltar que as organizações criminosas, nas quais, se
inserem os “bandidos”, reportados no filme, os incitam a cometer tais atos e crimes, no
intuito de, desestabilizar a ordem social.
Considerando que a cidade pós-moderna passa por situações como a que acabamos de
descrever, é importante ressaltar o carácter excludente e opressor, ao qual estão
expostos os moradores destas comunidades, tornando-os de forma significativa, meros
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figurantes de uma estrutura social complexa e, por isto, componentes do que alguns
estudiosos denominam de “classe subalterna”.
Os tons de realidade contidos e demonstrados, no filme, retratam a violenta e lucrativa
atividade do tráfico. A cena em que os jovens enrolam erva em papelotes, supostamente
a maconha e cocaína, mostradas na figura 4 e na figura 5 remete-nos para a condição
social que está concentrada nos guetos e periferias nos grandes centros urbanos do
Brasil.
Figura 4 – Jovem enrola a erva em papel.
Figura 5 – Produção da cocaína.
Tais cenas indicam a evolução da criminalidade, no subúrbio, confirmada na
distribuição e na venda das drogas. Essa criação e evolução da criminalidade marcada
pelos “Cartéis do Tráfico” demonstram que a favela é o local propício para a
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comercialização de materiais ilícitos. Tendo na figura do traficante, o prospecto de
mantenedor das linhas de distribuição do material e centralização de poder paralelo.
A produção das drogas movimenta o tráfico na favela e os traficantes “reconhecem sua
condição”, lugar este que reserva o trabalho de distribuição da droga e possibilita a
condição prima para a sobrevivência e a manutenção do crime. O lugar que os
traficantes ocupam em nossa sociedade indica a importância que estas figuras têm na
estrutura desta sociedade.
Seu trabalho os torna respeitados e direciona o olhar dos cidadãos comuns para o local
em que eles, os traficantes, vivem. Estes fabricantes da criminalidade imprimem uma
identidade própria na produção, no uso e na venda de drogas, a organização de cada
facção criminosa em uma favela, que se dilata de forma desordenada. Neste sentido, o
trabalho do traficante deixa de ser notado apenas na comunidade a qual ele pertence
passando, portanto, a ser perceptível em toda a sociedade vigente.
O tráfico de cocaína é um crime de altíssima lucratividade. Entre a produção da droga, nos países andinos, e a sua venda nas bocas-de-fumo cariocas, o quilo da cocaína valoriza-se em 650%. O lucro só não é maior para as quadrilhas porque, para se manter, elas têm de lançar mão de grossas quantias para remunerar policiais corruptos. Há os que chegam a ficar com 80% do lucro em algumas favelas. (França in Veja, 2007).
Isso indica que o comércio do tráfico apresenta-se em um ciclo que pode ser
considerado interminável. Neste sentido, ao vislumbrarmos o processo, de produção,
desde o início até o consumo da droga, torna-se mais que perceptível o lucro abusivo
gerado pelas altas quantias cobradas. No entanto, os traficantes são obrigados a praticá-
las, no intuito, de garantir a permanência do sistema do tráfico atendendo a mão-de-obra
não somente dos trabalhadores que se destinam à produção, mas também dos
“atravessadores” e outros distribuidores.
As pessoas de outras classes sociais, mais abastadas, e que não fazem parte destas
comunidades carentes, são as principais responsáveis pela permanência e manutenção
do tráfico. Ao comprarem as drogas, que na maioria das vezes, são comercializadas na
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favela, estas pessoas desencadeiam uma reação, que posteriormente, as atinge através da
violência. As cenas apresentadas na figura 6 e na figura 7 ilustram essa afirmação:
Figura 6 – Homem compra droga na mão de traficante.
Figura 7 – Traficante entrega a droga e recebe o dinheiro do comprador.
Em 2000, a Folha de São Paulo Online publicou o relatório apresentado pela Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI), que indicia envolvidos no narcotráfico. Na descrição, há
pessoas de classes e posições sociais distintas, que deveriam combater a criminalidade e
as drogas, mas financiavam o tráfico.
A CPI do Narcotráfico aprovou informalmente relatório final
indiciando mais de 800 pessoas, entre elas dois deputados federais, 14
estaduais e seis desembargadores. Também entraram na lista prefeitos,
delegados de polícia, policiais civis, militares e empresários. (...) Os
indiciamentos são fundamentados na acusação de prática de vários
crimes, entre eles envolvimento com o crime organizado e
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narcotráfico, homicídio, corrupção, sonegação fiscal, tráfico
internacional de drogas, roubo de carga e lavagem de dinheiro.
(Oliveira in Folha de S. Paulo Online, 2000).
Neste sentido, torna-se impossível, aos moradores destas comunidades, quebrarem este
ciclo que compõe uma esfera social própria, na qual, fazem parte todos os colaboradores
deste sistema que, por mero prazer e lucro, matam, roubam e traficam. Este é o reflexo
da criminalidade, não somente, na Cidade de Deus mas, da maioria dos centros urbanos
e que está evidente em sua essência por tais índices.
A situação imposta, pelos traficantes, demonstra que parte dos moradores das
comunidades está propensa a se envolverem com quem pratica crimes diversos. A
figura 8 esclarece que os jovens, em sua maioria, não conseguem se manter fora da
ilegalidade e os que tentam não se envolver, os inocentes, acabam por ser mortos pelos
traficantes.
Figura 8 – Moradores são assassinados pelos próprios traficantes.
Buscando entender, de modo mais específico, a natureza da criminalidade e das drogas,
ao relacionar tráfico e sociedade é visível que os integrantes do esquema demonstrem o
envolvimento do grupo na vida comunitária da favela, sendo eles, os responsáveis pela
solução de quaisquer adversidades que possam aparecer. Funcionam assim, como a
figura do próprio Estado, mostrando para aquele círculo social quem domina o território
e, consequentemente, acabam por intimidar a ação das pessoas que se manifestarem de
forma contrária à ação destes que dominam a favela.
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A condição dos traficantes diante da ameaça do combate ao crime, por policiais,
exemplificada na figura 9, mostra que aqueles não temem o perigo e intimidam os que
cruzam o caminho.
Figura 9 – Os traficantes ameaçam atirar.
Essas experiências comprovadas por pessoas que vivem em espaços urbanos mostram
que a criminalidade deixou de ser um problema local e passou a ser global. Assim,
pode-se dizer que a criminalidade e as drogas presentes em Cidade de Deus não são
meras representações das mazelas sociais de um subúrbio do Rio de Janeiro, mas de
cidades que, como o Rio de Janeiro que cresceu desordenadamente, sem condições
sociais adequadas para os moradores.
Busca-se, aqui, a exposição do efeito cascata para confirmar a máxima de que a
criminalidade em todas as suas vertentes nasce nos morros, porém, cresce na extensão
das cidades. Com a modernidade, torna-se mais visível a presença de vários aparatos
tecnológicos que dão suporte e logística à prática do tráfico. As pessoas utilizam
telemóveis e a internet para comunicar-se, lançando mão comumente destes recursos,
que facilitam o encontro entre os usuários e os traficantes, numa sociedade cada mais
dinâmica como a evidenciada no filme. Estas negociatas tendem a ser cada vez mais
rápidas e imperceptíveis aos olhos da frágil Justiça.
Para compreender melhor como a criminalidade e as drogas protagonizadas no cinema
eram temas que estavam inseridos na sociedade vigente da época, pode-se verificar, que
antes mesmo de o filme ser produzido, em 03 de Setembro de 1995, o Jornal Folha de
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São Paulo, publicou um artigo intitulado Desigualdade entre ricos e pobres é a causa
maior da criminalidade, de Luis Henrique Amaral.
Este artigo confirmara, na época, que a violência está associada e atrelada à
desigualdade social. Assim, tal edição do Jornal Folha de São Paulo apresentou uma
tabela, com alguns dos países que possuíam as mais alarmantes estatísticas sobre
homicídios, reconhecendo que “o nível de desigualdade social é uma das poucas causas
da criminalidade que podem ser quantificadas.”
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de um presente marcado pela violência urbana, o filme Cidade de Deus se
mostra cada vez mais atual, visto que, atinge de forma específica a realidade social da
maioria dos centros urbanos, ao demonstrar, de forma subjetiva, uma pseudo-biografia
de cada personagem inserido neste ambiente cercado de mazelas. A violência explícita e
impregnada, nas cenas, permitem ao espectador visualizar, de forma direta, a
transgressão da ordem na sociedade contemporânea.
Traçar um comparativo entre o filme e a sociedade posta, torna-se uma ferramenta mais
do que útil, pois traz consigo um carácter reflexivo na busca de uma solução que
acomete a paz do espaço vivido, quer urbano, quer outro. Este artigo apresentou dois
problemas sociais no drama Cidade de Deus: a criminalidade e as drogas, presentes em
uma sociedade e que ainda não foram possíveis de serem resolvidos nem pelos
moradores do complexo habitacional nem pelo Estado.
Entre filme e realidade surgem inúmeras discussões acerca das questões sociais, que,
embora locais contêm projeção mundial. O desejo de propor soluções para tais
problemas juntamente com o Estado, faz-se, portanto, necessário para que sociedade e
poder público possam encontrar uma maneira de diluir a criminalidade e as drogas, por
meio de ações mais diretas e efetivas, a fim de implementar o desenvolvimento de
projetos que promovam a consciência dos cidadãos para prevenir o surgimento de
condições miseráveis que resultam em exclusão social.
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Assim, ao tornar os sobreviventes destas comunidades cidadãos, conscientes de seus
direitos e deveres, estes poderão assumir o lugar daqueles que chefiam os ambientes
hostis e violentos descritos. Quebrando, portanto, o articulado ciclo que mantém vivos a
criminalidade e o tráfico, através de sua principal fonte mantenedora, a desigualdade
social. Os que nela vivem, por serem reféns da sua própria situação, necessitam de uma
maior assistência do Estado, significa, na prática, que a sociedade contemporânea, como
espaço de convivência coletiva, deve ter como premissa básica a isonomia e a
humanidade entre seus indivíduos, ao reconhecer que a violência se materializa nas
formas mais extremas da pobreza.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Amaral, Luis Henrique; (1995) Desigualdade entre ricos e pobres é a causa maior da criminalidade, in:
Jornal Folha de São Paulo, 03/09/1995. Disponível em
http://www.cefetsp.br/edu/eso/comportamento/desigualdadecrime.html acedido em
02/06/2011.
Aumont, Jacques; Marie, Michel, Dicionário teórico e crítico do cinema, trad. Carla Bogalheiro Gamboa
e Pedro Elói Duarte, Lisboa, Edições texto & grafia, 2008.
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25/04/2008.
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