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UTILIZAÇÃO DE RADIO-TELEMETRIA NO ESTUDO DE SELECÇÃO DE HABITAT DO BARBO COMUM (BARBUS BOCAGEI) NO RIO ALVA Paulo J. PINHEIRO Eng.º Florestal, Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, 213653492, [email protected] José M. SANTOS Eng.º Florestal, Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, 213653492, [email protected] António C. ALBUQUERQUE Eng.º Florestal, Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, 213653492, [email protected] Maria T. FERREIRA Bióloga, Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, 213653487, [email protected] RESUMO O objectivo do presente trabalho é a avaliação da selecção de habitat e a monitorização da mobilidade de indivíduos adultos de barbo comum (Barbus bocagei ), ao longo de um troço do rio Alva. Como o trabalho se insere num estudo sobre a eficiência das passagens para peixes em pequenas obras transversais, foi analisado igualmente se estes ciprinídeos utilizavam uma passagem para peixes instalada num empreendimento hidroeléctrico, existente na secção do rio Alva em avaliação. Para o efeito recorreu-se à radio-telemetria. Os transmissores foram implantados nas barbatanas dorsais dos B. bocagei, tendo os indivíduos marcados sido libertados a jusante do empreendimento hidroeléctrico. A monitorização das suas localizações foi efectuada com uma periodicidade aproximadamente mensal, utilizando uma antena portátil e efectuando percursos a pé ao longo das margens, e em alguns locais no leito do rio, com o auxílio de um barco pneumático. Em permanência encontrava-se uma antena fixa nas imediações da mini-hídrica, conectada ao data-logger, que efectuava registos em contínuo, de forma a observar se os barbos se aproximavam da passagem para peixes. Constatou-se que maioritariamente os B. bocagei se localizaram em pools, que são locais de maior profundidade, o que os torna preferencialmente seleccionados por indivíduos adultos, não tendo sido registadas migrações para desova. Este comportamento pode ter duas explicações: os locais onde se encontravam forneciam-lhes boas condições para reprodução, ou em virtude do reduzido caudal existente nos meses de Verão tornou os açudes intransponíveis, impedindo assim as migrações dos barbos, não tendo mesmo nenhum dos B. bocagei marcados aproximado-se da mini-hídrica. PALAVRAS-CHAVE Telemetria, Barbus bocagei, passagens-para-peixes, mobilidade, rio Alva. 7º Congresso da Água ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS

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UTILIZAÇÃO DE RADIO-TELEMETRIA NO ESTUDO DE SELECÇÃO DE HABITAT DO BARBO COMUM (BARBUS BOCAGEI) NO RIO ALVA

Paulo J. PINHEIRO Eng.º Florestal, Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, 213653492,

[email protected]

José M. SANTOS Eng.º Florestal, Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, 213653492,

[email protected]

António C. ALBUQUERQUE Eng.º Florestal, Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, 213653492,

[email protected]

Maria T. FERREIRA

Bióloga, Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, 213653487, [email protected]

RESUMO

O objectivo do presente trabalho é a avaliação da selecção de habitat e a monitorização da mobilidade de indivíduos adultos de barbo comum (Barbus bocagei), ao longo de um troço do rio Alva. Como o trabalho se insere num estudo sobre a eficiência das passagens para peixes em pequenas obras transversais, foi analisado igualmente se estes ciprinídeos utilizavam uma passagem para peixes instalada num empreendimento hidroeléctrico, existente na secção do rio Alva em avaliação. Para o efeito recorreu-se à radio-telemetria. Os transmissores foram implantados nas barbatanas dorsais dos B. bocagei, tendo os indivíduos marcados sido libertados a jusante do empreendimento hidroeléctrico. A monitorização das suas localizações foi efectuada com uma periodicidade aproximadamente mensal, utilizando uma antena portátil e efectuando percursos a pé ao longo das margens, e em alguns locais no leito do rio, com o auxílio de um barco pneumático. Em permanência encontrava-se uma antena fixa nas imediações da mini-hídrica, conectada ao data-logger, que efectuava registos em contínuo, de forma a observar se os barbos se aproximavam da passagem para peixes. Constatou-se que maioritariamente os B. bocagei se localizaram em pools, que são locais de maior profundidade, o que os torna preferencialmente seleccionados por indivíduos adultos, não tendo sido registadas migrações para desova. Este comportamento pode ter duas explicações: os locais onde se encontravam forneciam-lhes boas condições para reprodução, ou em virtude do reduzido caudal existente nos meses de Verão tornou os açudes intransponíveis, impedindo assim as migrações dos barbos, não tendo mesmo nenhum dos B. bocagei marcados aproximado-se da mini-hídrica. PALAVRAS-CHAVE

Telemetria, Barbus bocagei, passagens-para-peixes, mobilidade, rio Alva.

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1 INTRODUÇÃO

O barbo comum (Barbus bocagei) é um ciprinídeo endémico da Península Ibérica (Doadrio, 2001), com uma distribuição muito alargada, ocupado a quase totalidade das Bacias Hidrográficas de Portugal Continental, com excepção das bacias dos Rios Guadiana, Mira e das Ribeiras do Algarve. É um taxon muito abundante, ocupa um largo espectro de habitas de caracter lótico e lêntico e apresenta uma alimentação omnívora (Doadrio et al., 2001). A época de reprodução decorre de Maio a Julho, altura em que efectua migrações potamódromas para os locais propícios para a desova, que habitualmente se encontram em zonas pouco profundas, com substracto de gravilha ou cascalho, e em que a água se apresente bem oxigenada. Até ao presente não existiu nenhum trabalho onde tenha sido analisado a sua selecção de habitat com recurso à telemetria.

A telemetria é uma metodologia empregue desde o início da segunda metade do século XX, com o intuito de estudar o comportamento e a mobilidade de diversas espécies da fauna silvestre, no seu habitat natural (Giles 1971; Kenward 1987). Esta técnica baseia-se na detecção remota de um sinal, emitido através de transmissores colocados nos animais a monitorizar.

A telemetria é aplicada em Portugal desde o início da década de noventa do século passado, sobretudo na avifauna, mas também com alguns mamíferos, répteis, e mesmo com invertebrados, como o lagostim vermelho da Luisiana (Procambarus clarkii) (Gherardi et al. 2002). Com espécies piscícolas dulçaquícolas ocorreram apenas estudos que envolveram a marcação de lampreias (Petromyzon marinus) nos rios Mondego (Almeida et al. 2000; 2002) e Estorãos (Carneiro & Valente 2001; Carneiro 2002), bem como um outro trabalho, com uma espécie piscícola exótica – a carpa herbívora (Ctenopharyngodon idella) –, em canais de irrigação (Pinheiro 2001; Pinheiro et al., 2002).

As vantagens desta metodologia traduzem-se pela monitorização dos taxa marcados ser efectuada no habitat natural; a perturbação ser mínima – desde que a captura e posterior instalação dos transmissores seja efectuada correctamente –; ser uma técnica bastante adequada para situações de visibilidade fraca ou nula (e.g., animais com hábitos nocturnos ou que ocorram preferencialmente em sistemas aquáticos profundos); e permite realizar estudos de grande amplitude, como por exemplo no caso das migrações transcontinentais. Por outro lado, a radio-telemetria apresenta como principais desvantagens o elevado custo do material utilizado – sobretudo transmissores (“tags”) e data logger (receptor) –, e ainda a necessidade de marcar animais com alguma dimensão, o que se torna problemático no caso de algumas espécies piscícolas, visto ser aconselhável a utilização de transmissores cujo peso não exceda 2% do peso corporal dos peixes a monitorizar (Winter 1983 in Beyers & Carlson, 1993; Brown et al., 1999).

Para estudos de comportamento e mobilidade de espécies piscícolas são utilizados genericamente três sistemas de telemetria: ultra-sónico, radio-telemetria e satélite. Nos últimos anos foi desenvolvido um outro sistema, que sobretudo em passagens para peixes tem granjeado um crescente número de utilizadores, os PIT-tags (passive integrated transponder) (e.g. Aarestrup et al. 2003).

Em ambientes dulçaquícolas, o sistema de radio-telemetria tem sido ao longo das últimas décadas a técnica mais aplicada para monitorizar peixes migradores (e.g., Travade et al. 1989; Chanseau & Larinier 1999; Chanseau et al. 1999; Travade & Larinier 2002). Nos estudos de radio-telemetria são utilizados transmissores que emitem em bandas compreendidas entre 20 e 180 MHz., e que possuem como uma das principais vantagens a maior facilidade com que as antenas receptoras detectam os seus sinais na água, podendo atingir distâncias relativamente longas – até 2 km – (e.g.

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Travade & Larinier 2002). Um outro benefício relevante decorre desta metodologia, comparativamente com os outros sistemas de telemetria, ser menos perturbada pelos ruídos existentes nos cursos de água, e mesmo pelos produzidos nas centrais hidroeléctricas (Travade & Larinier 2002).

O presente trabalho consistiu na marcação de indivíduos potamódromos adultos de B. bocagei, com o intuito de analisar a selecção de habitat deste taxon e monitorizar a sua mobilidade. Neste último item foi dado particular ênfase à possível utilização do dispositivo de transposição piscícola, instalado no empreendimento hidroeléctrico existente na secção do rio Alva em avaliação.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Área de estudo

O presente estudo decorreu no rio Alva – bacia hidrográfica do rio Mondego –, mais precisamente num troço compreendido entre as localidades de Avô e Vila Cova do Alva, pertencentes ao distrito de Coimbra. Nesta secção do rio Alva encontra-se implantado o Aproveitamento Hidroeléctrico de Avô, pertencente à holding Hidroeléctrica do Cavalum, que foi seleccionado para o ensaio de radio-telemetria em virtude de apresentar boas condições ecohidráulicas, como também pelas facilidades de acesso e logísticas (instalação e arrumação do data logger e da antena).

O Aproveitamento Hidroeléctrico em avaliação apresenta uma passagem para peixes de bacias sucessivas. A estrutura encontra-se implantada na margem direita do rio, possui 32 bacias, e têm um comprimento de aproximadamente 95 m.

2.2 Ensaio de radio-telemetria

Para o estudo de radio-telemetria foram seleccionados oito transmissores, de dois modelos distintos (Tabela 1.), todos eles com capacidade de enviar sinais em intervalos de 5 segundos. O conjunto de transmissores escolhidos estavam programados para emitir na frequência de 149.420 MHz..

Tabela 1. Características técnicas dos quatro modelos de transmissores seleccionados.

Modelo Comprimento

(mm) Largura

(mm) Peso (g) Número do

“tag” MCFT_BM 48 11 8 14 a 17

MCFT_3EM 54 11 9 18 a 21

Os dois modelos seleccionados são transmissores codificados, que possuem um código binário exclusivo para cada deles, que os identifica no receptor, permitindo assim a utilização de diversos emissores numa mesma frequência. A característica atrás mencionada reduz consideravelmente o

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tempo de rastreio, decrescendo igualmente a probabilidade de um animal monitorizado transpor um determinado local sem ser identificado.

O restante equipamento seleccionado para o estudo de telemetria consistiu num receptor e processador de sinal de rádio, modelo SRX_400 com o software W7 incorporado, e uma antena para captação dos sinais acústicos com quatro elementos direccionais, modelo NA_4 YAGI_150 para frequências entre 148.000 e 152.000 MHz.. Todo este material foi adquirido à empresa canadiana LOTEK Ltd. Posteriormente, foi adquirida em Portugal uma outra antena receptora – YAGI 6575 (3E) – de três elementos à TELEVÉS Ltd. Esta, em virtude de possuir menores dimensões, facilita a sua utilização em operações de tracking manual, no entanto, apresenta uma menor capacidade de recepção do sinal emitido pelos tags, em relação ao modelo da LOTEK, por possuir menos um elemento.

Para o estudo de selecção de habitat foram capturados oito barbos adultos, existindo como pressuposto que quatro deles deveriam possuir um peso superior a 400 g, e os restantes superior a 450 g – devido à anteriormente mencionada regra dos 2% –, respectivamente para os modelos de transmissores MCFT_BM (“tags” nº. 14 a 17) e MCFT_3EM (“tags” nº. 18 a 21). O processo de captura foi iniciado em Novembro e Dezembro de 2002, num troço do rio Alva até aproximadamente 4 km a jusante da mini-hídrica. Em virtude de condicionantes ambientais, principalmente o elevado caudal, não foi possível a captura de B. bocagei com dimensões susceptíveis de suportar o peso do transmissor. Optou-se então por uma outra estratégia, que consistiu na captura dos barbos na albufeira da barragem da Agueira – de forma a estarem adaptados às condições ambientais da bacia hidrográfica –, com o auxílio de um pescador profissional. Em Dezembro de 2002, apenas foi capturado um exemplar, tendo as restantes capturas ocorrido nos dias 9 e 10 de Abril de 2003.

Imediatamente após terem sido retirados das redes de emalhar, os barbos seleccionados foram transferidos para um tanque de plástico, com água arejada por intermédio de um compressor. Passado um período de cerca de 1 hora, foi realizado o transporte dos indivíduos até ao local de libertação.

Os indivíduos seleccionados possuíam pesos compreendidos entre 490 e 1500 g, (valor médio de 870 g), e comprimento total compreendido entre 35.5 e 51.5 cm (média de 42.2 cm). As características dos 8 B. bocagei utilizados no estudo encontram-se representadas na Tabela 2.. Regista-se que daqui em diante é associado o número do transmissor a cada um dos barbos.

Tabela 2. Características dos oito barbos seleccionados para a colocação dos transmissores.

Número “Tag” Comprimento (cm) Peso (g) Sexo Data de marcação 14 37.5 590 Macho 10/04/2003 15 35.5 550 Macho 10/04/2003 16 42 700 Macho 10/04/2003 17 37 490 Macho 10/04/2003 18 45 910 Fêmea 09/04/2003 19 41.5 900 Fêmea 09/04/2003 20 47.5 1320 Fêmea 09/04/2003 21 51.5 1500 Indefinido 13/12/2002

Na fauna piscícola, a colocação externa dos tags é efectuada sobretudo no músculo dorsal (junto à barbatana dorsal), ou alternativamente na região da barbatana caudal (e.g., Beaumont & Masters, 2003). Quando se opta pela implantação interna, ela pode ser efectuado no estômago ou na cavidade abdominal, exigindo nesta última situação uma pequena intervenção cirúrgica. No caso de

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espécimes adultos migradores, que não se alimentam durante a actividade migratória – e.g., salmão (Salmo salar) –, a implantação estomacal é o método mais aconselhado, envolvendo menores perturbações e riscos para os indivíduos a monitorizar.

Os transmissores foram colocados junto à barbatana dorsal dos B. bocagei, tendo para o efeito sido adaptada uma “mochila” com multifio de nylon entrançado cavelar – um fio de pesca que apresenta elevada elasticidade. Inicialmente, fez-se passar o fio por dois orifícios existentes nos transmissores (Figura 1).

Figura 1. Processo de colocação dos transmissores.

De seguida, fez-se passar o fio pelos opérculos, com o cuidado de não interferir com as brânquias. Após esta operação, o fio foi passado pela parte posterior das barbatanas dorsal e pélvica, com o objectivo de fixar o transmissor (Figura 2). Findo este processo, os peixes foram colocados num tanque oxigenado durante um período de aproximadamente 1 hora, para recuperarem do stress; ao longo desta fase foi sendo misturada à agua do tanque outra proveniente do rio, com o intuito de minimizar o risco de ocorrência de choque térmico, aquando da libertação dos barbos.

Figura 2. Disposição do transmissor nos B. bocagei.

A libertação dos B. bocagei marcados (Figura 3.), foi realizada em locais que reuniam condições adequadas para o seu progresso para montante, mais precisamente em duas zonas de pool do rio Alva, a jusante do aproveitamento hidroeléctrico em avaliação: uma a 2.8 km (barbos nº. 14 a 17) e a outra a 3.4 km (barbos nº. 18 a 21). Ambos os locais localizavam-se a montante de um açude com cerca de 3 m de altura, situado aproximadamente a 4.2 km da mini-hídrica.

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Figura 3. Libertação do barbo número 21.

Uma das antenas – a de quatro elementos – foi instalada nas imediações da obra hidráulica em estudo, sendo que durante o Inverno ficou colocada na direcção da primeira bacia da passagem para peixes, num local acima da cota de leito de cheia. Esta disposição teve por objectivo minorar possíveis problemas relacionados com cheias; em Junho de 2003 foi deslocada para junto da passagem de peixes. O data-logger foi instalado no interior da central da mini-hídrica, com uma ligação à terra, para evitar possíveis danos causados por raios que sejam recebidos na antena, e cheguem ao receptor via cabo de ligação. O dispositivo ficou permanentemente ligado – possuindo uma bateria com uma autonomia para cerca de 4 horas, que fornece energia na ausência de corrente eléctrica – registando a eventual presença de indivíduos marcados nas imediações do empreendimento hidroeléctrico em avaliação. O download dos dados foi efectuado numa base mensal, para um computador portátil.

Com o objectivo de tentar localizar os peixes marcados com os transmissores, foi realizado mensalmente um percurso a pé ao longo das margens, ou no leito do rio com recurso a um barco pneumático nos locais de difícil acesso. O trajecto analisado compreendeu um troço do rio, com uma extensão de aproximadamente 12 km, desde a mini-hídrica de Avô até à localidade de Barril do Alva. Nestas operações foi utilizado o receptor, conectado com a antena de três elementos, tendo sido a localização dos indivíduos posteriormente registada em cartas militares 1:25000 do Instituto Geográfico Português (IGP).

O sistema convencional de radio-telemetria recorre a transmissores que emitem sinais acústicos em frequências distintas, o que individualiza cada animal monitorizado. A localização dos indivíduos em estudo é efectuada com o auxílio de antenas receptoras móveis, e na grande maioria das situações, recorrendo a uma técnica denominada de triangulação. Em alternativa, e nomeadamente quando se estudam aves ou mamíferos, recorre-se a um procedimento vulgarmente designado como ”homing in”, que consiste em procurar activamente um indivíduo seguindo o aumento da intensidade do sinal acústico, até ser possível a visualização ou o confinamento a um local específico (White & Garrot 1990). A metodologia seguida no presente trabalho é baseada no ”homing in”, sobretudo no confinamento dos animais monitorizados a uma pequena região, visto que a sua visualização em rios com as características do Alva (e.g. pools profundos, corrente forte) é praticamente impossível.

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3 RESULTADOS

Na Figura 4. é apresentado o padrão das localizações para os B. bocagei que foram localizados numa percentagem significativa das visitas, uma vez que o indivíduo número 17 apenas foi identificado no mês de Abril, tendo-se perdido a partir de então o seu sinal.

Figura 4. Padrão de localizações dos barbos monitorizados ao longo do período de estudo. As linhas horizontais assinalam

a posição dos açudes; as setas indicam os dois locais de libertação dos indivíduos.

A observação das localizações dos B. bocagei revela que os indivíduos, após um período inicial de aclimatação, foram registados sensivelmente nas mesmas regiões. Excluindo o indivíduo 21, os restantes seis barbos apresentaram um padrão de mobilidade muito idêntico.

A partir de Maio, os barbos números 14 e 20 localizaram-se sempre a jusante do Açude da Sapeira, que dista cerca de 6.2 km da mini-hídrica. Neste período, estes dois indivíduos apresentaram uma amplitude de movimentos muita reduzida.

Durante as operações de localização, o B. bocagei número 15 apenas não foi registado em Agosto, tendo nos restantes períodos sido localizado num pool a jusante do local onde foi libertado. Este facto sugere que em Julho, por alguma razão desconhecida (e.g., encontrar-se num local muito profundo ou o seu sinal ter sido reflectido pela densa vegetação ripária), não foi registado o sinal emitido por este transmissor, apesar de ser quase certo que ele se encontrava neste local.

O barbo 16 apenas foi localizado a partir de Julho, aproximadamente a 7.5 km a jusante do aproveitamento hidroeléctrico, num pool de grandes dimensões. Nos meses posteriores, manteve-se sempre nesta secção do rio Alva.

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Os indivíduos 18 e 19 permaneceram ao longo do período de estudo no pool onde foram libertados, e que se encontra a cerca de 4 km do Aproveitamento Hidroeléctrico de Avô. Este pool, fica a montante de um açude que possui uma altura de aproximadamente 3 m.

O barbo que mais se destacou a nível de mobilidade foi o primeiro indivíduo a ser marcado – o 21. Este indivíduo, foi libertado em Dezembro de 2003, mas apenas em Maio é que foi novamente localizado, a montante do Açude da Quinta da Sapeira. A partir de então, foi sempre localizado numa região com aproximadamente 1.1 km de extensão, compreendida entre dois açudes consecutivos – Azenha do Areal e Quinta da Sapeira.

É igualmente de assinalar que a antena instalada nas imediações do aproveitamento hidroeléctrico em avaliação, e que efectuou registos em contínuo durante o período em estudo, não assinalou a aproximação de nenhum dos barbos monitorizado à obra hidráulica transversal.

4 DISCUSSÃO

Através da análise mensal do conjunto de localizações e respectivas deslocações, constatou-se que após um período inicial de aclimatação, a maior parte dos indivíduos ficou confinada a pools, a jusante de açudes. Estes locais, apresentam uma profundidade relativamente elevada e corrente fraca, o que os torna preferencialmente seleccionados por indivíduos com as características dos utilizados no presente ensaio.

Após a libertação, os B. bocagei monitorizados foram muito provavelmente arrastados pela forte corrente existente no rio Alva nos períodos – Dezembro de 2002 e Abril de 2003 – em que foi efectuada a marcação dos indivíduos. Apesar de terem sido capturados indivíduos da mesma região hidrográfica, aqueles eram provenientes da albufeira da Barragem da Agueira, tendo estado previamente sob diferentes condições hidrológicas e térmicas (ambientes lênticos e semi-lênticos, temperatura da água mais elevada) do que as observadas no rio Alva. Este facto poderá ter induzido algum stress inicial no comportamento dos peixes. O stress causado pelas operações de captura, manuseamento e colocação dos tags, poderá ter induzido igualmente o arrastamento dos indivíduos, apesar de se ter tentado minimizar os efeitos destas operações.

Durante o estudo não foram registados movimentos migratórios reprodutivos, uma vez que os sete indivíduos monitorizados – para os quais se possuem registos de localizações ao longo do período em avaliação –, não apresentaram deslocações significativas, tendo permanecido sensivelmente nos mesmos locais durante o período em avaliação. A única excepção foi a do indivíduo número 21, que se deslocou entre dois açudes consecutivos, distanciados de aproximadamente 1.1 km. No entanto, esta pequena secção do rio Alva é muito homogénea a nível de habitats para o taxon em estudo.

Existem duas hipóteses que podem sustentar o comportamento observado. Primeiro, os locais onde os indivíduos foram localizados poderão ter-lhes proporcionado boas condições a nível de habitat, nomeadamente locais de reprodução e abrigo, não havendo necessidade de efectuarem movimentos para montante, em busca de locais propícios para a actividade reprodutiva. Situação análoga foi registada por Penaz et al. (2002) com o maioria – 70 % – de um conjunto de 149 B. barbus monitorizados no rio Jihlava, da República Checa.

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A outra hipótese poderá estar relacionada com a difícil transponibilidade dos açudes, particularmente nos períodos de maior escassez de água (finais de Primavera e princípios de Verão), altura mais susceptível às migrações reprodutivas (e.g., Doadrio, 2001), impedindo assim as deslocações para montante.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A marcação de oito barbos adultos, e a sua posterior libertação em locais a jusante da passagem para peixes, tiveram como principal resultado a não existência de movimentos no sentido da transposição daquela estrutura. Após um período inicial de aclimatação, registaram-se unicamente a existência de pequenas deslocações por parte dos barbos. Esta situação assemelha-se a uma outra verificada num estudo anterior, realizado na passagem para peixes de Vale Soeiro (Ferreira et al., 2000), no qual foi observado que a complexa e variada malha habitacional existente a jusante do dispositivo, com a presença alternada de segmentos de riffles e pools, parece ter tido um papel preponderante na manutenção das populações a jusante, através da disponibilidade de locais de abrigo, desova e alimentação.

Futuras aplicações em monitorizações de passagens para peixes, envolvendo estudos de telemetria, devem considerar o emprego de PIT-tags, pela sua maior comodidade em meios humanos e materiais, isto para além de permitirem a marcação de um leque bastante mais amplo de indivíduos, em virtude do baixo custo dos transmissores. A utilização dos PIT-tags pode ser um método bastante adequado para o estudo da funcionalidade das passagens para peixes, uma vez que a existência de mais de 34 biliões de combinações de códigos alfanuméricos (Nietfeld & Silvy 1996 in Rogers et al. 2002) permitem estudos que envolvam operações de marcação em massa. Paralelamente, e devido às reduzidas dimensões dos transmissores – comprimento mínimo de 2 a 7 mm –, é a metodologia mais indicada para monitorizar animais de pequenas dimensões (Bubb et al. 2002), como alguns dos ciprinídeos típicos dos sistemas fluviais portugueses – e.g., Rutilus sp. e Squalius sp..

Em suma, a importância do local de implantação de pequenos aproveitamentos transversais aos cursos de água, toma um papel preponderante no sucesso da manutenção das comunidades dulçaquícolas a jusante. Para além destas estruturas, deve ter-se igualmente em consideração a presença/ausência de pequenas estruturas (e.g., açudes), que apesar de muitas vezes benéficas nos cursos de água pela criação de diferentes sequências de mosaicos de habitat, podem impedir em determinadas alturas críticas a movimentação de algumas espécies/estados de maturidade para montante.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Hidroeléctrica do Cavalum, essencialmente aos Engenheiro Luís Pedro Marques e Carlos Amaral Lopes, as facilidades concedidas para a instalação do equipamento utilizado no ensaio de radio-telemetria.

O presente estudo foi desenvolvido no âmbito de um protocolo de colaboração celebrado entre o Departamento de Engenharia Florestal do Instituto Superior de Agronomia e a Direcção Geral das Florestas, intitulado “Ecohidráulica de passagens para peixes em pequenas obras fluviais transversais”.

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7º Congresso da Água

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