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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO - CCE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO Suyan Magally Ferreira O ÚLTIMO DIA DE UM CONDENADO, DE VICTOR HUGO: PARATEXTOS TRADUZIDOS E TRADUÇÃO COMENTADA DO PREFÁCIO DE 1832 Florianópolis 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC

CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO - CCE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA

TRADUÇÃO

Suyan Magally Ferreira

O ÚLTIMO DIA DE UM CONDENADO, DE VICTOR HUGO:

PARATEXTOS TRADUZIDOS E TRADUÇÃO COMENTADA

DO PREFÁCIO DE 1832

Florianópolis

2017

Suyan Magally Ferreira

O ÚLTIMO DIA DE UM CONDENADO, DE VICTOR HUGO:

PARATEXTOS TRADUZIDOS E TRADUÇÃO COMENTADA

DO PREFÁCIO DE 1832

Dissertação submetida ao Programa de

Pós-Graduação em Estudos da Tradução

da Universidade Federal de Santa

Catarina para a obtenção do Grau de

Mestre em Estudos da Tradução.

Orientadora: Profa. Dra. Marie-Hélène

Cathérine Torres.

Florianópolis

2017

SUYAN MAGALLY FERREIRA

O ÚLTIMO DIA DE UM CONDENADO, DE VICTOR HUGO:

PARATEXTOS TRADUZIDOS E TRADUÇÃO COMENTADA

DO PREFÁCIO DE 1832

Essa Dissertação de Mestrado foi julgada e aprovada pela banca

examinadora para a obtenção de “Mestre em Estudos da Tradução” na

sua forma final pelo curso de Pós-graduação em Estudos da Tradução da

Universidade Federal de Santa Catarina – PGET/UFSC

Florianópolis, 28 de junho de 2017.

________________________________________

Profa. Dra. Dirce Waltrick do Amarante

Coordenadora da PGET (UFSC)

________________________________________

Prof. Dra. Marie-Hélène Catherine Torres

Orientadora e Presidente (UFSC)

________________________________________

Profa. Dra. Cláudia Grijó Vilarouca

(UFMA)

________________________________________

Profa. Dra. Andréa Cesco

(UFSC)

________________________________________

Prof. Dr. Gilles Jean Abes

(UFSC)

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à minha família que me encorajando sempre

nos momentos importantes da minha vida, me deu forças para que eu

chegasse ao término dos meus estudos de mestrado, tornando assim,

possível o caminho do êxito.

Agradeço ao meu colega Anderson da Costa o insentivo para a

realização desse mestrado. Minha gratidão pela ajuda que me prestou a

todo o momento em que precisei de sua brilhante mente.

À minha amiga Marilene Kall que inúmeras vezes me socorreu quando

eu mais precisei. Pacientemente, explicava todas minhas dúvidas e

acalmava minhas aflições, tornando o meu processo de mestranda

menos turbulento. Ao meu amigo Mohamad Ghaleb Birani que sempre

conseguiu me dar uma palavra amiga quando eu mais ansiei. Aos meus

dois amigos, que juntos realizamos trabalhos e partilhamos de muitas

discursões não só em torno da tradução, porém, da vida, agradeço

muitíssimo pelo apoio, pela ajuda e compreensão nos momentos difíceis

e tristes que apenas poucos sabem. Vocês souberam ouvir a Suyan que

já não era tão feliz assim, devido aos muitos percalços que tive que

enfrentar nesses dois anos de mestrado.

À minha orientadora Marie-Hélène Torres por ter aceitado me orientar.

RESUMO

A novela de Victor Hugo O Último Dia de um condenado foi

originalmente publicada em 1829 na França e tornou-se imediatamente

um libelo contra a pena de morte. Contando com três prefácios, sendo

dois deles escritos por Hugo nos quais o autor dialoga com a polêmica

gerada em torno da obra, essa novela que não chega a ser um chef

d’oeuvre do escritor francês, contudo, rica em paratextos, é um dos dois

objetos de estudo da presente dissertação. O outro será a tradução

comentada do terceiro prefácio escrito por Victor Hugo para a obra, o

qual ficou conhecido como Prefácio de 1832. Tanto para a análise dos

paratextos quanto para a tradução comentada, foram abordadas as

reflexões de Gérard Genette concernentes ao paratexto e as de Antoine

Berman sobre o horizonte de tradução. Como texto de partida utilizou-se

Le Dernier Jour d’un condamné suivi de Claude Gueux et de L’Affaire

Tapner, publicado em 2014 pela editora Le Livre de Poche, de Paris.

Quanto às traduções para o português do Brasil de O Último Dia de um

condenado, servimo-nos de quatro, encontradas após algumas pesquisas.

A primeira tradução foi publicada pela Editorial Moderna Paulistana,

com data e tradutor desconhecidos; a segunda tradução data de 1995 e

foi publicada pela editora Newton Compton, contando com tradução de

Annie Paulette Marie Cambè; A terceira tradução saiu em 2002 com a

Editora Estação Liberdade, tendo Joana Canêdo como tradutora; a

última edição foi publicada pela Golden Books em 2005, com tradução

de Sebastião Paz. Sobre as citações em português de O Último Dia de

um condenado para a presente dissertação, escolheu-se a edição de

2002, pois esta se apresenta mais completa em que diz respeito aos

paratextos.

PALAVRAS-CHAVE: Victor Hugo; O Último Dia de um condenado;

paratextos editoriais; tradução.

RESUMÉ

Le récit de Victor Hugo Le Dernier Jour d’un condamné a été

originairement publié en 1829 en France et il est immédiatement devenu

un pladoyer contre la peine de mort. Comptant trois préfaces, dont deux

écrites par Hugo, dans lesquelles l’auteur dialogue avec la polémique

générée autour de l’oeuvre, ce récit qui n’est pas tout à fait un chef

d’oeuvre du romanciste français, pourtant riche en paratextes, est l’un

des deux objets d’étude de la présente dissertation. L’autre en sera la

traduction commentée de la deuxième préface écrite par Victor Hugo, la

« Préface de 1832 ». Tant pour l’analyse des paratextes que pour la

traduction commentée, ont été abordées les réflexions de Gérard Genette

concernant les paratextes et celles de Antoine Berman sur l’horizon de

traduction. Comme texte de départ, on a utilisé Le Dernier Jour d’un condamné suivi de Claude Gueux et de L’Affaire Tapner, publié en 2014

par la maison d’édition Le Livre de Poche, de Paris. Nous nous sommes

servie de quatre traductions en portugais du Brésil de Le Dernier Jour

d’un condamné. La première traduction a été publiée par la maison

d’édition Moderna Paulistana sans date ni mention du traducteur ; la

deuxième traduction de Annie Marie Cambè de 1995 a été publiée par la

maison d’édition Newton Compton ; la troisième traduction de Joana

Canêdo a paru en 2002 à la maison d’édition Estação Liberdade ; la

dernière édition a été publiée par Golden Books en 2005, avec la

traduction de Sebastião Paz. Les citations en portugais de Le Dernier Jour d’un condamné sont faites à partir de l’édition de 2002 car celle-ci

comporte tous les paratextes en étude.

MOTS – CLÉS : Victor Hugo; Le Dernier Jour d’un condamné;

paratextes ;traduction ;commenté.

ABSTRACT

Victor Hugo's novel The Last Day of a Condemned Man was originally

published in 1829 in France and immediately became a libel against the

death penalty. Counting on three prefaces, two of them written by Hugo

in which the author dialogues with the controversy generated around

this work, this novel, that does not become a "chef d'oeuvre" of the

french writer, but rich in paratexts, is one of the two objects of study of

the present dissertation. The other object will be the commented

translation of the third preface written by Victor Hugo for this work,

which became known as the Preface of 1832. For the analysis of the

paratexts as well as for the commented translation, the reflections of

Gérard Genette concerning the paratext and those of Antoine Berman on

the horizon of translation were addressed. As a starting point, Le

Dernier Jour d'un condamné suivi by Claude Gueux et L'Affaire Tapner,

published in 2014 by Le Livre de Poche, Paris, was used. As for the

translations of The Last Day of a Condemned Man to Brazilian

Portuguese, we used four of them, found after some research. The first

translation was published by Editorial Moderna Paulistana, with date

and translator unknown; the second translation dates from 1995 and was

published by the Newton Compton Editora, with the translation of

Annie Paulette Marie Cambè; The third translation came out in 2002 by

Editora Estação Liberdade, with Joana Canêdo as the translator; the last

edition was published by Golden Books in 2005, with translation by

Sebastião Paz. About the Portuguese citations of The Last Day of a

Condemned Man for the present dissertation, the 2002 edition was

chosen, since this one is more complete concerned to the paratexts.

KEYWORDS: Victor Hugo; The Last Day of a Condemned Man;

editorial paratexts; translation.

LISTA DE FIGURAS

Figura 01. Primeira capa de O último dia de um condenado, de Victor

Hugo, 1ª Edição Editorial Moderna Paulistana – s/d----------------------89

Figura 02. Primeira capa de O último dia de um condenado, de Victor

Hugo, 2ª Edição Editora Newton Compton – 1995------------------------92

Figura 03. Primeira capa de O último dia de um condenado, de Victor

Hugo, 3ª Edição Editora Estação Liberdade – 2002-----------------------95

Figura 04. Primeira capa de O último dia de um condenado, de Victor

Hugo, 4ª Edição Editora Golden Books – 2005----------------------------97

Figura 05. Quarta capa de O último dia de um condenado, de Victor

Hugo, 1ª Edição Editorial Moderna Paulistana – s/d---------------------104

Figura 06. Quarta capa de O último dia de um condenado, de Victor

Hugo, 2ª Edição Editora Newton Compton – 1995----------------------106

Figura 07. Quarta capa de O último dia de um condenado, de Victor

Hugo, 3ª Edição Editora Estação Liberdade – 2002--------------------- 108

Figura 08. Quarta capa de O último dia de um condenado, de Victor

Hugo, 4ª Edição Editora Golden Books – 2005--------------------------109

SUMÁRIO

1.0. INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------21

CAPÍTULO I: VICTOR HUGO E O ÚLTIMO DIA DE UM

CONDENADO------------------------------------------------------------------24

1.1. A Obra de Victor Hugo no contexto romântico francês---------24

1.2. O Último Dia de um condenado: um libelo contra a pena de

morte ----------------------------------------------------------------------------32

CAPÍTULO II: ANÁLISE DOS ELEMENTOS PARATEXTUAIS EM

O ÚLTIMO DIA DE UM CONDENADO ----------------------------------42

2.1. O paratexto: o limiar do texto literário----------------------------- 42

2.2. O prefácio ----------------------------------------------------------------43

2.3. Os prefácios em O Último Dia de um condenado------------------45

2.4. Os prefácios em O Último Dia de um condenado nas edições

brasileiras ----------------------------------------------------------------------52

2.5. Notas-----------------------------------------------------------------------58

2.5.1. As Notas de rodapé ---------------------------------------------------59

2.5.2. Notas de rodapé – Editora Moderna Paulistana – s/d---------63

2.5.3. Notas de rodapé – Editora Newton Compton – 1995----------67

2.5.4. Notas de rodapé – Editora Estação Liberdade – 2002---------72

2.5.5. Notas de rodapé – Editora Golden Books – 2005---------------77

2.5.6. Nota Final de O Último Dia de um condenado-------------------80

2.6. A Primeira Capa---------------------------------------------------------84

2.6.1. Primeira Capa – 1ª Edição Editorial Moderna Paulistana, s/d-

------------------------------------------------------------------------------------85

2.6.2. Primeira Capa – 2ª Edição Editora Newton Compton, 1995----

------------------------------------------------------------------------------------88

2.6.3. Primeira Capa – 3ª Edição Editora Estação Liberdade, 2002--

------------------------------------------------------------------------------------90

2.6.4. Primeira Capa – 4ª Edição Editora Golden Books, 2005 -----93

2.7. Orelhas---------------------------------------------------------------------95

2.8. A Quarta Capa ----------------------------------------------------------98

2.8.1. Quarta Capa – 1ª Edição Editorial Moderna Paulistana, s/d---

------------------------------------------------------------------------------------99

2.8.2. Quarta Capa – 2ª Edição Editora Newton Compton, 1995 -----

-----------------------------------------------------------------------------------101

2.8.3. Quarta Capa – 3ª Edição Editora Estação Liberdade, 2002 ----

-----------------------------------------------------------------------------------103

2.8.4. Quarta Capa – 4ª Edição Editora Golden Books, 2005------104

CAPÍTULO III: TRADUÇÃO COMENTADA DO PREFÁCIO DE

1832 ----------------------------------------------------------------------------106

3.1. Tradução do Prefácio de 1832 --------------------------------------106

3.2. Comentários sobre a tradução --------------------------------------148

3.2.1. Clarificação -----------------------------------------------------------148

3.2.2. O empobrecimento qualitativo------------------------------------152

3.2.3. O empobrecimento quantitativo----------------------------------153

3.2.4. A homogeneização---------------------------------------------------154

3.2.5. A destruição das locuções-----------------------------------156

CONSIDERAÇÕES FINAIS ---------------------------------------159

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS-----------------------------163

ANEXOS------------------------------------------------------------------167

21

INTRODUÇÃO

A presente dissertação tem por objeto de estudo a obra O Último Dia de um condenado, do escritor francês Victor Hugo. Tal estudo

articula-se sobre dois pontos, o primeiro deles refere-se à análise das

traduções dos paratextos nas quatro traduções publicadas no Brasil. Já o

segundo se configura em uma proposta de tradução para o terceiro

prefácio da obra, conhecido como Prefácio de 1832, escrito pelo próprio

autor. No que se refere aos paratextos a pesquisa se pautará em uma

abordagem descritiva, para a qual utilizarei como suporte teórico a obra

de Gérard Genette (2009). Quanto à tradução comentada do prefácio

encontrei suporte nas teorias de Antoine Berman. Notadamente no que

ele define como as “treze tendências deformadoras da tradução”,

presentes na obra A Tradução da Letra e o Albergue do Longínquo

(2013), e também nas reflexões que fez acerca do que ele estabelece

como “horizonte de tradução”, presente na obra John Donne : pour une critique des traductions (1995). Creio que as concepções de Berman

sobre o que há publicado de um determinado autor — seja fortuna

crítica, outras obras suas, outras traduções — quando uma determinada

tradução vem a público, podem me ser úteis durante a comparação dos

paratextos, sobretudo em razão da proximidade de datas entre a maioria

das edições em estudo.

Publicada originalmente em 1829 na França, a novela O Último

Dia de um condenado é considerado um manifesto contra a pena de

morte por estudiosos da obra de Victor Hugo. Entre eles podemos citar

Robert Badinter, autor do prefácio para Le Dernier jour d’un condamné

(2014), um advogado criminalista e militante histórico da causa da

abolição da pena de morte na França. Na condição de Ministro da

Justiça do governo de François Miterrand enviou ao parlamento o

projeto de lei que aboliu a pena capital naquele país em setembro de

1981. Além de Badinter pode-se citar o nome de Júnia Barreto no seu

artigo Crime e pena capital no século 19 (2010); de Myriam Roman em

Le Dernier Jour d'un condamné : le style contre la rhétorique (2005) ;

de Sonja Hamilton em Fantôme littéraire de Hugo: les lendemains du dernier jour d’un condamné (2001).

Victor Hugo escreveu a novela em apenas três semanas,

conforme atesta a sua esposa na biografia que escreveu sobre ele

(CHARLIER,1915.p. 346), logo após ter visto um carrasco afiando a

guilhotina, a qual seria utilizada em uma execução naquele mesmo dia.

A obra retrata as últimas 24 horas de um condenado à morte, cujo crime

22

por ele cometido, como também a sua identidade, permanecem durante

toda a narrativa desconhecidos do leitor.

Essa característica da obra despertou na época críticas à novela

por parte de alguns contemporâneos de Victor Hugo, segundo atesta

Sonja Hamilton no artigo Fantôme littéraire de Hugo: les lendemains

du Dernier jour d’un condamné :

Alguns artigos são elogiosos, [...] a maioria deles

critica a audácia de um autor [...] Victor Hugo é

fortemente atacado apesar do sucesso comercial

de seu livro. O jornal des Débats do dia 26 de

fevereiro de 1829 qualifica seu romance de “odioso”, “medonho”, “pavoroso” e cheio de

“horrores gratuitos”.1

Por sua vez o editor Charles Gosselin sugeriu ao autor que

completasse a obra com a história do condenado, pois temia que o leitor

não compreendesse a mesma, recebendo, em resposta, via carta, a recusa

do autor2. Nesse sentido, e fazendo uso de monólogo interior, o autor de

Os Miseráveis escreveu uma obra até certo ponto inovadora, pois ao

negar ao leitor uma estrutura de romance ao qual ele estava habituado,

direciona esse leitor para uma reflexão mais conectada com a sua

realidade, pois se discutia na época a abolição da pena de morte.

Em relação à presença de O Último Dia de um condenado no

sistema literário brasileiro, pude apurar quatro traduções. A primeira

delas foi publicada pela Editorial Moderna Paulistana, sem indicação de

data e de tradutor. Possivelmente a sua publicação se deu nos anos 30, a

julgar pelo levantamento feito de outras obras publicadas pela editora, as

quais se situam nessa década. A segunda tradução é de 1995 e foi

publicada pela Editora Newton Compton, com tradução de Annie

Paulette Marie Cambè. A terceira tradução de O Último Dia de um

condenado saiu pela Editora Estação Liberdade em 2002, e conta com

1 Quelques articles sont élogieux, […] les plus nombreux critiquent l’audace

d'un auteur […] Victor Hugo est vivement attaqué malgré le succès commercial

de son livre. Le Journal des Débats du 26 février 1829 qualifie son roman de

"odieux", "effroyable", "terrifiant," et rempli de "gratuites horreurs." Disponível

em: <https://escholarship.org/uc/item/64h4x7sm#page-1> Acesso: 01/10/2014).

A tradução é minha. 2 Disponível em: < http://www.christies.com/lotfinder/books-

manuscripts/victor-hugo-lettre-autographe-signee-vh-adressee-5543843-

details.aspx> Acesso: 01/10/2014.

23

tradução de Joana Canêdo. E, por fim, a editora Golden Books publicou

em 2005, com tradução de Sebastião Paz, a 4ª tradução da novela de

Victor Hugo.

Já em Portugal, até o presente momento, levantei oito traduções.

A mais antiga delas data de 1921, feita por J. Pereira da Silva, editada

pela Literária Universal de Lisboa. As demais, datadas em ordem

crescente são: Editora Portugália, Lisboa: 1968, tradução de Orlando

Neves; Lello & Irmão, Porto: 1969, tradução desconhecida; Editorial

Verbo, Lisboa: 1972, tradução de José de Nel-Castro; Editora

Civilização, Porto: 1976, tradução de Aureliano Sampaio; Editora

Europa-América, Lisboa: 1990, tradução de Cascais Franco; Editora

Quidnovi, Vila do Conde: 2010, tradução de Ana Ribeiro; Editora

Cotovia, Lisboa: 2010, tradutor desconhecido.

O estudo dos paratextos em uma tradução podem revelar como se

insere em uma outra cultura e língua um texto que originalmente surgiu

em determinadas circunstâncias, motivado por um contexto específico.

Assim, no deslocamento temporal, espacial e, sobretudo cultural de um

texto, é possível inferir sobre esse processo de chegada e adaptação na

cultura alvo. Como O Último Dia de um condenado é apresentado ao

sistema literário brasileiro, como ocorre essa recepção, que importância

ela adquire ou não, considerando aí a envergadura do seu autor, tão mais

reconhecido por outras obras que gozam de mais prestígio, são questões

que podem ser esclarecidas via o que deixam transparecer os paratextos

das edições em análise.

24

CAPÍTULO I

VICTOR HUGO E O ÚLTIMO DIA DE UM CONDENADO

1.1. A Obra de Victor Hugo no contexto romântico francês

Entre a Revolução Francesa e meados do século XIX a Europa

foi sacudida por um movimento cultural que revolucionou a filosofia, a

literatura e as artes. Como também foram profundamente afetadas a

concepção de sociedade organizada, justiça e costumes.

O nascedouro do Romantismo pode ser encontrado na

Alemanha, no movimento Sturm und drung com a valorização da poesia

mística, folclórica, selvagem e o primado da emoção sobre a razão.

Algum tempo depois as obras dos poetas George Byron e Percy Shelley

ressoam na Inglaterra as propostas alemãs. Na França o movimento

ganharia força um pouco depois, nos anos de 1820, ao redor da figura de

Victor Hugo.

O período conhecido como Romantismo possui uma estreita

ligação com o que ocorreu no âmbito social. Por mais que o culto do Eu

e suas manifestações emocionais, criativas e de culto à natureza

despontem como o cerne das concepções românticas, é o

questionamento de determinada ordem social, que se acirra a partir do

século XVIII com os filósofos iluministas, que forjará o compromisso

romântico calcado na transformação social e artística, compromisso esse

que percebemos na trajetória artística e também política de Victor Hugo.

Mas o processo que culmina em uma ruptura social, como a

Revolução Francesa, começa pelo menos três séculos antes quando a

burguesia — surgida na Idade Média, nas figuras dos artesãos habitantes

dos burgos, daí o nome, começam a se organizar em cooperativas, as

chamadas guildas — passa a acumular capital durante o mercantilismo.

Ao cabo de três séculos são os burgueses que financiam o Estado, sua

economia e suas guerras. É essa classe social, mal vista pela nobreza, a

engrenagem econômica do sistema absolutista, todavia, ela não detém o

poder político (LOWY e Sayre, 2015, p. 26).

É a crítica contundente a essa situação que filósofos como

Voltaire, Montesquieu, Diderot e D’Alembert na França, John Lock e

Edward Gibbons um pouco antes daqueles, na Inglaterra, irão tecer à

ordem vigente. Esses dois fatores aliados a situações bastante

específicas na França de Louis XVI — como a derrota na guerra dos

sete anos, a desigual estratificação do estado francês, uma forte crise

financeira, a escassez de alimentos, apenas para citar alguns, já que não

25

há espaço para discorrer sobre o assunto, bem mais amplo e complexo

— propiciam um corte radical na história ocidental, que foi a ascensão

da burguesia ao centro político. Esse corte se deu em uma estrutura

milenar de sociedade, se considerarmos o estado absolutista, e não foi

pacífica como bem o sabemos. A chegada ao poder da burguesia

modificou uma estrutura social que se acreditava imutável, já que ela era

resultado da providência divina. Os burgueses trouxeram com eles uma

cultura de caráter mais popular, a qual expressava seus anseios,

concepção de sociedade, ideais de justiça e liberdade. O que a

Revolução Francesa trouxe e implantou foi a ideia de ruptura, a qual se

caracteriza por aniquilar uma estrutura e substituí-la por outra

completamente nova e, portanto, ainda desconhecida. Essa noção de

rompimento e inovação vai permear todo o romantismo, seja do ponto

de vista formal, com o romance, por exemplo, seja do ponto de vista de

conteúdo, quando os valores da nova classe no poder tinham nos heróis

dos romances burgueses os seus porta-vozes, caso de Jean Valjean, por

exemplo.

Vindo da extrema pobreza, o personagem de Os Miseráveis, de

Victor Hugo, é preso e condenado a cinco anos de trabalhos forçados

por roubar um pão, os quais se transformam em dezenove devido às

tentativas de fuga. Fugitivo, execrado pela sociedade, percebe-se vítima

de uma grande injustiça social, já que o seu sofrimento é

desproporcional ao dano que causou com seu delito. A sua ascensão

social, de fugitivo e delinquente a empresário e prefeito de Montreiul-

sur-Mer ocorre em meio a compreensão da sua própria situação de

injustiçado.

Mas a ruptura enquanto valor revolucionário na literatura conta

com uma base teórica, da qual o autor de Os Miseráveis tornou-se um

dos principais expoentes na França pós-napoleônica e à beira das

revoltas de 1830.

Na época da publicação de O Último Dia de um condenado

Victor Hugo já era o principal porta voz do romantismo francês, cujo

prefácio para Cromwell tornara-se um verdadeiro manifesto do

movimento na França. Publicado em dezembro de 1827 em Paris, o

prefácio de Cromwell3 surge na condição de teoria do drama romântico.

Todavia, as ideias abordadas por Victor Hugo nesse texto se mostraram

inovadoras na medida em que propuseram uma ruptura com a concepção

3 Doravante irei me referir a esse prefácio somente como Cromwell.

26

de arte de então. Ruptura essa que pode ser simbolizada na célebre

passagem:

Destruamos a golpes de martelo as teorias, as

poéticas e os sistemas. Derrubemos este velho

gesso que mascara a fachada da arte! Não existem

nem regras, nem modelos! Ou, melhor dizendo,

não existem outras regras além das leis gerais da

Natureza, [...] e das leis particulares que, em cada

uma das obras, resultam das características

inerentes a cada assunto” (HUGO, 2002. p.64).

Assim, ao tomar a natureza como única fonte aceitável da arte e

recusar a imitação via regras e modelos (GOMES, 1992, p. 199), o

prefácio de Cromwell lança o artista ao que seria um dos pilares mais

caros do romantismo, a liberdade de criação.

As teorias, poéticas e sistemas que Hugo clama à destruição

estavam, sobretudo, no teatro francês, que tinha alcançado a mais alta

expressão com Corneille, Molière e Racine. E qualquer modificação na

arte dramática cristalizada por esses três expoentes do teatro francês era

vista como uma afronta no início do século XIX.

O teatro é o campo de batalha escolhido, porém logo se espalha

para a literatura e outras manifestações artísticas. Cromwell é também

importante para se chegar a uma definição do movimento romântico na

França, que até 1825 não tinha uma ideia muito coesa sobre o tema.

Essa desarticulação era mais clara na narrativa, pois até 1820 ainda não

havia regras em relação ao romance, o que levou a narrativa da época

para outros caminhos:

Havia uma repetição de modelos e situações que

não condiziam com a realidade, não contando os

romances de Chateaubriand e Mme. de Stäel.

Afora isso, predominava ainda um modelo que

primava pelo fantástico, o “roman noir”. (ROY,

1976, p. 54)

A partir então da década de 20 a influência do escritor escocês

Walter Scott passa a ser sentida entre os jovens artistas franceses. Scott

é considerado um dos pais do romance histórico, uma vertente que seria

bastante explorada pelo Romantismo. Ivanhoé, que narra a disputa entre

saxões e normandos e a tentativa de destronar Ricardo Coração de Leão,

é considerado o primeiro romance histórico do Romantismo. Em Victor

27

Hugo essa influência aparece claramente em Notre Dame de Paris, que

ultrapassa as descrições da antiga catedral, e ilustra o dia a dia da Paris

medieval, com suas ruelas e personagens como pedintes, ciganos,

ladrões, o rei, a nobreza.

O romance histórico trouxe para a literatura certa verossimilhança

em relação aos estereótipos da época, sobretudo em relação ao chamado

romance sentimental de fins do século XVIII, ainda populares, além do

estereótipo sobrenatural do “roman noir”, cuja influência de Ann

Radcliffe e mesmo Mary Shelley, eram sentidas em obras como como

Le solitaire (1821) de Charles D’Arlincourt e mesmo em Victor Hugo

com Han d’Island (1823). A contribuição de Walter Scott foi trazer a

intriga romanesca para a realidade social, fazendo com que, segundo

Claude Roy (1974, p. 283), o romance se tornasse capaz de manifestar

aspectos dramáticos da existência, como o fazia o teatro.

Ainda no campo dramático, seu drama Hernani, (1830) dividiu

opiniões ao ser encenado em fevereiro de 1830 no teatro da Comédie

Française. A Batalha de Hernani, como ficou conhecido o episódio,

contou com brigas corporais, várias interrupções da peça e protestos de

rua, conforme atesta Théophile Gautier nos capítulos XI e XII de sua

Histoire du Romantisme, nos quais analisa na condição de crítico e,

também, na posição de um dos “combatentes” na famosa “batalha”,

quando se colocou entre os defensores do drama de Hugo. Hernani

marca o declínio do classicismo francês e contribui decisivamente para a

consagração de Hugo como líder do romantismo (ROY, 1974. p. 27).

Portanto, é em meio a esse contexto e polêmica que um ano antes

foi publicado O Último Dia de um condenado, obra que se não chega ser

um “chef d’oeuvre” do grande escritor francês4, aponta os grandes temas

que perpassariam a sua obra, tais como a luta pela liberdade e pela

justiça.

Victor Hugo é um dos expoentes máximos não apenas do

romantismo, mas da literatura ocidental. Contudo, os ideais que se

fizeram alicerces desse movimento encontram em sua obra as melhores

representações. O aspecto revolucionário presente na noção radical de

ruptura, o qual desponta na Revolução Francesa, apresenta-se na obra de

Hugo quando esta faz eco a dois temas centrais de sua teorização

artística, ambos presentes no prefácio a Cromwell, a noção de grotesco e

de sublime.

4 Notre Dame de Paris seria publicado dois anos depois, Os Miseráveis em

1862 e Os Trabalhadores do mar em 1866.

28

Hugo reconhece em Cromwell o grotesco como antítese do

sublime, entretanto, entende que tal antinomia desaparece nos “novos

tempos”, quando ambos tornam-se faces complementares da mesma

moeda. Para Hugo essa condição só é possível em virtude do triunfo de

uma religião espiritualista, no caso o cristianismo, o qual forçou outra

percepção estética.

Nem tudo que rodeia o homem é necessariamente belo, o feio e

o desagradável convivem com o deselegante, o grotesco está por todos

os lados, existe desde os tempos antigos, mas é na Idade Média que ele

passa a ocupar um espaço maior, proporcional ao que ocupava o

sublime. Ao grotesco sempre foi destinado as pragas, a baixeza moral,

as deformidades, os crimes, os vícios. Já ao sublime a harmonia, a

beleza e a pureza. Hugo entende que em virtude do sucesso do

cristianismo, sobretudo o que desponta na Idade Média, o homem de

inícios do século XIX é a resultante do grotesco e do sublime, e isso se

torna possível com a separação entre corpo e alma, cabendo àquele o

que é baixo, condenável moralmente e feio, ao passo que a esse é

reservado o belo e o puro. A ação humana, portanto, condensa esse

paradoxo do grotesco e do sublime e isso faz, na concepção de Hugo,

com que se abra inúmeras possibilidades artísticas.

Tudo na criação não é humanamente belo, o feio

existe ao lado do belo, o disforme perto do

gracioso, o grotesco no reverso do sublime, o mal

com o bem, a sombra com a luz." (HUGO, 2002,

p. 26).

Essa concepção perpassará toda a obra de Victor Hugo,

encontrando no Quasímodo de Notre Dame de Paris talvez a mais

evidente personificação. Surdo, corcunda, coxo, abandonado pelos pais

por conta da sua deformidade, o guardião dos sinos de Notre Dame é

por definição grotesco. No entanto, a recusa em matar a cigana

Esmeralda a mando do Monsenhor Claude Frollo, o amor desinteressado

que nutre por ela, a consciência de sua impossibilidade de amar e a

vontade de se tornar animal, de se transformar em pedra como as

gárgulas da fachada de Notre Dame, de renunciar o que há de humano

em si, deixam ver uma essência sublime.

Se em Notre Dame de Paris grotesco e sublime são facilmente

perceptíveis, em outras obras de Hugo nem tanto, embora esse par

antinômico se faça presente e possa ser identificável sem muita

dificuldade. Em Os Miseráveis pode-se ver o grotesco gravitando em

29

torno de personagens como Cosette, cuja pobreza e opções que toma

para sobreviver e garantir o que ela imagina ser uma vida melhor para a

filha Fantine, são ultrajantes. O próprio Jean Valjean é capaz de trair a

confiança do Bispo Myriel que lhe dera guarida ao roubá-lo. Esse

mesmo Jean Valjean, por outro lado, é capaz do nobre gesto de entregar-

se no julgamento de um homem que seria executado em seu lugar.

O grotesco também está presente em O Último Dia de um

condenado. Ele surge nas descrições do interior de Bicêtre com os seus

calabouços escuros, corredores sujos, condenados em condições

subumanas. Também se apresenta nas reflexões do condenado ao

revelarem o horror, desesperança e a indignidade humana. Entretanto,

talvez o melhor espaço para o grotesco na novela esteja na linguagem.

No capítulo XVI o protagonista ouve de sua cela uma jovem

cantando. A letra dessa canção aparece manuscrita ao fim da novela,

com anotações do condenado e traduções de algumas palavras em gíria.

No capítulo XXIII o protagonista conversa com outro condenado e esse

utiliza-se de uma linguagem peculiar, repleta de gírias usadas apenas por

criminosos, linguagem a qual o protagonista desconhecia e que são

traduzidas em notas de rodapé.

A novela é publicada em 1829, o processo de ruptura com o

Classicismo, que primava por uma língua elevada, pelo bon français,

ainda está em andamento, começando, como já mencionado, com

Cromwell em 1927 e concluindo-se três anos depois com A batalha de

Hernani. Ao colocar em uma obra literária uma linguagem que destoa

da linguagem literária, ainda que em uma passagem relativamente curta,

Hugo traz o grotesco para esse campo.

A gíria é definida como “linguagem críptica dos malfeitores, do

meio; linguagem particular de um grupo de pessoas em um meio

fechado” (LE ROBERT, 2011). Assim, há um choque pelo contraste

causado entre a linguagem literária e a linguagem em gíria, presente em

O Último Dia de um condenado. Yvette Parent, na comunicação

L’emploi de l’argot dans Le Dernier Jour d’un condamné, afirma que a

gíria empregada na obra é uma linguagem misteriosa, plena de imagens

nocivas que aludem à morte, sangue e ao horror5. Há uma passagem da

novela que ilustra bem a questão:

É uma língua ancorada na língua geral como uma

espécie de excrescência repulsiva, como uma

5 Disponível em: <http://groupugo.div.jussieu.fr/groupugo/doc/03-02-

08Parent.pdf> Acesso: 15/03/2017

30

verruga. Algumas vezes uma energia singular, um

pitoresco assustador [...] Quando os ouvimos falar

essa língua, tem-se o efeito de algo sujo e

poeirento, de um liame de trapos balançando à sua

frente. (HUGO, 2002, p. 44).

Através do seu narrador Hugo deixa ver o aspecto grotesco

dessa linguagem que choca o protagonista da novela, alguém que não

conhece gírias, especificamente aquelas associadas ao submundo do

crime, sabe latim, se expressa em linguagem culta. É um homem

pertencente a uma realidade que nada tem a ver com aquela,

subterrânea, decadente, desconhecida, perigosa. É nesse aspecto que o

grotesco se faz presente em O Último Dia de um condenado.

Victor Hugo também foi poeta e dos mais profícuos de sua

época. Era capaz de escrever oitenta versos por dia, segundo Gengembre

(2008, p. 115). Entre 1830 e 1840, época que a visão política de Hugo se

modifica, em razão da queda da dinastia Bourbon e da Revolução de

1830, publica os livros de poemas Les feuilles d’automne (1831), Les

chants du crépuscule (1835), Les voix intérieures (1837) e Les rayons et les ombres (1840). Todos os poemas líricos de alta inspiração, “tendo

como temática, lembranças, sonhos, a família, problemas eternos e a

função do poeta, que era um tópico importante na época”, segundo

Fúlvia Moretto6. A década de 40 não verá nenhuma obra poética de

Hugo, que só voltará ao gênero na década seguinte, no exílio, de onde

escreverá poesia política contra Napoleão III. Les Contemplations é de

1856 e é considerada a sua obra prima em poesia. Sua contribuição na

arte poética não se deu no campo da linguagem, já que mantém a rima,

extremamente rica em sua obra, respeita a sintaxe e manteve o verso

alexandrino. A contribuição de Hugo na concepção de Fúlvia Moretto é

de que

[...] ele amplia, alarga a visão poética através de

um vasto e forte vocabulário, torna concreta a

língua clássica, conservou o verso de 12 sílabas,

mas o tornou flexível. Sua metáfora torna-se

inesperada, como se não víssemos logo a analogia

entre a união das duas ideias. (Idem)

6 Disponível em < http://seer.fclar.unesp.br/lettres/article/viewFile/736/602>

Acesso: 12/04/2017.

31

Se Hugo não realizou uma revolução linguística na poesia, foi

ele quem abriu caminho para os simbolistas, que acabariam por fazê-la.

Nesse sentido, a sua metáfora se faz quase sempre inesperada, já que a

analogia entre as duas ideias nem sempre é óbvia (ROY, 1974, p. 307),

algo que seria explorado pelos simbolistas à exaustão. Segundo Roy,

Rimbaud foi o único de sua época que percebeu que as imagens criadas

por Hugo ultrapassaram as formas do romantismo, conforme escreve o

poeta de Charleville a Paul Demeny na sua famosa Carta do vidente:

Os primeiros românticos foram videntes sem dar

muita conta disso: a cultura de suas almas

começou nos acidentes: locomotivas

abandonadas, mas ardentes que ficam algum

tempo nos trilhos. – Lamartine é às vezes vidente,

mas estrangulado pela forma velha. – Hugo,

demasiado teimoso, possui ver nos últimos

volumes: Les misérables são um verdadeiro

poema. Tenho Les châtiments em minhas mãos;

Stella dá um pouco a medida do ver de Hugo.

(RIMBAUD, 2002, p. 115)

Victor Hugo escreveu até dois anos antes da sua morte aos 83

anos de idade com uma proficuidade que impressiona também em razão

dos gêneros que frequentou. São quinze peças de teatro; nove romances;

trinta livros de poesia, contando os póstumos; em torno de vinte ensaios,

além de cartas e um libreto para a ópera La Esmeralda composta por

Louis Bertin. Hugo foi não só testemunha, mas vivenciou todas as

transformações históricas importantes para a França no século em que

viveu. Viu o Primeiro Império de Napoleão I, a Restauração, a

Revolução de 1830, a Monarquia de Julho, a Revolução de 1848, o

Segundo Império de Napoleão III e a Terceira República, de 1870 e

participou politicamente em alguns desses momentos. Literariamente,

Victor Hugo presenciou todas as estéticas do século XIX, do

Classicismo ao Simbolismo que está iniciando quando ele morre, não

chegando a escrever, portanto, nesses moldes. Mas é sem dúvida a

ruptura com o Classicismo, por ele capitaneada, uma das grandes

contribuições que o seu gênio engendra. A sua liderança inquestionável

e carismática coloca a literatura francesa do início do século XIX não

somente em sintonia com o que acontecia na Inglaterra e na Alemanha,

mas deu continuidade à tradição francesa de ser um dos centros nas

letras.

32

O Último Dia de um condenado, a que passo em seguida, é uma

das obras primeiras de Hugo nesse contexto de ruptura com uma

tradição literária e militância política, o que o caracteriza como

indivíduo e escritor. Cromwell é de 1827, três anos depois aconteceria a

Batalha de Hernani, em 1831 é publicado o romance histórico nas

concepções românticas, Notre Dame de Paris. O Último Dia de um condenado é de 1829, pertence, portanto, a esse período de ruptura e

inovação apresentadas por Victor Hugo.

1.2. O Último Dia de um condenado: um libelo contra a pena de

morte

Condenado à morte!

Já se vão cinco semanas que convivo com tal

pensamento, sempre só com ele, sempre

petrificado por sua presença, sempre encurvado

sob seu peso! (HUGO, 2002. p. 31.)

Com este parágrafo o protagonista de O Último Dia de um condenado inicia a narrativa de suas últimas semanas de vida, escrita

nas 24 horas que precedem a sua execução. Sobre esse narrador-

protagonista pouca coisa é revelada ao leitor, apenas que é pai de uma

menina de três anos e, nas palavras do próprio personagem, culpado de

um crime: “Miserável! Que crime cometi e que crime estou fazendo a

sociedade cometer! ” (HUGO, 2002, p. 105). O crime que o condenado

está fazendo a sociedade cometer é a privação de uma criança do seu

pai. Duplamente criminoso, portanto, pois além do crime que o leva à

pena capital há o de deixar uma criança órfã de pai. Considerando o

caráter militante do texto de Hugo, existe a sugestão de que a sociedade

também está cometendo um crime, no caso, de assassinato. Aliás, Hugo

tinha essa concepção no caso da pena de morte. Nome, idade, profissão,

relações pessoais e, sobretudo, o delito praticado pelo protagonista

permanecem desconhecidos do leitor durante toda a história. Algumas

suposições sobre o modo de vida, posição social, nível cultural do

prisioneiro são possíveis de serem feitas a partir das constantes

digressões do personagem, as quais revelam por meio do nível culto da

linguagem, ser ele um frequentador de teatros.

Em meio às lembranças da vida anterior à prisão transparece,

contudo, os medos, tormentos e incertezas do condenado que nutre até

os derradeiros momentos a esperança de obter misericórdia. Assim, em

uma espécie de “diário de sofrimento” (HELLIN, 2010. p. 20) e por

33

meio do monólogo interior7, Victor Hugo procura sensibilizar o leitor

contra a pena de morte ao trazê-lo para dentro da consciência de um

homem que enfrenta uma situação angustiante.

O que quer que eu faça, ele está sempre ali, esse

pensamento infernal [condenado à morte], como

um espectro de chumbo a meu lado, solitário,

ciumento, afastando qualquer distração, face a

face com a minha pessoa miserável [...] Ele se

insinua sob todas as formas em que meu espírito

gostaria de se esconder, mistura-se, como um

refrão horrível, a todas as palavras que me

dirigem, cola-se comigo nas grades hediondas de

meu calabouço; importuna-me quando estou

acordado, espreita meu sono convulsivo e

reaparece em meus sonhos sob a forma de uma

lâmina. (HUGO, 2002. p. 32.)

Essa estratégia narrativa não permite outro ponto de vista que não

aquele do protagonista, encerrando assim o leitor em uma posição

desconfortável, a qual está relacionada com a natureza engajada da obra.

Ao sonegar a informação sobre o crime cometido pelo prisioneiro de

Bicêtre, Hugo desarma o viés justiceiro do leitor que se vê obrigado a

acompanhar o sofrimento do protagonista sem poder criminalizá-lo

diretamente. Por esse artifício o personagem vai ganhando gradualmente

a simpatia e a compaixão de quem acompanha o seu drama, pois o foco

está na dimensão humana do condenado. Dessa maneira, ao compor um

personagem cuja delinquência não aparece, Hugo direciona uma

identificação do protagonista com o leitor, afinal que crime ele

cometeu? Justificaria de fato a pena de morte? A privação da liberdade

não seria suficiente? Não seria degradante e desumano, mesmo para

alguém que comete um crime, tais condições de encarceramento seguido

de morte em praça pública? E se houve um exagero? Um engano? Essas

7 Segundo Massaud Moisés, professor de Literatura Portuguesa na USP, “O

monólogo interior caracteriza-se por transcorrer na mente da personagem, como

se o “eu” se dirigisse a si próprio. Na realidade, continua a ser diálogo, uma vez

que subentende a presença de um interlocutor, real ou virtual, incluído a

personagem, assim desdobrada em duas entidades mentais, que trocam ideias ou

impressões como pessoas diferentes”. (1974, p.145).

34

questões surgem quando se está diante de um personagem a quem não

se aplicam maniqueísmos, caso do protagonista.

A novela O Último Dia de um condenado é talvez a mais

contundente manifestação literária de Victor Hugo em relação à pena de

morte, contra a qual se opôs durante toda a vida. No que se refere à

definição de novela adotarei aqui a designação de dois teóricos dos

gêneros narrativos sobre o assunto, a brasileira Angélica Soares e o

francês Yves Stalloni. Segundo Soares, novela é “a forma narrativa

situada entre o conto e o romance no que se refere à extensão. Sendo

mais reduzida que o romance, possui todos os elementos estruturadores

deste, porém em menor número. O enredo é unilinear, predominando a

ação sobre as análises e as descrições. Privilegiam-se os momentos de

crise, aqueles que impulsionam rapidamente a diegese para o final.

(SOARES, 2007. p. 55). Yves Stalloni, por sua vez, define a novela a

partir de uma dimensão formal e outra estética. Assim, formalmente a

novela possui um núcleo narrativo, poucos personagens e opõe-se ao

romance por apresentar uma narrativa mais breve. Esteticamente possui

um único narrador, um único assunto, cultiva a surpresa, possui a

ambição da verdade e a pretensão de propiciar uma lição ou revelar algo

(STALLONI, 2007. p. 113, 114).

Além dessa novela, Hugo escreveu outra, Claude Gueux,

publicada em 1834, na qual denunciava as condições das prisões da

França no século XIX, além da desproporção entre os delitos e as penas

aplicadas, entre elas a pena de morte8. O tema da pena de morte surgira

já há alguns anos em Han d'Islande, um dos seus chamados “romances

de juventude”, publicado em 1823. Nesse romance encontramos além de

um carrasco como personagem, a figura de Ordener, também um

condenado à morte, cujas reflexões sobre a questão já são um vislumbre

do tema que seria caro a Victor Hugo durante toda a sua vida.

A pena de morte como punição passa a figurar como um ato

desproporcional para o autor de Os trabalhadores do mar um pouco

antes de Han d'Islande, conforme atesta Adèle Hugo, esposa do escritor,

em Victor Hugo raconté par un témoin de sa vie, biografia publicada em

18739:

8 Em 19 de março de 1832, na Gazette des tribunaux, Victor Hugo lê o relatório

de um processo sobre um certo Claude Gueux, condenado à morte por

assassinato, que serve de base para a composição da novela homônima. 9 Escrita em Guernesey em 1863, em estreita colaboração com o próprio Victor

Hugo.

35

O Sr. Victor Hugo se encontrava em 1820 na Rua

Louvel indo a caminho da guilhotina. O assassino

do duque de Berry não tinha nada que despertava

simpatia: ele era gordo e forte, tinha um nariz

cartilaginoso sobre os lábios finos e olhos de um

azul vítreo. O autor da ode sobre a Morte do

duque de Berry o detestava de todo seu

ultramonarquismo de criança. Porém, ao ver este

homem que estava vivo e saudável e que iam

matar, ele não pôde deixar de protestar e sentiu a

raiva que tinha pelo assassino se transformar em

piedade pelo sofredor. Ele tinha refletido, tinha

olhado pela primeira vez a pena de morte de

frente, tinha se espantado que a sociedade fizera

ao culpado, e de sangue-frio e sem dificuldade,

precisamente a mesma coisa da qual ela o punia, e

teve a ideia de escrever um livro contra a

guilhotina. (HUGO, 1873.p. 244)10

.

O tom de espetáculo, herdado do Terror — período como ficou

conhecida a fase mais radical da Revolução Francesa entre 1792 e 1794,

quando sob a liderança de Robespierre em torno de 16000 pessoas tidas

como “inimigas da Revolução” foram guilhotinadas (LINTON, 2015)

— insuflado pela imprensa da época, conforme se verá mais a frente ao

tratar-se da gênese de O Último Dia de um condenado, a cobertura dos

jornais do Caso Ulbach, fazia com que a execução pública pela

guilhotina fizesse parte da rotina em Paris. Ademais só no ano de 1829

foram 89 condenações à pena capital, sendo 68 execuções11

. Em tal

10

M. Victor Hugo s’était trouvé, en 1820, sur le passage de Louvel allant à

l’échafaud. L’assassin du duc de Berry n’avait rien qui éveillât la sympathie ; il

était gros et trapu, avait un nez cartilagineux sur des lèvres minces et des yeux

d’un bleu vitreux. L’auteur de l’ode sur la Mort du duc de Berry le haïssait de

tout son ultra-royalisme d’enfant. Et cependant, à voir cet homme qui était

vivant et bien portant et qu’on allait tuer, il n’avait pu s’empêcher de le

plaindre, et il avait senti sa haine pour l’assassin se changer en pitié pour le

patient. Il avait réfléchi, avait pour la première fois regardé la peine de mort en

face, s’était étonné que la société fît au coupable, et de sang-froid et sans

danger, précisément la même chose dont elle le punissait, et avait eu l’idée

d’écrire un livre contre la guillotine. (Tradução minha.) 11

Disponível em: Énap.

<http://www.enap.justice.fr/ressources/index.php?rubrique=115>. Acesso em:

10/02/2016

36

contexto era natural que Hugo frequentemente se deparasse com a

prática punitiva que tanto o indignava. Adèle Hugo prossegue o seu

depoimento contando que em uma tarde de 1825 o escritor encontrou no

caminho para a biblioteca do Louvre o poeta Jules Lefèvre, que na

época estava escrevendo um poema sobre um parricida e que, portanto,

queria assistir à execução, contudo, não desejava ir sozinho, e assim o

toma pelo braço e o conduz à praça da Grève. Um certo Jean Martin que

matara o pai seria decapitado. O horror experimentado por Hugo não se

relaciona apenas com a decapitação em si, mas também com a

preparação para ela, o que reforçou a sua convicção em lutar contra a

pena de morte. Segundo Adèle, as execuções se tornaram uma

festividade, locatários convidavam amigos para as assistirem oferecendo

mesas postas com frutas e vinhos, jovens mulheres vinham às janelas

com copos na mão rindo alto, todos à espera da charrete que conduzia o

condenado (HUGO, 1873.p. 245).

A gênese de O Último Dia de um condenado encontra-se em um

episódio semelhante. Em 1827 o atendente de 20 anos de uma casa de

vinhos, Honoré-François Ulbach matou com várias facadas a jovem

Aimée Millot, pastora de cabras, um ano mais jovem, que o recusara. O

crime passional despertou grande interesse entre os parisienses e contou

com a cobertura da imprensa. O jornal Gazette des Tribunaux foi um

dos que acompanharam detalhadamente o caso, trazendo na edição de

10 de julho de 1827 a notícia sobre o ato de acusação e na de 28 de julho

a estenografia do processo. A cobertura da transferência do preso para a

prisão de Bicêtre — mesma prisão onde se encontra o protagonista da

novela de Hugo — após a apelação foi publicada em 4 de agosto, e no

dia 25 daquele mês a notícia da cassação da mesma. No mês seguinte, o

jornal publicou a matéria sobre a execução, no dia 11, e o trajeto da

charrete em direção ao cemitério de Vaugirard no dia 12 de setembro12

.

A história de Ulbach chocou tanto o público quanto Victor Hugo, que

não apenas a acompanhou pelos jornais, mas esteve presente na

execução.

A história que chegava às páginas da Gazette des Tribunaux não

era apenas a notícia em si. O jornal designara um jornalista que

informava o público por meio de um texto narrativo, no qual o seu juízo

de valor se mesclava com detalhes pitorescos sobre o acusado e as

12

Os exemplares da Gazette des Tribunaux estão disponíveis para download no

site da Énap, École Nationale d’Administration Pénitentiaire. Disponível em:

<http://www.enap.justice.fr/ressources/index.php?rubrique=112> Acesso em:

10/10/01.

37

pessoas que acompanhavam o processo. Ademais, a história por si só

chamava a atenção, já que Ulbach não possuía um histórico de

criminoso. O jovem entregou-se às autoridades uma semana após o

assassinato e o fez por remorso. Dizia-se apaixonado pela moça, a quem

matara quando esta se recusou a casar com ele. (SANSON, 1863. p.

454). Sobre a narrativa do jornalista que cobriu o caso pode-se ler na

Gazette des Tribunaux de 11 de setembro de 1827:

Chegando ao cadafalso, ele se colocou de joelhos,

recitou uma oração e subiu a escada com um

passo seguro. [...] Ulbach, sem dizer uma palavra,

se entregou ao executor e alguns segundos depois,

ele estava na eternidade!13

Adèle Hugo, na biografia sobre o marido, escreve sobre a

indignação do escritor ao ver na tarde da execução de Ulbach o carrasco

afiando a guilhotina, e de que maneira o fazia para que a lâmina se

tornasse mais eficiente:

O Senhor Victor Hugo reviu a guilhotina no dia

em que atravessava por volta das duas horas a

Praça do Hôtel-de-Ville. O carrasco repetia a

representação da noite. O cutelo não estava bom.

Ele engraxou as ranhuras e depois ele tentou

novamente. Desta vez, ele ficou contente. Este

homem que estava prestes a matar um outro, que

fazia isso em pleno dia, em público, conversando

com os curiosos enquanto que um homem

desgraçado, desesperado se debatia em sua prisão,

louco de raiva, onde se deixava ligar com a inércia

e com o entorpecimento do terror, foi para o

Senhor Victor Hugo uma figura hedionda, e a

repetição da coisa lhe pareceu também tão odiosa

quanto a própria coisa. Ele começou no dia

seguinte a escrever O Último Dia de um

13

“Arrivé au pied de l'échafàud , il s'est mis à genoux, a récité mie prière , et a

franchi l'escalier d'un pas assuré [..] Ulbach , sans dire un seul mot, s'est livré à

l'exécuteur, et quelques secondes après, il était dans l'éternité !”. (Tradução

minha).

38

condenado e o terminou em três semanas.

(HUGO, 1873.p. 246-248)14

.

Embora o próprio Victor Hugo no prefácio para a 5ª edição de O

Último Dia de um condenado diga que começou a escrever a novela no

dia seguinte à execução de Ulbach (HUGO, 2002. p. 162), há uma

discrepância de datas, conforme se pode perceber a partir daquelas da

Gazette des Tribunaux. Myriam Roman em seu ensaio Le Dernier jour d’un condamné : le style contre la rhétorique (2005, p. 3) informa que o

autor se enganara de ano, já que Ulbach foi executado em 10 de

setembro de 1827 e a redação de O Último Dia de um condenado fora

iniciada em 14 de outubro de 1828. Segundo Gustave Charlier (1915, p.

346) era costume de Victor Hugo anotar no manuscrito a data que

começava a escrever, como também a data de término.

Em 3 de fevereiro de 1829 é publicada pela editora Gosselin et

Bossange a novela de Victor Hugo, que sai sem o nome do autor,

nenhuma nota explicativa ou alguma menção que pudesse identificar

qualquer autoria. Charles Gosselin, o editor, sugeriu ao autor que ele

completasse a obra com a história do condenado, pois temia que o leitor

não compreendesse a mesma, ao que Hugo recusou, respondendo-lhe

que o tinha tomado por editor e não por colaborador15

. A recepção da

obra foi ruidosa tanto por parte do público, que esgotou rapidamente a

edição, quanto por parte da crítica que, em sua maioria, foi nada

amistosa. Sobre os ataques despertados pela obra escreve Sonja

Hamilton no artigo Fantôme littéraire de Hugo : les lendemains du

dernier jour d’un condamné :

A publicação do O Último Dia de um condenado

desde o mês seguinte suscita numerosas reações.

14

M. Victor Hugo revit la guillotine un jour qu’il traversait, vers deux heures, la

place de l’Hôtel-de-Ville. Le bourreau répétait la représentation du soir ; le

couperet n’allait pas bien ; il graissa les rainures, et puis il essaya encore ; cette

fois il fut content. Cet homme, qui s’apprêtait à en tuer un autre, qui faisait cela

en plein jour, en public, en causant avec les curieux pendant qu’un malheureux

homme désespéré se débattait dans sa prison, fou de rage, où se laissait lier avec

l’inertie et l’hébétement de la terreur, fut pour M. Victor Hugo une figure

hideuse, et la répétition de la chose lui parut aussi odieuse que la chose même. Il

se mit le lendemain même à écrire Le Dernier jour d'un condamné, et l'acheva

en trois semaines. (HUGO, 1873.p. 246-248). (Tradução minha). 15

Disponível em: http://chronologievictorhugo.com/page1829.htm Acesso:

01/10/2014. Todas as cartas de Victor Hugo estão disponíveis nesse site.

39

Alguns artigos são elogiosos, enaltecendo o

objetivo abolicionista da obra e seu sucesso.

Outras análises, as mais numerosas, criticam a

audácia de um autor cuja motivação teria sido

estética e financeira antes de ser social. Victor

Hugo é fortemente atacado apesar do sucesso

comercial de seu livro. O Journal des Débats do

dia 26 de fevereiro de 1829 qualifica seu romance

de “odioso”, “medonho”, “pavoroso” e cheio de

“horrores gratuitos”16

.

Outra crítica feita à obra apareceu no jornal La Quotidienne em

fevereiro de 1829, assinada por Jules Janin. O crítico afirmava ser “uma

agonia de 300 páginas”17

para em seguida perguntar ironicamente se “O Último Dia de um condenado se trata de um exercício literário”

(VALLOIS, 1985, p. 91). Mas talvez uma das críticas mais

contundentes foi a do jornal Globe, que acusou Hugo de plágio. Na

edição de 4 de fevereiro de 1829 o jornal retoma uma história publicada

no mês anterior pelo próprio Globe. Tratava-se de uma matéria,

originalmente publicada em um jornal americano, a qual o Globe havia

reproduzido, sobre Le Journal de Antoine Viterbi, um condenado à

morte que escrevera as suas memórias — publicadas pela Revue Britannique dois anos antes — antes de morrer ao fazer greve de fome

como forma de protesto. Segundo a matéria havia semelhanças entre a

novela de Hugo e as memórias de Viterbi.

Victor Hugo responderia a todas essas críticas em dois

momentos, o primeiro ainda no calor dos acontecimentos, ao inserir já

nas edições de fevereiro de 1829, um irônico sainete como prefácio em

16

La parution du Le Dernier jour d'un condamné dès le mois suivant suscite de

nombreuses réactions. Quelques articles sont élogieux, saluant l’objectif

abolitionniste de l’oeuvre et sa réussite. D'autres comptes-rendus, les plus

nombreux, critiquent l’audace d'un auteur dont la motivation aurait été

esthétique et financière avant d'être sociale. Victor Hugo est vivement attaqué

malgré le succès commercial de son livre. Le Journal des Débats du 26 février

1829 qualifie son roman de "odieux", "effroyable", "terrifiant," et rempli de

"gratuites horreurs." Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/64h4x7sm#page-1 Acesso: 01/10/2014.

(Tradução minha). 17

A edição, conforme pude ver digitalizada no site da Gallica, era um livro de

formato pequeno, escrito com letras grandes.

40

resposta às críticas recebidas. Posteriormente, três anos depois, na 5ª

edição da obra, Hugo rebateria as questões em um longo prefácio.

Do ponto de vista das publicações, o mês de fevereiro de 1829 foi

bastante profícuo para O Último Dia de um condenado, contando com

quatro edições em pouco mais de 20 dias. Segundo Guy Rosa (HUGO,

2014. p. 275) o dia 3 de fevereiro é a data de publicação da primeira

edição, mesma data apontada por Myriam Roman (2005, p.1), Claudine

Nédélec18

e Sonja Hamilton (2001, p, 84). Gustave Simon (HUGO,

1910, p.11), por sua vez aponta o dia 7 de fevereiro como sendo a data

da primeira edição. Contudo, a crítica do Globe é do dia 4 daquele mês,

o que torna mais razoável o dia 3 de fevereiro como data da publicação

original. Entretanto, talvez a data apontada por Gustave Simon não

esteja totalmente equivocada. Guy Rosa (HUGO, 2014. p. 275)

estabelece o dia 28 de fevereiro como sendo o dia em que se publicam

as 3ª e 4ª edições de O Último Dia de um condenado, as quais, portanto,

saíram ao mesmo tempo, talvez em razão do sucesso de público das

duas anteriores.

Aliás, são nessas edições que a obra deixa de ser anônima,

figurando na capa o nome de Victor Hugo, além de trazerem o célebre

sainete Uma comédia a propósito de uma tragédia, que passou a ser

conhecido como Prefácio de 1829. Roman, Nédélec e Hamilton

corroboram a afirmação de Rosa, ao passo que Simon se não dá uma

data para a terceira edição — e não menciona uma quarta —, coincide a

informação do prefácio em forma de sainete. Assim, é unânime entre

todos, menções à primeira, terceira e quarta edições, mas não à segunda.

Considerando que a 1ª edição se esgotou rapidamente19

, podendo ter

sido uma tiragem modesta; haja vista a tentativa de intervenção do

editor na obra; a crítica do dia seguinte à publicação no jornal Globe; e a

atmosfera inquieta na época em razão da pena de morte, pode-se

conjecturar que tenha havido um engano por parte de Gustave Simon e

que, na verdade, o que ele apontou como 1ª edição, possa ser a segunda.

A novela de Hugo ainda teria uma quinta edição, surgida em

1832 e contando com um longo prefácio do próprio autor, no qual o

escritor retoma a gênese da obra, as polêmicas da época de sua edição

original, além de se posicionar contra a pena de morte.

18

Disponível em: Les Dossiers du Grihl

http://dossiersgrihl.revues.org/328?lang=fr#bodyftn36 Acesso em: 01/06/2015. 19

Não se sabe o número de exemplares impressos, pelo menos não encontrei

essa informação nas pesquisas feitas. Mesmo a edição original disponível no

site da Gallica não traz a tiragem.

41

É, portanto, em meio a esse contexto e entre Cromwell e Hernani

que veio à luz O Último Dia de um condenado, obra que, se não chega

ser um “chef d’oeuvre” do grande escritor francês20

, aponta os grandes

temas que perpassariam a sua obra inteira, tais como a luta pela

liberdade e pela justiça. Myriam Roman (1999, p. 265) situa O Último

Dia de um condenado como a primeira obra de Hugo a colocar em cena

os “miseráveis” do século XIX, a que se seguiria o Prefácio de 1832 e

Claude Gueux (1834), chegando ao ápice com Les Misérables (1862).

20

Notre Dame de Paris seria publicado dois anos depois, Os Miseráveis em

1862 e Os Trabalhadores do mar em 1866.

42

CAPÍTULO II

ANÁLISE DOS ELEMENTOS PARATEXTUAIS EM O

ÚLTIMO DIA DE UM CONDENADO

2.1. O paratexto: o limiar do texto literário

Toda obra literária não se encerra ao final do texto em si. Ela se

prolonga em outros textos que a circundam, como as orelhas de um

livro, por exemplo, e também em textos que não fazem parte do objeto

livro, como a fortuna crítica de uma obra. Esse texto que se prolonga

pode influenciar na leitura e consequente fruição de uma obra.

Ao final dos anos 60 do século passado o crítico alemão Hans-

Robert Jauss, com a sua Estética da Recepção, desloca o significado do

texto para o leitor. Segundo Jauss

A obra que surge não se apresenta como novidade

absoluta num espaço vazio, mas, por intermédio

de avisos, sinais visíveis e invisíveis, traços

familiares ou indicações implícitas, predispõe seu

público para recebê-la de uma maneira bastante

definida. Ela desperta a lembrança do já lido,

enseja logo de início expectativas quanto a “meio

e fim”, conduz o leitor a determinada postura

emocional e, com tudo isso, antecipa um

horizonte geral da compreensão vinculado, ao

qual se pode, então – e não antes disso –, colocar

a questão acerca da subjetividade da interpretação

e do gosto dos diversos leitores ou camadas de

leitores. (1994, p. 28)

A recepção de uma obra, a sua compreensão, ou interpretação

talvez seja melhor, vai depender de como o leitor interage com ela, que

outras leituras ele possui, se conhece ou não o autor, que tipo de relação

é construída entre autor, obra e leitor. Esse diálogo estabelecido por

quem lê, e que vai dar um significado à obra naquele momento, também

está sujeito às condições sócio históricas que formularam as diversas

interpretações que a obra recebeu, e assinala que o discurso é o resultado

de um processo de recepção ao mover a pluralidade dessas estruturas de

sentido historicamente mediadas.

Assim, se esses textos todos são determinantes para a leitura de

uma obra, aqueles outros que a gravitam também o podem ser. A capa

de um livro, as inserções de notas, de um prefácio, de um ensaio podem

43

influenciar a recepção da obra pelo leitor. Uma instância paratextual

como o título de uma obra pode fazer toda a diferença. Genette

questiona se o Ulisses de James Joyce tivesse outro título se o leríamos

da mesma forma que o lemos. O título escolhido por Joyce estabelece

não apenas a intertextualidade com o poema épico A Odisseia, de

Homero, mas também um diálogo com toda a tradição literária ocidental

desde a antiguidade. Com esse exemplo, Genette procura demonstrar a

pertinência de um paratexto para a recepção da obra pelo seu leitor. Por

essa razão se faz importante o estudo do entorno de uma obra. Entende-

se por paratexto, portanto, todo o texto que circunda o texto literário, é

todo o texto que de alguma forma mantém relação com o texto

primordial, a partir do qual ele surge e sobre o qual trata.

Em Paratextos Editoriais Gérard Genette (2009, p. 12) chamará

peritexto tudo aquilo que se constitui enquanto texto no livro. Nessa

condição encontramos o título da obra, subtítulo, nome do autor, da

editora, prefácio, dedicatória, epígrafe, notas de rodapé e notas finais,

orelhas do livro, contracapa, enfim, todas as informações periféricas

encontradas no livro. Exteriormente, para além do livro, Genette se

refere a epitexto (idem). Nessa categoria encontramos a peças

publicitárias, artigos sobre a obra publicados em outros meios, resenhas

críticas, entrevistas, citações. Assim, para o crítico francês, o conjunto

composto por peritexto e epitexto formam os paratextos de uma obra.

A obra de Victor Hugo abordada nesse trabalho é rica em

peritextos, já que conta com três prefácios, notas de rodapé, uma nota

final que dialoga com um anexo, além das habituais capa, contracapa e

orelha do livro. Passo agora a instância prefacial, espaço polêmico em O

Último Dia de um condenado.

2.2. O prefácio

Gérard Genette (2009. p.145) dedica o capítulo “A instância

prefacial” ao estudo do prefácio enquanto um dos mais significativos

componentes paratextuais. O crítico francês percorre um longo caminho

a fim de traçar um histórico desse gênero textual, partindo de Homero e

chegando à Rabelais, período que denomina de pré-história do prefácio,

quando estes eram ainda simples e breves. Genette demonstra em seu

estudo que a natureza do prefácio vai se alterando com o passar do

tempo, sendo possível em decorrência disso perceber as modificações

das ideias literárias, já que em muitos prefácios é perceptível a datação

temporal. A exemplo disso pode-se citar a obra inaugural do

44

romantismo no Brasil, Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de

Magalhães. Seu prefácio introduz os preceitos românticos no país e,

curiosamente, é por ele e não por seus poemas que o autor chega à

posteridade no sistema literário brasileiro. Ademais, foi justamente no

período romântico que os prefácios e demais paratextos sofreram as

modificações mais profundas, como o demonstra Genette no subcapítulo

Pré-História de Paratextos Editoriais (2009. p. 146-152).

A estética romântica fez dos prefácios algo mais do que um

mero introito à obra, ela o modernizou dando-lhe em muitos momentos

a forma de manifesto ou mesmo de definição de um gênero, conforme

atesta o prefácio apresentado por Victor Hugo em seu drama Cromwell, o qual trazia à luz os pilares fundamentais do romantismo. O autor de

Os Miseráveis, aliás, é também um dos responsáveis por fazer do

prefácio um texto engajado. Esse engajamento ocorria no sentido de

“propor” um leitor ideal, seja através de uma pretensa subjetividade

confessional, caso do prefácio de Les Contemplations (1856), seja

através de uma aproximação com o leitor que passa a possuir, via

originalidade do autor, uma suposta liberdade individual, caso do

primeiro prefácio de O Último Dia de um condenado.

No caso de Les Contemplations é informado ao leitor que os

poemas que se seguirão são, com efeito, as impressões de “todas as

lembranças, realidades, fantasmas vagos e fúnebres” (HUGO, 2006. p.

8.) que carrega o autor. Nesse contexto, caso pudesse influenciar a

disposição do espírito dos leitores, diz Hugo, esse autor se limitaria a

dizer que “esse livro deve ser lido como se lêssemos o livro de um

morto (Idem). O que se configura nesse tipo de prefácio é um anúncio da

leitura, a qual direciona o leitor a uma "boa interpretação", ou seja, é

nesse espaço que o autor pode fornecer informações que entende serem

necessárias para a maneira como ele quer que a obra seja lida. Assim,

esse tipo de prefácio orienta ou até “escolhe” o leitor da obra, retendo-o,

como diz Genette, em “um processo tipicamente retórico de persuasão”

(GENETTE, 2009. p. 176). O outro tipo de prefácio abordarei no

capítulo a seguir.

Antes, entretanto, se faz necessário abordar os três tipos de

prefácio definidos por Genette. São eles o prefácio autoral, o prefácio

alógrafo e o prefácio actoral, podendo ser dos tipos autêntico, fictício e

apócrifo.

O prefácio autoral é aquele escrito pelo autor da obra. Se esse

autor for real, caso do citado prefácio para Cromwell, assinado pelo

próprio Victor Hugo, temos um prefácio autoral autêntico. Caso o autor

45

seja fictício e assine o prefácio, teríamos então um prefácio autoral

fictício. Genette dá como exemplo Laurence Templeton, que assina o

prefácio de Ivanhoé, de Walter Scott. Nesse caso, Laurence Templeton

foi um pseudônimo usado por Scott. Já um prefácio falsamente atribuído

a uma pessoa real, também autora da obra, nos daria o prefácio autoral

apócrifo. Genette cita como exemplo o caso de Rimbaud para La Chasse Spirituelle

21.

O prefácio alógrafo é aquele em que uma terceira pessoa prefacia

o livro de outra. Caso o prefaciador seja uma pessoa real o prefácio é

alógrafo autêntico. Essa modalidade é bastante comum, há várias obras

que são prefaciadas por escritores, por exemplo. Genette cita o prefácio

de Jean Paul Sartre para Portrait d’un inconnu, de Nathalie Sarraute. No

caso desse prefácio ser escrito por uma pessoa imaginária, temos então o

prefácio alógrafo fictício. E no caso de termos o prefácio atribuído

falsamente a uma pessoa real temos o prefácio alógrafo apócrifo.

A última modalidade apontada por Genette é o prefácio actoral, feito por um personagem da obra. Esse é um prefácio relativamente

clássico, diz Genette (2009, p. 168). O prefácio de Memórias Póstumas

de Brás Cubas é um exemplo, já que quem “escreve” as memórias é o

próprio Brás Cubas. Em casos como esses, o que se teria é então o

prefácio actoral fictício. Quanto às duas outras categorias, actoral autêntico e actoral apócrifo, Genette admite a “falta de exemplos reais

bem comprovados”, o que é suficiente para “não voltar à categoria dos

prefácios apócrifos”. O Prefácio actoral autêntico se apresentaria em

uma autobiografia, por exemplo.

Ao passar aos prefácios de O Último Dia de um condenado se

buscará além das configurações próprias de cada prefácio, situá-los à luz

das classificações de Genette para a instância prefacial, conforme se

acabou de explicitar.

2.3. Os prefácios em O Último Dia de um condenado

21

Em 1949 o crítico Pascal Pia apresentou na revista Mercure de France o

inédito de Rimbaud La Chasse Spirituelle, muito procurado por pesquisadores.

Paul Verlaine dizia que o texto estava junto com cartas trocadas com Rimbaud e

que teria ficado em poder de sua esposa Mathilde, que as utilizou para obter o

divórcio do marido. Entretanto, André Breton demonstrou em Flagrant délit,

publicado quase que imediatamente no Le Figaro, ser o texto uma fraude. Em

seguida, os comediantes Akakia-Viala e Nicolas Bataille admitiram a autoria do

texto. (BRETON, 1999, p. 790).

46

No prefácio para a primeira edição de O Último Dia de um

condenado percebemos certa liberdade de escolha por parte do leitor no

que se refere à autoria do livro. Contudo, essa liberdade é limitada, já

que é ela é “dada” pelo autor. A suposta liberdade oscila então entre

duas possibilidades apresentadas pelo autor, conforme se pode perceber:

Há duas maneiras de se considerar a existência

desse livro. Ou realmente existiu um maço de

papeis amarelados e desiguais nos quais se

encontravam registrados, um a um, os últimos

pensamentos de um miserável; ou houve um

homem, um sonhador ocupado em observar a

natureza em proveito da arte, um filósofo, um

poeta — quem sabe? —, para quem tal ideia foi a

fantasia que o tomou, ou melhor, deixou-se tomar

por ela, e não pode dela se desembaraçar senão

lançando-a num livro.

Dessas duas explicações, o leitor poderá escolher

aquela que preferir. (HUGO, 2002. p. 159).

Esse brevíssimo prefácio, reproduzido aqui integralmente, foi

publicado na primeira edição da obra em 1829, a qual não trazia o nome

do seu autor. O Prefácio da 1ª edição, como ficou conhecido, não trazia

nenhuma nomeação, nenhuma indicação de tratar-se de um prefácio.

Hugo simplesmente situou o texto imediatamente antes do início da

trama, configurando-o, dessa forma, um prefácio, já que, segundo a

definição de Genette para esse tipo de texto, “[o prefácio] consiste num

discurso a propósito do texto que segue ou que antecede o próprio texto”

(GENETTE, 2009, p. 145). Com a ilusão da realidade, Hugo buscava o

efeito de veracidade tão ao gosto dos romances do século XIX,

estratégia que Goethe já utilizara no romance epistolar Os sofrimentos do jovem Werther (1774). Assim, como O Último Dia de um condenado

foi escrito como um libelo contrário à pena de morte, o prefácio

funciona como corroboração dessa intenção, já que ele propõe ao leitor

um jogo, o qual consiste na confusão entre realidade e ficção. Claudine

Nédélec aborda essa questão ao falar em dois níveis de leitura possíveis

dessa obra de Hugo:

[...] a um primeiro nível de leitura, ele conduz a

tomar o texto ficcional por um texto real, logo

postular como verdadeiras e existentes todas as

referências do texto (lugares, fatos, personagens,

47

“papeis amarelos e desiguais”...) “Efeito do real”.

[...] Uma segunda leitura postula então a

existência de um autor escondido que quer

confundir-nos ou fazer-nos admirar sua habilidade

de jogar com as convenções romanescas...22

.

O objetivo político almejado por Victor Hugo com a novela foi

atingido, caso consideremos o rápido esgotamento da primeira edição e

os muitos debates e críticas que suscitou. E ainda que a maioria delas

fossem negativas, a exemplo da feita pelo Journal des Débats, que

classificou O Último Dia de um condenado como “odioso e pleno de

horrores gratuitos”, conforme nos deixa ver Sonja Hamilton23

, a questão

da pena de morte esteve na ordem do dia naquele mês de fevereiro de

1829 com certo destaque, se pode arriscar em afirmar, em função

também do texto de Victor Hugo. Portanto, o primeiro prefácio é muito

importante considerando a natureza militante da obra, visto que ele

“orienta” o leitor em direção a um “leitor ideal” que, segundo as suas

posições ética e política, deveria ser sensibilizado para a questão

abordada na novela.

No dia 28 de fevereiro de 1829, exatos 25 dias depois da

primeira publicação, a terceira edição de O Último Dia de um

condenado é publicada em Paris. Essa edição, que mantém o prefácio

original, difere da primeira em dois pontos: ela traz o nome do autor e

apresenta um sainete como texto adicional.

Esse curto drama burlesco intitulado “Uma comédia a propósito

de uma tragédia” ficou conhecido como o Prefácio de 1829, e é aceito

pelos estudiosos24

da obra como sendo o segundo prefácio de O Último

22

[...] à un premier niveau de lecture, il conduit à faire prendre le texte

fictionnel pour un texte réel, et donc à postuler comme vrais et existants tous les

référents du texte (lieux, faits, personnages, « papiers jaunes et inégaux »…). «

Effet de réel ». [...] Une seconde lecture postule donc l’existence d’un auteur

caché, qui veut nous faire prendre des vessies pour des lanternes, ou nous faire

admirer son habileté à jouer avec les conventions romanesques… Disponível

em: Les Dossiers Grihl. http://dossiersgrihl.revues.org/328?lang=fr#bodyftn36

<Acesso em: 01/06/2015>. (Tradução minha). 23

Disponível em: <https://escholarship.org/uc/item/64h4x7sm#page-1> Acesso

em: 08/04/2015. 24

Cito aqui Claudine Nédélec, docente na Université d’Artois, Sonja Hamilton

da John Hopkins University, de Baltimore, Júnia Barreto, docente na UnB e

coordenadora do núcleo de estudos Victor Hugo e o século XIX, além de Guy

Rosa, professor emérito da Université Paris Diderot, conhecido pelos ensaios e

48

Dia de um condenado. Escrito em forma de paródia à Escola de

Mulheres, de Molière, o texto responde ironicamente as críticas reais

surgidas do sucesso imediato, mas escandaloso do livro. Hugo coloca

personagens caricatos — Um poeta elegíaco; O cavaleiro; As senhoras;

O senhor gordo; O filósofo; entre outros — todos burgueses,

escandalizados com o livro e tecendo críticas negativas ao mesmo:

A senhora de Blinval

De fato é um livro abominável, um livro que

provoca pesadelos, um livro que deixa doente.

O senhor gordo

[...] Meu deus, que ideia horrível! Esmiuçar,

remexer, analisar [...] todos os sofrimentos físicos,

todas as torturas morais que deve suportar um

homem condenado à morte, no dia de sua

execução! (HUGO, 2002. p. 14, 15).

A fala d’O senhor gordo deixa ver claramente as intenções do

autor ao publicar a novela. O que Hugo esmiúça de fato são as técnicas

empregadas no discurso a fim de sensibilizar o leitor para a sua causa.

Ao mostrar os sofrimentos do condenado, o qual não se sabe quem é e

nem qual crime cometeu, Hugo “humaniza” o suposto criminoso,

chamando a atenção para o que na visão do escritor era uma crueldade.

Aliás, é justamente esse detalhe, fartamente criticado naqueles dias, de

nada ser revelado sobre o protagonista e o seu crime, a razão principal

de o texto funcionar enquanto texto engajado. Victor Hugo não trata

explicitamente dessa questão pertencente ao âmbito do discurso textual,

mas a expõe na fala de um dos personagens, reproduzindo assim uma

das muitas críticas que a obra recebeu:

O poeta

Como poderia interessar? Cometeu um crime e

não sente remorsos. Eu teria feito totalmente o

contrário. Teria contado a história do meu

condenado. Nascido de pais honestos. Uma boa

educação. Amor. Ciúme. Um crime que não é um

crime. E depois remorsos, remorsos, muitos

remorsos. Mas as leis humanas são implacáveis:

ele deve morrer. E então eu teria tratado a minha

organizações de obras de Victor Hugo, sendo também o criador e administrador

do site sobre Victor Hugo da mencionada Universidade.

49

questão da pena de morte. E já não era sem tempo.

(HUGO, 2002. p. 21).

As palavras colocadas ironicamente na boca de um poeta

possuem, portanto, uma conotação que vai além da crítica à hipocrisia

burguesa. Ela aponta para uma discussão literária também, à medida que

um dos ataques feitos pela crítica era de que a obra era mal escrita, já

que nada se sabia sobre o protagonista e o seu crime, pois “não havia um

passado”. Nesse sentido, O Último Dia de um condenado é uma obra

que também se contrapõe a uma determinada tradição, a determinadas

regras do “bem escrever”, do que se entendia por “bom gosto”.

A importância desse segundo prefácio reside, portanto, não só

na discussão literária nele interposta, mas também enquanto um texto

que dialoga, apresenta e repercute a própria obra. Mesmo que não seja

um texto de gênero ensaístico, como também pode ser um prefácio, haja

vista que Hugo utiliza-se do gênero dramático para expor as questões

intrínsecas de um prefácio. Nesse aspecto, o chamado Prefácio de 1829

cumpre com o que Jacques Leenhardt chamou de “tarefas de um

prefácio”. Assim, e fazendo uso das palavras do crítico francês, pode-se

dizer que o segundo prefácio de O Último Dia de um condenado afirma

a novidade do projeto, insere a obra na discussão intelectual e a legitima

através de citações ou ainda descreve os momentos essenciais da

argumentação exposta no texto (LEENHARDT. 2007. p. 145), o que é

feito através da fala dos personagens.

Três anos após a querela envolvendo a recepção da novela, uma

quinta edição de O Último Dia de um condenado é publicada. Nela,

Hugo acrescenta um terceiro prefácio, que ficou conhecido como

Prefácio de 1832. Esse texto inicia com a retomada da primeira edição

ao reproduzir integralmente o breve primeiro prefácio de 1829, o que

serve de ponto de partida para uma análise por parte de Hugo sobre a

recepção da obra e a intenção por trás do anonimato:

[...] na época em que esse livro foi publicado, o

autor não julgou propositado dizer desde o início

todo o seu pensamento. Preferiu esperar que ele

fosse compreendido, e ver se realmente o seria. E

foi. Hoje o autor pode desmascarar a ideia

política, a ideia social, que quis difundir sob essa

inocente e cândida forma literária. [...] ele declara

que O Último Dia de um condenado nada mais é

que a defesa, direta ou indireta, como quiserem,

50

da abolição da pena de morte. (HUGO, 2002. p.

159,160).

Durante trinta páginas o autor de Notre-Dame de Paris

empreenderá uma elevada e não menos digna reflexão acerca da pena de

morte. Hugo faz um histórico de tal prática, sua aplicação na França, a

sua radicalização durante o período do Terror, sua experiência pessoal

como espectador nos “espetáculos” da praça da Grève, onde as

execuções pela guilhotina ocorriam. O escritor francês procurará

mostrar, segundo assim compreendia, o ato selvagem, cruel e insensato

que era a pena de morte, para então defender os valores humanistas, da

civilização e o direito à vida.

Cumpre dizer que a reflexão empreendida por Victor Hugo

sobre a abolição da pena de morte — cuja abolição de fato ocorreu em

1830 com a Revolução de Julho, sendo, contudo, retomada no II

Império —, presente no terceiro prefácio perpassa durante todo o

instante a novela publicada três anos antes. Uma das riquezas desse

texto é justamente a análise que o próprio autor faz do diálogo entre a

obra, o momento histórico e a sociedade francesa da época em que se

debatia essa questão. Aliás, esse foi um debate de 200 anos. Em 1791,

Louis-Michel Lepeletier de Saint-Fargeau, relator do código penal,

apresentou pela primeira vez uma moção de abolição à pena de morte, a

qual foi derrotada em plenário. Somente em 1981 a França veria abolida

de vez a pena de morte, quando o presidente eleito François Miterrand

cumpre uma das promessas de sua campanha. (BADINTER, 2006. p.

12).

Além da lucidez com que Hugo empreende a sua análise, o

Prefácio de 1832 deixa ver algo não menos interessante. O caráter

militante, engajado, em defesa de uma causa, que aparece disfarçado em

ficção na novela — sendo que para que ocorra a sua compreensão como

tal, faz-se necessário um leitor que ultrapasse níveis iniciais de leitura —

surge então desnudo no texto da 5ª edição, com um Hugo retomando

ponto por ponto as suas intenções iniciais explicitamente.

Os três prefácios de O Último Dia de um condenado são

fundamentais para o enriquecimento tanto da leitura quanto do estudo da

obra, a qual mesmo não estando inserida no seleto grupo que

transformaria Victor Hugo em um dos patrimônios da cultura ocidental,

mostra-se ainda assim de inegável valor, não apenas literário, mas

também enquanto manifesto político. A abolição da pena de morte foi

uma questão que acompanhou o Victor Hugo escritor, intelectual,

51

cidadão e político durante toda a sua vida. A restauração da pena em

junho de 1848 impingiu uma derrota política a um grupo de deputados

que tinha nessa questão a figura de Victor Hugo como líder. O Último Dia de um condenado foi ao lado de Claude Gueux um dos principais

textos escritos pelo autor d’Os trabalhadores do mar sobre o tema.

Outros se seguiram, tanto no âmbito literário caso de L’Affaire Tapner25

,

quanto no âmbito político.

Muitos desses textos, como também trechos e o entorno da

polêmica de 1829 sobre a obra, foram evocados no parlamento francês

mais de 100 anos depois, quando da definitiva abolição da pena de

morte naquele país no ano de 1981. Esse fato demonstra a força e

pertinência de um texto que resistiu à datação de época.

Em relação à classificação de Genette para os prefácios, pode-se

dizer que o prefácio à edição original pode ser tanto alógrafo fictício ou

autoral autêntico. Já o segundo e o terceiro prefácios, Prefácio de 1829 e

Prefácio de 1832, respectivamente, são ambos autorais autênticos.

A ambiguidade de gênero do prefácio à primeira edição se dá em

razão do conteúdo ambíguo desse prefácio. Relembremos que são dadas

duas possibilidades de leitura para esse prefácio, considerar a narrativa

como um relato real ou como obra de ficção. Caso o leitor escolha ter

sido o prefácio escrito pelo editor da obra, e creia no relato como

verdadeiro, então temos um prefácio alógrafo autêntico, mesmo que o

autor do prefácio permaneça anônimo. Caso contrário, que o prefácio

tenha sido escrito por um editor fictício, criado pelo autor, estamos

diante de um prefácio alógrafo fictício. A situação não muda a partir da

terceira edição de O Último Dia de um condenado, quando o nome de

25

John Charles Tapner foi condenado à morte por ter em 18 de fevereiro de

1853, assassinado e roubado um habitante de Guernesey. Victor Hugo escreveu

uma carta de protesto ao povo de Guernesey datada de 10 de janeiro de 1854,

em nome do criminoso, na qual afirmava o valor da fraternidade e contra o que

entendia ser uma crueldade. A carta publicada nos jornais La Nation e

L’Homme tão logo a petição enviada para Lord Palmerston, Secretário de

Estado do Interior, permitiu apenas o adiamento de alguns dias ao delinquente

que foi enforcado em condições particularmente atrozes em 10 de fevereiro. No

dia seguinte, Hugo enviou uma carta ao ministro britânico em que ele

denunciou a pena de morte e o horror da execução. A carta dirigida aos

habitantes de Guernesey e a petição a Lord Palmerston, acompanhada de uma

reflexão de Hugo sobre o caso, ficou conhecido como O caso Tapner. É comum

na França os três textos, O Último Dia de um condenado, Claude Gueux e O

caso Tapner serem publicados em um mesmo volume.

52

Victor Hugo aparece na capa. Se o relato for lido como real, cabendo a

Hugo a sua organização, por exemplo, o autor do prefácio ainda

permanece anônimo. Poderia ser o editor de Hugo, configurando assim

um prefácio alógrafo autêntico. Porém se o leitor considerar o relato

como ficção, e sabendo agora a identidade do autor, e o considere como

o autor do prefácio, estamos diante de um prefácio autoral autêntico. E

caso não considere o autor, mas um terceiro, o editor talvez, o autor do

prefácio, mantém-se o prefácio alógrafo autêntico.

No que diz respeito ao Prefácio de 1829, o da terceira edição, a

qual já apresenta o nome de Victor Hugo na condição de autor da

novela, temos então um prefácio autoral autêntico. Da mesma forma o

Prefácio de 1832, da quinta edição, esse assinado por Hugo, inclusive.

Também se trata de um prefácio autoral autêntico.

2.4. Os prefácios em O Último Dia de um condenado nas edições

brasileiras

No Brasil, no qual o debate sobre a volta da pena capital se tenta

vez por outra retomar, a tradução de O Último Dia de um condenado de

Victor Hugo é algo pertinente a ser estudado. A exemplo da França, a

pena de morte no Brasil foi abolida e restaurada diversas vezes na

história do país, fazendo-se ausente desde 1978 quando foi abolida pela

anistia civil-militar, sendo considerada cláusula pétrea a partir da

Constituição 1988. Cabe dizer que também faz parte do estudo da

inserção no sistema literário brasileiro dessa novela de Victor Hugo os

seus prefácios em virtude da sua importância para a obra, em particular

o de 1832, haja vista que também extrapolaram a sua natureza literária.

Como eles integram ou não as quatro traduções da novela de Victor

Hugo no português brasileiro é ao que passo agora a abordar.

Dentre as quatro traduções da obra para o português do Brasil, a

primeira delas, publicada, pela Editorial Moderna Paulistana é a que

mais difere das outras, a começar pela ausência de data e nome do

tradutor. Entre as quatro, essa edição é a mais antiga delas e integra a

Coleção Biblioteca de Romances Célebres, cuja publicação de algumas

obras data dos anos 30 do século passado. Essa primeira tradução de O

Último Dia de um condenado encontra-se “escondida” na obra Noivado

Trágico de Émile Zola. No que se refere aos prefácios, nenhum deles

consta na tradução, nem mesmo o curto prefácio da edição

originalmente publicada em 1829.

53

É bastante difícil chegar às razões dessa supressão, pois além da

distância temporal, a editora não mais existe, o que dificulta o acesso a

alguma informação oficial. Ademais, o Brasil carece de um banco de

dados que contemple edições antigas a exemplo do Gallica, ligado à

Bibliothèque Nationale de France. Os arquivos da Biblioteca Nacional

do Rio de Janeiro são insuficientes em casos como esse. Contudo, é

possível conjecturar algumas coisas. O que parece pertinente supor em

um primeiro momento é que houve por parte da editora um completo

descaso para com a obra. Tal suposição é possível a julgar pela

supressão dos prefácios, além da não informação de que ao romance de

Zola segue-se uma novela de Victor Hugo.

Em relação à ausência dos prefácios, parece ser esse um

procedimento comum nas editoras brasileiras até os anos 60 do século

passado. Um estudo mais aprofundado sobre o tema se faz necessário.

Ainda que não seja esse o foco da presente pesquisa, consultei algumas

obras do próprio Victor Hugo anteriores aos anos 60 e pude averiguar a

inexistência de prefácios. Tal recorte apenas aponta uma tendência, visto

que se trata de um autor bastante conhecido. No caso específico de O

Último Dia de um condenado, os prefácios são importantes para a obra.

O primeiro, aliás, é bastante curto, não ocupando sequer uma página, o

que poderia eliminar a justificativa de tratar-se de uma questão de

espaço. Caso seja de fato essa a edição que introduz a obra no Brasil,

pode-se afirmar que a primeira geração de leitores de O Último Dia de

um condenado em português brasileiro não o leu integralmente,

considerando a particularidade desse primeiro prefácio, pois ele não

apenas anuncia a obra, mas chega a ser parte dela.

O fato da novela de Hugo dividir a edição com outra obra, com

um autor diferente a quem lhe é dado a capa, sem nenhuma informação

de sua existência até a página 207, pode ser suficiente para caracterizar

o descaso. Entretanto, não se pode deixar de considerar que essa poderia

ser a proposta da coleção Biblioteca de Romances Célebres, ou seja,

brindar o leitor com uma obra considerada menor de um autor

consagrado. Todavia, ao consultar outras obras26

da mesma coleção, três

delas para ser mais exato, não se encontrou caso semelhante, o que nos

leva a concluir que apenas na edição de O noivado trágico ocorre essa

situação.

26

O Judeu Errante, de Eugène Sue; Recordações da Casa dos Mortos, de

Fiodor Dostoïeviski; Os Moicanos de Paris, de Alexandre Dumas.

54

A segunda edição aporta a tradução assinada por Annie Paulette

Marie Cambe e foi publicada em 1995 pela editora Newton Compton.

Tem o título traduzido por O Último Dia de um condenado à morte e no

que tange aos prefácios, traz apenas o segundo e o terceiro. O prefácio

original foi suprimido, aparecendo, contudo, inserido no terceiro

prefácio, mas na condição de citação.

Ao optar pela inserção dos prefácios originais a edição da

Newton Compton propicia ao leitor monolíngue de Victor Hugo uma

leitura mais enriquecedora, já que lhe permite o acesso a uma visão mais

ampla sobre a obra, o tema e a sua história, visão essa limitada pela

ausência dos prefácios na edição da Editorial Moderna Paulistana.

Os prefácios dessa edição de 1995 são apresentados em ordem

invertida, aparecendo primeiro o terceiro prefácio, o chamado Prefácio

de 1832 e em seguida o segundo, de 1829, Uma comédia a propósito de uma tragédia. Com essa disposição, de privilégio do prefácio-ensaio de

1832, a edição da Newton Compton não apenas contextualiza o leitor

quanto às polêmicas que envolveram a obra na época de seu lançamento

original, mas também pode induzir o leitor a um determinado ponto de

vista, no caso o do autor, que nele se posiciona contrário à pena de

morte.

Já no que tange ao segundo prefácio na ordem de aparecimento

na edição, é possível pensar em um certo ganho por parte do leitor que

está tendo o primeiro contato com a obra, isso em razão da ordenação

dos prefácios. Caso fosse mantida a ordem cronológica, é possível que o

leitor encontrasse na leitura do Prefácio de 1829 alguma dificuldade, já

que ele não estaria contextualizado sobre as querelas envolvendo a

publicação original de O Último Dia de um condenado. Tal

contextualização é possível, entretanto, a partir das observações feitas

por Hugo no Prefácio de 1832. Nesse cenário, a edição da Newton

Compton exige também um leitor atento, capaz de identificar no

Prefácio de 1829, via metáforas e ironias, as questões abordadas no

Prefácio de 1832, que antecede na edição aquele, conforme

mencionado.

Já em relação à supressão do Prefácio da 1ª edição, é possível

que não houvesse no projeto de tradução para essa segunda edição de O

Último Dia de um condenado no Brasil, muita preocupação com o leitor

mais ingênuo. Ao suprimir o prefácio da edição original a possibilidade

de ter um leitor que hesite entre um relato verdadeiro e a ficção,

praticamente desaparece, ainda que porventura se possa entender que

um leitor nesses moldes é atualmente mais raro.

55

A terceira edição de O Último Dia de um condenado aparece no

mercado editorial brasileiro sete anos depois, em 2002, publicada pela

Editora Estação Liberdade, com tradução de Joana Canêdo.

Diferentemente da Newton Compton a Edição da Estação Liberdade

escolheu apenas um prefácio antes do texto literário, optando pelo

segundo, aquele intitulado Uma comédia a propósito de uma tragédia.

A exemplo de sua predecessora, a Estação Liberdade também suprime o

prefácio original e com ele o jogo ilusão/real destinado ao leitor. Esse

prefácio aparece, portanto, somente na condição de citação quando

reproduzido inteiramente no Prefácio de 1832 — conforme já

mencionado —, e que surge aqui depois da trama, portanto na posição

de posfácio.

Dada a natureza do prefácio original, a qual se configura na

“ilusão do real” e que, devido a isso, pode ser compreendido como parte

integrante da história do condenado, é possível conjecturar que apenas o

leitor mais atento, ou então aquele conhecedor da obra, perceberá pelas

linhas que abrem o Prefácio de 1832 que a citação que segue trata-se de

um prefácio. Além do que, não fica claro nas linhas iniciais desse

prefácio-ensaio que a citação a seguir pertence à primeira edição, pois se

fala em “primeiras edições”:

Na abertura das primeiras edições desta obra,

publicada inicialmente sem nome de autor, havia

as poucas linhas que seguem: [citação do 1º

prefácio]. (HUGO, 2002. p. 159).

Também não fica claro ao leitor de primeira viagem se as “linhas

que seguem” estão presentes apenas na abertura das primeiras edições

da obra e não nas subsequentes. Ainda mais que tal citação não é

encontrada pelo leitor na abertura do exemplar que ele tem em suas

mãos. Como não há nenhuma nota que contextualize e explicite a

condição de primeiro prefácio dessa citação, tal informação se perde

para esse leitor que tem acesso ao O Último Dia de um condenado

apenas pela edição da Estação Liberdade, o mesmo valendo para o da

Newton Compton. A confusão pode agravar-se com as próprias linhas

iniciais do Prefácio de 1832, já que nas primeiras edições em que

constava essa agora citação, não havia nome de autor. Assim, quem a

escreveu? O próprio autor?

Por qual razão a mais cuidadosa, a mais rica em paratextos das

edições de O Último Dia de um condenado publicada no Brasil fez tal

opção parece uma pergunta pertinente. Como a ideia aqui não é

56

estabelecer uma crítica puramente negativa, mas sim procurar entender

as razões que possam explicar certas questões, creio que o aporte teórico

de Antoine Berman pode ser útil.

Em Pour une critique des traductions : John Donne, o teórico

francês refere-se a um “horizonte de tradução”, o qual, segundo ele,

seria o conjunto de parâmetros linguísticos, literários, culturais e

históricos que determinam a prática tradutiva, independentemente da

vontade do tradutor (BERMAN, 1995. p. 79). Esse horizonte de

tradução, no qual estão inseridas outras traduções da obra que um

tradutor está traduzindo, como também outras obras desse autor, parece

ser indissociável do projeto de tradução, o qual, para Berman, existe em

toda tradução. O crítico francês comenta que nem sempre o projeto de

tradução está claro para o tradutor. Entretanto, toda tradução possui um

projeto de tradução que pode ser desvendado à posteriori, pois toda a

tradução serve a alguma coisa, a algum contexto, a algum objetivo,

ainda que inicialmente não esteja claro ao tradutor. Assim, toda a

tradução revela um projeto de tradução (Idem, p. 80, 81). Tal projeto

leva o tradutor a traçar uma meta com a tradução que propõe. Em outras

palavras, qual o resultado final a ser apresentado ao leitor? Qual o lugar

a ser ocupado pela tradução no momento? Qual a sua pertinência para

obra e para o contexto literário e cultural da língua alvo?

Quando a Estação Liberdade publica a sua tradução de O

Último Dia de um condenado há no seu horizonte de tradução duas

outras traduções para o português brasileiro. Uma primeira que, como

diz o próprio Berman acerca da primeira tradução de uma obra,

constitui-se na introdução daquela obra no sistema literário local. Assim,

pode-se sim considerar a obra já conhecida desse sistema e do público,

mesmo estando ela esgotada há bastante tempo, pois ainda assim, ao

menos no caso da Moderna Paulistana, é possível encontrá-la. Nesse

horizonte, também desponta uma segunda edição, mais recente, ainda no

mercado e mais completa, trazendo dois dos três prefácios e

informações pertinentes sobre eles. Daí se pode considerar que houve

um enriquecimento da obra no sistema literário local, sem contar os

epitextos que podem ter surgido. E a considerar o tempo relativamente

curto entre essa segunda edição e aquela apresentada em 2002, um

tempo de sete anos apenas, pode-se levar também em conta que as

informações sobre os prefácios de O Último Dia de um condenado são

de conhecimento do público leitor, ao menos está acessível a ele.

Tendo em mente esse horizonte de tradução à época em que

Joana Canêdo começa o seu trabalho, é possível então inferir um

57

possível projeto de tradução. Projeto tal, como diz Berman (1995, p.

79), no qual se podem vislumbrar, entre outras, duas orientações: Qual o

lugar a ser ocupado pela tradução no sistema literário, considerando que

a obra já está inserida nele? E para qual leitor essa tradução se dirige?

A primeira questão pode ser respondida com as características

da edição da Estação Liberdade. É ela rica em paratextos, mais do que a

da Newton Compton, além de ser esteticamente mais apresentável.

Nesse sentido, principalmente no que se refere aos paratextos, é uma

edição que acrescenta e “encorpa” a obra no contexto local,

configurando assim um “ganho” em relação à sua predecessora. E ainda

no campo da contribuição dessa edição podemos mencionar o fato de ela

propor uma nova tradução, em cujo mérito não entrarei em razão de não

ser essa a proposta desse trabalho.

A segunda questão, para qual leitor se dirige a edição e sua

tradução, parece-me, devido ao que acaba de ser discutido, ser esse

leitor aquele que já detém as informações acerca dos prefácios. Esse

leitor é aquele que possivelmente conhece a obra, que já esteve talvez

em contato com a edição da Newton Compton. É ele, portanto, um leitor

habitual da obra. Evidentemente que o leitor iniciante, aquele que nunca

leu a novela, que nada sabe dela, chegará também a essa edição da

Estação Liberdade. Entretanto, talvez não seja ele o leitor alvo.

Por fim, há à quarta edição da novela de Victor Hugo no Brasil.

Publicada em 2005 pela Golden Books, traz a tradução de Sebastião

Paz. Mais pobre que a sua antecessora no que tange aos paratextos, essa

edição não apresenta o segundo e terceiro prefácios. Curiosamente,

ainda mais se considerarmos o espaço de tempo entre uma e outra, três

anos apenas, a edição da Golden Books vem então “complementar” a da

Estação Liberdade ao publicar apenas o primeiro prefácio, fazendo-o

inclusive de forma a não deixar dúvidas ao designar-lhe um título,

ausente nas edições francesas, ao menos nas primeiras edições. Assim,

na página 09 e em caixa alta o leitor pode ler: PREFÁCIO À

PRIMEIRA EDIÇÃO.

Ao contrário das duas edições anteriores, não há nessa 4ª edição

nenhum paratexto que mencione a gênese da obra ou mesmo as

polêmicas da qual a mesma fez parte quando de sua publicação original.

A Golden Books ao que parece teve por meta não mais que

disponibilizar a obra sem maiores preocupações com uma abordagem

mais densa, conforme constava no seu horizonte de tradução. Talvez

essa opção se dê em razão das duas edições anteriores serem mais

completas no que se refere aos paratextos, sobretudo a da Estação

58

Liberdade, publicada apenas três anos antes. Assim, a ausência dos

outros prefácios, somadas a inexistência de notas explicativas, ou

mesmo algum ensaio de terceiros, proporciona uma atmosfera de leitura

análoga, guardada as devidas proporções, àquela da publicação original,

já que o texto fala por si só. A partir daí se pode inferir que a edição da

Golden Books foca, ao que tudo indica um público que está entrando em

contato com a obra e, possivelmente, com o autor pela primeira vez.

Pode-se pensar nessa possibilidade a partir dos outros paratextos, como

as orelhas e quarta capa que a exemplo de um texto de apresentação do

autor intitulado Razões para ler Victor Hugo, versa sobre o autor e o seu

espaço na Literatura.

Entre as quatro edições de O Último Dia de um condenado no

Brasil constata-se, portanto, que duas delas se pautaram por uma

abordagem que propiciasse um contato mais aprofundado com a obra,

contemplando um leitor que se dispõe a adentrar outros níveis de leitura.

Já as outras duas se apresentam em outro campo, o de não exercer

nenhuma espécie de influência no leitor no que se refere à história da

obra e o seu diálogo com o juízo de valor em relação à pena de morte.

Todavia, há uma diferença entre elas, já que a última edição possui sim

paratextos, ao passo que a primeira não.

2.5. Notas

Gérard Genette define a nota como um enunciado de tamanho

variável, o qual se relaciona com determinado segmento de um texto,

sendo responsável pelos seus aspectos mais pontuais (2009, p. 281,

282). Tal enunciado pode ainda estar disposto seja em frente, seja como

referência a esse segmento. O vocábulo “nota”, surgido, segundo

Robert, em 1636, “remonta à Idade Média, quando o texto, colocado no

meio da página, era normalmente cercado de notas ou, às vezes, até

recheado de esclarecimentos escritos em letras menores” (idem, p. 282).

A nota, portanto, pode ocupar espaços variados em um texto, como

também desempenhar funções diferentes. Dentre elas podemos citar as

notas de rodapé, de fim de capítulo, nota do tradutor, do editor, notas

que desempenham a função de posfácio ou mesmo de prefácio. O

Último Dia de um condenado apresenta além das notas de rodapé

também uma “nota final”, sobre a qual abordarei em um subcapítulo

mais à frente. Entre os variados tipos de notas de rodapé apontadas por

Gérard Genette, tratarei daqueles que aparecem nas edições francesa e

59

brasileiras de O Último Dia de um condenado, as notas alógrafas

autênticas, as actorais fictícias e, por fim, a nota autoral autêntica.

2.5.1. As notas de rodapé

Ao longo do século XVI, surgem o que se denominava notas

marginais, as quais são reduzidas e anexadas a segmentos mais

definidos do texto. Apenas no século XVIII é que a utilização

dominante a remove para o pé de página, o rodapé. Porém, há uma

diversificação em relação às notas de rodapés, sendo estas inseridas

ainda nas margens, entre as linhas, no final de capítulo, entre outras.

Genette (2009, p. 282) observa que as notas podem ser facultativas no

que diz respeito a sua leitura, pois isso dependerá do tipo de leitor, já

que para alguns o termo inserido em nota pode conter uma explicação

que lhe interessa ou não. Aliás, não é incomum, diz Genette (2009, p.

288), que alguns autores autorizem os seus leitores a dispensar tais

recursos, já que as notas provocam, na perspectiva de uma estética

classicizante do discurso, certa digressão no texto, reduzindo assim a

sua almejada linearidade.

O crítico francês estabelece duas instâncias para as notas, em uma

delas se encontra o destinador, aquele que escreve a nota, e na outra o

destinatário, a quem se destina a nota, o qual, quase que

invariavelmente, é o leitor da obra (GENETTE, 2009, p. 288). A nota de

rodapé exerce na maioria dos casos uma função explicativa para termos

utilizados no texto, podendo esclarecer um sentido conotativo, detalhar

fatos evocados, referir-se a obras consultadas e mesmo ampliar a

argumentação.

Gérard Genette chamou de “nota autoral autêntica” aquela que

identificamos como sendo do próprio autor. Essa modalidade de nota

aparece, sobretudo, no Prefácio de 1832, no qual Victor Hugo dialoga

com a crítica de sua obra três anos após a sua publicação original. Em O

Último Dia de um condenado encontramos então três notas autorais

autênticas, todas nesse prefácio, as quais foram reproduzidas nas edições

da Newton Compton (1995) e na da Estação Liberdade (2002), fazendo-

se ausentes das edições da Moderna Paulistana (s/d) e da Golden Books

(2005), que não trazem esse prefácio.

As notas alógrafas autênticas compreendem, segundo Genette, as

notas dos editores, críticos e também dos tradutores. No caso da edição

da Newton Compton as notas críticas ficaram a cargo de Annie Paulette

Maria Cambe, também responsável pela tradução e, naturalmente, pelas

60

notas de tradução. Para o Prefácio de 1832 a tradutora inseriu vinte e

três notas, nenhuma delas de tradução, todas críticas e informativas. Já o

segundo prefácio, nomeado pelo próprio Hugo de Uma comédia a propósito de uma tragédia e mais conhecido como Prefácio de 1829

27,

conta com onze notas de rodapé, todas críticas e informativas, com

exceção das notas 1 e 2, ambas traduções de dois poemas, os quais a

tradutora deixou em francês no corpo do texto. Além dessas, há uma

nota da edição de 1832 dando conta de que o Prefácio de 1829 fora

publicado na terceira edição da obra.

A edição da Estação Liberdade, por sua vez, procura respeitar a

ordem cronológica de publicação dos dois prefácios. Assim, insere logo

na folha que apresenta os personagens do sainete a nota da edição de

1832. Antes, porém, traz uma nota do editor informando que as notas

“assinaladas com asteriscos foram livremente inspiradas em Roger

Borderie (Ed), in: Victor Hugo : Le Dernier Jour d’un condamné. Paris,

Gallimard/Folio, 2000, ou são da tradutora” (HUGO, 2002, p. 8). As

notas da tradutora estão indicadas com as iniciais N.T, ao passo que

naquelas inspiradas em Borderie trazem a respectiva referência

bibliográfica. A exemplo das notas da tradutora da Newton Compton, as

de Joana Canêdo são de natureza crítica e informativa, sendo em número

de sete. Já em relação ao Prefácio de 1832 são dezoito notas da

tradutora e outras três baseadas em Roger Borderie.

O outro tipo de nota de rodapé a ser analisada é chamada por

Genette de nota actoral fictícia. Segundo o crítico francês essa

modalidade de nota aplica-se a personagens narradores, caso da obra de

Victor Hugo em questão. As notas actorais fictícias de O Último Dia de

um condenado são em número de vinte e três e estão distribuídas ao

longo de quatro páginas, durante um diálogo entre o condenado-narrador

e outro condenado com quem aquele dividia a mesma cela. Essas notas

de rodapé esclarecem o leitor sobre certas expressões que se encontram

originalmente em uma linguagem específica, própria dos criminosos.

Como o texto é de autoria do condenado à morte do título, é possível

que essas notas sejam também dele — respeitado aqui o contrato

bilateral de ficção — já que “[...] realmente existiu um maço de papeis

amarelados e desiguais nos quais se encontravam registrados, um a um,

os últimos pensamentos de um miserável [...]” (HUGO, 2002, p. 159).

27

Nessa edição os prefácios estão invertidos. Primeiramente o de 1832 e logo

em seguida o de 1829.

61

Caso o autor da obra não seja o condenado, mas sim “[...] um

homem, um sonhador ocupado em observar a natureza em proveito da

arte, um filósofo, um poeta — quem sabe? —, para quem tal ideia foi a

fantasia que o tomou, [...] e não pode dela se desembaraçar senão

lançando-a num livro” (idem), teríamos então uma nota alógrafa fictícia

ou ainda uma nota autoral autêntica.

Considerando a primeira edição, do início de fevereiro de 1829,

na qual o autor real permaneceu anônimo, tais notas teriam sido

inseridas por esse “sonhador ocupado, filósofo, ou ainda poeta” tomado

pela fantasia que fazia publicar. Nesse caso, parte-se então do

pressuposto de que se trata de uma obra de ficção e, nesse caso, as notas

eram do autor que talvez tenha de fato pesquisado essa linguagem do

mundo do crime, ou então que as tenha inventado. Neste cenário,

estaríamos diante de notas autorais fictícias, já que foram escritas por

um autor que não o autor real do texto, Victor Hugo, sendo exatamente

essa a definição dada por Genette (2009, p. 284) acerca de notas autorais

fictícias.

A partir da terceira edição de O Último Dia de um condenado,

ainda no mês de fevereiro de 1829, o nome de Victor Hugo já aparece

como autor da obra. Caso o leitor queira considerar esse “sonhador

ocupado, filósofo, ou ainda poeta”, como sendo o próprio Hugo,

estaremos, portanto, diante de notas autorais autênticas, mantendo-se o

mesmo raciocínio sobre a produção dessas notas do exemplo anterior.

Devido a essas três possibilidades, ao referir-se a essas notas

tratarei de aponta-las como pertencente ao texto original, texto de

partida, texto fonte.

Em sua edição de 2014 de Le Dernier Jour d’un condamné, a

editora francesa da Le Livre de Poche manteve as notas de rodapé,

indicadas por um asterisco, conforme a versão original de 1829 (HUGO,

2014, p.14). Essas vinte e três notas se encontram distribuídas nas

páginas 110, 111, 112 e 113 da edição francesa. Os vocábulos

pertencentes ao corpo do texto contendo os asteriscos para a

identificação das explicações do texto fonte estão expostos abaixo em

quatro tabelas.

Página 110

EXPRESSÕES NO CORPO

DO TEXTO

ESCLARECIMENTO EM

NOTAS

Charlot Le bourreau

62

Mes louches Mes mains

Une fouillouse Une poche

Je filais une pelure Je volais un manteau

Un marlou Un filou

Un grinche Un voleur

Je forçais une boutanche, je

faussais une tournante

Je forçais une boutique, je

faussais une clef

Marine Aux galères

Une serpillière de ratichon Une soutane d’abbé

Tapiquer Habiter

Página 111

EXPRESSÕES NO CORPO

DO TEXTO

ESCLARECIMENTO EM

NOTAS

Cheval de retour Ramené au bagne

Bonnets verts Les condamnés à perpétuité

Leur coire Leur chef

Faire la grande soulasse sur le

trimar

On assassinait sur les grands

chemins

Página 112

EXPRESSÕES NO CORPO

DO TEXTO

ESCLARECIMENTO EM

NOTAS

Les marchands de lacets Les gendarmes

Fanandels Camarades

Le faucheur Le bourreau

... a épousé la veuve a été pendu

L’abbaye de Mont’-à-Regret La guillotine

Faire le sinvre devant la carline Le poltron devant la mort

Placarde Place de Grève

Vousailles Vous

Página 113

EXPRESSÕES NO CORPO

DO TEXTO

ESCLARECIMENTO EM

NOTAS

Le sanglier Le prêtre

63

Conhecendo então as notas de rodapé de Victor Hugo com tais

esclarecimentos, um cotejo entre a edição francesa e as quatro traduções

brasileiras foi feito com o intuito de identificar se nas edições brasileiras

foram mantidas tais notas de rodapé, se outras foram acrescentadas e/ou

outras suprimidas. A ordem de análise segue cronologicamente as datas

de publicação de O Último Dia de um condenado no Brasil.

2.5.2. Notas de rodapé: Editora Moderna Paulistana

Começando o cotejo sobre as notas de rodapé com a Editora

Moderna Paulistana, foi constatado o seguinte: primeiramente, em

nenhuma das páginas dessa edição foram mencionadas quais eram as

notas de rodapé que constam na edição fonte e quais eram as notas do

tradutor e/ou editor, informações estas esclarecidas por ora apenas pela

edição francesa, conforme anteriormente mencionado.

Na página 45 desta edição brasileira, o tradutor aporta sua

primeira nota de rodapé para o termo francês “un friauche”, (p.109), o

qual foi traduzido por “nivelado” e cuja explicação é “guilhotinando”,

termo este, como podemos constatar na lista dos termos esclarecedores

da edição de partida exposta acima, não foi mencionado. O mesmo

ocorre ainda na página 45 da Moderna Paulistana, com o vocábulo

francês “le taule”, (p.109), cuja tradução é feita por “o nivelador”, para

qual em nota se dá a explicação “carrasco”, explanação essa, também

ausente no texto fonte. O tradutor traz seu terceiro termo esclarecedor

cuja menção do original em francês é inexistente, também na página 45,

na qual traduz por “caixinha das ideias” o termo francês “sorbonne”,

(p.109), mencionando em nota a definição para tal termo: “cabeça”. O

mesmo ocorre com o termo “peigre”, (p. 110), traduzido por

“industrioso” no corpo do texto e explicado em nota como sinônimo de

“ladrão”. É na página 110 da edição francesa Le Livre de Poche que a

edição fonte menciona seu primeiro termo em nota de rodapé. Trata-se

do vocábulo “Charlot”, esta edição define em nota como “Le bourreau”.

“Charlot” é mantido no corpo do texto na edição da Moderna Paulistana,

sendo que o termo “Le bourreau” é traduzido em nota de rodapé por

“carrasco”, (p. 45). O segundo termo definido em nota de rodapé pela

edição de partida para a obra Le Dernier Jour d’un condamné trata-se

dos vocábulos “mes louches”, (p.110), cuja definição o original em

francês traz como “mes mains”. O tradutor por sua vez traduz por “meus

ganchos” e mantém a explicação da edição original em nota de rodapé:

64

“mãos”, suprimindo o pronome possessivo de primeira pessoa do

singular, (p.46).

Na frase “[...] de temps en temps je vidais une fouillouse, je filais

une pelure [...]”, (p.110), a edição francesa esclarece duas expressões:

“fouillouse” e “je filais une pelure” para as quais ela clarifica em nota de

rodapé ser “une poche” e “je volais un manteau”, respectivamente. Já o

tradutor da Editora Paulistana, traduz esta mesma frase da seguinte

maneira: “… de tempos a tempos ensaiava uma algibeira, filava um

peludo”, resumindo em nota de rodapé esta frase de Hugo apenas com o

termo “casaco”. O próximo vocábulo que vem esclarecer o original em

francês em nota de rodapé trata-se de “un marlou”, explicado como “un

filou”, (p.110). Na versão brasileira encontramos a tradução do termo

como “oficial” e, também como o fez a edição francesa explica ser

“gatuno”, (p.46). Já para o termo “grinche”, (p.110), a edição fonte

aporta a definição em nota de “un voleur” para o qual o tradutor traduz

por “industrioso” e o aclara em nota como “ladrão”, (p.46). Para a frase

“Je forçais une boutanche, je faussais une tournante”, a edição fonte em

nota de rodapé esclarece ser “Je forçais une boutique, je faussais une

clef ”. Já Moderna Paulistana traz a frase traduzida da seguinte maneira:

“[...] forçava toupeiras e falsificava langostins”, dando em nota às duas

orações as definições resumidas em apenas duas palavras:

“Lojas/Chaves”. Após essas duas orações explicativas realizadas pela

edição de partida, ela introduz outra nota referente ao termo de Hugo

“dans la petite marine”, ao qual ela define por “aux galères”, (p.110),

termo este traduzido no corpo do texto por “para a navegação” e em

nota de rodapé por “Galés”, (p.46). Desta vez, a edição francesa aclara a

leitura de seu leitor com a explicação em nota de rodapé para o termo

“une serpillière de ratichon” o qual define por “une soutane d’abbé”,

(p.110), sendo que o tradutor também traduz esta nota da editora por

“sotaina de padre” e no texto ele o traduz por “serapilheira de

rapasinho”, (p.46). A edição fonte outra vez conduz o leitor para mais

uma definição em nota, desta vez para o verbo “tapiquer” o qual revela

ser “habiter”, (p.110). O tradutor, por sua vez, transpõe para a língua

portuguesa o verbo francês em questão por “farejar” e traduz a nota da

edição francesa referente ao verbo por “viver”, (p.46).

A edição original dá continuidade à sua elucidação em que diz

respeito aos jargões proferidos pelo personagem delinquente que ancora

o personagem principal de Victor Hugo, desta vez fazendo alusão à

expressão “cheval de retour” a qual é definida em nota por “ramené au

bagne”, (p.111), sendo esta transposta pelo tradutor também em nota por

65

“condenado mais de uma vez” e aquela traduzida por “cavalo de

retorno” no corpo de texto, (p.47). O termo “les bonnets verts” é por sua

vez elucidado como “Les condamnés à perpétuité”, (p.111). O tradutor

transpõe o termo exposto no corpo de texto por “os bonés verdes” e

traduz a nota da edição de partida por “condenados por toda a vida”,

(p.47). “Leur coire” é o próximo vocábulo a ser esclarecido em nota

pelo original em francês. Para este termo, o mesmo define ao leitor que

“leur chef” é seu significado, (p.111). Já o tradutor não escreveu

nenhum jargão em português que pudesse fazer a correspondência de

“leur coire”. Inseriu diretamente “o seu chefe” no texto de chegada,

(p.47), não adicionando assim, nenhuma nota de rodapé. Já no que diz

respeito à oração do autor francês “[...] on faisait la grande soulasse sur

le trimar”, a edição fonte de Les Derniers Jours d’un condamné

acrescenta uma nota referente à definição desta expressão, elucidando

assim seu leitor que “on assassinait sur les grands chemins” é a

expressão correspondente à frase acima citada, (p.111). Para tal

expressão, o tradutor a transpõe em seu texto de chegada “[...] eram

adoradores do sol e da lua.”, definindo-a também em nota como

“salteadores de estrada”, (p.47). Ainda na mesma página do texto de

chegada, o tradutor, ao contrário da edição de partida, novamente não

inseriu nenhum jargão pertencente à linguagem de um delinquente, desta

vez para o termo em francês “les marchands de lacets” para o qual o

original em francês define por “les gendarmes” em sua nota de rodapé,

(p.112). O tradutor mais uma vez serviu-se da definição da editora de

partida em sua nota e a inseriu no seu corpo de texto diretamente, ou

seja, “uns gendarmes” foi a tradução que deu para o termo em francês

“les marchands de lacets”. A edição francesa aclara em nota de rodapé

mais um jargão de Hugo, desta vez “mes fanandels”, cujo significado

afirma ser “camarades”, (p.112). Porém, o tradutor serve-se mais uma

vez da mesma prática de tradução mencionada anteriormente não

utilizando nenhum jargão de língua portuguesa que pudesse fazer

correspondência à “mes fanandels” e traduz no corpo do texto por “os

meus camaradas”, não fazendo nenhum acréscimo em nota de rodapé

para tal termo, já que o mesmo já foi elucidado no próprio texto.

Contudo, ele utiliza no seu texto de chegada a expressão “deram às

gambaias” e a define em nota como “fugiram”, (p.47), sendo que Hugo

em seu texto serve-se da expressão “[...] se sont sauvés” não sendo

aclarado em nota de rodapé, pois esta não se trata de nenhum jargão e

sim, de uma expressão bastante usual na língua francesa, (p.112). Sobre

o termo em francês “le faucheur”, ainda na mesma página, a edição

66

fonte o define como “le bourreau” cujo termo também em nota de

rodapé foi traduzido por “o carrasco” e “le faucheur” por “nivelador” no

texto traduzido para a língua portuguesa, (p.48). Ainda com o mesmo

teor de investigação, averiguou-se que o original em francês não cessa

de colaborar com o enriquecimento de vocabulário de seu leitor sobre o

linguajar de um delinquente de Victor Hugo, aqui, também um

criminoso. Em seu texto, ele utiliza a expressão “[...] a épousé la veuve

[...]” referindo-se ao pai do locutor criminoso para qual a edição de

partida define em nota, “ a été pendu [...]”, (p.112), e na página 48 do

texto de chegada, o termo literal escolhido “[...] casou com a viúva [...]”

foi escolhido pelo tradutor que também insere em nota de rodapé o

esclarecimento de tal expressão, traduzindo assim por “foi enforcado”.

A próxima expressão de Hugo que vem esclarecer ao seu leitor a edição

do original em francês é “l’abbaye de Mont’-à-Regret” cuja definição

em nota ela dá por “la guillotine”, (p.112). O tradutor da Editora

Moderna Paulistana serve-se do mesmo movimento feito na edição fonte

e utiliza “a abadia do Monte da Saudade” em sua tradução, definindo a

expressão em nota de rodapé como “guilhotina”, (p.48). No que

concerne à fala do delinquente aqui já mencionado, “[...] faire le sinvre

devant la carline”, para a qual a edição francesa a define em nota por “le

poltron”, (p.112), a tradução brasileira em nota para esta definição é

novamente o termo “guilhotina”, e “[...] não te faças de seda diante do

baile” para a frase mencionada pelo criminoso. Ainda na página 112,

Hugo emprega a locução “la placarde” e cujo significado é explanado

em nota como “Place de Grève”. Já o tradutor ignora tal jargão e traduz

diretamente em seu texto “praça da Grève”, não inserindo assim

qualquer nota de rodapé para tal termo. “Vousailles” é a próxima

expressão utilizada por Hugo com uma indicação em nota de rodapé.

Para tal palavra, a edição francesa define por “vous”, (p.112), sendo que

o tradutor, em seu corpo de texto, traduziu por “voseicelencia” não

enxertando nenhuma definição em nota de rodapé. Por fim, a edição de

partida implanta sua última nota de rodapé, figurando na página 113.

“Le prêtre” é a definição explanada em nota para o vocábulo de Hugo

“le sanglier”. O tradutor, por sua vez, também insere uma nota com a

definição “padre” para o termo em português o “corvo”, referido em sua

tradução, (p.48). Findadas as notas do texto de partida, o tradutor,

contudo, segue com duas definições relatadas em nota de rodapé. Na

página 56, o tradutor insere em nota a explicação para a expressão em

67

francês “pied-de-roi”, (p.121), que segundo ele quer dizer “medida

franceza de doze polegadas”28

. Na página 57 da edição brasileira,

constatou-se a última nota de rodapé. Victor Hugo menciona a palavra

“Charenton”, (p.123) na frase “Est-ce que vous arrivez de Charenton ?”.

O tradutor traz em nota de rodapé a explicação “Hospital de doidos”

para tal termo.

Chegando ao término do estudo concernente às notas de rodapé

da Editora brasileira Moderna Paulistana, apurou-se que o tradutor

acrescenta sete notas de rodapé referentes a termos os quais a edição

fonte ignora. Ou seja, a editora francesa partida não faz nenhuma

menção a esses vocábulos em nota de rodapé. Das vinte e três

notificações que esta aporta, o tradutor mantém dezoito, sendo três notas

resumidas (incompletas) e suprime cinco dessas notas de rodapé.

2.5.3. Notas de rodapé: Editora Newton Compton (1995)

A próxima edição brasileira a fazer parte desta pesquisa foi a

Editora Newton Compton, tendo Annie Paulette Maria Cambè como

tradutora. As notas inseridas no original em francês aparecem na

tradução da Newton Compton a partir da página 71, sendo todas elas

indicadas como “ (Nota de V. Hugo) ”.

Já na primeira palavra da obra, na página 43, encontramos em

nota o seguinte esclarecimento feito pela tradutora sobre o termo

“Bicêtre”. Para tal termo ela afirma: “Localidade no departamento do

Sena, famosa pelo imponente hospício para idosos e alienados. Bicêtre

entrou na linguagem francesa comum como sinônimo de loucura. É

assim que, de alguém que comete um ato insensato ou extravagante, diz-

se de fugiu de Bicêtre”. Mais à frente, página 47, surge uma segunda

nota explicativa para uma frase no corpo do texto de partida a qual a

editora fonte não esclarece em nota de rodapé, porém a escreve em

itálico. A frase em francês “les hommes sont tous condamnés à mort

avec des sursis indéfinis”, (p.68), levou a tradutora ao seguinte

esclarecimento: “Victor Hugo cita a si próprio, em Han d’Islande.”, e

para esta citação de Hugo faz a tradução “os homens são todos condenados à morte com sursis indefinidos”. Seguindo adiante, Hugo,

na página 70 desta edição francesa, escreve a seguinte frase: “Ils

m’apprennnent à parler argot, à rouscailler bigorne, comme ils disent”.

Para tal oração, a tradutora a transpõe: “Ensinam-me a falar gíria, a

28

Mantida a grafia original da edição da Moderna Paulistana.

68

rouscailler bigorne como dizem”. E mantendo, como podemos observar

os vocábulos em francês e em itálico, esclarece o leitor na página 48

com a seguinte nota de rodapé: “A expressão rouscailler bigorne é

intraduzível por significar justamente “falar gíria”. Na página 54 da

tradução de Cambè, uma nota explica ao leitor o que acontecia aos

parricidas na época, provavelmente em que a obra de Victor Hugo fora

escrita. Assim, para a oração de Hugo na página 80 da Editora Le Livre

de Poche “Tous me montraient le poing, excepté le parricide”, a

tradutora insere uma explicação em nota: “Cortava-se a mão direita dos

parricidas antes da decapitação”.

Para o termo “Conciergerie” do texto de partida na página 92, a

edição brasileira mantém o termo na sua origem no corpo do texto e em

nota explica ser o local uma antiga prisão onde nos tempos do Terror

eram encarcerados os condenados à morte antes de subirem ao

cadafalso, explicação essa ausente no texto fonte, (p.61).

Na página 93 da versão original, o autor francês transcreve a letra

de uma canção cuja voz pertence a uma jovem de quinze anos, presente

naquele instante na prisão onde se encontra o protagonista da obra. Não

há no texto de partida nenhuma nota de rodapé referente tal canção,

porém, Paulette Cambè insere, (p.63), uma nota de rodapé após o

término do canto, que aqui, não será transcrito o texto em francês, pois,

além de não ser relevante, a nota de rodapé da tradutora já é bastante

esclarecedora. As explicações que compõem tal nota relatam:

Não é possível traduzir integralmente a música. É

possível traduzir o sentido geral, dando às

palavras de gíria o significado simbólico. “Na rua

do Mail, me pegaram três tiras marrom, me

pegaram pelas costas, me puseram as algemas e o

espião chegou. No caminho encontro um ladrão

do bairro: “Vá dizer à minha patroa que estou no

fresco”. Minha patroa, enfurecida, me diz: “O que

foi que você aprontou?” Matei um homem e

roubei a grana, o relógio e os cadarços dos

sapatos. Minha patroa parte para Versailles e fez

uma súplica aos pés de sua majestade para me

tirar da cadeia. Ah! Se eu fosse solto, cobriria

minha patroa de presentes, compraria chapéus e

sapatos de Tafetá. Mas o rei se zanga e diz: “Pela

minha coroa, eu o farei dançar uma dança onde

não tem chão. (HUGO, 1997, p. 63).

69

Vale ressaltar que Paulette Cambè não traduziu em seu corpo de

texto a tal canção, deixando-a em língua francesa. A tradutora resumiu

em nota o sentido da mesma, como assim relata a citação acima.

Avançando a comparação, Cambè insere na página 68 uma nota

explicativa para a expressão francesa “garde nationale”, que figura na

página 105 do texto original, a qual é traduzida por “guarda nacional”,

tratando-se de “(...) uma milícia composta de civis, tinha sido extinta em

abril de 1827, seu restabelecimento foi debatido na Câmara no dia 14 de

julho de 1828”.

Na página 71, a tradutora da Newton Compton explana em nota

de rodapé a expressão “un friauche”, (p.109), mencionando em nota “Na

gíria, “condenado à morte”, “assassino”. Nessa mesma página, a

tradutora também coloca em nota o significado da palavra “Le taule”, o

que não faz a edição fonte, (p.109). Ela não traduz o termo “le taule”,

apenas o artigo definido “le”, ficando assim sua tradução “o taule” e

esclarece em nota “O carrasco”. Permanecendo ainda na página 71,

Paulette Cambè insere sua primeira nota de rodapé que reproduz a nota

da editora francesa a qual se refere ao vocábulo “Charlot”. A tradutora

no seu corpo de texto permanece com o nome próprio “Charlot” e o

original francês, ela explana “O carrasco”.

Em relação ao termo de Hugo na página 110 “mes louches”, a

tradutora em seu texto não traduz tal palavra, deixando “as louches” e

explanando em nota de rodapé “As mãos”, (p.71). Em seguida, para o

termo “une fouillouse”, (p. 110), a tradutora não o traduz, deixando

assim sua frase: “[...] esvaziava uma fouillouse” e como a edição de

partida, ela insere a nota explicativa, traduzindo o termo por “Um

bolso”. Ainda na página 110 do texto fonte encontramos o sintagma “je

filais une pelure”, o qual é esclarecido em nota ser “Je volais un

manteau”, Paulette Cambè propõe como tradução “filava uma pele” e

também em nota de rodapé esclarece ao leitor que tal termo significa

“Roubava um casaco”. Para o vocábulo “marlou” (p.110), definido em

nota de rodapé como “Un filou”, a tradutora não traduz a palavra em

questão no corpo de texto, traduzindo apenas o artigo definido - “um

marlou” - e em nota, como a edição fonte o faz, aclara a leitura de seu

leitor inserindo a explicação “Um bandido”, (p.71). O mesmo

procedimento é empregado para “un grinche”, (p.110). Aqui ela também

não o traduz em seu texto, fazendo-o novamente apenas no artigo

definido “um grinche”, (p.71) e introduz uma nota, assim como no

original em francês, para esclarecer tal vocábulo: “Um ladrão”. Em

relação à frase “Je forçais une boutanche, je faussais une tournante”,

70

(p.110), para qual a edição de partida aclara a leitura de seu leitor

inserindo uma nota de rodapé com a explicação “je forçais une boutique,

je faussais une clef”, a tradutora desta segunda edição estudada

novamente opta por deixar em língua francesa duas palavras. Desta vez

“boutanche” e “tournante”, e para cada uma, insere uma nota de rodapé

na qual esses dois termos são traduzidos por “Uma butique” e “Uma

chave”, respectivamente, (p.71). Para os vocábulos “petites marines”,

(p.110), a edição fonte introduz em nota seu significado: “Aux galères”.

Mais uma vez, a tradutora opta por deixar os termos na língua de origem

“petite marine” e assim como a obra original, Paulette Cambè insere em

nota “As galeras”, (p.72). Partindo para o termo da edição francesa

pertencente também à página 110, “une serpillière de ratichon” para o

qual a mesma em nota explana ser “Une soutane d’abbé”, a tradutora em

seu corpo de texto, traduz “um pano de ratichon” e introduz a nota

“Uma batina de padre”, (p.72). “Tapiquer” é o último vocábulo

pertencente à página 110 da edição Le Livre de Poche indicado por uma

nota de rodapé. A edição de partida o esclarece como “Habiter”. E

repetindo a mesma dinâmica de tradução na qual Cambè não traduz os

termos de língua francesa, “Tapiquer” continua figurando em seu texto

de chegada na grafia original. Em nota a tradutora o explica como

“Morar”, (p.72).

A expressão “cheval de retour” é a próxima a qual Hugo faz uso

em seu texto cuja explicação é inserida: “Ramené au bagne”, (p.111).

Para tais expressões, Paulette Cambè traduz por “cavalo de volta” no

corpo do texto e em nota de rodapé “Reconduzido à prisão”,

respectivamente, (p.72). Hugo, dando continuidade a seus jargões na

página 111, toma uso da expressão “les bonnets verts” para a qual a

edição francesa explica em nota corresponder a “Les condamnés à

perpétuité”. A tradutora transpõe tal termo por “boinas verdes” e

também em nota introduz a explicação “Os condenados à perpetuidade”,

(p.72). Para o termo “Leur coire”, a obra francesa em nota traz o

esclarecimento a seu leitor: “Leur chef”, (p.111). Paulette Cambè

mantém o termo em questão na língua francesa, traduzindo apenas o

pronome possessivo adjetivo “Seu coire” e também em nota de rodapé

esclarece a seu leitor que se trata da expressão “O chefe deles”, (p.72).

A tradutora também mantém a expressão de Victor Hugo “[...] on faisait

la grande soulasse sur le trimar.”, (p.111), da edição francesa, deixando

“[...] faziam la grande soulasse sur le trimar”, inserindo igualmente uma

nota de rodapé com tal explicação: “Assassinavam na estrada”, (p.72).

71

Para o jargão “Les marchands de lacets”, (p.112), a edição

original lança nota e afirma que a expressão “Les gendarmes” é seu

significado ao passo que a tradutora mantém seu estilo de tradução

deixando em seu texto “Os marchands de lacets” e em sua nota de

rodapé “Os gendarmes”, (p.73). “Mes fanandels”, (p.112) é o próximo

jargão explicado em nota para o qual se explana ser “Les camarades” e

assim “meus fanandels” é a tradução que faz Paulette Cambè cuja nota

de rodapé é “Companheiros”, (p.73). No que diz respeito à palavra

francesa “le faucheur”, mais uma nota é inserida pela edição fonte para

dizer que tal termo significa “Le bourreau”, (p.112). A tradução da

Newton Compton traz no texto a expressão na língua de partida, sendo

que em nota de rodapé ela insere o vocábulo “O carrasco”, (p.73). Já

para a expressão francesa “a épousé la veuve”, o significado é explicado

em nota: “a été pendu”, (p.112), Paulette Cambè traduz para o português

“casou com a viúva” e também em nota de rodapé insere a explicação

“Foi enforcado”, (p.73). Por outro lado, a tradutora mantém em língua

francesa a expressão “Mont’-à-Regret” no corpo do texto, cujo

significado ela explana em nota de rodapé ser “A guilhotina”, seguindo

o mesmo esclarecimento do original em francês “La guilhotine”,

(p.112). Partindo para o jargão seguinte, ainda na mesma página, Hugo

escreve “faire le sinvre devant la carline” e em nota a edição francesa

explica ser “Le poltron devant la mort”. Cambè mantém os termos

“sinvre” e “carline” em língua francesa, deixando o seu texto da

seguinte maneira: “fazer o sinvre na frente da carline”, e também em

nota esclarece com tal frase “O medroso na frente da morte”, (p.73).

“Placarde” é o próximo jargão utilizado por Hugo e mencionado ao pé

da página 112, cujo significado a edição fonte afirma ser “Place de

Grève”. A tradutora mantém novamente o termo em francês, desta vez,

“Placarde” e em nota insere “A Praça de Grève”, (p.73). Em relação ao

vocábulo francês “vousailles, (p.112), o qual se declara em nota

significar “Vous”, a tradutora também opta por não traduzi-lo e em nota

explica ser “O senhor”, (p.73).

No que diz respeito ao último vocábulo indicado em nota de

rodapé, “le sanglier”, que quer dizer “Le prêtre”, como explica a edição

original na página 113, Paulette Cambè transpõe tal termo por “O

javali” e também em nota declara ser “O padre”, (p.73). Dando

sequência à comparação, na página 81 da edição brasileira, a tradutora

insere uma nota de rodapé para a frase de Victor Hugo: “J’avais sur moi

le tome second des Voyages de Spallanzani”, (p.127), a qual ela traduziu

72

por “Trazia consigo o segundo volume das Viagens de Spallanzani”,

(p.81). Nesta nota, Paulette Cambè explana:

Victor Hugo se refere a Viaggi nelle due Sicilie e

in alcuni luoghi degli Appenini, de Lazzaro

Spallanzani (1729-1799), famoso naturalista

italiano, um dos fundadores da microbiologia

moderna. (HUGO, 2014, P. 127).

A tradutora de Newton Compton também insere em nota de

rodapé um comentário sobre a sentença que Hugo escreve na página 132

da edição francesa: “Et pour qu’à l’instant même l’horrible échafaud

s’écroulât, pour que tout te fût rendu, vie, liberté, fortune, famille, il

suffirait qu’il écrivît avec cette plume les sept lettres de son nom [...]”, a

qual traspõe da seguinte maneira: “E para que agora mesmo o horrível

cadafalso desabasse, para que tudo te fosse devolvido, vida, liberdade,

fortuna, família, bastaria que ele escrevesse com esta pluma as sete

letras do seu nome [...]”. Para esta nota, a tradutora aclara o seu leitor

com a seguinte afirmação: “Alusão a Carlos X (o nome francês Charles

é formado por sete letras)”, (p.85). Para a continuação da mesma frase

do personagem de Hugo, há outra nota, desta vez para a locução: “[...]

au bas d’un morceau de papier, ou même que son carrosse rencontrâ ta

charrette!”, (p.133), para a qual Paulette Cambè traduz: “[...] em baixo

de um pedaço de papel, ou até que sua carruagem encontrasse com tua

charrette!”, (p.85). E chegando ao término de suas inserções de nota de

rodapé, a tradutora na página 92, para a frase: “Bonjour, monsieur

Samson!”, (p.145), traduzindo por “Bom-dia, senhor Samson!”,

direciona o leitor para a nota com tal explicação: “Ver nota 23 do

Prefácio”, (p.92).

A resulta desta pesquisa em que diz respeito às implantações de

nota de rodapé da Editora Compton Newton se apresenta da seguinte

forma: a tradutora insere treze notas para o aclaramento de seu leitor as

quais a edição francesa não menciona e mantém todas as vinte e três

notas de rodapé explanadas pelo texto de partida, não omitindo nenhuma

dessas informações.

2.5.4. Notas de rodapé: Editora Estação Libertade (2002)

A Editora Estação Liberdade é nosso próximo objeto de

pesquisa, cuja tradutora chama-se Joana Canêdo. Esta edição, como

veremos a seguir, aportará em nota de rodapé todos os termos

73

explanados pela edição francesa em pé de página, porém, de uma

maneira bastante confusa para seu leitor por duas razões. A primeira

dela, a tradutora e/ou editora não faz nenhuma indicação no corpo do

texto nas palavras que serão explicadas em nota de rodapé, levando o

leitor a qualquer dúvida que possa vir a ter, a recorrer seus olhos ao pé

da página para certificar-se que tal palavra se encontra ou não em nota

de rodapé. A segunda razão que torna a leitura confusa é a dinâmica

utilizada concernente aos termos expostos em nota de rodapé. Todos os

vocábulos explanados em pé de página nesta edição brasileira

concernentes aos comentários da edição fonte estão expostos todos em

uma única página, sendo ela de número 96. O que dificulta a leitura,

pois o leitor ao se deparar com um vocábulo, para ele desconhecido, em

uma página posterior, deverá recorrer à página 96 para averiguar se o

termo a ser pesquisado encontra-se ali explanado.

Partindo então à análise, percebe-se que a tradutora na página

56 de sua tradução insere uma nota para explicar quem fora Papavoine,

nome este retirado de um trecho concernente a Le Dernier Jour d’un

condamné da editora Le Livre de Poche: “Sur le mur opposé on lit ce

nom : Papavoine”, (p.78). Canêdo transpõe esta frase por: “Na parede

oposta pode-se ler este nome: “Papavoine”. Na tal nota há a seguinte

informação: “Papavoine, matou a facadas dois meninos de cinco e seis

anos que brincavam junto da mãe no bosque de Vincennes.

Guilhotinado em 25 de março de 1825. (Cf. Roger Borderie, op. cit).”

(p.56). Na mesma página, a tradutora insere outra nota, desta vez para

esclarecer ao leitor quem fora Bories. Tal nome é retirado do seguinte

trecho do texto de Hugo: “Un bonnet de liberté sculpté assez

profondément dans la Pierre, avec Ceci dessous : – Bories. – La

République”. (p.79). A nota de rodapé referente a Bories explica:

“Bories: com vinte e sete anos foi líder do complô de la Rochelle, ver

também nota à p.182. (N.T.).” Na página 81 da edição francesa, Hugo

menciona um lugar chamado Toulon, para o qual na página 60, Canêdo

em nota informa: “A maior prisão de trabalhos forçados na França

ficava na cidade de Toulon, no sul do País. (N.T.)”. No que diz respeito

ao nome “Conciergerie”, citado na página 92 do texto fonte, a tradutora

mantém o nome em francês e em nota acrescenta: “Parte medieval do

atual Palácio de Justiça no centro de Paris. Prisão onde os condenados

ficavam antes de serem levados ao cadafalso da praça da Grève. (N.T.).”

(p.73). Sobre a canção que Victor Hugo menciona no seu corpo de texto,

(p.93), Canêdo em nota escreve: “Ver à p.155 nota de Victor Hugo, bem

74

como a versão francesa da canção (157), acompanhada do fac-símile

com explicação das gírias. (p.156). (N.E.)”.

Em relação às notas originais, temos para o termo “Charlot”,

(p.110) do texto fonte uma inserção em nota de rodapé cuja explanação

é “Le bourreau”. Joana Canêdo mantém “Charlot” e também em nota

escreve: “o carrasco”, (p.96). Na mesma frase que aparece o termo

“Charlot”, Hugo escreve a palavra “cravate”, termo este não explanado

em nota na obra original, porém o qual Canêdo transpõe por “gravata” e

em nota de rodapé, esclarece ao leitor ser “corda”, (p.96). A segunda

nota de rodapé da edição fonte concerne ao vocábulo “mes louches”, o

qual ela define por “mes mains”. A tradutora desta edição brasileira

traduz em seu corpo de texto por “minhas conchas” e também em nota

por “minhas mãos”, (p.96). Para o termo de Hugo “une fouillouse” que é

esclarecido em nota por “Une poche”, (p.110), a tradutora Canêdo

traduz o primeiro por “escarafunchador” e o segundo termo explica ser

“um bolso”. No que diz respeito à frase do autor francês “je filais une

pelure” que é esclarecida pela edição de partida em nota de rodapé como

“Je volais un manteau”, (p.110), a tradutora brasileira a transpõe por

“desfiar uma pele” e também em nota esclarece ao leitor ser “roubar um

casaco”, (p.96). Dando continuidade às notas da página 110 da edição

francesa, para o termo “un marlou” cujo significado é esclarecido em

nota de rodapé como “Un filou”, a tradutora da Estação Liberdade

traduz o primeiro termo por “um cantante” e em nota de rodapé traduz a

nota da edição francesa por “um vigarista” (p. 96). “Un grinche”, é o

próximo vocábulo a ser esclarecido em nota de rodapé da edição de

partida cujo significado se diz ser “Un voleur”, (p.110). A tradutora

traduz em seu corpo de texto o vocábulo “un grinche” por “um gatuno”

e também em nota, conforme a edição fonte, esclarece ao leitor tal

vocábulo: “um ladrão”, (p.96). Para a oração de Victor Hugo “Je forçais

une boutanche, je faussais une tournante”, (p.110), Canêdo propõe

“Esvaziava uma maloca, despregava uma chave” colocando em nota a

explicação “roubava casas, arrombava fechaduras”, (p.96), explicação

essa traduzida da nota de rodapé da obra francesa: “Je forçais une

boutique, je faussais une clef”. A expressão “Numa marina”, (p.96), foi

a tradução feita pela tradutora do termo francês “dans la petite marine”,

cujo significado é escrito em nota “Aux galères”, (p.110), o qual

também aparece em nota de rodapé da edição brasileira como “nas

galés”. Em seguida, Hugo serve-se do jargão “une serpillière de

ratichon” o qual a edição do original esclarece em nota ser “Une soutane

d’abbé”, (p.110). “Um pano de chão de um padreco” foi a tradução dada

75

por Joana Canêdo em seu corpo de texto enquanto “uma batina de

abade” foi a nota traduzida da nota de rodapé do texto de partida”,

(p.96). Para o vocábulo “tapiquer”, a edição fonte explica tal termo em

nota, que significa “habiter”, (p.110). Canêdo transpõe “tapiquer” por

“cabanar” e em relação à nota francesa, ela a traduz por “morar”.

Na página 111 da edição francesa, para o jargão “cheval de

retour”, a edição do original insere uma nota na qual esclarece tal

expressão como sendo “Ramené au bagne”. A tradução da Estação

Liberdade apresenta respectivamente “cavalo de retorno” e “reenviado

às galés” (p.96). Na mesma página, “les bonnets verts” aparece no corpo

do texto e ganha em nota a definição: “Les condamnés à perpétuité”.

Joana Canêdo em sua tradução traduz o primeiro termo por “os boinas

verdes”, (p.96), e o segundo por “os condenados à prisão perpétua”,

(p.97). No que tange à expressão “Leur coire”, (p.111), que segundo a

editora da obra francesa quer dizer “Leur chef”, “A chefia deles” foi a

tradução escolhida pela tradutora em seu corpo de texto e “chefe” em

sua nota de rodapé. Hugo emprega em seu texto mais um termo

correspondente ao jargão de um assassino: “On faisait la grande

soulasse sur le trimar”, (p.111), o qual é inserido em nota de rodapé o

significado “On assassinait sur les grands chemins”. Joana Canêdo

transpõe o jargão por “Despachavam nos trilhos”, (p. 98) e também

insere uma nota de rodapé, como o fez a edição fonte, com a explicação

“assassinavam nas estradas”, (p. 96).

Na página 112 do texto de partida encontramos a expressão “les

marchands de lacets” a qual em nota de rodapé a edição de partida

explica ser “Les gendarmes”. A tradutora transpõe a primeira expressão

por “os mercadores de laços”, (p.98) e em nota de rodapé insere a

tradução da definição da editora francesa: “os policiais”, (p.96). Partindo

para o próximo termo, verificou-se que “les fanandels”, na página 112

da Editora Le Livre de Poche é um jargão que tem como definição,

segundo a edição do original em nota de rodapé, “Camarades”. A

tradução de Canêdo para “fanandels” foi “manos” e “camaradas” a sua

tradução da nota de rodapé. “O Ceifeiro”, (p. 98) foi a transposição que

escolheu Canêdo para o jargão “le faucheur”, (p.112) da edição

francesa, assim como “o carrasco”, (p. 96) foi a sua tradução em pé de

página da explicação francesa “Le bourreau”. Para o termo de Hugo “a

épousé la veuve”, também na mesma página, Canêdo o transpôs por

“desposou a viúva”, igualmente na página 98, cujos esclarecimentos em

nota de rodapé de ambas as partes foram “a été pendu” e “foi enforcado”

respectivamente, (p.96). Já no que diz respeito à expressão francesa

76

“abbaye de Mont’-à-Regret”, (p.112), cuja explicação é dada em nota

afirmando ser “La guilhotine”, a tradutora da Estação Liberdade

traduziu por “Abadia do Monte-a-Contragosto”, (p.98), cuja explicação

em nota inseriu “a guilhotina”, (p.96). “Caragolas face à descarnada”,

(p. 98) foi a tradução feita por Canêdo da expressão francesa “faire le

sinvre devant la carline”, (p.112) e “Covarde face à morte”, (p.96) a

tradução feita da nota de rodapé da edição de partida para a sua

explicação “Le poltron devant la mort”, (p.112). Outra nota de rodapé

inserida pela edição de partida é “Place de Grève” para explicar o jargão

“placarde”, contido em seu corpo de texto. Joana Canêdo em sua nota

insere “a praça da Grève”, (p.96) e em seu corpo de texto escreve “A

praceta”, (p.98) traduzindo respectivamente os dois últimos termos

citados em francês. “Vousailles” é o próximo jargão utilizado por Hugo

em sua obra, o qual é explicado em nota de rodapé como sendo “Vous”,

(p.112). Para Canêdo, “vos’senhorio” foi a tradução escolhida para tal

termo, (p.99) e em nota, (p.96) escreve “o senhor”. “Le sanglier” é o

último jargão de Hugo explicado em nota de rodapé para o qual é

aportada a explicação “Le prêtre”, (p.112). Para a tradutora brasileira, “o

javali” é a palavra que representa este jargão de Hugo e “o padre” foi a

explicação traduzida em nota, (p.96).

Chegando à página 106 da edição brasileira, quando o

personagem principal narra um condenado à morte a caminho da

guilhotina, constatou-se uma nota de rodapé da própria tradutora que

afirma: “Fica claro aqui que Victor Hugo remete-se a sua própria

experiência de ter testemunhado uma decapitação. (N.T.)”.

Na página 133, observou-se igualmente uma nota de rodapé que

se refere a um trecho da obra, (p.133 e 134) que conta o pesadelo

narrado pelo personagem principal, o qual se depara com uma velhinha

assustadora. Nesta nota de rodapé Joana comenta: “Victor Hugo teria

realmente sonhado isso. Numerosos elementos autobiográficos parecem

assim estar inscritos no monólogo do condenado. (Cf. Roger Broderie,

op. cit.)”.

Também na página 150 da edição brasileira, constatou-se outra

nota de rodapé inserida pela tradutora para esclarecer o termo “Saint-

Jacques-la-Boucherie” escrito no corpo do texto. Na nota consta a

tradução: “São-Tiago-da-Carnagem. (N.T.)”. Chegando ao término das

comparações realizadas sobre as notas de rodapés inseridas na tradução

do Le Dernier Jour d’un condamné da Editora Estação Liberdade,

apontou-se o resultado seguinte: A tradutora inseriu nove notas de

77

rodapé não encontradas no texto fonte e traduz todas as vinte e três notas

da edição francesa, não extinguindo nenhuma delas.

2.5.5. Notas de rodapé: Editora Golden Books (2005)

Dando seguimento à comparação entre o Le Dernier Jour d’un condamné e as quatro traduções brasileiras que são os objetos desse

estudo sobre as notas de rodapé, a tradução de Sebastião Paz da Editora

Golden Books é nossa derradeira.

Começando com o termo “Charlot”, (p.110) do texto fonte, para o

qual o original em francês insere uma nota de rodapé com a explanação

“Le bourreau”, Sebastião Paz mantém “Charlot” e também em nota

explica o termo: “o carrasco”, (p.69). Sobre a nota de rodapé da obra

original concernente ao vocábulo “mes louches”, o qual se define por

“Mes mains”, o tradutor desta edição brasileira traduz no corpo de texto

“meus talheres” e também em nota diz ser “minhas mãos”, (p.70). Para

o termo de Hugo “une fouillouse” que é esclarecido em nota por “Une

poche”, (p.110), Paz traduz o primeiro por “um saco” e o segundo termo

explica ser “um bolso”, (p.70). Já no que diz respeito à frase “je filais

une pelure” que em nota é esclarecida como “Je volais un manteau”,

(p.110), o tradutor a transpõe por “filava uma casca” e também em nota

esclarece ao leitor ser “Eu roubava um casaco”, (p.70). A expressão “un

marlou” traz no texto fonte a nota “Un filou”, (p.110). Na tradução

brasileira encontramos para o primeiro termo “oficial” e em nota de

rodapé a opção “Um larápio”. “Un grinche”, é o próximo vocábulo a ser

esclarecido em nota de rodapé pela edição de partida cujo significado se

afirma ser “Un voleur”, (p.110). O tradutor traduz em seu corpo de texto

o vocábulo “un grinche” por “um industrioso” e em nota aporta ao leitor

o significado de tal vocábulo: “Um ladrão”. Para a oração do autor

francês “Je forçais une boutanche, je faussais une tournante”, o tradutor

Paz traduz por “forçava toupeiras e falsificava uma franja” colocando

em nota a explicação “Eu arrombava uma loja, eu falsificava uma

chave”, (p.70), explicação essa traduzida da nota de rodapé da obra

francesa: “Je forçais une boutique, je faussais une clef”. A tradução

“para as navegações”, (p.70), refere-se ao termo francês “dans la petite

marine”, cujo significado a edição do texto original escreve em nota

“Aux galères”, (p.110), o qual também aparece em nota de rodapé da

edição brasileira como “Nas galés”. Em seguida, Hugo serve-se do

jargão “une serpillière de ratichon” o qual é esclarecido em nota ser

“Une soutane d’abbé”. A tradução proposta por Paz no corpo de texto

78

foi “um toldo de padreco”, (p.70 e 71) e “Uma batina de padre” para a

segunda expressão, (p.71) em nota de rodapé. Já para o vocábulo

“tapiquer”, ainda na página 110, que segundo o texto de partida possui o

significado de “habiter”, Sebastião Paz transpõe “tapiquer” por “farejar”

e em relação à nota francesa, ele a traduz por “Morar”.

Na página 111 da edição francesa para o jargão de Hugo “cheval

de retour” é inserido “Ramené au bagne” em nota para esclarecer tal

expressão”. O tradutor da Golden Books traduz respectivamente “cavalo

de retorno” e “reconduzido às galés”, (p.71). Na mesma página, “les

bonnets verts” é o próximo jargão utilizado por Hugo em seu corpo de

texto o qual é esclarecido em nota como “Les condamnés à perpétuité”.

Paz em sua tradução traduz o primeiro termo por “os bonés verdes” e o

segundo por “Os condenados à prisão perpétua”. “Leur coire” encontra

em “Leur chef” a ressignificação do termo apresentada pela edição

francesa. “O coire” foi a tradução escolhida pelo tradutor no corpo de

texto e em nota de rodapé traduz por “O chefe deles”. Hugo insere em

seu corpo de texto mais um termo correspondente ao jargão de um

assassino: “On faisait la grande soulasse sur le trimar”, (p. 111), o qual

se aporta em nota de rodapé seu significado: “On assassinait sur les

grands chemins”. O tradutor brasileiro transpõe o jargão por “Me pus a

matar para viver” e também insere uma nota de rodapé com a explicação

“Assassinava nas estradas reais”, (p.72).

A expressão “les marchands de lacets”, por sua vez, que ressurge

em nota como “Les gendarmes”, (p.112), é traduzida por Sebastião Paz

por “uns guardas” no corpo do texto e em nota de rodapé como “Os

policiais”, (p.72). Partindo para o próximo termo, verificou-se que “les

fanandels”, (p.112) da Editora Le Livre de Poche é um jargão que tem

como definição, segundo a edição francesa em nota de rodapé,

“Camarades”. A tradução de Paz para “fanandels” foi “companheiros” e

“Camaradas”, sua tradução da nota de rodapé. Na página 72,

“nivelador” foi a transposição que escolheu Paz para o jargão “le

faucheur” assim como “O carrasco” foi a sua tradução de nota de rodapé

da explicação da obra em francês para “Le bourreau”. Para o termo “a

épousé la veuve”, (p.112), Paz o transpôs por “casou com a viúva”,

igualmente na página 72, cujos esclarecimentos em nota de rodapé de

ambas as partes foram “a été pendu” e “foi enforcado”, respectivamente.

Já no que diz respeito à expressão francesa “abbaye de Mont’-à-

Regret”, cuja explicação o original em francês faz em nota afirmando

ser “La guilhotine”, o tradutor da Golden Books traduziu por “abadia do

Monte da Saudade”, (p.72 e 73) cuja explicação em nota inseriu “A

79

guilhotina”, (p.73). A tradução “Não se faça de seda diante do baile”,

(p.73) foi a escolhida por Paz para a expressão francesa “faire le sinvre

devant la carline”, (p.112) e “O covarde diante da morte” a tradução

feita da nota explicativa da edição fonte, “Le poltron devant la mort”,

(p.112). Ainda na página 112 da edição francesa, é inserida outra nota

de rodapé: “Place de Grève” para explicar o jargão “placarde”, contido

no corpo de texto. Paz desta vez não menciona nenhuma nota em

relação a esta expressão e em seu corpo de texto escreve “praça da

Grève”. “Vousailles” é o próximo jargão utilizado por Hugo em sua

obra, o qual em nota de rodapé se explica ser “Vous”, (p.112). Para o

tradutor da Golden Books, “Vosmecê” foi a tradução concebida para tal

termo e em nota escreve “Vós”, (p.73). “Le sanglier” é o último jargão

explicado em nota de rodapé pela edição de partida, para o qual se

aporta a explicação “Le prêtre”. Para Paz, “O corvo” é a palavra que

representa este jargão e “O padre” foi a explicação traduzida em nota,

(p.74).

Seguindo a análise na página 78, Sebastião aporta uma nota sobre

a frase de Victor Hugo escrita nas páginas 116 e 117: “La combinaison

de ces dix lettres, leur aspect, leur physionomie est bien faite pour

réveiller une idée [...]”. A nota de rodapé inserida para esta frase traz a

seguinte explicação: “N. do T.: Dez letras: guilhotina”, e Paz faz a

tradução da frase da seguinte forma: “A combinação dessas dez letras, o

seu aspecto, a sua fisionomia é bem própria para despertar a ideia [...]”.

Na página 129, o personagem principal de Hugo revive um

acontecimento de infância: “[...] quand j’entrai dans la cage de pierre et

de charpente où pend le bourdon avec son battant, qui pèse un millier.”

O tradutor da Golden Books traduz a frase por: “[...] quando penetrei na

torre de pedra e madeira, de onde pende o sino, cujo badalo pesa um

milhar”. Em nota de rodapé esclarece ao leitor o termo milhar: “Mil

libras, seja 500 Kg”, (p.93). Enfim, encontramos a última nota do

tradutor na página 115, e desta vez, ele se refere à torre que avista o

condenado, o qual pergunta ao padre sobre a mesma. E o carrasco

responde: “Saint-Jacques-la-Boucherie”. Paz escreve em nota: “N. do

T.: boucherie: açougue, carnificina” e em seu corpo de texto escolhe por

manter o termo em língua francesa que se encontra na página 147 da

edição francesa.

Assim, ao fim do cotejo entre o texto fonte e o texto de chegada

publicado pela editora Golden Books, atesta-se que das vinte e três notas

de rodapé existentes no texto de partida, Paz suprimiu uma, manteve

vinte e duas e acrescentou três outras notas de rodapé.

80

2.5.6. A Nota Final de O Último Dia de um condenado

O texto fonte da editora Le livre de poche traz no capítulo XVI de Le Dernier Jour d’un condamné, conforme a edição original de 1829, a

letra de uma canção ouvida de sua cela pelo condenado à morte. Sobre

essa canção é acrescentada, após o término do relato do prisioneiro, uma

nota final acompanhada da reprodução fac-similar de um manuscrito,

nota esta que reproduzimos a partir da tradução de Joana Canêdo:

Damos aqui para as pessoas curiosas sobre esse

tipo de literatura, a canção em gíria com a

explicação ao lado, feita sobre uma cópia

encontrada nos papeis do condenado, e que este

fac-símile reproduz inteiramente em sua

ortografia e escrita. O significado das palavras

estava escrito com a letra do condenado; há

também na última estrofe dois versos intercalados

que parecem ser de sua escrita; o resto do lamento

está com a letra de outra pessoa. É provável que,

tocado pela canção, mas lembrando-se dela

apenas imperfeitamente, ele tentou consegui-la, e

que uma cópia lhe tenha sido dada por algum

calígrafo da prisão.

A única coisa que esse fac-símile não reproduz é o

aspecto do papel original, amarelado, sórdido e

rasgado nas dobras. (HUGO, 2002, p. 155).

Essa nota faz eco com o prefácio da primeira edição, podendo,

portanto, ser uma nota alógrafa fictícia ou autoral autêntica, conforme a

interpretação da sua autoria pelo leitor caso esse, considerando-se o

pacto bilateral de ficção, siga a mesma orientação de leitura do prefácio.

Nas edições brasileiras de O Último Dia de um condenado essa

nota aparece apenas na edição de 2002, da Estação Liberdade. Na

página seguinte à nota, (p.156) encontramos também a reprodução fac-

similar da canção, escrita à mão em letra corrida, como também na

página subsequente, (p.157) a letra da canção em letra de forma. Essa

reprodução encontra-se em francês, já que a tradutora Joana Canêdo a

traduziu para o português no corpo do texto, no capítulo XVI.

As demais edições além de não trazerem a nota, procedem de

forma diferente em relação à tradução da canção no capítulo XVI. Annie

Paulette, da Newton Compton não traduz, deixando a letra da canção em

francês. Todavia, acrescenta uma nota de rodapé curiosa:

81

Não é possível traduzir integralmente a música. É

possível traduzir o sentido geral, dando às

palavras de gíria significado simbólico: “Na rua

do Mail, me pegaram três tiras marrom, me

pegaram pelas costas, me puseram as algemas e o

espião chegou. No caminho encontro um ladrão

do bairro: [...] (HUGO, 1995, p. 63).

Curiosa porque se pode talvez vislumbrar alguma noção da

concepção de tradução da tradutora, que talvez privilegie mais a

transposição do sentido da língua fonte na língua alvo em uma tradução.

Contudo, não é esse o objeto de análise aqui, portanto, a questão não

será aprofundada, ficando apenas o registro para estudos futuros.

A tradução mais recente da novela de Victor Hugo, publicada

pela Golden Books em 2005, também não traz a nota final e, a exemplo

da tradutora da Newton Compton, a letra da canção do capítulo XVI, (p.

49, 50, 51) permanece em francês no corpo do texto. Não houve

tradução e nem nenhuma menção ao sentido da letra, seja em nota de

rodapé, seja por meio de outro paratexto.

A edição da Moderna Paulistana não apenas suprimiu a nota, mas

também praticamente a canção inteira. A tradução reproduz, em francês,

apenas a primeira estrofe da canção, a qual é composta por mais outras

sete.

O eco ao prefácio à primeira edição não se dá apenas na condição

de prefácio, nota e a letra da canção serem alógrafos fictícios ou mesmo

autorais autênticos. Mas da mesma forma que os papeis do condenado,

encontrados posteriormente à sua execução, o papel em que a canção foi

escrita também se encontra amarelado e sujo, ainda que a reprodução

fac-similar, segundo a nota, não consiga reproduzir esses detalhes.

Aliás, o registro escrito da canção com as anotações das gírias ao lado,

vinha na primeira edição de 1829 separada do texto, em uma folha

quatro vezes maior que o livro, dobrada em quatro partes, conforme

afirma Claudine Nédélec em Marginalité et référence dans Le Dernier jour d’un condamné de Victor Hugo

29 e na averiguação que pude fazer a

partir da primeira edição, digitalizada e disponível para download30

.

Assim, a supressão da nota final, do fac-símile e do prefácio à primeira

edição feito pelas edições brasileiras, prejudica a possibilidade de uma

29

Disponível em < http://dossiersgrihl.revues.org/328?lang=fr#bodyftn36>

acesso: 10/10/2016 30

Cf. Referências Bibliográficas.

82

leitura na qual esses paratextos possam desempenhar o papel de

alógrafos fictícios, possibilidade essa, independentemente de o leitor

passar ou não de um primeiro e mais ingênuo nível de leitura, aventada

pela obra.

A edição da Estação Liberdade traz de fato nota e fac-símile, mas

suprime o prefácio à primeira edição. Com isso a relação entre esses três

paratextos fica afetada. É somente ao final da narrativa, diante da nota

final, que fica explícito para o leitor que “Há duas maneiras de explicar

a existência desse texto” (HUGO, 2005, p. 9), sendo uma delas que de

fato existiu um condenado à morte que registrou seus últimos momentos

na prisão de Bîcetre. Pois é somente com a nota que se faz alusão a um

texto “escrito com a letra do condenado”, um texto, conforme consta no

prefácio, escrito em “um maço de papeis amarelados e desiguais, em

que se encontraram registrados um a um os últimos pensamentos de um

miserável [condenado à morte] (...)”. (idem).

Já a edição da Golden Books se não elimina o jogo de autoria

proposto por Hugo, também tem essa relação afetada na medida em que

suprime a nota final e o fac-símile da canção, evitando assim que esses

dois paratextos localizados ao fim da narrativa ecoem e, portanto,

reforcem a possibilidade do jogo a partir do contrato bilateral entre autor

e leitor.

As duas outras edições brasileiras — Moderna Paulistana (s/d) e

Newton Compton (1995) — ao suprimirem esses paratextos, se não

acenam para uma possibilidade de leitura proposta pelo prefácio à

edição original, deixam, no entanto, que o texto fale por si, cabendo ao

leitor significá-lo.

Embora possa parecer atualmente pouco possível uma leitura que

entenda a obra enquanto um relato real devido aos três paratextos

referidos nesse capítulo, juntamente com a própria narrativa, o não

tolhimento dessa situação acabaria por enriquecer a leitura. Tais

supressões podem impedir uma fruição estética mais completa àquele

leitor que percebe nesse pacto mais um elemento ficcional.

As razões para que se procedesse dessa maneira nas edições

brasileiras de O Último Dia de um condenado são difíceis de precisar. A

possibilidade de ser uma questão econômica parece pouco plausível, já

que não acrescentaria mais do que três ou quatro páginas ao livro, o que

possivelmente elevaria muito pouco o seu custo. Pensar na supressão

desses elementos paratextuais em decorrência de uma opção dos

tradutores, em face da dificuldade em traduzir a canção, não deixa de ser

uma hipótese arriscada. Contudo, devido à desconsideração em traduzir

83

a letra da canção nas edições da Moderna Paulistana, Newton Compton

e Golden Books, aliada à nota de rodapé de Marie Paulette Cambè

dando conta da impossibilidade de tradução integral, a não ser de

sentido, além da posição contrária de Joana Canêdo nessa questão,

quando da sua tradução para a Estação Liberdade, tudo isso, faz com

que se levante, ainda que arriscada, essa hipótese. Não se fará aqui uma

análise da tradução de Canêdo para esse trecho do livro de Victor Hugo,

não é esse o propósito dessa dissertação, porém uma breve comparação

apenas da primeira estrofe talvez sirva para corroborar a suposição.

Le Dernier Jour d’un

condamné

Tradução de Joana Canêdo

C’est dans la rue du Mail

Où j’ai été coltigé (1), maluré

Par trois coquins de railles (2)

lirlonfa malurette,

Sur mes sique’ ont foncé (3),

lirlonfa maluré.

Foi na rua dos Cheiros

Onde fui abrochado,

Malorado,

Por três jovens brejeiros,

Lirlonfa malurete,

Que me ataram o rabo,

Lirlonfa malorado

Os termos em francês numerados correspondem às gírias

traduzidas ao lado da letra da canção no fac-símile pelo condenado.

Como a edição da Estação Liberdade não apresenta tradução do fac-

símile, mas apenas a reprodução do mesmo — apresenta sim a tradução

da canção no corpo do texto, no capítulo XVI — a tradução das gírias é

feita diretamente no corpo do texto. Não é o caso de comentar as opções

da tradutora, mas a sua tradução demonstra ser possível traduzir a

canção, indo de encontro ao argumento da tradutora da Newton

Compton. De fato, não é das tarefas mais tranquilas considerando as

gírias e os vocábulos em francês “maluré”, “lirlonfa malurette” e

“lirlonfa maluré”, os quais na tradução brasileira tem a sua tradução

naturalizada por “Malorado”, “Lirlonfa malurete” e “Lirlonfa

malorado”. As iniciais em maiúscula do texto traduzido sugerem serem

esses vocábulos os nomes dos “três jovens brejeiros”, entretanto as três

expressões se repetem nas sete estrofes restantes, não parecendo tratar-

se dos jovens brejeiros. O que a tradutora brasileira fez, a despeito de

um suposto sentido da canção, foi manter em português a musicalidade

dos versos a partir de elementos sonoros como as rimas externas e

internas, os ecos, as aliterações e as assonâncias. A opção da tradutora,

portanto, não deixa o leitor monolíngue totalmente no vácuo, como

84

acontece com as outras três edições de O Último Dia de um condenado.

Marie Paulette Cambè da Newton Compton, de fato, traduz o “sentido

geral”, mas em prosa e em uma nota de rodapé. O aspecto musical da

peça é fundamental e isso se encontra apenas na edição da Estação

Liberdade, demonstrando também por esse episódio que se trata da

edição mais bem cuidada e completa dessa obra de Victor Hugo já

publicada no Brasil.

Conforme afirmado, a hipótese é arriscada, mas é cabível se

questionarmos a razão das edições da Moderna Paulistana e Golden

Books ignorarem qualquer tentativa de tradução da canção. As

dificuldades encontradas pela tradutora da Estação Liberdade são nítidas

quando cotejamos o texto de partida com o de chegada, e também pela

rendição da tradutora da Newton Compton.

2.6. A Primeira Capa

A capa

31 de um livro é um dos primeiros, quando não o primeiro

contato do leitor com a obra, o que a torna um elemento importante já

que é comumente nela que consta o título da obra e o nome do autor. Ela

serve também como uma espécie de cartão de visitas, cumprindo em

muitos casos a função de seduzir, de capturar a atenção do leitor. Ao

longo da história a capa passou por mudanças, suas dimensões, formato

e tamanho, como também a cor, implicavam uma identificação. Assim,

quando se tratava de um livro considerado sério, uma obra filosófica ou

religiosa, por exemplo, havia uma determinada cor, quando se tratava de

um livro licencioso era outra, conforme indicavam as capas de cor

amarela na França do século XIX (GENETTE, 2009. p. 21,22).

A capa faz parte do que Genette chama de “peritexto editorial”,

uma zona de ação sob responsabilidade, ainda que não exclusiva, da

editora. Segundo o teórico francês, opções que encampam o tamanho da

fonte, disposição dos caracteres no espaçoda capa, como o nome do

autor que caso seja famoso pode vir em destaque, ficam geralmente a

cargo da editora (idem p. 40).

A primeira capa é um espaço no qual podem aparecer várias

informações. Genette elenca vinte delas, ainda que, como diz,

pressupõe-se que nunca todas as possibilidades foram usadas ao mesmo

tempo. Entre elas consta o nome do tradutor, prefaciador, organizador,

31

Gérard Genette utiliza a expressão “primeira capa”, a qual também adotamos

para essa dissertação.

85

epígrafe, retrato do autor, ilustração específica, número de tiragem,

título ou emblema de coleção, apenas para citar algumas. (2009, p. 27-

28). A rigor, é de praxe constar o nome do autor, título e selo do editor

(idem p.27). A primeira capa torna-se um elemento integrante do texto,

constituindo paratexto, na medida em que ela pode de certa maneira

antecipar ou mesmo apontar o que o leitor encontrará no texto

propriamente dito (GENETTE, 2009, p. 30).

A iconografia presente nas edições brasileiras se apresenta

também na contracapa, orelhas e uma reprodução manuscrita presente

apenas na 3ª edição, mas, sobretudo na primeira capa, cuja análise

passarei em seguida.

2.6.1. Primeira Capa - 1ª Edição Editorial Moderna Paulistana – s/d

A primeira capa da Moderna Paulistana é bastante curiosa, já que

não há nenhuma menção à obra de Hugo. No alto, à esquerda, ainda que

em caracteres pequenos, é bem visível o nome de Émile Zola. Mais

abaixo, à direita o título da obra, Noivado Trágico, tradução não menos

curiosa para um romance de 1888, cujo título original em francês é “Le

rêve”. As traduções subsequentes dessa obra no Brasil traduziram o

título como “O sonho”, portanto, mais próximo do sentido em francês.

O desenho da capa, de autoria de Gutierrez, localizada abaixo, à direita,

em caligrafia manuscrita, é bastante sugestivo e simbólico. Entretanto, a

obra de Zola não é o objeto de estudo aqui, mas sim a novela de Victor

Hugo, a qual não há nos peritextos editoriais qualquer menção a O

Último Dia de um condenado.

86

O romance de Zola chega ao fim na página 207, seguem-se duas

páginas em branco, uma primeira folha de rosto com o título da novela

de Hugo, centralizado, e uma segunda folha de rosto, trazendo no alto da

página o nome do autor em caixa alta, centralizado e sublinhado. No

centro da folha o título da obra em letras minúsculas, mas em fonte

maior que o nome do autor. Abaixo do título o selo da editora,

centralizado. Por fim, na parte de baixo da página, em caixa alta e fonte

menor que todos os caracteres anteriores, constam o nome da editora e o

seu endereço. A folha seguinte traz o início da narrativa, aparecendo

mais uma vez o título da obra, dessa vez em negrito e centralizado. A

página seguinte está numerada, mas não segue a numeração anterior,

inicia-se uma nova numeração.

As razões para que a novela de Hugo tenha sido colocada após o

romance de Zola sem informação alguma sobre o fato é difícil de

precisar, principalmente pela distância temporal e o fato da editora não

mais existir, o que dificulta informações sobre a mesma. A edição da

Moderna Paulistana não especifica a data da publicação, embora talvez

seja possível situar a publicação nos anos 30 do século XX em razão da

maioria das publicações dessa editora pertencer a esse período. Durante

a pesquisa não encontrei publicações da editora que não fossem dos

anos 30, o que poderia levar à hipótese de que a Moderna Paulistana

atuou apenas nessa década. Entretanto, há obras sem data, além do que

não se pode afirmar categoricamente o desaparecimento da editora nos

anos subsequentes, ainda que não tenha sido encontrado, reforço,

nenhuma obra publicada pela editora nas décadas seguintes.

Em consulta aos sites Estante Virtual e da Biblioteca Nacional32

foram encontrados 15 títulos publicados pela Editorial Moderna

Paulistana, oito deles sem data de publicação (Os moicanos de Paris, de

Alexandre Dumas; A mulher adúltera, de Perez Escrich; Um drama sangrento, de Xavier de Montepin; História de um crime, O Último Dia

de um condenado e O homem fera, todos de Victor Hugo; Noivado

Trágico, de Émile Zola; O judeu errante, de Eugène Sue; As mentiras convencionais da nossa civilização, de Max Nordau); um publicado em

1930 (O filho infame, de Xavier de Montepin); quatro publicados em

32

Encontrei menos exemplares no mecanismo de busca da Biblioteca Nacional

do que no site da Estante Virtual. Ainda que não se possa ter uma real dimensão

das publicações da Editorial Moderna Paulistana em sua totalidade, sites como

esses se configuram como uma das formas mais eficientes de se obter ao menos

uma mostra das publicações, sobretudo porque o Brasil não conta com um

cadastro de obras antigas e raras.

87

1932 (Os Dois Garotos [5 Volumes], de Pierre Decourcelle; O Mistério

do Bandido, de Sexton Blake; Assim Falava Zaratustra, de Nietzsche;

Nu ao ar livre, de Arnoldo Piratininga); dois de 1939 (A Noite do Crime,

de Xavier de Montepin e Recordações da casa dos mortos, de Fiódor

Dostoiévski).

Uma hipótese, a qual não se pode deixar de levantar é a de erro

de impressão. Aventa-se tal possibilidade a partir da interrupção da

paginação ao fim do romance de Zola e reinício da numeração, passando

a contar a partir da página 6, na novela de Victor Hugo. O habitual

talvez fosse que O Último Dia de um condenado continuasse a partir do

número de página em que termina Noivado Trágico33

. Além disso, as

duas folhas de rosto presentes na obra de Hugo são correspondentes

àquelas da obra de Zola, dando a impressão de que ao livro de Hugo

faltara apenas a capa. Cumpre dizer ainda que pude verificar outros dois

exemplares dessa edição, todos se apresentaram da mesma forma.

A averiguação de outras obras da coleção permitiu que fosse

verificado se tal qual o romance de Zola, obras de outros autores

também se fazem presentes ao final daquela anunciada na capa, o que

não se confirmou.

Até onde pude averiguar em minha pesquisa, é essa a primeira

edição de O Último Dia de um condenado no Brasil, logo é a introdução

da obra no sistema literário brasileiro. E ainda que não seja considerada

uma das suas principais obras, ela pertence a um autor consagrado e

bastante traduzido no Brasil desde o século XIX, seria de se esperar, por

parte de uma editora, um cuidado maior para uma primeira edição. A

menos que a proposta fosse essa, a introdução de textos mais curtos,

consideradas obras menores de autores consagrados, “escondidos” em

33

Pesquisei algumas edições de outros autores e também de Victor Hugo,

publicadas no Brasil e na França, a fim de confirmar essa questão da numeração

das páginas. Assim, mantém a numeração de páginas em ordem crescente até o

seu final a edição de Victor Hugo da Livre de Poche, que traz além de O Último

Dia de um condenado também as obras Claude Gueux e L’Affaire Tapner; a

edição da Gallimard para os contos Un coeur simple e L’Affaire Lemoine de

Flaubert e Proust, respectivamente; La Duchesse de Langeais - Suivi de

Ferragus et de La Fille aux yeux d'or, de Balzac, publicado pela Hatier. No

Brasil se pode citar “Os gênios” seguido de “Exemplos”, de Victor Hugo,

publicado pela editora Sistema Solar; Três Romances, publicado pela L&PM e

que traz Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro,

de Machado de Assis; Macário, Noite na Taverna e Poemas Malditos, de

Álvares de Azevedo, publicado pela Francisco Alves.

88

meio a um romance de outro autor. Entretanto, se a proposta fosse de

fato introduzir esses textos, talvez fosse mais pertinente abrir outra

coleção com esse propósito, embora a possibilidade de uma “surpresa”

também pudesse ser atraente.

2.6.2. Primeira Capa - 2ª Edição Editora Newton Compton – 1995

A Editora Newton Compton traz a primeira capa em brochura,

com letras nas cores verde e preto sobre um fundo na cor creme. O

nome do autor aparece em destaque, em caixa alta, no alto da página,

centralizado. No canto superior esquerdo consta o número de páginas e

no superior direito o preço do exemplar. O destaque dado ao autor

indica, segundo Genette (2009, p.40) a importância do mesmo no

cenário literário. Por sua vez as informações nos dois cantos superiores

demonstram duas preocupações: que a obra não é densa do ponto de

vista das páginas, o que se tratando de Victor Hugo não é bastante

comum, vide as obras que lhe trouxeram fama e reconhecimento34

; e que

o preço popular coloca um autor dessa envergadura ao alcance de um

público mais amplo. O título da novela aparece centralizado na página,

abaixo à esquerda, está creditada a autoria da tradução. O canto inferior

esquerdo apresenta uma citação do texto e a sua direita uma ilustração

de um homem sendo conduzido coercitivamente por dois guardas. Por

34

Os Miseráveis (Martin Claret, 2014, 1511 p.); Os Trabalhadores do Mar

(Cosac Naify, 2013, 704 p.); O Corcunda de Notre Dame (Zahar, 2013, 624 p.).

89

fim, há a informação de tratar-se do texto integral e a coleção da editora

a qual pertence a obra.

A ilustração escolhida para a capa de O Último Dia de um condenado à morte da Newton Compton reproduz um quadro do pintor

italiano Aligi Sassu, Fucilazione nelle asturie35

, o qual representa muito

bem a obra de Victor Hugo. O leitor que não conhece o quadro percebe

imediatamente tratar-se de um prisioneiro levado por dois guardas,

sendo possível a inferência de que será fuzilado. A informação visual

faz então eco ao título da obra, localizado logo acima, e também espelha

a citação à esquerda da gravura “Por que não? Os homens... são todos

condenados à morte sem apelação”. Já para o leitor que conhece o pintor

italiano a ilustração afina-se com a obra por sem

elhanças históricas. Tal qual Victor Hugo, Aligi Sassu também

fez de sua arte uma maneira de posicionar-se politicamente. Antifascista

convicto, logo que explodiu a Guerra Civil na Espanha colocou-se

contra Franco e mostrou-se simpático aos revolucionários espanhóis. Foi

preso em 1937 na Itália, acusado pelo regime fascista de Mussolini de

subversão da ordem e do Estado, sendo sentenciado a dez anos de

prisão, dos quais cumpriu pouco mais de um ano, sendo perdoado pelo

rei da Itália Vitor Emanuel II. 36

O quadro que ilustra a edição da Newton Compton é de 1935, um

ano antes da deflagração da Guerra Civil da Espanha, e teve por

inspiração a Revolução das Astúrias, prenúncio da guerra civil, ocorrida

na região homônima da Espanha em novembro de 1934. Sassu estava na

França e se manteve informado sobre o assunto via a imprensa francesa,

que acompanhava de perto e com muito interesse os acontecimentos no

país vizinho.

Os dois soldados que conduzem o prisioneiro, pintados em tons

de verde escuro e preto, parecem se misturar com essas cores ao fundo,

as quais contrastam com a iluminação que incide sobre os seus rostos e

mãos. As armas em diagonal formam um “v” que emoldura a figura

central do condenado, em tons pastel e marrom terra, e servem para

chamar a atenção visual para o prisioneiro que, algemado, é levado à

execução. As pinceladas fortes, os tons escuros, avermelhados em

alguns pontos, sobretudo sobre o condenado, aludem ao sangue que

pode simbolizar a vida que em breve cessará. A postura curvada, o torso

35

Conferir Anexo I. 36

Disponível em: A.A.A. Amici Dell’ Arte Di Aligi Sassu <

http://www.amicialigisassu.it/index.htm> Acesso em: 20/03/2016.

90

nu, os pés descalços e a cabeça baixa também podem sugerir a

degradação física e psicológica de um prisioneiro a caminho da

execução.

A primeira capa da edição de 1995 de O Último Dia de um

condenado à morte traz uma questão de tradução, trata-se da

clarificação do título, ao qual é acrescentada a expressão à morte,

ausente no texto fonte como também nas três outras edições da obra no

Brasil. A opção da tradutora enfatiza ou deixa explícita de que

condenação se trata, embora os outros elementos da primeira capa, como

se verá a seguir, sugerem essa interpretação.

A capa da edição da Newton Compton parece cumprir duas

funções. Uma no âmbito de apresentação da própria obra, com o fim de

chamar a atenção do leitor, o que é comum no mercado editorial, quando

buscou elementos que espelhassem o título, tal qual a gravura e a citação

sobre a pena de morte. A outra diz respeito a informações que visam

marcar a importância da edição, que mesmo a preço módico e em papel

de qualidade inferior, trata-se de uma edição integral e de um texto de

um autor canônico. Além disso, ao trazer na capa o nome da tradutora, a

editora revela certa preocupação, sinalizando o cuidado que teve com a

questão, sugerindo que se trata de uma edição séria, apesar da qualidade

do material.

Comparada com a edição anterior da novela de Hugo, a da

Newton Compton repara a negligência com que a obra foi apresentada

ao leitor brasileiro décadas antes.

2.6.3. Primeira Capa - 3ª Edição Editora Estação Liberdade – 2002

91

Entre as quatro primeiras-capas a da Estação Liberdade é a mais

sóbria delas, o que é imediatamente perceptível devido à neutralidade da

cor cinza, escolhida como cor de fundo. A edição da Estação Liberdade

aponta para uma concepção de apresentação que privilegia a parcimônia,

direcionada talvez a um leitor mais sofisticado, ou mesmo já conhecedor

da obra37

. Comparada com a capa da edição anterior, da Newton

Compton, essa 3ª edição de O Último Dia de um condenado no Brasil é

mais limpa, figurando não mais que cinco itens na capa, caso

consideremos o manuscrito que a decora.

O nome do autor está em destaque, ocupando mais da metade

da lateral esquerda, sob um fundo cinza ligeiramente mais escuro que o

restante da capa, revelando assim certa estratégia editorial apontada por

Genette (2009, p.40), na qual o destaque dado ao nome do autor via

caracteres maiores ou mesmo diferentes dos demais demonstra ser o

autor bastante conhecido, que é o caso, ou ainda fazer parecer que o

autor assim o é. O selo da editora aparece na mesma lateral do nome do

autor e não está relacionado a nenhuma coleção específica da editora,

parece ser tão somente o logotipo da mesma. A gravura localizada na

parte superior direita é do próprio Victor Hugo. Ecce38

, pintura em

guache, encontra-se atualmente no museu do Louvre, e mostra um

homem enforcado sob o cadafalso. A técnica pictórica do chiaroescuro

envolve o corpo do enforcado em sombras, ao passo que a luz, advinda

do canto superior à esquerda da gravura incide diretamente na cabeça do

enforcado, pendida para baixo, marcando a ignomínia do ato.

A técnica do chiaroescuro surge no renascimento italiano, mas

é no barroco que ela adquire tons mais dramáticos, intensificando-se em

uma vertente que ficou conhecida como tenebrismo e que perdurou

irregularmente até o romantismo. Já se disse que as pinturas de Victor

Hugo são de orientação mais realista, contudo a dramaticidade do

tenebrismo serve em Ecce a fim de provocar certa comoção que se

coaduna ao ideal engajado da obra.

37

Hipótese essa que parece pertinente em razão da escolha e ordem de

apresentação dos prefácios, sem contar demais paratextos, como notas de

rodapé, uma nota final, inserida na edição original de 1829, acompanhada da

reprodução fac-símile de uma canção supostamente manuscrita pelo condenado.

Tais paratextos serão também analisados na presente dissertação. 38

Conferir anexo II.

92

Ecce é um dos três desenhos39

que têm por tema o enforcado,

feitos por Hugo no ano de 1854, durante o seu exílio em Jersey. A

gravura surge em decorrência da condenação à morte de John Charles

Tapner na ilha vizinha de Guernesey. Hugo tomou partido no caso por

meio de cartas abertas à população da ilha e ao ministro do interior da

Inglaterra, Lorde Palmerston. Essas cartas seriam depois reunidas no

L’Affaire Tapner, que ao lado de O Último Dia de um condenado,

Claude Gueux e as demais aquarelas fazem parte da incansável

militância de Hugo contra a pena de morte. Daí que a opção da aquarela

para ilustrar a capa da novela por parte da Estação Liberdade mostra-se

coerente com a proposta da editora para esse paratexto e, também, em

total sintonia com a obra e o autor, já que o desenho é do próprio Hugo.

A relação com a “condenação” anunciada no título é imediata, pois é de

conhecimento geral que o enforcamento é uma forma de execução

largamente utilizada na história humana, ainda o sendo em algumas

cortes mundo afora.

A opção editorial para a primeira capa da edição de 2002

privilegia a trama, portanto. Qualquer outra informação paratextual é

negada ao leitor nesse momento. Assim, a gravura também se faz texto,

permite a existência de um texto na mente do leitor, na medida em que

dialoga diretamente com o título da obra. Nesse sentido, a trama que se

desenvolve no interior do livro inicia-se já na capa, o leitor apenas não

sabe qual o argumento para uma condenação à morte, nem se de fato a

execução ocorrerá e tampouco quem é o condenado. Para isso, será

necessário ler o texto.

A capa da 3ª edição nesse aspecto possui também um viés

publicitário, com a vantagem de se ter o produto em mãos. O conjunto

obtido pela Estação Liberdade na capa do seu Último Dia de um

condenado dialoga com o conteúdo da obra, o qual se torna a sua

publicidade, porém não uma publicidade agressiva e fútil. As ilações

que a capa demanda por parte do leitor deixam ver, ao lado dos demais

paratextos, que a edição de 2002 se dirige, conforme mencionado

anteriormente, a um leitor possivelmente mais sofisticado ou ainda

conhecedor da obra. Esse direcionamento, entretanto, ocorre em razão

do horizonte editorial no momento em que surge essa 3ª edição pela

Estação Liberdade, horizonte esse que contava já com duas edições.

39

Ecce e Ecce Lex, variação sobre o enforcado se encontram no museu do

Louvre em Paris. Já Justitia está na Hauteville House, atualmente Museu Victor

Hugo em Guernesey.

93

Assim, pode-se constatar que a edição de 2002 se contrapõe no que

concerne à primeira capa às anteriores, sobretudo a de 1995, mais

poluída visualmente.

2.6.4. Primeira Capa - 4ª Edição Editora Golden Books – 2005

Chama imediatamente a atenção na capa da edição da Golden

Books o nome do autor, o qual ocupa praticamente toda a página no

sentido horizontal, e pelo menos 1/3 dela no vertical. O destaque dado

pela editora ao nome de Victor Hugo configura-se não apenas no espaço

a ele reservado, mas também nas diferenças presentes nos seus

caracteres em relação aos outros. O nome do autor aparece em caixa

alta, três vezes maior do que o título e pelo menos cinco vezes maior

que o texto de chamada. Sobre o fundo vermelho, os caracteres da

autoria da novela aparecem em amarelo ouro, tendo cada letra um

contorno bem marcado em preto. A combinação do vermelho, amarelo e

preto por si só chama a atenção em razão dos contrastes cromáticos. O

amarelo dos caracteres da autoria difere ainda daqueles do texto de

chamada — sobre o qual falarei mais adiante —. Estes são foscos, ao

passo que no da autoria encontramos um amarelo ouro que brilha ao

longo das letras. Todas essas combinações deixam ver que a primeira

capa da Golden Books dá primazia ao autor sobre a obra. Talvez em

razão de O Último Dia de um condenado não ser um dos carros chefes

de Victor Hugo, que nesse contexto tem envergadura maior que a sua

novela.

Logo abaixo do nome do autor, em letras menores, em caixa

baixa e na cor branca, aparece o título da obra, comprimido, se

94

considerarmos a disposição na página dos caracteres com nome do

autor, no canto esquerdo da capa. A cor branca entra incontinenti em

contraste com os caracteres em amarelo e o fundo vermelho. Em

caracteres amarelos também encontramos logo abaixo do título um

pequeno texto de chamada, que não faz parte da obra, mas procura

fornecer um vislumbre daquilo que o leitor encontrará quando a ler. É

essa uma estratégia que visa provocar certa curiosidade no leitor, é uma

estratégia de sedução, que deve instigar no leitor o desejo de ler o livro.

Por fim temos o selo da editora, centralizado, ao pé da página,

em tamanho bastante pequeno, com quase nenhum destaque, a não ser

pelas cores dos caracteres em amarelo ouro tal qual o nome do autor. A

discrição do selo da editora é praxe no mercado editorial, geralmente de

todos os caracteres presentes em uma capa é o que menos chama a

atenção.

Entre todas as capas das edições em estudo de O Último Dia de

um condenado no Brasil, a da Golden Books é a mais chamativa. As

duas edições anteriores, restritas em um espaço de dez anos, são mais

sóbrias. A razão disso pode estar no público alvo, possivelmente jovem,

em formação, estudantil. O projeto gráfico da primeira capa aponta para

isso. A combinação apelativa de cores que a fazem saltar aos olhos,

somada a uma personificação da personagem do título por meio de um

desenho que mostra a metade do rosto de um homem em tons de cinza,

difuso, sem contornos, e que termina por dar uma face ao condenado são

elementos que permitem tal hipótese. Ademais, juntam-se a esse projeto

de capa a ausência de paratextos importantes, presentes nas duas edições

de 1995 e 2002. Os dois prefácios, o sainete e o de 1832 estão entre eles,

além de notas de rodapé explicativas. A edição da Golden Books conta

ainda com paratextos que corroboram com essa possibilidade. Há, por

exemplo, um breve prefácio intitulado Razões para ler Victor Hugo que

claramente dirige-se a um público que pouco conhece o autor. Nessa

mesma linha vão as orelhas e a 4ª capa. Há ainda o tamanho da letra, de

tamanho maior que o habitual, a fim talvez de facilitar a leitura de um

público ainda em formação literária.

Dado que se pode considerar que dez anos é um curto espaço de

tempo para que uma obra conte com três edições diferentes, inclusive do

ponto de vista das traduções, e que as edições de 1995 e 2002

propiciaram ao leitor o acesso a uma publicação mais completa, não

corroborando com uma leitura um pouco mais ingênua, pode-se então

conjecturar que a edição da Golden Books surge para preencher essa

lacuna. Parece não ser muito comum outra edição mais completa de uma

95

obra, contando também com nova tradução, surgir no mercado apenas

três anos depois de haver surgido uma com tais características. A menos

que o projeto tanto editorial quanto de tradução da edição anterior fosse

um desastre, o que não é o caso. Talvez o projeto da Golden Books já

estivesse em andamento na época da publicação da Estação Liberdade,

contudo, parece pouco provável em razão do tempo que separa uma

edição da outra. O mais provável, a julgar pelas questões aqui

apontadas, é que a Golden Books privilegiasse então um leitor não

contemplado pelas duas edições anteriores.

2.7. Orelhas

Dentre o peritexto editorial, aquele espaço que fica geralmente

sob a responsabilidade do editor, as orelhas de uma obra compõem o

que Genette (2009, p. 21) chama de peritexto mais exterior. Informações

sobre o autor, sinopse da obra, a coleção editorial à qual a obra pertence,

são frequentemente encontradas nas orelhas dos livros. A orelha pode

também trazer outras informações como trechos de críticas e

depoimentos de outros escritores sobre a obra, elas fazem parte da

apresentação do livro ao leitor. A comparação entre as edições em

estudo, quais delas possuem orelhas, quais não possuem, que paratextos

se fazem presentes, como são apresentados, quais possíveis finalidades,

é ao que passo nesse momento.

Entre as edições brasileiras aqui estudadas apresentam orelhas

somente as duas últimas, a da Estação Liberdade (2002) e a da Golden

Books (2005). A edição de 2002 traz logo no início da orelha da

primeira capa, ocupando um terço do espaço, a reprodução de um

conhecido desenho retratando Victor Hugo já idoso, com sua longa

barba, uma imagem icônica do escritor. Desenhado por Jules Bastien-

Lepage, o desenho original encontra-se no Museu Victor Hugo, em

Paris, referência esta informada ao pé da reprodução. Em seguida inicia-

se um texto, não assinado, que se prolonga pela orelha da quarta capa. O

texto versa sobre “o lugar excepcional na história da literatura ocidental,

dominando todo o século XIX”, ocupado por Victor Hugo, devido,

sobretudo, ao “gênio e diversidade da sua obra”. Em seguida, são citadas

algumas obras importantes do autor para quase que imediatamente tratar

da obra que o leitor tem em mãos. O texto procura articular realidade e

ficção, já que há certo destaque para o papel de homem público que foi

Victor Hugo, defensor das causas sociais e, entre elas, a militância até os

seus últimos dias contra a pena de morte, e a narrativa propriamente

96

dita. O texto prossegue abordando a repercussão da obra na época do

seu lançamento, a polêmica instaurada, o seu caráter engajado, ao

mesmo tempo em que enaltece técnicas narrativas presentes na novela,

“bastante avançadas para a época de sua publicação original”. A citação

de trechos mais passionais do Prefácio de 1832 associada à narrativa de

O Último Dia de um condenado reforçam a fusão do Victor Hugo artista

e homem de valores elevados. Por fim, a orelha traz informações sobre

os prefácios de 1829, o sainete, e o prefácio de 1832, informando que

neste último há a resposta de Hugo às críticas recebidas na época, e

também a defesa da abolição da pena de morte. A orelha termina com a

afirmação de que o autor é um porta-voz da condição humana e dos seus

direitos, como atestam os textos que o leitor tem em mãos. Uma última

informação, separada do texto, umas duas linhas abaixo, dá conta da

existência no final da edição de uma cronologia da vida e obra de Victor

Hugo.

A edição da Golden Books, por sua vez, apresenta também uma

orelha na primeira capa e outra na quarta capa. A orelha de capa

apresenta a obra mencionando a primeira edição sem a identificação da

autoria e, em seguida, apresenta certa preocupação com a leitura ao

afirmar que a obra “foi escrita com simplicidade”, mas evolui para uma

narrativa “envolvente, questionadora e emocionante”. Esse texto — que

a exemplo do que acontece com a edição da Estação Liberdade também

não traz autoria — procura corroborar tais afirmações a partir da citação

de um trecho da obra, que serve para reafirmar o aspecto emocional da

narrativa, para a qual a apresentação procura chamar a atenção.

Os dois últimos parágrafos dessa primeira orelha são dedicados

a explanar um pouco a concepção de Hugo em relação à pena de morte,

discorrendo brevemente sobre a discussão suscitada pela novela e o

talento do escritor que “com rara sensibilidade e lucidez faz uma crítica

eloquente aos sistemas social e penal da época”.

A orelha da quarta capa traça uma breve biografia de Victor

Hugo, mencionando o seu talento precoce quando aos dezessete anos

venceu um importante prémio de poesia e a sua estreia como romancista

aos 21 anos com Han d’Island. Procura-se também contextualizar

Victor Hugo não somente como o principal autor do Romantismo na

França, mas também como um dos escritores centrais do século XIX,

cuja influência irradiou pelos demais países ocidentais.

A função das orelhas é, juntamente com a capa e em alguns

casos também a contracapa, apresentar o livro e também seduzir o leitor

97

em relação ao produto a ser consumido. Nesse aspecto, as orelhas

podem oferecer informações que levarão o leitor ao texto do autor.

A partir das orelhas é também possível vislumbrar o projeto

editorial para uma obra e doravante especular sobre a qual público ela se

dirige. Da mesma forma que toda tradução possui um projeto que acaba

atingindo o público de maneiras específicas (Berman), o produto livro

também passa pelo mesmo processo, ressalte-se a diferença de que um

projeto de tradução pode tanto ser algo consciente por parte do tradutor,

quanto também inconsciente. Ao passo que um projeto editorial tem um

objetivo específico, levando em conta mais o mercado, encampa

técnicas publicitárias e, portanto, ocorre de maneira racional, para

atingir determinados fins.

As orelhas da edição da Estação Liberdade procuram apresentar

não apenas a narrativa que o leitor em potencial tem em mãos, e que na

maioria dos casos é a razão pela qual ele consome uma obra, mas deixa

ver também algo mais. O espaço dado aos dois prefácios, inclusive com

citações, sobretudo o de 1832, demonstra ao leitor que ele está diante de

uma edição mais completa, que lhe permitirá ter uma noção do debate

no momento em que a obra foi publicada, enriquecendo assim a sua

leitura. A julgar pela orelha dessa edição é possível conjecturar que o

projeto editorial para O Último Dia de um condenado da Estação

Liberdade, está focado mais no autor do que na obra que esse paratexto

apresenta ao leitor. Ao deparar-se com a orelha da primeira capa, o leitor

encontra não só um retrato do autor, mas os dois vocábulos que iniciam

o texto é justamente o nome do escritor. A sua trajetória literária, a sua

importância enquanto escritor, defensor de causas sociais, com ênfase na

luta pela abolição da pena de morte aparecem antes não de uma sinopse

da novela, a qual não se faz presente em nenhum elemento paratextual

do livro, mas sim da única menção à obra nesse texto. Ao invés de um

breve resumo, de uma citação da novela, temos o enaltecimento do

escritor via seu compromisso social, do qual a narrativa é mais um

elemento. Há uma citação em seguida, porém não da obra, e sim do

Prefácio de 1832, no qual Victor Hugo, não apenas o escritor, mas

também o ativista manifesta-se em um ato político, portanto, sobre o

tema. A orelha da quarta capa segue a mesma disposição.

O Último Dia de um condenado não é, como já mencionado,

um chef d’oeuvre do escritor francês, outras obras já bem conhecidas do

público brasileiro detêm esse status. É por esse aspecto que se pode

julgar Victor Hugo maior do que a novela em questão. É possível ver no

enfoque dado pela editora ao prestígio literário de Victor Hugo,

98

acrescido do realce sobre o Hugo engajado em questões sociais, uma

maneira de abonar essa obra menor — quando comparada a outras obras

suas — do autor. Pode-se ver nessa escolha um projeto editorial, o qual

procura o privilégio do autor sobre a obra como uma estratégia de

sedução do leitor. Estratégia essa que pode se justificar exatamente pela

importância e popularidade de Victor Hugo.

Em relação à edição da Golden Books percebe-se uma

estratégia de apresentação que destaca mais a obra, se comparada à

edição da Estação Liberdade. O foco é O Último Dia de um condenado.

O nome de Victor Hugo aparece somente no final do primeiro parágrafo,

a citação que aparece em seguida é da própria obra e não de um texto

crítico como o Prefácio de 1832, aliás, ausente desta edição, como

também está o Prefácio de 1829. As menções a Victor Hugo na orelha

da capa contemplam o seu papel de escritor, ainda que sensível a

questões sociais, contudo repousando mais sobre o seu gênio criativo. A

orelha da contracapa, por sua vez, trata sim apenas de Victor Hugo, mas

aborda, conforme já mencionado, a sua trajetória enquanto escritor e a

sua importância para a literatura ocidental. As orelhas da edição de 2005

deixam ver, portanto, que a editora evidenciou mais o texto do que o

autor. Assim, pode-se aventar que uma das facetas do projeto editorial

para O Último Dia de um condenado da Golden Books é priorizar o

texto e a sua capacidade de sustentar-se por si próprio. Naturalmente,

esse é um dos aspectos desse projeto, o qual se completa juntamente

com os outros paratextos, como a quarta capa, cuja análise passo a fazer

no capítulo que se inicia.

2.8. A Quarta Capa

A quarta capa, ou contracapa, faz parte do que Genette chama

de peritexto editorial, juntamente com as orelhas, folhas de rosto e

eventuais anexos. Esta é uma instância de responsabilidade direta e

principal do editor, mas não exclusivamente (2009, p. 21), e cumpre

geralmente a função de apresentar a obra ao leitor. Quando ocorre o

primeiro contato físico do leitor com a obra que talvez venha a adquirir,

é a partir do peritexto que ele tem uma primeira ideia do que tem em

mãos. Excetuando-se, naturalmente, quando há conhecimento prévio da

obra ou mesmo quando esse primeiro contato ocorre virtualmente,

através de sites de livrarias, editoras ou mesmo mecanismos de busca na

internet.

99

É por meio de uma rápida leitura da contracapa e demais

peritextos que o leitor tem a possibilidade de definir as suas expectativas

em relação ao texto. Claramente tal contato também possui como

objetivo aproximar o leitor do universo da obra, mas, além disso, há um

viés de propaganda, a partir do qual se procura seduzir o leitor para que

adquira o livro. Nesse aspecto, o peritexto talvez seja a mais direta peça

de marketing em relação ao produto, pois ele está fisicamente ligado a

esse produto, faz também parte dele. O leitor pode, inclusive, manusear

e mesmo ler o objeto da propaganda, antes de comprá-lo. Há uma

espécie de “garantia in loco” envolvida nesse processo.

É nesse sentido que Genette (idem, p. 28) afirma que a quarta

capa é outro lugar estratégico. O autor de Paratextos Editoriais expõe

uma lista do que é comum aparecer em uma contracapa, como nome do

autor e título da obra; nota biográfica e/ou bibliográfica; um release;

citações da imprensa; menções a outras obras publicadas pelo mesmo

editor ou mesma coleção; um manifesto da coleção; número de ISBN

entre outros. Alguns desses itens aparecem nas contracapas das edições

de O Último Dia de um condenado publicadas no Brasil, que é ao que

passo doravante.

2.8.1. Quarta Capa - Editora Moderna Paulistana

A quarta capa da editora Moderna Paulistana traz uma faixa

vertical que divide a contracapa em duas partes. Do lado esquerdo, em

destaque, consta o nome da coleção “Bibliotheca de Romances

Célebres”, à qual pertence a obra. Ainda desse lado, embaixo, o preço

100

dos volumes. Ao lado direito há um texto apresentando a coleção, cujo

projeto era o de levar ao público brasileiro obras e autores consagrados

em âmbito mundial, “cuidadosamente traduzidos para o nosso idioma”,

obras tais que continham entre 300 e 500 páginas, com capas artísticas e

ilustradas. O texto apresenta a coleção como bem cuidada e talvez até

luxuosa para os padrões da época. Em seguida listam-se alguns

volumes publicados e outros ainda inéditos.

A contracapa da Moderna Paulistana enquanto paratexto dialoga

não diretamente com o texto de Hugo, ou de Émile Zola nesse caso, mas

sim com o cânone literário no qual estão inseridos os dois autores

franceses. Os nomes que estão ao lado deles nesta coleção são todos

nomes consagrados da literatura ocidental. Fazer parte do panteão é por

si só suficiente para garantir a qualidade da obra e justificar a sua

aquisição pelo público. Pode-se conjecturar, portanto, que a contracapa

dessa 1ª edição — ainda que tudo indique ter sido essa edição acidental

— de O Último Dia de um condenado no Brasil tenha como função

seduzir o leitor. Isso se inicia já pelo nome da coleção, o que sugere um

tom elevado, afinal, são romances ilustres, famosos, aprovados,

portanto, por público e crítica. E todos fazendo parte de um mesmo

conjunto, todos agrupados em uma “Bibliotheca” de grandes escritores.

Além disso, há o preço dos livros, 6$000 réis para capa em brochura e

8$000 réis para capa dura40

. Ainda que seja difícil atualizar o valor real

do livro na atual moeda do Brasil41

, se pode supor que o preço era

acessível, já que não seria uma estratégia de venda muito inteligente

deixar visível ao público um valor que tornasse a aquisição difícil.

Por fim, o texto de apresentação da coleção que, conforme já

mencionado, procura via cânone convencer o leitor de que o mesmo tem

em mãos uma obra literária importante, justificando a aquisição do

produto. A lista de volumes publicados mostra a realidade da coleção,

assim como a dos próximos a se publicar mostra a disposição da editora

em dar continuidade à coleção.

40

Embora não seja possível visualizar essa informação devido à capa estar

danificada, foi possível corroborá-la ao examinar outras obras da coleção. 41

Segundo o site Moedas do Brasil 1 real hoje seria o equivalente a

2.750.000.000.000.000.000 réis. Há que se considerar que a inflação acumulada

entre os anos 30 do século passado até o momento presente foi de 12.000%.

Disponível em: < http://www.moedasdobrasil.com.br/moedas/reformas.asp>.

Acesso em: 01/05/2017.

101

2.8.2. Quarta Capa - Editora Newton Compton

A quarta capa da Newton Compton está praticamente inteira

tomada por textos, três para ser mais específico. O primeiro deles indica

que a obra pertence à coleção “Clássicos Econômicos Newton”. Em um

breve texto de cinco linhas a coleção é apresentada enfatizando-se a

proposta de propiciar ao leitor, por um preço bastante módico, “grande

literatura”.

O texto seguinte dá uma breve ideia da trama da obra,

privilegiando os aspectos psicológico e emocional do protagonista

diante da morte iminente. O foco passa então a ser a relação de Victor

Hugo com a pena de morte e a sua luta pelos inalienáveis direitos do

homem. Um Hugo militante pelos direitos humanos que faz da sua veia

artística uma arma de combate, na qual O Último Dia de um condenado

é um exemplo, é a perspectiva que se oferece ao leitor nesse texto que

apresenta a obra subordinada ao autor, cujo destaque é maior. Em

seguida, em não mais que seis linhas, traçam-se brevemente a trajetória

de Victor Hugo, sua iniciação literária, os vários gêneros os quais

escreveu, a sua importância para a literatura romântica francesa, além de

data de nascimento e morte.

Por fim a editora procura estabelecer, separado do texto principal,

no interior de um quadro vermelho, um contato mais direto com o leitor

parabenizando-o por adquirir “um clássico Newton Compton”. Reforça

a questão econômica e anuncia o lançamento de dois mil outros

clássicos Newton Compton, a serem lançados semanalmente e

divididos, além da coleção “Clássicos Newton Compton da Literatura”

— somente nesse momento a coleção é assim denominada —, nas

102

coleções “Clássicos Newton Compton da Ficção” e “Clássicos Newton

Compton do Suspense”. Essa brevíssima missiva traz ainda a

informação de que O Último Dia de um condenado é a obra inaugural da

coleção. Finda-se o texto com o slogan da coleção: “Newton Compton:

toda semana um Clássico para você”.

A quarta capa da segunda edição no Brasil da novela de Victor

Hugo procura seduzir o leitor sob dois aspectos, primeiramente pelo

fator econômico e depois pela legitimação da obra via coleção.

Ademais, esse parece ser um diálogo subjacente que é mantido pela

editora com o leitor, visando obviamente a venda do seu produto. Inserir

uma obra em uma coleção composta por obras e autores canônicos

parece também uma estratégia de sedução e venda. A obra em questão

não é das mais conhecidas de Victor Hugo, mas o autor dispensa muitas

apresentações, seu nome, suas obras e mesmo o seu rosto são

conhecidos do público leitor. O tema da obra, a pena de morte, é algo

que desperta a atenção, a companhia de obras de autores como Edgar

Allan Poe e Oscar Wilde — informação da contracapa — apenas

reforçam a estatura de Hugo. Assim, diante de uma obra menor, se

comparada às outras do mesmo autor, essa talvez seja uma estratégia

que funcione. Por que ler essa obra quase desconhecida? Porque é

Victor Hugo, porque o tema é instigante, atual, e porque se a obra não

merecesse a leitura ela não estaria ao lado de Poe e Wilde, esse parece

ser o discurso implícito da editora. Um estudo mais aprofundado sobre

coleções se faria necessário a fim de ampliar o assunto, entretanto, no

caso específico de O Último Dia de um condenado, em razão da estatura

do seu autor, do espaço ocupado por essa obra na sua bibliografia,

parece ser esse um apontamento possível. Além do que, essa submissão

de O Último Dia de um condenado ao seu autor, que se revela maior, é

algo que aparece nos peritextos das quatro traduções, seja na contracapa,

caso das duas primeiras e última edição, seja nas orelhas das duas

últimas edições.

103

2.8.3. Quarta Capa - Editora Estação Liberdade

A quarta capa da Estação Liberdade é a mais sóbria dentre as três

outras edições. Encontramos em preto, na parte de cima, em destaque

uma citação da novela de Hugo:

Condenado à morte!

Já se vão cinco dias que convivo com tal

pensamento, sempre só com ele, sempre

petrificado por sua presença, sempre encurvado

sob o seu peso! (HUGO, 2002).

Por todo o restante da quarta capa, em tom cinza, há um trecho

da obra, em baixo relevo e manuscrito, como a citação. No centro, à

esquerda, aparece em destaque o nome da tradutora. Por fim o logotipo

da editora, em cor preta, ao pé da página, também do lado esquerdo, e

no lado direito o ISBN e código de barras do livro.

Não há muito que explanar sobre a contracapa da Estação

Liberdade, apenas que o foco é a obra, diferentemente das outras

contracapas. Em relação a uma estratégia de marketing a opção da

editora recai sobre outro peritexto, no caso as orelhas, conforme

demonstrado em capítulo específico.

104

2.8.4. Quarta Capa - Golden Books

A última edição de O Último Dia de um condenado no Brasil é

a única a trazer o prefácio à primeira edição da obra, o qual é

apresentado nessa condição antes do início da narrativa e na contracapa

da edição. Sobre o mesmo tom vermelho da capa, com o nome do autor

em destaque, como também o título da obra, além do desenho de um

rosto masculino ao fundo, a quarta capa da edição da Golden Books

reproduz o mesmo conceito gráfico apresentado na primeira capa. Após

a reprodução integral do prefácio tem-se início um curto texto

articulando a obra e a militância pelos direitos humanos do autor.

Enaltece-se o Hugo que em sua obra “valorizou a vida humana” tendo

por norte a liberdade e a justiça, expressa em seus personagens. Por fim,

ao pé da página, centralizado, encontra-se o ISBN e código de barras.

A contracapa da edição de 2005 segue a mesma orientação já

apontada nas orelhas, quando é dado um destaque maior ao autor do que

à obra. A novela ganha corpo aos olhos do possível leitor na medida em

que está atrelada à magnitude do autor. Nesse sentido, então, a quarta

capa integra o projeto editorial da Golden Books no que diz respeito à

apresentação da obra. Entretanto, há algo nessa contracapa que a

diferencia das outras até aqui estudadas.

Além de ser a única entre as quatro edições brasileiras que

reproduz o prefácio à primeira edição, esse prefácio, que aqui adquire

outra função, funcionando também como um elemento de propaganda,

vem assinado pelo autor. Isso estabelece de imediato uma relação com o

prefácio à primeira edição presente antes do início do texto, pois este

105

não traz nenhuma autoria, ao passo que o da contracapa traz como autor

Victor Hugo.

Um dos pontos que destacam a edição da Golden Books em

comparação com as outras edições congêneres é justamente a existência

do “Primeiro Prefácio”. Com a sua inserção a editora permite que o jogo

da autoria proposto por Hugo em 1829 ocorra, descontadas obviamente

as diferenças entre o leitor atual e o da época. Leitor atual,

evidentemente, que não apenas está separado por quase dois séculos,

mas também por uma língua e cultura diferentes do texto de partida.

Contudo, ainda que não fosse possível encontrar leitores que vissem

veracidade no jogo, e isso é discutível, a inclusão desse prefácio ao

menos permite esse vislumbre ao leitor, dá ele a oportunidade de mesmo

por um breve momento considerar esse pacto, o que pode fazer da

leitura de O Último Dia de um condenado uma experiência mais rica.

O prefácio à primeira edição não vem assinado justamente porque

ele propõe esse jogo de autoria tão comum no século XIX — Goethe já

o tinha feito em Os sofrimentos do jovem Werther em 1774, Edgar Allan

Poe o fez em alguns dos seus contos — daí que dar-lhe autoria, como

ocorre na quarta capa da Golden Books, depõe contra a proposta do

prefácio, considerando que o primeiro contato do leitor geralmente é

com os peritextos ao invés do texto. Possivelmente essa situação passou

ao largo do editor, a quem Genette, (p. 21) atribui na maioria dos casos a

responsabilidade pelos peritextos. O procedimento de dar autoria ao

prefácio na quarta capa vem ao encontro daquilo que se percebeu na

análise dos peritextos, comum nas três últimas edições pelo menos.

Trata-se da estratégia de sedução por parte das editoras em relação ao

leitor, a qual passa por uma identificação da obra para com o autor e, por

conseguinte, do autor para com o público, já que os valores humanos

universais defendidos por aquele comumente se coadunam com o do

leitor. A autoria do prefácio dada pela edição a Victor Hugo, que não

dispusera dela inicialmente, se dá justamente pela envergadura do autor

em relação a essa obra, a qual, aliás, é de grande qualidade literária, isso

é ponto pacífico, apenas é menos conhecida do que outras obras suas.

Daí a necessidade publicitária de atrelar obra ao autor.

106

CAPÍTULO III

TRADUÇÃO COMENTADA DO PREFÁCIO DE 1832

3.1. Tradução do Prefácio de 1832

Préface de 1832

Il n'y avait en tête des

premières éditions de cet

ouvrage, publié d'abord sans

nom d'auteur, que les quelques

lignes qu'on va lire :

« Il y a deux manières de

se rendre compte de l'existence

de ce livre. Ou il y a eu, en effet,

une liasse de papiers jaunes et

inégaux sur lesquels on a trouvé,

enregistrées une à une, les

dernières pensées d'un

misérable ; ou il s'est rencontré

un homme, un rêveur occupé à

observer la nature au profit de

l'art, un philosophe, un poète,

que sais-je ? dont cette idée a été

la fantaisie, qui l'a prise ou

plutôt s'est laissé prendre par

elle, et n'a pu s'en débarrasser

qu'en la jetant dans un livre.

« De ces deux

explications, le lecteur choisira

celle qu'il voudra. »

Comme on le voit, à

l'époque où ce livre fut publié,

l'auteur ne jugea pas à propos de

dire dès lors toute sa pensée. Il

aima mieux attendre qu'elle fût

comprise et voir si elle le serait.

Elle l'a été. L'auteur aujourd'hui

peut démasquer l'idée politique,

l'idée sociale, qu'il avait voulu

Prefácio de 1832

Havia no topo das

primeiras edições desta obra

publicada primeiramente sem

nome do autor, apenas as

poucas linhas que se vai ler:

“Há duas maneiras de

dar-se conta da existência deste

livro. Ou, houve de fato, um

maço de papeis amarelos e

desiguais sobre os quais se

encontrou registrados um a um,

os últimos pensamentos de um

miserável, ou existiu um

homem, um sonhador ocupado

em observar a natureza em

proveito da arte, um filósofo,

um poeta, sabe-se lá, cuja ideia

foi a fantasia, quem a tomou, ou

melhor, se deixou tomar por ela

e da qual só pôde se livrar

lançando-a em um livro.

“Dessas duas

explicações, o leitor escolherá o

que ele quiser.”

Como se vê, na época

em que este livro fora

publicado, o autor não julgara

oportuno de dizer de imediato

todo seu pensamento. Ele

preferira esperar que ele fosse

compreendido e ver se ele o

seria. Ele o foi. O autor hoje

pode desmascarar a ideia

107

populariser sous cette innocente

et candide forme littéraire. Il

déclare donc, ou plutôt il avoue

hautement que Le Dernier Jour d'un condamné n'est autre chose

qu'un plaidoyer, direct ou

indirect, comme on voudra, pour

l'abolition de la peine de mort.

Ce qu'il a eu dessein de faire, ce

qu'il voudrait que la postérité vît

dans son oeuvre, si jamais elle

s'occupe de si peu, ce n'est pas la

défense spéciale, et toujours

facile, et toujours transitoire, de

tel ou tel criminel choisi, de tel

ou tel accusé d'élection ; c'est la

plaidoirie générale et

permanente pour tous les

accusés présents et à venir ; c'est

le grand point de droit de

l'humanité allégué et plaidé à

toute voix devant la société, qui

est la grande cour de cassation ;

c'est cette suprême fin de non-

recevoir, abhorrescere a

sanguine, construite à tout

jamais en avant de tous les

procès criminels ; c'est la

sombre et fatale question qui

palpite obscurément au fond de

toutes les causes capitales sous

les triples épaisseurs de pathos

dont l'enveloppe la rhétorique

sanglante des gens du roi ; c'est

la question de vie et de mort,

dis-je, déshabillée, dénudée,

dépouillée des entortillages

sonores du parquet, brutalement

mise au jour, et posée où il faut

qu'on la voie, où il faut qu'elle

política, a ideia social que ele

quis popularizar sob esta

inocente e cândida forma

literária. Ele declara então, ou

melhor, ele confessa altamente

que O Último Dia de um condenado não é outra coisa

além de um apelo, direto ou

indireto, como queiram, para a

abolição da pena de morte. O

que ele teve a intenção de fazer,

o que ele gostaria que a

posteridade visse em sua obra,

se por um acaso ela se ocupar

de tão pouco, não é a defesa

especial, e sempre fácil, e

sempre transitória, de tal ou tal

criminoso escolhido, de tal ou

tal acusado eleito. É a alegação

geral e permanente para todos

os acusados presentes e os por

vir. É a grande questão de

direito da humanidade alegada e

defendida em voz alta diante da

sociedade que é a alta corte de

cassação. É esta suprema

inadmissibilidade, abhorrescere

a sanguin, construída para

sempre diante de todos os

processos criminais. É a

sombria e fatal questão que

palpita obscuramente no fundo

de todas as causas capitais sob

as triplas espessuras de pathos a

qual encobre a retórica

sangrenta dos homens do rei. É

a questão de vida e de morte,

digo, despida, desnuda,

desvestida das enrolações

sonoras do ministério público,

108

soit, où elle est réellement, dans

son vrai milieu, dans son milieu

horrible, non au tribunal, mais à

l'échafaud, non chez le juge,

mais chez le bourreau.

Voilà ce qu'il a voulu

faire. Si l'avenir lui décernait un

jour la gloire de l'avoir fait, ce

qu'il n'ose espérer, il ne voudrait

pas d'autre couronne.

Il le déclare donc, et il le

répète, il occupe, au nom de tous

les accusés possibles, innocents

ou coupables, devant toutes les

cours, tous les prétoires, tous les

jurys, toutes les justices. Ce livre

est adressé à quiconque juge. Et

pour que le plaidoyer soit aussi

vaste que la cause, il a dû, et

c'est pour cela que Le Dernier

Jour d'un condamné est ainsi

fait, élaguer de toutes parts dans

son sujet le contingent,

l'accident, le particulier, le

spécial, le relatif, le modifiable,

l'épisode, l'anecdote,

l'événement, le nom propre, et se

borner (si c'est là se borner) à

plaider la cause d'un condamné

quelconque, exécuté un jour

quelconque, pour un crime

quelconque. Heureux si, sans

autre outil que sa pensée, il a

fouillé assez avant pour faire

saigner un coeur sous l'œs

triplex du magistrat ! heureux

s'il a rendu pitoyables ceux qui

brutalmente trazida à luz e

colocada onde é preciso que a

vejam, onde é preciso que ela

esteja, onde ela está realmente,

no seu verdadeiro meio, no seu

meio horrível, não no tribunal,

mas no cadafalso, não junto ao

juiz, mas junto ao carrasco.

Eis o que ele quis fazer.

Se o futuro lhe reconhecer um

dia a glória de tê-lo feito, o que

ele não ousa esperar, ele não

gostaria de uma outra coroa.

Ele o declara então, e

ele o repete, ele ocupa em nome

de todos os acusados possíveis,

inocentes ou culpados, diante de

todas as cortes, de todos os

pretórios, de todos os júris, de

todas as justiças. Este livro é

endereçado a qualquer juiz. E

para que o apelo seja tão vasto

quanto à causa, ele teve, e é por

isso que O Último Dia de um condenado é assim feito,

suprimir de todas as partes no

seu objeto o contingente, o

acidente, o particular, o

especial, o relativo, o

modificável, o episódio, a

anedota, o acontecimento, o

nome próprio, e se limitar (se

isto é se limitar) a defender a

causa de um condenado

qualquer, executado em um dia

qualquer, por um crime

qualquer. Feliz quando, sem

outra ferramenta além de seu

pensamento, ele vasculhou

muito antes para fazer sangrar

109

se croient justes ! heureux si, à

force de creuser dans le juge, il a

réussi quelquefois à y retrouver

un homme !

Il y a trois ans, quand ce

livre parut, quelques personnes

imaginèrent que cela valait la

peine d'en contester l'idée à

l'auteur. Les uns supposèrent un

livre anglais, les autres un livre

américain. Singulière manie de

chercher à mille lieues les

origines des choses, et de faire

couler des sources du Nil le

ruisseau qui lave votre rue !

Hélas ! il n'y a en ceci ni livre

anglais, ni livre américain, ni

livre chinois. L'auteur a pris

l'idée du Dernier Jour d'un condamné, non dans un livre, il

n'a pas l'habitude d'aller

chercher ses idées si loin, mais

là où vous pouviez tous la

prendre, où vous l'aviez prise

peut-être (car qui n'a fait ou rêvé

dans son esprit Le Dernier Jour

d'un condamné ?), tout

bonnement sur la place

publique, sur la place de Grève.

C'est là qu'un jour en passant il a

ramassé cette idée fatale, gisante

dans une mare de sang sous les

rouges moignons de la

guillotine.

Depuis, chaque fois qu'au

gré des funèbres jeudis de la

cour de cassation, il arrivait un

um coração sob a oes triplex do

magistrado! Feliz quando ele

tornou piedosos os que se

acham justos! Feliz quando, de

tanto cavoucar o juiz, ele

conseguiu às vezes encontrar ali

um homem!

Há três anos, quando

este livro apareceu, algumas

pessoas imaginaram que valia a

pena contestar a ideia ao autor.

Uns supuseram um livro inglês,

outros um livro americano.

Singular mania de procurar a

mil milhas as origens das coisas

e fazer escorrer das fontes do

Nilo o riacho que lava sua rua!

Ora! Não há nisto nem livro

inglês, nem livro americano,

nem livro chinês. O autor

tomou a ideia do O Último Dia

de um condenando, não em um

livro - ele não tem o hábito de ir

buscar suas ideias tão longe -

mas aqui onde vocês pudessem

todos tomá-la, onde vocês a

tomaram talvez (pois quem não

fez ou sonhou em seu espírito O

Último Dia de um condenado?),

simplesmente na praça pública,

na praça de Grève. Foi aí que

um dia ao passar, ele apanhou

esta ideia fatal, estirada em uma

poça de sangue sob as

vermelhas toras da guilhotina.

Desde então, cada vez

que ao capricho das fúnebres

quintas-feiras da corte de

110

de ces jours où le cri d'un arrêt

de mort se fait dans Paris,

chaque fois que l'auteur

entendait passer sous ses

fenêtres ces hurlements enroués

qui ameutent des spectateurs

pour la Grève, chaque fois, la

douloureuse idée lui revenait,

s'emparait de lui, lui emplissait

la tête de gendarmes, de

bourreaux et de foule, lui

expliquait heure par heure les

dernières souffrances du

misérable agonisant, - en ce

moment on le confesse, en ce

moment on lui coupe les

cheveux, en ce moment on lui

lie les mains, - le sommait, lui

pauvre poète, de dire tout cela à

la société, qui fait ses affaires

pendant que cette chose

monstrueuse s'accomplit, le

pressait, le poussait, le secouait,

lui arrachait ses vers de l'esprit,

s'il était en train d'en faire, et les

tuait à peine ébauchés, barrait

tous ses travaux, se mettait en

travers de tout, l'investissait,

l'obsédait, l'assiégeait. C'était un

supplice, un supplice qui

commençait avec le jour, et qui

durait, comme celui du

misérable qu'on torturait au

même moment, jusqu'à quatre

heures. Alors seulement, une

fois le ponens caput

expiravit crié par la voix sinistre

de l'horloge, l'auteur respirait et

retrouvait quelque liberté

d'esprit. Un jour enfin, c'était, à

cassação acontecia um desses

dias em que o grito de uma

sentença de morte se dá em

Paris, cada vez que o autor

escutava passar sob suas janelas

estes berros roucos que

arrastam espectadores para a

Grève, cada vez, a dolorosa

ideia lhe revinha, se apoderava

dele, lhe enchia a cabeça de

gendarmes, de carrascos e de

multidão, lhe explicava hora por

hora os últimos sofrimentos do

miserável agonizando – neste

momento confessam-no, neste

momento lhe cortam os cabelos,

neste momento lhe amarram as

mãos – o obrigam, ele, pobre

poeta, a dizer tudo isto à

sociedade, que faz seus afazeres

enquanto que esta coisa

monstruosa se cumpre, o

apressava, o empurrava, o

sacudia, lhe arrancava seus

versos do espírito, se ele os

estivesse fazendo, e os matava,

a pouco esboçados, barrava

todos seus trabalhos, se

atravessava em tudo, o investia,

o obsedia, o cingia. Era um

suplício, um suplício que

começava com o dia, e que

durava como o do miserável

que torturavam no mesmo

momento, até às quatro horas.

Então somente, uma vez o

ponens caput expivit gritado

pela voz sinistra do relógio, o

autor respirava e reencontrava

alguma liberdade de espírito.

111

ce qu'il croit, le lendemain de

l'exécution d'Ulbach, il se mit à

écrire ce livre. Depuis lors il a

été soulagé. Quand un de ces

crimes publics, qu'on nomme

exécutions judiciaires, a été

commis, sa conscience lui a dit

qu'il n'en était plus solidaire ; et

il n'a plus senti à son front cette

goutte de sang qui rejaillit de la

Grève sur la tête de tous les

membres de la communauté

sociale.

Toutefois, cela ne suffit

pas. Se laver les mains est bien,

empêcher le sang de couler

serait mieux.

Aussi ne connaîtrait-il pas

de but plus élevé, plus saint, plus

auguste que celui-là : concourir

à l'abolition de la peine de mort.

Aussi est-ce du fond du coeur

qu'il adhère aux voeux et aux

efforts des hommes généreux de

toutes les nations qui travaillent

depuis plusieurs années à jeter

bas l'arbre patibulaire, le seul

arbre que les révolutions ne

déracinent pas. C'est avec joie

qu'il vient à son tour, lui chétif,

donner son coup de cognée, et

élargir de son mieux l'entaille

que Beccaria a faite, il y a

soixante-six ans, au vieux gibet

dressé depuis tant de siècles sur

la chrétienté.

Um dia enfim, era, se ele não se

engana, o dia seguinte da

execução de Ulbach, ele se pôs

a escrever este livro. Desde

então, ele ficou aliviado.

Quando um desses crimes

públicos que nomeiam

execuções judiciárias foi

cometido, sua consciência lhe

disse que ele não era mais

solidário com isso, e ele não

mais sentiu em sua fronte esta

gota de sangue que jorra da

Grève sobre a cabeça de todos

os membros da comunidade

social.

Todavia, isto não bastara.

Lavar as mãos é bom, impedir o

sangue de escorrer seria melhor.

Também ele não

conheceria propósito mais

elevado, mais santo, mais

augusto que aquele: contribuir

com a abolição da pena de

morte. Também é do fundo do

coração que ele adere aos votos

e aos esforços dos homens

generosos de todas as nações

que trabalham há vários anos

colocando abaixo a árvore

patibular, a única árvore que as

revoluções não desenraizam. É

com alegria que ele vem por sua

vez, ele, franzino, dar seu golpe

de machado e alargar, dando o

seu melhor, o talho que

Beccaria fez há sessenta e seis

anos, na velha forca erguida há

tantos séculos sobre a

112

Nous venons de dire que

l'échafaud est le seul édifice que

les révolutions ne démolissent

pas. Il est rare, en effet, que les

révolutions soient sobres de sang

humain, et, venues qu'elles sont

pour émonder, pour ébrancher,

pour étêter la société, la peine de

mort est une des serpes dont

elles se dessaisissent le plus

malaisément.

Nous l’avoueront

cependant, si jamais révolution

nous parut digne et capable

d'abolir la peine de mort, c'est la

révolution de Juillet. Il semble,

en effet, qu'il appartenait au

mouvement populaire le plus

clément des temps modernes de

raturer la pénalité barbare de

Louis XI, de Richelieu et de

Robespierre, et d'inscrire au

front de la loi l'inviolabilité de la

vie humaine. 1830 méritait de

briser le couperet de 93.

Nous l'avons espéré un

moment. En août 1830, il y avait

tant de générosité et de pitié

dans l'air, un tel esprit de

douceur et de civilisation flottait

dans les masses, on se sentait le

coeur si bien épanoui par

l'approche d'un bel avenir, qu'il

nous sembla que la peine de

mort était abolie de droit,

d'emblée, d'un consentement

tacite et unanime, comme le

reste des choses mauvaises qui

nous avaient gênés. Le peuple

cristandade.

Acabamos de dizer que

o cadafalso é o único edifício

que as revoluções não

demolem. É raro, de fato, que as

revoluções estejam sóbrias de

sangue humano, e visto que elas

vieram para mondar, para

podar, para talhar a sociedade, a

pena de morte é um dos podões

os quais se extirpam com mais

dificuldade.

Nós o confessaremos,

contudo, se por acaso revolução

nos parecera digna e capaz de

abolir a pena de morte, é a

revolução de Julho. Parece, de

fato, que pertencia ao

movimento popular o mais

clemente dos tempos modernos

de rasurar a penalidade bárbara

de Luis XI, de Richelieu e de

Robespierre, e de inscrever

diante da lei a inviolabilidade

da vida humana. 1830 merecia

quebrar o cutelo de 93.

Nós o esperamos um

momento. Em agosto de 1830,

havia tanta generosidade e

piedade no ar, um certo espírito

de doçura e de civilização

flutuava nas massas, sentia-se o

coração tão radiante pela

aproximação de um lindo

futuro, que nos parecera que a

pena de morte estava abolida de

direito, de imediato, de um

consentimento tácito e unânime

como o resto das coisas ruins

que nos tinham incomodado. O

113

venait de faire un feu de joie des

guenilles de l'ancien régime.

Celle-là était la guenille

sanglante. Nous la crûmes dans

le tas. Nous la crûmes brûlée

comme les autres. Et pendant

quelques semaines, confiant et

crédule, nous eûmes foi pour

l'avenir à l'inviolabilité de la vie

comme à l'inviolabilité de la

liberté.

Et en effet deux mois

s'étaient à peine écoulés qu'une

tentative fut faite pour résoudre

en réalité légale l'utopie sublime

de César Bonesana.

Malheureusement, cette

tentative fut gauche, maladroite,

presque hypocrite, et faite dans

un autre intérêt que l'intérêt

général.

Au mois d'octobre 1830,

on se le rappelle, quelques jours

après avoir écarté par l'ordre du

jour la proposition d'ensevelir

Napoléon sous la colonne, la

Chambre tout entière se mit à

pleurer et à bramer. La

question de la peine de mort fut

mise sur le tapis, nous allons

dire quelques lignes plus bas à

quelle occasion ; et alors il

sembla que toutes ces entrailles

de législateurs étaient prises

d'une subite et merveilleuse

miséricorde. Ce fut à qui

parlerait, à qui gémirait, à qui

lèverait les mains au ciel. La

peine de mort, grand Dieu !

povo tinha acabado de fazer

uma fogueira dos farrapos do

antigo regime. Aquele era o

farrapo sangrento. Nós

acreditáramos estar no entulho.

Nós acreditáramos estar

queimado como os outros. E

durante algumas semanas,

confiante e crédulo, nós

tivéramos fé pelo futuro à

inviolabilidade da vida como à

inviolabilidade da liberdade.

E de fato, dois meses

mal tinham passado e uma

tentativa fora feita para resolver

com realidade legal a utopia

sublime de César Bonesana.

Infelizmente, esta

tentativa fora desastrosa,

desajeitada, quase hipócrita e

feita com outro interesse do

interesse geral.

No mês de outubro de

1830, lembramos disso, alguns

dias depois de ter afastado pela

ordem do dia a proposta de

enterrar Napoleão sob a coluna,

a Câmara inteira se pôs a chorar

e a esbravejar. A questão da

pena de morte fora trazida à

tona. Vamos dizer algumas

linhas mais abaixo em qual

ocasião, e então parecera que

todas essas entranhas de

legisladores foram pegas de

uma súbita e maravilhosa

misericórdia. Fora os que mais

falariam, os que mais

gemeriam, os que mais

levantariam as mãos pro céu. A

114

quelle horreur ! Tel vieux

procureur général, blanchi dans

la robe rouge, qui avait mangé

toute sa vie le pain trempé de

sang des réquisitoires, se

composa tout à coup un air

piteux et attesta les dieux qu'il

était indigné de la guillotine.

Pendant deux jours la tribune ne

désemplit pas de harangueurs en

pleureuses. Ce fut une

lamentation, une myriologie, un

concert de psaumes lugubres,

un Super flumina Babylonis,

un Stabat mater dolorosa, une

grande symphonie en ut, avec

choeurs, exécutée par tout cet

orchestre d'orateurs qui garnit

les premiers bancs de la

Chambre, et rend de si beaux

sons dans les grands jours. Tel

vint avec sa basse, tel avec son

fausset. Rien n'y manqua. La

chose fut on ne peut plus

pathétique et pitoyable. La

séance de nuit surtout fut tendre,

paterne et déchirante comme un

cinquième acte de Lachaussée.

Le bon public, qui n'y

comprenait rien, avait les larmes

aux yeux.42

pena de morte, grande Deus!

Que horror! O tal velho

procurador geral, inocentado

em sua toga vermelha, que tinha

comido durante toda sua vida o

pão banhado de sangue dos

requisitórios, compusera

repentinamente um ar desolado

e atestara os deuses que ele

estava indignado com a

guilhotina. Durante dois dias, a

tribuna não se esvaziara de

oradores feitos choronas. Fora

uma lamentação, uma

myriologie, um concerto de

salmos lúgubres, um Super

flumina Babylonis, um Stabat mater dolorosa, uma grande

sinfonia de ut, com corais,

executada por toda essa

orquestra de oradores que

guarnece os primeiros bancos

da Câmara e emite tão belos

sons nos grandes dias. Um viera

com seu baixo, um com seu

falsete. Nada faltara ali. A coisa

fora totalmente patética e

lastimável. A sessão da noite

particularmente fora branda,

paterna e arrasadora como um

quinto ato de Lachaussée. O

42 Nous ne prétendons pas envelopper dans le même dédain tout ce qui a été dit

à cette occasion à la Chambre. Il s'est bien prononcé ça et là quelques belles et

dignes paroles. Nous avons applaudi, comme tout le monde, au discours grave

et simple de M. de Lafayette et, dans une autre nuance, à la remarquable

improvisation de M. Villemain.

115

De quoi s'agissait-il

donc ? d'abolir la peine de

mort ?

Oui et non.

Voici le fait :

Quatre hommes du

monde, quatre hommes comme

il faut, de ces hommes qu'on a

pu rencontrer dans un salon, et

avec qui peut-être on a échangé

quelques paroles polies ; quatre

de ces hommes, dis-je, avaient

tenté, dans les hautes régions

politiques, un de ces coups

hardis que Bacon

appelle crimes, et que Machiavel

appelle entreprises.

Or, crime ou entreprise, la loi,

brutale pour tous, punit cela de

mort. Et les quatre malheureux

étaient là, prisonniers, captifs de

la loi, gardés par trois cents

cocardes tricolores sous les

belles ogives de Vincennes. Que

faire et comment faire ? Vous

comprenez qu'il est impossible

d'envoyer à la Grève, dans une

charrette, ignoblement liés avec

de grosses cordes, dos à dos

avec ce fonctionnaire qu'il ne

virtuoso público, que não

compreendia nada, tinha

lágrimas aos olhos41

.

Do que se tratava então?

Abolir a pena de morte?

Sim e não.

Eis o fato:

Quatro homens do

mundo, quatro homens como se

deve ser, desses homens que se

pôde encontrar em um salão e

com quem talvez se trocou

algumas palavras polidas.

Quatro desses homens, digo,

tinham tentado, nas altas

regiões políticas, um desses

golpes ousados que Bacon

chama de crimes, e que

Machiavel chama de negócios.

Ora, crime ou negócio, a lei,

brutal para todos, pune isto de

morte. E os quatro infelizes

estavam ali, prisioneiros,

cativos da lei, retidos por

trezentos emblemas tricolores

sob as belas ogivas de

Vincennes. O que fazer e como

fazer? Vocês compreendem que

é impossível enviar à Grève, em

uma carroça, ignobilmente

amarrados com grossas cordas,

costa com costa com este

42 Nós não pretendemos envolver no mesmo desdenho tudo o que foi dito nesta

ocasião na Câmara. Pronunciaram aqui e ali algumas belas e dignas palavras.

Nós aplaudimos, como todo, o discurso grave e simples do Sr. de Lafayette e,

em uma outra nuance, a notável improvisação do Sr. Villemain.

116

faut pas seulement nommer,

quatre hommes comme vous et

moi , quatre hommes du monde ?

Encore s'il y avait une guillotine

en acajou !

Hé ! il n'y a qu'à abolir la

peine de mort !

Et là-dessus, la Chambre

se met en besogne.

Remarquez, messieurs,

qu'hier encore vous traitiez cette

abolition d'utopie, de théorie, de

rêve, de folie, de poésie.

Remarquez que ce n'est pas la

première fois qu'on cherche à

appeler votre attention sur la

charrette, sur les grosses cordes

et sur l'horrible machine

écarlate, et qu'il est étrange que

ce hideux attirail vous saute

ainsi aux yeux tout à coup.

Bah ! c'est bien de cela

qu'il s'agit ! Ce n'est pas à cause

de vous, peuple, que nous

abolissons la peine de mort,

mais à cause de nous, députés

qui pouvons être ministres. Nous

ne voulons pas que la mécanique

de Guillotin morde les hautes

classes. Nous la brisons. Tant

mieux si cela arrange tout le

monde, mais nous n'avons songé

qu'à nous. Ucalégon brûle.

Éteignons le feu. Vite,

supprimons le bourreau, biffons

le code.

Et c'est ainsi qu'un alliage

d'égoïsme altère et dénature les

funcionário que não se deve,

nem sequer nomear, quatro

homens como você e eu, quatro

homens do mundo? Pelo menos

se tivesse uma guilhotina de

mogno!

Ei! Tem apenas que

abolir a pena de morte!

E nisso, a Câmara põe

mãos às obras!

Notem senhores, que

ainda ontem vocês tratavam

esta abolição de utopia, de

teoria, de sonho, de loucura, de

poesia. Notem que não é a

primeira vez que se procura

chamar a sua atenção sobre a

carroça, sobre as grossas cordas

e sobre a horrível máquina

escarlate e que é estranho que

esta hedionda parafernália lhe

salte aos olhos assim de

repente.

Ué! É bem disso que se

trata! Não é por causa de vocês,

povo, que abolimos a pena de

morte, mas por nossa causa,

deputados que podemos ser

ministros. Não queremos que a

mecânica de Guillotin morda as

altas classes. Nós a quebramos.

Tanto melhor se isto convém a

todo mundo, mas pensamos

apenas em nós. Ucalégon

queima. Apaguemos o fogo.

Rápido, suprimamos o carrasco,

destruamos o código.

E é assim que uma

mistura de egoísmo altera e

117

plus belles combinaisons

sociales. C'est la veine noire

dans le marbre blanc ; elle

circule partout, et apparaît à tout

moment à l'improviste sous le

ciseau. Votre statue est à refaire.

Certes, il n'est pas besoin

que nous le déclarions ici, nous

ne sommes pas de ceux qui

réclamaient les têtes des quatre

ministres. Une fois ces

infortunés arrêtés, la colère

indignée que nous avait inspirée

leur attentat s'est changée, chez

nous comme chez tout le monde,

en une profonde pitié. Nous

avons songé aux préjugés

d'éducation de quelques-uns

d'entre eux, au cerveau peu

développé de leur chef, relaps

fanatique et obstiné des

conspirations de 1804, blanchi

avant l'âge sous l'ombre humide

des prisons d'État, aux nécessités

fatales de leur position

commune, à l'impossibilité

d'enrayer sur cette pente rapide

où la monarchie s'était lancée

elle-même à toute bride le 8 août

1829, à l'influence trop peu

calculée par nous jusqu'alors de

la personne royale, surtout à la

dignité que l'un d'entre eux

répandait comme un manteau de

pourpre sur leur malheur. Nous

sommes de ceux qui leur

souhaitaient bien sincèrement la

vie sauve, et qui étaient prêts à

se dévouer pour cela. Si jamais,

desnatura as mais belas

combinações sociais. É a veia

negra no mármore branco. Ela

circula por toda parte e aparece

a todo o momento de improviso

sob o cinzel. Sua estátua está

para ser refeita.

Certamente, não é

preciso que nós o declaremos

aqui. Nós não somos desses que

reclamavam as cabeças dos

quatro ministros. Uma vez esses

infortunados presos, a cólera

indignada que nos tinha

inspirado seu atentado se

transformou em nós como em

todo mundo, em uma profunda

piedade. Nós pensamos nos

preconceitos de educação de

alguns dentre eles, no cérebro

pouco desenvolvido de seu

chefe, relapso fanático e

obstinado das conspirações de

1804, embranquecido antes da

idade sob a sombra úmida das

prisões de Estado, nas

necessidades fatais da sua

posição comum, na

impossibilidade de brecar nesta

rampa inclinada na qual a

monarquia tinha se lançado ela

mesma a toda velocidade no dia

08 de agosto de 1829, com a

influência muito pouco

calculada por nós até então da

pessoa Real, sobretudo, na

dignidade que um dentre eles

derramava como um manto de

púrpura sobre sua desgraça. Nós

somos desses que lhes

118

par impossible, leur échafaud

eût été dressé un jour en Grève,

nous ne doutons pas, et si c'est

une illusion nous voulons la

conserver, nous ne doutons pas

qu'il n'y eût eu une émeute pour

le renverser, et celui qui écrit ces

lignes eût été de cette sainte

émeute. Car, il faut bien le dire

aussi, dans les crises sociales, de

tous les échafauds, l'échafaud

politique est le plus abominable,

le plus funeste, le plus

vénéneux, le plus nécessaire à

extirper. Cette espèce de

guillotine-là prend racine dans le

pavé, et en peu de temps

repousse de bouture sur tous les

points du sol.

En temps de révolution,

prenez garde à la première tête

qui tombe. Elle met le peuple en

appétit.

Nous étions donc

personnellement d'accord avec

ceux qui voulaient épargner les

quatre ministres, et d'accord de

toutes manières, par les raisons

sentimentales comme par les

raisons politiques. Seulement,

nous eussions mieux aimé que la

Chambre choisît une autre

occasion pour proposer

l'abolition de la peine de mort.

Si on l'avait proposée,

cette souhaitable abolition, non à

propos de quatre ministres

desejavam muito sinceramente

a vida salva e que estavam

prontos a se dedicarem por isto.

Se por um acaso, por milagre,

seu cadafalso fora sido erguido

um dia na Grève, não

duvidamos, e se for uma ilusão,

nós queremos conservá-la, não

duvidamos que tivesse tido um

motim para derrubá-lo, e este

que escreve estas linhas tivesse

sido deste santo motim. Pois, é

preciso dizê-lo também, nas

crises sociais, de todos os

cadafalsos, o cadafalso político

é o mais abominável, o mais

funesto, o mais venenoso, o

mais necessário a extirpar. Esta

espécie de guilhotina enraíza-se

no chão e em pouco tempo cria

muda sobre todas as partes do

solo.

Em tempo de revolução,

tenha cuidado com a primeira

cabeça que cai. Ela deixa o

povo com apetite.

Nós estávamos então,

pessoalmente de acordo com os

que queriam poupar os quatro

ministros, e de acordo de todas

as maneiras, pelas razões

sentimentais como pelas razões

políticas. Apenas, nós teríamos

preferido que a Câmara

escolhesse outra ocasião para

propor a abolição da pena de

morte.

Se a tivessem proposto,

esta desejável abolição, não a

respeito de quatro ministros

119

tombés des Tuileries à

Vincennes, mais à propos du

premier voleur de grands

chemins venu, à propos d'un de

ces misérables que vous

regardez à peine quand ils

passent près de vous dans la rue,

auxquels vous ne parlez pas,

dont vous évitez instinctivement

le coudoiement poudreux ;

malheureux dont l'enfance

déguenillée a couru pieds nus

dans la boue des carrefours,

grelottant l'hiver au rebord des

quais, se chauffant au soupirail

des cuisines de M. Véfour chez

qui vous dînez, déterrant çà et là

une croûte de pain dans un tas

d'ordures et l'essuyant avant de

la manger, grattant tout le jour le

ruisseau avec un clou pour y

trouver un liard, n'ayant d'autre

amusement que le spectacle

gratis de la fête du roi et les

exécutions en Grève, cet autre

spectacle gratis ; pauvres

diables, que la faim pousse au

vol, et le vol au reste ; enfants

déshérités d'une société marâtre,

que la maison de force prend à

douze ans, le bagne à dix-huit,

l'échafaud à quarante ;

infortunés qu'avec une école et

un atelier vous auriez pu rendre

bons, moraux, utiles, et dont

vous ne savez que faire, les

versant, comme un fardeau

inutile, tantôt dans la rouge

fourmilière de Toulon, tantôt

dans le muet enclos de Clamart,

despencados das Tulherias para

Vincennes, mas a respeito do

primeiro ladrão de estrada pego,

a respeito de um desses

miseráveis que vocês mal

olham quando eles passam

perto de vocês na rua, aos quais

vocês não falam, os quais vocês

evitam instintivamente o

contato poeirento. Desgraçado

cuja infância esfarrapada correu

com os pés descalços na lama

das encruzilhadas,

encarangando no inverno à

beira dos cais, se aquecendo no

respiradouro das cozinhas do

Sr. Véfour onde vocês jantam,

desenterrando aqui e ali uma

crosta de pão em um amontoado

de lixo e o limpando antes de

comê-lo, escavando todo dia o

riacho com um prego para

encontrar ali um ceitil, tendo

apenas como diversão o

espetáculo gratuito da festa do

rei e as execuções na Grève,

este outro espetáculo gratuito.

Pobres diabos, o qual a fome

empurra ao roubo, e o roubo ao

resto. Crianças deserdadas de

uma sociedade madrasta, que a

Instituição de correção pega aos

doze anos, o trabalho forçado

aos dezoito, o cadafalso aos

quarenta. Infortunados que com

uma escola e um atelier vocês

poderiam tê-los tornado bons,

morais, úteis, com os quais

vocês não sabem o que fazer,

jogando-os, como um fardo

120

leur retranchant la vie après leur

avoir volé la liberté ; si c'eût été

à propos d'un de ces hommes

que vous eussiez proposé

d'abolir la peine de mort, oh !

alors, votre séance eût été

vraiment digne, grande, sainte,

majestueuse, vénérable. Depuis

les augustes pères de Trente,

invitant les hérétiques au concile

au nom des entrailles de Dieu,

per viscera Dei, parce qu'on

espère leur conversion, quoniam

sancta synodus sperat hoereticorum conversionem,

jamais assemblée d'hommes

n'aurait présenté au monde

spectacle plus sublime, plus

illustre et plus miséricordieux. Il

a toujours appartenu à ceux qui

sont vraiment forts et vraiment

grands d'avoir souci du faible et

du petit. Un conseil de

brahmanes serait beau prenant

en main la cause du paria. Et ici,

la cause du paria, c'était la cause

du peuple. En abolissant la peine

de mort, à cause de lui et sans

attendre que vous fussiez

intéressés dans la question, vous

faisiez plus qu'une oeuvre

politique, vous faisiez une

oeuvre sociale.

Tandis que vous n'avez

pas même fait une oeuvre

politique en essayant de l'abolir,

inútil, ora no vermelho

formigueiro de Toulon, ora no

mudo âmbito de Clamart, lhes

arrancando a vida depois de ter-

lhes roubado a liberdade. Se

tivesse sido a respeito de um

desses homens para aos quais

vocês tivessem proposto abolir

a pena de morte, oh! Então, sua

sessão teria sido realmente

digna, grande, santa, majestosa,

venerável. Desde os augustos

pais de Trente convidando os

hereges ao conselho no nome

das entranhas de Deus, per

víscera Dei, porque se espera

sua conversão, quoniam sancta synodus sperat hoereticorum

conversionem, nenhuma

assembleia de homens teria

apresentado ao mundo

espetáculo mais sublime, mais

ilustre e mais misericordioso.

Sempre pertenceu aos que são

realmente fortes e realmente

grandes a preocupação com o

fraco e com o pequeno. Um

conselho de brâmanes seria

bonito assumindo a causa do

pária. E aqui, a causa do pária

era a causa do povo. Abolindo a

pena de morte, por causa dele e

sem esperar que vocês fossem

interessados pela questão, vocês

iam fazer mais do que uma obra

política, vocês iam fazer uma

obra social.

Enquanto que vocês nem

fizeram uma obra política

tentando aboli-la, não para

121

non pour l'abolir, mais pour

sauver quatre malheureux

ministres pris la main dans le sac

des coups d'État !

Qu'est-il arrivé ? c'est

que, comme vous n'étiez pas

sincères, on a été défiant. Quand

le peuple a vu qu'on voulait lui

donner le change, il s'est fâché

contre toute la question en

masse, et, chose remarquable ! il

a pris fait et cause pour cette

peine de mort dont il supporte

pourtant tout le poids. C'est

votre maladresse qui l'a amené

là. En abordant la question de

biais et sans franchise, vous

l'avez compromise pour

longtemps. Vous jouiez une

comédie. On l'a sifflée.

Cette farce pourtant,

quelques esprits avaient eu la

bonté de la prendre au sérieux.

Immédiatement après la fameuse

séance, ordre avait été donné

aux procureurs généraux, par un

garde des sceaux honnête

homme, de suspendre

indéfiniment toutes exécutions

capitales. C'était en apparence

un grand pas. Les adversaires de

la peine de mort respirèrent.

Mais leur illusion fut de courte

durée.

Le procès des ministres

fut mené à fin. Je ne sais quel

arrêt fut rendu. Les quatre vies

furent épargnées. Ham fut choisi

comme juste milieu entre la

mort et la liberté. Ces divers

aboli-la, mas para salvar quatro

infelizes ministros pegos com a

boca na botija nos golpes de

Estado!

O que aconteceu? É que

como vocês não eram sinceros,

desconfiou-se. Quando o povo

viu que queriam lhe dar o golpe,

ele zangou-se contra toda a

questão em massa, e que coisa

extraordinária! Ele tomou

partido por esta pena de morte

da qual ele suporta, contudo,

todo o peso. É a sua falta de

jeito que o levou a isso.

Abordando a questão de traves

e sem franqueza, vocês a

compreenderam por muito

tempo. Vocês encenavam uma

comédia. Vaiaram-na.

Esta farsa, contudo,

alguns espíritos tinham tido a

bondade de levá-la a sério.

Imediatamente depois da

famosa sessão, ordem tinha sido

dada aos procuradores gerais,

por um guarda dos selos,

homem honesto, de suspender

indefinidamente todas as

execuções capitais. Era

aparentemente um grande

passo. Os adversários da pena

de morte respiraram. Mas sua

ilusão fora de curta duração.

O processo dos ministros

fora levado ao fim. Não sei qual

sentença fora dada. As quatro

vidas foram poupadas. Ham

fora escolhida como meio termo

entre a morte e a liberdade.

122

arrangements une fois faits,

toute peur s'évanouit dans

l'esprit des hommes d'état

dirigeants, et, avec la peur,

l'humanité s'en alla. Il ne fut plus

question d'abolir le supplice

capital ; et une fois qu'on n'eut

plus besoin d'elle, l'utopie

redevint utopie, la théorie,

théorie, la poésie, poésie.

Il y avait pourtant

toujours dans les prisons

quelques malheureux

condamnés vulgaires qui se

promenaient dans les préaux

depuis cinq ou six mois,

respirant l'air, tranquilles

désormais, sûrs de vivre, prenant

leur sursis pour leur grâce. Mais

attendez.

Le bourreau, à vrai dire,

avait eu grand'peur. Le jour où il

avait entendu les faiseurs de lois

parler humanité, philanthropie,

progrès, il s'était cru perdu. Il

s'était caché, le misérable, il

s'était blotti sous sa guillotine,

mal à l'aise au soleil de juillet

comme un oiseau de nuit en

plein jour, tâchant de se faire

oublier, se bouchant les oreilles

et n'osant souffler. On ne le

voyait plus depuis six mois. Il ne

donnait plus signe de vie. Peu à

peu cependant il s'était rassuré

dans ses ténèbres. Il avait écouté

du côté des Chambres et n'avait

pas entendu prononcer son nom.

Plus de ces grands mots sonores

Estes diversos arranjos, uma

vez feitos, todo medo

desaparecera no espírito dos

homens de estado dirigentes, e

com o medo, a humanidade fora

embora. Não fora mais

concebível abolir o suplício

capital, e uma vez que não mais

se precisou dela, a utopia

retornara-se utopia, a teoria,

teoria, a poesia, poesia.

Havia, contudo, ainda nas

prisões, alguns infelizes

condenados vulgares que

passeavam nos pátios por cinco

ou seis meses, respirando o ar,

tranquilos doravante, certos de

viverem, tomando sua pena

suspensa por sua graça. Mas

esperem.

O carrasco, para falar a

verdade, tinha tido mui medo. O

dia em que ele tinha ouvido os

fazedores de leis falarem

humanidade, filantropia,

progresso, ele se viu perdido. Ele

tinha se escondido, o miserável,

ele tinha se encolhido sob a

guilhotina, desconfortável sob o

sol de julho como um pássaro da

noite em pleno dia, se

encarregando de se fazer

esquecer, tapando as orelhas e

não ousando respirar. Não o

viam mais havia seis meses. Ele

não dava mais sinal de vida.

Pouco a pouco, contudo, ele

tinha se tranquilizado em suas

tênebras. Ele tinha escutado por

123

dont il avait eu si grande

frayeur. Plus de commentaires

déclamatoires du Traité des

délits et des peines. On

s'occupait de toute autre chose,

de quelque grave intérêt social,

d'un chemin vicinal, d'une

subvention pour l'Opéra-

Comique, ou d'une saignée de

cent mille francs sur un budget

apoplectique de quinze cents

millions. Personne ne songeait

plus à lui, coupe-tête. Ce que

voyant, l'homme se tranquillise,

il met sa tête hors de son trou, et

regarde de tous côtés ; il fait un

pas, puis deux, comme je ne sais

plus quelle souris de La

Fontaine, puis il se hasarde à

sortir tout à fait de dessous son

échafaudage, puis il saute

dessus, le raccommode, le

restaure, le fourbit, le caresse, le

fait jouer, le fait reluire, se remet

à suifer la vieille mécanique

rouillée que l'oisiveté

détraquait ; tout à coup il se

retourne, saisit au hasard par les

cheveux dans la première prison

venue un de ces infortunés qui

comptaient sur la vie, le tire à

lui, le dépouille, l'attache, le

boucle, et voilà les exécutions

qui recommencent.

Tout cela est affreux,

mais c'est de l'histoire.

parte das Câmaras e não tinha

ouvido pronunciar seu nome.

Nada mais daquelas grandes

palavras sonoras das quais ele

tinha tido tão grande pavor.

Nada mais daqueles comentários

declamatórios do Tratado dos

delitos e das penas. Estavam

cuidando de outras coisas, de

algum interesse social grave, de

um caminho vicinal, de uma

subvenção para a Ópera-Cômica,

ou de uma sangria de cem mil

francos em um orçamento

apoplético de mil e quinhentos

milhões. Ninguém pensava mais

nele, cortador de cabeça. Ao ver

isto, o homem se tranquiliza. Ele

coloca sua cabeça fora de seu

buraco e olha de todos os lados.

Ele dá um passo, depois dois,

como eu não sei mais qual rato

de La Fontaine, depois, ele se

arrisca a sair inteiramente de

debaixo do seu cadafalso, depois

ele salta para cima, o remenda, o

restaura, o pule, o acaricia, o faz

funcionar, o faz reluzir, se repõe

a engraxar a velha mecânica

enferrujada que a ociosidade

estragava. De repente ele se vira,

cata ao acaso pelos cabelos, na

primeira prisão trazida, um

desses infortunados que

contavam com a vida, o puxa até

ele, o despe, o amarra, o afivela

e eis as execuções que

recomeçam.

Tudo isso é pavoroso, mas

é história.

124

Oui, il y a eu un sursis de

six mois accordé à de

malheureux captifs, dont on a

gratuitement aggravé la peine de

cette façon en les faisant

reprendre à la vie ; puis, sans

raison, sans nécessité, sans trop

savoir pourquoi, pour le plaisir,

on a un beau matin révoqué le

sursis, et l'on a remis froidement

toutes ces créatures humaines en

coupe réglée. Eh ! mon Dieu ! je

vous le demande, qu'est-ce que

cela nous faisait à tous que ces

hommes vécussent ? Est-ce qu'il

n'y a pas en France assez d'air à

respirer pour tout le monde ?

Pour qu'un jour un

misérable commis de la

chancellerie, à qui cela était

égal, se soit levé de sa chaise en

disant : — Allons ! personne ne

songe plus à l'abolition de la

peine de mort. Il est temps de se

remettre à guillotiner ! — il faut

qu'il se soit passé dans le coeur

de cet homme-là quelque chose

de bien monstrueux.

Du reste, disons-le,

jamais les exécutions n'ont été

accompagnées de circonstances

plus atroces que depuis cette

révocation du sursis de juillet,

jamais l'anecdote de la Grève n'a

été plus révoltante et n'a mieux

prouvé l'exécration de la peine

de mort. Ce redoublement

d'horreur est le juste châtiment

des hommes qui ont remis le

Sim, houve uma pena

suspensa de seis meses acordada

a infelizes cativos aos quais

agravaram gratuitamente a pena

desta maneira, os fazendo

retomar à vida, depois, sem

razão, sem necessidade, sem

muito saber por que, por prazer,

revocaram em uma linda manhã

a pena suspensa e recolocaram

friamente todas essas criaturas

humanas ao abate. Ei! Meu

Deus! Eu lhos pergunto o que

isso nos faria, a todos, que estes

homens vivessem? Será que não

tem na França ar suficiente a

respirar para todo mundo?

Para que um dia um

miserável comissário da

chancelaria, a quem isto era

indiferente, tenha se levantado

de sua cadeira dizendo: —

Vamos! Ninguém pensa mais na

abolição da pena de morte. Está

na hora de recomeçar a

guilhotinar! — É preciso que

tenha passado no coração

daquele homem alguma coisa de

muito monstruoso.

De resto, digamo-lo,

jamais as execuções foram

acompanhadas de circunstâncias

mais atrozes desde esta

revocação da suspensão da pena

de julho, jamais a anedota da

Grève foi mais revoltante e

provou melhor a execração da

pena de morte. Esta repetição de

horror é o justo castigo dos

homens que recolocaram o

125

code du sang en vigueur. Qu'ils

soient punis par leur oeuvre.

C'est bien fait.

Il faut citer ici deux ou

trois exemples de ce que

certaines exécutions ont eu

d'épouvantable et d'impie. Il faut

donner mal aux nerfs aux

femmes des procureurs du roi.

Une femme, c'est quelquefois

une conscience.

Dans le midi, vers la fin

du mois de septembre dernier,

nous n'avons pas bien présents à

l'esprit le lieu, le jour, ni le nom

du condamné, mais nous les

retrouverons si l'on conteste le

fait, et nous croyons que c'est à

Pamiers ; vers la fin de

septembre donc, on vient trouver

un homme dans sa prison, où il

jouait tranquillement aux cartes ;

on lui signifie qu'il faut mourir

dans deux heures, ce qui le fait

trembler de tous ses membres,

car, depuis six mois qu'on

l'oubliait, il ne comptait plus sur

la mort ; on le rase, on le tond,

on le garrotte, on le confesse ;

puis on le brouette entre quatre

gendarmes, et à travers la foule,

au lieu de l'exécution. Jusqu'ici

rien que de simple. C'est comme

cela que cela se fait. Arrivé à

l'échafaud, le bourreau le prend

au prêtre, l'emporte, le ficelle sur

la bascule, l'enfourne, je me sers

ici du mot d'argot, puis il lâche

le couperet. Le lourd triangle de

fer se détache avec peine, tombe

código do sangue em vigor. Que

eles sejam punidos por suas

obras. Bem feito.

É preciso citar aqui dois

ou três exemplos do que certas

execuções tiveram de medonho e

de ímpio. É preciso dar nos

nervos das mulheres dos

procuradores do rei. Uma mulher

é, algumas vezes, uma

consciência.

No sul, por volta do fim

do mês do último setembro, não

temos muito presentes à mente o

lugar, o dia, nem o nome do

condenado, mas os

reencontraremos se contestarem

o fato, e acreditamos que foi em

Pamiers. Por volta, então, do fim

de setembro, vieram encontrar

um homem em sua prisão onde

ele jogava tranquilamente cartas.

Anunciam-lhe que ele deve

morrer em duas horas, o que o

faz tremer de todos seus

membros, pois, havia seis meses

que o esqueciam, ele não

contava mais com a morte. O

barbeiam, o tosam, o amarram,

escutam sua confissão, depois o

carregam em um carrinho de

mão entre quatro gendarmes, e

através da multidão, para o lugar

da execução. Até aqui apenas o

corriqueiro. É desta maneira que

isto é feito. Chegando ao

cadafalso, o carrasco o leva ao

padre, o traz, o afivela sobre a

báscula, o enforna, eu me sirvo

aqui de uma gíria, depois ele

126

en cahotant dans ses rainures, et,

voici l'horrible qui commence,

entaille l'homme sans le tuer.

L'homme pousse un cri affreux.

Le bourreau, déconcerté, relève

le couperet et le laisse retomber.

Le couperet mord le cou du

patient une seconde fois, mais ne

le tranche pas. Le patient hurle,

la foule aussi. Le bourreau

rehisse encore le couperet,

espérant mieux du troisième

coup. Point. Le troisième coup

fait jaillir un troisième ruisseau

de sang de la nuque du

condamné, mais ne fait pas

tomber la tête. Abrégeons. Le

couteau remonta et retomba cinq

fois, cinq fois il entama le

condamné, cinq fois le

condamné hurla sous le coup et

secoua sa tête vivante en criant

grâce ! Le peuple indigné prit

des pierres et se mit dans sa

justice à lapider le misérable

bourreau. Le bourreau s'enfuit

sous la guillotine et s'y tapit

derrière les chevaux des

gendarmes. Mais vous n'êtes pas

au bout. Le supplicié, se voyant

seul sur l'échafaud, s'était

redressé sur la planche, et là,

debout, effroyable, ruisselant de

sang, soutenant sa tête à demi

coupée qui pendait sur son

épaule, il demandait avec de

faibles cris qu'on vînt le

détacher. La foule, pleine de

pitié, était sur le point de forcer

les gendarmes et de venir à

larga o cutelo. O pesado

triângulo de ferro se desamarra

com dificuldade, cai sacudindo

em suas ranhuras, e eis o horror

que começa, entalha o homem

sem matá-lo. O homem solta um

grito pavoroso. O carrasco,

desconcertado, relevanta o cutelo

e o deixa recair. O cutelo morde

o pescoço do paciente uma

segunda vez, mas não o decepa.

O paciente berra, a multidão

também. O carrasco reergue

novamente o cutelo esperando

melhor do terceiro golpe. Pausa.

O terceiro golpe faz jorrar um

terceiro rio de sangue da nuca do

condenado, mas não faz cair a

cabeça. Abreviemos. O facão

resubira e recaíra cinco vezes,

cinco vezes ele estraçalhara o

condenado, cinco vezes o

condenado berrara sob o golpe e

sacudira sua cabeça viva

gritando graça! O povo

indignado pegara pedras e se

pusera com sua justiça a lapidar

o miserável carrasco. O carrasco

fugira sob a guilhotina e ali se

encolhera atrás dos cavalos dos

gendarmes. Mas vocês não

sabem o final. O suplicado se

vendo sozinho sobre o cadafalso,

tinha se endireitado sobre a

tábua, e ali, em pé, horrível,

escorrendo sangue, segurando

sua cabeça semicortada que caía

sobre seu ombro, ele pedia com

fracos gritos que viessem o

desamarrar. A multidão, cheia de

127

l'aide du malheureux qui avait

subi cinq fois son arrêt de mort.

C'est en ce moment-là qu'un

valet du bourreau, jeune homme

de vingt ans, monte sur

l'échafaud, dit au patient de se

tourner pour qu'il le délie, et,

profitant de la posture du

mourant qui se livrait à lui sans

défiance, saute sur son dos et se

met à lui couper péniblement ce

qui lui restait de cou avec je ne

sais quel couteau de boucher.

Cela s'est fait. Cela s'est vu. Oui.

Aux termes de la loi, un

juge a dû assister à cette

exécution. D'un signe il pouvait

tout arrêter. Que faisait-il donc

au fond de sa voiture, cet

homme, pendant qu'on

massacrait un homme ? Que

faisait ce punisseur d'assassins,

pendant qu'on assassinait en

plein jour, sous ses yeux, sous le

souffle de ses chevaux, sous la

vitre de sa portière ?

Et le juge n'a pas été mis

en jugement ! et le bourreau n'a

pas été mis en jugement ! Et

aucun tribunal ne s'est enquis de

cette monstrueuse extermination

de toutes les lois sur la personne

sacrée d'une créature de Dieu !

Au dix-septième siècle, à

l'époque de barbarie du code

criminel, sous Richelieu, sous

piedade, estava a ponto de forçar

os gendarmes e de vir ajudar o

infeliz que tinha sofrido cinco

vezes sua sentença de morte. Foi

naquele momento que um

vassalo do carrasco, homem

jovem de vinte anos, sobe sobre

o cadafalso, diz ao paciente de se

virar para que ele o desate, e

aproveitando da postura do

moribundo que se entregava a

ele sem desconfiança, salta sobre

suas costas e se põe a lhe cortar

terrivelmente o que lhe restava

de pescoço com sei lá qual facão

de açougueiro. Isso aconteceu.

Isso se viu. Sim.

Nos termos da lei, um juiz

teve que assistir a esta execução.

Com um sinal, ele podia parar

tudo. O que ele fazia então

dentro de sua viatura, este

homem, enquanto que

massacravam um homem? O que

fazia este punidor de assassinos

enquanto que assassinavam em

pleno dia, sob seus olhos, sob a

respiração de seus cavalos, sob o

vidro de sua porta?

E o juiz não foi levado a

julgamento! E o carrasco não

foi levado a julgamento! E

nenhum tribunal inquiriu esta

monstruosa exterminação de

todas as leis sobre a pessoa

sagrada de uma criatura de

Deus!

No século dezessete, na

época de barbárie do código

criminal, sob Richelieu, sob

128

Christophe Fouquet, quand M.

de Chalais fut mis à mort devant

le Bouffay de Nantes par un

soldat maladroit qui, au lieu d'un

coup d'épée, lui donna trente-

quatre coups43

d'une doloire de

tonnelier, du moins cela parut-il

irrégulier au parlement de Paris .

Il y eut enquête et procès,

et si Richelieu ne fut pas puni, si

Christophe Fouquet ne fut pas

puni, le soldat le fut. Injustice

sans doute, mais au fond de

laquelle il y avait de la justice.

Ici, rien. La chose a eu

lieu après juillet, dans un temps

de douces moeurs et de progrès,

un an après la célèbre

lamentation de la Chambre sur

la peine de mort. Eh bien ! le fait

a passé absolument inaperçu.

Les journaux de Paris l'ont

publié comme une anecdote.

Personne n'a été inquiété. On a

su seulement que la guillotine

avait été disloquée exprès par

quelqu'un qui voulait nuire à l'exécuteur des hautes oeuvres.

C'était un valet du bourreau,

chassé par son maître, qui, pour

Christophe Fouquet, quando o

Sr. de Chalais, fora levado à

morte diante do Bouffay de

Nantes por um soldado

desajeitado que, no lugar de um

golpe de espada, lhe dera trinta

e quatro golpes42

com um

machado de tanoeiro. Pelo

menos isto pareceu irregular ao

Parlamento de Paris.

Houvera investigação e

processo, e se Richelieu não

fora punido, se Christophe

Fouquet não fora punido, o

soldado o fora. Injustiça sem

dúvida, mas dentro da qual

havia justiça.

Aqui, nada. A coisa

aconteceu depois de julho, em

um tempo de doces costumes e

de progresso, um ano depois da

célebre lamentação da Câmara

sobre a pena de morte. Pois

bem! O fato passou

absolutamente desapercebido.

Os jornais de Paris o publicaram

como uma anedota. Ninguém

ficou preocupado. Soube-se

somente que a guilhotina tinha

sido deslocada de propósito por

alguém que queria destruir o

executor das grandes obras. Era

um vassalo do carrasco, expulso

43

La Porte dit vingt-deux, mais Aubery dit trente-quatre. M. de Chalais cria

jusqu'au vingtième. 43

A Porta diz vinte e dois. Aubery diz trinta e quatro. O Sr. de Chalais critara

até o vigésimo.

129

se venger, lui avait fait cette

malice.

Ce n'était qu'une

espièglerie. Continuons.

A Dijon, il y a trois mois,

on a mené au supplice une

femme. (Une femme !) Cette

fois encore, le couteau du

docteur Guillotin a mal fait son

service. La tête n'a pas été tout à

fait coupée. Alors les valets de

l'exécuteur se sont attelés aux

pieds de la femme, et à travers

les hurlements de la

malheureuse, et à force de

tiraillements et de soubresauts,

ils lui ont séparé la tête du corps

par arrachement.

Paris, nous revenons au

temps des exécutions secrètes.

Comme on n'ose plus décapiter

en Grève depuis juillet, comme

on a peur, comme on est lâche,

voici ce qu'on fait. On a pris

dernièrement à Bicêtre un

homme, un condamné à mort, un

nommé Désandrieux, je crois ;

on l'a mis dans une espèce de

panier traîné sur deux roues, clos

de toutes parts, cadenassé et

verrouillé ; puis, un gendarme en

tête, un gendarme en queue, à

petit bruit et sans foule, on a été

déposer le paquet à la barrière

déserte de Saint-Jacques.

Arrivés là, il était huit heures du

matin, à peine jour, il y avait une

guillotine toute fraîche dressée

et pour public quelque douzaine

pelo seu senhor, que para se

vingar lhe tinha feito esta

malícia.

Era apenas uma

travessura. Continuemos.

Em Dijon, faz três meses,

levaram ao suplício uma

mulher. (Uma mulher!) Desta

vez também, o facão do doutor

Guillotin fez mal seu serviço. A

cabeça não foi totalmente

cortada. Então os vassalos do

executor se juntaram aos pés da

mulher e, entre os berros da

infeliz e de tantos puxões e

sacudidas, eles lhe separaram a

cabeça do corpo por

arrancamento.

Paris, nós voltamos no

tempo das execuções secretas.

Como não se ousa mais

decapitar na Grève desde julho,

como se tem medo, como se é

covarde, eis o que fazem.

Pegaram recentemente em

Bicêtre um homem, um

condenado à morte nomeado

Désandrieux, eu acho.

Colocaram-no em uma espécie

de cesto arrastado sobre duas

rodas, trancado por todos os

lados, encadeado e trancafiado.

Depois, um gendarme na frente,

um gendarme atrás, sem barulho

e sem multidão, foram depositar

o pacote na barreira deserta de

Saint-Jacques. Chegando lá,

eram oito horas da manhã, mal

tinha amanhecido, havia uma

130

de petits garçons groupés sur les

tas de pierres voisins autour de

la machine inattendue ; vite, on

a tiré l'homme du panier, et, sans

lui donner le temps de respirer,

furtivement, sournoisement,

honteusement, on lui a escamoté

sa tête. Cela s'appelle un acte

public et solennel de haute

justice. Infâme dérision !

Comment donc les gens

du roi comprennent-ils le mot

civilisation ? Où en sommes-

nous ? La justice ravalée aux

stratagèmes et aux supercheries !

la loi aux expédients !

monstrueux !

C'est donc une chose bien

redoutable qu'un condamné à

mort, pour que la société le

prenne en traître de cette façon !

Soyons juste pourtant,

l'exécution n'a pas été tout à fait

secrète. Le matin on a crié et

vendu comme de coutume l'arrêt

de mort dans les carrefours de

Paris. Il paraît qu'il y a des gens

qui vivent de cette vente. Vous

entendez ? du crime d'un

infortuné, de son châtiment, de

ses tortures, de son agonie, on

fait une denrée, un papier qu'on

vend un sou. Concevez-vous

rien de plus hideux que ce sou,

vertdegrisé dans le sang ? Qui

est-ce donc qui le ramasse ?

guilhotina fresquinha erguida e

quanto ao público, uma dúzia de

garotinhos agrupados sobre uns

montes de pedras vizinhas em

volta da máquina inesperada.

Rapidamente, tiraram o homem

do cesto, sem lhe dar o tempo

de respirar, furtivamente,

maldosamente,

vergonhosamente, lhe

escamotearam sua cabeça. Isso

se chama um ato público e

solene do Supremo Tribunal de

Justiça. Infame zombaria!

Como então os homens

do rei compreendem a palavra

civilização? Onde estamos? A

justiça reengolida nos

estratagemas e nas trapaças! A

lei nos expedientes!

Monstruoso!

É então uma coisa muito

temível, um condenado à morte,

para que a sociedade o apunhale

pelas costas desta maneira!

Sejamos justos, portanto.

A execução não foi totalmente

secreta. Pela manhã, gritou-se e

vendeu-se como de costume a

sentença de morte nos

cruzamentos de Paris. Parece

que há pessoas que vivem desta

venda. Vocês estão escutando?

Do crime de um infortunado, do

seu castigo, das suas torturas, da

sua agonia, faz-se uma

mercadoria, um papel que se

vende a um tostão. Vocês

concebem algo mais hediondo

que este tostão, verde

131

Voilà assez de faits. En

voilà trop. Est-ce que tout cela

n'est pas horrible ? Qu'avez-vous

à alléguer pour la peine de

mort ?

Nous faisons cette

question sérieusement : nous la

faisons pour qu'on y réponde ;

nous la faisons aux

criminalistes, et non aux lettrés

bavards. Nous savons qu'il y a

des gens qui prennent

l'excellence de la peine de mort

pour texte à paradoxe comme

tout autre thème. Il y en d'autres

qui n'aiment la peine de mort

que parce qu'ils haïssent tel ou

tel qui l'attaque. C'est pour eux

une question quasi littéraire, une

question de personnes, une

question de noms propres. Ceux-

là sont les envieux, qui ne font

pas plus faute aux bons

jurisconsultes qu'aux grands

artistes. Les Joseph Grippa ne

manquent pas plus aux

Filangieri que les Torregiani aux

Michel-Ange et les Scudéry aux

Corneille.

Ce n'est pas à eux que

nous nous adressons, mais aux

hommes de loi proprement dits,

aux dialecticiens, aux

raisonneurs, à ceux qui aiment la

peine de mort pour la peine de

mort, pour sa beauté, pour sa

bonté, pour sa grâce.

Voyons, qu'ils donnent

acinzentado no sangue? Quem é

então que o junta?

Eis aqui, fatos

suficientes. Eis aqui, muitos!

Será que tudo isso não é

horrível? O que vocês têm a

alegar sobre a pena de morte?

Nós fazemos esta

pergunta seriamente. Nós a

fazemos para que respondam a

isso: nós a fazemos aos

criminalistas, e não aos letrados

tagarelas. Sabemos que há

pessoas que tomam a excelência

da pena de morte como texto

paradoxal como qualquer outro

tema. Há outras que gostam da

pena de morte apenas porque

detestam este ou aquele que a

ataca. É para eles uma questão

quase literária, uma questão de

pessoas, uma questão de nomes

próprios. Estes aí são os

invejosos, que não cometem

mais erros com os bons

jurisconsultos do que com os

grandes artistas. Os Joseph

Grippa não fazem mais falta aos

Filangieri do que os Torregiani

aos Michel-Ange e os Scudéry

aos Corneille.

Não é a eles a quem nos

dirigimos, mas aos homens da

lei propriamente ditos, aos

dialéticos, aos argumentadores,

aos que amam a pena de morte

pela pena de morte, por sua

beleza, por sua bondade, por sua

graça.

Vejamos como eles se

132

leurs raisons.

Ceux qui jugent et qui

condamnent disent la peine de

mort nécessaire. D'abord, - parce

qu'il importe de retrancher de la

communauté sociale un membre

qui lui a déjà nui et qui pourrait

lui nuire encore. - S'il ne

s'agissait que de cela, la prison

perpétuelle suffirait. À quoi bon

la mort ? Vous objectez qu'on

peut s'échapper d'une prison ?

faites mieux votre ronde. Si vous

ne croyez pas à la solidité des

barreaux de fer, comment osez-

vous avoir des ménageries ?

Pas de bourreau où le

geôlier suffit.

Mais, reprend-on, - il faut

que la société se venge, que la

société punisse. - Ni l'un, ni

l'autre. Se venger est de

l'individu, punir est de Dieu.

La société est entre deux.

Le châtiment est au-dessus

d'elle, la vengeance au-dessous.

Rien de si grand et de si petit ne

lui sied. Elle ne doit pas « punir

pour se venger » ; elle doit

corriger pour améliorer.

Transformez de cette façon la

formule des criminalistes, nous

la comprenons et nous y

adhérons.

Reste la troisième et

dernière raison, la théorie de

l'exemple. — Il faut faire des

exemples ! il faut épouvanter par

le spectacle du sort réservé aux

criminels ceux qui seraient

dão razão.

Os que julgam e que

condenam dizem necessária a

pena de morte. Primeiramente, -

porque é importante arrancar da

comunidade social um membro

que já o prejudicou e que

poderia prejudicá-lo de novo. –

Se se tratasse apenas disso, a

prisão perpétua bastaria. Para

quê a morte? Vocês objetam

que se pode escapar de uma

prisão? Façam melhor sua

ronda. Se vocês não acreditam

na solidez das barras de ferro,

como ousam vocês ter gaiolas?

Nada de carrasco onde o

carcereiro basta.

Mas, vamos retomar, - é

preciso que a sociedade se

vingue, que a sociedade puna. –

Nem um, nem outro. Se vingar

é do indivíduo, punir é de Deus.

A sociedade está entre os

dois. O castigo está acima dela,

a vingança abaixo. Nada de tão

grande e de tão pequeno lhe

convém. Ela não deve “punir

para se vingar”; ela deve

corrigir para melhorar.

Transformem desta maneira a

fórmula dos criminalistas, nós a

compreendemos e nós aderimos

a isso.

Falta a terceira e a última

razão, a teoria do exemplo. — É

preciso mostrar exemplos! É

preciso aterrorizar com o

espetáculo do destino reservado

aos criminosos os que seriam

133

tentés de les imiter ! — Voilà

bien à peu près textuellement la

phrase éternelle dont tous les

réquisitoires des cinq cents

parquets de France ne sont que

des variations plus ou moins

sonores. Eh bien ! nous nions

d'abord qu'il y ait exemple. Nous

nions que le spectacle des

supplices produise l'effet qu'on

en attend. Loin d'édifier le

peuple, il le démoralise, et ruine

en lui toute sensibilité, partant

toute vertu. Les preuves

abondent, et encombreraient

notre raisonnement si nous

voulions en citer. Nous

signalerons pourtant un fait entre

mille, parce qu'il est le plus

récent. Au moment où nous

écrivons, il n'a que dix jours de

date. Il est du 5 mars, dernier

jour du carnaval. A Saint-Pol,

immédiatement après l'exécution

d'un incendiaire nommé Louis

Camus, une troupe de masques

est venue danser autour de

l'échafaud encore fumant. Faites

donc des exemples ! le mardi

gras vous rit au nez.

Que si, malgré

l'expérience, vous tenez à votre

théorie routinière de l'exemple,

alors rendez-nous le seizième

siècle, soyez vraiment

formidables, rendez-nous la

variété des supplices, rendez-

nous Farinacci, rendez-nous les

tentados a imitá-los! — Eis aqui

quase textualmente a frase

eterna a qual todos os

requisitórios dos quinhentos

tribunais da França são apenas

variações mais ou menos

sonoras. Pois bem! Negamos

primeiramente que tenha um

exemplo. Negamos que o

espetáculo das súplicas produza

o efeito que se espera disso.

Longe de edificar o povo, ele o

desmoraliza e arruína nele toda

sensibilidade, indo embora toda

virtude. As provas abundam e

congestionariam nosso

raciocínio se nós quiséssemos

citá-las. Assinalaremos,

contudo, um fato entre mil

porque ele é o mais recente. No

momento em que escrevemos,

faz apenas dez dias. Ele é do dia

5 de março, último dia de

carnaval. Em Saint-Pol,

imediatamente depois da

execução de um incendiário

nomeado Louis Camus, uma

tropa de máscaras veio dançar

envolta do cadafalso ainda

fumegante. Mostrem então

exemplos! A terça-feira gorda ri

no seu nariz.

E se, apesar da

experiência, vocês se afeiçoem

à sua teoria rotineira do

exemplo, então, devolvam-nos o

século dezesseis. Sejam

realmente formidáveis.

Devolvam-nos a variedade dos

suplícios, devolvam-nos

134

tourmenteurs-jurés, rendez-nous

le gibet, la roue, le bûcher,

l'estrapade, l'essorillement,

l'écartèlement, la fosse à enfouir

vif, la cuve à bouillir vif ;

rendez-nous, dans tous les

carrefours de Paris, comme une

boutique de plus ouverte parmi

les autres, le hideux étal du

bourreau, sans cesse garni de

chair fraîche. Rendez-nous

Montfaucon, ses seize piliers de

pierre, ses brutes assises, ses

caves à ossements, ses poutres,

ses crocs, ses chaînes, ses

brochettes de squelettes, son

éminence de plâtre tachetée de

corbeaux, ses potences

succursales, et l'odeur du

cadavre que par le vent du nord-

est il répand à larges bouffées

sur tout le faubourg du Temple.

Rendez-nous dans sa

permanence et dans sa puissance

ce gigantesque appentis du

bourreau de Paris. A la bonne

heure ! Voilà de l'exemple en

grand. Voilà de la peine de mort

bien comprise. Voilà un système

de supplices qui a quelque

proportion. Voilà qui est

horrible, mais qui est terrible.

Ou bien faites comme en

Angleterre. En Angleterre, pays

de commerce, on prend un

contrebandier sur la côte de

Douvres, on le pend pour

l'exemple, pour l'exemple on le

Farinacci, devolvam-nos os

executores de alta justiça,

devolvam-nos a forca, a roda, a

fogueira, a estrapada, a

ressecção da orelha, o esticador,

a cova de enterrar vivos, o

tanque de ferver vivos.

Devolvam-nos, em todas as

encruzilhadas de Paris, como

uma butique mais aberta entre

as outras, a hedionda tenda do

carrasco, sempre garnida de

carne fresca. Devolvam-nos

Montfaucon, seus dezesseis

pilares de pedra, suas brutas

bases, suas covas de ossos, suas

vigas, seus ganchos, suas

correntes, seus espetos de

esqueletos, sua eminência de

gesso salpicada de corvos, suas

potências sucursais e o odor do

cadáver que pelo vento do

nordeste se espalha em largas

baforadas em todo subúrbio do

Templo. Devolvam-nos, na sua

permanência e no seu poder este

gigantesco alpendre do carrasco

de Paris. Na hora certa! Eis aqui

exemplo em demasia. Eis aqui

pena de morte bem

compreendida. Eis um sistema

de suplícios que tem alguma

proporção. Eis o que é horrível,

mas que é incrível.

Ou então façam como na

Inglaterra. Na Inglaterra, país de

comércio, se pega um

contrabandista na costa de

Douvres, enforcam-no como

exemplo. Como exemplo,

135

laisse accroché au gibet ; mais,

comme les intempéries de l'air

pourraient détériorer le cadavre,

on l'enveloppe soigneusement

d'une toile enduite de goudron,

afin d'avoir à le renouveler

moins souvent. Ô terre

d'économie ! goudronner les

pendus !

Cela pourtant a encore

quelque logique. C'est la façon

la plus humaine de comprendre

la théorie de l'exemple.

Mais vous, est-ce bien

sérieusement que vous croyez

faire un exemple quand vous

égorgillez misérablement un

pauvre homme dans le recoin le

plus désert des boulevards

extérieurs ? En Grève, en plein

jour, passe encore ; mais à la

barrière Saint-Jacques ! mais à

huit heures du matin ! Qui est-ce

qui passe là ? Qui est-ce qui va

là ? Qui est-ce qui sait que vous

tuez un homme là ? Qui est-ce

qui se doute que vous faites un

exemple là ? Un exemple pour

qui ? Pour les arbres du

boulevard, apparemment.

Ne voyez-vous donc pas

que vos exécutions publiques se

font en tapinois ? Ne voyez-vous

donc pas que vous vous cachez ?

Que vous avez peur et honte de

votre oeuvre ? Que vous

balbutiez ridiculement

votre discite justitiam moniti ?

Qu'au fond vous êtes ébranlés,

deixam-no pendurado na forca.

Mas como as intempéries do ar

poderiam deteriorar o cadáver,

envolvem-no cuidadosamente

em um tecido revestido de

alcatrão a fim de ter que renová-

lo com menos frequência. Ó

terra de economia! Alcatroar os

enforcados!

Isto, contudo, tem ainda

alguma lógica. É a maneira

mais humana de compreender a

teoria do exemplo.

Mas vocês, é realmente

sério que vocês acreditam

mostrar exemplo quando vocês

cortam miseravelmente o

pescoço de um pobre homem no

recanto mais deserto dos

bulevares exteriores? Em

Grève, em pleno dia, ainda vai.

Mas na barreira Saint-Jacques!

Mas às oito horas da manhã!

Quem passa lá? Quem vai lá?

Quem é que sabe que vocês

estão matando um homem lá?

Quem imagina que vocês estão

mostrando um exemplo lá? Um

exemplo para quem? Para as

árvores do bulevar,

aparentemente.

Vocês então não veem

que suas execuções públicas são

feitas clandestinamente? Vocês

então não veem que vocês se

escondem? Que vocês têm

medo e vergonha de sua obra?

Que vocês balbuciam

ridiculamente sua discite

justitiam moniti? Que no fundo

136

interdits, inquiets, peu certains

d'avoir raison, gagnés par le

doute général, coupant des têtes

par routine et sans trop savoir ce

que vous faites ? Ne sentez-vous

pas au fond du coeur que vous

avez tout au moins perdu le

sentiment moral et social de la

mission de sang que vos

prédécesseurs, les vieux

parlementaires, accomplissaient

avec une conscience si

tranquille ? La nuit, ne

retournez-vous pas plus souvent

qu'eux la tête sur votre oreiller ?

D'autres avant vous ont ordonné

des exécutions capitales, mais ils

s'estimaient dans le droit, dans le

juste, dans le bien. Jouvenel des

Ursins se croyait un juge ; Élie

de Thorrette se croyait un juge ;

Laubardemont, La Reynie et

Laffemas eux-mêmes se

croyaient des juges ; vous, dans

votre for intérieur, vous n'êtes

pas bien sûrs de ne pas être des

assassins !

Vous quittez la Grève

pour la barrière Saint-Jacques, la

foule pour la solitude, le jour

pour le crépuscule. Vous ne

faites plus fermement ce que

vous faites. Vous vous cachez,

vous dis-je !

Toutes les raisons pour la

peine de mort, les voilà donc

démolies. Voilà tous les

syllogismes de parquets mis à

vocês estão destabilizados,

ilegais, inquietos, pouco certos

de ter razão, ganhos pela dúvida

geral, cortando cabeças por

rotina e sem muito saber o que

estão fazendo? Vocês não

sentem no fundo do coração que

vocês no mínimo perderam o

sentimento moral e social da

missão de sangue que seus

antecessores, os velhos

parlamentares realizavam com

uma consciência tão tranquila?

À noite, vocês não viram com

mais frequência do que eles a

cabeça sobre seu travesseiro?

Outros antes de vocês

ordenaram execuções capitais,

mas eles se estimavam estar no

direito, na certeza, no bem.

Jouvenel des Ursins acreditava

ser um juiz; Élie de Thorrette

acreditava ser um juiz;

Laubardemont, La Reynie e

Laffemas, eles mesmos

acreditavam ser juízes. Vocês,

em seu foro interno, não estão

bem certos de não serem

assassinos!

Vocês deixam a Grève

pela barreira Saint-Jacques, a

multidão pela isolação, o dia

pelo crepúsculo. Vocês não

fazem mais firmemente o que

vocês fazem. Vocês se

escondem, eu lhes digo!

Todas as razões para a

pena de morte, ei-las assim

demolidas. Eis aqui todos os

silogismos de tribunais

137

néant. Tous ces copeaux de

réquisitoires, les voilà balayés et

réduits en cendres. Le moindre

attouchement de la logique

dissout tous les mauvais

raisonnements.

Que les gens du roi ne

viennent donc plus nous

demander des têtes, à nous jurés,

à nous hommes, en nous

adjurant d'une voix caressante

au nom de la société à protéger,

de la vindicte publique à assurer,

des exemples à faire.

Rhétorique, ampoule, et néant

que tout cela ! un coup d'épingle

dans ces hyperboles, et vous les

désenflez. Au fond de ce

doucereux verbiage, vous ne

trouvez que dureté de coeur,

cruauté, barbarie, envie de

prouver son zèle, nécessité de

gagner ses honoraires. Taisez-

vous, mandarins ! Sous la patte

de velours du juge on sent les

ongles du bourreau.

Il est difficile de songer

de sang-froid à ce que c'est

qu'un procureur royal criminel.

C'est un homme qui gagne sa vie

à envoyer les autres à l'échafaud.

C'est le pourvoyeur titulaire des

places de Grève. Du reste, c'est

un monsieur qui a des

prétentions au style et aux

lettres, qui est beau parleur ou

croit l'être, qui récite au besoin

un vers latin ou deux avant de

conclure à la mort, qui cherche à

faire de l'effet, qui intéresse son

fulminado. Todos esses

estilhaços de requisitórios, ei-

los varridos e reduzidos em

cinzas. O mínimo toque da

lógica dissolve todos os maus

raciocínios.

Que os homens do rei

não venham mais então nos

pedir cabeças, a nós jurados, a

nós homens, nos adjurando com

uma voz afetuosa em nome da

sociedade a proteger, da

vindicta pública a assegurar,

exemplos a mostrar. Retórico,

pedante e vazio tudo isto! Uma

alfinetada nessas hipérboles, e

vocês as esvaziam. No fundo

deste doce palavreado, vocês só

encontram dureza de coração,

crueldade, barbárie, vontade de

provar seu zelo, necessidade de

ganhar seus honorários. Calem-

se, sabichões! Sob a pata de

veludo do juiz, sentimos as

unhas do carrasco.

É difícil de pensar de

sangue-frio o que é um

procurador criminalista do Rei.

É um homem que ganha sua

vida enviando os outros ao

cadafalso. É o provedor titular

das praças da Grève. De resto, é

um senhor que tem pretensões

ao estilo e às letras, que é

palrador ou acredita sê-lo, que

recita, se preciso, um verso

latim ou dois antes de induzir à

morte, que procura causar

efeito, que cultiva seu amor

138

amour-propre, ô misère ! là où

d'autres ont leur vie engagée, qui

a ses modèles à lui, ses types

désespérants à atteindre, ses

classiques, son Bellart, son

Marchangy, comme tel poète a

Racine et tel autre Boileau. Dans

le débat, il tire du côté de la

guillotine, c'est son rôle, c'est

son état. Son réquisitoire, c'est

son oeuvre littéraire, il le fleurit

de métaphores, il le parfume de

citations, il faut que cela soit

beau à l'audience, que cela

plaise aux dames. Il a son

bagage de lieux communs

encore très neufs pour la

province, ses élégances

d'élocution, ses recherches, ses

raffinements d'écrivain. Il hait le

mot propre presque autant que

nos poètes tragiques de l'école

de Delille. N'ayez pas peur qu'il

appelle les choses par leur nom.

Fi donc ! Il a pour toute idée

dont la nudité vous révolterait

des déguisements complets

d'épithètes et d'adjectifs. Il rend

M. Samson présentable. Il gaze

le couperet. Il estompe la

bascule. Il entortille le panier

rouge dans une périphrase. On

ne sait plus ce que c'est. C'est

douceâtre et décent. Vous le

représentez-vous, la nuit, dans

son cabinet, élaborant à loisir et

de son mieux cette harangue qui

fera dresser un échafaud dans

six semaines ? Le voyez-vous

suant sang et eau pour emboîter

próprio, ó miséria! Aqui onde

outros têm sua vida engajada,

ele tem seus próprios modelos,

seus ideais desesperadores a

alcançar, seus clássicos, seu

Bellart, seu Marchancy, como

um poeta tem Racine e outro

Boileau. No debate, ele puxa

para o lado da guilhotina, é seu

papel, é seu estado. Seu

requisitório é sua obra literária,

ele o floresce com metáforas,

ele o perfuma com citações. É

preciso que isto fique bonito na

audiência, que isto agrade às

senhoras. Ele tem sua bagagem

de lugares comuns ainda bem

novos para a província, suas

elegâncias de elocução, suas

pesquisas, seus refinamentos de

escritor. Ele odeia a palavra

própria quase tanto quanto

nossos poetas trágicos da escola

de Delille. Não tenham medo

que ele chame as coisas pelo

seu nome. Nossa! Ele tem para

cada ideia cuja nudez os

revoltaria dos disfarces

completos de epítetos e

adjetivos. Ele torna o Sr.

Samson apresentável. Ele

suaviza o cutelo. Ele atenua a

báscula. Ele enrola o cesto

vermelho em uma perifrase.

Não se sabe mais o que é. É

adocicado e decente. Vocês o

imaginam à noite em seu

escritório, elaborando a seu bel-

prazer e dando o seu melhor,

este discurso que fará erguer um

139

la tête d'un accusé dans le plus

fatal article du code ? Le voyez-

vous scier avec une loi mal faite

le cou d'un misérable ?

Remarquez-vous comme il fait

infuser dans un gâchis de tropes

et de synecdoches deux ou trois

textes vénéneux pour en

exprimer et en extraire à grand-

peine la mort d'un homme ?

N'est-il pas vrai que, tandis qu'il

écrit, sous sa table, dans l'ombre,

il a probablement le bourreau

accroupi à ses pieds, et qu'il

arrête de temps en temps sa

plume pour lui dire, comme le

maître à son chien : — Paix là !

paix là ! tu vas avoir ton os !

Du reste, dans la vie

privée, cet homme du roi peut

être un honnête homme, bon

père, bon fils, bon mari, bon

ami, comme disent toutes les

épitaphes du Père-Lachaise.

Espérons que le jour est

prochain où la loi abolira ces

fonctions funèbres. L'air seul de

notre civilisation doit dans un

temps donné user la peine de

mort.

On est parfois tenté de

croire que les défenseurs de la

peine de mort n'ont pas bien

réfléchi à ce que c'est. Mais

cadafalso em seis semanas?

Vocês o veem suando sangue e

água para encaixar a cabeça de

um acusado no mais fatal artigo

do código? Vocês o veem serrar

com uma lei mal feita o pescoço

de um miserável? Vocês

reparam como ele faz infundir

em um desperdício de

expressões e de sinédoques dois

ou três textos venenosos para

exprimir e extrair disso com

mui dificuldade a morte de um

homem? Não é verdade que

enquanto ele escreve, sob sua

mesa, no escuro, ele tem

provavelmente com o carrasco

acocorado a seus pés, e que ele

para de tempos em tempos sua

pena para lhe dizer, como o

dono ao seu cachorro: — Calma

lá! Calma lá! Tu vais ganhar teu

osso!

De resto, na vida privada,

este homem do rei pode ser um

homem honesto, bom pai, bom

filho, bom marido, bom amigo,

como dizem todos os epitáfios

do Père-Lachaise.

Esperemos que esteja

próximo o dia em que a lei

abolirá estas funções fúnebres.

O único tema de nossa

civilização deve em um dado

momento destruir a pena de

morte.

Somos às vezes tentados

a acreditar que os defensores da

pena de morte não refletiram

bem o que é isto. Mas pesem

140

pesez donc un peu à la balance

de quelque crime que ce soit ce

droit exorbitant que la société

s'arroge d'ôter ce qu'elle n'a pas

donné, cette peine, la plus

irréparable des peines

irréparables !

De deux choses l'une :

Ou l'homme que vous

frappez est sans famille, sans

parents, sans adhérents dans ce

monde. Et dans ce cas, il n'a

reçu ni éducation, ni instruction,

ni soins pour son esprit, ni soins

pour son coeur ; et alors de quel

droit tuez-vous ce misérable

orphelin ? Vous le punissez de

ce que son enfance a rampé sur

le sol sans tige et sans tuteur !

Vous lui imputez à forfait

l'isolement où vous l'avez

laissé ! De son malheur vous

faites son crime ! Personne ne

lui a appris à savoir ce qu'il

faisait. Cet homme ignore. Sa

faute est à sa destinée, non à lui.

Vous frappez un innocent.

Ou cet homme a une

famille ; et alors croyez-vous

que le coup dont vous l'égorgez

ne blesse que lui seul ? que son

père, que sa mère, que ses

enfants, n'en saigneront pas ?

Non. En le tuant, vous décapitez

toute sa famille. Et ici encore

vous frappez des innocents.

então um pouco na balança de

qualquer crime que seja este

direito exorbitante que a

sociedade se arroga de tirar o

que ela não deu, esta pena, a

mais irreparável das penas

irreparáveis!

De duas coisas, uma:

Ou o homem que vocês

abatem é sem família, sem pais,

sem aderentes neste mundo. E

neste caso, ele não recebeu nem

educação, nem instrução, nem

cuidados para seu espírito, nem

cuidados para seu coração. E

então, com qual direito vocês

matam este miserável órfão?

Vocês o punem com aquilo que

sua infância rastejou sobre o

solo sem caule nem estaca!

Vocês lhe imputam por tabela o

isolamento onde vocês o

deixaram! De sua desgraça

vocês fazem seu crime!

Ninguém lhe ensinou a

compreender o que ele fazia.

Este homem ignora. Seu erro é

do seu destino, não dele. Vocês

abatem um inocente.

Ou este homem tem uma

família. Então vocês acreditam

que o golpe com o qual vocês

lhe cortam o pescoço só

machuca a ele apenas? Que seu

pai, que sua mãe, que seus

filhos não sangrarão por isso?

Não. Matando-o, vocês

decapitam toda sua família. E

aqui mais uma vez vocês

abatem inocentes.

141

Gauche et aveugle

pénalité, qui, de quelque côté

qu'elle se tourne, frappe

l'innocent !

Cet homme, ce coupable

qui a une famille, séquestrez-le.

Dans sa prison, il pourra

travailler encore pour les siens.

Mais comment les fera-t-il vivre

du fond de son tombeau ? Et

songez-vous sans frissonner à ce

que deviendront ces petits

garçons, ces petites filles,

auxquelles vous ôtez leur père,

c'est-à-dire leur pain ? Est-ce

que vous comptez sur cette

famille pour approvisionner

dans quinze ans, eux le bagne,

elles le musico ? Oh ! les

pauvres innocents !

Aux colonies, quand un

arrêt de mort tue un esclave, il y

a mille francs d'indemnité pour

le propriétaire de l'homme.

Quoi ! vous dédommagez le

maître, et vous n'indemnisez pas

la famille ! Ici aussi ne prenez-

vous pas un homme à ceux qui

le possèdent ? N'est-il pas, à un

titre bien autrement sacré que

l'esclave vis-à-vis du maître, la

propriété de son père, le bien

desa femme, la chose de ses

enfants ?

Nous avons déjà

convaincu votre loi d'assassinat.

La voici convaincue de vol.

Autre chose encore.

L'âme de cet homme, y songez-

Infeliz e cega penalidade

que, de qualquer lado que ela

gire, abate um inocente!

Este homem, este

culpado que tem uma família,

sequestrem-no. Em sua prisão,

ele poderá trabalhar ainda pelos

seus. Mas como ele os fará

viver do fundo de seu túmulo?

E vocês pensam sem se arrepiar

no que tornarão estes

garotinhos, estas garotinhas das

quais vocês tiram o pai, ou seja,

seu pão? Será que vocês contam

com esta família para abastecer

em quinze anos, eles o trabalho

forçado, elas o café de baixo

nível? Oh! Pobres inocentes!

Nas colônias, quando

uma sentença de morte mata um

escravo, há mil francos de

indenização para o proprietário

do homem. O quê! Vocês

recompensam o dono e vocês

não indenizam a família! Aqui

também vocês não tomam um

homem daqueles que o

possuem? Não é ele, a um título

bem mais sagrado do que o

escravo face ao dono, a

propriedade de seu pai, o bem

de sua mulher, o pertence dos

seus filhos?

Nós já demonstramos sua

lei de assassinato. Ei-la

demonstrada de roubo.

Outra coisa ainda. A

alma deste homem, vocês

142

vous ? Savez-vous dans quel état

elle se trouve ? Osez-vous bien

l'expédier si lestement ?

Autrefois du moins, quelque foi

circulait dans le peuple ; au

moment suprême, le souffle

religieux qui était dans l'air

pouvait amollir le plus endurci ;

un patient était en même temps

un pénitent ; la religion lui

ouvrait un monde au moment où

la société lui en fermait un

autre ; toute âme avait

conscience de Dieu ; l'échafaud

n'était qu'une frontière du ciel.

Mais quelle espérance mettez-

vous sur l'échafaud maintenant

que la grosse foule ne croit

plus ? maintenant que toutes les

religions sont attaquées du dry-

rot, comme ces vieux vaisseaux

qui pourrissent dans nos ports, et

qui jadis peut-être ont découvert

des mondes ? maintenant que les

petits enfants se moquent de

Dieu ? De quel droit lancez-vous

dans quelque chose dont vous

doutez vous-mêmes les âmes

obscures de vos condamnés, ces

âmes telles que Voltaire et M.

Pigault-Lebrun les ont faites ?

Vous les livrez à votre aumônier

de prison, excellent vieillard

sans doute ; mais croit-il et fait-

il croire ? Ne grossoie-t-il pas

comme une corvée son oeuvre

sublime ? Est-ce que vous le

prenez pour un prêtre, ce

bonhomme qui coudoie le

bourreau dans la charrette ? Un

pensam nisso? Vocês sabem em

qual estado ela se encontra?

Vocês ousam expedi-la tão

rapidamente? Outrora pelo

menos, alguma fé circulava no

povo. No momento supremo, o

sopro religioso que estava no ar

podia amolecer o mais

empedernido. Um paciente era

ao mesmo tempo um penitente.

A religião lhe abria um mundo

no momento em que a

sociedade lhe fechava outro.

Toda alma tinha consciência de

Deus. O cadafalso era somente

uma fronteira do céu. Mas qual

esperança vocês colocam sobre

o cadafalso agora que a grande

multidão não acredita mais?

Agora que todas as religiões são

atacadas com o dry-rot, como

esses velhos navios que

apodrecem em nossos portos e

que outrora talvez se descobriu

mundos? Agora que as

criancinhas debocham de Deus?

Com qual direito vocês lançam

em alguma coisa, da qual vocês

mesmos duvidam, as almas

obscuras de seus condenados,

estas almas tais como Voltaire e

o Sr. Pigault-Lebrun as fizeram?

Vocês os entregam a seu

capelão prisional, excelente

velhote sem dúvida. Mas ele crê

e ele faz crer? Ele não

subscreve como uma tarefa sua

obra sublime? Será que vocês o

tomam por um padre, este bom

homem que encosta no carrasco

143

écrivain plein d'âme et de talent

l'a dit avant nous : C'est une

horrible chose de conserver le

bourreau après avoir ôté le confesseur !

Ce ne sont là, sans doute,

que des « raisons

sentimentales », comme disent

quelques dédaigneux qui ne

prennent leur logique que dans

leur tête. A nos yeux, ce sont les

meilleures. Nous préférons

souvent les raisons du sentiment

aux raisons de la raison.

D'ailleurs les deux séries se

tiennent toujours, ne l'oublions

pas. Le Traité des délits est

greffé sur l'Esprit des lois.

Montesquieu a engendré

Beccaria.

La raison est pour nous,

le sentiment est pour nous,

l'expérience est aussi pour nous.

Dans les états modèles, où la

peine de mort est abolie, la

masse des crimes capitaux suit

d'année en année une baisse

progressive. Pesez ceci.

Nous ne demandons

cependant pas pour le moment

une brusque et complète

abolition de la peine de mort,

comme celle où s'était si

étourdiment engagée la

Chambre des députés. Nous

désirons, au contraire, tous les

essais, toutes les précautions,

tous les tâtonnements de la

prudence. D'ailleurs, nous ne

voulons pas seulement

na carroça? Um escritor cheio

de alma e de talento o disse

antes de nós: É uma coisa

horrível conservar o carrasco depois de ter tirado o confessor!

São, sem dúvida,

apenas razões “sentimentais”,

como dizem alguns

desdenhosos que consideram

sua lógica apenas em sua

cabeça. Aos nossos olhos, são

as melhores. Nós preferimos

geralmente as razões do

sentimento às razões da razão.

Aliás, as duas séries ainda estão

ligadas, não o esqueçamos. O

Tratado dos delitos está

enxertado no Espírito das leis.

Montesquieu engendrou

Beccaria.

A razão é para nós, o

sentimento é para nós, a

experiência é também para nós.

Nos estados modelos onde a

pena de morte está abolida, a

massa dos crimes capitais segue

de ano em ano uma baixa

progressiva. Pesem isto.

Não pedimos, contudo,

por enquanto, uma brusca e

completa abolição da pena de

morte, como a que se tinha tão

impensadamente engajado a

Câmara dos deputados.

Desejamos, ao contrário, todos

os ensaios, todas as precauções,

todas as tentativas da prudência.

Aliás, não queremos apenas a

abolição da pena de morte,

queremos um remanejamento

144

l'abolition de la peine de mort,

nous voulons un remaniement

complet de la pénalité sous

toutes ses formes, du haut en

bas, depuis le verrou jusqu'au

couperet, et le temps est un des

ingrédients qui doivent entrer

dans une pareille oeuvre pour

qu'elle soit bien faite. Nous

comptons développer ailleurs,

sur cette matière, le système

d'idées que nous croyons

applicable. Mais,

indépendamment des abolitions

partielles pour le cas de fausse

monnaie, d'incendie, de vols

qualifiés, etc., nous demandons

que dès à présent, dans toutes les

affaires capitales, le président

soit tenu de poser au jury cette

question : L'accusé a-t-il agi par

passion ou par intérêt ? et que,

dans le cas où le jury

répondrait : L'accusé a agi par passion, il n'y ait pas

condamnation à mort. Ceci nous

épargnerait du moins quelques

exécutions révoltantes. Ulbach

et Debacker seraient sauvés. On

ne guillotinerait plus Othello.

Au reste, qu'on ne s'y

trompe pas, cette question de la

peine de mort mûrit tous les

jours. Avant peu, la société

entière la résoudra comme nous.

Que les criminalistes les

plus entêtés y fassent attention,

depuis un siècle la peine de mort

va s'amoindrissant. Elle se fait

presque douce. Signe de

completo da penalidade sob

todas suas formas, de cima para

baixo, desde a fechadura até o

cutelo, e o tempo é um dos

ingredientes que deve entrar em

uma obra igual a essa para que

ela seja bem-feita. Nós

contamos desenvolver alhures,

sobre esta matéria, o sistema de

ideias que acreditamos ser

aplicáveis. Mas

independentemente das

abolições parciais para o caso

de moeda falsa, de incêndio, de

roubos qualificados, etc, nós

pedimos que desde agora, em

todos os casos capitais, o

presidente seja obrigado a

perguntar ao júri esta pergunta:

O acusado agiu por paixão ou

por interesse? E que, no caso

em que o júri respondesse: O acusado agiu por paixão, não

tivesse condenação à morte. Isto

nos pouparia pelo menos de

algumas execuções revoltantes.

Ulbach e Debacker estariam

salvos. Não guilhotinariam mais

Othello.

O resto, que não se

enganem, esta questão da pena

de morte amadurece todos os

dias. Qualquer dia, a sociedade

inteira a resolverá como nós.

Que os criminalistas

mais obstinados tomem cuidado

com isso. Há um século a pena

de morte vai diminuindo. Ela se

mostra quase doce. Sinal de

145

décrépitude. Signe de faiblesse.

Signe de mort prochaine. La

torture a disparu. La roue a

disparu. La potence a disparu.

Chose étrange ! la guillotine

elle-même est un progrès.

M. Guillotin était un

philanthrope.

Oui, l'horrible Thémis

dentue et vorace de Farinace et

du Vouglans, de Delancre et

d'Isaac Loisel, de d'Oppède et de

Machault, dépérit. Elle maigrit.

Elle se meurt.

Voilà déjà la Grève qui

n'en veut plus. La Grève se

réhabilite. La vieille buveuse de

sang s'est bien conduite en

juillet. Elle veut mener

désormais meilleure vie et rester

digne de sa dernière belle action.

Elle qui s'était prostituée depuis

trois siècles à tous les échafauds,

la pudeur la prend. Elle a honte

de son ancien métier. Elle veut

perdre son vilain nom. Elle

répudie le bourreau. Elle lave

son pavé.

A l'heure qu'il est, la

peine de mort est déjà hors de

Paris. Or, disons-le bien ici,

sortir de Paris c'est sortir de la

civilisation.

Tous les symptômes sont

pour nous. Il semble aussi

qu'elle se rebute et qu'elle

rechigne, cette hideuse machine,

ou plutôt ce monstre fait de bois

decrepitude. Sinal de fraqueza.

Sinal de morte futura. A tortura

desapareceu. A roda

desapareceu. O cavalete

desapareceu. Coisa estranha! A

guilhotina, ela mesma, é um

progresso.

Sr. Guilhotin era um

filantropo.

Sim, a horrível Thémis

cheia de dentes e voraz de

Farinace e do Vouglans, de

Delancre e de Isaac Loisel, de

d’Oppède e de Machauld, está

definhando. Emagrecendo. Ela

está morrendo.

Eis a Grève que já não

quer mais isso. A Grève se

reabilita. A velha bebedora de

sangue se comportou bem em

julho. Ela quer levar doravante

uma vida melhor e continuar

digna de sua última bela ação.

Ela que se prostituiu por três

séculos em todos os cadafalsos,

o pudor a toma. Ela tem

vergonha de seu antigo métier.

Ela quer perder seu nome vilão.

Ela repudia o carrasco. Ela lava

sua rua.

A esta hora, a pena de

morte já está fora de Paris. Ora,

digamo-lo aqui: sair de Paris é

sair da civilização.

Todos os sintomas são

para nós. Parece também que

ela rejeita e que ela rosna esta

hedionda máquina, ou melhor,

este monstro feito de madeira e

146

et de fer qui est à Guillotin ce

que Galatée est à Pygmalion.

Vues d'un certain côté, les

effroyables exécutions que nous

avons détaillées plus haut sont

d'excellents signes. La guillotine

hésite. Elle en est à manquer son

coup. Tout le vieil échafaudage

de la peine de mort se détraque.

L'infâme machine partira

de France, nous y comptons, et,

s'il plaît à Dieu, elle partira en

boitant, car nous tâcherons de lui

porter de rudes coups.

Qu'elle aille demander

l'hospitalité ailleurs, à quelque

peuple barbare, non à la

Turquie, qui se civilise, non aux

sauvages, qui ne voudraient pas

d'elle44

; mais qu'elle descende

quelques échelons encore de

l'échelle de la civilisation,

qu'elle aille en Espagne ou en

Russie.

L'édifice social du passé

reposait sur trois colonnes, le

prêtre, le roi, le bourreau. Il y a

déjà longtemps qu'une voix a

dit : Les dieux s'en vont ! Dernièrement une autre

voix s'est élevée et a crié : Les rois s'en vont ! Il est temps

maintenant qu'une troisième

voix s'élève et dise : Le bourreau s'en va !

de ferro que está para Guillotin

assim como Galatée está para

Pygmalion. Vistas de um certo

lado, as terríveis execuções que

nós detalhamos mais acima são

excelentes sinais. A guilhotina

hesita. Ela está perdendo seu

golpe. Todo velho cadafalso da

pena de morte está se

degradando.

A infame máquina partirá

da França, nós contamos com

isso, e, se Deus quiser, ela

partirá mancando, pois nós nos

encarregaremos de lhe dar rudes

chutes.

Que ela vá pedir

hospitalidade alhures, a algum

povo bárbaro, não na Turquia

que se civiliza, não aos

selvagens que não queriam

saber dela43

. Mas que ela desça

alguns degraus ainda da escala

da civilização, que ela vá para

Espanha ou para Rússia.

O edifício social do

passado assentava sobre três

colunas: o padre, o rei, o

carrasco. Já faz tempo que uma

voz disse: Os deuses estão indo embora! Ultimamente outra voz

elevou-se e gritou: Os reis estão indo embora! Agora é tempo

que uma terceira voz se eleva e

diga: O carrasco está indo embora!

44

Le « parlement » d'Otahiti vient d'abolir la peine de mort. 44

O “parlamento” de Otahiti acaba de abolir a pena de morte.

147

Ainsi l'ancienne société

sera tombée pierre à pierre ;

ainsi la providence aura

complété l'écroulement du

passé.

A ceux qui ont regretté

les dieux, on a pu dire : Dieu

reste. A ceux qui regrettent les

rois, on peut dire : La patrie

reste. A ceux qui regretteraient

le bourreau, on n'a rien à dire.

Et l'ordre ne disparaîtra

pas avec le bourreau ; ne le

croyez point. La voûte de la

société future ne croulera pas

pour n'avoir point cette clef

hideuse. La civilisation n'est

autre chose qu'une série de

transformations successives. A

quoi donc allez-vous assister ? à

la transformation de la pénalité.

La douce loi du Christ pénétrera

enfin le code et rayonnera à

travers. On regardera le crime

comme une maladie, et cette

maladie aura ses médecins qui

remplaceront vos juges, ses

hôpitaux qui remplaceront vos

bagnes. La liberté et la santé se

ressembleront. On versera le

baume et l'huile où l'on

appliquait le fer et le feu. On

traitera par la charité ce mal

qu'on traitait par la colère. Ce

sera simple et sublime. La croix

substituée au gibet. Voilà tout.

15 mars 1832.

Assim, a antiga

sociedade será tombada pedra

por pedra. Assim, a providência

terá completado o

desmoronamento do passado.

Aos que lamentaram

pelos deuses, pudemos dizer:

Deus fica. Aos que lamentam

pelos reis, podemos dizer: A

pátria fica. Aos que lamentarem

pelo carrasco, não temos nada a

dizer.

E a ordem não

desaparecerá com o carrasco,

não o acreditem. O arco da

sociedade futura não ruirá por

não ter esta clave hedionda. A

civilização não é nada além que

uma série de transformações

sucessivas. O que então vocês

vão assistir? À transformação

da penalidade. A lei branda do

Cristo penetrará enfim o código

e radiará completamente.

Olharão o crime como uma

doença, e esta doença terá seus

médicos que substituirão seus

juízes, seus hospitais que

substituirão seus trabalhos

forçados. A liberdade e a saúde

se assemelharão. Derramarão o

bálsamo e o óleo onde se

aplicavam o ferro e o fogo.

Tratarão por caridade este mal

que tratavam por cólera. Será

simples e sublime. A cruz

substituída pela forca. Isto é

tudo.

15 de março de 1832.

148

3.2. Comentários sobre a tradução

Em A tradução e a letra Berman se propõe examinar o sistema

de deformação dos textos que operam nas traduções da prosa literária,

caracterizada por uma disformidade. Entretanto, o crítico francês

entende que o "mal escrito" é também sua riqueza, pois é conseqüência

de seu plurilinguismo (2013, p. 49, 50 e 51). A deformação do texto

ocorre quando a preocupação com a “bela forma” e com o “sentido” de

um texto prevalecem sobre uma maneira de traduzir que faz sentir no

texto de chegada o que Berman chamou de albergue do longínquo. Essa

tradução que abriga na língua de chegada o estrangeiro, opõe-se à

tradução etnocêntrica, criticada por Berman por anular o que é diverso,

o que advém de outra cultura e que pode somar-se àquela de chegada,

em algo que deve ser adaptado à cultura e língua local. Tal adaptação

encontra na “boa escrita” da língua de chegada a sua morada. Berman

apresenta uma lista com treze itens do que ele chama de tendências

deformadoras de uma tradução, as quais deforman o texto em nome de

uma tradução etnocêntrica. Dessas treze tendências discorrerei sobre

cinco delas, quando dos comentários da tradução do Prefácio de 1832,

por serem as que aparecem com mais profusão. Tratarei, portanto, da

clarificação, do empobrecimento qualitativo, do empobrecimento quantitativo, da homogeinização e da destruição das locuções. A

marcação com o número da página na coluna da esquerda corresponde

às páginas da edição francesa da editora Le Livre de Poche.

3.2.1. Clarificação

Para o teórico francês Antoine Berman (2012, p. 70), na

clarificação o tradutor tende a definir algo em que no original se

movimenta sem problema no indefinido. O que no texto de partida está

oculto, oprimido, o tradutor clarifica, explicita. Ele afirma também que a

passagem da polissemia à monossemia é uma forma de clarificação.

Observemos abaixo os dois quadros com suas respectivas traduções.

Página 15

[...] ou il s'est rencontré un

homme, un rêveur occupé à

observer la nature au profit de l'art,

[...] ou existiu um homem, um

sonhador ocupado em observar a

natureza em proveito da arte, um

149

un philosophe, un poète, que sais-

je ?

filósofo, um poeta, sabe-se lá?

Tanto na língua francesa como na língua portuguesa, o verbo “se

rencontrer” e “se encontrar” podem significar entre outras definições o

vocábulo “existir”. Para Berman a tendência à clarificação deve ser

evitada por ela ser um agente de deformação do texto. Todavia, a

tradução também deve evitar que exista ambiguidade onde no texto

fonte não havia. Nesse caso, preferi não traduzir o termo “il s’est

rencontré un homme” por “encontrou-se um homem” mesmo tendo a

percepção que esta tradução ficaria mais próxima do texto original em

relação à sua construção. Porém, creio que este verbo em questão tanto

em francês como em português não carrega em si o mesmo peso de

significância. Na língua francesa, “il s’est rencontré un homme” não

deixaria o leitor da língua fonte com dúvida em sua interpretação do

termo. Este leitor não pensaria provavelmente que alguém encontrou um

homem, e sim, que este homem existiu. Já na língua portuguesa, se o

verbo “se encontrar” fosse o termo escolhido para tal trecho, o leitor da

língua alvo imaginaria provavelmente que alguém encontrou este

homem, e não que ele existiu. Pode-se então inferir que o leitor do texto

de chegada, através do contexto de tal trecho, poderia, sim, interpretar o

vocábulo “encontrou-se um homem” por “existiu um homem”. Porém,

os leitores do texto de partida não titubeariam com tal expressão, pois “il

s’est rencontré un homme” na língua francesa não quer dizer outra coisa

além de “existiu um homem”, por isso minha escolha de tirar a

polissemia à leitura do leitor de chegada, pois o mesmo fenômeno não

se faz presente no texto de partida.

Página 38

[...] et alors de quel droit tuez-

vous ce misérable orphelin ? Vous

le punissez de ce que son enfance

a rampé sur le sol sans tige et sans

tuteur !

[...] e então, com qual direito

vocês matam este miserável

órfão? Vocês o punem com aquilo

que sua infância rastejou sobre o

solo sem caule e sem estaca!

Neste trecho do Prefácio de 1832, Victor Hugo narra a infância

difícil de um condenado qualquer, que adulto, não pode ser nada além

do que um delinquente ou criminoso. Hugo utiliza dois termos

150

polissêmicos “tige” e “tuteur” para uma frase que tanto caberia um

significado como outro. O primeiro vocábulo, “tige”, significa em

francês a parte superior de um sapato, protegendo assim, a parte de cima

dos pés. Contudo, a palavra “tige” contém também a definição de caule

de uma flor, de uma planta. Já o vocábulo “tuteur”, tanto quer dizer

“tutor” como na língua portuguesa, ou seja, alguém que tem a tutela de

uma pessoa, como a conotação de “estaca”, ou seja, uma peça de

madeira, ou ferro que cravamos no solo para servir de suporte para algo,

na sua maioria das vezes, para plantas. Podemos imaginar que Victor

Hugo faz com essa metáfora uma defesa do criminoso, o qual desde sua

tenra infância não possuía sapatos para a proteção de seus pés e nenhum

tutor para protegê-lo dos perigos das ruas, terminando por tornar-se um

criminoso. Porém, mesmo consciente da perda da palavra “tuteur”, em

português, “tutor”, que caberia também perfeitamente neste contexto,

minha escolha de tradução direcionou-se para outra esfera, a da

interpretação de “caule” e “estaca”. Vejamos que Hugo utiliza a palavra

“sol”, em português “solo” - Vous le punissez de ce que son enfance a

rampé sur le sol sans tige et sans tuteur - o que me fez optar por essa

interpretação, ou seja, uma criança que cresceu em um chão, em um solo

sem nenhuma proteção, sem nenhum apoio nem cuidado, sem nenhum

esteio, ou seja, sem caule e sem estaca.

Página 31

Nous faisons cette question

sérieusement : nous la faisons

pour qu'on y réponde ; nous la

faisons aux criminalistes, et non

aux lettrés bavards.

Nós a fazemos para que

respondam a isso: nós a fazemos

aos criminalistas, e não aos

letrados tagarelas.

Este trecho do Prefácio de 1832 de Victor Hugo diz respeito a

uma pergunta que ele lança aos homens da lei sobre o que se tem a

alegar contra a pena de morte. O termo “bavard”, aqui sublinhado,

significa em língua francesa a palavra em português “tagarela” ou

“fofoqueiro”. Porém, em francês, na condição de gíria, este mesmo

termo designa “advogado”. Neste momento, tive muita hesitação por

qual termo optar, pois tanto um quanto outro caberia perfeitamente no

contexto da frase acima explanada. A princípio, eu interpretei este

151

trecho como uma distinção da parte de Victor Hugo entre um advogado

cuja especialização não ultrapassa, por exemplo, o âmbito do direito

tributário, entre outros, cujo discurso é acompanhado de hipérboles,

cheios de giros (Victor Hugo menciona em seu prefácio os discursos

retóricos proferidos pelos membros do tribunal, sendo estes cheios de

hipérboles, porém, vazios, sem algum fundamento), de um advogado

criminalista, cujo discurso deve conter o máximo de provas possível

para o convencimento à pena de morte. Porém, não conhecendo a

intenção do autor, preferi permanecer na esfera da conotação de

“tagarela” para o termo francês “bavard”, pois o vocábulo letrado me

levou a um campo mais abrangente de interpretação. Um letrado pode

ser qualquer indivíduo que possua cultura. Considerei aqui “letrados

tagarelas” para o qual Victor Hugo referiu-se a um erudito (letrado) cuja

bonita fala não expressa nada além de um enunciado sem nenhuma

prova, justificativa. Ou seja, um letrado de qualquer área, não

necessariamente alguém representante da lei, mas podendo ele ser um

jornalista, escritor, um homem que fala de algo do qual não possui

conhecimento de causa e que carrega em seu discurso apenas parolices.

Página 18

[...] lui expliquait heure par heure

les dernières souffrances du

misérable agonisant, - en ce

moment on le confesse, en ce

moment on lui coupe les cheveux,

en ce moment on lui lie les mains

[...]

[...] lhe explicava hora por hora os

últimos sofrimentos do miserável

agonizando – neste momento

confessam-no, neste momento lhe

cortam os cabelos, neste momento

lhe amarram as mãos [...]

Em A princípio, para o termo em francês “on le confesse” a

tradução escolhida para o português fora “tomam sua confissão”. Porém,

estando de acordo com Antoine Berman, quando este diz que ao traduzir

os verbos por substantivos, o tradutor acaba por racionalizar sua

tradução, optei pela tradução “confessam-no” por duas razões.

Primeiramente, se eu não o fizesse, talvez eu estivesse colaborando com

o leitor da língua alvo a não enriquecer seu vocabulário, ou o ajudando a

resumir sua interpretação, pois, “tomam sua confissão” teria uma

mensagem direta levando esse leitor à compreensão absoluta que

alguém escuta outro alguém (geralmente um padre que escuta seus fiéis,

152

ou aqui, um condenado). Porém, na língua portuguesa assim como na

francesa, “confessar” e “confesser”, respectivamente significa tanto

“confessar algo a alguém” quanto “escutar a confissão de uma pessoa”.

Assim, optei pela tradução que mais se aproximava da língua de partida,

mesmo que a opção escolhida não seja muito utilizada na língua de

chegada, ainda que seja totalmente compreensível.

3.2.2. O empobrecimento qualitativo

De acordo com Berman, o empobrecimento qualitativo se

relaciona a substituição dos termos, modos de dizer, expressões,

presentes no original por modos de dizer e expressões que não têm nem

sua riqueza sonora, nem sua riqueza significante no texto alvo. (2012,

p.75). Notemos o seguinte quadro:

Página 30

[...] on l'a mis dans une espèce de

panier traîné sur deux roues, clos

de toutes parts, cadenassé et

verrouillé ; puis, un gendarme en

tête, un gendarme en queue, à

petit bruit et sans foule, on a été

déposer le paquet à la barrière

déserte de Saint-Jacques.

[...] colocaram-no em uma espécie

de cesto arrastado sobre duas

rodas, trancado por todos os lados,

encadeado e trancafiado; depois,

um gendarme na frente, um

gendarme atrás, sem barulho e

sem multidão, foram depositar o

pacote na barreira deserta de

Saint-Jacques.

Neste trecho, Victor Hugo narra dois gendarmes levando às

escondidas um condenando à morte para um lugar deserto onde o

matarão, sendo que o condenado encontra-se dentro de uma espécie de

cesto, e um gendarme o segura na frente e outro atrás. Na língua

francesa, os termos “en tête” e “en queue”, em português “cabeça” e

“cauda, rabo” são vocábulos cuja usualidade é bastante comum, dando a

conotação de “na frente” e “atrás” respectivamente, entre outras

definições. Já na língua portuguesa, essas duas palavras, “cabeça” e

“cauda”, não tem este mesmo sentido. Eu cogitei em fazer minha

tradução da seguinte maneira: “um gendarme na cabeça e outro na

traseira”, para poder manter os vocábulos “en tête” e “en queue” na

tentativa de manter as duas partes do corpo. Não o fiz, pois, a língua

153

portuguesa não carrega em si esta conotação de ser simplesmente “na

frente e atrás”. O homem se encontra dentro de um cesto, ou seja, se eu

traduzisse “um gendarme na cabeça e outro na traseira” o leitor do texto

alvo atento ao detalhe do texto em que se refere ao cesto, poderia ficar

confuso, pois, como o homem pode estar sendo segurado na cabeça e na

traseira se ele se encontra trancafiado dentro de um cesto? Ou seja, na

língua portuguesa, definitivamente, estes dois vocábulos não dariam a

conotação de que há dois gendarmes carregando um cesto sendo que um

está na frente do outro, e sim, que um estaria carregando um homem

pela cabeça e outro gendarme pela traseira. Sem dúvida, houve uma

perda na tradução, já que em francês também existem os termos

“devant” e “arrière”, em português “frente” e “atrás”, o que em

português ficaria exatamente como o traduzi, porém, preferi a tradução

que se encontra dentro do quadro para que o leitor do texto de chegada

não tivesse uma ideia errada da cena narrada.

3.2.3. O empobrecimento quantitativo

Para Antoine Berman (2012, p.76), o empobrecimento

quantitativo remete a um desperdício lexical. Ele afirma que se o autor

do texto fonte citar, por exemplo, um significado com três significantes

diferentes, e o tradutor não respeite esta multiplicidade em sua tradução,

haverá um desperdício, pois haverá menos significantes na tradução que

no original. Para Berman, esta conduta da parte do tradutor é atentar

contra o tecido lexical da obra, a abundância. Vejamos os quadros

abaixo:

Página 33

[...] rendez-nous les

tourmenteurs-jurés, rendez-nous

le gibet, la roue, le bûcher [...]

[...] devolvam-nos os

executores de alta justiça,

devolvam-nos a forca, a roda, a

fogueira, [...]

Página 20

Le peuple venait de faire un feu

O povo tinha acabado de fazer

154

de joie des guenilles de l'ancien

régime.

uma fogueira dos farrapos do

antigo regime.

Victor Hugo escreve nesse prefácio dois termos diferentes aos

quais dei a mesma tradução. Trata-se dos vocábulos “bûcher” e “feu de

joie” sendo a palavra “fogueira” a tradução para esses dois termos. Em

francês, “bûcher”, neste contexto da obra de Hugo era um amontoado de

madeira onde se ateava fogo e jogavam as pessoas condenadas ao

suplício das chamas, ou seja, “bûcher” trata-se de uma fogueira que tem

uma conotação de morte. Já o vocábulo francês “feu de joie” que

fazendo a tradução literal ficaria “fogo de alegria”, é uma fogueira

própria para festejar algo, para celebrar eventos de alegria de um povo.

Acontece que na língua portuguesa não há esta distinção de

significantes. Entende-se “fogueira” tanto para antigas execuções para a

pena de morte quanto para a realização de momentos festivos. Traduzir

“feu de joie” por “fogueira de alegria ou da alegria” fica sim mais

próximo da língua fonte, porém, não optei por essa tradução por não

existir na língua portuguesa, pois a partir do contexto, o leitor alvo

saberá sem dúvida de qual fogueira se trata, ou a fogueira da morte ou

da festividade.

3.2.4. A homogeneização

Para Berman (2012, p.77), quando o tradutor unifica o tecido do

texto original, substituindo verbos ativos por verbos com substantivos,

ele recai sobre a tendência deformadora da homogeneização. Porém,

nenhuma palavra de uma língua é exatamente igual a uma palavra de

outra como, já o demonstrou Humboldt (2001, p. 91), nem sempre é

possível acolher o estrangeiro sem deixar o texto incompreensível.

Assim, nesse caso, optei por homogeneizar os três verbos franceses,

adicionando, sim, um substantivo para cada um para que o leitor alvo

não se deparasse com algo bizarro em sua leitura.

Página 34

Mais vous, est-ce bien

sérieusement que vous croyez

faire un exemple quand vous

Mas vocês, é realmente sério que

vocês acreditam mostrar exemplo

quando vocês cortam

155

égorgillez misérablement un

pauvre homme dans le recoin le

plus désert des boulevards

extérieurs ?

miseravelmente o pescoço de um

pobre homem no recanto mais

deserto dos bulevares exteriores?

“Gorge” em francês, entre outras definições, quer dizer

“garganta, pescoço”. Na língua francesa, o verbo “égorgiller” quer dizer

“cortar o pescoço, a garganta”. Eu poderia ter traduzido, para manter o

verbo ativo sem a utilização de um substantivo, como pensa Berman,

por “pescocear” ou “gargantear”. Porém, os dois verbos em questão,

apesar de existirem na língua portuguesa, não tem o mesmo valor de

significado da língua francesa. “Pescocear” quer dizer, dar cachação em

alguém, ou seja, dar um murro, um tapa e não cortar o pescoço de uma

pessoa. Tive uma hesitação aqui, pois se tratando de pena de morte,

através do contexto, o leitor poderia compreender que “pescocear” é

arrancar o pescoço de alguém. Contudo, minha reflexão foi dentro do

âmbito da existência e da normalidade da língua francesa e portuguesa.

Em francês, “gorgiller” é um verbo existente e comum que leva

imediatamente o leitor ou o interlocutor à definição de “cortar o pescoço

de alguém”. Já na língua portuguesa, “pescocear” não leva o leitor do

texto alvo à mesma compreensão imediata, devendo este fazer um

esforço de interpretação e permear o campo da dúvida. Desta maneira,

“cortam miseravelmente o pescoço” foi a tradução contemplada neste

trecho do prefácio de Hugo.

Página 33

[...] rendez-nous les tourmenteurs-

jurés, rendez-nous le gibet, la roue,

le bûcher, l'estrapade,

l'essorillement, l'écartèlement, la

fosse à enfouir vif, la cuve à

bouillir vif ;

[...] devolvam-nos os executores

de alta justiça, devolvam-nos a

forca, a roda, a fogueira, a

estrapada, a ressecção da orelha,

o esticador, a cova de enterrar

vivos, o tanque de ferver vivos.

“Oreille” em francês significa em língua portuguesa “orelha”.

Temos no quadro acima o vocábulo “essorillement” que em sua

definição que dizer cortar a orelha de alguém ou de um animal. Não

encontrei em dicionários da língua portuguesa um substantivo que

156

represente esta ação. Entretanto, no campo da medicina utiliza-se a

expressão “ressecção da orelha”45

para o caso. Logo, não hesitei em

tentar manter o substantivo em francês em sua particularidade,

acrescentando ao substantivo português “ressecção” o complemento

nominal “orelha”, pois, na língua francesa “essorillement” quer dizer

apenas a ressecção da orelha, enquanto que em português, ressecção

pode ser a excisão de qualquer outra parte do corpo.

Página 41

Oui, l'horrible Thémis dentue et

vorace de Farinace et du

Vouglans, de Delancre et d'Isaac

Loisel, de d'Oppède et de

Machault, dépérit.

Sim, a horrível Thémis cheia de

dentes e voraz de Farinace e do

Vouglans, de Delancre e de Isaac

Loisel, de d’Oppède e de

Machault, está definhando.

A mesma dinâmica de tradução acontece para o termo em francês

“dentue” para o qual acrescentei o substantivo “dentes”. Na língua

francesa, “dentue” por si só significa algo ou alguém com dentes. Já em

português, o termo que mais se aproxima de “dentue” é “dentada”, que

tem como definição uma compressão feita com os dentes ou a marca que

esta ação pode causar sobre a pele ou algum outro lugar. Ao ignorar tal

definição para o termo na língua portuguesa, e traduzindo assim

“dentue” por “dentada” para manter o adjetivo sem complemento

nominal, o leitor alvo teria que fazer um esforço para tal interpretação,

algo que não acontece com leitor de partida. Mesmo causando um

alongamento do termo, acredito ser necessário para a interpretação do

leitor de língua portuguesa.

3.2.5. A destruição das locuções

Para o teórico Antoine Berman (2012, p. 83), uma prosa abunda

em imagens, modos de dizer, locuções, provérbios, etc, que concernem

ao vernacular, sendo que a maioria deles transmite um sentido ou uma

experiência que se encontra em locuções, de outras línguas. Berman

45

Disponível em: <https://www.infopedia.pt/dicionarios/termos-

medicos/ressec%C3%A7%C3%A3o%20> Acesso: 03/12/2017

157

(2012, p. 84), afirma que substituir um idiotismo pelo seu equivalente é

um etnocentrismo que, repetido a grande escala, levaria a uma

absurdidade. Para o teórico francês, servir-se da equivalência é atentar

contra a “falância” da obra, pois segundo Berman, as equivalências de

uma locução ou de um provérbio não os substituem. Segundo Berman,

traduzir não é buscar equivalências entre a língua de partida e a de

chegada, pois desejar substitui tais termos, locuções, provérbios é

ignorar que existe em nós uma consciência de provérbio, por exemplo.

Analisemos o quadro a seguir:

Página 33

A Saint-Pol, immédiatement après

l'exécution d'un incendiaire

nommé Louis Camus, une troupe

de masques est venue danser

autour de l'échafaud encore

fumant. Faites donc des

exemples ! le mardi gras vous rit

au nez.

Em Saint-Pol, imediatamente

depois da execução de um

incendiário nomeado Louis

Camus, uma tropa de máscaras

veio dançar envolta do cadafalso

ainda fumegante. Mostrem então

exemplos! A terça-feira gorda ri

no seu nariz.

A expressão francesa “rire au nez de quelqu’un”, traduzindo

literalmente “rir no nariz de alguém”, tem como definição alguém que

ri, que debocha de uma pessoa. Temos uma expressão em língua

portuguesa que designa a mesma ação, porém, substituímos o “nariz”

por “cara”, ou seja, “rir na cara de alguém”. Neste caso, estando no

mesmo âmbito de concordância que Antoine Berman quando este diz

que carregamos em nós uma consciência de provérbios, expressões e

outros aspectos linguísticos, acredito que o leitor do texto traduzido

entenderia perfeitamente que nesta frase há uma conotação de deboche,

de escárnio, mesmo que “ri no seu nariz” não seja de uso habitual na

língua portuguesa. Assim, “A terça-feira gorda ri no seu nariz” foi

minha opção de tradução para que nela pudesse entrar o estrangeiro,

evitando neste caso o etnocentrismo o qual Berman acredita ser uma

falta de ética da parte do tradutor.

158

Página 23

Nous avons songé aux préjugés

d'éducation de quelques-uns

d'entre eux, au cerveau peu

développé de leur chef, relaps

fanatique et obstiné des

conspirations de 1804, blanchi

avant l'âge [...]

Nós pensamos nos preconceitos de

educação de alguns dentre eles, no

cérebro pouco desenvolvido de seu

chefe, relapso fanático e obstinado

das conspirações de 1804,

embranquecido antes da idade [...]

A mesma dinâmica de tradução foi escolhida para o quadro

acima concernente ao vocábulo “blanchi”. Em língua francesa este

termo é bastante polissêmico, ao contrário da língua portuguesa. O

verbo “blanchir”, que fazendo sua tradução literal para o português

ficaria “embranquecer”, tem além desta conotação na língua francesa,

outras tais como: inocentar, justificar, desculpar, etc. Na frase “Cet

homme, blanchi avant l’âge”, significa que este homem envelheceu

antes da idade. Na língua portuguesa a mesma conotação é demonstrada

pelo verbo “envelhecer”, ou seja, em português se diz “Este homem,

envelhecido antes da idade”. Na língua francesa a mesma expressão é

utilizada com o verbo “vieillir”, em português “envelhecer”. Eis a razão

pela qual escolhi o adjetivo “embranquecido”. Assim, para que o termo

“blanchi” da língua francesa não se perdesse em uma única definição, eu

optei por esse adjetivo mesmo que não o usemos em língua portuguesa

em tal contexto. Acredito que o leitor alvo não teria dificuldade de

compreender que há um homem que está com cabelos brancos antes da

idade, ou seja, sofreu um envelhecimento. Aqui, creio ter tornado

polissêmico o verbo “embranquecido”, assim como o faz Victor Hugo

em seu prefácio.

159

Considerações Finais

No primeiro capítulo da presente dissertação procurei

contextualizar o autor e a obra no romantismo francês, além de procurar

demonstrar as implicações políticas de O Último Dia de um condenado,

a qual não é uma das principais obras de Victor Hugo, conforme

mencionado algumas vezes nessa dissertação. Contudo, tal obra se situa

em um período bastante importante literariamente, não apenas para o

próprio Hugo, mas também para a literatura francesa do início do século

XIX, para a qual o aparecimento dessa novela ocorre em um momento

em que paradigmas literários estão sendo modificados. A obra não é

central nesse aspecto, mas o seu autor sim, já que era Victor Hugo quem

estava na liderança do então jovem romantismo francês.

No que se refere ao escritor francês, a novela tendo por

protagonista o condenado de Bicêtre, situa-se exatamente entre dois

textos fundamentais de Hugo. O prefácio para Cromwell e Notre Dame de Paris. Até Cromwell (1827) Hugo tinha publicado as poesias de Odes

et Balades (1826) e os romances Bug-Jargal (1818) e Han d’Islande

(1823), este último um roman noir. O prefácio a Cromwell marca no

campo teórico uma virada nas concepções estéticas do autor, as quais

apareceriam com mais propriedade em Notre Dame de Paris (1831).

Entre um texto e outro, exatamente dois anos após Cromwell e dois anos

antes do romance que trazia Quasímodo por protagonista, é que se situa

O Último Dia de um condenado (1829). A novela contém elementos

apontados em Cromwell no que se refere às regras e modelos que devem

ser os do autor, o que se pode ver em pontos como a ausência de autoria,

a não revelação sobre a vida pregressa do personagem e o tempo

predominantemente psicológico, questões essas apontadas pela crítica da

época e satirizadas por Hugo no Prefácio de 1829. Outros elementos

apontados naquele prefácio a Cromwell, como a presença do grotesco e

do sublime, encontrariam realização superior em Notre Dame de Paris.

A partir do segundo capítulo passo à análise dos paratextos nas

edições brasileiras, os quais apresentam duas situações a meu ver, uma

delas referente aos prefácios e a outra aos demais paratextos analisados.

A presença ou não dos prefácios nas edições brasileiras

apontam especificamente para a maneira como a obra vai ser lida.

Edições como a da Moderna Paulistana e da Golden Books, que

suprimem os prefácios de 1829 e, sobretudo, o de 1832, propiciam ao

público uma leitura sem muita interferência do autor, considerando aqui

a natureza do Prefácio de 1832. Este prefácio atrela a leitura da novela,

160

em certa medida, à conjuntura da época em que a obra foi escrita, o que

evidentemente, não impossibilita uma interpretação da mesma aos olhos

da atualidade.

Por outro lado, as edições da Newton Compton e da Estação

Liberdade, que publicaram esses dois prefácios, trazem para a leitura

atual a concepção do autor sobre o texto. Sabe-se que obter a visão de

um autor sobre o seu texto é algo bastante questionado pela teoria

literária, desde os formalistas russos passando pela “morte do autor” de

Barthes. Não obstante, Victor Hugo deixa muito claro em um texto

ensaístico, portanto sem as ambiguidades e dobras interpretativas de um

texto literário, a gênese da obra, as razões que o levaram a escrevê-la e

quais intenções humanitárias e políticas ele tinha ao fazê-lo.

Naturalmente, há a opção do leitor de não ler os prefácios, e

mesmo para aquele que os lê não significa que a sua leitura fique

“contaminada” pela visão do autor, que influiria assim decisivamente na

interpretação da obra. Até mesmo porque há uma questão temporal aí.

Porém, e creio ser esse o ponto, a presença dos prefácios enriquece a

obra, permite ao leitor um contato com uma conjuntura do passado na

qual se poderá identificar ecos no presente.

Ainda sobre os prefácios há a supressão do prefácio à primeira

edição por todas as editoras brasileiras a exceção da Golden Books.

Conforme discutido no decorrer desta dissertação, a supressão desse

prefácio afeta o jogo sobre a veracidade da obra proposto pelo autor.

Determinada instância do pacto bilateral de ficção estabelecido entre

autor e leitor fica prejudicado. Assim, teoricamente a edição da Golden

Books seria a única entre as editoras brasileiras a manter a possibilidade

de escolha do leitor proposta nesse prefácio. Entretanto, a reprodução

integral do mesmo na contracapa e, dessa vez, contando com a

assinatura do autor, acaba por prejudicar a proposição contida no

prefácio.

O mesmo ocorre em relação à nota final, excluída pelas

editoras, exceto pela Estação Liberdade. Como essa nota faz eco

justamente a esse primeiro prefácio, o prejuízo em relação ao jogo

proposto também ocorre. Mesmo na edição que manteve a nota final, o

prejuízo se dá em razão justamente da exclusão do prefácio.

Em relação aos demais paratextos analisados o que me pareceu

claro, comum nas edições brasileiras, afora a da Moderna Paulistana, foi

a preocupação em promover uma obra não tão conhecida de um autor

consagrado, um dos expoentes do cânone ocidental, como é o caso de

Victor Hugo. O escritor francês é daqueles autores que mesmo quem

161

nunca leu alguma obra sua, conhece ainda que de nome suas obras

principais. Pareceu-me nítido então, principalmente nas contracapas e

orelhas, a preocupação com a envergadura de Victor Hugo, nesse caso,

muito maior que a obra, quando comparada com outras de sua autoria e

que, devido a isso, se fez necessário vincular a obra ao autor. Assim, o

nome do autor e a importância dele no cenário literário fizeram disso um

agente de divulgação da obra durante o primeiro contato do leitor com

ela, que se dá justamente via contracapa e orelhas.

Por fim, no último capítulo apresento uma proposta de tradução

para o Prefácio de 1832, além de alguns comentários sobre a prática

dessa tradução. Como suporte teórico para esses comentários utilizei as

treze tendências deformadoras de Antoine Berman, presentes no seu

livro A tradução e a letra ou albergue do longínquo. Não trabalhei com

todas elas, pois algumas convergem ou derivam de outras, conforme o

próprio Berman afirma (2013, p. 67), além de algumas não se fazerem

presentes na obra. Assim, os comentários sobre a tradução incidiram

sobre a clarificação, o empobrecimento qualitativo, o empobrecimento

quantitativo, a homogeneização, a destruição das locuções.

Uma das preocupações de Berman ao estabelecer as suas

reflexões é com a tradução etnocêntrica, a qual pode ser identificável

através das treze tendências. Durante o exercício da tradução do

Prefácio de 1832 essa era uma questão que sempre se fez presente para

mim. Naturalizar ou não nesse ou naquele ponto. Entretanto, por mais

que se tenha procurado evitar, em alguns pontos não foi possível manter

as diretrizes apontadas pelo teórico francês. Isso se deu em razão, na

maioria das vezes, da diferença semântica entre um ou outro termo da

língua alvo em relação à língua fonte. Manter uma tradução literalizante

em alguns casos poderia deixar a passagem ininteligível. Por outro lado,

sempre quando possível, procurei abrigar no português o estrangeiro,

permitindo o estranho, ou o não habitual na língua de chegada. Caso da

expressão em francês “rit au nez” que traduzi por “ri no seu nariz”,

quando no português do Brasil utilizamos a expressão “ri na sua cara”.

Entretanto, por mais que o leitor ache estranho, é perfeitamente possível

que sem muito esforço, ele perceba as duas expressões em português —

“ri no seu nariz” e “ri na sua cara” — interligadas por similaridades

semânticas e pertinência pragmática, além de conservarem estruturas

sintáticas bastante próximas. Assim, com essa prática, o que se procura

fazer com que o leitor venha, via estranhamento, sentir a tradução e com

isso, perceber que se trata de uma obra estrangeira.

162

A tradução apresentada nessa dissertação não tem maiores

ambições que não aquelas do âmbito de uma pesquisa acadêmica. O

intuito aqui foi procurar colocar em prática o que foi lido e discutido

durante o percurso acadêmico nesses últimos dois anos, seja em sala de

aula, seja em eventos científicos, seja durante o trabalho de pesquisa e

redação do presente trabalho.

Do ponto de vista dos paratextos, Gérard Genette propiciou-me

outro olhar no que tange possíveis leituras de um texto literário,

demonstrando que o texto não se encerra no ponto final do último

capítulo, tampouco inicia no primeiro parágrafo da trama. Mas ele

começa antes, na primeira e quarta capa, nas orelhas, prolonga-se nas

notas de rodapé e mesmo em outros textos que não estão no entorno do

livro, os epitextos. Essas “franjas”, como definiu Genette, se mostram

fundamentais para a recepção de uma obra e para a interpretação e

leitura que uma época fez dela, tal qual a nossa também o faz.

No que concerne à tradução, a contribuição de Antoine Berman

não se deu apenas no processo tradutório. Mas também no que diz

respeito aos paratextos. A sua reflexão sobre o horizonte de tradução foi

de grande valia no momento de análise dos paratextos, já que esse

horizonte permitiu refletir um pouco sobre o projeto de tradução das

editoras para O Último Dia de um condenado. Quanto à prática

tradutiva, não há como, após ler o teórico francês, estabelecer qualquer

ato relacionado à tradução, seja ele prático ou reflexivo, de maneira

ingênua, entendo a tradução como transposição de equivalentes

semânticos entre duas línguas. A concepção de Berman de tradução

como troca cultural, na qual a língua e cultura alvo saem enriquecidas

após o albergue do longínquo pareceu-me a sua grande contribuição, ao

menos para mim esse foi um norte durante todo o processo de tradução.

163

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ANEXOS

ANEXO I

Fucilazione nelle asturie

168

ANEXO II

Ecce