TEMPO PRESENTE E HISTORIOGRAFIA DIDÁTICA DESTINADA AO ENSINO MÉDIO (2002/2011)

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TEMPO PRESENTE E HISTORIOGRAFIA DIDÁTICA DESTINADA AO ENSINO MÉDIO (2002/2011) 1 Itamar Freitas (UFS) 2 Jane Semeão (URCA) 3 A noção de história do presente se constituiu e se consolidou como campo de pesquisa histórica apenas na segunda metade do século XX. A criação em 1978 do Institut d’histoire du temps présent na França (IHTP), referência internacional na reflexão sobre as possibilidades de historicização do “vivido”, representou passo importante em direção à institucionalização desse campo de pesquisa. A história praticada na segunda metade do século XX, especialmente a partir dos anos 1970, é um dos fatores que explicam essa virada. A chamada renovação historiográfica, conduzindo à quebra dos paradigmas da história e proporcionando o interesse dos historiadores pelas mentalidades, pelo político e cultural, por novos sujeitos (mulheres, negros, índígenas etc.) e novas fontes, contribuiu para a legitimidade desse campo de investigação. Além da motivação acadêmica, podemos acrescentar: a aceleração do tempo vivido, provocando rápidas transformações ao longo da segunda metade do século passado e início do XXI; o papel que tem exercido e o lugar que tem ocupado os meios de comunicação no mundo contemporâneo; e as demandas pressões sociais surgidas em meio às efemeridades que têm marcado o atual regime de historicidade, definido por Hartog como presentista. 4 Todo esse movimento é bem conhecido no âmbito da historiografia acadêmica. Mas como a historiografia didática tem respondido à essa mudança? Como a história do tempo presente é incorporada? Que definições apresenta? Que marcos cronológicos têm utilizado? O que se aborda sob a rubrica de tempo presente? Quais os usos do tempo 1 FREITAS, Itamar; SEMEÃO, Jane. Tempo presente e historiografia didática destinada ao ensino médio (2002-2011). In: MAYNARD, Dilton; MAYNARD, Andreza. Visões do mundo contemporâneo. São Paulo: LP-BOOKS, 2013. V. 2, p. 119-137. ISBN – 9788578693800. 2 Doutor em Educação (PUC-SP), pesquisador do ensino de história e professor da Universidade Federal de Sergipe. 3 Mestre em História (UFRJ), pesquisadora da história do tempo presente e professora da Universidade Regional do Cariri. 4 HARTOG, François. Regimes de Historicidade. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dl/heros/excerpta/hartog.html>. Acesso em: 18/04/2010.

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TEMPO PRESENTE E HISTORIOGRAFIA DIDÁTICA DESTINADA AO

ENSINO MÉDIO (2002/2011)1

Itamar Freitas (UFS)2

Jane Semeão (URCA)3

A noção de história do presente se constituiu e se consolidou como campo de

pesquisa histórica apenas na segunda metade do século XX. A criação em 1978 do

Institut d’histoire du temps présent na França (IHTP), referência internacional na

reflexão sobre as possibilidades de historicização do “vivido”, representou passo

importante em direção à institucionalização desse campo de pesquisa.

A história praticada na segunda metade do século XX, especialmente a partir dos

anos 1970, é um dos fatores que explicam essa virada. A chamada renovação

historiográfica, conduzindo à quebra dos paradigmas da história e proporcionando o

interesse dos historiadores pelas mentalidades, pelo político e cultural, por novos

sujeitos (mulheres, negros, índígenas etc.) e novas fontes, contribuiu para a legitimidade

desse campo de investigação. Além da motivação acadêmica, podemos acrescentar: a

aceleração do tempo vivido, provocando rápidas transformações ao longo da segunda

metade do século passado e início do XXI; o papel que tem exercido e o lugar que tem

ocupado os meios de comunicação no mundo contemporâneo; e as demandas – pressões

sociais surgidas em meio às efemeridades – que têm marcado o atual regime de

historicidade, definido por Hartog como presentista.4

Todo esse movimento é bem conhecido no âmbito da historiografia acadêmica.

Mas como a historiografia didática tem respondido à essa mudança? Como a história do

tempo presente é incorporada? Que definições apresenta? Que marcos cronológicos têm

utilizado? O que se aborda sob a rubrica de tempo presente? Quais os usos do tempo

1 FREITAS, Itamar; SEMEÃO, Jane. Tempo presente e historiografia didática destinada ao ensino médio

(2002-2011). In: MAYNARD, Dilton; MAYNARD, Andreza. Visões do mundo contemporâneo. São Paulo:

LP-BOOKS, 2013. V. 2, p. 119-137. ISBN – 9788578693800.

2 Doutor em Educação (PUC-SP), pesquisador do ensino de história e professor da Universidade Federal

de Sergipe. 3 Mestre em História (UFRJ), pesquisadora da história do tempo presente e professora da Universidade

Regional do Cariri. 4 HARTOG, François. Regimes de Historicidade. Disponível em:

<http://www.fflch.usp.br/dl/heros/excerpta/hartog.html>. Acesso em: 18/04/2010.

2

presente no ensino? Este texto discute a abordagem do tempo presente nos livros

didáticos de história. Ele faz parte de um conjunto de iniciativas levadas à cabo por

professores das universidades federais de Sergipe e do Rio Grande do Norte, bem como

da Universidade Regional do Cariri no sentido de explorar aproximações e

distanciamentos entre a historiografia didática e a historiografia acadêmica do nosso

tempo.

Para este trabalho, selecionamos três títulos destinados ao ensino médio. O

primeiro deles – História: série novo ensino médio, volume único – foi lançado em

2002 e reeditado em 2003, 2010 e 2011. Apresenta proposta curricular “integrada”,

organizando os conhecimentos factuais, conceituais e procedimentais em ordem

cronológica no conhecido quádruplo história antiga, média, moderna e contemporânea.

A mesma organização orienta a segunda obra – História em foco (2011) –, também

destinada ao ensino médio, mas disposta em três volumes.

Tais obras foram selecionadas por sua regularidade de circulação ao longo da

última década, como também pela legitimidade reivindicada pelo autor no campo da

pesquisa histórica e do ensino de história para a escolarização básica. É a própria editora

Ática (detentora dos direitos autorais) quem divulga na página de créditos: Divalte

Figueira é mestre em História pela USP, professor de história do ensino médio e autor

de Cidades históricas e o barroco mineiro (2000) e Soldados e negociantes na Guerra

do Paraguai (2001).

O terceiro – História (2010) – é composto por três volumes que integram os

conteúdos de história do Brasil e Geral, seguindo também o modelo de quadripartição

da história. Foi escolhido por causa da vinculação dos seus autores com o mundo

acadêmico: Georgina dos Santos, Jorge Ferreira, Ronaldo Vainfas e Sheila de Castro

Faria são professores do Departamento de História da Universidade Federal

Fluminense. Alguns deles, inclusive, com publicação voltada para o ensino,5 teoria e

metodologia da história, foram reconhecidos como protagonistas da renovação

historiográfica que se processou no Brasil nas três últimas décadas do século passado.

Para examinar as referências ao tempo presente nas coleções, especificamente no

que diz respeito a definições, marcos temporais, usos no ensino e níveis de experiência

5 Ronaldo Vainfas e Sheila de Castro Faria, por exemplo, fizeram suas primeiras incursões na produção

de material didático ao produzirem paradidáticos a partir da década de 1990.

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humana abordados, optamos por selecionar alguns indicadores dos livros didáticos que

poderiam incorporar esses elementos: 1. apresentação e sumário; 2. textos principais; 3.

seções que exploram o desenvolvimento de habilidades de relacionar passado/presente

(boxes complementares e exercícios, que têm por objetivo aprofundar o conhecimento

sobre a temática dos capítulos); 4. instruções teóricas e metodológicas disponibilizadas

no manual do professor.

1- O tempo presente no livro História: série novo ensino médio e em História em

foco

De início, questionemos: a que se destina o livro de Divalte Figueira, quais são

os seus objetivos? Nos elementos pré-textuais, é possível identificar preocupações com

a experiência do presente mediante o emprego de alguns vocábulos indiciários. Em

2002, os editores atribuem à obra a tarefa de auxiliar o aluno a “enfrentar as exigências

de um mundo cada vez mais globalizado”. No ano seguinte, surge o “vestibular” como

preocupação, além da intenção de contribuir para a “formação cidadã” do aluno. Em

2010, a formação cidadã permanece, junto à vantagem de fornecer “os acontecimentos e

processos mais importantes da história”. Na primeira edição da História em foco, por

fim, é a realização das “provas do Enem e dos vestibulares mais exigentes” que norteia

as intenções da autoria.6

Logo na apresentação, os livros destacam o “governo Lula” e a “globalização”, e

o mundo “globalizado”. Também informam sobre a sessão “Leitura e debate”, cujo

objetivo é desenvolver a habilidade de relacionar “o estudo da história” e a “vida

concreta” do aluno.7 Entretanto, é no sumário que os indícios são mais robustos: “O

Brasil de hoje” e “Brasil: a construção do futuro”.

No conjunto da obra – nas unidades/capítulos que exploram a história do país –,

o contemporâneo se inicia com a Revolução Francesa e mantém o espaço nas três

6 FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2002. p. 3, FIGUEIRA,

Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2003.

p. 3, FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2010.

p. 3, FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2011.

p. 3. 7 FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2002. p. 3.

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edições de História: série novo ensino médio. São 54% do espaço em páginas, restando

46% para todas as outras “idades”. No título História em foco, entretanto, esse domínio

cai para 35%.8

Quanto ao espaço ocupado pelo “hoje” e “futuro”, em ambos os títulos,

constatamos a hegemonia do contemporâneo e a ampliação do espaço concedido à

experiência brasileira e contemporânea.9

Outro dado loquaz sobre o nosso objeto é a natureza dos conteúdos. Nesta

rubrica, são idênticos os fatos, conceitos e procedimentos apresentados. O

contemporâneo encerra, por exemplo, os acontecimentos da revolução francesa,

independências na América (inclusa a do Brasil), Brasil império, Brasil república,

guerras mundiais, guerra fria e globalização. As variações ficam por conta dos títulos

das unidades.10 Em relação à experiência brasileira, a escrita se repete, ou seja, são

modificados os títulos de algumas unidades.11

Por fim, vejamos o sentido de “hoje”. Trata-se de um conjunto de

acontecimentos de caráter político e econômico que incluem a experiência dos governos

Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula. Assim, não é tanto a derrocada do socialismo real

que marca a experiência inicial do presente (o “hoje”) do Brasil quanto as vicissitudes

da política interna local (corrupção, impeachement etc.).

Um dado também importante, que denuncia a natureza do “hoje”, é a distância

entre o tempo vivido pelo historiador (o tempo do encerramento da produção do livro

didático) e o tempo narrado (os acontecimentos referidos na obra). A análise indica que

o hoje “brasileiro” não se apresenta como escala móvel, já que é permanente ponto de

partida (o governo Collor), indicando a provável consolidação de um novo período para

a história do Brasil.

Por outro lado, é também fácil verificar que a experiência narrada se expande,

mas o número de páginas se conserva. Os autores/editores adéquam o tempo ao espaço

8 A explicação para essa mudança nos parece bastante simples. A distribuição em três volumes (o

História: série novo ensino médio é volume único), obriga a uma adequação entre a distribuição de

páginas e a distribuição dos conhecimentos/períodos pelos três anos do ensino médio. 9 Isso ocorre quando os conteúdos são distribuídos em três volumes. 10 “um mundo bipolar” transforma-se em “A terra dividida” (relativo à guerra fria), “Sob o domínio do

capital” transforma-se em “O domínio da burguesia” e assim por diante. 11 “Rumo ao terceiro milênio”, por exemplo, (em virtude do esgotamento do novo milênio como

novidade), passa a chamar-se, nas três edições seguintes, “Ricos e pobres no mundo globalizado”. O

mesmo ocorre com o tópico referente ao Brasil: “Brasil de hoje”, no exemplar de 2002, é substituído por

“Brasil: a construção do futuro”.

5

(gráfico), enfatizando o recente ou o recentíssimo. Tal operação, talvez demonstre uma

preocupação mercadológica e acadêmica (que é também mercadológica): atualização

historiográfica (efetuada mediante fontes jornalisticas, sobretudo).

O “hoje” e também o “futuro” são abordados nos exercícios sobre os

conhecimentos referentes aos últimos textos citados que tratam da experiência

brasileira.

Síntese

Forme um grupo com seus colegas e elaborem uma redação sobre o Brasil no ano 2050.

Não se esqueçam de levar em conta o cenário mundial e os problemas discutidos

durante os seminários da classe12.

O “hoje”, nos exercícios, portanto, significa um presente relacionado ao ano de

uso do livro didático com abrangência subjetiva em termos de níveis de experiência

humana. O mesmo se pode dizer a respeito do “futuro”, posto em relação aos

acontecimentos dos últimos dez anos.

Ampliando o conhecimento Como está hoje o movimento estudantil? Quais são suas bandeiras? O que informam as

páginas da UNE, da UEE e de outras organizações estudantis na internet?13

Os exercícios que fazem referências ao presente também podem subsidiar o

desenvolvimento de algumas habilidades.

Trabalhando o contexto

No século XIX, o socialismo resumia as esperanças das classes trabalhadoras de

conquistar um mundo com menores desigualdades sociais. Ao longo do século XX, em

várias regiões do mundo, os socialistas conquistaram o poder. Faça uma pesquisa para

saber qual a situação do socialismo no mundo.14

Leitura e debate

Apesar das leis de proteção às crianças existentes em nossos dias, ainda é possível

encontrar casos de exploração do trabalho infantil. Com seus colegas de grupo, faça

uma pesquisa para descobrir qual a situação do trabalho infantil atualmente no Brasil.

Depois, escrevam um pequeno relatório sobre o assunto.15

12 FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2002.

p. 425. Grifos nossos. 13 FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2011.

p. 251, v. 3. Grifos nossos. 14 FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2003.

p. 56. Grifos nossos. 15 FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2010. p. 36. Grifos nossos.

6

Se não identificássemos os exemplos – como pertencente a uma ou outra

subseção – dificilmente poderíamos estabelecer diferenças. A “situação”, o “papel”, o

modo, o “poder”, o “sistema”, a “importância”, a presença, etc. são termos comuns que

identificam conhecimentos demandados aos alunos e indicam, apenas, que o presente,

nesses casos, não é objeto de cognição. O “atualmente”, “nos nossos dias”, “nos dias de

hoje”, “que vigora hoje”, “para a nossa vida”, “que fazem parte de nossa sociedade” são

demarcadores temporais, certamente. Mas tal presente aparece como resultado de um

longo processo, ou seja, a existência do presente justifica-se pela existência de vários

passados.

No manual do professor (encartado, apenas, nos títulos de 2002 e 2011), também

o presente é referido com todo o seu campo semântico: “atualidade”, “realidade do

aluno”, contemporâneo etc. Mas os sentidos e as funções concentram-se em dois polos.

O primeiro, de caráter estritamente pedagógico, lembra (embora não explicite) as

assertivas da aprendizagem cognitiva verbal significativa, desenvolvida nos Estados

Unidos, inicialmente por David Ausubel.

A proposta que está orientando a reforma do ensino médio insiste na necessidade de se

enfatizar a realidade do aluno. Espera-se, por exemplo, que o professor dê menos importância à memorização e que valorize o raciocínio e o espírito crítico. Em vez de

apresentar um conhecimento pronto, como se fosse definitivo, o educador precisa

estimular a capacidade do aluno de aprender, de descobrir e de resolver problemas,

levando sempre em consideração o seu conhecimento prévio.16

O segundo, de caráter estritamente historiográfico, lembra (embora também não

explicite) a urgência, no ensino, do conceito de historicidade – caráter de ser histórico,

inclusive a realidade vivenciada pelo aluno –, que pode afastar a ideia (nociva),

sedimentada no senso comum do aluno, de que a ciência da história estuda o passado

em si mesmo.

O professor deve reconhecer a importância da contextualização dos conteúdos vistos.

Para nós, isso significa ensinar que a história está relacionada com o presente e com a

vida do aluno. Em outras palavras, significa que o mundo contemporâneo pode ser

interpretado a partir de uma perspectiva histórica.17

16 FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2002.

Manual do professor, p. 3. 17 FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2002.

. Manual do professor, p. 3.

7

Trata-se de um casamento bastante conveniente entre teoria da aprendizagem e

teoria da história, que legitima a obra perante as prescrições estatais para a educação.

Do ponto de vista teórico, entretanto, o casamento apresenta fragilidades. Em primeiro

lugar, o presente está fora do livro didático, uma vez que é referido como “realidade do

aluno” e, como tal, é extremamente subjetiva. Assim, as atividades alimentam a

conclusão de que o livro didático apresenta-se como um estudo do passado para que o

aluno conheça as causas da sua situação atual. A historicização experimentada refere-se

ao presente do aluno e não a um presente resultante do trabalho do historiador.

No manual do professor produzido para a edição de 2011, o projeto pedagógico

(não modificado) reforça a sua dependência em relação aos “eixos cognitivos definidos

na matriz de Referência para o Enem 2009”.18 Ali, é ainda mais explícita e

(consequentemente) contraditória a oferta de atividades e a abordagem do presente. Ele

informa ser “recomendável que o professor, ao iniciar um novo assunto, comece sempre

pelo presente e, a partir daí, faça uma ligação com o passado”.19 O que vemos no livro é

o presente do aluno discutido em atividades ao final do capítulo, indicando, (mesmo em

termos pedagógicos) o prejuízo da relação, uma vez que o procedimento

prescrito/sugerido fica na alçada do professor.

2 - O tempo presente na coleção História

A exemplo da análise do título anterior, comecemos pelos elementos pré-textuais

da obra organizada por Ronaldo Vainfas e escrita também por Sheila Farias, Jorge

Ferreira e Georgina dos Santos. A apresentação inicia-se com a clássica pergunta “Para

que serve a História?” Os autores endossam a afirmação costumeira de que “estudar o

passado é essencial para compreender o presente”.20 Por outro lado, ressaltam que a

história “permite, sobretudo, conhecer o passado – outros tempos, outros modos de

18 FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2001. Manual do Professor,

pp. 4-5. 19 FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2011. Manual do professor,

p. 5. 20 VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina dos. História:

das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São Paulo: Saraiva, 2010. v.1, p.3. A partir daqui,

as citações indicarão apenas as páginas e volume de onde foram retiradas.

8

vida, outras sociedades”21. Dessa forma, somos levados à concluir que o grande valor da

história reside no conhecimento do passado.

Se na conversa inicial com os alunos o tempo presente não ganha destaque, no

sumário encontramos indícios de sua presença e articulação no livro, seja como título de

unidade – “Rumo ao novo milênio”, seja como título de capítulo – “Tempos de crise”,

“O Brasil da democracia” e “O colapso do comunismo”, “O novo século”, “a

globalização e a nova ordem mundial”, “Crise de 2007” e “Aquecimento global”.

Na abertura dos textos principais, além de uma ilustração relacionada a algum de

seus aspectos centrais, os autores apresentam o tema e os objetivos do capítulo. Em

alguns casos, um problema é formulado para estimular a leitura e a compreensão das

questões históricas em destaque.

Apesar desses procedimentos metodológicos e didáticos, no entanto,

praticamente não são trabalhadas situações que problematizem questões do tempo

presente. A abertura dos capítulos restringe-se ao tempo do próprio acontecimento

narrado, não promovendo o diálogo entre presente e passado. Isso ocorre, inclusive, nos

volumes onde a História Contemporânea é abordada, até mesmo em alguns dos tópicos

da última unidade do terceiro livro que reúne os acontecimentos da década de 1970 ao

século XXI.

Não obstante o tema tratado corresponder à história do tempo presente, a

articulação que a introdução desse capítulo poderia realizar com o presente mais

imediato dos alunos não ocorre – como estratégia metodológica para o desenvolvimento

da noção de temporalidade histórica, de continuidades e descontinuidades.22

O desenvolvimento dos conteúdos segue o mesmo procedimento, ou seja, os

capítulos abordam aspectos do tema estudado sem preocupação em estabelecer

aproximações com situações do tempo presente. Isso ocorre tanto nos tópicos

estruturados por uma narrativa marcadamente política – característica da grande maioria

21 VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina dos. História:

das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São Paulo: Saraiva, 2010. v.1. Grifos nossos. 22 As considerações que abrem o “Brasil da democracia” (Cap.16, v.3), anunciando que “é a história do

tempo presente do Brasil” que será conhecida, e “O novo século” (Cap.18, v.3), constituem exceções ao

abordarem questões referentes à cidadania, democracia e consciência ecológica, apontando mudanças e

permanências entre o final do século passado e primeira década do XXI. VAINFAS, Ronaldo, FARIA,

Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina dos. História: das sociedades sem Estado às

monarquias absolutistas. São Paulo: Saraiva, v.1, 2010.

9

–, quanto naqueles que enveredam pela discussão do cotidiano e da cultura do período

em foco23.

O tempo presente, seguindo a cronologia linear de apresentação dos conteúdos,

tem espaço garantido de forma absoluta no terceiro volume da coleção, dedicado à

história contemporânea. Esse é o período com maior quantidade de expectativas de

aprendizagem.24 Que espaço, então, ocupa o tempo presente na distribuição dos

conteúdos do período contemporâneo?

Com o fim do socialismo real – indicado como baliza da história do presente –,

os acontecimentos que compõem essa temporalidade histórica ocupam 4% do total de

expectativas de aprendizagem na coleção. Isso corresponde ao dobro do espaço ocupado

pela pré-história e uma diferença de apenas 3% se comparado à história antiga e

medieval. No entanto, apesar do espaço reservado à discussão do tempo presente na

unidade final do terceiro livro, seu capítulo inicial (cap.15) – da mesma forma como

ocorre em relação ao texto principal dos outros tempos históricos – centra-se nos

aspectos, características dos acontecimentos relatados sem articulação com o tempo

vivido do aluno.25

A mesma questão é enfrentada no exame dos “Boxes” complementares e do

“Roteiro de Estudos”, seções do livro didático presentes em todos os volumes: em que

medida as referências ao tempo presente aparecem e subsidiam a compreensão dessa

temporalidade a partir dos objetivos traçados? Nos boxes, predomina a preocupação em

realçar ou complementar aspectos da matéria em estudo, sendo raras as aproximações

23 Assim, por exemplo, “Entre o romantismo e a Belle Époque”, onde são destacados a literatura do

século XIX, as artes plásticas, as práticas de leitura, os comportamentos e hábitos burgueses (civilidade),

as “transformações nos sentimentos e ritos de morte”, o espaço público versus espaço privado etc, a

narrativa fica circunscrita à época trabalhada. VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro;

FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina dos. História: das sociedades sem Estado às monarquias

absolutistas. São Paulo: Saraiva, 2010. v.2, pp.345-365. 24 Em nossa análise, visualizamos que 56% das expectativas de aprendizagem para o ensino médio foram

construídas em torno dos acontecimentos, fatos e temáticas históricas da Revolução Francesa, anunciada como “o mais importante movimento revolucionário do mundo ocidental, marco inaugural dos tempos

contemporâneos” (VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS,

Georgina dos. História: das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São Paulo: Saraiva, 2010.

v. 3, p. 25), até o ano de 2009. A distribuição dos conhecimentos a partir desse evento começa a ser feita

no segundo capítulo do volume 2 da coleção (o primeiro é dedicado ao Iluminismo), significando que os

dois últimos anos desse ciclo escolar são dedicados, basicamente, ao estudo desse período da história. 25 A exceção ocorre com os capítulos 16, 17 e 18, “O Brasil da democracia”, “O colapso do comunismo”

e “O novo século”, respectivamente, por prolongarem seus conteúdos até o ano de 2009. No primeiro

caso, por exemplo, os autores tratam de questões políticas, econômicas e sociais do Brasil do ano 1985

até o segundo mandato do presidente Lula.

10

com o presente, até mesmo quando o aluno é convidado a refletir sobre as informações

veiculadas:

Escravos vindos da costa ocidental da África eram batizados e recebiam nome

português (cristão) no Brasil. Em áreas de ocupação portuguesa na África, como na

colônia de Angola, por exemplo, já vinham batizados.

1- Segundo o texto do historiador João Reis, de que área da África vieram os negros que

foram interrogados pelas autoridades?

2- Estabeleça uma relação entre o que diz o texto e a criação dos “cantos” de serviços

(na cidade de Salvador, na Bahia) e de muitas irmandades religiosas organizadas por

escravos no Brasil.26

Adentrando um pouco mais pela História Contemporânea, localizamos algumas

seções nas quais a relação passado/tempo presente é estabelecida27, como neste

exemplo: “Destaque, no balanço feito pelo autor, os papéis do homem e da mulher da

época. Sua interpretação sobre o papel da mulher seria bem recebida nos dias de hoje?

Justifique”.28 Curioso, no entanto, é que o procedimento não se estende para o restante

do Contemporâneo.

Quanto à história do tempo presente, somente nos capítulos da última unidade do

volume 3 constatamos alguns boxes que articulam tempos diversos (no caso, as décadas

finais do século passado com o XXI). Essa é a tônica de todos os capítulos dessa

unidade, com exceção do que inaugura a parte final do livro. Tal característica nos leva

a concluir que, sendo o fim do socialismo real – cujo símbolo maior é a queda do muro

de Berlim – o referente cronológico do tempo presente, somente nos três últimos

tópicos a relação presente/passado/presente é contemplada sistematicamente.

No “Roteiro de Estudos”29 também é escasso o diálogo entre

presente/passado/presente. Predominantemente, a seção convida os aos escolares a

resolverem atividades relacionadas ao conteúdo estudado e sua época. Independente de

qual seja o período histórico, é reduzido o número de atividades que promovam uma

reflexão articulando tempo presente e passado, ficando a cargo do professor

26 VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina dos. História:

das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2, p.260. 27 Respectivamente, capítulos 15, 16 e 17, do segundo volume, cujos títulos são: “O imperialismo ataca o

mundo”, “Modernização e novas tecnologias” e “Entre o romantismo e a Belle Époque”. 28 VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina dos. História:

das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2 pp.350-351. 29 Esta fica no final de cada capítulo e está dividida em quatro subseções: “Para organizar”; “Reflexões”,

“Vamos testar?” e “Para fechar”. Como “Vamos Testar?” reúne questões de vestibulares e de provas do

ENEM com o objetivo de preparar os alunos para ingressarem na Universidade, retiramos essa subseção

de nossa análise.

11

proporcionar essa aproximação. Nas seções localizadas nos capítulos sobre a história do

presente, obviamente, os exercícios colocam em discussão essa temporalidade, mas a

maioria também se volta para aspectos do conteúdo em estudo e da sua cronologia (anos

1970, 1980, 1990, por exemplo), sem levar em conta o tempo presente dos alunos.

Vejamos agora o manual do professor30. Em sua apresentação observamos

sintonia com os objetivos declarados aos alunos no inicio de cada volume, quais sejam:

despertar neles

o gosto pela História. A curiosidade pelo passado, os sofrimentos, as lutas, as crenças,

os modos de viver e sentir de outras épocas e sociedades. Sem estimular esse encontro entre os alunos e o estudo do passado, quaisquer outros objetivos de um livro de

História ficam prejudicados.31

Nesse sentido, o uso de textos, documentos, imagens e outros recursos

metodológicos intencionam “estimular o diálogo, a reflexão dos alunos e, no limite, a

reconstrução do passado”.32 A ênfase dos autores na função de produtora conhecimento

acerca do passado reforça o entendimento comum de que o presente não é, também,

objeto de reflexão da história. Embora façam referência a existência desse campo de

pesquisa, quando dizem que não excluíram as “crises contemporâneas”, dedicando uma

parte do livro “ao que hoje se chama ‘história do tempo presente’”33, nenhuma

discussão conceitual nessa direção é empreendida: O que é a história do tempo

presente? No que esta difere da História Contemporânea? Quais são as suas balizas

cronológicas e porque?

A própria terminologia quase não é utilizada no manual, sendo referida somente

quatro vezes ao longo das 96 páginas do texto.34 Os termos “atual’, “atualidade”,

“história contemporânea” e “mundo contemporâneo” concorrem com o de tempo

presente para se referir aos fins do século XX e princípios do XXI, fazendo parecerem

30 Utilizamos o Manual do Professor que está no final do terceiro volume da coleção, por isso indicaremos apenas à página de onde foram retiradas as citações. 31 VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina dos. História:

das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2 p.2. 32 VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina dos. História:

das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2 p.2. 33 VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina dos. História:

das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2. p.3. 34 A referência cai para três se levarmos em consideração apenas a primeira parte do manual, que é a

mesma para todos os livros, já que a última é dedicada a orientar o professor nos conteúdos específicos de

cada um dos volumes.

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vocábulos sinônimos, como no exemplo que se segue sobre a descrição da unidade que

encerra o terceiro volume da obra (intitulada “Rumo ao novo milênio”):

Composta de quatro capítulos, dedicados ao estudo dos problemas do mundo

contemporâneo, sobretudo na segunda metade do século XX. O foco desta unidade são

mudanças que ocorrem em diversas sociedades: no mundo socialista, o chamado

“reformismo comunista”; na Europa e nos Estados Unidos, o movimento de

contracultura e a Revolução Técnico-Científica. Em período mais recente, a

preocupação é com o conjunto formado por três grandes processos: o colapso da União

Soviética, a ascensão do neoliberalismo e o movimento de globalização. Um capítulo

sobre a história do tempo presente brasileiro integra a unidade.35

Contemporâneo ou tempo presente? Qual a baliza cronológica da história do

presente, toda segunda metade do século passado ou a partir do fim do socialismo real?

Estas questões não são delineadas de forma clara no manual ou nos volumes da obra,

mesmo naquele destinado ao século XX e XXI – à exceção do tempo presente brasileiro

que, para os autores, é inaugurado com o fim da ditadura militar, apesar de não

explicitarem a razão.

A leitura do manual do professor, portanto, reforça a perspectiva também

predominante nos elementos pré-textuais, textos principais e seções (boxes e exercícios)

aqui analisadas de que o objeto primordial da história é o passado, seja ele remoto ou

recente. Todas as orientações teóricas e metodológicas da ciência de referência

trabalhadas no manual, além de demonstrarem cumprimento com as exigências do

Edital PNLD 2012/Ensino Médio, frisam, prioritariamente, a ideia de “reconstrução do

passado”. 36

Para finalizarmos, no que se refere à relação passado/tempo presente, apesar de

os autores discutirem a articulação de temporalidades e espaços diversos como forma de

evitar uma “fossilização do passado” e de entenderem que o tempo da história é

múltiplo, comportando mudanças e permanências, percebemos que a articulação entre

diversas temporalidades se realiza de maneira muito tímida no manual do professor.

35 VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina dos. História:

das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2, p.30. Grifos

nossos. 36 Ao explicarem a seção “Roteiro de Estudos”, o objetivo apontado para as propostas de atividades da

subseção “Para fechar” é o de buscar fazer “com que o aluno se sinta um pouco como historiador, como

se estivesse ele mesmo a fazer história, reconstruindo o passado e não só aprendendo conteúdo ou

interpretações já dadas”. VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS,

Georgina dos. História: das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São Paulo: Saraiva, 2010.

v. 2, p.24.

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Essa característica, como vimos, também está presente nas várias seções do texto

destinado ao aluno. Na verdade, os que os autores tentam evitar – o que condenam em

outros livros didáticos – é priorizar um “olhar sobre o contemporâneo” para não caírem

no presentismo. Em função dessa atitude, poucas são as aproximações empreendidas

entre essas duas temporalidades e escassas as discussões ou sugestões de concretizar

essa articulação.

Conclusões

Em busca de definições, marcos temporais, conteúdos conceituais e usos do

tempo presente, analisamos alguns títulos didáticos de Divalte Figueira e Ronaldo

Vainfas destinados ao ensino médio. Nos livros de Divalte Figueira, verificamos que a

preocupação de incorporar ao livro didático a experiência do presente é perceptível em

seus elementos pré-textuais. Apesar disso, no entanto, as obras não empregam a noção

de história do presente. Além disso, mesmo trabalhando com a clássica divisão

quadripartite da história, insinuado uma diferença temporal entre o contemporâneo e o

presente, o tempo presente não é objeto de discussão.

Nos exercícios, como certa frequência, localizamos algumas questões que

promovem articulação entre o “hoje” do aluno e temporalidades recuadas. Mas o

presente é empregado com o sentido de “realidade” e “presente do aluno”,

demonstrando descompasso da obra em relação às discussões conceituais, acadêmicas,

sobre o tempo presente.

Quanto à coleção organizada por Ronaldo Vainfas, o sumário apresenta indícios

da incorporação e da abordagem do tempo presente em sua periodização e no uso de

vocábulos. A inserção de experiências sociais recentes na obra denota a importância que

a construção de um “juízo crítico” sobre o presente assume no aprendizado histórico

escolar.

Por outro lado, o exame dos textos principais, propostas de atividades e boxes

complementares mostraram que, em relação aos diversos períodos da história, são

esparsas as relações estabelecidas entre passado/tempo e presente/passado. São

exceções os três capítulos finais do último volume da coleção. Neles, parte dos boxes,

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atividades, introduções e textos principais estendem suas discussões até as vésperas de

publicação da obra, ou seja, até o presente vivido do aluno.37

No manual do professor, da mesma maneira que acontece no texto de

apresentação dedicado ao aluno, a ênfase sobre o papel da história como produtora de

conhecimento acerca do passado também dificulta a percepção do presente como objeto

de estudo da história. Embora a expressão história do tempo presente seja utilizada pela

primeira vez em toda a obra nesse texto, indicando o reconhecimento de sua existência

pelos autores, nenhuma discussão de ordem conceitual e de delimitação cronológica é

realizada.

Limitados às fontes selecionadas para este texto, constatamos, portanto, que as

discussões da historiografia sobre tempo presente, como campo de investigação

histórica, não são articuladas nas obras referidas. Apesar de indicada, ela não é

decifrada conceitualmente para os alunos e professores. Da forma como estão

organizadas, o tempo presente configura-se muito mais como sub-período do

contemporâneo. Assim, seja nos elementos pré-textuais, seja nos exercícios ou no

manual do professor, prevalece a noção do presente como ponto de partida para

compreensão do passado e a historicização da realidade do aluno, atendendo exigências

historiográfica e pedagógica.

Abordar o passado a partir do presente, no entanto, não significa a realização de

uma história do presente. Tal prática, que não apresenta definições, funções, ou balizas

cronológicas justificadas conceitualmente, está muito mais próxima da historiografia

aditiva referida por Koselleck38 – do hábito de registrar os acontecimentos

contemporâneos ao historiador – em voga há pelo menos quatrocentos anos, ainda que a

construção dos livros analisados não mais ocorra dentro da compreensão do tempo

como fenômeno estático e de uma história como mestra da vida.

37 O que não poderia ser diferente, tendo em vista tratar de capítulos dedicados ao tempo presente. 38 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de

Janeiro: PUC-RJ/Contraponto, 2006. p. 276.

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Fontes

VAINFAS, Ronaldo, FARIA, Sheila de Castro; FERREIRA, Jorge; SANTOS,

Georgina dos. História: das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São

Paulo: Saraiva, vol.1, 2010.

_______. História: o longo século XIX. São Paulo: Saraiva, vol.2, 2010.

_______. História: o mundo por um fio: do século XX ao XXI. São Paulo: Saraiva,

vol.3, 2010.

FIGUEIRA, Divalte. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2002.

_______. História: série novo ensino médio. 2ed. São Paulo: Ática, 2003.

_______. História: série novo ensino médio. 3ed. São Paulo: Ática, 2010.

_______. História em foco. São Paulo: Ática, 2011 (2 v.).

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Referências

ARÓSTEGUI, Julio. La historia vivida. Sobre la historia del presente. Madrid: Alianza

Editorial, 2004.

BÉDARIDA, François. Tempo presente e presença na história. In: AMADO, Janaina;

CHAUVEAU, Agnés; TÉTART, Philippe. Questões para a história do presente. São

Paulo: EDUSC, 1999.

FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. In: Cultura

Vozes. Petrópolis: Editora Vozes, v.94, n0 3, 2000, pp.111-124. Disponível em:

<http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/517.pdf>. Acesso em: 21/07/2008.

FREITAS, Itamar. O saber em fatias: o livro didático em seções e as seções em livros

didáticos de História (1900/2010). Notas para orientação. Nossa Senhora do Socorro, 5

dez. 2010.<http://itamarfo.blogspot.com.br/2010/12/o-saber-em-fatias-o-livro-didatico-

em.html>. Capturado em 17 mai. 2012.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos

históricos. Rio de Janeiro: PUC-RJ/Contraponto, 2006.