Rainbow in the Dark: A Autobiografia - Vision Vox

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Texto fixado conforme as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

EDITORA RESPONSÁVEL

Lívia Martins

TRADUÇÃO

André Capilé

REVISÃO

Jaqueline Kanashiro

DIAGRAMAÇÃO

Leandro Camaratta

LEITURA FINAL

Júlio Feriato

CAPA

Ale Santos(sobre foto de Neil Zlozower/Atlasicons)

1a edição, agosto de 2021.

Direitos de edição e comercialização em território brasileiro exclusivos a:

Editora Estética Torta

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Quando Ronnie começou a escrever este livro, a intenção era que não tivesse fim. O câncer,

que acabaria por vencê-lo, ainda não havia surgido e, para ele, o futuro ainda era promissor.Esse foi o Ronnie James Dio por quem me apaixonei à primeira vista e depois me casei – uma

força imparável da natureza para quem todas as coisas eram possíveis, mesmo quando o destinoparecia conspirar contra. Você pode dizer: especialmente quando o destino parecia conspirar contraele.

Como você descobrirá, lendo esta história extraordinária, Ronnie nasceu como um lutador.Dissesse a ele que algo não poderia ser feito, e moveria céus e terras para provar que sim. Uma vezque Ronnie fixava seus olhos em algo, raramente, ou nunca, errava o alvo. Assim foi com suaautobiografia. Mesmo depois de adoecer, em 2009, estava determinado a deixar para trás umregistro escrito. Tal como acontecia com suas letras, tudo foi escrito à mão. Ele nunca usou umcomputador. Tinha uma bela caligrafia. Escrevia suas memórias e depois me passava as páginas,que eu pedia para o meu assistente digitá-las.

Ronnie sempre foi um leitor voraz e um contador nato de histórias. Ele poderia fazer você riraté que as lágrimas corressem pelo rosto. E poderia fazer você pular e chorar com algumas dashistórias dos tempos desesperadamente difíceis que viveu para, finalmente, tornar os sonhosrealidade.

Se as letras ricas e imaginativas de Ronnie foram sua poesia, este livro se tornou sua despedidapessoal, escrito com o coração, sem favorecimentos, apenas narrando, porque esse sempre foi ojeito de Ronnie, seu código.

Ronnie tinha ido fundo, até o arco-íris, anos antes de sua doença invasora o forçar a diminuiro ritmo. Nesse ponto, começou a escrever notas e a planejar como o resto do livro seria. Fui capazde ajudá-lo a esboçar os pensamentos e as memórias quase até o presente. Sempre que discutíamosisso, Ronnie insistia que a história que ele queria contar era a da esperança triunfando sobre o

desespero, como a alegria e a positividade, a magia e a luz sempre superarão a escuridão. Nuncatenha medo da noite, o amanhecer está sempre no horizonte.

Após a morte de Ronnie, em 2010, o plano era publicar suas memórias o mais rápido possível.Não aconteceu, então, porque naquele momento, com o meu coração partido, eu simplesmentenão conseguia enfrentar o trabalho de algo tão profundamente pessoal para ele. Sempre planejeiajudar a trazê-lo, um dia, à sua conclusão mais verdadeira. Era o mínimo que Ronnie merecia.Sua história simplesmente precisava ser ouvida.

Ronnie acreditava muito que o momento certo para algo sempre se tornará óbvio, se vocêpuder apenas ser paciente para que o universo lhe revele suas verdades.

Ronnie e eu conhecemos Mick Wall em 1980, quando era o assessor de comunicação doBlack Sabbath, no Reino Unido, trabalhando para promover Heaven and Hell, álbum que Ronnieconsiderava o seu melhor com a banda. Mick tinha apenas 20 anos e, mais tarde, me contou,rindo, como estava com medo de Ronnie na época, mas foi o início de uma amizade para toda avida entre os dois. No momento em que o Dio, sua banda pós-Sabbath, explodiu em cena, Mickera um rosto familiar. Ele se tornou um lendário escritor sobre música e apresentador de ótimosprogramas de TV e rádio, incluindo um memorável documentário de TV no estilo Estrelas,1 emque ficava em nossa casa jogando sinuca, bebendo cerveja conosco no bar, estilo pub inglês, evagando por aí olhando as armaduras, além da vasta coleção de antiguidades e artefatos góticos deRonnie.

Em meados dos anos 1990, Mick voltou a ser o RP2 de Ronnie, em Londres. E, em 1998,tornou-se a força editorial criativa por trás do lançamento, e subsequente enorme sucesso, darevista Classic Rock. Foi enquanto recebia o prêmio Metal Guru,3 na Classic Rock Awards de 2006,em Londres, que Ronnie renovou sua amizade com Mick.

Quando, há alguns anos, Mick perguntou-me se eu estava pronta para começar a pensar emdesenterrar o livro de memórias de Ronnie, deu-se início a uma conversa que se alongou pormuitos meses, durando, afinal, anos. Tendo tido tempo, desde a morte de Ronnie, para finalmentereunir um arquivo adequado de suas entrevistas ao longo de sua carreira – em milhares de jornais,revistas, aparições na TV e rádio –, mais uma tonelada de outros produtos, tais como longasentrevistas dadas por ele, primeiro para os vídeos que lançamos, ou depois adicionamos comoextras para os vários CDs e DVDs, além de peneirar e catalogar uma vida inteira de fotos, históriase outras lembranças pessoais incríveis e, é claro, suas notas autorais do manuscrito inacabado, foionde começamos nossa jornada de acabamento do livro que você agora tem em suas mãos.

Segurando as pastas contendo todas as páginas originais escritas à mão, as notas minuciosas, ospensamentos dispersos e as antigas folhas impressas de computador, tudo era um poderosolembrete de quão importante era fazer este livro acontecer da maneira que Ronnie sempreplanejou. Eu sabia que precisaria de ajuda. Mick foi a escolha óbvia. Conhecia Ronnie há trintaanos e era claramente o melhor escritor e editor que eu poderia começar a trabalhar no livro. Elenão nos decepcionou, honrando a história incomparável de Ronnie, antes de qualquer coisa,

depois os fãs e a mim.Mick foi capaz de reconstruir o rascunho original das palavras de Ronnie e ajudar a reforçá-las,

quando apropriado, adicionando algumas das palavras de Ronnie a partir de outras fontes,incluindo seu próprio arquivo cavernoso, que mantém muitas conversas longas e profundas comRonnie ao longo dos muitos anos de amizade mútua.

Como qualquer pessoa que já conversou com ele pode testemunhar, Ronnie gostava de falar.Tentasse calá-lo! Opiniões sobre todos os assuntos sob o Sol! O que ele não sabia? Ao mesmotempo, Ronnie amava apenas sair com os fãs, ouvindo o que tinham a dizer. Muito antes de setornar famoso, até o dia de sua morte, três bandas de rock lendárias e mais de cento e cinquentaálbuns nas costas, Ronnie falava com as pessoas o dia todo e a noite inteira, e ainda saía e cantavamelhor do que qualquer outro cantor de rock que você já ouviu.

Sempre que Ronnie e eu conversávamos sobre onde o livro deveria terminar, sua posiçãoinflexível era a de que este primeiro livro de memórias deveria terminar em 1986, na mesma noiteem que Dio foi headliner no Madison Square Garden. Ronnie estava há apenas algumas semanasde seu quadragésimo quarto aniversário naquela noite mágica de junho. Ele tinha sido a atraçãoprincipal do Garden, duas vezes antes, com o Sabbath, mas esse foi o primeiro show com seupróprio nome – uma ocasião importante para o garoto do norte do estado de Nova York, quesonhava em ver seu nome no letreiro da arena mais famosa da cidade, desde que era umadolescente. Tornou-se a maior glória da carreira de Ronnie. Literal e figurativamente, seu sonhose tornou realidade. Eu estava com ele naquela noite, como esposa, empresária, mas, acima detudo, como a maior fã. Eu sabia o que esse show significava para Ronnie. Ele finalmente escalou otopo da montanha mais alta, contra todas as probabilidades, inteiramente em seus próprios termos.Como disse naquela noite: “Se minha vida acabasse amanhã, não importaria. Isso é o que possofazer de melhor por mim”.

Claro, Ronnie ainda tinha muitos anos pela frente, nos quais continuou a fazer alguns dosmelhores álbuns da altiva discografia do Dio. Também voltou com a formação de Heaven and Helldo Sabbath, não uma, mas duas vezes, gravando juntos mais dois álbuns fantásticos, incluindo omagnífico The Devil You Know, lançado apenas um ano antes da morte de Ronnie, e seu últimohit no Top 10, na América. Depois disso, porém, é outra história.

Ele nunca parou de dar tudo o que tinha para os seus fãs leais e amados, dentro e fora do palco.Foram anos de luta às vezes, mas, como você verá, Ronnie nunca se esquivou do trabalho duro esempre saiu vitorioso. No final, a única coisa que não conseguiu derrotar foi a mortalidade.

Há, obviamente, um livro a ser escrito um dia sobre o último quarto de século da vida deRonnie. Certamente, há material suficiente no enorme arquivo para que, um dia, possamostransformar tudo isso em um livro superlativo nesse sentido, mas este não é aquele livro. Esta éuma obra sobre a qual Ronnie viu como “a primeira metade da minha vida”, em suas própriaspalavras, em seu próprio estilo inimitável, e de acordo com o espírito de como gostaria de serlembrado. Era absolutamente inegável seu otimismo, nunca desistia.

Esse é o Ronnie James Dio que você conhecerá de maneiras que nem eu pensei serempossíveis quando ele começou a escrevê-lo. Ou, como disse em uma de suas canções maismemoráveis:

The world is full of Kings and QueensWho blind your eyes and steal your dreams…And they’ll tell you black is really whiteThe moon is just the sun at nightAnd when you walk in golden hallsYou get to keep the gold that fallsIt’s Heaven and Hell4

Sexta, 20 de junho de 1986.

No comecinho da noite, nos bastidores, em meu camarim, naquele espaço sagrado entre apassagem de som e a hora do show, onde, se tiver sorte e ninguém te encher o saco, você poderealmente se sentar e pensar. Um negócio quase impossível de ser feito em qualquer outromomento da turnê.

É uma daquelas noites de verão que derretem as cidades por aí, gentileza que só se encontraem Nova York. Você não pode desacelerar Nova York, mas esse calor é bem próximo deconseguir tal feito. Até os carros parecem buzinar menos barulhentos: toda a Sétima Avenidasuando em bicas.

Mas é sexta-feira à noite e todo mundo espera alguma coisa do que está rolando neste fim desemana. Esta noite, em particular, inclui a mim e a minha banda, Dio. Somos a atração principalno Madison Square Garden, e o show, previsto para 20 mil pessoas, teve os ingressos esgotados.

Tem uma galera lá fora, ficando ainda mais alucinada com o calor, literalmente lutando paraentrar. Isso é uma realização para nós. O Dio tem sido uma grande banda de arena, desde omomento em que lançamos nosso primeiro álbum, Holy Diver, mas este é o Garden, e esse é umoutro patamar de realidade.

Eu sou um cara de Nova York. Mesmo depois de viver e trabalhar em Los Angeles por tantosanos, o que amo, sou e sempre serei um cara de Nova York. Tenho sonhado em ser a atraçãoprincipal do Madison Square Garden desde que tomei conhecimento de sua existência.

Estou sentado aqui, nesta agradável noite de sexta, protegido da poeira e do calor por um ar-condicionado superpotente, contemplando o quão longe já cheguei em minha jornada musical eainda o quão perto deste lugar eu sempre estive. Lembrando, com um arrepio, daquelas manhãsfrias de segunda-feira, quando dirigia cerca de 400 quilômetros até a cidade, com o objetivo de meinfiltrar no edifício Brill, na Broadway, onde Carole King e Gerry Goffin escreveram “Will You

Love Me Tomorrow”. Esperava por uma brecha, qualquer tipo de brecha. Na qual, de algumaforma, em 1960, no alto dos meus 17 anos com ar de menino antigo,5 fui autorizado a gravar umabalada de auditório, da coleção Tin Pan Alley,6 chamada “An Angel Is Missing”. Ronnie Dio andthe Red Caps, era a banda. Não foi um sucesso. Mas isso não me impediu naquele tempo, assimcomo nada me impede agora.

Pode me dizer que sou um velho romântico, mas nunca cantei por dinheiro. É verdade quesempre fui afortunado, ou meramente remediado, por ter sido pago por meu trabalho. Mas não éisso que me move, o que me ajudou a superar os tempos em que pensei que estava acabado, o queme inspirou a escrever minhas melhores músicas foi sempre tentar cantar com minha melhor vozou ser um verdadeiro amigo para os meus fãs, não apenas mais uma foto numa revista.

Sentado aqui, agora, olhando para trás, me deleitando com o fato de que levei apenas umquarto de século para finalmente chegar aqui, posso alegremente dizer a vocês que, aconteça o queacontecer pelo resto da minha vida, sempre poderei dizer que algum dia meu próprio show foi aatração principal no Madison Square Garden. Foi o que fiz, definitivamente, alcançar meusobjetivos e dar graças aos deuses por tornarem os sonhos mais reais do que os pesadelos.

Estar em uma banda mundialmente famosa é uma rara vitória que a maioria dos músicossequer espera alcançar. De certa forma, encontrar-se em duas bandas mundialmente famosas pareceser ainda mais ambicioso. Daí descobrir-se um sucesso pela terceira vez, especialmente quando,dessa vez, é com sua própria banda, bem, eu me considero um cara extremamente sortudo.

Ao ler este livro, espero que você encontre respostas para todas as perguntas que, sei, muitagente há um longo tempo deseja me fazer. Seja qual for o seu julgamento depois de lê-lo, eu oaceito. O Bom. O Mau. O Belo.7 Fui completamente eu, em tudo.

Mas saiba disto: se eu morrer amanhã, você será minha testemunha de que faço isso depois deter vivido minha vida plenamente.

Quando era adolescente, costumava passear pelo Garden praticamente todas as semanas,olhando para cima, para qualquer grande nome que estivesse no letreiro luminoso, e fazia umapromessa a mim mesmo.

“Um dia vou tocar neste lugar”.Wendy me disse que poderíamos ter tocado na arena Meadowlands, em Nova Jersey, pelo

dobro da grana que vamos receber nesta noite, porque o Garden é uma espécie de complexoempresarial. Mas disse a ela: “Quero porque quero tocar no Madison. Sempre foi meu sonho”.

Quando Wendy e eu saímos da limusine hoje, olhamos para cima e lá estava, nas luzes doletreiro, Dio, Madison Square Garden, Nova York. Estávamos tão entusiasmados! Eu queria queWendy tirasse uma foto. Mas tínhamos esquecido a câmera. Não me importei. Ninguém jamaisseria capaz de tirar uma foto que capturasse verdadeiramente o significado daquele momento paramim. Ainda enchi o saco dela por isso. Obviamente.

Certo, tenho que ir e me preparar. Eu os ouço chamando meu nome.

Era um sábado especial para mim. O primeiro dia das férias de verão jogando beisebol com a

molecada da vizinhança. Isso teria sido, por si só, o suficiente para me manter feliz, mas tambémtransparecia que esse dia seria especial de outra forma, tomando um caminho inesperado. Esse foio dia em que começou minha jornada musical ao longo de toda a vida.

Assim que me sentei com a minha mãe e o meu pai para tomar o café da manhã, senti algumacoisa no ar, tipo uma tensão invisível ajustando minhas antenas psíquicas, o que geralmenteindicava a chegada de alguma encrenca ainda desconhecida. Então meu pai me explicou tudo.Que instrumento musical eu escolheria para aprender a tocar e me tornar um sujeito maiscompleto?

HÃ?Por essa eu não esperava. Eu tinha 6 anos. Até aquele momento, não tinha absolutamente

nenhuma aspiração musical. Se você não pudesse lançá-lo, pegá-lo ou chutá-lo, nada daquilo teriautilidade. Qual instrumento musical eu escolheria para aprender a tocar? “Nenhum”, eu disse.“Por que iria querer fazer isso?”

Meu pai, Pat – um ítalo-americano duro e pragmático, que não tolerava discussões, muitomenos de seu único filho –, reverteu rápido e decisivamente meu veto e fez a perguntanovamente. Ao que, é claro, dei uma resposta diferente, mais afirmativa. Ganhando tempo,perguntei quais instrumentos poderia escolher.

Minha mãe, Anna, veio ao meu socorro. Ouvir a rádio, e decidir de qual som mais gostava,forneceria a resposta sobre qual instrumento deveria aprender a tocar. O antigo rádio Philco“Baby Grand” entrou no embalo, e os tons dourados do trompete de Harry James encheram apequena cozinha. Gostava de dizer que, naquele momento, minha alma foi elevada, as janelas daminha mente escancaradas para deixar os sons alegres reverberarem. Realmente gostaria de dizerisso, mas, cacete, eu tinha um jogo para jogar.

“É isso”, soltei no ar enquanto pegava minha luva de beisebol para ir embora. Para o meuhorror, meu pai ficou no meu caminho e anunciou que, em vez disso, iríamos à McNeil Music,uma das duas lojas de música da cidade, para comprar um trompete igualzinho ao de Harry James.Como odiei aquele homem naquele momento.

Meu pai e eu nos apinhamos dentro do carro – acho que isso era coisa de homem – e, quandosaímos da garagem, meu coração mergulhava mais fundo a cada giro dos pneus. “E o jogo?”, eupensava. Foi nesse dia que os jogos terminaram e a vida real teve início.

Fiquei estupefato com a loja de música. Tantas formas de aparência curiosa para ver e sons paraescutar. Por alguma razão bizarra, me senti confortável ali. Os irmãos McNeil, Danny e John, queeram completamente contrastantes entre si, nos cumprimentaram. Danny, baixinho e careca, eJohn, grande, atlético e robusto feito um telhado de sapê. Danny, o mais efervescente e semrodeios, assumiu o controle da situação e nos conduziu à seção de metais.8 Lá, pareceu ajoelhar-seatrás do balcão como numa pequena prece e, então, com um floreio, apresentou-me ao que seriameu amigo mais chegado nos próximos doze anos, um trompete Olds Ambassador. Era lindo,reluzente, de latão e prata, deitado em uma cama de veludo bordô. Eu apostaria que mesmo ovelho Harry James nunca teve nada parecido com aquilo.

Em seguida, fomos levados para um porão, que mais parecia ter um ar de consultório dedentista, e – bang! – voltou o frio na barriga. Não precisa se preocupar, pois eram as salas deensaio, onde minha doutrinação na comunidade musical acabava de começar.

Meu pai e eu fomos apresentados a um homem de aparência erudita, com um sorrisoamigável. Chamava-se Sam Signorelli, que se tornou meu primeiro professor. Ele levava otrabalho muito a sério e estava bastante preocupado que o trompete pudesse não ser adequado paramim. Examinou minha boca, meus dentes, minha embocadura (lábios, para quem nunca soprouum berrante9). Eu meio que esperava que me dissesse para “largar aquilo” e, em seguida, virouminha cabeça e tossiu.

Aparentemente, passei no exame, porque o Sr. Signorelli me entregou o trompete e mostroucomo segurá-lo. Então me instruiu como apertar meus lábios e soprar seco, numa espécie de testesem o instrumento, logo em seguida chegou o momento da verdade. Soprei naquela coisa e umtimbre espantoso abriu caminho lentamente por todas as válvulas e saiu para a claridade. Meu paiiluminou-se, o Sr. Signorelli ficou boquiaberto. E coloquei um ponto-final na mais curta carreirano beisebol.

Progredi rapidamente e me tornei alvo de alguma atenção.“De onde vem toda essa potência?”“Ele é tão pequeno”.“Eita, o trompete é maior que ele!”Declarações as quais aprendi a conviver durante todo o tempo na minha atuação como

trompetista.Meu pai acreditava que a prática leva à perfeição. Na verdade, acho que ele detém a patente

dessa frase. Então, com essa regra firmemente estabelecida, e meu pai vigiando de perto, comecei apraticar trompete 4h por dia. Quatro horas. Todo santo dia. Um mandamento que nunca sequebrou, nem mesmo aos domingos, que, meu pai deixava claro, não era dia de descanso.

Eu realmente odiava aquele troço. Os sons da minha buzina tornaram-se música de fundo paraos gritos e risos das crianças da vizinhança brincando do lado de fora. Mas, aos poucos, conformeminhas habilidades no trompete aumentaram, também aumentou minha autoconfiança, dando-meuma identidade musical, como um superpoder, que comecei a desfrutar. Embora não pudessesaber na época, minha crescente habilidade e meu conhecimento do trompete realmente meajudaram muito mais tarde como cantor, em parte por saber como respirar, em parte por causa dofato de que o trompete tem sua própria voz, seu próprio fraseado. Percebo agora que, se não fossepor todos aqueles anos aprendendo trompete, teria sido um cantor diferente.

Meu pai gastava quase todo o tempo da prática diária comigo. Era muito mais dedicado a esseprojeto do que jamais fui. Achava que ele sabia e entendia mais sobre aquilo do que eu jamais seriacapaz de aprender. Isso perdurou durante os primeiros anos. Mas, não por acaso, sua frequênciadiminuiu conforme a música e a técnica exigidas se tornavam cada vez mais difíceis. Contudo, aorientação inicial de meu pai não tinha preço, porque, por mais preguiçoso que eu fosse comqualquer coisa de que não gostasse, sua completa insistência para que eu tivesse sucesso definiu umcurso para todos os meus esforços futuros como músico. Trabalho árduo, disciplina, orgulho de sero melhor que você puder, todas essas qualidades foram incutidas em mim por meu pai duranteaqueles anos, aparentemente intermináveis, em que estive aprendendo e praticando, e praticando,ainda mais uma vez, aquele maldito trompete.

Pelo menos não tive que lidar com isso da maneira que meu pai o fez quando era criança. Opai dele, logo que desembarcou vindo da Itália, trouxe um dia para casa um banjo, um violino eum clarinete. Chamou meu pai e seus dois irmãos, John e Peter, para a sala da frente, entregoualeatoriamente um instrumento a cada um e ordenou que tocassem. Meu pai teve a boa graça depular para as aulas.

Meu avô paterno, Tony Padovano, era um homenzinho duro, teimoso e dominante.(Disseram-me que o nome da família foi mudado pra “Padavona”, depois que seus filhoscomeçaram a escola, porque acharam mais fácil de lidar com a escrita, mas eu nunca entendimuito bem isso). As provas de força de meu avô Tony eram lendárias. Ele dirigia uma siderúrgica,na qual ele e toda uma geração de imigrantes italianos trabalharam. Tony trouxe no pacote todosos estereótipos do sul europeu, sinais de sua época. Não aceitava merda nenhuma de ninguém e sóabria mão de suas simpatias a contragosto; meu relacionamento com ele era exatamente assim.Prazer não permitido, dor a ser aceita.

A esposa de Tony, minha avó paterna, chamava-se Erminia. Ela era, na opinião de todos, umasanta, entretanto, a estimativa parece menor que sua dimensão exata. Erminia amava, igualmente,cada um de seus filhos e suas proles. Ninguém era desprezado e todo mundo repartia. A línguainglesa, tanto escrita quanto falada, era um problema dela para com os outros, mas nunca entre

mim e ela. Uma fatia de sua pizza incrível e um “bella xícara de café” (ela pronunciava “cááá-fééé”) sempre foram suficientes para secar uma lágrima e fazer brotar um sorriso. Como lidavacom seu casamento sempre me pareceu um milagre. Porém, abençoada, ela o fez.

Eu andava com minha “Vovó” para todo o lado. Tony tinha um carro, mas não possuíahabilitação, e o tinha apenas para impressionar seus amigos. Então vovó e eu íamos a pé aosmercados; à usina siderúrgica, para entregar o almoço para o meu avô e os seus filhos; e combastante frequência íamos à igreja e a qualquer outro lugar que vovó, arrebatada, imaginasse.

Foi nessa época que comecei a notar minha avó fazendo um estranho gesto com a mão quandoestranhos se aproximavam ou passavam muito perto. O gesto consistia em levantar o dedoindicador e o dedo mindinho, enquanto dobrava o dedo médio e o anular na palma da mão, emque eram segurados pelo polegar. Só descobri anos depois que este era o Maloik, tambémconhecido como O Demo, ou como o Sinal do Diabo, ou como Mano Cornuta. Algo que minhavovó usava como proteção contra o mau-olhado. Espera, proteção contra o quê? Hmmm. Voltareia isso mais tarde.

Minha primeira apresentação pública como trompetista foi no New York State Music Festival,conhecido, por aqueles de nós que participaram, simplesmente como um “concurso”. Era tipouma Olimpíada para os nossos instrutores, então fui preparado para ensaiar minha peça solorepetidamente, até que se tornasse tão fácil, que poderia praticamente executá-la dormindo. Fuiescolhido para tocar “The Toy Trumpet”, originalmente de Raymond Scott. Uma bela música,mas tenho certeza de que para o público era eu quem parecia o brinquedo, não o trompete. Opequeno aluno da sexta série estava em boa forma naquele dia, sobretudo porque recebi umaovação de pé e um discurso elogioso dos juízes, naquele instante caí em lágrimas, arrancando aindamais oohs e ahs da multidão do Clube de Pais & Mães S.A.10

No ano seguinte ao meu primeiro “concurso”, entrei na Cortland Jr. High School. Da metadedo Ensino Fundamental a todo o Ensino Médio, passei todos os anos alojado em um gigantescobloco quadrangular de prédios em estilo colonial de tijolo vermelho. Fui dirigido à minhaprimeira aula na sétima série e, rapidamente, percebi que nosso professor titular estava namorandoa bibliotecária da escola. Essas notícias sedutoras deram o tom em meu primeiro ano escolar. Se osnobilíssimos professores estavam de rolo por aí, então isso não poderia ser um negócio tão sério.

O ano escolar começou a passar rápido e previsivelmente. As aulas começavam às 9h da manhãe terminavam às 15h35, com a última aula sempre sendo ensaio de banda. Esse foi meu primeiroencontro competitivo, dentro e fora do campo de beisebol, e me dei bem nesse lugar. Com meuregime de prática e habilidade natural, fui capaz de garantir a posição de primeiro trompetista semmuito aborrecimento.

Meu herói nessa época era um vizinho meu chamado Phil Natoli. Ele era um grandetrompetista. Junto com esse talento estava a boa aparência, e com eles vieram mulheres bonitas.Então, pensei: “Talvez haja algo nessa coisa de música, afinal”. Eu idolatrava Phil a tal ponto, quecomecei a enfiar lenços amassados em ambos os bolsos traseiros para imitar sua anca larga. Ora, ele

pegava as garotas, devia funcionar!A cidade de Cortland, em Nova York, fica entre sete colinas. Os sete vales resultantes, criados

por aqueles cerros, devem ter trazido tantas memórias de Roma – também construída entre setecolinas e vales –, que os tais imigrantes italianos foram irresistivelmente atraídos pela cidade.

Nossos vizinhos eram os Pellicciottis, os Passalugos, os Morgias, os Tuccis e os Fabrizios.Éramos pelo menos cem páginas arrancadas de uma lista telefônica italiana. Essa parte da cidade eraconhecida como “East End”, onde os mercados italianos marcavam as ruas tranquilas. Homensvelhos falando acaloradamente, em um dialeto ou outro, e ziguezagueando pela estrada eram oúnico perigo real naquele lugar. Tínhamos nossa própria paróquia, a igreja de Santo Antônio;nossa própria escola primária, Pomeroy School; nossa própria padaria; nossos próprios restaurantes.Percebo agora que tínhamos todas essas coisas porque isso nos mantinha à distância de todos osoutros na cidade, e eles, felizmente, se mantinham longe de nós.

Estávamos geograficamente localizados em uma área chamada Central New York, que incluíaa cidade de Siracusa, nosso maior vizinho, com a população de 350 mil habitantes, e Ithaca, cujoscidadãos podiam se orgulhar da Universidade Cornell e do criador de Twilight Zone,11 Rod Serling.Espalhados entre os 20 mil residentes de Cortland estavam médicos, advogados, comerciantes eproprietários de fábricas. O restante trabalhava em fazendas de laticínios ou nas siderúrgicas.

Meu pai e meu avô trabalharam na siderúrgica Wickwire Brothers, fazendo pregos e arame.Não tenho como dizer a você o quão feliz estou por não ter entrado no ramo da minha família.Nas poucas ocasiões em que visitei o negócio, parecia uma cena de Dickens em seus romances. Aluz, dentro da enorme estrutura de tijolos, era de um tom azulado, áspero, que mal iluminava oshomens suados que me lembro de ter visto lá. Mais do que tudo, ainda posso ouvir o baterincessante do que devem ter sido martelos enormes forjando aço. Você sempre pode ouvir isso naminha parte da cidade e, de certa forma, não apenas moldava o metal, mas de alguma forma memoldou também.

Fugi daquele som, até que um dia ele me pegou.

No Ensino Médio, comecei a fazer amizade com moleques que, como eu, haviam entrado na

escola vindos de outras partes da cidade. Primeiro, defendemos nossa honra com brevesescaramuças, depois nos tornamos irmãos de sangue para sempre. Um dos meus novos amigos eraPaul Consroe, apelidado com a alcunha, não muito lisonjeira, de “Floyd Bum”.12 Não porque elefosse um sem-teto ou desamparado, mas porque adotou um estilo de vida totalmente diferente doque era considerado “normal” em Cortland.

Floyd era um rebelde do rock ‘n’ roll. Me apresentou ao couro, à revolução e à música que eununca tinha ouvido antes. E tinha uma grande coleção de discos. Coisas novas, coisas antigas, tinhade tudo. Primeiro, tocou um pouco de blues – B.B. King, Papa Charlie Jackson, MuddyWaters… O que era isso, algum tipo de vodu? Dor, lágrimas, risos, alegria… tudo contido em umpedaço redondo de plástico preto. Em seguida, outra casta de artistas – Little Richard, ChuckBerry, os EVERLY BROTHERS e Elvis. Rock ‘n’ roll puro. Elvis já era enorme. Eu o tinha vistoagitando na TV e estava familiarizado com os sucessos, mas essas outras coisas que Floyd tocoupara mim – de repente entendi de onde Elvis as tirou. Incrível!

Então, um dia, na casa de Floyd, conheci Elvis. Ou, pelo menos, alguém que se parecia com oastro. Ele estava segurando uma guitarra e, com certeza, parecia o topete do rei na cabeça dessecara. Entra Nicky Pantas. Ele tocava guitarra e tinha um visual maneiro. Era o próprio rock ‘n’roll. Nicky era quem eu queria ser.

Nicky era um ano mais velho do que eu e, embora frequentássemos a mesma escola, nuncanos encontramos, pois as diferentes séries mantinham distância umas das outras – exceto, é claro,pelos ataques de veteranos às nossas garotas. Nicky era um arremessador canhoto no time debeisebol. Elvis sabia mandar uma bola em curva? Uau. O que esse cara não podia fazer?

Naquele dia, na casa de Floyd, nós três conversamos, sonhamos, planejamos e invadimos oarmário de bebidas do pai de Floyd, então bebemos, vomitamos, desmaiamos e, de ressaca,

juramos que nunca mais faríamos aquilo. Não tínhamos tocado sequer um acorde, ainda, maséramos uma banda.

Floyd e eu tínhamos outro interesse comum: a Máfia. Talvez precisássemos de alguns heróis,cujos nomes soassem como os nossos. Provavelmente apenas gostássemos da ideia de caras fodõescom armas e nenhuma consciência, glorificados na TV e no cinema, vilipendiados por figuras deautoridade, reais e fictícias. A máfia era rebelde com uma causa que não entendíamos de verdade,mas, para os jovens ítalo-americanos dos anos 1950, esses gângsteres glamourosos pareciam ser aforça policial de nossa própria família. Então, quando Floyd disse que eu precisava mudar meunome – “Você não pode ser uma estrela com um nome como Padavona!”, me provocou –,recorri aos nomes dos chefes da máfia para me inspirar. Queríamos um nome com poucas letras eque fosse inconfundivelmente de origem italiana. Daí me dei conta: Dio!

Eu ainda não estava cem por cento convencido disso, mas queria ser uma estrela e levar meusamigos para uma jornada selvagem comigo, então me envolvi com o novo nome e me prepareipara batalha. Ronnie Dio: O Músico da Máfia.

Íamos ser uma banda, mas ainda havia aulas para assistir, dever de casa para fazer, 4h por diapraticando o trompete. Encontrar outros músicos e ensaiar com eles deixou tudo isso em segundoplano, e nossos projetos se tornaram principalmente ideias. Ideias e esperança, sonhos e desejosque, rezávamos, pudessem se tornar realidade.

Viramos a esquina na Dream Street uma noite, em um baile no YMCA.13 Uma jovem bandada cidade vizinha, Binghamton, que se autodenominava RICKETTES, tocava lá. Nicky e euchegamos cedo para dar uma olhada. Mantivemos alguma distância, fingindo indiferença. Masaqueles caras tinham tudo: guitarras, um baixo elétrico, amplificadores e um sistema de P.A.Quando se animaram e se lançaram na música, foi isso. Nossa marra bem calculada voou pelajanela e nos tornamos dois moleques de olhos arregalados que queriam desesperadamente sercomo os RICKETTES.

Vasculhamos a multidão em busca do que precisaríamos para tornar nossa própria banda umapossibilidade. Não foi difícil. Músicos sempre são encontrados observando, admirando ou odiandooutros de sua espécie. Lá estavam eles: alguns bateristas, um baixista, um pianista e um saxofonista.A escolha do baterista foi fácil. Uma era menina, e todos nós conhecíamos as regras. Garotas nãoentram! Então, conversamos com esse cara, Tommy Rogers e – sorte! – descobrimos que ele tinhabateria e um porão onde podíamos ensaiar.

Em seguida, esbarramos em John Alcorn, que tocava baixo, mas só tinha acesso a um daquelesgrandes baixos acústicos que as feras do jazz tocavam. Pelo menos John sabia tocar baixo, então orecebemos de braços abertos. Um jovem chamado John Kane ocupou a vaga final. John, quetambém era conhecido como Jack, era um saxofonista com alguma experiência em tocar ao vivo esabia loucamente como solar. De repente, não era mais uma ideia. Na verdade, tínhamos umabanda. Meu único medo agora era se seríamos bons.

Percebemos a necessidade de uma melhor amplificação de guitarra depois de ouvir os

RICKETTES e seu poderoso ataque, mas com o dinheiro sendo um problema, decidimos por umamplificador antigo e começamos a consertá-lo. Meu tio Johnny tinha algum conhecimento deeletrônica de televisão e por isso foi puxado para o caso. Ele fuçou e remexeu dentro daquela coisae então anunciou que estava pronto para ser testado. O interruptor foi levantado e o primeiro sinalde sucesso foi assinalado por uma pequena luz vermelha que piscou e continuou a brilharintensamente. Uma corda de guitarra foi batida e, com a mão trêmula, Nicky plugou-se à besta.Os sons que foram feitos naquele dia, certamente, não mostraram a promessa do que viria, mas oh,estava alto! Tínhamos nos ligado. Tínhamos poder!

Meu papel era ser o que mais, senão trompetista? Só tínhamos uma guitarra entre nós, e eu nãopoderia ter lidado, de qualquer modo, com aquilo. Nossa lista de músicas era composta,exclusivamente, de instrumentais. Só começamos a pensar em vocais quando percebemos quenunca competiríamos com todas as outras formações da cena, não até que tivéssemos um cantor.

Sempre que tinha algum tempo livre, Nicky e eu subíamos em sua bicicleta e, com a caixa daguitarra entre nós, seguíamos para a casa de Tommy. Lá, examinávamos os discos, a fim deencontrar os acordes certos para as músicas que queríamos fazer. Esse treinamento provou serinestimável. Porque não sabíamos realmente o que estávamos fazendo, fomos forçados a inventarnossos próprios métodos musicais, que se tornaram nosso próprio som personalizado. Os pais deTommy nos apoiaram muito. Eles nunca reclamaram do barulho, e às vezes era barulhento.

Este foi o ponto de virada para mim: o momento em que me tornei mais apaixonado pormúsica do que por esportes. Eu não conseguia pensar em mais nada além de fazer esse novo tipode música, livre e irrestrito. Tão diferente das rígidas disciplinas técnicas que aprendi a respeitarquando estudante. Não rejeitei essa abordagem mais formal, apenas tentei incorporar ambas. Aindaestava impressionado com as obras clássicas que apresentamos com a Cortland High School Band.Nosso maestro era Burton Stanley, conhecido por todos como “Prof.”. Ele era um homemmaravilhoso: ético, paciente, severo quando necessário, compreensivo e um ótimo professor. Maso mais próximo que seus alunos chegaram da “música popular” foi o grupo de dança local,conhecido como Ithaca.

Mesmo o grupo de dança teve seu lado positivo. Quando um dos trompetistas doSTARDUSTERS se formou, o Prof. me indicou para substituí-lo. Isso foi tipo ganhar uma coroa delouros.14 Melhor ainda, o líder da banda era um ex-graduado do Cortland High, mais velho,chamado Phil Natoli, que era meu ídolo do trompete naquela época. Phil saiu em seu último anopara ingressar no Exército dos Estados Unidos, no qual rapidamente se tornou sargento e primeirotrompetista da banda de Jazz do Exército dos Estados Unidos. Phil era tão bom, que recebeumuitas ofertas para se tornar um profissional e fazer uma turnê pelo mundo. Mas ele voltou paracasa para se casar com o amor de sua vida, Anita.

Agora tenho que vê-los atuar de perto e pessoalmente. Isso seria minha queda ou minhatransformação, naquele momento eu não tinha certeza. Eu nunca tinha estado “na estrada” antes,e a maioria dos outros onze caras da STARDUSTERS eram cinco ou seis anos mais velhos do que eu e

tinham carros. Não que tenhamos ido longe, principalmente por fazermos rápidas aparições emcasamentos locais e bailes da escola. Porém, por conta de eu não dirigir, ia junto com quem ficassegrudado comigo durante a noite.

Alguns dos caras levavam as namoradas, e os passeios eram restringidos e desconfortáveiscomigo sentado no banco de trás tentando ser discreto. Nunca era assim quando você pegavacarona com Joe Ferris. Joe tinha carros velozes, que dirigia feito um piloto de corrida, e havia aConnie, que transpirava tesão. Nossos passeios juntos eram como fiestas. Eles tocavam o rádio como volume no talo, fumavam cigarros, bebiam cerveja, se pegavam o tempo todo e pareciam não seimportar que eu estivesse lá. Eu amava aquilo! A música era ótima, e sempre era possível contarcom um vislumbre de um bom bocado da Connie.

Joe tinha uma série de histórias na estrada para contar, e eu não me cansava delas. Desejavaminhas próprias histórias, minhas próprias experiências na estrada, e todos os bons bocados daConnie.

A única desvantagem foi que minha nova apresentação com os STARDUSTERS prejudicou oprogresso da minha banda ainda sem nome. Mas eu não poderia recusar os 9 dólares que ganheipor 3h tocando a buzina e olhando para Connie. Então, experimentávamos com a banda quandoera possível e, finalmente, encontramos tempo para escrever sob a insígnia do nosso nome.

Lançamos alguns títulos que não funcionaram. Então alguém mencionou Las Vegas e outrapessoa mencionou Kings; então nos tornamos os VEGAS KINGS! Apressadamente montamos umletreiro, repleto de estrelas douradas coladas, e juramos nossa lealdade eterna à nossa novaidentidade de grupo.

Floyd e eu não íamos deixar nossas raízes rebeldes secarem e morrerem justamente agora.Minha ostentação de todos os episódios de bebedeira com os STARDUSTERS não passaramdespercebidos, e Floyd já começava um plano de forjarmos nosso RG usando o xerife. A idadepara beber em Nova York, na época, era de 18 anos, e tínhamos certeza de que poderíamosenganar algum barman desavisado para nos servir algumas brejas. Tínhamos um amigo, cujo paiera dono de uma gráfica, e ele sabia como usar as impressoras. Copiamos o formulário-padrão,preenchemos nossos nomes e nossas datas de nascimento falsas, falsificamos a assinatura do xerife epressionamos o grande selo na identidade, o grande selo sendo uma grande moeda de alumíniocom “Bem-vindo a Atlantic City” esculpido em sua borda.

Quando terminamos, analisamos nossas novas carteiras de identidade com orgulho. Éramoshomens. Oficialmente. Ilegalmente. Finalmente. Agora vamos pegar aquela birita…

Minha carreira criminal havia começado, na verdade, antes da grande armação do RG. Certodia, encontrei a chave de um Buick na rua e, sem pensar, enfiei-a no bolso. Minha mãe sempre iaàs compras nas tardes de sábado, e meu pai ia pescar algumas vezes por mês com seus irmãos,então, de vez em quando eu ficava sozinho. Um menino de 10 anos com grandes ideias, deixadosozinho por conta própria. O que poderia dar errado?

Nesse dia, por acaso, fui até a garagem onde meu pai havia estacionado o carro da família. Ele

tinha ido pescar com os irmãos em um dos carros deles e não se preocupou em trancar as portas.Então pulei atrás do enorme volante e comecei a investigar.

Eu sabia o suficiente sobre carros para perceber que sem a chave da ignição nada aconteceria,então me lembrei da chave que encontrei na rua. Subi as escadas correndo e a pesquei de umalatinha que havia escondido sob uma tábua solta no chão do meu quarto, depois corri de voltapara a garagem e para o carro.

Coloquei a chave na ignição, respirei fundo e girei. Mas nada de se mover! Minha alegriaespatifou-se no chão. Peguei a chave e olhei para ela. Óbvio, esta deve ter as ranhuras cortadas deforma diferente da chave real. Corri de volta para a cozinha, onde sabia que meu pai mantinhauma chave reserva.

Meu pai tinha uma bancada completa de ferramentas no porão, então desci, eu, o chaveiro dereformatório,15 onde esmerilhei, lixei e poli até que as duas chaves parecessem semelhantes. Entãocorri de volta escada acima para testar meu artesanato. A chave encaixou. Girei a ignição e senti oabalo percorrer meu braço e meu cérebro quando o motor rufou e ligou.

Morrendo de medo, saltei do carro e saí voado para longe dali, pensando que a qualquermomento algo desastroso estava para acontecer. Vencendo meu medo, espiei pela quina dagaragem. O motor do carro estava funcionando suave e silenciosamente, então, tranquilizado,sentei-me de volta atrás do volante.

Pisei no acelerador e dei um leve empurrada. Um pequeno passo para um garoto, um saltogigante para a loucura. O motor reagiu com um gemido. Empurrei de novo, um pouco maisforte. Dessa vez não gemeu, roncou. Experimentei até sentir que tinha tudo sob controle. Emseguida, liguei o rádio. O rádio era de suma importância quando se tratava de dirigir um carro.Todo mundo sabe disso.

A música encheu o ar enquanto eu criava coragem para mover essa fera. Pisei no freio ecoloquei a alavanca do câmbio na letra R. O automóvel estremeceu um pouco, e senti nele avontade de se mover. Baixei o freio de mão e o carro deu um solavanco para trás. Meti o pé nofreio e empurrei a marcha mudando a posição para P. Isso foi o bastante por um dia. Meu coraçãoestava disparado tão rápido quanto o motor, contudo não havia chave para me desligar.

A partir daí, sentava-me ao volante sempre que meus pais se ausentavam, ficando cada vez umpouco mais ousado. Tornei-me hábil o suficiente para, eventualmente, tirar e colocar de volta ocarro na garagem. Não era uma tarefa fácil, porque sair de ré, direto para fora, arriscava atingiruma grande parte da lateral da nossa casa; e mirar em outro ângulo, ainda mais apertado, colocavaa casa dos Pellicciottis, nossos vizinhos, diretamente na linha de tiro.

Ao observar meu pai manobrar pelos obstáculos, aprendi pequenos truques para evitar umacidente. Fiquei bom em tirar o carro da garagem. Tornei-me confiante. Agora, se tudo o quehavia para dirigir fosse tirar os carros das garagens, eu estava pronto.

Meu melhor amigo na vizinhança era o Bobby “Caça-Rato”16 Rightmire. (Não se deixeenganar pelo nome. Bobby era um fratello17 também.) Bobby ganhou seu apelido dúbio após

descobrir uma daquelas casas de roedores sob a margem do rio Tioughnioga, onde pescamos,nadamos e afiamos algumas das nossas malandragens. (Estávamos no coração das terras dos índiosiroqueses, então, nomes como Tioughnioga foram espalhados generosamente por todo oterritório.)

Caça-Rato e eu não tínhamos segredos um com o outro, então, eventualmente, ele erainformado de minhas aventuras com a chave e o carro. Quando, finalmente, chegou o grande diasem supervisão de um adulto, orgulhosamente demonstrei ao Caça-Rato a minha capacidade desair de ré, além de subir e descer da garagem, terminando com um floreio, recolocando o carroexatamente no local onde estava originalmente.

“Deixe-me tentar”, disse Caça-Rato, inevitavelmente. “Tudo bem”, respondi, percebendo derepente o perigo em que havia me enfiado. Trocamos de lugar, enquanto o advertia para fazertudo lentamente. Mas Caça-Rato era um verdadeiro aventureiro, e eu conhecia aquele olharselvagem em seus olhos. Prendi a respiração quando ele girou a chave e o motor ganhou vida. Emseguida, o rádio – opa, meu carro, minhas regras!

A música pareceu acalmar Caça-Rato, e ele foi tão delicado quanto eu na primeira vez com oacelerador. Pisou no freio e lentamente moveu a alavanca de câmbio para a marcha a ré, enquantogirava o volante bem devagar para a esquerda. Íamos conseguir, graças a Deus…

Então, para o meu desespero, o Caça-Rato pisou fundo no acelerador e o carro disparou parafora da garagem como um foguete. O monstro rugiu ainda mais alto quando arrancou uma quinada garagem e atravessou a cozinha dos Pellicciottis.

A Sra. Pellicciotti tinha acabado de se afastar da pia e evitou ser esmagada por duas toneladasde metal voando. Água jorrava de canos quebrados, destroços flutuavam no ar e, quando ouseiabrir os olhos, pude ver a traseira do carro encaixada alguns metros dentro da casa atrás de mim.

Caça-Rato virou-se me olhando e disse quatro palavras que nunca esquecerei: “O que nósfizemos?”, ele gritou dando bastante ênfase ao nós. Não havia tempo para discussão. Uma multidãode vizinhos ali das casas do bairro, geralmente silencioso, aglomerou-se para investigar a origem doestrondo poderosíssimo que ouviram.

A irmã do meu pai, minha tia Carm, foi a primeira a chegar à cena do crime, e enquanto eurelutantemente me arrastei para fora do carro, ela me informou o que eu já sabia: “Seu pai vaimatar você!”. Sem julgamento. Direto para a execução. Era o que eu merecia. Eu sabia.

A Sra. Pellicciotti, Deus a abençoe, estava mais preocupada conosco do que com ela mesma.Depois de confirmar que Caça-Rato e eu não estávamos feridos, a multidão se dispersou acontragosto e fomos deixados para enfrentar nossos demônios. Para duas crianças desinformadas de10 anos, a solução dos nossos problemas era simples: venderíamos nossas bicicletas e usaríamos odinheiro para consertar o carro, a garagem e a casa. Tudo antes de meu pai voltar no dia seguintede outra pescaria. Corremos para a loja de bicicletas e oferecemos nossas preciosas rodas aoproprietário. Negociando astutamente, conseguimos arrancar dele a nobre soma de 23 dólares.Suficiente, tínhamos certeza, para pagar os reparos necessários.

Quando cheguei em casa, minha mãe tinha voltado de sua tarde de compras e estava em estadode choque olhando para o novo anexo à casa de seus vizinhos. Corri para socorrê-la, explicandoque o problema estava resolvido, que tínhamos penhorado nossas bicicletas. Coloquei nas mãosdela os 23 dólares.

Não sei se foi o estado do carro do meu pai ou da casa da vizinha – ou minha tentativainocente de resolver o problema com 23 dólares –, mas ela começou a chorar. Se recompondo,ela confirmou meus piores temores.

“Seu pai vai matar você”, disse. Eu estava de volta ao corredor da morte.Minha mãe e eu choramos, durante a longa noite, pelo jovem condenado que morreria ao Sol

do meio-dia. Os pescadores, na manhã seguinte, estariam todos nas arquibancadas do outro ladoda rua, na casa da minha tia Carm. Eu tinha uma visão desobstruída do ponto de desembarque epassei as horas, que desapareciam rapidamente, esperando pela primeira visão do meu carrasco.

Quando a caminhonete finalmente parou na garagem e despejou seus passageiros, seus troféusescamosos e seus sorrisos de alegria por estarem em casa, vi minha tia guiar meu pai para o lado e,segurando seus ombros, puxá-lo para uma conversa séria. Mais tarde, soube que tia Carm deu anotícia ao meu pai e implorou a ele que suspendesse a minha execução.

Eu não sabia disso ainda, porém, enquanto observava o Ceifador Sinistro18 virar seu olhar emdireção à nossa casa, eu, Peixe no Anzol,19 senti meu coração quase saltar da boca.

Meu supersevero pai da velha escola italiana começou a curta caminhada até a casa, e saícorrendo para sentar-me, tremendo, à mesa da cozinha com minha mãe. A porta se abriu. Eleentrou na cozinha e olhou para mim com olhos indecifráveis, e então, sem dizer uma palavra, saiupela porta dos fundos para investigar a cena por si mesmo.

Depois do que pareceu uma eternidade, ele voltou para a cozinha e fechou a porta atrás de si.“Não é tão ruim assim”, ele encolheu os ombros.O governador deve ter ligado. Eu tinha recebido uma prorrogação de última hora!20 Foi

quando tive certeza de que meu pai era um santo. Ele sabia que nenhuma punição (incluindo amorte) poderia ser tão ruim quanto o estresse e o medo absoluto que experimentei durante asintermináveis 24h anteriores. Minhas orações por misericórdia foram atendidas.

Nunca disse a ninguém que Bobby estava ao volante naquele dia. Sabia que meu pai meproibiria de andar novamente com ele, e eu não suportaria isso. Qualquer um que vendesse suabicicleta para socorrer um amigo não podia ser tão ruim. E, de qualquer maneira, eu precisava doCaça-Rato para me ajudar a criar mais confusões.

Corta para alguns anos depois, Floyd e eu agora tínhamos, em nossas mãos, na forma deidentidades falsas, ingressos para o paraíso. Ainda não tínhamos certeza se passariam por umainspeção detalhada. Primeiro, precisávamos testá-las em campo. Escolhemos um bar isolado, ondetínhamos certeza de que ninguém nos conhecia. Astutamente, escolhemos um períodomovimentado, em que o barman estaria menos propenso a perder seu tempo examinando nossascredenciais duvidosas. Funcionou como um encantamento.

“Duas cervejas, por favor”, eu disse ao cara enquanto pegávamos nossas identidades. O barmansimplesmente se virou, encheu dois copos na choppeira, pegou nosso dinheiro e saiu andando.Ficamos emocionados, até descobrirmos que ele aceitava até carteirinhas de biblioteca como provade idade.

Isso não funcionaria. A cerveja era boa e fácil de conseguir, mas precisávamos que nossasensação de vitória viesse com a garantia de que éramos, em qualquer lugar, à prova de barman. Adecisão foi tomada para atacar o problema de frente.

The Tavern era um ponto de encontro da faculdade frequentado pelos alunos da CortlandState University, o bastião local do ensino superior. Sabíamos que o The Tavern não deixava aidade ser conferida pelos balconistas e garçons e seria a verdadeira provação de nosso papelfalsificado. Estacionado na única entrada, empoleirado em uma banqueta, estava o proprietário.Era conhecido por ser tão curioso quanto um cão de caça. São Pedro no portão, com o poder deadmitir ou rejeitar a entrada no céu que, sabíamos, nos esperava atrás das portas.

A fila de candidatos, feito uma serpente, dobrou a esquina nessa movimentada noite de sexta-feira, e, quando nos juntamos a eles, tenho certeza de que Floyd queria abandonar oempreendimento tanto quanto eu, mas isso era coisa de homem, e nenhum de nós podia perder amoral.

Fui o primeiro a apresentar minha identidade e, após um breve exame, São Pedro disse:“Padavona, hein? Então, como está seu pai, sua mãe, seu avô e seu duplamente primo de terceirograu?”.

Eita! Ele conhecia todos na minha família. E agora, o que eu fazia? Então, para minha surpresae não pouco alívio, ele devolveu meu cartão e acenou para que entrasse. Floyd também recebeu omesmo tratamento e, como eu, foi facilmente empurrado porta adentro. Isso foi fácil! Masusaríamos nossos novos superpoderes para o bem ou para o mal?

Pouco depois de confirmarmos a “Operação RG”, os STARDUSTERS foram convidados a seapresentar em uma pequena escola rural, a 75 quilômetros de Cortland. Fui escolhido para fazerum solo de trompete chamado “The Carnival of Venice”, que ficou famoso pelo, então falecido,grande Harry James.

Nossos dois ônibus chegaram à escola anfitriã ao meio-dia, o que nos deixou 8h para matar,com matar se tornando a palavra-chave. Enquanto a maior parte das crianças da banda descansavaou praticava seus instrumentos antes do show, alguns de nós (armados com nossas identidadesfalsas) procuramos um dos dois bares da cidade e começamos a fortalecer nossa estrutura comgrandes quantidades do líquido âmbar.

Uma hora antes do show, cambaleamos alegremente para fora do pub apenas para sermosatingidos no rosto pelo ar frio e limpo do início da noite. O efeito foi devastador para os sentidos.Percebi imediatamente que estava enrascado. Eu poderia ser capaz de esconder minha condição nomeio da banda quando tocássemos, mas o solo seria minha desgraça.

Briguei com a ânsia de vômito durante todo o show e suprimi meu desejo de vomitar,

buscando bem fundo do âmago, para encontrar uma força de vontade que eu nunca soube quepossuía. Fui apresentado, e altamente elogiado, como vencedor de um prêmio, uma grandepromessa, que maravilharia e surpreenderia a todos com suas proezas.

Não decepcionei. Mal tinha começado o solo quando meu estômago dilatado entregou umapremiada corrente de cerveja Schaefer, com a promessa de mais – muito mais – por vir.Certamente fiquei pasmo e surpreso com o volume de minha proeza e fui recompensado com oohse ahs da plateia atordoada, e aplausos sarcásticos de outros músicos igualmente abatidos.

Depois, dei uma desculpa, explicando que estava gripado. Pobre garoto. Fez o seu melhor.Que pena.

De alguma forma, escapei com isso. Mas estava claro que meus dias, como a estrela notrompete nos STARDUSTERS, estavam agora contados.

De repente era, olá, Harry James, adeus... mas do quê, exatamente?Não demorei muito para descobrir.

BAILE! SEXTA-FEIRA À NOITE

20h – 23h

ONDE? THE CORTLAND TEEN CENTER

MÚSICA COM VEGAS KINGS!

Esse anúncio marcou nossa primeira aparição pública como profissionais. Todos aqueles

diligentes momentos de folga, usados para aprimorar nossas habilidades, estavam finalmente dandoresultado. Muitas vezes me pedem para listar meus shows favoritos e a resposta esperada é: 100 milpessoas no LA Coliseum, ou shows completamente lotados no Madison Square Garden, ou nofestival Monsters of Rock, do Reino Unido. Ou a primeira vez que fui ao Japão e eles nostrataram como os BEATLES. Mas minha resposta sempre remonta àquela noite no Cortland TeenCenter. Depois de todos esses anos, ainda consigo me imaginar naquele primeiro “show”, comoaprendemos a chamar nossas apresentações. Éramos os VEGAS KINGS e viemos roubar o coração desuas filhas! Eu, no trompete; Nicky Pantas, na guitarra; e alguns outros caras do colégio no baixo,na bateria e no sax.

Ainda posso ver o rosto de nossos colegas brilhando sob a medonha iluminação de pisca-piscasde jardim feitos em casa. Os dançarinos rodopiando, amas-secas21 com os dedos enfiados nosouvidos para tentar bloquear o ataque aos seus sentidos e os olhares de esguelha das senhoras naplateia. Foi uma noite verdadeiramente importante. A primeira vez que tive o menor vislumbrede como o verdadeiro estrelato pode realmente ser. Não era com a fama que eu sonhava, porém,um pouco mais do que apenas reconhecimento.

Recebemos 16 dólares pela primeira noite de trabalho. Três dólares e 20 centavos para cada,ou, dito de outra forma, 1 dólar e 6 centavos por cada hora. Uma bolada muito boa para umbando de garotos do Ensino Médio. Para mim, porém, o dinheiro não era o problema. Dali emdiante, a música sempre viria em primeiro lugar na minha vida. A alegria de atuar e o sentimento

especial de realização eram um pagamento suficiente, o que era uma sorte, tantas vezes essa seriatoda a compensação que receberíamos.

Esse primeiro sucesso abriu as portas para nós, e os agendamentos de show começaram achover. Tocar em casas cheias, uma ou às vezes duas vezes por semana, tornou-se comum.Musicalmente, porém, sabíamos que algo estava faltando. Trazíamos muitas pessoas para o salão,mas, assim que iniciávamos, elas começavam a se dispersar. Estávamos nos tornando música defundo.

A resposta veio na forma de um colega de classe ligeiramente embriagado. Como todos osbêbados fazem, ele queria cantar. Resistimos, até que ele agarrou o microfone, anunciou a simesmo, seu tom e sua melodia, então começou a cantar. Olhamos um para o outro. Podíamosexpulsá-lo e atrapalhar o show, ou poderíamos participar. Decidimos jogar junto. O efeito foiinstantâneo. As crianças se aglomeraram na frente do palco, batendo palmas no ritmo do nossovocalista convidado. Olhamos um para o outro novamente. Foi como mágica.

A lição para mim foi que, como músico, as peças instrumentais estavam satisfatórias, mas dê aopovo algumas palavras para gritar e melodia para cantar, e nos tornamos uma unidade: músicos,cantores e público. Trabalhamos com nosso novo frontman por um tempo, até percebermos suaslimitações. No que diz respeito a cantores bêbados, ele era incrível. Mas não variava muito.

Então um amigo nos contou sobre um garoto chamado Billy De Wolfe, que era consideradoum grande cantor e um intérprete desinibido. Fizemos o teste com ele, e era bom. Tinha uma vozaceitável e sabia como se mover. Melhor do que isso, ele também havia escrito duas cançõesautorais. Esse foi, para nós, um grande passo à frente. Tocávamos cada hit que ouvíamos no rádioe nos tornamos a melhor jukebox da cidade. Agora tínhamos outra corda em nossos arcos.

As coisas começaram a se abrir para nós. Escolas e outros centros para adolescentes, nosarredores de Cortland, começaram a agendar com regularidade o VEGAS KINGS. Cidades comnomes, incontestavelmente, romanos e gregos, tais como Cincinnatus, Romulus, Virgil, Homer,Ithaca, Marathon, Pharsalia e algumas deformações híbridas, como Killawog e Apulia Station.Tocamos em todos esses lugares e em incontáveis outros.

Uma das canções originais de Billy, chamada “Lover”, sempre foi muito bem recebida pelonosso público, e isso nos encorajou a começar a pensar seriamente em como chegar ao próximonível. Queríamos gravar nosso próprio material, ser levados mais a sério como uma bandaambiciosa. Para isso, precisávamos de um empresário. Não precisamos ir muito longe. Jim, oirmão de Nicky, era dono de uma loja de discos chamada House of Wax e estava ansioso paraexpandir seu “império”, passando para o gerenciamento de música. Fomos sua primeiracontratação.

Jim localizou o único estúdio de gravação da região, a 60 quilômetros de Binghamton, NovaYork. Havia um equipamento com linhas duplas, propriedade de um senhor cuja primeiraprofissão foi a fotografia. Como uma linha paralela, ele gravava jingles de rádio nos fundos de sualoja de fotos, e foi aqui que “cortamos” nossas primeiras faixas. Em retrospecto, era primitivo e

experimental, mas adoramos.Ambos os lados, do que em breve seria nosso compacto, foram concluídos em menos de 2h,

mas permanecemos lá até se esgotarem nossas desculpas. Nicky e eu (especialmente Nicky)interrogamos nosso “produtor” em cada faceta de sua operação de estúdio. Queríamos aprendertudo. Já tínhamos decidido que a próxima sessão do VEGAS KINGS seria supervisionada por apenasnós dois.

Corremos para casa com a fita de gravação e um disco de acetato. A música era gravada em umdisco de acetato, que simulava um pedaço de vinil, e permitia ouvir em um toca-discos, já que osgravadores eram raros na época. Os acetatos eram ruidosos e perdiam qualidade considerável acada vez que eram tocados. Contudo, o aparelho estava ligado e, com as mãos trêmulas, e avisospara não arranhar, o braço da vitrola foi abaixado e lá estávamos nós, os artistas do disco.

Repetimos esse processo ao longo do dia seguinte, e assim sucessivamente, até que os sons noacetato fossem impossíveis de reconhecer como música. Mas ainda assim parecia ótimo para nós.

Jim, que sempre chamávamos de Jones por algum motivo, enviou a máster para ser prensadaem pedaços planos e redondos de vinil preto de 7 polegadas de diâmetro, para serem tocados emum toca-discos de verdade a 45 rpm, e nos sentamos ao longo das próximas semanas, tão ansiosose agitados quanto crianças na véspera de Natal, morrendo de vontade de abrir os presentes doPapai Noel.

Então, um dia, depois do que pareceu uma eternidade, eles chegaram. Quinhentas cópias doque tínhamos a certeza de ser o álbum número um: a música de Billy, “Lover”, no lado A, e umafaixa instrumental, “Conquest”, do resto de nós, no outro lado. Meu primeiro crédito decomposição! Ei, eu sou um compositor. É fácil essa parada!

Jones sugeriu que mudássemos o nome da banda para o disco. VEGAS KINGS soa um poucodemais... bem, Vegas, parecia maneiro para um jovem grupo de rock ‘n’ roll do final dos anos1950. Na verdade, disse Jones, podemos muito bem abandoná-lo, completamente, como umnome de banda. Então, primeiro nos tornamos os RUMBLERS, após o sucesso de Duane Eddy,“Rumble”. Então, algum publicitário em Johnson City decidiu que a palavra “Rumblers” eramuito violenta e não queria encorajar brigas; então, com apenas um leve aceno de cabeça paraGENE VINCENT AND THE BLUE CAPS, que amávamos, nos tornamos… RONNIE AND THE RED CAPS!Você não pode fingir ser um gênio.

Jack fez um ótimo solo em “Lover”, e, junto com seu entusiasmo, não poderíamos ter ficadomais satisfeitos com a mudança. A formação mudou em torno de mim, Nicky e Billy. Caras iam evinham. Assumi como baixista.

Entramos na Sears Roebuck. Nicky e eu muitas vezes babávamos na seção de guitarras docatálogo da Sears, então decidimos juntar nossas rendas e encomendar um baixo elétricoSilvertone. A chegada do meu novo instrumento e a expulsão do antigo contrabaixo acústicosinalizaram nossa entrada em um formato de rock ‘n’ roll mais tradicional. Nicky e eu agoraéramos capazes de nos comunicar muito melhor musicalmente, guitarra-e-baixo, e começamos a

compor músicas rapidamente. O material era péssimo, mas aos poucos estávamos aprendendo afórmula.

Minha primeira experiência real com o ego artístico mostrou sua cara feia neste ponto. Ascrescentes demandas de Billy para ditar nossa direção e escolha de repertório tornaram-se umabatalha para sobreviver como éramos naquele momento. Uma reunião, que não incluía o Billy, foiconvocada e, de repente, estávamos sem um vocalista. Não seríamos gerenciados por umcabeçudo que nem tocava um instrumento! Quem ele pensa que é? Contudo entendíamos anecessidade de ter um cantor.

Nicky conhecia a letra de cada música já gravada por Elvis, então ele era a escolha óbviadentro da banda. Porém Nicky não se via nesse papel. Seu desejo era simplesmente tocar guitarra,e o restante de nós respeitou essa decisão. Então, tentamos encontrar em outras fontes quemsubstituísse Billy. Tentamos todos os que se inscreveram, mas sem sorte. E assim, com granderesistência, Nicky teve que enfrentar, relutantemente, o microfone.

Nos meses seguintes, todos nós, incluindo Nicky, sofremos com suas tentativas de cantar aovivo. Ele podia cantar e soar bem na fita, mas simplesmente não conseguia fazer isso ao vivo. Suavoz e sua técnica eram muito fracas. Nicky ficou aliviado quando decidimos que teríamos quemirar em campos mais distantes.

Apesar de todos os meus protestos, fui escolhido para dar o passo adiante. Eu não tinhanenhuma experiência como cantor. Certa vez, eu tinha atuado em uma peça de escola primáriacomo membro do coro, mas tinha certeza de que isso, por si só, não me qualificava para ser opróximo na fila a cantar. No entanto, como membro da equipe, tive que cumprir seus desejos.Para a nossa surpresa coletiva (a minha acima de tudo!), assim que abri a boca e comecei a cantar,você podia ouvir que era algo que eu podia fazer, e com bastante facilidade.

Fiquei surpreso ao saber que minha voz para cantar era forte e responsiva às músicas quetocávamos no show. Mesmo que minha preferência, como a de Nicky, fosse apenas tocar meuinstrumento, a sorte estava lançada. Minha nova identidade passou a incluir o título de cantor.Descobri que podia imitar quase qualquer intérprete e era inteligente o suficiente para reter erefinar as melhores partes de cada um para mim. Essa era a parte fácil.

Eu, agora, também era o frontman, um trabalho que tive que aprender e rápido. Assim quepercebi minhas capacidades vocais, me joguei no novo papel com total desprendimento. Derepente, fomos capazes de experimentar todos os tipos de material, e isso nos deu, de modocomprovado, um atrativo muito mais amplo, o que foi uma sorte, pois as coisas poderiam termudado completamente para mim naquela época. Quando me formei na Cortland High, em1960, Paulie Consroe e eu partimos para a Universidade de Buffalo, para estudar farmacologia. Mevi mantendo a banda enquanto fazia minha graduação. Foi em uma de nossas viagens, entreCortland e Buffalo, no outono de 1960, que Paulie teve a ideia de chamar o grupo de RONNIE

DIO AND THE PROPHETS, que realmente teve destaque naquela época, pensei. Abandonei afaculdade alguns meses depois, porque realmente queria fazer isso com a banda. Convenci meus

pais de que sempre poderia voltar aos estudos, caso a banda não desse certo.Fazer o meu melhor pela banda não me fez um santo longe dela. Mesmo que a maior parte de

nossos dias fosse consumida por ensaios e trabalhos escolares, ainda encontramos tempo para asconfusões. Floyd morava perto de uma concessionária de automóveis e sua viela era um atalhoconveniente para a casa dele. Sempre havia dez ou doze carros estacionados atrás do prédioprincipal na ruela, e nossa curiosidade invariavelmente nos levava a verificá-los. Descobrimos queas chaves da maioria desses carros estavam na ignição, o que acendeu lâmpadas em nossa mente.Decidimos que precisávamos avaliar isso mais detalhadamente.

As instalações da concessionária fechavam às 17h, e, com nossa premeditação de costume,esperamos mais 1h antes de entrar na viela. Nosso pensamento inicial foi que as chaves seriamremovidas de todos os carros e trancadas lá dentro, mas lá estavam elas, ainda no lugar! Nãopodíamos acreditar na nossa sorte!

Embora pensássemos que estávamos sendo espertos, éramos estúpidos demais para perceber porque todos os automóveis agrupados atrás da concessionária eram de marcas e modelos variados.Afinal, era uma concessionária Chevrolet, mas ali estavam Fords, Dodges, Buicks, muitos outroscarros totalmente alheios a um Chevy. Não descobrimos a resposta para esse enigma até que fossequase tarde demais.

Retornamos alguns dias depois e retomamos nossa vigília. Mais uma vez, as luzes foramapagadas às 17h e os funcionários desocuparam as instalações. A única fonte de iluminação, afixadano telhado do prédio, não foi considerada um problema quando entramos no carro mais próximo,um Ford. Dada minha experiência anterior de “dirigir”, deslizei para trás do volante e ligueiaquele bebê. Com um pequeno cutucão, ele se virou e começou a engasgar e entrou em ação.Floyd ligou o rádio e começamos a nos mover.

Levamos o carro para dar uma volta pelas ruas vazias do início da noite, hora do jantar emCortland. Em seguida, voltamos à concessionária de automóveis, depois corremos para a casa deFloyd e subimos até seu quarto para nos congratular e curtir o momento dessa incrível aventuraque só nós tínhamos compartilhado.

Era hora de formular um plano. Tínhamos descoberto que a garagem da Chevy reabria emmeio expediente nas manhãs de sábado, em seguida ficava permanentemente fechada até as 9h damanhã de segunda-feira. Decidimos que, caso nos aproveitássemos dessa situação, poderíamos usaro carro toda a noite de sexta-feira, mas seríamos obrigados a devolvê-lo antes que abrissem namanhã de sábado. Então, quando fechassem ao meio-dia de sábado, poderíamos reavê-lo e ficarcom a posse até domingo à noite. Parecia a armação dos sonhos. Mas nunca faríamos isso, é claro.Deveríamos?

Na sexta-feira seguinte, estávamos viajando pelas ruas secundárias de Cortland, dessa vez emum Dodge. A tentação era muito grande. Começamos devagar e com cautela e, a princípio, nãocontamos a ninguém, mas era um segredo simplesmente delicioso demais para não compartilhar.

Poucos meses antes desse último episódio do carro, vários de nós organizamos uma gangue de

rua formada à imagem de um bando de caras do décimo ano. Eles eram maiores e mais velhos doque nós, mas nosso grupo era, de alguma forma, magicamente mais inteligente do que todos osoutros. Eles carregavam canivetes, mas nós pesquisamos e fomos capazes de construir armasrudimentares. Hoje em dia, teríamos ficado online para obter essas informações. Naquela época,íamos à biblioteca local. Olhando para trás agora, não posso acreditar como isso era perigoso, maspensávamos que éramos fodões.

Então, agora que tínhamos essas armas rudimentares, precisávamos de algum tipo de sedeadministrativa. Em vez de usar a casa ou o quintal de alguém, no entanto, construímos umagrande estrutura de dois andares, em uma pequena ilha isolada nas corredeiras do rio Tioughnioga.Erguemos uma ponte resistente, de fácil defesa sobre as corredeiras brancas, e usamos o fluxorápido do rio para alimentar um gerador. Tínhamos muitos pensamentos maus, mas noschamávamos de Angels. Nada a ver com os Hell’s Angels, devo acrescentar. Fomos mais irônicos.

Então, uma vez que entramos no negócio de “pegar emprestado” os carros, Floyd e eu malpodíamos esperar para espalhar a notícia de nosso fortúnio para os outros caras do Angels. Agoradecolaríamos em pequenos grupos e comandaríamos uma carreata com alguns dos automóveissobressalentes. Começamos a expandir nossas rotas, ficando cada vez mais perto da cidade vizinha,Ithaca, onde poderíamos enfrentar outras gangues de jovens e ouvir a música das bandas locaistocando em bailes por lá.

Em uma tarde de domingo, Floyd, Tony Minelli, um membro da Angel, e eu, decidimos iraté um evento diurno no Ithaca Teen Center, para ver nossa banda favorita e maior rival, BOBBY

COMSTOCK AND THE COUNTS. Pegamos emprestado outro veículo da nossa “empresa de aluguel decarros” chamada Angels Rent-A-Car e partimos em direção ao sol. No meio do caminho, entreCortland e Ithaca, fica a pequena cidade de Dryden, cuja única característica impressionante erauma longa colina, muito íngreme e em curva acentuada, que levava ao único semáforo deDryden, na parte inferior da inclinação. Floyd estava dirigindo, com Tony na parte de trás e euempunhando uma espingarda.

Começamos nossa descida para a cidade que se aproximava e Floyd decidiu acelerar na curva.Quando começamos a ganhar velocidade, o carro perdeu o controle e, inevitavelmente, dirigiu-seao enorme carvalho que guardava a maior parte da curva. Ainda posso imaginar Floyd girando ovolante totalmente para a esquerda e vendo o carro se inclinando para a direita. Floyd por enganopisou no freio e nossa traseira girou em direção à árvore. Escorregamos nas pedras soltas doacostamento da estrada e, com o que parecia ser uma precisão extrema, limpamos o poderosocarvalho por um fio de cabelo do bigode.

Floyd conseguiu diminuir a velocidade do carro quando a colina se nivelou, e mancamos até acalçada, a cerca de 10 metros do semáforo. A onda de alívio cessou quando o espelho retrovisormostrou o carro de um policial do estado de Nova York parando atrás de nós. Nosso primeiroimpulso foi abrir as portas e correr como loucos, mas o trauma de nossa experiência de quasemorte e o espectro no espelho nos mantiveram grudados em nossos assentos.

O policial caminhou lentamente ao redor do carro, enquanto ficamos sentados em pânico eimóveis. Ele enfiou a cabeça pela janela do motorista e nos disse que tínhamos um pneu careca.Isso, ele supôs, era claramente a causa de nosso quase acidente. Perguntou se nós tínhamos umestepe. Não tínhamos ideia do que o porta-malas continha – provavelmente um cadáver. Nãopoderia ficar muito pior.

Abrimos o porta-malas e descobrimos um pneu (e nenhum cadáver), mas também estavafurado. Nunca vou saber por que aquele policial não pediu a habilitação ou o registro deidentidade daqueles três menores, ou por que ele ligou para um posto de gasolina para nós edepois foi embora, mas assim o fez. Pelo menos agora sabíamos por que todos os carros quehavíamos levado eram tão variados em marcas e modelos. Eles estavam lá para ser atendidos. Aqualquer momento, os problemas podem surgir e nossa fuga, por muito pouco, poderia facilmenteter feito a nós – ou a outra pessoa – feridos ou mortos.

O pneu era consertado, enquanto ficamos de olho aberto para o que pensávamos ser o retornocerto do policial, para nos dizer que havia verificado a placa e estava aqui para nos prender porroubo de carro. Mas assim que o trabalho foi feito, entramos e dirigimos o carro até em casa,enlouquecidos. Ithaca teria que vir até nós. Floyd dirigiu a passo de caracol todo o caminho atéCortland, enquanto lentamente nos desvencilhamos do drama do dia.

Mas a diversão do dia não parou por aí. Estávamos nos aproximando da entrada doestacionamento na viela, quando Floyd soltou um “Ai, caralho!” e caiu no assoalho do carro. Nodesvio, cruzamos com um veículo que se aproximava e, quando Tony conseguiu agarrar o volantee endireitá-lo, vi os rostos da mãe, do pai e da Jeannie, irmã mais nova de Floyd, olhandoatentamente para as nossas janelas. Isso era simplesmente demais. Depois, longe dos outros, Floyde eu juramos que esse seria o fim. Cada vez que pegávamos outro carro, retomávamos essejuramento.

Estávamos caminhando para um penhasco. Chegou logo a seguir. Dois dos membros maisnotórios dos Angels planejavam secretamente o roubo de uma mercearia familiar. Pouco antes defechar, um deles desviou a atenção do atendente, enquanto o outro rapidamente se escondeu emuma sala dos fundos. Depois que os proprietários fecharam e foram para casa, o que estava nosfundos saiu de seu esconderijo e abriu a porta para o outro. Eles não encontraram dinheiro, maslevaram uma câmera, alguns relógios e algumas peças de joalheria.

No dia seguinte, eles pegaram um ônibus para Siracusa, a fim de penhorar os ganhos. O roubofoi denunciado imediatamente após a descoberta, e, munido do número de série da câmeraroubada, o penhorista chamou a polícia e eles foram presos. Cada um serviu um ano noreformatório, em Elmira, Nova York, e embora houvesse muito mais incidentes do que o quecontei aqui, isso marcou o fim de nossos caminhos de malvadezas.

Nossa sorte extraordinária se manteve, mas a convicção dos dois, agora ex-Angels, estava sedeslocando. Tudo tinha sido um jogo para nós. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos, masdois moleques, que estavam rindo conosco ontem, foram embora de repente, e eu estava

determinado a não segui-los.A partir de então, apenas a banda importava.

Era um momento de mudança e precisávamos nos juntar à multidão. A batida para a qual

marchamos foi aquela fornecida pelo que, durante a noite, ficou conhecida como a “InvasãoBritânica”. Eu tinha 21 anos quando os BEATLES alcançaram o primeiro lugar pela primeira vez naAmérica, com “I Want to Hold Your Hand”. Fui um dos 73 milhões de americanos que osassistiram arrebentar no The Ed Sullivan Show, em uma noite de domingo, em 1964. Mais tarde,assim como todos os outros jovens que assistiram àquela noite – incluindo Bruce Springsteen;Billy Joel; Jimi Hendrix; Jim Morrison; e Steven Tyler, do AEROSMITH, para citar apenas algunspoucos que se tornaram grandes estrelas – eu não queria apenas saber mais sobre os BEATLES, euqueria ser eles. Imitamos seus sotaques, suas atitudes e seus trajes.

Até Bob Dylan, já considerado o “porta-voz de uma geração”, enlouqueceu e quis ser maisparecido com os BEATLES. Um ano depois de sua aparição no Ed Sullivan, ele deixou para trás ofolk de protesto de sua trajetória anterior e “enlouqueceu”, com letras surreais e óculos de sol.

Os BEATLES foram apenas o começo da Invasão Britânica: grupos com cabelos compridos, queadotaram uma nova fórmula musical, numa combinação de harmonias vocais e músicainstrumental fornecida pelos próprios cantores. As canções e seus arranjos eram quase tãorevigorantes quanto as personalidades ousadas e irreverentes que as criaram. Eles tinham nomesestranhos e descritivos. Além dos Fab Four – John, Paul, George e Ringo –, havia THE

YARDBIRDS, THE ANIMALS , THE ROLLING STONES, THE DAVE CLARK FIVE, THE HOLLIES, THE

KINKS… realmente parecia uma revolução musical e cultural, uma luz forte o suficiente paraatravessar o que havia se tornado um atoleiro de imitações de R&B. Era uma música com a qualas crianças brancas do interior podiam se conectar, e isso certamente incluía Cortland. Asmudanças de acordes eram simples e atraentes, e as canções tratavam de situações amorosas juveniscom as quais todos nos identificávamos. A ajuda havia chegado.

Tínhamos mudado recentemente nosso nome, novamente, para RONNIE DIO AND THE

PROPHETS, depois que perdemos nosso saxofonista. Substituímos o saxofone por outro guitarrista,Dick Bottoff, que também cantava e ajudava a nos dar O Visual e O Som, que, como já tínhamosaprendido, eram dois dos três atributos mais importantes do rock ‘n’ roll, o terceiro elemento eraO Sentimento.

Dick era alguns anos mais velho do que o resto de nós e tinha uma carteira de motorista deverdade, e, pela primeira vez, não tivemos que depender dos pais ou amigos para o transporte.Como resultado, agora éramos capazes de expandir nosso itinerário turístico para incluir as cidadesmaiores ao nosso redor. A maioria delas tinha faculdades e universidades, com grandes populaçõesde não residentes e centenas de irmandades e fraternidades nos campi. Em vários fins de semana, aolongo do ano, os irmãos e as irmãs dessas sociedades davam festas em suas repúblicas, e isso setornava uma espécie de fábrica de bandas da região. Anos depois, o filme National Lampoon’sAnimal House22 apresentou um retrato quase perfeito de uma noite de festa naquilo que poderia tersido qualquer faculdade no interior do estado de Nova York no início dos anos 1960.

Da perspectiva da banda, significava preparação, punição e pagamento. Por exemplo,começando de nossa base em Cortland, carregávamos nosso carro e partíamos, às vezes emcondições de nevasca, pelo interior congelado até a Universidade de Cornell. Em uma noite ruim,saíamos pelo menos 4h antes do horário programado para começar, deixando bastante tempo paraviajar os 36 quilômetros até Ithaca e Cornell. O campus era um labirinto de trilhos de montanha-russa, difícil de navegar em um dia ensolarado, mas quase intransitável pela neve, gelo e lamaespessa e profunda. Raramente perdíamos um agendamento. Na verdade, uma vez tínhamosdirigido através de uma tempestade de neve que fechava uma estrada para um show e, quandochegamos lá, nos sentindo como heróis, descobrimos que a cidade havia fechado durante a noite!

Ao chegarmos à fraternidade, éramos conduzidos ao canto usualmente desalojado da bibliotecaque havia sido transformado em um palco improvisado, ou talvez a sala de jantar que, geralmente,ostentava apenas uma tomada de corrente alternada de dois plugues. Se os camaradas erammaneiros, nos mostravam o bar primeiro. Normalmente, porém, simplesmente arrastávamosnossos instrumentos e equipamentos para dentro do prédio, por entre a multidão já bêbada, aténosso espaço designado, enquanto respondíamos a perguntas estúpidas de pessoas que não tinhamideia do que éramos. O rock ‘n’ roll, como uma escolha de carreira, ainda era uma estranheza paraa maioria dos alunos, e éramos vistos mais como menestréis desinteressados do que como iguais.

Geralmente, éramos chamados para tocar sessões de 4h de duração, cada conjunto consistindoem 45 minutos de música, com um intervalo de 15 minutos. Éramos tratados como ajudantescontratados, o que para nós estava bem. Mas, à medida que o nível do “Purple Jesus” diminuía(uma bebida caseira feita, na maioria das vezes, com vodca e suco de uva misturados e consumidosem uma banheira), o “confusômetro”23 se movia sempre para cima, resultando no que nóschamávamos de Ataque dos Babacas! Eram quase sempre uns caras fortões que insistiam em gritarno microfone, cantando desafinadamente sendo servidos de cerveja enquanto você cantava,agarrando as guitarras, golpeando a bateria ou, o sempre popular, “derrame” do jarro cheio de

cerveja sobre o amplificador. Esse foi o Ataque dos Babacas, número 101. Eu tinha certeza de que,se fosse possível cursar essa matéria na faculdade, seria um curso extremamente popular. Se pudesselidar com tudo isso, com certo tato e diplomacia, além de permitir leves níveis de abuso e apenaspequenos danos ao seu equipamento, as possibilidades de um convite para retornar, mais umpagamento adicional, aumentariam exponencialmente.

Tocávamos todas as canções populares da época, mas aprendemos desde cedo que se fossetocada a “Shout”, do THE ISLEY BROTHERS, e “Peanut Butter”, do THE MARATHONS, ou qualqueroutra música que as pessoas pudessem “agitar”,24 a noite estava salva – o Bug, sendo uma dançalegítima, que envolvia abrir os braços e agitar as mãos enquanto zumbiam como um, hã, zum debesouro. Nessas circunstâncias, tornou-se uma grande desculpa para os camaradas da fraternidadese jogarem e se contorcerem no chão encharcados de cerveja. (Você encontrará um exemplomuito mais bonito no clássico filme de John Waters, Hairspray.25)

Esse emprego estável, respeitosamente lucrativo e acolhedor, oferecido pelo enorme mercadouniversitário das fraternidades, estimulou a formação de centenas de bandas semelhantes em toda aregião central de Nova York, aumentando, assim, aos trancos e barrancos, o nível de competição.Felizmente, para nós, a nata subiu ao topo. Nosso trabalho árduo e nossa dedicação nos colocaramno alto escalão dos grupos locais. Tínhamos tanta demanda, que, às vezes, tocávamos em três casasem uma sexta-feira, três em um sábado e mais duas em um domingo, ganhando, às vezes, mais de10 mil dólares pelo trabalho daquele fim de semana.

Para algumas das bandas, esse nível de sucesso significa complacência. Era uma vida tão fácil e,claro, todos pensaram que duraria para sempre. Alguns de nós podiam ver além de tudo isso etinham aspirações mais elevadas. Mesmo que agora pudéssemos ditar os nossos próprios termos,enterramos a ideia de simplesmente lucrar com a nossa popularidade com os bailes de fraternidadee começamos a jogar no circuito de clubes, permitindo-nos uma espiral cada vez mais distante noresto do nosso mundo.

Num verão, decidimos tentar compromissos regulares em um paraíso turístico chamado LakeGeorge. Era uma pequena vila bonita, situada nas montanhas e contornada, à sua volta, por umcordão de água que deu o nome à cidade. Seu parque de atrações atraía as famílias, e as casasnoturnas eram um ímã para os alunos saídos do Ensino Médio e estudantes universitários. Nãotínhamos nenhum convite, mas decidimos, com confiança, encontrar trabalho por lá. Assim quenos vissem tocar, como poderiam recusar?

Alguém avistou uma grande loja de miudezas nos arredores da cidade, e paramos para dar umaolhada entre os crocodilos de borracha, as machadinhas de plástico e as longas bancadas debijuterias que sempre pareciam ser a opção de compra nesses lugares. Notamos um carro, com umcarreto atado em seu reboque, estacionado no pátio externo da loja, o que, obviamente,transpirava ser de outra banda. Puxando um papo com eles, nos disseram com orgulho que tinhamuma temporada de dois meses em um clube chamado Airport Inn, e que nossas chances detrabalhar aqui em Lake George eram zero. Não é o sinal mais encorajador, mas, mesmo assim,

raciocinamos, estávamos aqui, e, se você não perguntar, não vai saber, então entramos na cidade eparamos no primeiro bar que vimos, entramos e perguntamos se eles poderiam usar uma bandaincrível para ajudar a atrair os clientes. Eles não pensaram duas vezes. Simplesmente disseram não.

Esta foi a resposta que obtivemos em todas as outras paradas que fizemos naquele dia: não.Não, não e mais não. Aparentemente, os caras da outra banda estavam certos. Para evitar que aviagem fosse um fracasso completo, decidimos dar a volta no lago e nos vimos do lado de fora doclube, onde a outra banda nos havia dito que faria uma temporada de dois meses, o Airport Inn.Sabíamos disso, mas fomos perguntar mesmo assim.

Uns instrumentos de banda foram colocados em um palco nos fundos, no que presumimospertencerem, sem dúvida, aos nossos amigos da loja de miudezas; e havia um outro vazio atrás dobar. O nome do clube vem do avião monomotor chamado Piper Cub, que pairava sobre o palcovazio. O bar estava sem movimento àquela hora e facilmente localizamos o proprietário, umhomem chamado Charlie Wade. Perguntamos a Charlie, um homem de aparência rude, se elepoderia nos dar algum trabalho e, para nossa surpresa, ele disse que nos daria meia hora de seutempo para preparar nossos instrumentos e fazer uma audição para ele.

Corremos lá fora e pegamos nosso equipamento, rapidamente aprontamos tudo e tocamos duasmúsicas para Charlie. Ele nos amou! A grana foi combinada, nos ofereceram 650 dólares paratrabalharmos um set de 50 minutos, sete noites por semana, mais uma matinê de 3h nas tardes dedomingo, bem embaixo da barriga do avião. Cabanas de madeira, minúsculas, foram fornecidaspara acomodação, e tivemos a opção de um sanduíche de manteiga de amendoim ou salsicha, cadaum após o final do nosso set da meia-noite. Claro que aceitamos, mas ficamos imaginando o queele faria com duas bandas. Ele simplesmente disse a eles para fazerem as malas e irem embora. Uau!Foi mal aí, moçada! Mas ei! Charlie nos amava, e, provavelmente, éramos as únicas pessoas quecabiam embaixo do avião sobre o palco.

Tocamos todo aquele verão no Airport Inn e fomos convidados a voltar na temporadaseguinte. Foi uma agenda exaustiva, mas aprendemos e nos divertimos tanto, que assinamos para opróximo ano no lugar.

Partimos aprumados para Lake George no início da próxima temporada de verão, mais segurosde nós mesmos do que nunca. A maioria de nossos colegas de serviço no clube estava de volta,com a adição de alguns rostos novos. Um deles era um barman que havia se mudadorecentemente de Miami e, na metade da temporada, ele deve ter reconhecido o nome Dio em suapassagem na Flórida. Ou seja, ele conhecia o nome de Johnny Dio, na época um chefe da máfiana vida real em Miami. Um dia, o barman me perguntou qual era a minha relação com a máfia.Eu poderia ter dito que não era meu nome verdadeiro, mas minha antiga conexão como umfanático por gângsteres forçou as palavras: “Johnny é meu tio”. Sim, é fato, eu disse isso. Onde euestava com a cabeça?

Eu não sabia dos detalhes na época, o que é bom, ou poderia ter me borrado todo até a morte,mas o verdadeiro Johnny Dio não era alguém para se mexer. Seu nome verdadeiro era Giovanni

Ignazio Dioguardi – Johnny Dio, para abreviar. Era uma espécie de agiota da máfia, que haviafeito muito para ajudar Jimmy Hoffa a se tornar presidente geral do Sindicato dos Teamsters.Tudo isso veio à tona mais tarde, no entanto. Na época, Johnny Dio era mais conhecido por estarenvolvido no ataque com ácido que deixou o jornalista das cruzadas, Victor Riesel, cego, em1956. Johnny foi acusado e preso, e mais tarde libertado, após testemunhas-chave retiraremmisteriosamente seus depoimentos. Quem poderia imaginar?

Esse era o “tio”, o tal que, agora, tirava onda com meu novo amigo, o barman. Esse bocado deestupidez abriu as comportas da paranoia e do estresse durante o resto de nossa estadia por ali. Obarman disse-me que o maître do Fontainebleau Hotel, em Miami Beach, um bom amigo seuchamado Mario, era um antigo comparsa do meu “tio”. Ele sugeriu que ligaria para Mario e darianotícias ao tio Johnny sobre o paradeiro de seu jovem sobrinho talentoso. Talvez baixe aqui e vejao show? Agi rapidamente para anular essa ideia, explicando que estava tentando ter sucessosozinho e não usar a influência do tio Johnny. O cara pareceu acreditar nessa linha de raciocínio eme deixou quieto, mas, de repente, eu estava subitamente com um frio na espinha, ciente de quehavia começado a construir uma teia de mentiras que poderiam, um dia, voltar para me morder orabo.

Algumas semanas depois de nossa conversa sobre minha ancestralidade, o barman me deu estanotícia: Mario, o maître de Miami que era seu amigo, estava na cidade e planejava visitar o clubepara ver seu velho chegado e dar uma passada para dizer oi para mim, sobrinho de seu bomcamarada Johnny Dio. Eu poderia ter interrompido tudo ali mesmo, simplesmente admitindominha mentira inicial, mas não suportava perder o prestígio, e então a teia ficou maior quandosorri e disse que aguardaria esse prazer. Quando chegou à pousada, Mario, o maître de Miami, nãoperdeu tempo em vir me questionar sobre minha suposta linhagem. Sabendo que a família Dio erasiciliana, citei os nomes de alguns de meus amigos que estavam ligados à Sicília por ancestrais e osreivindiquei como meus. Para uma criança, eu estava mostrando ter culhões, como dizem.Estremeço agora, porém, quando penso o quão ruim essa estratégia poderia ter sido para mim.

A conexão com a Sicília pareceu acalmar Mario, pelo menos momentaneamente, e sugeriuque contactássemos meu tio, para que soubesse quão bem seu sobrinho de Cortland estava indo.Repeti, de todo coração, meu desejo de vencer sem qualquer ajuda externa, mas meu novocamarada Mario não aceitou. Prometeu alertar a “família” em Miami e me garantiu que alguémapareceria em Lake George, logo depois que ele voltasse para casa, na Flórida.

Tínhamos apenas algumas semanas antes de podermos retornar a Cortland, e agonizei a cadaminuto daqueles últimos dias. Enquanto tocávamos, eu constantemente vasculhava a multidão embusca de personagens de aspecto soturno; no calor asfixiante do meu quarto, não permitia que ajanela fosse levantada ou destrancada, com medo de um ataque no meio da noite.

Finalmente, nosso último dia chegou. Eu só teria que passar por uma matinê (era umdomingo) e o último show da noite para sobreviver a esse pesadelo. Estávamos chegando ao fimde nossa última matinê quando os vi. Encostados em uma grade na parte de trás do bar estavam

três caras que, eu tinha certeza, eram descolados. Pareciam prototipicamente homens da máfia,26

vestidos como eles e parecendo conspirar entre si, sendo eu claramente o objeto de sua atenção esuas atitudes suspeitas.

Se ao menos aquele avião pairando acima do palco estivesse funcionando, pensei. Eu pegaria um voo parabem longe daqui, e nunca mais seria visto de novo! Pensei em sair correndo pela porta dos fundos, masrecuei contra aquele impulso terrível e só consegui tropeçar na banda pelo resto do show. Para aminha surpresa, e imenso alívio, eles não estavam em lugar nenhum quando terminamos, masainda tínhamos um último set para tocar mais tarde naquela noite. O plano original era partirmospela manhã, mas assim que expus o fato para o resto dos caras, os planos foram rapidamentereorganizados para nos permitir dar o fora de Dodge, logo após o último show.

Preocupei-me durante o intervalo entre as apresentações e até recusei meu tradicionalsanduíche de pasta de amendoim e geleia à meia-noite, esperando que as portas se abrissem aqualquer momento e os verdadeiros capatazes do Dio aparecessem. Mas, à medida que a noiteavançava, e nenhum gângster tinha realmente aparecido, minhas esperanças de uma prorrogaçãode última hora começaram a aumentar.

“Obrigado por um ótimo verão, e nos vemos no próximo ano!”, gritei para a multidão. Tinhaacabado. Criei todo esse cenário em minha mente, me perguntei enquanto saía do palco, ou meufuturo ainda incluía modelar um par de sapatos de concreto? Carregamos nossos equipamentos enossas malas, também nos despedimos das pessoas com quem trabalhamos no clube nos últimosdois meses.

Pouco antes de sairmos, procurei o barman que tão prestativamente me criou essa armaçãocom a máfia de Miami, apenas para confirmar ou dissipar minhas suspeitas. Ele disse que não haviafalado com ninguém de Miami naquele dia ou noite, com exceção de Mario, que havia faladocom meu tio Johnny, que enviara seus cumprimentos e suas ofertas de ajuda sempre que euprecisasse.

Peraí, o que ele acabou de dizer?Eu mal conseguia acreditar no que estava ouvindo. Eu estava livre! Basta dizer que nunca mais

abusei do parentesco novamente. Tampouco voltei a visitar Lake George.Naquele outono, de volta a Cortland, Nicky estava realmente interessado em ir para o estúdio

depois de investir em algum equipamento, o que nos permitiu gravar uma noite no clube de rockfavorito de Cortland, o Domino’s. Virou um álbum chamado Dio At Domino’s que, tenho certeza,envolveu apenas cerca de 1.500 cópias, mas eu vi muito mais do que isso durante todos esses anos.É uma porra esses piratas!

RONNIE DIO AND THE PROPHETS perderam Tommy, nosso baterista original, após a últimatemporada, em Lake George. Ele tinha uma namorada estável, um emprego estável e comprou seuprimeiro carro. Decidiu que seus dias de viagem tinham acabado, embora eu sempre tenhasuspeitado que foi o episódio do tio Johnny Dio que o fez se decidir. Divulgamos nossanecessidade de um novo baterista pela cena musical local e começamos a fazer testes com aqueles

que nos contataram. Alguns eram aceitáveis, mas duraram apenas alguns meses cada, então a buscacontinuou. Foi quando Nicky ouviu falar de um ótimo jovem baterista de Ithaca e arranjou paraque ele tocasse algumas músicas conosco em uma festa nas repúblicas da área. Para a minhairritação, ele apareceu algumas horas atrasado, mas essa falha foi imediatamente cancelada porconta dum lance dele com uma mina. Ele tinha uma peguete asiática. Uau! Esse cara já eramaneiro. Ele definitivamente tinha O Visual. Se ele pudesse tocar bateria bem, estava dentro.

Ele se sentou atrás da bateria, tirou a maioria dos tom-tom e outras partes chamativas, até querestasse apenas o equipamento mais básico. E então tocamos. Uau! Ele tinha um feeling incrível efazia viradas surpreendentes quando tocava. Nem sempre davam certo, mas eram extraordinárias.

Gary Driscoll estava inserido em minha vida. Ele era loiro, com rosto de bebê e quase umbobo alegre. Certa vez, ele mandou buscar um par de óculos que prometia ao comprador virarqualquer objeto de cabeça para baixo, e estava convencido de que isso lhe permitiria fazer osvestidos virarem sobre as cabeças de suas ocupantes, assim permitindo-lhe ver suas partes expostas.Na noite anterior à nossa primeira turnê europeia, ele caiu do par de tamancos que acabara decomprar e quebrou o tornozelo. Certa noite, enfiou uma baqueta na própria vista e tocou comum tapa-olho, e até colocar o remédio no olho errado e ficar cego por uma semana rolou. A listaé interminável, mas ele trouxe uma grande atitude e pareceu injetar um novo entusiasmo emtodos nós.

Finalmente, estávamos de volta aos trilhos – mais uma vez.

Estávamos agora sendo coempresariados por Jim, irmão de Nicky, e um agente de

agendamentos, radicado em Ithaca, chamado John Perialas. John era bem-sucedido, agressivo,tinha conexões e, o que é mais impressionante para mim, administrava meu herói na época, umjovem cantor chamado Bobby Comstock. Bobby era um garoto de Ithaca, mais ou menos daminha idade, que tinha um grande disco no Top 40 das rádios, “Tennessee Waltz”, com seugrupo BOBBY COMSTOCK AND THE COUNTS. Não havia dúvidas em minha mente: se John Perialastrabalhava com Bobby Comstock, então devia ser bom.

Ele também acreditava em ir direto à fonte, o que significava ir direto para a cidade de NovaYork – e o som da oportunidade batendo, esperávamos. John, Bobby e eu dirigimos os 400quilômetros até a cidade e assombramos as editoras ao longo da Broadway, principalmente a BrillBuilding, número 1.619, Broadway, esquina da 48th Street, em homenagem a uma loja de roupasmasculinas que originalmente ocupava seu andar térreo.

Foi aqui que Neil Sedaka e Howard Greenfield escreveram “Breaking Up Is Hard to Do”;onde Carole King e Gerry Goffin escreveram “Will You Still Love Me Tomorrow”; onde BarryMann e Cynthia Weil escreveram “On Broadway”; e tantos compositores, cantores e músicosincrivelmente talentosos fazendo esses e dezenas de outros sucessos atemporais, destinados a seremrepetidos indefinidamente no rádio, reciclados em comerciais de TV, trilhas sonoras de filmes eregravados por gerações mais jovens de artistas.

Tínhamos lançado um single em 1960, dessa vez anunciado como RONNIE DIO AND THE RED

CAPS: uma balada melosa chamada “An Angel Is Missing”, composta em parceria por Clint BallardJr. e Fred Tobias, que tinham acabado de bater 1 milhão em vendas com o hit “Good Timin’”,interpretada por Jimmy Jones. Não é preciso dizer que nossa música não vendeu 1 milhão, masaumentou nosso sentimento crescente de confiança.

Agora, como RONNIE DIO AND THE PROPHETS, e com John Perialas por ali para abrir as portas,

passaríamos todas as segundas-feiras correndo por Nova York, em busca de uma música quepudesse nos dar um sucesso. Então, exaustos, fazíamos a longa viagem para casa na terça-feira,compartilhando nossas ideias, pesando tudo. Ficamos em um hotel predominantemente paranegros ao lado da movimentada Penn Station, todos os três enfiados em um quarto mofado por 6dólares a noite. Legal não era.

Eu odiava as editoras musicais. Todo mundo conhecia Bobby, por seu hit Top 40, e ele, juntocom John, eram conduzidos para o escritório de alguém, enquanto eu ficava chupando dedo nasala de espera. De vez em quando, era apresentado a alguém, apenas para ser simpático, eimediatamente relegado a segundo plano enquanto os adultos conversavam. Nem era convidado asentar e ouvir, enquanto os editores tocavam suas várias demos. Nas poucas vezes em que ouvialgumas demos em um escritório, logo percebi que eram músicas de fossa e fundo do poço, asúnicas que alguém com meu status ouviria. Sabia que era melhor não queimar etapas; deixar aporta aberta em vez de fechada, contudo, eu voltaria um dia, dizia a mim mesmo. E então elesveriam.

Enquanto isso, lançamos uma série de singles por várias gravadoras há muito esquecidas, taiscomo: Swan, Lawn, Derby, Stateside, Valex, Zapp e Parkway, incluindo faixas escolhidas, tipo:“The Ooh-Poo-Pah-Doo” (top 3, em 1960, composta e gravada por Jesse Hill, maIs um fracassoconosco), “Will You Still Love Me Tomorrow” (top 1, em 1960, gravada por THE SHIRELLES,mais um fracasso conosco), “Say You’re Mine Again” (top 3, com Perry Como, em 1953, maisum fracasso conosco) e “Love Potion No. 9” (top 2 com THE SEARCHERS, em 1964, e mais umfracasso conosco). Sem dúvidas, éramos consistentes, senão outra coisa. Eu até tinha uma deminhas próprias canções, “Mr. Misery”, lançada em 1963, uma balada pop melosa nos mesmosmoldes de todos os outros lançamentos do PROPHETS, e fiel à forma, isso também não foi umsucesso.

Ao mesmo tempo, a formação do PROPHETS estava mudando novamente. Nosso guitarrista,Dick, se casou e começou a buscar estabilidade, além da existência de banquete ou fome que abanda tinha a oferecer. O fato de ele ter decidido sair, alguns dias antes do primeiro show, emuma temporada de seis semanas em Miami, significava que tínhamos que agir rápido paraencontrar um substituto. Cobrimos os 2.400 quilômetros de estrada, de Cortland até o sul daFlórida, em cerca de 30h, e nos hospedamos num quarto de um motel perto do clube quedeveríamos aparecer na noite seguinte, o Par-Tree Lounge. A viagem foi apertada edesconfortável, por isso esperávamos ter uma boa noite de sono, exceto Gary, é claro. Ele tinhaum amigo que estudava em Miami e havia planejado uma balada monstro com ele.

O resto de nós mal podia esperar para cair na cama. Não ter Gary por perto por algumas horas,certamente, tornaria aquele sono mais tranquilo. Assim, após vários lembretes a Gary sobre trancara porta quando voltasse, o mandamos embora noite adentro e caímos no que deve ter sido umsono muito profundo porque, ao acordar, descobrimos que havíamos sido roubados. As carteirassumiram, os relógios haviam sido levados e Gary roncava profundamente com todos os seus

pertences no lugar. Estávamos putíssimos, mas não surpresos, com certeza. Tinha-se que fazer umcorretivo em Gary, porém estávamos exaustos demais para lembrar de fazê-lo.

No caminho para o clube, encontramos a maior aranha que já existiu na Terra, sentada nobanco da frente ao lado do motorista. Houve um alto grito coletivo! Então, todos nós (incluindo omotorista) pulamos para o banco de trás e gritamos como garotinhas até pararmos noestacionamento do Par-Tree e nos jogarmos pela calçada.

Ainda com medo dessa gigantesca aberração da natureza de oito pernas, corremos para a frentedo clube, na esperança de entrar e bater a porta atrás de nós, mas ela estava trancada. E agora?Parece besteira para você, talvez, mas nenhum de nós jamais tinha visto nada parecido. Nãotínhamos esse tipo de animal em Cortland! Então, esperamos do lado de fora do carro, espiandoperiodicamente o covil do monstro.

John, o empresário, finalmente apareceu, e depois de ouvir nossa raiva sobre a última aventura,se armou com uma lata de Raid, fechou todas as portas e janelas e esvaziou todo o inseticida nocarro. Quando tudo acabou e a besta foi morta, lembro-me de ter pensado em como isso foicruel. Olhando para o corpo enrugado da aranha, deitada o mais próximo possível de um duto deventilação que oferecia, no máximo, apenas um último suspiro, não gostei de como me senti.Pagaríamos por isso mais tarde.

Fomos chamados simplesmente de THE PROPHETS durante nosso tempo em Miami, para evitarqualquer contato com a família Dio, e assim conseguimos ficar fora do alcance deles; levamos paracasa 3 mil dólares enfiados em uma maleta. Fez-me pensar o que poderia ter ocorrido, quandoobservamos a remoção de alguns corpos do pântano localizado atrás do clube. O chefe dasegurança do Par-Tree, que havia sido um detetive de homicídios de Miami, nos disse que essesepisódios tinham todas as características de assassinatos por gangues, o que não era uma ocorrênciaincomum na área.

No final das seis semanas, Dick decidiu voar para casa, então Nicky, Gary, nosso amigo eroadie, Joe Smith, e eu deixamos Miami e seguimos de carro para o norte pela Costa Leste. Fuiescolhido para dirigir o primeiro trecho em nossa perua palaciana, uma Pontiac que havíamostornado ainda maior aparafusando uma grande caixa de madeira compensada no teto. Joe e eutrocamos de lugar algumas horas depois e partimos da Flórida para uma pequena parte da Georgia,antes de entrar na Carolina do Sul. Na época, uma superestrada não passava pela costa, então ocaminho mais convencional era uma via de mão dupla, não dividida, cercada por uma florestadensa e escura.

Depois de confirmar que Joe estava acordado e alerta, cochilei no banco do passageiro dafrente, apenas para ser acordado por Joe com o grito de “Cuidado!”. Eu, por puro reflexo, puxei otravesseiro detrás da minha cabeça e enfiei minha cara nele, assim que batemos em um grandeobjeto na estrada. O vidro dianteiro se espatifou para dentro do carro quando fomos parar noacostamento. O capô estava aberto e fumaça ou vapor saía do motor. As malas e os instrumentos,na carroceria, avançaram para o banco de trás com o impacto e soterraram Gary e Nicky. Uma

voz abafada vinda dos fundos, disse: “Desligue a ignição antes que a gente exploda”. Eu fiz issorapidamente, em seguida abri o porta-malas e comecei a separar a pilha do banco de trás, e osoutros dois se arrastaram dentro da noite escura.

Gary, Nicky e eu parecíamos estar bem, mas Joe gritava que estava cego. Corremos até ele evimos que seus olhos estavam cobertos de sangue. Alguém pegou uma toalha no carro e a demospara Joe, com medo de chegar muito perto da realidade do show de horrores que estavaacontecendo. Joe podia estar cego! Ele enxugou os olhos, piscou algumas vezes e, aliviado, caiu nagargalhada. O sangue saía de um corte em sua testa e fluía para seus olhos, deixando-o “cego”.

Nossa primeira pergunta para Joe foi: “No que batemos?”. Não vimos nada na estrada a nãoser nossa Pontiac destruída, e, quando sua resposta foi “um cavalo”, ainda ficamos perplexos. Sebatemos em um cavalo, onde ele estava? Olhamos ao redor. Não havia sinal do cavalo em lugarnenhum.

Não houve tempo para mais investigações porque seis ou sete pessoas emergiram da floresta eavançaram em direção ao carro e a nós. Nicky teve a presença de espírito de gritar em voz alta queia pegar “a arma” no porta-luvas, e aquele blefe idiota ou os faróis que apareceram de repente naestrada os espantaram.

Tentamos acenar para os veículos que se aproximavam, mas eles passavam zunindo bem pertode nós e fomos largados sozinhos de novo no escuro. Cada carro ou caminhão que passava nãoprestava atenção às figuras, acenando descontroladamente, postadas ao redor dos destroços aindafumegantes.

De repente, saindo das árvores atrás de nós, apareceu um homem e um enorme pastor alemão.Não achávamos que o truque da “arma no porta-luvas” funcionaria com o cachorro, entãoficamos paralisados enquanto esse enorme cachorro ameaçador e esse homem estranhoinspecionavam silenciosamente nosso carro. Ele se abaixou para olhar nossa placa e perguntou:“Vocês todos são de Nova York?”.

Relutantemente, admitimos, nervosos, que éramos, sem saber como essas informaçõespoderiam afetar o temperamento de um caçador sulista com um cachorro comedor de gente. Emvez disso, para a nossa surpresa e o nosso alívio, ele abriu um largo sorriso, anunciando que era doBrooklyn. De repente, éramos irmãos. Prometeu chamar a polícia para nós e correu para afloresta. Nenhum de nós acreditava que ele fosse mandar chamar a cavalaria, então continuamossinalizando para o pouco tráfego que havia na estrada àquela hora.

Já era meia-noite, quando um carro finalmente parou e o motorista se inclinou para fora dajanela e perguntou se poderia ajudar. Esse homem estava levando a filha pequena para o hospital,em Florence. Ele provavelmente não deveria ter parado para dar carona, mas quando soube donosso dilema, se ofereceu para entrar em contato com a polícia. Então virou o carro e retornou nadireção de onde tinha acabado de vir. Na volta, parou para nos assegurar que tinha ido à delegaciade polícia local e que a ajuda estava a caminho, e então continuou para o hospital. Muitas vezes,me perguntei qual era a doença de sua filha e esperava que tivessem uma vida feliz para sempre.

Obrigado, novamente, estranho.Esperamos a chegada da polícia e suspiramos de alívio quando vimos luzes piscando se

aproximando a distância. Dois carros patrulha pararam atrás de nosso veículo e corri até eles paradizer aos policiais que chamassem uma ambulância para o Joe, nosso amigo ensanguentado. Oxerife e seu ajudante me ignoraram e começaram a conversar um com o outro. Encontramos oque havíamos atingido, quando ouvi um deles rir, dizendo: “Parece que nego vai fazer churras demula hoje à noite”.27

Eles caminharam até algum ponto distante atrás do carro. Nós os seguimos e, com certeza, umgrande animal parecido com um cavalo estava caído no acostamento. Repeti meu apelo parachamar uma ambulância, e, dessa vez, mandaram logo um “cala a boca”. Esse era o Deep South, enós, Yankees,28 tínhamos sido brindados com contos de terror suficientes sobre esses caipiras parasaber o que fazer quando eles mandavam “fecha o bico, senão, já era”.29

Respondemos às perguntas e apresentamos todos os documentos corretos para satisfazer essesmatutos grosseirões e cabreiros. Finalmente chamaram um guincho e nos conduziram a um doscarros da polícia que nos levaria ao hospital, em Florence. O policial pisou fundo no acelerador equicamos no asfalto, chegando a cruzar mais de 150 quilômetros por hora. Eu estava morrendo demedo dessa idiotice de alta velocidade, especialmente logo após nosso acidente recente, mas melembrei da precaução do xerife e “mantive a porra da boca fechada”.

Para piorar as coisas, ele insistia em falar conosco e virar a cabeça para o banco de trás,enquanto íamos pela estrada como uma bala. A certa altura, perguntou de sacanagem se éramos“os moleques que roubaram 3 mil dólares do banco” em Manning (uma cidade próxima);coincidentemente, a mesma quantia que carregávamos. Visões de gangues na cadeia dançaram emnossa cabeça, então desapareceram enquanto os pensamentos do policial aceleravam para algumoutro mundo em que ele vivia.

Nos deram injeções antitetânicas e removeram, de diferentes partes de nossos corpos, os cacosde vidro maiores. O vidro dianteiro se desintegrou em pedaços minúsculos, nos inundando comtanta força, que continuamos encontrando pequenos estilhaços em nossas roupas por meses.Fomos informados de que uma mula havia sido atropelada por nosso carro e lançada no vidro,depois alçada no ar atrás de nós, onde pousou fora da nossa vista. Isso explicava aquilo, então.

O delegado nos levou do hospital até o baile de arromba no ferro-velho, para onde nosso carrodisforme havia sido rebocado, e observamos com profunda admiração enquanto o cão de guardaperseguia o policial pelo estacionamento e empurrava-o com uma pilha de pneus velhos. Bomcachorrinho.

Vendemos nossos destroços por algumas centenas de dólares e levamos nosso equipamentopara a estação de trem, de onde seria transportado até Cortland na manhã seguinte. O trem decarga partiu horas antes do horário previsto da nossa partida, então tivemos algum tempo paramatar. Havia um antigo cinema em frente à estação, e essa parecia uma boa maneira de passar atarde até a partida do nosso transporte.

O filme já tinha começado quando entramos no teatro já escuro e nos sentamos no fundo. Foianunciado como um faroeste e esperávamos John Wayne ou Roy Rogers espancando osbandidos. Em vez disso, era Sidney Poitier matando cowboys brancos com uma naturalidadeindiferente, acompanhado por gritos histéricos da plateia quando cada antagonista levava a mão aopeito e caía no chão.30 A segregação ainda era o sistema nessa roça do Sul, e tínhamos escolhidoum cinema para negros. Não me lembro de ter me sentido ameaçado, mas, ah, comocomemoramos quando Sidney “apagava” mais um cara-pálida.

O trem parou em todos os lugares no nosso caminho até Washington, D.C., onde poderíamospegar um expresso para NYC e depois para Cortland. Trinta e seis horas depois, estávamos emcasa, com dor nas cadeiras, decepcionados, desiludidos e dissolvidos, pelo menos até quepudéssemos encontrar outro guitarrista para entrar no lugar de Dick. A Vingança do MonstroAranha de Miami!

Porém, nossa sorte chegou quando se tratou de encontrar um novo guitarrista. Não precisamosolhar para além da minha própria família. Meu primo, baterista, tinha a própria banda, mas preferiatocar guitarra. Ele era, na verdade, um grande baterista, mas queria se expressar musicalmente deoutra forma. Como guitarrista, tinha muitas arestas, mas aprendeu rapidamente e ajudou a nostrazer a agressividade de que precisávamos. Seu nome verdadeiro era David Feinstein, masmudamos para “Rock”, porque os dois juntos pareciam uma combinação muito estranha, epegou. Sob a influência de Rock, chegamos mais perto de um estilo mais sombrio e forte, mascontinuávamos, ainda, com nosso repertório de covers para ganhar a vida.

As conexões do nosso empresário, John, em Nova York, nos trouxeram uma turnê comobanda de abertura para algumas apresentações, incluindo o headliner, Gene Pitney, que estavafazendo um balanço de despedida pelo leste. Adicionamos dois saxofones, um teclado e doistrompetes à nossa formação para a turnê de Pitney, com um dos trompetes sendo meu. Eu odiava,mas éramos pagos e tínhamos permissão para tocar algumas músicas com nossa configuraçãonormal. Isso tornava aceitável. Você tem que seguir seu sonho, mas precisa pagar as contas paraajudar a chegar lá.

Nicky vinha tendo dores de estômago há cerca de um ano e um exame físico revelou umaúlcera. Ele sentia muita dor, na maior parte do tempo, devido ao nosso estilo de vida de muitasfestas e viagens quase constantes. Nicky foi aconselhado por seu médico a, definitivamente, nãonos acompanhar em nossa próxima jornada. Eu estava devastado. Esse era o nosso sonho juntos eparecia que finalmente estava tomando forma; não ter Nicky ali para compartilhá-lo eraimpensável, mas ele me convenceu a continuar. Prometeu estar lá quando voltássemos, saudável epronto para o próximo ataque.

Agora precisávamos de um substituto para o Nicky, e a maneira mais fácil de encontrá-lo eratomar de assalto uma das muitas bandas que Cortland agora tinha em circulação. Quasepoderíamos pegar a granel. Nossa escolha foi um espírito livre chamado Doug Thaler. Doug veiopara Cortland como um estudante universitário e, prontamente, fez dela seu lar permanente.

Formou uma banda com outros estudantes e depois se juntou a um grupo local chamado BRIAN’SIDLES. Já os tínhamos visto tocar muitas vezes e achamos que Doug seria perfeito para o trabalho.Perguntamos a ele sobre isso e recebemos um positivo em todas as considerações. Doug estavadentro.

Os primeiros shows foram meio confusos para a maioria do público do clube, cuja expectativaera que tocássemos músicas mais pop, não Doug vestido como um Polichinelo,31 enfiado em umacalça boca de sino do tamanho de uma barraca, chamando aos berros a plateia de idiotas que,afirmava, eles eram. Doug tinha uma visão musical e não sofria com o que se chamaria,facilmente, de incompetência. Nós, por outro lado, quase não falávamos com a galera, preferindonos esconder atrás da nossa parede de som. Mas, estranhamente, fizemos contato. A molecadaestava cansada de canções chiclete e mela cueca que se apresentavam como empolgantes músicasjovens.

A turnê viajou em dois ônibus, um para Gene Pitney e outro para o resto dos nomes no cartaz.Eles não eram, em nada, parecidos com os elegantes veículos usados em viagem pelos artistas dehoje. Sem camas, sem bares, sem televisores, apenas desconfortáveis bancos plastificados e estradasruins. Isso foi em meados dos anos 1960, e shows de rock, com turnês nacionais como as nossas,viajavam leves.

Fizemos amizade em nosso ônibus com uma banda australiana. Eram chamados de THE

EASYBEATS e estavam tendo um grande sucesso nas paradas com seu disco, Friday on My Mind, eachamos que era a melhor coisa que já tínhamos visto ou ouvido. Eram confiantes, profissionais eexperientes, depois de anos tocando rock nos bares e clubes turbulentos da Austrália. Seusguitarristas, Harry Vanda e George Young, compunham quase todas as canções. Alguns anosdepois, quando dividi o palco com o AC/DC, era possível ver a semelhança e a influência queGeorge passou ao seu irmão mais novo, Angus Young.

No canto do palco, os assistíamos com inveja todas as noites. Eles não sentiam a pressão nafrente de uma multidão de velhos que tinha vindo apenas para ver Gene. Nunca desistiam, nãoimportava as condições, e absorvemos todos os seus movimentos e as suas atitudes. Quandovoltamos para Cortland, éramos eles.

A banda anterior de Doug, THE IDLES, o substituiu enquanto ele estava em turnê conosco enão o quis de volta. Sentimo-nos culpados por ele perder o emprego, mas agradecemossecretamente às nossas estrelas da sorte por terem-no libertado para, oficialmente, juntar-se a nós.Doug largou a guitarra e se tornou nosso novo tecladista. Ele estava escrevendo canções antes denosso encontro com os EASYBEATS, mas, sob seu feitiço, começou a ir mais longe, encontrar umnovo nível para suas composições, e começamos a integrar nossos sets com as músicas cada vezmais interessantes que ele escrevia.

Locais com capacidade para mais de mil pessoas começaram a surgir perto das universidades,densamente povoadas em todo o centro e o sul do estado de Nova York. Eram construções comestruturas semelhantes a galpões baratos, com piso de concreto e revestimento ondulado. Os

palcos e os bares tomavam o interior. Uma combinação perfeita: bêbados e rock ‘n’ roll.Um desses lugares foi construído nas partes mais sombrias do estado: Specifically, Wellsville,

Nova York. O local se chamava The Heater. Ficava abarrotado com 1.500 pessoas em uma boanoite, e muitas noites eram boas. A Alfred University estava por perto, mas era a moçada local querealmente enchia o lugar e sabia como se divertir.

Garotas da região se hospedavam no mesmo hotel em que ficávamos, para ir ao show e, emseguida, aparecer nas festas noturnas em nossos quartos. Eram umas mocinhas do interior, com umanseio por excitação e sem tempo para inibições. Tinham apelidos como Amazona, Viking e AxeFace32 (nem te conto). O show era ótimo, mas as festas eram lendárias.

Parte da nossa clientela era de um clube de motoqueiros, o The Coven. Foram apenas algunsno início, mas, de repente, todos começaram a vir, e ficavam mais e mais loucos a cada vez quevoltavam. Deram início às ameaças bem-humoradas de nos sequestrar para seu clube nas colinas,mas sempre ríamos disso com eles. Então, em um sábado à noite, após nosso último set, o Covenpegou os PROPHETS. Nos agarraram e cada um de nós foi colocado na garupa das motos. Entãotodos rugimos noite adentro.

Havia motocicletas por toda a parte ao redor da casa para a qual nos levaram, e fomosapresentados aos seus líderes de aparência assustadora e às “velhas senhoras” lá dentro. Exigiramque participássemos do consumo de um líquido claro em uma jarra que estava sendo passada,enquanto nos defendíamos dos avanços de algumas das garotas, com medo de reveses com algumdos caras. Depois de todos termos tomado uma grande porção dessa bebida avassaladora, nosdisseram que era álcool puro de grãos. A última coisa de que me lembro daquela noite, antes dedesmaiar, foi a visão de dez ou doze dos motoqueiros rasgando o gramado num selvagem vale-tudo de Harleys.

Acordei com uma ressaca enorme e uma “senhora” de alguém na minha cama. Não! O que eutinha feito agora? Você acha que os caras do tio Johnny pareciam assustadores? Tente acordar coma ressaca para acabar com todas as ressacas, em uma casa cheia de Hell’s Angels, percebendo quevocê acabou de dormir com uma de suas namoradas.

“O que fizemos?”, eu perguntei gentilmente. Felizmente, essa jovem parecia completamenteimperturbável. Me garantiu que estava tudo bem, os membros do clube a tinham escolhido paramim. Ah. Certinho. OK. Acho.

Me recobrei bem a tempo de correr para o banheiro e vomitar o conteúdo do meu estômagoe mais algumas células cerebrais mortas também.

Já estamos nos divertindo?

Como RONNIE DIO AND THE PROPHETS, lançamos dez singles entre 1962 e 1965. Embora

nenhum deles tenha sido um sucesso nas paradas, a reprodução de rádio que recebemos dasestações locais da Costa Leste nos permitiu continuar ampliando o círculo de lugares ondeconseguimos agendamentos para tocar. Um desses lugares foi Waterbury, Connecticut, e ir para lámudaria o curso da minha vida para sempre.

Waterbury – apelidada de Brass City, devido à sua importância histórica como centro deprodução do bronze nos Estados Unidos – era uma cidade rica, com aproximadamente 100 milhabitantes, situada no segmento sudoeste do estado, a cerca de 120 quilômetros da cidade de NovaYork e 380 quilômetros de Cortland. Quando tocamos lá pela primeira vez, tínhamos agendadocom um clube chamado Sugar Shack, e, durante cada intervalo, um cara chamado Bruce, quedizia que poderia nos conseguir muito dinheiro em outros locais da área, ficava nosimportunando. Nós o rejeitamos, mas ele nos deu seu cartão mesmo assim, e quando voltamos atocar lá novamente, algumas semanas depois, Bruce também lá estava.

Bruce Payne tinha um genuíno tino para os negócios com música. Reunia conhecimento ecoragem, além de acreditar em nós. Quanto mais falava, mais decidíamos que talvez devêssemosouvi-lo. Tínhamos permanecido leais aos nossos primeiros empresários, Jones e John, mas ficouclaro para nós que eles nunca seriam os caras certos para levar a banda ao próximo nível. Em 1967,tornou-se óbvio que nossos sonhos e nossa dedicação agora superavam os deles, por isso tentamosa sorte com Bruce.

A revolução contracultural estava em pleno andamento, explodindo na política, na moda, naciência e, acima de tudo, na música, que era a maior expressão de tudo aquilo – KING CRIMSON,PINK FLOYD, DEEP PURPLE, Jimi Hendrix, BLACK SABBATH e, é claro, LED ZEPPELIN. Foi o início daera dos grandes guitar heroes. Guitarristas, tais como Ritchie Blackmore, Jimmy Page, Jeff Beck eEric Clapton trouxeram uma musicalidade técnica, mas instintiva, às canções que compuseram.

Eram todos ingleses e obcecados pelo blues americano, mas também muito familiarizados comtemas clássicos e folclóricos. Os cantores eram todos diferentes também – Steve Marriott, PaulRodgers, Ian Gillan, Rod Stewart e Robert Plant –, vocalistas com tremendo poder e expressãomáxima. Foi o paraíso para mim. Eu poderia finalmente usar minha voz do meu jeito.

Foi a era dos álbuns ultrapassando os singles, pela primeira vez no rock ’n’ roll, como aprincipal fonte de interesse para os consumidores de discos, quando se tornou de sumaimportância para as bandas criarem seu próprio material autoral, experimentar e realmente mostraro que podiam fazer, além de perseguir hits. Para sublinhar o quão sério éramos sobre a evoluçãoda banda, mudamos nosso nome mais uma vez, desta vez para THE ELECTRIC ELVES. Doug semprese referiu ao Rock e a mim como “elfos”, então nos tornamos duendes de alta voltagem.

Nicky também construiu um pequeno estúdio de gravação, com planos de expansão paraquando nós, finalmente, “gravássemos”, e pudemos ver o quão bom ele se tornaria comoengenheiro de som. Tudo de que precisávamos agora era de alguém que entendesse de ondevínhamos e o que se fazia necessário para que seguíssemos.

Decidimos que o cara para isso era o Bruce. Além de encorajar nossos planos de crescer, etambém nos tornarmos uma banda mais voltada para a concepção de um álbum, ele prometeudobrar nossos ganhos com os nossos shows ao vivo. Fiel à sua palavra, com Bruce como um guia,começamos a ganhar muito dinheiro em Connecticut. Alguns de nossos shows mais constantesacontecia no Guggie’s, um clube de propriedade de um grande e maravilhoso ítalo-americanochamado Frank Guglielmo. Bruce agendava um show por lá, pelo menos uma vez por semana, esempre amávamos. O irmão de Frank, Angelo, ou Augie, como o conhecíamos, era barman lá,mas já tinha sido um árbitro da Liga Nacional que agora estava um pouco esgotado com aquantidade enorme de bolas sujas e saltos aleatórios no ar gritando “Salvo!” ou “Fora!”.33 Ele era oparaíso para Nicky e eu, ambos fãs devotos de beisebol, e ficávamos sentados, entre os shows,ouvindo horas a fio suas histórias fascinantes.

Eram 8h da noite de um domingo, quando terminamos nossa última semana de apresentaçõesno Guggie’s. As leis sobre o comércio de bebidas alcoólicas de Connecticut não permitiam avenda depois das 8h do sábado cristão; então, geralmente, íamos direto para Cortland. Tínhamoscomprado, alguns meses antes, uma nova van extralonga, o que nos proporcionava mais conforto,então a viagem não seria tão ruim. A úlcera de Nicky ainda o impedia de consumir álcool e,embora o resto de nós não tenha bebido muito naquele dia, ele foi nossa escolha lógica comomotorista. Gary e Rock se acomodaram no banco de trás, peguei o lado do passageiro na frente eDoug se sentou no compartimento que cobria o motor, localizado dentro da caminhonete, entremim e Nicky. Dirigimos para o norte pela Rota 8, em que havia uma pista de mão dupla saindode Waterbury, a caminho de nos conectarmos com a superestrada mais próxima.

Quase não vimos outro veículo na estrada naquela noite, até que avistamos a distância os faróisvindo em nossa direção. À medida que se aproximava, percebemos que o carro que corria emnossa direção estava em nossa pista, então, em pânico, gritamos para alertar o Nicky. Ele diminuiu

a velocidade para cerca de 40 km/h, mas ainda parecia que éramos sugados para as luzes que seaproximavam, como se ambos fossem atraídos feito polos opostos de um ímã gigante. Nickydesviou para a outra pista, tentando evitar uma colisão, mas o outro carro nos seguiu até lá. Nicky,então, tentou desviar para o lado direito, mas deu na mesma; o outro carro também desviou e, daí,não sei mais o que houve.

Ouvi vozes distantes e senti alguma coisa me sacudindo. Abri meus olhos e vi um homemtentando me puxar de dentro da van. Doug estava muito ferido e gritando ao meu lado, Nickyestava tombado sem vida sobre o volante. Levei minha mão à cabeça e, quando a afastei paraexaminá-la, estava minada de sangue. Rock foi lançado para a frente com o impacto, e esmagou orosto em um canto do compartimento interno do motor. Seu tornozelo estava quebrado e eleestava inconsciente no chão. Gary estava abalado, mas fisicamente bem.

Eu queria ajudar Doug, que obviamente estava com muita dor, mas Gary e o homemdesconhecido me tiraram da van, colocando-me no carro do estranho. Afastado da fumaça e damira dos fatídicos faróis, vi uma figura cambaleando em nossa direção, o motorista do outro carro.Ele enfiou a cabeça pela janela do carro onde eu estava sentado, ainda em choque, e disse com umgrande sorriso: “O que tá pegando, cara?”. Era possível sentir o fedor de álcool em seu bafo.Fiquei absorto. Em algum lugar, dentro de mim, sabia que Nicky estava morto, que eu nãoconseguia parar os gritos de Doug e que aquele babaca bêbado tinha causado tudo isso e nem seimportava. Fui atrás dele, mas deve ter sido em câmera lenta, porque antes que eu pudesse mevirar, vi-me sendo puxado de volta para o carro, e então estávamos correndo apressados paraalgum lugar.

Rock, Gary e eu fomos levados a um hospital do outro lado da fronteira, em Sandisfield,Massachusetts. Quando os dois veículos colidiram, fui lançado para a frente e me esborrachei pelovidro dianteiro. O princípio de ação-reação invocou a si mesmo, no entanto, e fui puxado devolta através do vidro quebrado até meu assento. No hospital, os médicos disseram que meu courocabeludo foi escalpelado e que sofri uma concussão. Uma fratura no tornozelo também foidescoberta no hospital, e tanto Rock quanto eu tínhamos cortes ao redor dos olhos.

Fomos levados às pressas para a sala de emergência, onde cortaram todo o meu cabelocomprido e tentaram me confortar. Fiquei deitado, gemendo de desconforto e preocupado comNicky e Doug. Um policial do estado de Massachusetts entrou com outra maca, carregando ocondutor do carro que havia nos atingido, e enlouqueci de novo. Eles me acalmaram,concordando com minhas exigências de um teste de álcool no sangue daquele desgraçado. Eusabia que, de alguma forma, a culpa seria transferida para os nossos cabelos compridos, a menosque tivéssemos alguma prova de sua culpa, embora sua fala arrastada deixasse óbvio para todos nasala que ele estava completamente embriagado.

Trabalharam em mim por algumas horas; em seguida, me levaram para um quarto, quecompartilharia com Rock. Ele estava apagado quando cheguei. Sua perna estava engessada elevantada no ar, enquanto seu rosto, inchado e machucado, tinha pontos ao redor dos olhos. Me

deram algo para a dor e eu, rapidamente, juntei-me a Rock em um torpor intermitente.Acordei de manhã e instintivamente levantei a mão para tocar minha cabeça machucada. Meu

Deus! Estava enorme. Minha cabeça parecia ter inflado e ficado do tamanho de um balãoenquanto eu dormia. Chamei uma enfermeira e vi seu sorriso alegre desaparecer quando entrou nasala e focou seu olhar embasbacado em minha cúpula bulbosa.34 Correu porta afora e voltou emsegundos, acompanhada por uma equipe de médicos em seus jalecos brancos, que cercaram minhacama e encheram o ar com sons de ooh e ah. Aparentemente, uma enfermeira derramou águaoxigenada no meu couro cabeludo, pouco antes de os pontos serem colocados, e, como resultado,durante a noite, ele havia se expandido. Os médicos tinham duas opções a considerar. Elespoderiam remover os cinquenta e três pontos, que agora prendiam meu couro cabeludo ecomeçar de novo, ou administrar anti-inflamatórios para tentar reduzir o inchaço. Meu voto foi afavor dos remédios, e os médicos devem ter concordado. Os comprimidos foram administrados e,em poucas horas, o tamanho do meu chapelão estava quase de volta ao normal.

Até agora, porém, ninguém tinha dado voluntariamente nenhuma informação sobre Nicky ouDoug, então, mais tarde, naquela noite, perguntei à nossa enfermeira se ela poderia nos contaralguma coisa. A dor que atravessou sua expressão, enquanto gentilmente nos informava acerca dodestino de nossos amigos, era toda a resposta de que precisávamos. Nicky, nos disseram, morrerainstantaneamente esmagado pelo volante. As pernas de Doug, que estavam penduradas sobre ocompartimento do motor, ficaram presas entre o motor e a frente desprotegida da van. Doisguinchos tiveram de ser usados para retirá-lo dos destroços, e, a essa altura, suas pernas já estavamgangrenadas, por causa da falta de circulação sanguínea. Ela disse que a amputação era uma grandepossibilidade, e que Doug havia sido transferido para um hospital mais bem equipado, emHartford, Connecticut. Rock e eu viramos nossa cabeça, afastados um do outro, e choramos atédormir. Talvez acordássemos e descobríssemos que esse pesadelo era apenas isto: um sonho muitoruim. Mas não, o dia seguinte chegou e, com ele, a enormidade do que havia acontecido. Asensação só piorou.

Recebemos o tratamento por uma semana e tivemos alta para sair com a triste carona, dohospital até nossa casa, com o pai de Rock, que ficou lá conosco durante toda a nossa recuperação.Eu tinha decidido que essa seria minha última viagem. Tinha perdido meu melhor amigo – etodos os sonhos que tivemos juntos – em uma estrada solitária, num emaranhado de metalretorcido, e não queria olhar para trás. Eu não conseguia suportar.

Nos dias que se seguiram, fiz um retiro para dentro de mim mesmo, voltando à superfícieapenas para receber a maravilhosa notícia de que Doug não havia perdido as pernas. Oprognóstico inicial era de amputação, mas um brilhante especialista em ossos estava em residênciano hospital de Hartford quando Doug chegou, e insistiu que as pernas poderiam ser salvas. Ashoras de cirurgia, e três meses em Hartford, provaram que ele estava certo. Muitos mesesengessado e fisioterapia colocaram Doug de pé novamente. Mas esse era apenas o lado físico. Eraimpossível, para qualquer pessoa, avaliar quais tormentos mentais ele deve ter aguentado.

Enquanto isso, eu parecia um Frankenstein, com minha cabeça careca e atarracada, costuradapor dezenas de pontos, olheiras pretíssimas e hematomas que acentuavam a máscara de Halloweenque olhava para mim sempre que eu reunia coragem para encarar o espelho. Eu não podia ir alugar nenhum, com medo de ser visto daquele jeito.

Minha primeira aparição pública foi, infelizmente, em um funeral comemorativo, realizadoespecialmente para Nicky. Seu irmão, Jim, gentilmente organizou a cerimônia tardia para mim eRock, já que, obviamente, não pudemos comparecer a que se realizou antes. Essa foi a primeiravez que os membros sobreviventes da banda (Doug ainda estava se recuperando) ficaram juntos,desde o acidente. Mesmo de passagem, Nicky conseguiu, de alguma forma, reacender parte dosonho. Rock, Gary e eu decidimos, então e ali, continuar, se não por nós, pelo nosso camaradacaído.

Começamos a ensaiar como um trio, mas sabíamos que, com certeza, precisaríamos de outromúsico. Doug ficaria indisponível por, pelo menos, mais seis meses, e não sabíamos se ele gostariade se envolver com aquilo tudo, mas mantivemos um lugar aberto para ele.

Mais uma vez, olhamos para o grupo de músicos em Cortland e colocamos em vista umtecladista e cantor que liderava sua própria banda, chamada MICKEY LEE AND THE PERSIANS. Elefazia uma espécie de revisitação aos músicos que, antes dele, tocavam numa pegada honky-tonk,35

especialmente seu herói, Jerry Lee Lewis. Não tínhamos certeza de quão bem um pianofuncionaria dentro da nossa música, mas, pelo menos, era uma ideia radical, e gostamos disso.Quando fizemos nossos primeiros shows juntos, e deu certo, entendemos que estávamosfuncionando novamente.

Seu nome completo era Mickey Lee Soule, e soava perfeito para nós. Ele e Gary foraminstintivamente atraídos um pelo outro, por serem filiados ao Partido da Balada. A vida e asmulheres deviam ser desfrutadas, e essa alegria não poderia ter imposição de limites. Graças a eles,não dava para mais ninguém. Mickey Lee parecia um jovem Paul Newman, e seus modosaparentemente tímidos e olhos azuis se mostraram irresistíveis para quase todas as mulheres queencontrou. Ficávamos olhando com inveja quando, toda vez que tocávamos, Mickey Lee saía coma mulher mais bonita do lugar.

Houve algumas ocasiões, no entanto, em que definitivamente não queríamos estar na peledele. Uma dessas ocasiões foi na vila olímpica de Lake Placid, em Nova York. Estávamos tocandoem um clube chamado Freddie’s, o único clube de rock de verdade na pequena cidade turística,cuja população aumentava a cada inverno enquanto a neve caía. Grupos de garotas tiravam fériasde uma semana, às vezes duas, para esquiar e passar os dias vagando pelas abundantes encostas dasmontanhas Adirondack e as noites em busca da oferta abundante de entretenimento. Esse foi onirvana para Mickey Lee, pois ele marcava pontos, noite após noite, derrubando por nocaute, umaapós a outra, as “coelhinhas das neves”.36 Freddie’s nos forneceu um velho bangalô de dois andarespara dormirmos, que ficava bem ao lado do clube, e que sempre se transformava num centro defestas quando o show acabava. O local geralmente estava lotado na hora em que entrávamos em

cena, então tínhamos um set completo para matar a pau naquela noite. Nessa ocasião, Mickey Leeavistou, ali no bolo, uma mesa de espectadores com uma figura destacada imprensada no meiodeles, e, de repente, lá estava o cara logo que terminamos nossa primeira sessão de canções. Ela eralinda e nunca antes tínhamos visto Mickey Lee se esforçar tanto para chamar a atenção de umamulher. Ele pagou bebidas para ela e suas amigas durante a noite e passou todo o seu tempo livreconversando com a garota. Quando, no final da noite, ele anunciou que ia “rolar”, ficamos tudo,menos surpresos.

As luzes sempre ficavam na penumbra, mais ou menos meia hora após nosso set final, e quandoeram acesas, davam um sinal para coletar nossas conquistas e irmos para o bangalô ali do lado.Todas as garotas da mesa de Mickey Lee se levantaram, com exceção da sua “paquera”. Eleesperou pacientemente que se levantasse e, quando ela não o fez, disse: “Bem, vou agora para obangalô aqui do lado. Você vem?”. Ela disse que sim, e foi então que percebemos que a moçaestava de pé o tempo todo. O famoso mulherengo Mickey Lee ia pegar uma anã!

Sendo os idiotas sem coração que éramos na época, caímos na gargalhada enquanto elasaracoteava as perninhas no pinote para alcançar Mickey Lee que, àquela altura, estava se movendoo mais rápido possível para escapar do lindo gnomo. Ela correu toda desengonçada e o alcançouenquanto ele procurava a chave da porta da frente, estava condenado, ou assim pensamos. MasMickey Lee realmente amava o sexo oposto, e ela certamente se qualificava como tal. Sesepararam pela manhã com sorrisos satisfeitos e promessas de se encontrarem naquela noite, mas aessa altura, é claro, ele já estava de olho em outra pessoa.

Continuamos a subir na escala de pagamento com nossa nova formação, enquanto esperávamospela recuperação de Doug. A área ainda estava repleta de lugares para tocar, e todo o trabalho aque nos dedicamos ajudou a diminuir, lentamente, parte da dor que jamais poderíamos esquecerpor completo. Isso tinha precedência sobre a teimosia e o orgulho, e de bom grado tocávamoscovers em qualquer lugar que nos pagasse, apresentando uma canção autoral aqui e ali. Vocêpoderia passar despercebido assim, naquela época. Refine sua apresentação cortando drasticamenteas músicas que você descobriu serem uma merda e amplie as coisas que realmente funcionaram.

Doug, afinal, voltou mancando para a banda, pegando a guitarra novamente, enquanto Mickeyagora lidava com todos os teclados. Ele também trouxe consigo algumas canções que tinha escritoenquanto esteve convalescente. Os ferimentos deixaram dura uma de suas pernas e o tornaramainda mais excêntrico do que antes. Ele tinha uma fixação por pênis muito desenvolvida, tantocom o próprio quanto com o nosso. Para ele não, nada era estranho. Só tinha necessidade de fazercomparações e comentários, e então dar um nome à sua “bengala”.

Na estrada, agora nos hospedávamos em hotéis como Marriott, Holiday Inn e HowardJohnson’s. Reservávamos um quarto com dois beliches, o que significava que tínhamos que dividiruma das camas, dormindo em dupla numa das de baixo. De manhã, era possível sentir o ar frio,quando as cobertas da cama eram levantadas e, ao abrir os olhos, ver Doug tentando dar umaespiada. Ele assustou Rock, cujo “vacilão” (como Doug o chamou) ainda não havia sido exposto

ao seu escrutínio. Como resultado, Rock não usava o banheiro no quarto, a menos que houvesseuma fechadura segura, que ele testava assim que chegávamos aos quartos. Ele também permaneciacompletamente vestido quando estava na cama e tapava a fechadura do banheiro com fita adesiva.Por conta disso, Doug disse que tinha certeza de que Rock era, na verdade, uma mulher e que omotivo de ele ter tapado a fechadura do banheiro foi porque não queria que o víssemos “agachadopara mijar”. Doug também fazia truques com suas próprias partes reprodutivas, incluindo uma queele chamou de “A Palmeira”, que fomos forçados a ver, quando ele saltou de algum esconderijocom seu “balanço do coqueiro”. (Vou deixar sua imaginação adivinhar o que significa isso.)

Ao longo do caminho, começamos a juntar pela estrada uma estranha variedade de camaradas etécnicos. No início, eles viajavam conosco para compartilhar a vida noturna, os holofotes e adireção. Não era considerada uma oportunidade de carreira na época. Viajar a trabalho com umabanda era só uma escolha legal. A maior parte de nossa equipe de iniciantes mal era capaz de fazermais do que beber cerveja e enrolar uns baseados, e logo tinha que ser substituída conformeavançávamos.

Igor, dentre nossos roadies novatos, era especial. Igor não era seu nome verdadeiro; nós nuncasacamos isso. Igor parecia exatamente como era chamado por todos, devido ao seu aspecto debrutamonte, com um nariz achatado, boca torta e uma voz que lembrava o Lurch, de A FamíliaAddams.37 Mas você não encontraria por aí um cara mais cativante. Igor era maneiro. Infelizmente,ser maneiro nem sempre significa a capacidade de fazer as coisas do jeito certo. Gary – só podia sero Gary – tinha feito amizade com Igor, na balada em um bar, e se divertiu tanto, que o indagou seele concederia a graça de sair por aí conosco, em troca de carregar e arrumar nosso equipamento.Igor não precisou ouvir duas vezes e, de repente, tínhamos outro funcionário na estrada conosco.

Igor estava trabalhando para nós (achamos mais barato pagá-lo do que alimentá-lo) por cercade um ano, quando pudemos comprar um novo caminhão. Nossos veículos anteriores sempreforam velhos calhambeques de segunda mão, caros para manter e pouco confiáveis, então vocêpode imaginar nossa empolgação e alegria em possuir essa nova beleza reluzente. Igor, logo cedo,levava o caminhão com todo o equipamento para os shows, para que pudéssemos seguir maistarde de carro. Então, invertíamos o processo no final da noite; saía antes o carro com a banda, emseguida partia o caminhão com todos os equipamentos.

Foi um dia muito especial (a noite e a manhã seguinte) que, definitivamente, conjurou o fimdos tempos de Igor conosco.

Estávamos agendados para o Heater, em Wellsville, no sábado, mas não podíamos passar anoite e tínhamos que dirigir para casa após o show. Deixamos Igor empacotando nossas coisas paratrazê-las de volta com o caminhão. Enquanto o carregava, Igor ficou profundamente apaixonadopor uma das muitas garotas que se aglomeravam em torno da saída do palco. Eles começaram aconversar, Igor se apaixonou, e quando ela disse que queria dar um rolê em Cortland – eladesejava encontrar Gary –, mas não tinha carona, Igor teve uma grande ideia. Daria uma caronapara ela no caminhão. A garota ficou encantada demais.

Voltando para casa em Cortland, de madrugada, Igor e sua nova namorada vasculharam avizinhança em busca de Gary. Como de costume, o resto de nós estava enfiado em nossas camas,com visões de grandes negócios com gravadoras dançando em nossas jovens cabeças. E, como dehábito, Gary estava solto por aí, com Igor tentando encontrá-lo para a sua nova obsessão. Os doisprocuraram por horas. Sem sorte.

Finalmente, por volta das 6h da manhã, Igor admitiu a derrota e galantemente se ofereceu paralevar a garota, em nosso caminhão ainda ocupado por nossos equipamentos, até Wellsville. Ele adeixou e, então, coincidentemente, perto de Heater, onde tudo isso começou, ele alegou que umcervo passou correndo na sua frente e, em um esforço para evitá-lo, desviou para fora da estrada ebateu em uma coluna de concreto. A parte inferior do caminhão foi arrancada quando elederrapou ruidosamente na pilha de concreto e, pouco antes de bater em um poste de telefone, acaixa de alumínio de 3 metros que carregava nosso precioso equipamento foi dilacerada porárvores e parcialmente arrancada da caçamba do caminhão.

Meu telefone tocou, por volta das 10h, naquela brilhante manhã de domingo. Era o Igor.Perguntou se planejávamos ensaiar na segunda-feira e, quando eu disse que sim, informou comum grunhido ensandecido que, definitivamente, não iríamos ensaiar na segunda-feira, no final dascontas. Porque, explicou com sua voz grave e de funeral, acabara de bater o caminhão e destruirtodo o seu conteúdo. Outro acidente de trânsito relacionado com a banda. Quantas vezes um raiopode atingir você? Perguntei a Igor se ele estava bem. Era difícil dizer por sua voz, que soou tãobaixa e trevosa como sempre. Me garantiu que sim, tendo saído com apenas alguns arranhões ehematomas.

Quando me disse o que havia acontecido em Wellsville, perguntei por que não tinha ligado nanoite passada. “Não queria preocupá-lo”, disse Igor. Um cara bacana.

Eu estava desesperado para saber a condição de nosso equipamento, mas ele não tinha certeza.Liguei para o Doug e alugamos um caminhão para trazer Igor e nosso equipamento de volta atéCortland. Ele tinha chamado um caminhão de reboque e deveríamos encontrá-lo no ferro-velho,para ver o que restava do nosso meio de vida. Quando chegamos, um Igor parcialmente feridonos levou até o nosso caminhão, completamente machucado, onde usou suas mãos grandes comoalavanca para abrir as portas traseiras e pudéssemos ver os danos com que tínhamos de lidar.Enquanto olhávamos, meu coração afundou. Tudo estava em destroços, como se houvesse umaexplosão dentro da caixa. Estávamos arruinados novamente. Sem caminhão, sem instrumentos eagora sem trabalho.

Na longa viagem de volta para Cortland, Igor confessou a verdade. Doug e eu permanecemosem silêncio, mas ficamos cada vez mais putos. Levei Doug até sua residência e, depois de prometerque ligaria para ele, segui na direção de Igor. Parei na frente de sua casa e esperei silenciosamenteque ele abrisse a porta e fosse embora, para nunca mais voltar. Indesejável. Demitido. Dispensado.Para sempre. Quando saiu, se virou para mim e disse: “Isso significa que meu trabalho está emperigo?”. Um cara fofo.

Dos caras que trabalharam na estrada comigo e com os PROPHETS naquela época, e que seclassificariam como roadies profissionais, o melhor foi Raymond D’Darrio. Raymond se tornounosso homem do som e pau para toda a obra e, no fim das contas, seguiu comigo durante os anosem minhas duas bandas seguintes. Ele levava seu trabalho a sério e também era músico. Aconfiabilidade de Raymond tornou-se inquestionável quando foi preso por portar um pouco demaconha a caminho de um show e, ainda assim, apresentar-se para o show, após passar horas presoem uma delegacia de polícia. Ser preso por maconha – mesmo com uma quantidade tão pequena– era um crime muito mais sério naqueles dias. Daí que o fato de ele ter caminhado direto para oshow e acertado tudo na noite, sem dar muita ideia para aquilo, disse tudo que era preciso sabersobre o tipo de cara que você realmente precisa na estrada, onde tudo pode – e vai –absolutamente dar errado, e mais de uma vez.

Raymond era tão bom, que o deixamos, conforme visse necessidade, contratar e demitir seusajudantes em turnê, até que ele encontrou um veterano do Vietnã chamado David Needle, que setornou uma parte permanente de nossa família. David era um ex-médico reformado, que serviu nainfantaria, e ocasionalmente tinha flashbacks do campo de batalhas quando bebia demais. Masdepois de todas as “guerras de bar” que passamos como uma banda, David parecia bastante normalpara nós, e outro grande cara para ter do seu lado numa situação difícil.

Ainda assim, havia turbulência se formando no paraíso. Com meu habitual “Como alguémpoderia não querer fazer isso para sempre?”, atitude firmemente em evidência, eu não vinhapercebendo os problemas musicais que nesse momento ocorriam entre Gary e Rock, e também oDoug, que continuou a ser a única fonte confiável de música original dentro da banda e nosapresentou a várias canções bem estruturadas, para as quais ele já tinha feito arranjos.

Nosso primeiro single como THE ELECTRIC ELVES subiu a estaca um pouco alto; um hino paraas paradas de sucesso, que Doug escreveu e arranjou, chamado “Hey, Look Me Over”. Inspiradoem “Substitute”, do THE WHO , que fez sucesso no Reino Unido e em vários outros países, masnão nos Estados Unidos. Talvez, se tivesse sido um sucesso conosco, o WHO teria sido marcadocomo “inspirado” pela THE ELECTRIC ELVES, quando eles vieram à América pela primeira veznaquele mesmo ano. Só que não foi um hit. Nem o single seguinte, outra canção autoral deDoug, chamado “She’s Not the Same”. Era mais uma balada pop com orquestração, mais a vercom WALKER BROTHERS do que com o THE WHO , mas também não foi um hit. Sem desanimar,gravamos mais uma composição de Doug como nosso próximo single, outra música poporquestrada e para cima, inclinada mais para o estilo do THE MONKEES nesse sentido, chamada de“Amber Velvet” – “A beautiful name for a beautiful girl…”38. Mais uma vez, não foi um hit.

Enquanto isso, encurtamos nosso nome simplesmente para THE ELVES. Doug assumiu,também, a direção dos shows ao vivo, que apresentavam músicas próprias, mas ainda contavam,principalmente, com covers que agradavam ao público. Ele tinha todo o setlist preparado para nós.Tudo de que precisávamos fazer era aprendê-lo e ensaiá-lo, então partir para a ação pela noite ecolocar em prática. Nossos poucos dias de folga não eram feitos para serem gastos compondo,

fazendo arranjos ou mesmo pensando muito sobre música. Doug, por outro lado, se interessava porisso, e nós agradecíamos. Mas não íamos ficar enfurnados em casa o dia todo compondo ouescolhendo setlists. Não quando podíamos estar curtindo, com a cuca fresca, em algum lugar! Paraque estaríamos em uma banda se não fosse por isso?

O que eu não sabia era que Rock, o mais insatisfeito de todos, vinha casualmenterascunhando, há algum tempo, algumas ideias para músicas, mas não tinha nos falado sobre isso,então seguimos com o material de Doug e quaisquer covers que ele escolhesse para tocarmos. Soba tutela musical de Doug, alcançamos um estágio bastante avançado, em que aprendíamos álbunsinteiros, em vez dos poucos hits que vinham desses discos. Poderíamos apresentar Tommy, do THE

WHO, do início ao fim. Abbey Road, dos BEATLES, tocado igualzinho. Doug combinava diferentestemas em sets de 1h. O público ficou surpreso com a ambição de nossos shows. Nós nosimpressionávamos também, e, como sempre, éramos muito bons nisso.

Mas nuvens carregadas começaram a rolar.Nossa política era a de que qualquer um de nós podia levar um cover ou uma música própria,

para avaliação entre nós mesmos, no primeiro ensaio da semana. Em uma sessão específica, Rocklevou um álbum do HUMBLE PIE, apresentando o antigo frontman do SMALL FACES, o brilhanteSteve Marriott, e o novo guitarrista, Peter Frampton (recentemente eleito o “Homem MaisBonito” da Inglaterra). O Rock colocou para nós uma faixa que pensou que poderíamos querertocar, chamada “Stone Cold Fever”, um rock meio metido, fanfarrão e cheio de si, de uma dasbandas mais funk-rock de todos os tempos – Doug esbravejou para todo o lado. Completamentefora de si. Sugeriu que Rock comprasse uma britadeira, para desalojar o concreto que haviaobstruído seus ouvidos, e que nos havia feito perder tempo ouvindo aquela pilha enorme de bosta.Doug vociferou e delirou por mais alguns minutos, olhou ameaçadoramente para Rock, que ficaraatordoado em silêncio como o resto de nós, então subiu as escadas mancando e saiu pela porta,deixando-nos com um ultimato. Disse algo como: ou vai ser do meu jeito ou não vai ser de jeitonenhum, a porta da rua é a serventia da casa.

A porta bateu quando, atônitos, nos viramos um para o outro.Gary foi o primeiro a falar, dizendo em voz alta o que todos estávamos pensando. “O que

fizemos?” Gary, o baladeiro, foi tão surpreendentemente articulado nesse momento de crise, diriaaté mesmo que sensível. “Ele que se foda”, disse. E assim fizemos.

Se houve um momento definidor que se tornou a porta de entrada para o meu futuro na

música, foi quando Doug Thaler saiu do ELECTRIC ELVES e fui forçado a ajudar a banda commateriais novos e autorais. Não foi fácil. Doug estava tão no comando dessa produção, queacabamos nos tornando dependentes dele. Agora, estávamos lançados à nossa própria sorte.

Musicalmente, nos reduzimos ao que se provou ser o nosso melhor funcionamento: um powertrio com um piano honky-tonk. O ano era 1971 e a moda era de bandas de rock arrojadas, quepudessem propiciar bons momentos, boa musicalidade e – com sorte – boas canções. Sabíamosque o Rock tinha sacado algo ao tocar para nós aquele álbum do HUMBLE PIE. Tambémobservávamos para onde estavam indo, musicalmente, bandas como LED ZEPPELIN, DEEP PURPLE eTHE FACES. Até mesmo os grupos que se estabeleceram como singles bands nos anos 1960, comoo STONES ou THE WHO , agora estavam mexendo seus músculos na questão musical. Toda a cena setornou mais pesada, mais blueseira, mais independente.

Nosso primeiro passo em nossa nova direção foi, como de costume, mudar o nome da banda –de ELVES para simplesmente ELF. De algum modo, pelo menos para os nossos ouvidos, ELF soavamais pesado, mais descolado e seguro de si do que ELVES. Tipo: que é isso aí, que cê tá ouvindo,cara? ELF? Essa parada. Aham, todo mundo se amarra em ELF, cara.

Tínhamos tudo de que precisávamos para forjar esse novo e mais corajoso caminho musical.Tudo, na verdade, menos as músicas. Rock nos disse que tinha algumas coisas nas quais tinhatrabalhado, mas rolava um receio de mostrar para nós antes, por medo de um puxão de orelhasarcástico do Doug. “Para de ser besta”, dissemos para ele, “vamos ouvir”. Quando ele tocou aprimeira música para nós, agradecemos silenciosamente por ele não ter levado aos ouvidos doDoug. O título em si já teria colapsado o Doug completamente. Chamava-se “Sit Down Honey(Everyting Will Be Alright)”. Mas não nos incomodou. Foram a simplicidade da melodia e asmudanças de acordes, mais o modo como a tocamos, que abriram uma porta à liberdade de

expressão pessoal e do grupo, algo que nenhum de nós tinha experimentado anteriormente. Seisso tivesse acontecido cinco anos antes, não teríamos sido bons o suficiente para realizar amudança repentina na direção em que a canção de Rock nos levou.

Devemos ter ficado naquela primeira música por horas, moldando-a, refinando-a e a amando.Como ROD AND THE FACES se misturando a HUMBLE PIE, nossos sorrisos apenas cresciam a cadavez que a tocávamos. Rock tinha outra tão boa quanto, “Dixie Lee Junction”, que mais uma vezera semelhante ao começo do FACES e do HUMBLE PIE: blues, mas com uma boa pegada de hardrock. Rock tirou o nome dessa canção ao apontar, sem olhar, para o mapa dos Estados Unidos eparar numa cidadezinha do Tennessee com o mesmo nome. Novamente, tocamos sem parar,extraindo dela o máximo de prazer que pudéssemos antes de encerrarmos o dia. Passamos o restoda noite conversando animadamente e planejando nossa nova aparição no bar local. Decidimos,então, que nunca mais iríamos tocar outro material que não fosse o nosso. Isso prejudicouseveramente nossa capacidade de tocar por qualquer período de tempo sem nos repetir, masdemonstrou nossa nova atitude, mais contundente.

Eu agora me sentia muito mais confortável como colaborador em relação à composição. Rockestava indo bem no seu esquema, então Mickey Lee e eu nos tornamos parceiros na composiçãodas letras. Escrevemos algumas peças em um piano elétrico Wurlitzer, em um quarto de motelisolado em que Mickey Lee morava na época. O som mais ameno e quente do instrumentotornou mais difícil a composição de grandes melodias de acordes de guitarra baseadas em blocos,mas me ajudou imensuravelmente a aprender como substituir qualquer som pelo instrumentopretendido na minha cabeça, especialmente a guitarra, uma habilidade útil que ganhei para usarnos anos seguintes, quando trabalhei com alguns dos melhores guitarristas do mundo.

Adoramos o que Mickey Lee tocou, mas um piano elétrico ficava perdido e fora de lugar aolado da guitarra de Rock, do meu baixo e da bateria do Gary. Ficamos sabendo de algunscaptadores que eram usados para amplificar um piano acústico, e, portanto, sem querer colocar acarroça na frente dos bois, compramos um piano de cauda cujas pernas eram removíveis e quepodiam ser carregadas de lado em uma caminhonete (desde que você tivesse a tampa traseirahidráulica). Encontramos o tal captador, compramos e – maravilha das maravilhas – funcionou.Agora, tínhamos o peso do som de um piano sendo ampliado pela amplificação no palco.

Minha voz também mudou durante esse tempo, tornando-se um pouco mais rouca e parecidacomigo mesmo. Acabou servindo bem à nossa nova música, e quanto mais eu ia naquela direção,mais natural e correto parecia. Era como se eu estivesse fazendo do jeito que achava que um cantordeveria soar naquela época. Conforme o ELF começou a decolar nos anos 1970, minha vozfinalmente veio à tona. De repente, eu estava muito menos consciente a respeito de como eladeveria soar e apenas permitia que minha voz de verdade se expressasse por si mesma sem qualquerlimite. Pela primeira vez, eu estava cantando com o coração.

Por essa época, tínhamos material o suficiente e espaço para ensaiar por mais 1h pelo menos,mas precisávamos nos testar tocando o material novo e autoral ao vivo, pela primeira vez. Dessa

vez sem as muletas:39 sem covers.Aceitamos um show num clube fora de Binghamton, chamado The Inferno. Havíamos tocado

lá há alguns anos e nos lembrávamos dele como um lugar onde o dance ainda era soberano.Também recordamos que o dono tinha um ouvido muito sensível. Armados com três quartos deum set e um ambiente possivelmente hostil, subimos ao palco sem saber o que esperar. Desde ocomeço foi incrível. As mesas foram postas de lado e o público estava sentado no chão de pernascruzadas. Estavam lá para ouvir. Olhares atentos. Uau, eu me lembro ter pensado, o que fizemos?

Ligamos nossos amplificadores, checamos se Mickey Lee e Gary estavam ligados, e pulamosdireto para dentro do abismo. A reação foi instantânea, mágica, inacreditável e, sobretudo, dapesada. Era uma palavra muito usada na época, mas realmente era – pesado como num momentodefinidor da minha vida: o primeiro contrato honesto com um público, ame-nos ou deixe-nos,sem nos escondermos atrás de covers, tudo era do nosso próprio suor, e a primeira aceitação danossa própria criação. Incrível!

Mas havíamos apenas começado. Uma das bandas preferidas de Rock na época era BLUE

CHEER, cujo estilo Hendrix de “Summertime Blues” já estava estabelecido como um hino dorock. Ao vivo, tinham tanta amplificação e eram tão incrivelmente barulhentos, que, quandotocavam em Nova York, você podia ouvi-los lá em Londres. Infelizmente, para a BLUE CHEER,isso não funcionou muito, mas isso pode dar uma ideia do volume excruciante em que Rockgostava de tocar.

Eu não tinha nenhum problema com tocar no volume máximo, mas queria que o som fossebalanceado, para que as pessoas pudessem nos ouvir com clareza. Então, investimos em oitoamplificadores Marshall 200-Watt e quatro amplificadores de baixo Marshall Major 200-watt, comduas dúzias de caixas 4 x 12 para combinar com eles. Quando ainda não estava bom o suficiente,decidimos consultar um mestre, John Stillwell.

Dawk, como ele insistia em ser chamado, era o guru da modificação de instrumentos e daamplificação. Era um devoto, a ponto de colocar no altar O Volume Insano. Todo mundo quechegava ao Dawk para pedir conselhos sobre equipamentos precisava primeiro passar pelo seurigoroso teste. Se você tocava alto e queria tocar ainda mais alto, você provavelmente estava certo;porém, o músico delicado tinha que chegar na maciota. Ele seria repreendido por ser “pamonha”(um dos insultos preferidos de Dawk para níveis fracos de som e atitude) e mandado embora semnenhuma cerimônia. Você pode imaginar o carinho que ele teve conosco.

Dawk imediatamente decidiu aumentar nossos amplificadores de 200 para 375 watts. Elesgeraram tanto calor, que cada amplificador teve que ter duas ventoinhas especialmente instaladas,para evitar que desligassem. Construiu um sistema P.A. para lidar com a enorme avalanche de somdo palco e modificou um amplificador de energia, que ele chamou de “The Hog”, para ajudarRock a atingir seu objetivo de morte por volume.

Onde quer que o ELF tocasse (exceto pela restrição absoluta de tamanho), instalávamos nossasvinte e quatro caixas. Em espaços menores, mais íntimos, o barulho de 24 ventoinhas ligadas ao

mesmo tempo era alto em si, mas apenas um sussurro quando comparado à batida que logo vinhadeles. As pessoinhas com som de gigantes.

Junto com a mudança de direção musical – e nome – veio a modificação do visual. Nosafastamos muito da imagem limpa que tínhamos na primeira metade dos anos 1960, assim comotodo mundo na América com menos de 30 anos. Mesmo assim, nós quatro éramos, à época, umbando com aparência rústica. Gary, Rock e eu tínhamos barbas cheias, que combinavam com onosso cabelo extremamente comprido, e nos vestíamos com nossas roupas de rua (jeans e camisetasrasgadas). No Reino Unido, o glam rock e o glitter estavam dominando, mas ainda não haviamchegado ao nosso canto do mundo, graças a Deus. Demorou muito para deixar todo aquele cabelocrescer. Não tínhamos pressa em cortar tudo e começar a aplicar delineador, batom e ruge.

Continuamos a tocar em festas de fraternidades universitárias, mas logo passamos a fazer showsnessas mesmas universidades. Fomos contratados para um show numa faculdade, em Connecticut,para fazer a abertura da estrela em ascensão Elton John e sua banda, e foi inesquecível. Oguitarrista Davey Johnstone, o baixista Dee Murray, o baterista Nigel Olsson e Elton estavam noauge de sua forma e surpreenderam a todos com as belas harmonias, a sensação maravilhosa e ascanções brilhantes. Se essa era a aula prática do estágio no local de trabalho, pensei, o trabalhodevia ser muito mais agradável.

Nosso empresário, Bruce, havia assumido um cargo na cidade de Nova York como agente dapoderosa agência de rock ATI (American Talent International), o que deu a ele amplaoportunidade de contratar o ELF, mas todos sentimos que gravar todo esse novo material autoral eincrível que tínhamos escrito deveria ser o nosso próximo passo, então Bruce começou a fecharum acordo. Ele arranjou uma audição com o então presidente da Columbia, Clive Davis.

Na época, Clive era o executivo de gravadora mais descolado do ramo. Tendo participado doMonterey Pop Festival, no verão de 1967, Clive assinou pessoalmente com Janis Joplin, LauraNyro, ELECTRIC FLAG, Santana e, nessa mesma época, estava conversando com Bruce sobre o ELF;ele estava assinando um novo contrato com uma banda desconhecida de Boston chamadaAEROSMITH, e com um cantor e compositor maltrapilho, ainda menos conhecido, de Nova Jersey,chamado Bruce Springsteen. Embora seja justo dizer que o toque mágico de Clive nuncafuncionou bem para o ELF, o encontro foi o catalisador para os eventos completamenteinesperados que logo me levariam à próxima fase da minha jornada musical.

O início foi certamente auspicioso. Em outubro de 1971, o DEEP PURPLE estava apenascomeçando uma turnê pelos Estados Unidos quando o cantor Ian Gillan adoeceu com hepatite,forçando o cancelamento por três meses. O baixista Roger Glover e o baterista Ian Paicedecidiram ficar alguns dias em Nova York, antes de voltarem para a Inglaterra. Bruce cuidou doscontratos para o PURPLE na ATI, por isso criou um relacionamento próximo com os caras, eperguntou se eles gostariam de comparecer à audição de uma de suas bandas com potencial defazer um contrato de produção com a gravadora recém-lançada do DEEP PURPLE, a PurpleRecords. Isto é, presumindo que Roger e Ian gostariam do que vissem e ouvissem. Afinal, eles

não estavam exatamente ocupados, uma vez que a banda estava fora da estrada.Bruce nos disse, alguns minutos antes de eles chegarem, que dois de nossos heróis musicais

estariam lá para nos julgar, assim como o imponente Clive Davis. Sem pressão, no entanto. Comos nervos à flor da pele e os olhos fixos à frente, passamos pelas nossas melhores canções. Antesque percebêssemos, as mãos estavam sendo vigorosamente sacudidas e os sorrisos eram mais largosque o céu. Roger estava transbordando de elogios por nossas músicas e performances e falou comconfiança sobre a contratação do ELF para a gravadora do PURPLE no Reino Unido, enquantoClive nos contratou na hora para sua filial da Columbia, a Epic, que lançaria o ELF na América.Então, marcamos nossa primeira data de gravação para a gravadora.

Depois de anos ralando para tentar dar alguma sorte, recusando-me a ser frustrado poracidentes de carro, ego e morte, quando o grande momento finalmente chegou, aconteceu tãorápido, que não sei se realmente me senti realizado. Se tivesse acontecido cinco anos antes, euteria visto como um sonho se tornando realidade, mas eu tinha quase 30 agora, e, em vez desaborear as memórias que me levaram até lá, imediatamente olhei para o futuro e para o que aindatínhamos que fazer para ter sucesso. A maldição da empolgação. Eu sabia que estar em uma grandegravadora era apenas o começo, que ainda tínhamos um longo caminho a percorrer.

Mas, é claro, celebrei com a banda durante todo o caminho para casa. Mais de 400quilômetros de pura nevasca em um carro sem aquecedor e uma van com freios ruins, mas, paranós, eles já haviam sido mentalmente transformados em um Rolls Royce e um Peterbilt.Combinamos um encontro no nosso local de sempre, o Midway, na noite seguinte, pararealmente comemorar e nos gabarmos com os caras das bandas locais que não fizeram o queacabamos de fazer. Gary fez o barman calcular quantas garrafas de champanhe seriam necessáriaspara servir todos os clientes e então as alinhou pelo bar. Em seguida, ele derrubou e estraçalhoucada uma enquanto caminhava por toda a extensão do lugar entoando um mantra estranho, “Ruado Conforto, Rua do Conforto”. Todos os nossos problemas, lavados por bolhas que escorriampela Rua do Conforto.40

Foram tomadas providências para a gravação do primeiro álbum do ELF em Atlanta, Geórgia,no Studio One, que na verdade ficava em Doraville, um vilarejo suburbano a nordeste de Atlanta.A maioria de nós nunca tinha voado antes, mas estávamos tão entusiasmados com o que estava porvir, que nem nos incomodamos. Coitados! Mal sabíamos que nosso primeiro voo seriainesquecível.

O avião decolou de Hancock Field, em Siracusa, e vagarosamente voou para o JFK, enquantoenxugávamos as bebidas de graça que costumavam oferecer, nos bons e velhos tempos, em voosdomésticos na classe executiva. Mudamos de avião em Nova York, de um hidroavião fomos paraum jato brilhante e de aparência poderosa. Quatro horas depois, colocamos os cintos de segurançae apagamos os cigarros, enquanto o avião se preparava para pousar em Atlanta. Olhando pelajanela, podíamos ver o aeroporto abaixo, mas o avião estava há um tempão voando em círculos.Finalmente, o piloto ligou o sistema de alto-falantes para explicar por que ainda não havíamos

pousado. Disse que o trem de pouso não estava descendo e que teríamos que pousar sem ele.Perfeito, pensei. Mais uma chance de chamar a morte para dançar. Recebemos a ordem para tiraros sapatos e nos posicionar com a cabeça entre as pernas e, enquanto orávamos, o avião começou ase aproximar intermitentemente. Descemos em uma manta de espuma e parece que derrapamospor uma eternidade antes de, finalmente, com um baque surdo, o grande pássaro de metalconseguir parar. Ninguém a bordo ficou ferido. A banda estava bem. Ainda não era a nossa hora.Tínhamos um álbum para gravar.

Nos hospedamos num motel, alugamos um carro e fomos direto para o estúdio. Era mais oumenos como eu esperava que fosse: uma sala enorme de gravação com um módulo móvel imensoapenas para a bateria e uma sala de controle que parecia poder alimentar uma nave espacial. Umproducer-writer chamado Buddy Buie era dono do Studio One, que abrigava o que estava setornando rapidamente conhecido como Atlanta Sound, simbolizado por bandas como CLASSICS IVe, mais tarde, naquele mesmo ano, ATLANTA RHYTHM SECTION. Os músicos dessas bandas estavamsempre rondando o estúdio, trazendo uma energia muito positiva, fazendo o lugar ganhar vida.

Roger e Ian passaram a maior parte do primeiro dia no estúdio, tirando um som dosinstrumentos,41 e já tarde da noite quando finalmente pudemos tocar e gravar uma música inteira.Gravamos em uma fita e achamos que estava muito bom do jeito que estava. Tínhamos gravado abanda inteira tocando e cantando como se fosse um show, e esse se tornou o método que usamospara fazer quase todo o álbum.

Nos fins de semana, íamos para Atlanta, para saborear a vida noturna que Roger e Ianconheciam desde a turnê que o DEEP PURPLE havia feito na área. O clube escolhido era oFinocchio, que tinha música ao vivo e muitas mulheres cheias de vida,42 e todas elas, como decostume, precisavam estar com Mickey Lee.

Terminamos o álbum em pouco mais de um mês. Mais de trinta dias de nirvana. Do qualvieram oito das faixas com mais blues, com mais boogie e rock ‘n’ roll que qualquer pessoa játinha ouvido. Bem, parecia assim na época. Tinha “Sit Down Honey (Everything Will BeAlright)” e “Dixie Lee Junction”, é claro. Junto com outras cinco faixas que combinavam comelas em termos de um rock para cima, cru e corajoso ao modo de FREE, FACES, HUMBLE PIE e todoo resto. E tinha mais uma faixa que apontava à possibilidade de um algo a mais da banda. Umépico de desvelamento da alma, chamado “Never More”, criado por Rock e Mickey e conduzidopor um piano. Essa foi a nossa tentativa de adicionar credibilidade e profundidade ao nossorepertório existente, a prova de que, por baixo de nossas roupas de palco alegres e despojadas, oELF tinha uma substância real, incluindo mudanças de tempo, crescendos e letras adequadamente“profundas” escritas por mim: “Hell and fire burning higher / Now I can see the ever after…”.43

Beleza, não era exatamente uma “Stairway to Heaven”, mas, para nós, mostrava que estávamosno caminho certo. Armados com nossas obras-primas, voamos ansiosamente de volta para NovaYork e esperamos os acontecimentos que viriam. Não tínhamos planejado nada além da gravação.Felizmente, para nós, no entanto, Bruce tinha planejado. Nosso primeiro álbum, até então

intitulado Elf, seria lançado pela Purple Records, na Grã-Bretanha e na Europa, e pela Epic, nosEstados Unidos. Felizes e seguros como estávamos por ter Clive Davis ao nosso lado, o querealmente nos emocionou foi assinar com a própria gravadora do DEEP PURPLE. Roger e Ianorgulhosamente levaram nossa música, que eles produziram, de volta para casa e tocaram para JonLord, Ian Gillan e Ritchie Blackmore. Todos acharam que valeria a pena assinar. Incrível! Rua doConforto, de verdade!

A próxima coisa a se fazer era arranjar uma capa para o disco. Mais convencidos do que nuncade que nosso objetivo era verdadeiro, Rock e eu decidimos que éramos os mais qualificados parafazer o trabalho. Do que precisávamos, e concordamos, era uma foto de – preste muita atenção –um elfo. Não qualquer elfo, claro. Com certeza, não seria o tipo de elfo que usava sapatospontudos, chapéus e trabalhava no banco do sapateiro ou estava lá apenas para ajudar o PapaiNoel. Meu conceito pessoal do tipo de elfo, a partir do qual acabamos nomeando a banda, era ode uma criatura sempre recôndita, que evitava a civilização. O tipo de elfo que exala perigo. Nãonecessariamente um elfo do mal, mas um elfo com o qual você precisa pensar duas vezes antes dese meter.

Quando sugeriram que eu realmente me vestisse como esse elfo, aceitei. Afinal de contas, euera o frontman. Quem mais faria isso? Rock e eu fomos a uma loja de maquiagem teatral emNova York para começar minha transformação em nosso personagem élfico. Compramos umatonelada de massa facial para o nariz e as orelhas, e me preparei para a transformação. Construímosum nariz longo e pontudo, com orelhas combinando, e grudamos tudo às minhas partesexistentes. Tudo foi feito com muita seriedade. Quando terminamos e me olhei no espelho, aimagem horrível que me olhou de volta era exatamente o que queríamos: um elfo com umaaparência assustadora.

Colocamos o equipamento fotográfico do Rock no carro e partimos em busca de uma áreaarborizada e isolada (algo não muito difícil em Cortland), para tirar as fotos. Ainda na cidade,conseguimos assustar qualquer um que parasse ao nosso lado, provando mais uma vez quehavíamos conjurado um monstro. Percebemos que a roupa não era uma boa opção para a criatura.Uma camisa xadrez e um jeans surrado simplesmente não funcionaram, então tiraram minhacamisa e minha calça. Assim, me curvei e olhei ameaçadoramente para a câmera do Rock, quetirou a foto que se tornaria para sempre a nossa marca.

Agora, nos restava esperar a capa do álbum sair, o disco ser finalizado, prensado e distribuído, etudo isso demorava muito mais do que tínhamos paciência para lidar. Perturbamos o Bruce atrásde respostas: Quando o álbum for finalmente lançado, o que vai acontecer? Onde vai ser nossaturnê? E como, por conta própria ou abrindo o show de uma banda maior? E, se sim, de qualbanda? Quando? O quê? Como? Mas, principalmente, quando? Nesse meio tempo, continuamosfazendo nossos shows normalmente. Voltas e voltas no mesmo circuito que agora conhecíamos detrás para a frente.

Então, em julho de 1972, o DEEP PURPLE estava tocando em Providence, Rhode Island, que

ficava a apenas 482 quilômetros de Cortland, e, em comparação com algumas de nossas excursões,era relativamente perto. Roger Glover e Ian Paice nos convidaram para o show, para vê-losnovamente e conhecer o resto da banda. Conhecemos Jon Lord primeiro, que acabou sendo umdos homens mais graciosos que já conheci. Um talento incrível e um ser humano ainda melhor.Ritchie Blackmore e Ian Gillan estavam cumprindo sua rotina usual de “odeio você”, entãoambos foram bastante bruscos e reservados.

Então começou o show, e ficamos maravilhados. Que banda incrível era o DEEP PURPLE emseu auge. Seu último álbum, Machine Head, foi um dos maiores sucessos da América naquele ano(o álbum do qual veio o clássico imortal “Smoke on the Water”), e a banda estava a todo vapor.Ótimo material, musicalidade brilhante, cheio de improvisação e espontaneidade, o PURPLE nopalco era tudo o que imaginamos e muito mais. Era isso que queríamos ser, e a performance delesnos deu o impulso de que precisávamos para sermos um pouco mais pacientes e esperarmos nossachance chegar.

Então, do nada, aconteceu. O Elf saiu apenas algumas semanas depois daquele show do PURPLE

e, junto com ele, graças ao Bruce, porque estávamos no selo da banda e era do interesse delestorná-lo um sucesso, estávamos agendados para fazer alguns shows de abertura para o PURPLE nosEstados Unidos. Era isto: nossa oportunidade de brilhar no Grande Palco. Finalmente! Guardemespaço na primeira página! O ELF está indo para uma cidade perto de você!

Começamos com nove apresentações, principalmente na Costa Leste, mais algumas na Flórida,Geórgia e Virgínia. Era uma sequência de três ou, às vezes, quatro bandas, com o ELF na abertura,incluindo o sexteto FLEETWOOD MAC, entre nós e o PURPLE. Depois disso, o PURPLE voltou àturnê no Reino Unido, mas, quando retomaram a outra etapa da turnê pelos Estados Unidos, emnovembro, o ELF estava lá novamente para abrir: treze shows dessa vez, incluindo dois no Canadá.

Além disso, e era algo que parecia realmente especial, abrimos para eles no Palace Theater, emWaterbury. Enquanto estávamos sentados em nosso pequeno camarim antes do show, não pudedeixar de me lembrar da primeira vez que fiz um show em Waterbury, no antigo Sugar Shack,com RONNIE DIO AND THE PROPHETS. E, claro, naquela noite fatídica, após nosso show noGuggie’s, quando Nicky perdeu a vida naquele terrível acidente de carro.

Deixei tudo isso para trás, no entanto, quando subimos ao palco. A essa altura, já tínhamospegado a manha do que fazer como banda de abertura para um grupo de superstars como o DEEP

PURPLE. Tínhamos preparado nosso set com bastante antecedência, que consistia inteiramente emnossas novas gravações ainda não testadas, e trabalhamos nelas até que se tornassem instintivas.

Com o PURPLE, cruzamos os Estados Unidos em nossa perua Pontiac, com uma nova caixapara os nossos equipamentos no teto. Tínhamos levado um amigo conosco, Ronnie Karesner,para administrar a viagem, com isso tínhamos agora que pagar por cinco, em vez de apenas quatroelfos. De alguma forma, conseguimos terminar a turnê com pouco ou nenhum incômodo, excetopor uma parada em Dallas, no final de novembro.

Raramente nos hospedávamos num motel ou pegávamos um quarto de hotel, simplesmente

nos amontoávamos no Pontiac e dizíamos ao Karesner para pisar fundo. Dessa vez, contudo,tínhamos um dia de folga após o show, então decidimos nos dar um presente. Pegamos um quartoe passamos a noite, acordando cedo para começar a viagem de 9h até o próximo show, em KansasCity.

Sem que soubéssemos, Gary pegou um travesseiro do quarto para ter mais conforto no carro.Tínhamos acabado de colocar nossa bagagem no veículo, mas, no momento em que RonnieKaresner se preparava para dar ré no estacionamento, fomos repentinamente cercados por carrosde polícia, cheios de policiais armados, que prontamente nos mandaram descer do automóvel comas mãos para cima! O gerente do motel havia ligado para eles, suspeitando do nosso roubo, e,vejam só, apareceu o travesseiro. Gary foi preso no local e levado para a delegacia, onde foiautuado como ladrão de travesseiro. Essa brincadeira nos custou uma multa de 150 dólares paralibertar Gary e nem sequer conseguimos ficar com o travesseiro.

Apesar dos meus anos na estrada como cantor em várias formações, tocando em todos os tiposde shows, para todo o tipo de gente, abrir para o DEEP PURPLE em uma grande turnê americana foicomo voltar para a escola novamente. Musicalmente e em termos de performance, aprendemoscom os mestres, especialmente Ritchie Blackmore. Sua presença de palco e sua aura incrível, juntocom a enorme habilidade em sua Fender Stratocaster branca (um presente de Eric Clapton, ele nosdisse), que era sua marca registrada, tornaram-se os padrões pelos quais agora nos avaliávamos.Com Ritchie e PURPLE nos guiando, estávamos no caminho certo.

Depois da turnê do PURPLE, fizemos alguns shows de abertura para o ALICE COOPER, outrabanda que teve o melhor ano de suas vidas com seu álbum e single de sucesso School’s Out, quevendeu 1 milhão de cópias. Em seguida, fizemos uma breve abertura da turnê pelos EUA doURIAH HEEP, outra banda britânica de rock pesado nos moldes do PURPLE, que tinha acabado delançar seu primeiro álbum nas paradas de sucesso da América.

Os shows com ALICE COOPER, em particular, foram surpreendentes. Essa era a banda originalconhecida coletivamente como ALICE COOPER, mas Alice, o frontman, já era a estrela do show.Essa foi também a nossa introdução ao glam rock e a uma apresentação muito mais teatral para umshow de rock. Alice foi enforcado em um show que fizemos com eles, e depois aumentaram acoisa para uma eletrocussão no seguinte. Pode soar inofensivo para o público de rock do século21, mas, em 1972, essa era a primeira vez que alguém via algo assim. Foram as memóriasindeléveis desses shows que mais tarde se tornaram o catalisador para algumas das produções deDIO dos anos 1980.

Como resultado de todos esses shows de alto nível, e porque tínhamos um álbum para o qualpodíamos direcionar as pessoas, o ELF ganhou um bom número de seguidores em algumas áreasdos Estados Unidos. Cada vez que tocávamos num lugar, nosso álbum vendia algumas cópias lá.Podíamos sentir o ímpeto crescendo lentamente enquanto a banda ficava cada vez melhor.

Nosso próximo grande show foi em Los Angeles, no famoso Whisky a Go Go, na SunsetBoulevard. Cinco shows, na última semana de dezembro, incluindo o réveillon, abrindo para a

banda feminina FANNY. Foi um ótimo lugar para tocar: em parte, porque a existência de umabanda de rock exclusivamente feminina era praticamente inédita na época, mas principalmenteporque elas eram muito boas, e havia um burburinho muito forte sobre elas que esperávamoscapitalizar.

Não tínhamos dinheiro para levar de avião até Los Angeles a banda e os equipamentos, então,como de costume, dirigimos os 5 mil quilômetros que separavam Cortland de Los Angeles.Demorou três dias e três noites. Quando finalmente chegamos a L.A., fomos direto para o hotel.Era um grande arranha-céu na Sunset, chamado Hyatt House, com uma piscina no telhado.Descobrimos que o Hyatt era um lugar conhecido por todas as bandas que lá se hospedavam comoRiot House, após as façanhas do baterista do LED ZEPPELIN, John Bonham, que gostava de jogarTVs pela janela quando não estava andando de moto pelo corredor, e do baterista do THE WHO ,Keith Moon, que gostava de abastecer sua banheira com piranhas,44 isso quando não estavatentando jogar um Roll’s Royce na piscina. (Não é tão fácil com a piscina no telhado, mas, sealguém poderia ter feito isso, era o Moony.)

O Whisky era logo descendo a Boulevard, perto do hotel, e levamos nosso equipamento,obedientemente, ao clube, para preparar o show da primeira noite. Carregamos todo o nossoconjunto de amplificadores e ficamos um pouco preocupados quando vimos o minúsculo palco nocanto do Whisky, mas, mesmo assim, apertamos todas as caixas do modo que deu e passamosrapidamente o som. O dono do clube, o futuro lendário Mario Maglieri, saiu correndo doescritório e nos disse que havia amplificadores demais, que deveríamos remover algumas de nossaspilhas de Marshalls. Fizemos algumas objeções, mas, após certa “discussão”, concordamos que cadaum de nós perderia uma caixa.

Mandamos ver e começamos outra música, no entanto, Mario, com as mãos agora tapando osouvidos, exigiu que diminuíssemos mais. Ainda estava muito alto, disse, com uma cara séria.Tínhamos chegado até aqui, pensamos, vamos apenas passar a primeira noite, depois pensamossobre isso. Retiramos, com relutância, outra caixa e, mais uma vez, começamos a tocar.

Mario mais uma vez se opôs. “Vocês vão ter que tirar mais uma caixa!”Aí já era demais para nós. Éramos uma power band! Não um grupo de folk-rock tranquilo de

ouvir. Nos recusamos terminantemente a tirar outro amplificador.“Vai se foder, Mario!” Eu disse a ele. “Tamo indo embora…”Mario olhou para mim com a testa franzida e perguntou se eu era italiano. Quando eu disse

que sim, ele riu e disse que entendia agora por que eu era tão cabeça quente! Mario, nem épreciso dizer, também era do Velho Mundo, nascido em Sepino, no pobre sul italiano, quasecinquenta anos antes. Era um cara durão, mas também inteligente e engraçado. Ele nos disse paradeixar o equipamento ligado e fazer o show. Esse seria o início de uma relação especial entre mime Mario, e que se estenderia para o resto de nossa vida.

Quando terminamos, Mario sugeriu que poderíamos gostar de conhecer outro lugar, descendoum pouco a rua, chamado Rainbow Bar & Grill, que também era dele. O Rainbow rapidamente

se tornaria o ponto de encontro numero uno do rock em L.A. Para qualquer banda de fora dacidade e muitas que realmente viviam na cidade, o Rainbow se tornaria sua casa longe de casa emL.A. Ninguém tinha um clube em sua cidade natal como o Rainbow. Isso se tornaria um lugarcentral em minha vida apenas alguns anos depois. Veremos mais tarde.

Todos nos sentamos lá naquela primeira noite, numa das cabines vermelhas do clube,espalhados ao redor de uma de suas mesas em meia-lua, bebendo e tirando onda com qualquer umque quisesse ouvir sobre nossos próximos shows no Whisky, e convidando todos para ir conferir amelhor nova banda de rock da América. (Acho que mencionei que estávamos bebendo.) Nosarrastamos para fora quando o estabelecimento fechou, às 2h da manhã, e pegamos um táxi devolta para os dois quartos adjacentes que tínhamos no Hyatt.

Por volta das 5h da manhã, uma batida muito forte na porta nos acordou. Abrimos a porta,com olhos de ressaca,45 e encontramos um bando de policiais com suas armas apontadas para nós.Eles gritaram para que nos deitássemos de bruços no chão, agora, com as mãos atrás da cabeça. Nosagrediram um pouco, nada muito doloroso, mas muito ameaçador. Disseram que seríamos presose algemados assim que encontrassem o que procuravam. O que eles estavam procurando? Comcerteza não sabíamos. Fosse o que fosse, eles nunca encontraram, porque, como descobrimos maistarde, eles estavam nos quartos errados! Bem-vindos a Los Angeles.

O primeiro show do ELF no Whisky foi horrível. Mario estava certo. Fomos muitobarulhentos. Pelo menos, parecemos ter agradado uma parte do público e tomamos isso pelo ladopositivo. Os frequentadores de sempre do Whiskey eram entendidos no assunto. Todas as grandesbandas do mundo tocaram lá, então adaptamos o set, e o resto dos shows ficava melhor a cadanoite. Assim como nossas atividades pós-show no Rainbow. As garçonetes, todas muito bonitas eamigáveis, pareciam ter suas próprias conexões pessoais com o mercado do rock, e a única regrapara os músicos parecia ser que não havia regras – nunca.

Chegamos a Cortland três dias depois de deixar L.A., e voltamos à nossa vida por um tempo.Eu era casado com minha primeira esposa, Loretta, a essa altura, e sabia que minha ausênciaconstante devia ter sido uma provação para ela. Morávamos ao lado do Rock e sua namorada, esaíamos juntos. O tempo diminuiu e, de repente, ele parecia não pensar tanto no ELF, eu achava.Não mais ensaiávamos muito e todas as conversas sobre o que viria foram deixadas de lado.

Num dado momento, conversei com o Rock sozinho e perguntei o que estava rolando. Para omeu horror, ele disse que estava deixando a banda. Para mim, chega. A primeira pessoa acompartilhar meu sonho, Nicky, se foi. Em seguida, Rock estava indo embora. Isso acaboucomigo. Eu estava tão emocionado, que não tinha certeza se estava pronto para outro desafio. Estána hora de sossegar, criar uma família, desfrutar de uma vida dita normal, talvez; foi o que eupensei. Claro, por que não? Eu tinha trinta e poucos anos; dei o meu melhor.

Tínhamos acabado de comprar nossa primeira casa. Era pequena, mas cheirava a nova. Tinhaum porão inacabado e nenhuma garagem, e até agora eu tinha dedicado todo o meu tempo parafazer um quarto familiar e a construir um lugar para o carro. Sim, mas e daí? As escolhas eram

bastante claras. Vá trabalhar na siderúrgica, volte para a escola, viva no inferno para sempre.Eu estava ouvindo algumas músicas novas com um grande amigo e baterista, Mark Nauseef.

Mark era um jovem extremamente brilhante, que teve o gostinho de ser um músico profissionalna formação final do VELVET UNDERGROUND. Lou Reed e todos os outros membros originais játinham saído há muito tempo, mas Mark se juntou à banda para uma turnê final pelo ReinoUnido, em 1972. De volta a Cortland, Mark idolatrava Gary como músico e ficava surpreso comas palhaçadas dele e do Mickey Lee sempre que se encontravam. Tanto que se mudaram juntospara um minúsculo apartamento de dois quartos. Era, originalmente, a estação ferroviária da linhade trens Erie-Lackawanna, que passava por Cortland. Que lixo! Ficava em cima de um restauranteensebado que atendia aos trabalhadores da ferrovia, e o cheiro de óleo barato das friturasimpregnava todos os poros dos quartos acima. Doug Thaler apelidou o apartamento de “Banheirode Buckingham”. O nome pegou e se tornou nosso novo ponto de encontro. Basta dizer queuma coisa levou à outra, estava nas cartas, a sorte foi lançada e, desse jeito, eu estava de volta aojogo.

Decidi, no entanto, que não queria mais tocar baixo. Seria cantor, de agora em diante. Tinhaprovado meu valor, mas não poderia me tornar um frontman de verdade se tivesse que continuarsegurando um baixo. Isso significava buscar outro baixista. Felizmente, havia um de quemrealmente gostávamos, e que tocava na banda do Mark. Seu nome era Craig Gruber. Craig tinhagrandes habilidades e era um músico muito mais moderno do que eu jamais poderia ser. Havia umproblema. Craig era muito leal ao tecladista de Mark, Dave “Bo” Bohash, e não sairia sem ele.

Solução: vamos juntar as duas bandas!

O primeiro objetivo para revitalizar o ELF era encontrar um lugar para ensaiar. Cortland não

estava preparada para coisas barulhentas, então entrei em contato com alguns parentes quemoravam em uma cidadezinha, 10 quilômetros ao norte, chamada East Homer. Quase todas aspessoas que moravam lá eram parentes ou amigos, portanto, o volume não era um problema. Nosinstalamos no maior espaço que pudemos encontrar, que, por acaso, era um celeiro ainda emfuncionamento. Era bem no meio do verão, e o calor e os insetos tornavam tudo insuportável àsvezes, mas éramos uma banda, e isso facilitava as coisas.

O segundo objetivo do novo ELF era encontrar um guitarrista. O grupo de Mark Nauseeftinha apenas o teclado Hammond B-3, de Dave Bohash; o baixo, de Craig Gruber; e a bateria, deMark. Bo sugeriu um músico de Utica, que ficava a cerca de 1h de carro de Cortland, chamadoSteve Edwards. Stevie era um guitarrista tipo o Jeff Beck, do período Wired; gostava da fusão dojazz com o rock e tinha talento para fazê-la. Musicalmente, esse era um terreno estranho paraGary, Mickey Lee e eu. Bo gostava disso e Mark também, que se juntou a nós na percussão. Masagora tínhamos uma banda com dois estilos totalmente diferentes que tentamos em vão misturar.De repente, o ensaio no Buckingham Toilet ganhou um novo significado para nós. Fedíamos!Gostaria de poder culpar o odor, mas logo de cara ficou evidente que essa era a combinaçãoerrada.

Mantivemos diligentemente esse esquema, no entanto, até que a realidade finalmente quebrouo encanto, quando nos foi oferecida a oportunidade de gravar outro álbum para a Purple Records.Eu sabia que, acontecesse o que tivesse que acontecer, teríamos que fazer o processo funcionar,mas só seria o caso se voltássemos ao estilo que havia garantido ao ELF o acordo com o PURPLE emprimeiro lugar. Relutantemente, nos despedimos de Dave Bohash e retornamos a uma pegadamais ELF: Gary, na bateria; Mickey Lee, no piano; Craig Gruber, no baixo; Steve Edwards, naguitarra; e Mark Nauseef, tocando percussão.

Musicalmente, de repente, recuperamos nosso borogodó.46 Em termos de personalidade,porém, nosso grupo era estranho. Gary e Mickey Lee possuíam o tipo de presença que preenchiatodos os cômodos em que entravam – ou caíam. Craig também era um cara engraçado etalentoso, tirando o fato de que odiava tudo e todos. Era o tipo que sempre parecia levar um socosó por estar no lugar. Stevie era atencioso e introspectivo, e quando nosso publicitário inglêsperguntou o que ele queria da vida, ponderou cuidadosamente antes de responder: “Hm... a vidade uma estrela do rock, eu acho”. Bem, pelo menos ele tinha um objetivo.

Mark era um dínamo, ligado em todos os tipos de música e cheio de otimismo em relação aessa banda. Um grande baterista por si só, ficou feliz em assumir o papel de percussionista e sesubmeter a seu mentor, Gary. Pegamos a estrada cada vez mais confortáveis um com o outro,ansiosos por uma nova gravação e, com sorte, um novo começo para a nossa carreira.

Já havíamos decidido que o álbum se chamaria Carolina County Ball, por conta de uma dasnovas canções que Mickey Lee e eu tínhamos composto. Tinha um ritmo bacana conduzido pelopiano boogie de Mickey e, lá pelas tantas, no refrão entraria um naipe de metais, no estilo deNova Orleans, culminando numa pausa perfeita da guitarra animadíssima de Stevie. O resto doálbum fluiria a partir daí. Ainda mantivemos uma certa marra, ao estilo do FACES, mas agoraestávamos desenvolvendo nossa própria identidade musical.

Com uma forte influência britânica junto de uma alma bem americana, Mickey Lee e eucriamos algumas de nossas melhores músicas, incluindo “Rocking Chair Rock ‘n’ Roll Blues”,nosso novo hino pode-entrar-a-água-está-morninha; “L.A. 59”, uma daquelas canções de bandaitinerante que costumavam ser chamadas de train song e que, por algum motivo, se tornaria otítulo do lançamento americano do álbum. Além disso, uma balada da qual eu me orgulhavamuito, em parte porque não escrevíamos muitas baladas, mas, principalmente, porque era uma dasmúsicas mais talentosas que Mickey Lee e eu já tínhamos criado. Quando Roger Glover, queestava produzindo o álbum por conta própria dessa vez, ouviu, se inspirou a escrever um arranjode cordas para ela. Na verdade, Roger ficou tão inspirado quando ouviu as demos, que nosconvidou para irmos à Inglaterra gravar! Uau! A casa dos nossos heróis. Um sonho realizado. Ruado Conforto, lá vamos nós de novo!

Roger reservou um novo estúdio residencial para nós, chamado The Manor, em Shipton-on-Cherwell, perto de Oxford, de propriedade de um empresário musical inglês chamado RichardBranson. Richard usou o dinheiro que ganhou com a abertura de sua loja de discos Virgin, em1971, para lançar sua própria gravadora com o mesmo nome – e para comprar a propriedade ruralem que construiu The Manor. Quando o ELF chegou lá, em janeiro de 1974, Branson e a Virginestavam a caminho de seu primeiro grande sucesso com o álbum de estreia de Mike Oldfield,Tubular Bells, um dos primeiros discos feitos no The Manor.

Richard tinha seu escritório no estúdio e quase sempre estava lá, trabalhando para construir onegócio que um dia o levaria a um império. O fato de nos encontrarmos não apenas na Inglaterrapela primeira vez, mas em um ambiente tão empolgante, nos deu uma tremenda sensação de

estarmos no lugar certo, na hora certa.Moramos no Manor por um mês, gravando as canções que Mickey Lee e eu tínhamos escrito,

principalmente em Cortland. Apesar de a atmosfera estar ótima, o estúdio era meio estranho, a salade controle ficava na parte de trás, e a comunicação era difícil por isso. O banheiro ficava aquilômetros de distância, mas havia uma porta lateral no estúdio que dava para uma pequenaescada de incêndio, onde você podia se aliviar em um alvo que alguém tinha pintado lá parabaixo.

Aprendi a dirigir no lado “errado” da estrada – dirigindo no Reino Unido pelo certo – depoisde “roubar” um dia a van de equipamentos de nosso assistente, Colin Hart. Colin era uma joia.Era de South Shields, uma cidade costeira no nordeste da Inglaterra, e tinha um forte sotaqueGeordie, típico daquela região. Trabalhou para a organização DEEP PURPLE como parte da IECEnterprises, a empresa de gerenciamento do PURPLE. Como ele não estava na estrada com a bandana época, ficou encarregado de cuidar desses americanos que só conhecia pelo Roger. Eu estavaenchendo o saco dele para me deixar dirigir, mas suas recusas constantes me fizeram resolver oproblema com minhas próprias mãos. Certa noite, peguei as chaves, pulei para dentro da van e fuiembora noite adentro. Presumi que, como tudo sobre dirigir na Grã-Bretanha estava invertido, osindicadores de direção também estavam. Mas toda vez que eu dava seta e virava, recebia umabuzinada. Opa! Esquerda é esquerda e direita é direita. Dirigi a van para casa muito devagar enunca contei a história a ninguém, muito menos a Colin.

Passamos os primeiros dias na Inglaterra com Roger, em sua casa palaciana em Iver, uma belavila em Buckinghamshire, amarrando as pontas soltas e sendo apresentados à já infame gravaçãopirata conhecida como The Troggs Tapes. Os TROGGS eram a lendária banda inglesa que fez sucessoem todo o mundo, em 1966, com “Wild Thing”. As fitas eram uma gravação da vida real,incrivelmente engraçada, feita do cantor Reg Presley discutindo no estúdio com seuscompanheiros de banda enquanto tentava gravar uma faixa intitulada – ironicamente –“Tranquility”. Reg gritando: “Coloca um pouco de pó de pirlimpimpim nessa porra!”.47 Ficou tãofamoso, que John Belushi e Bill Murray mais tarde fizeram uma paródia no Saturday Night Live.

Roger também tocou para nós outra gravação absolutamente hilária que ele tinha, chamadaThe Farting Contest. Datada de 1946, pretendia ser um campeonato mundial de “peidando eandando”, entre o atual campeão inglês, Lord Windsmear, e o desafiante, Paul Boomer, umaustraliano que treinou com uma dieta de repolho. Pode não parecer lá muita coisa no papel, masainda hoje me faz rir quando penso nisso, mesmo todos esses anos depois. Foi o início do meuamor pelo humor absurdo inglês, que perdurou ao longo da vida. Quando o Flying Circus, doMonty Python, foi lançado pela primeira vez na TV americana, no final daquele ano, fui uma dasprimeiras pessoas a curtir o negócio de verdade. Quando uma das grandes estrelas desse show,John Cleese, lançou seu próprio show, Fawlty Towers, no ano seguinte, fui conquistado desde oprimeiro minuto. De alguma forma, aquele humor britânico, louco e distorcido, combinava cadavez mais com o meu. No entanto, como fui percebendo, estava me tornando um anglófilo.

Trabalhar na Inglaterra também me deu o gosto pela cerveja inglesa forte e outras coisas quesimplesmente não tínhamos nos EUA naquela época, mas que proliferavam por todo o ReinoUnido.

Esse também parecia ser o rumo que a trajetória da carreira da banda estava tomando agora.Terminamos o álbum em algumas semanas e mandamos Craig, Steve e Gary para casa, enquantoMickey Lee e eu fomos ficar com o Roger em sua casa enorme, em Buckinghamshire. Rogerhavia deixado o DEEP PURPLE, ao mesmo tempo em que Ian Gillan. Sem ter que pegar a estradacom o PURPLE o ano todo, ele estava livre para esticar suas próprias asas musicais e tinha acabadode assumir a tarefa de musicar um livro infantil chamado The Butterfly Ball and the Grasshopper’sFeast. Originalmente, haviam discutido que seria um álbum solo de Jon Lord produzido porRoger, mas com Jon ainda comprometido com o PURPLE e também com o Roger, desde que foiexpulso do grupo, essa criança agora era do Roger.

Quando Roger perguntou se Mickey Lee e eu faríamos parte dessa empreitada – coescrevendocom Roger, cantando e atuando em algumas das faixas –, agarramos a chance. Essa foi umaoportunidade de ouro para ajudar a criar uma música nova em um contexto completamente novo,e também devolver a Roger tudo que ele fez por nós. As óperas-rock estavam na moda naquelaépoca; o filme Tommy, do THE WHO , dirigido por Ken Russell, havia acabado de chegar às telasnaquele ano, enquanto a versão cinematográfica do musical The Rocky Horror Picture Show tambémsairia no mesmo verão. Enquanto isso, todo mundo estava lançando álbuns conceituais de váriostipos e, ao vivo, os artistas que chamavam mais a atenção eram os abertamente teatrais, comoDavid Bowie, GENESIS e ALICE COOPER. Quando Rick Wakeman lançou Journey to the Centre ofthe Earth, seu álbum conceitual baseado no romance de ficção científica, de 1864, de Júlio Verne,ele montou os shows, baseado no livro, em um rinque de patinação no gelo em Londres!

Quando Roger apresentou seu plano de escrever uma ópera-rock vagamente baseada nopoema infantil de 1802, de William Roscoe, contando a história de uma festa para insetos e outraspequenas criaturas, a ideia parecia inspirada. Havia um livro de imagens chamado Butterfly Ball, de1973, de Alan Aldridge, que fez algumas das ilustrações psicodélicas para vários livros e várias capasde álbuns, incluindo o livro The Beatles Illustrated Lyrics, de 1969. Com o acréscimo do texto doromancista sul-africano William Plomer, o livro expandiu o poema original, focando nospreparativos dos animais para o baile. Com isso, transformou-se em um curta-metragem deanimação baseado nas ilustrações de Aldridge, feito em 1974. Deveria ter se tornado um longa-metragem de animação, mas, como muitos grandes projetos de filmes, não rolou.

Decidido, Roger simplesmente transformou o que deveria ser uma trilha sonora em um álbumsolo. Roger também estava compondo com o ex-tecladista e vocalista de Spencer Davis, EddieHardin, e uma das músicas que eles escreveram se tornou meu primeiro disco de ouro e umaespécie de canção característica do projeto. Chamava-se “Love Is All”, baseado na canção fictícia“Love’s All You Need” mencionada no livro. (Não há prêmios para quem adivinhar de onde veioa “inspiração” desse título, fãs dos BEATLES.)

De acordo com a história, quem canta a música é um sapo. Na agora famosa animação, eletambém toca baixo. Para que eu pudesse me relacionar com ele, apresentei mais duas canções“coaxantes”,48 “Homeward”, uma balada onírica que coescrevi com Mickey Lee e Roger, e umacomposição maravilhosa, bem pop, que Roger escreveu chamada “Sitting in a Dream”. Roger,Mickey Lee e eu também coescrevemos um pedaço maravilhoso do antigo vaudeville inglêschamado “Harlequin Hare”, cantado por outro cantor e compositor amigo de Roger, chamadoNeil Lancaster.

A coisa toda foi fantástica e foi muito divertido participar. Glenn Hughes e David Coverdaletambém estavam no álbum, junto com o cantor americano de soul Jimmy Helms e o grandecantor e tecladista britânico Tony Ashton, para citar apenas alguns nomes, incluindo minhas trêscantoras favoritas: Barry St. John, Liza Strike e Helen Chappelle, que também cantou no CarolinaCounty Ball e no que seria nosso próximo álbum, Trying to Burn the Sun.

Mickey Lee e eu fizemos nossa parte, nos divertimos, depois voamos para casa e esquecemosdo projeto – antes de, de repente, estarmos de volta ao Reino Unido, abrindo para o DEEP PURPLE

novamente. Fazia sentido, visto que o álbum havia sido lançado lá em abril, pelo selo do PURPLE.Contando as semanas passadas em Oxfordshire gravando, eu estava começando a me sentir emcasa. Foram vinte e quatro shows, incluindo cinco na Escócia, outro lugar cheio de castelos emontanhas sobre os quais eu só tinha lido antes, além de alguns shows na Holanda, noConcertgebouw, em Amsterdã.

Durante o intervalo entre a ida para casa e o retorno à estrada, Gary decidiu que era omomento perfeito para se casar. Conseguiu um apartamento no segundo andar, que ele e suafutura esposa decoraram. O casamento foi grande, e fizemos uma grande recepção após acerimônia em nosso bar favorito. Por volta da meia-noite, a noiva de Gary queria ir para casa e seaprontar para a viagem de lua de mel no dia seguinte. Eles saíram em meio a abraços e vivas, evoltamos para a festa.

Cerca de 1h depois, Gary retornou ao bar, dessa vez sozinho. Disse que não queria perder afesta, então esperou até que sua recém-esposa dormisse e desceu de seu apartamento por umacorda. Ele então empurrou o carro pela rua, para que ela não acordasse com o barulho e voltoupara o boteco. Fechamos o estabelecimento às 2h30 e fomos para a casa de alguém, ondecontinuamos até umas 5h da manhã, antes de todos finalmente voltarem engatinhando para casa.

Gary, é claro, não tinha pensado muito no seu plano e agora se deparava com a árdua tarefa desubir pela corda de volta para o quarto. Cheio de bravatas movidas a álcool, ele escalou até ametade, mas logo despencou, torcendo o pulso, ficando esparramado e sozinho na calçada em suanoite de núpcias. Forçado a mancar até a porta da frente e acordar sua esposa, ele disse a ela quetínhamos uma reunião de emergência da banda naquela noite, e que havia descido pela cordapensando que ela teria, com isso, uma boa noite de sono. Como ele conseguiu dizer tudo issocom uma cara séria, eu não sei, mas ela acreditou. Que grande garota. Claro, o Gary sendo oGary, as coisas nunca foram tranquilas para ele, e seu casamento acabou depois que sua sogra

chegou um dia sem avisar em seu apartamento e o encontrou rolando no chão com uma garota daAvon.

Para nossa sorte, o pulso de Gary sarou bem no tempo que ainda tínhamos de folga, então nãohavia preocupação em retornar a turnê. E isso realmente foi uma espécie de lua de mel para nós.Depois de tantos anos viajando pelos Estados Unidos, tanto tempo trabalhando, morando e agoraviajando por toda a Grã-Bretanha, tocar em uma cidade maravilhosamente diferente comoAmsterdã realmente abriu minha mente para novas experiências e novos jeitos de ver as coisas. Agrande notícia em Amsterdã, é claro, era que a cannabis era semilegal e podia ser comprada emcafeterias. Não se esqueçam, naquela época, em muitos estados da América, você poderia ser pegoe jogado na prisão por posse de um único baseado. O que era essa nova terra iluminada em quehavíamos adentrado?

Só levamos guitarras e captadores de piano conosco para a Holanda, então a preparação foimínima. O voo até Amsterdã transcorreu sem maiores problemas, digo com alegria. Nossos doisshows anteriores foram no Apollo, em Glasgow, a cidade mais dura e violenta da Escócia. Étambém a cidade com um dos maiores e mais barulhentos públicos do mundo, adorei cadasegundo. O povo de Glasgow era incrível. A energia! O calor! A oferta de “uísque” em todos oslugares a que formos ou de um “golinho” – supostamente uma dose de uísque, mas, na verdade,era mais como um grande gole! Vocês vão entender por que a festa pós-show após a segundaapresentação em Glasgow fez todos dormirem na paz do Senhor no voo para Amsterdã.

A turnê também foi cheia de uma energia mais positiva, era a primeira do PURPLE desde queRoger Glover e Ian Gillan foram substituídos por um completo desconhecido, chamado DavidCoverdale, e pelo fantástico vocalista-baixista do TRAPEZE, Glenn Hughes. Ter nosso produtor e,em teoria, maior apoiador na Purple Records não pertencendo mais ao DEEP PURPLE poderia ternos colocado em uma situação desconfortável. Mas não ter mais Ian Gillan por perto me deixoumuito curioso para ver a nova formação. Como esses caras novos lidariam com isso?

Quando estávamos fazendo o check-in no hotel, Coverdale e Hughes estavam no bar dosaguão. Eles nos chamaram e as apresentações foram feitas. Ótimos rapazes. Eu não sabia disso naépoca, mas David e Glenn permaneceriam amigos e colegas pelo resto da minha vida, ambosgrandes cantores por seus próprios méritos, é claro, mas também eram uma ótima companhia.Tomamos alguns drinques, trocamos histórias e combinamos de sair juntos mais tarde para oshopping mais próximo para comprar alguns daqueles chapéus “extravagantes” e algumas calçasjeans boca de sino bordadas – o que chamávamos de “roupas europeias”.

No táxi, a caminho das lojas, pensamos que a gravadora tinha feito um trabalho brilhante depublicidade para nós, porque havia grandes placas ELF em vários pontos ao longo do percurso.Nós pensamos, uau, eles devem realmente acreditar na gente aqui! Mais tarde, soubemos que ELFera o nome de uma empresa de petróleo e que a palavra elf significava onze em alemão.

Nossa primeira parada foi em uma loja de sapatos. Sendo a Holanda o lar histórico dostamancos de madeira – como a mais famosa colocada em evidência pelo meu velho amigo Brian

May, do QUEEN –, Gary correu para a área de sapatos de madeira da loja e comprou algunstamancos. Ele cambaleou um pouco depois de experimentá-los, mas logo pareceu recuperar seuequilíbrio. Alguns outros compraram também; pagamos e saímos da loja em busca de algumasroupas bacanas para o figurino. Começamos a atravessar a rua e quando Gary (já falei do Gary?) foidescer do meio-fio, caiu dos tamancos e torceu o tornozelo. A maldição atacou novamente.

Nosso próximo show era no dia seguinte, e sabíamos que Gary não seria capaz de tocar. Nós olevamos a um médico, que colocou uma atadura elástica, da marca Ace, e disse a ele que ficasse depé. Puxa, obrigado, doutor. Ligamos para Bruce Payne em Nova York e contamos o que haviaacontecido; seu conselho foi ver se poderíamos entrar em contato com Mark Nauseef e torcerpara que ele estivesse disponível. Ligamos e ele estava, então trouxemos o Mark de avião naquelanoite. Perdemos o primeiro show, mas continuamos com o Mark até que o tornozelo de Garysarasse.

A partir daí – pela primeira vez – tudo se encaixou. O álbum Carolina County Ball até que foimodesto na Grã-Bretanha e na Europa, mas, ao abrir para o PURPLE, criamos rapidamente umacrescente reputação como uma grande banda de show. Quando o álbum foi lançado nos EstadosUnidos, no verão – com outro título, que por alguma razão nunca fui capaz de imaginar para oL.A. 59 –, praticamente não houve comentários fora do círculo crescente de fãs que viram abanda tocar.

Apesar da falta de vendas, o futuro do ELF parecia mais brilhante do que em qualquermomento anterior. Fomos bem, abrindo para o PURPLE. Quando Butterfly Ball foi lançado pelaPurple Records, no final de 1974, chamou muito a atenção na Grã-Bretanha e na Europa. “LoveIs All”, na verdade, chegou ao primeiro lugar na França e na Holanda, entrou no Top 10 naAustrália, no Top 30 no Reino Unido e, como mencionei, garantiu meu primeiro disco de ouro.A versão animada apareceu na TV em todo o mundo, da Grã-Bretanha, onde ainda é exibido, atéas TVs australiana e, eventualmente, americana, quando o álbum e o single foram lançados umano depois. Nada disso, para a nossa frustração, teve qualquer efeito perceptível na melhora doperfil do ELF, mas, ironicamente, me levou abruptamente ao próximo capítulo, totalmenteinesperado, da minha própria história.

No ano seguinte, além das nossas datas em clubes, o ELF acabou fazendo cerca de sessentagrandes shows ao redor do mundo, abrindo para o DEEP PURPLE. A nova linha de frenteCoverdale-Hughes-Blackmore rejuvenesceu completamente aquela banda. Seu primeiro álbumjuntos, Burn, foi um clássico. Ao vivo, pareciam tocar longas jams improvisadas. Eles tinham amanha de fazer isso. Todo o set, incluindo os pedidos de bis, tinha apenas nove músicas, comapenas três delas sendo dos anos pré-Burn. Esses foram os dias em que, se você não se concentrassenas suas novidades, as pessoas o consideravam um traidor. Eles serviram de inspiração para nós,uma banda ainda tentando provar que tinha potencial para chegar a esse nível também.

Pontos altos: eram tantos, que era difícil acompanhar. Após a experiência transformadora dagravação e da turnê pelo Reino Unido, seguimos o PURPLE em alguns dos maiores locais da

América. Nosso primeiro show foi no Orange Bowl, com capacidade para 80 mil pessoas, emMiami: era o ELF, seguido pelo J. GEILS BAND, seguido por DEEP PURPLE. Estava bom para umaboa noite de farra em 1974?

Duas noites depois, inauguramos o estádio Dillon, com capacidade para 20 mil pessoas, emHartford, com o AEROSMITH substituindo o J. GEILS BAND. Pense um pouco nisso. Você seexibindo no palco, sabendo que tem que, de alguma forma, deixar uma impressão que darásuporte ao bombardeio que se seguirá: AEROSMITH e DEEP PURPLE. Então, algumas noites depois,abrimos novamente com os caras DO J. GEILS, no Arrowhead Stadium, com capacidade para 78 milpessoas, em Kansas City. Seguido pelo show no Houston Astrodome, com capacidade para 45 milpagantes. Podemos não ter vendido muitos discos do ELF ainda, mas agora estávamos em outropatamar. Era mais ou menos assim!

Realmente tivemos sorte com os preparativos da viagem para essa excursão. Fomos convidadospelo DEEP PURPLE para viajar em seu jato fretado, um Boeing 720, chamado Starship, de show emshow. O interior havia sido convertido em uma enorme sala de estar com um piano-bar (naverdade, era um órgão elétrico), e vimos, também, pela primeira vez, um videocassete, além deum catálogo de filmes novos. A parte traseira do avião tinha uma pequena sala com travesseiros euma enorme suíte máster, com cama de casal e chuveiro. O nome da banda foi pintado nas lateraisda aeronave com enormes letras roxas, como fizeram para o LED ZEPPELIN, que foi o primeirogrupo a usar o Starship. Comemos e bebemos como gente grande, geralmente chegando demanhã, para receber champanhe, coquetel de camarão e o filme mais recente. Esse foi um grandemomento, e, se isso não despertou seu apetite para o sucesso, você provavelmente já morreu e nãosabe.

A noite do show no Astrodome, em Houston, foi a melhor da turnê. Nenhuma banda de rockda magnitude do PURPLE havia se apresentado lá antes, e ficamos maravilhados com a estrutura.Era o primeiro estádio com uma cúpula grande o suficiente para acomodar um time de beisebol efutebol americano em um ambiente totalmente à prova de intempéries. Não permitiram que opúblico ficasse no campo por causa do frágil AstroTurf que o cobria. Eles permaneceram empoltronas luxuosas com vistas perfeitas ao redor da área interna, que estava vazia. Mas pareciamestar a quilômetros de distância quando fizemos nosso set, e foi um show de rock sem muitoenvolvimento com a galera. Finalmente, chegou o PURPLE, e Glenn, imediatamente, convidou opúblico a “descer”, e eles acataram! Foi um alvoroço sobre as barreiras de segurança, até queconseguiram correr para o AstroTurf. A administração do Astrodome enlouqueceu e ameaçou abanda com processos judiciais. Quando o show acabou, pediram 60 mil dólares à banda por danos.Ritchie adorou. Você não podia comprar esse tipo de publicidade, uma frase que ouvimos antes eainda acreditávamos ser verdade.

Houve uma segunda temporada pelos Estados Unidos com o PURPLE, no final do ano, dessavez com a ELECTRIC LIGHT ORCHESTRA entre nós. Os caras do ELO, como eram conhecidos,estavam com seu primeiro single de sucesso (“Can’t Get It Out of My Head”) e álbum (Eldorado)

na América naquele ano, e eles eram tão diferentes daquilo que estávamos fazendo quanto se possaimaginar. Ainda assim, percebi, não estavam muito longe do PURPLE, em sua forma mais expansivamusicalmente. Na verdade, o PURPLE havia feito um movimento consciente nessa direção comalguns de seus novos materiais, mais especialmente a faixa-título do álbum, “Burn”, com seusteclados neoclássicos. Comecei a pensar em como poderíamos mover o ELF em uma direção maisaventureira.

Como banda de abertura, viajamos do modo mais barato possível. No tour europeu, viajamoscom a equipe do PURPLE no ônibus da turnê. Eles nos aceitaram na hora, uma vez que a maioriade nós era tão louca quanto eles, com alguns, obviamente, mais malucos. Bebíamos, fumávamos(qualquer coisa que chegasse até nós), jogávamos cartas e geralmente festejávamos a noite toda,todas as noites.

Ao contrário dos ônibus de luxo dos pacotes turísticos de hoje, não havia cama ou banheironesses ônibus de turismo top de linha, só assentos extremamente desconfortáveis. Uma das minhasvantagens, por ser menor, era sempre ter um lugar para esticar e dormir nas prateleiras superiores.Na primeira vez que fiz isso, o ônibus parou em uma área de descanso e, depois de comer,avançou alguns quilômetros na estrada quando descobriram que eu estava “desaparecido”. Derammeia volta e voltaram ao ponto de parada para me procurar, mas não havia nenhum Ronnie lá.Dica: pânico. Quando acordei, desci da prateleira e perguntei se havia alguma coisa para comer,mas eles não pareciam muito contentes! Até mesmo mais tarde, quando ficávamos sentadosrachando o bico, relembrando as histórias.

É quase impossível dormir por muito tempo nesse tipo de ambiente, mesmo quando você estápregadaço, então, no tradicional estilo na estrada, você recorre a uma “ajudinha”. Nas décadasseguintes, haveria dezenas de remédios para dormir disponíveis, mas, na década de 1970, a escolhaera limitada. A turnê Sleep on the Purple foi patrocinada por um remédio do qual eu nunca tinhaouvido falar antes, chamado Mandrax.49 Era tipo a versão europeia do Quaalude americano, e naépoca era tão fácil de achar quanto qualquer quitute, só que duas vezes mais doces. Eles nãoapenas faziam você dormir. Eles o colocavam em uma dimensão totalmente diferente. Minhaprimeira experiência com um “Mandy”, como era conhecido o remédio, aconteceu em umasorveteria nos Alpes, que terminou comigo tentando colocar uma casquinha de sorvete na testa.Eu simplesmente não conseguia encontrar minha boca.

A viagem pelas montanhas foi inspiradora, especialmente porque estávamos todos loucos atrásdos Mandies e de álcool. Nos registramos no hotel e fomos direto para o bar. Era início da tarde euma clientela um pouco mais refinada estava saboreando um coquetel antes de fazer a reserva norestaurante muito sofisticado do hotel. Um de nossos companheiros de bebida era Ian “Fergie”Ferguson. Fergie era o técnico de guitarra de Ritchie Blackmore e um personagem complexo porsi só. Acho que ele tinha mesmo que trabalhar para um perfeccionista como Ritchie. Porexemplo: o gerente do hotel estava se achando um pouco, mas deu uma maneirada quandoexplicamos que estávamos no Deep Purple Party. O bar rapidamente se encheu com o nosso

grupo e começou a brincadeira.Estávamos com fome, então um dos membros da equipe foi até a cozinha e saiu vestindo um

avental e um chapéu de chef, enquanto empurrava uma bandeja com algo que parecia sersanduíches de frango, carne ou queijo. Fergie teve que se aliviar, mas não deu a mínima aobanheiro masculino e mijou no bar mesmo. O gerente viu e ficou furioso. Ele insistiu para quesaíssemos, mas Fergie jogou seu charme nele por um tempo e, depois de alguns drinques, já eraum dos nossos. Até que Fergie decidiu repetir sua empreitada e mijou na perna do gerente. Oscaras do PURPLE chegaram naquele exato momento em busca de cerveja. Não tiveram essa sorte!Toda a comitiva foi banida do bar e do restaurante, e no meio estávamos nós, a razão pela qualeles não conseguiram comida e bebida.

A turnê correu bem. Terminamos na Europa e fomos para Londres, Manchester, Newcastle,Birmingham… Durante uma noite de folga, em Coventry, os caras do PURPLE foram apresentadosà coleção de discos de ouro da Warner Bros., que deu um grande banquete com toda aorganização do DEEP PURPLE presente. Todos esperaram com a respiração suspensa para ver seRitchie apareceria para as festividades, mas sem sucesso. Ele era um ausente, o homem de preto,movendo-se por seus caminhos misteriosos. A festa terminou por volta das 11h da noite, e os carasdo PURPLE voltaram para casa com suas recompensas, mas o álcool liberado apenas aqueceu aequipe da estrada. Eles (e nós) continuaram a pedir bebidas ao porteiro noturno no hotel, até queele nos mandou embora.

Quando o porteiro da noite trancou o bar, ficamos com mais vontade depois de as bebidasserem proibidas por ele. A tentação foi demais. Alguém abriu uma porta – não estou dizendo quefoi Gary, se é isso que está pensando, ainda que você possa estar certo, caso tenha pensado –, e asgarrafas, agora liberadas, foram passadas de mão em mão e consumidas às pressas. Terminamos oque tínhamos para terminar e nos retiramos extremamente felizes para os nossos quartos, ondetínhamos certeza de que escaparíamos de qualquer culpa por esse crime movido pela sede.

Poderíamos ter escapado impunes também, mas, uma vez de volta ao nosso andar, Gary, agoranu, decidiu que o extintor de incêndio tinha sido ignorado por muito tempo e o arrancou daparede na hora. Nesse exato momento, uma velhinha apareceu no corredor, viu Gary, gritou esaiu correndo. Gary entrou em pânico e, ao tentar colocar o extintor de volta na parede, virou-ode cabeça para baixo e disparou. O CO2 começou a espumar por toda parte e Gary disparou

como um foguete para o quarto, ainda segurando o extintor. Ele irrompeu pela porta, correu parao banheiro, escorregou e o extintor caiu na pia, quebrando-a ao meio. Agora tínhamos espuma eum gêiser de água inundando o quarto. Então fizemos o que qualquer amigo de verdade faria:corremos para os nossos quartos e trancamos as portas atrás de nós, deixando Gary enfrentar seudestino. Cerca de meia hora depois, ouvimos uma batida na porta e um grito do outro lado.

“Polícia! Abra a porta!”Abri e me disseram para empacotar meus pertences e ir para o saguão. Fiz as malas, desci e lá

estava toda a equipe e o resto da nossa banda. Estávamos sendo expulsos – não apenas do hotel,

mas da cidade. A equipe jogou travesseiros e os lixos dos quartos na polícia antes de irmos para osaguão, dessa vez não teve misericórdia. Nos colocaram no nosso ônibus, nos acompanharam atéos limites da cidade e esperaram até que sumíssemos de vista.

Quando achamos que era seguro, voltamos à cidade e tentamos nos hospedar em um hotelalternativo, mas todos os locais haviam sido avisados sobre esse bando de selvagens que roubavamcerveja e destruíam pias, daí foram advertidos para não nos cederem quartos.

E agora? Fizemos um show naquela noite e não tínhamos nenhum lugar para dormir nem paraaliviar as ressacas. Alguém sugeriu o aeroporto local, então lá fomos nós. Estacionamos o ônibusem uma pista não utilizada e cambaleamos, caindo exaustos na beira da grama. Alguém ligou parao escritório do DEEP PURPLE e recebemos a notícia de que a administração não estava feliz,especialmente conosco, e que alguém deles estaria no show naquela noite para nos demitir. Eracom um barulho desse que teríamos que dormir. O que fizemos agora? Parecia não ter como sairdessa. A equipe achou injusto sermos demitidos por um pouco de “diversão”. Óbvio que sim.

Felizmente, alguém avistou um pub, o local perfeito para afogar nossas mágoas, foi o quedecidimos. (E a equipe que estava conosco.) Ficamos lá até a hora do show daquela noite, quandojá tínhamos determinado que estávamos ferrados. Ficamos no camarim antes do show, uma salinhade oito por oito, com duas cadeiras e um espelho sujo pendurado em cima de uma pia quebrada eimunda.

O que poderíamos tentar para deixar as coisas melhores, provar que somos bons moços?Então, destruímos o lugar. Vidro por toda parte, lascas de madeira e pedaços de porcelana

decoravam a sala; na verdade, davam um brilho a mais, pensamos, quando entrou o empresário doPURPLE, John Coletta. Ele estava lívido. Nos disse que éramos estúpidos e estávamos demitidos, eque, o pior de tudo, a imprensa havia pegado a história e culpado o DEEP PURPLE. EnquantoColetta continuava descendo a lenha em nós, ouvimos uma risada vindo da porta, e, parado lá nomeio dos escombros, estava Ritchie, empunhando uma guitarra. Ele nos disse que deveríamosrepetir nossas bagunças em todos os hotéis, e que não se podia comprar esse tipo de publicidade.Uau, valeu, Ritchie – nós pensamos! Ele estava de sacanagem? Não, estava falando sério!

Toda a situação foi instantaneamente transformada. John nos elogiou pelo nosso bom trabalhoe nos prometeu mais shows com o PURPLE e suas outras bandas. Foi hilário, mas ao mesmotempo… estranho. Fama, afinal de contas, era isso?

Jurei nunca mais deixar algo do tipo acontecer novamente. Dedos cruzados; espero nãomorrer.

No final da turnê, fomos colocados em um apartamento em Fulham, um dos pedaços mais

badalados de Londres, para nos prepararmos para o nosso terceiro álbum. Jon Lord morava noapartamento do térreo e Ian Paice no de cima, até que os dois compraram uma casa e se mudaram.O último andar era nosso e colocamos um piano elétrico na sala, onde Mickey Lee e eu podíamostrabalhar.

Estávamos muito perto da estação de metrô Parsons Green, por isso era barato e fácil de selocomover pela cidade. Havia também um ótimo pub do outro lado da rua. Cada gerente pareciaser um veterano da Segunda Guerra Mundial que ainda estava muito irritado com os alemãesporque eles “bombardearam [seu] restaurante”. Eles estavam falando sério. Mas tinham um pianodesafinado para agradar cantores desafinados, o que nos ajudava a sentir menos saudades de casa.Adoramos a ideia de morar e trabalhar em Londres, mas, enquanto banda, tínhamos ficado longede casa por quase um ano. Felizmente, a cerveja era realmente barata, porque cada um de nósrecebia apenas 5 libras por semana (cerca de 10 dólares americanos) para comprar comida e bebida.Batata era a comida mais barata que podíamos encontrar, então as assamos, fritamos, fervemos,salteamos até ficarmos enjoados.

Economizamos a maior parte do nosso dinheiro para encontrar algo para fumar. Estávamossempre à procura de um suprimento. Ter cabelo comprido e sotaque americano ajudava, masLondres, em meados dos anos 1970, não era o lugar mais fácil para conseguir drogas. Erva era oque usávamos na América, mas era muito raro achar em Londres naquela época. Só tinha haxixepreto e marrom, misturado com uma tonelada de tabaco.

Um dia, caminhando até a loja da esquina, fomos abordados pelo motorista de um enormeCadillac dos anos 1960, que nos perguntou se queríamos um pouco de erva. Opa! Ele queria 10libras por um pacote que parecia cheio, mas só tínhamos 7 libras para o resto da semana.Perguntamos se aceitaria o que tínhamos. Implorei a ele. Finalmente, disse que sim, então

esvaziamos nossos bolsos e corremos de volta para a Harbledown Road, onde morávamos.Quando chegamos lá, catamos carinhosamente as sedas, e Stevie bolou o que os britânicos

chamam de “bomba” e o acendeu como se fosse fogo de artifício. Passamos o baseado na roda –dando grandes tragos – e esperando que a brisa batesse forte. Depois de alguns momentos, alguémperguntou se algum de nós já estava na onda. Ninguém estava, então bolamos outro bombaço e oacendemos. Magnet, um dos funcionários do PURPLE, veio ver se estava tudo bem conosco, eaproveitamos para perguntar a ele o que estávamos fumando. Ele cheirou o conteúdo do pacote edisse que era erva. Nós sabíamos disso, mas por que estava tão fraca?

“Porque é erva,” ele disse, tentando não rir. Ainda não tínhamos sacado. “…recentementearrancada do gramado de alguém”.

Cacete. Os caipiras tinham se dado mal novamente, só que agora não podíamos nem pagaruma batata para dividir entre nós.50

Mickey Lee e eu reunimos a maior parte do material para o novo álbum em cerca de um mês,trabalhando em nosso pequeno estúdio, em Fulham. Após isso, levamos a banda para o KingswayRecorders, um estúdio de propriedade de Ian Gillan, para gravar as faixas. Roger Glover, queestava nos produzindo novamente, já tinha usado o estúdio para várias mixagens do PURPLE e sesentia muito confortável lá. Gravamos todas as faixas básicas no Kingsway, até que tivemos quenos mudar porque tinha outra banda chegando ao estúdio. Roger reservou o AIR Studios paraterminarmos o álbum. A primeira pessoa que vimos no AIR foi o proprietário, George Martin.Sim, George Martin, dos BEATLES. Ficamos maravilhados, e ele nos fez sentir muito à vontade eespeciais.

Basta dizer que o AIR era enorme e de última geração, com muita gente interessantecirculando. Nossos operadores de gravação eram filhos de duas grandes estrelas, Peter Sellers eSpike Milligan. O lendário engenheiro dos BEATLES, Geoff Emerick, também estava trabalhandolá. Foi nesse ambiente carregado de criatividade que fizemos o terceiro álbum do ELF, Trying toBurn the Sun.

Para mim, embora nunca tenha realmente ganhado o reconhecimento ou a divulgação quemerecia, o terceiro e, como se sabe, último álbum do ELF foi, de longe, o melhor que fizemos.Em meados dos anos 1970, o rock como forma de arte em álbum estava atingindo o auge. Novasbandas pós-BEATLES, tão diversas como QUEEN, LITTLE FEAT, ELO, LYNYRD SKYNYRD, GENESIS eEAGLES, para citar apenas algumas, estavam a caminho de uma grandeza histórica, enquantosobreviventes dos anos 1960, como o STONES, o WHO, o ZEPPELIN, o PURPLE e o BLACK SABBATH

estavam agora no topo de suas próprias montanhas musicais.Era hora de testar nossos limites. Nada estava fora de alcance. Sabendo disso, Mickey Lee e eu

nos tornamos mais aventureiros ao compor. Enquanto os dois primeiros álbuns do ELF seconcentraram no rock ‘n’ roll dos velhos tempos, Trying to Burn the Sun fez jus ao título, poisestávamos mirando alto. Faixas como “Prentice Wood” demonstraram um novo nível demusicalidade e habilidade de composição, um pouco como os ALLMAN BROTHERS em plena

atividade, enquanto “When She Smiles” mostrava o quão talentosos nos tornamos, em algumlugar entre o ZEPPELIN e o STONES, quando eles deram uma relaxada. Outras faixas, como “BlackSwampy Water” e “Good Time Music”, mantiveram o espírito livre das músicas anteriores dabanda, mas com muito mais facilidade e confiança. Marra com estilo.

Foi a primeira vez que o ELF entrou em um estúdio para fazer mais do que simplesmentereplicar nossos shows ao vivo. Roger trouxe arranjos de cordas orquestrais, organizou belasharmonias vocais e nos encorajou a ir em frente. De repente, em faixas como “Wonderworld” e“Streetwalker”, tivemos um drama musical sofisticado e ótimas performances. Foi o início dealguma coisa realmente especial. Podíamos sentir isso toda vez que ouvíamos as faixas. Talvez esteseja o nosso momento. A maldição finalmente seria suspensa.

Mas quando o disco saiu, eu tinha ido embora, e a banda também havia sumido.Foi enquanto Mickey Lee e eu ainda estávamos em Londres fazendo o álbum Butterfly Ball,

com Roger Glover, que Fergie apareceu um dia no estúdio. O PURPLE estava de volta à cidade eFergie estava hospedado na casa de Ritchie. Perguntou se queríamos ir a um clube num fim desemana com ele e Ritchie, talvez fazer uma jam. Claro que sim. Quando? Onde?

Era um pequeno clube chamado Winkers Farm, que ficava a meio caminho entre a casa deRitchie, na pequena cidade de Camberley, e o Kingsway Studios, localizado no centro deLondres. Conhecido por todos quase inevitavelmente como “Wankers”,51 o Winkers ficava emuma fazenda de verdade, na bela Buckinghamshire, e tinha sido um estábulo, agora convertido emclube. Ainda hoje está funcionando, me disseram. Só que agora está cheio de estrelas de reality-shows. Naquela época, porém, havia bandas tocando ao vivo nos fins de semana.

Mickey Lee e eu tínhamos um carro alugado e combinamos de encontrar Ritchie e Fergie lá.Estávamos compreensivelmente nervosos por estar perto de Ritchie pela primeira vez nessascircunstâncias. Tínhamos contrato com a gravadora do PURPLE, estávamos em turnê com eles portodo o mundo, mas nosso contato na estrada com Ritchie era breve, certamente nada muitoinformal como isso. Felizmente, ao contrário de sua fama de reservado, Ritchie era uma ótimapessoa para conviver. Adorava rir e estava sempre tirando sarro de alguém.

Relaxamos e logo o gerente do clube, velho conhecido de Ritchie, veio perguntar se elegostaria de tocar algo no palco. Era isso. Fergie pegou as guitarras de Ritchie no carro e todos nóspulamos para o palco. Ele conectou a guitarra no amplificador que estava lá e ficou bom logo decara, ainda que estivesse só passando o som. Alguém sugeriu uma melodia de blues, então tocamos“Stormy Monday” e, embora eu já a tivesse tocado em clubes centenas de vezes, ali era outracoisa. Seguimos com o clássico de Don Nix, “Going Down”, e novamente nos divertimos muitojuntos. Ambas as músicas se tornaram nossas primeiras escolhas sempre que repetíamos a diversãoem outras boates em que nos encontramos nos anos seguintes.

Depois disso, Mickey Lee e eu saíamos quase todos os fins de semana com Ritchie para tocar.Uma noite, ele me perguntou se eu já tinha ouvido uma música chamada “Black Sheep of theFamily” e fiquei surpreso ao saber que era uma das minhas favoritas de um, então pouco

conhecido, grupo de rock progressivo inglês chamado QUATERMASS (que, coincidentemente, tinhacomo baixista e vocalista John Gustafson, que também participou do Butterfly Ball). Na verdade,“Black Sheep” havia sido gravada antes pelo cantor britânico Chris Farlowe, mas só fui descobririsso mais tarde, depois que o significado da pergunta aparentemente aleatória de Ritchie foirevelado.

Como eu estava prestes descobrir, Ritchie Blackmore gostava de jogar jogos mentais. Ele era,também, extremamente bom nisso. Sempre estava inquieto e, igualmente, procurando maneirasde melhorar as coisas. Isso, claro, poderia funcionar ao meu favor e, eventualmente, contra mim.

Alguns dias depois da noite no Winkers, fui contatado pelo escritório do DEEP PURPLE eperguntado se estaria disposto a cantar “Black Sheep of the Family” para a gravação de uma faixaque Ritchie queria fazer. Uau. Eu não tinha previsto isso. Por outro lado, suponho que mostreimeu valor, aos olhos dele, com o trabalho que fiz com Roger, no Butterfly Ball. E também pelanoite que tocamos juntos no Winkers Farm. Mesmo assim, isso era outra coisa.

Eles reservaram o Kingsway para a sessão, onde Ritchie também estava usando o MatthewFisher, do PROCOL HARUM, famoso nos teclados, outro dos meus favoritos. Achei que a sessãocorreu bem. Ritchie parecia exultante, mas então tudo ficou quieto e não ouvi mais nada sobreisso até meses depois, na volta às viagens de abertura para o PURPLE.

Um dos últimos shows foi em Minneapolis, seguido por alguns dias de folga antes dos showsfinais. Voltamos a viajar em nossa perua e, no hotel, ficamos todos em dois quartos adjacentes, queabrigavam a banda e nossa equipe de quatro pessoas. Chegamos lá à tarde, tomamos algunscoquetéis e depois voltamos para os nossos quartos, para nos refrescarmos e nos prepararmos parauma noite de folia nos clubes da cidade. Algumas horas antes de partirmos, o telefone tocou e,para a minha surpresa, era Ritchie. Achei que talvez ele quisesse sair para beber, o que teria sidoótimo, já que Ritchie não era conhecido por socializar em turnês com alguém de quem ele aindanão gostasse. Em vez disso, perguntou se eu poderia ir ao hotel para bater um papo. Hein? Abanda ou eu fiz algo errado? Alguma transgressão na estrada pela qual Ritchie estava prestes a mepunir? Peguei um táxi para o hotel do DEEP PURPLE, me perguntando que diabos tinhaacontecido.

Fui até a sua suíte e bati à porta. Uma linda garota em uma fina camisola me cumprimentou.Lá dentro, as cortinas estavam fechadas contra o dia, a sala iluminada por velas. Ritchie estavasentado na penumbra, dedilhando suavemente um violão. Ele se levantou e me cumprimentoucom aquela risada irônica que eu viria a conhecer tão bem. Me deu uma bebida e conversamospor cima, até que o motivo dessa reunião foi finalmente revelado. Ritchie decidiu que ia lançar aversão de “Black Sheep of the Family” que gravamos como single solo. Ele queria que o PURPLE agravasse, me disse, mas a banda rejeitou a ideia. Estavam em outra pegada agora, disse ele. Osegundo álbum da era Coverdale-Hughes, Stormbringer, que tinha acabado de ser lançado, estavamais inclinado para uma fusão rock-funk, e Ritchie não estava curtindo nada. Acima de tudo,acho que se sentiu ofendido com o fato de os novos caras terem assumido a direção musical do

PURPLE. Decidiu que gravaria “Black Sheep” sem o PURPLE, em parte porque era muito teimoso,e em parte só para irritar o PURPLE, acho. Ele me pegou desprevenido, porém, quando disse quetambém precisava de uma faixa para o lado B. Ele teve uma ideia para uma música, me disse, e iamostrar para mim; se eu gostasse, talvez pudesse escrever uma melodia e uma letra para ela. Eletocou a música e foi ótimo, uma grande e bombástica canção, se vangloriou e colocou uma marra.A verdade é que eu estava determinado a gostar, apenas para poder dizer que realmente compusuma música com Ritchie Blackmore, na época, um dos guitarristas mais famosos do planeta. Dissea ele que estava ótimo e que mal podia esperar para começar a trabalhar naquilo.

Ritchie acenou com a cabeça, então me informou que já tinha um estúdio reservado para anoite seguinte e queria que os caras do ELF tocassem, eu cantasse e terminasse a letra que eu iaescrever para ele. Sem pressão, no entanto. Mas é assim que eu gosto. Sempre estava pronto paraum desafio. Isso trouxe o melhor de mim. Apenas rezei para que fosse o caso dessa vez.

Peguei um táxi de volta ao meu hotel, onde os caras estavam todos esperando, morrendo devontade de saber o que Ritchie queria. Contei a eles sobre a reserva do estúdio e ficaram emêxtase, até mesmo Steve, cuja guitarra obviamente não seria necessária. Uma garrafa de bourbonmagicamente apareceu e a festa começou, enquanto me retirei para um canto, para escrever o queeu esperava que não fosse o meu obituário de carreira e me preparar para cantar para Ritchie namanhã seguinte.

A introdução da nova melodia seria a tradicional canção folclórica inglesa “Greensleeves”, quese acreditava ter sido composta pelo rei Henrique VIII para a amante e futura rainha consorte, AnaBolena. Hoje já se sabe que era baseada em uma antiga balada elisabetana. Seja qual for o caso,achei que a época era um cenário perfeito para o tema da letra que eu ia apresentar. Escrevi sobreum senhor feudal maligno que raptou uma bela donzela, o que irritou a população local a talponto, que os levou à revolta e a buscar retaliação.

Essa foi a primeira vez, embora de forma alguma a última, que eu escreveria letras usando essaabordagem fantástica. De fato, com o passar dos anos, tornei-me conhecido pelo que a imprensamusical às vezes criticava como minha “obsessão” em escrever sobre figuras míticas, reis e rainhas,anjos e demônios, masmorras e dragões. Para mim, porém, elas realmente se adequavam ao tipo derock épico que eu adorava tocar. Combinava com a minha voz e com a minha imaginação.

Na noite seguinte, no estúdio, ouvi pacientemente enquanto Ritchie e a banda ensaiavam egravavam a faixa. Decidi que o que eu tinha criado enquanto letra realmente funcionaria. Não eraa mim que eu tinha que agradar, no entanto. Finalmente terminaram de gravar no final da noite.Agora, era minha vez. Eu estava estranhamente nervoso quando me aproximei do microfone.Ritchie não deu nenhum sinal de que eu estava fazendo algo mais do que um favor para ele. Masvocê não pede a alguém para vir e ser o cantor de seu primeiro single solo, ajudar a escrever ecantar o lado B e depois não dar a mínima. E se fosse um sucesso? Na verdade, nem ousei meperguntar nenhuma dessas coisas. “Love Is All” tinha sido um sucesso e não jogava nenhuma luzsobre mim, estava tudo na conta de Roger e do Butterfly Ball, e com razão.

Esse relacionamento musical crescente entre Ritchie e eu, desde que tocamos no Winkers atéeu cantar “Black Sheep” para ele, e agora isso, o que quer que isso fosse, com todos os meusamigos do ELF como banda de apoio, eu sabia que significava algo. Também sabia que todo o meufuturo poderia depender do que fizéssemos naquele momento.

Nosso engenheiro era o brilhante Martin Birch. Ele não era apenas o engenheiro de gravaçãodo DEEP PURPLE, mas também o mixador principal da turnê, por isso Ritchie confiava nele. Entreino estúdio e coloquei meus garranchos no suporte para partitura. Era isso, a prova final das minhashabilidades. Martin tocou a faixa para ajustar os fones de ouvido e começamos.

Era uma faixa muito empolgante de se cantar, mas achei que minha performance precisava demais trabalho, por isso pedi para fazermos outra tentativa. Esperei um momento e, como nãohouve resposta, repeti meu pedido. Silêncio. Eu não conseguia ver os rostos na sala de controle e,em meu estado de pânico, pensei que todos haviam fugido horrorizados do estúdio.

Nesse momento, uma figura de preto irrompeu no estúdio e entrou na cabine dos vocais.Ritchie deu sua risadinha sombria e disse: “É essa mesmo”. Incrível. Eu tinha conseguido! Mas aío perfeccionista em mim entrou em ação e pedi a ele para me deixar tentar novamente. Ritchieacenou com a cabeça e saiu. Cantei mais quatro ou cinco vezes, até que Ritchie disse mais umavez que achava que o primeiro take era o melhor. Ei. Quase lá. Se o lendário Ritchie Blackmoreestava feliz, meu trabalho aqui estava feito.

Só precisávamos de um título para a música, mas eu tinha apenas escrito uma história e, óbvio,não havia um nome para ela. Ritchie sugeriu “Sixteenth Century Greensleeves” e foi isso.Perfeito. Ele fez um incrível solo de guitarra, em um único take, só com a faixa de guia eterminamos.

O último show da turnê do PURPLE foi em Baltimore, uma semana antes do Natal de 1974. OELF estava programado para seguir à Europa com o PURPLE, para alguns shows. Quando chegamosa Munique, o sentimento negativo entre Ritchie e o resto dos caras do PURPLE era muitoaparente.

Jon Lord, em particular, estava claramente muito infeliz, enquanto Ritchie mantinha distânciadele. Jon me puxou de lado e disse que Ritchie estava deixando a banda e que se ele me pedissepara cantar com ele em seu novo projeto, eu não deveria aceitar, em hipótese alguma. Jon olhoupara mim com severidade, o que ele era muito capaz de fazer, e avisou que “terminaria emlágrimas” e que o ELF tinha um grande futuro, então rejeitar os avanços de Ritchie eradefinitivamente a escolha mais sábia a fazer.

Balancei a cabeça em sinal de agradecimento, sem prestar atenção. Eu estava muito ocupadoescondendo minha euforia. Se Ritchie Blackmore queria que eu trabalhasse com ele, eudefinitivamente não recusaria uma oferta como essa. Você tá brincando? Meus sonhos estavamtodos vinculados ao ELF, mas, depois de três álbuns decentes, e comercialmente malsucedidos,mesmo depois de toda a exposição que recebemos por conta do DEEP PURPLE, eu sabia que eraapenas uma questão de tempo, antes que a brincadeira acabasse. Eu faria 33 em breve, já era velho,

em termos de ainda tentar fazer sucesso no mundo da música.Quando Ritchie me chamou num canto, após o show daquela noite, e começou a falar sobre

como estava pensando agora, além de apenas fazer um single solo, que tinha uma ideia para um“tipo de banda mais focada” que queria desenvolver nos últimos anos, que ele acreditava que euera o cantor e parceiro certo para esse tipo de empreitada, precisei de todas as minhas forças paranão pular de alegria. Embora as palavras de Jon ainda soassem em meus ouvidos, era uma ofertaque simplesmente não podia recusar.

A única coisa que me fez pensar foi que abandonaria os caras do ELF. Eu sabia que era umaencruzilhada e sentia que, se não desse esse passo, iria me arrepender para o resto da vida. Mascomo eu poderia deixar esses caras para trás? Falei com Ritchie e, para o meu imenso alívio, eledisse que achava que toda a banda (menos Steve, infelizmente) seria perfeita para o que ele tinhaem mente. Não gostei da ideia de me despedir de Steve, nenhum de nós gostou, mas ele entendeuque realmente não havia maneira de contornar isso.

Jon, balançando a cabeça, David, Glenn e Ian nos desejaram sorte como os grandes cavalheirosque sempre foram. Com as bênçãos concedidas, aguardamos a próxima aventura.

Era isso. Estávamos agora oficialmente na passagem da Bom Demais Para Ser de Verdade coma Rua do Conforto.52 Não ia durar; nada é tão fácil. Mas, nos anos seguintes, finalmente conseguiexperimentar o que a vida tinha a oferecer a uma verdadeira banda de rock de renome.

A primeira coisa a ser feita era um álbum. Nesse ponto, Ritchie não tinha composto nada,realmente nada. Havia dois covers, “Black Sheep” e uma versão absolutamente insana de “Still I’mSad”. A versão original do YARDBIRDS contava com uns monges gregorianos cantando. Nossaversão tinha Ritchie Blackmore ateando fogo no céu. Mas, fora “Sixteenth CenturyGreensleeves”, isso era tudo o que tínhamos de material autoral.

Ritchie havia se mudado para uma casa de praia perto de Oxnard, uma bela cidade litorânea aoeste de Los Angeles. Gary e eu voamos até lá, para ficar com Ritchie, onde ele e eu começamosa escrever nosso primeiro álbum. Nenhum dos outros caras estava envolvido nessa parte doprocesso. Estamos falando de Ritchie Blackmore; ele não precisava de nenhuma ajuda com amúsica, só precisava de alguém para escrever as letras e cantá-las.

Ritchie tinha algumas ideias que havia gravado em seu ReVox, então passei a maior parte daminha estadia em sua casa, em um quartinho, com um violão e um gravador, enquanto Ritchie,Gary e um dos roadies, um inglês chamado Ian, de Liverpool, iam à cidade. Ian era um “Scouser”de primeira, como o pessoal na Inglaterra chama quem vem de Liverpool: um bom proseador eum sujeito destemido em qualquer situação. Originalmente era um baterista, que conheceuRitchie no circuito de clubes e, por fim, se tornou seu braço direito – e esquerdo. Desnecessáriodizer que ele e Gary tornaram-se amigos na hora e festejaram sem parar. Não acho que os clubesde L.A. ainda conseguiram se recuperar totalmente!

A primeira música que Ritchie e eu compusemos juntos do zero foi “Catch the Rainbow”.Acho que a melhor descrição é que era um “blues medieval”. Nós dois concordamos que

queríamos um tema mais clássico para a maioria das canções, e depois de “Sixteenth CenturyGreensleeves”, aqui estava outra. A terceira música escrita em Oxnard tinha uma melodiaincomum, tocada em andamento três por quatro, intitulada “Self Portrait”. Lembro-me deRitchie mais tarde explicando a um jornalista musical, que estava com os olhos arregalados, como“Self Portrait” era, na verdade, um cruzamento entre “Jesu, Joy of Man’s Desire”, de Bach, e“Manic Depression”, de Hendrix. A parte mais maluca é que era exatamente isso. Esse é o campoem que estávamos operando.

Gary e eu voltamos para casa na finalidade de ajudar o resto da banda a ajeitar a mudança paraa Califórnia. Estávamos trazendo muitas roupas e móveis pequenos para as nossas novas moradas, eeu queria levar meu carro, afinal, ninguém anda a pé em L.A., e nossas novas casas eram na linhaL.A. County/Ventura County. A equipe e o resto da banda seriam alojadas em dois condomíniosà beira-mar, chamados Whaler’s Village, enquanto eu tinha meus próprios quartos no Malibu BayClub, outro condomínio de Oceanside.

Meu vizinho de porta era Martin Birch. Jon Lord também tinha uma vaga no Bay Club. OPURPLE substituiu Ritchie pelo grande Tommy Bolin e também estava em L.A., prestes a iniciar aprodução de seu primeiro álbum com ele. Com isso, Mark Nauseef veio ficar comigo, e assimtínhamos quase todo o séquito do ELF lá. Os residentes do Malibu Bay Club eram bastantediscretos e privados, mas Whaler’s Village era o centro da festa. Conhecemos Jonathan Winters,um comediante pioneiro, que tinha um lugar lá para, como ele disse, “escapar das grades ealgemas”.53 Ele ia lá aos fins de semana para pintar e também nos entreter sem parar.

Ritchie nos levou a West Hollywood, onde nos apresentou ao Rainbow Bar and Grill, oclube mais descolado da Sunset Boulevard. Eu tinha estado lá em uma viagem anterior a LosAngeles com o ELF, mas não tinha sentido o tipo de tratamento com tapete vermelho que Ritchierecebia normalmente. Em vez de ameaçar me expulsar, Mario, o proprietário, com quem eu jáhavia tido alguns desentendimentos no bar vizinho, o Whisky a Go Go, que também era dele,mandou uma garrafa de champanhe. Eu sabia que era na conta de Ritchie, e não por mim, masgostei de surfar no reflexo da glória por um momento, sentindo que minha vez certamentechegaria.

A essa altura, a banda já tinha um nome. RAINBOW. Sim, o nome era por causa do bar.

Quando se tratava de compor com Ritchie, as regras eram simples: ele compunha todas aspartes musicais. Eu escrevia todas as palavras e a maioria das melodias. O tipo de música quecompus com Ritchie naquele primeiro álbum tinha um aspecto mais renascentista. No ELF,tínhamos sido uma banda divertida,54 somente em nosso último álbum nos aventuramos um poucomais. Agora, era a chance de realmente dar tudo de mim. Ritchie e eu havíamos discutido isso atétarde da noite em muitas ocasiões; queríamos que o RAINBOW fosse uma espécie de encontromusical entre o rock pesado e a força dos temas clássicos. O que eu escrevia não era poesia, masera escrito para dizer algo mais do que “baby, eu te amo”. Tinha que ser; a música que Ritchie eeu estávamos compondo exigia isso.

Como fui um devorador de livros ao longo da vida, tentei trazer alguns dos meus temasfavoritos para as letras. Sempre fui uma criança sonhadora. Mergulhei em mundos de fantasialendo ficção científica e coisas que deixavam minha imaginação livre para correr. Acho que existeuma enorme relação entre a ficção científica e a era mitológica, e apliquei tudo isso a essas novasletras que estava escrevendo para acompanhar a música de Ritchie – que era muito superior aqualquer coisa que ele tinha feito no DEEP PURPLE, desde o apogeu de Gillan-Glover. Livre dasdemandas de Coverdale e Hughes, mais jovens e descolados, na condução da música em direção auma fusão rock-funk mais atual, Ritchie se soltou. Foi inspirador trabalhar com ele assim. Aprendimuito.

Escrevemos e ensaiamos até a hora de começar a gravação. O estúdio reservado foi oMusicland, em Munique, onde o PURPLE tinha feito alguns álbuns e que o ZEPPELIN, O QUEEN e oSTONES consideravam bom o suficiente para trabalhar. Ficava localizado no porão do ArabellaHouse Hotel, onde também nos hospedamos durante o processo. Ritchie amava tudo o que fossealemão – até mesmo Babs, sua esposa, era alemã –, e parecia ganhar vida neste ambiente

teutônico. Giorgio Moroder, que estava aprimorando a carreira de Donna Summer na época, eradono da Musicland, mas o rock ainda era como um deus na época, especialmente na Alemanha.

Quando não estávamos no estúdio, frequentávamos dois clubes na cidade, o Tiffany’s, quetinha um logotipo que parecia assustadoramente com “Ritchie”, e o Sugar Shake. Conhecialgumas pessoas maravilhosas lá, que permanecem amigas até hoje. Quando o último lugar em queestivemos fechou, simplesmente mudamos a festa para o estúdio e continuamos.

As festividades eram divertidas, mas também trabalhávamos tanto quanto nos divertíamos. Nãotínhamos composto músicas suficientes para o álbum, então as fizemos enquanto gravávamos.Ritchie veio com um riff que eu sabia que seria a pedra de toque de todos os nossos esforços. Onome dela seria “Man on the Silver Mountain”, e eu estava certo. Certamente porque tinha amesma pegada de “Smoke on the Water”, o que de imediato conectava o passado de Ritchie como nosso futuro. Também gravamos “Still I’m Sad”, com Ritchie levando tudo completamentepara outro patamar.

As partes móveis pareciam, magicamente, se escrever sozinhas. Muitas das canções que setornariam a pedra angular da minha carreira foram escritas naquela época: “Man on the SilverMountain”, mais tarde escolhida para abrir o álbum, foi um clássico instantâneo. Sabíamos dissoenquanto compúnhamos. Uma canção como “Catch the Rainbow” também tinha uma certaqualidade de sonho à Hendrix. Mas a oportunidade que ela me deu, como cantor, de realmentemostrar o que eu poderia fazer, quem eu realmente era, de progredir de fato, foi importante paramim. Ritchie, claro, é magnífico, mostrando como era um músico fantástico, mas também umgrande visionário musical.

Havia muita música do tipo rock ‘n’ roll pueril que poderíamos ter composto enquantodormíamos, porém nos ligávamos às canções como “Catch the Rainbow” e, no outro épico, alinda “Temple of the King”, em que Ritchie e eu nos firmamos como parceiros de composição. Épor isso que achei difícil quando os poderes constituídos – empresários, gravadora, agentes deshows e publicitários – decidiram que faria mais sentido comercial alterar o nome da banda paraRITCHIE BLACKMORE’S RAINBOW. Esse também seria o título do álbum.

Eu entendia o raciocínio, claro. Mas estávamos em 1975, e acreditava-se que verdadeirosartistas de rock não faziam nada por razões meramente comerciais. Conversei sobre isso comRitchie e ficou combinado que o grupo se chamaria RITCHIE BLACKMORE E RONNIE JAMES DIO’SRAINBOW. Mas quando o primeiro álbum foi lançado, lá estava ele: RITCHIE BLACKMORE’SRAINBOW! Isso se tornou um problema entre nós? Bem, visto que compus em parceria todas ascanções e as cantei também, a resposta mais curta seria sim. Mas o que se pode fazer? Chorar?Enfim, já era tarde demais. Nossos motores já estavam aquecidos.

Alguns pequenos ajustes ainda precisavam ser feitos em Los Angeles e depois dissoterminaríamos. Todos achamos que o álbum era uma obra-prima, mas Ritchie, com razão, porqueera realmente sua reputação em jogo, não podia ser tão positivo quanto nós, os desconhecidos.Anos mais tarde, ao gravar o primeiro álbum do DIO, Holy Diver, senti a mesma apreensão,

enquanto o resto da banda o considerou épico. Assim como eu me portaria ao liderar minhaprópria banda mais tarde, Ritchie era quem realmente tinha sua vida em jogo ali. Ele não tinhapressa alguma em contar com o ovo no cu da galinha.

Passamos os últimos dias, antes voltar para a Califórnia, saindo para curtir e nos divertindo. Anoite final foi um acontecimento. Fomos até a cidade para fazer uma despedida do Tiffany’s e doSugar Shake e voltamos às 5h da manhã; entramos nas entranhas do Arabella para tomar maisalguns drinques no estúdio. Um dos membros da equipe, que permanecerá sem nome, mas atuoucomo um de nossos acompanhantes enquanto gravávamos o álbum, descobriu uma porta abertano porão e encontrou alguns galões de 5 litros de detergente industrial lá dentro.

Daí que a frente do hotel exibia uma grande fonte, que funcionava com um cronômetro quecomeçava a jorrar às 8h da manhã. Isso era tentação demais para o roadie. Ele arrastou doisrecipientes escada acima e os despejou na piscina quase vazia de água. Acordamos com um lindodia em Munique, felizes e relaxados por estarmos voltando para casa. Abri minhas cortinas parasaudar a manhã e olhei para a fonte, já inexistente. Subindo pela lateral do prédio havia montanhasde espuma. Ela tinha se espalhado pela rua e coberto todos os carros que estavam estacionados.Quando saímos do hotel, com cautela, encontramos os funcionários, incluindo o gerente,chorando de tanto rir. Ei, bem-vindo ao mundo louco do grande rock ‘n’ roll, pensei. Não pode ficarmuito mais louco do que isso!

Ah, mas poderia; e ficou.Havia alguns overdubs a serem feitos antes que o álbum pudesse ser lançado. Ritchie, Colin

Hart, seu road manager, Martin Birch e eu voamos para a Jamaica. Ritchie não podia gravar nosEstados Unidos na época, devido a um esquema de impostos que seus contadores haviam armadopara todos os caras do DEEP PURPLE, então fomos para o Dynamic Sounds, em Kingston,propriedade da lenda do ska Byron Lee. O Dynamic Sounds era um dos lugares mais badalados eas principais bandas de rock gravaram lá. Todos, de ROLLING STONES a Eric Clapton, fizerammúsica lá, nos anos 1970. Ritchie disse que seria uma viagem, e, certamente, foi, embora nãonecessariamente da maneira que eu esperava.

Estávamos hospedados em um hotel em Ocho Rios, a cerca de 100 quilômetros de Kingston,e tinha um carro alugado nos esperando no aeroporto – ou achávamos que tivesse. Como nãohavia reserva, pegamos um táxi para nos levar ao hotel Sans Souci. Eu estava ansioso, depois dever um livreto sobre ele no voo. (Naquela época, não havia sites para verificar no celular. Uminferno, nada de celulares!) O Sans Souci era um luxuoso resort particular à beira-mar, situado emmais ou menos 35 acres próximo ao Mar do Caribe. Cinco restaurantes, seis bares, todas asdespesas cobertas. Era a trabalho? Nem fodendo. Eu mal podia esperar para chegar lá e nadar até obar flutuante da piscina.

Depois de alguns quilômetros sacudindo no táxi, paramos em uma casa num bairromovimentado, sem nenhum sinal do mar. Quando perguntamos ao motorista onde estávamos, eledisse que aquela era a sua casa e que ia entrar para jantar. Podíamos esperar no carro ou na rua.

Fizemos as duas coisas. Quarenta e cinco minutos depois, ele saiu e, com um arroto e um suspiro,nos carregou para o hotel. Depois de um passeio angustiante em alta velocidade, sobre pontes demadeira cruzando grandes desfiladeiros, finalmente chegamos ao Sans Souci. Nesse momento, sóqueríamos pegar o rumo da cama.

Na manhã seguinte, Colin, Martin e eu nos encontramos para o café da manhã, quando ogerente nos disse que tinha alguém do governo nos esperando e que deveríamos ir imediatamenteao saguão para falar com ele. Encontramos o sujeito e perguntamos o que ele queria, mas ele nãoquis nos dizer até que o Sr. Blackmore estivesse presente. Foi quando nos despedimos do café damanhã. Você não exige que Ritchie faça nada, muito menos saia da cama.

Colin ligou para Ritchie e ele disse que já ia descer. Provavelmente voltou a dormir. Meiahora depois, o oficial solicitou a presença do Sr. Blackmore novamente, então Colin ligou maisuma vez e Ritchie disse que estava a caminho. E voltou a dormir. Mais meia hora. Outro pedidodo lacaio do governo, cada vez mais irado. Mais meia hora e agora o Sr. Oficial do Governoestava ficando extremamente irritado. Outra meia hora seguida pela ameaça de prisão e,finalmente, Ritchie apareceu.

O Sr. Autoridade questionou Ritchie sobre o propósito da nossa visita. Examinou nossospassaportes e pediu licença para fazer alguns telefonemas. Voltou e nos perguntou se sabíamos quea rainha Elizabeth e o príncipe Philip, além de todos os primeiros-ministros da Commonwealth,55

estavam em Kingston naquele mesmo dia para uma celebração de aniversário. Parece que fomosconfundidos com suspeitos de uma conspiração de assassinato contra a rainha. Ele explicou issoenquanto um Ritchie, monumentalmente nada impressionado, ficou lá olhando de cara amarrada.Ele resmungou algumas desculpas e nos liberou ao sol da Jamaica.

Naquela noite, alugamos um carro e fomos checar a vida noturna local. Em 1h, já estávamosentediados, então decidimos voltar para o hotel. No caminho, avistamos um bar na beira daestrada que parecia descolado e paramos para tomar a saideira antes de dormir. Lá encontramos umpersonagem, no verdadeiro sentido da palavra, que se apresentou como Johnny Cool Guy. Johnnyse ofereceu para nos levar ao “melhor lugar da cidade”. Tendo conhecido, até ali, apenas os pioreslugares do local, aceitamos com prazer a oferta, voltamos para o carro e seguimos Johnny.

Pegamos uma pequena estrada lateral que ficava cada vez menor à medida que serpenteava pelaselva. Sim, pela selva. Quando já tínhamos percorrido alguns quilômetros, sabíamos que nuncamais iríamos conseguir encontrar o caminho de volta sozinhos, então continuamos. Depois do quepareceu uma eternidade, topamos de repente com uma clareira, e lá, sem nenhuma probabilidade,estava uma grande casa vitoriana iluminada como uma árvore de Natal, com placas de neonpenduradas nas janelas em todas as línguas imagináveis.

As portas do nosso carro foram abertas por dez ou doze moças pouco vestidas, que nos levarampara dentro da casa e direto para o bar. Johnny Cool Guy nos apresentou a um bordel na selva,que Martin apelidou de “O Oboé Rosa”. Compramos bebidas para todas as moças, e nosacomodamos para brindar à nossa boa sorte.

De repente, ouvem-se tiros e, em meio a gritos e berros, corremos para o carro. Apesar docaos no estacionamento, Colin conseguiu dirigir até a trilha que tínhamos seguido até chegar ao“Oboé”. Seguimos outro fugitivo até a estrada principal e finalmente encontramos o caminho devolta para o hotel. Entramos cambaleando no saguão para pegar nossas chaves e recebemos umamensagem que exigia que ligássemos urgentemente para o nosso amigo, o Oficial do Governo.

Colin ligou para ele e disse que todos tínhamos que descer para o saguão novamente na manhãseguinte para encontrá-lo. Eita, porra. Mas que cacete está rolando agora?56 Descemos todos,devidamente, pela manhã, apenas para encontrar nosso amigo parado ali com duas crianças atiracolo. Ele estava lá para pedir alguns autógrafos. Não tem problema, qualquer coisa para garantirnossa partida.

O Ritchie Blackmore’s Rainbow foi lançado em agosto de 1975 e, desde o lançamento, foi umsucesso. Chegou ao Top 30 da América, ao Top 10 do Reino Unido e apareceu nas paradas daEuropa. De uma perspectiva pessoal, foi o maior sucesso que já sonhei em ter. O mais prazerosopara Ritchie: foi um sucesso maior do que o primeiro álbum do PURPLE sem ele, Come Taste theBand, lançado alguns meses depois.

No entanto, havia uma nuvem no horizonte. O primeiro sinal de problema que senti foidurante os ensaios para a nossa primeira turnê. Certa noite, recebi um telefonema de Ritchie,dizendo que estava preocupado com Craig Gruber. Ele começou a me contar sobre outro baixistaque tinha ouvido falar e que pensava pudesse ser melhor. Seu nome era Jimmy Bain e estava numabanda em Londres chamada HARLOT; tive algum problema com isso? Pode apostar que tive, sim,um problema com isso. Craig era meu amigo e um grande músico. No final, porém, realmentenão havia muito o que eu pudesse fazer, exceto expressar meu apoio a Craig. Ritchie já tinha sedecidido. Estava tão convencido, que chegamos a voar até Londres só para ver Jimmy tocar comsua banda em um pequeno, porém famoso, clube no Soho chamado Marquee.

Jimmy certamente era bom, mas o que realmente gostamos nele foi sua companhia. Jimmy eraum camaradinha escocês com uma grande personalidade, o verdadeiro cara “Na Boa, Tô DeBoa”. Quando Ritchie e eu o conhecemos, Jimmy morava em Londres, no número 11 daDowning Street. Peraí, não era ao lado do primeiro-ministro britânico, na 10 Downing Street?Sim, era. A namorada de Jimmy na época era filha do chanceler do Tesouro, a versão britânica dosecretário do Tesouro dos Estados Unidos, só que ainda mais poderoso. A primeira vez que fuibuscar Jimmy para uma jam na casa de Ritchie, um mordomo digno de Mary Poppins abriu aporta.

“Ei, cara, o Jimmy pode sair e tocar?”“Certamente, cavalheiro. Irei chamar o senhor...”Jimmy saiu aos tropeços e fomos para o pub do outro lado da rua para enxugar algumas Stella

Artois, a cerveja forte e amarela conhecida como “espancador de esposas”,57 no Reino Unido. Masquando Jimmy pegava seu baixo, ele sempre entregava o esperado, não importava o quão bêbadopudesse estar. Costumávamos brincar que Jimmy podia tocar dormindo. Ele estava dentro.

Cerca de uma semana depois, de volta aos ensaios em L.A., outra bomba foi lançada. Ritchieestava ficando insatisfeito com a forma do Gary de tocar e queria fazer outra mudança. Eu sabiaque não haveria mais volta agora. Ritchie tinha um ótimo senso do que seria certo para umabanda ao vivo, e aquele sexto sentido disse a ele que o que tínhamos até agora não era suficiente.Eu temia ter de dar as más notícias a Gary, mas, como sempre, me surpreendeu com sua reaçãosincera. Ele me disse que Ritchie estava certo e que só nos desejava o melhor, e perguntou sepoderia ficar na Califórnia conosco por um tempo. Claro que podia, e ficou, até que finalmenteencontramos um substituto.

Havíamos mudado nosso ensaio de Oxnard para Hollywood, a fim de estar num ambientemaior e nos prepararmos para as audições dos bateristas. Os antigos estúdios de cinema daColumbia, em Gower and Sunset (conhecidos como Gower Gulch), foram abandonados ereabertos como o Pirate Sound, pelo ex-engenheiro de som do PURPLE, Robert Simon, apelidadode “Capitão Califórnia”. Havia duas estações de som enormes. Uma delas foi ocupada por nósdurante três meses, enquanto a outra era uma porta giratória de bandas, incluindo o DEEP PURPLE,que estava aprimorando suas novas músicas com Tommy Bolin.

Reunimos uma lista de bateristas que tínhamos em vista e programamos três dias de audições.Ritchie testou todos eles, lançando mudanças de batida muito rápidas, que duravam até que ele osrejeitasse ou até desmaiarem. Depois de uma busca inútil por pessoas de banda em Los Angeles,Ritchie entrou em contato com outro cara que morava em Londres, Cozy Powell.

Cozy fez sua reputação com o JEFF BECK GROUP. Desde então, ele tinha um grande hit solocom “Dance with the Devil”, uma peça de bateria que criou com base em “Third Stone from theSun”, do Jimi Hendrix. Ele também foi um baterista de estúdio contratado para todos os tipos deartistas das paradas britânicas, incluindo Julie Felix, HOT CHOCOLATE, Donovan e Suzi Quatro.Cozy sabia tocar. Esteve com os melhores, numa época em que grandes bateristas britânicos,como Ginger Baker, Keith Moon, John Bonham, Carl Palmer, Bill Ward e Ian Paice subiram aestaca a níveis espantosos – e ele também estava no topo.

O avião de Cozy só chegou a Los Angeles tarde da noite, mas ele quis ir direto para o estúdio.Entrou na sala, se apresentou, foi verificar o kit que tínhamos alugado para ele, calçou seus sapatosde boxeador – ele sempre tocava com eles, como se fosse um lutador se preparando para uma lutapelo cinturão – e anunciou que estava pronto.

Começamos com as alternâncias super-rápidas e, depois de alguns minutos sem que nadaacontecesse além da batida, ele parou e disse: “Tá bom dessa porra já, acabou, vamo!”. Além doquão incrível ele foi, ainda que por um breve período de tempo, sua atitude direta tornou as coisasclaras para nós. Tudo o que tínhamos que fazer agora era convencê-lo a aceitar o cargo. Não eratão simples quanto pensávamos.

Cozy estava seriamente envolvido no automobilismo e vinha avançando rapidamente naFórmula Ford na Inglaterra. Uma vez músico, sempre músico, no entanto, e depois de pensar umpouco – e um rolê com os caras lá pelo Rainbow –, ele decidiu embarcar.

Cozy e Jimmy se mudaram para uma casa em Hollywood Hills, e começamos a ensaiar nossoshow. Tínhamos expandido o papel de pianista do Mickey Lee e o equipamos com umHammond B-3, um Minimoog e um sintetizador de disco óptico chamado Orchestron. A bandaestava repleta de sons de cordas, baixo, percussão e naipe de madeiras,58 que complementavam ostemas clássicos que buscávamos seguir.

Quando Ritchie queria ter um acompanhamento de orquestra em alguns solos de guitarra acappella, ele perguntava ao Mickey Lee quais peças de Bach ou Beethoven ele conhecia. Agora,Mickey era inteligente e ninguém o fazia de bobo, mas a menos que Jerry Lee Lewis tivessegravado algo, o número total de peças clássicas que ele conhecia era zero. Na viagem de volta paraMalibu, conversamos sobre o pedido de Ritchie e concordamos que este era provavelmente umbom jeito de Mickey Lee entregar seu aviso prévio. Ele até se deu uma chance, mas eracompletamente deslocado de sua personalidade musical. O exame veio no dia seguinte e elefalhou miseravelmente. O machado desceu novamente. Exceto pela minha nova road crew deCortland, eu agora estava sozinho.

Por um momento, parecia que a casa tinha caído. Eu sabia que isso não era problema doRitchie. Ele sabia o que queria e não pensaria duas vezes para conseguir. Não depois de tudo quepassou com o DEEP PURPLE. Ele ganhou esse direito. Via o RAINBOW como atração principal, medisse, não como uma banda nova começando do nada. Ele queria começar do topo e se manter lá.Para isso, precisava de uma banda fantástica, músicos de alto nível que ele sabia que poderiamcumprir o melhor set.

Ritchie me pediu para dar a notícia a Craig, Gary e Mickey Lee de que eles não iriam sejuntar a nós na turnê, que era, na verdade, a hora de seguirmos caminhos diferentes. Essasconversas foram difíceis, mas os caras foram incrivelmente legais, entenderam totalmente que eunão tinha outra opção a não ser me arriscar. Estou feliz em dizer que continuamos amigos e, defato, tocaríamos juntos novamente no futuro.

Chegamos para o nosso próximo ensaio sem os teclados, enquanto mais audições estavamprogramadas. Havia algumas outras bandas ensaiando nas salas perto de nós. Jimmy saiu paracaminhar numa noite, só para espairecer, e quando voltou pouco tempo depois, estava muitoempolgado com um tecladista que acabara de ouvir em uma banda desconhecida chamadaBLESSINGS. Ele sugeriu que déssemos uma chance. Olhei para Ritchie e pude ver em seu rosto queambos estávamos pensando a mesma coisa: com certeza, era bom demais para ser verdade. Jimmytinha certeza, então Ritchie disse para ir buscar o tal cara. Jimmy voltou 5 minutos depois comTony Carey.

Tony era um filho legítimo do sul da Califórnia, e chegou com o estereótipo extrovertido,superdivertido, alguns podem dizer até que era uma personalidade forte. Ser barulhento eexcessivamente amigável foram duas características que Ritchie achou particularmente irritantes,mas assim que Tony começou a tocar, a atitude de Ritchie suavizou. Tony atacou os teclados emum momento e os fez suspirar no outro. O que selou o acordo foi quando Ritchie o interrogou

sobre seus conhecimentos de música clássica e Tony desfiou uma série de orquestraçõescomplicadas com a maior facilidade. Os solos do Minimoog que ele fez foram incríveis! Tonyestava dentro.

Finalmente, Ritchie e eu estávamos prontos para partir em nossa busca pelo fabuloso pote deouro.

Bem, quase lá. Eu tinha uma coisa ainda para cuidar. Uma coisa tão bonita, que transformariaminha vida para sempre.

Seu nome era Wendy.

Foi no Rainbow que algo muito mais importante aconteceu. Foi onde conheci minha futura

esposa – e, mais tarde, empresária –, Wendy Gaxiola. Jovem, inglesa, divertida, inteligente, bonita,loira, Wendy era uma das garçonetes muito legais do Rainbow. Ritchie nos apresentou, e eu nãoconseguia tirar os olhos dela. Ritchie explicou que conhecia Wendy dos tempos na Inglaterra,quando ela era namorada do baterista do PURPLE, Ian Paice.

Começamos a conversar e, mais tarde, depois que o clube fechou, convidei Wendy para irconosco a uma festa no Hollywood Hills, acima do Rainbow. Comecei a falar com ela e não pareiaté percebermos que estava amanhecendo lá fora. Devia ser por volta das 5h da manhã, quando eudisse: “Você quer ir tomar café da manhã?”. Ela disse: “Pode ser”. Então, todos nós fomos aorestaurante Du-Pars, na Sunset Strip, e tomamos o desjejum com um monte de gente. Depois,ainda fazendo minha melhor imitação de Pepe le Gambá, perguntei a ela: “Você quer ver o nascerdo Sol em Malibu?”. Ela disse: “Olha, parece uma boa ideia”.

Assim começou o maior caso de amor da minha vida. Wendy demoraria um pouco mais paraser convencida, mas eu sabia desde o início; era ela.

Wendy Dio: Eu estava trabalhando no Rainbow Bar & Grill enquanto esperava meu green card chegar. Tinha memudado da Inglaterra para cá, e Ritchie veio ao clube uma noite com sua primeira esposa, Babs. Foi a primeira vez que

os vi desde a Inglaterra. Ritchie disse que havia deixado o DEEP PURPLE e que tinha uma nova banda agora, chamadaRAINBOW, e queria me apresentar a esse novo vocalista, Ronnie James Dio.

Eu disse: “Oi, tudo bem? Blá-blá-blá, quais são as novidades?”. Ritchie me disse para ir buscar uma lista telefônica.Confusa, perguntei: “Por qual motivo?”. Apontando para Ronnie, ele disse: “Para ele poder sentar nela”. Isso eraRitchie fazendo uma piada. Tinha um senso de humor muito mordaz, digamos assim. Ronnie e eu rimos.

Quando o clube fechou, às 2h da manhã, os dois me convidaram para ir a uma festa na casa deles. Na época,estavam alugando um lugar em Hollywood Hills, acima do Rainbow. Fui com eles, e Ronnie passou a noite me

seguindo e falando comigo, e eu pensei, bem, ele é um pouco baixo para mim. Mas ele continuou falando comigo e opapo era bom. Então, por volta das 5h da manhã, fomos todos ao Du-Pars, tomamos café e ele disse: “Você quer ver o

nascer do Sol em Malibu?”. Eu disse: “Olha, parece uma boa ideia”. Então fomos ver.Foi assim que tudo começou entre nós. Começamos a nos ver e a passar todo o nosso tempo livre juntos, e

comecei a perceber o quanto eu adorava estar na companhia dele. Eu conhecia muitos músicos famosos para notarque Ronnie era diferente. Era claramente muito inteligente, podia ler um livro em um dia, principalmente se fosse deficção científica, e livros de magia mística, além de ser uma companhia muito charmosa e divertida.

Ronnie e Ritchie tinham acabado de compor algumas canções para o primeiro álbum do RAINBOW. (Com o passardos anos, me acostumei com a visão de Ronnie compondo enquanto assistia a esportes na TV.) Vi Ronnie quase todosos dias por cerca de duas semanas. Ele e os outros caras estavam agora em Malibu, hospedados em um luxuosocondomínio fechado à beira-mar chamado Malibu Bay Club. Eu sabia que eles partiriam em breve para gravar o álbumem Munique, então aproveitamos ao máximo.

Alguns dias antes de partirem para a Alemanha, Ronnie disse: “Enquanto eu estiver fora, se quiser, pode usar meucarro”. Eu disse: “Não, tudo bem, obrigado”. Ele estava obviamente procurando uma maneira de manter contato, maseu não precisava de um carro para me convencer a fazer isso. De qualquer forma, ele partiu e, cerca de dois diasdepois, me ligou e disse: “Por que você não vem para a estrada comigo? Largue seu emprego”. Eu disse: “Olha, nãoposso largar meu emprego, mas posso viajar por algumas semanas”. Fui a Munique ver Ronnie por algumas semanas enunca mais voltei.

Ronnie era um achado. Era um tipo de pessoa muito diferente. Realmente me apaixonei por sua inteligência, seucérebro e seu senso de humor. Ronnie tinha muitos lados diferentes. Com o passar dos anos, aprendi a conhecer todoseles e, embora fossem todos muito diferentes, eram parte de uma pessoa só. Por exemplo, ele podia ser a pessoa maisdoce do mundo. Amava os animais. Amava esportes. Adorava ler e explorar ideias. E, claro, amava música. Mas Ronnieera perfeccionista também, e você tinha que corresponder às expectativas dele. A casa estava sempre limpa earrumada. Seus companheiros de banda se acostumaram com ele querendo tudo perfeito o tempo todo.

A música era a coisa mais importante do mundo para ele. Depois disso, as pessoas mais importantes eram os fãs.Aí, talvez eu, e depois quem sabe os animais; eu não sabia onde estava, se era antes dos animais ou depois deles, masa música era definitivamente sua vida. Fazer música, tocar música. Ele amava demais estar no palco. Para ele, esta eraa melhor parte de estar em uma banda, estar no palco.

Ronnie também tinha uma memória incrível, ele podia encontrar as pessoas pela primeira vez, conversar com elasnão por muito tempo, e talvez até tivessem uma criança a tiracolo. Ele diria “olá”, cumprimentaria a criança e, um anodepois, se os visse novamente, se lembraria de seus nomes e do nome da criança. Ronnie sempre se lembrava donome de todo mundo. Seus fãs o amavam por conta disso.

Ele gostava de boas maneiras. Tinha sido bem-educado, em uma família italiana muito tradicional. A mãe era umaquerida. O pai era muito rígido, naquele estilo italiano da velha guarda. Por isso, Ronnie era um verdadeiro cavalheiro.Sabia como se defender quando precisava. Sabia se posicionar. Mesmo assim, demonstrava muita cortesia com todosos que conhecia. Essa foi uma das coisas que realmente achei atraente nele, desde o início.

Ronnie gostava de pessoas. Podia falar com pessoas de 8 até 80 anos. Ele falava bem, mas também era um bomouvinte. Sabia como tirar as pessoas do casulo. Tinha o grande dom de sempre fazer uma pessoa se sentir importantee amada, fazê-la sentir que realmente importava para ele. Era um talento real, e isso significava muito. Não erafingimento; ele realmente se importava com as pessoas.

Isso tudo estava rolando antes de eu ver Ronnie no palco. Seus primeiros shows com o RAINBOW só começaramalguns meses depois do lançamento do primeiro álbum, no verão de 1975. Começaram com um show no Canadá, noMontreal Forum. Era uma grande arena, mas acho que eles não chegaram nem perto de enchê-la.

Lembro-me de estar em Nova York com ele a tempo para o próximo show, no Beacon Theatre. O Beacon é umteatro de tamanho normal, com capacidade para, talvez, 3 mil pessoas, e, dessa vez, o lugar estava bem lotado.

Lembro-me do suporte de palco arqueado escrito RAINBOW, uma coisa enorme que se estendia por 12 metros no palcoe era iluminada por mais de 3 mil lâmpadas, mas não funcionava muito bem. Muitas vezes, durante a turnê, nãofuncionava de jeito nenhum. Lembro-me do Ritchie ficar muito puto com isso. Custou um rim – na verdade, não só um

rim, mas os dois rins.Sobretudo, lembro de Ronnie e eu sentados em uma mesa de um restaurante, em algum lugar depois do show, e

estávamos conversando, e conversando, e conversando, e de repente percebemos que todo mundo tinha ido embora,e estavam tentando fechar o lugar. Já éramos amantes, mas agora também estávamos nos tornando melhores amigos.

Minha outra lembrança principal daqueles primeiros anos do RAINBOW é o quão próximosRitchie e eu nos tornamos. Ele sempre gostava que eu fosse com ele dar entrevistas na imprensa ena rádio. Disse à Wendy que era porque sabia que eu era um bom orador, e ele não. Foi quandopercebi o quão tímido Ritchie realmente era. Muitas vezes ele parecia ser um verdadeiro cuzão,mas nos divertimos muito juntos. Ele gostava do meu senso de humor, que sempre foi maisbritânico do que americano. Sempre trocávamos algo, não apenas musicalmente, mas comoamigos. Na verdade, Ritchie e eu éramos muito, muito próximos. Achei que seria assim parasempre.

Certa vez, David Coverdale descreveu Ritchie como “um bando de caras interessantes”. Sóagora eu compreendo o que ele queria dizer. Ritchie era a pessoa mais imprevisível e frustrante,embora obviamente talentosa, com quem já trabalhei. Como resultado disso, Ritchie e eu tivemosmuitas aventuras incríveis. Isso foi na época em que a diversão ainda era animada e a única regrapara estar em uma banda de rock de sucesso era sempre quebrar as regras. Dito isso, eu tinha meusmomentos de bad boy, roubando carros e correndo atrás de garotas quando era criança. Eu estavaagora com meus 30 e poucos anos, e, embora não tivesse exatamente sossegado, como qualquerpessoa que já me viu a todo vapor poderia confirmar, nunca usei drogas pesadas. Eu gostava demaconha de vez em quando, mas era só. Gostava, sobretudo, da forte cerveja inglesa. Quanto àsmulheres, estava tão apaixonado pela Wendy, que a queria comigo na estrada, no estúdio, aondequer que eu fosse. As groupies simplesmente não estavam mais no meu radar.

Eu gostava de me divertir. Ritchie, obviamente, também. Na estrada, nos divertimos tanto,que Wendy e eu nos acostumamos a nunca desfazer as malas, sabendo que poderíamos serexpulsos de qualquer hotel em que estivéssemos. E isso aconteceu muitas vezes.

Isso também valia para os outros membros do RAINBOW, que entravam e saíam da banda. Notopo da lista estava Jimmy Bain. Quanto mais eu conhecia o Jimmy, mais amava o cara. Era umdaqueles sujeitos que parecia ter nascido em um ônibus de turismo. Os outros caras também eramlegais.

Como todos os melhores bateristas, Cozy era selvagem. Ele não queria destruir quartos dehotel como Moony e Bonzo, mas era o maior sacana. Uma noite, em Trondheim, na Noruega,saímos do hotel e perguntamos a que horas o bar fechava e fomos informados que ficaria abertoaté a meia-noite. Perfeito. Mas, quando voltamos do show às 23h30, tudo estava trancado.Ficamos aborrecidos. Havia um portão de ferro trespassado que atravessava o bar com umapequena abertura entre as paredes. Cozy, muito magro e dono de uma sede avassaladora, deslizoupela brecha e nos entregou as garrafas de bebida pelas frestas, que consumimos avidamente.

O porteiro da noite ouviu a comoção e saiu para ver o que estava acontecendo. Ele entrou emparafuso quando viu Cozy dentro do bar. Pegou imediatamente as chaves, abriu o bar e saiu atrásdo Cozy, bem na hora em que este escapou para fora, trancando o porteiro lá dentro! Estávamostodos a ponto de rir. Wendy pegou sua câmera e tirou uma foto dele. O pobre rapaz estava

batendo na grade, seu rosto ficando roxo. Corremos para nos esconder em nossos quartos. Meiahora depois, a polícia chegou e nos expulsou do hotel.

Falando em bateristas malucos, nunca vou esquecer o voo que pegamos para Londres, ondeme encontrei sentado entre Ritchie e Keith Moon. Eles avistaram alguém no avião que acharamchique demais, um empresário puritano, e Moonie decidiu fazer da viagem do rapaz um inferno.Ele passou pelo cara com uma taça de vinho e, convenientemente, tropeçou e derramou a bebidana camisa do pobre homem. O cavalheiro reclamou e, a cerca de 1h do aeroporto de Heathrow,fomos informados de que Keith seria preso na chegada por seu ataque ao referido passageiro. Keithdecidiu que isso não ia rolar, então foi ao banheiro, rasgou a parte da frente da camisa, e, nessahora, deliberadamente, caiu no colo do reclamante, e uma briga irrompeu no assento. Moonieafirmou que o empresário o agarrou e rasgou sua blusa! Se ele não fosse um baterista tão brilhante,teria sido um excelente ator. Quando pousamos, claro, a polícia estava esperando no portão, masem vez de levar Keith embora, prenderam a vítima!

Claro, quem realmente precisava ser vigiado era o próprio Ritchie. Na primeira vez em queJimmy Bain foi comigo à casa do Ritchie, em Londres, ele nos mostrou seu bar privado e disseque voltaria em breve para uma jam. Nesse ínterim, deveríamos tomar uma bebida. QuandoRitchie não apareceu depois de cerca de 30 minutos, Jimmy e eu aceitamos sua oferta e nosjogamos nas bebidas. Uma hora depois, ele voltou, Ritchie e Jimmy montaram seus instrumentose começamos a tocar; quando, de repente, escutamos um baque forte vindo do andar superior. EraBabs, a bela loira ex-go-go dancer da Reeperbahn, em Hamburgo, com quem Ritchie era casadona época. Ritchie balançou a cabeça, desculpou-se e voltamos para o bar. Quando vimos Ritchienovamente, estava armado com uma garrafa de uísque. Nos entregou e perguntou se poderíamosesperar no carro até que voltasse. Em seguida, ouvimos sons de batidas vindo da casa e olhamos láem riba, para ver a sombra do Ritchie, em uma janela do último andar, se esquivando de lâmpadase outros mísseis variados. Poucos minutos depois, ele saiu correndo pela porta da frente e disse aseu motorista, Fergie, para “Andar!”. Antes que pudéssemos fugir, no entanto, uma pilha deroupas e algumas das guitarras de Ritchie voaram pela janela do quarto. Fergie dirigiu habilmenteao redor delas e fugimos noite adentro.

O único outro americano na nova formação era Tony Carey. Tony era um grande músico,mas não tão versado naquele humor britânico mordaz que Ritchie adorava. Como resultado,Ritchie pegava no pé do Tony mais do que o normal. Estava sempre “pregando peças” nele.Tony nem sempre achava graça, o que só fazia Ritchie importuná-lo ainda mais. A resultante faltade comunicação entre os dois provaria ser a ruína de Tony. Musicalmente, porém, naquelemomento, ele se encaixava perfeitamente.

Nossa primeira turnê juntos como RITCHIE BLACKMORE’S RAINBOW, no final de 1975, foirestrita aos Estados Unidos e totalizou pouco mais de uma dúzia de shows. Eram todos em teatrose auditórios, com capacidade para alguns milhares, no máximo. Como tínhamos apenas um álbumpara tirar proveito, a tentação de encher o set com alguns dos maiores sucessos do DEEP PURPLE –

“Smoke on the Water” teria sido uma escolha óbvia – estava lá, mas Ritchie se recusou a seguirpor esse caminho, pela sua reputação. Haveria momentos em que mergulharíamos em seu passadodo PURPLE, notavelmente em “Mistreated”, a balada para parar o show do Burn, mas a essa alturafoi por escolha, e não por necessidade.

Em vez disso, para essa primeira turnê, incluímos algumas músicas novas que viriam a se tornarclássicos para nós: “Stargazer” e “A Light in the Black”. Ambas seriam incluídas em nossopróximo álbum, durando mais de 8 minutos cada. Nos primeiros shows, no entanto, elas podiamse estender quase até o infinito. Foi como eu realmente comecei a entender por que Ritchieinsistia tanto que precisava de diferentes músicos na banda para tocar ao vivo. Dependendo dohumor do Ritchie, “Catch the Rainbow” podia durar quase 20 minutos em algumasapresentações; “Still I’m Sad”, que tinha apenas 3 minutos no álbum, tornava-se agora umfechamento de set durando 11 minutos, com proporções monumentais.

Você não pode levar a cabo esse tipo de jornada musical intensa sem caras absolutamente deprimeira linha apoiando, contribuindo e ajudando a construir. Assim como os caras do DEEP

PURPLE, todos músicos fenomenais, haviam feito com ele anteriormente. Com Cozy, Jimmy,Tony e eu, Ritchie montou uma nova banda incrível, mais do que capaz de cumprir essa altaexigência, noite após noite, após noite.

Também comecei a me desenvolver como frontman. Decidi por uma abordagem mais pessoalpara criar meu relacionamento com o público. O RAINBOW ofereceu uma experiência muitodiferente daquela à qual estava acostumado com o público no ELF. Não se tratava apenas dediversão. Quando eu estava no palco e cantava, naquele momento, gostava de imaginar que estavaolhando nos olhos de cada pessoa na plateia, que estava cantando diretamente para elas. Agora,quando eu apresentava uma música, jamais gritava, só falava com eles, como se estivéssemos tendouma conversa particular.

Em parte, isso aconteceu porque eu sempre odiei aqueles frontmen que só gritavam e olhavammaliciosamente para o público, tratando-os como se fossem um grande borrão. Sempre achei issomuito rude. Principalmente, porque comecei a levar muito a sério o que fazia no palco. Eu aindagostava de me divertir lá em cima, mas realmente queria que cada palavra que tivesse cantado oudito significasse algo. E queria que as pessoas soubessem disso.

Assim que a primeira turnê acabou, Ritchie nos levou de volta para compor e ensaiar novosmateriais, prontos para ir direto para o estúdio e produzir o próximo álbum. Foi uma jogadamuito inteligente. Com a energia e o entusiasmo da estrada ainda sobre nós, estávamos prontospara mandar ver. Estávamos no Musicland, em Munique, com Martin Birch novamente, e amaioria das faixas foram gravadas em apenas uma ou duas tomadas. O fato de estarmos tocando amaioria das faixas ao vivo acelerou o processo. Você quase pode ouvir a energia crepitando emfaixas como “Starstruck”. Ao mesmo tempo, Ritchie não se opôs a adicionar diferentes texturasque só eram atingidas no estúdio, principalmente, em “Stargazer”, em que tínhamos a ORQUESTRA

FILARMÔNICA DE MUNIQUE expandindo o som, fazendo a coisa toda decolar.

Não havia nada tão louco e efervescente como “Catch the Rainbow”; em vez disso, tínhamosuma fantástica banda ao vivo realmente começando a aquecer seus músculos musicais. Chamamoso álbum de Rising – e é assim que parecia para mim: como um novo Sol escaldante nascendo emum horizonte antigo. Foi um álbum de afirmação, que definiria o curso para tudo o que Ritchie eeu alcançaríamos, musicalmente, ao longo de nossas carreiras, juntos e depois separados. Ritchieconcedeu seu dom para um ambicioso rock neoclássico. Continuei minha exploração de temaslíricos fantásticos, todos com significados ocultos e coisas relacionadas diretamente à minha vida.

Eu nunca conseguiria explicar o que as letras significavam para mim. Se você leu o livro atéaqui, eu não deveria precisar falar nada. Ao mesmo tempo, nunca é tão importante quanto o quecada ouvinte capta das palavras, da música, do momento, a verdadeira magia.

Nem todas as minhas letras continuaram no reino da fantasia. “Starstruck” foi escrita a partir davida real de uma fã, que era tão louca por Ritchie, que aparecia em todos os lugares onde eleestava. Se tocássemos em Paris, ela estaria lá. Londres, ela estaria lá no aeroporto. Uma vez, ela atéapareceu na casa do Ritchie, se escondendo nos arbustos!

Quando o Rising foi lançado, em maio de 1976, as críticas eram uniformementesurpreendentes. As pessoas falavam do Rising quase como uma segunda vinda do heavy metal eainda o fazem até hoje. Tornou-se mais um hit nas paradas do Reino Unido e da Europa, assimcomo na Alemanha e no Japão, lugares que se tornariam muito importantes para Ritchie e paramim com o passar dos anos. O único lugar em que o Rising não se saiu tão bem foi nos EstadosUnidos. Vendeu quase o mesmo tanto que o primeiro álbum; simplesmente não chegou ao Top40. Isso foi desconcertante para Ritchie, que estava acostumado a ver seus discos nas paradasamericanas, e para mim, já que a turnê de três meses que havíamos iniciado na América naqueleverão tinha sido um sucesso. Ainda não éramos grandes o suficiente para dominar as arenas, mas osshows que fazíamos em teatros e auditórios eram um “arrasa-quarteirão”, expressão que aprendicom Wendy.59

A maior alegria que tive naquele verão foi quando chegamos à nossa primeira grande turnêpela Grã-Bretanha e Europa. Fizemos dez shows em todo o Reino Unido, culminando com duasnoites esgotadas no Hammersmith Odeon, o lendário teatro de Londres. Também foi gratificantedo ponto de vista pessoal que a turnê tivesse sido anunciada simplesmente como RAINBOW, nãocomo RITCHIE BLACKMORE’S RAINBOW, embora continuassem a usar o apelido BLACKMORE’SRAINBOW em outras partes do mundo sempre que convinha a algum promotor nervoso queesperava ganhar dinheiro relacionando com o PURPLE.

As coisas estavam indo muito bem. Havia apenas um obstáculo. Após o último show da turnêpelo Reino Unido, em uma prefeitura lotada em Newcastle, Ritchie decidiu demitir Tony Carey.Acho que o motivo oficial usado foi que Ritchie sentiu que Tony havia exagerado em algumacoisa naquela noite. Ou que ele estava tocando coisas complicadas demais. Oi? Eu não conseguiaentender. Tudo nos nossos shows era feito para ser livre, progressivo, sem limites. Mas não paraTony. Nenhum aviso; apenas demitido.

Isso deixou os poucos dias de folga que tivemos em Londres, antes de começar a parteeuropeia da turnê, desnecessariamente tensos. Quem entraria para substituir Tony? Teríamostempo suficiente para ensaiar com ele? Pareceu uma hora terrível para demitir o tecladista,especialmente um que fazia mais do que apenas dar o ritmo. O papel de Tony incluíaorquestração e solos. Quem seria capaz de chegar e tocar assim, como num passe de mágica?

Acontece que Ritchie deve ter pensado a mesma coisa, porque Tony voltou ao RAINBOW tãorápido quanto fora expulso. Nada mais foi dito, já que as próximas semanas da turnê agora noslevavam a meia dúzia de países pela Europa, incluindo dez shows na Alemanha, onde uma bandaaustraliana pouco conhecida, chamada AC/DC, foi escalada para abrir as apresentações, e cujovocalista, Bon Scott, descobri, em mais de uma ocasião muito agradável, apreciava um copo decerveja forte quase tanto quanto eu.

Também foi ótimo que Wendy estivesse comigo. Era sua primeira viagem na Inglaterra, desdeque ela havia partido para Los Angeles, três anos antes. Descobrir diferentes cidades e vilas inglesascom minha esposa inglesa adicionou uma camada extra de compreensão e prazer. Na Alemanha,sua habilidade de falar o idioma, o que Wendy chamava de “alemão escolar”, também foi útil.Nem sempre foi fácil para uma mulher forte e independente como Wendy encontrar seu papeldurante as turnês comigo, mas ela era uma trouper. Certificava-se de que eu fosse bem cuidado,me alimentava e estava lá por mim na alegria e na tristeza. Sendo uma boa esposa, o que, segundoela própria, não era algo que particularmente desejava. Ela sempre trabalhou, se defendeu sozinha,tentou fazer as coisas por si só.

Então surgiu o que para mim foi outra experiência de mudança de vida, quando partimos emturnê pela Austrália e pelo Japão. Eu nunca tinha estado em nenhum desses países, então não tinhaideia do que esperar, exceto pelo que Ritchie tinha me dito, e parecia bom demais para serverdade. Que as multidões de rock na Austrália eram como as da América – barulhentas,escandalosas, prontas para o que der e vier! O público japonês era completamente diferente dosoutros. Muito entusiasmado, mas, ao mesmo tempo, muito silencioso enquanto a banda estavatocando. Eles gostavam de ouvir. Então, se gostassem do que tinham ouvido, ficariam loucos nofinal.

Foi o que aconteceu. Chegamos à Austrália no início de novembro, quando o verão estavacomeçando, e a recepção que tivemos foi incrível. Esses foram grandes shows também. OHordern Pavilion, em Sydney, acomodava mais de 5 mil pessoas e fizemos dois shows lá, além deoutros quatro no Festival Theatre, em Adelaide, que tinha capacidade para 2 mil pessoas. Fizemosdois shows em Melbourne e um em Perth, Brisbane e Newcastle, não que tivéssemos muito paraver nesses lugares. Tivemos um dia de folga em Sydney depois do segundo show e foi como se ocirco tivesse chegado à cidade. Todo mundo queria nos conhecer ou sair conosco. No resto dotempo, estávamos em aviões cruzando esse enorme país.

Nossa próxima parada foi a que realmente me surpreendeu: Tóquio, Japão. Em 1976, estar emTóquio era como estar em outro planeta, especialmente se você fosse uma estrela do rock. Cerca

de oitocentas pessoas apareceram para nos receber no aeroporto. Quando chegamos ao hotel,havia fãs por todos os lados. Nos sentimos como os BEATLES!

Essa foi uma das vezes em que não me importei com a conexão entre DEEP PURPLE eRAINBOW, ou seja, Ritchie, ser enfatizada. Os fãs japoneses apreciavam a história, mas nãohesitavam em abraçar as novidades. Todos com quem lidei, desde os fãs aos críticos e todos osempresários, tornaram-se meus novos amigos. Adorei a ênfase nas boas maneiras em todos osmomentos, mostrando reciprocidade de respeito e honra. Jimmy Bain, certamente o amável líderdo nosso bando nessas situações, e alguns dos outros caras gostavam de casas de banho, onde, emmeados dos anos 1970, as gueixas estavam acostumadas a receber visitas de músicos de rock.

Eu estava mais fascinado pelos edifícios – tão futuristas – e pelas pessoas, claramente outro nívelem relação nós. A cultura, a comida, a maneira como eles se jogavam na música… fazer umaturnê no Japão pela primeira vez foi um sonho. Em seguida, rolaram os shows para valer. Emtodos fomos headliners. Todos foram em arenas. Eu estava começando a sentir que tudo isso eramuito maior e melhor do que imaginava.

Começamos em uma arena esportiva com capacidade para 10 mil pessoas, em Tóquio, depoispartimos por duas semanas fazendo alguns dos nossos melhores shows em Osaka, Nagoya, Kyoto eFukuoka, antes de retornar a Tóquio para encerrar a turnê, num bate e volta, com um show paracerca de 30 mil pessoas, no lendário Budokan.

Tínhamos, de fato, subido o nível do show. Tínhamos um arco no palco formando oRAINBOW, e dessa vez funcionando; o show começava todas as noites com uma gravação de JudyGarland entregando a citação clássica de O mágico de Oz: “Totó, eu acho que não estamos mais noKansas. Devemos estar além do arco-íris!”.

Com a última palavra ainda ecoando, a banda mandava ver em “Over the Rainbow”, antes demudar como um raio para a nova música absurdamente alucinante que Ritchie e eu criamos e queera construída em torno da bateria implacável de Cozy, chamada “Kill the King”.

Felizmente, gravamos alguns dos shows, com Martin Birch lá para garantir que fossem feitosprofissionalmente. Estou tão feliz por termos feito isso. De todos os shows incríveis que fizemoscom o RAINBOW, esses são os que eu gostaria que fossem preservados, os que lembram aquelegrupo no seu auge, quando realmente ainda era uma banda.

Ou o mais próximo de uma banda de verdade, o que Ritchie Blackmore jamais conseguirianovamente.

Ritchie era um guitarrista brilhante e genial, mas muito genioso, para dizer o mínimo. Ele

sempre se vestia de preto e nunca sorria no palco, a menos que realmente não pudesse evitar. Àsvezes dava as costas para a banda e para mim. Às vezes simplesmente se levantava e ia embora.Certa vez, ele fugiu pela janela do camarim e saiu antes que tivéssemos a chance de tocar. Porém,equilibrei isso em minha mente com o fato de que eu já sabia que Rising era um dos melhoresálbuns em que já havia cantado. Foi uma pena como aquela formação do RAINBOW nunca teve achance de seguir, mas é assim que Ritchie gostava de trabalhar. “Mantenha as coisas atualizadas”,ele dizia.

Quando voltamos para casa, após o fim da turnê mundial de 1976, Tony Carey tinha idoembora, dessa vez para sempre. Não lembro qual foi o motivo dado à imprensa, mas o fato é queRitchie e Tony brigaram, então Ritchie o expulsou. Tony sabia que o Japão seria sua última turnêconosco. Todos nós gostamos. Pelo menos pensamos que sim.

O único advento que não tinha visto chegando, e que realmente me tocou, foi quandoRitchie demitiu Jimmy Bain. Ainda não sei exatamente o porquê. Mais tarde, Ritchie reclamouna imprensa sobre certos membros que estavam “tomando algumas drogas e, consequentemente,caindo no sono enquanto tocavam porque tinham caído na balada a noite toda”. Achei que issofosse um golpe no Jimmy. Era inegável que Jimmy gostava de festas, mas ele era conhecido porsua capacidade de levar ao limite o estilo de vida rock ‘n’ roll dos anos 1970, porém fazia valercada centavo ganho no minuto em que subia ao palco. Então, isso não soava bem verdade como oreal motivo pelo qual Ritchie se livrou dele tão abruptamente.

Jimmy e eu nos tornamos amigos. Ficávamos grudados no estúdio e na estrada. Eu não estavano time de Jimmy, quando se tratava de curtição o tempo todo, como ele dizia, mas meperguntava se era esse vínculo que se desenvolveu entre nós que começou a incomodar Ritchie.Estávamos sempre rindo e fazendo piadas. Talvez Ritchie pensasse que, às vezes, estávamos rindo

dele. Quem sabe? Talvez estivéssemos. Mas ríamos sobretudo de nós mesmos.Seja qual for a razão, fiquei triste ao ver Jimmy partir. Em última análise, porém, foi a decisão

de Ritchie. O que realmente me deixou um gosto amargo na boca foi que Ritchie demitiuJimmy uma semana antes do Natal. Achei isso desnecessário, mesmo para alguém tão calculistacomo Ritchie.

Como resultado, o início de 1977 estabeleceu em mim um estranho dilema. O RAINBOW

parecia estar em alta. Tanto os empresários quanto o pessoal da gravadora estavam falando sobrecomo o próximo álbum seria aquele que nos “colocaria por cima” na América. Certamente era oque parecia, no papel, mas a maneira como Jimmy tinha sido demitido sumariamente, sem que eutomasse conhecimento, mudou as coisas para mim. Eu ainda estava empenhado em fazer boamúsica com Ritchie e Cozy e levar a banda o mais longe que podíamos ir artisticamente, mas umpouco da luz se apagou em algum lugar para mim, agora percebo. Parte do brilho haviadesaparecido.

Em vez de embarcar em outra grande turnê americana, que era o plano, os primeiros meses de1977 foram gastos com testes de substitutos. Havia um trabalho do RAINBOW em andamento, umálbum ao vivo, chamado On Stage, montado a partir de alguns shows na Alemanha e no Japão.Isso deveria ter coincidido com a turnê pelos Estados Unidos, momentaneamente adiada, porémremarcada para julho. Pelo menos isso nos deu um pouco de tempo para encontrar um novobaixista e um tecladista, além de colher material para um novo álbum, contudo se tornou muitomais trabalhoso do que eu imaginava.

Experimentamos vários tecladistas de alto nível, incluindo Mark Stein, que parecia se encaixarde modo excelente. Mark estava no VANILLA FUDGE, e Jon Lord costumava comentar o quantoadmirava a forma de tocar de ele tocar. “Ele era uma fonte útil de truques no Hammond”, diziaJon. Bizarramente, Mark, antes disso, havia tocado na TOMMY BOLIN BAND. Tommy só conseguiufazer um álbum com DEEP PURPLE antes de seus hábitos com drogas afundarem a banda no anoanterior. Desde então, ele lançou um álbum solo, Private Eyes, no qual Mark estava. Recebeuótimas críticas, mas Tommy nunca teve a chance de construí-lo, morrendo de overdose emdezembro, durante a turnê com Jeff Beck. Eu me perguntava onde a mente de Ritchie estava indocom aquilo. No fim, mal importava. Por alguma razão, Ritchie decidiu que Mark não seencaixava no perfil.

Em seguida, ele convidou Matthew Fisher para uma audição. Eu não via Matthew desde asessão original em Londres, quando gravamos “Black Sheep of the Family”. Eu adorava o PROCOL

HARUM, então imaginei que Matthew poderia ser o cara. Errado de novo. Depois veio EddieJobson, que sacava de teclados e sintetizadores, além de também tocar violino elétrico de acrílico.Eddie vinha desfrutando de grande sucesso com Bryan Ferry, na ROXY MUSIC, mas a banda agoraestava em uma espécie de hiato a longo prazo e ele precisava de um show. Eddie continuariatocando com Frank Zappa, JETHRO TULL e YES, mas não era adequado para o Ritchie.

Por fim, decidimos por um canadense chamado David Stone, que fazia parte de um pouco

conhecido trio de rock progressivo, chamado SYMPHONIC SLAM. Ritchie escutou uma faixa delesem alguma estação de rádio FM, em Los Angeles, e, em seguida, David veio nos encontrar.Ritchie e Cozy o levaram ao Rainbow. Eu não estava lá naquela noite. Estava em casa, comWendy. Eu sabia que Ritchie era o único que poderia decidir.

Depois de uma longa série de testes, David se juntou à banda e nos tornamos amigos. Davidnão era apenas um grande músico, tinha sido instruído em música clássica e jazz, além de sabercomo criar maravilhosas paisagens sonoras. Nesse ínterim, no entanto, Ritchie trouxe Tony Careyde volta para que pudéssemos, pelo menos, começar a gravar o próximo álbum. Embora, noentanto, tecnicamente ele já tivesse sido demitido duas vezes do RAINBOW, Tony acabou tocandoem três faixas, incluindo “Long Live Rock ‘n’ Roll”, que já havia sido decidida como a faixa-título.

Naquela época, estávamos todos na França fazendo o álbum, e Tony poderia até ter mantidosua apresentação, se não fosse pelo fato de que acabava irritando Ritchie. Tony era muitoturbulento, muito americano e, com Ritchie, você realmente não falava com ele, a menos que elefalasse com você. Gostava de quietude e calma. Finalmente, tudo veio à tona porque Tony nãoparava de ligar para casa o tempo todo. Já estava farto de tudo aquilo e estava sempre ao telefonecom seu pessoal em Los Angeles. Continuava falando sobre o desejo de voltar para casa, entãoRitchie concedeu seu desejo. Depois que Tony saiu, pela terceira e última vez, Ritchie e eucriamos uma música que, de fato, se baseava na situação, a que chamamos de “L.A. Connection”.Então David chegou ao estúdio e colocou os teclados nela.

Ainda não tínhamos um baixista. Enquanto estávamos fazendo testes em L.A., sugeri CraigGruber, de quem eu ainda era um bom amigo e que havia feito um excelente trabalho noprimeiro álbum do RAINBOW. Achei que Craig seria a bola da vez, mas durou apenas um mêsantes de Ritchie lhe mostrar a porta de saída. Em seguida, veio Mark Clarke, um músicotecnicamente talentoso, mais recentemente tocando com o COLOSSEUM, de Jon Hiseman, quechegou a viajar para a França conosco. Assim que Mark começou a gravar conosco, no entanto,Ritchie decidiu que não gostava da maneira como Mark tocava baixo – ao tocar com os dedos,em vez de tocar com a tradicional palheta –, daí simplesmente ficou sem paciência e o despediu.

Ritchie acabou tocando a maior parte do baixo do álbum, isto é, até que convidou BobDaisley para se juntar a nós no estúdio. Bob era um profissional experiente, originário da Austrália,que tocou com a aclamada banda de blues-rock CHICKEN SHACK, entre vários outros grupos dignosde nota. Sua banda mais recente, WIDOWMAKER, formada por ex-membros do LOVE AFFAIR, doMOTT THE HOOPLE e do HAWKWIND, foi promovida a um supergrupo, mas, depois de poucosucesso, se separaram. Bob chegou à França bem a tempo de tocar em três faixas e sobreviver naturnê da banda.

Toda a atmosfera em torno da produção de Long Live Rock ‘n’ Roll era estranha. O ELO estavanos estúdios da Musicland trabalhando em um álbum duplo, Out of the Blue, então, em vez deesperar que eles terminassem, fomos para a França, para o Château d’Hérouville, perto de

Pontoise, que chamávamos de Pantyhose. Construído no século 18, o Château agora abrigava umfamoso estúdio de gravação residencial. Apelidado de Honky Château, após Elton John tergravado seu álbum de mesmo nome por lá, desde então se tornou o lar de uma série de grandesartistas, incluindo T. REX, PINK FLOYD, JETHRO TULL, David Bowie e BAD COMPANY, para citar unspoucos nomes.

Era certamente pitoresco e tinha uma longa história. Diz-se que Frédéric Chopin conduziu aliseu caso de amor ilícito com o escritor George Sand60. O castelo foi o tema de uma pintura deVincent van Gogh, que foi enterrado em um cemitério próximo. Quando Bowie voltou aoestúdio, poucos meses antes de chegarmos lá, para fazer seu álbum Low, afirmou ter sentido umapresença sobrenatural. Aparentemente, David deu uma olhada na suíte principal e disse: “Eu nãovou dormir lá!”. Então ocupou o quarto menor ao lado. Disse que havia escuridão e frio na suíteprincipal.

Claro, Ritchie tinha de pegar aquela suíte quando ficamos lá, então não posso afirmar se o queDavid disse era verdade, mas Wendy e eu o apelidamos de Château Horrorsville, e por um bommotivo. Pois foi onde Ritchie conduziu algumas de suas mais infames sessões espíritas.

Ritchie gostava de fazer pegadinhas elaboradas. As pessoas voltavam para os quartos de hotel edescobriam que estava faltando a cama ou o mobiliário estava totalmente destruído. As contas doshotéis podiam ser enormes, mas Ritchie sempre cobria os gastos quando era o responsável. TonyCarey estava longe de ser o primeiro a passar pelas pegadinhas e, definitivamente, não seria oúltimo. Ritchie também gostava de pegar o tabuleiro Ouija e usá-lo para tentar entrar em contatocom os mortos. Para colocar em perspectiva, nos anos 1970, esse tipo de coisa era feito o tempotodo por músicos de rock longe de casa e sem muito mais o que fazer depois que o sexo e asdrogas acabavam.

Ritchie sabia como levar as coisas a outro nível. Ele adorava fazer sessões espíritas com umcopo e seu tabuleiro Ouija, e estar no Château encontrou em seu elemento. Ritchie afirmou quese olhou no espelho uma vez e viu Mozart ou alguém olhando para ele. Não dava para saber como Ritchie se ele estava falando um monte de merda sobre coisas desse tipo, porém coisas estranhascomeçaram a acontecer com todos nós.

Por ordem de Ritchie, tínhamos começado a ter sessões espíritas quase todas as noites. Eraincrível a frequência com que produzia resultados assustadores. Wendy e eu, além departiciparmos, tentávamos descobrir se alguém estava empurrando o copo ou trapaceando dealguma outra forma. Contudo, houve muitas vezes em que alguma coisa aconteceu e não haviauma explicação assim tão fácil. Uma noite, no Château, conjuramos Thor, o deus do trovão – nãotô zoando –, e pedimos um sinal. Relâmpagos e trovoadas imediatamente rasgaram o céu, quandocomeçou a cair a chuva numa enorme tempestade. Conjuramos muitas coisas estranhas noChâteau. Então, quando íamos ao estúdio no dia seguinte para gravar, as fitas estavam em branco.Isso aconteceu muitas vezes. A mesa de vinte e quatro canais realmente ligava e desligava sozinha.

Finalmente, em uma noite durante outra sessão assustadora, Baal apareceu em cena. Baal é um

daqueles deuses pré-cristãos todo-poderosos, que aparecem em várias formas em praticamentetodas as religiões. Não como um cavalheiro gentil com uma longa barba branca, mas como umpríncipe satânico dos demônios. Ele anunciou sua presença em nossa companhia naquela noitecom a declaração arrepiante: “Eu sou Baal. Eu crio o caos. Vocês nunca vão sair daqui, então nemtentem”. Puta merda! Guardamos o tabuleiro, mas não resistimos e tentamos novamente maistarde. Isso sem Ritchie na sala. Novamente chegou Baal, só que desta vez ele perguntou: “Ondeestá Blackmore? Oh, não importa, lá vem ele”. A porta se abriu e Ritchie entrou! Ritchie sentou-se e começamos de novo, e dessa vez as coisas ficaram realmente bizarras. Era uma mesa redonda eo copo passou sozinho pela borda dela – todos tínhamos tirado os dedos do copo – e, então, seespatifou no canto da sala! Foi isso. Todos nós saímos correndo e fomos para a cama. Na manhãseguinte, Cozy disse que alguém o trancou em seu quarto e que todos os livros voaram da estante.Então Wendy tomou um verdadeiro susto, quando estava descendo as escadas no dia seguinte ealguém a empurrou pelas costas, fazendo-a rolar escada abaixo. Quando olhou para trás, não havianinguém lá.

Todos ficamos muito assustados depois disso e deixamos o tabuleiro Ouija sozinho. Naverdade, naquele disco está escrito: “Não graças a Baal”.

Durante o dia, nas ocasiões em que as máquinas funcionavam sem “interferência externa”, eapesar da incerteza que pairava sobre quem ainda estaria no RAINBOW quando o álbum finalmentefosse finalizado, fizemos algumas músicas fantásticas. A faixa-título, “Long Live Rock ‘n’ Roll”,era um hino glorioso. Um dos riffs mais cativantes de Ritchie, o resto da música pareceu escrevera si mesma para mim. Foi o mesmo sentimento com “L.A. Connection”, construída em torno deuma das marcas registradas de Ritchie: compor riffs do caralho.61

Em seguida, fizemos “Kill the King”. Já uma canção certeira comprovada em turnê, erabasicamente um caso de capturar aquela centelha divina no estúdio. Por causa do título, a maioriadas pessoas presumiu que a letra era outro dos meus temas medievais, o que, dessa vez, não tinhanada a ver. A música é, na verdade, sobre uma partida de xadrez. Adoro xadrez – como jogo,como metáfora para a vida e a morte, como uma forma maravilhosamente eficaz de exercitar océrebro. E, nesse caso, uma ótima ideia para basear uma canção!

A faixa principal do álbum, no entanto, era “Gates of Babylon”, outra peça absolutamenteépica que Ritchie e eu criamos, apresentando estruturas de acordes incomuns com peso orquestraladicionado, cortesia de David Stone e do BAVARIAN STRING ENSEMBLE, dirigido por RainerPietsch, que Ritchie convidou para vir de Munique. Anos mais tarde, o maior fã de Blackmore eestrela da guitarra por seus próprios méritos, Yngwie Malmsteen, citou “Gates of Babylon” comoum ponto alto importante em sua própria educação musical.

Também havia uma música profundamente pessoal para mim, escrita pura e simplesmente paraquem eu amo: “Rainbow Eyes”. Dei esse título porque Wendy tem os olhos mais incrivelmentelindos, que parecem mudar de cor, dependendo de seu humor ou da luz do ambiente. Às vezessão verdes, às vezes são azuis e às vezes são da cor da avelã. Ritchie tinha esse tenro arranjo de

violão, ao qual adicionamos alguns violinos, violoncelo, viola e flauta. Tornou-se a faixa deencerramento do álbum e era surpreendentemente delicada. Ambos os nossos álbuns anterioresterminaram em frenéticas guitarras de rock épico. Isso era muito diferente. Uma coisa sobreRitchie: ele nunca teve medo de fazer as coisas de maneira diferente, e eu realmente queria dizeralgo sobre o amor da minha vida, especialmente porque ela agora me dera a maior honra aoconcordar em se casar comigo.

Wendy: Ronnie e eu nos casamos em abril de 1978. Foi no mesmo dia em que Long Live Rock ‘n’ Roll foi lançado, e

Ronnie estava prestes a partir com o RAINBOW para outra longa turnê mundial. Naquela época, todos nós havíamos nosmudado para Connecticut, porque não havia imposto de renda estadual. Bruce Payne, que era seu empresário,morava e trabalhava em Nova York, então tudo fazia sentido.

Fizemos o casamento no Castelo Waveny, em New Canaan, Connecticut, e Ritchie foi um dos padrinhos. BobDaisley também nos apadrinhou, junto com alguns membros da equipe de estrada, como Bruce Payne, Colin Hart eRaymond D’Darrio. Meus amigos vieram da Inglaterra e de Los Angeles. Recebemos convidados do mundo todo,incluindo o Sr. Udo, o famoso promoter japonês. No dia seguinte, partimos para uma incrível lua de mel em umcruzeiro no Mediterrâneo. A coisa toda foi realmente adorável.

Foi depois que voltamos da lua de mel, e Ronnie saiu em turnê novamente, que as coisas começaram a ficar

muito ruins. Aqueles últimos meses no RAINBOW foram muito estressantes para o Ronnie, e ele estava viajando semmim. Acho que ele não queria que eu sofresse com a atmosfera que estava se formando nos bastidores.

Encontrei para nós, enquanto estavam na estrada, uma casa maravilhosa para morar. Ritchie estava residindo emDarien, uma bela cidade no que eles chamam de Costa do Ouro de Connecticut. Foi classificado como um dos dezlugares mais ricos da América. Encontrei um lugar para Ronnie e eu em New Canaan, também na Costa do Ouro. Era

uma casa grande, de cinco andares, cujo tamanho era de 5 acres. Parecia meio com a casa de Horror em Amityville, naverdade, e era meio assustadora. Também tinha uma grande garagem. O escritório de Bruce Payne alugou para nós.Disseram-nos que o homem que inventou a máquina de cigarros, James Albert Bonsack, era o dono original da casa.Era um lugar maravilhoso, mas eu estava muito solitária lá.

Lembro-me de ter ficado muito, muito sozinha na época em que estive lá, e me lembro de ter ficado um pouco

assustada com isso. Mudamos todas as nossas coisas para lá e então, numa noite, depois que Ronnie saiu para a turnê

e eu estava só comigo mesma, lembro-me de ouvir um barulho estranho: ta-ta-bum, ta-ta-bum, ta-ta-bum, ta-ta… um

barulhão. Parecia que estava vindo de baixo das tábuas do assoalho. Eu pensei: Ai, meu Jesuscristinho! Tem

alienígenas no porão! Quando Ronnie voltou, estávamos sentados lá e ele começou a ouvir também. Ele estava tipo:“Mas que porra é essa?”. Eu disse: “São alienígenas no porão!”. Descemos juntos… e era o aquecedor a óleo fazendoaquele barulho.

Quando Ronnie estava comigo, nos divertíamos muito. Tínhamos uma porta de estábulo na parte de trás da casa,e eu costumava ficar lá com a metade superior da porta aberta. Colocava luvas e alimentava todas as criaturasselvagens. Todos eles se alinhavam – guaxinins, gambás, binturongues, o que você pensar. Eu alimentava todos eles.

Foi uma época feliz quando Ronnie estava lá, mas era uma época triste quando ele estava fora, porque eu ficavamuito sozinha. Fui desenraizada da Inglaterra e me mudei para a Califórnia. Tinha feito amigos na Califórnia e agora,de repente, estava em Connecticut. Eu não tinha amigos. Não tinha ninguém. Então conheci uma garota inglesa emum supermercado. Ela estava procurando o que, na Inglaterra, chamamos de “jelly”. Na América, “jelly” é o que, naInglaterra, é chamada de “jam”. Ela estava tentando comprar jelly e tudo o que eles continuavam vendendo era jam.Eu disse: “Deixe-me ajudar você. Na América, jelly é chamada de jell-o”.62

Ficamos amigas, e, depois que fiz uma amizade, ficou tudo muito melhor. Em Connecticut, você não sai parajantar tanto quanto na Califórnia. Você vai à casa das pessoas. Íamos às casas das pessoas e nos divertíamos.

Quando Ronnie estava em casa, íamos às casas dos conhecidos, jantávamos e jogávamos pôquer. Ronnie quase

sempre vencia! Era um jogador de pôquer muito bom. Era bom no pôquer, bom no xadrez e lia livros todos os dias.

Tinha uma grande cabeça para os números, a Matemática e as Ciências. Isso o tornava bom em muitas coisas. O

promoter escandinavo do RAINBOW, Eric Thompson, costumava jogar pingue-pongue com Ronnie e sempre perdia. Elesfaziam apostas de até 500 dólares por jogo. Bem, esse pobre coitado perdia o tempo todo porque Ronnie era muitobom no tênis de mesa. Até mesmo Ritchie evitava Ronnie em jogos de pôquer ou pingue-pongue.

Então Ritchie teve a brilhante ideia de jogar um cabo de vassoura em postes telefônicos. E eles resolveramapostar nisso. O que ninguém sabia, até ser tarde demais, era o fato de Ritchie ser um lançador de dardos de nívelmundial. Ele podia atirar, feito um foguete, os cabos de vassoura nesses postes. O grande lance é que Ritchie tinhaganhado todos os tipos de competição em arremesso de dardo.

Ainda estávamos terminando Long Live Rock ‘n’ Roll, quando On Stage foi lançado, em julhode 1977. Essa foi a era dos grandes álbuns duplos ao vivo. Tanto o KISS quanto o ROLLING STONES

lançaram aclamados duplos ao vivo no mesmo ano e, no ano seguinte, bandas como THIN LIZZY eUFO também alcançaram altos postos nas paradas com duplos ao vivo. Antes da internet, a únicaoutra maneira de ouvir sua banda favorita ao vivo era por meio de bootlegs ilegais, piratas, amaioria dos quais eram gravações de terceira categoria vendidas por preços exorbitantes.

No caso do KISS, e, antes deles, do HUMBLE PIE, seus álbuns duplos ao vivo foram os quequebraram tudo nas paradas americanas e faziam bons gráficos para as gravadoras. Acho que a nossagravadora esperava que o On Stage fizesse a mesma coisa com o RAINBOW. Obteve ótimas críticase se tornou outro hit no Top 10 na Grã-Bretanha e na Europa, mas só alcançou a posição 65 nosEstados Unidos.

Coloque uma arma na minha cabeça e me faça falar, eu provavelmente diria que, se tivéssemosseguido nosso plano original, que era fazer uma turnê extensa pelos Estados Unidos, para coincidircom o On Stage, em vez de separar a brilhante banda que gravou aquele álbum, tenho certeza deque teria ido muito melhor na América. Em vez disso, quando chegamos a uma nova formaçãoensaiada e pronta para começar, estávamos comprometidos com uma turnê europeia com vinte ecinco datas, seguida imediatamente por uma turnê com dezessete, no Reino Unido, seguidainstantaneamente por uma turnê de dezessete dias no Japão. A essa altura, já estávamos em 1978 enos preparativos para o lançamento de Long Live Rock ‘n’ Roll, em abril, que marcou a grandeturnê pelos Estados Unidos que deveríamos ter feito no ano anterior – sessenta shows que seestenderam por todo o verão. Consequentemente, muitos desses meses na estrada agora são umamácula para mim. No entanto, há certas coisas que nunca vou ser capaz de esquecer, como a vezna França, quando agarramos Eric Thompson, tiramos todas as suas roupas e o penduramosnaqueles cabos em cima do palco. Eles tinham acabado de montar uma produção do Peter Pan noteatro e ainda tinham todo o aparato ativado para fazê-lo voar. O pobre Eric não sabia o que otinha atingido. O show começou e ele desmaiou! Descobrimos depois que ele desmaiou porqueestava se esforçando para ver se conseguia cagar na cabeça de Cozy. Wendy tirou uma foto disso eacabou na primeira página de uma revista.

Em outra noite da turnê On Stage, estávamos em Viena e Ritchie terminou a noite trancadona prisão. Estávamos tocando num desses palacetes, enormes e bonitos, que abrigam óperas, oStadthalle. Havia cerca de 6 mil fãs enlouquecendo, mas a polícia e a segurança os espancavam

violentamente cada vez que se levantavam ou faziam qualquer movimento. Foi horrível.Podíamos ver esses capangas uniformizados espancando a molecada ensanguentada por aquelescassetetes. Para piorar a situação, o gerente do local, um verdadeiro capado, decidiu descer nafrente do palco e ficar ali com os braços cruzados, apenas olhando de soslaio para Ritchie, como sedissesse: este é o meu show, não o seu, e vou fazer o que quiser com seus fãs estúpidos. Ritchieapenas caminhou até a beira do palco, ainda solando, deu-lhe um chute na cabeça com o salto desua bota de cowboy e mandou o cara voando coisa de 1 metro de altura! Foi a deixa para opandemônio. Terminamos a música e fomos forçados a deixar o palco. A multidão começou aenlouquecer, mas não tanto quanto aqueles policiais. De repente, nos bastidores, havia policiaisarmados com cachorros por toda parte, todos procurando se vingar de Ritchie. Mas Ox, um denossos roadies, escondeu Ritchie em um dos enormes cases que usamos nos aviões, que o pessoalda técnica estava tentando tirar às pressas. Ox sentou-se em cima dele para desviar a atenção, masos cachorros o farejaram. Ainda assim, Ox se recusou a sair do case. Eles literalmente tiveram quearrastá-lo para fora. Em seguida, abriram o caixote e prenderam Ritchie e Ox, levando-os para aprisão. Ritchie passou as 48 horas seguintes trancado em uma masmorra de pedra, tipo aquelesparalelepípedos, em uma prisão vienense de quinhentos anos.

O resto de nós voltou para o hotel, onde decidiram manter o bar aberto a noite toda para nós.Na manhã seguinte, recebemos escolta policial para sairmos da Áustria. Nos levaram direto para afronteira alemã. Enquanto isso, Ritchie ainda estava na cela. Pensei que talvez ele nunca fosse saire que isso seria o fim da banda. Era um dia de folga, então simplesmente seguimos para o próximohotel e esperamos por notícias sobre o que fazer a seguir. Algumas pessoas disseram que ele ficariana prisão por um ano. Outros disseram que sairia assim que os advogados pagassem uma boapropina para a polícia corrupta. Tudo o que eu sabia, com certeza, era que o próximo show nanoite seguinte seria uma apresentação realmente grande no Olympiahalle, de Munique, que seriatransmitido ao vivo pela estação de TV alemã WDR.

Na noite do show, conseguimos adiar em algumas horas o horário do início, enquantoesperávamos e orávamos para que Ritchie aparecesse. Já eram 11h da noite e ele ainda não tinhachegado, então começamos o show sem ele, complementando as coisas com algumas levadas deblues, um solo de teclado aqui, um solo de baixo acolá, daí um solo de bateria… Lembro-me deimprovisar minha entrada por meio de uma versão meia-boca de “Lazy”, um antigo clássico doDEEP PURPLE. Então, quando a banda e o público estavam prestes a perder a vontade de viver,veio uma ordem dos bastidores: “Ele chegou, ele tá aqui!”. Em seguida, foi possível ouvir suaguitarra sendo plugada e lá estava ele, retomando seu solo exatamente de onde parou duas noitesantes. Ele parecia acabado. Não acho que o alimentaram ou permitiram que dormisse, mas cáestava ele. A primeira música que ele nos mandou foi “Kill the King”. Acho que nunca tocamostão bem! Ritchie estava possuído e fizemos um show incrível.

A banda ainda era uma gangue, do tipo “um por todos e todos por um”, até aquele momento.Corta para nove meses depois, a turnê americana de 1978, e já estamos em uma história diferente.

Long Live Rock ‘n’ Roll foi outro hit no Top 10 da Grã-Bretanha, onde a faixa-título nos deunosso primeiro Top 30 single. Também se tornou nosso disco com maiores vendas na Alemanha ena Escandinávia, mas, no Japão, não foi tão bem quanto o Rising. Mais crucialmente, para Ritchie,o disco mal chegou ao Hot 100 nos Estados Unidos, passou raspando para alcançar a posição 89.Isso significa que grande parte da turnê de verão de 1978, nos Estados Unidos, foi feita abrindopara o REO SPEEDWAGON. Também abrimos shows para o ALICE COOPER e o CHEAP TRICK . Eupoderia viver com isso, mas Ritchie, não. Ele não me disse isso, mas esse era o meu sentimento.Fizemos várias apresentações como headliner, mas nenhuma em arenas. A turnê inteira pareciaatormentada por sentimentos ruins.

Em um show em Pittsburgh, tocamos por apenas 45 minutos antes de Ritchie resolver irembora. O público se revoltou quando não voltamos. Em outro show, alguém jogou um daquelesenormes foguetes M-80, que explodiu como uma granada, quando estávamos voltando para o bis.Não é preciso dizer que não houve bis naquela noite. Algumas noites, Ritchie dava as costas àbanda e a mim. Às vezes ele simplesmente ia embora. Uma vez, ele fugiu pela janela do camarim evazou. Sem explicação. Sem desculpas.

Outra noite, em Atlanta, alguém jogou uma garrafa no palco. Ela voou cerca de quase 10metros no ar e me atingiu bem na cabeça! Quase me nocauteou. Sangue para todo o lado. Fuilevado aos bastidores, onde um médico de emergência deu uns pontos na minha cabeça. Enviaramum recado para a banda: “Eles estão costurando Ronnie, continuem tocando, logo Ronnie tá devolta”. Provavelmente, eu deveria ter ido para o hospital, mas odiava a ideia de estragar o showpara os fãs genuínos. A banda tocou até que eu cambaleei de volta, minha cabeça em bandagens,sangue ainda escorrendo pela lateral da minha cabeça. Eu mal conseguia cantar, porque medisseram que as suturas abririam. Fizemos cerca de 3 minutos a mais e então encerramos a noite,momento em que Ritchie se envolveu em uma briga no palco com o tour manager do REO

SPEEDWAGON. Depois disso, David Stone ficou tão puto, que jogou uma garrafa de vinho naparede. Não acertou Ritchie por centímetros. Ritchie pegou uma garrafa de uísque e aestraçalhou contra a parede oposta. Depois disso, foi puro frenesi, enquanto a banda continuava adestruir aquele camarim. Quando os roadies ouviram a comoção, correram e se juntaram àconfusão. Eles colocaram o lugar abaixo!

A última noite da turnê também foi uma ocasião previsivelmente horrível. Estávamos sendo aatração principal do Palladium, em Nova York. O Palladium acomodava apenas cerca de 3 milpessoas, mas o lugar estava lotado e parecia um show de volta ao lar. Era uma noite quente deagosto e o AC/DC estava abrindo. No papel, deveria ter sido uma maneira gloriosa de encerrar aturnê. Em vez disso, tocamos apenas três músicas antes de o P.A. começar a ficar amalucado. Comdesculpas a todos, interrompemos o show enquanto a equipe técnica fazia o possível para consertaro problema. Depois de 90 minutos, eles ainda não haviam conseguido consertar, então fui forçadoa sair e pedir desculpas pessoalmente novamente ao público, e me oferecer para deixá-los recebero dinheiro de volta.

“Vamos compensar na próxima vez, Nova York!”, anunciei consoladoramente.Só que nunca houve uma próxima vez.

Anos depois, as pessoas me contaram o quanto ficaram surpresas quando saí do RAINBOW, em

1978. Eu sorria e dizia que também estava meio surpreso, mas era apenas uma piada para disfarçara frustração que sentia. Adorei estar no RAINBOW. Senti que Ritchie e eu tínhamos algo especialentre nós, como compositores e intérpretes. E sempre reconhecerei minha dívida para comRitchie, não apenas pela oportunidade que me deu de trabalhar consigo, depois que deixou oDEEP PURPLE, mas por tudo que aprendi com ele, todas as coisas, tanto o que fazer quanto o quenão fazer. No momento em que tomei minha decisão de sair, senti que restava muito poucaescolha. Ele já havia demitido Bob Daisley e David Stone não muito depois da última turnê pelosEstados Unidos. Você pode dizer que pulei antes de ser empurrado, mas não era tão simples. Nadanunca era, quando se tratava de Ritchie Blackmore.

Era óbvio que as coisas não estavam mais funcionando para o Ritchie. Ele queria um sucessomaior para a banda e sentia que a única maneira de fazer isso acontecer era alterando a direçãomusical, para ampliar a lista de escolhas e tornar a banda mais comercial. Principalmente, acho queele estava frustrado com o fato de o RAINBOW não ter deixado uma marca forte na América.Todos os discos iam incrivelmente bem na Grã-Bretanha e na Europa, mas na América a históriaera diferente.

Os maiores discos de rock na América em 1978 foram do BOSTON, que teve um álbum emprimeiro lugar, com Don’t Look Back, e do FOREIGNER, cujo disco Double Vision chegou aoterceiro lugar. Ambos os álbuns acabaram vendendo mais de 7 milhões de cópias, cada um, naAmérica. Tanto que Ritchie podia dizer que a única diferença, entre esses álbuns e o Long LiveRock ‘n’ Roll, que mal alcançou o Top 100 dos EUA, era que ambos tinham grandes singles noTop 5, tais como “Don’t Look Back” e “Hot Blooded”, que foi tocada até a morte no rádionaquele ano. O RAINBOW nunca teve nada tocado nas rádios americanas.

De todo modo, esta é a minha teoria, nascida do fato de que antes de trabalhar em um novo

material para o próximo álbum do RAINBOW, Ritchie deixou claro que ficou insatisfeito com ascomposições e queria seguir mais para o mainstream. A gravadora também estava no pé do ouvidode Ritchie. “Para chegar a outro patamar, você precisa escrever canções mais comerciais. Vocêprecisa escrever um single de sucesso”. Ou foi o que me disseram. Na verdade, Ritchie haviaparado de falar comigo nesse ponto. Em vez disso, ele trouxe Roger Glover como produtor, eRoger agora tinha a ingrata tarefa de se tornar o intermediário entre mim e Ritchie. Foi Rogerquem teve a detestável tarefa de me informar que Ritchie perguntava o seguinte sobre mim: “Elepoderia parar de escrever de uma forma tão voltada para a fantasia e compor algumas canções deamor?”.

Minha resposta era que não, não poderia, embora não tenha sido expressa com tanta polidez.Eu havia subestimado o quão sério Ritchie estava sobre tornar o RAINBOW mais comercial. Rogerme contou sobre a ideia de Ritchie de gravar um cover de “Will You Still Love Me”, de CaroleKing. Ele achou que daria um ótimo single. Achei que ele devia estar me zoando. Quando me deiconta que não, sabia que estava em apuros. Claro, eu tinha lançado minha própria versão damúsica, nos tempos de RONNIE AND THE PROPHETS, mas foi um fracasso na época, e eu estavagenuinamente com medo de que não fosse apenas um fracasso agora, mas que realmenteatrapalhasse a carreira da banda.

Fui ver o Ritchie e acabamos discutindo sobre isso. Ritchie era o tipo de cara que quanto maisvocê argumentava contra algo, mais fincava os pés. No final, o RAINBOW nunca transformou “WillYou Still Love Me” em um single, embora a banda a tenha tocado ao vivo quando foram aatração principal do primeiro festival Monsters of Rock na Inglaterra, em 1980. Talvez Ritchietenha se lembrado de minhas palavras. Como alternativa, trouxeram Russ Ballard, um criador desucessos comprovado, que os presenteou com “Since You Been Gone”, que, como Ritchie haviaplanejado, tornou-se um single de grande sucesso, embora não na América, onde teve a mesmasorte de todos os seus outros singles, morrendo na praia.

Eu já tinha ido embora há muito tempo. Ritchie afirmava que me despediu. Talvez em suacabeça ele o tenha feito. Minha memória é que saí. Eu tinha que fazê-lo. Conversei com Wendysobre isso e ela concordou. Já estávamos fartos de toda a situação.

Foi quando descobri como era realmente a vida além do arco-íris.63 Ficamos sem casa, semcarro e sem emprego. Durante meu tempo no RAINBOW, o empresário controlava o pagamento dacasa e do aluguel do carro. Além disso, recebia 150 dólares por semana, que era para pagarcomida, gás, roupas e tudo de que precisávamos. Wendy e eu passaríamos por aquilo bem rápido.Não pensávamos muito nisso. Afinal, eu era o cocompositor de todas as canções de quatro álbunsde sucesso do RAINBOW, certamente haveria belos royalties caindo na minha conta logo em breve.Não haveria? Na verdade, não, não haveria. O fato é que levariam décadas até que Wendypudesse, finalmente, receber todo o dinheiro devido. Eu ainda era muito ingênuo nessa época. Euaté esperava que Bruce Payne continuasse como meu empresário, mas, é claro, ele não estavainteressado, afinal, tinha Ritchie e o RAINBOW. Fiquei mais magoado por Bruce não querer me

agenciar do que ter me separado de Ritchie. Bruce era meu empresário desde antes do ELF. Agoraeu não tinha ninguém. Um músico está completamente perdido sem um empresário, então eudisse a Wendy que ela tinha que me agenciar. Ela tentou me convencer de que havia outrosempresários, mas eu disse que preferia ferrar meu empresário do que ser ferrado por eles!

Se não fosse por uma modesta herança, recebida do nada, da avó de Wendy que acabara demorrer, não sei o que teríamos feito. Felizmente, Wendy era uma pessoa forte. Chegou à Américasozinha. Um ligeiro contratempo, como ficar sem-teto durante a noite, não iria derrubá-la. Com ainsistência de Wendy, decidimos empacotar tudo e colocar em uma velha Kombi que compramosde segunda mão, daí dirigir até Los Angeles, onde Wendy tinha amigos e eu ainda tinha bonscontatos no mundo da música.

Em L.A., Wendy e eu alugamos uma casa, que não podíamos pagar, e nos mudamos para lácom alguns de nossos amigos. Em certo ponto, deve ter havido cerca de uma dúzia de pessoasmorando lá conosco, músicos principalmente, suas namoradas e esposas, amigos de amigos eoutros vadios e párias da Strip.

Considerei minhas opções. Poderia tentar uma carreira solo. Por que não? Havia muitasgravadoras que contratariam um cantor que acabara de sair de uma banda de sucesso. Comecei atrabalhar no material com Micky Soule, mas nenhum de nós tinha dinheiro e eu não tinha certezasobre como me sentia diante da perspectiva de, mais uma vez, começar do zero. Eu tambémestava compondo com Paul Gurvitz, o baixista lindamente cabeludo da BAKER GURVITZ ARMY . Eutambém estava tocando ao lado de Jeff “Skunk” Baxter, ex-guitarrista do STEELY DAN e doDOOBIE BROTHERS, cuja carreira estava agora em uma encruzilhada. Eu estava falando ao telefonecom Bob Daisley e David Stone, apenas tentando manter abertos os portais da música, esperandoque pintasse alguma coisa que pudesse estar à vista. Não estava ganhando nenhum dinheiro,porém estava, pelo menos, me divertindo de novo. Percebi que o último ano passado noRAINBOW não fora muito divertido.

Enquanto isso, Wendy tinha feito amizade com Sharon Arden, que logo se tornaria SharonOsbourne. Sharon estava trabalhando para o pai, Don Arden, um dos empresários mais temíveisdo mundo da música. No Reino Unido, era conhecido como Mr. Big. Don gostava de se gabarque tinha ligações com a máfia, gostava que soubessem que carregava uma arma e tinha váriosbordões que gostava de usar, como “Tenta a sorte”.64 Particularmente, era o que a frase sugeria sevocê fosse otário o bastante para contrariar Don.

Don ganhou dinheiro empresariando artistas tão diversos como Little Richard, Gene Vincent,THE ANIMALS , THE SMALL FACES, ELO e, agora, BLACK SABBATH, para citar apenas alguns. Ele eratão rico, que morava em uma enorme mansão em Beverly Hills que já havia sido propriedade deHoward Hughes. Sharon morava com Don na mansão. Foi por intermédio da conexão de Wendycom Sharon que fui convidado para conhecer os caras do SABBATH. Tudo se deu de modo muitosimpático e polido, quando partimos não pensei mais no assunto. Eles estavam se preparando parafazer seu próximo álbum com Ozzy e eu ainda estava pensando em meu próximo passo.

Então o destino resolveu dar uma mãozinha. Certa noite, eu estava no Rainbow quandochegou o alto e taciturno guitarrista do SABBATH, Tony Iommi. Gostei de Tony imediatamente.Sabia que ele era o líder musical do SABBATH, o mentor por trás de alguns dos riffs de guitarra maisclássicos da história do rock. Começamos a conversar e descobrimos que ambos estávamospensando em fazer um álbum solo. Tony confidenciou-me que a banda havia acabado de expulsarOzzy. Ozzy foi o primeiro a admitir que era o pior inimigo de si mesmo naquela época, numperíodo em que seu consumo de álcool e drogas estava completamente fora de controle. Ele,dificilmente, foi o único astro do rock a sofrer esse destino. Tony explicou que o baixista da bandae letrista mais frequente, Terry “Geezer” Butler, também estava passando por alguns problemasfamiliares. Daí a inclinação de Tony em considerar algum tipo de projeto solo.

Naquele momento, eu queria experimentar ideias e sugeri uma possível colaboração. Podia serque sim. Podia ser que não. Um dia, talvez. Quem sabe, nada demais. A próxima coisa que melembro é de estar na parte de trás da limusine de Tony rumo a um estúdio em Los Angeles, ondeele queria me mostrar e tocar essa “ideia para uma música”, mas estava tendo problemas emterminar sem um vocalista e algumas letras. Quando ele apertou o play no console, não pudeacreditar no que estava ouvindo! Essa não era uma ideia improvisada que ainda precisava de umatonelada de trabalho. Este era, de pleno direito, o bestial SABBATH!

Começava melancólica e incandescente, violões ágeis, realçados por trechos mágicos deguitarra. Então, de repente, após cerca de 40 segundos, lá estavam, saindo dos alto-falantes comouma tempestade de relâmpagos, os derradeiros riffs monstruosos. Nenhum outro guitarrista nahistória do rock poderia ter surgido com algo parecido. Pesado, puro, mas ainda brilhando comoum farol. Antes que a música tivesse chegado à metade, antes que Tony pudesse perguntar o queeu estava pensando, já estava rabiscando as palavras que me vieram imediatamente.

“In the misty morning, on the edge of time, we’ve lost the rising sun, a final sign…”65

Então eu estava cantando no microfone, Tony rolando o som, um sorriso enorme estavaesculpido em seu rosto. Era a primeira coisa que Tony e eu escrevíamos juntos, e era uma dasmelhores. Chamamos de “Children of the Sea” e, da primeira vez que reproduzimos a demo, nasprimeiras horas da manhã seguinte, nós dois sabíamos. Isso é o que faríamos a seguir, acontecesse oque acontecesse.

No início, a conversa era eu trabalhar com Tony em seu álbum solo. Essa noção foirapidamente dissipada à medida que criamos juntos mais e mais músicas incríveis. Com Ozzydefinitivamente fora e Geezer começando a voltar de sua crise familiar, Tony e Bill deram opróximo passo lógico e me convidaram para entrar no BLACK SABBATH. A verdade é que ele nuncaquis terminar o SABBATH. Ele simplesmente não conseguia ver como poderiam continuar semOzzy.

Admito que, de início, evitei a expectativa. Estava desesperado para fazer minhas própriascoisas novamente, depois de anos trabalhando sob as leis de Ritchie Blackmore. Eu também nãotinha certeza de como diabos deveria substituir Ozzy Osbourne no BLACK SABBATH.

Diferentemente dos anos seguintes, quando grupos como VAN HALEN, BAD COMPANY, IRON

MAIDEN, e até mesmo QUEEN, conseguiram trazer um novo frontman impunemente, no final dosanos 1970, a ideia de uma banda mundialmente famosa, como o SABBATH, substituir seu frontmanera considerado impensável. LED ZEPPELIN sem Robert Plant, ROLLING STONES sem Mick Jagger?Sacrilégio.

O fato de eu já ser bem conhecido do público do rock, como o cantor do RAINBOW, era umafaca de dois gumes, a meu ver. Eu poderia, no fim, afastar tanto os fãs do SABBATH quanto doRAINBOW. Por outro lado, na opinião de Tony, trazer um novo vocalista, do qual ninguém nuncatinha ouvido falar, era um risco muito maior. Tony me disse que tinha certeza de que eu era capazde ser o substituto. Bem, vocalmente, com certeza. Ozzy era um grande frontman, mas um grandecantor? Não muito. Mas Ozzy era o SABBATH, no que dizia respeito às legiões de fãs em todo omundo. Como eles iriam gostar do cara americano do RAINBOW, não importa o quão bem eupudesse cantar?

Alguém que, definitivamente, não achava que eu estava à altura do trabalho era Don Arden,que enlouqueceu ao descobrir o que Tony tinha feito, ameaçando com todo o tipo de retaliação.Don sabia muito profundamente, no entanto, que a situação com Ozzy não era mais sustentável.Também fazia anos que aquela formação não tinha um recorde de sucesso nos Estados Unidos. Acerta altura, até sugeriu que eu compusesse com Tony e cantasse no álbum, mas que levassemOzzy para uma turnê.

Quando Tony disse a Don onde ele poderia enfiar aquela ideia estúpida, aquilo foi o fim doSABBATH, no que dizia respeito a Don. Ele cancelou o aluguel da casa que estava alugando para elese vendeu o contrato de gestão empresarial para um cara chamado Sandy Pearlman, entãoempresário do BLUE ÖYSTER CULT, uma das muitas bandas americanas dos anos 1970 a serdiretamente influenciada pelo pioneirismo do SABBATH. Ele então disse a Sharon para começar acuidar de Ozzy como um artista solo: o início de uma estrada longa e incessantemente sinuosa quemerece um livro próprio.

Porém, para ser justo com Don, eu também ainda não estava inteiramente convencido. O queinclinou minha mão no final foi a absoluta qualidade das canções que Tony e eu estávamoscompondo. Isso, mais o fato de que Tony me garantiu que não seria como a minha situação noRAINBOW, onde Ritchie era o chefe e ponto-final. Se eu me juntasse a ele no SABBATH, seria comoum parceiro com voz em pé de igualdade, tanto musicalmente quanto ao que dizia respeito aosnegócios.

O argumento decisivo, em verdade, foi quando Wendy pegou e me disse com toda franqueza:“Ronnie, temos menos de 800 dólares no banco, precisamos fazer alguma coisa!”.

Wendy estava certa, é claro. Sempre estava. Liguei para Tony: “Ok, cara, tô dentro. Quandocomeçamos?”.

Wendy Dio: Alugamos essa casinha em Encino. Tinha apenas dois quartos, e talvez dez pessoas morando lá, além de

nossos dois cachorros e um gato. Mas havia uma piscina enorme no quintal e o clima era tão agradável, que vivíamos,principalmente, por lá.

Financeiramente, foi difícil até Ronnie conseguir os shows com o SABBATH. Oh Deus, estávamos tão felizes! Ele

recebia 800 dólares por semana, acima dos 150 dólares no RAINBOW. E, dessa vez, ele se certificou de que era ummembro igual, compartilhando tudo – composição, vendas de discos, receita de turnês –, ou então não teria entrado.

Porém, Ronnie quase estragou tudo antes mesmo de começar!

Foi pouco antes de partir para Miami e começar a trabalhar em seu primeiro álbum no SABBATH. Ele tinha ido aoRainbow on Sunset com Mark Nauseef, seu velho amigo de Cortland. Eu tinha ido lá para encontrá-lo e ele demoroumuito para chegar. Aconteceu uma espécie de grande tumulto e fiquei, tipo, o que está acontecendo? Então alguémdisse que eu devia ir lá fora; Ronnie estava com problemas. Corri para fora e lá estava Ronnie, sentado com Mark nocarro, cercado por policiais!

Acontece que Mark foi ao dentista naquele dia e conseguiu uma receita para adquirir cocaína, um produtofarmacêutico puro que você só pode obter de médicos. Ronnie nunca usou drogas pesadas. Fumava maconha. E sóisso. Quando Mark disse a ele: “Aqui, você devia experimentar esta coca que eu trouxe”, Ronnie disse: “Não, não”.Mas Mark disse: “Vai fundo, pega e experimenta”. Então Ronnie abaixou a cabeça, cheirou uma carreira e, enquanto ofazia, uau! Tinha um carro de polícia e policiais, logo em seguida Ronnie e Mark estão sendo presos.

No momento em que cheguei lá fora, Ronnie estava algemado e sentado na parte de trás do carro da polícia.Mark tinha uma receita médica para aquilo, então o deixaram ir, mas Ronnie foi jogado num carro da polícia bem nasaída do Rainbow. A janela do lado dele estava abaixada e eu corri para dar-lhe um belo esporro. Faça chuva ou façasol, eu estava com Ronnie, para o que desse e viesse, nos bons e maus momentos. Até parece que nossaspreocupações tinham acabado, não é mesmo?

Comecei a gritar com ele. “Você acabou de conseguir um emprego no BLACK SABBATH e já vai foder com tudo! Vocêé um puta de um cuzão, babaca! Um merdinha!” Um policial, que viu o que estava acontecendo, aproximou-se e disse:“Vou mandá-lo para casa com você. Acho que você vai dar a ele uma punição muito pior do que a que daríamos”. Comisso, o soltaram. E, sim, a minha punição foi muito pior! Ele nunca mais tocou em cocaína ou qualquer outra coisa,exceto, talvez, um pouco de maconha de vez em quando.

Chamamos o álbum de Heaven and Hell, em tributo a uma das melhores canções, dentre asnovas, que Tony e eu criamos juntos. Gravamos em Miami, no estúdio Criteria, dos BEE GEES.Alugamos a casa e o estúdio, e Tony e Bill vieram. Não convencido pela insistência de Tony emsacar Ozzy da banda e se divorciar de sua primeira esposa, Geezer só apareceu mais tarde nassessões. Por um tempo, toquei algumas das partes do baixo. Também sugeri, em determinadomomento, que trouxéssemos Craig Gruber, mas o show seria sempre de Geezer se ele aindaquisesse, e quando ele finalmente se juntou a nós, foi melhor para todos.

Outra sugestão que dei, e funcionou espetacularmente bem, foi contratar Martin Birch paraproduzir o álbum. Ritchie tinha retirado Martin da equipe do RAINBOW. No caso de Martin, eradifícil não deduzir que seu recente envolvimento como produtor nos primeiros discos doWHITESNAKE, de David Coverdale, podia ter algo a ver com a decisão de Ritchie. Seja qual for omotivo, fiquei encantado por nos reunirmos para trabalhar em nosso primeiro álbum do BLACK

SABBATH. A banda não trabalhava com um produtor externo há muitos anos, e senti que ajudaria aatualizar o som trabalhando com alguém do calibre de Martin.

Todos os dias íamos para o estúdio às 6h da noite, para trabalhar e tocar até as 6h da manhãseguinte. A casa era linda, bem à beira-mar. Colocamos a bateria de Bill em um grande corredor.Imediatamente, depois de encontrar nosso ritmo com “Children of the Sea”, Tony e eu

começamos a curtir. Em seguida, veio um rock fantástico chamado “Neon Knights”, que Tonydescreveu como “nossa faixa mais viciante desde ‘Paranoid’”. No minuto em que a compusemos,sabíamos que era aquela com a qual abriríamos o álbum.

Em seguida, rolou a faixa-título, “Heaven and Hell”. Novamente, foi um lance com o qualTony e eu ficamos imediatamente animados. Ao contrário de Ritchie, que agora queria fugir dotipo de contos épicos que eu queria falar, Tony abraçou totalmente todas as ideias líricas que tive.Isso foi além do metal “medieval” dos meus dias no RAINBOW, no entanto, levou a algo que, nocontexto do BLACK SABBATH, se tornou monumental. Quando cantei “The world is full of Kingsand Queens / Who blind your eyes and steal your dreams”,66 funcionou em tantos níveis – o rocképico clássico encontra a acuidade contemporânea –, que tanto a banda quanto eu agora estávamosalcançando lugares que antes nunca tínhamos estado.

Tony me disse como ficou extremamente feliz por, finalmente, poder levar o SABBATH a umoutro patamar. Cheias de luz e sombra, faixas como “Heaven and Hell”, disse ele, pertenciam aomesmo panteão dos clássicos do SABBATH, como “War Pigs” e “Iron Man”, só que agora havia umverdadeiro sentido de melodia envolvido. Em seguida, houve outros momentos igualmenteemocionantes, como “Die Young”, outro rock impactante, mas, novamente, cheio de contrastesmusicais. Havia até uma balada, algo que SABBATH raramente tinha feito antes, a faixa deencerramento, “Lonely Is the Word”. Era musicalmente multifacetado, cheio de altos e baixos euma convicção recém-descoberta.

Uma noite, levei Wendy para comemorar num restaurante famoso chamado The Forge. Eraum lugar grande e luxuoso, então Wendy se aprumou toda, coloquei uma jaqueta e engraxeimeus sapatos. Estava me sentindo bem e queria mostrar à Wendy um momento realmente bom.No minuto em que entramos, fomos tratados como a realeza. Recebemos nossa própria salaprivada, abriram algumas garrafas de champanhe vintage e tivemos um jantar espetacular. Eu nãotinha ideia de onde tudo isso estava vindo. Será que quando fiz a reserva por telefone e dei meunome eles, de alguma forma, descobriram que Ronnie Dio era o cantor da banda que acabara detocar no grande cassino? Parecia improvável, mas o que mais poderia ser? Comecei a meperguntar secretamente quanto toda essa extravagância me custaria, mas quando finalmente pedi aconta ao maître, ele apenas sorriu e disse: “Isso é por conta, por seu tio Johnny”.

Meu o quê? Ai, cacete… puta merda! Não! Tio Johnny?Descobriu-se que o The Forge era, naquela época, um ponto de encontro bem conhecido das

celebridades e figuras do crime organizado. Quando eu lhes dei o nome “Dio” no telefone,presumiram que eu devia estar conectado, de algum modo, a Johnny Dio. Mas isso ainda nãoexplicava o reaparecimento do meu “tio Johnny” em minha vida, se bem que a uma distânciasegura.

Expliquei a história para Wendy, e ela não conseguia parar de rir. Mantive uma cara sériaquando fomos embora, olhando com rabo de olho, tentando ver se conseguia identificar meufamoso “tio”. Achei que o mínimo que podia fazer era agradecê-lo por ser um divertimento tão

bom por todos esses anos, mas, se ele estivesse lá, eu não poderia encontrá-lo. Então, em vezdisso, vou dizer por aqui: molte grazie, tio Johnny! Grazie per il regalo.

Assim que terminamos em Miami, partimos com Martin até Paris, para mixar e fazer os planosda nossa primeira turnê juntos. Eu ainda tinha minhas preocupações particulares sobre o quão bemos fãs do SABBATH aceitariam a banda comigo, e não com Ozzy. O que me motivou foi que eraum álbum fantástico, facilmente um dos meus discos favoritos entre os que já fiz. Todos ficaramtão animados quando o ouviram – empresários, executivos da gravadora, jornalistas, pessoal dorádio –, que sabíamos que tínhamos feito algo especial.

Apenas quando foi lançado, em abril de 1980, que soubemos o quão era especial, não obstante,os fãs saíram aos milhões para comprá-lo. Não foi apenas um sucesso no mundo todo: Heaven andHell é, agora, o álbum do SABBATH mais vendido de todos os tempos.

Eu ainda tinha um último desafio a enfrentar, no entanto: entrar no lugar de Ozzy para liderara banda ao vivo. Como os fãs mais ortodoxos do SABBATH se sentiriam a respeito disso? Tony e osrapazes agiram com tranquilidade, garantindo-me que não haveria nenhum problema, mas, nofundo, eu sabia, nos meus ossos, que as coisas nunca eram tão simples. Entendia que não seriaapenas uma questão de saber se eu poderia cantar as músicas, essa era a menor das minhaspreocupações. Tudo se resumiria a como me relacionaria com aqueles que eram os fãs. Ozzy podenão ter sido, absolutamente, o melhor cantor, mas sempre foi visto pelos fãs como um deles. Oque eu poderia fazer para mostrar a eles que eu era o mesmo, mas de uma forma que ainda fosseverdadeira para mim?

Finalmente encontrei a chave para destrancar aquela porta, quando estava sonhando acordadoem meu quarto de hotel uma noite, pensando em minha velha e assustadora avó siciliana e aquelesinal amedrontador com a mão, que ela costumava fazer para afastar os maus espíritos e assustar oscuriosos americanos inocentes.

A Mano Cornuta! A Mão do Demo! Foi perfeito! Ozzy sempre foi associado no SABBATH como brilho do sinal de V pela paz. Levantar minha mão com o sinal do Maloik, como minha avó ochamava, seria parecido o bastante para ecoar o famoso sinal da paz de Ozzy, mas diferente osuficiente para sinalizar claramente um novo xerife na cidade.

Funcionaria, entretanto? Havia apenas um lugar para descobrir: no palco, com o SABBATH.A turnê de 1980, Heaven and Hell Tour, começou com meia dúzia de shows na Alemanha

Ocidental. Os locais estavam lotados. Os fãs claramente amavam a banda, mesmo sem Ozzy nopalco com eles. A maioria deles estava preparada para me dar uma chance de provar meu valor;você poderia dizer por suas boas reações, e quando saíamos do palco, na maioria das noites, eurealmente sentia que estava chegando a algum lugar.

Houve alguns, porém, que se sentiram decepcionados com a ausência de Ozzy, uma penca depessoas que me mostravam o dedo do meio e berravam “Ozzy” em alguns dos primeiros shows.Engoli. Tive certeza de que, assim que nos dessem a oportunidade, eles adeririam de verdade aonovo SABBATH. Felizmente, assim que comecei a mostrar as Mãos do Demo, os fãs perceberam e

começaram a mostrá-las de volta. Apenas algumas dezenas no início, mas mais a cada noite,conforme o boca a boca se espalhava – e as críticas da imprensa musical começaram a mencionar ogesto. Logo comecei a sentir que realmente pertencia ao palco com o SABBATH.

A glória culminante veio quando estivemos em Londres, no mês de maio, para passar quatronoites no prestigiado Hammersmith Odeon. Esse foi o nosso primeiro show grande em uma dascapitais do mundo da música. Todas as quatro noites esgotaram. Todo mundo estaria lá: amigos,família, bandas – nesse caso, membros do LED ZEPPELIN, PINK FLOYD, THIN LIZZY e outros – maisos críticos, figurões da gravadora, alguns dos quais tinham vindo da América e do Japão. Isso eratudo ou nada.

Se eu estava nervoso, estava nervoso demais para notar. Tudo isso foi embora no momento emque entrei no palco e mostrei o que agora é universalmente conhecido no mundo do rock e dometal como a “saudação com chifres de diabo”. Quatro mil fãs enlouquecidos mostraram isso devolta para mim! Eu não pude acreditar! Isso sinalizou, em larga escala, a aceitação em massa pelosfãs do SABBATH. Aquele show em Londres tinha sido o melhor da turnê até agora. O segundoshow foi melhor. O terceiro foi ainda melhor do que isso, e no quarto estávamos todos voandotão alto, que, honestamente, pensei que nunca pousaríamos.

Não foi só eu. A banda inteira foi revivida. Quando entrei para o grupo, o SABBATH era umnavio fantasma. Eles não tinham um álbum no Top 10 do Reino Unido há cinco anos, nãovendiam 1 milhão de discos na América há sete anos. Heaven and Hell reverteu isso. Aquilo tornouo SABBATH relevante novamente. Isso mostrou que aqueles caras não eram um bando de músicosidiotas, que era a percepção geral antes de eu entrar, por causa dos últimos anos desastrosos comOzzy.

E o heavy metal voltou a subir um pouco. No mesmo ano, o IRON MAIDEN e o DEF LEPPARD

lançaram seus primeiros álbuns, o MOTÖRHEAD lançou seu inovador Ace of Spades, o AC/DC lançouo Back in Black e o JUDAS PRIEST lançou o British Steel. Tudo isso depois que o punk e a new wave,brevemente, assumiram o controle dos negócios no final dos anos 1970, e o rock e o metal foramdecretados mortos. Não mais. O ano de 1980 marcou o início de um grande renascimento dointeresse no modelo que duraria ao longo da década, e o BLACK SABBATH, com Heaven and Hell,estava na vanguarda disso. Ainda é o álbum que, provavelmente, tive mais orgulho de fazer.

Dali a alguns anos, o querido símbolo Maloik de minha avó se tornou uma visão comum emtodos os shows de metal, um significante cultural de algo específico para essa experiência:irmandade e rebelião, envolvidas em uma peça lindamente executada do mais perfeito gesto deexpressão já grafado. Na próxima vez que você vê-lo, pense em mim.

Se essa formação do BLACK SABBATH tivesse sido capaz de manter a boa sensação que tínhamos

ao fazer a turnê e o álbum Heaven and Hell, poderíamos ter sido a maior banda do mundo. Houveproblemas desde o começo. Você não tem uma banda que existe há tanto tempo e tem tantosucesso quanto o BLACK SABBATH sem criar algumas cicatrizes ao longo do caminho, coisas queestavam lá desde muito antes de eu me juntar a Tony. Coisas que eu realmente não pude fazernada a respeito, mas que fui capaz de deixar de lado quando o SABBATH decolou novamente aoredor do mundo.

O sucesso global de Heaven and Hell foi muito além de qualquer coisa que eu já tivesseexperimentado antes. Minha vida mudou. Meu mundo mudou. De repente, soube quem eurealmente era, como compositor e músico, como cantor e frontman. Mais crucialmente, minhavoz fora do palco começou a se equiparar com a minha voz no palco. Eu não era mais o caranovo que deu sorte de ter sua chance. Era um líder, um parceiro igual.

Compor com Tony me permitiu entrar em um território muito mais profundo, às vezes maissombrio do que com o RAINBOW. Tony estava tão animado com a nova parceria quanto eu, talvezaté mais. Ele era um diretor musical fantástico, muito dominante no palco e no estúdio, mas nãogostava das dificuldades do dia a dia, de ser o principal tomador de decisões da banda. Ficoualiviado quando assumi o papel de lidar com os empresários, o pessoal da gravadora, os promoters,os merchandisers, o pessoal de vídeo, a mídia, os fãs…

Tony e, em menor medida, Geezer tinham esta noção, a de que a banda deveria permanecerum pouco distante dos fãs, que não deveríamos dar muitas entrevistas e que era melhor dar deombros para a mídia. Não acho que eles tenham sentimentos fortes sobre isso; era mais como se,depois de todos esses anos, tivessem parado de se incomodar. Isso corria totalmente ao contrárioda minha maneira de fazer as coisas, então, mais uma vez, assumi a responsabilidade de fazer todasas entrevistas para a imprensa e o rádio. Funcionou bem assim também. Tony era genuinamente

do tipo forte e silencioso. Eu realmente era o cara que queria se comunicar com as pessoas. Depoisde cada show, eu fazia questão de ficar na saída do palco ou no ônibus da turnê, dando autógrafospor horas. Ninguém ia para casa sem um autógrafo. A moçada no ônibus ficava impaciente ecomeçava a resmungar, para que eu parasse e entrasse no ônibus para que se pudesse ir embora,mas esse nunca foi meu jeito, e eu queria especialmente que os fãs do SABBATH, que eu sabia quesentiam falta de Ozzy, entendessem que o legado do SABBATH estava em boas mãos.

O SABBATH atraía algumas reações extremas de seus fãs, no entanto. Uma vez, um cara comuma capa e uma adaga subiu no palco e tentou me esfaquear. Tony me disse que os fãs americanosforam assim durante toda a carreira. Outra vez, percebi que o Geezer havia parado de tocar. Olheiem volta e ele estava desmaiado no chão, com sangue escorrendo da cabeça. Alguém jogou umagarrafa que o atingiu e o nocauteou. Ele precisou levar treze pontos na cabeça.

E quando viajamos para o sul, na região do Cinturão Bíblico,67 tivemos toda essa genteprotestando e se manifestando nos shows, em virtude de eu ser, pessoalmente, um adorador doDiabo. Memphis, Atlanta, Fayetteville, os fanáticos religiosos estavam lá fora com tochas eforcados. Eu fui e falei com a imprensa local, também com as rádios, fiz tudo o que pude paratentar explicar que não era um satanista, mas foi uma perda de tempo. Comecei a ver por queTony tinha se cansado dessas coisas, mas eu realmente queria que esse novo SABBATH funcionassepara todo mundo, e estava preparado para fazer o que fosse necessário para que isso acontecesse.

Foi um percurso espetacular, lindo enquanto durou.

Wendy: Ronnie estava nas nuvens porque sentia que essa era sua banda agora. Quando o SABBATH chegou para aprimeira turnê pelo Japão, Ronnie foi tratado como um membro da realeza, até porque já havia estado lá, muitas

vezes antes, com o RAINBOW. Com o SABBATH, Ronnie se sentiu mais no controle. Ronnie podia parecer menor, mas sabiaexatamente como lidar com Tony e os outros britânicos ao redor da banda. Os ingleses sempre cercaram Ronnie.

Mesmo no ELF, ele tinha uma road crew britânica. Ele gostava mais da maneira como os músicos ingleses pensavamsobre a música do que do estilo chamativo dos americanos. Era mais melódico, e acho que é por isso que, mais tarde,ele quis ter músicos britânicos em sua própria banda. Era quase como se ele tivesse sido um inglês em outra vida.

Ronnie e Tony tinham um relacionamento fantástico, em termos de composição, e, com o resto da banda, emtermos de interpretação. Eram músicos geniais, todos eles. Foi uma aventura incrível e aqueles foram tempos felizes.

Tony estava de volta ao trono. No palco, era o cavaleiro das trevas lançando raios. Fora dele,colocava cobertas nas janelas na sua suíte do hotel e velas pretas, acesas dia e noite. Os roadiescostumavam chamar o quarto de Tony de Batcaverna. Ele consumia litros de suco de laranjagelado e plácidas montanhas de “neve”,68 mas Tony estava sempre ligado quando chegava a horado show. Bill, por outro lado, não estava.

Na turnê, tivemos Geoff Nicholls nos teclados. Ele tocava por trás de uma cortina lateral dopalco, ou tão distante, próximo à bateria, a ponto de você realmente não conseguir vê-lo. Geofftinha tocado no Heaven and Hell, mas ele não era um membro da banda. Era um amigo de Tony,dos dias de Birmingham, e Geoff o adorava. Muitas vezes, enquanto estava sentado no saguão dohotel esperando Tony e Geoff descerem, eu apostava com um dos road managers que Geoff estaria

vestido como Tony. Jogávamos alguns dólares na mesa, então as portas do elevador se abriam e lávinham Tony e Geoff saindo, exatamente com as mesmas roupas.

Geezer foi o único de quem realmente me aproximei, formando uma amizade que duraria paratoda a vida. Terry, seu nome verdadeiro, era uma alma inesperadamente gentil. Vinha de umapobre família católica irlandesa e não gostava de palavrões. Como eu, lia livros e era muitocriativo. Ele podia ser um patife, mas era um cara genuinamente bom.

Wendy: A estrada, mais tarde, ficaria instável por um tempo entre Ronnie e Geezer, mas, naquele primeiro ano, elesse tornaram grandes amigos. Tony morava na Inglaterra, mas Terry morava em Los Angeles. Ele e a esposa americana,Gloria, moravam em Woodland Hills. Ronnie e eu tínhamos comprado uma casinha de dois quartos, a apenas algunsquilômetros dali, em Tarzana. Nós quatro sairíamos juntos.

Os aniversários de Ronnie e Geezer são muito próximos; Ronnie é de 10 de julho, Geezer é de 17 de julho. Gloria eeu saímos juntas e, com o dinheiro deles, compramos para os meninos duas Mercedes 280 SLs. Comprei umavermelha para o Ronnie. Gloria comprou para o Geezer uma prateada. Escondemos os dois carros em nossa casa, emTarzana, com laços de presente gigantes neles, e fizemos uma grande festa de aniversário para os dois. Ronnieadorava comida indiana, assim como Geezer, então fiz curry para trezentas pessoas. Fiz um curry vegetariano, um defrango e um de cordeiro, o suficiente para todos. Ronnie e eu estávamos tão ocupados recebendo os convidados, que,no final da noite, quando fomos comer algo, e naquele momento já estávamos ambos morrendo de fome, não haviasobrado nem um pedacinho sequer.

Foi um momento tão feliz enquanto durou. Ronnie estava no topo do mundo. Mandou fazer uma placa escrita Diopara o carro, mas, depois de dirigir por duas semanas, teve que tirá-la. Aonde quer que fosse, as pessoas buzinavam e

lhe faziam o sinal do Maloik.

A única situação realmente desafiadora surgiu com Bill Ward. Acredito que Bill nunca tenhasuperado o Ozzy sendo forçado a sair da banda. Ele e Ozzy eram melhores amigos no SABBATH.Eu compreendia, pois foi como me senti – em conflito – quando meu melhor amigo noRAINBOW, Jimmy Bain, foi expulso, e Jimmy e eu estávamos em uma banda há apenas alguns anos.Bill e Ozzy eram amigos desde o início do SABBATH, no final dos anos 1960.

Ao contrário do RAINBOW, para o qual as pessoas iam e vinham, Ozzy foi o primeiro daformação original a deixar o SABBATH. Tony não se importou. Ele enxergava o trabalho comigocomo a melhor maneira de transformar o SABBATH em algo maior e melhor. O Geezer demoroumais para se decidir. Achava que se livrar de Ozzy era uma grande aposta, mas uma vez queGeezer viu como a banda estava rejuvenescida e o impacto que Heaven and Hell tinha causado, eledefinitivamente pulou para dentro. Mas aquilo tudo atingiu Bill gravemente. Minha impressão,porém, foi que Bill vinha sofrendo há muito tempo. Ele é o primeiro a falar abertamente sobre osproblemas que estava tendo com drogas e álcool naquela época, mas mesmo isso parecia apenasdar uma dica do que quer que o estivesse deixando para baixo. Ele ainda era um bateristafantástico, de uma geração brilhante de bateristas de rock ingleses que incluía Cozy Powell, JohnBonham, Ian Paice e Keith Moon. Mas, naquele instante, Bill estava com problemas. Você nuncasabia qual cara ia aparecer, o cara louco ou o cara triste. Sinceramente, acho que nunca vi,realmente, o cara feliz.

Estávamos ensaiando nesse cinema abandonado em Londres, quando vimos pela primeira vez oclipe do single “Neon Knights”. Sentamo-nos nas cabines assistindo à reprodução no telão. Eraum vídeo de uma apresentação, bastante direto. Então Bill começou a gritar de repente: “Oh, quelindo! Isso é lindo pacaralho!”. Então ele se levantou, começou a rasgar os assentos e jogá-los paratodo o lado. Quando finalmente saiu da sala, ainda gritando sobre quão “lindo pacaralho!” o vídeoera, caí sentado de espanto. Tony e Geezer tinham visto tudo claramente antes, mas eu não sabiabem como reagir. Mais tarde, descobri que a amada mãe de Bill havia morrido poucos dias antes,e ele estava em uma bebedeira intensa, desde então. Pareceu-me, porém, que Bill estava afogadoem bebida por muito mais tempo do que isso. Ele era como um animal ferido.

Ainda eram dias em que músicos de rock drogados e magoados podiam ser vistos em qualquerbanda importante. Contanto que eles ainda pudessem fazer seu show. Essa era a atitude. Entãoseguimos em frente com Bill. Uma vez que estávamos na estrada, de qualquer maneira, não haviacomo escapar. Algumas noites, Bill era incrível, contudo havia dias em que ele realmente mepreocupava.

Tínhamos tocado quase todas as noites, por três meses, quando começamos nossa primeiraturnê americana, em julho de 1980. Tendo decidido que não aguentava mais voar para shows,nem mesmo no avião particular da banda, Bill estava viajando em um trailer com o irmão bêbado,a esposa, o filho, o cachorro e tudo o mais, o que significava que ele nunca realmente largouaquela bolha de drogas em que estava, exceto para subir no palco. Foi um pesadelo. Acima detudo para Bill.

O SABBATH era grande na maior parte da América, mas variava. Éramos grandes em NovaYork, mas nem tanto em L.A. Estávamos há duas semanas, em uma turnê de arena, dividindo opalco com o BLUE ÖYSTER CULT – shows anunciados como Black & Blue Tour – quandodecolamos para tocar em algo chamado Summer Blowout Festival, no LA Memorial Coliseum,com capacidade para 90 mil pessoas. Éramos a terceira banda, atrás do JOURNEY, que havia apoiadoo SABBATH em 1977, e os headliners CHEAP TRICK, com quem eu havia feito turnê quando cantavano RAINBOW. No dia seguinte, aparecemos no festival II Day on the Green, em San Francisco, e oJOURNEY era, agora, a atração principal, sendo o SABBATH a segunda e o CHEAP TRICK caindo para aterceira.

Era para ser um backstage amigável. Linda Blair, que era a estrela adolescente de O exorcista,passou por nós. Ela estava saindo com um dos caras do MOLLY HATCHET, que também estava noprojeto. Bill gritou para ela: “Sua mãe chupa rola no inferno!”. Era uma daquelas piadas semgraça. Não saiu tão engraçada, quanto grosseira e desnecessária.

Essa foi a noite em que Bill saiu da banda – “Para sempre!” Isso resultou em uma semana deshows cancelados, antes que Bill concordasse em voltar. Conseguimos mais uma semana de shows,antes de Bill resolver sair novamente. Só que, dessa vez, ele se esqueceu de nos dizer.

Foi na noite anterior à nossa estreia, na McNichols Sports Arena, em Denver. Falo sobre umdetonador. A McNichols tinha 18 mil lugares e estavam esgotados há semanas. Depois de mais

uma semana de shows cancelados, quando Bill não voltou dessa vez, fomos forçados a encontrarum novo baterista. Sugeri que falássemos com Cozy Powell, que havia acabado de sair doRAINBOW alguns dias antes, mas talvez fosse muito cedo para Cozy ou ia criar um grandedesconforto preencher a vaga no SABBATH com um segundo ex-integrante do RAINBOW.

Então Tony sugeriu um nova-iorquino de 22 anos chamado Vinny Appice. Vinny era o irmãomais novo do ex-baterista do VANILLA FUDGE e de Rod Stewart, o Carmine Appice. Ele tinhaestado na banda de Rick Derringer e outras, e Tony era fã de um álbum da própria banda deVinny, AXIS. A ideia era que Vinny substituísse Bill, até que ele pudesse retornar, mas quanto maisa turnê durava, mais se tornava óbvio que Bill não voltaria. Foi quando Vinny se tornou ummembro permanente.

Um sonho meu que se tornou realidade foi quando o SABBATH estampou os letreiros doMadison Square Garden, em outubro. Pensei naqueles dias, vinte anos e várias vidas atrás, quandopassava pelo Garden, olhava para qualquer nome que estivesse na marquise e fantasiava ver meupróprio nome lá em cima. Eu ainda não tinha meu nome lá em cima, mas minha banda, sim.

Foram 19.900 pessoas que compareceram e foi eleito o show de maior bilheteria dos EUAnaquela semana, segundo a Billboard. Finalmente consegui cantar no MSG. O show em si não foiperfeito. Lembro-me de ter arrumado confusão com Sandy Pearlman nos bastidores, mas isso foideixado para trás assim que entrei no palco. Foi um grande momento para mim.

Foi ótimo também estar na banda em sua primeira turnê no Japão. Com o RAINBOW, meacostumei a ser a atração principal, com 15 mil pessoas no Budokan. Com o SABBATH, fizemosuma série de shows menores em Tóquio, Kyoto e Osaka. Então fizemos uma semana deapresentações de tamanho semelhante, em Sydney.

Demitimos Sandy, um pouco depois, e assumi o papel de empresário até que pudéssemosdescobrir algo quando a turnê terminasse. Foi nessa época que ganhei por aí minha reputação denão levar desaforo para casa. Era verdade, fiquei muito mais assertivo. Precisava ser. O SABBATH eraum navio fantasma quando entrei. Eles precisavam desesperadamente de um capitão, e eu estavamais do que feliz em assumir essa responsabilidade, antes de perceber o quão profundos alguns dosproblemas eram e como alguns deles se revelariam impossíveis de resolver.

Enquanto isso, tínhamos um segundo álbum para gravar. Para o primeiro, Tony e euescrevemos em um ambiente controlado, em uma sala de estar com pequenos amplificadores.Abordamos a composição de forma muito diferente para esse. Alugamos um estúdio, aumentamoso volume o máximo possível e botamos para quebrar. Você poderia dizer que se criou um tipodiferente de atitude.

Geezer agora estava envolvido e, quase inevitavelmente, mudou a química que Tony e euapreciávamos ao trabalhar sozinhos. Ficou óbvio que Geezer queria se envolver novamente naescrita das letras. Ao longo da era Ozzy, embora Ozzy tenha criado suas próprias melodias vocais,Geezer quase sempre escrevia os versos. Você só precisa ler as composições de clássicos como“War Pigs” ou “Children of the Grave” para apreciar o quão bom o Geezer é, mas eu tinha

escrito todas as letras do Heaven and Hell, e sempre escrevi minhas próprias canções. Nuncaprecisei de um coescritor. Não era agora que ia precisar. Geezer e eu éramos amigos, mas foi nesselugar que entrei com Tony e o SABBATH: trouxe a voz, as melodias vocais e as palavras. Isso abriuuma barreira entre nós. Acabaríamos superando isso, mas, por enquanto, era uma ferida que serecusava firmemente a cicatrizar de modo completo.

Tony fingiu não notar nenhuma mudança. Ele conhecia e vinha trabalhando com Geezerdurante toda a sua carreira; obviamente, tinham um vínculo muito mais profundo. Isso nãoimportava quando começamos a escrever juntos. E, embora ainda trabalhássemos bemconjuntamente, senti Tony se afastando de mim; no começo, um pouco; depois, muito.

A queixa de Tony dizia respeito a um contrato solo que eu havia assinado recentemente. Apóso sucesso de Heaven and Hell, a banda conseguiu renegociar um acordo melhor com as nossasgravadoras, Warner Bros., na América, e Polygram, na Europa. O negócio que eles fizeram incluíaa oferta de um contrato solo para mim. Não era um grande negócio, em termos financeiros, e nãohavia discussão sobre tentar me transformar em uma estrela solo. Foi um acordo amoroso, quedeveria me dar espaço para fazer meu próprio álbum em algum momento no futuro, em algumlugar entre os compromissos do SABBATH. Meu primeiro pensamento foi fazer um álbum meapresentando com todos os meus amigos, como Kerry Livgren, do KANSAS; os caras do ELF, DavidStone, Skunk Baxter; e outras pessoas com quem tinha tocado antes de conhecer Tony. Seria umálbum divertido, um dia. Tony não via dessa forma. Ficou lívido por terem me oferecido oacordo. Isso bagunçou sua cabeça, e a cabeça de Tony já estava se dividindo em átomos naqueleponto.

A primeira faixa que gravamos foi “The Mob Rules”, que, afinal, deu nome ao álbum. Tony eeu tínhamos criado um dos nossos melhores rocks na antiga casa de campo de John Lennon, naárea rural de Tittenhurst Park, perto de Ascot: a famosa casa branca em que eles fizeram efilmaram o álbum Imagine. Estávamos pensando em ideias numa música que fomos convidados afazer para a trilha sonora de um filme de animação que vinha sendo realizado, Heavy Metal,estrelado por John Candy. O filme seria uma bomba, mas a faixa era mais brutal que um tiro deescopeta.

Fizemos o resto do álbum no Record Plant, em L.A. Martin estava produzindo novamente ehavia uma grande energia em muitas das músicas, mas não podíamos escapar da ideia de que essaera a sequência de Heaven and Hell e tínhamos muito para entregar. Admito que “Turn Up theNight” foi uma tentativa subconsciente de criar a segunda parte de “Neon Knights”. “Voodoo”foi concebida, de certa forma, como a “Children of the Sea” desse álbum. A melhor faixa era“Sign of the Southern Cross”, que, para mim, era uma das melhores coisas que já fizemos, pau apau com “Heaven And Hell”, talvez um degrau ainda mais alto.

Quando o Mob Rules foi lançado, em novembro de 1981, não conseguiu repetir o sucesso deseu antecessor, alcançando o 12º lugar na Grã-Bretanha e, mais uma vez, chegando ao Top 30 naAmérica. As críticas foram mais variadas. Quem gostou, gostou muito. Aqueles que não

entenderam apenas deram de ombros. Para mim, continua sendo um dos melhores álbuns que jáfiz.

De volta à turnê, o SABBATH estava tão procurado quanto antes. Fizemos outro show noMadison Square Garden e esgotamos a LA Arena e o LA Forum. Fizemos turnês, de novembro de1980 até agosto de 1981, principalmente na América. Estávamos num bom ritmo. No final,porém, senti que estávamos andando no ritmo errado e poderíamos nos esborrachar.

Eu estava me sentindo cada vez mais afastado de Tony e Geezer. Eu gostava de fumarmaconha, de vez em quando, e beber cerveja, mas não cheirava pó e não tinha tempo para asdrogas pesadas. Tony e eu podemos ter nos dado bem quando estávamos tocando ou escrevendojuntos, mas socialmente estávamos em polos opostos agora.

Vinny era, naquele instante, meu melhor amigo. Ele era do Brooklyn. Éramos ambos nova-iorquinos. Gostávamos muito dos mesmos alimentos. No final da turnê, depois do show, Vinny eeu íamos embora em um carro, Geezer e Tony iam em outro.

Tony e eu tínhamos começado a discutir muito, até que acabamos gritando um com o outro.O nível de desconfiança mútua estava fora de controle. No verão de 1982, durante uma pausa naturnê, começou a mixagem daquilo que se tornou Live Evil, um álbum duplo, ao vivo, daí que ascoisas finalmente desabaram.

De acordo com a lenda, uma grande fratura foi causada quando Vinny e eu, supostamente,entrávamos no estúdio sempre que Tony e Geezer não estavam lá, a fim de trazer os vocais e abateria mais para cima na mixagem e empurrar as partes de Tony e Geezer para baixo. Nada dissoé verdade. A própria sugestão de que eu faria algo assim é ofensiva. A verdade é que Tony eGeezer se tornaram animais noctívagos. Estávamos agendados, todos os dias, para começar atrabalhar às 2h da tarde no estúdio, mas Tony e Geezer podiam aparecer somente à noite. Nãogosto de perder tempo, então começava a trabalhar. Se houvesse quaisquer interferências,quaisquer coisas teriam acontecido após eu deixar o estúdio. Tony e Geezer estariam lá sozinhos anoite toda.

Essa não é a questão. O verdadeiro problema, como Tony e Geezer mais tarde insistiriam naimprensa, era o medo que compartilhavam de que eu estivesse tentando dominar a banda. Isso nãopoderia estar mais longe da verdade. Sim, eu tinha dominado todas as áreas em que nem Tonynem Geezer se importavam em estar envolvidos – todas as coisas que acontecem fora do estúdio –,mas quando se tratava de música, eu era a mesma pessoa que, antes de tudo, Tony ficara tãoencantado a ponto de se conectar.

Anos mais tarde, depois que todos seguimos em frente com nossa vida, concordamos que acoisa toda era o tipo de tragédia que afligia muitas bandas de rock. Na época em que os músicosainda pensavam em drogas, tipo a cocaína, como uma “ferramenta criativa”. Embora, novamente,não tenha sido apenas pelo fato de Tony, em particular, ter ficado temporariamente cego pelaneve.69 Era toda a história complicada do passado do SABBATH junto com minha própria e profundadeterminação de nunca me permitir ser comandado da maneira que se deu minha trajetória no

final do meu período no RAINBOW.O resultado final foi um álbum duplo ao vivo, com o qual tive pouco a ver e, também, o

desapontamento quando, finalmente, soube o que tinham feito com ele. Além dos meus vocais, amaior parte foi reforçada por overdubs de estúdio. Você mal conseguia ouvir a multidão. Paramim, foi uma oportunidade perdida de deixarmos um marco real do nosso período juntos, comouma das melhores bandas ao vivo de todos os tempos. Em vez disso, quando foi lançado, emdezembro de 1982, eu já tinha saído do SABBATH. A gota d’água, para mim, foi quando soube queTony tentou me proibir de entrar no estúdio. Tentei falar com ele sobre isso, mas se escondeu demim. Esse era o mesmo Tony com quem eu havia desencadeado a ressurreição do SABBATH apenasalguns anos antes.

Geezer me ligou, incitado por Tony, para dizer: “Não acho que isso esteja funcionando. Nósrealmente queremos que Tony produza o álbum por conta própria”. Era um código para: eles nãome queriam mais por perto.

Eu disse: “Então, se vocês não querem que eu me envolva com esse álbum, está sendo ditoque acabou?”.

Geezer disse: “Bem, assim, hm… sim, acho que é isso”. Eles nunca podem simplesmente dizera você diretamente. Foi tudo um dispositivo para me forçar a sair. Como antes, com Ritchie e oRAINBOW, eu já estava na metade do caminho até a porta quando ligaram.

Poderíamos ter sido os melhores do mundo e, se não conseguíssemos isso, poderíamos pelomenos nos separar como amigos, até mesmo irmãos. Em vez disso, nossos relacionamentospessoais haviam se degradado a ponto de, acrescentando de insulto a injúria, eles deliberadamenteme creditarem no encarte do Live Evil simplesmente como Ronnie Dio. Sabiam que eu sempreusava meu nome completo. Eles fizeram isso apenas por serem uns merdas.

Você conhece aquela expressão “Quando uma porta se fecha, abre-se uma janela”? No início de

1983, senti como se aquilo tivesse acontecido comigo; duas vezes! A porta bateu na minha cara,primeiro, por Ritchie Blackmore, e, depois, por Tony Iommi. Dessa vez, decidi, e teria a malditacerteza, que faria com que isso nunca acontecesse novamente, retomando as rédeas do meupróprio destino e montando meu próprio grupo.

Comecei 1983 cheio de otimismo com minha nova banda e tristeza pelo que acabara deacontecer com o SABBATH. Não fiquei feliz com a forma como tudo terminou, mas me sentiorgulhoso do que havia conquistado. Dei tanto ao SABBATH quanto o SABBATH deu a mim,provavelmente, mais ainda.

Enquanto isso, o contrato solo que assinei no ano anterior me deu uma vantagem. Mesmo semisso, porém, eu sabia o que tinha que fazer. Em vez de planejar um álbum solo mais alternativo,em outra via, que tinha sido a ideia original, mudei a chave e investi todo o meu tempo e a minhaenergia para criar uma banda que pudesse competir com a música que trabalhei tão duro paracocriar no RAINBOW e no SABBATH, e então passar para o próximo nível.

Vinny Appice saiu do SABBATH e se juntou a mim em minha nova grande aventura. Essa foiuma jogada ousada para um garoto na casa dos 20 anos: ficar com a banda, mundialmente famosa,como atração principal ou se arriscar, em uma situação totalmente nova, comigo. Levei Vinnypara jantar no Rainbow e contei-lhe tudo. Ele era como um irmão mais novo para mim e, maisdo que qualquer outra pessoa, tinha visto exatamente como as coisas tinham acontecido noSABBATH. Eu não o teria culpado, caso tivesse escolhido ficar onde estava. Vinny disse que queriaentrar e ponto-final. Ele começou a frequentar a casinha em Tarzana (sim, ela tem o nome deTarzan – Edgar Rice Burroughs escreveu lá os romances originais de Tarzan) e tocávamos emuma pequena cabana de madeira nos fundos: Vinny, na bateria; eu, no baixo, sentado em umbanquinho, cantando junto. Eu já tinha “Holy Diver”, que começou como algo que estava

pensando em levar para o SABBATH, e alguns outros riffs, como aquele que transformei em “Don’tTalk to Strangers”. Nós as gravamos em fita cassete, e algumas delas acabaram no primeiro álbumdo DIO.

Eu escolhi “Dio” como o nome porque queria construir uma banda, não uma carreira comocantor solo. O pessoal da gravadora, originalmente, queria que saísse como Ronnie James Dio,mas isso não parecia certo para mim. A escolha deles assegurava que pudesse rotular na capa: “ex-cantor do BLACK SABBATH, Ronnie James Dio” ou “Ronnie James Dio, o cantor que esteve noRAINBOW”. Eu não queria ser conhecido a partir dos lugares em que estive. Queria estar em umanova banda, construída à minha própria imagem, não a de outra pessoa, para mostrar aos fãs doRAINBOW e do SABBATH do que eu era realmente capaz quando finalmente me livrasse das algemascriativas.

Wendy: Era mais fácil chamar a banda de DIO. Além disso, com todo o respeito, era o nome de Ronnie que venderia oálbum. A gravadora não apoiou a ideia em tudo. Tínhamos que fazer o que fosse necessário para que isso acontecesse.Se funcionasse, todos se beneficiariam, e foi exatamente o que aconteceu.

Ronnie era um líder nato. Sempre havia um pouco mais de tensão no ar quando Ronnie entrava no estúdio deensaio. Ele era, definitivamente, o chefe. Eles ganhavam 500 dólares por semana para ensaiar, quando começaram abanda. Em seguida, recebiam 700 dólares, semanalmente, quando começaram a viajar. Então subiu para 1.700 dólarestodas as semanas, independentemente de o grupo trabalhar ou não. Ronnie sempre cuidou de sua banda. Quandoforam ao Japão, Ronnie deu, a cada um, 5 mil dólares. Fico brava, hoje em dia, quando certos ex-membros reclamamsobre o quanto recebiam. Tenho todos os recibos e a papelada para provar o quão bem Ronnie cuidou deles. Vivian,até hoje, ainda recebe cheques gordos de royalties para o punhado de canções que ele compôs com Ronnie.

Primeiro, porém, havia aspectos práticos com os quais lidar. Quando saí do SABBATH, não eraum sem-teto e estava quebrado, como tinha sido quando saí do RAINBOW, mas ainda não era umhomem próspero. Teríamos que hipotecar, mais uma vez, nossa casa em Tarzana para financiar oDIO. Eu tinha meu contrato solo, mas era tudo o que tinha. Wendy e eu discutimos isso econcordamos que não poderíamos sentar e esperar que o selo investisse pesadamente na novabanda. Teríamos de provar a eles que éramos sérios primeiro, colocando o nosso próprio dinheironisso. Foi um grande risco. Era caro colocar algo na estrada que pudesse competir com o que eufazia no RAINBOW e no SABBATH. Eu não podia permitir que o DIO parecesse menos. Wendy sabiaque eu tinha que começar bem no topo, não voltar, como se estivesse no fundo do poço. Eu nãoestava mais pedindo permissão a ninguém. Estava pronto para ir à guerra.

Foi nessa época que Wendy se tornou oficialmente minha empresária e, portanto, empresáriada banda DIO. Wendy cuidou do lado financeiro das coisas para mim durante anos. Quando pedi aela para deixar sua vida para trás e vir comigo em uma turnê com o RAINBOW, me disse: “Nãoposso fazer isso. Tenho que trabalhar, porque gosto do bom e do melhor; é o que faço, estouacostumada a pagar pelo bom e pelo melhor”. Eu disse: “Bem, você apenas cuide do dinheiro.Não me importo com grana”. Ela aprendeu o resto por meio de nossas experiênciascompartilhadas nos dez anos anteriores. Nunca teve vergonha de falar abertamente, nem mesmo

com Ritchie. Wendy conhecia suas coisas.Ela já havia se ramificado como empresária com a banda ROUGH CUTT, então, se preparar para

gerenciar a banda parecia a melhor ideia, especialmente considerando que eu estava apostandotodo o nosso futuro financeiro nisso. A partir daquele momento, Wendy tornou-se minha vozlonge do microfone. Eu dirigia a música. Ela, o negócio. Como minha esposa, Wendy semprecuidou de mim como uma mãe-loba protegendo a matilha. Como gerente, tornou-se um cão deataque.

Tudo de que precisávamos agora era o resto da banda. Colocamos as antenas de fora em L.A.,na busca de um guitarrista. Um dos primeiros que testamos foi um garoto de 25 anos, chamadoJakey Lou Williams, que logo se tornaria mais famoso, ironicamente, na banda solo de OzzyOsbourne, como Jake E. Lee. Ele havia trabalhado na ROUGH CUTT, que Wendy havia começadoa empresariar recentemente. Jake era claramente talentoso e tocamos por um tempo, mas eusimplesmente não tinha certeza. Ele não era uma pessoa fácil de se conhecer. Além disso, eu jáhavia decidido que queria tornar a banda mais internacional, não apenas uma banda americana.Para mim, era aquele combo do RAINBOW e do SABBATH que realmente fez a mágica. Jake era umguitarrista chamativo. Os guitarristas ingleses tendiam a ser mais melódicos. Wendy costumavabrincar e dizer que era quase como se eu tivesse sido um britânico em outra vida.

Wendy sentiu pena do pobre Jake quando decidi que com ele não daria certo. Agora ele nãotinha um show. Ela acabou levando-o para a audição de Ozzy. Contou a Sharon sobre ele efuncionou muito bem.

Agora que eu sabia o que não queria, tinha uma ideia muito mais clara do que pretendia: umabanda mesclada entre americanos e britânicos. Foi com esse objetivo que voei com Vinny paraLondres. Dividimos um quarto no Royal Garden Hotel, em Kensington. Vinny nos chamava deCasal Estranho, porque eu gostava de ler na cama à noite antes de dormir e ele não suportava a luzacesa. Era inverno, e Londres parecia estar especialmente fria. Não conseguíamos aquecer o quartodo hotel, então Vinny usava o secador de cabelos para tentar aquecer o quarto. Rimos muito dissopor toda a viagem.

Eu tinha alguns portos de escala em mente. Ao mesmo tempo, com a cena britânica de rock emetal explodindo naquele momento, parecia uma boa hora para sair e pegar algumasapresentações, ver o que estava acontecendo. Em nosso primeiro dia, compramos uma revista demúsica e verificamos o guia de shows. Isso não acabou bem. Fomos a um clube para checar umguitarrista, mas era uma banda de reggae e o cara tinha dreadlocks. Era um bom músico, mas nãoera exatamente a música ou a imagem que eu procurava.

Na noite seguinte, saímos para jantar com Bob Daisley, comemos um curry e tomamosalgumas cervejas perto do apartamento de Bob, em Westbourne Grove. Queria falar sobre apossibilidade de Bob entrar como baixista. Bob era mais do que apenas um baixista, como provouquando se juntou à banda de Ozzy e coescreveu a maior parte do material dos primeiros álbunssolo do Ozzy. Desde então, saiu e se juntou ao URIAH HEEP, mas ouvi dizer que ele podia estar

tentado a algo um pouco mais emocionante. Por acaso, Bob tinha acabado de concordar emtrabalhar com Ozzy novamente em seu próximo álbum solo. Além de um ótimo curry, não haviamuito mais o que discutir com Bob.

Em seguida, voltei minha atenção para outro grande baixista com quem trabalhei pela primeiravez no RAINBOW: Jimmy Bain. Depois de ser demitido do RAINBOW, Jimmy formou uma grandebanda chamada WILD HORSES, com o ex-guitarrista do THIN LIZZY, Brian Robertson. Na verdade,me levantei e cantei algumas músicas com eles em um show em Londres, alguns anos antes, e erabom estar ombro a ombro no meio de dois músicos tão extrovertidos e vibrantes. Embora nãoestivesse pensando em Jimmy e Robbo, especificamente, a linha de frente com três homens era,definitivamente, o que eu tinha em mente para a minha própria banda. Em 1983, o WILD HORSES

perdeu o fôlego e Jimmy se tornou parte integrante do time por trás do ex-vocalista do THIN

LIZZY, Phil Lynott, coescrevendo e tocando nos álbuns solo de Phil. Jimmy estava terminandoalguns dos últimos shows do WILD HORSES, na Irlanda, antes de ir para a estrada com Lynott comoseu tecladista, quando o peguei no telefone. Eu sabia que ele estava comprometido com Phil, sópensei que Jimmy talvez soubesse de qualquer novo guitarrista na cena.

O primeiro nome que ele mencionou para mim foi o de um jovem inglês endiabrado,chamado John Sykes. John era um cara de destaque na TYGERS OF PAN TANG , banda inserida nanew wave of british heavy metal. Mais tarde, ele encontraria fama no cenário americano noWHITESNAKE, mas, nesse momento, estava sendo escalado para integrar o THIN LIZZY, com quemLynott planejava fazer um último álbum.

O próximo nome que Jimmy sugeriu foi o de um desconhecido de 20 anos, chamado VivianCampbell, de uma banda da Irlanda do Norte chamada SWEET SAVAGE, que abrira para o WILD

HORSES. Embora Jimmy tenha admitido que nunca tinha ouvido Vivian tocar, disse que sabia doburburinho dos fãs sobre como o garoto era fenomenal tocando. Decidi que o avaliaria e pedi aJimmy que arranjasse uma apresentação.

No dia seguinte, Vivian voou até Londres. Aluguei um estúdio de ensaio e Jimmy levouVivian para lá. Fiquei surpreso ao ver que Jimmy também havia trazido seu baixo com ele.Presumi que fosse apenas para dar uma mãozinha. Plugamos tudo e tocamos por cerca de 15minutos e foi bom, realmente muito bom.

Vivian não sabia muito sobre o SABBATH da era Ozzy, mas havia memorizado completamente oálbum Heaven and Hell. Ficou óbvio que também era um grande fã do RAINBOW original. Deixei-o repassar seu arsenal de truques na guitarra, antes de começar a pressioná-lo por algo mais. Elevoltou um passo mais atrás e tocou licks de guitarra de Chuck Berry, uma dos fundadores do rock‘n’ roll. Foi quando eu realmente soube que ele poderia ser o cara. Ele estava inventando coisas,instigado por mim, e estava realmente começando a esquentar. No final da sessão, eu tinha abanda executando uma versão de “Holy Diver,” e novamente simplesmente decolou. Entãoseguimos e foi realmente como mágica, todos rindo e sorrindo. Você só sabe instintivamentequando tem o grupo certo de caras juntos.

Mas qual era o lance com Jimmy? Ele já não estava próximo de Lynott e da galera do LIZZY?Acho que não. Jimmy nem esperou ser convidado para entrar. Naturalmente assumiu que já estavadentro, depois de como as coisas foram bem naquela primeira noite com Vivian e Vinny. Aquilome lembrou de todas as razões pelas quais eu amei tanto estar no RAINBOW. Ele era um ótimobaixista, que também tocava teclado, guitarra, sintetizadores, além de compor e cantar. Mas, acimade tudo, era um personagem real. Diabólico em um minuto, encantador no seguinte, até mesmoum pouco perigoso, aliado a uma completa incapacidade de aceitar um não como resposta.

Liguei para Wendy com a notícia que, de certa maneira, eu tinha encontrado a combinaçãoperfeita: uma banda de rock meio americana, meio britânica, que sabia que poderia dar forma aalgo verdadeiramente único e especial. Wendy começou a trabalhar e, em dali umas semanas, anova formação de quatro integrantes do DIO estava em L.A., trabalhando no duplex Sound City,em Van Nuys: um pátio com uma sala de ensaio de um lado e um estúdio de gravação do outro.Já tínhamos “Holy Diver” e “Don’t Talk to Strangers”. As outras sete faixas foram todascompostas durante as sessões de gravação.

Costumávamos aparecer por lá todas as noites, tocando e fumando muita maconha. Apareciamos amigos. Era uma atmosfera ótima. O lugar deixou a banda fazer o que bem entendesse. Os carasfestejaram em peso e danificaram algumas paredes, acredito, e algumas máquinas de vendaautomática. Em seguida, violaram a máquina de pinball, para que não se perdesse a bola. Foi umadas vezes em que mais me diverti na preparação de um álbum, ao menos desde os dias com o ELF.Lembro-me de tocar com a banda, enquanto Jimmy estava deitado no tablado tocando baixo.Vivian nunca tinha visto nada parecido. Eu disse a ele: “Não se preocupe com isso. É assim queele é”.

Ninguém na banda tinha um centavo, então Wendy e eu bancamos tudo e todos. Elaestabeleceu, para todos nós, 500 dólares por semana, como pagamento. Todo o resto – quarto,alimentação, estúdio e custos de equipamento, quitutes, transporte – Wendy e eu cuidamos.Vinny ficou em sua própria casa em L.A., mas Viv e Jimmy tinham um apartamento espaçoso eagradável, em Oakwood Garden, pelo qual eu pagava 1.760 dólares por mês, então eles tinhamum bom lugar para viver. Todas as grandes bandas ficaram lá. Quase todas as noites, eles pareciamacabar no Rainbow, especialmente Jimmy, que rapidamente conheceu todo mundo. Viv estavacertamente recebendo uma educação profunda dos negócios da música americana.

Wendy e eu também jantávamos no Rainbow, víamos todos os malucos, passávamos o tempocom todos dos quais gostávamos, mas só sábado à noite. Nos arrumávamos e caíamos pra dentro.Mario sempre nos dava a mesa do centro, e o lugar zumbia ao nosso redor. Nos tratavam comorealeza. Wendy tinha sido uma das rainhas originais da cena, e agora ela havia retornado, em seuspróprios termos, como VIP. Wendy havia conquistado seu lugar à mesa. E eu também.

Vinny e sua linda esposa franco-canadense, Justine, costumavam se juntar a nós. Ou íamos atéa casa deles para um churrasco. Vinny e eu estávamos trabalhando duro, e, quando não estávamos,ficávamos muito bem acomodados em nossas casas. Enquanto isso, Jimmy e Viv, como de praxe,

rodavam desenfreadamente por todos os lugares mais agitados de L.A. De alguma forma, tudocriava uma genuína sensação de expectativa e empolgação todas as noites, quando entrávamosjuntos naquele estúdio de ensaio. Esse era o verdadeiro comichão, comichão que você sóconsegue por estar em uma banda.

Não pensamos demais nas coisas. No RAINBOW e no SABBATH, havia toda uma história por trásdas pessoas com quem eu estava tentando compor. Você sente que tem de fazer tudo o maisperfeito possível. Aqui, porém, apenas improvisamos e permitimos que as músicas surgissem emseu próprio tempo. Começamos com uma mistura de partes de canções mais antigas, que Jimmy eViv colocaram sobre a mesa, construídas em torno das duas canções que eu já havia escrito, ealgumas séries combinadas com as quais mexemos.

Uma dessas peças foi “Stand Up and Shout”, que abriria o álbum. Era um riff que Jimmytinha, mas que Viv sempre apontava que era semelhante a um antigo riff de SWEET SAVAGE quehavia composto. Esse riff foi apropriado de um riff de Gary Moore, então havia sete palmos dedistância. Mais tarde, alguns críticos sugeriram que o riff de “Holy Diver” não estava exatamente aum milhão de quilômetros de “Eye of the Tiger”, do SURVIVOR. Comecei essa música quandoainda estava no SABBATH. Essa levada, tipo uma marcha grandiosa, tem sido a espinha dorsal demuitos momentos monumentais na música. Não é o formato, e sim o que você faz com ele. OSURVIVOR teve um grande sucesso pop. Eu tinha um novo clássico do heavy metal que durariaatravés dos tempos.

Outra faixa, um dos pilares do álbum, é “Rainbow in the Dark”, um evento verdadeiramentecolaborativo. Viv teve a ideia para o riff, ele disse, de uma música do SWEET SAVAGE que elecompôs quando tinha 16 anos, chamada “Lady Marion”. Pode ter sido, mas, para onde a levamos,era completamente novo e diferente, tanto que “Rainbow in the Dark” se tornou uma dasmúsicas novas que, definitivamente, forjaram DIO como uma banda. Vinny deu seu sabor único,invertendo o ritmo. Assim que eles começaram a tocar, comecei a cantar a melodia em cima dela.Então Jimmy foi até um pequeno Yamaha e sugeriu o tema do teclado. Foi isso. Terminamos amúsica inteira em 10 minutos.

Houve uma história semelhante com “Straight Through the Heart”. Jimmy tinha o riff, quesobrara de seus dias em WILD HORSES, e ele mais os garotos começaram a tocar. Cheguei com amelodia vocal e a letra, e tínhamos a canção. A mesma coisa com outro riff que Jimmy tinha emmente, que se tornou “Shame on the Night”, outra verdadeira composição de banda, incluindominha sugestão de um uivo de lobo na introdução.

Em seguida, aconteceram acidentes felizes como “Invisible”, em que tínhamos um riff, masainda não tínhamos feito nada com ele. Na noite seguinte, fumamos uma maconhaparticularmente forte e nosso técnico de som colocou a fita ao contrário. Começou a tocar e todosnós ficamos rindo, dizendo: “Muito otário!”. Então eu disse: “Espera um pouquinho, isso atéparece bom!”. A banda acabou aprendendo o riff ao contrário. É o riff para a frente, em seguida, omesmo riff para trás.

Era uma maneira de trabalhar muito diferente daquela a que eu estava acostumado no SABBATH

e no RAINBOW. Trabalhando em Sound City, gravamos as primeiras quatro músicas e adicionamosalguns overdubs, depois arrastamos todo o equipamento de volta pelo estacionamento até ondetínhamos o estúdio de ensaio. Montávamos novamente, continuávamos nos divertindo, tocando evendo o que tínhamos feito. Havia muita maconha sendo fumada, mas nenhuma droga pesada.Era apenas criar uma boa atmosfera para trabalhar. Os garotos tocavam, eu me levantava e cantava.Era como o “Clube do Bolinha”.70

Quando chegamos em mais quatro ou cinco músicas, a mesma coisa, arrastar todo oequipamento de volta, pelo estacionamento, até o estúdio real para gravar. Começou a soar muito,muito bom, e, de repente, tínhamos um álbum. Uma noite, um dos técnicos disse: “Isso vai virarplatina!”. Eu não podia me permitir pensar assim. Só esperava que pegássemos a estrada com isso eque fizéssemos tudo funcionar. Nenhum de nós sabia realmente o que aconteceria quando o discochegasse às lojas.

O resultado final, que chamei de Holy Diver, após a primeira música que escrevi para o álbum,foi escrito e gravado em pouco mais de um mês, e também foi um dos momentos de maiororgulho da minha carreira até aquele ponto. Rock, mas não apenas barulho. Havia ótimas cançõeslá e ótimas interpretações também. E, espero, um bom canto. Chegando a um momento em queo hard rock e o heavy metal estavam se movendo rapidamente para uma nova era, que logo seriadominada pela MTV – lançada no ano anterior – e por bandas como MÖTLEY CRÜE, DEF LEPPARD

e, logo atrás deles, METALLICA, para mim, Holy Diver voltou à era clássica do rock dos anos 1970 e,ao mesmo tempo, abraçou toda a velocidade e equilíbrio dos anos 1980. Esse foi um movimentodeliberado da minha parte. Eu sabia exatamente o que queria fazer com o DIO como banda e paraonde queria que fosse.

Wendy e eu tivemos a ideia para o encarte do álbum: um demônio afogando um padre. Oufoi antes? Não estávamos tentando chocar deliberadamente; eu só queria fazer as pessoas seperguntarem do que se tratava o simbolismo. Essa foi uma época do rock antes das mídias sociais eantes que os CDs substituíssem o vinil como o formato mais popular para os álbuns, em que a arteda capa era uma parte intrínseca e significativa do pacote. Quando recebêssemos o mesmo tipo dereação negativa dos fanáticos religiosos na América que o SABBATH havia recebido, eu diria:“Como você sabe o que realmente está acontecendo naquela foto? Como você sabe que é atémesmo um padre? Só porque ele está com uma batina? E se for o Diabo e o demônio for ojusto?”. Houve alguma apreensão, por parte do pessoal da gravadora, de que certas lojas de discosno sul poderiam não estocar, mas então as histórias sobre a Igreja católica começaram a sair nonoticiário, com os padres que tinham abusado sexualmente de crianças, então pensamos: “Ok”.

Lançado em maio de 1983, fiquei especialmente satisfeito por poder promover aquele primeiroálbum do DIO tão rapidamente depois de deixar o SABBATH. Era importante mostrar que, paramim, o DIO estava pronto para seguir. A melhor notícia de todas, no entanto, foi o quão bem oálbum foi recebido pelos fãs e pela crítica. Recebeu ótimas resenhas em todos os lugares e, com o

passar dos anos, Holy Diver tornou-se reconhecido – junto com Rising, do RAINBOW, e Heaven andHell, do SABBATH – como um dos maiores álbuns de heavy metal já feitos.

Quando a banda fez uma sessão de autógrafos na Tower Records, na Sunset Boulevard, ondeo álbum foi lançado pela primeira vez, à meia-noite, ficamos lá até quase 5h da manhã. Haviaalguns milhares de pessoas lá e, como sempre, certifiquei-me de que eu e a banda assinássemos atéo último autógrafo. Ninguém foi deixado de fora. Todos nós, os quatro, sentamo-nos à mesaassinando, e assinando, e assinando, até que pensamos que nossas mãos iam cair.

Wendy: Sabíamos que Ronnie tinha muitos seguidores na época, mas nunca achamos que o álbum iria se sair tão bemquanto foi. Os autógrafos duraram quase a noite toda! A gravadora não conseguia acreditar. Eles nunca tinham vistoas coisas desse jeito, e é por isso que fazíamos tudo sozinhos. Fizemos nosso próprio marketing, nossa promoção,tudo. Para provar que estava certo tão rapidamente, a euforia foi incrível. Depois de todas as coisas pelas quaispassamos, as provações e tribulações, não ter dinheiro, não ter nada e, então, de repente, tudo estar acontecendo, foifantástico! Não foi como um: “Eu te disse”, porque nunca pensei que fosse ser assim. Foi mais para um: “Eu proveipara você!”. Realmente foi ótimo para o Ronnie, inacreditável.

Em outra sessão de autógrafos, numa outra loja de discos, em Santa Monica, tinha tanta gente, que quebraram as

vitrines e, por fim, invadiram a loja. Uma vez que a banda começou a turnê, os shows foram ficando cada vez maiores,e maiores, e maiores. Ronnie levava tudo na esportiva. Não era do tipo que ficava superexcitado ou contava asmigalhas, mas acho que quando viu toda aquela molecada vindo para as sessões de autógrafo e para os shows, mais asótimas críticas que a banda e o álbum estavam recebendo, ele soube que, dessa vez, realmente tinha conseguido. Elenão lia as resenhas. Mas eu, sim, e replicava os comentários para ele. Foi um momento absolutamente incrível, comótimos sentimentos em todos os lugares e ótimas pessoas. Foi uma sensação de que tudo pelo que trabalhamos tanto,

desde quando ele se juntou ao RAINBOW, em 1975, finalmente tinha valido a pena.

A primeira turnê como Dio começou em julho, com um show discreto em um local comcapacidade para 3 mil pessoas, chamado The Concert Barn, na cidade de Antioquia, em NorthernCalifornia. O álbum havia sido lançado há alguns meses e o lugar estava lotado. Foi uma noiteótima, muito divertida – diversão era uma palavra que eu não usava sobre fazer um show há muitotempo. Lembro-me de Jimmy cair do palco durante “Invisible”, e ele não perdeu o ritmo! Orosto de Vivian era uma pintura.

Logo depois disso, fomos contratados como convidados especiais em uma turnê doAEROSMITH. Essa não era a formação clássica e limpa do AEROSMITH, que faria seu grande retornoalguns anos depois. Esse foi o período do Steven Tyler Sai Chutando o Balde e suas apresentaçõeseram caóticas, para dizer o mínimo. Decidi que não aguentava mais, depois que Tyler levou abanda para fora do palco após 45 minutos, num show em Ventura, deixando 7 mil fãs se sentindoenganados. Pedimos desculpas e deixamos a turnê logo depois.

A melhor lembrança que tenho daquelas primeiras semanas veio em agosto, na Inglaterra, nofestival Castle Donington Monsters of Rock. Como uma “nova” banda, fomos o segundo gruponaquele dia, mas, a partir do momento em que tocamos os estrondosos acordes de abertura de“Stand Up and Shout”, todo o lugar enlouqueceu. Mais uma vez, Holy Diver havia traçado umcaminho de tijolos dourados71 para trilharmos, mas o calor que surgiu em ondas poderosas vindas

da multidão quando tocamos materiais mais antigos, como “Children of the Sea” e “Stargazer”,perfurou meu coração.

Eu tinha decidido de antemão que os shows do DIO deveriam, definitivamente, incluir umpunhado daquelas músicas dos meus tempos de RAINBOW e SABBATH, que não apenas compusjunto e cantei, mas que realmente pareciam pessoais para mim. Junto com “Children” e“Stargazer”, arrebentamos com “Heaven and Hell” e “Man on the Silver Mountain”. Contudo, oque foi tão agradável, porém, era que o novo material, como “Holy Diver” e “Rainbow in theDark”, descia igualmente bem.

As críticas na imprensa musical britânica foram abundantes. Como uma volta ao lar! A revistamais importante de rock e metal naquela época era a Kerrang! e eles, acima de tudo, deram umapoio incrível. Em suas pesquisas anuais dos melhores do ano, Holy Diver estava entre os cincoprimeiros álbuns, e a turnê pelo Reino Unido, que fizemos no final do ano, foi eleita uma dasmelhores. Nunca vou esquecer a emoção de subir no palco do Hammersmith Odeon, emLondres, cenário de tantos destaques nos meus dias de RAINBOW e SABBATH, em novembro. Era dia5, Dia de Guy Fawkes no Reino Unido, o que significava que o céu noturno inteiro estava cheiode fogos de artifício. Parecia auspicioso.

Voltamos aos EUA com um renovado senso de propósito e partimos em nossa turnê comoheadliner, com uma banda nova e maravilhosa de Seattle, chamada QUEENSRŸCHE, abrindo paranós. Começamos modestamente nos teatros, mas quase que imediatamente tivemos que fazer umupgrade para arenas. Onde não havia tempo para isso, acrescentávamos apresentações à tarde,como as que tivemos de fazer no Civic Auditorium, de Santa Monica, depois que todos os 5 milingressos para o show noturno se esgotaram em poucos dias. O ponto culminante veio emdezembro, quando nos apresentamos para quase 10 mil pessoas na Long Beach Arena, em L.A.

Embora a sorte certamente tenha seu papel na rápida decolagem da banda, os ingredientesprincipais em nosso sucesso quase instantâneo foram o desejo, a determinação implacável e o maispuro sangue nos olhos do grupo que Wendy e eu havíamos formado juntos. A base era a banda ea música fantástica que estávamos fazendo juntos, mas o que transformou essa base em um casteloinexpugnável foi o que Wendy fez nos bastidores. Para os shows americanos, Wendy mandavaestagiários, em uma perua carregada de pôsteres e ingressos, duas semanas antes de cada show. Elesiam a todas as estações de rádio de cada cidade e diziam: “Aqui estão os ingressos para o show.Venham como nossos convidados”. Em seguida, iam às lojas de discos, certificavam-se de que oálbum estava nas lojas e davam pôsteres para eles pendurarem, caso ainda não os tivessem. Elestambém recebiam ingressos para os shows. Esse era o modo de fazer negócios na música nostempos da velha escola, e Wendy conhecia o valor do contato pessoal. Em cada lugar quetocávamos, havia um quarto especial reservado para que pudéssemos dizer oi e conhecer toda amídia local e o pessoal das lojas de discos. Era ótimo porque também dava a você conhecimentoem primeira mão de quem eram essas pessoas e como gostavam de trabalhar. Fiz muitos bonsamigos fazendo isso, dos quais fiquei próximo por anos.

Wendy: Ronnie sempre foi um trabalhador esforçado. Sempre prestou atenção a cada mínimo detalhe. Com a bandaDIO, ele finalmente teve a chance de fazer as coisas exatamente como queria. Mesmo quando estava doente, sempreconseguia dar um show para as pessoas antes e depois da apresentação, principalmente os fãs. Ronnie tinha uma

energia incrível. Ele costumava me chamar de Coelhinho Energizer,72 mas nós dois éramos assim. Acho que geramosisso um para o outro. Eu o empurrei e ele me pressionou, e trabalhamos muito bem juntos. Às vezes brigávamos comocães e gatos, também tínhamos muitos altos e baixos. Isso é porque nós dois realmente nos importávamos. Sentíamosque nossa vida estava em jogo, que tínhamos que fazer isso dar certo ou morrer tentando.

Podia ser muito engraçado às vezes. As pessoas da banda e da equipe aprenderam, muito rapidamente, queRonnie e eu tínhamos brigas acaloradas, mas caso você se atrevesse a dizer uma palavra sobre mim, seria despedidopor Ronnie; e vice-versa. Houve pessoas que aprenderam depois disso, bastava pisar em ovos, se afastar daquilo,“porque eles estavam tendo uma briga”. Uma vez, estávamos no aeroporto e eu contava o dinheiro da diária. Ronnieestava discutindo comigo: por que estávamos tocando em locais menores? As coisas estavam decolando e ele estavacom pressa para dar um upgrade e tocar em arenas. Fiquei tão farta, que respondi: “Bem, talvez se você fosse maior,tocaria em locais maiores”. Ele ficou absolutamente furioso! Joguei o dinheiro no chão e fui embora. Mais tarde,riríamos dessas coisas. Mas isso nos manteve com o pé no chão. Não havia rodeios ou descanso sobre os louros davitória.

Sempre me lembrarei do Natal de 1983, entrando no Ano-novo de 1984, como uma dasépocas mais felizes da minha vida. O DIO havia decolado como um foguete; Holy Diver estava nacrista do Top 10 do Reino Unido e agora encontrava-se a caminho de se tornar platina naAmérica, por mais de 1 milhão de discos vendidos. E, apesar de Wendy e eu trabalharmos tanto otempo todo, esse era outro nível de proximidade, felicidade e satisfação que estávamosdesfrutando.

Pela primeira vez na vida, recebi dinheiro de verdade, o que foi um alívio depois de hipotecarnovamente nossa casa e colocar cada centavo que tínhamos no DIO. Mas embora parecesse certoque Wendy e eu devíamos colher algumas das recompensas – não apenas por todo o tempo edinheiro investidos no DIO, mas por todos os anos em que chegamos àquele lugar em quepodíamos finalmente fazer algo dessa magnitude por conta própria –, eu ainda gastava cadacentavo que sobrava para tornar a banda maior e melhor.

Quando estávamos em casa, em L.A., não saíamos muito na cena. Havíamos cumprido nossas10 mil horas, como dizem. Agora, quase sempre ficávamos em casa e recebíamos pessoas, comoGlenn Hughes e todos os nossos outros amigos. Sempre tivemos gente em nosso lar. Além disso,estava ficando difícil sair para jantar. Acho que era, em parte, o preço a ser pago pela vastaexposição que a MTV deu aos artistas.

Eu tinha feito vídeos promocionais no SABBATH e no RAINBOW, mas eram apenas clipes deshows ao vivo, porque havia relativamente poucos canais para eles. Agora, os vídeos tinham queapresentar altas produções ou, pelo menos, parecer que eram. Para os dois primeiros singles doDIO – “Holy Diver” e “Rainbow in the Dark” –, esbanjamos no primeiro (com tema de espada efeitiçaria) e contamos centavos no segundo (eu posando em um telhado durante uma visita aLondres). O resultado foram dois sucessos no Top 20 nas rádios de rock nos Estados Unidos.Então, talvez fosse apenas porque meu rosto estava se tornando mais familiar, ou talvez fosse a

maneira como toda a cena rock de Los Angeles parecia acelerar fora de controle em meados dosanos 1980, mas tornou-se quase impossível para mim ter uma noite tranquila em Los Angeles.Wendy costumava ficar chateada. Saíamos para jantar e então, se um fã vinha pedir um autógrafo eeu era só muito simpático, Wendy ficava de boa. Mas então, eu me pegava conversando com elese, como sempre acontecia quando falava com os fãs, descobria que meia hora havia se passado,enquanto Wendy ainda estava sentada esperando para comer seu jantar. Às vezes eu os convidava ase sentarem à mesa e Wendy ficava muito irritada com isso depois. Até eu comecei a achar umpouco cansativo quando os fãs começaram a pipocar em quase todos os lugares a que eu medestinava. Eu ia para a Home Depot, ou um lugar qualquer, e todos me seguiam por todo o lado.De todo modo, eu não estava exatamente vestido para o palco. Em casa, era um homem decamisetas e moletons. Via-me cercado por fãs e admito que às vezes podia ser um poucosufocante. Não consigo imaginar como deve ser para o Elton John ou alguém assim, porque deveser cem milhões de vezes pior. Ou melhor, dependendo de como você olha para isso.

A verdade é que agora estava mais feliz do que nunca. Tinha uma vida e uma carreiratotalmente novas, liderando uma banda que considerava amiga e uma esposa maravilhosa emWendy. O que mais eu poderia pedir?

Bem, vamos ver…

Dizem que o sucesso tem muitos pais, mas o fracasso é órfão. Depois de Holy Diver, eu estava

prestes a descobrir o quão verdadeiro era aquele velho ditado.De ninguém querendo nem saber, de repente todos na gravadora tinham uma opinião – sobre

mim como cantor, sobre as músicas, a banda e o que deveríamos fazer a seguir. As críticas foram àsalturas, cinco estrelas aqui, cinco estrelas ali, e eu seria um mentiroso se dissesse que não estavasendo fantástico. Claro que sim. Wendy e eu apostamos tudo no Holy Diver. Quem não arriscanão petisca, como diz o ditado. Tudo o que aconteceu foi a partir da realização da minha visão,desde a capa do álbum até a produção da turnê. Foi o máximo da autoexpressão, era uma corridapara finalmente ser livre como um artista.

Então, chegue mais, puxe uma cadeira e sente-se. Bem aqui, vou falar um pouco sobre comoas gravadoras trabalham, porque talvez você seja um carinha em uma banda, dando uma olhadaem minha história e que sonha com o dia em que assinará seu nome naquela linha pontilhada epegará seu passaporte para a fama e a fortuna na plataforma de desembarque.

A pista está na primeira palavra do nome: GRAVADORA de discos.Aqui está outra: BUSINESS da música.Em grandes gravadoras, como Warner Bros. e Polygram, com as quais assinei, você está se

inscrevendo em uma corporação multimilionária que existe exclusivamente para ganhar dinheiro.No topo da pirâmide, está a pequena porcentagem de obras que se tornam multiplatinadas a cadavez. Elas recebem os grandes orçamentos de marketing e o tratamento no tapete vermelho,porque geram os maiores lucros. Então você tem as obras revolucionárias. Esses carasprovavelmente foram contratados por um dos principais A&R da empresa, e eles vão receber ogrande empurrão, porque a verdade é que muito poucas obras ficam no topo da montanha parasempre e há uma necessidade constante de sangue novo. Em seguida, vêm os artistasintermediários, obras que os críticos elogiam e que fazem sua gravadora parecer relevante e

artística. Elas podem vender centenas de milhares, em vez de milhões de discos, mas trazemcredibilidade e atraem outros artistas legais para o selo.

Agora, se você é uma pessoa de negócios mais esperta – o que quer que alguém diga a você, aspessoas que dirigem as gravadoras geralmente são empresários muito espertos, alguns delesverdadeiros tubarões em ternos –, vai ganhar muito dinheiro com um rol como esse. Então,chegam o Governo e a Receita Federal, e eles querem sua parte. Você pode entregá-la como umcidadão de bem o faria, ou você pode dizer: “Que diabos, podemos também pegar um poucodesse dinheiro e assinar um monte de outras obras, jogá-las todas lá contra a parede e ver o quepega…”. Do ponto de vista da gravadora, é um lance livre, certo? E, de vez em quando, umdaqueles lances livres entra e passa direto por dentro da cesta. Se isso soa para você um poucocomo algo que aconteceu com DIO e Holy Diver, bem, você não está muito distante. Todasaquelas horas e todos aqueles dias que Wendy e eu investimos, o dinheiro que tiramos de nossospróprios bolsos para abastecer o carro e acessar estações de rádio em todas as cidades e todos osmeses que passamos pensando em todos os detalhes do álbum e da turnê exatamente comoqueríamos são como a parte do truque que o mágico não deixa o público ver.

No meu caso, o motorista da gravadora e os revendedores também não viram enquanto estavaacontecendo. Mas, agora, alguém em um escritório de canto, no prédio da Warner Bros., estáolhando para os resultados financeiros e tipo: “Oh, ok, DIO… Mas virou disco de ouro em seismeses? Fez barulho? Ganhou espaço grande na imprensa? Tour esgotado? Ei, pessoal, talveztenhamos algo aqui…”. Agora, não somos mais gratuitamente um hit. O sucesso inesperado deHoly Diver nos moveu escada acima. De repente, éramos vistos como grandes competidores. Masse você fez a viagem até aqui comigo, então saberá que nunca fiz nada na música apenas pelodinheiro. Cada escolha que fiz foi, antes de mais nada, artística. Se a arte não estiver certa, se amúsica não estiver acontecendo, então nunca tive medo de desistir e dar o próximo grande saltopara o desconhecido. Aconteceu com o RAINBOW e com o SABBATH. Sou obstinado assim porquesei que é a única maneira de realmente ter sucesso, e, se eu não conseguir, pelo menos ainda possome olhar no espelho todas as manhãs enquanto faço a barba. Como diz o velho clichê, se vocênunca esteve na moda, nunca poderá sair de moda. Siga seu caminho e, de vez em quando, omundo caminhará ao seu lado.

Em meados dos anos 1980, era isso que estava acontecendo. Entre eles, a Warner Bros. e aPolygram praticamente conquistaram o mercado de bandas de rock que vendiam Discos dePlatina: MÖTLEY CRÜE, VAN HALEN, THE SCORPIONS, DEF LEPPARD, AC/DC, RATT, BON JOVI,TWISTED SISTER, BILLY SQUIER, KISS, DIRE STRAITS, ZZ TOP – e DIO. Na verdade, todas asgravadoras, em algum aspecto, estavam entrando na onda do rock e do metal. Em 1984, quandocomeçamos a trabalhar no segundo álbum do DIO, o METALLICA estava agitando tudo com Ride theLightning, JUDAS PRIEST lançou Defenders of the Faith, e uma série de novas bandas estavamavançando no horizonte: IRON MAIDEN, ANTHRAX, W.A.S.P, MANOWAR, MOTÖRHEAD, HANOI ROCKS,QUEENSRŸCHE, todos agitando as coisas. Ritchie estava de volta ao DEEP PURPLE na nova formação

com Mark II. Jake E. Lee conseguiu o show na banda de Ozzy e o vídeo “Bark at the Moon”estava em toda a MTV.

Isso não quer dizer que eu pessoalmente amava toda aquela música ou que via o DIO comoparte de um movimento de qualquer tipo. Pode me chamar de arrogante se quiser, mas não ouvimuitos cantores tão bons quanto Ronnie James Dio. Ouvi muita coisa que queria soar como eu, oque considerava um grande elogio, mas o ponto principal da banda DIO é que ela nunca fez partedo bolo. No entanto, o espantoso burburinho sobre o Holy Diver, mais o Top 100 dos EUA cheiode bandas de metal, acionou o interruptor na Warner Bros. Isso foi uma faca de dois gumes, comoeu estava prestes a descobrir.

Por mais que eu estivesse curtindo minha nova carreira como líder da minha própria banda, ocapitão do navio, sem Ritchie ou Tony ao meu lado dando as cartas, Wendy também estavaabrindo mais as asas.

Wendy Dio: Éramos complementos um do outro. Eu empurrava Ronnie e ele me pressionava, e trabalhávamos muitobem juntos. Mas essa energia pode correr em polos distintos. Eu sou de Áries e Ronnie era de Câncer. Áries combinabem com Câncer porque ambos podem ser teimosos e temperamentais, mas são muito leais. Contudo, quando sechocam – rapaz, cuidado!

Às vezes eu fazia algo do qual Ronnie não gostava e ele nem mesmo me dizia o que eu tinha feito. Eu tinha queadivinhar o que era. Preferia que ele viesse e dissesse: “Ei, você fodeu tudo”, tanto faz. Mas, na grande maioria dotempo, trabalhávamos muito, muito bem juntos, porque nossas personalidades combinavam bem. Nós dois somospessoas muito fortes, o que é outra razão pela qual bateríamos cabeças algumas vezes. Mas, no final, nunca mexi namúsica dele. Ele nunca mexeu no meu negócio. Então, funcionou muito bem.

Sempre tive orgulho de Ronnie, não importava o que acontecesse, e ele sempre teve orgulho de mim. Acho queisso é o mais importante. Às vezes dizíamos coisas terríveis um ao outro, no calor da batalha. Mas éramos uma famíliae mataríamos um pelo outro. Ronnie era intensamente leal às pessoas que mostravam a ele essa mesma lealdade.

Ser meu empresário nunca seria fácil, e viria a ser ainda mais difícil se você fosse minha esposa.Um relacionamento assim sempre iria trazer complexidades. Não é tão simples quanto acordarjuntos e, em seguida, caminhar em duas direções diferentes ao sair de casa, de repente colocando ochapéu de artista e empresária. Eu estava na terceira volta do carrossel, após o RAINBOW e oSABBATH; Wendy estava começando como uma grande empresária e precisava aprender rápido.

Felizmente, ela era tão motivada quanto eu e entendia o que eu buscava. Com o Holy Diver,finalmente tive esse controle. Nós dois o fizemos. Agora queríamos construir algo especial, umaorganização na qual todos fizessem seu trabalho e fossem respeitados por isso, desde os membrosda banda até a equipe. Tudo seria voltado para fazer os melhores discos e os melhores shows quepudéssemos.

No início, alguns membros da tripulação eram tão crus quanto Wendy. Eles aprenderamjuntos, se tornaram um time. Wendy e eu sempre fazíamos questão de levá-los para jantar detempos em tempos, para mostrar nosso apreço por seu trabalho. Nossos princípios orientadores navida eram praticamente os mesmos. Acho que foi isso que nos manteve juntos e no caminhocerto. Ela sabia que eu era um perfeccionista e o que me importava era a música e os shows. Não

me preocupava com o custo, porque se tratava de sermos o melhor que podíamos ser. Eu tinhaouvido Tony, e antes dele Ritchie, contar histórias sobre todas as coisas que passaram com váriosempresários, e sabia que isso nunca aconteceria comigo, com Wendy ao meu lado.Coincidentemente, ou talvez não, Ozzy estava tendo um enorme sucesso sob a gestão de suaesposa, Sharon. Wendy também estudava rápido.

Para o mundo exterior, éramos uma frente unida. Ela estava na minha retaguarda. Eu fazia aguarda dela. Mas, inevitavelmente, nosso relacionamento mudou e teve que amadurecer, porquenossa vida profissional afetou a nossa vida pessoal. Wendy começou a se queixar do que chamavade “coisas de esposa”, aspectos mundanos do dia a dia, tais como pegar minhas meias do chão ecolocá-las na máquina de lavar. Algumas vezes chegamos a um ponto em que um de nós estavainsatisfeito com nosso relacionamento, mas superamos. Você precisa trabalhar nisso, e o fizemos.

Na esteira do sucesso de Holy Diver, as coisas estavam mudando rapidamente. Enquanto nospreparávamos para compor e gravar um novo álbum, Wendy e eu encontramos o novo larperfeito. Tínhamos a casa em Tarzana, mas era de apenas um andar, nada sofisticado. Agora, comos royalties, a publicação de músicas e as receitas das turnês chegando, mais os avanços em projetosfuturos parecendo promissores, poderíamos criar algumas raízes na Costa Oeste, cinco anos depoisde cruzarmos o país com tudo o que tínhamos no porta-malas de um carro.

Compramos uma casa nova e maravilhosa em Encino; como Tarzana, um enclave em SanFernando Valley, em Los Angeles, a bela e extensa região atrás das colinas que abrigam o letreirode Hollywood. Encino fica sob a sombra das montanhas. Em um grande terreno sombreado porárvores, encontramos nosso castelo, quase literalmente. A casa tinha apenas três anos quando acompramos, mas era construída no estilo de uma mansão inglesa, com cinco quartos e cincobanheiros, piso de madeira e tetos com painéis, até mesmo uma torre. Havia alguns acessórios maismodernos também: uma piscina no terreno e uma sala que chamei de “The Dungeon”, que setornou meu estúdio. Logo estávamos enchendo-o com o tipo de coisas que fazem de uma casa umlar, pelo menos se Ronnie James Dio mora nesse lugar.

Em nossas viagens à Europa, amava procurar móveis antigos, de uma época em que os artesãosrealmente se importavam com o trabalho que produziam. A peça mais antiga era um baú demadeira, datado de 1510 que, dizia-se, já havia tido uma casa no Castelo de Windsor. Havia umpiso de duzentos anos vindo da França, alguns caixilhos das janelas de uma Catedral, datada de1790, que colocamos no quarto principal, e a pièce de résistance, pelo menos no que diz respeito aosvisitantes da casa, uma longa janela de madeira bar de um pub chamado King’s Arms, em Essex.Nosso bar realmente teve uma estreia oficial, e havia apenas um homem para o trabalho, o Sr.Jimmy Bain! Wendy me comprou uma mesa de sinuca com lindas cabeças de leão esculpidas naspernas. Havia uma biblioteca confortável e repleta de livros, onde eu podia me sentar e mergulharno tipo de literatura e pesquisa que eu amava, disparando minha imaginação com contos da IdadeMédia e da vida medieval. Para as paredes, encontramos brasões e outros itens de heráldica. Atéque, ao fim e ao cabo, adquiri minha própria armadura!

Enquanto isso, Jimmy e Vinnie também compraram belas casas novas e Vivian comprou umaFerrari.

A nova casa se tornou o principal palco de nossa vida social. De repente, tínhamos um lugargrande o suficiente para nos espalharmos e curtirmos. Eu adorava cozinhar e ficar atrás do barbancando o anfitrião. Mas eu também tinha uma regra de nunca ficar muito acomodado emnenhum lugar, porque entendia a natureza do negócio em que estávamos. Eu o comparava a estarno mar. Às vezes os ventos e as marés estão ao seu favor, mas você sabe que uma tempestade podeexplodir a qualquer momento, então vale a pena não pensar muito a longo prazo. Por enquanto,tínhamos uma casa maravilhosa, um lugar onde eu poderia relaxar e compor, o que refletia minhapersonalidade.

Isso também significava que, apesar de nossa proximidade, Wendy e eu não tínhamos certaprerrogativa um sobre o outro. Eu estava orgulhoso dos passos que ela estava dando comoempresária, porém outro ponto crítico entre nós era o fato de que ela estava gerenciando outrosartistas, principalmente com o ROUGH CUTT. Não escondi o fato de que o DIO precisava ser onúmero um com ela, e éramos. Também fiquei feliz em ajudar no que pude. Fiz alguns trabalhosde produção com o ROUGH CUTT. Como mencionei, eu havia considerado Jake E. Lee, seuguitarrista, para o DIO, antes de encontrar Vivian. Então os caras da banda contaram a Wendysobre um garoto que havia dirigido até Los Angeles e estava morando dentro do carro – elepassava o dia visitando lojas de guitarras e coisas do tipo, tentando conseguir um show. Eu poderiame relacionar com isso. Seu nome era Craig Goldy. Encontramos um lugar para ele ficar, demosum pouco de dinheiro e ele acabou substituindo Jake no ROUGH CUTT. Produzi uma música paraeles chamada “Try a Little Harder”, que saiu em uma compilação lançada pela estação de rádioKLOS e causou um certo alvoroço. Então Craig teve outra chance quando se juntou ao GIUFFRIA,uma banda formada pelo ex-tecladista do ANGEL, Gregg Giuffria. Tinham acabado de assinar coma MCA, e Craig acabou tocando em seu álbum de estreia.

Então as coisas ficaram um pouco mais complexas. Ted Templeman, o produtor que era o carada casa na Warner Bros. e um fazedor de hits da pesada, por causa de seu trabalho com artistascomo Van Morrison, DOOBIE BROTHERS e VAN HALEN, se mostrou interessado. No momento emque a Warner Bros. estava se preparando para o segundo álbum do DIO, eles estavam prestes aoferecer um acordo ao ROUGH CUTT. E qual era o nome que a gravadora começou a empurrarpara mim, como produtor do próximo disco do DIO? Ted Templeman.

Entendi que eles pensaram que estavam me elogiando muito ao sugerir Templeman, mas euera totalmente contra a ideia de Ted entrar. Não era nada pessoal. Ted já estava superocupado –no ano seguinte, ele produziu álbuns para o AEROSMITH, Eric Clapton e David Lee Roth, o quesignificava, ironicamente, que ROUGH CUTT acabou com outro produtor – e eu estavaconvencido de que ninguém era melhor situado do que eu para obter o melhor som para o DIO.Afinal de contas, Holy Diver tinha ficado muito bom.

Panela que muito mexe não dá bom caldo; essa era a minha opinião. No entanto, não é assim

que as gravadoras pensam. A mentalidade deles era: o primeiro álbum do DIO foi ouro. O segundoálbum do DIO pode chegar à platina, se o fizermos soar um pouco mais comercial e tocarmos norádio. Não era bem a minha ideia, como Ritchie Blackmore poderia ter dito a eles. Para mim, amelhor opção era simplesmente ser inflexível e fazer outro álbum do DIO sem qualquer concessão.

Depois de Templeman, foram levantados outros nomes. Falou-se sobre um single e eu aindanão tinha escrito uma palavra. Você provavelmente pode entender por quais motivos eu, de vezem quando, possa ter ficado um pouco irritado com toda essa eferverscência no fundo.

Eu tinha uma mudança em mente, no entanto. Depois que se juntou a nós na estrada comomúsico de apoio, pedi a Claude Schnell que se tornasse um membro em tempo integral da banda.Como eu, Claude teve formação clássica e passou seus primeiros anos no mundo enclausuradoentre aulas e recitais. Ele era um músico disciplinado e preciso, e trouxe algo diferente para abanda. Entendia música da mesma forma que eu, e era perfeito para o conceito que eu tinha emmente. Claude também era um cara muito fácil de lidar e se encaixava perfeitamente.

Uma das novas canções em que estávamos trabalhando como banda, chamava-se “Egypt (TheChains Are On)”. Era um verdadeiro épico, que eu já estava pensando como um ótimofechamento sendo a última faixa do álbum. Isso levou a mim e Wendy a uma conversa sobre umtema egípcio para o show e para a capa do nosso álbum. Na minha cabeça, funcionava comoaqueles filmes épicos da era dourada de Hollywood, widescreen e Technicolor, com centenas defigurantes e estruturas fantásticas sendo erguidas da areia além de, elevando-se sobre tudo isso, odemônio que havia aparecido na capa da Holy Diver, a quem, por alguma razão, começamos achamar de Murray. Começamos a trabalhar alguns conceitos de capa, enquanto ideias líricas seformavam em minha mente.

Vencemos a discussão sobre haver um produtor e, para ser justo com a Warner Bros., elesestavam preparados para nos apoiar. Surgiu a ideia de ir para um estúdio residencial, em vez devagar pelas mesmas velhas ruas de Los Angeles, e gostei da ideia. Permanecer na cidade o tempotodo pode se tornar muito uma espécie de efeito insular, e todas as bandas começam a soar eparecer clones umas das outras.

Você não conseguiria nada muito diferente de L.A., não tanto quanto o lugar que escolhemos.O rancho Caribou ficava perto de uma cidadezinha chamada Nederland, nas Montanhas Rochosasdo Colorado. Em 1972, um produtor musical chamado James Guercio comprou 4 mil acres deterra, com a ideia de colocar um estúdio em uma das construções de um rancho abandonado dapropriedade, um lugar onde os artistas pudessem criar sem se preocupar com a visita de executivosde gravadoras “dando uma passadinha” para verificar o que estava acontecendo. Você,definitivamente, não teria como simplesmente “dar uma passada” por Caribou. Era fabulosamenteisolado; o estúdio em si ficava em um celeiro de madeira lindamente restaurado, com telhado deduas águas e uma chaminé de pedra em uma das extremidades. Além das terras altas arborizadas, asMontanhas Rochosas montavam guarda. Foi absolutamente majestoso.

Caribou também tinha lá sua mágica. Ficou famoso depois que Elton John deu o nome de

Caribou ao seu álbum de 1974, e CHICAGO, THE BEACH BOYS e Joe Walsh gravaram lá com grandesucesso. Era um lugar de tirar o fôlego, pacífico, mas como uma cidade do velho oeste, um lugarque o tempo esqueceu. Ficamos em chalés espalhados pelo rancho e, depois de passar algumashoras contemplando a paisagem, começamos a trabalhar.

Colocar uma banda em uma situação como essa pode se dar de duas maneiras. Muitas vezes,pode ser a construção de uma banda – ou às vezes pode ser a destruição. Artisticamente, estávamostodos unidos. Eu tinha as letras para o que sentia ser duas canções clássicas de rock, “The Last inLine” e “Egypt (The Chains Are On)”. Viv veio com a introdução do arpejo para a faixa-título, eadicionamos um riff monstruoso em um dos últimos ensaios em L.A. Sempre foi melhor, antes dea gravação começar, ter bem resolvida a peça central do álbum. Com “The Last in Line”, eu sabiaque tínhamos alcançado isso.

Também escrevi “We Rock”, uma pequena canção feroz que abriria o álbum. Jimmy e eutínhamos criado uma música chamada “Mystery”, que Wendy achou que ecoava como parte denosso trabalho no RAINBOW, e muito do resto do material veio junto da mesma forma que HolyDiver; alguém tinha um riff, um lick ou uma melodia que pegávamos e construíamos uma música.Das dez faixas do álbum finalizado, metade foi creditada a nós quatro.

O som era maior e, quando deixamos o rancho, algumas semanas depois, pensei que tínhamosoutro disco matador na lata: “The Last in Line”, que se tornaria o título do álbum, e “Egypt…”tinham funcionado exatamente como eu esperava. Vinnie tocou uma bateria matadora na aberturade “We Rock”, e Vivian estava pegando fogo. Eu sabia que ter um músico como ele nosdiferenciava de todas as bandas de L.A., com seus solos no estilo de Eddie Van Halen. Aroupagem parecia realmente épica também, com Murray assomando acima de um deserto emchamas, o Sol brilhante ao lado dele e, abaixo, uma espécie de cidade em ruínas, cheia de gente.

Com a ascensão da MTV, um bom videoclipe se tornou uma importante plataforma demarketing, só que, dessa vez, em vez de Wendy e eu termos que fazer o melhor com umorçamento muito modesto, Wendy negociou um orçamento maior e a Warner Bros. chegoujunto e pôs no prato 200 mil dólares. Gravamos um vídeo para “Mystery”, que a gravadora queriacomo single principal, e outro para “The Last in Line”, que era para onde ia a maior parte dodinheiro. Contratamos um diretor de cinema chamado Don Coscarelli, que fez seu nome comalguns filmes que me agradaram, Fantasma e O príncipe guerreiro. Ele era um cara grande, com maisde 1,80 metro de altura; veio de algum lugar, tipo a Líbia, na sua origem; e ele foi ótimo.Realmente entendeu o que a banda queria dizer, e “The Last in Line”, em particular, pareciafantástico: o rapaz que filmou o entregador dentro do pesadelo no elevador foi interpretado porMeeno Peluce, que tinha estado em Horror em Amityville.73

The Last in Line foi lançado em julho de 1984, uma semana antes do meu aniversário o que, naverdade, foi um presente muito legal. Recebemos um monte de outras críticas boas, e o discocomeçou a vender imediatamente. Alcançamos o Top 4 no Reino Unido, ficamos entre os vintemelhores nos EUA e tivemos nossa primeira grande excursão pela Europa. Fiquei encantado e

imensamente orgulhoso, porque, para mim, isso refletia genuinamente o valor do disco quehavíamos feito.

Tínhamos ido à Europa para tocar no Pinkpop, na Holanda, um grande e bem estabelecidofestival, pouco antes do lançamento do álbum, porém a turnê começou na Califórnia, percorrendotoda a Costa Oeste antes de cruzar o país. Abrindo para nós, como convidados especiais naprimeira etapa, estava o WHITESNAKE, no que seria sua última turnê pelos Estados Unidos antes deDavid se tornar realmente grande com o álbum de 1987, Whitesnake. Outro exemplo das voltasque a vida dá, na natureza oscilante dos negócios na música, muitas foram as noites daquela turnêem que refleti sobre os dias em que o ELF abriria para o DEEP PURPLE, então liderado por DavidCoverdale.

Quando o WHITESNAKE deixou a turnê, o TWISTED SISTER entrou a bordo como banda deabertura, e entregavam um espetáculo matador. Você sempre precisava mostrar seu talento se fosseseguir Dee Snider no palco. Ele pode não ter sido o melhor cantor, mas era tipo um frontmanselvagem, estava em uma liga própria. Adorei o desafio e, noite após noite, estávamos mais do queà altura da ocasião. A reação costumava ser de êxtase.

Fizemos alguns shows no Monsters of Rock, na Alemanha, e seguimos Europa adentro, dessavez com a abertura do QUEENSRŸCHE. Foi brilhante. Os fãs britânicos e europeus estão entre osmais apaixonados do mundo, e sempre me divertia muito fazendo turnê por cidades comoNewcastle, Glasgow, Liverpool, Aberdeen, Hammersmith, Amsterdã, Munique, Hamburgo… aspessoas que assistiam a esses shows enchiam meu coração todas as noites. Era por isso que fazíamoso que fazíamos, para estar lá na frente dos fãs tocando a música que amamos.

No final do ano, The Last in Line ganhou disco de ouro na América e rapidamente ultrapassouas primeiras vendas do Holy Diver, tornando-se o primeiro disco de platina do DIO na América,mas esses shows valeram mais para mim do que todos por isso. Voltamos para a Américanovamente, depois da Europa, com DOKKEN a reboque, exceto em um show. Quando chegamosa L.A. para tocar no Inglewood Forum para 14 mil pessoas, o ROUGH CUTT foi a banda deabertura. Nunca diga que não fiz nada pela minha esposa!

A turnê terminou em 27 de janeiro de 1985, no Metropolitan Center, em Bloomington,Minnesota. Tínhamos feito mais de cento e vinte shows em sete meses, o que, por mais que vocêseja um cão vadio, dá muito trabalho, principalmente para um cantor. Guitarras e teclados quevocê simplesmente conecta. Bateria que você bate. A voz humana é um instrumento muito maisdelicado, especialmente quando você a usa como uso a minha. Em todos os shows, eu sempredava tudo o que tinha; qualquer coisa menos seria como enganar as pessoas que esperaram muitotempo para que fôssemos à sua cidade. Minha instrução clássica, saber como controlar minharespiração e usar meu diafragma para aumentar a força, em vez de apenas passar pelas cordasvocais, ajudavam, mas é um pouco como ser um atleta. Você tem que adaptar seu estilo de vida sequiser ter o melhor desempenho possível. Eu não era mais o baladeiro noturno de minha carreiraanterior. Na estrada, agora gostava de cuidar de mim mesmo. Isso significava não fumar. Eu,

provavelmente, ainda bebia um pouco demais ocasionalmente, mas não o suficiente para quebrarmeu ritmo como artista. O resto do tempo fazia tudo o que podia para ficar bem. Uma vez queum vírus atinge alguém na banda ou da equipe, podia ser a morte de um cantor, então eu memantinha longe de qualquer pessoa que estivesse tossindo ou espirrando.

Sempre tive uma atitude mental muito forte, mas ajuda ter um objetivo. Como líder do DIO,eu agora tinha o maior objetivo de todos. Vou ser ótimo em cada uma das noites; na verdade, vou sermuito melhor nesta noite, vou chegar a tal perfeição. Esta noite é A Noite! Contanto que você sempretenha esse objetivo, sua mente o fará trabalhar para tentar alcançá-lo.

Comecei esta parte da história dizendo que o sucesso tem muitos pais. Bem, no final docapítulo, tivemos mais sucesso, mas havia uma parte da dinâmica que estava começando a mudar: abanda.

A primeira rachadura no cenário ocorreu com Vivian. Ele foi forçado a amadurecer muitorápido, como músico profissional e como pessoa privada, e sempre tentei estar ciente de que elenão existia há tanto tempo quanto Jimmy, Vinny e eu. À medida que sua confiança crescia, Viv setornava um pouco intransigente, provavelmente como quando eu tinha 20 e poucos anos. E talvezele tivesse um pouco a voz de Jimmy no ouvido. Jimmy sempre foi um pouco reticente sobre abanda ter o meu nome e, às vezes, reclamava sobre o dinheiro ou os chiliques, sobre riffs ecréditos de composição. Jimmy dizia que ele tinha feito o riff de “Stand Up and Shout”, Viv diziaque o SWEET SAVAGE tinha algo semelhante e que ele o retrabalhou. Jimmy veio com a pequenaparte do teclado em “Rainbow in the Dark” e Viv tinha o riff, não muito mais que isso.

Uma canção não se faz por si mesma, e eles estavam recebendo seus créditos de composição.Mas você sabe o que digo sobre o sucesso…

Wendy Dio: Era sempre o nome de Ronnie que ia vender a banda. E depois do RAINBOW e do SABBATH, Ronnie merecia

ser o homem principal. Como o futuro provou, o único membro sem o qual DIO não poderia viver era Ronnie.Vivian, mais tarde, foi manchete na imprensa, dizendo que ganhava menos que a equipe de som na estrada com o

DIO, mas recebia 1.700 dólares por semana, quer trabalhasse ou não. Conseguiu comprar uma Ferrari. Quando a bandarealmente decolou, Jimmy e Vinny puderam comprar casas. Infelizmente, Jimmy acabou perdendo a sua para aReceita Federal. Gastamos muito dinheiro de nossos próprios bolsos, e as pessoas, a menos que tenham sua própriabanda, não entendem quanto dinheiro você tem que dispender e o que tem que colocar dentro daquilo tudo, sangue,suor e lágrimas, para fazer algo bem-sucedido.

E se Ronnie estava infeliz, eu era o tipo de pessoa que dizia: “Ronnie não está feliz, então vamos mudar isso”.Ronnie não gostava de mudanças. Não gostava de mudanças, mas não queria ficar com as costas contra a parede. Nãomais. Certifiquei-me disso.

Ainda me deixa um pouco zangada porque Ronnie foi justo com todos eles. Eles queriam ser considerados iguais aRonnie e receber o mesmo dinheiro que ele. Sinto muito, mas disse não a uma coisa dessa. Ronnie ouviu todo o tipode merda sobre isso, mas a vilã era eu. Ronnie provavelmente teria feito algo assim. No entanto, para mim, eleconquistou o direito de fazer as coisas do seu jeito. E ele estava fazendo um grande sucesso com isso. Todos deveriamficar felizes.

Vivian mais tarde afirmou que, quando começamos, eu teria dito a ele que estava bancando abanda, mas quando chegássemos ao terceiro álbum, aquilo tudo se tornaria mais equilibrado.

Depois de The Last in Line, comecei a ouvir sobre esse assunto com um pouco mais de frequência,mas nada é tão simples quanto parece. Estávamos todos ganhando um bom dinheiro, mas aresponsabilidade financeira ainda era minha e de Wendy. Empreguei a equipe que trabalhava naestrada e os demais funcionários de que precisávamos. Paguei pelo estúdio de gravação e pelaprodução do palco, além de hotéis, ônibus, caminhões, técnicos, passagens aéreas e tudo o maisnecessário em uma grande turnê. Tomei as decisões sobre o que deveríamos gastar, porque essasdecisões afetavam a integridade artística da banda e como fazíamos o que fazíamos. Se eu meenganasse, não haveria dinheiro para dividir.

Mantive um certo controle sobre meus sentimentos, no que dizia respeito a Vivian, pelomenos no início. Se eu me imaginasse aos 20 anos no palco, diante de 14 mil pessoas, fazendoturnês pelo mundo, ganhando discos de ouro e platina com meu nome, teria pensado que estavadecidido para a vida também. A realidade era diferente, no entanto. Viv aprenderia, assim comoeu.

Jimmy e Vinny sabiam melhor, mas Jimmy ainda tinha um arrepio no rabo por causa donegócio de nomes. Ele tinha dado a volta no quarteirão algumas vezes, no entanto, e o DIO agoraestava se saindo muito melhor do que o WILD HORSES. Não acho que ele gostava do fato de quesua carreira estava sendo administrada por minha esposa, embora tivesse nos visto brigando comfrequência, era o bastante ele saber que ela estava longe de ser uma mulher submissa.

Wendy poderia dizer que eu não estava feliz. Ela me conhecia de dentro para fora e percebeu o

que estava errado. Passaram-se dez anos desde que me juntei a Ritchie para fazer o primeiro discodo RAINBOW. Naquela década, fiz sete álbuns de estúdio e dois discos ao vivo, estive em trêsbandas, fiz centenas de shows, orbitei o globo e me mudei de um lado do país para o outro.Quando me sento aqui e escrevo isto agora, percebo que é mais do que algumas pessoasconseguem fazer na maior parte da vida. Mas enquanto está acontecendo com você, passa tãorápido, que não se tem tempo para respirar.

Deveria ser motivo para levantar uma ou três taças. Percorri um longo caminho fisicamente,espiritualmente e artisticamente. Toquei ao lado de dois dos maiores guitarristas da história dorock e fiz álbuns marcantes com eles. Formei minha própria banda, vinda do nada, que chegou adisco de platina. Quantas pessoas conseguiram isso? Milhões deram o melhor de si para a música enão tiveram o gostinho do sucesso, muito menos o fizeram três vezes.

O futuro deveria ter sido brilhante – cacete, foi brilhante –, mas, como Wendy sabia, é o meutemperamento artístico, sujeito a tempestades e enxurradas que, às vezes, caíam do claro céu azul.De muitas maneiras, eu era casado com meu trabalho. Não foi algo que deixei para trás quandoentrei pela porta da frente à noite. Eu não gostava dos tempos de folga. Se eu tinha algum tempolivre, gostava de assistir a esportes na TV, ouvir música clássica e ler. Mesmo assim, minha menteera inquieta, sempre pensando no que viria a seguir. Alguém uma vez me disse que os tubarõesprecisam continuar nadando ou morrem. Era assim que me sentia.

Inevitavelmente, isso transpareceria na música. Havia implacabilidade nisso também. Trabalheiincessantemente desde a formação do DIO, e assim que a turnê mundial do The Last in Lineacabou, o ciclo recomeçou. O resultado era o álbum mais sombrio e taciturno que já tinha feitoaté agora, tão alegre e comemorativo quanto qualquer coisa que já tinha feito em algumas partes ea milhões de quilômetros de distância em outras.

Sempre tive uma visão do que a banda deveria ser: o que quer que você faça, faça muito,muito bem. Se as imagens e os sons que agora vinham para mim eram de um tom mais sombrio,se a banda estava começando a perder um pouco da unidade de visão e propósito que tínhamosdesde que nos unimos, então que assim fosse. Torne-o sombrio e ótimo. Nada fica no meucaminho.

Esse era o meu humor, de qualquer maneira. Com tudo o que estava acontecendo e umalonga turnê de oito meses nas costas, decidi que o novo álbum deveria ser feito em L.A.Reservamos um espaço de ensaio para tocar e compor, e antes de começarmos a trabalhar, Vivianveio até mim para falar sobre dinheiro e créditos. Ele disse que havia entendido que, quando abanda começou, eu estava usando meu próprio dinheiro para colocar tudo em funcionamento,mas que quando fizemos o primeiro álbum, aparentemente disse que no terceiro disco iríamosrenegociar. Para mim, ele escolheu muito mal o timing para tratar disso. Tínhamos tempo deestúdio agendado e precisávamos ter o material pronto para quando entrássemos. O negóciopoderia ser resolvido mais tarde, e pedi que esperasse até que o LP estivesse pronto.

Negociar os termos nem era meu trabalho. Era de Wendy, e ela era muito boa nisso. Talvezseja por isso que Viv veio até mim primeiro. Acho que todas as partes ruins de nossorelacionamento, que foram enterradas pelo sucesso que estávamos fazendo, agora começaram aespumar pela superfície. Eu estava com raiva porque achava que tinha sido justo com todos.Vamos falar francamente aqui: eu valorizava enormemente as contribuições de Vivian, mas eleestava na posição em que estava por minha causa. Ele era um jovem de 20 anos, em uma banda daqual ninguém tinha ouvido falar, quando Ronnie James Dio fez o chamado. Jimmy, a mesmacoisa: havia sido expulso do RAINBOW e os WILD HORSES eram mais conhecidos por suas festas doque por sua música. Vinny era meu melhor amigo no BLACK SABBATH e optou por ficar do meulado, em vez de estar do lado deles. Não forcei ninguém a fazer nada. Ninguém tinha uma armaapontada para a cabeça antes ou agora. Se achavam que eu era temperamental e teimoso, cara,tente trabalhar com Ritchie Blackmore. Tente Tony Iommi, se você acha que sou um cara durão.

Sei, porque Viv me disse o quanto era meu fã antes de nos conhecermos. Ouvia o álbumHeaven and Hell quando adolescente, dirigindo o carro. Disse que não era fã do SABBATH antes dolançamento do álbum. E, obviamente, estava nervoso perto de mim no início do DIO, nervosocom toda a situação em que se encontrava. Entendi. De certa forma, acho que Viv nunca superouisso. Sempre viu uma versão de mim que ele buscava: a estrela do rock, a figura do chefe, o líderque ele tinha que agradar. Ficou intimidado.

Como resultado, o relacionamento entre nós não amadureceu, e não tenho certeza de quemfoi a culpa. Viv se ressentiu do fato de que, em sua mente, ele pensava que deveria ter umaparticipação maior agora que estávamos com três álbuns. Eu tinha uma visão diferente. Wendytambém. As coisas apodreceram.

Wendy: O que realmente me deixa furiosa é quando eles dizem que escreveram todas as músicas. Todos eles

trouxeram pedaços de música para Ronnie, trouxeram riffs que, então, se tornaram uma música. Onde estão essas

músicas épicas que compuseram, desde que trabalharam com o DIO? Certamente não ajudaram a escrever

“Stargazer” ou “Man on the Silver Mountain”, “Heaven and Hell” ou “The Mob Rules”. Ronnie sempre estava no

controle, no DIO. Eles têm todos os royalties de suas composições e gravações, que ainda recebem até hoje. Mas não

dizem nada disso. “Oh, fomos roubados!” Vamos colocar desta maneira, a banda se chamava DIO. Todas essas outraspessoas eram desconhecidas.

Escrevemos um álbum que era muito dark, bastante DIOgráfico, você pode dizer, e eu ochamei de Sacred Heart, por causa de uma das minhas faixas favoritas nele, outra composiçãointegralmente de banda. Para mim, o álbum era claramente uma continuação do que comecei noHoly Diver. Na verdade, pensei que a faixa-título era igual a “Holy Diver” ou “The Last in Line”,tão boa quanto qualquer coisa que já tínhamos feito. A faixa de abertura, um épico estrondosochamado “King of Rock and Roll”, era uma das melhores canções de rock que já fizemos, de foraa fora, destinada a se tornar, para sempre, um destaque do show ao vivo, enquanto “Rock ‘n’ RollChildren”, que escrevi sozinho, é uma das minhas canções favoritas, dentre todas as que já estiveenvolvido. “Hungry for Heaven” veio de outra oportunidade que nosso sucesso nos trouxe, aoferta de contribuir para a trilha sonora de um grande filme de Hollywood: Em busca da vitória.74

Era um filme legal, estrelado por Matthew Modine e apresentando a Madonna, como uma cantorade bar, executando “Crazy for You”. Junto com JOURNEY, FOREIGNER e Sammy Hagar, estávamosem boa companhia naquela trilha sonora.

Como resultado, decidimos fazer um corte em uma nova versão de “Hungry for Heaven”,especialmente para o Sacred Heart. Gravamos na Rumbo Recorders, em Canoga Park, a apenasuma curta distância de Encino, onde Wendy e eu morávamos agora, em Woodland Hills. Rumboera um estúdio de grande reputação na Costa Oeste. Muitos álbuns excelentes foram feitos lá. Erauma instalação adorável, mas não poderia substituir o que não tínhamos. As vibrações ainda eramruins entre mim e Viv, nossa crescente desconfiança e nosso ressentimento mútuo fervendo comouma poção maligna no fogo. A relação entre o cantor e o guitarrista é fundamental em qualquerbanda de rock, e quando tudo está irregular, mesmo que ligeiramente, não funciona tão bemcomo deveria.

O resultado foi que Vivian simplesmente não estava tão produtivo quanto havia sido. Vocênão pode manter essa falta de compromisso fora dos eixos. Como músico, você estáconstantemente tentando superar sua própria fórmula, expandir-se de maneiras novas e excitantes.Junto com um sentimento mais sombrio, o novo álbum fazia mais uso das texturas de teclado deClaude, mas eu estaria mentindo para você se dissesse que estava totalmente feliz com isso. Asensação era muito diferente. Muitas pessoas entravam para estabelecer suas partes e depois iamembora, em vez de sair como uma banda, como tínhamos feito nos dois primeiros álbuns. Depois,havia a gravadora, ávida por outro sucesso a qualquer custo.

Não percebi o quão estressado eu tinha ficado, mas no dia em que terminamos e colocamos asfitas em uma caixa para serem masterizadas, tive dores de estômago e fui levado direto para o

hospital, onde tive meu apêndice removido. Era como se meu corpo estivesse apenas aguentandoo tempo suficiente para fazer a coisa, antes de clamar por um descanso. Fiquei três dias no hospitale, sabe de uma coisa?, foi maravilhoso. Apenas fiquei lá deitado, dormi, comi, assisti à TV,descansei e me recuperei sem ninguém capaz de dizer qualquer merda que fosse para mim, excetopara perguntar se eu estava bem. Wendy assumiu as rédeas e continuou a lidar com tudo,enquanto eu tirava minha primeira folga real em mais de dez anos.

Depois, enquanto eu estava me recuperando em casa, trabalhamos nos conceitos de capa e umaideia espetacular começou a tomar forma. A arte da capa do álbum foi feita por um artistachamado Robert Florczak e mostra um par de mãos com longas unhas de prata segurando umabola de cristal, dentro da qual está um dragão com um coração ornado de joias em suas garras. Emlatim, por fora, diz: “Nas fronteiras dos sonhos, encontrei para vocês o Sagrado Coração e a PortaDourada”.

“Sacred Heart”, a música-título, era toda sobre uma busca: “You fight to kill the dragon /You bargain with the beast / Then you sail into a sigh / You run along the rainbow / And neverleave the ground / Still you don’t know why / Whenever you dream you’re holding the key / Itopens the door to let you be free…”.75

Foi enquanto estava contemplando aquelas letras que comecei a imaginar um palco para oshow, que incorporava a ideia de um cavaleiro lutando contra um dragão para cumprir sua missãode reconquistar o coração sagrado. Gostei da ideia porque funcionava em muitas camadas. Paramim, era autobiográfico, no sentido das batalhas pessoais e profissionais pelas quais passei – e aindaestava passando, na verdade. Foi, também, um grande épico do rock mais pândego. Que euimaginava poder ser único, um palco e um show maravilhosos para a próxima turnê.

Em outros tempos da Disneylândia, você costumava conseguir o que chamavam de cupom E.Se você tivesse o cupom E, poderia participar de mais passeios do que os outros portadores deingresso. Eu queria que o público que viesse a um show do DIO sentisse como se tivesseconseguido um cupom E, porque decidi que queria que o novo show fosse como ir em umdaqueles passeios na Disneylândia: pura fantasia. Era para ser um show que iria tirar você domundo frio lá fora e deixar com memórias que duram para sempre, puro escapismo para outromundo.

Quando eu estava bem o bastante, fomos a São Francisco para ver o dragão sendo feito.Quando chegamos lá, tinham feito apenas a cabeça. Já era meio magnífico, de longe o maioradereço de palco que já tivemos, mas havia algo nele que não parecia muito certo. Parecia maisum crocodilo do que um dragão. E então descobri o problema. Suas orelhas não se mexiam.Assim que fizeram um com orelhas que se moviam, que dobravam para a frente e para trás,começou a parecer um dragão. Ele logo foi batizado de Dean. Por algum motivo, a imprensacomeçou a chamá-lo de Denzil, mas, para a banda, uma vez que os ensaios de produçãocomeçaram, ele sempre foi Dean. Ele tinha 6 metros de altura, empoleirado em um degrau de 2,5metros, e, debaixo de sua garganta, estava uma porta escondida que eu poderia abrir para revelar

seu coração sagrado. Tínhamos lasers com morcegos voando dentro deles e um bocado depirotecnia. Dean podia cuspir fogo a partir de controle remoto. Todas as plataformas elevadasforam feitas para parecerem penhascos rochosos, e Vinny e Claude estavam empoleirados bemacima do palco, em seus ninhos.

O dragão era a peça central, e tudo se resumia ao cara que o operava, Steve Arch. Steve fezaquela coisa se mover como se estivesse genuinamente vivo. A ideia era que durante “SacredHeart” eu pegaria uma espada laser e lutaria contra o dragão, até que seu peito se abrisse pararevelar o coração. Então, Dean sopraria jatos de chamas em brasa acima de nossa cabeça. Eraextremamente ambicioso, um show que tinha muitas partes móveis – sem nenhum truque geradopor computador naquela época – e era a maior turnê planejada, até aquele momento.

Começamos, em agosto de 1985, com uma apresentação para 25 mil pessoas no Super RockFestival, em Tóquio. Três noites depois, demos início a uma turnê de seis meses pelos EstadosUnidos. O DIO estava maior e mais popular do que nunca. Sacred Heart foi lançado em agosto eimediatamente igualou – e depois melhorou – o desempenho nas paradas de sucesso do The Lastin Line, rapidamente ganhando disco de ouro na América e, novamente, alcançando o Top 4 noReino Unido. Também se tornou nosso maior sucesso na Alemanha e no resto da Europa.Enquanto isso, “Rock ‘n’ Roll Children” e “Hungry for Heaven” também se tornaram sucessos.

Apesar de tudo isso, a campanha da turnê do álbum não começou de forma auspiciosa. Vivianveio falar comigo, mais uma vez, sobre o fim comercial das coisas, então disse a ele para falar comWendy. O estresse no início de uma turnê é alto o suficiente sem esse tipo de pressão da banda.Todos os dias você se preocupa com suas pré-vendas; a equipe técnica tendo que lidar com aaparelhagem e montar uma nova produção de palco; há toda a imprensa e o alvoroço em torno dolançamento do álbum. Nada disso foi projetado para baixar minha pressão arterial, e, quandochegamos ao Japão para o Festival de Super Rock, explodi.

O ROUGH CUTT seria a banda de apoio. Seu álbum de estreia estava na lata e devia sair nomeio da turnê. Tom Allom, mais conhecido pelo trabalho que fez com JUDAS PRIEST, o produziue, como sua empresária, Wendy esteve fortemente envolvida: ela tinha até alguns créditos naparceria de composição. Também ajudei, compondo em parceria a faixa de abertura, “Take Her”,junto com a banda e Craig Goldy. (Quando o álbum foi lançado, a capa mostrava uma facacortando um coração vermelho brilhante – hmmm, onde eu tinha visto algo assim antes?)

Quando chegamos ao Japão, Wendy tinha as duas bandas na mesma cidade, mas em hotéisseparados. Por ser o primeiro show da turnê, ela estava extremamente ocupada. Isso era bom.Senti que apoiei muito a carreira de Wendy, da mesma forma que ela apoiou a minha, mas devehaver uma linha entre o pessoal e o profissional. O DIO era a banda headliner e precisava ser suaprioridade. Era um grande festival, com Sting e FOREIGNER no palco, então não teríamos aprodução de palco completa com o dragão, mas Andy Secher, o editor da Hit Parader, tinha voadopara nos ver. Hit Parader era, na época, uma revista importante nos Estados Unidos, um dospoucos títulos americanos que celebravam o hard rock e o heavy metal, então eu estava ansioso

para fazer um grande show, com Dean ou sem Dean.Quando soube que Andy havia perdido nosso show porque Wendy estava ocupada com

ROUGH CUTT, explodi…

Wendy Dio: Todos nós nos enrolamos com isso, especialmente Andy, mas Ronnie estava furioso, totalmente furioso

comigo! Naquela ocasião, a culpa foi minha. Alguém tem que tomar um esporro, e naquela vez fui eu quem tomou, eRonnie realmente não se importou com quem o visse fazer aquilo. As pessoas que trabalhavam para nós sabiam que,às vezes, haveria muitos gritos e muito drama, como em todas as grandes turnês de rock, mas tudo era perdoadodepois disso. É assim que funcionava entre nós. Entendi que Ronnie estava sob pressão. Ele era o diretor do ringue, eisso estava em seus ombros o tempo todo. Ele fazia o melhor que podia todos os dias e não gostava quando os outrosnão faziam a mesma coisa.

Os meados dos anos 1980 foram uma época de cabelos grandes e visuais espalhafatosos, grandesdiscos e grandes hits. Se você comprou um ingresso para ver um show do IRON MAIDEN, JUDAS

PRIEST ou Ozzy Osbourne, conseguiu um bom investimento. Com o Sacred Heart, não apenasentramos nesse reino, tomamos a coroa. As críticas eram incríveis, comparadas apenas com areação do público ao dragão. Meu objetivo de dar aos fãs aquele cupom E para a Disneylândia, elevá-los em um passeio que eles nunca esqueceriam, funcionou. Anos depois, as pessoas aindafalavam desse show. Estávamos em palcos maiores, em grandes arenas ao ar livre – pavilhões comosão chamados no negócio –, então tudo estava em uma escala maior. O primeiro percurso, entreos Estados Unidos e o Canadá, foi de quase noventa shows, mas conforme se aproximava de umencerramento triunfante, estávamos prestes a nos chocar, nossa primeira colisão realmente séria naestrada.

Na minha opinião, como disse, Vivian não mostrava mais o mesmo compromisso com a bandaque tinha nos primeiros dias. Ele foi, e continua sendo, um excelente guitarrista. No seu melhor,quase o poria ao lado de Ritchie e Tony. Apesar de todas as divergências que tivemos, nuncaperdi de vista o quão bom ele era como músico. Mas, como pessoa, ele não estava mais na mesmapágina que o resto de nós. Isso me chateou imensamente. Quando você tem quatro caras sedesdobrando e se esforçando para fazer o melhor, mas um outro está claramente contra a corrente,isso torna o acampamento infeliz. Viv veio falar comigo novamente sobre o dinheiro durante aturnê e, embora ele não tenha dito nada, tive a sensação de que estava falando pelos outrostambém.

Vivian ainda era um cara jovem e não tinha amarras. Não era casado, não tinha filhos, umahipoteca ou qualquer coisa assim. Ainda estava no estágio de “tenho uma guitarra, pé na estrada”,o tipo de coisa que curti em meu tempo. Eu compreendia. Entendia. Ele se sentia à prova debalas. Mas o que eu também aprendi foi que as coisas no mundo da música têm uma vida útilnatural. Nada dura para sempre, especialmente em relacionamentos não criativos. Fiz três álbunsde estúdio com Ritchie, dois com Tony. Eles foram ótimos e então acabou. Ambos os ladosacabaram sendo capazes de ver o porquê, e não tivemos aquela experiência horrível de

repetidamente fazer álbuns medíocres apenas pelo dinheiro.Eu sabia que aquela situação não podeia continuar. A turnê teve uma pausa após a temporada

americana, em janeiro de 1986, e deveria recomeçar na Europa, no início de abril, após outrarodada de promoção. Todos nós paramos um pouco e Vivian aproveitou a oportunidade para voaraté a Irlanda para ver a família em casa. Encontrei-me com Wendy para discutir a situação, comoprometi a Viv que faria, e fizemos o que consideramos uma oferta justa.

Wendy Dio: Esta é outra parte da história de Ronnie que foi mal interpretada pela imprensa ao longo dos anos, quevou esclarecer agora. O que aconteceu foi o seguinte: durante o intervalo entre as turnês pelos Estados Unidos e pela

Europa, do nada, Vivian pediu a um advogado que me ligasse. Ele disse que o que Vivian queria era mais dinheiro eum pedaço da banda. Não me lembro quanto a mais de dinheiro ele queria como salário, acho que pode ter sido odobro dos 1.700 dólares que vinha recebendo, além dos quais ele queria patrimônio na banda, uma parte de tudo, não

apenas os royalties, que recebia devidamente a partir dos registros, mas todo o resto também. Esse advogado medisse que eu tinha cinco dias para me decidir. Se eu recusasse, Vivian não faria a turnê europeia.

Ronnie e eu sendo do jeito que éramos, não gostávamos que ninguém colocasse uma arma em nossa cabeça.Então, decidimos, esqueça. Ronnie estava tendo problemas com ele de qualquer maneira. Quando o advogado meligou novamente, cinco dias depois, eu disse: “Já o substituímos”. Essa é toda a história.

Viv mais tarde alegou que tentou me ligar. Ele sabia onde eu estava, mas, de alguma forma,nenhuma dessas ditas chamadas ou mensagens chegou até mim. Apenas silêncio.

Vivian sentiu que tinha sido demitido, mas eu, certamente, não via dessa forma. Ele conseguiuque seu advogado nos apresentasse um ultimato – ou obedecíamos ou ele estava saindo.Recusamos. Ele saiu. Isso não soa como uma demissão para mim. Uma parte de mim estava tristepor ter terminado assim. Viv era, e é, um músico brilhante, que fez exatamente o que pedi, queera trazer aquele ataque mais europeu para a banda, um som que fez o DIO se destacar entre todasas coisas do tipo L.A. que estavam por vir. Mas o espírito pragmático em mim percebeu que nãotinha como voltar atrás. O que tínhamos antes foi perdido e, uma vez que acabou, acabou… pelomenos por um tempo.

Como diria meu velho “tio” Johnny Dio, não era nada pessoal, apenas negócios, emboraVivian, talvez, tenha levado um pouco para o lado pessoal. Era apenas um negócio, garoto: obusiness da música.

Houve um projeto final, no qual Viv estava envolvido antes de ele deixar o DIO, que nosdeixou muito orgulhosos. A coisa toda do Band Aid e do Live Aid tinha me afetado bastante. Verpessoas morrendo de fome, só por falta de uma mão amiga, me tocou profundamente, assim comomilhões de outras pessoas, e achei que a comunidade do metal merecia a chance de contribuir asua maneira inimitável.

Depois dos singles do Band Aid e do USA for Africa, “Do They Know It’s Christmas” e “WeAre the World” foram lançados, e os planos estavam em andamento para o show no Live Aid –no Estádio de Wembley, em Londres, no Estádio JFK, na Filadélfia, e em vários outros países aoredor do mundo –, no verão de 1985, Jimmy, Vivian e eu participamos de uma arrecadação de

fundos para o Radiothon, em L.A. Quando Jimmy e Viv mencionaram que seria uma ótima ideiase um bando de músicos de metal pudessem criar uma música juntos, achei que era uma excelenteconcepção. Assim nasceu o que alegremente chamamos de projeto Hear ’n Aid. Este se tornouum álbum com nove faixas, cujos lucros foram destinados para o alívio da fome na África,apresentando faixas do DIO, MOTÖRHEAD, KISS, RUSH, SCORPIONS e até Jimi Hendrix.

Jimmy, Viv e eu escrevemos “Stars”, que seria o single, e, ao longo de dois dias, oito cantorese doze guitarristas foram para os estúdios A&M, em L.A., para gravar a música. A&M foi onde“We Are the World” foi gravado e, conforme a notícia se espalhou pela cidade, logo tínhamosum elenco estelar conosco. Davey e Adrian, do IRON MAIDEN, interromperam a World SlaveryTour para vir. Rob Halford também veio. Neal Schon, do JOURNEY, tocou um solo. Tivemosvários membros do QUIET RIOT, TWISTED SISTER, QUEENSRŸCHE, DOKKEN, MÖTLEY CRÜE, BLUE

ÖYSTER CULT, Ted Nugent e até uma participação especial do SPINAL TAP . Frankie Banali e VinnyAppice tocaram bateria, Yngwie Malmsteen veio para um solo; a coisa toda foi uma festaininterrupta de 48h que filmamos para um documentário, assim como o videoclipe de “Stars”.

Tínhamos grandes planos para o single e o álbum que o acompanha. Não há maior senso depropósito do que fazer algo puramente para o bem dos outros. A única decepção foi que, aoreunir tudo tão rapidamente, demorou muito para ordenar todas as permissões, e o lançamento foiadiado até janeiro de 1986, ironicamente quando Vivian estava para deixar o DIO.

Nada disso importou no final, já que os registros foram unanimemente bem recebidos em todoo mundo; Bob Geldof se envolveu e compareceu à recepção televisionada em Londres; e odinheiro arrecadado foi substancial, levantando mais de 1 milhão de libras na Europa, nas primeirassemanas, e talvez o dobro na América.

Em uma nota pessoal, você acha que já viu de tudo, até que um dia percebe que ainda estáaprendendo, ainda capaz de se surpreender com a natureza humana. As sessões de Hear ’n Aidmudaram minha opinião sobre muitas pessoas. Havia um monte de caras naquela sala que foramcastigados severamente como rebeldes, caracterizados por seus supostos egos e estilos de vida derock star, mas deixe-me dizer uma coisa: por aqueles dois dias (e noites), no verão de 1985, elesforam as melhores pessoas do mundo. Deixaram todos os seus egos no lado de fora e simplesmentecontribuíram, como bons companheiros, doando seu tempo e talento livremente. Por mais quetenha sido edificante, se Hear ’n Aid salvou ou mudou uma única vida, então, para mim, sejustificou totalmente.

Enquanto isso, a partida de Vivian nos deixou de herança um par de sapatos grandes demais, eprecisávamos encontrar os pés que coubessem nele rapidamente. Com a segunda etapa da turnêquase chegando, eu não tinha tempo ou vontade de começar do zero o processo de audições. Eutinha um cara em mente, e era alguém que eu conhecia bem e cujo jeito de tocar respeitava.Algumas pessoas ficaram surpresas quando Craig Goldy foi anunciado como o novo guitarrista doDIO, porque eles só o ouviram tocar na GIUFFRIA, uma banda que teve grande sucesso comercialcom seu álbum de estreia, mas que soava muito mais leve e amistosa para as rádios do que o DIO.

Wendy e eu conhecíamos Craig desde que ele abalou tudo em Los Angeles, com tudo o quepossuía no porta-malas do carro. Craig era um guitarrista sério.

É um grande trabalho ser o guitarrista do DIO. Tenho padrões muito altos, e Craig precisavatocar não apenas o material do Viv, mas as músicas do SABBATH que eu gostava de manter no set,além das várias pedras de toque do RAINBOW que eu sentia serem minhas. Vinny, Jimmy e Claudetambém tinham dado a volta no quarteirão uma ou duas vezes, então não era como se sentar aolado deles em um piquenique. Craig lidou com tudo totalmente como um profissional.

O primeiro show de Craig no DIO dificilmente poderia ter sido em mais alto nível. Antes daturnê europeia começar, tínhamos na agenda a participação no The Tube, o programa musical detelevisão, exibido semanalmente, e que era o mais assistido no Reino Unido naquela época. Oprograma foi ao ar, tocado ao vivo, em uma sexta-feira à noite, num estúdio em Newcastle, e eraapresentado pela esposa de Bob Geldof, Paula Yates, que era uma grande estrela pelos própriosméritos. O programa abrangia todos os gêneros musicais, e todas as bandas tocavam para valer,sem mímicas ou playback, então você precisava tirar os coelhos da cartola, sem segundas chances.

Fale sobre como olhar para o abismo. Craig atravessou-o com louvor, nenhuma nota fora dolugar, e depois disso não houve mais como nos parar. Não vou dizer que me senti melhor durantea noite, mas o peso começou a diminuir e, à medida que a turnê se arranjava novamente, meuhumor melhorou substantivamente. Comecei a ver novas possibilidades, uma nova luz começandoa brilhar no horizonte. Fizemos turnês pela Grã-Bretanha e pela Europa, incluindo três shows comingressos esgotados no Hammersmith Odeon, em Londres, cenário de tantos triunfos iniciais nomeu passado. Em seguida, de volta aos Estados Unidos para outra temporada, depois, emsetembro, voltamos ao Japão para sete shows lotados, onde, para a minha alegria absoluta, fui aatração principal no Budokan, pela primeira vez desde os meus tempos de RAINBOW.

Houve outros grandes destaques – shows consecutivos, com ingressos esgotados, no Forum,para 12 mil pessoas, em minha cidade adotiva de L.A., e no Cow Palace, para 11 mil pessoas, emSan Francisco –, tudo antes daquele show, com que sonhei por toda a minha vida: ser a atraçãoprincipal, na minha própria banda, no Madison Square Garden. Eu tinha feito isso algumas vezescom o SABBATH, mas essa foi a primeira vez que pude fazer meu próprio show lá, sem viver dassombras da reputação de uma banda já gigante.

Lançamos o álbum comemorativo, ao vivo, chamado Intermission, como um bom lembrete daturnê e seu sucesso, e até gravamos uma ótima música nova, “Time to Burn”, um novo emaravilhoso hino do DIO, composta em parceria pela banda, com Claude e Craig.

Me peguei tendo que dizer adeus a outro membro extremamente popular do grupo na turnê,no entanto foi um grande problema. Eu tinha lutado com Dean, o Dragão, cerca de cento ecinquenta vezes no palco, noite após noite, e, embora eu sempre ganhasse (e você já tinhaadivinhado essa), o grandalhão continuava voltando para mais. Quer dizer, isso até o último showno Japão. Era quase como se ele soubesse que sua hora de partir para o próprio Valhalla de fogohavia chegado. Depois de uma última explosão dos fogos de artifício vindas de suas mandíbulas

brilhantes, Dean meio que desabou para o lado – Vinny teve que pular para fora do caminho! – efoi isso. O dragão realmente havia sido assassinado.

De volta a L.A., Claude disse que precisava conversar. Eu sabia que a partida de Vivian não erao fim das coisas para o resto da banda, então o convidei para jantar em casa. Ele me disse que tevea chance de fazer um teste para o FOREIGNER, e eles lhe enviaram uma passagem de avião deprimeira classe para Nova York, com partida no dia seguinte. Wendy e eu o deixamos saber oquanto ficaríamos tristes em vê-lo partir, mas se era esse o seu desejo, então era o que devia fazer.Ele poderia ir com nossa bênção.

Então disse a ele: “Olha, sei que prometemos a você um monte de coisas que, por qualquermotivo, não aconteceram, mas eu realmente quero consertar. Pode haver um solo de teclado nopróximo álbum, definitivamente haverá um na próxima turnê, quero que você se torne otecladista que deseja ser”.

Claude me lembrou que eu havia oferecido algo semelhante na época do Sacred Heart, mas,como expliquei, as circunstâncias mudaram desde então. O designer de palco deveria ter feito umtrabalho melhor ao incorporar seus teclados, e isso era minha culpa. Assumi total responsabilidadee jurei que não cometeríamos esse erro novamente. Conversamos noite adentro sobre todo o tipode coisas.

Uma coisa em que ambos concordamos era que L.A. estava repleta de músicos. Se você teveum grande show como o do DIO, não podia dar mole, porque por melhor que você fosse, semprehaveria alguém pronto para tomar o seu lugar. Ninguém aponta uma arma para a sua cabeça: nessenegócio, você sempre tem uma escolha. Fazer ou morrer. Às vezes você tem que lançar as apostas.

Foi engraçado porque, enquanto conversávamos, percebi algo ao me colocar na perspectiva deClaude, que poderia ser eu mesmo conversando com Ritchie ou Tony, na época em que aindaansiava por fazer as coisas do meu jeito. Ou seja, se eu pudesse ter esse tipo de conversa comaqueles caras. Percorri um longo caminho em dez anos e algumas das lições foram difíceis deaprender. Ritchie e eu tínhamos feito, juntos, um trabalho fantástico, mas, quando chegou a horae eu saí, ele nem piscou. Ele encontrou Graham Bonnet, mudou o som da banda completamentee teve alguns discos de sucesso na Europa.

Tony, Geezer e eu tínhamos nos despedido e, antes que eu pudesse piscar, lá estava Ian Gillanà frente do BLACK SABBATH. O mundo girava, quer você quisesse ou não, e você tinha queaprender a girar com ele. Enquanto conversávamos até altas horas da madrugada, Claude decidiunão pegar o avião para Nova York e fiquei muito feliz. Apertamos as mãos e nos despedimosnaquela noite verdadeiramente entusiasmados com o que o futuro reservava para a banda.

Se a última década me ensinou alguma coisa, foi não fazer previsões. Como cantor do ELF, eununca poderia, em minhas fantasias mais loucas, imaginar o que aconteceria comigo, fazendomúsica com alguns dos maiores artistas de rock do mundo, gravando álbuns que seriamcomentados, da mesma forma que os discos que eu tinha tocado e reverenciado quando estavacrescendo. Recomeçar, com as coisas no porta-malas de um carro, quando Wendy e eu dirigimos

quase 5 mil quilômetros até L.A., e o que tão facilmente poderia ter sido nossa última chance,então montar uma banda e construí-la do zero, até turnês mundiais em arenas gigantes… Pareceloucura, até mesmo irreal, mas foi o que aconteceu.

Para onde vou, daqui para diante?Bem, agora, tendo acabado de terminar outro show, estarei lá fora, dando autógrafos para os

fãs. Desejo cantar no palco, escrever a vida em versos ou sentar-me gratificado com Wendy, nãohá nenhum outro lugar onde eu preferisse estar.

Diana DeVille, que transcreveu todas as anotações de Ronnie.Anthony Turner, que fez a curadoria de todas as fotos.Anna Padavona, descanse em paz, que guardou todas as entrevistas, as fotos e os álbuns de recortes.David “Rock” Feinstein, primo de Ronnie e meu querido amigo.Paula Newman, Ute Kromrey e Sharon Weisz.E Jacob Hoye, que acreditou neste livro em 2010 e, novamente, em 2020.“Heaven and Hell”

Escrita por Ronnie James Dio, Terrence Geezer Butler, Tony Iommi,William Thomas WardEditada por Round Hill CompositionsDireitos administrados por Round Hill Music LPHEAVEN AND HELL

Letras de Ronnie James DioMúsica de Ronnie James Dio, Terence Butler, Anthony Iommi, William WardTRO-© Copyright 1980 Essex Music International, Inc.,New York, NY and Niji Music, Studio City, CAInternational Copyright SecuredMade in U.S.A.All Rights Reserved Including Public Performance For ProfitUsada com permissão“Children of the Sea”

Escrita por Ronnie James Dio, Terrence Geezer Butler, Tony Iommi,William Thomas WardEditada por Round Hill CompositionsDireitos administrados por Round Hill Music LPCHILDREN OF THE SEA

Letras de Ronnie James DioMúsica de Ronnie James Dio, Terence Butler, Anthony Iommi, William WardTRO-© Copyright 1980 Essex Music International, Inc.,New York, NY and Niji Music, Burbank, CAInternational Copyright SecuredMade in U.S.A.All Rights Reserved Including Public Performance For Profit

Usada com permissão

Ronnie James Dio foi o cantor de heavy metal mais aclamado de sua geração, e o único astro do rock a alcançar sucesso múltiplo

não em uma, mas em três bandas: Rainbow, Black Sabbath e Dio. Para Jack Black, do Tenacious D, Dio foi “o Pavarotti do heavymetal”. Para Lars Ulrich, do Metallica, Dio foi “um dos principais motivos pelos quais subi em um palco…”. E, para os fãs deheavy metal em todo o mundo, havia três palavras que o resumiam: “Dio é Deus”. Ele faleceu em 2010.

Mick Wall é um dos jornalistas musicais mais conhecidos do mundo. Seu trabalho apareceu na Classic Rock, na Mojo, no The

Times e em uma variedade de outras publicações. Seus livros incluem os best-sellers internacionais: When Giants Walked the Earth:

A Biography of Led Zeppelin e Two Riders Were Approaching: The Life & Death of Jimi Hendrix. Também apresentou e produziu

documentários premiados para a TV e o rádio. Ele mora na Inglaterra.

Wendy Dio é a presidenta e proprietária da Niji Management. Nos últimos trinta anos, esteve envolvida em muitos aspectos do

music business, recebendo prêmios da Performance e da Pollstar, por cenografia e produção de shows em vídeos, além de atuar

como produtora executiva em vários álbuns de ouro e platina. Em 2010, foi cofundadora do Ronnie James Dio Stand Up andShout Cancer Fund, que arrecadou quase 2 milhões de dólares para pesquisas, educação e exames de detecção precoce.

1 (N. T.) No original, at-home-with-the-style TV documentary , o que seria algo como: “(...) no estilo dos programas de TV na casacom os artistas (...)”.2 (N. T.) PR (Public Relations) é um acrônimo bastante conhecido sobre determinada função no mundo dos negócios, cujatradução no Brasil se dá de modo direto por relações públicas.3 (N. T.) Optou-se por manter o nome do prêmio em sua forma original, por fazer referência à canção da banda T. Rex e, claro,não prejudicar a compreensão. A premiação foi instituída em 2005, cujo primeiro ganhador foi a banda Judas Priest. Dio leva oprêmio na segunda edição do prêmio, conforme dito, em 2006.4 (N. T.) “O mundo está repleto de Reis e Rainhas / Que te cegam e roubam tuas fantasias… / Dirão que o claro, em verdade, éo escuro / E a Lua é simplesmente o Sol noturno / Quando caminhas por salões dourados / Consegues segurar tesourosdespencados / Isto é o Inferno e o Céu”.5 (N. T.) No original, a expressão already old before my time significa algo como “velho demais para a minha própria idade” ou“antigo demais para o meu próprio tempo”. Para fins não só de agilidade, mas para a manutenção estilística da expressão, orientei ojogo com uma expressão poética, relativamente conhecida, de Carlos Drummond de Andrade.6 (N. T.) A Tin Pan Alley era um famoso núcleo de editoras musicais e compositores nova-iorquinos que dominaram a músicapopular dos Estados Unidos, entre o fim do século 19 e início do século 20.7 (N. T.) Aqui, Dio faz referência ao filme de Sergio Leone, diretor italiano de cinema que é a maior referência do faroesteespaguete. O filme em questão é The Good, the Bad and the Ugly, que no Brasil nos chegou como Três homens em conflito.8 (N. T.) Brass section é, literalmente, “seção de metais” ou, em rotinas de orquestra ou bandas de jazz, o que se convencionouchamar por “naipe de metais”.9 (N. T.) Horn, no caso, seria “trompa”, o instrumento. A frase de Dio é muito coloquial para a resolução com o instrumento defato. Como horn também é “chifre”, escolheu-se, para fins de contextualização, o uso do berrante.

10 (N. T.) A expressão mom-and-pop, embora designe “mães e pais”, também entrega uma outra implicação, uma vez que denota uma pequena loja ou negócio,geralmente administrado por um casal. Dio usa de fina ironia nesse momento, apontando certa relação comercial de pais e mães que, em alguma medida, usam osfilhos como mercadorias, que pode ser exemplificada com aqueles shows de misses mirins.11 No Brasil, a série ficou conhecida como Além da imaginação.12 (N. T.) O apelido pode ser pensado como zé-ninguém.13 (N. T.) Associação Cristã de Jovens Moços.14 (N. T.) A expressão A feather in your cap significa algo como “uma conquista da qual se orgulhar”, como se fosse coroado ummomento na chegada ao ápice.15 (N. T.) Juvie é um termo que encontra uma dupla entrada, tanto designa o centro de detenção para adolescentes quanto opróprio adolescente no reformatório. É prática corrente o aprendizado profissional durante a estadia nos reformatórios. Abrincadeira aqui é essa com o termo proposto por Dio com juvie-locksmith, sendo locksmith a profissão de chaveiro.16 (N. T.) No original, o apelido de Bobby é “Rats Nest”, algo como “ninho de rato”.17 (N. T.) No original, o termo anotado é paisan, uma palavra habitual entre hispanos e ítalo-americanos que tanto entrega umaideia de origem dos imigrantes quanto corresponde a uma identidade aproximativa e comunitária, cuja designação pode ser darcomo irmão/irmã.18 (N. T.) No original, Grim Reaper, literalmente A Morte, caracterizada por aquela capa preta e uma foice enorme, tambémchamada de Ceifadora.19 (N. T.) A expressão que pode se referir a uma morte embaraçosa ou, alternativamente, a um incidente mortal e constrangedor.20 (N. T.) Nos Estados Unidos, os condenados à execução no corredor da morte podem receber o perdão, e terem suspensa a penade morte, com a ligação providencial do governador do estado.21 (N. T.) Chaperones comumente designam acompanhante de moças solteiras em bailes. O acompanhamento, geralmente, era feitopor mulheres mais velhas, habitualmente casadas, ou as próprias mães das garotas. Usar, no caso, “damas de companhia” ou“acompanhantes”, poderia gerar uma ambiguidade indesejada. Opto por “amas-secas”, jogando com a ideia de acompanhante ebabá.22 (N. T.) O filme foi lançado em 1978, dirigido por John Landis, estrelado por, entre outros, John Belushi e Donald Sutherland.No Brasil, a comédia ganhou o nome de Clube dos cafajestes.23 (N. T.) No original, Dio cria uma espécie de neologismo com rowdy-o-meter. O primeiro termo designa barulho ou desordem, osegundo estabelece uma unidade métrica.24 (N. T.) O termo bug, neste ponto, tem dupla entrada. Antes, designa uma espécie de dança, muito típica nos anos 1950 e 1960,variada dos passos da jitterbug, sendo abreviada por bug, que seria, justamente, o que Dio narra: uma agitação frenética dos braços edas pernas, mimetizando insetos.25 (N. T.) Hairspray, filme de 1988, no Brasil chegou com subtítulo E éramos todos jovens. Em 2007, ganhou um remake, com novosubtítulo: Em busca da fama.26 (N. T.) Made man é uma expressão que designa um homem da máfia, uma espécie de membro associado cuja especificidade éestar dentro de uma linhagem familiar específica, funcionando como “patentes” que garantem privilégios, mas também demandamcertas responsabilidades.27 (N. T.) No original, vemos Looks like them n*****s’ll be barbecuin’ mule tonight. Estamos, aqui, em um contexto sulista, nos EstadosUnidos, entre os anos 1950/1960, e a força da segregação racial, que em amplo aspecto ainda permanece, embora em outrostermos, era determinante. As relações com o norte do país, entendidos como Yankees, são problemas políticos sérios desde aGuerra da Secessão, estabelecendo ruídos nas relações através dos tempos. Os próximos parágrafos vão tornar tudo isso maisexplícito. Contudo, retornando ao passo da frase em questão. O termo grafado com asteriscos, evidentemente, é uma palavra que,não por uma prática politicamente correta, tem sido retirada do vocabulário geral dos estadunidenses. Costumeiramente, nocontemporâneo, é tratada como “a palavra com a letra N...”. Uma situação-limite se colocou no processo tradutório: trazer ou nãoo termo traduzido em nosso contexto? Se trazido, como fazê-lo? Afinal, a implicação, no caso, é racista. Optou-se por um usorecorrente, mais ou menos genérico, da palavra “nego”. Por óbvio, a carga racial está colocada na boca do policial que aborda Dioe os demais componentes da banda, embora, na prática corrente do brasileiro médio, o termo, acredita-se ainda, valha paraquaisquer pessoas. Comunica? Sim. Dá clareza ao entendimento? Também com fina ironia, sim, torna claro. Todavia, um passodifícil.28 (N. T.) Dá-se o nome Deep South (que se poderia traduzir como Extremo Sul ou Sul Profundo) à região cultural e geográfica dosEstados Unidos composta por estados a sudeste do país. Yankee, por sua vez, refere-se tanto à região geográfica, o norte do país,quanto aos habitantes de lá, e, de modo mais geral, a todos os estadunidenses.29 (N. T.) No original, hush up real quick. Hush up funciona como um “cala a boca”, mas mais áspero, agressivo, funciona comoexpressão idiomática, mais coloquial. Real quick é, também, uma modalização idiomática, comumente usada em finais de frase paraindicar que a ordem deve ser cumprida com presteza, rapidez.30 (N. T.) Considerando a linha do tempo estabelecida por Dio, possivelmente, o filme a que assistiram foi Duelo de Diablo Canyon[Duel at Diablo (1966), dirigido por Ralph Nelson].31 (N. T.) No original, Punchinello, aportuguesado como “Polichinelo”. De origem napolitana, grafado como Pulcinella, é umaantiga personagem-tipo e burlesca da commedia dell’arte, cujas raízes remontam ao teatro da Roma Antiga. Se caracteriza pelo narizlongo, cifose, barriga grande, barrete, roupa multicolorida e fala tremida e esganiçada.32 (N. T.) O apelido é algo que soaria como “Cara Machadão”.

33 (N. T.) Termos típicos do jogo de beisebol.34 (N. T.) Apesar de a expressão ser estranha, Dio apresenta sua cabeça inchada exatamente dessa forma, tal como a cúpula dasigrejas, cujo estilo é geralmente atribuído ao complexo arquitetônico russo, com domos construídos parecendo, digamos, cebolasenormes.35 (N. T.) O primeiro gênero musical a ser comumente conhecido como honky-tonk foi um estilo de tocar piano relacionado aoragtime, mas enfatizando o ritmo mais do que a melodia ou a harmonia. O honky-tonk também é utilizado como termodepreciativo para se referir aos brancos.36 (N. T.) Snow Bunny, no original. De modo geral, em se tratando de um variado circuito de expressões quando se trata de garotas,bunny está entre elas. No caso, pode-se assumir a relação com as coelhinhas da Playboy, muito embora seja comum o uso atributivocom outras atividades. Aproveitando o clima, ainda foi possível criar uma relação com o Abominável Monstro das Neves.37 (N. T.) Lurch, no Brasil, foi chamado como Lacaio, na primeira versão da série, e posteriormente como Tropeço, na segundaversão e no filme. Ele é o mordomo da família, com uma aparência aproximada de um Frankenstein misturada com zumbi.38(N. T.) “Um lindo nome para uma linda garota…”39 (N. T.) No original, With the safety-catch off, que seria algo como “com as travas de segurança desligadas.40 (N. T.) Easy street, no original, pode ser entendida como expressão idiomática que significa, aproximadamente, estar em condiçãofinanceira assegurada, estar livre de preocupações.41 (N. T.) Embora a maioria dos aficionados por música reconheça o termo, para fins de evitar ambiguidades, “tirar um som dosinstrumentos” é uma fase importante na produção, em que os produtores definem as timbragens, os módulos de afinação, a melhormicrofonagem, entre outras coisas dentro do estúdio, para o melhor desenvolvimento do processo de gravação.42 (N. T.) No original, (…) which featured live music and lots of live women (...). Dio, nesse passo, estabelece uma espécie de sentençatrocadilhesca, estabelecendo relação entre música ao vivo e mulheres vivas, o que, claro, em português seria no mínimo estranho.43 (N. T.) “Inferno e fogo queimando mais forte / Agora posso ver o além…”.44 (N. T.) Estamos falando de rock ‘n’ roll, músicos em turnê e toda a sorte de eventos. Até aqui, tudo bem. Mas, para efeitos dedesambiguação, talvez seja necessário dizer que as “piranhas” na banheira de Keith Moon são aqueles peixes carnívoros de águadoce, que habitam alguns rios da América do Sul.45 (N. T.) No original, groggy-eyed, literalmente “olhos grogues”.46 (N. T.) No original, mojo. O termo não tem exatamente uma tradução. É algo como uma espécie de magnetismo irresistível,tendo relação, ainda, com um aspecto mágico ou sobrenatural, bem como um certo apelo sexual. De muitas maneiras, “borogodó”entrega essas acepções. Cabe lembrar, ainda, a letra de “L.A. Woman”, do The Doors, escrita por Jim Morrison, que traz nela apresença de “Mr. Mojo Risin’” – que funciona como um anagrama do nome do compositor.47 (N. T.) No original, fairy dust, que literalmente seria “pó de fada”. Em determinados contextos, poderia ser associado, comogíria, à cocaína. Mas não parece ser o caso. Aqui, ainda considerando a referência ao SNL com Belushi e Murray, está maisaproximado do famoso “pó de pirlimpimpim” da Fada Sininho, personagem encantada das histórias de Peter Pan, hoje conhecidano Brasil, pelas gerações mais jovens, como Tinkerbell, por conta dos direitos com a Disney. De algum modo, a frase poderia soarcomo: “Faça a porra da sua mágica, cacete!”.48 (N. T.) No original, froggy, algo como “ao modo de sapos”, donde me pareceu interessante colocar a presença do som feito peloanfíbio. Há, ainda, uma outra acepção possível, que seria “forte” ou “agressivo”, mas não parecem ser o caso.49 (N. T.) A metaqualona, conhecida também como Mandrix, Mandrax, Mequalon, Quaaludes, Smarties ou Geluk-tablette, é umadroga sedativa e hipnótica depressora do sistema nervoso central, que foi muito usada em comprimidos para dormir nos anos 1970,com ação semelhante e menos efeitos colaterais que os barbitúricos.50 (N. T.) A jogada, aqui, como vocês podem ter percebido, está na relação entre os inúmeros nomes que a maconha pode ter aoredor do mundo, quando em circulação de gíria. Lembremos que são americanos em solo inglês, daí o jogo com “erva”, nooriginal, grass, que pode ser traduzido como grama ou capim.51 (N. T.) Pode ser traduzido como “punheteiros”.52 (N. T.) No original, (…) on the corner of Cool School and Easy Street. Há um jogo propositivo aqui, brincando com os termos erecuperando algo dito anteriormente por Dio (cf. nota 41). On the corner, literalmente, significa “(estar) na esquina”, espaço quepode ser entendido, também, como “passagem”, o que contextualmente torna interessante a expressão escolhida. “Cool School”,ao que parece, é variante idiomática de uma expressão bastante usual dos anos 1960, “To Cool For School”, algo como “legaldemais para a escola”. Há implicações positivas e negativas na expressão, hoje tomada mais com tonalidades irônicas. Há uma velhainsinuação rebelde, de ser bom demais para modalidades autoritárias, no caso, as escolas; por outro lado, há, também, uma espéciede “ar de superioridade”.53 (N. T.) No original, ball and chain, literalmente “bola e correntes”.54 (N. T.) No original, good-time band. A expressão significa algo como “entretenimento”, no caso, pouco sério, no que tange àsletras e à postura.55 (N. T.) Comunidade das Nações (Commonwealth of Nations, ou simplesmente the Commonwealth), originalmente criadacomo Comunidade Britânica de Nações (British Commonwealth of Nations), é uma organização intergovernamental compostapor cinquenta e três países-membros independentes.56 (N. T.) No original, temos jeez resh hell. A primeira pode funcionar como uma interjeição de surpresa, como as senhorinhascostumavam dizer, “Ai, Jesus!” e também “caramba”, contudo, a expressão, no caso, contém mais que surpresa. A segunda carregaimplicações como algo que pode ir de mal a pior que, coloquialmente, poderíamos dizer do seguinte modo: “O que é, dessa vez?”.

Contudo, e mais uma vez, dado o contexto, o tom é mais carregado.57 (N. T.) No original, wife beater. A Stella Artois, entre os anos 1980 e 1990, ganhou essa atribuição (espancador de esposas) porconta de a cerveja estar associada a casos de violência doméstica e outras confusões por haver, em sua composição, uma taxa maiorde álcool, em relação às demais cervejas inglesas. Imagem que, dos anos 1990 para cá, vem sendo revista, inclusive com a reduçãoda taxa de álcool em sua composição.58 (N. T.) No original, woodwinds sounds. Literalmente, “naipe de madeiras”, que é composto por instrumentos de sopro queutilizam palhetas na produção dos sons, não a vibração dos lábios.59 (N. T.) No original, went down a storm, an English expression I learned from Wendy. A expressão, ensinada a Dio por Wendy, carregao seguinte sentido: alguma ação bem-sucedida, como uma festa, por exemplo, pode ser considerada como uma tempestade.60 (N. T.) George Sand foi o pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin, baronesa de Dudevant. Escreveu inúmerosromances, nos quais expressou preocupações com problemas sociais e políticos. Participou ativamente da revolução de 1848 e éconsiderada uma das maiores escritoras francesas de todos os tempos.61 (N. T.) No original, Ritchie’s trademark ballsy riffs.62 (N. T.) No caso, jelly, na Inglaterra é como chamam “gelatina”. A nova amiga de Wendy, ao pedir jelly, recebe “geleia” (jam, eminglês). O modo como chamam gelatina, nos Estados Unidos, é jell-o, que seria a marca, assim como agimos ao comprar Maizena,por exemplo.63 (N. T.) Mais uma vez, Dio faz referência ao O Mágico de Oz e à canção tema do filme com Judy Garland, a famosa “SomewhereOver the Rainbow”.64 (N. T.) No original, legs do break. Clara referência à expressão break a leg, muito utilizada no teatro, tendo o significado figuradode “boa sorte”. Com o modo colocado por Don Arden, algo como “pernas quebram”, optou-se por uma jogada coloquial, nocaso “tenta a sorte”, mantendo o jogo propositivo da expressão no original.65 (N. T.) “Na bruma do amanhecer, na crista do tempo, perdemos o sol nascente, um último aceno…”.66 (N. T.) “O mundo está repleto de Reis e Rainhas / Que o cegam e roubam suas fantasias…”.67 (N. T.) No original, the Bible Belt. O Cinturão Bíblico é uma região dos Estados Unidos onde a prática da religião protestante fazparte da cultura local. Está localizado na região sudeste dos EUA, devido às fundações coloniais do protestantismo; a origem de seunome deriva da grande importância da Bíblia entre os protestantes.68 (N. T.) No original, mountains of ice-cold “snow”. Como o leitor já deve ter percebido, ao longo do livro, os modos narrativos deDio, aqui e ali, deixam pistas curtas que vão ser retomadas em alguma linha, como se os fios da memória se emaranhassem. Então,aguardem.69 (N. T.) Lembrem-se da nota anterior. Para os fãs de Black Sabbath, a expressão “cego pela neve”, nessa frase, é matadora. Osprimeiros versos, de uma melodia grudenta, com um riff inesquecível, de uma das faixas mais famosas do Vol. 4 da banda,“Snowblind”: “What you get and what you see / Things that don’t come easily / Feeling happy in my vein / Icicles within mybrain (cocaine)” – “O que você ganha e o que você vê / Não vão vir tão facilmente / Fico alegre em minhas veias / Sincelosdentro da minha mente (é o pó, vem)”. A tradução dos versos se dá de modo rítmico, sendo quase possível cantá-los em português.70 (N. T.) No original, It was like the boys’ club, toma-se uma solução talvez anacrônica. Há uma expressão para “clube de meninos”no Brasil, tirada de um desenho animado do Clube da Luluzinha, que consistia em uma garota e um coletivo de amigas, cujoantagonista era um personagem chamado Bolinha que, então, monta um clube só de garotos.71 (N. T.) Mais uma referência direta ao O Mágico de Oz.72 (N. T.) No Brasil, a imagem da duração de uma pilha ficou mais ligada à outra marca, Duracell.73 (N. T.) Os filmes citados no parágrafo originalmente se chamam, em ordem de aparição, Phantasm, The Beastmaster e TheAmityville Horror, contudo, para identificação imediata, estão os nomes que estiveram em cartaz no Brasil.74 (N. T.) O filme citado tem o seguinte nome no original: Vision Quest. Contudo o filme ficou conhecido como Crazy for You, noReino Unido e na Austrália.75 (N. T.) “Você luta para matar o dragão / Você barganha com a besta / Então você navega em um suspiro / Você caminha aolongo do arco-íris / E nunca deixa os fundamentos / Você ainda não sabe o motivo / Sempre, ao sonhar, estará de posse da chave/ que abre a porta para que esteja em liberdade…”.