PISTOLA, Renato (2009), Alcântara, A Evolução Industrial de meados do Século XIX ao Final da...

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ALCÂNTARA, A EVOLUÇÃO INDUSTRIAL DE MEADOS DO SÉCULO XIX AO FINAL DA I.ª REPÚBLICA Renato José Bogalho Jorge da Silva Pistola ___________________________________________________ Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História, realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Maria Fernanda Rollo FEVEREIRO DE 2009

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ALCÂNTARA, A EVOLUÇÃO INDUSTRIAL

DE MEADOS DO SÉCULO XIX AO FINAL DA

I.ª REPÚBLICA

Renato José Bogalho Jorge da Silva Pistola

___________________________________________________

Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História, realizada

sob a orientação científica da Professora Doutora Maria Fernanda Rollo

FEVEREIRO DE 2009

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Para os meus pais

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AGRADECIMENTOS

Um primeiro momento de gratidão é dirigido à minha orientadora, a Doutora Fernanda

Rollo, pela forma dedicada com que acompanhou todos os momentos deste trabalho. Deve-se

a ela não só a circunscrição dos principais problemas desta investigação, como um

permanente e indispensável apoio ao longo dos últimos meses. Sem o seu estímulo constante

seria interminável a elaboração desta tese.

Um sentido agradecimento é devido também aos professores que acompanharam este

percurso e ajudaram a atingir o resultado final. Foram aí decisivos o Professor António Reis,

o Professor Fernando Rosas e o Professor Medeiros Ferreira. Agradeço, igualmente, aos

Professores António Camões Gouveia, Pedro Cardim, Francisco Caramelo e Ana Isabel

Buesco e a todos os professores do Departamento de História da Faculdade de Ciências

Sociais e Humanas que me acompanharam ao longo dos últimos anos. Devo-lhes, sobretudo,

a transmissão da sua paixão pela História. Uma palavra de gratidão é devida também ao

Doutor Pedro Lains, pelos momentos de reflexão quase diária que impulsionou nos últimas

semanas.

Decisivos igualmente para a definição deste trabalho foram Frédéric Vidal,

emprestando-me todo o conhecimento que detém sobre o Alcântara, do Doutor Jorge

Custódio e da Doutora Ana Cardoso Matos, sempre disponíveis para limar algumas questões

mais pertinentes.

Não teria sido possível esta tese sem o auxílio dos diversos profissionais que me

acompanharam nos diversos arquivos por onde a investigação decorreu. O meu especial

agradecimento para a Dra. Rosa Ávila, para a Dra. Mónica Marques, para o Dr. Rui Pereira e

para o Dr. Vasco Brito, e para todos os funcionários do Arquivo do Arco do Cego da CML.

Retribuo também o carinho e o profissionalismo que me foi dedicado no gabinete de Estudos

Olisiponenses e na Torre do Tombo.

Uma palavra também para os vários amigos que compartilharam dúvidas e angústias.

A maior gratidão pertence ao André Costa, pelos incansáveis momentos de tertúlia

historiográfica que se revelaram essenciais na árdua tarefa de isolar os verdadeiras questões

levantadas por este trabalho.

Para ti Marta, por saberes que o tempo é sempre maior que o silêncio da espera.

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RESUMO

Alcântara, A Evolução Industrial

De Meados do Século XIX ao Final da

I.ª República

Renato José Bogalho Jorge da Silva Pistola

PALAVRAS-CHAVE: Alcântara, Lisboa, Bairro Industrial, Fábricas, Industrialização,

Urbanização.

O estudo incide sobre o processo de afirmação de Alcântara como o principal bairro industrial de Lisboa, no período compreendido entre meados do século XIX e a segunda década do século XX. Objectivando conhecer de que forma evoluiu o seu tecido industrial, nesta data, foca a sua análise na identificação e na compreensão dos factores que em cada momento se revelaram decisivos não só para atrair novos estabelecimentos como para a permanente escultura do tecido produtivo do bairro, no seu todo.

A partir de 1840 Lisboa começa a conhecer um relevante desenvolvimento industrial de perfil moderno. Em função do seu significativo crescimento urbano, o centro da cidade encontra-se diminuído como espaço habilitado a receber estabelecimentos industriais de médias e grandes dimensões. Tendo o assentamento industrial procurado espaços periféricos ao centro da capital Alcântara, pelo conjunto de factores que possuía, esgrimia as suas vantagens com outras áreas periféricas. Em primeiro lugar, o espaço livre que tinha para oferecer, traduzido na significativa oferta de terrenos disponíveis para receber novas unidades. Sublinhe-se também facto de eles conterem um importante número de factores naturais essências à laboração de muitas actividades. Destacava-se, sobretudo, a abundante presença de água, fundamental para uma das principais actividades do bairro na segunda metade do século: a estamparia.

Acresce a estas vantagens as diversas infra-estruturas que o bairro conhece neste período, e na qual a mais significativa será, porventura, as obras de modernização do Porto de Lisboa, um estrutura essencial como porta de acesso a matérias-primas e energia, mas igualmente como via para escoar os bens produzidos pelas empresas de maior relevo, sobretudo.

O desenvolvimento industrial de Lisboa foi decisivo, por sua vez, para o seu desenvolvimento demográfico e urbano. Entre 1860 e 1900 a cidade viu aumentar grandemente o seu número de habitantes, constituindo-se assim como um mercado natural próximo e de incontornável importância para a evolução urbanística do bairro.

6

Quando chegamos ao fim do século XIX a efectividade do desenvolvimento urbano de Alcântara era subsidiário, em grande parte, da sua singular localização geográfica no contexto de Lisboa. A mudança de século, contudo, revela o duplo efeito do processo industrialização no bairro. À medida que o pulsar industrial vai promovendo o seu desenvolvimento urbano e uma mais ampla integração em Lisboa, vai cerceando também muitas das vantagens que o bairro possuía num primeiro momento, um fenómeno visível, sobretudo, na diminuição do espaço disponível para o assentamento industrial de medias e grandes unidades.

A década de 1920, e as dificuldades aí sentidas constitui-se, desta forma, como os anos nos quais se torna mais visível o esgotamento do modelo de desenvolvimento perseguido no bairro depois de 1840.

O âmbito cronológico perseguido neste trabalho vai assim entre 1840, quando são instalados no bairro as primeiras unidades de perfil moderno, e a década de 1820, quando desaparecem do seu tecido produtivo muitas das unidades criadas no século XIX.

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ABSTRACT

Alcântara, A Evolução Industrial

De Meados do Século XIX ao Final da

I.ª República

Renato José Bogalho Jorge da Silva Pistola

KEYWORDS: Alcântara, Lisbon, Neighbourhood/áreas, Factories, Industrialization,

Urbanzation

This study focuses on the rise of Alcântara as Lisbon’s main industrial neighbourhood between the mid-19th Century and the second decade of the 20th Century. Seeking to determine in what ways its industrial fabric evolved in that period, the work focuses its analysis on the identification and understanding of the factors which, at any given moment, were decisive not only in attracting new establishments but also in the permanent fashioning of the productive fabric of the neighbourhood as a whole.

From 1840 onwards, Lisbon begins to experience a relevant modern industrial development. In the face of this significant urban development, the city centre, because of its spatial limitations, is unable to accommodate medium or large sized industrial establishments. As these industries sought peripheral spaces adjacent to the city centre, Alcântara, due to the set of characteristics it possessed, put forth its advantages in comparison to other peripheral areas.

Firstly, the free space it had to offer translated into a significant offer of land available and ready for new units. We should also stress that this land contained an important number of natural resources essential for the functioning of many activities. What stood out among these resources was the abundant presence of water, essential for one of the main activities in the neighbourhood during the second half of the century: fabric printing (de tecido?).

To these natural advantages, we should add the several infrastructures created in the neighbourhood during this period, the most relevant of which is possibly the modernization of the Lisbon Harbour. This was an essential structure as a medium to access raw goods and energy sources, and equally important as a route through which to channel the goods produced by the most important companies of the time.

Lisbon’s industrial development played a key role in the city’s demographic and urban development. From 1860 to 1900, the city registered a large increase in the number of its inhabitants, thus becoming a natural, adjacent market of fundamental importance in the urban evolution of the neighbourhood.

8

By the end of the 19th Century, the effectiveness of Alcântara’s urban development was greatly dependent on its unique geographical placement within the context of Lisbon. Nevertheless, the dawn of the new century reveals the double effect the process of industrialization had on the neighbourhood. As the industrial pulse continues to promote its urban development and a broader industrial integration in Lisbon, it also reduces many of the advantages the neighbourhood originally possessed, a phenomenon mostly visible in the diminishing of available space for the settlement of medium or large-sized industrial units in the area.

The difficulties felt throughout the 1920’s clearly reveal the exhaustion of the underlying model of development for the neighbourhood, which had been followed since 1840.

The chronological scope of this work thus ranges from the year 1840, when the first units of a modern character were introduced in the neighbourhood, to the 1920’s, when many of the units created in the 19th Century disappear from it’s productive fabric.

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ÍNDICE

Introdução......................................................................................................... 12

Capítulo I: Na gênese da formação de um bairro industrial ............................ 19

1. A singularidade de Alcântara: os factores de fixação industrial ...........19

1. 1. A valorização do perfil periférico ...................................................19

1. 2. O impulso das riquezas naturais .................................................... 26

1.3. O reforço da vocação industrial ...................................................... 29

1.4. Indústria chama indústria. Crescimento urbano e mutações do tecido

produtivo .................................................................................................32

2. A evolução de um bairro industrial: aspectos gerais ..............................35

Capítulo II: Dinâmicas e etapas da industrialização de Alcântara .................. 38

1. Na gênese da industrialização de Alcântara ....................................... 38

2. 1840-1870: lugar à modernização. ..................................................... 41

2. 1. A importância do sector têxtil .................................................. 41

2. 2. Um mundo de novas oportunidades: a emergência da metalurgia

........................................................................................................... 45

3. A afirmação de um bairro industrial ................................................... 48

3. 1. A explosão industrial ................................................................ 48

3. 2. Afirmação e mutabilidade dos principais sectores industriais.. 55

3. 3. A vez do sector alimentar ......................................................... 58

3.4. Sob o impulso do desenvolvimento urbanístico: as

“industrializações” de Alcântara ...................................................... 63

4. Alcântara no contexto da industrialização portuguesa ....................... 67

5. Dinâmicas e características do tecido produtivo ................................ 69

5. 1. A emergência da diversidade industrial ................................... 69

5. 2. Estagnação e modernização ...................................................... 71

10

5. 3. A distribuição espacial .............................................................. 78

5. 4. Os desafios do novo século ...................................................... 80

Capítulo III: Estagnação e dinamismo no desafio dos anos 20....................... 83

1. 1917: Guerra e transformação............................................................. 83

2. Anos 20, uma década de decadência?................................................. 89

2. 1. A ilusão do fim da guerra ......................................................... 89

2. 2. 1922-1926: o tecido produtivo de Alcântara num contexto de

crise da indústria nacional ................................................................ 94

2. 3. Um tecido produtivo renascido ................................................ 99

Conclusão ....................................................................................................... 103

Bibliografia .................................................................................................... 108

1. Fontes ................................................................................................ 108

1. 1. Arquivos e Fundos .................................................................. 108

1. 2. Fontes Manuscritas ................................................................. 108

1. 2. Fontes Impressas ..................................................................... 111

1. 4. Publicações Periódicas ........................................................... 113

2. Bibliografia ....................................................................................... 114

2. 1. Obras Gerais ........................................................................... 114

2. 2. Industrialização Portuguesa .................................................... 116

2. 3. História de Lisboa ................................................................... 120

2. 4. Estudos Urbanos ..................................................................... 122

Anexos............................................................................................................ 125

Anexo 1 – A zona de Alcântara em 1857................................................ 125

Anexo 2 – Alcântara nas primeiras décadas do século XX .................... 126

Anexo 3 – Mapa de Lisboa em 1891 ...................................................... 127

Anexo 4 – Principais indústrias de Alcântara em 1881 .......................... 128

11

Anexo 5 – Tipologia e origem da matéria-prima usada em Alcântara ... 130

Anexo 6 – Mercados de consumo das principais unidades de Alcântara 134

Anexo 7 – Operários em Alcântara por estabelecimento........................ 137

Anexo 8 – Cavalos-Vapor usados em Alcântara (1890) ......................... 139

Anexo 9 – Registo de estabelecimentos por classe industrial (1917-1920)

.................................................................................................................. 140

Anexo 10 – Nomes de ruas de Alcântara (1881-1914) ........................... 141

12

Introdução

O trabalho que aqui se apresenta tem como objecto o estudo do processo de

industrialização de Alcântara, em Lisboa, no período que se estende entre meados do século

XIX e o final da I.ª República.

A análise da temática da industrialização portuguesa estruturada a partir da

caracterização de um espaço geográfico restrito e claramente limitado, conforme se apresenta

o bairro de Alcântara, é um tema ainda pouco explorado pelo conjunto da historiografia

portuguesa, ou até no espectro geral das obras internacionais que se dedicam a esta temática.

Importa assim explicar, primeiramente, quer os motivos de interesse que impulsionam uma

análise com estas características, quer a relevância que um trabalho com este perfil poderá ter

para um melhor conhecimento da industrialização portuguesa no seu todo.

Charles Tilly, quando questionado acerca da importância dos estudos locais

desenvolvidos no âmbito da História Urbana, referiu que a grande importância dos mesmos

advém do facto de permitirem interpretar a forma como um processo social global se articula

com a realidade mais pequena da existência ao nível local.1 Para este autor, a delimitação de

um objecto de estudo materializado num espaço físico mais diminuto permite assim uma

melhor percepção de fenómenos históricos de um cariz mais abrangente. Entendemos, nesta

perspectiva, que encerrar o processo de industrialização aos limites de um bairro nos

possibilitam identificar, com mais clareza, as sua dinâmicas e realizações e conhecer no

contexto local, não só as alterações provocadas por um processo de larga escala, no caso, a

industrialização, como, no ponto que aqui mais nos interessa, analisar um conjunto de

factores que se constituíram decisivos para essa mesma industrialização, assim com a sua

mutação num espaço cronológico preciso. Será esse, simultaneamente, o objectivo do nosso

estudo e o impulso decisivo para a sua realização.

Quando olhamos atentamente para Alcântara no período compreendido entre meados

do século XIX e 1926, objectivamos saber que conjunto de factores existente no seu espaço

permitiu que o bairro se tenha transformado, nas balizas cronológicas definidas para o nosso

estudo, numas das zonas mais industrializadas de Lisboa?

1 Veja-se Charles Tilly - “What Good is Urban History?”. Journal of Urban History. Londres: Sage. 22.º vol., n.º6 (Setembro de 2004), pp. 702-719.

13

Deriva, desta questão central, um segundo conjunto de problemáticas em torno das

quais estruturamos a nossa análise. Pretendemos perceber, em primeiro lugar, que vantagens

eram específicas da área em estudo quando comparado com as diferentes zonas da cidade no

momento em que ocorre o momento de take-off industrial do bairro? Esta questão pode ser

colocada na forma mais simples, mas igualmente esclarecedora, sob a forma de identificação

do conjunto de factores pelos quais a industrialização pautou decisivamente Alcântara. A

análise da evolução do tecido industrial do bairro faz emergir, por sua vez, diferentes

interrogações, mas nem por isso de menor importância. A de maior relevância será,

provavelmente, a vontade de esclarecer de que forma o perfil de um local como Alcântara

contribuiu para a definição do tecido industrial aí instalado, sendo que as características do

próprio bairro se apresentam mutáveis ao longo dos anos analisados em grande medida como

consequência do próprio processo industrial que aí ia ocorrendo.

A evolução da investigação, no entanto, revelou-nos não só momentos que

conheceram um importante assentamento industrial ocorridos algumas décadas antes da

década de 1870, como nos levam a colocar a possibilidade da industrialização de Alcântara,

ao contrário do que é sugerido para o conjunto da realidade do País, poder ser sobretudo

caracterizada por uma evolução muito mais lenta e progressiva, do que por impulsos

temporais mais específicos de desenvolvimento. Esta hipótese constitui, desta forma, mais

uma questão complementar ao eixo central da nossa análise: de que forma evolui, e quais as

dinâmicas próprias do tecido industrial de Alcântara? Questionaremos também, por último,

ainda que mais residualmente, o papel transformador por excelência do próprio fenómeno da

industrialização.

Na delimitação do espaço cronológico seguimos, num primeiro momento, as datas

propostas pela historiografia que há menos tempo se debruçou sobre a industrialização

portuguesa. O momento escolhido para iniciar a nossa análise, a década de 1870, pareceu-nos,

numa fase preparatória, aquele que se revelava o mais correcto para melhor compreendermos

as problemáticas globais inerentes ao nosso trabalho. Embora a delimitação temporal não se

pretenda rígida pensamos justificar-se, nesta sua primeira baliza, com a identificação de um

surto industrial ocorrido na década de 1870, no território nacional, conforme nos mostram os

estudos mais recentes sobre a matéria. Na verdade, dos vários debates que evoluem em torno

da industrialização portuguesa, a possibilidade de ela ter ocorrido sob a forma de surtos

industriais é das questões que maior consenso obtém no campo historiográfico português

actual. Apenas uma questão tem dividido os historiadores: a definição da cronologia correcta

14

para o arranque do surto industrial de finais do século XIX. Enquanto investigadores como

Joel Serrão se inclinavam mais para a década de 18902, estudos mais recentes, como os de

Jaime Reis3, baseados em análises quantitativas, falam em taxas de crescimento de cerca de

3% ao ano, o que significa que se pode falar num verdadeiro take-off industrial desde a

década de 1870.

Menos problemática se apresenta a data que escolhemos para finalizar este trabalho.

Não se tratando, entenda-se, de um estudo vincado por uma sólida rigidez nos limites

cronológicos, consideramos que a década de 1920 surge como o período no qual são

colocados novos desafios ao tecido produtivo de Alcântara. Referimo-nos, sobretudo, à

mutação política que representou o fim da I.ª República e o início do Estado Novo, uma

realidade que fez emergir não só uma lógica política e económica diferente cuja análise

resultaria numa vincada dilatação do âmbito cronológico em estudo para além do que é

desejável num trabalho com estas características.

Em termos metodológicos optamos por uma perspectiva que nos permitisse a

identificação das principais actividades instaladas no bairro. Procuramos assim conhecer, na

sua especificidade, os estabelecimentos mais significativos que em cada momento aí se

instalaram. As maiores e mais modernas unidades produtivas de Alcântara são, por assim

dizer, os principais actores do nosso estudo. Através da análise dos seus diferentes momentos

de instalação, da sua localização geográfica, da sua evolução e até do seu modelo produtivo

abrimos uma via no sentido de perceber, com maior clareza, que elementos eram específicos

de Alcântara e qual o seu contributo específico para a evolução industrial do bairro. Mas o

campo deste estudo é igualmente composto por uma importante análise da realidade das

pequenas unidades que laboravam no bairro, dado o papel de grande relevo que atingiram na

definição da industrialização de Alcântara, quer as primeiras unidades de perfil pré-industrial

quer, posteriormente, o mundo manufactureiro que se afirmara em paralelo ao fomento de

unidades maiores. Optamos, neste sentido, por uma perspectiva organizada em função de uma

análise cronológica que nos permitiu identificar as diversas dinâmicas dominantes em cada

momento de estudo, desde o arranque industrial do bairro, no seu sentido moderno, à nova

realidade que pautou a vida económica do bairro nos anos de 1920.

2 Serrão, Joel e Martins, G. (Org.) - Da Indústria Portuguesa: do Antigo Regime ao Capitalismo. Antologia. Lisboa: editora, 1978. 3 Jaime Reis - “A industrialização num país de desenvolvimento lento e tardio: Portugal, 1870-1913”. Análise Social. N.º96 (1987), pp. 903-928.

15

Também no campo metodológico, mormente na definição dos limites do nosso objecto

de estudo, optamos por privilegiar uma definição de “bairro de Alcântara” que não obedece

aos diversos traçados de limites projectados pela via administrativa que o local conheceu, mas

assenta na mesma ideia de espaço que era usada pelos contemporâneos ao período em estudo.

Usaremos, nesse sentido, a classificação de “bairro industrial” como sinónimo de “Alcântara”

recorrendo, na verdade, ao uso que do termo era feito, por Augusto d’Esaguy, em 1922, a

título de exemplo, por exemplo, quando descreve Alcântara como «um bairro de trabalho»

marcado pelo «apito do vapor» e pelas «mulheres que descarregam carvão e têm as mãos

enluvadas de negro»4.

Procurámos, com este objectivo, um conjunto variado de informação que

reconstituísse, através da sua complementaridade, a história e o perfil das principais unidades

em diferentes momentos da sua evolução. Recorremos, nesse sentido, a um espectro de

arquivos suficientemente vago, que se estende do âmbito nacional à singular importância dos

arquivos regionais. Dentro destes últimos destaque-se a importância dos Arquivos Municipais

da CML, do arquivo do Grupo de Amigos de Lisboa e a biblioteca e arquivo do Gabinete de

Estudos Olisiponenses. Uma das fontes que viria a revelar mais importante seria,

precisamente, de cariz regional, embora esteja presente nos Arquivos da Torre do Tombo.

Referimo-nos à documentação relativa ao Governo Civil de Lisboa através da qual tivemos

acesso aos diversos estabelecimentos que se foram instalando em Alcântara depois de 1863.

De âmbito nacional destacou-se o Arquivo do Ministério das Obras Públicas Transportes e

Comunicações importante, sobretudo, para a caracterização da industrialização ocorrida no

século XIX. Destaque-se, por último, a grande importância da Biblioteca Nacional para a

evolução deste trabalho.

Não tem havido em Portugal, como referimos, um grande número de estudos que se

foquem sobre as problemáticas locais. Ainda assim, Alcântara conhece a publicação de três

obras que, de perspectivas diferentes, se centram sobre a sua evolução. A primeira dessas

obras, da autoria de João Paulo Freire, é já da década de1920. Em Alcântara. Apontamentos

para uma Monografia5 o autor procura traçar um perfil global do bairro, através dos relato

dos acontecimentos mais marcantes, sublinhando a importância também de alguns edifícios.

4 Augusto, d’Esaguy - “Alcântara”. ABC- Revista Portuguesa, série III, N.º26 (1922), pp.22. 5 Freire, João Paulo - Alcântara. Apontamentos para uma monografia. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1929, p. 22.

16

A industrialização aqui surge, refira-se, não através de uma análise analítica, mas de uma

exposição descritiva de alguns estabelecimentos.

As mesmas características são apresentadas numa dissertação de Maria Amélia Lima

apresentada, na década de 1970, à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Alcântara.

Evolução Dum Bairro de Lisboa6, não obstante as diversas referências que faz à

industrialização do bairro, é um trabalho desenvolvido no âmbito da Geografia. Apresenta,

por isso, importantes análises das características do relevo do bairro e identifica um conjunto

de riquezas naturais que se revelariam de singular importância para a sua industrialização.

Mais recentemente, Frédéric Vidal estruturou uma tese de sociologia sobre as

sociabilidades do bairro desenvolvendo, igualmente, algumas problemáticas em torno da sua

industrialização. Les Habitants d’Alcântara. Histoire Sociale d’un Quartier de Lisbonne au

début du 20.e Siècle7, desenvolve assim uma singular análise sobre a vivência em Alcântara e,

em última análise, a interdependência entre a industrialização do espaço e a estruturação do

seu perfil social. Há assim, nas monografias dedicadas a Alcântara, uma presença constante

do tecido produtivo do bairro, embora esse não seja o centro de nenhuma destas obras.

Um dos autores que mais tem debruçado a sua atenção sobre a industrialização de

Alcântara é Jorge Custódio. Destacam-se as obras Reflexos da Industrialização na Fisionomia

e Vida da Cidade8 e Arqueologia industrial do bairro de Alcântara9, ambas um reflexo do

trabalho de Arqueologia Industrial elaborado pelo autor. Além destas obras escreveu também

diversas entradas sobre a industrialização de Lisboa no Dicionário de História de Lisboa, que

apresentam uma relevante perspectiva sobre os caminhos da industrialização de Lisboa,

destacando o papel de Alcântara nesse processo.

Todavia, apesar desta produção historiográfica, encontramos, na globalidade, uma

grande ausência de obras que expliquem a evolução de uma área de Lisboa sob o ponto de

vista do seu desenvolvimento industrial. Esta é, aliás, uma das razões pelas quais, em nosso

6 Lima, Maria Amélia Fonseca Freire de – Alcântara. Evolução Dum Bairro de Lisboa. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1971, p. 13-15. 7 Vidal, Frédéric - Les habitants d’Alcântara: histoire sociale d’un quartier de Lisbonne ai début du 20e siècle. Villeneuve d’Ascq: Presses Universitaires du Septentrion, 2006, p.44. 8 Custódio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia da cidade: O mundo industrial na Lisboa Oitocentista”. In Moita, Irisalva (coord.) O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, pp.435-492. 9 Custódio, Jorge, Ribeiro, Isabel, Santos, Luísa - Arqueologia industrial do bairro de Alcântara: estudo e materiais. Lisboa: Edição da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, 1981.

17

entender, esta tese adquire uma maior justificação, ou seja, o preenchimento de um espaço

historiográfico que vai permanecendo vago.

Esta lacuna dirige-nos, naturalmente, para as diversas obras que versam sobre a

industrialização portuguesa ocorrida a partir de oitocentos, no seu todo. Não só porque elas

nos revelam, muitas vezes, importantes pormenores das unidades instaladas em Alcântara

como sobretudo nos apresentam as dinâmicas e as problemáticas gerais da industrialização

portuguesa, no período em estudo, da qual Alcântara não pode ser dissociada.

Destacam-se, de um espectro assaz mais alargado, várias obras que podemos

considerar como clássicos. É o caso do trabalho de Armando de Castro, A Revolução

Industrial em Portugal no Século XIX,10 na qual o autor nos transmite uma perspectiva geral

sobre a evolução do processo de industrialização desde o século XIX. Já Manuel Villaverde

Cabral Portugal na Alvorada do Século XX11 descreve-nos, essencialmente, como esse

fenómeno ocorre na viragem do século XIX para o XX. Para o período que se estende da

transição do século até ao final da I.ª República revelou-se de singular importância o artigo de

António José Telo “A Busca Frustrada do Desenvolvimento”.12 Interessou-nos, sobretudo, a

análise do autor dos diversos desafios que foram colocados aos estabelecimentos industriais

nas últimas décadas do século XIX, os quais tiveram importantes repercussões para o tecido

industrial de Alcântara.

Importa referir também os trabalhos de Miriam Halpern Pereira, Politica e economia

(Portugal nos Séculos XIX e XX) e de Joel Serrão e G. Martins, Da Indústria Portuguesa: do

Antigo Regime ao Capitalismo, trabalhos que expõem, sobretudo, muitas das problemáticas

da industrialização portuguesa que, naturalmente, são extensíveis a Alcântara.

Realce também para a obra de Jorge Pedreira, em particular Indústria e Atraso

Económico em Portugal13 que constitui uma fonte incontornável para a percepção das razões

do desenvolvimento de diversas actividades em Alcântara no período anterior àquele que

estamos a estudar.

10 Castro, Armando - A Revolução Industrial em Portugal. 2.ª Ed., Lisboa: Dom Quixote, 1971, p. 33. 11 Cabral, Manuel Villaverde - Portugal na Alvorada do Século XX: Forças politicas, Poder Politico e Crescimento Económico de 1890 a 1914. Lisboa: A Regra do Jogo, 1979. 12 Telo António José - “A Busca Frustrada do Desenvolvimento”. In Reis, António (dir.) Portugal Contemporâneo, Lisboa: Publicações Alfa. 1990, pp. 123-173. 13 Pedreira, Jorge Miguel - Indústria e Atraso Económico em Portugal, 1800-1825: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. 1986.

18

De igual relevo revelou-se o trabalho de David Justino, A Formação do Espaço

Económico Nacional. Portugal 1810-191314 que explica, ao fixar a sua atenção na evolução e

nas dinâmicas que impulsionaram a evolução do mercado português, a importância da

localização geográfica de algumas zonas do Pais, mormente, de Alcântara, para o

assentamento industrial.

Refira-se, por último, os estudos de âmbito global mais recentes, sobre esta temática,

sobretudo os já referidos trabalhos de Jaime Reis15 da qual nos interessou, sobretudo, a

análise da temática dos surtos industriais.

São estas, no essencial, as obras que nos permitem situar o caso de Alcântara no

contexto dos estudos globais desenvolvidos sobre a temática da industrialização portuguesa.

Em termos formais, a estrutura do trabalho obedece a três imperativos principais. Em

primeiro lugar, o objectivo de compreendermos o conjunto de factores que dirigiram o espaço

do bairro para um dos locais de Lisboa que conheceram uma maior fixação de tecido

industrial quando chegamos ao último quartel do século XIX. Gizaremos assim, ao longo do

primeiro capítulo, a caracterização do bairro, prestando não só uma particular importância às

suas riquezas naturais, como também à evolução da sua actividade económica nas décadas

anteriores ao período que estamos a estudar.

O segundo capítulo constitui, sobretudo, a caracterização do processo de

industrialização do bairro, apresentando os seus principais actores, as indústrias, e detectando

as diversas mutabilidades que o tecido produtivo vai sofrendo até ao final da I.ª Guerra

Mundial.

Já na terceira parte, por último, centraremos a nossa atenção na resposta dos principais

estabelecimentos de Alcântara aos desafios que lhe são colocados pelo conjunto de

transformações que caracterizou a industrialização portuguesa durante a década de 1920.

14 Justino, José David Gomes - A Formação do espaço Económico Nacional: Portugal 1810-1913. Vol. I., Lisboa: Faculdade De Ciências Sociais e Humanas, 1986. 15 Reis, Jaime, ob.cit.

19

Capítulo I

Na Génese da Formação de um Bairro Industrial

1. A singularidade de Alcântara: os factores de fixação industrial

1.1 A valorização do perfil periférico

Uma das questões que adquiriu alguma centralidade nas obras que anteriormente se

debruçaram exclusivamente sobre Alcântara é a preocupação em definir os seus limites. Na

verdade, a limitação do objecto de análise nos estudos urbanos tem-se revelado uma

dificuldade recorrente.16 No caso que estamos a estudar as maiores interrogações advêm das

mutações que o espaço do bairro têm sofrido em função das diversas reformas administrativas

de Lisboa.17 Desta transmutação constante resulta uma repetida alteração da dimensão da

freguesia de Alcântara, assim como alguma mutabilidade de territórios entre ela e as

freguesias que lhe são vizinhas, da qual a indefinição com a freguesia de Santos se apresenta

como o exemplo mais óbvio. Um segundo factor que dificulta a precisa noção da área que

constitui Alcântara é uma certa sobreposição entre a sua designação como freguesia e o seu

entendimento como bairro. É verdade que Alcântara conheceu a denominação administrativa

de “bairro” entre 1852 e 1867, abraçando um conjunto de paróquias civis pertencentes à parte

ocidental da cidade. Todavia, apesar desta realidade, o frequente uso desse termo não se

reporta a nenhuma limitação administrativa, mas a uma noção menos rígida do seu

significado, conforme o ângulo que em que se analise Alcântara. João Paulo Freire, no final

dos anos de 1920, define o espaço tendo em conta a sua percepção do que seriam os limites,

diminuindo a importância da estruturação administrativa.18 Na década de 1970 Maria Freire

de Lima centra a sua atenção na identificação de uma “Alcântara popular”, ou seja, elegeu,

como principal elemento definidor do espaço, o sentimento de pertença e a opinião que os

habitantes que entrevistou tinham sobre os limites do bairro.19 Já o estudo de Frédéric Vidal

procura um equilíbrio maior entre as diversas divisões administrativas e o que era usado, no

16 Veja-se, sobre as diversas questões inerentes à definição dos limites de um bairro para posterior estudo Vidal, Frédéric, ob.cit.. p.44. 17 Para um melhor conhecimento destas reformas atente-se a “Limites da Cidade”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, pp. 497-499. 18 Lima, Maria Amélia Fonseca Freire de, ob.cit.. p. 22. 19 idem, ibidem, p.13.

20

senso comum, como sendo o bairro de Alcântara.20 Sublinha, sobretudo, um espaço lato que

mostra importantes similitudes com a paróquia que fora criada no século XVIII.21

Figura 1 – A zona de Alcântara em

Fonte: Planta da cidade de Lisboa com os diferentes melhoramentos introduzidos e projectados

[material cartográfico] Lisboa: Lith. Matta, 1888.

Não obstante estes contributos, a demarcação exacta do bairro mantém-se uma questão

em aberto. Por essa razão, e porque pensamos que o estudo da evolução do seu tecido

produtivo sai diminuído se a análise estiver centrada numa definição rígida da sua área,

optamos por entender como bairro de Alcântara o local que reunia um conjunto exclusivo de

vantagens que favoreceu o seu desenvolvimento industrial. Devemos ter em conta, nesse

sentido, não só os estabelecimentos que se enquadram numa zona mais nuclear do seu espaço,

como nos interessam as diversas unidades que localizando-se em áreas exteriores, embora

fronteiras ao bairro, nos permitem ter um maior conhecimento das lógicas de fixação e de

desenvolvimento industrial as quais, estando bem vincadas em Alcântara, não se extinguem

quando olhamos para as freguesias vizinhas. Entendemos também, por outro lado, ser esta a

solução preferível para melhor contornar as dificuldades que nos são colocadas pelo facto de

algumas vias que atravessam o bairro se expandirem para lá dos seus limites. Resulta daí o

20 Vidal, Frédéric, ob cit, p. 45. 21 idem, ibidem, p. 48.

21

facto de estarem contemplados, neste estudo, alguns estabelecimento localizados na Av. 24 de

Julho, para além dos limites impostos pela Av. Infante Santo, e também na Rua da Junqueira

e na Av. Da Índia, a ocidente, depois do marco que corresponde à antiga FIL ou, se

preferirmos, à Cordoaria Nacional.

Uma análise mais correcta do tecido produtivo de Alcântara leva-nos a responder,

nesta fase inicial do trabalho, quais os factores que fizeram emergir este espaço, no contexto

da industrialização de Lisboa, como bairro industrial. Referimo-nos, por um lado, às

dinâmicas que são subjacentes à evolução urbanística da própria cidade de Lisboa, e as suas

implicações na distribuição geográfica do seu tecido produtivo. Veremos, igualmente, o

conjunto de factores de cariz natural presentes no espaço de Alcântara que funcionaram como

elementos atractivos para a fixação do tecido industrial. A esse grupo que constitui, por assim

dizer, o impulso inicial para a industrialização do bairro num período que se estende até cerca

de 1870, junta-se o desenvolvimento urbanístico do bairro e a construção de diversas infra-

estruturas que depois de 1890, na sua totalidade, obrigaram a uma inflexão das características

gerais do tecido produtivo do bairro. Ora vejamos.

O primeiro elemento decisivo para o desenvolvimento do tecido produtivo resulta das

cronologias da evolução urbanística que Lisboa foi conhecendo, ao longo do tempo, e que

transformaram Alcântara, a partir da primeira metade do século XIX, num espaço cuja

periferia o colocava como um local de expansão natural para os muitos estabelecimentos que

se quiseram instalar nessa altura. A mutação da localização geográfica do tecido industrial de

actividades que contemplam estabelecimentos de médias e grandes dimensões é, na verdade,

um fenómeno que caracteriza vários centros urbanos europeus ao longo do século XIX e que

deriva do próprio crescimento urbanístico que estes burgos iam conhecendo neste período. É

disso exemplo Barcelona, onde a expansão da cidade foi dirigindo o seu tecido industrial para

zonas marginais ao centro da cidade. Tratou-se de uma mutação, neste caso, delineada pelo

planeamento urbanístico.22

Em Lisboa, a localização do tecido industrial não é determinada por nenhum plano

urbanístico de longa escala e acompanha o próprio desenvolvimento urbano da cidade. De

uma perspectiva global, conforme nos descreve Vítor Matias Ferreira23 a cidade de Lisboa

22 O resumo dos planos urbanísticos de Barcelona e a sua relação com a relação da cidade encontra-se em Nadal, Jordei e Tafuell, Xavier - Sant Martí de Provençals: Pulmó Industrial de Barcelona (1847-1992). Barcelona: Columna Edictions, 1992. 23 Ferreira, Vítor Matias - “Modos e Caminhos da Urbanização de Lisboa: a cidade e a aglomeração de Lisboa, 1890-1940”. Ler História, N.º7 (1986), Lisboa: Edições Salamandra, p.101-131.

22

assiste a uma expansão da sua dimensão que a leva a extravasar o núcleo de assentamento

mais antigo24. Este fenómeno de fixação em zonas mais periféricas é liderado, numa primeira

fase, pelos diversos estabelecimentos que doravante passam a escolher espaços mais

periféricos para a sua localização. Afirma-se assim uma tendência para que os locais onde

essa fixação se efectuou inicialmente – embora com unidades bem distintas daquelas que

procuramos agora descrever – tenham esgotado a capacidade para absorver os

estabelecimentos de média e grande dimensão.

Ocorre assim, sinteticamente, uma lógica de assentamento que evolui do centro para a

periferia, por esgotamento do núcleo da cidade, e que vai progressivamente valorizando os

espaços periféricos, entre os quais se encontra Alcântara. Como refere Jorge Custodio «se

num período mais recuado ainda era possível a montagem de uma oficina ou pequena fábrica

no centro urbano (...) a partir dos finais do século quem quisesse crescer por intermédio da

indústria teria de procurar terrenos na periferia da cidade ou nos concelhos limítrofes para

se estabelecer como comerciante-industrial».25

As diversas zonas da cidade obedeceram a cronologias de desenvolvimento

populacional e industrial distintas entre si. Nesse sentido, o estudo das alterações da

localização geográfica do tecido produtivo de Lisboa deve ter em conta as diferentes lógicas e

dinâmicas que acabariam por condicionar, quer a tipologia do tecido produtivo de cada uma,

quer a própria cronologia de fixação de muitas dessas unidades. Importa ter em conta,

sobretudo, que o bairro competia com outras partes da capital no intuído de absorver os

diversos estabelecimentos que iam sendo criados. Olhando para o mapa da distribuição

industrial de Lisboa à luz do Inquérito Industrial de 1890,26 a cidade era tingida por zonas

onde a concentração de unidades atingia proporções semelhantes a Alcântara, não sendo

assim uma realidade exclusiva da zona ocidental da cidade, onde o bairro se localizava. Uma

análise mais atenta dessa distribuição, no seu conjunto, ajuda-nos a compreender melhor a

emergência de Alcântara, depois de meados do século XIX, como um local de forte

implantação industrial em Lisboa.

24 Veja-se, para uma melhor percepção de Lisboa neste período, o anexo 3. 25 Custodio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia e vida da cidade: o mundo industrial na Lisboa Oitocentista”, ob.cit.. p.446. 26 Inquérito Industrial de 1890. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria - Direcção Geral do Comércio e Indústria. Lisboa: Imprensa Nacional, 1891.

23

Na parte mais antiga da cidade, como menciona Jorge Custódio, «a presença fabril

estava condicionada pela própria lógica da ocupação habitacional».27 Este autor mostra-nos

assim que não obstante a presença de várias oficinas de tipologia artesanal, na segunda

metade do século XIX este espaço era caracterizado, essencialmente, por se dedicar à

actividade comercial. Esta era a zona da cidade que, em 1890, estava administrativamente

classificada como 2.º Bairro.

No que respeita ao tecido industrial, esta zona da cidade vinha conhecendo, desde

meados do século XIX, a diminuição de estabelecimentos de maior dimensão. Acentua, por

sua vez, uma tendência para a concentração de actividades que eram pautadas por

estabelecimentos em tudo semelhantes a oficinas. Enquadram-se, nesse grupo, as diversas

unidades que pautavam o sector do papel e da impressão, enquadrando estabelecimentos

como a Companhia Tipográfica, com 32 operários, ou a Minerva Central, com 16.

Mantinham-se também em laboração, neste bairro, algumas unidades que pertenciam a

actividades de assentamento mais antigo. É o caso da Bello & Pinto, que se dedicava a

fabricar chapéus, com apenas 21 operários. A reforçar a tendência para as pequenas oficinas,

este espaço assistia ainda à decadência de muitas unidades que anteriormente tinham atingido

dimensões maiores. É o caso da fábrica de calçado Gomes & Filhos. Dos 100 operários

contabilizados, em 1881, contava em 1890, com apenas 23. Em decadência surgia também,

nestes anos, a cerâmica Viúva Lamego passando, nos mesmos anos, de 90 para 14

trabalhadores. Neste espaço, que se prolonga da baixa da cidade, ao Bairro Alto, ocupando

também as zonas da actual Av. Almirante Reis, até Arroios e ao Arco do Cego, é reduzida a

presença de grandes unidades industriais. No global concentram-se, em 1890, 2 637 operários

distribuídos por 63 estabelecimentos.28 A fábrica mais importante, em número de

trabalhadores, era o Arsenal da Marinha, no sector metalúrgico, com 1 385 operários. Já no

sector têxtil a fábrica de maiores dimensões era a Companhia de Lanifícios de Arroios, com

294 operários, em 1890.

Também preenchendo a zona central da cidade, e conhecendo igualmente um processo

de desindustrialização neste período, encontrava-se o 3.º Bairro. A tipologia da instalação

desta divisão administrativa era semelhante ao espaço que referimos anteriormente.

27 Custodio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia e vida da cidade: o mundo industrial na Lisboa Oitocentista”, ob.cit.. pp. 455-451. 28 Vasconcelos, Rui Manuel Dias de Almeida e - Indústria e Industriais na 2.ª metade do século XIX: Portugal, 1845-1890. Vol. I. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1998, p.138.

24

Localizava-se aqui um tecido produtivo globalmente direccionado para satisfazer as

necessidades emergentes de uma população urbana em crescimento. Destacavam-se as

tipografias, os fotógrafos e outras unidades manifestamente diferentes daquelas que

caracterizamos por assentamento industrial moderno.

Agrupando um longo espaço, era preenchido pelas zonas de S. Paulo e Santa Catarina,

locais próximos de Alcântara, estendendo-se depois até às Amoreiras, a S. Sebastião da

Pedreira, ao Campo Grande e a Benfica. Englobando 42 estabelecimentos que ocupavam 2

520 operários,29 conhece algumas unidades de média dimensão que se encontravam

distribuídas por diversos sectores industriais. Uma das maiores era a Companhia Nacional

Editora. Situada no Bairro Alto, pertencia ao ramo do papel e da impressão e laborava 165

operários. Já nos têxteis destacava-se a Sociedade da Fábrica de Lanifícios do Campo

Grande, com 160 trabalhadores, um dos estabelecimentos mais emblemáticos da

industrialização de Lisboa, neste período.

Pela sua grande extensão e diversidade, as diversas zonas do 3.º Bairro obedecem a

lógicas de desenvolvimento diferentes. Na verdade, a grande parte das unidades de média

dimensão que aparecem aqui instaladas localizam-se nas áreas fronteiras a Alcântara,

beneficiando de muitas das vantagens aí existentes. Enquadram-se, essencialmente, nos

sectores metalúrgico e da construção. É o caso da empresa de construções navais H. Parry &

Sons, com 127 operários, mas também a Previdente e a Fundição Vulcano que terão, como

veremos posteriormente, uma estreita relação com o tecido produtivo do bairro. Refira-se, por

último, que pertencia ao Estado uma das unidades de maior relevo, a Imprensa Nacional, com

396 operários.

Face a esta realidade, e não obstante a permanência de alguns estabelecimentos de

grande e de média dimensão, esta análise sintética do tecido produtivo localizado nas zonas

mais centrais da cidade vem sublinhar a predominância de actividades que são

tradicionalmente caracterizadas por pequenas oficinas. Nesse sentido, a localização em Lisboa

de unidades maiores, por volta de meados do século XIX, é pautada pela procura de espaços

periféricos ao centro da cidade, onde existia uma grande oferta de terrenos disponíveis para o

assentamento industrial (anexo 1). Alcântara, pelas suas características, ganhava um lugar de

destaque na atracção de muitas unidades.

29 idem, ibidem, pp. 139-140.

25

À semelhança de Alcântara, também a zona oriental da cidade se apresentava, nestes

anos, como marginal face ao centro. Administrativamente, só em 1885 passou a pertencer ao

concelho de Lisboa, tendo formado até aí o Concelho dos Olivais. Nessa data foram

agrupadas ao concelho de Lisboa as freguesias do Beato e dos Olivais fruto, provavelmente,

do desenvolvimento industrial que este espaço já conhecia. Relevante para esse progresso foi,

certamente, para além do seu perfil periférico, a criação de algumas infra-estruturas

importantes, sobretudo a Linha de Caminho-de-ferro do Leste e do Norte, a qual promoveu o

assentamento industrial do espaço compreendido entre a estação de Santa Apolónia e

Sacavém.30 Não cabe aqui, todavia, a análise cuidada dos factores que transformaram o 1.º

Bairro num local de grande atracção para as diversas unidades industriais que aí se

instalaram.31 Sublinhe-se, sobretudo, a sua importância no contexto de Lisboa, expressa na

quantidade de grandes e médias fábricas que laboravam no início da década de 1890.

Segundo o Inquérito Industrial de 189032 o 1.º Bairro tinha, nessa data, 5 565

operários distribuídos por 84 estabelecimentos.33 O sector do tabaco apresentava-se como um

dos mais importantes. Laboravam aqui a Fábrica de Tabacos de Xabregas, com 518

operários, e a Fábrica Lisbonense de Tabacos, com 2 067 trabalhadores. Já no sector têxtil

encontramos a Companhia da Fábrica de Algodões de Xabregas, conhecida como a “Fábrica

Samaritana”, que tinha passado de 191 operários, em 1881, segundo o inquérito industrial

desse ano,34 para 507, em 1890. Também no sector da metalurgia este espaço conhecia alguns

estabelecimentos de dimensões que importa sublinhar, como a fábrica de armas e de fundição

de canhões do Campo de Santa Clara, com 526 trabalhadores, e da pregaria de H. Schalck,

Sucessores, com 136. Quando chegamos à década de 1890 a única área da cidade que

rivalizava com Alcântara e com toda a área ocidental da cidade, em número de

estabelecimento, na quantidade de operários e no recurso a maquinaria moderna era a zona

oriental da cidade.

A análise do 1.º Bairro mostra-nos que apesar da predominância de Alcântara para a

composição do tecido produtivo de Lisboa, o seu desenvolvimento industrial deve ser sempre

enquadrado no fenómeno de maior dimensão de industrialização de toda a cidade de Lisboa e

30 Custódio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia da cidade: O mundo industrial na Lisboa Oitocentista”, ob.cit.. p. 468. 31 idem, ibidem, pp. 467-472. 32Segundo Vasconcelos, Rui, ob.cit.. p.137. 33 Vasconcelos, Rui, ob.cit.. p. 137. 34 Resumo do Inquérito Industrial de 1881. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria (repartição de estatística) - Direcção Geral do Comércio e Indústria. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883.

26

das dinâmicas gerais que lhe estão subjacentes, como o processo de desindustrialização do

centro da cidade e a fixação de actividades que comportam unidades de maiores dimensão,

como o têxtil e a metalurgia, preferencialmente fora dos limites do centro. No mesmo sentido,

a afirmação do bairro também não pode ser dissociada do próprio crescimento industrial da

área da cidade em que se insere.

A zona ocidental, sendo pautada, na totalidade, por uma acentuada periferia apresenta-

se, em 1890, como o locais da cidade que conhecia um maior assentamento industrial desde

meados do século XIX. Contava nessa altura com 69 estabelecimentos e 4 325 operários, no

seu todo.35 Destacavam-se as unidades ligadas à transformação de algodão, as estamparias e

tinturarias e os lanifícios. Este ramo, aquele que dominará também Alcântara, é o mais

importante do 4.º Bairro, com 9 empresas e 2159 operários.36 Emergiam, também,

fundamentalmente, o sector da alimentação e bebidas, os curtumes e a cerâmica.

Alcântara deve assim a sua afirmação, em grande medida, por estar enquadrada na

zona da cidade mais industrializada. São exemplo do dinamismo dessa zona os casos dos

bairros Bom Sucesso, no antigo Concelho de Belém, e o da Boavista.37 Ambos conheciam,

igualmente, um desenvolvimento industrial que se traduziria, de certa forma, num

enquadramento decisivo para o desenvolvimento industrial do bairro.

Mas quer a importância do factor periférico, quer a localização de Alcântara numa

área em grande desenvolvimento industrial não justificam, por si só, que Alcântara se tenha

afirmado, no último terço do século XIX, como o bairro privilegiado para a fixação de

diversas actividades industriais, até porque o traço periférico marcava muitas outras zonas da

cidade. Nesse sentido, o que tentaremos perceber, seguidamente, é a conjugação de motivos

que levaram à emergência de Alcântara como o grande bairro industrial da capital.

1.2. O impulso das riquezas naturais

A periferia de Alcântara é uma realidade verificável não apenas numa perspectiva

geográfica, como nas diferenças que o próprio espaço do bairro apresenta em relação ao

«umbigo pombalino»38 que vinha qualificando o centro de Lisboa desde o Terramoto de

35 Vasconcelos, Rui, ob.cit.., pp.140-141. 36 idem, ibidem, pp. 140-141. 37 Custódio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia da cidade: O mundo industrial na Lisboa Oitocentista”, ob.cit.. pp.459-462. 38 Ferreira, Vítor Matias, ob.cit.. p.103.

27

1755. Na realidade, enquanto Frederico Ressano Garcia ia estruturando a cidade, depois de

1874, seguindo o modelo que o Barão Haussmann utilizara para Paris,39 Alcântara era ainda

caracterizada, no início da década de 1860, pela convivência entre o traço marcadamente

rural40 que pautou o espaço até o seu desenvolvimento industrial se tornar mais efectivo, a

partir de meados de oitocentos, e a emergência de um tecido produtivo de cariz industrial que

começava a transformar a face do bairro. É precisamente da herança rural que resulta a

existência de um vasto conjunto de terrenos disponíveis para a fixação de novos

estabelecimentos que se constituirá como um dos mais importantes factores de atracção para

as diversas unidades que se vão instalando desde ainda antes de meados do século.

Um elemento decisivo para essa realidade deriva do facto de até ao início da década de

1860, conforme demonstra o anexo 1, o crescimento demográfico e urbanístico diminuto de

Alcântara não ter efectuado uma significativa diminuição da quantidade de terrenos

disponíveis para o assentamento industrial que o bairro oferecia. Na verdade, o

desenvolvimento industrial que já vinha ocorrendo em Alcântara antes deste período não

fomentara ainda um grande aumento populacional no seu espaço. Comprova-o a existência de

apenas 5 331 habitantes que, em 1864, habitavam a freguesia de Alcântara (intramuros).41

Neste ponto o bairro não se diferenciava, sublinhe-se, da restante cidade, que conheceu um

aumento populacional pouco acentuado até meados do século XIX, passando de 169 816

habitantes, em 1801, para 174 335, em 1864.42

A par da oferta de espaço livre importa sublinhar, igualmente, a presença de condições

naturais favoráveis para a fixação de novos estabelecimentos, como os solos calcários, que

permitiram a instalação no bairro da fabricação de cal.43 De facto, foram estas características

que permitiram que ainda antes do início do século XIX o espaço tenha conhecido a fixação

de muitas pedreiras e fornos de cal, um tipo de actividade que encontramos ainda em

laboração quando o bairro conhece o seu desenvolvimento industrial.

Do conjunto das riquezas naturais destaca-se, sobretudo, a presença abundante de

água. Este factor natural foi decisivo para a fixação e para o desenvolvimento de actividades

39 Para um melhor conhecimento das transformações efectuadas na cidade sob a orientação de Ressano Garcia atente-se a Silva, Raquel Henriques da – “Os últimos anos da Monarquia: desenvolvimento urbanístico, os novos bairros”. In Moita, Irisalva (coord.) O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1994, pp.411-412. 40 A marca da ruralidade no bairro é sublinhada, a título de exemplo, na obra Silva, Augusto Vieira da - A Ponte de Alcântara e as suas circunvizinhanças. Lisboa, 1942, p.17. 41 Rodrigues, Teresa - Nascer e Morrer na Lisboa Oitocentista: migrações, mortalidade e desenvolvimento. Lisboa: Cosmos, 1995, pp. 328-329. 42 idem, ibidem, pp. 328-329. 43 Lima, Maria Amélia Fonseca Freire de, ob.cit.. p. 26.

28

industriais, propriamente ditas, as quais atingirão, no final do séc. XIX, uma enorme

relevância no tecido produtivo de Alcântara. Reveste-se aqui, de grande importância, a

Ribeira de Alcântara. A relação entre este canal e o tecido produtivo do bairro, no essencial,

revela-se numa importante fonte de atracção da ribeira para as unidades que necessitavam de

água para o seu funcionamento, quer se trate de manufacturas, quer sejam estabelecimentos

que pertencem a actividades industriais com um nível mais elevado de modernização. Em

relação às primeiras é importante referir aquelas que são próprias do período pré-industrial,

sobretudo as mais ligadas ao aproveitamento dos recursos naturais. Mas o que aqui mais nos

interessa é, essencialmente, o impulso dado por ela às actividades que encontramos a dominar

o tecido produtivo do bairro no último terço de novecentos, e que conheceram um importante

momento de fixação a partir do início do mesmo século, ainda que nesse período, e antes dos

anos de 1840, os seus estabelecimentos nos surjam sob roupagem oficial. Referimo-nos,

genericamente, à globalidade do sector têxtil e, na particularidade, às estamparias, as quais

constituirão o grande motor para o desenvolvimento de um tecido produtivo moderno no

bairro. Seguimos aqui a classificação proposta por Armando de Castro que entende como

tecido produtivo moderno aquele que é caracterizado por «grandes instalações constituindo

unidades orgânicas de produção empregando máquinas e recorrendo a tipos de energia

motriz muito mais potentes, duma mobilidade, “divisibilidade” e controle muito superiores a

tudo quanto era imaginável com as antiquíssimas fontes energéticas utilizadas pelo

homem».44 A unidade moderna, para o autor, é assim marcada pelo recurso à energia do

vapor, por oposição àquela usada até aí, como a eólica, a hidráulica, a animal e a própria força

do homem. Armando de Castro dá como exemplo da introdução dessa modernização em

Portugal, precisamente, dois estabelecimentos dedicados à estamparia que se localizavam em

Alcântara, a Fábrica de Estamparia de Alcântara, detentora de um motor de 26 CV, e a

Companhia Lisbonense de Estamparia e Tinturaria, com 28 CV.45

A presença de significativos recursos naturais ganha também uma singular

importância se tivermos em conta que foi sob o seu impulso que o bairro conheceu, numa

análise de tempo longo, o assentamento de diversas actividades que se constituíram numa

herança para o tecido produtivo que encontramos no final do século XIX. Vinca-se desta

forma, ainda antes do período que estamos a estudar, a sua apetência para a instalação de

estabelecimentos de cariz industrial.

44 Castro, Armando - A revolução Industrial em Portugal, ob.cit.. p. 33. 45 idem, ibidem, p. 52.

29

Analisaremos com mais pormenor, no segundo capítulo, algumas das actividades que

mantiveram uma maior relação com os recursos naturais de Alcântara. Entenda-se agora,

sobretudo, que do pioneirismo da sua apetência para enquadrar diversas actividades

produtivas, ainda antes de meados de oitocentos, derivou uma certa ideia de Alcântara como

um local natural, no contexto de Lisboa para a localização de actividades viradas para a

extracção ou transformação de matérias-primas. Este facto constitui, por si só, um factor de

atracção para os estabelecimentos de perfil mais moderno que se começam a instalar no bairro

ainda antes de meados do século XIX.

1.3. O reforço da vocação industrial: a emergência de novas infra-estruturas

De natureza diferente, mas de igual importância, o bairro viu surgir também um

conjunto de infra-estruturas que eram elas próprias, em parte, uma consequência directa de

um momento pioneiro da industrialização do bairro, e que se afirmariam decisivas para o

desenvolvimento industrial de Alcântara no último quartel do século XIX (anexo 3).

Destaque-se, primeiramente, a progressiva reestruturação da faixa ribeirinha do Tejo,

com particular incidência na zona do bairro, num processo que se inaugura em meados do

século XIX e que atingirá uma maior relevância com as obras ocorridas no Porto de Lisboa,

na década de 1890. A valorização da zona situada nas proximidades do rio começou a ocorrer

na década de 1860 quando se iniciou a construção do Aterro da Boavista. Esta obra surgiu do

impulso dado pelas emergentes preocupações com a saúde pública que marcariam esse

período. Esta ideia é vincada por Adolfo Loureiro que sublinha o facto desta transformação

ter surgido da necessidade de resolver o problema «das praias lodosas que orlavam a cidade

do lado do Tejo, e em que se despejavam os canos de esgoto e os lixos e immundices da

cidade».46 Estas eram tidas, pelos higienistas, como sendo as responsáveis pelas diversas

doenças que afligiam ciclicamente a cidade. Estavam na lembrança de Lisboa as epidemias de

cólera e de febre amarela que atingiram a cidade entre 1854 e 1855. Todavia, as obras

dirigidas por António Vitorino Damásio não eram impulsionadas apenas por cuidados

sanitários. Quando se iniciaram, em 1858, para efectuar o aterro entre o Boqueirão da Moeda

e a praia de Santos estava também latente a ideia que elas impulsionariam a construção naval

e promoveriam o comércio e a industrialização em Lisboa. As obras fazem também emergir

46 Loureiro, Adolfo - Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes. Vol. III, Parte I. Lisboa: Imprensa nacional, 1906, p. 216.

30

diversas docas de abrigo para barcos, conforme relata Adolfo Loureiro.47 Na verdade,

precursor das obras do Porto de Lisboa que ocorreriam cerca de trinta anos depois, a

construção do Aterro da Boavista ofereceu às fábricas já existentes em Lisboa e aos

estabelecimentos que se vieram a criar, um novo e nobre espaço. Mas a transformação mais

relevante que Alcântara sofreria, neste período, e que em grande parte é subsidiária da

industrialização que o bairro já conhecia, é a reestruturação do Porto de Lisboa. Trata-se de

uma obra que estará concluída no início da década de 1890 e que enriquecerá decisivamente

Alcântara como um local impar para o assentamento industrial, no espaço de Lisboa.

A história da apresentação dos projectos para a modernização do porto é longa e

repleta de intermitências. Interessa-nos atentar assim, essencialmente, às datas mais

importantes. No dia de 18 de Maio de 1885 foi apresentada a proposta vencedora, por H.

Hersent. Segundo Adolfo Loureiro, as obras foram pensadas, inicialmente, para o espaço

compreendido entre Santa Apolónia e a foz do “caneiro de Alcântara”, estando também

projectadas para se expandirem, quer para Belém, quer para a zona do Beato, a oriente da

cidade.48 No essencial a modernização do porto deve ser entendida sob dois prismas.

Possibilita, por um lado, que se fosse conquistando ao rio muitos terrenos nos quais se

puderam instalar diversas fábricas e armazéns. Segundo o mesmo autor, Alcântara ficou com

uma nova faixa de terrenos de 254 metros situada num local privilegiado para a fixação

industrial.49 Permitiu, conjuntamente, o surgimento de diversas vias de comunicação que

melhoraram a ligação do bairro com a restante cidade. Refira-se, no entanto, que desse espaço

apenas 184 metros estava destinado a edificações.50 As obras não se restringiram, sublinhe-

se, ao espaço do bairro. Mas, como sublinha Vieira da Silva, «os terrenos conquistados ao

Tejo medem neste sítio uma área mais considerável do que qualquer outro ponto do Porto de

Lisboa, e a linha marginal, que no século XVI não passava para além da ponte de Alcântara,

avançou em direcção ao Tejo uma extensa de cerca de 900m. A conquista destes terrenos

altamente valiosos foi uma necessidade que o incremento do comércio e da indústria e da

circulação citadina tornam imprescindível, e que ainda mais veio valorizar o populoso e

fabril bairro de Alcântara.»51

47 idem, ibidem, p. 453. 48 idem, ibidem, p. 372. 49 idem, ibidem, p. 373. 50 idem, ibidem, pp. 372-373. 51 Silva, Augusto Vieira da, ob.cit.. p. 17.

31

O aparecimento destes terrenos disponíveis para a fixação industrial, numa zona de

grande proximidade ao porto, adquire um maior significado se tivermos em conta a

necessidade elevada de matérias-primas importadas. Esta realidade atingia os sectores que

conheciam um grau de modernização mais elevado e que necessitavam de quantidades

maiores de matéria-prima e de maior força motriz. Era esse o caso do sector têxtil, da

metalurgia e do sector alimentar, os três de maior expressão no bairro, conforme prova o

anexo 5.

Grande era também a dependência da indústria nacional em termos energéticos. O

recorrente recurso às máquinas a vapor por parte destes estabelecimentos tornava-os

grandemente dependentes do carvão que era importado, sobretudo, de Inglaterra e que

continuará a ser, pelos menos até à Grande Guerra, a sua principal fonte de energia.52 O anexo

5 mostra-nos como os principais estabelecimentos de Alcântara recebiam o carvão através do

porto, beneficiando assim de um fácil acesso a esta fonte de energia, evitando o seu

encarecimento através do aumento do preço dos transportes. Esta dependência face aos

produtos que chegavam pelo Porto de Lisboa pautava, igualmente, muitas das actividades que

tradicionalmente eram caracterizadas por estabelecimentos de pequena dimensão e que

conheciam pouca mecanização. Era esse o caso, a título de exemplo, dos curtumes, onde as

unidades que o preenchiam eram dependentes da importação de peles, de produtos químicos e

de outras matérias-primas indispensáveis ao seu funcionamento.

Por sua vez, as vantagens competitivas que advinham de uma maior proximidade ao

porto resultavam também do facto de esta infra-estrutura se apresentar como o canal

privilegiado para o escoamento de uma importante parte dos produtos de muitas indústrias

nacionais. Esta era uma realidade que caracterizava, conforme nos descreve Manuel

Villaverde Cabral, olhando para o conjunto da industrialização portuguesa ocorrida em finais

de oitocentos, as unidades maiores e mais mecanizadas, como eram aquelas que pautavam o

sector têxtil, a actividade que conhecia também uma maior implantação em Alcântara53

(anexo 8).

52 Veja-se sobre a dependência energética do tecido produtivo do País, face ao estrangeiro, Faria, Fernando, Cruz, Luís e Teives, Sofia - “Energia e indústria”. In A História da Energia: Portugal 1890-1980. Nuno Madureira (Coord.), Lisboa: Livros Horizonte, 2005, p. 85. 53 Segundo o autor a abertura dos mercados coloniais terá representado um papel importante para o desenvolvimento do sector têxtil nacional, apresentando-se como um mercado essencial para o escoamento os seus produtos. Veja-se, para um conhecimento mais aprofundado desta temática Cabral, Manuel Villaverde, ob.cit.. pp. 148.

32

Por último, o Porto de Lisboa terá constituído, igualmente, um elemento de estímulo

para as actividades directamente ligadas ao sector da construção, sobretudo a construção

naval, mas também para os diversos estabelecimentos que se dedicavam a produzir produtos

que serviriam as necessidades que derivavam da actividade exportadora. Destacam-se, de

entre elas, as diversas carpintarias que se dedicavam a produzir as caixas de madeira que

serviam de invólucro a muitos produtos exportados. Sendo indiscutível a importância que o

Porto de Lisboa teve para o desenvolvimento industrial da capital e, de certa forma, de outras

zonas do País, a dimensão da relação entre industrialização e desenvolvimento portuário

requer ainda uma análise geral mais profunda para que se perceba a sua importância pelo

menos para a zona metropolitana de Lisboa. Todavia, o estudo de uma área mais restrita,

como Alcântara, que permite um isolamento desta problemática numa área geográfica mais

diminuta, permite-nos estruturar uma questão. Comparando apenas para as cronologias de

fixação do tecido produtivo sobre as quais nos debruçaremos mais à frente, e a data de

modernização do Porto de Lisboa, e sabendo que muitas das maiores unidades do bairro

estavam em plena laboração antes da década de 1890, qual será o peso da modernização do

porto para o desenvolvimento industrial de Alcântara?

1.4. Indústria chama indústria: crescimento urbano e mutações do tecido produtivo

Este conjunto de factores, somados à conjuntura geral que pautava a evolução

industrial do País, contribuiu para que o espaço de Alcântara tenha começado a concentrar um

importante número de fábricas de médias e grandes dimensões ainda antes de meados do

século XIX. Analisaremos, no segundo capítulo, quais as principais unidades que pautaram o

desenvolvimento industrial do bairro neste período. Entenda-se agora, sobretudo, que este

fomento industrial ocorrido a partir da década de 1840 impulsionará o crescimento

demográfico e urbanístico do bairro, um factor que, por sua vez, introduzirá uma profunda

mutação da sua fisionomia. Em última instância, sublinhe-se, fará emergir uma substantiva

alteração nas dinâmicas do seu próprio desenvolvimento industrial.

Fruto da evolução que o seu tecido industrial tinha conhecido anteriormente, Alcântara

afirmou-se, como refere Vítor Matias Ferreira, como um dos locais de maior crescimento

urbano no contexto de Lisboa do século XIX. O «aumento da densidade demo-urbanística»54

ocorre, em primeiro lugar, na implantação de fábricas e de armazéns. A industrialização em

54 Ferreira, Vítor Matias, ob.cit.. p. 126.

33

curso teve assim, certamente, um papel decisivo para que no período compreendido entre

1878 e 1890, com uma taxa de crescimento de 62%, nestes doze anos, a zona ocidental da

cidade conhecesse um ritmo de crescimento muito mais acelerado que a totalidade da cidade

de Lisboa. Enquanto o conjunto da capital aumentou a sua população em 29%, o 4.º Bairro

aumentou 34%55. Nas décadas de 1870 e 1880 chegavam, em média, a Lisboa, 2 500 pessoas

por ano.56 No seu conjunto, Lisboa passou de 201 165 habitantes, em 1878, para 300 859, em

1890.57 Eram sobretudo as zonas de Lisboa que conheciam uma maior implantação industrial

que funcionavam como um catalisador para muita da população que acedia a Lisboa

almejando melhorar as suas condições de vida. Esta será uma dinâmica que, sublinhe-se,

pautará o desenvolvimento demográfico da cidade até ao final do século XIX.

Se esta grande mutação se traduz na ocupação do espaço pela grande quantidade de

pessoas que era atraída pelo trabalho oferecido nas diversas unidades que laboravam na

capital Alcântara, fruto do seu desenvolvimento industrial, apresentou-se, no contexto de

Lisboa, como um dos locais de maior fixação desses fluxos migratórios. Na verdade, ainda

que o aumento de população da freguesia de Alcântara comece a ocorrer nas décadas

anteriores, como referimos, será a partir do final do século XIX que esse crescimento será

mais visível. De 1890 a 1930 a população do bairro com origem no exterior do distrito de

Lisboa não cessa de aumentar. Em 1890 ela representava 33% dos habitantes da freguesia, em

1911 era já de 37,6%, para representar 49,7%, em 1930.58

O desenvolvimento urbanístico absorvia, em primeiro lugar, alguma da migração

ocorrida internamente no distrito de Lisboa. Em 1890 esses indivíduos representavam 7,5%

da população total do bairro. Já em 1911 o seu número crescera para 9,2%.59 Importa referir,

no entanto, que neste período o distrito de Lisboa abrangia uma área mais vasta, englobando

locais onde seria maior o impulso migratório, como Setúbal. Refira-se que segundo a análise

de Frédéric Vidal, era igualmente grande o peso dos habitantes originários da própria cidade

na estrutura demográfica do bairro. Apenas em 1930 a percentagem de indivíduos

provenientes dos limites de Lisboa deixou de ser superior a 50%, passando de 50,2%, em

1890, para 45,2%, em 1930.60

55 Vidal, Frédèric, ob.cit.. p. 51. 56 idem, ibidem, p. 54. 57 Rodrigues, Teresa, ob.cit.. pp. 327-328. 58 idem, ibidem, p. 56. 59 Vidal, Frédéric, ob.cit.. pp. 56. 60 idem, ibidem, p. 56.

34

A importância do tecido industrial de Lisboa, como factor primordial de fomento

demográfico e urbanístico, conhecerá apenas uma diminuição quando, a partir da segunda

década do século XX, o assentamento industrial começar a ocorrer em locais mais periféricos

à cidade, sendo esse, a título de exemplo, o caso do Barreiro. Percebe-se assim que em 1930

apenas 3,7% era nascida no distrito de Lisboa.61

Quer o aumento demográfico e urbanístico de Lisboa, quer o crescimento dos

efectivos do bairro deverão ser analisados sob duas perspectivas distintas. Sublinhe-se, por

um lado, que a proximidade de Alcântara ao resto da cidade de Lisboa significava uma

relação de contiguidade muito proveitosa tendo em perspectiva a necessidade dos

estabelecimentos fixados no bairro escoarem os seus produtos. Lisboa emergia, desta forma,

como o mercado natural para muitas dessas unidades. A importância deste mercado é

anunciada, recorrentemente, em muitas das respostas que são dadas pelos responsáveis de

muitos estabelecimentos às questões colocadas pelo Inquérito Industrial de 1881,62 que aí

afirmam colocar uma parte importante dos seus produtos.

É verdade que o aumento da densidade populacional, como sublinha Jorge Custódio,

ofereceu aos estabelecimentos aí instalados uma grande oferta de mão-de-obra; mas entre

meados do século XIX, e cerca de 1890, o espaço sofreu uma significativa mutação que

provocaria algumas alterações na tipologia das vantagens aí existentes em meados do século

para a fixação industrial. Esta transformação decorreu, segundo Jorge Custódio, através de um

processo em que a evolução do bairro, em muito subsidiária da sua vertente marcadamente

industrial «acompanha o evoluir da implantação industrial ao redor de Lisboa, acabando por

ser absorvida e transformada pela aceleração no crescimento da área urbana e pela

necessidade de ligações rodoviárias rápidas com os arredores (...) a paisagem natural, as

penetrações fluviais, a linha da costa, tudo se transforma por acção do crescimento urbano e

das modificações exigidas pela implantação industrial».63

Importa questionar, sendo assim, se à semelhança do que ocorreu com o centro da

cidade, onde a evolução urbanística condicionou não só o tecido produtivo aí instalado como

transformou, na última metade do século XIX, esse espaço num local que já não oferecia

condições para a instalação de unidades com as dimensões e as características que muitas

apresentavam, se também o desenvolvimento urbanístico de Alcântara, com o cerrar da malha

61 idem, ibidem, p.56. 62 Inquérito Industrial de 1881:Resumo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883. 63 Custodio, Jorge Ribeiro, Isabel e Santos, Luísa, ob.cit.. p.9.

35

populacional, não só começou a condicionar a implantação de novas unidades, como dirigiu o

tecido produtivo do bairro para uma lógica produtiva de consumo vincadamente local.

A partir de meados do século XIX Alcântara conhece um acentuado crescimento da

taxa de densidade de habitante por quilómetro quadrado, sendo uma tendência que se acentua

no último quartel desse século. Assim, se em 1853 essa taxa era de 9 hab/km2 em 1857 era já

de 16 hab/km2 e, em 1878 de 26 hab/km2. No final do século essa densidade passaria de 28

hab/km2, em 1890, para 36 hab/km2, em 1900.64 Refira-se que para a totalidade do País essa

taxa evolui de 32,8 hab/km2, em 1801, para 60,1 hab/km2 em 1900.65 Este rápido crescimento

urbanístico de Alcântara, sendo uma consequência directa do processo de desenvolvimento

urbanístico que o bairro conhecia terá, certamente, como veremos, importantes consequências

na tipificação do seu tecido industrial.

2. A evolução de um bairro industrial: aspectos gerais

Tendo em conta a evolução global de Alcântara, conforme a apresentamos, torna-se

perceptível que a sua afirmação como um importante bairro industrial de Lisboa pode ser

analisada considerando dois momentos que não obstante apresentarem grandes similitudes

entre si, obedecem a diferentes lógicas e dinâmicas.

O principal momento de arranque da sua industrialização terá ocorrido nos anos de

1840 quando, sob a liderança do sector têxtil, conhece uma primeira fixação de unidades

industriais modernas propriamente ditas. Não tendo ocorrido aí uma mutação profunda nas

actividades que evoluíam no bairro – Alcântara conhecia um longo período de instalação de

diversas actividades de cariz pré-industrial, desde o Terramoto de 1755, que pautavam até aí o

seu tecido produtivo – a instalação destas unidades constituiria um ponto inaugural do

desenvolvimento industrial constituindo-se, por si só, como um factor de atracção para as

muitas unidades que foram criadas depois de meados do século XIX, quando se acelerou o

desenvolvimento industrial de Lisboa. Sob o impulso do sector têxtil são criados médios e

grandes estabelecimentos que pautarão o pulsar da sua industrialização até pelo menos ao

início do século XX. Referimo-nos, essencialmente, às diversas metalúrgicas que foram

estabelecidas ou desenvolvidas na década de 1860, sobretudo as unidades direccionadas para

a produção de máquinas a vapor. Trata-se de uma actividade que, como veremos, em muito é

64 Rodrigues, Teresa, ob.cit.. pp. 334-335. 65 idem, ibidem, p. 76.

36

subsidiária da implantação industrial ocorrida na década de 1840. Acentua-se, desta forma,

uma certa tendência para se desenvolverem no bairro as actividades que apresentam uma

relação de interdependência com outros sectores industriais.

Já o período compreendido entre 1870 e 1890 constitui-se, por sua vez, como aquele

onde o espaço de Alcântara se afirmou, verdadeiramente, como bairro industrial. O fomento

da década de 1840 permitira, como vimos, o desenvolvimento de infra-estruturas

fundamentais ao crescimento industrial. Além do Porto de Lisboa importa sublinhar também

o caminho-de-ferro, e as diversas vias que se iam abrindo no bairro, como a Av. 24 de Julho.

No mesmo sentido, o crescimento urbanístico de Lisboa fornecia, por um lado, o mercado

natural e próximo para os estabelecimentos do bairro e, por outro, a mão-de-obra que as

unidades que se encontravam em acentuado crescimento necessitavam. Em última análise, o

acentuado fomento do tecido produtivo do bairro, nestas décadas, era subsidiário da

industrialização que já vinha ocorrendo anteriormente, uma realidade que nos leva a

questionar a ocorrência de um surto industrial, no contexto do bairro, e a equacionar uma

ideia de fomento industrial ocorrido numa lógica de desenvolvimento essencialmente

progressiva. Nesta perspectiva, a década de 1870 poderá ser encarada mais como um período

onde a industrialização que já vinha ocorrendo no bairro, há cerca de três décadas, se

manifesta mais visivelmente, e não tanto como sendo um período onde tenha ocorrido corte

com o passado mais recente através de uma aceleração do assentamento industrial, apesar do

grande desenvolvimento ocorrido nesses anos.

No espaço cronológico onde a industrialização terá conhecido a sua fase mais intensa,

entre 1870 e 1890, Alcântara beneficia também, naturalmente, não só evolução do tecido

produtivo de Lisboa que transformara a zona ocidental da cidade no pólo industrial mais

importante da capital, mas também das diversas infra-estruturas que vão sendo criadas no seu

espaço. Importa não esquecer também que nestes anos o bairro beneficia de um ambiente

extremamente positivo que pauta a globalidade do desenvolvimento industrial português.

Resultou, desta forma, que quando chegamos ao final da década de 1880 Alcântara conheça

no seu espaço alguns dos estabelecimentos mais importantes de Lisboa e do País, das quais se

destacavam as unidades ligadas ao sector têxtil.

Já entre a década de 1890 e a Grande Guerra, não obstante as permanências do período

anterior, o tecido produtivo do bairro passa a ser caracterizado pela emergência de uma maior

diversidade na tipologia dos sectores que evoluíam no seu espaço. Esta diversidade foi

impulsionada, essencialmente, pela evolução demográfica e urbanística de Lisboa, uma

37

realidade que levaria a que no início do século XX o sector alimentar se tivesse transformado

num dos mais importantes do espaço alcantarense. No mesmo sentido, o fecho da malha

urbana, no espaço de Alcântara, começava a retirar ao bairro a grande oferta de terrenos

disponíveis para a instalação de novas unidades que o tinha pautado anteriormente. Não

obstante estas mutações, e como veremos no próximo capítulo, nas vésperas da I.ª Guerra

Mundial Alcântara apresentava-se ainda, no espaço de Lisboa, como um dos locais onde era

maior a concentração industrial.

38

Capítulo 2

Dinâmicas e Etapas da Industrialização de Alcântara

1. Na génese da industrialização de Alcântara

Conhecida, de forma genérica, o conjunto de factores que contribuíram decisivamente

para que Alcântara se tenha afirmado como o grande bairro industrial de Lisboa, centremos

agora a nossa atenção na caracterização do seu tecido industrial.

Percebemos, anteriormente, que ainda antes da intensificação de uma industrialização

de cariz moderno, o bairro conhecia já, numa análise de tempo longo, o desenvolvimento de

actividades de cariz pré-industrial no seu espaço. Quer de uma perspectiva cronológica, quer

partindo da análise da tipologia das unidades que aí evoluíram antes do período que estamos a

estudar, essa fixação é passível de ser dividida em dois momentos distintos. O primeiro é

inaugurado, essencialmente, com o Terramoto de 1755 sendo marcado pelo surgimento de

diversas unidades ligadas à extracção das riquezas naturais do sítio de Alcântara, às quais já

fizemos referência. Os autores que se têm debruçado sobre Alcântara têm reconhecido e

identificado, unanimemente, a importância da herança de uma certa tradição industrializante

no bairro ainda antes do século XIX.66 Jorge Custódio sublinha, a título de exemplo, que o seu

espaço conhecera já uma ocupação pré-industrial, proto-industrial e manufactureira.67 Esta

realidade é traduzida em moinhos hidráulicos, azenhas, moinhos de vento e fornos de cal.

Trata-se, segundo o autor, de uma função que se pode caracterizar, em termos gerais, por um

aproveitamento dos recursos naturais do sítio através, sobretudo, das pedreiras de calcário

existentes no local, havendo também diversos fornos de cal e de carvão mineral.68

Paralelamente à actividade extractiva, foram sendo criadas, ainda antes do século XIX,

diversas unidades manufactureiras, quer no espaço de Alcântara, quer nas suas proximidades.

Importa destacar aí o pioneirismo de algumas unidades das quais o maior exemplo é a

66 Veja-se, por exemplo, Custódio, Jorge - “Reflexos da industrialização na fisionomia e vida da cidade: O mundo industrial na Lisboa Oitocentista”, ob.cit.. p. 463-465. 67 idem, ibidem, p.434-492. 68 idem, ibidem, p. 464.

39

Cordoaria Nacional. Tendo-se instalado em 1771, torna-se um dos estabelecimentos mais

emblemáticos no relevo industrial da zona de Alcântara durante um largo período.69

Mas apesar da presença destas unidades, no início do século XIX as lógicas de

distribuição geográfica do tecido produtivo no bairro continuavam a ser pautadas pela

existência de variados recursos naturais. Era essa também, globalmente, uma das principais

dinâmicas que dominavam a fixação de novas unidades no contexto nacional. Como sublinha

Jorge Pedreira na tese, Indústria e Atraso Económico em Portugal, 1800-1825 tratava-se de

um assentamento em que os padrões de localização industriais «passam iniludivelmente pela

morfologia dos territórios. As águas e lenhas fixam as indústrias, porque para todas elas são

imprescindíveis.»70 Percebe-se assim que Alcântara, pelos recursos naturais que possui seja

também, no início do século XIX, um espaço privilegiado do assentamento das novas

unidades que vão surgindo Lisboa.71

O segundo momento corresponde ao final da primeira metade do século XIX, na qual

começaram a ser instalados as primeiras actividades que seriam caracterizadas,

posteriormente, por diversas unidades de cariz moderno. No início do século XIX o bairro vê

serem desenvolvidos dois sectores que terão grande relevo no período que estamos a estudar.

Referimo-nos aos curtumes e, sobretudo, ao surgimento de diversas estamparias. A primeira

estamparia de algodões tinha sido introduzida em Portugal cerca de 1775. O seu

desenvolvimento decorre nessa altura, essencialmente, na região de Lisboa, aproveitando a

água fornecida pelo rio Tejo e pelos seus afluentes.72 A escolha de Alcântara para esta

fixação, no contexto da capital deveu-se, naturalmente, à existência abundante de água no seu

espaço. O “sector da água”, como o classificam Jordi Nadal e Xavier Tafunnell,73 quando

analisam o desenvolvimento industrial de Barcelona neste período, nasce assim em estreita

relação com a água fornecida pela Ribeira de Alcântara.

A tendência, no contexto português, era para que as estamparias formassem núcleos

produtivos de médias e grandes dimensões quando comparadas com as unidades existentes

69 Veja-se, para um melhor conhecimento da História da Cordoaria Nacional, Reis, António Estácio dos Reis – “Cordoaria (Fábrica Nacional de)”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p.309. 70 Pedreira, Jorge Miguel - Indústria e Atraso Económico em Portugal, 1800-1825, ob.cit.. p. 97. 71 Veja-se, objectivando um maior conhecimento dos recursos naturais de Alcântara, Lima, Maria Amélia Fonseca Freire de, ob.cit.. p. 13-15. 72 Pedreira, Jorge - “Indústria e negócio: a estamparia na região de Lisboa, 1780-1880”. Análise Social. N.º 112-113 (1991), p.541. 73 Nadal, Jordei e Tafunell, Xavier, ob.cit.. pp. 8-82.

40

nos restantes ramos.74 Diga-se, a título de exemplo, que em 1829, e no contexto nacional,

cerca de 75% dos estabelecimentos eram unidades com mais de 25 operários.75 Apesar disto,

as estamparias de Alcântara conheciam uma realidade substancialmente diferente neste

período. Este sector era, na passagem do século XVIII para o XIX, e até cerca de 1830,

caracterizado não tanto pela instalação de grandes unidades, mas pela fixação de pequenos

estabelecimentos que se dedicavam a estampar algodão. Era esse o caso das oficinas de

Aniceto José dos Santos, a de Francisco Luís da Silva, a de José Pereira Pessoa, a de Pedro

Alexandrino do Couto, entre outras.76

Um outro ramo que conheceu aí um importante desenvolvimento foi o dos curtumes.

Igualmente dependente da existência de água abundante, tornou-se natural a sua fixação perto

da Ribeira de Alcântara. Também aqui a tipologia dominante eram as pequenas oficinas.

Todavia, ao contrário das estamparias que conhecerão a instalação de grandes

estabelecimentos, o sector dos curtumes será sempre maioritariamente composto por

pequenas unidades, mesmo depois da viragem do século. Por entre o conjunto de pequenas

oficinas laboravam as de Ana Maria Nazareth e de António José da Costa, sitas na Ribeira de

Alcântara, e as de Domingos da Cunha Fialho, na Rua de Alcântara, a de Ferreira & C.ª, na

Villa Pouca, a de José António Mota na Horta Navia, e a de José António de Alcântara, na

Rua Velha.77

Além de nos ajudarem a perceber melhor uma certa predisposição de Alcântara para a

fixação de unidades industriais, importa compreender também a longa permanência de

algumas destas actividades. Elas indiciam que o surgimento do tecido industrial moderno

propriamente dito, não se fez através de um processo de substituição das actividades que

anteriormente vinham laborando no bairro. Pelo contrário, uma das características mais

vincadas da industrialização de Alcântara foi, precisamente, a convivência e a decorrência

entre as unidades e os ramos produtivos que podemos considerar próprios da primeira

Revolução Industrial, e as aquelas de perfil mais moderno, conforme o provam os diversos

fornos de cal patentes no Inquérito Industrial de 1890.

2. 1840-1870: lugar à modernização

74 Pedreira, Jorge Miguel - Indústria e Atraso Económico em Portugal, 1800-1825, ob.cit.. p. 97. 75 idem, ibidem, p. 77. 76 Cf. Custodio, Jorge - “Alcântara (Industrial)”. In. Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p.33. 77 idem, ibidem, p. 33.

41

2.1. A importância do sector têxtil

Ao debruçarmo-nos sobre a evolução do tecido produtivo de Alcântara prendemo-nos,

primordialmente, com a necessidade de conhecer as cronologias do assentamento no bairro,

quer dos principais ramos produtivos que o pautam, quer dos estabelecimentos que lhe dão

forma. Neste sentido, se analisarmos o Inquérito Industrial de 1881, somos levados a

fixarmo-nos, primeiramente, na década de 1840, quando o bairro conheceu uma parte

relevante de criação e de desenvolvimento de algumas das unidades que encontraremos em

acentuada vitalidade depois da década de 1870.

O primeiro momento de fixação de tecido produtivo moderno terá surgido no bairro

depois de 1836. Conforme vincam diversos autores78 o impulso dado nessa data, por Passos

Manuel, fomentou algum desenvolvimento industrial no conjunto do território nacional.79 No

contexto mais restrito de Lisboa, aquele que aqui mais nos interessa, na década de 1840

fomentou-se também a criação de diversos estabelecimentos de média e grande dimensão que

se destinavam à produção fabril.80 Lisboa comandava já, nesse período, o processo de

desenvolvimento industrial do País. Desde a passagem de setecentos para oitocentos a cidade

era, na verdade, o local privilegiado para esta nova tipologia de desenvolvimento industrial.

David Justino caracteriza-a como sendo de «recente maquinofactura» e desenvolvida «a

partir de grandes unidades industriais», e nas quais «o sector têxtil, em especial o

algodoeiro, e neste a estamparia, é, pela mão-de-obra empregue e pelas máquinas a vapor

utilizadas, o sector mais importante, seguindo-se-lhe a manipulação de tabaco, a metalurgia

e a metalomecânica, a indústria química e as alimentares.»81

A ocorrência de um desenvolvimento industrial de cariz moderno ainda antes de

meados do século tem sido identificada também por outros autores que estudaram os

principais momentos de desenvolvimento industrial no País. Armando de Castro, enquadra os

anos 40 naquilo a que chamou de «etapas básicas do processo geral da industrialização

portuguesa» no século XIX.82 Afirma igualmente que Portugal teria conhecido, nos anos 40,

78 O impulso conferido à industrialização por Passos Manuel é sublinhado, por exemplo, por Armando de Castro, que vinca, entre outras coisas, a pauta proteccionista instaurada em 1837. Atente-se, nesse sentido a Castro, Armando, ob.cit.. p. 30. 79 Uma análise mais profunda das problemáticas abertas em torno desta questão pode ser encontrada em Bonifácio, Maria de Fátima - “Lisboa, bastião do proteccionismo: pautas, política e Indústria nos anos 30-40 do século passado”. Análise Social. N.º112-113 (1991), p. 551-535. 80 Justino, José David Gomes, ob.cit. p.108-118. 81 idem, ibidem, p.118. 82 Castro, Armando, ob.cit...p. 49.

42

«a aplicação (...) das grandes conquistas iniciais da Revolução Industrial».83 Surgiram, nesse

sentido, diversas unidades de médias e grandes dimensões, muitas delas na região de Lisboa,

enquadradas numa lógica de fixação que privilegia, tendencialmente, as zonas mais

periféricas e nas quais se enquadra Alcântara.

A importância da pauta de Passos Manuel para o bairro advém, igualmente, do facto

de proceder à defesa do sector que conhecerá um maior desenvolvimento no bairro neste

período, os têxteis.84 Percebe-se assim que ao grande número de pequenas oficinas que

preenchiam o sector da estamparia se tenham imposto as primeiras fábricas de grandes

dimensões. Dedicavam-se, precisamente, à actividade têtxtil. Esta nova realidade, surgida nos

anos 40, está bem patente no Inquérito Industrial de 1881, no qual se percebe a instalação de

diversas unidades no bairro, nesse período. Foi nessa data criada, por exemplo, a Anjos,

Cunha, Ferreira & C.ª.. Localizada na Rua da Fábrica da Pólvora, n.º 38, foi fundada, em

1840, por Rodrigues Barros & C.ª. Em 1844 passou para as mãos de Miranda Batalha & C.ª,

dedicando-se, até essa altura, à tinturaria de algodões. Em 1847 passa a estampar chitas de

uma e duas cores, conhecendo aqui um importante momento de modernização, com a

implantação de duas máquinas de estampar. Em 1854 passou para a posse dos proprietários

que mantém em 1881. Empregava, na altura do inquérito de 1881, 110 operários, e usava 36

CV na produção. Designava-se então Fábrica Portuguesa de Estamparia e Tinturaria.

Tabela 1

Principais estabelecimentos de Alcântara criados antes de 1870

Indústria Localização Ano

Formação Ramo

Industrial

Companhia Perseverança Largo do Conde Barão,

n.º14 1809 metalurgia

Fábrica Nacional de Produtos Cerâmicos Constância

Rua das Janelas Verdes, n.º40

1837 cerâmica

Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense

Rua de S. Joaquim, n.º8 1838 têxtil

B. Daupias & C.ª Calvário, 1839 têxtil

Anjos, Cunha, ferreira & C.ª Rua da Fábrica da Pólvora 1840 estamparia Fábrica de curtumes de António José da Costa

Calçada dos Terremotos, n.º9

1842 cortumes

Fábrica de Pinto & C.ª, Ponte Nova 1842 estamparia

José António Alcântara & Filhos, Rua Velha, n.º2 1842 cortumes

Pinto & C.ª. Ponte Nova 1842 estamparia

83 idem, ibidem, p. 49. 84 Bonifácio, Maria de Fátima, ob.cit.. p.527

43

Fábrica Vulcano Boqueirão do Duro 1843 metalurgia

Fábrica Vitória Rua 24 de Julho 1846 metalurgia

Viúva Lamego & Filhos 1848 cerâmica

Fábrica de Joaquim Antunes dos Santos Aterro da Boa Vista 1852 metalurgia

Fábrica da Companhia Previdente Rua do Instituto industrial 1853 metalurgia

L. Dauphinet & Castay Rua Direita do Calvário,

n.º33. 1856 metalurgia

Monteiro & Filhos Rua Direita de Junqueira,

n.º74 1858 cortumes

Companhia União Industrial Lisbonense Rua 24 de Julho 1862 alimentação

Ferreira & C.ª. Rua 24 de Julho 1862 alimentação

António Cypriano Ferreira Rua Velha, n.º59-A 1863 cortumes

Centeno & C.ª Horta Navia 1863 estamparia

Lamas & C.ª Rua da Junqueira, 98 1864 cortumes

Companhia União Fabril Rua das Fontainhas 1865 sabão/velas

Companhia dos Vendedores de tabaco Regalia

Rua 24 de Julho 1866 tabaco

José Rodrigues Mendes, Sucessores Calçada de Santos, 35 1866 alimentação

Caetano Lopes da Silva Rua Praia da Junqueira,

n.º24, 1869 extração/gesso

Fontes: Inquérito Industrial de 1881; Catálogo da Exposição Nacional das Indústrias Fabris realizada na Avenida da Liberdade em 1888; Inquérito Industrial de 1890.

O processo de instalação de maquinaria moderna não era, no entanto, extensível a

todas as unidades. Algumas estamparias de média dimensão continuavam sem conhecer a

energia de vapor, não sendo esse um elemento que impossibilitasse a sua sobrevivência até

1881. Encontramos, nessas condições, a Pinto & C.ª. A firma de António da Silva Pinto, tinha

sido formada em 1842. Em 1881 contabilizava já 110 operários e dedicava-se igualmente à

estamparia de lenços e de chitas, e à tinturaria de zuartes. Este desenvolvimento acentuado da

estamparia e da tinturaria, neste período, deve-se também, segundo David Justino, à política

alfandegária de Espanha que tornava lucrativa a passagem dos tecidos por Lisboa como via

indirecta de entrada no país vizinho, o que terá aguçado o apetite dos negociantes de algodão

portugueses a investirem nestes bens.85

Mas um dos exemplos maiores do desenvolvimento deste sector, na década de 40, é a

Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense. Fundada em 1838 por Francisco Rodrigues

Batalha e António José Pereira Guimarães, entre outros, e tendo, inicialmente, um capital

social de 40 000$000, instala-se, num primeiro momento, no Convento de Xabregas.

Conheceu, nessa fase inicial, diversos entraves ao seu crescimento, materializados, sobretudo,

85 Justino, David, ob.cit.. p. 162.

44

num edifício que não continha as condições exigidas para o seu desenvolvimento. Um

primeiro passo para a mudança desta companhia para Alcântara ocorreu quando um incêndio

destruiu parte do mesmo edifício a 12 de Janeiro de 1844, contrariedade a que se juntou a

avaria das suas caldeiras, já antigas. Um ano mais tarde alugou o palácio do Marquez de Niza,

na mesma zona da cidade, cedendo o anterior edifício de Xabregas aos Contratadores do

Tabaco, Sabão e Pólvora. Permaneceram, no entanto, as limitações das instalações em que

agora estava a laborar. A solução passou pela sua mudança para um edifício em Alcântara de

que era proprietário o Conde da Ponte. Tendo as obras começado em 1846, esta mudança

propiciou um acentuado desenvolvimento nas décadas que se seguiram.

É esse crescimento que permitirá que em 1874 tenha já um capital social de 1 000

000$000, sendo nessa altura dirigida por Isidoro Thomás de Moura Carvalho, por Francisco

José Ribeiro e por António José Rodrigues Leitão, sendo a fábrica de Santo Amaro gerida por

António Nery da Silva. Quando se localizou na Rua de S. Joaquim, a Santo Amaro, a unidade

que se dedicava à fiação de algodão importava 400 000 kg de algodão do Brasil e de Angola,

e 2 000 000 kg de carvão.86 Quatro anos mais tarde contabilizava cerca de 700 operários

enquanto, em 1888, evoluiu para 1 181 trabalhadores.87

Já no sector têxtil, propriamente dito, os anos 40 conheceram também a criação de

alguns dos estabelecimentos que se revelariam de maior importância no tecido produtivo do

bairro. A fábrica de lanifícios de Bernardo Daupiás era o maior expoente da expansão do

sector. Desenvolvida depois de 1839, a nova instalação foi transferida para o Calvário em

1845, estando a administração entregue ao próprio Bernardo e ao seu filho Pedro-Eugénio

Daupiás. A Bernardo Daupias & C.ª. conheceu um forte crescimento das décadas que se

seguiram à sua criação. Em 1881, o seu crescimento era já bem visível, tendo-se transformado

numa das maiores têxteis do bairro. Produzia xailes e caxemiras, entre outros produtos de lã.

A fábrica tinha aí cerca de 700 operários e três máquinas a vapor de 100 CV cada, 36 teares

mecânicos, entre outra maquinaria,. A produção era dirigida para Portugal, para o Brasil e

para as colónias portuguesas em África.

Alcântara conhece assim, em meados do século, um importante momento de fixação

de estabelecimentos de média e grande dimensão acompanhando a criação de um parque

86 Veja-se “Fábrica de Fiação e Tecidos de Algodão em Santo Amaro”. Diário Illustrado, 3.º Ano, n.º506 (Janeiro de 1874). 87 Associação Industrial Portuguesa - Catálogo da Exposição Nacional das Indústrias Fabris Realizada na Avenida da Liberdade em 1888. Vol. II, Lisboa: Imprensa Nacional, 1889, p.107.

45

industrial de cariz moderno que era, na verdade, uma tendência comum a todo o espaço da

região de Lisboa. Esta ideia é defendida por David Justino, que sublinha o facto de em

meados do século XIX as fábricas da capital «teriam já uma importância muito superior à

indústria oficinal, quer pela mão-de-obra empregue, quer pela sua capacidade de produção,

em grande parte dependente da força de trabalho»88. Para este autor, a afirmação da fábrica

na região de Lisboa, em detrimento da oficina derivou, sobretudo, do facto de ser na capital

que a máquina a vapor teve uma maior difusão depois de ter sido implantada na década de 40.

No seu conjunto, os anos 40 inauguram verdadeiramente o desenvolvimento industrial

do bairro. A sua importância advém do impulso que forneceram a outras actividades nascidas

nos trilhos de oportunidade abertos pelo pioneirismo dos estabelecimentos que se instalaram

nessa década.

2.2. Um mundo de novas oportunidades: a emergência da metalurgia

No contexto da industrialização europeia o nascimento da indústria química moderna

foi uma consequência, em parte, do desenvolvimento do sector têxtil que ocorreu num

primeiro momento. As unidades do sector químico começaram por produzir agentes

branqueadores. Dedicaram-se também, posteriormente, a fabricar colorantes sintéticos que

seriam usados nas diversas indústrias têxteis em desenvolvimento. Seguindo esta lógica, ao

crescimento desta actividade, nos anos 40, Alcântara poderia ter conhecido a criação de um

importante sector químico nos anos posteriores. Não foi, todavia, isto que aconteceu. Em

parte porque quer as estamparias, quer outras têxteis, importavam a grande parte das “drogas”

usadas no seu fabrico. A Anjos, Cunha, Ferreira & C.ª, a título de exemplo, importava os

produtos químicos de Inglaterra e da Alemanha (anexo 5). Face a esta realidade, o sector

químico no bairro só conheceria um relativo desenvolvimento à custa não do sector têxtil,

mas da complementaridade entre a indústria e a agricultura, mormente, através da produção

de adubos que será centralizada na CUF, da qual falaremos posteriormente.

Não obstante esta realidade, o desenvolvimento industrial dos anos 40, com o recurso,

ainda que diminuto, a uma maior mecanização, teria uma importante influência na estrutura

do tecido produtivo desenvolvido no bairro anos seguintes. Revela-se, primeiramente, ao

originar a carência de produção de máquinas a vapor e também no fomento da necessidade de

haver quem reparasse a maquinaria que ia sendo instalada. Assiste-se assim, no início da

88 Justino, David, ob.cit.. p. 112.

46

segunda metade de oitocentos, à emergência do sector metalúrgico. Esta seria, na verdade, a

actividade mais beneficiada não só pelo desenvolvimento industrial anterior, como pelo

fomento urbanístico que este começara a promover. Percebe-se, desta forma, que seja aquela

que mais se desenvolveu nos anos de 1850 e 1860. Ana Cardoso Matos refere, nesse sentido,

que a criação de diversas unidades metalúrgicas até à década de 70 «só pode ser explicado

por uma procura mais consistente de maquinaria por parte da agricultura e indústria

portuguesa e pela incorporação crescente do ferro na construção civil.».89 Ao lado dessas

diversas oficinas que já se encontravam em laboração no bairro, emergiram unidades de cariz

moderno viradas para a produção de maquinaria e, na mesma dimensão de importância, para

as diversas obras que a cidade ia conhecendo.

Foi assim que nasceram e se desenvolveram as grandes metalúrgicas existentes no

bairro. Um dos exemplos mais claros é o crescimento da L. Dauphinet & Castay. Foi criada

na Rua Direita do Calvário, em 1856, precisamente para produzir caldeiras a vapor e efectuar

diversas obras de serralharia. Beneficiava, desta forma, das crescentes necessidades de

maquinaria originadas pelo crescimento e modernização do tecido industrial nacional. A

grande evolução que conheceu, até 1881, leva-a a atingir aí 25 operários. Em 1853 esta lógica

determina, igualmente, o aparecimento da Companhia Previdente na Rua do Instituto

Industrial. O seu dinamismo é verificável, em 1881, nos 60 operários que empregava, e no

recurso a 83 CV de energia a vapor.

A par com estas unidades de maior dimensão havia estabelecimentos nascidos de um

impulso diferentes. Foi o caso da metalúrgica de Joaquim Antunes dos Santos. Fundada em

1852, no Aterro da Boavista fabricava, essencialmente, produtos virados para o sector da

construção, como pregos. Recorre, para isso, a 75 operários que trabalham o ferro, o cobre, o

zinco e o latão, matérias-primas que lhe chegam através do porto, fazendo o uso também de

duas máquinas de vapor de 25 CV cada.

O efeito de arrastamento provocado pelo desenvolvimento do sector têxtil nos anos 40

permitiu também que algumas das pequenas oficinas de metalurgia que vinham laborando na

cidade, ainda na primeira metade do século, tivessem conhecido um acentuado crescimento,

tornando-se agora estabelecimentos modernos de média dimensão. Uma dessas unidades, cuja

história entronca com a evolução da própria industrialização de Alcântara, ficou conhecida

89 Matos, Ana Cardoso de - “A indústria Metalúrgica e Metalomecânica em Lisboa e no Porto na segunda metade do século XIX”. Arqueologia e Indústria - Revista da Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial. N.º1 (Julho de 1998), p.94.

47

como Vulcano & Collares,90 nome que adquirirá na fusão ocorrida entre duas empresas, em

1915. A sua história é, contudo mais antiga. No início do século XIX José Pedro Collares,

funda uma pequena oficina na Rua Augusta. Esta unidade conhece uma lenta evolução que a

leva a ter 9 operários, em 1821. Um primeiro grande momento de desenvolvimento ocorre,

precisamente, na década de 40 quando, em 1842, se muda para perto do Largo do Conde

Barão, adquirindo o nome de Fábrica Nacional de Fundição de Ferro e Bronze. Em 1945 o

fundador da oficina primitiva associa os seus filhos José Pedro Collares Júnior, João, Tomás e

António Collares à sua fábrica, que se passou a denominar José Pedro Collares & Filhos.

Apesar do crescimento destes anos, o período de maior dinamismo acontece na década de 50,

acompanhando o progresso que a actividade metalúrgica da zona de Alcântara conheceu neste

período.

A mudança para o número 14 do Largo do Conde Barão decorre de um incêndio que

destrói as instalações anteriores. Fabricava, entre outros produtos, rodas hidráulicas de ferro.

O mais empreendedor dos irmãos, José Pedro Collares Júnior cria paralelamente, nessa altura,

a Companhia Perseverança. Em 1858, João e António Collares afastam-se da fábrica criada

pelo seu pai e os irmãos que permaneceram vendem-na à Perseverança, em 1959.

Tinha sido criada, em 1820-21, a oficina que dará origem à Fábrica Vulcano. Em

1842 transfere-se para o Boqueirão do Duro, no Bairro da Boavista. Em 1951 a Fundição

Vulcano é arrendada a Henry Peters, também proprietário da Fábrica Fénix, por Jacinto

Damásio, accionista da Companhia Lisbonense de Iluminação a Gás. As máquinas da oficina,

no entanto, tinham sido vendidas a José Pedro Collares. Henry Peters consegue, ainda assim,

adquirir novas máquinas para o funcionamento da Vulcano, dando seguimento à sua

produção. Quando chegamos a 1881 a oficina encontra-se sob a direcção da Viúva Peters &

Filhos. Produzia, nesta altura, máquinas a vapor até 30 CV, engenhos para massas, prensas

para azeite, guindastes, engrenagens, moinhos de trigo, entre outros produtos destinados a

serem consumidos pelas novas e emergentes unidades fabris, não só em Alcântara, como no

contexto nacional. Não podemos dissociar também a sua evolução da expansão industrial que

ocorria à sua volta. Beneficia-a, igualmente, a proximidade ao Porto de Lisboa, de onde lhe

chegam o ferro fundido, o coque e o carvão de pedra. Até 1915, ano em que se fundem, dando

origem à Vulcano & Collares, funcionaram como unidades totalmente distintas. Refira-se, no

90 Custodio, Jorge - “Vulcano & Collares”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p. 965-966.

48

entanto, que apenas a Perseverança, de menor dimensão, pertencia realmente ao contexto do

bairro de Alcântara, tendo fixado fábrica na Av. 24 de Julho.

A par destes estabelecimentos, e enquadradas na zona de influência do tecido

produtivo do bairro, outras metalúrgicas de menor ou maior dimensão desenvolveram-se

também desde a década de cinquenta. Como fruto dessa evolução, quando chegamos aos anos

70 o sector metalúrgico era um dos mais importantes no tecido produtivo de Alcântara.

3. A afirmação de um bairro industrial

3.1. A explosão industrial

Em termos genéricos, ainda que não se consiga contabilizar totalmente a influência

deste crescimento industrial ocorrido antes da década de 70 para o desenvolvimento urbano e

demográfico de Alcântara, percebe-se que olhando para a evolução demográfica do bairro, ele

terá funcionado como um importante catalisador de populações exteriores ao bairro que viam

nos estabelecimentos industriais criados importantes oportunidades de emprego. Entre 1864 e

1900 o número de habitantes de Alcântara aumentou 123,5% enquanto entre 1801 e 1864 o

local crescera 59,4%.91 O afluxo das populações à cidade fez emergir as preocupações com a

qualidade de vida em muitos locais de Lisboa.92 Os higienistas portugueses viam nas zonas da

capital que conheciam um maior assentamento industrial o foco das muitas doenças que

assolavam Lisboa nesse período. Procedem, nesse sentido, à elaboração de diversos estudos

que resultariam, no que aqui mais nos interessa, na necessidade de regulamentar a relação

entre o desenvolvimento urbano e o processo de industrialização em curso.

A emergência destas preocupações com a saúde pública influenciou, de forma directa,

o processo de industrialização que estava em curso, obrigando à regulamentação das

condições de laboração, quer para os estabelecimentos novos, quer para aqueles que se

encontravam já em laboração. Lisboa seguia, também aqui, o exemplo que lhe chegava da

Europa. Em Paris um decreto e 1810 atribui ao Estado a decisão de autorizar a abertura de

uma fábrica em determinada localização.93

91 Rodrigues, Teresa, ob.cit.. p.54. 92 Veja-se, para um conhecimento mais aprofundado do debate sobre as condições de vida das populações, e da proliferação da habitação operária em Lisboa, entre outras obras Pereira, Nuno Teotónio - “Pátios e vilas de Lisboa, 1870-1930: a promoção privada do alojamento operário”. Análise Social. N.º127 (1994), p.509-524. 93 Faure, Alain - “La Ville et L’Industrie a Paris et en France (1800-1939)”. L’Archéologie industrielle en France. N.º 35 (Dezembro de 1999), p. 79-21.

49

Em Portugal a legislação que regulamentava a relação da laboração industrial com

desenvolvimento urbano surge na década de 60, com a Lei de 5 de Julho de 1863 e o Decreto

de 21 de Outubro de 1863. Esta legislação classificou os estabelecimentos considerando o seu

nível de insalubridade e os malefícios que pudessem causar à saúde pública, distribuindo-os

por três tabelas gizadas em função dos seus níveis de perigosidade. Na primeira encontravam-

se as unidades que se deviam situar fora das povoações por terem elevados níveis de

perigosidade. Na segunda eram referidos os estabelecimentos cujo funcionamento envolvia

acções incómodas ou insalubres, mas que não obriguem a um afastamento das populações.

Em terceiro lugar estavam os que representavam pouco perigo, podendo ficar instalados

dentro das povoações, ainda que fiquem sujeitos a vistorias regulares da polícia.

Esta legislação obriga à obtenção de uma licença concedida pelos Governos Civis para

que um estabelecimento, pertencente à primeira e segunda classe, possa seja fundado,

respeitando várias condições prévias para o seu assentamento, como a segurança das

máquinas a vapor e a altura da chaminé. As unidades têm ainda que respeitar uma distância

mínima para as habitações, estabelecida de acordo com o seu nível de perigosidade. As

referenciadas como sendo de primeira classe não podiam fixar-se perto das habitações, sendo

a distância a que se situavam estabelecida pelo Governo civil. As da segunda classe poderiam,

em alguns casos, estar perto de casas, mas a sua fixação estava sujeita a uma prévia avaliação.

Já às da terceira classe é permitido estar perto das habitações, mas sujeitas a uma vigilância

permanente.

No contexto de Lisboa a regulamentação da relação entre o desenvolvimento industrial

e o crescimento urbano acentua naturalmente, nesta fase, uma das vantagens de Alcântara

como pólo atractivo para a instalação de novas indústrias: a oferta de espaço livre. Na

verdade, o bairro tinha disponíveis terrenos de uma dimensão significativa que ofereciam às

novas fábricas a possibilidade de cumprir a legislação em vigor. Importa referir, todavia, que

quer no momento do requerimento colocado pelos industriais para começarem a laborar, quer

na data do alvará, quer quando é concedida a licença de funcionamento, muitos dos

estabelecimentos já estavam em funcionamento. Desta forma, sem diminuir a importância da

regulamentação do processo industrial, é necessário ter em conta o nível nem sempre elevado

de rigor aquando da sua implementação prática.

Ainda assim, a publicação da Lei de 5 de Julho e o Decreto de 21 de Outubro, ao

resultarem da necessidade de regulamentar a instalação dos estabelecimentos, parecem

confirmar, de certa forma, uma já considerável dimensão do processo de industrialização que

50

ocorria no País desde a década de 1840, sobretudo em Lisboa. E esta regulamentação surge

assim nas vésperas de um assentamento mais efectivo, quer em Alcântara, quer na totalidade

do território português, contribuindo também para delinear a distribuição geográfica do tecido

industrial emergente. Vimos, nesse sentido, como a historiografia mais recente tem situado

um surto industrial no início da década de 70. Jaime Reis defende precisamente, vincando

esse facto, que «não só a indústria se estava a desenvolver antes da crise de 1891, como esse

desenvolvimento foi mais acentuado do que aquele que se veio a verificar mais tarde».94

Sublinha, o autor, uma taxa de crescimento tendencial alta, desde essa década, que variou

entre 2,5 e 2,8% ao ano95 diminuindo a anterior tendência que apontava a década de 1890

como o início do mesmo surto.96

Na rede de análise mais fina que nos é facultada pelo estudo de um bairro, como

veremos, é evidente que a evolução do tecido industrial parece ter conhecido alguns

momentos em que o seu crescimento foi mais efectivo, como a década de 1870.

É na década de 1870 que se começam a acrescentar ao conjunto de factores vantajosos

à fixação industrial, um espectro mais alargado de vantagens que advém, sobretudo, do

desenvolvimento de diversas infra-estruturas que a potencializam. No mesmo sentido, o

acentuado aumento urbanístico que Lisboa ia conhecendo nesses anos traduz-se no aumento

do mercado mais próximo do bairro, na oferta vasta de mão-de-obra e na emergência de

diversas obras que estimulam a produção de muitas actividades aí instaladas, sobretudo as

viradas para o sector da construção. Na verdade, a capital passa de 174 335 habitantes, em

1864, para 201 165, em 1878.97

Vimos que a industrialização tinha sido estimulada, desde o final da década de 30,

quer pela pauta proteccionista de 1837 quer, no caso da estamparia, também pelo contrabando

de panos de algodão para Espanha. Com os anos 70, todavia, este sector passa a ser

impulsionado, maioritariamente, pelo aumento da procura nacional.98 Chegados a 1870, o

sector seria, a par com o sector têxtil propriamente dito, aquele com mais estabelecimentos na

capital, contabilizando 11 unidades, enquanto existiam 10 estabelecimentos de dimensão

94 Reis, Jaime, ob.cit.. p. 214. 95 idem, ibidem, p. 213. 96 Esta ideia era defendida, por exemplo, por Joel Serrão. Para um conhecimento mais aprofundado da tese deste autor veja-se, Serrão, Joel, ob.cit. 97 Rodrigues, Teresa, ob.cit.. pp. 327-328. 98 Pedreira, Jorge Miguel - “Indústria e Negócio: a Estamparia na Região de Lisboa, 1780-1880”, ob.cit.. p.555.

51

significativa que se dedicava, à fiação e à tecelagem de algodão e 13 aos lanifícios.99 Estão

ainda referenciadas, de acordo com estas dimensões, 6 metalúrgicas e 6 estabelecimentos

dedicados ao tabaco. O seu pioneirismo, na perspectiva da instalação de unidades modernas,

no contexto nacional, segundo o mesmo autor, é provado pelo facto de estas ainda terem, em

1881, uma maior recorrência à energia do vapor, dado que usavam 1,44 de CV por

trabalhador, enquanto a metalurgia usava 0,25 CV, os lanifícios 0,35 CV e a fiação e

tecelagem 0,37 CV.100

No contexto de Alcântara a estamparia viu também consolidada a sua singular

importância. Na década de 70 o seu dinamismo pode ser medido não só pela dimensão em

operários e em cavalos-vapor, como pela instalação de novos estabelecimentos. Refira-se, no

entanto, que como em outros sectores, também aqui, lado a lado com unidades mais

modernas, evoluíam unidades em tudo semelhantes às antigas manufacturas.

Uma das que adquiriu um nível mais elevado de modernização foi a Companhia de

Estamparia de Alcântara. Fundada em 1876, na Quinta do Inferno, para produzir chitas,

zuartes e lenços, passou a tingir algodões em 1879, ocupando já 80 operários aquando do

inquérito de 1881. Um outro exemplo da importância que a estamparia adquiriu em Alcântara,

como um dos motores do desenvolvimento do seu tecido produtivo moderno, foi a sua vizinha

Companhia Lisbonense de Estamparia e Tinturaria de Algodões. Sendo dois anos mais nova,

esta fábrica, situada na Rua da Pólvora, tinha uma dimensão superior, dando trabalho a 106

operários e usava 135 CV de energia distribuídos por três caldeiras a vapor. Todos os

elementos que constituem o processo produtivo desta unidade servem para compreendermos

que Alcântara constitua um local privilegiado para o desenvolvimento das estamparias neste

período. A produção da Companhia inicia-se com a importação de panos de algodão de

Inglaterra que são, posteriormente, e através da estampagem e da tinturaria, transformados em

chitas e em lenços pelas três caldeiras a vapor que a Companhia detinha. A mesma lógica de

produção estará na origem da fixação da Centeno & C.ª. Fundada ainda em 1863, na Horta

Navia, para a estampagem e tinturaria de algodões dedicou-se depois de 1866, todavia, à

moagem de cereais. Mas em 1875 regressa ao sector da estamparia apresentando-se, em 1881,

como um estabelecimento de média dimensão, com 90 operários.

Em 1890 o modelo produtivo é semelhante àquele desenvolvido na década de 40.

Assenta na enorme importância da localização geográfica de Alcântara, mas também nos

99 idem, ibidem, p. 555. 100 idem, ibidem, p. 537.

52

recursos naturais existentes no bairro. A lógica de funcionamento destas unidades era pautada

por três importantes momentos. Isolamos, num primeiro instante, a importação de panos de

algodão cru de Inglaterra, e do carvão de Newcastle e de Cardiff, que alimentaria as caldeiras

a vapor. Quer a matéria-prima, quer a energia chegavam através do Porto de Lisboa (Anexo

5). Como vimos assiste-se depois à transformação desses panos de algodão em chitas e em

lenços, fazendo-se um constante uso de água. Num terceiro momento os produtos eram

colocados no mercado nacional e, depois do início da década de 90, com maior intensidade

para as colónias, (Anexo 6) percebendo-se, novamente, a importância da sua localização perto

do Porto de Lisboa. Nos três momentos mais importantes deste modelo produtivo – adquirir

matérias-primas e energia, transformar os panos e, finalmente, escoá-los – a localização

geográfica do bairro é assim fundamental.

Outro sector que continuava em crescimento era a metalurgia. À semelhança da

estamparia, aos primeiros estabelecimentos fabris instalados na viragem do século

apresentou-se a década de 70 como um segundo momento de significativa fixação, mas agora

mais vincado pela fixação de estabelecimentos de maior dimensão. Como vimos, o fomento

industrial da década de 40 gerara um novo mercado de produção de máquinas e caldeiras a

vapor. Se o desenvolvimento do tecido produtivo do bairro já tinha promovido empresas

como a L. Dauphinet & Castay, nos anos 50, a década de 70 traz consigo a afirmação de

muitas unidades através do aproveitamento do processo de desenvolvimento industrial e

urbano de Lisboa, e da afirmação de uma complementaridade entre ramos industriais mais

evidente. Gera-se, das necessidades de umas fábricas, o impulso para o surgimento de outros

estabelecimentos. É este novo mercado que começa a ser explorado por industriais de maior

dinamismo, como João Burnay, que criou aquela que é, porventura, a mais importante

metalúrgica alcantarense neste final de século: a Empresa Industrial Portuguesa.

Começara a funcionar, anteriormente, na Calçada da Tapada, com duas máquinas a

vapor, uma de 12 CV e outra de 6 CV. Segundo Jorge Custódio, a origem mais remota desta

empresa pode ser encontrada na iniciativa de João Burnay e de um grupo de empresários

quando fundam ou estruturam um pequeno estabelecimento denominado Phenix, às Janelas

Verdes.101 Em 1882 seria constituída, finalmente, a Empresa Industrial Portuguesa. S.A.R.L.,

uma sociedade de grande capital fruto dos desafios que se colocavam à companhia. Na

verdade, a Empresa Industrial Portuguesa, naquilo que se diferencia da lógica de fixação e

101 Custódio, Jorge - “Empresa Progresso Industrial”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p. 334-335.

53

desenvolvimento das estamparias e das têxteis, não assenta o seu desenvolvimento numa

relação de dependência directa com o fácil acesso às matérias-primas, à energia e ao mercado.

O seu sucesso decorre, essencialmente, da própria industrialização e da urbanização de Lisboa

e do País que ocorre desde a década de 40, assim como de diversos desenvolvimentos que se

entrelaçam com essa mesma industrialização e urbanização, sobretudo a construção de infra-

estruturas, para referirmos, para já, o elemento mais evidente. O seu crescimento foi notório.

Em 1881 tinha 20 CV e ocupava 200 operários, sendo que nesta altura era já administrada

pela Henrique Burnay & C.ª. Em 1888 tinha já 450 000$000 de capital social e 15 000 m2 de

superfície, sendo desta 5 000 m2 coberta.102

Na mesma década, em 1874, e obedecendo também à dinâmica de desenvolvimento de

muitas das outras metalúrgicas, foi criada, na Rua do Assento, a Garcia & C.ª. Esta fábrica

nasceu da iniciativa de dois ex-operários da Fábrica Linder, José Luís Garcia e José Maria da

Costa Nunes, que direccionaram a sua produção para o fabrico de máquinas destinadas ao uso

por outros estabelecimentos fabris. Produzia moinhos mecânicos, engenhos para massas,

bombas, montagem e reparações na maquinaria de outras unidades. Beneficiava, igualmente,

da expansão industrial não só de Alcântara, como de todo o País. Esse desenvolvimento

possibilitou, inclusive, uma mudança para umas instalações mais apropriadas, situadas na

mesma rua. A 14 de Agosto de 1881, demonstrando o seu crescimento, faz a primeira

fundição, utilizando, como matéria-prima e ferro coado e laminado e como energia carvão e

coque, ambos importados.

Na mesma lógica, mas empregando apenas 68 operários em 1890, a J. L. Garcia, na

Rua Vieira da Silva importava também a sua matéria-prima principal, o ferro coado, de

Bilbao, e a energia de Inglaterra, além do ferro laminado em barra, entre outros produtos, de

origem diversa. Esta fábrica era, provavelmente, o mesmo estabelecimento que, em 1883,

tinha recebido o alvará para instalar, nas suas instalações, uma máquina a vapor de 5 CV para

a fundição de ferro e de bronze, e para as obras de serralharia mecânica, depois de ter feito

este pedido em 1881.103

102 idem, ibidem, pp. 334-335. 103 Processo Preliminar de Licença para o Estabelecimento de uma Máchina a vapor na Fábrica de Fundição, sita na Rua do Assento. Estabelecimentos Insalubres e Visitas Sanitárias aos mesmos (G e H). IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorporação), Cx. 2539.

54

Em termos geográficos a Av. 24 de Julho era o local de localização preferencial das

metalúrgicas. Laborava aí um conjunto de pequenas oficinas em comunhão com fábricas de

maior dimensão, quer dentro dos limites de Alcântara, quer nas suas imediações. Em 1890,

uma das unidades maiores, a F. Baerlein, ocupava cerca de 100 homens tendo duas máquinas

a vapor que perfaziam 18 CV. Na mesma Rua, mas em 1872, nasce a Sociedade Cooperativa

Industrial Social, e a Fábrica Tejo, uma unidade fundada na Rua 24 de Julho, junto ao Aterro,

direccionada para a produção de mecanismos e máquinas a vapor. Algumas destas unidades

que não se dedicam à construção de máquinas beneficiarão bastante, mais tarde, do

crescimento do sector alimentar, sobretudo do sector conserveiro, produzindo as caixas de

metal que necessitavam para os seus produtos. É o caso da Société Générale Métallurgique,

estabelecimento que já se encontrava em laboração nestes anos. Era aí ainda uma pequena

oficina, mas terá um acentuado crescimento nas décadas seguintes.

De uma perspectiva geral, e abrangendo várias zonas industriais, a par da criação de

unidades produtivas de média e grandes dimensões, os anos 70 assistiram também à

continuação de um mundo de oficinas que mantinham, globalmente, uma grande proximidade

com as manufactureiras do início do século XIX. A unidade Anjos, Cunha, Ferreira & C.ª, a

título de exemplo, apesar do recurso às máquinas a vapor continuava, em 1881, a recorrer à

força de alguns burros.

Um maior conhecimento destes estabelecimentos é, todavia, uma tarefa pautada por

algumas deficiências que emanam das lacunas das próprias fontes disponíveis. É no entanto

possível efectuar uma aproximação ao peso que estas pequenas unidades tinham neste

período, não só no contexto da industrialização de Alcântara, como em toda a industrialização

portuguesa. José António Telo, analisando o Inquérito Industrial de 1881, afirma,

precisamente, essa dimensão, sublinhando que o total dos operários portugueses era, neste

período, de 90 998, mas apenas um décimo desses operários trabalhava em indústrias que

empregavam mais de 10 trabalhadores, e que usavam máquinas a vapor. Mas estes

estabelecimentos produziam, todavia, 56% da produção industrial portuguesa.104 Importa

perceber também que no contexto do bairro, esta difusão engloba não só os ramos que

estavam implantados há mais tempo, como os curtumes, as unidades ligadas ao sector da

extracção ou os fornos de cal, como também abrange os sectores tendencialmente mais

desenvolvidos, como os têxteis, e as metalúrgicas.

104 Telo, António José - Economia e Império no Mundo Contemporâneo. Lisboa: Edições Cosmos, 1994, p. 56.

55

Nos curtumes, a título de exemplo, verificamos, precisamente, que nenhum dos

estabelecimentos emprega mais de 25 operários e não há recorrência ao uso de qualquer

máquina a vapor. Encontra-se, nessas condições, a fábrica de curtumes de Villa Pouca e a de

Bernardo Heitor, com 24 operários, ambas criadas na década de 70.

3.2. Afirmação e mutabilidade dos principais sectores industriais

Depois de 1870 o tecido industrial de Alcântara começou a beneficiar da conjuntura

positiva que pautava a industrialização portuguesa no seu todo. Como no contexto nacional

este desenvolvimento industrial era liderado pelo sector têxtil (Anexo 4).105 Em Alcântara esta

actividade continuava a crescer desde os anos 40, uma evolução que transformou, no início

dos anos 70, muitas das unidades fabris deste sector em fábricas de grande dimensão. Na

maioria dos exemplos, a criação de novas unidades traduz-se em estabelecimentos cujo

modelo de produção assenta, sobretudo, no recurso a uma organização de perfil moderno. É

caso da Llosent & C.ª, uma têxtil que produzia tecidos de linho e de algodão. Ainda que tenha

sido criada, em 1882, na Rua do Arco número 22. Efectuou o requerimento para obter licença

de funcionamento apenas a 22 de Dezembro de 1883. Mas em 1888 apresenta já uma máquina

a vapor de sistema Farcot de 15 CV, uma caldeira horizontal feita pela Dauphinet & Castay e

60 teares mecânicos, dando trabalho a cerca de 100 operários. A juntar-se a esta mecanização

implementada no acto da sua criação, a Llosent mostra-se igualmente inovadora se a

compararmos com o modelo de funcionamento das têxteis criadas nas três décadas anteriores.

Ao contrario delas adquire a sua matéria-prima principal, o algodão, não através da

importação directa, mas recorrendo ao algodão fiado nacional. Mantém, todavia, o espaço

nacional e as colónias como o mercado principal para escoar os seus produtos.

Já a Associação Fraternal dos Fabricantes de Tecidos e Artes Correlativas, estando

situada no número 22 da Travessa do Fiúza, tinha na origem um impulso diferente das outras

têxteis. Tendo sido instalada na Travessa do Fiúza, a sua existência devia-se à iniciativa de

um grupo de operários e tinha como objectivo dar trabalho a associados desempregados e

providenciar outras ajudas que estes trabalhadores necessitassem. Dedicava-se à tecelagem de

algodão, fabricando toalhas, guardanapos e riscados, saias e mantas de lã, entre outros

105 O crescimento ocorrido entre 1870 e 1880 está patente no Inquérito Industrial de 1881. No anexo 4 são referidas algumas das unidades mais importantes do bairro, preservando a informação recolhida através da visita às fábricas (ID) mas também aquela recolhida através do inquérito indirecto (IInd), dado que, desta forma, se encontram abrangidas mais unidades.

56

produtos. Esta associação, que tinha 150 sócios em 1881, não contava por entre a sua

maquinaria com qualquer motor, sendo a sua produção assegurada por 22 teares manuais

nessa data.

Alcântara conhecia ainda uma fábrica de tecelagem em linho, a Companhia de Tecidos

Aliança. Instalada na Rua de Cascais, usava o fio de linho, de juta e o fio de estopa importado

da Escócia, e o linho cru e o branqueado que adquiria da Bélgica para produzir, através dos

seus cerca de 120 operários, e recorrendo a duas máquinas a vapor com 35 CV, atoalhados de

linho e outros produtos que tentava colocar no mercado nacional.

No anos de 1870 Alcântara assiste também à mudança para o seu espaço de outras

fábricas que já laboravam há mais tempo noutros lugares da cidade. Foi este o caso de uma

unidade de produção e tinturaria de chapéus de feltro que pertencia a Augusto Mendes da

Silva e que tinha sido criada na freguesia de S. José, em 1875.

A análise do percurso desta unidade permite-nos sublinhar, igualmente, uma das

características mais evidentes do desenvolvimento industrial deste período e que se pode

traduzir numa clara readaptação do modelo produtivo de muitos dos estabelecimentos que

pautavam actividades que conheciam alguma decadência, por outras de maior vitalidade.

Quando muda as suas instalações para a Senhora de Santana, em 1889, Augusto Mendes da

Silva pede, a título de exemplo, para procede a uma alteração dos produtos produzidos,

solicitando uma licença para vir a derreter sebo nas caldeiras que a fábrica possuía.106

Algumas das metalúrgicas que encontramos no Inquérito Industrial de 1890 tinham

sido criadas na década de 60, estando em grande expansão cerca de 20 anos depois. É o caso

da L. Dauphinet & Castay que tinha visto o seu número de operários crescer para 88, fazendo

agora uso de uma máquina a vapor de 10 cavalos. Este aumento é por demais significativo

dado que a sua produção de caldeiras de vapor e tanques, entre outros produtos de serralharia,

era colocada inteiramente no mercado nacional. Este facto demonstra que o sector da

metalurgia, nas suas fábricas mais importantes, continuava a beneficiar do impulso

industrializador do bairro e do País. Esta mesma interdependência é igualmente comprovada

por um estabelecimento que também se dedicava ao fabrico de caldeiras de vapor e tanques

de ferro, a fábrica de João Peres & João Dumond. Em 1890 empregava mais de 100 operários

e utilizava duas máquinas a vapor que contabilizavam 13 CV. Embora esteja situada fora dos

106 Processo preliminar de licença requerida para uma fábrica de chapéus de feltro e respectiva tinturaria no Largo da Senhora de Sant’Anna, Freg.ª de S. Pedro em Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2548.

57

limites de Alcântara, na Calçada da Boa Hora, pela sua proximidade e pelas semelhanças com

algumas metalúrgicas do bairro, tornou-se importante esta referência. Também em 1890,

continuava a evoluir a Empresa Industrial Portuguesa. Dava agora trabalho a cerca de 460

operários e utilizava quatro máquinas a vapor. O impulso da companhia continuava a derivar,

igualmente, da dinâmica que as novas obras que o desenvolvimento urbanístico que Lisboa

conhecia nesse período lhe iam oferecendo. Produzia ferro fundido, em tubagem, e ferro

fundido e forjado para diversas obras no mercado nacional. A sua dimensão obrigou-a,

provavelmente, a diversificar a origem da matéria-prima. Importava ferro coado para

fundição, cobre, latão, bronze e chumbo em Inglaterra, Espanha e Bélgica, e carvão de

Inglaterra. A proximidade ao Porto de Lisboa era-lhe, assim, fundamental.

No início da década de 60, e também para a produção de máquinas, é criada a Filippe

Linder & C.ª. O requerimento a pedir a licença de funcionamento é de 31 de Maio de 1872, e

e o despacho de concessão a 16 de Fevereiro de 1872. A fábrica de Filipe Linder, situada na

Rua do Arco, n.º 40, tinha como principal objectivo a construção de maquinismos. Usava,

entre outra maquinaria, um locomóvel a vapor de 4 CV, além dos tornos e das diversas forjas

necessárias à laboração.107 Em 1875, e fruto do seu crescimento, a Fillipe Linder & C.ª

avança com um requerimento para se poder instalar também na Rua do Assento, n.º 1, tendo

recebido o alvará a 8 de Junho de 1876. Com estas novas infra-estruturas, que se encontravam

junto ao “caneiro” conseguia, essencialmente, uma área maior na qual pode conhecer um

desenvolvimento mais evidente. Mantinha, contudo, as instalações na Rua do Arco. O espaço,

com 25 metros de largura, e 26 de cumprimento, servirá para instalar uma carpintaria e a

fundição de ferro e bronze. Recorria a uma máquina a vapor de 8 CV, e uma caldeira de 12

CV.108 Refira-se, por último, que na Travessa do Conde da Ponte, em 1880, Frederico

Guilherme Burnay instalou uma oficina de serralharia mecânica que também ela beneficiária

da evolução que o bairro conhecia. Tratava-se da Oficina dos Vapores Lisbonenses, que

utilizava uma máquina a vapor de 8 CV e uma caldeira de 10 CV.109

3.3. A vez do sector alimentar

107 Processo preliminar de licença requerida para fundação de uma serralharia mecânica na Rua do Arco, n.º 40. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares de obtenção de licenças para estabelecimentos (1872-1908), Cx. 2177. 108 idem, ibidem 109 Processo preliminar de licença para a fundação de uma serralharia mecânica movida a vapor sita na Travessa da Conde da Ponte, Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de obtenção de licenças para estabelecimentos (fábricas e lojas) (1873-1900), Cx. 2178.

58

Temos vindo a vincar a forma como o desenvolvimento urbano e demográfico da

capital, e a construção de infra-estruturas que lhe foi subjacente, influencia a estruturação do

tecido produtivo do bairro. Perceba-se agora melhor de que forma isso aconteceu. Lisboa

passou de 174 335 habitantes, em 1864, para 355 873, em 1900.110 No espaço da capital

Alcântara era, por sua vez, um dos locais da cidade que conhecia uma maior expansão

demográfica, com uma taxa de crescimento médio elevado passando de 10 499 habitantes, em

1878, para 17 909, em 1890.111 Importa considerar aqui, contudo, as transformações nos

limites da freguesia delineadas pelas alterações administrativas.

A década de 1880 significou também, à semelhança da década anterior, o sublinhar de

alguns dos principais factores de atracção do bairro para a fixação industrial. Importa realçar,

sobretudo, o início das obras de modernização do Porto de Lisboa, no final da década, que

ofereceu às unidades que se iam instalando no bairro, e àquelas já existentes, um acesso ainda

mais fácil a matérias-primas e à energia do carvão. Permitia também uma maior facilidade de

colocação dos seus produtos nos mercados, sobretudo àquelas unidades que exportavam para

as colónias. O porto absorvia, por último, um grande número de produtos, uma situação que

beneficiava, essencialmente, as metalúrgicas e as indústrias do sector da construção. As

diversas obras que Alcântara conheceu nestes anos permitem também uma maior ligação à

restante cidade de Lisboa, sobretudo com a abertura de novas vias e o desenvolvimento do

Caminho-de-Ferro.

As grandes transformações da década de 80 expandiram-se também ao campo

administrativo. Até 1885, importa lembrá-lo, pertenceu ao Concelho de Belém. Todavia, a

riqueza gerada pelo processo de industrialização ocorrido depois de 1834 levou a que tivesse

sido extinto o Concelho de Belém, sendo aí enquadrada no Concelho de Lisboa.112

Esta estreita relação entre o desenvolvimento urbano e a industrialização, num

processo de influência mútua, teve uma grande preponderância na definição do tecido

produtivo de Alcântara, com muitas das unidades a dirigirem a sua produção segundo os

estímulos gerados pelo crescimento urbano. Percebe-se assim que no início da década de 90

os principais ramos industriais em crescimento sejam aqueles claramente virados para

satisfazer uma cidade em grande crescimento. O sector mais beneficiado por estas

110 Rodrigues, Teresa, ob.cit.. p.328-329. 111 idem, ibidem, p.328-329. 112 Custódio, Jorge - “Alcântara (Indústria)”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p. 32-34.

59

transformações é, nesta perspectiva, o da alimentação. Inicia-se aí um período que o levará a

ser um dos sectores com um maior peso no tecido produtivo de Alcântara quando chegarmos

às vésperas da I.ª Guerra Mundial. Na verdade, dos diversos sectores industriais que temos

analisado este é, porventura, aquele que está mais interdependente do processo de crescimento

demográfico e de urbanização que Alcântara.113 Esta dependência resulta não tanto do

aproveitamento das dinâmicas e das necessidades geradas pelos outros ramos industriais

como acontece, por exemplo, com a metalurgia, mas da existência de um mercado

consumidor e urbano que em muito se deve ao crescimento demográfico de algumas cidades

do País, em particular, de Lisboa.

Será sobretudo depois de 1860 que começamos a encontrar estabelecimentos virados

para a produção de produtos alimentares. Um dos primeiros a instalar-se foi a Ferreira & C.ª,

em 1862. Trata-se de uma fábrica de gelo, cerveja, xaropes, limonada e chocolate situada na

Rua 24 de Julho. A análise do seu desenvolvimento permite perceber melhor a ascensão deste

sector. Em 1862 produzia apenas gelo, pertencendo à Mousinho, Vasconcellos & C.º. Já em

1871 adquiriu dois aparelhos para proceder à refrigeração. Em 1878, depois de ter tido como

proprietário Caetano José de Figueiredo & C.ª, e estando ainda situada numa barraca

pertencente ao Ministério da Marinha, no Beco do Carvalho, passou para a posse de Ferreira

& C.ª. Nesse mesmo ano mudou-se para a Rua 24 de Julho, onde se encontrava em 1881.

Passa a fabricar, além de gelo, cerveja, chocolate e a gasosa. Vende, essencialmente, para

Lisboa e usa matérias-primas nacionais e importadas da Alemanha, de França, da Bélgica,

entre outros países.

Claramente responsável pelo crescimento do sector alimentar são as fábricas de

moagem. O último quartel do século XIX assiste a uma grande fixação de novas unidades,

assim como a modernização de estabelecimentos já existentes. Traduzem, essencialmente, o

impulso que a indústria da moagem conheceu nestes anos, fruto, sobretudo, da

«democratização do consumo do pão e do trigo».114 Uma das unidades que já vinha

laborando, e que agora procede à modernização das suas instalações, situa-se na Rua das

Fontainhas n.º 21. No início da década de 70 Manuel João Baptista entrega no Governo Civil

um pedido de licença para poder instalar uma máquina a vapor de sistema horizontal de alta e

média pressão e condensação, com a potência de 15 CV. Depois da visita do delegado de

113 Veja-se, para o caso do desenvolvimento das fábricas de moagem, Pires, Ana Paula Soares - A Indústria de Moagem de Cereais: Sua Organização e Reflexos Políticos do seu Desenvolvimento durante a I República (1899-1929). Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2004, p.17-19. 114 idem, ibidem, p. 18.

60

saúde, a quatro de Junho de 1872, a fábrica recebe o despacho autorizando a concessão, em

Agosto, e o alvará em Novembro de 1872.115 Será esta, provavelmente, a unidade que está

identificada na mesma rua, no Inquérito Industrial de 1890, como um estabelecimento que

tinha uma máquina a vapor de 15 CV, dando trabalho a 22 operários. Produz massa alimentar,

farinhas e resíduos que colocava no mercado nacional, em África e no Brasil.

Também na década de 70 surge a Fábrica Nacional a Vapor de Bolachas e Biscoitos.

Era, igualmente, uma pioneira dos diversos estabelecimentos ligados à moagem que

começavam a ganhar algum peso no tecido produtivo da zona de Alcântara. Tinha sido

fundada por Eduardo Conceição e Silva, na Rua de S. Joaquim, ao Calvário, em Julho de

1874. A Conceição Silva & Irmão era, em 1877, segundo o Diário Illustrado, «a mais

importante do País».116 Utilizava, nessa altura, duas caldeiras e uma máquina a vapor de 15

CV, ocupando 41 operários na altura da sua formação. Não muito longe, mas fora do bairro,

situava-se a Fábrica de Moagem do Bom Sucesso, na Rua da Praia do Bom Sucesso. Dava

trabalho a 42 homens e utilizava 60 CV de energia. Produzia para todo o mercado nacional e

utilizava trigo nacional e estrangeiro para a produção da farinha. Outras moagens situadas

fora dos limites administrativos de Alcântara, mas que importa referir, eram a fábrica Bellos

& Formigaes, na Rua 24 de Julho, e a fábrica de Costa Irmãos, na mesma rua. A primeira

utilizava um sistema austro-húngaro e duas caldeiras que perfaziam 300 CV para produzir a

farinha de trigo, enquanto a segunda utiliza um motor de 80 CV.

Paralelamente à implantação de moagens, surgem no bairro, e nas suas imediações, as

refinarias de açúcar. Muitas delas começaram a instalar-se na década de 60. É esse o caso do

estabelecimento de Jerónimo José Moreira. A 4 de Novembro de 1868 enviou um

requerimento ao Governo Civil para fundar uma fábrica de refinação de açúcar de grandes

dimensões na Rua da Praia de Santos. Pretendia fabricar não só açúcar refinado, como alguma

doçaria. A fábrica, de três ou quatro andares, estava virada para o Largo de Santos, e teria

uma caldeira de vapor.117

115 Processo administrativo para concessão de licença para montar uma máquina motor a vapor na fábrica de massas próxima do caneiro de Alcântara n.º2, freguesia de S. Pedro em Alcântara, Conselho de Belém. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1,ª incorp.) - Processos preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2553. 116 “A Fábrica de Bolachas a Santo Amaro”. Diário Illustrado, Lisboa, n.º 1552 (24 de Maio de 1877). 117Processo administrativo para concessão de licença para fundar uma fábrica de refinação de açúcar na Rua da Praia de Santos. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processo de Pedidos de Estabelecimentos (1888-1897), Cx. 1730.

61

Do final da década de 80 surge uma refinaria pertencente à firma Alvarez & Alvarez.

Trata-se de um estabelecimento situado na Rua Vieira da Silva, n.º12, que atingirá uma

dimensão assinalável no contexto do bairro. Ocupará um rectângulo com cerca de 27 metros

de cumprimento, por 13 de largura, e produzirá, essencialmente, açúcar. O processo que levou

à sua instalação inaugura-se quando efectua um pedido de licença de funcionamento, a 31 de

Dezembro de 1889.118

Já dentro dos limites do bairro as refinarias são, neste período, de reduzida

implantação. A maioria é de pequena dimensão. Identificamos aí as José Martins Calisto da

Fonseca, situada na Rua Fradesso da Silveira, empregando 8 operários, ou a de Joaquim

Caetano dos Santos, localizada na Rua de Vasco da Gama, produzindo os seus sete

trabalhadores, açúcar refinado. Havia ainda, na Rua do Olival, a Mello & C.ª, que produzia

açúcar refinado através do açúcar bruto e do açúcar em rama.

Já as conservas, outra vertente da indústria alimentar, não terão em Alcântara a

importância que vieram a ter noutros pontos do País. Existiam, ainda assim, algumas

unidades. A mais importante era a Companhia Nacional de Conservas, estando situada na

Rua de Cascais. Os seus cerca de 220 operários transformavam a matéria-prima que adquiria

no mercado nacional, como frutas de todas as qualidades, peixe, carne de porco, vaca, vitela e

carneiro, tomates, caça e aves, azeitonas, legumes e hortaliças, azeite e vinagre. Produzia

peixe enlatado, frutas em compotas e marmelada, carnes de porco, vaca, vitela e carneiro,

tomates em massa e puré, caça e aves, azeitonas, legumes e hortaliças que exportava,

essencialmente, para o Brasil, para França, para Inglaterra, para África, e para Espanha.

Além de possibilitar a formação de estabelecimentos de média e grande dimensão, o

sector conserveiro conhecia, igualmente, alguma mecanização do seu modelo produtivo. A

Companhia Nacional de Conservas detinha, a título de exemplo, uma máquina a vapor fixa

com 5 CV, um locomóvel de 3 CV e um motor a gás com 0,5 CV.

Já a Emílio Luiz Rollet, tinha sido erguida na Travessa da Guarda, à Junqueira. Em

1890 este estabelecimento contava com 139 operários. Produzia, essencialmente, latas de

sardinha que exportava para Inglaterra, Itália e Áustria, com a ajuda de um motor a gás com

0,5 CV.

118 Processo preliminar de licença requerida para a fundação d’uma fábrica de refinação de açúcar na Rua de Vieira da Silva, n.º12, freguesia de S. Pedro de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos de Licenças e Visitas Sanitárias (1890-1900), Cx. 2529.

62

Dentro do sector alimentar as fábricas de moagem e as de conservas eram, no período

em estudo, aquelas que conheciam um maior desenvolvimento. Existiam, todavia, outras que

não se enquadrando em nenhum destes grupos industriais, reforçavam a preponderância do

sector da alimentação no bairro. Uma dessas unidades, que produzia manteiga artificial,

pertencia à firma Esteves & C.ª. Tendo requerido, junto do Governo Civil, a licença de

funcionamento, a 26 de Dezembro de 1887, instala-se na Rua do Arco, no n.º28, utilizando,

desde a sua formação, a energia do vapor. Dois anos depois Manuel Adrião Esteves, gerente

da fábrica, pede ao Governo Civil de Lisboa licença para mudar de instalações, mas

permanecendo em Alcântara. Decorre assim a transferência da Fábrica Nacional de

Butterine119 da Rua dos Arcos para a Rua do Cais da Alfandega Velha, n.º 63, sendo a licença

para a mudança datada de 8 de Abril de 1889. O Inquérito Industrial de 1890 encontrou a

Fábrica Nacional de Butterine já no Cais da Alfândega Velha, dando trabalho a 20 operários

que produziam, recorrendo ao leite e à manteiga natural nacional e à manteiga natural

importada da Holanda, a manteiga artificial que era colocada no mercado nacional.

Atente-se, por último, à produção de chocolates limonadas e refrigerantes. A

importância desta actividade no bairro percebe-se, a título de exemplo, na análise da

Companhia União Industrial Lisbonense. Esta unidade que emprega, em 1888, 30 homens e

12 mulheres, sendo que no Verão esse número eleva-se a 90 operários, tinha-se estabelecido

em 1862, no Beco do Carvalhão, na altura pertencente à freguesia de S. Paulo. Passou,

posteriormente, para um edifício próprio na Rua 24 de Julho. Em 1872 seria adquirida pela

firma Ferreira & C.ª mudando-se depois, definitivamente, para a Companhia União

Industrial Lisbonense.

3.4. Sob o impulso do desenvolvimento urbanístico: as “industrializações” de

Alcântara

Uma das características mais visíveis do tecido industrial alcantarense, em 1890, é a

permanência de uma diversidade de sectores que vinham sendo desenvolvidos há longas

décadas e que, de modo geral, são ainda pautados por um modo de produção oficinal. Esta

proliferação de oficinas caracteriza, sobretudo, os curtumes, a produção de cal, os pequenos

119 Processo preliminar de licença para estabelecer, por transferência, na Rua do Cais d’Alfandega Velha, n.º63, freguesia de Belém, a fábrica de manteiga artificial que se achava na rua dos Arcos, a Alcântara, n.º28. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2553.

63

canteiros, os funileiros, os canteiros, as carpintarias, os fabricantes de ladrilhos, as tanoarias,

as serrações de madeira, as tipografias, entre outras actividades. A relevância da sua análise

advém, sobretudo, de manterem um importante peso na totalidade do tecido produtivo de

Alcântara.120

O sector dos curtumes é paradigmático desta realidade. Os estabelecimentos

identificados no Inquérito Industrial de 1890 ocupavam, na sua generalidade, menos de dez

operários, estando quase desprovidos de qualquer maquinaria. A proximidade à Ribeira de

Alcântara continuava a ser uma das suas principais características. Era aí que se situavam as

principais unidades. A Fábrica de Curtumes Esperança, a título de exemplo, ocupava 10

operários, em 1890, enquanto o estabelecimento de António José da Costa, na Rua do Arco

do Carvalhão, dava trabalho a seis homens e um mestre. O modelo de produção destas

oficinas apresenta grandes similitudes entre elas. Genericamente, o grosso das peles e a casca

de sobro - matérias-primas essenciais à sua laboração - chegavam através da importação. Já a

maioria da sua produção, as peles verdes e secas, destinavam-se ao mercado nacional.

Importa salientar, no entanto, que esta disseminação de oficinas não era um fenómeno

circunscrito a alguns sectores que na tradição do bairro, não necessitavam de muita

mecanização, nem de recorrer a numerosa mão-de-obra para assegurarem a sua actividade.

Era uma realidade comum a todos os ramos de produção industrial, mesmo aqueles onde se

conhecem as maiores empresas, como os têxteis, as estamparias e a metalurgia. Estas

pequenas oficinas dependiam e mantinham uma relação de complementaridade com as

empresas maiores, preenchendo as exigências de consumo que a urbanização e o crescimento

demográfico do bairro e de Lisboa ia exigindo. Contudo, apesar da sua reduzida dimensão

muitos destes estabelecimentos recorriam, com frequência, ao uso do vapor. O exemplo mais

claro pode ser encontrado nas pequenas unidades que se dedicavam à serração de madeira, e

ao fabrico de produtos essenciais às outras fábricas, como as caixas de madeira. Uma dessas

oficinas, uma serração de madeira, situava-se na Rua do Assento, n.º1. Tendo pedido licença

para instalar uma máquina a vapor de seis CV, obteve licença a 18 de Junho de 1881. Trata-

se, na verdade, de uma unidade que produzia caixas de madeira destinadas à exportação de

frutas, vincando a importância da proximidade ao porto para muitas destas unidades que

120 A defesa que o crescimento industrial pode ter assumido várias formas, não se devendo, assim, na análise da evolução de um tecido industrial considerar aquele que é moderno é defendido por Miriam Halpern Pereira na obra Diversidade e Assimetrias: Portugal nos séculos XIXD e XX. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2001, p. 15.

64

temos vindo a sublinhar. Já em 1886 outra serração de madeira, localizada na Rua Vasco da

Gama, faz o mesmo pedido de modernização das suas máquinas.121

A cerâmica, por sua vez, era uma actividade que conhecia um razoável

desenvolvimento em Lisboa. Todavia, em Alcântara ainda não teria uma fixação muito

acentuada por volta de 1880. Conhece-se desta altura, um pedido de Diogo José de Almeida

para continuar a laborar com a cerâmica Almeida & C.ª na Rua das Fontainhas. N.º9.122

Quer nos inquéritos industriais realizados na segunda metade do século, quer nos

pedidos de alvarás ao Governo Civil de Lisboa há um espectro de estabelecimentos fabris que

contribui fortemente para a caracterização de Alcântara como bairro industrial. Todavia, em

função da sua dimensão e do cariz muitas vezes artesanal, e também pelas deficiências

apresentadas aos próprios inquéritos, escapa a uma primeira análise do tecido produtivo do

bairro baseada, precisamente, nos inquéritos industriais.

Um desses sectores produtivos dedicava-se à calcinação de ossos. Situava-se,

essencialmente, na zona do Arco do Carvalhão, onde se localizavam várias unidades

pertencentes à mesma actividade. A 8 de Maio de 1869 Joaquim Nunes pedia ao Governo

Civil para continuar a laborar no Arco do Carvalhão. Trabalhava num barracão de madeira no

qual se efectua a extracção de gordura dos ossos com a ajuda de uma pequena caldeira e de

cilindros. Era uma unidade em decadência que se encontraria já encerrada em Abril de

1872.123 A mesma decadência pautava, em 1869, a unidade de calcinação de ossos que José

Severiano Pereira pedia que se conservasse.124 Algumas destas oficinas passavam pelas

diversas gerações da família do seu fundador. É o caso da unidade para a qual Maria Vitoria

solicita, na década de 1880, uma licença para manter em funcionamento. Esta oficina

121 Processo preliminar de licença para estabelecer, por transferência, na Rua do Cais d’Alfandega Velha, n.º63, Freg.ª de Belém, a fábrica de manteiga artificial que se achava na rua dos Arcos, a Alcântara, n.º28. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) – Processos preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2551. 122 Processo preliminar de licença para o estabelecimento de uma fábrica de louça vidrada na Rua das Fontainhas, Frag.ª de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos de Licenças e Visitas Sanitárias (1890-1900), Cx. 2530. 123 Requerimento de Joaquim Nunes pedia para continuar a laborar na sua fábrica de calcinação de ossos. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) –. Estabelecimentos Insalubres e Visitas Sanitárias aos mesmos: Processos Preliminares de Licenças, Cx. 2544. 124Requerimento de José Severiano Pereira para continuação da laboração da sua fábrica de calcinação de ossos, no sitio do Arco do Carvalhão. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp) - Processo de Pedidos de Estabelecimentos (1888-1897), Cx. 1730.

65

pertencido ao seu marido, depois da licença atribuída em 1869. O novo alvará, refira-se, tem a

data de 13 de Julho de 1882.125

De 7 de Junho de 1884 consta a licença passada a Emílio Castello Branco para

começar a laborar com a unidade que pertencia anteriormente a José Jorge Baptista para a

produção de guano, na Quinta da “Água Forte”.126 Este estabelecimento que começou a

funcionar no início da década de 70, situava-se próximo de outra fábrica de guano pertencente

a Rocha & C.ª exemplificando, novamente, uma certa permanência da concentração

geográfica por sectores.127

Neste mundo de pequenas unidades, a zona de Alcântara conhece também duas

fábricas de gesso. Uma é de Manuel Ruas & C.ª que pede uma licença de instalação a 4 de

Janeiro de 1887. Consegue uma autorização, passada pelo Governo Civil, para se instalar na

Rua Nova do Cais do Tojo, na freguesia de Santos,128a 21 de Dezembro de 1886. Já

Domingos Gomes Rocha Vianna, um comerciante, começa a funcionar sozinho depois de

dissolvida a sociedade que tinha com Manuel Ruas num estabelecimento na Rua Nova do

Cais do Tojo.129

Alcântara conhecia ainda a produção de velas. Data de 1 de Maio de 1865 o

requerimento feito ao Governo Civil por Pedro Santarém para continuar a laborar na sua

fábrica de velas e sebo na Rua Direita do Calvário, n.º72, requerimento que repetiu em

1869.130

Alcântara era pautada, igualmente, pela existência de algumas oficinas que se

dedicavam ao manuseamento de pólvora. Encontramos na Rua do Alvito, antes de 1890, a

fábrica de pólvora de Pedro Joaquim Rodrigues, situada na Rua do Alvito, tendo obtido o

125 Requerimento de Maria Vitória, sucessora de José Manuel da Cunha, para continuar a laborar com uma fábrica de calcinação de ossos, junto ao Arco do Carvalhão, freguesia de Sta.ª Isabel. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª Incorp.) - Processos Preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), CX. 2550. 126 Processo preliminar de licença para a fundação de um fábrica de guano na quinta do “Água Forte”, Freguesia de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças Para estabelecimentos (1865-1908), Cx. 2522. 127 idem, ibidem 128Processo de licença para a fundação de uma fábrica de gesso na Rua Nova do Cais do Tojo, n.º50, freguesia de Santos-o-Velho. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) –Processos preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2560. 129 Requerimento de Domingos Gomes Rocha Vianna Sucessores de D. Manuel Ruas e Comp.ª para continuar a laborar com a sua fábrica de gesso. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900) – CX. 2560. 130 Requerimento de Pedro Santarém para continuar a laborar na sua fábrica de velas e sebo na Rua Direita de Santo Amaro, n.º72. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças Para estabelecimentos (1865-1908), CX. 2522.

66

alvará a 12 de Julho de 1878.131 A funcionar há menos tempo, desde 1887, está o

estabelecimento de Rodrigues Rego & C.ª. Situado no Casal da Pimenteira, tinha pertencido a

Caetano da Costa.

Por razões óbvias, e tendo em conta todo o processo de criação e de evolução da CUF,

do qual falaremos posteriormente, a produção de sabão merece aqui uma atenção especial.

Uma dessas unidades de produção de sabão situava-se na Rua das Fontainhas, n.º14, e tinha

sido requerida por Nicolau de Leon, conhecendo licença para iniciar a produção a 3 de Agosto

de 1877.132 Já François Grangeou instalou em 1866, na Rua da Boavista, uma fábrica de

sabão cru, tendo o edital sido publicado no Diário de Notícias de 29 de Agosto de 1863, como

consta no processo do Governo Civil.133

O sector dos tabacos, no entanto, não tinha uma grande relevância no bairro. No

contexto de Lisboa a sua distribuição espacial passava, essencialmente, pela zona oriental.

Ainda assim a área de Alcântara conhece alguns estabelecimentos. O mais importante era a

La Peninsular. Obteve a autorização para laborar a 8 de Abril de 1880, quando Francisco

Domingos Limon, sócio da firma Limon & C.ª requer a licença de funcionamento. Situada na

Rua Vasco da Gama, n.º15, mudou-se para o Calvário três meses depois de entrar em

funcionamento. Fazia tabacos em picado, cigarros e charutos, e cuja produção era toda

manual.134

Chegados ao final da década de 90 encontramos assim um tecido industrial

alcantarense caracterizado por uma grande diversidade de modelos produtivos que

englobavam, no mesmo espaço, diversos momentos da industrialização. O tecido produtivo

de Alcântara era assim caracterizado por estabelecimentos industriais que se estendem de um

espectro que vai desde a manufactura a unidades caracterizadas por uma grande

modernização, tendo em conta o contexto nacional. Foi a totalidade deste tecido produtivo, e

131 Processo preliminar de licença para a fundação de uma fábrica de pólvora no casal denominado de Pimenteira. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças Para Estabelecimentos, Cx. 2522. 132Processo preliminar de licença para fundar e por em laboração uma fábrica de sabão Phenico situada na rua das Fontainhas n.º14. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) -Processos Preliminares de Licenças Para estabelecimentos (1865-1908), Cx. 2521.. 133 Processo requerido por François Grangeon para licença para a fundação de uma fábrica de sabão em cru no pátio da galega, Freg.ª de S. Paulo, distrito do bairro de Alcântara. 3 Maio de 1866. Situa-se na Rua da Boa Vista, no Pátio da Galega. IANTT. Governo civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de obtenção de licenças para estabelecimentos, Cx. 2178. 134 Processo preliminar de licença para a fundação de uma fabrica de manipulação a picados, cigarros e charutos, sita na Rua Vasco da Gama n.º15, Freg.ª de Santos. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) – Processos Preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), CX. 2559.

67

não apenas as fábricas de maior modernização, que conferiu a Alcântara a ideia de bairro

industrial de Lisboa, por excelência.

4. Alcântara no contexto da industrialização portuguesa

O contributo e a importância do tecido industrial de Alcântara para a globalidade da

industrialização portuguesa podem ser medidas, essencialmente, pelo número de operários

que trabalhavam nas sua unidades e pela quantidade de cavalos-vapor que estavam instalados

nos seus estabelecimentos. Importa esclarecer, no entanto, que esta comparação se encontra

limitada por diversos factores. Por um lado pelas deficiências do Inquérito Industrial de 1890

que omite, para muitas unidades, o número de operários e os cavalos-vapor que dispunham.

Por outro lado, pela ausência de uma delimitação clara da ideia dos limites de Alcântara.

Contudo, apesar dos números que dispomos não espelharem com total fidelidade o tecido

produtivo de Alcântara servem-nos, todavia, para percebermos a dimensão do bairro no

contexto da industrialização portuguesa e a razão pela qual Alcântara adquiriu a imagem de

bairro industrial. O exemplo mais evidente das limitações do inquérito é a não inclusão da

CUF para estas contas. Ainda assim arriscamos avançar estes números porque nos mostram,

apesar da imprecisão, a dimensão da industrialização de Alcântara no contexto nacional.

A cidade de Lisboa tinha, segundo o Inquérito Industrial de 1890, 2 310135 CV

enquanto a totalidade do distrito perfazia 3 327 CV.136 Já Alcântara, no seu conjunto,

contabilizava cerca de 1 352 CV (Anexo 8). Continha, no seu espaço, mais de metade da

energia concentrada nos estabelecimentos de Lisboa, apresentando-se como o grande bairro

industrial da capital neste período.

A profundidade do tecido industrial de Alcântara fica claramente patente se o

compararmos com alguns distritos do País que conheciam um maior desenvolvimento

industrial neste período. Segundo o Inquérito Industrial de 1890, nas contas de Rui

Vasconcelos137 o distrito de Lisboa, o mais industrializado no contexto nacional tinha, à data,

19 354 dos 57 275 operários do País. A capital concentrava, desta forma, mais de um terço do

total nacional. Alcântara tinha, na mesma data, cerca de 2 700 (Anexo 7) dos operários do

distrito Lisboa. Esse importância fica mais vincada se percebermos que o distrito do Porto,

135 Vidal, Frédèric, ob. cit.. P.68 136 Vasconcelos, Rui Manuel Dias de Almeida e, ob.cit.. p. 38-58. 137 idem, ibidem, pp. 38-58.

68

por exemplo, conhecia, 13 292 trabalhadores, pouco mais que três vezes mais do local do

nosso estudo.138 Já o terceiro distrito mais industrializado do País, o de Braga, tinha, na época,

4 272 operários,139 um valor não muito distante dos 2 768 de Alcântara (Anexo 7), assim

como o quarto distrito, Castelo Branco, com 3 704140. Em quinto surge o distrito de Faro, com

2 625, um número de operários inferior ao do bairro de Lisboa. No contexto industrial

português de 1890, seria necessário agrupar o número de operários dos onze distritos menos

industrializados do pais – Bragança, Funchal, Vila Real, Viana, Viseu, Beja, Portalegre,

Angra, Évora, Ponta Delgada e Coimbra -, que perfazem 4 852 operário no seu conjunto, para

conseguirmos ter um número aproximado à concentração operária alcantarense.141

A importância de Alcântara é ainda mais vincada quando se olha para o uso de energia

no País e se percebe que os quinze distritos com menos cavalos-vapor – Vila Real, Bragança,

Ponta Delgada, Viana, Angra, Funchal, Aveiro, Évora, Guarda, Beja, Portalegre, Faro,

Santarém, Coimbra e Viseu - perfazem, no seu conjunto, 1 939 CV, pouco mais que o número

com que contava a zona de Alcântara.142 Já o distrito do Porto, na mesma altura, dispunha de

2 326 CV.

A dimensão do peso da industrialização de Alcântara no contexto nacional é também

perceptível na dimensão média dos estabelecimentos segundo o número de operários. No

contexto do bairro, e tendo apenas presente as unidades contempladas no Inquérito Industrial

de 1890, Alcântara tinha cerca de 58,9 operários, por estabelecimento, em média, ainda que

seja necessário ter em conta que muitas das unidades para as quais o inquérito omite

informação têm uma dimensão reduzida.

Nos anos de 1890 este dinamismo firma Alcântara, como um dos locais mais

importantes da industrialização do País. O bairro continuava a ser marcado pelos sectores que

tradicionalmente dominavam o seu tecido produtivo. Mas não obstante esta realidade, este

período viu surgir, paralelamente, uma das características que marcarão a industrialização do

bairro nas décadas seguintes: a diversificação do seu tecido produtivo.

5. Dinâmicas e características do tecido produtivo

138 idem, ibidem, p.57. 139 idem, ibidem, p.57. 140 idem, ibidem, p.57. 141 idem, ibidem, p.57. 142 idem, ibidem, p.57.

69

5.1. A emergência da diversidade industrial

A década de 70 foi pautada por uma acentuada criação de novas unidades produtivas

no bairro, sendo as mais importantes pertencentes aos sectores que conheciam já um

desenvolvimento acentuado desde as décadas anteriores. A década de 80 assistiu, por sua vez,

a uma lógica de desenvolvimento assente não tanto na fixação de novas indústrias, mas ao

desenvolvimento dos principais estabelecimentos já instalados no bairro.

O final do século XIX conhecerá o surgimento da diversidade industrial,

impulsionada, sobretudo, pelo desenvolvimento urbanístico143. Esta transformação

impulsionou uma alteração na hierarquia dos sectores mais dinâmicos. O sector alimentar é,

como vimos, o principal beneficiado por esta mutação. Conhecendo um acentuado mas

discreto desenvolvimento na década de 80 suportado, sobretudo, pela indústria da moagem e

pelas refinarias de açúcar, passa a equivaler ao têxtil e à metalurgia em termos de importância

absoluta. Esta importância é verificável no número de estabelecimentos e de operários que

ocupava, e também por ser uma actividade onde a existência de máquinas a vapor era uma

realidade corrente. Mas a diversificação industrial traduz-se na afirmação de muitos outros

sectores, sendo mais evidente o sector da construção.

A emergência desta actividade é uma consequência lógica do desenvolvimento

urbanístico de Lisboa que se afirma neste período. Um dos exemplos mais importantes é a

unidade de António Moreira Rato & Filhos. Situado na Rua 24 de Julho, e dando emprego a

cerca de 60 operários, direccionava a sua produção para a fabricação de ladrilhos.

Empenhando-se também preferencialmente a trabalhar a pedra, José Moreira Rato

empregava na Travessa do Corpo Santo, por sua vez, cerca de 40 trabalhadores, em 1890. Já

na Rua das Fontainhas, quer o estabelecimento de Eduardo Augusto Pinto de Magalhães, quer

a Goarmon & C.ª - que no Inquérito Industrial surgem como fabricantes de ladrilhos -

empregavam, respectivamente, 29 e 16 homens. O mesmo sucedia com J. Lino, que se

encontrava na Rua 24 de Julho, direccionando a sua produção para Portugal e para as

colónias.

Um dos estabelecimentos mais importantes era a Fábrica de Alcântara, de Lopes &

C.ª, situada na Rua Velha. O seu desenvolvimento ficou a dever-se à crescente procura de

143 O Anexo 2 mostra, precisamente, o aumento da malha urbana de Alcântara, em 1910, sobretudo quando comparada com o desenvolvimento urbano de 1860 (Anexo 1).

70

louça e de azulejos esmaltados, produtos que fabricava recorrendo ao barro e ao vidro

nacional, e às tintas e ao carvão que lhe chegavam de Inglaterra. Tinha, em 1890, 83 operários

e uma máquina a vapor fixa de 8 CV. Este desenvolvimento do sector da cerâmica estimulou,

igualmente, a unidade de José Gregório Baudoin, que se encontrava localizada na Rua do

Arco, com 30 operários. Nesta altura produzia louça e tubos de barro vermelho que colocava

no mercado nacional.

A explosão das diversas obras na cidade fez surgir também, nestes anos, diversas

serrações de madeira. Destacamos, neste caso, a Fábrica Lisbonense de Serração e Aparelho

de Madeira, uma unidade localizada na Rua de Vasco da Gama que empregava cerca de 50

trabalhadores nesta altura. Esta serração de madeira tinha, em 1890, uma máquina a vapor de

120 CV, facto que espelhava alguma modernização deste sector.

Já outra actividade ligada ao sector da construção, a produção de vidros não conheceu,

por sua vez, uma firme implantação em Alcântara. Havia, ainda assim, a Fábrica de Vidros de

Alcântara. Localizada na Rua Vieira da Silva, recorria a cerca de 55 trabalhadores para

produzir, além de vidros propriamente ditos, copos, frascos e diversos objectos que eram

absorvidos, certamente, quer pelo sector da construção, quer por um mercado doméstico que

se encontrava em desenvolvimento nestes anos.

Este crescimento do consumo privado resultaria também na estimulação das unidades

que se dedicavam à produção de curtumes, mormente, de artigos de calçado. O

estabelecimento mais emblemático deste ramo é a Alcântara & C.ª. Localizada na Travessa

da Cascalheira, esta unidade produzia sapatos de trança que colocava no mercado nacional. A

Alcântara & C.ª, pela sua dimensão, era a excepção entre um sector que continuava a ser

pautado por um mundo de pequenas oficinas. Identificamos, de entre elas, a de António José

da Costa, direccionada para a produção de couros. Com 7 homens na Rua do Arco do

Carvalhão laborava também a Fábrica de Curtumes Esperança, contando com 10

trabalhadores. Já a unidade de José Carlos Xavier & Filhos laborava na Rua de Santo

António, com oito trabalhadores. Na zona de Alcântara situava-se ainda a Fábrica do Bom

Sucesso, na Rua da Praia do Bom Sucesso, com 8 homens, e o estabelecimento de Nicolau

Luís da Silva e Sobrinho, na Rua da Junqueira que, como a maioria destas unidades produzia,

essencialmente, solas de couro.

Um dos sectores que também se afirma neste período, obedecendo à mesma lógica de

desenvolvimento, é o das artes gráficas. Tal como os curtumes, é caracterizado pelo fomento

de diversas unidades de pequena dimensão. A que adquire um maior relevo situa-se na Rua

71

Fradesso da Silveira, a J. J. Nunes & C.ª, fabricando, sobretudo, cartas de jogar. Tinha, em

1890, cerca de 20 operários.

A diversidade industrial nasce assim da relação indissociável, em Alcântara, entre o

impulso industrializador e o desenvolvimento urbano. A marginalidade do bairro resultava

não só da sua acentuada vocação industrializante, mas igualmente por enquadrar em si uma

realidade social oposta, muitas vezes, à realidade do centro da cidade. Um dos traços dessa

periferia é espelhado, mais claramente nas difíceis condições de habitabilidade no bairro, que

põem em relevo, ainda mais, alguns traços de periferia em relação a Lisboa. Não obstante essa

realidade, o início do século XX vai encontrar Alcântara como um bairro agora muito mais

enquadrado na cidade de Lisboa. Essa nova proximidade constitui-se, sobretudo, no

desenvolvimento urbanístico que o bairro conhecera nas décadas anteriores.144 O maior

enquadramento em Lisboa condicionou, certamente, a tipologia do tecido produtivo do bairro.

5.2. Estagnação ou modernização?

Apesar do surgimento de uma certa diversidade das actividades importa sublinhar, no

entanto, que o tecido industrial de Alcântara não diferia, em grande medida, daquele que tem

sido classificado pelos diversos autores que se têm estudado a industrialização portuguesa na

transição do século XIX para o século XX. No contexto nacional o têxtil manifestava-se como

o sector mais activo, tendo sido beneficiado, em parte, pela «abertura dos mercados

coloniais».145

Todavia, segundo Villaverde Cabral, o início do século apresenta dificuldades a este

sector devido, essencialmente, “à incapacidade para alargar os mercados coloniais”.146

Ficando limitado pelo crescimento modesto de 25% do mercado nacional, os anos de 1906 e

1908 inauguram um período de sérias dificuldades. Esta situação é agravada, igualmente, por

uma conjuntura internacional desfavorável.147 Ainda assim o sector ocuparia, quando

chegarmos a 1917, cerca de um terço dos operários, sendo o responsável por perto de 50% das

exportações industriais.148 Tem igualmente a maior concentração de trabalhadores por

144 Rodrigues, Teresa, ob.cit.. pp. 334-335. 145 Cabral, Manuel Villaverde, ob.cit.. p.148. 146 idem, ibidem, p. 149. 147 idem, ibidem, p. 149. 148 Telo, António José - “A Busca Frustrada do Desenvolvimento”, ob.cit.. p.127.

72

estabelecimento, com cerca de 78 operários por fábrica, utilizando 30% da energia empregue

nas máquinas a vapor.149

Também em Alcântara, depois de um período de acentuado crescimento, parece haver

um desenvolvimento mais moderado deste sector. Não contamos com a totalidade dos dados

referentes à saúde das diversas unidades têxteis que laboravam no bairro, no início do século

XX, que nos permitam ter uma ideia mais próxima da realidade desta actividade neste

período. Escapa-nos, por exemplo, a dimensão do capital investido ou os valores dos lucros

das principais fábricas. Mas se nos fixarmos, especificamente, na quantidade de operários, por

estabelecimento, percebemos que comparativamente às décadas de 80 e 90 do século XIX,

parece haver senão uma estagnação, pelo menos um crescimento bastante lento quando

comparado com o ocorrido no período anterior. De uma forma geral, continuavam a laborar a

maioria das unidades aí instaladas anteriormente. Sublinhamos aquelas que conheceram um

grande desenvolvimento na última metade do século XIX. Todavia, esses estabelecimentos

estavam reduzidos agora na sua dimensão. Na sua maioria, não ultrapassavam, na verdade, os

100 operários.150 As estamparias vêem acentuado o declínio que tínhamos referido

anteriormente. A Companhia Lisbonense de Estamparia e Tinturaria de Algodões, que

mantendo em uso 3 caldeiras a vapor, dá trabalho agora a apenas 80 homens, um número que

contrasta com os 130 de 1890, e se aproxima dos valores de 1881. Já a Companhia Nacional

de Tinturaria e Estamparia, que tinha cerca de 220 operários em 1890, contava agora com 90

trabalhadores. Esta diminuição é também visível nos 34 operários que trabalhavam na

Companhia de Estamparia de Alcântara, contra os 130 que a preenchiam em 1890. Já uma

unidade que não tínhamos referido, a fábrica de tinturaria e estamparia de Otero Salgado, que

estampava lenços, chitas e flanelas, tinha uma dimensão média, dando trabalho a 478

operários.151

No sector têxtil propriamente dito, ocorre também uma estagnação na dimensão dos

estabelecimentos, em número de operários. Veja-se, por exemplo, a Llosente & C.ª, que se

mantém na Rua do Arco conservando, igualmente, os cerca de 90 trabalhadores que tinha, em

1888. Mantinha-se a produzir, por exemplo, sarjas e riscados que coloca nos mercados de

149 idem, ibidem, p.127. 150 Veja-se o Boletim do Trabalho Industrial, n.º 80 - Ministério do Fomento, Direcção Geral do Comercio e Indústria, Repartição do Trabalho Industrial (Relatório dos Serviços da 3.ª Circunscrição dos serviços técnicos da Indústria, pelo engenheiro Luís Feliciano Marrecas Ferreira). Coimbra: Imprensa da Universidade, 1913.

151 idem, ibidem

73

Lisboa e nas colónias. Surgem também algumas novas unidades, como a Companhia de

Lanifícios Portuguesa, que tinha cerca de 60 operários nesse período. Contava também com

duas caldeiras a vapor e uma máquina de 60 CV. Algumas delas, de menor dimensão,

dedicavam-se agora a uma produção mais diversificada. É o caso da fábrica de fiação e

tinturaria de Vieira Reis, Sequeira, Santos, Ltd.. Localizada na Travessa da Galé, e recorrendo

à lã francesa e inglesa, produz fio de estambre que vende, posteriormente, para outras fábricas

nacionais. Tem, neste período, cerca de 17 operários. Já na Travessa do Fiúza laborava outra

pequena unidade que produzia riscados para colchões pertencente a Manuel António Martins.

Com apenas 6 trabalhadores recorria às matérias-primas que, ao contrário da maioria das

têxteis, não importava de Inglaterra mas comprava às unidades nacionais. Tem, como

principal mercado, Lisboa. De uma dimensão média era a Fábrica de Fiação e Tecidos de

Peres & C.ª. Recorrendo à lã que importa da Argentina e de França, e aos cerca de 200

trabalhadores que emprega, produz lenços e roupa de senhora que vende para Lisboa e para o

Porto.

Dos estabelecimentos mais antigos, apenas a Companhia de Fiação e Tecidos

Lisbonense continua a manter uma dimensão próxima daquela que conhecia no final dos anos

oitenta do século XIX. Ela preservava, na realidade, o estatuto de maior fábrica têxtil de

Alcântara. Ocupava, na primeira década do século XX, cerca de 800 operários.

Esta diminuição quase generalizada do número de operários do sector têxtil não

impedia, no entanto, que ele continuasse a dominar o tecido produtivo do bairro. É inegável

na viragem do século que o sector industrial propriamente dito continuava a ter um grande

peso na totalidade do tecido produtivo de Alcântara. O acentuado crescimento urbano que

tinha conhecido nas últimas décadas era fruto, sobretudo, do desenvolvimento industrial que

se aí se fixara. Por sua vez, o desenvolvimento urbanístico teve um importante papel como

impulsionador do surgimento de Alcântara como o grande bairro industrial de Lisboa.

Importa questionar agora, sobretudo, se essa relação de mútuo proveito se cristaliza no tempo

ou, pelo contrário, ela acabará por diminuir qualquer um dos fenómenos envolvidos.

O desenvolvimento urbanístico que o bairro conhecera resultou também na

estimulação no bairro de diversas actividades que não pertenciam ao tecido industrial. A

diminuição da vocação industrial de áreas de diversas cidades europeias, promovida pelo

aumento da densidade urbanística é sublinhada por Richard Rodger e David Reader.

Debruçando-se sobre a realidade inglesa, estes autores explicam como a emergência dos

serviços promove uma menor especialização de algumas cidades e de alguns bairros como

74

espaços essencialmente industriais. Este confronto entre a emergência de uma actividade

económica virada para os serviços, e a anterior especialização industrial caracterizou também

Alcântara na viragem do século.152

O maior exemplo foi a implantação de estruturas ligadas aos transportes, como a

Carris, presente no bairro desde 1874. A própria evolução urbana faz cerrar a malha

habitacional, limitando o espaço disponível para a instalação de novas unidades.

Provavelmente, depois de se ter constituído, durante a fase final do século XIX, um

importante estímulo ao desenvolvimento industrial, o crescimento urbano e demográfico no

bairro apresenta-se agora como, de certa forma, com um efeito limitador das vantagens para a

fixação de unidades industriais. Referimo-nos, obviamente, a uma menor oferta de terrenos,

situação que poderá ter condicionado a fixação de unidades de maior dimensão. Podemos

encontrar um claro exemplo desta realidade, precisamente, naquela que seria, provavelmente,

no início do século XX, a indústria mais importante do bairro: a CUF.

A história da CUF e da sua presença em Alcântara, é manifestamente conhecida.153 Da

evolução do grupo no bairro interessa-nos questionar assim, essencialmente, se teria sido

possível instalar, na Alcântara do início do século XX, uma empresa com a dimensão que a

CUF conheceria nas suas instalações do Barreiro. A fixação da CUF no Barreiro não se

deveu, importa dizê-lo, apenas ao espaço que o local oferecia; esta instalação obedece a um

conjunto de vantagens que vão da localização geográfica do Barreiro a imperativos de

estratégica económica.154 A CUF nasceria da fusão, como é conhecido, da Aliança Fabril com

a Companhia União Fabril, duas unidades em tudo semelhantes a outras existentes no

bairro,155 que começaram por produzir sabão e diversos óleos.

É verdade que quando chegou à liderança da companhia, Alfredo da Silva mandou

erguer uma nova fábrica no Largo das Fontainhas, perto de uma unidade de sabão aí existente,

para produzir adubos compostos e massa de purgueira. A CUF passava assim a produzir, além

dos sabões e dos óleos, os adubos. A companhia beneficia, no ano seguinte, da conjuntura

favorável que a agricultura portuguesa veio a conhecer, protegida com a “lei da fome”,

152 Reader, David e Rodger, Richard - “Industrialization and the City Economy”. in The Cambridge Urban History of Britain. Cambridge: University Press, 2000, p. 553. 153 Refira-se, por exemplo, um trabalho mais recente, da autoria de Miguel Faria, que descrevendo a vida de Alfredo da Silva, nos conta como, através da fusão de duas pequenas unidades, em Alfredo da Silva: Biografia 1871-1942. Lisboa: Bertrand Editora, 2004. 154 idem, ibidem, p.133-138. 155 Para um maior conhecimento quer da Aliança Fabril, quer da Companhia União Fabril veja-se Faria, Miguel Figueira de, ob.cit.. p.70-92.

75

conhecendo um importante desenvolvimento.156 Nos anos seguintes, fruto da expansão da

companhia, Alfredo da Silva começa a projectar o futuro através da promoção da

diversificação industrial.157 A vontade de expansão levará assim muitas das novas unidades

do grupo a serem fixadas não junto ao coração de Alcântara, onde se encontrava a Fábrica

Sol, mas em espaços mais afastados de Lisboa. É nesse sentido que se instala, em 1907, uma

fábrica de azeite em Alferrarede, perto de Abrantes. Já na origem da localização no Barreiro

esteve, segundo Miguel Ferreira de Faria, a necessidade de evitar que a sul do Tejo fosse

instalada uma unidade que fizesse concorrência à fábrica de Alferrarede.158 Nasceu assim o

complexo do Barreiro que passou a produzir, num primeiro momento, bagaço de azeitona e,

posteriormente, ácido sulfúrico e de superfosfatos. Dez anos depois desta inflexão, no início

da década de 20, a CUF tinha crescido no número de operários, não só engrossando os cerca

de 100 trabalhadores que a fábrica tinha quando ainda estava apenas localizada em Alcântara,

em 1907, mas contabilizava agora cerca de 2 000 trabalhadores.159 Em Alcântara a CUF

mantém as unidades que mostravam bastante similitude com o conjunto de actividades

presentes no bairro – estabelecimentos de média e de pequena dimensão virados quer para um

mercado doméstico em desenvolvimento, quer como complemento às actividades localizadas

no Barreiro. É neste sentido, por exemplo, que Alfredo da Silva recupera a Companhia de

Tecidos Aliança, uma unidade têxtil que tinha pertencido a Henry Burnay.

Através do exemplo da CUF tentamos perceber a forma como o desenvolvimento

urbano ocorrido no bairro acabou por cercear algumas das vantagens que o local oferecia

depois de meados do século XIX e que agora, no início do século XX, apareciam menos

atractivos para as indústrias. Alcântara ainda conservava, é verdade, algumas das

características que lhe permitiram atrair muitas dos estabelecimentos que albergava.

Mantinha, a título de exemplo, o fácil acesso às matérias-primas e à energia que lhe chegavam

através do Porto de Lisboa. No mesmo sentido, quer a sua proximidade à capital, quer os

inúmeros transportes que a serviam continuavam a permitir um escoamento fácil dos seus

produtos. Tinha visto aumentada também, nas últimas décadas, a oferta de mão-de-obra. Mas

o crescimento urbano retirara-lhe, por outro lado, a possibilidade de oferecer o espaço

necessário às indústrias que procurassem seguir um modelo de organização e de

desenvolvimento diferente das unidades que se encontravam no bairro. A análise da evolução

156 idem, ibidem, p.96. 157 idem, ibidem, p.131. 158 idem, ibidem, p. 134. 159 idem, ibidem, p.138.

76

da CUF permite-nos questionar, desta forma, a capacidade de Alcântara para, no inicio do

século XX, continuar a absorver unidades e grandes dimensões. Chegados a 1910, o traço

periférico de Alcântara dava agora lugar a um bairro de plena integração administrativa em

Lisboa continuando, no entanto, a ser o grande espaço industrial da capital, embora não o

único.

Acresce a esta realidade o facto dos principais sectores em expansão no tecido

produtivo nacional neste período, as conservas e a cortiça, terem conhecido uma fixação

residual em Alcântara. De facto, uma actividade que se encontrava virada para a exportação, e

na qual ocorria um grande desenvolvimento, era a produção de rolhas de cortiça, cuja

actividade empregaria, perto da I.ª Guerra Mundial, cerca de 7.000 operários.160 Mas, no

bairro, a presença de corticeiras era também residual. Se olharmos, por exemplo, para o

Almanach Comercial de 1910 identificamos apenas a presença de uma unidade pertença de

Percy Ellis.

Já as conservas de sardinha faziam também desenvolver um grande conjunto de

unidades no contexto nacional. Esse crescimento é verificável no aumento das exportações de

conservas de sardinhas que evoluíram, entre 1890 e 1904, de 6 872 toneladas para 14 107

toneladas respectivamente.161 A região de Lisboa acompanhou, por sua vez, a evolução do

crescimento desta actividade. Alcântara, todavia, não obstante a sua aproximação ao Porto de

Lisboa, não se apresentou como um local privilegiado para fixação. Mostra-nos Manuel

Villaverde Cabral que em 1905 existiam 34 fábricas na zona de Lisboa (3.ªcircunscrição) mas

localizavam-se, quase na sua totalidade, na cidade de Setúbal.162 Alcântara tinha, ainda assim,

alguns estabelecimentos. A principal era a Companhia Nacional de Conservas.

Quer os estabelecimentos que se dedicam à transformação da cortiça, quer as fábricas

de conservas representam o ponto de divergência mais importante existente na comparação

entre os sectores que conheciam um maior desenvolvimento, no contexto nacional, e as

actividades de maior fomento no tecido produtivo do bairro.

A alimentação continuava a ser, não obstante, uma actividade em claro crescimento

em Alcântara, mas a sua produção encontrava-se virada para o mercado nacional, e não tanto

para a exportação. Produzia-se, essencialmente, e recorrendo a modelos produtivos simples,

produtos que pudessem ser assimilados facilmente pelo mercado de Lisboa. Veja-se o caso da

160 Cabral, Manuel Villaverde, ob.cit. p.150. 161 idem, ibidem, p.150. 162 idem, ibidem, p.150.

77

Companhia União Industrial Lisbonense. Criada em Abril de 1895, a Companhia faz um

requerimento ao Governo Civil de Lisboa para instalar uma unidade na Av. 24 de Julho para

produzir cerveja, gasosas, gelo, amêndoas, soda, torrefacção e moagem de café e raiz de

chicória e chocolate. Tendo saído o anúncio no Diário Popular em Abril de 1899, o alvará de

funcionamento é concedido no mesmo mês. A Companhia conhecia, desde a sua criação, uma

considerável mecanização do processo produtivo. A fábrica tinha duas máquinas a vapor, uma

de sistema Farcot, de 18 CV, e outra de 8 CV. Contava também com três caldeiras a vapor,

respectivamente com 40, 18 e 10 CV. Esta maquinaria era usada, todavia, em processos de

produção pouco exigentes.

A opção por um modelo produtivo bastante simples mostra-nos, sobretudo, as

limitações inerentes a muitas unidades do bairro. Desta forma é visível a simplicidade na

utilização da técnica poderá ter impedido um desenvolvimento industrial mais firme no

bairro, dirigido para sectores tecnologicamente mais exigentes.

O modelo de produção de cariz manufactureiro e artesanal continua a ter, nas

primeiras décadas do século XX, um grande peso no bairro. Surgem, nessas condições,

diversas unidades em tudo semelhantes a manufactureiras, produzindo uma grande

diversidade de produtos viradas para o consumo local. A título de exemplo, continuavam a

surgir na transição do século estabelecimentos enquadrados em actividades com forte

ausência de maquinaria, como a produção de sabão. Era o caso da unidade de Pinheiro &

Villas, na Calçada de Santo Amaro, em 1999, ou a de José Avelino Martins, em 1895, na Rua

das Fontainhas. Ambas reforçam a ideia de um imensa mancha de oficinas que, longe de se

constituir como excepção, via o seu peso crescer no tecido produtivo de Alcântara vincando já

uma certa fragilidade do bairro, nestes anos, como um dos locais de assentamento industrial

de unidades de média e grande dimensão, por excelência, no contexto de Lisboa, não obstante

continuarem a surgir algumas unidades com essas características. Essa debilidade percebe-se

melhor quando analisamos o modelo de produção destas oficinas. A unidade de Pinheiro &

Villas, a título de exemplo, produzia sebo de uma forma completamente manual. A gordura

animal é colocada numa caldeira de cobre para que possa derreter, sendo alimentada pela

energia da lenha. Depois de derretido, e separado do torresmo, o sebo é deitado em pequenas

latas que servem de formas. Posteriormente, ou é vendido assim, ou sob a forma de velas.

78

Refira-se que esta unidade produz, na totalidade, cerca de 600 litros de sebo por ano.163 O

mesmo modelo de produção está subjacente também, certamente, à unidade de José Avelino

Martins, direccionada, igualmente, para a produção do mesmo produto.164

5.3. A distribuição espacial

Vimos, anteriormente, como a importância dos recursos naturais tinha contribuído

para uma certa distribuição geográfica das unidades instaladas em Alcântara, promovendo

uma notada concentração, por sector, em algumas zonas do bairro. A explosão industrial

ocorrida depois da década de 70 não altera muito esta realidade, obedecendo, naturalmente, a

factores de localização mais vastos e complexos que aqueles existentes em meados do século

XIX. No início do século XX a situação era semelhante. Partindo da identificação dos

principais estabelecimentos presentes no Almanach Commercial de 1910 percebe-se que quer

os recursos naturais, quer a emergência de infra-estruturas, quer a própria oferta de terrenos

disponíveis funcionaram, como vimos, como estímulos diferentes para as diversas actividades

industriais. No mesmo sentido, a sua influência na estruturação do tecido produtivo apresenta-

se desigual conforme o período sobre o qual nos debruçamos. Desta forma, a concentração

geográfica de muitos estabelecimentos parece obedecer igualmente à sua própria cronologia

de instalação.

De uma forma geral, o têxtil, de desenvolvimento mais antigo, e em especial as

fábricas mais dependentes da existência abundante de água situam-se, maioritariamente, nos

espaços mais interiores do bairro. A localização geográfica desta actividade, nas suas

unidades de assentamento mais antigo, espelhava ainda a importância da Ribeira de

Alcântara. Assim, o “sector da água” continuava a ter as suas unidades fixadas perto do local

da antiga ribeira. Era o caso da Companhia de Estamparia e Tinturaria, na Quinta da

Cabrinha, da Companhia de Estamparia de Alcântara, na Quinta do Inferno, e da Companhia

Nacional de Estamparia e Tinturaria, na Rua da Fábrica da Pólvora. As têxteis propriamente

ditas localizavam-se, essencialmente, na zona de Santo Amaro. Era aí que laborava a

Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense, enquanto a Bernardo Daupiás & C.ª estava na

163 Processo preliminar de licença para o estabelecimento d’uma fábrica de sebo na Calçada de Santo Amaro n.º62. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1,ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças Para estabelecimentos (1865-1908) (Caixas 2518-2523), Cx. 2522. 164 Processo preliminar de licença requerida para uma fábrica de sabão na Rua das Fontainhas n.º19 e 20, freg.ª de Alcântara.. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1,ª incorp.) - Processo Preliminar de Licença Requerida para uma Fábrica de Sabão na Rua das Fontainhas n.º19 e 20, CX. 2558.

79

Rua de Sto. António e a Companhia de Tecidos Alliança tinha-se instalado na mesma zona,

na Rua de Cascais.

As zonas mais periferias, ou até exteriores a Alcântara, muitas delas decorrentes das

obras de melhoramento do Porto de Lisboa, foram escolhidas para a fixação de muitas das

unidades surgidas depois do último terço do século XIX, transformando a Av. 24 de Julho

numa das vias que conhecia uma maior concentração industrial. Localizavam-se aí muitas das

metalurgias, elas que conhecem uma instalação mais recente que as têxteis. Era o caso da

Cooperativa Industrial Social, a Promittente, e as unidades de Hugh Parry & Son, de António

Correia, de Alfredo Merinório dos Santos e de Joaquim José Tavares. Algumas das

metalúrgicas situavam-se em zonas mais interiores do bairro, como Empresa Progresso

Industrial e as unidades de Dionísio José Rodrigues, de Júlio e Franco e de Cesário Luís da

Cruz, todas perto da Rua das Fontainhas. Já a Companhia Nacional de Fundição de Forja

surge com duas unidades, uma na Rua de S. Joaquim, e outra na Rua Luís de Camões, onde se

situava também a Empresa Industrial Portuguesa. Na parte mais ocidental do bairro

localizavam-se a Dargente & C.ª, na Travessa do Conde da Ponte, a Fábrica Vúlcano, no

Boqueirão do Duro, e a Perseverança, no Largo do Conde Barão.

Também a distribuição geográfica do sector da alimentação tinha um importante

núcleo na Av. 24 de Julho. Era aí que se localizava a Companhia União Industrial

Lisbonense, uma refinação de açúcar de Joaquim Pestana dos Santos e ainda a Fábrica

Indústria Nacional da Pampulha. Já na zona mais ocidental do bairro, na Rua da Junqueira,

ficariam instaladas algumas unidades ligadas à refinação de açúcar, como a Refinaria

Privilegiada de Portugal. O sector alimentar apresentava, no entanto, uma maior diversidade

na distribuição geográfica que a metalurgia e o têxtil. A Companhia Nacional de Conservas, a

título de exemplo, localizava-se na Rua Conselheiro Pedro Franco e na Rua de Cascais,

enquanto a Companhia Frigorifica Portuguesa e a J. B. Chaves & Irmão laboravam na Rua

da Fábrica da Pólvora. Já a “Napolitana”, fundada no início do século, tinha ficado instalada

na Rua de S. Joaquim, enquanto a Alvarez & Alvarez procedia à refinação de açúcar na Rua

Vieira da Silva.

A Av. 24 de Julho é também o local privilegiado para a fixação de unidades ligadas

ao sector da construção. Encontravam-se aí algumas cerâmicas, como a de António Moreira

Rato & Filhos e a Baudoin, Júnior Sucessor, assim como diversas serrações de madeira,

como a de J. A. Santos & C.ª, embora uma importante serração, a de J. Lino, estivesse situada

na Rua Vasco da Gama.

80

5.5. Os desafios do novo século

Os anos que medeiam a instauração da República, em 1910, e o final da I.ª Guerra

Mundial trouxeram novos desafios ao tecido produtivo de Alcântara. O bairro era, na

conjuntura da industrialização de Lisboa, e mesmo no contexto nacional, um dos locais onde

era mais efectiva a presença de unidades caracterizadas por um modelo de laboração

moderno. Esta era uma realidade que abrangia vários sectores, como a metalurgia ou a

alimentação, mas que conhecia, nos têxteis, o seu maior expoente. Não podemos dissociar

este tecido produtivo das problemáticas da industrialização portuguesa no seu todo porque

dessa realidade derivam, neste período, muitos dos seus próprios problemas.

O primeiro impacto negativo que a indústria nacional sofre depois da implantação do

novo regime resultou de uma diminuição acentuada das suas exportações, situação que atinge,

com maior incidência, o sector que tradicionalmente conhecia uma maior modernização em

Alcântara, o têxtil. Esta situação foi provocada, segundo António José Telo, por «um certo

pânico do mundo financeiro e industrial»165 gerado no «aumento do nível de vida das

camadas populares urbanas», pelo «crescimento do movimento operário» e pela

«organização da “rua” republicana numa força disciplinada de apoio aos partidários de

Afonso Costa».166 No conjunto da indústria nacional assistiu-se à retracção das exportações de

6 200 contos, em 1910, para 3 900, em 1911, e para 3 600 contos em 1912.167 O sector que

mais sentiu esta diminuição foi, como referimos, o têxtil, com as exportações provenientes

desta actividade a diminuírem de 3 000 contos, em 1910, para 1 100, em 1912.168

Os primeiros anos da I.ª República terão colocado assim, certamente, algumas

dificuldades aos sectores mais desenvolvidos do bairro. Mas foi o surgimento da I.ª Guerra

Mundial que terá tido um maior impacto no tecido produtivo de Alcântara. Em primeiro lugar

porque, como nos refere António José Telo, a guerra promoveu, para o conjunto da indústria

portuguesa, a escassez de novas máquinas e o acesso a peças sobressalentes das mesmas, e

uma acentuada falta de energia. A guerra impulsiona, de facto, dificuldades maiores no acesso

à energia. A importação de carvão vegetal diminuiu, por exemplo, de 1 235 t, em 1914, para

225 t em 1917. Já as importações de carvão de coque decrescem de 33 714 t, em 1914, para 6

165 Telo, António José - “A Busca Frustrada do Desenvolvimento”, ob.cit, p.138. 166 idem, ibidem, p.138. 167 idem, ibidem, p.138. 168 idem, ibidem, p.138.

81

416 t, em 1917. A mesma diminuição é sentida na importação de máquinas e aparelhos

industriais, que decaem de 9 501 t para 3 647 t, entre 1914 e 1917, respectivamente.169

Tal como para a totalidade da indústria nacional, também para Alcântara os efeitos da

guerra não afectam, de forma igualitária, todos os sectores. Promove, por um lado, uma certa

atrofia das unidades que conheciam uma modernização mais acentuada. No sector têxtil as

unidades têxteis lutavam agora não só contra a retracção das suas exportações, como tinham

grandes dificuldades em obter muita da matéria-prima que, como vimos, de grosso era obtida

através da importação.

Mas a guerra oferece, por outro lado, muitas vantagens para os estabelecimentos de

dimensão reduzida que se assemelham, em muitos dos casos, a pequenas manufacturas ou a

oficinas de artesanato. Assim, e numa primeira análise, o surgimento da guerra vem acentuar

a tendência de Alcântara para a proliferação de centenas de unidades pequenas que já vinham

sendo impulsionadas quer pelo aproveitamento dos espaços de oportunidade conquistados na

sombra de unidades maiores, quer pelo impulso oferecido pelo crescimento urbano (anexo 9).

Mas a principal característica da industrialização do bairro na segunda década do século XX,

se nos centrarmos na análise de estabelecimentos de média e de grande dimensão, é a

progressiva importância que as actividades ligadas à alimentação assumem nestes anos, dando

continuidade a um processo que o bairro vinha já conhecendo há alguns anos. Encontramos,

neste ramo dois grupos. Por um lado as fábricas de moagem, situadas no bairro e nas suas

imediações, sendo que a Av. 24 de Julho surgia como um dos locais mais importantes para a

sua fixação. Aí continuavam em laboração a Bellos & C.ª, e, depois de 1911, a Fábrica de

Farinhas Esperança. Numa parte mais central do bairro encontrávamos companhias como a

Companhia Industrial Portugal e Colónias e “A Napolitana”, que se tinha instalado na Tv. do

Calvário, além da Companhia Frigorífica Portuguesa, esta a produzir, essencialmente,

chocolates. Já as refinarias de açúcar da zona da Av. de Ceuta desenvolviam-se, sobretudo,

sob o impulso da Companhia de Açúcares de Moçambique. A guerra, por sua vez, deu

certamente um importante impulso às poucas unidades conserveiras presentes no bairro, como

a Companhia Nacional de Conservas e fábrica de conservas de peixe de A. Santos.

Neste período, Alcântara sente também o mais intenso desenvolvimento dos

estabelecimentos ligadas à construção. Era o caso das metalúrgicas, impulsionadas não só

pela procura crescente dos seus produtos como, provavelmente, pelo surto da indústria

169 idem, ibidem, p.138.

82

extractiva.170 Em Alcântara as unidades mais importantes são aquelas que temos vindo a

referir, a Companhia Perseverança, a unidade de Pedro Dumorá e, sobretudo, a Empresa

Industrial Portuguesa, que nestes anos se esforça por diversificar a sua produção pensando,

inclusive, a passar a produzir automóveis. No Largo do Conde Barão persistia também a

Vúlcano & Collares, depois da fundição, em 1915, das duas unidades que a compõem.

Também as cerâmicas mostram algum dinamismo nestes anos. A Empresa Cerâmica

de Lisboa, a título de exemplo, tinha sido fundada para produzia telhas, em 1881. Tem, no

início do século, 50 CV 2 142 operários. Em 1883, fruto de se ter constituído em sociedade

anónima, constrói uma nova fábrica na Rua Saraiva de Carvalho. Já no século XX produz

também cerâmica vidrada e não vidrada.

Globalmente, os têxteis, a alimentação e a metalurgia continuavam a ser os três

sectores principais do bairro nestes anos. Faltam-nos dados, no entanto, para percebemos

melhor de que forma o tecido industrial de Alcântara resistiu às dificuldades criadas pela

guerra. Mais perceptível é, no entanto, a forma como nas ruas de Alcântara, no final da

guerra, continuavam a prosperar um mundo de pequenas oficinas viradas, sobretudo, para o

consumo local.

170 idem, ibidem, p.144.

83

Capítulo 3

Estagnação e dinamismo no desafio dos anos 20

1. 1917: guerra e transformação

A agitação social surgida na sequência da emergência da I.ª República, as

dificuldades geradas pela Grande Guerra e as diversas epidemias, das quais se destaca a gripe

de 1918-1919, infligiram a Alcântara algumas transformações na forma como o seu

desenvolvimento urbanístico vinha ocorrendo. Na verdade, o ritmo de crescimento

populacional que pautou o bairro até à primeira década do século XX, sofre uma grande

desaceleração. No período compreendido entre 1911 e 1920, Alcântara viu o seu número de

habitantes crescer somente 4%, enquanto a totalidade da população de Lisboa aumentou,

nesses anos, 12%,171 passando a capital de 486 372 habitantes, em 1920, para 594 390, em

1930.172

Se nos reportarmos apenas ao período da I.ª Guerra Mundial e às implicações da

mesma no campo económico - ainda que esteja por realizar, no entanto, um estudo profundo

sobre o seu impacto na economia portuguesa no seu todo e, mais concretamente, no tecido

industrial do País - há, ainda assim, alguns dados que nos permitem perceber, em traços

gerais, quais as principais características da indústria portuguesa quando o conflito termina.173

Refira-se, em primeiro lugar, a permanência da hierarquia existente, em termos sectoriais,

pelo menos desde o final do século XIX. A Estatística Industrial174 de 1917 mostra-nos como

o têxtil se mantinha como o sector mais importante, sendo o responsável por 50% das

exportações da indústria nacional, conhecendo uma concentração de operários

manifestamente superior à média, com 78 trabalhadores por fábrica, e utilizando 30% da

energia motriz das máquinas a vapor e dois terços da energia hidráulica nacional, perfazendo

35 000 CV.175

171 Vidal, Frédéric, ob.cit.. pp. 51-52. 172 Guinote, Paulo - “A Sociedade: da agitação ao desencanto”. In Reis, António (Dir), Portugal Contemporâneo, Vol. III, Lisboa: Edições Alfa, 1999, pp. 171-230. 173 Veja-se, para uma abordagem mais completa, Telo, António José - “A Busca do Desenvolvimento”, ob.cit.. pp. 150-152. 174 “Estatística Industrial de 1917”. In Boletim do Trabalho Industrial, N.º 119 (1923), Lisboa: Imprensa Nacional, Lisboa, pp.39-43. 175 Telo, António José - “A Busca Frustrada do Desenvolvimento”, ob.cit.. p. 127.

84

No contexto do País a guerra, como vimos anteriormente, apresentou-se

particularmente nociva para os estabelecimentos mais modernos, logo, mais dependentes da

importação regular da energia do carvão, de máquinas e de peças sobressalentes, uma

dependência que é naturalmente mais acentuada nos sectores que conheciam uma maior

mecanização.176 Ora, o têxtil apresentava-se como o sector industrial que conhecia os

estabelecimentos mais modernos do espectro da indústria nacional, e Alcântara, como vimos,

era um dos locais de Lisboa onde havia unidades têxteis de maior dimensão. Apreende-se,

desta forma, que muitas das maiores unidades do bairro tenham sentido dificuldades, neste

período. Ainda assim, e perto do final da guerra, continuavam em laboração de acordo com o

Annuário Commercial de Portugal e Colónias de 1917,177 a maioria dos grandes

estabelecimentos de maior dimensão que tinham sido criadas a partir de meados do século

XIX. Era esse o caso da Companhia Lisbonense de Estamparia e Tinturaria de Algodões,

com a sua fábrica na Quinta da Cabrinha, na Rua da Pólvora, sob a direcção de Guilherme de

Passos Costa. Também em Vila Pouca mantinha-se em funcionamento a Companhia de

Estamparia de Alcântara, enquanto a Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense, localizada

na Rua 1.º de Maio, continuava a laborar, mas agora encontrava-se arrendada à firma Mendes,

Valadares, Lda., conhecendo a presença de Custodio Aurélio Gomes Névoa, um comissário

nomeado pelo governo para a sua direcção. Igualmente em actividade estava a unidade de

fiação Vieira, Reis, Sequeira & Santos, localizada na Travessa da Galé, à Junqueira, e a

fábrica de tecidos de lã de Peter, Ferreira & C.ª, na Rua da Cozinha Económica. Apesar da

identificação destes estabelecimentos, no final da guerra, os dados a que acedemos não nos

permitem um conhecimento preciso sobre a saúde destas unidades. Veremos mais à frente, no

entanto, as dificuldades que os anos que se seguiram à guerra colocaram a estes

estabelecimentos, cerceando a vitalidade que muitas conheciam à entrada para a última

década do século XIX.

Já o sector da alimentação surgia, em 1917, em segundo lugar no contexto nacional,

ocupando 19,2% dos operários.178 Quando olhamos para a totalidade do País o factor mais

importante foi o crescimento das unidades ligadas à alimentação, substancialmente suportado

pelo impulso que a economia de guerra trouxera às conserveiras. Já em Alcântara a evolução

deste sector, como vimos, obedece a uma lógica diferente. Os estabelecimentos em maior

destaque eram aqueles que se dedicavam à produção de farinha e dos seus derivados e as

176 idem, ibidem, p.144. 177 Anuário Commercial de Portugal Ilhas e Ultramar. Caldeira, Pires (Coord.). Lisboa: 1854-1930. 178 Telo, António José - “ Busca Frustrada do Desenvolvimento”, ob.cit.. p.127.

85

unidades que produziam produtos facilmente escoáveis no mercado próximo de Lisboa, como

aqueles que são feitos de chocolate. De entre os primeiros destacava-se, sobretudo, a

Companhia Nacional de Portugal e Colónias, que controla 80% do consumo de Lisboa.179

Mas outras unidades, de menor dimensão, encontravam-se em laboração no bairro

transformando-se, inclusive, em símbolos da própria industrialização de Alcântara. Um deles

era “A Napolitana”, conforme era conhecida a fábrica de massas alimentícias de Gomes,

Brito, Conceição, Reis & C.ª. Localizada na Rua das Cozinhas Económicas, tinha sido

construída por Vieillard & Trouzet, formando um conjunto de quatro edifícios principais que

incluíam a moagem, os silos, a fábrica de massas e a casa das máquinas, num conjunto que

abraçava 5.000 m2 na totalidade.180 Destacava-se igualmente, como símbolo da força que o

sector alimentar adquiriu no bairro, a Empresa de Moagens Esperança, na Rua 24 de Julho,

que tinha, próxima de si, e nas proximidades dos limites mais orientais do bairro, a Fábrica

de Bolachas da Pampulha, Lda., que tinha sido fundada, em 1872, por Eduardo Costa, na

mesma rua. Já na zona mais ocidental evoluíam outras unidades, como a de José Manuel da

Silva & C.ª, na Rua da Junqueira.

Algumas unidades foram conhecendo uma acentuada diversificação nos produtos que

produziam, como a unidade Iniguez & Iniguez. Fundada, em 1886, na Rua 24 de Julho, por

Joaquim Iniguez, dedicava-se, essencialmente, e numa fase inicial da sua existência, à

produção de chocolate. Beneficiava da estreita relação de Francisco Iniguez com Henrique

Monteiro de Mendonça, proprietário de uma roça em S. Tomé. Depois do desaparecimento do

seu fundador, a fábrica passou a ser dirigida pelo seu filho Manuel António Iniguez e, em

1917, dedicava-se não só à produção de chocolate, como à moagem de farinhas, entre outros

produtos alimentares.

Mantinham-se também em actividade a União Industrial Lisbonense, na Rua 24 de

Julho, a Companhia Frigorífica Portuguesa, na Rua da Fábrica da Pólvora - que produzia

diariamente 80 000 kg de gelo - e a fábrica de gelo Pólo, de Pereira & C.ª, Lda., perto da

estação de Alcântara-Mar. Já na Junqueira laboravam algumas das principais unidades que

procediam à refinaria de açúcar, como a Companhia de Açúcar de Moçambique - que também

possuía uma fábrica na Av. da Índia - ou a “Fábrica Suíça” de Francisco José Cerqueira,

produzindo chocolate, e outros doces.

179 idem, ibidem, p.128. 180 Veja-se, para um conhecimento mais aprofundado das instalações da fábrica Santos, António Maria dos Anjos - Para o estudo da Arquitectura Industrial na regia de Lisboa (1846-1918). Vol. I, Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1999.

86

Olhando novamente para o País, como um todo, o terceiro sector em número de

operários era constituído por um conjunto de estabelecimentos que se dedicavam a trabalhar a

madeira, proliferando assim inúmeras serrações e unidades que se produziam móveis, dando

trabalho a 11% dos operários portugueses neste período.181 Em Alcântara, eram muitas as

unidades que podemos enquadrar neste grupo, e que proliferavam no término da guerra.

Beneficiavam não só do surto que o desenvolvimento urbanístico vinha dando ao sector da

construção, como também da própria exigência de produtos que lhe era feita, quer pelas

actividades directamente relacionadas ao Porto de Lisboa, quer através das necessidades das

muitas unidades que pautavam o bairro.

No final da guerra encontravam-se em Alcântara estabelecimentos que se dedicavam a

produzir o mais diverso rol de produtos em madeira, sobretudo, caixotes, muitos usados para

a exportação dos produtos da indústria conserveira. Era esse o caso da Activa, uma unidade

pertença de Manuel Martins Franco, na Rua 24 de Julho, da Caixotaria Macânica

Portuguesa, de Fuertes & Commandita, perto e Alcântara-Mar, ou uma unidade pertencente a

José Joaquim da Costa, na Travessa do Conde da Ponte. Proliferavam, igualmente, muitos

carpinteiros civis, como José dos Santos, na Calçada de Santo Amaro, e Luís Guilherme dos

Santos Azevedo, na Rua das Fontainhas, além da Empresa Anglo-Portuguesa, na antiga Rua

de Cascais, só para referir alguns.

O desenvolvimento do sector conserveiro no País beneficiou, igualmente, algumas

metalúrgicas, como a Société Générale Metallurgique, que já referimos anteriormente, e que

se dedicava agora a produzir entre outros produtos, chaves para latas de conservas. Era este

também o caso da unidade Viúva Maceira & Filhos, instalada na Rua da Junqueira. Esta

realidade parece reforçar a vitalidade das diversas oficinas que se já se dedicavam à produção

de pequenos produtos metalúrgicos, elas que representavam o exemplo mais claro da

complementaridade entre os diversos sectores industriais do bairro. Não se estranhe então que

o já elevado número de serralharias já existentes tenha sido aumentado neste período.

Exemplos dessa proliferação são as unidades que encontramos, em 1917, como a de André de

Almeida, na Rua Vasco da Gama, de Augusto & Dias, na Rua de Alcântara, de Bernardo

Manuel, na Rua da Cozinha Económica, de Manuel & Soares, na Rua do Alvito, de Augusto

& Dias, na Rua de Alcântara, entre outras.

181 Telo, António José - “A Busca Frustrada Frustrada do Desenvolvimento, ob.cit.. p. 128

87

No contexto nacional este sector representava 9,1% dos trabalhadores da indústria

portuguesa, sendo que a maior concentração destes estabelecimentos ocorria na periferia de

Lisboa.182

Em 1917 pautava o bairro também um importante conjunto de unidades de maior

dimensão, e de formação mais antiga, que iam sobrevivendo à guerra. Algumas tinham

crescido, na verdade, a partir de pequenas oficinas. Era esse o caso da agora designada

Cardoso, Dargent & C.ª, na Travessa do Conde da Ponte, a anterior L. Dargent. Produzia,

entre outros produtos, caldeiras a vapor. Existia também a Fábrica Promitente, de Ramires

Sobrinho, na Rua 24 de Julho, que fabricava ascensores e monta-cargas hidráulicos e

eléctricos, além da Vúlcano & Collares, dirigida, depois de 1916, por Carlos Alfredo da Silva,

e da Parceria dos Vapores Lisbonense, que também produzia caldeiras a vapor. Por último

persistiu a H. Parry & Son, a Empresa Industrial Portuguesa, que continuava a laborar na

Rua Luís de Camões, a Cooperativa Industrial Social, na Rua 24 de Julho, e a Empresa

Progresso Industrial, que produzia parafusos, na Rua das Fontainhas, entre outras.

Paralelamente a estes sectores o bairro conhecia, no final da guerra, um conjunto de

outros ramos de expressão mais diminuta. Eles que eram caracterizados por unidades de

pequena dimensão funcionando, globalmente, com uma fraca presença de máquinas. Muitas

destas unidades relacionavam-se com o sector da construção. Era esse o caso da F. H.

D’Oliveira & C.ª, um dos maiores estabelecimentos do bairro, neste sector. Produzia, entre

outros produtos, banheiras e azulejos.

Também viradas para o sector da construção, e conhecendo uma importante dimensão,

encontravam-se as fábricas de cerâmica. Destacavam-se, de entre elas, a Inovadora

Portuguesa, de Feitas & C.ª, na Ruas das Fontainhas, a unidade de Eduardo Augusto Pinto de

Magalhães, na Rua Maria Pia, a Fábrica 24 de Julho, que produzia ladrilhos, a de J. Lino &

C.ª, na Rua do Cais do Tojo, e a de R. Potau & C.ª, na Rua Saraiva de Carvalho, igualmente a

produzir ladrilhos, e a Xavier & Ferraz, do mesmo ramo, perto do Calvário. Importa referir

também as unidades mais direccionadas para a produção de loiça, como a Lopes & C.ª e a

Fábrica de Alcântara, na Rua Gilberto Rola. No contexto nacional, refira-se, a cerâmica

ocupava, de acordo com a Estatística Industrial de 1917, 3,4% dos operários nacionais.183

182 idem, ibidem, p.128. 183 idem, ibidem, p.128.

88

De sublinhar também a importância do sector químico, dominado pela CUF, mas

onde se podem encontrar outros estabelecimentos, como a fábrica de Santos Secretário, na

Rua da Cruz, e da Viúva Reis & C.ª, Lda, na Rua da Fábrica da Pólvora, que preenchiam uma

actividade direccionada para a produção de adubos para a agricultura nacional.

No fim da guerra permaneciam ainda algumas das actividades de fixação mais antiga

no bairro. Era o caso da produção de cal, onde se destacavam a Empresa Cerâmica de Lisboa,

localizada na Ponte Nova, e a unidade de F. H. D’Oliveira & C.ª, já referida, que também se

dedicava a extrair cal no Casal do Alvito. Nos curtumes mantinha-se a Alcântara & C.ª, na

Travessa da Horta Navia, e a Benitez & Comt.ª, na Vila Pouca, continuando este sector a

privilegiar a localização espacial que já lhe tínhamos apontado. Estes anos são igualmente

pautados pela permanência de unidades que se dedicavam à produção de guano, apesar da

contestação que era feita à presença destes estabelecimentos em áreas próximas das

habitações, como a unidade de Santos Secretario, na Rua da Cruz.

Havia ainda, além destes, um conjunto de oficinas que moldam os sectores com menor

dimensão no bairro, mas em crescendo, como a produção de calçado, de papel, de vidro, as

gráficas e o cimentos, apenas para referir alguns, embora contendo unidades de dimensão

reduzida.

Na realidade, a principal característica do tecido produtivo alcantarense do pós-guerra

é a continuação da tendência para a proliferação de unidades de pequena dimensão que

vinham pautando a economia local do bairro desde o início do século. A guerra parece surgir,

desta forma, como um elemento que vem reforçar a tendência para a criação de muitas

oficinas de cariz artesanal. Este fenómeno vinha sendo impulsionado pelo estímulo do

desenvolvimento urbanístico de Lisboa que proporciona a emergência de muitas unidades de

traço oficinal viradas para o consumo local, e agora é reforçado por muitos estabelecimentos

que aproveitam a oportunidade da guerra para laborarem fazendo uso de um pequeno número

de braços e estando quase desprovidos de máquinas. Este fenómeno é transversal, de certa

forma, aos diversos ramos industriais, mesmo aqueles mais propícios à existência de unidades

de grandes dimensões.184

O final do conflito encontra o tecido produtivo do bairro na encruzilhada entre estas

duas realidades. Por um lado, assistia-se à explosão de um espectro alargado de pequenas

unidades; por outro, vislumbra-se uma certa subtracção do espaço Alcântara como um espaço

184 idem, ibidem, p. 144.

89

propício à instalação industrial, por excelência, dois factores que parecem fazer dos anos 20

um período de profundas transformações do tecido produtivo de Alcântara.

2. Anos 20, uma década de decadência?

2.1. A ilusão do fim da guerra

Quando chegamos à década de 1920 que similitudes apresenta o tecido produtivo de

Alcântara quando comparado com aquele estruturado na segunda metade do século XIX? De

que forma as novas dificuldades aí colocadas aos estabelecimentos mais modernos terão

forçado o desaparecimento de muitas das grandes fábricas que o bairro acolheu desde meados

do século XIX?

Importa perceber primeiramente, para uma mais clara percepção deste período, e

perseguindo a perspectiva da totalidade do desenvolvimento industrial nacional, que o

momento que se seguiu ao final da Grande Guerra parece ter representado um novo fôlego

para muitas das unidades instaladas no bairro. Na verdade, a política económica seguida no

pós-guerra pelo Partido Democrático de António Maria da Silva procura ir no sentido de

fomentar o tecido industrial nacional. A industria beneficia, por um lado, de uma política

económica inflacionista que protege o mercado interno e, no mesmo sentido, de um conjunto

de obras, a desenvolver nas colónias, que visavam fornecer o alargamento do mercado

colonial e potenciar a sua capacidade de absorção dos produtos industriais produzidos nas

fabricas da metrópole.185 Da perspectiva da análise da industrialização do País esta nova

politica económica só começa a ser verdadeiramente implantada depois dos finais de 1919,

quando a crescente desvalorização do escudo quase que impossibilita a importação de

produtos estrangeiros libertando, desta forma, o mercado nacional para os produtos

produzidos pelas fábricas portuguesas.186 O resultado, como o sintetiza António José Telo, «é

um importante surto de desenvolvimento com o crescimento de importantes sectores pouco

desenvolvidos, favorecido pela aprovação de poucas horas de trabalho, que conduz à

modernização das indústrias artesanais».187 Ainda assim o têxtil é aquele que conhece, nestes

anos, um maior desenvolvimento, assistindo-se à duplicação da importação do algodão em

rama e de lã entre 1919 e 1921.188 No seu conjunto, a importação de matérias-primas para a

185 idem, ibidem, p.152. 186 idem, ibidem, p.152. 187 idem, ibidem, p.152. 188 idem, ibidem, p.152.

90

indústria passa de 99 000 contos, em 1919, para 502 000 contos em 1922, sendo uma

importante parte desse investimento empregado em nova maquinaria.189

No contexto mais restrito dos quatros bairros administrativos de Lisboa a cidade

conheceu, entre 1917 e 1920, o registo de 529 estabelecimentos. Desses, 119 foram registados

no 4.º Bairro, o qual corresponde à zona ocidental da cidade. Os dados do Boletim do

Trabalho Industrial, ao definirem com um sentido muito abrangente o que entendem por

indústrias, não permitem clarificar, com exactidão, qual a quantidade de fábricas

propriamente dita que foi registada neste período. No mesmo sentido, a elaboração desta

série, gizada segundo a organização administrativa da cidade (Anexo 9) não só não nos

permite compreender melhor quais as consequências que o surto industrial ocorrido entre

1919 e 1921 produziu em Alcântara, como o seu teor, de cariz estatístico, promove a

impossibilidade de obtermos um conhecimento mais profundo sobre a individualidade das

indústrias registadas.

Da análise destes dados percebe-se, ainda assim, que no período compreendido entre

1917 e 1920, o espaço administrativo de Lisboa onde se situava Alcântara, parece ter

conhecido alguma vitalidade económica, conforme nos mostra a quantidade de

estabelecimentos registados neste período. De facto, 33,5% das indústrias registadas na

cidade, neste período, localizavam-se no 4.º Bairro. Dos sectores que parecem conhecer um

maior estímulo destaque para a grande percentagem de unidades direccionadas para o sector

agrícola, 25,99% do total dos estabelecimentos. Em segundo lugar surgem as unidades

pertencentes ao sector químico, com 18,64% dos estabelecimentos, enquanto 14,69% de

unidades classificadas pertencem ao sector vidreiro.

Refira-se, novamente, que os dados presentes no Boletim do Trabalho Industrial, não

se reportam exclusivamente a fábricas, propriamente ditas, mas a um agregado de

estabelecimentos que obedecem a um critério largo de classificação, num espectro que se

estende do tecido industrial a um conjunto de pequenas oficinas. Na verdade, muitas destas

unidades assemelham-se mais a estabelecimentos comerciais do que a fábricas, conforme a

temos vindo as apresentar. Referimo-nos, essencialmente, ao grande número de ferreiros, de

carpinteiros, ou de sapateiros que, podendo ser o seu estabelecimento enquadrado nos dados

do Boletim do Trabalho Industrial, direccionam a sua produção da sua pequena oficina para o

consumo directo pela população do bairro.

189 idem, ibidem, p.152.

91

Este conjunto de dados sugere-nos que, chegada a década de 20, a economia local de

Alcântara parece ser dirigida não tanto pelas grandes unidades fabris que tinham pautado o

bairro desde meados do século XIX, mas pela proliferação de um grande número de pequenos

estabelecimentos que se distribuem pelas ruas do bairro, sendo que muitos deles eram

dedicados exclusivamente à actividade comercial.190 Esta ideia foi igualmente colocada por

Frédéric Vidal na tese que anteriormente referimos. O autor, através da análise do imposto

municipal estabelecido sobre o comércio e a indústria, pela CML,191 centrando-se no primeiro

semestre de 1930 e de 1931, e alertando para a distinção que não é feita com precisão, por

essa instituição, entre fábricas, oficinas e algumas lojas, identifica um grande número de

oficinas direccionados para o consumo local, muitas vezes efectuado dentro do próprio

bairro.192 Estritamente como fábrica são identificados 36 estabelecimentos, um número que

rivaliza com os 18 sucatas, as 19 padarias, os 28 barbeiros, as 30 unidades de venda e

armazém de carvão e de vinho, os 46 ateliês, as 88 lojas e depósitos e as 94 mercearias de

vinhos e legumes.193 A afirmação de uma economia local pautada pelos pequenos

estabelecimentos é, segundo o autor, ainda mais vincada quando olhando para a mesma fonte,

nos mesmos anos, apenas 40 dos 752 estabelecimentos declaram valer mais de 50 000

escudos, sendo que 347 declaram entre 1000 e 5000 escudos, e 269 entre 250 e 1000

escudos.194

Apesar da década de 1920 permitir uma melhor análise desta realidade, por ser o

período em que ela conhece uma maior afirmação, a tendência para grande proliferação de

pequenos estabelecimentos de cariz comercial, ainda que englobem igualmente a vertente

produtiva, vinha já sendo desenvolvida desde o início do século XX, quando o bairro viu

sendo diminuída a sua vertente periférica em relação a Lisboa, ao mesmo tempo que viu

nascer uma economia própria de um espaço que conhecia já uma grande densidade de

urbanização.

Esta realidade, dum local que vê emergir em si as funções comerciais e de prestação

de serviços, está patente, a título de exemplo, nos Livros de Licenças para Estabelecimentos,

190 Vidal, Frédéric, ob.cit.. p. 78 191 Este imposto municipal foi fixado em 1918 e centra-se sobre o valor das instalações de comércio e de indústria presentes na cidade e, em 1921, existiam cinco taxas de imposto, de 10 % a 18 %, em função do seu valor, sendo o imposto pago semestralmente. Veja-se, para uma melhor conhecimento, Vidal, Frédéric, ob.cit.. pp. 76-77. 192 idem, ibidem, p. 79. 193 idem, ibidem, p. 79. 194 idem, ibidem, p. 79

92

Indústria e Ocupação da Via pública,195 presentes nos Arquivos Municipais da CML. Apesar

de não permitirem um conhecimento completo da forma como as fábricas, as pequenas

oficinas e as lojas se encontravam distribuídas pelas diversas ruas de Alcântara, constituem

uma fonte incontornável no sentido de uma melhor apreensão dessa mesma distribuição.

Através da análise desse novo arranjo do tecido económico, olhando para uma das principais

vias do bairro, a Rua das Fontainhas, entre o início do século, e o germinar da Grande Guerra,

percebe-se como a própria evolução demo-urbanística impulsionou uma economia local na

qual se assistiu à emergência da pequena loja/oficina. O processo de industrialização iniciado

desde meados do século XIX, como vimos, funcionou, desta forma, como arrastamento para

um grande número de actividades subsidiárias das várias fábricas de maiores dimensões

criadas no bairro, nesse período. Assim, desde o início do século XX encontramos a

emergência de duas realidades distintas que pautaram a economia do bairro.

Tabela 2

Estabelecimentos Registados na Rua das Fontainhas (1902-1913)

Fonte: Licenças para Estabelecimentos, Indústria e Ocupação da Via Pública, Lisboa: Arquivo do Arco do Cego, 1900-1917.

Evoluíram, por um lado, as fábricas de maior dimensão, pautadas pela lógica de

localização e de funcionamento que sublinhamos anteriormente. Esta era a dinâmica que,

como temos vindo a referir, caracterizou a economia de Alcântara até pelo menos aos

195 Licenças para Estabelecimentos, Indústria e Ocupação da Via Pública. Lisboa: Arquivo do Arco do Cego, 1900-1917.

1902-1907 1908-1913

carpintaria carpinteiro fundição de ferro carpinteiro fábrica de massas venda de vinho

oficina de carruagens venda de carvão fábrica mecânica carpinteiro

ferro velho ferreiro canastreiro fundição de ferro

fábrica de ladrilhos fábrica de parafusos canastreiro fábrica de ladrilhos carpinteiro

ferreiro carpinteiro

fábrica de torrefacção de café

93

primeiros anos do século XX. Paralelamente a este modelo, e dele subsidiário, emergiu uma

economia local, no sentido mais restrito do termo, na qual um conjunto de lojas/oficinas

produziam, essencialmente, para a população de Alcântara.

Obviamente que, num primeiro momento e até ao início do século XX, a

industrialização foi o grande factor que permitiu o desenvolvimento de uma lógica económica

mais complexa. Mas agora, depois dos anos 20, não só esta nova realidade da vida económica

de Alcântara não estava tão dependente dos factores que permitiram a fixação anterior de

fábricas modernas, como terá funcionado possivelmente, como temos vindo a referir, como

um entrave à fixação de novas unidades de médias e grandes dimensões, cerceando muitas

das vantagens que o bairro apresentara, mormente, a oferta de espaço.

A Alcântara que encontramos no início do século XX, já plenamente integrada em

Lisboa, conhecia assim também o mesmo processo de desindustrialização que marcou muitas

das zonas que conheceram um assentamento industrial pioneiro, em diversas cidades

europeias, sobretudo quando essas áreas, que eram periféricas aquando do início do seu

desenvolvimento industrial, foram engolidas pelo próprio desenvolvimento urbanístico das

cidades que ajudaram a desenvolver, um fenómeno que levou à mudança de muitas unidades

para locais ainda mais periféricos e à extinção de muitas outras.

Retomando o exemplo de Barcelona, o processo de desindustrialização, aí ocorrido, e

efectuado do centro para as periferias da cidade, é apresentado por Jordi Nadal como um dos

factores que transformaram Sant Martí, em meados do século XIX, num dos principais bairros

industriais de Barcelona, absorvendo as unidades que não cabiam já no saturado centro

amuralhado da cidade que se apresentava limitado espacialmente para acolher as diversas

fábricas que iam sendo criadas. Exemplificando, Nadal analisa o processo de

descongestionamento e expansão industrial de Barcelona196 recorrendo à comparação da

concentração industrial, no centro da cidade, conforme ela ocorreu em 1861 e em 1904. Este

processo resulta, sinteticamente, no grande abandono do centro pelas grandes unidades dos

sectores dominantes em 1861 – o têxtil, a metalúrgica, o sector químico, entre outros –

emergindo, em seu lugar, de estabelecimentos virados para a produção de materiais de

construção e produtos alimentares, globalmente de menores dimensões.

À semelhança do que ocorre em Alcântara, os primeiros anos do século XX são

caracterizados, em Sant Marti, pela maior afirmação de sectores menos modernos, como os

196 Nadal, Jordei e Tafunell, Xavier, ob.cit. p. 119.

94

curtumes ou os estabelecimentos direccionados para a construção, entre outros, que

utilizavam apenas 6,5 % da energia total usada na cidade. Constituíram, no entanto, 20% do

total das empresas, em 1904. Entre 1904 e 1933 passaram, inclusive, de 142 para 360

unidades.197 Este crescimento deve-se, segundo o autor, ao aprofundamento do processo de

industrialização, da qual deriva a necessidade das maiores unidades pelos produtos que estes

estabelecimentos produziam, e do impulso da urbanização que, em conjunto, promoveram a

diversificação produtiva.198

Nesta perspectiva, e voltando à realidade de Alcântara, o surto ocorrido entre 1919 e

1921 terá constituindo, também ele, mais um elemento impulsionador do fomento de

pequenas unidades intensificando-se, ao que tudo indica, um certo declínio de muitos dos

grandes estabelecimentos de formação mais antiga. Este cenário terá sido ainda mais vincado

quando, ainda no ano de 1921, despoletou uma crise internacional que afectaria sobretudo,

alguns dos ramos do bairro que conheciam, tradicionalmente, alguns dos estabelecimentos

maiores, como os têxteis e a metalurgia.199

2.2. 1922-1926: O tecido produtivo de Alcântara num contexto de crise da indústria

nacional

Em 1922, terminada a crise, a indústria nacional continuou a beneficiar de uma ainda

mais acentuada desvalorização do escudo, que lhe permitia dominar o mercado nacional e

alguma afirmação no mercado externo.200

O ano de 1923 seria já, todavia, pautado por uma diferente realidade, com a indústria

nacional a confrontar-se com a falta de crédito, com o aumento do proteccionismo em vários

países europeus - que lhe dificulta a exportação dos seus produtos - e com a diminuição da

capacidade de absorção do mercado interno, uma situação potencializada pela queda do poder

de compra e pelo aumento dos produtos agrícolas.201 Como sublinha António José Telo, «em

fins de 1923 o modelo de crescimento industrial baseado na inflação parecia ter atingido os

197 idem, ibidem, p 119. 198 idem, ibidem, p. 201. 199 Telo, António José - “A Busca Frustrada do Desenvolvimento”, ob.cit.. p. 154. 200 idem ibidem, p. 158. 201 idem ibidem, p. 159.

95

seus limites: a grande desvalorização do escudo era acompanhada por uma retracção do

mercado, e não a um alargamento, como sucedeu até aí».202

A mudança da política económica não favorece, contudo, o tecido industrial nacional.

Em finais de 1923 surge o primeiro governo conservador que inaugura um novo sentido da

política económica, definindo agora, como principal objectivo o «saneamento financeiro».203

Esta política de equilíbrio orçamental inaugura, para a indústria, uma «crise profunda e

duradoura» dirigida pela crise colonial, pela retracção dos mercados externos pautados agora

por um crescente proteccionismo e, finalmente, pela valorização do escudo que vem castrar a

principal vantagem competitiva dos produtos fabricados em Portugal, o seu baixo valor.204

Na globalidade, e face às dificuldades que a indústria de Alcântara conhecia, o início

do século XX e, sobretudo, os anos 20, constituem, para Alcântara um importante período de

mutação do seu tecido produtivo, com o bairro a assistir ao declínio de muitas das unidades

que estavam aí instaladas e, simultaneamente, à emergência de novas unidades. Na verdade,

quando comparados com os anos que se seguiram à Grande Guerra, a crise sentida pela

indústria depois de 1922 parece ter sido mais dura com os estabelecimentos mais antigos de

Alcântara.

Como referimos, uma das características destes anos foi o desaparecimento de muitas

das maiores e mais antigas fábricas do bairro. Vejamos agora alguns desses exemplos. Umas

das unidades que se encontrava em grandes dificuldades era a fábrica impulsionada pelo

Conde de Burnay, a Empresa Industrial Portuguesa, aquela que tinha sido uma das mais

modernas. Este estabelecimento tinha sido mesmo a primeira fábrica portuguesa a produzir

aço através de um convertidor do tipo de Bessemer, no ano de 1905, depois de ter recorrido à

ajuda de um técnico alemão, de nome Roeder. A empresa continuou a crescer nos anos

seguintes. Em 1911 contava com cerca de 200 operários nas suas oficinas de fundição, usando

225 CV, enquanto em 1882 usara 32 CV.205 Saiu beneficiada do período da Grande Guerra,

ao fornecer ferro, aço e armamento para os exércitos participantes na guerra,206 conhecendo aí

o seu momento dourado. Seria integrada, no início dos anos 20, num grupo liderado pela

Companhia União Metalúrgica, através de um processo de concentração industrial horizontal.

202 idem ibidem, p. 159. 203 idem ibidem, p. 161. 204 idem ibidem, p. 163. 205 Custódio, Jorge - “Empresa Industrial Portuguesa”, ob.cit.. pp. 334-335 206 idem, ibidem, p.335.

96

O pós-guerra apresentou-se, todavia, doloroso para a companhia e, em 1924, acabaria por

encerrar as suas instalações em Santo amaro.207

Já a CUF conhecia uma situação diferente. Como vimos, iniciara no início do século

XX um processo de desinstalação de Alcântara que durará quase até final de novecentos.

Depois de 1909 deixou, em Santo Amaro, uma unidade que se dedicava ao sector têxtil.

Permaneceu também, no Largo das Fontainhas, uma unidade que produzia de óleo de

amendoim. Trata-se de uma actividade que será também transferida para o Barreiro, em 1934,

porque o desenvolvimento deste produto torna impossível a sua conservação no espaço

diminuto da fábrica do Largo das Fontainhas, segundo a justificação da própria CUF.208 Na

globalidade, depois de 1909, e durante grande parte do século XX, o desmembramento da

empresa, no bairro, decorre de forma progressiva. Isto apesar de, em 1915, o grupo ter

colocado em funcionamento uma nova central para gerar energia, e, em 1937, ter dado início

à reconstrução da fábrica de óleo nas Fontainhas.

As grandes companhias do sector têxtil são também elas grandemente afectadas. A

Companhia de Fiação e Tecidos de Santo Amaro, depois de se encontrar em plena actividade,

até ao início da I.ª República, entra aí num processo de lenta agonia. Em 1917, estando ainda

em funcionamento, encontra-se já em grandes dificuldades. Em 1920 ocorre, inclusive, o seu

desmoronamento, passando os seus edifícios, em Santo Amaro, para a indústria Portugal e

Colónias.209

Na mesma situação de declínio encontramos a Companhia Lisbonense de Estamparia

e Tinturaria de Algodões, uma unidade que encontraremos, em meados do século XX, a

pertencer à Sociedade Têxtil do Sul, Lda.210, designando-se aí Fábrica da Cabrinha, fruto de

se localizar no bairro da Cabrinha.

Já a Bernardo Daupias & C.ª conhecera uma desestruturação mais precoce. O início

do século XX encontra a empresa numa grave situação. Depois da morte do conde de

Daupiás, em 1900, dá-se o encerramento definitivo, embora o desmembramento ocorra de

forma progressiva. O seu vasto espaço ficou dividido entre uma oficina de automóveis e,

207 Vidal, Frédéric, ob.cit.. p. 75. 208 Álbum Comemorativo da Companhia União Fabril. Lisboa: CUF, 1945. 209 Custódio, Jorge - “Fábrica de Fiação e Tecidos de Algodão em Santo Amaro”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, pp. 376-378. 210Custodio, Jorge - “Fábrica da Cabrinha (em Alcântara)”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p. 372.

97

possivelmente, pela Sena Sugar.211 Numa terceira parcela de terreno nasceu a fábrica Perez,

Ferreira & C.ª, Lda., criada por antigos operários da firma M. Carp, depois de terem

adquirido os terrenos, em 1908.212

Percebe-se assim que, ao contrário do que se encontra espelhado no Anuário

Comercial de 1917, estejam ausentes das páginas do Anuário de 1926213 muitas das antigas

fábricas que pautavam o revelo de Alcântara. Referimo-nos, sobretudo, às grandes unidades

que se dedicavam à indústria têxtil, mormente as companhias de fiação e as estamparias de

maior dimensão. Emergem, em contrapartida, alguns estabelecimentos que já mereciam um

especial destaque no volume de 1917, como a fábrica que se dedicava à produção de tecidos

de lã, de Perez, Ferreira & C.ª, que já referimos, ou a Companhia Portuguesa de Algodões,

localizada em Vila Pouca, mantendo também uma unidade de produção em Rio de Mouro.

Os anos 20 não significam, assim, um absoluto abandono de fábricas de maior

dimensão do espaço e Alcântara. Opõe-se à ideia de uma decadência absoluta do tecido

industrial as diversas unidades cujos sectores não abraçavam, de uma perspectiva global,

estabelecimentos de maior dimensão, ou aqueles que procederam a um progressiva variedade

da sua produção, afirmando-se os que fabricavam produtos que estavam mais de acordo com

as exigências mutáveis de um mercado de consumo em muito esculpido pela demanda de uma

nova e crescente população urbana de Lisboa. É esse o fenómeno que ocorre nas

metalúrgicas, onde se assiste à permanência de muitas unidades fundadas há várias décadas

atrás, mas que souberam direccionar a sua produção conforme as exigências das diversas

conjunturas. É o caso, sublinhe-se novamente, da Sociéte Générale Métallurgique, na 24 de

Julho. Gerida por Ferdinand Viaud, especializou-se no fabrico de chaves para latas de

conservas, aproveitando o impulso que a guerra deu às conserveiras. Mantêm-se igualmente

em funcionamento outras unidades de criação mais antiga, como a H. Parry & Son, Lda., na

Rua 24 de Julho, a Parceria de Vapores Lisbonense, além da Vulcano & Collares, que

conhece um processo de reestruturação nestes anos, como já referimos, e que produz agora

instalações frigoríficas, material agrícola, prensas de vinho e azeite, vigas, colunas, portões,

reparações em automóveis, motores a gás pobre, máquinas a vapor, máquinas para

211 Custódio, Jorge - “Daupiás (Palácio e Fábrica)”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, pp. 329-378. 212 idem, ibidem, pp. 329-378. 212 idem, ibidem, pp. 329-378 213 Anuário Commercial de Portugal Ilhas e Ultramar. Caldeira, Pires (Coord.). Lisboa, 1926.

98

refrigerantes, etc., além da L. Dargent, que se mantém, em laboração na Travessa do Conde

da Ponte.

Mais no interior do bairro fixavam-se algumas unidades de formação mais recente,

como a J. B. Cardoso, localizada em frente à Carris, a Sociedade de Construções Metálicas,

na Rua Luís de Camões, e a Empresa Mecânica, Lda., no Largo das Fontainhas, esta mais

vocacionada para construir válvulas para torneiras e prensas hidráulicas. Era vizinha da

Promitente, Lda., uma serralharia civil que produzia moldes, máquinas para cerâmicas,

conservas e elevadores, e da unidade de Eduardo Gomes Cardoso, que se dedicava à

construção de geradores de gás, de bombas semi-centrifugas, de bancadas, entre outros

produtos.

Outro sector igualmente a manter uma importante vitalidade e que, à semelhança do

sector metalúrgico, é também ele preenchido por unidades de dimensão bastante menor que as

fábricas têxteis que dominaram o bairro, é o da alimentação. Continuam a compô-lo as

unidades ligadas à moagem, como a Companhia Comercial e Industrial Portuguesa, com a

fábrica de bolachas na Pampulha que tinha sido fundada por Eduardo Costa, a Fábrica de

Moagem Esperança, na Rua 24 de Julho, e a fábrica de chocolates “Suiça”, na Rua do Cais da

Alfandega Velha. Laboravam, igualmente, como a já referida “Napolitana”, a fábrica de

fermentos e gelo da Companhia de Portugal e Colónias, na Rua da Cozinha Económica, a

Companhia Frigorífica Portuguesa e a fábrica de gelo Pólo. Refira-se ainda as unidades que

se dedicavam à refinação de açúcar, na Av. Da Índia. Os anos 20 viram ainda nascer um

conjunto de estabelecimentos que caracterizariam o bairro durante uma grande parte do século

XX, como a Sociedade Industrial Aliança, uma fábrica direccionada para a produção de

doces, e a Fábrica de Chocolates Regina, na Rua Sá de Miranda.

A mutação do tecido produtivo do bairro beneficia muitas das unidades que tinham

nascido sob o impulso do surto de construção que pautou Lisboa desde meados do século,

como a António Moreira Rato & Filhos, a Goarmon & C.ª, e a Empresa Cerâmica de Lisboa,

com a sua fábrica instalada na Rua Saraiva de Carvalho.

Refira-se, por último, a Companhia Industrial Portuguesa, que conhecendo uma

manifesta difusão geográfica das suas unidades, possuía uma fábrica em Alcântara, para além

daquelas que detinha na Póvoa de Santa Iria e na Marinha Grande para a produção de super

fosfato de cálcio, carbonato de soda, sulfatos de soda e ferro, além does vidros e dos cristais.

99

2.3. Um tecido produtivo renascido

Globalmente, e à semelhança do que acontecera em Barcelona, o período que medeia

entre a instauração da I.ª República e o início dos anos 30 é caracterizado, quando analisamos

o tecido produtivo de Alcântara, por uma mutação consideravelmente profunda do seu tecido

produtivo da qual emergem, como factores mais visíveis, a decomposição das grandes

unidades surgidas depois de meados do século XIX, assistindo-se, consequentemente, à

diminuição, em importância, dos sectores mais antigos do bairro, mormente, o têxtil. Uma

segunda consequência desta mutação é a maior afirmação progressiva de um conjunto de

sectores, como o da construção e o da alimentação, culminando um processo que se iniciara

ainda antes da viragem do século. A principal consequência desta transformação é o quase

desaparecimento de unidades de grandes dimensões, sobretudo no que reporta ao número de

operários que empregavam, gerando a ideia de decadência globalidade do tecido industrial do

bairro depois da década de 30.

Apesar desta realidade, os anos 20 não devem ser encarados como o declínio

definitivo do tecido produtivo industrial de Alcântara, mas sim como o período de um certo

encerramento do fomento industrial iniciado em meados do século XIX, com as

características que lhe são inerentes, e a emergência de uma nova realidade.

De facto, a década de 30 encontra Alcântara ainda tingida por várias unidades de uma

dimensão que importa assinalar. Esta realidade percebe-se, a título de exemplo, nos diversos

estudos efectuados para a elaboração do Plano de Groer214 nos quais se procedeu à

elaboração da «relação das fábricas e oficinas mais importantes das principais indústrias

existentes na cidade de Lisboa.»215 Tendo o plano sido publicado em 1938, o seu conteúdo

apresenta um conjunto de estudos que foram sendo elaborados desde o início da década de 30

sendo, de certa forma, e ainda que despido de alguma precisão ao nível do levantamento

industrial, um importante documento para se perceber a dimensão de algumas fábricas da

cidade, a década de 30. Na zona de Alcântara, e nas suas imediações, havia cerca de 20

estabelecimentos de dimensão assinalável. Na Rua da Junqueira, perto da Ponte Nova,

214 O Plano de Groer foi estruturado entre 1938 e 1943 quando Duarte Pacheco chama o urbanista Etienne de Gröer para elaboar o Plano Geral de urbanização e Expansão de Lisboa. Veja-se, sobre este plano, “Urbanismo”. in Dicionário de História de Portugal, Vol. IX. Barreto, António e Mónica, Maria Filomena (Coord.), Porto: Figueirinhas, 2000. 215 Plano De Groer. Elementos para o estudo do plano de urbanização da cidade de Lisboa (Elaborado pelo Engenheiro civil António Emídio Abrantes). Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa (Direcção dos Serviços de Urbanização e Obras, 1938.

100

localizava-se a Sociedade Industrial de Calcários, Lda., que ocupava 16 operários e tinha 16

CV de potência, que se dedicavam à extracção de cal. Já na Rua da Praia da Junqueira

localizava-se a Percy Ellis, de assentamento mais antigo, que produzia rolhas de cortiça, e que

dava trabalho a 149 operários.

A Empresa Progresso Industrial mantinha-se em funcionamento, com uma fábrica na

Av. 24 de Julho, na freguesia de Santos, com 155 operários e 245 CV. Dedicava-se a fabricar

parafusos, arame farpado, entre outros produtos, enquanto na Rua das Fontainhas ocupava 88

homens e usava 146 CV para fabricar parafusos, porcas, rebites, etc. Tendo igualmente

sobrevivido aos anos 20, a L. Dargent & Lda, que nos tem acompanhado nesta exposição.

mantinha-se a fabricar caldeiras, enquanto a Sociedade Portuguesa de Construções Metálicas,

Lda., na Rua Luís de Camões, mantinha 158 homens e usava 92 CV. Na Rua do Arco do

Carvalhão, na freguesia de Santa Isabel, tinha-se instalado a Sociedade de Parafusos

Florescente, que fabricava parafusos, recorrendo a 73 operários e a 255 CV de energia. De

destacar ainda, nas metalúrgicas, a fábrica de Progresso Mecânico, de F. José Simões, Lda., e

uma unidade localizada na Rua João de Lemos, em Alcântara, que ocupava 86 operários e 42

CV para produzir alfinetes, agulhas, ganchos para os cabelos, entre outros produtos. Também

a produzir agulhas laborava, na Rua Rodrigues de faria, a Manufactura Portuguesa de

Agulhas, Lda., com 66 operários e 17 CV.

Tabela 3

Principais estabelecimentos em Alcântara na década de 1930

Estabelecimento Morada Operários CV

Sociedade Industrial de Calcários, Ltd Largo da P. Nova 16 25 Empresa Progresso Industrial Av 24 de Julho 155 245 Empresa Progresso Industrial Rua das Fontainhas 88 146 L. Dargent & Lda Tv. Do Conde da Ponte 169 270 Indústria Social, Lda Av 24 de Julho 58 41 Sociedade Portuguesa de Construções Mecânicas, Lda

Rua da Junqueira 97 57

Sociedade de Construções Metálicas, Lda Rua Luís de Camões 158 92 Companhia Decoradora Predial Rua da Junqueira 34 2.5 Sociedade de Parafusos Florecente Rua do Arco do Carvalhão 73 255 Serafim Ramos, Lda. Rua do Cais ao Tojo 27 165 Empreza Cerâmica de Lisboa Rua de Tomaz daAnunciação 134 164 Viúva de José da Silva Pinto, Ltd. Rua de Vieira da Silva 9 23 Agência Portugueza da Sociedade L’Air Liquide Rua da Junqueira 69 249 Companhia União Fabril Largo das Fontainhas 1038 1842 Companhia União Fabril Rua de Cascais 39 7 Companhia União Fabril Av. 24 de Julho 466 133 M. Carp, Lda. Rua de Bartolomeu Dias 399 441

101

Perez, Ferreira & C.ª, Rua da Cozinha Económica 233 128 Adelino Alves Ferreira Rua da Junqueira 10 43 M. Pires Nogueira Rampa dos Marinheiros 24 40 Perey Ellis Rua da Praia da Junqueira 149 34 Fábrica Progresso Mecânico Rua de João de Lemos 86 42 Manufactura Portuguesa de Agulhas, Ltd. Rua de Rodrigues Faria 66 17 Companhia Portuguesa de Alpargatas, Ltd. Rua dos Lusíadas 52 55 Serviços Industriais da Câmara municipal de Lisboa

Av 24 de Julho 558 228

Companhia Carris de Ferro de Lisboa Rua 1.º de Maio 667 490 Cordoaria Nacional Rua da Junqueira 137 2929

Fonte: Plano De Groer. Elementos para o estudo do plano de urbanização da cidade de Lisboa (Elaborado pelo Engenheiro civil António Emídio Abrantes). Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa (Direcção dos Serviços de Urbanização e Obras), 1938.

Nas cerâmicas mantinha-se em actividade, na mesma freguesia, a Empresa Cerâmica

de Lisboa, que dava agora emprego a 134 operários e empregava 164 CV de energia. Já na

Rua Vieira da Silva, no interior da freguesia de Alcântara, mas de menor dimensão, estava

localizada a unidade da Viúva de José da Silva Pinto, Lda., enquadrando 23 CV e 9 operários

no tratamento de gesso.

Não obstante ter vindo a perder importância no bairro, a CUF continuava a

apresentar-se, naturalmente, como a mais importante empresa aí instalada, laborando em três

núcleos industriais. Na antiga Rua de Cascais mantinha em funcionamento a sua fábrica de

sabão, enquanto no Largo das Fontainhas produzia óleos e sabões, recorrendo a 1 038

operários e a 1 842 CV. Já na Av. 24 de Julho a sua fábrica ocupava 466 operários que

usavam 133 CV de energia, quer para produzir velas, quer nas oficinas metalúrgicas. Já na

Rocha Conde de Óbidos a CUF instalara as suas oficinas metalúrgicas e de construções

navais, que ocupavam 328 homens, fazendo uso de 183 CV.

Nos têxteis o Plano refere a continuidade da existência da unidade de fiação e

tecelagem de lã de Perez, Ferreira & C.ª, instalada na Rua da Cozinha Económica, com 233

operários e 128 CV.

No bairro mantinham-se, igualmente, alguns estabelecimentos que preenchiam

sectores de longa instalação, como as fábricas de pólvora. Era esse o caso da oficina de

Francisco Fernandes Oliveira, no Casal da Pimenteira. De sublinhar, também, a permanência

de diversas unidades de curtumes, como a de José Augusto Tavares, em Vila Pouca. Já na

Rampa dos Marinheiros estava uma marcenaria, de M. Pires Nogueira, com 24 braços e 40

CV para fabricar móveis, enquanto na Rua dos Lusíadas estava a Companhia Portuguesa de

Alpercatas, Lda., com 52 operários e 55 CV.

102

Alcântara conhecia ainda, nesta década, a presença dos Serviços Industriais da CML,

na Av. 24 de Julho, que ocupavam cerca de 550 operários, além de outras empresas, como a

Carris, com 667 operários, ou a Cordoaria Nacional, na Rua da Junqueira, com 137

trabalhadores.

O Plano de Groer não abrangerá, ainda assim, todas as unidades de média e de grande

dimensão que continuavam instaladas no bairro. Ainda assim, e através da sua análise,

percebe-se que, nos anos de 1930 Alcântara continuava a ser, no contexto de Lisboa, um dos

locais que conhecia uma maior concentração industrial, ainda que, como referimos,

estivessem já ausentes as grandes unidades fabris que tinham marcado o bairro nas décadas

anteriores.

Desta forma, o grande bairro industrial de Lisboa da segunda metade do século XIX

dá lugar a um espaço onde predominam, lado a lado, as já não tão dominantes instalações

fabris, diminuídas na importância que tiveram na economia local de Alcântara, com o grande

número de estabelecimentos que se dedicavam à actividade comercial e aos serviços, ou,

simplesmente, à permanência de uma grande quantidade de armazéns que davam apoio a toda

a actividade portuária.

103

Conclusão

Entre meados do século XIX e as três primeiras décadas do século XX Alcântara

conheceu um acentuado crescimento do seu tecido produtivo que a levaram a afirmar-se como

o grande bairro industrial de Lisboa. Que conclusões podem ser retiradas da análise deste

processo de desenvolvimento industrial?

Um factor que importa sublinhar, como primeira nota conclusiva, foi a importância do

bairro reunir no seu espaço um conjunto de características únicas que redundaram numa

grande capacidade para atrair os diversos estabelecimentos que se iam criando na cidade. A

análise mais cuidada dessas vantagens indica, no entanto, que os diversos elementos pelos

quais as diversas unidades se instalaram no bairro devem ser considerados tendo em conta, de

uma perspectiva global, dois períodos ao longo do espaço cronológico que estamos a estudar.

Importa perceber assim, primeiramente, as vantagens existentes no bairro entre 1840,

quando a industrialização de Lisboa se torna mais efectiva, e 1890, quando a capacidade

transformadora do processo de industrialização promoveu uma acentuada urbanização do

bairro. Na verdade, em meados do século XIX a cidade conheceu um importante crescimento

do tecido produtivo, em função do impulso político, que resultou na chegada ao País das

inovações técnicas e de organização do trabalho que a Revolução Industrial já proporcionava

nas regiões europeias mais desenvolvidas. Este desenvolvimento industrial ocorre numa altura

em que o centro da capital do País esgotara a capacidade para absorver estabelecimentos de

médias e grandes dimensões. À semelhança do que acontecia em diversas cidades europeias,

as zonas periféricas ganharam uma singular importância transformando-se em locais naturais

para a instalação de muitas dessas unidades. Alcântara era, nesse período, um espaço marginal

a Lisboa. Mas não era único nessas condições. A cidade conhecia um espaço vasto nos seus

limites que concorriam com o bairro pela fixação de unidades industriais. Apresentou-se

assim de singular importância as vantagens exclusivas do seu espaço.

Em primeiro lugar a presença dos recursos naturais. Destacava-se a riqueza dos seus

solos calcários. Este factor originou que se tenha instalado um conjunto de actividades de

perfil extractivo, como a produção de cal, que laboravam no bairro desde, pelo menos, o

Terramoto de 1755. Já durante as primeiras décadas do século XIX Alcântara vai beneficiar

da existência abundante de água no seu espaço fornecida, em grande parte, pela Ribeira de

Alcântara, para atrair pequenas oficinas que se dedicavam à estamparia e aos curtumes. A

constituição deste tecido produtivo de perfil pré-industrial e manufactureiro até à década de

1830 reveste-se de grande importância por dois motivos. Permitiu que o bairro de afirmasse

104

como espaço de trabalho e fosse considerado como um local natural para a instalação de

diversas actividades transformadoras. No mesmo sentido, a presença destas unidades acaba

por atrair, por si só, diversos outros estabelecimentos quando, em meados do século, ocorre

um aumento no número estabelecimentos criados.

Já no período que medeia entre a década de 1870 e o final do século XIX Alcântara

conhece o desenvolvimento de várias infra-estruturas da qual o Porto de Lisboa é o exemplo

mais importante. O porto vem valorizar o espaço do bairro ao permitir um acesso mais fácil a

matérias-primas, a energia e aos mercados coloniais que absorviam uma parte importante da

produção das unidades mais desenvolvidas. Sublinhava assim um terceiro elemento decisivo

para o desenvolvimento industrial de Alcântara, até 1890, a existência abundante de terrenos

disponíveis para a fixação industrial num local nobre do ponto de vista das unidades que

procuravam um local para se instalarem. Importa destacar, igualmente, a abertura de diversas

vias e a implantação do caminho-de-ferro, dois elementos que permitiram uma mais próxima

ligação de Alcântara a Lisboa e ao restante País.

Sublinhe-se que ao contrário dos factores naturais, a emergência destas estruturas é

impulsionada, em grande medida, pelo seu próprio desenvolvimento industrial que depois da

década de 1870 se tornara mais evidente. Acresce a estas vantagens o facto da

industrialização portuguesa ter conhecido uma conjuntura muito positiva, nessa data. De

sublinhar também o facto do bairro se localizar na zona de Lisboa que conhecia um maior

desenvolvimento industrial. Sublinhe-se, igualmente, o beneficio que retira da sua

proximidade ao importante mercado que constituía a capital nesse período. Estes são os anos,

por sua vez, em que o desenvolvimento do tecido produtivo de Lisboa funcionava como o

principal factor de atracção para os diversos fluxos migratórios que afluíam à cidade,

instalando-se nos locais mais dinâmicos da capital.

Mas o crescimento demográfico de Lisboa e o desenvolvimento urbanístico do bairro

que potencializa embora seja decorrente do processo de industrialização que ocorria há

algumas décadas apresenta, todavia, uma face menos estimulante para a fixação de novas

unidades. O cerrar da malha urbana resulta, desta forma, numa diminuição das vantagens do

bairro traduzida, essencialmente, na diminuição do espaço oferecido. Este factor vem limitar,

nas primeiras décadas do século XX, a capacidade de Alcântara atrair fábricas de médias e

grandes dimensões. No mesmo sentido, este crescimento demo-urbanístico e a consequente

maior integração na cidade de Lisboa faz emergir uma economia direccionada para o

consumo local. Proliferaram desta forma, no bairro, diversas actividades pautadas por um

105

número significativo de pequenas oficinas preocupas apenas em satisfazer as necessidade de

consumo no próprio bairro.

Em 1840 Alcântara é assim manifestamente diferente do espaço que encontramos na

primeira década do século XX. Desta forma, importa ter em conta que os factores de atracção

que tiveram um papel decisivo para a formação do tecido produtivo, conhecem uma

acentuada mutabilidade ao longo do período que estamos a estudar. Este facto ganha um

maior significado se percebermos que esta transformação contribuirá de forma decisiva para

as diferentes fases que pautaram a industrialização do bairro.

Uma segunda nota conclusiva prende-se, precisamente, com a forma como foi gerada

e evoluiu essa industrialização. Durante o espaço cronológico que pautou a nossa analise

Alcântara conheceu diferentes etapas onde da relação de interdependência entre a fixação de

unidades industriais e a sua evolução urbanística resultaram quatro períodos distintos de

industrialização.

O momentos inaugural ocorre entre a década de 1840 e 1870. Os anos 40 vêem surgir

os primeiros estabelecimentos de cariz moderno localizados no bairro. Este desenvolvimento

e promovido pelo sector têxtil. Não tendo ainda a dimensão do crescimento conhecido depois

de 1870, a sua importância advém, por um lado, de ter sido neste período que se inaugurou

uma tipologia de desenvolvimento industrial que perduraria durante as décadas seguintes, e

que pode ser caracterizado pela fixação no bairro de unidades de médias e de grandes

dimensões que recorriam a maquinaria moderna e que dependiam da proximidade ao Porto de

Lisboa para importarem a matéria-prima e a energia essencial ao seu funcionamento, e

exportarem, em alguns casos, uma parte importante da sua produção. Por outro lado, os

estabelecimentos instalados neste período foram decisivas para que nas duas décadas

seguintes tenham surgido um conjunto de actividades em muito subsidiária deste primeiro

desenvolvimento. O exemplo mais evidente advém das diversas unidades metalúrgicas, cujos

estabelecimentos mas importantes devem uma relevante parte do seu crescimento,

precisamente, às exigências de consumo fomentadas pelas unidades de maiores dimensões

que tinham sido criadas em 1840.

A introdução de um tecido produtivo moderno não se efectua, no entanto, através de

um processo de substituição das actividade de perfil pré-industrial e manufactureiro que

vinham laborando no bairro antes desta data. Uma das características mais vincadas de todo o

período que analisamos é, precisamente, a convivência de actividades próprias da I.ª

Revolução Industrial e aquelas de cariz mais moderno .

106

Entre 1870 e 1890 ocorre o tempo áureo da industrialização do bairro. À semelhança

da globalidade do País, Alcântara conhece agora um desenvolvimento industrial mais

acentuado, espelhado no significativo número de unidades de médias e grandes dimensões

que preenchem os diversos sectores industriais. O crescimento ocorrido nestas décadas

assentou, sobretudo, na afirmação dos sectores que vinham evoluindo desde meados do

século. Neste sentido, é sobretudo o têxtil e o sector metalúrgico que conhecem um maior

crescimento no número e na dimensão dos estabelecimentos em operários e em cavalos-

vapor. Decisivo terá sido o aumento significativo da procura de bens de origem industrial no

mercado nacional, uma realidade que era potencializada, sobretudo, pelo acentuado

desenvolvimento urbanístico que começara a pautar Lisboa.

O período compreendido entre 1890 e 1910 é pautado, precisamente, pelo crescimento

urbano de Lisboa e do próprio bairro. Deriva daí que os sectores que conheceram um maior

incremento foram aqueles que estavam virados para satisfazer as necessidades de uma cidade

em grande crescimento. O grande beneficiado desta fase é o sector alimentar, o qual vê

emergir um grande significativo de unidades de média dimensão. Destacavam-se, sobretudo,

as fábricas de moagem e as refinarias de açúcar. Há, naturalmente, mais factores que

concorreram para o estímulo desta actividade. Ela não teria ganho a dimensão que atingiu,

todavia, se não se tivesse formado um mercado capaz de absorver a sua produção. Igualmente

beneficiado foi o sector da construção. Quer as infra-estruturas criadas no bairro, quer as

diversas obras que resultaram da expansão da cidade possibilitaram a criação de diversos

estabelecimentos direccionados para a produção de ladrilhos, de canos, entre outros produtos.

Por outro lado, a evolução demográfica e urbanística da capital impulsionou também a

explosão de actividades industriais pautadas, globalmente, por unidades de pequenas

dimensões, como as carpintarias ou as fábricas de sapatos, a título de exemplo. Afirma-se

assim aquela que será, daqui para a frente, uma das principais características do bairro: uma

acentuada diversidade industrial.

O final da década de 1890 apresenta-se, desta forma, como um período de mudança na

tipologia do tecido produtivo do bairro. Doravante o bairro inaugura, em função do seu

desenvolvimento urbanístico, um período de uma certa estagnação. Esta nova realidade é

traduzida, sobretudo, no reduzido aparecimento de novas unidades de médias e grandes

dimensões e na explosão de pequenas e pouco modernas oficinas que estavam vocacionadas,

muitas vezes, para o consumo que ocorria no próprio bairro. A década de 1920 apresenta-se

como o culminar das dificuldades que começam a surgir na viragem do século e que são agora

107

potencializadas pelos novos desafios que o tecido produtivo de Alcântara enfrenta nesses

anos. A principal característica dos anos 20 é o desaparecimento do bairro de uma importante

parte dos grandes estabelecimentos que aí se instalaram desde 1840, fruto, sobretudo, da

diminuição das potencialidades de Alcântara como bairro predominantemente industrial.

Uma última conclusão, mas de igual importância, prende-se com a forma como terá

ocorrido a industrialização do bairro do ponto de vista da análise dos principais momentos de

fixação e desenvolvimento do seu tecido industrial. Partimos da constatação da existência de

um período de forte desenvolvimento industrial ocorrido no País na década de 1870. A análise

que efectuamos leva-nos a identificar o espaço decorrido entre essa década e o final do século

como aquele onde o desenvolvimento industrial foi, de facto, mais efectivo. Todavia, o estudo

dos principais momentos de fixação industrial no bairro permite-nos perceber a significativa

relação que existe entre os sectores que primeiro se instalaram e a evolução das actividades

posteriormente desenvolvidas. No mesmo sentido, identificamos uma linha de evolução do

tecido produtivo de Alcântara desde a década de 1840 que criou condições para o

desenvolvimento mais efectivo que decorreu depois da década de 1870. Somos levados assim

a avançar a possibilidade de um processo de industrialização no bairro mais lento e

progressivo do que aquele que é avançado para a globalidade da industrialização portuguesa

no período.

108

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Fontes

1.1. Arquivos e Fundos

Arquivo da Associação Industrial Portuguesa

Arquivo do Arco do Cego

Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa

Arquivo do Grupo de Amigos de Lisboa

Gabinete de Estudos Olisiponenses

Instituto Nacional de Estatística

Instituto Nacional Torre do Tombo

Fundo do Governo Civil de Lisboa

1.2. Fontes Manuscritas

Processo preliminar de licença para a fundação e por em laboração uma fábrica com duas machinas a vapor e fornos para fundição de ferro e bronze, estabelecida na Calçada da tapada. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900), Cx 2552.

Processo Preliminar de Licença para o Estabelecimento de uma Máchina a vapor na Fábrica de Fundição, sita na Rua do Assento. Estabelecimentos Insalubres e Visitas Sanitárias aos mesmos (G e H). IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorporação), Cx. 2539.

Processo administrativo para concessão de licença para montar uma máquina motor a vapor na fábrica de massas próxima do caneiro de Alcântara n.º2, freguesia de S. Pedro em Alcântara, Conselho de Belém. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1,ª incorp.) - Processos preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2553.

Processo preliminar de licença para o estabelecimento de uma fábrica de louça vidrada na Rua das Fontainhas, Freg.ª de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos de Licenças e Visitas Sanitárias (1890-1900), Cx. 2530.

Processo preliminar de licença para montar uma máchina a vapor da força de 6 cavallos numa fábrica de serração de madeiras cita na Rua do Assento, n.º1, Freg.ª de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2548.

109

Processo preliminar de licença para estabelecer, por transferência, na Rua do Cais d’Alfandega Velha, n.º63, Freg.ª de Belém, a fábrica de manteiga artificial que se achava na rua dos Arcos, a Alcântara, n.º28. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) – Processos preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2551.

Autos administrativos processados em virtude do decreto do decreto com força de lei de Vinte e Um de Outubro de mil oitocentos e sessenta e três a requerimento de José Rodrigues da Silveira, que requer licença para fundar uma pequena fábrica de curtumes n’um terreno faz parte da quinta dominada de Nova nos limites do lugar de Villa Pouca, freguesia de S. Pedro de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) – Processo de Pedidos de estabelecimentos (1888-1897), Cx. 1730.

Requerimento de Joaquim Nunes pedia para continuar a laborar na sua fábrica de calcinação de ossos. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) – Estabelecimentos Insalubres e Visitas Sanitárias aos mesmos: Processos Preliminares de Licenças, Cx. 2544.

Requerimento de José Severiano Pereira para continuação da laboração da sua fábrica de calcinação de ossos, no sítio do Arco do Carvalhão. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp) - Processo de Pedidos de Estabelecimentos (1888-1897), Cx. 1730.

Processo preliminar de licença para a fundação de um fábrica de guano na quinta do “Água Forte”, Freguesia de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) -Processos Preliminares de Licenças Para estabelecimentos (1865-1908), Cx. 2522.

Processo de licença para a fundação de uma fábrica de gesso na Rua Nova do Cais do Tojo, n.º50, freguesia de Santos-o-Velho. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) –Processos preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2560.

Requerimento de Pedro Santarém para continuar a laborar na sua fábrica de velas e sebo na Rua Direita de Santo Amaro, n.º72. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças Para estabelecimentos (1865-1908), CX. 2522.

Requerimento de Manuel António Garrido para continuar a laborar com uma fábrica de velas e sebo situada no Alto de Santo Amaro, n.º33. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), CX. 2553.

Processo preliminar de licença para a fundação de uma fábrica de pólvora no casal denominado de Pimenteira. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças Para Estabelecimentos, Cx. 2522.

110

Processo preliminar de licença para fundar e por em laboração uma fábrica de sabão Phenico situada na rua das Fontainhas n.º14. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças Para estabelecimentos (1865-1908), Cx. 2521.

Processo requerido por François Grangeon para licença para a fundação de uma fábrica de sabão em cru no pátio da galega, Freg.ª de S. Paulo, distrito do bairro de Alcântara. 3 Maio de 1866. Situa-se na Rua da Boa Vista, no Pátio da Galega. IANTT. Governo civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de obtenção de licenças para estabelecimentos, Cx. 2178.

Requerimento de Maria Vitória, sucessora de José Manuel da Cunha, para continuar a laborar com uma fábrica de calcinação de ossos, junto ao Arco do Carvalhão, freguesia de Sta.ª Isabel. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª Incorp.) - Processos Preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), CX. 2550.

Processo preliminar de licença para a fundação de uma fabrica de manipulação a picados, cigarros e charutos, sita na Rua Vasco da Gama n.º15, Freg.ª de Santos. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) – Processos Preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), CX. 2559.

Processo administrativo para concessão de licença para fundar uma fábrica de refinação de açúcar na Rua da Praia de Santos. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processo de Pedidos de Estabelecimentos (1888-1897), Cx. 1730.

Processo preliminar de licença requerida para a fundação d’uma fábrica de refinação de açúcar na Rua de Vieira da Silva, n.º12, freguesia de S. Pedro de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos de Licenças e Visitas Sanitárias (1890-1900), Cx. 2529.

Requerimento de Domingos Gomes Rocha Vianna Sucessores de D. Manuel Ruas e Comp.ª para continuar a laborar com a sua fábrica de gesso. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900) – CX. 2560.

Processo preliminar de licença para estabelecer, por transferência, na Rua do Cais d’Alfandega Velha, n.º63, freguesia de Belém, a fábrica de manteiga artificial que se achava na rua dos Arcos, a Alcântara, n.º28. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares para Licenças de Estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2553.

Processo preliminar de licença para a fundação de uma fábrica de Estamparia e Tinturaria de Algodão na Rua das Fontainhas n.º17, Freg.ª de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2547.

111

Processo preliminar de licença para fundar uma fábrica de estamparia e tinturaria d’algodões na Rua das Fontainhas n.ªs 67 a 71, Freg.ª de S. Pedro de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Estabelecimentos Insalubres e Visitas Sanitárias aos Mesmos, (G e H), Cx. 2539.

Processo preliminar de licença requerida para uma fábrica de chapéus de feltro e respectiva tinturaria no Largo da Senhora de Sant’Anna, Freg.ª de S. Pedro em Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares para licenças de estabelecimentos (1888-1900), Cx. 2548.

Processo preliminar de licença requerida para fundação de uma serralharia mecânica na Rua do Arco, n.º 40. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos preliminares de obtenção de licenças para estabelecimentos (1872-1908), Cx. caixa 2177.

Processo preliminar de licença para a fundação de uma serralharia mecânica movida a vapor sita na Travessa do Conde da Ponte, Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1.ª incorp.) - Processos Preliminares de obtenção de licenças para estabelecimentos (fábricas e lojas) (1873-1900), Cx. 2178.

Processo preliminar de licença para o estabelecimento d’uma fábrica de sebo na Calçada de Santo Amaro n.º62. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1,ª incorp.) - Processos Preliminares de Licenças Para estabelecimentos (1865-1908) (Caixas 2518-2523), Cx. 2522.

Processo preliminar de licença requerida para uma fábrica de sabão na Rua das Fontainhas n.º19 e 20, freg.ª de Alcântara. IANTT. Governo Civil de Lisboa (1,ª incorp.) - Processo Preliminar de Licença Requerida para uma Fábrica de Sabão na Rua das Fontainhas n.º19 e 20, CX. 2558.

1.3. Fontes Impressas

Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa. Lisboa, CML, 1870-1926.

Atlas da carta topográfica de Lisboa. Planta n.º 47 [material cartográfico] - Folque, Filipe (dir.). Lisboa, 1857

“A Fábrica de Bolachas a Santo Amaro”. Diário Illustrado. Lisboa, n.º 1552 (24 de Maio de 1877).

112

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ARAÚJO, Norberto e BARATA, Martins - Peregrinações em Lisboa. 3 vols., Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 1939.

BASTOS, António de Sousa, Lisboa Velha – sessenta anos de recordações (1850-1910). Lisboa: CML, 1947.

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CASTILHO, Júlio de - A Ribeira de Lisboa: Descripção histórica da margem do Tejo desde a Madre-de-Deus até Santos-o-Velho. Lisboa: Imprensa Nacional, 1893.

Catálogo da Exposição Nacional das Indústrias Fabris realizada na Avenida da Liberdade em 1888. Lisboa: Imprensa Nacional, 1889.

FINO, Gaspar Cândido da Graça Correia - Collecção de Legislação Industrial. Lisboa, 1893.

Inquérito Industrial de 1865. Actas das sessões da Comissão de Inquérito. Lisboa: Imprensa Nacional, 1865.

Inquérito Industrial de 1881: Inquérito Directo. Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria. Lisboa: Imprensa Nacional, 1881-1883.

Inquérito Industrial de 1890. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria – Direcção Geral do Comércio e Indústria. Lisboa: Imprensa Nacional, 1891.

Lisboa Antiga e Lisboa Moderna. Elementos históricos da sua evolução. Lisboa: Typographia da Gazeta de Lisboa, 1900.

LOUREIRO, Adolfo – Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes. Vol. III, Parte I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1906, p. 216.

Mapa sobre fábricas existentes até 1933. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, 1933.

113

MOURA, João Lopes Correia de - Direito Industrial Português Sistematizado. Lisboa, 1858.

“O Vale de Alcântara e a nova Avenida de Ceuta”. Arquivo Nacional, N.º44 (1932), pp.14-15.

Pedidos entregues aos governos civis para a instalação de fábricas, 1852-1885, Lisboa: Ministério das Obras Públicas, 1852-1885.

Plano De Groer. Elementos para o estudo do plano de urbanização da cidade de Lisboa (Elaborado pelo Engenheiro civil António Emídio Abrantes). Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa (Direcção dos Serviços de Urbanização e Obras), 1938.

Planta da cidade de Lisboa com os diferentes melhoramentos introduzidos e projectados [material cartográfico]. Lisboa: Lith. Matta, 1888.

Planta de Lisboa. Limites pela linha de cintura interna e melhoramentos projectados, incluindo as zonas em que a Câmara Municipal de Lisboa projectas as novas avenidas, ruas e parques da capital [material cartográfico]. Lisboa, 1891.

Planta topográfica de Lisboa. Planta n.º 7 E [material cartográfico] -Pinto, A. V. da Silva e Coreia, A. de Sá (dir.). Lisboa, 1910

Resumo do Inquérito Industrial de 1881. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria (repartição de estatística) – Direcção Geral do Comércio e Indústria. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883.

SILVA, Augusto Vieira da - A Ponte de Alcântara e as suas circunvizinhanças. Lisboa, 1942, p.17.

SILVA, Augusto Vieira da - Os Bairros de Lisboa. Lisboa, 1930.

SILVEIRA, Joaquim Henriques Fradesso da - As Fábricas em Portugal: Inquérito de 1862-63. Lisboa, 1864.

SILVEIRA, Joaquim Henriques Fradesso da - Estatísticas da Indústria e do Comércio em Portugal. Lisboa, 1872.

1.4. Publicações Periódicas

114

ABC

Análise Social

Brasil-Portugal

Diário de Notícias

Illustração Portuguesa

Indústria Portuguesa

Journal of Urban History

Ler História

Revista Occidente

2. Bibliografia

2.1. Obras Gerais

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BAIROCH, Paul – Mythes et Paradoxes de l’Histoire Économique. Paris: La Découverte, 1993.

BARRETO, António e MÓNICA, Maria Filomena - Dicionário de História de Portugal, Suplemento. Vols. 7, 8 e 9, Porto: Figueirinhas, 1999, 2000.

CARDOSO, José Luís (Coord.) – Pensamento Económico Português (1750-1960), Fontes Documentais e Roteiro Bibliográfico. Lisboa: CISEP, 1998.

Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994.

Engenho e Obra. Uma abordagem à História da Engenharia em Portugal no Século XX. BRITO, J. M. Brandão de, HEITOR, Manuel e ROLLO, Maria Fernanda (Coord.), Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2002.

FARIA, Miguel - Alfredo da Silva: Biografia 1871-1942. Lisboa: Bertrand Editora, 2004.

GERSCHENKRON, Alexander - Atraso Económico e Industrialización. 2.ª Ed., Barcelona; Ariel, 1973.

GODINHO, Vitorino Magalhães - A estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa. Lisboa: Editora Arcádia, 1971.

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GUINOTE, Paulo - “A Sociedade: da agitação ao desencanto”. in REIS, António (Dir), Portugal Contemporâneo, Vol. III, Lisboa: Edições Alfa, 1999, pp. 171-230.

HOBSBAWN, E. J. - Indústria e Império. Lisboa: Editorial Presença, 1968.

HUDSON, Pat - The Industrial Revolution. London: Edward Arnold, 1992.

LAINS, Pedro - A Economia Portuguesa no século XIX. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995.

LAINS, Pedro – Os Progressos do Atraso. Uma Nova História Económica de Portugal, Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005.

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VERLEY, Patrick - La Révolution Industrielle. Paris: Gallimard, 1997.

2.2. Industrialização Portuguesa

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CABRAL, Manuel Villaverde - Portugal na Alvorada do Século XX: Forças Politicas, Poder Politico e Crescimento Económico de 1890 a 1914. Lisboa: A Regra do Jogo, 1979.

CABRAL, Manuel Villaverde - O operariado na véspera da República (1909-1910), Lisboa: Editorial Presença, 1977.

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CUSTÓDIO, Jorge - “Fábrica da Cabrinha (em Alcântara)”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p. 372.

CUSTÓDIO, Jorge - “Daupiás (Palácio e Fábrica)”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, pp. 329-37.

CUSTÓDIO, Jorge, Ribeiro, Isabel, Santos, Luísa - Arqueologia industrial do bairro de Alcântara: estudo e materiais. Lisboa: Edição da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, 1981.

“Fábrica de Fiação e Tecidos de Algodão em Santo Amaro”. Diário Illustrado, 3.º Ano, n.º506 (Janeiro de 1874).

CUSTÓDIO, Jorge, - “Alcântara (Indústria)”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p. 32-34.

CUSTÓDIO, Jorge - “Vulcano & Collares”. In Dicionário da História de Lisboa. Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.). Lisboa, 1994, p. 965-966.

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2.3. História de Lisboa

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BASTOS, António de Sousa - Lisboa Velha – sessenta anos de recordações (1850-1910). Lisboa: CML, 1947.

BUARQUE, Irene e PEREIRA, Nuno Teotónio, - Prédios e Vilas de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1995.

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FRANÇA, José Augusto - Lisboa 1898. Lisboa: Expo 98, 1997.

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VIDAL, Frédéric – Les habitants d’Alcântara: histoire sociale d’un quartier de Lisbonne ai début du 20e siècle. Villeneuve d’Ascq: Presses Universitaires du Septentrion, 2006.

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2.4. Estudos Urbanos

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TEIXEIRA, Manuel C. e VALDA, Margarida - Urbanismo Português. Lisboa: Livros Horizonte, 1999.

125

Anexos

Anexo 1

A zona de Alcântara em 1857

Fonte: Atlas da Carta Topográfica de Lisboa. Planta n.º47 [material cartográfico] – Folque, Filipe (dir.). Lisboa, 1857.

126

Anexo 2

Alcântara na primeira década do século XX

Fonte: Planta Topográfica de Lisboa. Planta n.º 7 E [material cartográfico] – Pinto, A. V. da Silva e Correia,

A. de Sá (dir.). Lisboa, 1910.

127

Anexo 3

Mapa de Lisboa em 1891

Fonte: Planta de Lisboa. Limites pela linha de cintura e melhoramentos projectados, incluindo as zonas em que a Câmara Municipal de Lisboa projecta as novas avenidas, ruas e parques da capital [material cartográfico]. Lisboa, 1891.

128

Anexo 4

Principais indústrias de Alcântara em 1881

Indústria Localização Ano

formação Ramo

Industrial maquinaria CV

N.º operários

L. Dauphinet & Castay (ID) Rua Direita do Calvário

1856 metalurgia Não tem motores 25

Anjos Cunha Ferreira & C.ª (Ind)

Rua da Fábrica da Pólvora,

1840 estamparia 1 máquina de alta pressão com 3 caldeira, tendo mais 3 para gerar vapor

36 cv 110

António José da Costa (Iind) calçada dos Terremotos, n.º9

1842 curtumes 14

Bernardo Heitor (Iind) Vila Pouca, Ribeira de Alcântara

1871 curtumes 24

(oficinas) de João Burnay (ID) Santo Amaro 1876 metalurgia

Anjos, Cunha, Ferreira & C.ª (ID)

Ribeira de Alcântara estamparia Cinco caldeiras a vapor, uma máquina de

vapor de 36cv, três máquinas de vapor. 36 cv

António Cypriano Ferreira Rua Velha 1863 curtumes

Associação Fraternal dos Fabricantes de Tecidos e Artes

Correlativas (ID) Travessa do Fiúza têxtil Não tem motores a vapor 31

B. Daupias & C.ª (ID) Calvário, 1839 Têxtil 3 máquinas de vapor 300 cv 700

B. Daupias & C.ª (Iind) Calvário 1839 Têxtil 3 motores a vapor 100 cv 598

Basto & C.ª (Iind) Rua do Alvito Janeiro de 1881

extração/cimento 1 motor a vapors 12 cv

Caetano Lopes da Silva (Iind) Rua Praia da Junqueira

1869 extração/gesso 1 máquina a vapor 5 cv 11

Centeno & C.ª (ID) Horta Navia 1863 6 caldeiras de vapor 90

Companhia de Estamparia de Alcântara (ID)

Quinta do Inferno 1876 estamparia 3 máquinas de estampar com motores anexos 80

Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense (ID)

Rua de S. Joaquim 1838 Têxtil

1 máquina de vapor na fábrica pequena de Santo Amaro de alta e baixa pressão 2

máquinas de vapor na fábrica grande de Santo Amaro obtidas em 1848 e transformadas 20 anos depois, uma máquina de alta e baixa pressão, funcionando as 3 com 4 caldeiras

850

Companhia dos vendedores de tabaco Regalia (ID)

Rua 24 de Julho 1866 tabaco 2 caldeiras, uma inglesa 38 cv 270

Companhia Lisbonense de Estamparia e Tinturaria de

Algodões (ID) 1874 estamparia fabrico mecânico com motores a vapor 135 cv 106

Companhia Lisbonense de Estamparia e Tinturaria de

Algodões (Iind) Rua da Pólvora 1875 estamparia 4 caldeiras de vapor 135 cv 105

Companhia Perseverança (ID) Largo do Conde Barão

1809 metalurgia 2 máquinas de vapor 38 cv 220

Fábrica da Companhia União Fabril

1865 sabão/velas 2 máqunas e vapor 37 cv 133

Empreza Cerâmica (ID) Rua das Fontainhas 1879 cerâmica 2 caldeiras de vapor. 24

Empreza Cerâmica (IIND) Rua das Fontainhas Cerâmica 1 máquina a vapor 20

Fábrica Curtumes de Villa Pouca (Iind)

ribeira de Alcântara 1879 curtumes

Fábrica da Companhia Previdente

Rua do Instituto industrial

1853 metalurgia 2 caldeiras 83 cv 60

Joaquim António Pinheiro (Ind)

Rua Vasco da Gama, n.º44 1870 papel 3

Fábrica do Bemformoso (ID) Rua do

Bemformoso, n.ºs 65 a 73

há 8 meses têxtil 1 máquina de vapor 18 cv 30

129

Fábrica do João Burnay (ID) Terras de Santo Amaro

1874 metalurgia 2 máquinas a vapor 20 cv 200

Fábrica La Peninsular (ID) Rua de Santo António, ao Calvário

Abril de 1880

tabaco

36

Fábrica Tejo Rua 24 de Julho 1879 metalurgia 1 máquina a vapor 4 cv 30

Fábrica Vitória (ID) Rua 24 de Julho 1846 metalurgia

Fábrica Vulcano (ID) Boqueirão do Duro 1843 metalurgia 1 caldeira de vapor e 1 máquina de vapor 28 cv 66

Ferreira & C.ª (ID) Rua 24 de Julho 1862 alimentação Tem dois geradores verticais de sistema H.

Lachappell e 1 máquina de vapor com 12 cv nominais

12 cv 20

Garcia & C.ª (ID) Rua do assento, n.º13

1874 metalurgia 1 caldeira a vapor 1 máquina construída na fábrica

12 cv

Joaquim Antunes dos Santos (ID)

Aterro da Boa Vista 1852 metalurgia 2 caldeiras de vapor e 2 máquinas 50 cv 75

José António Alcântara & Filhos

Rua da Horta Navia 1 de Julho de 1879 curtumes 16

José António Alcântara & Filhos

Rua Velha, n.º2 1842 curtumes 25

Manuel José Dias Monteiro & Filhos

Rua Direita de Junqueira

1858 curtumes 25

Pinto & C.ª (ID) Ponte Nova 1842 estamparia não tem motores 110

Pinto & c.ª (IIND) Ponte Nova 1842 estamparia todo o trabalho é manual 60

serralharia mecânica na Rua 24 de Julho. Representada por

Luis Telles Drumond (ID) 1879 metalurgia tem uma máquina a vapor 25

Sociedade Cooperativa Industrial Social (ID)

Rua Vinte e Quatro de Julho

1872 metalurgia 1 máquina fixa 4 cv

Fonte: Inquérito Industrial de 1881:Resumo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883.

130

Anexo 5

Tipologia e origem da matéria-prima usada em Alcântara

Estabelecimento Tipologia Matéria-prima origem quantidade valor (rs)

Assoc. Fraternal Fabricantes Tecidos e

Artes Correlativas

têxtil (algod)

algodão em fio nacional 2.700$000

Comp.ª Fiacção Tecidos Lisbonense

têxtil (algod)

algodão em rama diversa 720.000 k 200.000$000

fio para tecelagem

e torcedura nacional 670.000 k 270.000$000

anil - 670 k 1.800$000

cloreto de sal - 7 900 k 370$000

soda - 4 000 160$000

ácido sulfúrico 5 300 170$000

anilinas e outras

substâncias - 900$000

1 407 870 K 476 100$000

Joaquim Caetano dos Santos

Refinaria (açúcar)

açúcar em bruto diversas 360 000 k

açúcar em rama diversas 400 000 k

carvão pedra Inglaterra 1 500$000

carvão mineral nacional 1 200$000

clarificante e água nacional 150$000

760 000 k 16 350 $000

Alcântara & C.ª Calçado sola nacional 4 000 k

trança de lã nacional 3 000 k 7 000$000

7 000 k 7.000$000

L. Dauphinet & Castay metalúrgica fero em Chapa,

barra e cantoneira Inglaterra e

Bélgica 9 000$000

aço em chapa e

tubos Inglaterra e

Bélgica 600$000

cobre em chapa

em tubos Inglaterra e

Bélgica 400$000

latão em tubos Inglaterra e

Bélgica 800$000

Totais 10 800$000

António Moreira Rato & Filhos

João Peres $ Pierre Dumont

metalúrgica ferro diversas 1 400$000

António Moreira Rato & Filhos

construção pedra em bruto e lavrada, lagedos e

basaltos nacional 44.000$000

mármores serrados itália 2.000$000

46 000$000

José Moreira Rato construção pedra de diferentes

qualidade nacional 20.000$000

131

Fábrica de Alcântara Lopes & C.ª

cerâmica barro nacional 120 000 k 400$000

barro preparado Inglaterra 300 000 k 3 000$000

vidros Inglaterra 10 000 k 900$000

carvão Inglaterra 800 000 k 4 000$000

tintas Inglaterra 400$000

Totais 1 230 k 8 700$000

José Joaquim de Almeida Junça

cerâmica barro nacional 1 800 k 3 240$000

Emílio Luis Rollet Alimentação (conservas)

azeite de oliveira Itália 34 000 k 8 000$000

azeite de oliveira nacional 10 000 k 3 250$000

folha de flandres Inglaterra 770 caixas 7 100$000

estanho Inglaterra 6 000 k 2 700$000

chumbo Inglaterra 13 000 k 820$000

arame e ferro para

chaves Áustria 6 000 k 600$000

caixas de madeira nacional 3 500 k 1 025$00

utensílios diversos França 200$000

sal nacional 149 00 lit 600$000

Totais 72 500 k / 149 000

L 24 495$000

Comp.ª Nacional de Conservas

Alimentação (conservas)

frutas de todas as qualidades

nacional 300 000 k 20 000$000

peixe nacional 80 000 k 6 000$000

carne de porco, vaca, vitela e

carneiro nacional 80 000 k 15 000$000

tomates nacional 800 000 k 12 000$000

caça e aves nacional 7 000 peças 1 400$000

azeitonas nacional 80 000 k 3 200$000

legumes e hortaliças

nacional - 1 500$000

folha de flandres,

estanho e caixas de chumbo

Inglaterra 3 000 k 13 500$000

açúcar Alemanha 50 000 k 10.000$000

azeite, vinagre e

caixotes de madeira

nacional - 6 000$000

Totais 2 786 000 K 7 000

peças 88 600$000

Cordoaria Nacional

Comp.ª Nacional de Estamparia e Tinturaria

(Rua da Pólvora)

Têxtil (estamparia)

algodões crus e brancos

Portugal e Inglaterra

- 142.000$000

drogas diversas Portugal,

Inglaterra e Alemanha

26.500$000

Totais 168 500$000

Comp.ª Lisbonense Estamparia e Tinturaria

Algodão

Têxtil (estamparia)

algodões tecidos brancos e crus

Portugal, Inglaterra e Alemanha

- 142 000$000

diversas drogas Portugal,

Inglaterra e Alemanha

- 26 500$000

132

Totais 168 500$000

Comp.ª Estamparia de Alcântara

Têxtil (estamparia)

algodões tecidos branco e crus

Portugal, Inglaterra e Alemanha

- -

drogas diversas Portugal,

Inglaterra e Alemanha

- -

Totais -

Comp.ª Nacional Estamparia e Tinturaria

Têxtil (estamparia)

algodões crus e brancos

Portugal e Inglaterra

- 54 600$000

diversas drogas Portugal,

Inglaterra e Alemanha

- 21 000$000

Totais 75 600$000

J. L. Garcia metalúrgica ferro coado Inglaterra 144 000 k 2 100$000

ferro coado Espanha (Bilbau)

32 000 k 419$000

coque e carvão de

pedra Inglaterra 220 000 k 1 410$000

ferro laminado em

barra Diversas 500$000

ferro fundido

metralha Diversas 60 000 k 840$000

bronze e cobre Diversas 1 200$000

Totais 456 000 K 6 469$000

Empresa Industrial Portuguesa

metalúrgica ferro coado para

fundição Espanha e Inglaterra

1 874 000 k 21 716 $852

cobre, latão,

bronze e chumbo Espanha e Inglaterra

10 180 K 1 534$232

carvão de pedra Inglaterra 526 319 K 2 724$184

carvão de coque Inglaterra 299 700 k 2 357$350

ferro forjado Bélgica 1 183 403 k 59 170$150

Totais 2 031 476 K 87 502$768

Bernardo Daupias & C.ª têxtil lãs Argentina e

Uruguai - 83 000$000

algodão em fio Austrália, Inglaterra

Castelo Branco - 2 000$000

drogas - - 7 000$000

Totais 92 000$000

J. Lino construção Cal hidráulica França 150 000 k 1 500$000

cimento portland Inglaterra 20 000 k 300$000

areias Portugal 500 000 k 700$000

tintas França 2 000 k 200$000

672 000 K 2 700$000

Goarmon & C.ª construção cal hidráulica,

cimento e matérias corantes

França - 2 850$000

Comp.ª Tecidos Aliança Têxtil (linho)

fio de juta Escócia - 68 000$000

fio de linho e juta Escócia -

fio de estopa Escócia -

linho cru Escócia -

linho branqueado Escócia -

133

Totais 6 8000$000

Fábrica Nacional de Butterine

Alimentação (manteiga)

leite nacional 150 000 Lit 10 000$000

manteiga natural nacional 5 000 k 3 000$000

manteiga natural Holanda 30 000 k 18 000$000

margarina América 160 000 k 40 000$000

sal Nacional 30 300 k 300$000

Totais 215 300 K 150 000

Lit 71 300$000

Fábrica a vapor de Massas moagem trigo diversas 2 000 k 100 000$000

Empresa Progresso Industrial

serralharia ferro laminado Bélgica 150 000 k 6 600$000

Fábrica de Vidros de Alcântara

vidros areia nacional 90 000 k 450$000

carbonato de soda diversas 45 000 k 2 250$000

zarcão diversas 10 000 k 900$000

cal nacional 15 000 k 150$000

salitre, óxido de manganez, etc

nacional - 500$000

barro refractário nacional - 150$000

lenha de pinho nacional 50 000 fach 4 000$000

Totais 160 000 K 50 000

fach 8 400$000

Fonte: Inquérito Industrial de 1890. Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria – Direcção Geral do Comércio e Indústria, Lisboa, 1891.

134

Anexo 6

Mercados de consumo das principais unidades de Alcântara

Estabelecimento ramo Produtos Quantidade Valor (reis) mercados consumo

Assoc. Fraternal Fabricantes Tecidos e

Artes Correlativas

têxtil (algodão)

atoalhados e riscados de colchões

- 5 240$000 nacionais

Comp.ª de Fiação e Tecidos Lisbonense

têxtil (algodão)

fio (tramas e urdiduras) 670 000 k 270 000$000 continente, Ilhas e colónias

linha de algodão 51 000 k 28 000$000

algodões crus e brancos, lisos e

sarjados 440 000 k 235 000$000

baetilhas de

algodão 43 000 k 27 000$000

tecidos riscados

diversos 56 000 k 45 000$000

cobertores e

mantas de algodão 47 000 k 20 000$000

toalhas e

guardanapos 6 000 k 6 000$000

1 313 000 K 361 000$000

Joaquim Caetano dos Santos

refinaria (açúcar)

açúcar refinado - - -

Alcântara & C.ª calçado sapatos de trança 30 000 pares 10 000$000 nacional, ultramar e Brasil

L. Dauphinet & Castay metalúrgica

caldeiras a vapor, tanques e diversos

artigos de serralharia e caldeiraria

- 40 000$000 nacional

João Peres & Pierre de Dumont metalúrgica

caldeiras a vapor e tanques de ferro - 3 100$000 nacional

António Moreira rato & Filhos construção diversas obras - 65 000$000 nacional e Brasil

José Moreira Rato construção diversas obras - 30 000$000 nacional e Brasil

Gregório Baudouin cerâmica faiança ordinária,

tubos de barro vermelho

- 14 000$000 nacional

Fábrica de Alcântara cerâmica louça de todo o

género - 24 000$000 nacional

azulejos

esmaltados - 600$000 nacional

24 600$000

Emílio Luís Rollet alimentação (conservas) latas de sardinha 850 000 latas 45 000$000 Inglaterra, Itália e Áustria

Comp.ª Nacional de Conservas

alimentação (conservas)

frutas em compota e marmelada

400 000 latas 40 000$000

Brasil, França, Inglaterra, Angola, Moçambique, Hong Kong, Espanha,

Goa, etc.

peixe em escabeche 150 000 latas 15 000$000

carnes de porco,

vaca, vitela e carneiro

120 000 latas 24 000$000

tomates em massa

e puré 200 000 latas 20 000$000

caça e aves 20 000 latas 2 000$000

azeitonas 130 000 latas 9 000$000

135

legumes e hortaliças

80 000 latas 4 000$000

1 950 000 latas 114 000$000

Nicolau Luís da Silva & Sobrinho curtumes

sola e raspa de couros 79.000 k 31 800$000 nacional

Comp:º Nacional Estamparia e Tinturaria

têxtil (estamparia)

chitas pretas e de cores 53 000 peças 144 400$000 nacional

lenços de

diferentes tipos 122 000 pelas 88 000$000 nacional

175 000 peças 232 400$000

Comp.ª Lisbonense de Estamparia e Tinturaria

de algodões

têxtil (estamparia)

chitas e lenços 300 000 k 300 000$000 continente e ilhas

Comp.ª de Estamparia de Alcântara

têxtil (estamparia) chitas e lenços 270 000 k 270 000$000 continente e ilhas

Comp.ª Nacional de Estamparia e Tinturaria

(alcântara)

têxtil (estamparia)

chitas pretas e de cores

21 000 peças 42 000$000 nacional

20.000 peças 31 000$000 nacional

41 000 peças 73 000$000

J. L. Garcia metalúrgica diversos - 26 000$000 nacional

Empresa Industrial Portuguesa

metalúrgica ferro fundido em

tubagem 777.900 k 31 115$960 nacional

ferro fundido em

obra diversa 749 650 k 52 489$370 nacional

ferro forjado em

obra diversa 1.200 000 k 118 000$000 nacional

2 727 550 K 201 605$333

Bernardo Daupias & C.ª Têxtil (lã)

xailes, castorinas, casimiras,

casimiretas, flanelas,

cobrejões, cintas, gabões, trança

para sapatos, fio cardado, etc

- 350 000$000 nacional

Eduardo A. P. De Magalhães

construção ladrilhos mozaicos 120 000 m2 120 000$000 Portugal, Brasil, África,

Espanha, França, Alemanha e Rússia

J. Lino construção ladrilhos mozaicos 12 000 m2 12 000$000 Portugal e Colónias

Goarmon & C.ª construção ladrilhos mozaicos 12.000 m2 6 000$000 Portugal e Colónias

Comp.ª Tecidos Alliança têxtil grossarias e

atoalhados de linho

- 100 000$000 nacional

Fábrica Nacional de Butterine alimentação manteiga artificial 153 000 k 91 800$000 nacional

Fábrica a Vapor de Massas alimentação

massas alimentares 360 000 k 36 000$000 Continente, África e Brasil

farinhas e resíduos 1 280 000 k 64 000$000

1 640 000 K 100 000$000

Fábrica de Moagem do Bom Sucesso

alimentação farinhas 4 374 392 k - nacional

resíduos 1 447 061 k - nacional

quebras 216 171 K - nacional

6 037 524 K

136

Fábrica Lisbonense de Serração e e Aparelho de

Madeira

construção (carpintaria)

- 15.025$953 Portugal e colónias

Empresa Progresso Industrial

metalúrgica parafusos, anilhas,

rebites, etc 400.000 peças

20.000$000 nacional

J. J. Nunes & C.ª tipografia cartas de jogar e

produtos tipográficos

- 8.000$000 nacional

Fábrica de Vidros de Alcântara

vidreira copos, frascos, garrafas, vidroe

diversos objectos - 20.000$000 nacional

Fonte: Inquérito Industrial de 1890. Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria – Direcção Geral do Comércio e Indústria, Lisboa, 1891.

137

Anexo 7

Operários em Alcântara por estabelecimento (1890)

Estabelecimento Ramo Total

operários Associação Fraternal dos Fabricantes de Tecidos e Artes Correlativas

têxtil (algodão) 16

Comp.ª de Fiação e Tecidos Lisbonense têxtil (algodão) 1 221

José Martins Calisto da Fonseca refinaria (açúcar) 8

Joaquim Caetano dos Santos refinaria (açúcar) 7

Mello & C.ª refinaria (açúcar) 10

Martinez & Santos caixas de cartão 20

Alcântara & C.ª calçado 31

L. Dauphinet & Castay metalúrgica 88

João Peres & Pierre Dumont metalúrgica 20

António Moreira Rato & Filhos construção 60

José Moreira Rato construção 40

José Gregório Boudouin cerâmica 30

Fábrica de Alcântara cerâmica 83

José Joaquim de Almeida Junça cerâmica 30

José Dias cerâmica 37

Alfredo Nicolete Travassos Valdez alimentação (chocolate) 10

Emílio Luís Rollet alimentação (conservas) 160

Comp.ª Nacional de Conservas alimentação (conservas) 62

Fábrica do Bom Sucesso curtumes 8

Nicolau Luís da Silva & Sobrinho curtumes 20

Comp.ª Nacional de Estamparia e Tinturaria estamparia 115

Comp.ª Lisbonense de Estamparia e Tinturaria de Algodão estamparia 75

Comp.ª de Estamparia de Alcântara estamparia 130

Comp.ª Nacional de Estamparia e Tinturaria estamparia 109

J. L. Garcia metalúrgica 68

Empresa Industrial Portuguesa metalúrgica 463

Société Générale Métallurgique metalúrgica 44

Caetano Lopes da Silva gesso 7

Bernardo Daupias & C.ª têxtil (lã) 392

Eduardo Augusto P. De Magalhães construção 29

J . Lino construção 8

Goarmon & C.ª construção 16

Comp.ª de Tecidos Aliança têxtil (linho) 122

Fábrica Nacional de Butterine alimentação (manteiga) 20

José Roque de Sousa & Irmão móveis 10

Fábrica a Vapor de Massas alimentação (massas) 22

Fábrica de Moagem do Bom Sucesso alimentação (moagem) 42

José Maria Pires fósforos 7

Fábrica 4 de Março construção (serração madeira) 40

138

Fábrica Lisbonense de Serração e Aparelho de Madeira construção (serração madeira) 51

Empresa Progresso Industrial metalúrgica 19

F. Baerlein metalúrgica 102

Empresa Mecânica Metalúrgica metalúrgica 45

João Maria Balby tanoaria 8

J. J. Nunes & C.ª tipografia 22

José Maria Borges Lousada tipografia 7

Fábrica de Vidros de Alcântara vidros 55

Total 2 768 Fonte: Inquérito Industrial de 1890. Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria – Direcção Geral

do Comércio e Indústria, Lisboa, 1891.

139

Anexo 8

Cavalos-vapor usados em Alcântara (1890)

Máquinas a

vapor Motores a

gás TT

CV/estabelecimento Estabelecimento Ramo N.º CV N.º CV N.º TT CV

Comp.ª de Fiacção e Tecidos Lisbonense têxtil (algodão) 4 506 4 506

L. Dauphinet & Castay metalúrgica 1 10 1 10

João Peres e Pierre Dumont metalúrgica 1 1 1 1 1

Fábrica de Alcântara cerâmica 1 8 1 8

José Joaquim de Almeida Junça cerâmica 1 8 1 8

Emilio Luis Rollet alimentação (conservas) 1 0,5 1 0,5

Comp.ª Nacional Conservas alimentação (conservas) 2 8 1 0,5 3 8,5

Cordoaria Nacional construção 1 25 1 25

Silvestre & Irmão curtumes 1 2,5 1 2,5

Comp.ª Nacional estamparia e Tinturaria têxtil

(estamparias) 24 24 Comp.ª Lisbonense de Estamparia e Tinturaria de algodão

têxtil (estamparias) 20 120 20 120

Comp.ª de Estamparia de Alcântara têxtil

(estamparias) 14 14 Fundição de Ferroe Bronze metalúrgica 1 4 2 4 Empresa Industrial Portuguesa metalúrgica 4 65 4 65 Société Générale Metallurgique metalúrgica 1 1 Bernardo Daupias & C.ª têxtil (lã) 3 100 3 100 Comp.ª Tecidos Aliança têxtil (linho) 2 35 2 35 Fábrica Nacional de Butterine alimentação 1 1 Fábrica a vapor de massas alimentação 1 15 1 15 Fábrica de Moagem do Bom Sucesso alimentação 1 60 1 60

Fábrica 4 de Março construção

(carpintaria) 1 20 1 209

Fábrica Lisbon. Serração e Aparelho Madeira construção

(carpintaria) 1 120 1 120 Empresa Progresso Industrial metalúrgica 1 10 1 10 F. Baerlein construção 2 18 2 18

Empresa Mechãnica e Metalurgica serralharia 2 27 2 27

Total* 54 1352,5 Fonte: Inquérito Industrial de 1890. Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria – Direcção Geral do Comércio e Indústria, Lisboa, 1891.

140

Anexo 9

Registo de Estabelecimentos por classe industrial (1917-1920)

Estabelecimentos Registados Total/classe % classe % classe % classe Classes industriais

1.º Bairro

2.º Bairro

3.º Bairro

4.º Bairro Lisboa Lisboa

4.º bairro

4.º bairro/LX

Indústria Mineira - - 1 - 1 0,19% - - Indústria de Caça, Pesca e Sal - 1 2 11 14 2,65% 6,21% 2,07% Indústria Agrícola 10 13 21 46 90 17,01% 25,99% 8,69% Indústria dos Metais e da Construção Mecânica 3 2 1 1 7 1,32% 0,57% 0,18% Indústria Cerâmica e de Materiais para Construção - 2 - 1 3 0,57% 0,57% 0,18% Indústria Vidreira 8 13 16 26 63 11,91% 14,69% 4,91% Indústria Química 7 13 11 33 64 12,10% 18,64% 6,23% Indústria de Alimentação 9 - 3 3 15 2,84% 1,69% 0,56% Indústria Têxtil 8 2 6 4 20 3,78% 2,26% 0,75% Indústria de Vestuário e Acessórios 16 36 14 12 78 14,74% 6,78% 2,26% Indústria de Pele e Artigos de Pele 1 1 1 3 6 1,13% 1,69% 0,56% Indústria de Madeira e Mobília 4 3 4 6 17 3,21% 3,39% 1,13% Indústrias Corticeira 1 2 1 2 6 1,13% 1,13% 0,37% Indústria de Papel 31 30 31 19 111 20,98% 10,73% 3,59% Indústria Gráfica e do Livro 2 2 2 3 9 1,70% 1,69% 0,56% Indústria de Electricidade 2 7 4 1 14 2,65% 0,57% 0,18% Pequenas Indústrias e Diversas - 2 - 2 4 0,76% 1,13% 0,37% Edifícios e Obras de Interesse Público - - - - 0 0 - - Construção Naval - 2 1 4 7 1,30% 2,26% 0,75%

Total: 102 131 119 177 529 100% 100% 33,5% Fonte: Inquérito Industrial de 1890. Ministério das Obras Públicas, Comercio e Indústria – Direcção Geral do Comércio e Indústria, Lisboa, 1891.

141

Anexo 10

Nome de Ruas de Alcântara (1881-1914)

1881 1914

Praça de Alcântara Pátio do Abílio (nas Escadinhas de Santo Amaro)

Rua de Alcântara Alto de Santo Amaro

Ponte de Alcântara Rua do Alvito

Ribeira de Alcântara Vila Amélia

Caneiro de Alcântara Largo da Amendoeira

Beco do Forno de Alcântara Beco do Arco

Rua Alexandre Herculano Rua do Arco a Alcântara

Rua do Alvito Praça da Armada

Casal do Alvito Rua Avelar Brotero

Calçada de Santo Amaro Rua Bocage

Alto de Santo Amaro Rua do Borja

Largo da Amendoeira Páteo da Cabrinha

Rua de Santo António Largo do Calvário

beco de Santo António Travessa do Calvário

Beco do Arco Pateo do Canelas (na Rua Possidónio da Silva)

Rua do Assento Casal Ventoso

Rua do Borja (ou se Santa Isabel) Rua da Cascalheira

Quinta da Cabrinha Rua das Cavalariças do Infante

Rua do Calvário Rua Cindo de Abril

Largo do Calvário Travessa do Conde da Ponte

Caneiro Velho Rua do Conselheiro Pedro Franco (também Rua dos Lussíadas)

Rua das Cavalariças do Infante Beco dos Contrabandistas

Travessa do Sebeiro Travessa dos Cordoeiros

Travessa do Conde da Ponte Rua da Correnteza de Baixo

Beco dos Contrabandistas Rua da Cozinha Económica

Rua da Cruz Rua da Costa

Rua da Fábrica da Pólvora Travessa da Costa

Travessa do Fiúza Cova da Onça

Rua das Fontainhas Rua da Creche

Largo das Fontainhas Rua da Cruz a Alcântara

142

Beco das Fontainhas Rua da Escola Asilo

Rua da Fonte Santa Rua da Fábrica da Pólvora

Beco do Funileiro Vila do Faustino (na Travessa da Cascalheira)

Travessa da Galé Páteo do Fialho (na Rua de Alcântara)

Terras da Horta Navia Rua Filinto Elísio

Travessa da Horta Navia Travessa do Fiúza

Rua de S. Jerónimo Páteo das Flamengas

Travessa de S. Jerónimo Beco das Fontainhas

Pátio do João Paulino Largo das Fontainhas

Rua da Junqueira Rua das Fontainhas

Beco Lagoia Travessa da Galé

Rua do Livramento Travessa do Gibraltar

Calçada do Livramento Rua de Gil Vicente

Estrada do Loureiro Rua Gilberto Rola

Rua dos Mouros Páteo do Grilo

Rua do Nazareth Travessa da Guarda

Largo das Necessidades Travessa da Horta Navia

Rua Direita das Necessidades Avenida da Índia (até Bom Sucesso)

Rampa das Necessidades Rua da Indústria

Beco das Necessidades Rua João de Barros

Bairro Pedro Franco Rua de João de Lemos

Travessa do Pimenta Rua João Oliveira Martins (Rua de Cascais)

Beco das Pirralhas Rua Jau

Praia Pedro Franco Páteo do José Dias

Rua Primeiro de Dezembro Rua da Junqueira (n.º 1-63 e 2 a 128 é Alcântara)

Rua do Principe Rua Leão de Oliveira

Alto dos Quartéis Calçada do Livramento

Travessa do Quebra Costas Rua do Livramento

Pátio do Ratão Travessa do Livramento

Beco e Pátio das Saboarias Estrada do Loureiro

Beco do Sabugueiro Rua Luís de Camões

Rua Direita do Sacramento Páteo do Luís Soldado (na Rua do Alvito)

Travessa do Sacramento Vila Margarida (na Rua da Cruz)

Travessa dos Surradores Vila Mariana (na Rua Maria Pia)

Largo dos Tanques Beco das Necessidades

143

Calçada da Tapada Calçada das Necessidades

Travessa do Thesouro Rampa das Necessidades

Travessa da Trabuqueta Rua das Necessidades

Rua Velha Travessa das Necessidades

Páteo do Paulino (na Rua de Cascais)

Vila Pilar Cid (na Rua D. Maria Pia)

Travessa do Pimenta

Casal da Pimenteira (Serra de Monsanto)

Beco das Pirralhas (Rua da Costa)

Largo da Ponte Nova

Rua Primeiro de Maio

Rua do Príncipe (actualmente Rua Cinco de Abril)

Escadinhas do Quebra Costas

Páteo do Quintalinho (na Calçada do Livramento)

Rua do Rilvas (antigo Largo das Cortes)

Bairro do Roldão ou Rolão

Rua de S. jerónimo

Travessa de S. Jerónimo

Rua de S. Joaquim (actual Rua Primeiro de Maio)

Rua Sá de Miranda

Beco do sabugueiro

Alto de Santo Amaro

Calçada deSanto Amaro

Beco de Santo António

Vila Santo António (na Rua da Junqueira)

Travessa do sebeiro

Rua Soares de Passos

Travessa dos surradores

Travessa da Tapada

Tapada da Ajuda

Travessa do Tesouro

Travessa da Trabuqueta

Triste Feia

Páteo dos Vidros (na Travessa do Conde da Ribeira)

144

Rua Vieira da Silva (antiga Rua do Assento)

Fonte: Vellozo, Eduardo O. Pereira Queiroz - Roteiro das ruas de Lisboa e Immediações., 4.ª edição, Lisboa: Typographia da Casas de Inglaterra, 1881; Guia Policial de Lisboa. A. Morgado (coord.), Lisboa: tipografia Universal, Lisboa, 1914.