Periódicos infantis no protestantismo nascente: o Raio de Sol

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Periódicos infantis no protestantismo nascente: o Raio de Sol Como em muitos outros contextos e sociabilidades, a imprensa foi um importante aliado na transmissão dos ideais e doutrinas protestantes, desde a sua implantação efetiva em Portugal na segunda metade do século XIX. As publicações periódicas tiveram um papel absolutamente central não só nos processos de propagação da mensagem protestante como também na manutenção de elos de comunicação entre as pequenas e dispersas comunidades que iam surgindo, primeiro nos principais centros urbanos, mas, desde bem cedo, também em alguns meios rurais e em localidades do interior do país, tanto continental quanto insular. A “liberdade de comunicar” no Portugal oitocentista Vivia-se então uma época em que o periodismo nacional ainda lutava por uma implantação séria e consistente. A portaria publicada pelo Governo Provisório de Lisboa logo a 21 de Setembro de 1820 instituía o princípio da liberdade de imprensa, mas no mesmo diploma ficava também claro que se mantinha a censura prévia para todas as publicações 1 . A Constituição de 1822, no seu artigo 7, e a Carta Constitucional de 1826, no artigo 145, mantiveram a garantia da “liberdade de comunicar”, o que explica que, apesar dos abusos à liberdade de imprensa que pontualmente continuaram a ser cometidos, o país tenha experimentado um assinalável surto de novas publicações periódicas, facilitando a quase universalização deste meio de comunicação 2 , ainda assim destinado às elites alfabetizadas e suficientemente endinheiradas para a ele acederem. Este quadro legislativo aparentemente favorável à expressão plural de opiniões, nomeadamente no campo religioso, esbarraria, porém, com as disposições do Código Penal de 1852, o qual tipificava no seu Título I do Livro II os “crimes contra a religião do reino, e dos cometidos por abuso de funções religiosas”. Embora as disposições aqui contidas não se destinassem exclusivamente às 1 SOUSA, Jorge Pedro A liberdade de imprensa em questão no Portugal vintista: as Cartas de José Agostinho de Macedo a Pedro Alexandre Cavroé [em linha]. Covilhã: Biblioteca On-Line de Ciências de Comunicação da Universidade da Beira Interior, s/d. [Consult. 28 Junho 2012]. Disponível na Internet: <URL: http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-liberdade-sousa.pdf>. 2 SOUSA, José Manuel Motta; VELOSO, Lúcia Maria Mariana História da Imprensa Periódica Portuguesa: subsídios para uma bibliografia. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade, 1987, p. 32.

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Periódicos infantis no protestantismo nascente: o Raio de Sol

Como em muitos outros contextos e sociabilidades, a imprensa foi um importante aliado na

transmissão dos ideais e doutrinas protestantes, desde a sua implantação efetiva em Portugal na

segunda metade do século XIX. As publicações periódicas tiveram um papel absolutamente central

não só nos processos de propagação da mensagem protestante como também na manutenção de elos

de comunicação entre as pequenas e dispersas comunidades que iam surgindo, primeiro nos

principais centros urbanos, mas, desde bem cedo, também em alguns meios rurais e em localidades

do interior do país, tanto continental quanto insular.

A “liberdade de comunicar” no Portugal oitocentista

Vivia-se então uma época em que o periodismo nacional ainda lutava por uma implantação séria e

consistente. A portaria publicada pelo Governo Provisório de Lisboa logo a 21 de Setembro de

1820 instituía o princípio da liberdade de imprensa, mas no mesmo diploma ficava também claro

que se mantinha a censura prévia para todas as publicações1. A Constituição de 1822, no seu artigo

7, e a Carta Constitucional de 1826, no artigo 145, mantiveram a garantia da “liberdade de

comunicar”, o que explica que, apesar dos abusos à liberdade de imprensa que pontualmente

continuaram a ser cometidos, o país tenha experimentado um assinalável surto de novas publicações

periódicas, facilitando a quase universalização deste meio de comunicação2, ainda assim destinado

às elites alfabetizadas e suficientemente endinheiradas para a ele acederem.

Este quadro legislativo aparentemente favorável à expressão plural de opiniões, nomeadamente no

campo religioso, esbarraria, porém, com as disposições do Código Penal de 1852, o qual tipificava

no seu Título I do Livro II os “crimes contra a religião do reino, e dos cometidos por abuso de

funções religiosas”. Embora as disposições aqui contidas não se destinassem exclusivamente às

1 SOUSA, Jorge Pedro – A liberdade de imprensa em questão no Portugal vintista: as Cartas de José Agostinho de

Macedo a Pedro Alexandre Cavroé [em linha]. Covilhã: Biblioteca On-Line de Ciências de Comunicação da

Universidade da Beira Interior, s/d. [Consult. 28 Junho 2012]. Disponível na Internet: <URL:

http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-liberdade-sousa.pdf>.

2 SOUSA, José Manuel Motta; VELOSO, Lúcia Maria Mariana – História da Imprensa Periódica Portuguesa:

subsídios para uma bibliografia. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade, 1987, p. 32.

comunidades protestantes e de origem reformada já implantadas em Portugal3, a verdade é que

acabaram por se traduzir em mais um elemento a contribuir para a forte restrição imposta à

expressão pública das correntes religiosas minoritárias, tornando ainda mais difícil a circulação de

publicações periódicas protestantes. Neste contexto não é pois de menosprezar o esforço – ainda

que por vezes apoiado por entidades estrangeiras – que significou para a incipiente comunidade

protestante nacional o surgimento e desenvolvimento deste tipo de instrumentos formativos mas

também necessariamente informativos.

Os primórdios da imprensa protestante

Atribui-se geralmente ao jornal A Reforma o pioneirismo na atividade periodística protestante4. Este

jornal, iniciado pelo ex-padre católico romano Guilherme Dias da Cunha (1844-1907), começou a

ser publicado em 1876, passando a ser legalmente reconhecido e vendido nas bancas a partir de

18785. A sua publicação regular mantém-se até 1892, embora em 1894 saia ainda um número como

jornal político6. No entanto, dois anos de A Reforma ter o seu início já se publicava o mensário

infantil e juvenil O Amigo da Verdade e da Infância.

Faltavam então mais de 80 anos para que fosse outorgada a “Declaração dos Direitos da Criança”

mas desde a aurora da Revolução Industrial que alguns protestantes tinham manifestado particular

atenção pelas faixas etárias mais baixas, nomeadamente em contexto anglo-saxónico. Desta

preocupação surgiram movimentos que rapidamente adquiriram a sua internacionalização, como

3 LEITE, Rita Mendonça – Representações do Protestantismo na Sociedade Portuguesa Contemporânea: da Exclusão

à Liberdade de Culto (1852-1911). Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica

Portuguesa, 2009, p. 28.

4 ASPEY, Albert – Por Este Caminho: Origem e Progresso do Metodismo em Portugal no Século XIX; Umas páginas

da história da procura da Liberdade Religiosa. Porto: Sínodo da Igreja Evangélica Metodista Portuguesa, 1971, p. 188.

SILVA, António Manuel S. P. – Os protestantes e a política portuguesa : O caso da Igreja lusitana na transição

do séc. XIX para o séc. XX. Lusotopie. (1998) 269-292, p. 274. Esta tese é defendida pelo mesmo autor em: SILVA,

António Manuel S. P. – A Reforma, o primeiro jornal evangélico português. Revista de Portugal. 2 (2005) 60-71.

5 ASPEY, Albert – Por Este Caminho, p. 195.

6 MARQUES, João Francisco – Para a História do Protestantismo em Portugal. Revista da Faculdade de Letras. 12

(1995) 431-475, p. 445.

por exemplo a YMCA7, que ficou conhecida em Portugal como União (mais tarde Associação)

Cristã da Mocidade, fundada no Porto em 1894.

Um outro movimento a que as publicações infantis acabaram por estar intimamente ligadas é o das

chamadas Escolas Dominicais, a que Alexandre Herculano se refere na revista que então dirigia, “O

Panorama”, no seu penúltimo número de 1837, como as “escolas domingueiras”8. O movimento

conhecido como Sunday School teve a sua origem na Inglaterra, ainda no século XVIII. Geralmente

atribui-se a sua fundação a Robert Raikes (1736-1811), um filantropo e leigo da Igreja de Inglaterra,

que havia herdado o jornal local Gloucester Journal. A primeira escola dominical, iniciada por

volta de 1780, tinha como intenção fundamental a alfabetização das crianças deixadas praticamente

ao abandono pelos pais durante o dia nas cidades recém-industrializadas. Em Portugal a ênfase

deste movimento sempre esteve mais ligado à doutrinação das crianças na fé cristã e nos ensinos

protestantes. Chegou-se a discutir se o intento original não devia aqui também ser aplicado, mas

como a maior parte das comunidades protestantes mantinha escolas diárias com idênticas funções,

as escolas dominicais, ainda hoje existentes na maioria das igrejas de tradição reformada,

mantiveram o seu foco no ensino bíblico e doutrinário9. Ainda assim, estas escolas viriam a adquirir

grande importância no desenvolvimento de hábitos de leitura nos seus membros, muito fomentados

pelas pequenas bibliotecas que comummente se criavam, e pelos jornais que neste contexto foram

surgindo. É, assim, revelador que em Portugal a primeira publicação periódica protestante – O

Amigo da Verdade e da Infância – se centre na temática infanto-juvenil, tendo-se tornando-se em

1936 o “Órgão da Federação Portuguesa das Escolas Dominicais”10

.

7 A primeira Young Men’s Christian Association é fundada em 1844, na cidade de Londres. George Williams (1821-

1905) liderava então um grupo de outros 12 jovens cujo objetivo se centrava na melhoria da condição espiritual dos

jovens; para tal, passaram a promover classes de formação bíblica, reuniões de oração e oportunidades de

sociabilização. A ideia rapidamente se expandiu a outras localidades da Inglaterra, Escócia e Irlanda e poucos anos

depois a muitos outros países do mundo. A nível internacional as atividades da YMCA envolvem atualmente mais de 45

milhões de pessoas em 125 países tendo como principais alvos a promoção da justiça social e a paz entre os jovens nas

suas comunidades, independentemente da sua religião, etnia, género ou nível cultural.

8 MOREIRA, Eduardo – Vidas Convergentes: história breve dos movimentos de reforma cristã em Portugal a partir do

século XVIII. Lisboa: Junta Presbiteriana de Cooperação em Portugal, 1958, p. 148.

9 LEITE, Rita Mendonça – Escolas Dominicais: escolas bíblicas como dinâmicas formativas. Comunicação apresentada

nas Jornadas de Estudo Educação, Religião e Sociabilidades: as instituições religiosas como instâncias de formação e

de constituição de lideranças. Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa.

10-11 Fevereiro, 2012.

10 Amigo da Infância. 1 (1936), p. 1.

Assim, O Amigo da Verdade e da Infância, que em 1898 viu o seu título reduzido para O Amigo da

Infância11

, é um caso absolutamente paradigmático no campo da imprensa protestante portuguesa.

Em primeiro lugar porque, como já referimos, é a primeira publicação periódica antecedendo

mesmo outros periódicos de cariz mais genérico. Por outro lado, é um caso de assinalável

longevidade, uma vez que foi publicado ininterruptamente entre 1874 e 1940, ou seja, durante quase

70 anos. Não é de admirar, pois, a extensa lista de colaboradores, de várias gerações, que se vão

sucedendo ao longo da edição deste pequeno jornal. De acordo com Moreno Afonso “a publicação

contou ao longo da sua existência, com a colaboração regular de 87 autores (37 mulheres e 47

homens), muitos dos quais elementos importantes do movimento protestante, e por transcrição

incluiu textos de 75 personalidades que iam desde Victor Hugo ou Tolstoi até Camões ou Eça de

Queiroz, incorporando ainda textos de inúmeros pedagogos portugueses”12

. De destacar ainda que,

tal como ostentava orgulhosamente no seu cabeçalho, o pequeno jornal foi agraciado com o

Diploma de Mérito na Exposição da Imprensa Portuguesa, em 1898, e com a Medalha de Prata na

Grande Exposição do Rio de Janeiro, de 192313

.

Por contraponto, teve curta existência a publicação O Pequeno Mensageiro para a Juventude cujo

primeiro número sai do prelo em Março de 1901, dinamizado pelo então jovem Eduardo Henriques

Moreira (1886-1980). Esta publicação viria a transformar-se no mensário O Mensageiro, em 1907,

embora com um cariz mais genérico.

Raio de Sol: um surgimento tardio?

Perante este panorama pode-se considerar tardio o surgimento do mensário Raio de Sol, uma vez

que o seu primeiro número só sai em Janeiro de 1925, bem depois dos já referidos O Amigo da

Infância e O Pequeno Mensageiro. Não se afigura fácil descortinar a razão pela qual tenha surgido

uma nova publicação infantil, destinada fundamentalmente ao mesmo público do já então “clássico”

O Amigo da Infância, cuja distribuição fora desde o início apoiada pela American Sunday School

Society14

.

11

Ibid. 1 (1898), p. 1.

12 AFONSO, José António Martin Moreno – Protestantismo e Educação: história de um projecto pedagógico

alternativo em Portugal na transição do séc. XX. Braga: Instituto de Educação e Psicologia, 2009, p. 157.

13 Amigo da Infância. 1 (1924), p. 1.

14 ASPEY, Albert – Por Este Caminho, p. 314.

O Raio de Sol, por sua vez, resultou de uma iniciativa pessoal com origem num homem já então

bem conhecido do meio protestante português, invariavelmente mencionado com recurso ao seu

“nome comercial”: J. P. da Conceição. Joaquim Pinto da Conceição (1870?-1951) foi um pregador

leigo metodista da comunidade do Monte Pedral, no Porto, que manteve sempre a sua atividade

profissional, a qual, em larga medida, lhe foi permitindo apoiar o trabalho missionário em que se

tinha empenhado desde jovem. Na verdade, foi com apenas 10 anos de idade que Conceição aderiu

à fé protestante tendo-se dedicado ao serviço cristão por mais de 70 anos15

. Em 1894 estabeleceu a

sua própria firma comercial dedicada à relojoaria, a “J. P. da Conceição, Lda.”, empres que ainda

hoje existe dedicada ao mesmo ramo de atividade16

. Para além do seu envolvimento pessoal no

trabalho missionário da Igreja Metodista Portuguesa e do protestantismo em geral, J. P. da

Conceição foi um verdadeiro mecenas, contribuindo também financeiramente de forma generosa

para a expansão destas igrejas. Conceição viria a falecer a 24 de Setembro de 195117

, tendo

animado e financiado a publicação do mensário Raio de Sol durante praticamente toda a sua

existência.

Motivações e ligações

J. P. da Conceição foi ao longo de todo o período em que o Raio de Sol foi publicado o seu editor,

administrador e proprietário. Como já acima se referiu, não é possível determinar com rigor a razão

pela qual Conceição decidiu iniciar uma nova publicação infantil, particularmente quando já existia

o conceituado e duradouro mensário O Amigo da Infância. Para além do mais, os editores de ambos

os periódicos provinham da mesma área denominacional evangélica, concretamente a Igreja

Metodista. Tinham também a mesma proveniência geográfica já que, embora a administração de O

Amigo estivesse sedeada na Livraria Evangélica, na Rua das Janelas Verdes em Lisboa, o seu editor

era Alfredo Henrique da Silva (1872-1950), figura conceituada da sociedade e da academia

portuenses. Quanto ao Raio de Sol a sua sede foi sempre no Largo Arca d’Água, 289, na cidade do

Porto18

.

15

Raio de Sol. 12 (1951), p. 95.

16 J. P. da Conceição, Lda. – sítio institucional. [Consult. 5 Julho 2012]. Disponível na Internet: <URL:

http://www.jpc.com.pt/>.

17 Portugal Evangélico. 372-373 (1951), p. 6.

18 Raio de Sol. 1 (1925), p. 1.

Na verdade, nem O Amigo da Infância nem o Raio de Sol estavam institucionalmente ligados ou

dependentes de qualquer igreja ou denominação protestante. Não é, aliás, raro que, incorporando o

princípio reformado do “sacerdócio universal”, se encontrem muitas atividades e iniciativas

protestantes sem qualquer tutela eclesiástica. De todo o modo, durante as várias décadas em que

estas publicações existiram, o seu valor foi sempre reconhecido pela generalidade do meio

protestante português.

A abertura do primeiro número do Raio de Sol, de Janeiro de 1925, não é esclarecedora em relação

às razões de fundo que levaram Conceição a criar o mensário:

DUAS PALAVRAS

Em obediência às praxes estabelecidas, o «Raio de Sol» vem dizer do fim que tem em vista.

Não pretende correr mundo senão como jornalzinho feito com muito amor, principalmente para os

pequeninos, que muito amor sabem ter.

Os que aqui vão trabalhar, trabalham há muito para os grandes e pequeninos da Escola Dominical do

Monte Pedral e, dando publicidade ao seu trabalho, simplesmente desejam que aproveite o maior

número.

E que apesar de muito modesto, seja sempre para glória do Mestre, o «Raio de Sol».19

Por sua vez, o número do mês seguinte de O Amigo da Infância, de Fevereiro de 1925, também

refere com muita simpatia o surgimento do seu “concorrente” Raio de Sol:

O RAIO DE SOL

O Amigo da Infância está muito contente. Nasceu-lhe um irmãozinho também pequenino e dedicado

aos pequeninos.

É o Raio de Sol, nascido no Porto, na Escola do Monte Pedral.

O Raio de Sol, sendo para os pequeninos, serve também para os que trabalham nas Escolas

Dominicais entre os mais pequeninos, especialmente por inserir uns breves comentários muito úteis,

às lições internacionais, devido à esclarecida pena do nosso ilustre colaborador Snr. Eduardo

Moreira. Há muito que insistimos com o experimentado obreiro Snr. José Augusto dos Santos e Silva

para redigir para o nosso Amigo os seus úteis comentários, e íamos começar a publicá-los este mês,

mas o nosso irmãozinho Raio de Sol veio dispensar-nos disso, tão completos são já os seus

comentários.

Tudo isto se resume em dar os parabéns aos iniciadores do Raio de Sol e em dizer aos interessados

nas Escolas Dominicais que não devem ficar sem este novo auxiliar para o seu trabalho.20

19

Ibid., p. 2.

Da leitura de ambos os textos se compreende que o desenvolvimento de recursos didáticos para a

realização da Escola Dominical era um fator bem presente na preocupação que ambos os editores

partilhavam. O experiente O Amigo da Infância felicita até o estreante Raio de Sol pelos

comentários ao texto bíblico da autoria de Eduardo Moreira, o mais consistente e dedicado

colaborador deste mensário infantil ao longo de toda a sua existência, mas que era em simultâneo

colaborador regular de O Amigo de Infância, desde há muitos anos.

Características da publicação: formativo mas não informativo

Quais eram as principais características do mensário infantil Raio de Sol? Tratava-se de um

pequeno jornal que do princípio ao fim da sua publicação, ao longo de 27 anos, manteve com muito

poucas exceções21

oito páginas por número, as quais não eram tão profusamente ilustradas como as

de O Amigo. Embora com algumas modificações pontuais ao longo dos anos o seu grafismo não se

alterou de modo substancial. Ainda assim é de notar que as alterações gráficas a que o mensário foi

sujeito, particularmente a partir do final dos anos 30, o tornaram ainda menos ilustrado e, por isso,

mais “compacto” do que inicialmente.

Foi sempre uma publicação de carácter catequético, formativo, mas não informativo. Ao longo dos

312 números editados do Raio de Sol nada sabemos sobre o desenvolvimento das comunidades

protestantes e mesmo dos seus protagonistas. A única exceção é feita para anunciar a interrupção,

durante apenas um mês, em Abril de 1942, dos comentários publicados por Eduardo Moreira,

devido a grave doença deste autor22

.

Ainda ao nível da sua vertente informativa, quase inexistente, o que encontramos são algumas

fotografias dispersas, com resumidíssimas legendas, mas sem ligação aos textos que lhes serviam de

enquadramento. No total são cerca de 80 fotografias com algum conteúdo noticioso, o que para um

total de 27 anos de publicação e 2.592 páginas impressas é manifestamente pouco. Os temas

retratados não são muito diversificados, sendo praticamente previsível o que neles se encontraria de

mês para mês. Desde logo, apesar de o Raio de Sol não se apresentar como um jornal local, a vasta

20

Amigo da Infância. 2 (1925), p. 12.

21 Em alguns dos números especiais ou quando era acrescentada uma ilustração de página inteira o número de páginas

podia ser maior.

22 Raio de Sol. 4 (1942), p. 29.

maioria das fotografias publicadas diziam respeito à comunidade a que J. P. da Conceição pertencia,

ou seja a Igreja Metodista do Monte Pedral, no Porto. Até 1939, foi sempre dada notícia do passeio

campestre realizado anualmente pela sua Escola Dominical23

, bem como da festa do chamado “rol

de berço” que incluía as crianças pequenas e suas mães24

. Outros acontecimentos reportados

incluíam as atividades escotistas, iniciativas e classes da Escola Dominical, e ainda projetos

envolvendo as crianças protegidas pela União Cristã da Mocidade Feminina do Monte Pedral.

Um outro aspeto a reter da análise destas fotografias diz respeito à rede de contatos que J. P. da

Conceição mantinha, tanto a nível nacional – Escolas Dominicais de Santa Catarina, Chelas e

Beato, todas em Lisboa, e ainda de Sines – como a nível internacional, particularmente no Brasil –

Escolas Dominicais da Bela Vista e Ipiranga, em São Paulo – e Moçambique. Em relação a este

último território convém fornecer mais algum detalhe, pois são significativas as referências ao

trabalho protestante ali desenvolvido em meados do século XX25

. Tem particular interesse as

menções que são feitas a pastores de origem africana, apoiados financeiramente pela igreja a que

Conceição pertencia: são expressamente referidos os nomes dos pastores Natanael M. Chihanane,

Alfredo Moiane e família, na Missão de Schaller em Ricatla, Tapera Ncomo e família, na Beira,

Felipe Mazaia e família em Ricatla, André Machava, na Beira; também alguns missionários

estrangeiros que trabalhavam na colónia são mencionados: Che Herman e Pierre Loze. Outras

referências são feitas a Moçambique, designadamente às missões e Escolas Dominicais em

Lourenço Marques, Mihecani, Cholo, Chibindji, e ainda ao trabalho social e educacional no

dispensário da Missão em Quelimane, dos Internatos Evangélicos femininos em Lourenço Marques

e em Chicumbane, da escola de Machaquene, e da leprosaria em Mandimba. Curiosamente, há uma

única referência a Angola, e esta surge já no último ano da publicação do Raio de Sol em 195126

. O

editor gostava ainda de retratar outras situações quiçá mais pitorescas como a sua própria visita ao

Rio de Janeiro, a imagem de 13 dos seus 17 netos dispostos do mais alto para o mais baixo, bem

como os alunos mais alto e mais baixo, retratados lado a lado, de diferentes Escolas Dominicais.

23

Ibid. 8 (1927), p. 67. 9 (1934), p. 65, 71. 10 (1936), p. 75. 10 (1937), p. 75, 77, 79. 10 (1939), p. 74, 75.

24 Ibid. 2 (1937), p. 11. 2 (1939), p. 12-13. 2 (1940), p. 11. 2 (1941), p. 13. 2 (1942), p. 12-13. 2(1943), p. 13. 2(1944),

p. 13. 2 (1945), p. 11. 2 (1946), p. 11. 2 (1947), p. 11. 2 (1948), p. 11. 2 (1949), p. 13. 2 (1950), p. 12. 2 (1951), p. 11.

25 A época a que estas fotografias se reportam tem particular relevo tendo em conta a importância que as missões e

igrejas protestantes tiveram no desenvolvimento de sentimentos nacionalistas naquele território. Cf. SILVA, Teresa

Cruz e – Protestant Churches and the Formation of Political Consciousness in Southern Mozambique (1930-1974).

Basileia: Suíça: P. Schlettwein Publishing, 2001.

26 Raio de Sol. 8 (1951), p. 61.

Para além das fotografias, legendadas ou não, havia ainda quase igual quantidade de ilustrações em

desenho, que geralmente acompanhavam os artigos principais ou que incluíam uma legenda com

um provérbio, frase famosa ou simplesmente uma lição adequada ao público-alvo do jornal. Vamos

ainda encontrar ao longo das páginas do Raio de Sol uma quantidade significativa de tiras de banda

desenhada. Aquela, porém, que maior impacto e continuidade teve foi a “Aventuras de Fifi”, em

que o protagonista era um rato endiabrado constantemente envolvido em novas façanhas; o tom era

naturalmente cómico mas sempre com um teor moral muito apurado. Esta secção surgiu logo no

início de 193227

e acompanhou o mensário em quase todos os números até ao fim da sua publicação

em 1951, com exceção dos números publicados em 193528

.

É de notar que o jornal era impresso a uma cor, numa época em que rareavam as publicações a

quatro cores. Ainda assim, alguns números especiais, como os relativos ao Natal, foram impressos a

duas cores.

Principais conteúdos editoriais

O público-alvo do Raio de Sol sempre foi o dos alunos que frequentavam as Escolas Dominicais

das igrejas protestantes em Portugal, embora o jornal chegasse muito mais além, nomeadamente

Brasil, territórios portugueses em África e mesmo a algumas comunidades lusófonas como por

exemplo na América do Norte.

No que respeita a conteúdos editoriais sempre se notou a intenção de os textos não se

circunscreverem à mera transmissão de valores bíblicos e cristãos, mas também de conhecimentos

que fomentassem a criação e desenvolvimento de cidadãos cultos e responsáveis. Notava-se, pois,

uma clara preocupação com uma formação holística e até mesmo inclusiva. A ênfase do Raio de Sol

nunca foi informativa mas sim formativa.

Os artigos eram maioritariamente escritos em forma de prosa, mas sempre houve um grande

cuidado em cultivar o estilo e a forma poética, na transmissão de valores e de conhecimentos aos

seus jovens leitores. Ao fim de quase três décadas de publicação, o que fica para a posteridade é

uma vasta e rica antologia poética, contando tanto com a que foi originalmente escrita para o jornal,

como a que era transcrita particularmente de autores consagrados. No total são mais de 400 os

27

Ibid. 1 (1932), p. 8.

28 Ibid. 1 (1935), p. 8.

autores que viram os seus textos publicados nos 324 números do Raio de Sol, ou seja, em média

mais de um novo autor por cada número. Apesar disso, a escolha dos poemas era criteriosa pelo que

todos os indícios encontrados levem a crer que o responsável por esta secção seria Eduardo

Moreira, ele próprio autor de vasta literatura lírica e conhecedor profundo de literatos portugueses e

brasileiros seus contemporâneos, como aliás atesta a sua epistolografia29

. Na verdade, Moreira foi o

que mais contribuiu para a poética do Raio de Sol com a publicação de 113 composições, para além

de pequenas quadras, pensamentos, provérbios, etc. É comum encontrar também nas páginas do

mensário poemas de muitos outros líderes protestantes da época como Alfredo Henrique da Silva,

António Pinto Ribeiro Júnior, Henry Maxwell Wright, João S. Canuto, João de Deus Ferreira, José

A. Fernandes (com extensíssima colaboração), Júlio Roberto dos Santos, Maria Elisama Moreira,

Maria José Pires dos Santos, Robert H. Moreton, Richard Holden, e o próprio J. P. da Conceição.

Os que mais contribuíram para esta secção foram, para além de Moreira e Fernandes, Ch. Santos,

Oliveira Cabral, Raúl Gonçalves, Rosina da Conceição e Stella Câmara Dubois.

A lista de poetas consagrados publicados no Raio de Sol também é extensa: são cerca de 75. Para

além de inúmeros arautos das letras portuguesas surge ainda um número impressionante de poetas

brasileiros com obra reproduzida no mensário protestante infantil, o que atesta que a sua penetração

no país-irmão também era grande. Efetivamente, o poeta com maior número de composições

publicadas é mesmo Olavo Bilac (1865-1918), com 24 poemas diferentes, para além de muitos

outros nomes claramente identificados com o surto literário oitocentista num país que recentemente

tinha conquistado a sua independência30

. Sinal disto mesmo é a publicação de um soneto da autoria

do imperador D. Pedro II (1825-1891)31

.

Dos portugueses não poderiam faltar naturalmente Camões, Gil Vicente, Bocage, Júlio Diniz e

Garrett. A lista é, porém, bem mais extensa incluindo nomes como Acácio Paiva, Afonso Lopes

Vieira, Álvaro de Castelões, Antero de Quental, António Feliciano de Castilho, Bulhão Pato,

Cândido de Figueiredo, Eugénio de Castro, Fernanda de Castro, Gomes Leal, Gonçalves Crespo,

29

VIANA – Maria Albertina Nunes. Eduardo Moreira: um construtor da diferença. Porto: Faculdade de Letras –

Universidade do Porto, vol. II. Tese de Mestrado

30 Outros poetas brasileiros publicados são José Eloy Ottoni (1764-1851), Visconde da Pedra (1780-1855), Catulo

Cearense (1863-1946), Coelho Netto (1864-1934), Vicente de Carvalho (1866-1924), Mário Pederneiras (1867-1915),

Mário de Alencar (1872-1925), Óscar Leme Brisolla (1887-1954), Murilo Araújo (1894-1980), Alceu Wamosy (1895-

1923), Gustavo Kuhlmann, Heli Menegale, Izabel Vieira de Serpa, Rita de Macedo Barreto, de entre outros.

31 Raio de Sol. 8 (1939), p. 59.

Guerra Junqueiro, D. João da Câmara, João de Deus, Marquesa de Alorna, Pedro Homem de Melo,

Rosa Silvestre (pseudónimo de Maria Lamas), Tomás da Fonseca, Tomaz Ribeiro32

.

Tendo em conta que muitos dos autores foram publicados mais do que uma vez, o Raio de Sol

apresenta um impressionante total de mais de 900 composições poéticas, entre as quais cerca de 15

anónimas, sem praticamente se terem detetado repetições.

No que respeita à prosa a diversidade de autores não é tão notória. Naturalmente que os textos com

estas características ocupam a maior parte da mancha gráfica do jornal ao longo dos vários anos em

que é publicado, mas pode-se dizer que a proveniência dessas colaborações era mais caseira, ou

seja, maioritariamente de pastores e outros líderes protestantes da época. É aliás notório que nas

suas duas primeiras décadas de existência o jornal depende muito, no que diz respeito a escritos

originais, dos familiares de J. P. da Conceição, o proprietário e editor do Raio de Sol; trata-se quase

de um “jornal de família”. É impressionante o número de homens e mulheres com o apelido

“Conceição” que se encontram entre os autores33

. Claro que muitos outros autores também

colaboraram mas estes destacavam-se pela evidente relação com o editor. Ao longo dos anos 40 o

Raio de Sol vai progressivamente publicando mais transcrições e adaptações e menos artigos

originais, desparecendo por completo a colaboração dos familiares de J. P. da Conceição e a sua

própria intervenção. O último escrito de autoria de Conceição é publicado no número de Maio de

1949, tratando-se, porém, da transcrição de um artigo publicado originalmente em O Amigo de

Infância, em Agosto de 189834

.

Alguns dos artigos eram ainda traduzidos, geralmente de língua francesa, inglesa e alemã, ou

transcritos de outras publicações.

32

A lista prossegue com Afonso de Castro, Agostinho de Campos, Anastácio Luís do Bonsucesso, António Correia de

Oliveira, António de Azevedo Castelo Branco, António Pinheiro Caldas, Augusto Amado de Aguilar, Augusto de Santa

Rita, Bramão de Almeida, Campos Monteiro, Cândida Aires de Magalhães, Conde de Casal Ribeiro, Conde de

Monsaraz, Conde de Sabugosa, Cristina Torres, Cruz Magalhães, Denis de Riba-Douro, Elpino Duriense, Espinola de

Mendonça, Francisco Gomes de Amorim, Guilherme Braga, Henrique O’Neill, Herculano Rebordão, J. da Silva

Mendes Leal, J. V. Pimentel Maldonado, Manuel de Arriaga, Maximiano Rica, Morgado de Gião, Oliveira San-Bento,

Pedro Canto e Melo, Rita Macedo Barreto, Zalina Rolim Toledo.

33 A lista é longa mais elucidativa: Diamantina Eunice da C., Corina Helena da C., Rosina Albertina da C., Leopoldina

Ruth da C., Helena J. Gonçalves da C., Samuel Pinto da C., Paulo Pinto da C., Lydia Ema da C., Edith Ruth da C.,

Armandina L. da C., Cláudia B. da C., e naturalmente o próprio J. P. da Conceição.

34 Publicado sob o pseudónimo Tulipomano de Carvalho.

Números especiais e secções temáticas

Não sendo esta uma publicação de caráter informativo, como acima já se demonstrou, a verdade é

que o Raio de Sol também não tinha um forte pendor proselitista. Analisando os conteúdos há uma

grande consistência no tratamento de temas de teor educativo, formativo, histórico (religioso e

nacional35

); nota-se ainda uma significativa preocupação com o ambiente e com os animais. Dá-se

um grande valor à virtude, ao heroísmo, à mãe e família, às artes, a uma alimentação saudável, aos

costumes de outros países, ao respeito pelo semelhante, especialmente as pessoas idosas, aos vícios

(em particular o álcool), às virtudes (desporto, ensino, escola), à centralidade da Palavra de Deus,

etc.

Todos os anos há também espaço para três números especiais. Um primeiro dedicado aos Ninhos

(Março) com um conjunto de artigos quase exaustivo sobre o cuidado que se deve ter com as aves.

Um segundo número especial era sempre dedicado ao Dia das Mães (Maio), que nas comunidades

protestantes é celebrado no segundo domingo de Maio. Um terceiro número naturalmente dedicado

ao Natal (Dezembro) com diversas sugestões para os programas especiais das Escolas Dominicais.

Havia ainda sempre menção a outros dias especiais celebrados nessas Escolas Dominicais como a

“Recepção ao Superintendente” (terceiro domingo de Agosto) e o “Dia dos Transviados” (último

domingo de Outubro), que conjuntamente com o “Dia das Mães” eram os domingos mais

frequentados, pelo menos na Escola Dominical do Monte Pedral, com cerca de 300 crianças

presentes em cada uma destas celebrações.

Um exemplo na ênfase moralizante deste mensário pode ser vista no seguinte texto de Abril de

1933 dedicado aos companheiros inconvenientes:

Os que usam linguagem obscena.

Os que profanam o Dia do Senhor.

Os que têm o hábito de mentir e furtar.

Os que fogem ao dever e que são preguiçosos.

Os que ridicularizam os seus pais ou lhes desobedecem.

Os que se iram com facilidade e que estão sempre em dificuldades com os outros.

35

Percebe-se, por razões óbvias uma grande ênfase nos temas pátrios nos números publicados em 1939 e 1940.

Os que têm disposição para a crueldade: que têm prazer em fazer mal aos animais: que roubam os

passarinhos dos ninhos.36

Quanto a secções temáticas há a considerar como a mais relevante, tal como o próprio O Amigo de

Infância reconhecia, os comentários aos textos bíblicos das “lições internacionais”37

da Escola

Dominical. Trata-se de um impressionante acervo de 311 grupos de quatro ou cinco “lições” muito

bem escritas por Eduardo Moreira, as quais influenciaram diversas gerações de crianças e

adolescentes protestantes ao longo dos 27 anos em que ininterruptamente as produziu para o Raio

de Sol.38

A partir do segundo ano de existência do mensário (1926) terá havido uma decisão

editorial de acrescentar textos comentados para crianças de mais tenra idade (os “primários”), cuja

autoria coube a Leopoldina Ruth da Conceição, ficando Moreira encarregado de produzir os

comentários para adolescentes. Nos anos 40, Eduardo Moreira voltaria a ser o único autor dos

comentários às lições internacionais da Escola Dominical.

Ao longo das várias décadas de publicação deste mensário foram-se sucedendo e alternando

diversas temáticas, certamente do interesse dos leitores deste periódico. Por exemplo, logo a partir

de Junho de 1925 inicia-se uma página dedicada ao escotismo39

, movimento muito ligado às

Escolas Dominicais e que havia surgido em 1912 no âmbito das Uniões Cristãs da Mocidade. O

primeiro artigo, intitulado “Como se criou o escotismo no mundo”, bem como os que se seguiram

por vários anos, foram escritos por Ernesto Moreira, filho de Eduardo Moreira, um dos maiores

entusiastas desta atividade desde a sua fundação em Portugal. Fora, aliás, o próprio Ernesto a

sugerir a criação desta secção no jornal40

A partir de 1941 J. S. Vieira inicia uma coluna com o nome “A Religião na Boca do Povo”41

, um

excelente trabalho de levantamento antropológico e etnográfico, em que o autor procura explicar

muitos ditos, provérbios e frases populares com origem bíblia e religiosa. Vieira escreveu ainda

36

Raio de Sol. 4 (1933), p. 29.

37 Pequeno lecionário publicado todos os meses pelo Raio de Sol mas também por O Amigo da Infância, geralmente

contendo uma referência a um ou mais textos bíblicos para cada domingo – as chamadas “lições principais” – de onde

se destacava o texto áureo, um versículo selecionado a partir desses textos. Inicialmente, publicava-se também uma lista

de referências bíblicas para leituras diárias, mas estas não eram comentadas.

38 De salientar que, em simultâneo, Eduardo Moreira era colaborador de O Amigo de Infância, para além de ter

produzido ampla obra literária e de investigação precisamente nesta época, cobrindo um vastíssimo conjunto de temas.

39 Raio de Sol. 6 (1925), p. 51.

40 Ibid. 4 (1925), p. 36.

41 Ibid. 1 (1941), p. 2.

sobre “Animais na Bíblia”, “Perfis de Homens Célebres” e “Histórias de Cães”. Nos últimos anos,

Vieira deixa de publicar e é Raul Pinto de Carvalho que se torna um dos mais presentes

colaboradores, particularmente com a sua coluna “Biografias”42

.

A contribuição para a hinologia protestante

É ainda de referir a importância que esta publicação teve para a divulgação da hinologia protestante.

A publicação de composições musicais, quase sempre acompanhada da respetiva pauta, não foi

consistente ao longo dos 27 anos de existência do Raio de Sol. No total são 82 composições, o que

constituiu uma relevante hinódia para o meio protestante, a que se acrescenta um cuidado técnico

significativo já que todos os hinos incluem harmonização para quatro vozes. Ainda assim, a

presença destas criações não é uniforme em termos temporais: mais de metade dos hinos foi

publicada nos cinco primeiros anos de existência do jornal. Nos dois primeiros anos a presença era

mesmo mensal, mas a partir de 1930 menos de metade dos números inseriam qualquer composição

musical43

. Significativamente a última composição publicada, em 1947, tinha como título “Hino do

Festival das Escolas Dominicais”, pertencendo a letra ao já falecido Robert H. Moreton (1844-

1917)44

.

Como se compreende a maior parte dos textos destas melodias são dirigidos a crianças e

adolescentes. Tratam-se em grande parte de melodias previamente compostas por autores

estrangeiros, notando-se uma forte componente anglo-saxónica. Quanto à lírica é geralmente

traduzida ou adaptada de outras línguas, embora se identifiquem muitos poemas originais.

Novamente se encontra entre os letristas o incansável Eduardo Moreira como um dos autores

principais com 37 poemas, seguido de Henry Maxwell Wright (1849-1931) com 22 textos. Outros

nomes conhecidos do protestantismo português também deram a sua contribuição nesta área, como

o próprio J. P. da Conceição, Guido Waldemar de Oliveira, José Ilídio Freire, entre outros.

42

Ibid. 8 (1950), p. 1.

43 Chegou mesmo a haver vários anos em que não se publicou qualquer hino, designadamente em 1938, 1940, 1943, e

de 1948 até ao fim.

44 Raio de Sol. 10 (1947), p. 76-77. Refere-se ainda que “[e]ste hino foi cantado por perto de mil crianças das Escolas

Dominicais do Porto e Gaia no Festival realizado em 3 de Junho de 1910, no Palácio de Cristal, para celebrar a VI

Convenção Mundial das Escolas Dominicais nessa ocasião reunida em Washington” (p.78).

Dispersão geográfica

Para o humilde início e a expressão praticamente local que o Raio de Sol tinha quando foi criado,

pode-se dizer que a sua abrangência superou largamente as expectativas. Na verdade, o pequeno

jornal foi anunciado desde o seu primeiro número de forma bastante despretensiosa como uma

publicação da Escola Dominical do Monte Pedral.

A verdade é que bem cedo O Raio de Sol chegou a outros locais do país e mesmo do estrangeiro.

Logo em 1925 já tinha agentes, primeiro em Ponta Delgada, Lisboa e Porto45

, e depois no Rio de

Janeiro46

, bem como correspondentes em Portugal e em paragens mais longínquas. Pela quantidade

e diversidade dos nomes listados referentes aos vencedores dos vários concursos que iam sendo

promovidos percebe-se que o jornal foi bastante transversal, tanto em termos geográficos como

mesmo em termos da sua penetração nas diferentes denominações e comunidades do protestantismo

nacional, ainda antes de este completar o seu primeiro século de existência no país. Eram também

várias as dezenas de permutas com outras publicações periódicas, religiosas e não religiosas.

O Raio de Sol, em grande medida, terminou como começou, ou seja, sem se conhecerem as razões

para tal. O último artigo publicado é bastante lacónico em termos de explicações intitulando-se

simplesmente “Adeus!”. O seu primeiro parágrafo esclarece:

Como é já do conhecimento de muitos dos seus leitores, cessa com o presente número a publicação

do «Raio de Sol». Depomos a tarefa não sem tristeza, mas na certeza de não ter sido vão este

trabalho feito no Senhor e para o Senhor, e de que assaz tem Ele donde suprir a falta da revistazinha

que porventura sintam alguns, grandes e pequenos, alguns lares, algumas Escolas Dominicais.47

Vinte e sete anos volvidos nota-se aqui a mesma modéstia indelevelmente marcada pelo

proprietário, administrador e editor, J. P. da Conceição, falecido três meses antes da saída deste

último número. Terá sido, aliás, este acontecimento a mais que provável razão para o fim desta

jornada. De todo o modo, o Raio de Sol tornou-se ao longo da sua existência um marco

incontornável para a infância protestante da época, passando-lhe valores que certamente terão

perdurado nas suas vidas.

45

Ibid. 4 (1925), p. 36.

46 Ibid. 12 (1925), p. 100.

47 Ibid. 12 (1951), p. 95.

Timóteo Cavaco

Julho de 2012

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Legendas das imagens:

RS1 – Primeira página do número inicial do Raio de Sol – Janeiro de 1925

RS2 – J. P. da Conceição: editor e proprietário do Raio de Sol – Fevereiro de 1927 (esta é a única

fotografia do jornal em que Conceição é retratado)

RS3 – Capa colorida do último volume encadernado (1951) do Raio de Sol