Paleoalterações e Carbonatos em Depósitos Aluviais na Região de Santa Maria, Triássico Médio a...

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3 Pesquisas em Geociências, 31 (1): 3-16, 2004 Instituto de Geociências, UFRGS INSS 1518-2398 Porto Alegre, RS - Brasil Paleoalterações e Carbonatos em Depósitos Aluviais na Região de Santa Maria, Triássico Médio a Superior do Sul do Brasil ÁTILA AUGUSTO STOCK DA ROSA 1 , NUNO LAMAS VALENTE PIMENTEL 2 & UBIRATAN FERRUCIO FACCINI 1 1 Programa de Pós-Graduação em Geologia, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Av. Unisinos, n. 950, SãoLeopoldo, RS, CEP 93022-000 e-mail: [email protected] 2 Departamento e Centro de Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo Grande C-2, 5º, 1749-016 Lisboa, Portugal (Recebido em 03/03. Aceito para publicação em 04/04) Abstract - Five types of paleo-weathering and carbonate precipitation were recognized in fine-grained deposits of the Alemoa Member, Santa Maria Formation, Middle to Upper Triassic of southern Brazil. The fauna and flora found in these lithologies are important dating tools, but only in a generic way, misleading the time involved in periods of deposition and non deposition. The identified types of deposits are (i) reddish mudstones, with none or little paleo-weathering, (ii) mottled mudstones, with incipient pedogenesis, mainly mottling, destratification, animal and vegetal colonization, (iii) carbonate veins, with more evidences of exposure and root action, (iv) carbonate siltstones/sandstones, where restricted fluvial deposits are cemented by phreatic carbonate, and (v) carbonate nodules and lenses, in which small lenses of a very compact calcrete are at the top and in the center of carbonated siltstone/sandstone beds, distinguished by its crystalinity, hardness and brighter color. The recorded microfacies point to a cyclic variation of the mainly high phreatic level, forming cracks and pedotubules (pedogenesis) filled with carbonate and Fe and Mn oxides (phreatic). The identification of five distinct pedofacies and the stratigraphic correlation in the sedimentary package of the Alemoa Member (base, middle or topmost position) suggest a probable association of paleo-weathering processes and vertebrate preservation. Near channel facies, mainly at the base and top, present smaller exposure periods and higher variations on the phreatic level, and consequently, the best preserved vertebrate fossils. On the other hand, facies which are far from the channel, record more subaerial exposure and more significant phreatic variation, leading to more advanced (although still incipient) paleo-weathering and carbonate precipitation, and to a worst fossil preservation. Keywords - weathering, carbonate, Triassic. INTRODUÇÃO O Triássico Médio a Superior sulbrasileiro, representado por arenitos e siltitos avermelhados, é bastante conhecido por seu conteúdo fossilífero, como cenário da evolução de vários grupos de paleovertebrados, em especial dos primeiros dinossauros (Schultz et al., 2000), da transição de répteis mamaliformes a mamíferos propriamente di- tos (Bonaparte & Barberena, 1975) e da mudança florística com o surgimento e extinção da Flora Dicroidium e o surgimento das coníferas (Guerra- Sommer & Scherer, 2000). A geologia e estratigrafia da referida região têm sido continuamente estudadas nas últimas décadas, fornecendo importantes dados para a construção de um arcabouço biocronoestratigráfico confiável (Faccini, 1989, 2000). Entretanto, algumas vezes estes dados são insuficientes para a solução de problemas, tais como a eventual existência de variações verticais dentro da sucessão sedimentar, o conceito de tempo envolvido nos períodos de depo- sição e não-deposição e a tafonomia de vertebrados, sendo necessária uma nova abordagem metodológica para a região estudada. A ocorrência de níveis com carbonatos, sob a forma de finos leitos, lentículas, nódulos, etc., num contexto deposicional predominantemente terrígeno, levou a procurar compreender seu significado, no sentido de detalhar os processos e ajudar a reconstituir a paleogeografia destas unidades. Gene- ricamente, estas ocorrências podem ser relacionadas com eventos mais ou menos longos de sedimentação química, de extensão variável, correspondendo por isso a situações de pausa de sedimentação terrígena e neoformação de carbonatos (Alonso-Zarza et al., 1992, Bowen & Bloch, 2002). O seu estudo detalhado, Em respeito ao meio ambiente, este número foi impresso em papel branqueado por processo parcialmente isento de cloro (ECF).

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Pesquisas em Geociências, 31 (1): 3-16, 2004 Instituto de Geociências, UFRGSINSS 1518-2398 Porto Alegre, RS - Brasil

Paleoalterações e Carbonatos em Depósitos Aluviais na Região de SantaMaria, Triássico Médio a Superior do Sul do Brasil

ÁTILA AUGUSTO STOCK DA ROSA1 , NUNO LAMAS VALENTE PIMENTEL

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& UBIRATAN FERRUCIO FACCINI1

1 Programa de Pós-Graduação em Geologia, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Av. Unisinos, n. 950, SãoLeopoldo, RS,CEP 93022-000 e-mail: [email protected]

2 Departamento e Centro de Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo GrandeC-2, 5º, 1749-016 Lisboa, Portugal

(Recebido em 03/03. Aceito para publicação em 04/04)

Abstract - Five types of paleo-weathering and carbonate precipitation were recognized in fine-grained deposits ofthe Alemoa Member, Santa Maria Formation, Middle to Upper Triassic of southern Brazil. The fauna and florafound in these lithologies are important dating tools, but only in a generic way, misleading the time involved inperiods of deposition and non deposition. The identified types of deposits are (i) reddish mudstones, with noneor little paleo-weathering, (ii) mottled mudstones, with incipient pedogenesis, mainly mottling, destratification,animal and vegetal colonization, (iii) carbonate veins, with more evidences of exposure and root action, (iv)carbonate siltstones/sandstones, where restricted fluvial deposits are cemented by phreatic carbonate, and (v)carbonate nodules and lenses, in which small lenses of a very compact calcrete are at the top and in the centerof carbonated siltstone/sandstone beds, distinguished by its crystalinity, hardness and brighter color. The recordedmicrofacies point to a cyclic variation of the mainly high phreatic level, forming cracks and pedotubules(pedogenesis) filled with carbonate and Fe and Mn oxides (phreatic). The identification of five distinct pedofaciesand the stratigraphic correlation in the sedimentary package of the Alemoa Member (base, middle or topmostposition) suggest a probable association of paleo-weathering processes and vertebrate preservation. Near channelfacies, mainly at the base and top, present smaller exposure periods and higher variations on the phreatic level,and consequently, the best preserved vertebrate fossils. On the other hand, facies which are far from the channel,record more subaerial exposure and more significant phreatic variation, leading to more advanced (although stillincipient) paleo-weathering and carbonate precipitation, and to a worst fossil preservation.

Keywords - weathering, carbonate, Triassic.

INTRODUÇÃO

O Triássico Médio a Superior sulbrasileiro,representado por arenitos e siltitos avermelhados, ébastante conhecido por seu conteúdo fossilífero,como cenário da evolução de vários grupos depaleovertebrados, em especial dos primeirosdinossauros (Schultz et al., 2000), da transição derépteis mamaliformes a mamíferos propriamente di-tos (Bonaparte & Barberena, 1975) e da mudançaflorística com o surgimento e extinção da FloraDicroidium e o surgimento das coníferas (Guerra-Sommer & Scherer, 2000). A geologia e estratigrafiada referida região têm sido continuamente estudadasnas últimas décadas, fornecendo importantes dadospara a construção de um arcabouço biocronoestratigráficoconfiável (Faccini, 1989, 2000). Entretanto, algumasvezes estes dados são insuficientes para a solução

de problemas, tais como a eventual existência devariações verticais dentro da sucessão sedimentar, oconceito de tempo envolvido nos períodos de depo-sição e não-deposição e a tafonomia de vertebrados,sendo necessária uma nova abordagem metodológicapara a região estudada.

A ocorrência de níveis com carbonatos, soba forma de finos leitos, lentículas, nódulos, etc., numcontexto deposicional predominantemente terrígeno,levou a procurar compreender seu significado, nosentido de detalhar os processos e ajudar areconstituir a paleogeografia destas unidades. Gene-ricamente, estas ocorrências podem ser relacionadascom eventos mais ou menos longos de sedimentaçãoquímica, de extensão variável, correspondendo porisso a situações de pausa de sedimentação terrígenae neoformação de carbonatos (Alonso-Zarza et al.,1992, Bowen & Bloch, 2002). O seu estudo detalhado,

Em respeito ao meio ambiente, este número foi impresso em papel branqueado por processo parcialmente isento de cloro (ECF).

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quanto a processos e significado paleoambiental,deverá, portanto trazer indicações acerca do ritmodeposicional e das razões para a existência momen-tânea e local de condições favoráveis à formação decarbonatos. A relação destes aspectos com o nívelfreático, enquanto fator chave destas neoformações,é outra questão que deverá ser realçada, posto queas suas oscilações estão condicionadas pela própriadinâmica deposicional à pequena escala (Sanz et al.,1995; Carlisle apud Tucker & Wright, 1990, fig 16).Desta forma, esta ferramenta integradora deveráauxiliar no detalhamento pormenorizado de seuempilhamento sedimentar, bem como no estudo so-bre a tafonomia e preservação dos fósseis animais evegetais contidos nas formações geológicas estudadas.

Neste trabalho são apresentados os dadoscoletados na região central do Estado do Rio Grandedo Sul (Fig. 1), nas imediações da cidade de SantaMaria, em particular nos diferentes tipos de acumu-lações carbonáticas reconhecidas nas diversas se-ções estudadas.

GEOLOGIA REGIONAL

A área estudada, situada num raio de 20 kmem torno da cidade de Santa Maria, está localizadana região central do estado do Rio Grande do Sul,extremo sul do Brasil. As unidades litoestratigráficasem estudo (Fig. 2) compõem uma parte do registrosedimentar da Bacia do Paraná (Zalán et al., 1990),desenvolvida inicialmente como uma bacia sedimentardo tipo sinéclise (Siluriano-Devoniano), transforman-do-se gradualmente em uma bacia francamenteintracontinental (Carbonífero-Permiano), até a frag-mentação total dos continentes de Pangéia eGondwana (Jurássico-Cretáceo). O registroTriássico está materializado no Grupo Rosário doSul, de idades entre o Scitiano e o Rético e com umaespessura total em torno de duas centenas demetros. Segundo Andreis et al. (1980), este Grupoencontra-se dividido em três Formações: Sanga doCabral, Santa Maria e Caturrita, com base principal-mente na razão arenito-pelito e em seu conteúdofossilífero.

A Formação Sanga do Cabral é compostapor duas associações de litofácies em posiçãoestratigráfica bastante uniforme (Lavina, 1991): nabase, arenitos finos alaranjados, com estratificaçõesplanares e cruzadas de baixo ângulo, com rarospelitos avermelhados associados; e no topo, arenitosfinos a muito finos alaranjados, com estruturas pla-

nares, cortados por conglomerados a arenitos gros-sos intraclásticos, em níveis lenticulares amalgama-dos, de relativa continuidade lateral (relação espes-sura x comprimento, 1:100).

A Formação Santa Maria é subdividida emdois membros: Membro Passo das Tropas, consti-tuído por arenitos grossos seixosos a médios, comníveis intraclásticos na base de estratificações cru-zadas acanaladas de médio porte, em leitos amalga-mados (relação espessura x comprimento, 1:10),contendo impressões vegetais da Flora deDicroidium, bem como insetos e escamas de peixes(Pinto, 1956; Lima et al., 1984); e Membro Alemoa,tema principal deste estudo, caracterizado pelaabundância de pelitos avermelhados, com abundan-tes tetrápodes fósseis, principalmente terapsídeos earcossauros (Schultz et al., 2000).

A Formação Caturrita é composta por arenitosmédios a finos bordô, localizadamente grossos aconglomeráticos, com níveis intraclásticos, ora dispos-tos na base de estratificações cruzadas acanaladas demédio porte, ora em pacotes erosivos discordantes, degranulometria mais fina, com pouca continuidade late-ral, mas amalgamados. Litoestratigraficamente,correspondem ao aparecimento dos primeirosarenitos a cortar os pelitos vermelhos no topo daFormação Santa Maria, antes mesmo dos canaisarenosos mais bem desenvolvidos e regionalmentedispostos (Faccini, 1989, 2000).

As seções aqui estudadas compreendem osdepósitos pelíticos do Membro Alemoa da FormaçãoSanta Maria, incluindo depósitos da base, centro etopo dessa unidade (Quadro 1).

MÉTODOS

O reconhecimento das rochas sedimentaresdo Triássico Médio a Superior do sul do Brasil en-volveu estudos geológicos de variada escala, incluin-do seu mapeamento geológico de semidetalhe (esca-la 1:25.000), definição de blocos estruturais mais oumenos homogêneos, descrição de seções deafloramento, amostragem e descrição petrográficade amostras chave.

Delimitação de blocos estruturais

A região alvo foi dividida em blocosestruturais, com base em trabalhos de campo e la-boratório, sobre aerofotos 1:25.000, imagens de ra-dar, satélite Landsat TM 5 e 7, e cartas topográficas1:50.000 (Da Rosa & Faccini, em preparação).

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Figura 1 - Mapa geológico simplificado da porção gonduânica superior do Rio Grande do Sul, com indicação das unidadeslitoestratigráficas e seqüências deposicionais equivalentes (modificado de Faccini, 2000).

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Figura 2 - Arcabouço litoestratigráfico da região de Santa Maria (modificado de Faccini, 2000). Diagrama cronoestratigráficoesquemático baseado em seções regionais, com calibração de tempo de duração das seqüências e hiatos deposicionais estimados a partirdas idades das “faunas locais” estabelecidas por Barberena (1977) e redefinições posteriores (Schultz, 1995; Scherer et al., 1995; Schultzet al., 2000).

Quadro 1 - Localização das seções estudadas (em itálico, seções apresentadas na Fig. 5).

otnemarolfA )22osuF(MTUsadanedrooCacifárgitartsEoãçisoPeoãçircseD

aomelAorbmeMon

E N

)bea(1issoRaliV m749222 m6110176 esaB;sotineraesotitliS

2issoRaliV m654322 m5410176 esaB;sotineraesotitliS

2lairtsudnIotirtsiD m721222 m0482176 esaB;sotineraesotitliS

)opoteesab(raromorP m417332 m3940176 oieM;sotineraesotitliS

sotnegraSsodaliV m349432 m4261176 oieM;sotineraesotitliS

aniluaPerdaMaliV m659722 m3670176 oieM;sotineraesotitliS

)IotirreC(avoNaxiaF m559922 m1401176 oieM;sotitliS

)IIotirreC(avoNaxiaF m642032 m0170176 opoT;sotineraesotitliS

)IIIotirreC(avoNaxiaF m554032 m1350176 opoT;sotineraesotitliS

sonineMsodedadiC m337632 m9233176 opoT;sotitliS

1oieModoiorrA m466932 m3614176 opoT;sotitliS

atirrutaCaliV m909422 m0784176 opoT;sotineraesotitliS

obmoliuQarapadartnE m183812 m7650276 opoT;sotineraesotitliS

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A partir do reconhecimento de feições estruturais degrande magnitude (lineamentos na ordem de deze-nas de quilômetros) e de descontinuidades no terre-no (falhas geológicas mapeadas e/ou inferidas) foipossível reconhecer seis blocos estruturais, onde asrochas sedimentares do Triássico Médio a Superiordo sul do Brasil encontram-se pouco perturbadas.Estas áreas recebem os nomes das cidades maisimportantes da região que ocupam, quais sejam:Santa Maria, Silveira Martins, Faxinal do Soturno,Agudo, Paraíso do Sul, Candelária. Este trabalhorefere-se ao bloco Santa Maria, com razoável co-nhecimento geológico e paleontológico, em adição atrabalhos em andamento (mapeamento geológico1:25.000, análise geométrica 3D do sistema aqüíferoPasso das Tropas, doutoramento do primeiro autor).As feições aqui identificadas serão correlacionadas, sepossível, aos outros blocos estruturais acima descritos.

Identificação das paleoalterações

Os sedimentos aluviais, enquanto conjuntode materiais transportados e depositados por um flu-xo aquoso em permanente movimento, são constitu-ídos quase exclusivamente por partículas terrígenas,de granulometria variável em função da energia. Noentanto, uma vez processada a deposição dessaspartículas, todo esse material fica disponível paramodificações físico-químicas mais ou menos profun-das, incluindo a neoformação de carbonatos, sendoeste o assunto a ser desenvolvido neste trabalho. Emambientes continentais, em relação com a existênciamais ou menos prolongada de corpos aquosos rela-tivamente extensos (a partir dos quais se dá a pre-cipitação de minerais), podem também se encontrarcarbonatos considerados então já de gêneselacustre. Portanto, pode-se considerar que a forma eintensidade dos processos de paleoalteração ecarbonatação estão associados diretamente à pro-fundidade e freqüência de oscilação do nível freático

(Fig. 3), onde um nível freático muito baixo leva àexposição prolongada dos depósitos, um nível alto aquase aflorante leva à carbonatação lateralmenteextensa, e um nível mais alto que a superfície topo-gráfica gera condições palustres e/ou lacustres. Estebalanço entre a velocidade de ascensão do nívelfreático regional e a taxa de agradação da superfícietopográfica pode ser uma importante ferramentapara o entendimento dos fatores controladores daevolução de uma bacia aluvial (Pimentel, 2003).

As paleoalterações em depósitos aluviaisassociam-se essencialmente com a exposição sub-aérea e a colonização vegetal. Tal ponto de vistacorresponde ao conceito de pedogênese, em sentidoestrito, enquanto conjunto de processos de formaçãode solos em estreita interação com a biosfera e aatmosfera (Retallack, 1997). No entanto, tambémem níveis subjacentes, no interior da faixa freática,podem ocorrer transformações importantes. Todoeste conjunto de transformações inclui marcas físi-cas, químicas e biológicas, atribuíveis a processos dediversos tipos (Wright, 1989; Retallack, 2001; entreoutros):

i) biogênicos, incluindo a bioturbação mecânica,acumulação de matéria orgânica e gênese derizoconcreções;

ii) de neoformação, constituindo acumulaçõesmais ou menos extensas de minerais de nature-za variada (carbonatos, argilas, óxidos de Fe eMn, sílica, etc.), cuja natureza traduz as condi-ções geoquímicas locais, podendo gerar tam-bém colorações, por modificação da cor inicial,total ou em áreas parciais;

iii) de modificação textural, resultante da movi-mentação de partículas no interior do solo, poração gravitacional ou arrastadas pela circula-ção de fluidos intersticiais, contribuindo para aeluviação e iluviação;

Figura 3 - Posições do nível freático em um perfil de solo.

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iv) de modificação estrutural, resultante de movi-mentações de água, ar e partículas, contribuin-do para a formação de horizontes pedogênicose feições macro-estruturais (colunas, “torrões”ou “peds”, fendas, pseudo-anticlinais, etc.).

No decurso do reconhecimento de campo,estas feições foram sistematicamente identificadas,no sentido de estudar e compreender a sua gênese,bem como caracterizar a sua ocorrência e abundân-cia. A distinção destas situações contribuiu parauma melhor compreensão das paleoalterações noMembro Alemoa.

Petrografia

A descrição dos carbonatos e paleoalteraçõesdo Membro Alemoa baseou-se na análise de 18 lâ-minas delgadas, coletadas em 13 afloramentos nasimediações da cidade de Santa Maria. Cincoafloramentos foram escolhidos para representar asfeições aqui apresentadas (Tab. I, Figs. 4 e 5). Asamostras de rochas foram laminadas com impregna-ção e utilização de corante azul de Ceres, para iden-tificação da porosidade original.

A descrição petrográfica convencional foifeita no Laboratório de Microscopia do Programa dePós-Graduação em Geologia da UNISINOS e naFaculdade de Ciências da Universidade de Lisboa,seguindo a metodologia descrita em Retallack (1997,2001). Foram reconhecidas, entre outras feições, alitologia original, as modificações biogênicas (traçosde raízes e pedotúbulos), a presença de fendas (ti-pos, extensão, preenchimento), carbonatação (locali-zação, volume, modificação da estrutura original), eas relações genéticas e temporais entre os processos.

DESCRIÇÃO DOS CARBONATOSE PALEOALTERAÇÕES

Neste ponto serão descritas as principaisseções selecionadas e estudadas em detalhe, atipologia das feições macroscópicas nelas observa-das e a caracterização petrográfica dos carbonatose paleoalterações em geral.

Feições macroscópicas

As seções estudadas compreendem afloramentosna região urbana de Santa Maria, correspondendo aporções de base, meio e topo do Membro Alemoa,Formação Santa Maria (Figs. 4 e 5).

Os afloramentos Vila Rossi 1 e 2 correspondema afloramentos artificiais à margem da rodovia BR

158, que liga Santa Maria a Rosário do Sul, nasimediações da vila homônima. Representam pelitosavermelhados com intercalações areníticas, próximasao contato com o Membro Passo das Tropas, portantona porção basal do Membro Alemoa. É possível obser-var, à escala do afloramento Vila Rossi 2, um conjuntode camadas lateralmente extensas de arenitos, oradescoloridas, ora carbonatadas (Fig. 4c). Os pelitosapresentam feições de descoloração (mosqueamento),enquanto os arenitos possuem traços de raízes ebioturbações verticais de espessura milimétrica. Já oafloramento Vila Rossi 1 possui menor intercalação dearenitos, encontrando-se estes lateralmente contínuos emoderadamente carbonatados (Fig. 4a).

O afloramento Promorar localiza-se na RST287, rodovia popularmente conhecida como “FaixaNova”, a meio caminho entre o centro da cidade eo bairro Camobi. Ocupa uma posição intermediáriado Membro Alemoa. Pode ser dividido, com baseem suas feições, como base e topo. Na base, umconjunto de lentes areníticas de largura e espessurareduzidas encontram-se regularmente espaçadas,vertical e lateralmente (Fig. 4b). Em geral, há umaumento do grau de carbonatação em direção aotopo destas lentes, feição que será analisada maisadiante. A porção superior do afloramento Promorarapresenta pelitos avermelhados, com intercalaçõesmilimétricas de arenitos finos, lateralmente persis-tentes, apresentando descoloração, traços de raízese cutanes argilosos.

O afloramento Vila dos Sargentos está loca-lizado na rua Antônio Gonçalves Amaral, ParqueResidencial Alto da Colina, defronte à esquina coma rua 8. Ocupa uma posição intermediária no Mem-bro Alemoa. Constitui-se em uma intercalação deníveis pelíticos e areníticos, muito localizadamentecarbonatados. As lentes areníticas centimétricaspodem apresentar bioturbações verticalizadas tipoScoyenia (Fig. 4d).

O afloramento Cidade dos Meninos, conjun-tamente com o afloramento Faixa Nova, ocupa aporção de topo do Membro Alemoa. O afloramentoFaixa Nova – Cerrito I localiza-se no entroncamentoentre as rodovias BR 158 e RST 287, enquanto osafloramentos Faixa Nova – Cerrito II e III represen-tam as porções aflorantes na rodovia RST 287, sen-tido Centro-Camobi. O afloramento Cidade dosMeninos está localizado no Orfanato Don LuisGuanella, no sopé do Morro do Elefante, bairroCamobi. São visíveis os siltitos argilososavermelhados, maciços, com milimétricos níveis are-nosos, parcialmente carbonatados (Fig. 4e). Nestes

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Figura 4 - Feições macro e mesoscópicas dos carbonatos e paleoalterações do Membro Alemoa, Formação Santa Maria, visíveis à escalade afloramento. (a) Afloramento Vila Rossi 1a, pelitos vermelhos com níveis de nódulos carbonáticos; (b) Afloramento Promorar base,lentes carbonáticas (ponds); (c) Afloramento Vila Rossi 2, intercalação de pelitos (mais escuros) e arenitos (mais claros); (d) AfloramentoVila dos Sargentos, bioturbações tipo Scoyenia em arenitos intercalados em pelitos vermelhos; (e) Afloramento Cidade dos Meninos,pelitos vermelhos, com carbonatação localizada; (f) Afloramento Faixa Nova – Cerrito III, fraturas horizontais e verticalizadas compreenchimento carbonático em pelitos vermelhos. Escala: (a), (c), (e) Régua topográfica, 3 m; (b) Trena, 1 m; (d) Caneta esferográfica,15 cm; (f) Martelo, 30 cm.

a) b)

c) d)

e) f)

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níveis formam-se, ocasionalmente, nódulos econcreções carbonáticas. São comuns as substitui-ções por calcedônia (Silvério da Silva, 1997).

Feições mesoscópicas

No interior dos depósitos predominante-mente pelíticos e avermelhados do Membro Alemoa,são freqüentes os níveis descontínuos ou concreçõesde cor clara, por vezes carbonatados. Na área estu-dada foram reconhecidas diversas feições emafloramento, traduzindo diferentes graus depaleoalteração e neoformação carbonática. Suasfeições mesoscópicas, visíveis em escala deafloramento, são descritas como segue (Fig. 5):

i) Pelito Vermelho – siltitos argilosos vermelhos(padrão de cores Munsell, 5YR 5/6 a 6/4, até10R 4/6), em leitos métricos maciços ou com

laminação fina, com fraturas decimétricas ver-ticais a oblíquas, de espessura milimétrica (~ 1-2 mm), preenchidas por argila escura (10R 5/4). Os tetrápodes fósseis encontrados nestaslitologias estão perfeitamente preservados porprocessos de substituição carbonática e rara ainexistente incrustação por carbonato mais óxi-dos de ferro e manganês (Holz & Barberena,1994; Holz & Schultz, 1998; Holz & Souto-Ribeiro, 2000);

ii) Pelito Mosqueado – siltitos pouco argilosos,alaranjados (10R 6/6) a esbranquiçados (10Y6/2), maciços a laminados, em leitos de espes-sura inferior a um metro. Observam-se estrutu-ras prismáticas centimétricas (“torrões” ou an-gular to subangular blocky peds, Retallack,2001), definindo sucessivos leitos com grandecontinuidade lateral, separados por finas inter-

Figura 5 - Perfis colunares de afloramentos selecionados, evidenciando carbonatações e paleoalterações.

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calações de níveis pelíticos maciços vermelhos. A pe-riferia dos torrões apresenta-se localizadamenteesbranquiçada (reduzida), em manchas disper-sas ou segundo orientações geralmente verti-cais, por vezes com preenchimento argilosoestriado (slickensides), conferindo a estalitologia seu aspecto mosqueado característico;

iii) Vênulas Carbonáticas – rede de finos veioscarbonáticos milimétricos esbranquiçados, nointerior de pelitos vermelhos, com padrãoarborescente. Esta malha pode ser mais oumenos densa e por vezes coalescente. Estafeição ocorre em manchas decimétricas lateral-mente muito descontínuas, podendo desenvol-ver-se mais na vertical do que na horizontal;

iv) Siltito/Arenito Carbonatado – Arenitos finos amuito finos ou sílticos, em camadas lenticulares,com cerca de 10 a 20 cm de espessura e 1 a5 m de extensão lateral. Em afloramento, apre-sentam-se esbranquiçados a cinzentos e endu-recidos, destacando-se dos pelitos encaixantes.No interior destes leitos, é possível reconhecermanchas mais ou menos difusas com a coravermelhada original. São observáveis algumasbioturbações verticalizadas, irregulares e compreenchimento argiloso vermelho, de espessuramilimétrica (1-2 mm), ou outras mais tubulares,com 1-2 cm de espessura e preenchimentosíltico-arenoso (tipo Scoyenia). Os vertebradosfósseis aí encontrados apresentam graus cres-centes de destruição das paredes ósseas, porcrescimento displacivo dos carbonatos eincrustação grosseira (Holz & Barberena,1994; Holz & Schultz, 1998; Holz & Souto-Ribeiro, 2000);

v) Lentículas Carbonáticas – lentículas esbranquiçadasa cinzentas, de espessura decimétrica (5-20cm) e reduzida extensão lateral (0,5 a 1 m). Adescontinuidade lateral é acentuada, encontran-do-se estas lentículas geralmente afastadasmais de 3-5 m, enquanto na vertical oespaçamento é variável (0,5 a 2 m). Na maioriados casos, estas lentículas encontram-se notopo e no centro das camadas de siltito/arenitocarbonatado, distinguindo-se por sua maiorcristalinidade, dureza e cor mais clara. Trata-sede um calcário muito compacto, sendo freqüen-te a ocorrência de veios entrecruzados compreenchimento espático e/ou óxidos de Fe-Mnnegros.

Feições microscópicas

A descrição das lâminas permitiu a caracte-rização de diferentes feições microscópicas (Fig. 6)nos cinco litótipos considerados:

i) Pelito Vermelho – os grãos de silte a areia finaestão envoltos em uma massa argilosa oxidada,sem fábrica visível. A presença de argila difi-culta o processo de impregnação e laminação,porém Silvério da Silva (1997) descreve a pre-sença predominante de argilominerais do grupodas esmectitas;

ii) Pelito Mosqueado – uma diminuição do conteú-do argiloso, provavelmente por iluviação, leva àmodificação da cor nesta fácies para tons maisclaros, apesar da maior oxidação apresentada;

iii) Vênulas Carbonáticas – caoticamente ramificados,estes pequenos veios apresentam carbonatoespático de média cristalinidade (esparita). Trêsmicrofácies podem ser identificadas: veios “lim-pos”, veios “sujos” (com óxidos de Fe e Mn) eveios com esparita rômbica (Fig. 6f);

iv) Siltito/Arenito Carbonatado – foram observa-dos dois tipos de lâminas, correspondentes agraus crescentes de carbonatação. Em lâminasdelgadas dos siltitos/arenitos menos carbonatados(Fig. 6a) observa-se a presença de grãos, es-sencialmente quartzosos, angulosos, por vezescom bordos corroídos, matriz argilosa com po-ros arredondados, elipsóides e alongados, comcerca de 2 mm de diâmetro, sempre com preen-chimento por carbonato espático monocristalino,ou seja, apenas um cristal espático preenchetotalmente os poros (Fig. 6b).Em outros siltitos, observam-se grãos igualmen-te quartzosos e com bordos corroídos, porémcom matriz carbonatada micrítica e pequenasáreas arredondadas ou irregulares de microesparita(Fig. 6d). Na matriz observam-se quer orifíciospreenchidos por esparita monocristalina, porvezes engolfando grãos quartzosos, quer fendascom 1 a 2 mm de largura e preenchimentoespático policristalino ou de calcedônia.

v) Nódulos/Lentículas Carbonáticos - geralmenteconstituídos por material carbonatado micríticoe microespático, dispostos em manchas irregulares,levando à formação de nódulos (nodulização)ou pellets micríticos (grainification, Freytet &Plaziat, 1982; Alonso Zarza et al., 1992). Notopo de algumas lentes carbonáticas, pode-se

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Figura 6 - Feições microscópicas dos carbonatos e paleoalterações do Membro Alemoa, visíveis em lâmina delgada. (a) Pedotúbulos comargila meniscada e preenchimento carbonático monocristalino, LN. Arenito fino carbonatado, afloramento Promorar base; (b) Detalhede argila meniscada e preenchimento espático geopetal em pedotúbulo, LP. Siltito carbonatado, afloramento Promorar base; (c)Biolaminação em pelito vermelho oxidado, LP. Nódulo carbonático, afloramento Promorar base; (d) Siltito com matriz carbonáticamicrítica e oxidação localizada, LN. Afloramento Faixa Nova – Cerrito III; (e) Detalhe de preenchimento de fendas por carbonatoespático policristalino, LP. Nódulo carbonático, afloramento Promorar base; (f) detalhe de carbonato rômbico associado a óxido demanganês no preenchimento tardio de veios; LP, nódulo carbonático, afloramento Promorar base. Luz natural = LN, luz polarizada =LP, escala = 500 µm para todas as amostras.

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formar biolaminação, pelo acúmulo de matériaorgânica depositada provavelmente porcianobactérias (“algas azuis-verdes”), com es-pessura total em lâmina delgada na ordem depoucos milímetros (Fig. 6e). Este material en-contra-se atravessado por veios mais ou menosespessos, com preenchimento microespático se-guido por intercrescimento espático (Fig. 6e), ea seguir a presença de óxidos negros (Fe-Mn).No centro encontram-se, por vezes, cristaisrômbicos, bordejados por óxidos.

Wright (1989, fig. 19) sugere uma subdivisãogenética de calcretes com base em estudos demicrofábrica de calcários, de acordo com sua ori-gem química ou biogênica, nominando-os texturasalfa ou beta, respectivamente. As feições aqui des-critas são predominantemente relacionadas à texturaalfa, com microfábrica densa, nodulização, fendascomplexas e/ou circum-granulares, carbonatos emcristais rômbicos e grãos sedimentares flutuantes.

INTERPRETAÇÃO

A análise lateral e vertical das caracte-rísticas deposicionais preservadas nas litologias emestudo permite inferir que a evolução sedimentardeu-se em um ambiente de planície de inundação,com variações localizadas de relevo, drenagem evegetação (Fig. 7). Um modelo deposicional para aregião pode ser visualizado pelo análogo moderno dolago salgado (salt pan) Etosha, Namíbia (Buch &Rose, 1996), onde uma ampla região deprimida rece-be anualmente a descarga pluvial, gerando um gran-de, porém raso, lago. O advento da estação secapromove o ressecamento generalizado da região e aformação de pequenos corpos d’água, geralmentealcalinos.

Faccini (2000) admite que o paleoambientedeposicional do Membro Alemoa, Formação Santa

Maria, corresponde a planícies de inundação comesparsos e temporários corpos d’água, e a periódicaformação de crevasse splays. Fonseca & Scherer(1998) indicam uma deposição de rios meandrantese suas respectivas planícies de inundação como oprovável paleoambiente do pacote sedimentar repre-sentado pelas Formações Santa Maria e Caturrita.

Em muitas das feições observadas (descri-tas em 4), um nível freático próximo da superfície eoscilações mais ou menos rápidas ou pronunciadasforam condições favoráveis e potencializadoras dacarbonatação e outras paleoalterações, na medidaem que permitiram a mobilidade física e química dosmateriais (Alonso-Zarza, 2003). Foram observadasfeições que podem ser relacionadas com diferenteszonas, em função do nível freático no interior doperfil de um solo (Fig. 3): processos desenvolvidosem partes tendencialmente aeradas do solo (como éo caso das fendas de dissecação), desenvolvidos nazona vadosa periodicamente aerada (rizoconcreções,por exemplo) ou já na faixa freática com porospermanentemente colmatados por água (cimentaçãoespática, por exemplo). Estas três situações sãogeralmente encaradas como definindo uma sucessãovertical descendente, da superfície para a profundi-dade. No entanto, para um mesmo relevo, o nívelfreático pode estar de tal modo alto que se aproxi-ma, coincide ou ultrapassa mesmo a superfície.Neste último caso passaremos da pedogênese paracondições de tipo lacustre extremamente raso, deordem centimétrica (e.g., Sanz et al., 1995). Destemodo, os processos pedogênicos (vadosos oufreáticos) e palustres poderão estar intimamenteassociados, como veremos em seguida.

Os Pelitos Vermelhos são fruto de deposiçãoterrígena, em planície de inundação, sofrendo expo-sição sub-aérea e conseqüente oxidação das argilas.Sua pouca espessura indica níveis d´água relativa-mente rasos e extremamente efêmeros. Algumasfeições de umedecimento-ressecamento das argilasestão presentes (slickensides), revelando a ocor-rência de inundações periódicas.

Os Pelitos Mosqueados são depositados damesma forma que os anteriores, sofrendo a ação dehidromorfismo pseudo-gley, como resultado de osci-lação rápida do nível freático. Como conseqüência,apresentam-se oxidados, com fendas e peds emposições de nível freático baixo (Fig. 8a), e reduzi-dos (claros) em posições de nível freático alto.

As Vênulas Carbonáticas indicam um pelitode planície de inundação oxidado, seguido de coloni-zação vegetal e rizoconcreções. Estas feições indi-

Figura 7 - Modelo paleoambiental das feições identificadas. Dis-tância aproximada entre os corpos d’água: 2-3 m.

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cam um período de tempo de exposição mais prolon-gado, com o nível freático variando, porém quasesempre abaixo da superfície e ao alcance das raízes(Fig. 8b). Retallack (2001) aponta as diferençasentre rizoconcreções em solos, indicando uma rela-ção entre a profundidade e extensão lateral dasraízes com o grau de umidade. Nos afloramentosestudados, os traços de raízes são centimétricos esempre verticais, indicando baixa umidade superficialdo solo, porém com relativa umidade em sub-superfície.

Os Siltitos/arenitos carbonatados represen-tam a deposição siliciclástica de sedimentos finospor fluxo aquoso, com colonização vegetal e/ou ani-mal, gerando poros, preenchidos por carbonatos(Fig. 6a,b). Em outros casos, ocorre cimentaçãototal, por carbonato displacivo micrítico sin-deposicional e corrosivo sobre os grãos doarcabouço. Estes últimos depósitos são depoisemersos e ressecados, formando fendas, depois pre-enchidas de novo por carbonato espático (com ou semóxidos de Fe e Mn), em ambiente vadoso-freático.

A presença de Lentículas Carbonatadasmicríticas indica a precipitação (bio)química de car-bonatos em ambiente aquático, mas com repetidasvariações da lâmina d’água (nodulização), gerando

um calcário de ambiente palustre (Alonso Zarza etal., 1992; Bowen & Bloch, 2002; Calvo et al., 1995;Sanz et al., 1995; Wright & Platt, 1995) . Da mesmaforma que os depósitos anteriores, são submetidos aemersão e formação de fendas, com preenchimentoespático (vide anterior). As pequenas irregularidadesdo relevo na planície de inundação parecem ser olocal de deposição, posto que as lentes são de di-mensões diminutas, vertical e lateralmente, porémpersistentes na porção mediana da sucessãosedimentar. A eqüidistância entre as lentes parececorroborar esta hipótese (Figs. 4b e 7), possivelmen-te correspondendo ao padrão de preenchimento depequenas depressões do relevo e a conseqüenteformação de diminutos corpos d’água (‘poças’ ouponds, Alonso-Zarza et al., 1992).

CONCLUSÕES

Cada um dos tipos de fácies descritoscorresponde no essencial ao resultado de posiçõesglobalmente mais ou menos elevadas e oscilantes donível freático. Em nível freático baixo ocorreu adeposição e geração das principais feiçõespedogênicas registradas, como a formação deslickensides, peds e mosqueamento. Já em situa-

Figura 8 - Modelo interpretativo para as carbonatações presentes no Membro Alemoa, Formação Santa Maria, com base nas feiçõesmicroscópicas e sobreposições observadas. As etapas 1 a 6 constituem um ciclo completo, resultante das oscilações do nível freáticoem relação com a deposição e exposição sub-aérea. Este ciclo pode ser interrompido e reiniciado, em função da própria dinâmicadeposicional do sistema aluvial.

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ções de nível freático alto a tendencialmenteaflorante, a colonização animal e vegetal permitiu ageração de estruturas de maior porosidade, preen-chidas por carbonato. O registro de corpos d’águade extensão lateral métrica (“poças d’água”, ponds)na planície de inundação, com a formação debiolaminação por ação de cianofíceas (?), indicauma posição aflorante do nível freático.

Na medida em que o nível freático tende avariar ao longo do tempo, é de supor que tais situaçõespossam gradar entre si. Uma tendência de subida donível freático poderá ficar registrada como uma su-cessão das feições observadas (Fig. 8): Pelito Ver-melho à Pelito Mosqueado à formação deVênulas Carbonáticas à Carbonatação freática (la-teralmente extensa) ou vadosa (localizada) à gera-ção de Lentes Carbonáticas. Esta sucessão indica,respectivamente, posições do nível freático: profun-do e rapidamente exposto, vadoso oscilante, vadoso,freático, palustre. A associação vertical destes as-pectos traduz a seqüência de acontecimentos à pe-quena escala local e temporal, sendo que a posiçãodos ponds ao centro/topo dos siltitos poderá resultarda microtopografia e drenagem interna.

Acresce que estas tendências são freqüen-temente oscilatórias, devido à própria dinâmicadeposicional, resultando na sobreposição de feições,tal como observado em lâmina. Assim se explicaque um calcário depositado em ambiente sub-aquá-tico palustre apresente marcas de variação da lâmi-na d’água (nodulização), de emersão prolongada(fendas de dissecação), seguidas por marcas decolmatação freática das mesmas (esparita freática).Em resumo, os aspectos observados traduzem es-sencialmente a posição predominante do nívelfreático relativamente à superfície, posição essa quevariou ao longo do tempo.

A presença de cada um destes aspectostraduz, portanto, as condições hidrológicas e, conse-qüentemente, a dinâmica deposicional. Variaçõesverticais da ocorrência e abundância destas marcas,já observadas nas diferentes seções e em vias desistematização à escala de seqüência, traduzem amaior ou menor tendência do sistema deposicionalpara alagar/encharcar, ou seja, o balanço entre oscontroles relacionados com o fluxo terrígeno e aquo-so, espaço de acomodação, etc.

Os processos de paleoalterações ocorreramindistintamente sobre os depósitos sedimentares eseu conteúdo bioclástico, fato que tem grande impor-tância tafonômica. Holz & Schultz (1998) descre-vem os mesmos processos de carbonatação em

vertebrados fósseis do Triássico sul-rio-grandense,com formação de fendas e preenchimento por car-bonato espático displacivo, e a presença de óxidosde Fe e Mn. Reconhecimentos de campo e de traba-lhos anteriores baseados nas coleções paleontológicasexistentes (e.g., Holz & Barberena, 1994) permiti-ram associar as classes tafonômicas de preservaçãocom a distância dos canais e/ou o tempo de exposi-ção.

Os freqüentes achados de tetrápodes fósseisnos pelitos vermelhos do Membro Alemoa foramtransmitindo a idéia de que estas litologias represen-tassem a maior parte do registro litológico aflorante(e.g., Bortoluzzi, 1974). Por outro lado, a falta decontrole geológico-estratigráfico entre os afloramentosfossilíferos igualmente não permitia reconhecer asrelações existentes entre modos de preservação,nível estratigráfico e presença de nóduloscarbonáticos. Assim, o entendimento destas relaçõespassa a ser possível mediante a observação de que,na região de Santa Maria, os fósseis mais bem pre-servados ocorrem no topo do Membro Alemoa, ondeos processos pedogênico-freáticos são mais difusos.Estudos em andamento indicam que tais processostiveram influência determinante na diagênese subse-qüente e, portanto, no estado de preservação dosachados fósseis (Holz & Schultz, 1998).

Da mesma forma, os processos depaleoalterações existentes poderão, no futuro, auxi-liar para a quantificação do tempo envolvido naexposição e modificação da paisagem triássica, bemcomo no entendimento da evolução do sistema flu-vial e da própria evolução biológica.

Agradecimentos - Externamos nossos agradecimentos aoServidor João Batista Pinto Pereira (UFSM), pelo auxílio nostrabalhos de campo, ao Editor Chefe desta revista, Prof. Dr.Lauro Valentim Stoll Nardi, ao Dr. Gerson J. Terra e um revisoranônimo pelas sugestões apresentadas para a melhoria domanuscrito original.

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