Os índios itatins durante o período jesuítico: a construção da fronteira no Paraguai colonial...

92
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA BRUNO OLIVEIRA CASTELO BRANCO

Transcript of Os índios itatins durante o período jesuítico: a construção da fronteira no Paraguai colonial...

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

BRUNO OLIVEIRA CASTELO BRANCO

Os índios itatins durante o período jesuítico: a

construção da fronteira no Paraguai colonial

(1630 -1650)

NITERÓI

2014

BRUNO OLIVEIRA CASTELO BRANCO

Os índios itatins durante o período jesuítico: a

construção da fronteira no Paraguai colonial

(1630-1650)

Monografia apresentada ao Departamento deHistória da Universidade Federal Fluminensecomo requisito necessário à obtenção do grau debacharel em História.

Orientadora: Profª.Drª. Elisa Fruhauf Garcia

NITERÓI2014

BRUNO OLIVEIRA CASTELO BRANCO

Os índios itatins durante o período jesuítico: a

construção da fronteira no Paraguai colonial

(1630-1650)

Monografia apresentada ao Departamento deHistória da Universidade Federal Fluminensecomo requisito necessário à obtenção do grau debacharel em História.

Aprovado em julho de 2014.

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________Profª. Drª. Elisa Frühauf Garcia – Orientadora

Universidade Federal Fluminense

_____________________________Profª. Drª. Maria Regina Celestino de Almeida

Universidade Federal Fluminense

3

4

NITERÓI2014

5

Para Marinalva.

AGRADECIMENTOS

A realização desse trabalho contou com o auxílio de pessoasmuito importantes, sem as quais a sua finalização teria ficadocomprometida. Agradeço primeiramente à Universidade FederalFluminense, que me possibilitou encontrar na faculdade deHistória um campo com o qual me identifico pessoal eprofissionalmente.Agradeço aos professores que participaram amplamente da minhaformação ao longo dos quatro anos da graduação.Eternamente grato a Elisa Frühauf Garcia, minha orientadora aolongo da pesquisa. Suas críticas e sugestões foram de sumaimportância e, sem o seu apoio, esse trabalho não teriaacontecido.À professora Maria Regina Celestino pelo tempo gasto com aleitura crítica e correção da monografia.Agradeço também aos amigos que me concederam apoio em todos osmomentos e, direta ou indiretamente, também participaram dotrabalho. À Debora Martins, parceira de sempre. À CamilaCaetano pela amizade de longa data, que sempre rendeu bonsfrutos. À Jéssica Ojana, Juliana Mattos, Diego Soares, JéssicaMendes, Andressa Moraes e Rafael Zincone pelo carinho. À Thiago Barbosa, por me fazer acreditar que todo o esforçorenderia bons resultados. À Daniel Garcia, que partilhoumomentos importantes.

6

Agradeço à minha querida tia Cyntia Castelo Branco, pelaamizade, pelo amor, dedicação e apoio financeiro. Ao meu tioJuarez dos Santos pelos livros comprados que me despertarampara o estudo da História. À Marinalva Castelo Branco, minhaavó, por ter sido mais que uma mãe.

7

“Nessa terra tudo dá, Terra de índio

Nessa terra tudo dá, não para o índio”

- Djavan

Resumo: A pesquisa pretende analisar historicamente a região

do Itatim, abarcando desde o período da fundação das primeiras

missões jesuíticas em 1631, até o momento de sua destruição

pelos ataques dos bandeirantes paulistas. O estudo concentra-

se, sobretudo, na disputa pelo controle das populações

nativas, inseridas no regime de prestação de trabalho

compulsório para os colonos espanhóis – a encomienda – sistema

que enfrentaria oposição dos próprios índios e dos jesuítas.

8

Partindo dessa perspectiva reduzida de observação, conferindo

ênfase à história indígena, o trabalho aspira reconstituir

como que o Itatim, localizado nas fronteiras dos impérios

espanhol e português, se inseria num contexto mais amplo de

disputas políticas e territoriais entre os ibéricos, os

nativos e os diversos agentes coloniais – jesuítas,

bandeirantes e colonos – em meados do século XVII.

Palavras-chave: Itatim, índios, fronteiras, missões, jesuítas,

sociedade colonial.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

Capítulo 1 : Fronteiras, missões e indígenas – os limites da

colonização 12

Capítulo 2 : A atuação da Companhia de Jesus 24

10

2.1 : Os jesuítas no Paraguai – origem das missões 28

Capítulo 3 : Os índios “itatins” 39

3.1 : Reinvindicações indígenas. 44

CONCLUSÕES 49

Referências Bibliográficas 52

Introdução

11

Segundo o padre Diogo Ferrer, que escrevia em 1633, no ano seguinte ao dafundação da missão do Itatim, o quadro geográfico respectivocompreendia-se entre 19 graus e 22 graus de latitude sul e, entre o rioParaguai a oeste, e, a leste, a serra do Amambaí. Em termos de geografiaatual, esta região, pertence ao sudoeste do Mato Grosso e está situada entreo rio Taquari ao norte e o Apa ao sul.1

O antigo Itatim integra atualmente o estado do Mato

Grosso do Sul no Brasil. Uma observação mais precisa de sua

localização – a parte sul do pantanal sul-matogrossense –

reforça a ideia de que as dificuldades de acesso sempre foram

uma constante para a população ao longo do tempo, sobretudo

durante a expansão das frentes de colonização no continente

sul-americano da época Moderna, promovida pelos povos

ibéricos. A partir da segunda metade do século XVI, com a

fundação de cidades que impulsionariam o avanço da colonização

aliadas à expansão das frentes de atividade missionária

franciscanas dentre as populações indígenas, esta área passou

a ser considerada pertencente ao Império espanhol.

Posteriormente, essa localidade seria submetida à jurisdição

da província jesuítica do Paraguai, com a chegada dos

inacianos na virada para o século XVII.

Porém, antes que fosse criada a província jesuítica, o

Itatim concernia aos índios guaranis, que já ocupavam tais

terras desde o momento anterior à conquista europeia. A região

experimentou os primeiros contatos com os colonos ainda no fim

1CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e Bandeirantes noItatim. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional - Divisão de Obras Raras ePublicações, 1952. p. 5.

12

do século XVI, quando ocorreu a sujeição das famílias nativas

ao regime das encomiendas, promovida pelo governador de

Assunção. Constituiu-se, assim, a formação de alianças dos

guaranis com os primeiros conquistadores espanhóis, com o

intuito de expulsar os grupos indígenas rivais, provenientes

do Chaco meridional que assolavam as terras guaraníticas,

pressionando suas fronteiras.

Dessa maneira, a constituição de alianças entre

indígenas e europeus foi fundamental no primeiro momento da

colonização, especialmente quando os ibéricos souberam se

aproveitar das rivalidades existentes entre os grupos étnicos

nativos, caso da conquista do Paraguai e da região Platina.

Nessa perspectiva, os índios itatins que eram pressionados

pelos grupos nômades chaquenhos, enxergavam nos espanhóis a

possibilidade de defenderem seus interesses constantemente

ameaçados pelos seus inimigos. No entanto, nem todas as

famílias indígenas estavam interessadas em firmarem alianças

com os espanhóis e, nessas ocasiões, seriam responsáveis por

ataques com o objetivo de minar os incipientes núcleos

coloniais já estabelecidos, como as cidades de Assunção e

Buenos Aires.

No início do século XVII a conjuntura mudaria. O Itatim

passaria por uma série de transformações a partir do avanço da

empresa colonial. A região pode prosperar evitando os

confrontos com grupos indígenas de fora, desencadeando um

aumento gradual de sua população. Contudo, a chegada dos

padres da Companhia de Jesus acabaria por submeter

gradualmente os nativos à tutela inaciana, retirando

13

diretamente dos encomenderos o benefício da utilização da mão-

de-obra dos índios anteriormente estabelecido. Com isso, em

última instância, os jesuítas ficariam responsáveis por

resguardar juntamente com os nativos, as margens do império

espanhol, uma vez que as cidades hispano-criollas não possuíam

recursos que pudessem efetivar o controle militar das áreas

adjacentes, caso de Assunção que enfrentava dificuldades em

estabelecer uma relação com o Itatim. O protagonismo dos

missionários em relação às populações indígenas serviu para

conceder aos padres jesuítas um poder bastante decisivo nas

reduções que eles estabeleceram no Guairá, no Tape e dentre os

próprios índios itatins.

Assunção – cidade mais significante do Paraguai

colonial ao longo dos dois primeiros séculos de colonização –

experimentou momentos de enorme oscilação econômica, os quais

por pouco não conduziram a cidade ao colapso. Não fosse a

influência exercida pelos colonos assuncenhos sobre o controle

do emprego do trabalho nativo que era importante para

impulsionar a economia colonial, os jesuítas teriam controlado

de forma completa os braços indígenas que abasteciam a cidade

e várias regiões vizinhas com mão-de-obra, por exemplo, as

províncias de São Paulo e São Vicente na América portuguesa.

Por outro lado, a União Ibérica possibilitou que as

fronteiras ficassem cada vez mais fluidas e os limites

territoriais fossem flexibilizados em ambos os lados, espanhol

e português. Assim, os guaranis se converteriam nos grandes

contingentes defensivos dos limites da ocupação castelhana do

Paraguai e do Rio da Prata, os aliados dos espanhóis,

14

principalmente com o sucesso das missões jesuíticas.

Percebendo sua relevância para o projeto colonizador, estes

índios puderam escolher – dentro de algumas restrições

impostas pelos diferentes mecanismos coloniais de distinção

social – suas próprias políticas de autoproteção. Isso incluía

muitas vezes conseguir integrar as missões com o objetivo de

evitar a exploração propalada pelo regime das encomiendas. As

aldeias jesuíticas poderiam representar não apenas uma

possibilidade de sobrevivência para os índios, mas a evasão do

trabalho compulsório, da escravidão, além da tentativa de

minar os maus tratos que eles sofriam dos colonos assuncenhos

e também dos sertanistas portugueses, quando capturados em

expedições realizadas em direção ao interior do continente.

Fosse como fosse, os indígenas reunidos nas missões

eram constantemente atacados pelos mamelucos paulistas. Estes

buscavam subjulgar os índios ao trabalho compulsório, visando

atender à crescente demanda por mão-de-obra no Brasil ao longo

da primeira metade do século XVII. O mercado do tráfico

negreiro se encontrava na época em mãos holandesas, o que

comprometia o comércio de escravos africanos na América

portuguesa. Restava aos portugueses, sobretudo nas regiões

periféricas das possessões lusitanas, recorrerem ao trabalho

indígena, que era notoriamente mais barato. Embora

encontrassem resistência organizada dos padres jesuítas, os

portugueses obtiveram relativo sucesso na maioria das

investidas empreendidas na primeira metade dos seiscentos no

Guairá e no Tape, colocando as missões em situação crítica e

15

culminando na destruição da atividade missionária nesses

espaços.

Nesse contexto, os jesuítas reuniriam os índios

restantes desses lugares e os levariam para o Itatim, dando

início às suas atividades em 1631. Ainda sim não puderam

evitar que os bandeirantes aniquilassem as missões na década

seguinte. Os itatins, dispersos em meio aos ataques,

perceberam a necessidade de elaborar suas próprias estratégias

de sobrevivência, que iam desde reformulações identitárias a

migrações forçadas para os núcleos urbanos. Em algumas

situações os índios atravessavam as fronteiras étnicas e se

misturavam aos outros grupos nativos. Neste intercurso, o

Itatim reaparece na historiografia brasileira como um local de

destaque, extremamente importante não só como uma área

fornecedora de força de trabalho indígena, mas como palco de

disputas entre os mais diferentes setores da sociedade

colonial. A partir de seus relatos e impressões dessa

conjuntura histórica, o trabalho pôde ser viabilizado.

A pesquisa do Itatim durante o período jesuítico a

partir da análise das fontes escritas deixadas pelos padres

pode revelar uma série de práticas do cotidiano das missões e

da vida dos índios, sobretudo como eles reagiram a essas

circunstâncias extremamente desfavoráveis e ainda assim

traçaram seus próprios caminhos, principalmente nas áreas de

fronteiras entre os dois impérios ibéricos onde a disputa pelo

estabelecimento de alianças e amizades com as populações

indígenas era crucial para o controle do território. Além

disso, a percepção daquele contexto histórico específico pode

16

servir para compreender de maneira mais perspicaz os rumos

tomados posteriormente pela Companhia de Jesus e os índios

missioneiros a partir da destruição das missões no Itatim. A

atividade missionária passou por densas modificações que

impactaram diretamente na história dos índios.

Seguindo esta direção, a leitura e interpretação das

fontes históricas se tornam indispensáveis. Reunidos e

publicados pelo historiador italiano Pedro de Angelis no

século XIX sob o título: Colección de obras impresas y manuscritas que

tratam principalmente del Rio de la Plata, a documentação coletada

retrata toda a área referente ao Rio da Prata; incluindo o

próprio Itatim, além de outros espaços de atuação missionária,

como o Tape, o Guairá e o Uruguai. A Coleção de Angelis, como

ficou conhecida, compõe-se de mais de 1.200 documentos

manuscritos, produzidos no período compreendido entre os

séculos XVI e XIX. São documentos originais e cópias de

relatos, correspondências e processos de vários tipos, que

atestam a conturbada história das áreas de fronteira entre as

Américas portuguesa e espanhola. Parte significativa da

Coleção é composta de documentos produzidos pelos jesuítas que

atuaram na América do Sul, nos quais são detalhadas a

constituição e o desenvolvimento das reduções. Entre eles,

destacam-se inúmeras referências aos grupos indígenas dos

guaranis, gualacho, guañana, itatins, minuanos e charruas, além de

outros. O volume dois dedicado ao Itatim é a base da pesquisa.

No entanto, se faz necessária a utilização de alguns

documentos de outros volumes, como o dedicado à região do

Guairá e do Tape, a fim de enriquecer este trabalho.

17

Visando organizar e discutir de forma elaborada as

questões apresentadas nesta monografia, houve a necessidade de

estabelecer os capítulos em torno de três ideias centrais: o

estudo das fronteiras na América e sua relação com a história

indígena, o surgimento e a consolidação da Companhia de Jesus

no Paraguai e, por fim, a trajetória dos índios itatins

durante o período jesuítico. Nessa perspectiva, o objetivo

principal desse estudo é apresentar possíveis novos

horizontes, não somente para o Itatim enquanto localidade

pouco pesquisada, mas também para os seus principais

habitantes, os indígenas. Portanto, os temas tratados em cada

capítulo estão intimamente relacionados à história dos índios.

Finalmente, a instrumentalização de um arcabouço

teórico-metodológico de análise micro-histórica convém de

maneira singular aos objetivos de reconstituir a história

social desses indivíduos que habitavam a região ao longo do

período de atuação dos jesuítas. O Itatim permaneceu durante

muito tempo um lugar com pouca visibilidade na historiografia.

Conferir a ele o destaque devido se torna, portanto, a

finalidade deste trabalho.

Capítulo 1

- Fronteiras, missões e indígenas: os limites

da colonização -

18

Nesse avanço, a fronteira é o pico da crista de uma onda – o ponto de

contato entre o mundo selvagem e a civilização. 2

A partir da conferência proferida em 1893 por

Frederick Jackson Turner acerca da análise da expansão da

fronteira norte-americana, que obteve ampla repercussão

internacional, era então inaugurada toda uma nova corrente de

estudos relacionados ao tema fronteiriço3. A fronteira ganhou

destaque, possibilitado pela conjuntura do final do século

XIX. Nesse período, época em que figuravam os paradigmas

nacionalista e imperialista, era imprescindível pensar a

fronteira historicamente, conferindo sentido ao projeto do

Estado-Nação e à expansão dos mercados mundiais e dos domínios

territoriais. Turner, como um estudioso e homem de seu tempo,

não deixaria de sofrer influência de tais perspectivas

ideológicas. Ele aponta o caso norte-americano como singular

dentro da História da América, tomando como elemento norteador

a “marcha para o oeste” e não a história das antigas regiões

ligadas ao império britânico – as Treze Colônias – para

entender as especificidades da formação política daquele país.

Partindo do pressuposto da construção do ideal de

democracia e do sentido de individualidade estadunidense, tal

2TURNER, Frederick Jackson. O significado da fronteira no Oeste Americano. In: KNAUSS,Paulo (org). Oeste Americano: 4 ensaios de História dos Estados Unidos daAmérica de Frederick Jackson Turner. Niterói: EDUFF, 2004. pp: 23-54.3TURNER, op.cit.

19

perspectiva visava estabelecer um rompimento imediato com as

antigas instituições europeias e coloniais da época Moderna.

Turner propõe a noção de fronteira como um fenômeno próprio

norte-americano e estritamente geográfico, o que garante à sua

hipótese lugar de destaque dentro da historiografia e ponto de

partida para os mais variados trabalhos posteriores acerca

dessa temática. Contudo, o autor seria bastante criticado com

o alargamento e problematização de tais questões, discutidas

por várias gerações subseqüentes de historiadores e

antropólogos. Menos preocupados com estudos totalizantes e

generalizados, esses pesquisadores atuais promoveriam mudanças

na perspectiva fronteiriça, no sentido de evitar a projeção

das fronteiras dos Estados-Nação para o período moderno, ou

seja, possuindo uma preocupação com a historicidade de cada

época, confrontando a teoria turneriana.

Em linhas gerais, a conferência de Turner é de

extrema importância para se refletir sobre o significado da

fronteira na história da América. Embora tenha sido idealizado

inicialmente como um esboço sobre a história da formação

territorial dos Estados Unidos da América e seu impacto nas

questões políticas daquele país, não se pode deixar de

perceber como o famoso artigo escrito por ele alimentaria um

conjunto vasto e amplo de obras publicadas sobre os mais

diversos enfoques; econômicos, sociais, culturais, dentre

outros. Por se situar no contexto muito particular do século

XIX, ainda que tenha sido inovador, o trabalho não analisa

questões historiográficas mais pontuais, estas bastante

20

difundidas por outros historiadores4, que retomariam as ideias

de Turner de maneira mais refinada, com outras questões-

problema voltadas para estudos de regiões diferentes.

Apontando um caminho diferente, Herbert Eugene

Bolton5 vai discutir o estudo do espaço fronteiriço a partir de

uma ótica distinta, conduzindo sua ideia à reflexão acerca de

tais espaços e seu significado para a América espanhola.

Bolton dialoga e expande a ideia propagada por Turner,

ampliando o fenômeno de fronteira, sobretudo para a América

Espanhola, a partir de outros fatores que estariam diretamente

relacionados a duas instituições coloniais: a difusão da

prática missionária e a fundação de presídios, esses últimos

entendidos como fortes de vigilância ou feitorias defensivas.

Bolton aponta que “las misiones, pues, como los presidios,

fueron instituiciones de frontera características y deben ser

estudiadas como organismos de avanzada en la colonización.”6

Apesar de ampliar o significado da fronteira para a

América Espanhola como um todo, autor enfatiza o norte do

México, local onde a sociedade colonial nunca conseguiu se

estabelecer com a mesma força que nas das áreas centrais. Tal

aspecto torna a participação das ordens religiosas crucial na

manutenção da presença da colonização naquele território.

4Trabalhos em grande medida surgidos a partir da segunda metade do séculoXX, com o impacto das ideias trazidas pelos Annales e sua proposta derompimento com a antiga História Política. Sobre a historiografia dosAnnales, ver BURKE, Peter. A Escola dos Annales: 1929-1989. São Paulo: Edit.Univ. Estadual Paulista, 1991.5BOLTON, Herbert Eugene. “La misión como institución de la frontera en el septentrión deNueva España” [1917], Estudios (Nuevos y Viejos) sobre la frontera, Anexo 4 Revista deIndias 1990, Madri, CSIC, pp: 45-60.6BOLTON, op.cit, p. 46.

21

Neste sentido, confere aos missionários o papel de não apenas

sacerdotes católicos e pregadores religiosos, mas também de

substitutos dos primeiros conquistadores. Essa substituição se

explica em linhas gerais através das proibições definitivas da

conquista militar dos índios a partir de 1570, lei promulgada

pela monarquia que deveria ser aplicada em toda a América

espanhola7. Deste modo, os missionários são entendidos como

importantes figuras responsáveis por estabelecer uma mediação

indispensável com as populações ameríndias, a partir da

instituição das missões religiosas em toda a América.

Esse ponto específico coloca em foco um grupo que até

então havia sido ignorado ou pouco pensado por Turner: os

indígenas habitantes dessas áreas. Estivessem envolvidos ou

não na prática missionária, os nativos eram extremamente

importantes para o sucesso da colonização europeia na América,

muito embora representassem para os ibéricos a personificação

de uma série de ambiguidades socioculturais. Aos índios foi

conferido um papel coadjuvante na História durante um longo

tempo e o que a análise de Bolton vai possibilitar é uma

tendência ao aprofundamento e maior interesse pelos grupos

indígenas; nesse sentido, para refletir o caso do estudo

fronteiriço.

7Ainda que a proibição da conquista seja datada de 1580, nos anos anterioresa monarquia já se preocupava em traçar políticas que evitassem aconsequente destruição em massa das populações nativas. Segundo CharlesBoxer: “As Ordenações de Felipe II em 1573 proibiam expedições armadas, ouentradas, como as chefiadas por Cortéz, Pizarro, Valdivia, Alvarado eoutros conquistadores clássicos. A responsabilidade principal pelapacificação das fronteiras foi confiada aos missionários das ordensreligiosas, secundados, onde se fizesse necessário, por pequenas escoltas eguarnições militares.” In: BOXER, Charles. A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770).Lisboa: Edições 70, 1989, p. 92.

22

Se num primeiro momento há uma preocupação em

entender a história da construção da democracia e do

nacionalismo norte-americano pura e simplesmente a partir da

expansão da fronteira por Turner, ignorando a existência de

grupos subalternos enormemente afetados pelo avanço da empresa

colonial; num segundo momento, Bolton desloca a tese

turneriana de um viés primordialmente geográfico para o

geopolítico, ressaltando não apenas a existência, mas a

relevância dos indígenas na construção desses espaços. Em

outras palavras, a fronteira seria mais do que meramente uma

região linearmente delimitada, mas sim, um espaço que só seria

entendido em sua magnitude quando se atenta também para seus

habitantes.

Por outro lado, Turner também sugere a ocorrência

gradual de uma substituição dos povos indígenas que habitavam

as áreas ermas, os quais foram em grande parte dizimados pela

expansão territorial norte-americana, que perderam seus

espaços para os colonos de origem europeia. Contudo, segundo

Bolton, o papel dos índios se constrói bastante em torno de

uma tentativa de torná-los os contingentes populacionais

necessários à ocupação dos territórios que contavam com uma

enorme ausência da população de origem espanhola. Ambas as

posições dos autores corroboram com a antiga historiografia

sobre os índios, alocando os nativos como atores passivos e

movidos apenas na direção do sentido da colonização.

Um segundo tipo de deslocamento de análise também se

verifica: a experiência seria compartilhada por todos os povos

americanos, como já mencionado anteriormente. A discussão se

23

estende do território dos Estados Unidos para abarcar todas as

regiões limítrofes da América espanhola – áreas como o norte

do México, partes do Caribe e América Central, o norte do

Chile, o sul da Argentina e o Paraguai. Essas regiões, com

algumas variações do período histórico e contexto específico,

foram tidas como locais periféricos desde o início da

colonização espanhola e só foi possível edificar qualquer tipo

de presença estatal necessariamente a partir do relacionamento

com as populações nativas. Muito embora fosse via-de-regra

para os espanhóis precisarem tecer alianças com os indígenas

já estabelecidos nas regiões centrais, nas fronteiras essa

relação era mais do que indispensável, principalmente porque o

contingente militar do Estado colonial era ainda mais escasso

no interior do continente. Isso dificultava a expansão das

frentes de colonização.8

Para pensar as discussões sobre a fronteira atreladas

à História da América espanhola, ou em maior escala, à América

Ibérica, é importante considerar uma série de diferentes

variáveis interconectadas. A fronteira ibero-americana se

assemelha em muitos aspectos às fronteiras europeias ibéricas,

uma vez que é caracterizada pela fundação de pequenas cidades

ou meros núcleos populacionais ao longo das suas margens e

pela ocupação descontínua do território. É tida, muitas vezes,

como uma expansão desses espaços para além do continente

8Um dos autores que destaca de forma brilhante a influência indígena naexpansão das frentes coloniais do Brasil é Sergio Buarque de Hollanda, ondeele discute a necessidade que os portugueses tinham de se apropriar de umasérie de elementos culturais indígenas, indispensáveis à sobrevivência dasociedade colonial paulista. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos efronteiras. 3ªed. São Paulo: Cia das Letras, 1994.

24

europeu, adentrando as áreas coloniais e também aquelas não

colonizadas; servindo de palco para o desdobramento de

conflitos europeus, fenômenos sociais, dentre outras possíveis

aproximações9. O caso da colonização ibérica na América do Sul

é clássico para entender a experiência compartilhada nos dois

continentes, na medida em que há uma separação entre os

territórios portugueses e espanhóis garantida pela existência

da linha imaginária do Tratado de Tordesilhas. Na realidade,

Tordesilhas se torna uma espécie de prolongamento das

fronteiras peninsulares. Durante a colonização europeia nesse

espaço, todos os tipos de indivíduos transitavam com relativa

facilidade pelos dois lados.

Contudo, a fronteira americana também apresenta suas

singularidades resguardadas pelo contexto histórico, no qual a

presença indígena é constante e ativa. Portanto, “(...) a

fronteira latino-americana teve um papel significante na

formação das novas sociedades ibero-americanas. Ela se tornou

um local da mais intensa mistura racial e cultural e permitiu

aos indígenas e mestiços maiores possibilidades de ascensão.”10. Por outro lado, a mestiçagem é um fenômeno muito comum ao

longo do período colonial, muito embora nas áreas limítrofes

ela fosse um fenômeno ainda mais evidente e possuísse lugar de

destaque para a reflexão acerca da dinâmica sociocultural das

margens territoriais. A ideia da mestiçagem quer seja9Para um aprofundamento nessa temática veja-se: MCNEILL, H. William, TheGreat Frontier: Freedom and Hierarchy in Modern Times. Pinceton University Press, 1983.In: WEBER, David. J & RAUSCH, Jane. M. Where Cultures Meet: Frontiers in Latin AmericanHistory. Wilmington, DE: Scholarly Resource s Inc, 1994, p.17-26.10Tradução livre, In: WEBER, David. J & RAUSCH, Jane. M. Where Cultures Meet:Frontiers in Latin American History. Wilmington, DE: Scholarly Resource s Inc, 1994.Introdução.

25

biológica, cultural ou social, amplia o sentido conferido à

fronteira. Como salienta Thierry Saignes, “parte importante en

este nuevo tipo de relación fronteriza y elemento poco

estudiado en la historiografía latinoamericanista es el

mestizo, fruto justamente del intenso contacto interétnico.”11.

Com isso, a fronteira ganha uma variedade de definições

plausíveis e se torna um local de inúmeras possibilidades

teórico-metodológicas de interpretação, que vão desde campos

que compreendem a geografia, passando por religiosidade e

abarcando as relações sociológicas e interétnicas. Ainda de

acordo com Thierry Saignes, fica evidente que a história

colonial ibero-americana esteve apontada para o deslocamento

em direção ao interior e que as áreas marginalizadas estiveram

sempre relacionadas à tentativa de implantação de um controle

estatal. Esse ponto em especial utiliza bastante as pesquisas

conectadas à Antropologia e serve para entender também a

fronteira latino-americana coetânea.

Integrando essa nova historiografia que repensa as

fronteiras, Ingrid de Jong e Silvia Ratto indicam as intenções

dos novos estudos sobre o tema, que entendem esses espaços

como multiculturais, onde tanto indígenas como mestiços dirigiam

suas próprias formas de fazer política12. Nessa perspectiva, o

estudo da mestiçagem, que já vem avançando bastante nas

últimas décadas, se converte num aparato essencial para pensar

11SAIGNES, Thierry. “Las Zonas Conflictivas Fronteras Iniciales de Guerra”In: Historia general de América Latina, Vol. 2, 1999 (El primer contacto y la formación de nuevassociedades). Paris: Unesco, Madrid, Trotta, 2000. p. 298.12RATTO, Silvia & DE JONG, Ingrid. Dossier. La política en las fronteras americanas, siglosXVIII y XIX. In:http://historiapolitica.com/dossiers/fronterasamericanasxviiiyxix/

26

de forma mais fluida a dinâmica fronteiriça, contribuindo

grandiosamente com as novas abordagens difundidas pelos

historiadores.

Outro ponto-chave para compreender melhor o espaço

fronteiriço13 é relativizar algumas dicotomias consagradas pela

historiografia, como a relação dual entre civilização/barbárie

e a noção de centro/periferia. Como indicado por Russel-Wood,

a ideia de um sertão como um “lugar imaginário” onde imperaria

o barbarismo, ausência de leis e sem nenhuma relação com a

sociedade envolvente esvazia o entendimento de periferia para

o mundo colonial14. Estudos mais recentes comprovam a intensa

relação bilateral entre os ditos “centros de poder” com as

áreas “periféricas” dos impérios ibéricos, onde se verifica um

enorme fluxo de pessoas de diferentes procedências. Tal

fenômeno ocorria mesmo entre as periferias e as regiões

classificadas como não submetidas, uma vez que tais áreas

necessitavam manter relações comerciais e interpessoais com as

vizinhanças, vitais para a sua subsistência. Mesmo quando

havia uma tentativa de centralização metropolitana, era

preciso negociar com os diversos agentes estabelecidos e que

circulavam constantemente nesses espaços, movidos por

interesses diferenciados, que por sua vez eram quase sempre

13Segundo Guillaume Boccara, o uso do termo espaço fronteiriço explica melhor adupla natureza da fronteira colonial, enquanto zona de contato fluida erelacional: “Entendendo assim a fronteira como um espaço transacional decolonização no qual imperam mecanismos performativos de denominação erituais de tomada de posse que levam à formação de novos sujeitos sociais.”In: BOCCARA, Guillaume. “Poder colonial e etnicidade no Chile:territorialização e reestruturação entre os Mapuche da épocacolonial”. Revista Tempo, Rio de Janeiro, n°.23, 2007, p.60. 14RUSSEL-WOOD, A.J.R. “Centros e periferias no mundo luso-brasileiro, 1500-1808”. Revista Brasileira de História.[online]. 1998, vol.18, n.36, pp: 187-250.

27

conflitantes com os projetos régios de ocupação e submissão

das populações instaladas em tais territórios. Além disso, não

se perde de vista o fato de que mesmo nos “centros” existem

“periferias” e a recíproca também é verdadeira. Assim, a noção

de centro e periferia está em constante movimentação dentro do

mundo colonial, ou seja, é relacional e fluida e não se

explica apenas a partir da hipótese de dois espaços encerrados

em uma relação unilateral de submissão. Convertem-se em locais

de interações múltiplas e pautadas pela imprevisibilidade das

relações sociais.

Ainda no sentido de relativizar as possíveis

antíteses entre civilização/barbárie, no caso, índios de

fronteira/índios missioneiros, ou ainda índios aldeados/índios

não aldeados; Maria Regina Celestino de Almeida aponta as

dificuldades que os nativos enfrentavam dentro da cultura

política do Antigo Regime. No caso do Brasil trabalhado pela

autora, mas que se aplica em grandes proporções para o

restante da América ibérica, os ditos índios missioneiros

‘aldeados’, ‘cristãos’ e ‘civilizados’, “(...) ocupavam um dos

extratos mais baixos. Além de submetidos ao trabalho

compulsório, estavam sujeitos ao estatuto de limpeza de

sangue, que os discriminavam e os proibiam, (...), de ocupar

determinados cargos e receber títulos honoríficos”15. Portanto,

mesmo o índio que estava inserido dentro da lógica colonial,

no caso a missão religiosa, sofria uma série de restrições

sociais.

15ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História do Brasil. Rio deJaneiro: Editora FGV, 2010. p. 85.

28

Por outro lado, Elisa Garcia indica a necessidade de

portugueses e espanhóis de fixar alianças com os grupos

indígenas estabelecidos nas bordas dos impérios, índios

tomados por “selvagens” e “bárbaros”. A autora demostra como

estas alianças eram frágeis e mudavam segundo as diferentes

conjunturas16. Portanto, percebe-se que mesmo os índios não

submetidos pelo Estado também eram importantes para a

sociedade colonial tanto quanto os que já estavam inseridos

nas aldeias missionárias, sobretudo a partir do aumento

significativo das disputas territoriais europeias no decorrer

do século XVII. A falta de contingentes que efetivassem a

posse das terras conquistadas era uma dificuldade constante do

Estado colonial. A fixação de alianças com os nativos para a

defesa e posse das fronteiras era, portanto, uma prática

bastante comum.

***

Desde a chegada dos primeiros europeus no novo

continente, ao longo dos séculos XVI e XVII, as ordens

religiosas desempenharam um importante papel na expansão e,

principalmente, na consolidação da colonização. Inseridos

diretamente nas esferas de poder e decisão política, os

missionários contaram com o apoio das monarquias nos mais

diversos empreendimentos nos quais poderiam estar envolvidos.

Em alguns casos práticos, seus projetos acabam convergindo com

16GARCIA, Elisa Fruhauf. As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticasindigenistas no extremo sul da América portuguesa. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,2009.

29

os interesses das coroas ibéricas, mas nem sempre era assim.

Portanto, é importante destacar que o suporte a esse tipo de

atividade nem sempre era financiado, quer fosse pelo choque de

interesses, quer pela falta de recursos metropolitanos. No

entanto, havia arranjos específicos pelos quais o monarca

deveria financiar as atividades missionárias, em grande medida

determinadas pelas diretrizes do Patronato régio, provenientes

de bulas papais e acordos firmados com as monarquias17. De

qualquer forma, esse ponto de fricção entre a Igreja e o

Estado, relacionado aos limites entre as soberanias de ambos,

perpassa toda a época colonial e foi discutido por boa parte

dos missionários instalados no Ultramar.18

A militância da Igreja – utilizando o termo de Boxer19

– foi responsável por elevar os missionários a título de

grandes propagadores da Fé católica dentro dos impérios

ibéricos, o que assegurou sua presença ao longo das áreas

centrais como também especialmente nas periferias, estas já

mencionadas anteriormente para o caso da América espanhola.

Esse panorama confere à história das missões americanas e à

história das fronteiras um caráter indissociável, como apontou

Bolton em seu artigo20. Estariam, portanto, interligadas em

torno de uma terceira perspectiva, a história dos índios. De17“Em vários assuntos, portanto, o clero colonial ibérico podia serconsiderado um corpo de funcionários assalariados do Estado monárquico.”In: BOXER, op.cit, p.100.18O conflito entre a soberania da Monarquia e da Igreja se deuprincipalmente em decorrência da instituição do Patronato régio, queconferia ao monarca o poder de comandar a igreja colonial (exceto no quetange questões relativas ao dogma e à doutrina católica). Vide: BOXER,op.cit, pp: 97-106.19BOXER, op.cit.20BOLTON, op.cit.

30

acordo com Charles Boxer, “Na falta de um volume considerável

de tropas militares espalhadas por todo o mundo colonial

ibérico antes da segunda metade do século XVIII, foram os

sacerdotes católicos que mantiveram a lealdade às Coroas de

Portugal e Castela das populações peninsulares, criollas,

mestiças e indígenas.”21. Contudo, é necessário ressalvar que

nem todas as ordens religiosas obtiveram a mesma inserção nos

territórios do Ultramar e que tal diferenciação variou

conforme o tempo e espaço, ainda que estivessem atuando nos

quatro cantos do mundo. Em áreas onde o poder do Estado

colonial era menos evidente, a soberania dos territórios era

praticamente confiada às ordens, que se converteram em grandes

empreendedores no alargamento das fronteiras, com sucesso

variado, e alvo de uma série de controvérsias por conta disso.

Em suma, verifica-se a relevância dos trabalhos de

Turner e Bolton para os estudos mais recentes, os quais foram

responsáveis por alçar a dimensão do tema fronteiriço a

proporções consideráveis dentro das produções acadêmicas. Como

explica Turner, “seu propósito é simplesmente chamar a atenção

para a fronteira como um campo fértil para a investigação e

para sugerir alguns dos problemas que emergem de seu

desdobramento”22. Portanto, ele não complexifica as relações

com os nativos. Esses dois trabalhos com o passar do tempo

foram alvos de críticas permanentes. No caso de Turner, as

críticas recaíram sobre seu viés com bases essencialmente

positivistas e sua dificuldade em entender as relações com os

21BOXER, op.cit, p.97.22TURNER, op.cit, p.25.

31

índios. No caso de Bolton, a dificuldade de compreender a

atividade missionária dentro de uma dinâmica mais ampla,

colocando as reduções indígenas separadas do resto da

sociedade foi grande alvo de questionamentos diversos da

historiografia. Bolton, ainda que destacasse a importância

indígena para a defesa do território colonial, não conferiu

aos nativos o protagonismo histórico. Concomitantemente, houve

críticas também com relação à visão bastante submissa dos

nativos apresentada por Bolton, postos em segundo plano quando

se trata da análise dos espaços da missionação. O índio, em

sua concretude, fica diminuído perto do que representou a

evangelização dos nativos para os missionários, na visão

boltoniana.

Entretanto, ambos os autores influenciaram uma série

de novas pesquisas direcionadas à compreensão da dinâmica

social desses espaços ao tocar em pontos até então

inexplorados. A fronteira era entendida anteriormente como

local de categoria menor e de pouca importância. Quando se

atenta para o caso específico de tais províncias consideradas

ermas, percebe-se não apenas como estavam relacionadas com a

sociedade envolvente, mas que eram polarizadoras de diversos

produtos, ou seja, responsáveis pelo abastecimento dos grandes

centros coloniais. Ao mesmo tempo, estavam envolvidas na

lógica econômica local. A dupla dinâmica periférica denota uma

extrema complexidade social e uma constante circulação de

pessoas por esses territórios ao longo do tempo.

Além disso, quando tomado como exemplo o caso do sul

do Chile, verifica-se a preponderância e o poder de barganha

32

que os índios possuíam. Tal área nunca havia sido submetida

pelas autoridades coloniais e os ibéricos procuravam

estabelecer alianças com esses povos. Segundo Boccara, “o

chamado ‘pacto colonial’ entre mapuches e hispano-crioulos foi

tanto o produto do ‘protagonismo’ indígena como da política

voluntarista dos representantes da Coroa”23. O autor aponta que

houve “um interessante processo de mestiçagem interétnico em

um macro espaço que cobre várias fronteiras e conduz os

indígenas a desenvolver estratégias políticas diversas com os

poderes coloniais tanto das fronteiras chilenas quanto

argentinas”24. Ainda que seja o caso de uma fronteira muito

particular, é interessante refletir até que ponto essas

práticas não se enquadravam num fenômeno maior. A ideia

presente na argumentação de Boccara incide em questões muito

caras à temática e indica o caminho que tal historiografia vem

tomando nos últimos anos, tentando pensar não apenas a ação do

colonizador, mas, sobretudo, a atuação das populações nativas,

paralelamente ao avanço da colonização.

***

No caso da fronteira do Paraguai com a América

Portuguesa, este processo de avanço da fronteira é largamente

observável. Ponto de tensão desde o início da colonização e

assunto de uma série de tratados de Limites entre as

23BOCCARA, Guillaume. Poder colonial e etnicidade no Chile:territorialização e reestruturação entre os Mapuche da épocacolonial. Revista Tempo, Rio de Janeiro, n°.23, 2007, p.59.24BOCCARA, op.cit, p.68.

33

possessões portuguesas e espanholas na América do Sul25, a

região platina contou com o protagonismo da atuação indígena

juntamente com os colonizadores na ocupação e defesa do

território26. Embora as missões instauradas nesse espaço, com

destaque para a Província Jesuítica do Paraguai, se situassem

dentro de um contexto imperial e de um projeto político mais

amplo – conservando seu status de locais periféricos, quando

comparadas às grandes e ricas possessões espanholas na

Mesoamérica e nos Andes – é importante destacar sua primazia

nas relações econômico-sociais da ocupação castelhana da

região do Rio da Prata ao longo da colonização27.

Área de escassa ocupação espanhola nos primórdios da

colonização, devido, entre outros aspectos, aos inúmeros

ataques promovidos por índios hostis à presença europeia, a

região platina compõe um vasto território no interior do

continente sul-americano. Sua comunicação com outras partes do

continente é favorecida pela existência de uma complexa

25O Tratado de Tordesilhas (1494), O Tratado de Madri (1750) e o Tratado deSanto Ildefonso (1777) são alguns dos principais exemplos de demarcação doslimites das possessões espanholas e portuguesas na América do Sul.26“Dessa forma, a existência de grupos indígenas nas regiões de fronteiracomeçou a ser considerada como importante variável nas políticasterritoriais dos impérios ibéricos. Não era suficiente para estasmonarquias assinarem tratados entre si, pois, para a execução dessestratados, era muitas vezes necessário considerar os grupos que habitavam aregião, uma vez que as populações indígenas poderiam obstaculizar os tratosfirmados nas Cortes” In: GARCIA, op.cit, p. 217.27“No final do século XVI, outras ordens religiosas receberam permissão dejuntar-se às três ordens originais, os agostinianos, os franciscanos e osdominicanos; e os jesuítas, que fundaram sua Província Jesuítica doParaguai em 1607, viriam a desempenhar um papel especialmente importante naobra missionária junto às áreas mais remotas e às regiões fronteiriças.”In: ELLIOTT, J. H. “A Espanha e a América nos Séculos XVI e XVII”. In:BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina: a América Latina Colonial 1. Vol. 1. SãoPaulo: Edusp; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1997, p. 297.

34

estrutura fluvial, bastante conhecida pelas populações

nativas. Nesse sentido, diferentemente dos antigos impérios

americanos, a conquista do Rio da Prata se deu de modo

bastante peculiar e sua história está intimamente ligada a tal

empreitada, reunindo os mais diversos agentes coloniais e

agrupamentos indígenas; citando aqui os conquistadores de

origem espanhola do século XVI, criollos, jesuítas, índios da

nação guarani e os “infiéis” (provenientes das áreas em que os

espanhóis nunca consolidaram sua presença, como o Chaco, por

exemplo), além de portugueses. Estes últimos eventualmente

cruzavam e transitavam por essas áreas em busca de cativos

indígenas, se envolvendo nas contendas de expansão das

fronteiras na América ibérica ao longo dos séculos XVII e

XVIII.28

Num primeiro instante, a fragilidade da ocupação

territorial do Rio da Prata e do Paraguai, após a conquista

pelos espanhóis, muito em torno das pequenas cidades fundadas

ainda no século XVI (Assunção e Buenos Aires), fora

responsável por colocar as poucas famílias de colonos e índios

aldeados pelos franciscanos em verdadeiros apuros, sendo

constantemente atacados por indígenas hostis à sociedade

colonial. Os franciscanos, ainda que fossem importantes nos

primeiros momentos para a organização das missões, não

conseguiam em longo prazo obterem sucessos duradouros.

Ao longo do século XVII, a fragilidade dessas regiões

dá lugar a um crescimento das missões jesuíticas – que

substituem em grandes proporções as franciscanas, uma vez que

28GARCIA, op.cit.

35

as mesmas não vinham obtendo sucesso em longo prazo com os

nativos – e também da cidade da Assunção – especialmente após

a concessão de índios para o trabalho nas encomiendas no final

do século XVI. A permanência da sociedade colonial assuncenha

e das instituições missionárias dependia do emprego e

participação direta dos gentios em seus respectivos projetos

de expansão. Nesse contexto, os índios das fronteiras se

misturaram aos índios das proximidades dos núcleos urbanos,

porém mais do que isso, aproveitaram tal conjuntura para

traçar suas próprias políticas tentando sobreviver às

constantes invasões bandeirantes, altamente prejudiciais a

eles. Soma-se a isso, a União Ibérica (1580-1640), período no

qual as duas Coroas estiveram unidas sob a direção dos

monarcas de Castela, onde portugueses e espanhóis transitavam

mais facilmente pelos limites coloniais, entre os dois

impérios. A união das coroas teve impacto direto nessa

geopolítica fronteiriça do Paraguai ao longo do século. O fim

do período pode ter colaborado para o aumento dos confrontos

na fronteira29.

A mudança na direção política do século XVIII, com o

reformismo da dinastia Bourbon na coroa espanhola e o aumento

da concorrência entre as diferentes potências europeias pela

29Magnus Morner aponta a revolta instalada em Portugal de 1640 – arestauração portuguesa – como o auge do período de crise externa entre asduas monarquias ibéricas, caracterizado por confrontos na Europa e tambémna América, acrescentando-se a isso, a guerra da Monarquia castelhana comos Países Baixos e a invasão dos holandeses no Brasil, do mesmo período. Nocaso das missões jesuíticas do Paraguai, a defesa das reduções contra osataques bandeirantes só passou ser um verdadeiro alvo de preocupação daCoroa a partir do fim da União Ibérica, quando foi produzido o balanço dasperdas territoriais da Espanha. Vide: MORNER, Magnus. Actividades políticas yeconómicas de los jesuitas en el rio de la Plata. Buenos Aires: Paidós, 1968, p.59.

36

posse das colônias americanas – principalmente França e

Inglaterra – verificou-se a necessidade da instauração do

Vice-Reinado do Rio da Prata, com sede em Buenos Aires (1776),

que garantisse o domínio espanhol em uma rota crucial da

navegação sul-americana, a bacia do rio da Prata. A

importância das rotas comerciais estabelecidas no Atlântico

desde o período anterior também reforçam a necessidade de uma

maior eficácia no controle espanhol da área. Contudo, boa

parte da província platina continuaria pouquíssimo povoada

pela sociedade colonial, permanecendo nas mãos dos indígenas

até o século XIX.30

Nesse sentido, é importante frisar que tanto a

expansão da fronteira quanto os conflitos gerados em grande

parte dessa expansão variam de acordo com os contextos

históricos e apenas são entendidos inseridos nos mesmos. Além

disso, desconstrói-se a teoria da subserviência da colônia em

relação aos centros de poder única e exclusivamente, para

pensar tal relação de forma mais complexa e bilateralizada,

sobretudo nas áreas fronteiriças, onde o Estado é mais

enfraquecido. A nova perspectiva da mediação soma-se à guerra

enquanto instrumento de avanço da colonização e com isso, os

missionários ganham destaque.31

30WEBER, David. Bárbaros. Los españoles y sus salvajes en la era de la ilustración, Barcelona,Crítica, 2007.31Contudo, deve-se ressaltar as dificuldades de implementação da políticarégia nas Américas espanhola e portuguesa, que enfrentou profundaresistência dos colonos, resultando num complexo sistema de negociação e emuma relação que era em grande medida bilateral. Para o caso da Américaportuguesa, veja-se: FRAGOSO, J.; BICALHO, M. F e & GOUVEA, M. F (orgs.). OAntigo Regime nos trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro,Civilização Brasileira, 2001, e, para o caso da América espanhola, veja-se:GELMAN, Jorge. “La lucha por el control del Estado: administración y élites

37

No entanto, seria nos seiscentos que a região do Rio

da Prata e do Paraguai experimentaria uma série de conflitos

muito próprios, tendo desdobramentos em especial nas missões

jesuíticas, então recém-implantadas. Nesse período, os padres

conseguiram atingir o auge da expansão missioneira dentre os

índios guaranis alcançando regiões até então não ocupadas,

quais fossem: o Uruguai, o Paraná, o Tape, o Guairá e o

Itatim.

Capítulo 2

- A atuação da Companhia de Jesus -

coloniales en Hispanoamérica”. In: Enrique Tandeter (dir.). Historia General deAmérica Latina – Procesos americanos hacia la redefinición colonial. Madrid/Paris: EditorialTrotta/Unesco, 2007, Vol.IV. pp 251-264.

38

Em 1639, os padres da Companhia de Jesus, Antonio Ruiz

de Montoya e Francisco Díaz Taño fizeram uma viagem até a

Europa – o primeiro foi a Madri e o segundo a Roma. Eles

tinham por objetivo informar às autoridades da Igreja e da

Ordem, respectivamente o Papa e o padre geral da Companhia,

além do monarca espanhol, sobre as dificuldades que

enfrentavam as missões jesuíticas estabelecidas no Paraguai e

seus índios missioneiros. Acontecia que, apesar das reiteradas

proibições da coroa castelhana e também do papado acerca do

cativeiro dos índios americanos, as deliberações legais não

vinham sendo cumpridas e, por conseguinte, as missões não

prosperavam32.

Durante a viagem na qual os dois jesuítas usaram toda a

sua influência e retórica diante das autoridades monárquicas e

eclesiásticas, eles foram muito bem sucedidos, obtendo uma

valiosa real cédula que concedia aos mesmos e seus protegidos

indígenas o porte legal de armas de fogo. Por sua vez, estas

seriam utilizadas na organização da defesa das missões contra

os ataques bandeirantes provenientes da América portuguesa.

Além disso, também se encontravam munidos de vários breves

32A partir da segunda metade do século XVI, a Coroa passaria a tentarlimitar a posse de cativos indígenas através de uma série de Ordenações.Com a cada vez mais aparente dizimação dos nativos, uma série deautoridades coloniais, juristas e humanistas começariam a pensaralternativas para a preservação dos índios, que teve grande representação naatuação de Bartolomeu de Las Casas.

39

pontifícios que protegiam os índios dos constantes atos de

violência dos colonos espanhóis.33

Essa aquisição importante dos jesuítas do Paraguai

revela uma série de possibilidades de interpretação da

conjuntura em questão. Num primeiro instante, pode-se inferir

que os padres estariam única e exclusivamente dedicados a

proteger os neófitos do aprisionamento e da truculência dos

colonos. Não obstante, quando o caso é observado com uma

atenção maior, pode desvelar ainda, o grande poder e

influência que eles adquiriram na América, a partir do

minucioso trabalho de conversão dos gentios. Não foi à toa que

o pedido foi atendido e antes mesmo que a real cédula

atingisse a comarca paraguaia, ela tenha passado pelo Brasil,

em São Paulo e no Rio de Janeiro34. Os jesuítas tentavam

enfrentar os colonos paulistas. Estes últimos se encontravam

interessados na mais lucrativa riqueza que se poderia extrair

daquela região extremamente empobrecida: os negros da terra35.

Os indígenas passariam a adquirir destaque significativo após

o relativo fracasso das primeiras expedições em busca de

metais preciosos empreendida pelos bandeirantes desde o

período inicial da colonização.36

33CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e Bandeirantes noTape. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional - Divisão de Obras Raras ePublicações, 1952, p. 10.34Para um maior detalhamento desses fatos, vide: “Doc. XL – Carta deretratação pelo padre Francisco Díaz Taño da desistência, imposta porameaças, de publicar os breves de proteção aos índios contra os moradoresde São Paulo (22/06/1640)” In: CORTESÃO, op.cit, p.329-334.35Maneira pela qual os indígenas eram tratados pelos paulistas. In:MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra. Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo.São Paulo: Companhia das Letras. 1995.36MONTEIRO, op.cit.

40

É crucial compreender que a atuação dos padres jesuítas

na América foi caracterizada por contradições e ambiguidades.

Ao longo de sua permanência dentre os nativos, foram acusados

inúmeras vezes de concentrarem riquezas e instigarem os índios

a se sublevarem contra os colonos. John Monteiro indica as

possíveis causas que levaram os jesuítas a sofrerem

hostilidades: o acúmulo de poder e base material, a

concentração de bens, a exploração do trabalho indígena em

demasia dentro das aldeias, a utilização das terras sem

permissão legal dos nativos e a inserção em redes clientelares

do mundo colonial, eram algumas das principais

justificativas.37

Muitas dessas acusações foram respondidas pelos

jesuítas, que rebatiam fortemente as críticas, alegando

estarem a serviço direto do monarca, tratando da vida

espiritual dos índios e personificando a presença estatal nas

áreas periféricas. Cobriam a falta de contingentes do Estado

colonial para povoar o território, guarnecendo as fronteiras

através das alianças cultivadas com os indígenas. Além disso,

segundo argumentavam os padres, eles estavam diretamente em

contato com os índios nas aldeias, difundindo a educação, a

religião católica e ensinando a dignificação do trabalho aos

nativos.38

Assim, se faz necessário compreender a trajetória dos

inacianos a partir do século XVI e como estes adquiriram

tamanho prestígio e recursos no decorrer do século XVII, com o

37MONTEIRO, op.cit, p.146.38HAUBERT, Maxime. Índios e jesuítas no tempo das missões, séculos XVII-XVIII. SãoPaulo: Companhia das Letras, 1990.

41

alargamento das fronteiras missionárias, tanto na América

espanhola quanto na portuguesa. Para o entendimento desse

ponto é imprescindível ressaltar, para fins de cobertura deste

estudo sobre o período jesuítico no Itatim, duas motivações de

conflitos políticos relacionados: o contexto da União Ibérica –

pensada numa perspectiva ampla – e as lutas locais com os

colonos de origem castelhana e lusitana. Tais questões

políticas estiveram todo tempo ligadas à atuação da Companhia

de Jesus no Paraguai e, por consequência, no Itatim.

O panorama das relações políticas internacionais do

período serve para compreender o caráter universal da

Companhia. A União Ibérica inaugurou um novo momento para as

regiões de divisas dos impérios. As duas coroas estariam

unidas sob o comando dos Habsburgos da monarquia espanhola,

ainda que Portugal mantivesse sua autonomia política durante a

influência filipina, que se estenderia até 1640. Nessa

perspectiva, os territórios do Ultramar conservaram sua

própria jurisdição – respondendo diretamente a suas

respectivas metrópoles – embora fossem nitidamente

perceptíveis as dificuldades cada vez maiores dos ibéricos em

definir os limites territoriais de suas possessões. Isso se

deve, em linhas gerais, à facilidade com que missionários,

colonos, bandeirantes e índios atravessavam essas terras, fato

que não pode ser desprezado para compreender a dinâmica social

do período. Assim, os jesuítas espanhóis mantinham estreitos

contatos com os missionários da América portuguesa trocando

todo tipo de informações, que variavam desde correspondências

narrando suas experiências pessoais, suas impressões sobre os

42

costumes nativos e até avisos sobre os planos dos paulistas de

invadirem as missões do Paraguai. Ainda que esse contato entre

os missionários já viesse sendo praticado desde a formação da

Companhia de Jesus, é possível que essa comunicação interna

tenha adquirido um fôlego maior durante o período da união

monárquica.

Além disso, a coroa espanhola se viu envolvida numa

série de conflitos na Europa, sobretudo com os holandeses nas

décadas de 1610 e 1620, conflitos estes que conduziram à

invasão de Pernambuco no Brasil. O ápice da crise da monarquia

castelhana se acentuou a partir da restauração portuguesa, com

a aclamação de D.João IV de Portugal, monarca da dinastia de

Bragança que desvinculou o território lusitano definitivamente

da influência espanhola, em 1640. Esse fato repercutiu

perceptivelmente na economia e no prestígio de Felipe IV da

Espanha perante o cenário político europeu, resultando no

crescimento da retração econômica dos vice-reinos hispano-

americanos e descontentamento das elites coloniais, taxadas de

forma cada vez mais pesada pela administração do Estado que

buscava todo tempo se fortalecer diante das fortes pressões

sofridas pelos seus inimigos e concorrentes europeus.

Para as regiões de economia enfraquecida e pouco

dinâmica, caso do Paraguai, a situação não poderia ser pior, e

a sociedade assuncenha tratou de conceber o maior número

possível de alianças para minar o poder dos jesuítas sobre os

indígenas. Os índios passaram a ser cada vez mais necessários,

ainda que os altos índices de mortandade destes contrariassem

a demanda por mão-de-obra, bastante crescente nos núcleos

43

coloniais. Não apenas a alta mortalidade dos nativos agravou

sua procura, mas também se pode perceber que a demanda estaria

intimamente ligada ao Brasil, uma vez que os holandeses foram

responsáveis por tomar das mãos portuguesas importantes

regiões da África fornecedoras de mão-de-obra escrava.39

Com isso, mesmo que houvesse uma série de tentativas

por parte da Coroa em controlar a remessa de índios que

integravam as encomiendas, era difícil regulá-la no dia-a-dia.

Felipe III, por exemplo, promulgou várias Ordenações em 1618

que proibiam a superexploração do trabalho dos índios, medidas

essas que foram praticamente ignoradas pelos colonos, cabendo

aos jesuítas o papel de intervir nas questões de proteção dos

nativos. Muitas vezes os inacianos recorriam às autoridades

locais, sem obter sucesso. Contudo, conseguiam maiores

resultados quando contatavam diretamente o Conselho das

Índias, ou ainda a Igreja em Roma. Ainda sim, era bastante

complicado por em prática as políticas de resguardo da

população indígena, sobretudo em regiões mais afastadas da

influência estatal e onde a economia rudimentar era

extremamente dependente do trabalho nativo.40

39MORNER, Magnus. Actividades políticas y económicas de los jesuitas en el rio de la Plata. Buenos Aires: Paidós, 1968.40 De acordo com Regina Gadelha “a confirmação das Ordenanças por FelipeIII, em 1618, representou, sem dúvida alguma, uma grande vitória para aCompanhia. Contudo, a situação do Paraguai, dependendo direta eexclusivamente de uma economia natural e, por isto mesmo, não podendosubstituir a mão-de-obra do índio pela do assalariado, tornaria letra mortao cumprimento das Ordenações”. In: GADELHA, Regina Maria A. F. As Missõesjesuíticas do Itatim: um estudo das estruturas sócio-econômicas coloniais do Paraguai, séculosXVI e XVII. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p.200.

44

2.1. Os jesuítas no Paraguai – Origem das missões

Tendo chegado à costa do Brasil no ano de 1549, os

padres jesuítas logo estabeleceram um contato bastante próximo

com os nativos41. Desde o início da trajetória da Companhia de

Jesus, as missões religiosas haviam sido concebidas de forma a

zelar pela vida espiritual da sociedade que começava a se

estabelecer na América. Os inacianos rapidamente organizaram

sua política de proteção dos neófitos, separando-os do resto

da sociedade colonial, no que ficou conhecido como a “política

dos aldeamentos” 42. Contudo, a idéia de desvincular as

relações dos nativos com restante da sociedade colonial não41Alexander Marchant ressalta que há uma preocupação constante em definirquais grupos deveriam administrar os índios, no caso, os colonos ou oEstado colonial. Nesse contexto, os missionários surgem como umaalternativa viável, na medida em que estivessem comprometidos em pacificaras populações nativas e auxiliar na organização do seu governo dentro dasmissões. Vide: MARCHANT, Alexander. Do escambo à escravidão. 2 ed. São Paulo:Nacional; [Brasília]: INL, 1980.

45

havia sido elaborada pelos inacianos, mas sim aproveitada da

legislação espanhola, que foi estruturada a partir da criação

de duas repúblicas: a de índios e de espanhóis. Os jesuítas

alegavam, tal como faziam as legislações indigenistas

espanhola e portuguesa, que o contato com os colonizadores era

extremamente deletério e prejudicial para os índios. Com isso,

os padres trataram de obter, sempre que podiam justificativas

legais para a proteção dessas populações, participando

diretamente no auxilio do governo dos índios, que visava ser

utilizado em benefício da sociedade colonial.

O caso das missões no Paraguai apenas destoa das do

Brasil, quando se observa a dimensão e o poder que os jesuítas

conquistaram naquele território, onde conseguiram aldear boa

parte dos guaranis sob seu resguardo, conseqüência de um longo

processo histórico. Em outras palavras, as reduções jesuíticas

do Paraguai se caracterizavam por integrar um sistema

econômico e político complexo, ligado ao comércio com o Rio da

Prata e o Alto Peru. Conquistaram enorme prestígio da

monarquia, uma vez que as missões dentre os guaranis

embarreiravam as ambições expansionistas dos portugueses na

América do Sul, sem contar com os índios não submetidos.

A chegada dos jesuítas no Paraguai remonta ao final dos

quinhentos, bem próximo do início do século XVII. Assunção,

cidade importante da colonização espanhola na América42Para a América espanhola se utiliza a ideia da redução (ou pueblo) deíndios, diferentemente da portuguesa, na qual o mesmo modelo das reduçõesficou conhecido na historiografia pelo nome de aldeia ou aldeamento. Paraentender como se estruturou a política dos aldeamentos na Américaportuguesa, ver: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História doBrasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010; POMPA, Cristina. Religião comotradução: missionários, Tupi e Tapuia na Brasil colonial. Bauru, SP: Edusc, 2003.

46

espanhola meridional até o momento, se encontrava bastante

debilitada economicamente. Dependentes desde o princípio da

mão-de-obra indígena para o trabalho das lavouras, os colonos

assuncenhos encontravam enormes dificuldades em adequar os

enormes contingentes guaranis ao regime compulsório das

encomiendas.43

A função de conversão dos índios no momento inicial

havia sido designada pelos franciscanos, embora os integrantes

da Ordem não estivessem alcançando um sucesso duradouro nessa

empreitada. Os principais motivos alegados eram a falta de

missionários disponíveis que quisessem atuar em áreas ermas e

as pressões dos encomenderos pela utilização do maior número de

índios possível, o que comprometia a sua inserção no cotidiano

desses povoados.

Ainda assim, os padres tentavam estabelecer uma boa

relação com os nativos. Os membros da Ordem de São Francisco

já operavam há pelo menos trinta anos entre os índios guaranis

quando os jesuítas chegaram ao Paraguai. Segundo Ernesto

Maeder, os franciscanos haviam conseguido estender sua relação

43A primeira grande repartição das encomiendas no Itatim foi conduzida pelogovernador do Paraguai Juan Ramirez de Velasco no biênio de 1597-98. Vide:RAMIREZ DE VELASCO, D.Juan - “Lista de las encomiendas de yndios practicadopor el Gral. D. Juan Ramirez de Velasco...”, In: CORTESÃO, Jaime, org. -Jesuítas e bandeirantes no Itatim.. op.cit, pp: 9-11. São os seguintes os documentosconstantes relativos às encomiendas no Itatim: I - Doc. 66: “Encomendas deÍndios na província do Tepotii e Serra do Itatim. Assunção, (30/11/1596)”;II - Doc. 139: “Encomenda de índios no Itatim e sobre a estrada que aíleva. Assunção, (12/2/1597)”; III - Doc. 148: “Encomenda de índios nacomarca do Itatim. Assunção, 20/02/1597)”; IV - Doc. 315: “Encomenda deíndios nas vizinhanças da cidade de Xerez. Assunção, 17/04/1597)”. In:CORTESÃO, op.cit. Sobre o regime das encomiendas na América espanhola, vide:MORNER, Magnus. A Economia e a Sociedade Rural da América do Sul Espanhola no períodocolonial. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. São Paulo:Edusp, 1998, v. 2.

47

com os índios desde a década de 1580, dominando a língua

guarani e formando as primeiras reduções (que teriam sua

estrutura organizacional aproveitada posteriormente pelos

jesuítas). Também puderam persuadir os indígenas a viverem em

grandes povoados, o que facilitou a disseminação das encomiendas

e a formação religiosa dos nativos.44

As propostas dos dois modelos de projetos missionários

– dos jesuítas e dos franciscanos – constantemente se chocavam

e concebiam os índios de maneiras diferentes. Um documento

escrito pelo frei Gabriel Valencia pode servir para indicar as

disputas entre os membros das duas ordens religiosas pelos

espaços de atuação e seus distintos pontos de vista. O frei

havia integrado a ordem franciscana durante quinze anos, antes

de ingressar na Companhia de Jesus. Com a justificativa dada

pelos inacianos sobre o porte de armas pelos índios, alegando

a necessidade de proteção das missões, Gabriel Valencia, então

afastado da ordem jesuítica por discordar de algumas de suas

práticas, salienta que o uso de armas de fogo poderia vir a

prejudicar o comércio fluvial da região, aumentando o poder

das reduções. O franciscano também alimenta uma desconfiança

“da aparente pobreza que se encontravam as reduções do

Itatim”, as quais “deveriam ser fontes de outras riquezas além

da terra, senão como fariam os padres para conseguirem armas

tão caras, compradas em mercados de Buenos Aires e Santa

Fé?”45. É perceptível no documento a tentativa de Valencia de44MAEDER, J. A Ernesto. “Las misiones jesuíticas” In: TELESCA, Ignacio(Org.). Historia del Paraguay. Assunção: Taurus, 2010.45Doc. XXV – “Cópia de uma carta do governador de Tucumã para Frei GabrielValencia, franciscano, mas egresso da Companhia de Jesus, pedindo notíciassobre esta, com a respectiva resposta, contendo informes muito particulares

48

sabotar as intenções dos jesuítas, ou ainda questionar o uso

das armas, alegando não haver necessidade real de proteção das

missões.

De qualquer forma, os jesuítas já vinham apresentando

um notório sucesso nas missões estabelecidas no Peru e no

Brasil. Além disso, eles possuíam um burocrático sistema de

comunicação que os auxiliava bastante nesses trabalhos – as

cartas ânuas46 – que poderiam e deveriam ser trocadas entre os

membros da Companhia. Contudo, assim como os franciscanos, os

inacianos também experimentaram momentos de inflexão em vários

períodos do século XVI. O “grande projeto jesuítico” não

passava de uma idealização, uma vez que era na vida prática e

no cotidiano que as relações com os índios iam se construindo

e se reformulando a todo tempo, tendo enormes custos humanos e

financeiros para a ordem.47

Com a fundação da Província do Paraguai (1607), a

conjuntura mudaria. À época da chegada dos inacianos na

região, os colonos da cidade de Assunção não vinham

conseguindo obter indígenas para os trabalhos nas lavouras e

serviços pessoais48, o que foi responsável pelo aumento dasobre toda a província jesuítica do Paraguai e as atividades dos seusmembros. (06/05/1657),” In: CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção DeAngelis - Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, op.cit, pp: 254-272.46Como aponta Charlotte de Castelnau-L’Estoile, as cartas ânuas serviam parainterligar o “corpo jesuítico”, unindo a aparentemente dispersa burocraciada Companhia de Jesus, num sistema que dinamiza as relações entre seusmembros integrantes, presentes nas periferias do mundo colonial com ocentro de poder da Igreja católica, Roma. Vide: CASTELNAU-L’ESTOILE,Charlotte de. Operários de uma vinha estéril: os jesuítas e a conversão dos índios no Brasil,1580-1620. Bauru, SP: Edusc, 2006.47CASTELNAU-L’ESTOILE, op.cit.48Segundo Elman Service, existiam dois grandes tipos de organização dotrabalho no Paraguai colonial, ligados à instituição das encomiendas dentreos nativos: os índios mitayos e as yanaconas.. Vide: SERVICE, Elman. The

49

pobreza e fome da pequena sociedade assuncenha. Durante a

segunda metade do século XVI, a cidade se viu assolada por

constantes ataques de índios não conquistados, inimigos dos

espanhóis e de seus aliados, os guaranis.

Essas dificuldades também servem para refletir sobre a

considerável noção geopolítica dos jesuítas, quando os mesmos

vão pensar os limites da jurisdição das missões. Ainda que

muito dos trabalhos realizados pelos padres no Peru e no

Brasil fossem aplicados, tanto no âmbito organizacional,

quanto no institucional por um longo período, é bem provável

que os inacianos tenham idealizado a Província do Paraguai

integrada aos dois grandes polos missioneiros da América do

Sul: o do Vice-Reino do Peru e o da América portuguesa. Quando

finalmente decidiram seguir submeter as missões paraguaias ao

Peru, perceberam rapidamente os problemas impostos pela

considerável distância entre Assunção e Lima e, com isso,

tornaram a região do Paraguai uma nova província missioneira,

ainda que a falta de recursos embargasse a expansão do projeto

jesuítico.49

Com isso, a partir da mobilização dos padres Diego de

Torres, procurador da província peruana, e do padre geral da

Companhia de Jesus, Claudio Aquaviva, os jesuítas puderam

conseguir a permissão para atuar na região de fronteira entre

os impérios espanhol e português. A Província Jesuítica do

Paraguai compreendia um extenso território com jurisdição no

Chile, Tucumán e Rio da Prata.

Encomienda in Paraguay. The Hispanic American Historical Review 31 (2) (May1951): 230-252.49MAEDER, op.cit, p.115.

50

Como salienta Jaime Cortesão, os inacianos estavam

conectados desde o começo do século XVII aos principais

centros de poder e de decisão do mundo colonial. Última Ordem

religiosa a chegar à América, criada no contexto europeu das

reformas católicas, a Companhia de Jesus rapidamente

conquistou espaços de influência no trato com os índios

americanos. Especialmente nas regiões fronteiriças dos

impérios ibéricos, onde o emprego do trabalho compulsório

indígena estruturava a sociedade, eles puderam aumentar seu

prestígio e se converter em mediadores fundamentais nesse

processo de estabelecimento do aparelho estatal. Nesse

sentido, a ideia da Ordem “universal” jesuítica que não

encontrava limites nas fronteiras nacionais, se faz

indispensável50. Ainda conforme Cortesão, a história do início

da presença dos missionários jesuítas no Paraguai só pode ser

entendida se articulada às experiências no Brasil e no Peru51.

Segundo o autor:

O provincial Diogo de Torres e seus sucessorescompreenderam a importância singular que tinha para eleso estabelecimento duma missão no Itatim, zonaestratégica de comunicação crucial entre o Brasil e oPeru, entre o vale do Paraguai e o do Amazonas. Ocuparessa encruzilhada seria reservar-se e garantirpossibilidades de soberania, a delimitar no futuro,entre espanhóis e portugueses, entre hispano-americanose luso-brasileiros.52

50Ainda que fosse um ideal perseguido pela ordem dos jesuítas, auniversalidade pretendida pelos membros da Companhia sempre foi ambígua,uma vez que muitos deles estavam ligados aos seus estados de origem e eramacusados constantemente de conspirarem contra os interesses do Estadocolonial.51CORTESÃO, op.cit. p.04.52CORTESÃO, op.cit, op.cit.

51

Nessa perspectiva é que o Itatim poderia ser

compreendido como um campo de experiência jesuítico, ponto

estratégico para a dimensão não apenas religiosa, mas política

da Companhia. Além disso, fama das minas de Potosí,

descobertas desde meados do século XVI, despertou a atenção de

muitos colonos, portugueses ou espanhóis, interessados em

prestígio e enriquecimento. E dessas ambições, mesmo os

jesuítas não escapavam. De acordo com Magnus Morner:

Resulta fácil compreender a importânciaestratégica da região, que oferecia a possibilidade deerguer um baluarte contra a penetração do Alto Peru peloleste, ainda que nessa época os bandeirantes sesentissem sem dúvida, mais atraídos pelas riquezasminerais que pela captura de escravos indígenas.53

Muita das ideias aplicadas nessa região tem origem na

América Portuguesa, como já foi dito, desde a organização

interna das aldeias até o emprego da gramática guarani por

Montoya, inspirada pelos jesuítas no Brasil, no caso

específico, a do padre José de Anchieta54. A política de

estabelecimento das reduções no Paraguai, que eram bastante

semelhantes aos aldeamentos no Brasil, é um claro exemplo

dessa configuração55. Além disso, os padres começaram a

missionar de forma itinerante entre os povoados mais próximos

do centro colonial de Assunção e, posteriormente, conduziriam

53MORNER, op.cit, p.51.54MONTOYA, Antônio Ruiz de. Conquista Espiritual. 1a edição brasileira, PortoAlegre, Martins Livreiro, 1985.55Regina Gadelha indica a existência de cabildos dentro das reduções doItatim. É bastante provável que essa fosse talvez a diferença crucialquando comparadas aos aldeamentos portugueses de índios. In: GADELHA, op.cit.p. 265.

52

as missões para as regiões mais distantes, fixando residência

dentre os povoados guaranis, numa evidente tentativa de

interligar as distantes e inóspitas reduções indígenas. Assim,

os padres se dividiram em grupos e se espalharam pelos

territórios indígenas.

Contudo, logo os jesuítas compreenderam que missões

itinerantes não dariam conta de converter os nativos, bastante

vinculados ainda às práticas pré-hispânicas. Por isso,

começaram a pensar de forma mais coesa suas atividades. Os

padres se espalharam pelo território, numa rápida e

consistente expansão das missões durante as primeiras décadas

do século XVII. Na década de 1610, iniciaram-se os trabalhos

na comarca do Guairá, que contou com forte oposição dos

paulistas. Esse território, localizado nas proximidades dos

vilarejos portugueses da capitania de São Vicente fora uma

área bastante disputada durante a primeira metade do século.

Contudo, o início da organização das missões do Itatim deve

ser entendido como uma continuidade da experiência no Guairá.56

Após os ataques bandeirantes que destruíram essa região

em 1629, muitos dos padres e índios remanescentes migraram

para as outras cidades, com o intuito de fugir dos

portugueses. O padre Diogo Ferrer, num documento endereçado ao

padre provincial, conta a situação da cidade Santiago de Xerez

no Itatim, uma das primeiras a serem visitadas pelos

56“Este proceso de expansión misional supuso, em esa etapa, la fundación decasi cuarenta misiones, aunque no todas alcanzaron la misma consistencia ycontinuidad. De todos modos, el ciclo registro dimensiones territoriales ydemográficas estraordinarias, que pusieron de manifesto el renovado ímpetumisional que los jesuítas incorporaron a esta región.”, In: MAEDER, op.cit,p. 117.

53

missionários e que recebeu grande parte dos antigos moradores

do Guairá:

A cidade de Santiago de Xerez, se vendo tantotempo sem cura e sem sacerdote que os administrasse ossacramentos, (...) vendo que os padres da Companhiaacudiam os mesmos índios infiéis em partes remotíssimas;já havia escrito duas ou três vezes para o padre AntônioRuiz de Montoya – superior da província do Guairá -pedindo que enviasse algum padre para socorro espiritualde suas almas (...). Do modo que se delatou essenegócio, de como os portugueses de São Paulo,assoladores dessas terras, destruíram a dita Provínciado Guairá e como se escreveu na ânua (...), V.R ordenouque o padre Antonio Ruiz de Montoya fosse fazer uma novamissão em Xerez.57

Os índios do Guairá auxiliaram diretamente os jesuítas

nos primeiros contatos com as populações itatins, ajudando os

padres no convencimento dos nativos. Na década de 1620, as

missões também atingiriam o Tape e o Uruguai, além de porções

do Paraná. Com o aumento da influência dos jesuítas na região

e a laboriosa tarefa de organização dos índios, era cada vez

mais necessário angariar recursos para a manutenção das

reduções. A fundação do colégio jesuítico em Assunção pôde

garantir das autoridades coloniais uma assistência básica aos

missionários que enfrentavam, nas suas palavras, enormes

adversidades e pobreza, mas cujos recursos eram constantemente

desviados das mãos dos regulares. Na mesma carta escrita pelo

padre Ferrer, como o esforço era apresentado como sobre-humano

e as adversidades que enfrentavam os jesuítas e os índios eram

enfatizadas:

57FERRER, Diogo, “Doc. VII – Ânua do Padre Diogo Ferrer para o provincialsobre a geografia e etnografia dos indígenas do Itatim. (21/08/1633)”, In:CORTESÃO, op.cit, p.31. (Tradução livre).

54

No Itatim a princípio padeceram os índios degrandíssima fome, porque além da seca universal queocorrera dois anos antes, naquele mesmo havia dobrado acolheita, vinha de convir que já não se comessem maisraízes, mas sim o tronco das Palmeiras, moídos comofarinha, algumas flores silvestres, e algumas frutas dosmontes, e havia um Padre, que na falta de alguma dessascoisas se sustentava de gafanhotos.58

Nesse sentido, precisou-se moldar a vida econômica das

reduções para que as missões prosperassem. Os jesuítas

enfrentaram a oposição dos colonos assuncenhos, ávidos por

retirar os índios da tutela dos inacianos. Todavia, como

mencionado acima, se no princípio os jesuítas foram chamados

com o objetivo de doutrinar os índios para que trabalhassem

para os colonos, posteriormente eles se transformaram nos

verdadeiros inimigos dos encomenderos, concentrando cada vez

mais a posse da administração indígena. Essa mudança de

perspectiva pode indicar algumas reformulações dos jesuítas

acerca do trato com os nativos.

Na realidade, a questão prática era que, quanto mais os

índios ficavam sob a administração jesuítica, menos eles

pagavam o tributo devido em trabalho para os colonos. Os

jesuítas conseguiram isenção do pagamento do tributo indígena,

durante boa parte da primeira metade do século XVII,

substituindo o trabalho por produtos – com destaque para o

algodão e a erva-mate – tendo esse procedimento sido alvo de

críticas permanentes dos encomenderos59. Embora a repartição das58FERRER, Diogo, op.cit, In: CORTESÃO, op.cit, p. 33. (Tradução livre).59Os assuncenhos acusam os padres de evitarem que os índios prestem opagamento da encomienda, tendo os jesuítas sugerido que o mesmo fossetrocado por gêneros alimentícios ao invés dos braços indígenas. Vide:PUCHETA, Baltasar de. Doc . VIII – “Petição apresentada ao governador do

55

encomiendas já houvesse sido proibida pela coroa espanhola desde

a segunda metade do século XVI, com o objetivo de preservar os

indígenas que padeciam nas mãos dos primeiros conquistadores e

diminuir seu poder, no Paraguai esse sistema vigorou ainda

durante um longo período de tempo, pelo menos até a

Independência. Ainda que os itatins nunca tenham sido de fato

prestadores de trabalho compulsório por excelência, devido às

dificuldades de acesso ao Itatim, a tentativa de integração

dos índios a tal modelo sempre existiu, justificada pela

necessidade básica de sobrevivência dos pequenos e

empobrecidos núcleos hispano-criollos da área.60

O plano dos padres era submeter os indígenas

diretamente à jurisdição da monarquia, medida extremamente mal

vista pelos governadores e moradores de Assunção e Buenos

Aires, uma vez que a princípio esse não seria o objetivo

inicial da missionação. Os governantes se viram incapazes de

alocar os índios à prestação do tributo desde então, e, por

conseguinte, tiveram boa parte de seus poderes reduzidos. O

grande instrumento canalizador das conquistas dos missionários

era a maior instância jurídica da região, a Audiência de

Charcas, local onde se travou uma parte considerável das

disputas políticas daquele território entre os padres e os

colonos. Não se perde de vista que, embora os índios

estivessem no interior das missões eles ainda poderiam

edificar um tipo de trabalho que não diferia muito, em termos

Paraguai pelo procurador geral de Assunção, na qual acusa os jesuítas esuplica que os índios voltem a prestar serviço pessoal (10/05/1637)”, In:CORTESÃO, op.cit, pp:49-60.60GADELHA, op.cit.

56

de esforço humano, do que era realizado nas encomiendas. Eduardo

Neumann indica que os nativos eram enviados para trabalhar em

construções de obras públicas, o que possibilita relativizar a

ideia de que as missões poderiam ser mais brandas para os

índios, no sentido prático de que eles trabalhariam menos

durante menos tempo. Isso variava bastante, conforme o

contexto e os agentes envolvidos. O que diferia era o fato de

poderem estar submetidos diretamente ao Rei e não mais aos

colonos. Também puderam alimentar sua autonomia, ainda que

fosse relativa.61

Contudo, não se diminui o poder das complexas redes de

sociabilidade existentes no Paraguai colonial. Os conflitos

jesuítas versus colonos são bastante trabalhados pela

historiografia que lida com a época colonial e são amplamente

narrados na documentação produzida pelos padres. Conforme

salienta Regina Gadelha:

A leitura da documentação paraguaia do séculoXVII, nos apresenta uma sucessão impressionante deperdas: perdas demográficas, perdas de comércio, perdasde território, acompanhadas de crises internas e disputaconstante de mesquinhos interesses políticos eeconômicos locais.62

No entanto, esse conflito se caracterizou por uma

complexidade muito maior, envolvendo desde as principais

autoridades locais até setores menos favorecidos. Além disso,

os grupos não eram definidos em dois blocos distintos e61NEUMANN, Eduardo, O trabalho guarani missioneiro no Rio da Prata colonial, 1640-1750.Porto Alegre, Martins Livreiro, 1996. 62GADELHA, Regina Maria A. F. As Missões jesuíticas do Itatim: um estudo das estruturassócio-econômicas coloniais do Paraguai, séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1980, p. 162.

57

antagônicos, mas também eram movidos por ambições e desejos

individuais de seus integrantes. Em outras palavras, nem todos

os jesuítas eram contrários aos colonos e o oposto também era

verdadeiro. Os grupos podiam atuar em conjunto, como por

exemplo, no caso de uma determinação régia que colocasse os

índios sob o resguardo direto da Coroa, negando aos regulares

e aos colonos a possibilidade de interação com as populações

nativas consideradas importantes por estes grupos.

Ainda que os jesuítas se assentassem no meio de um

confronto mais amplo de concorrência, muitas vezes armada,

pelos braços indígenas – entre os colonos espanhóis de

Assunção e os portugueses de São Paulo – houve momentos em que

os dois setores puderam defender os mesmos interesses contra

os membros da Companhia. Como já anteriormente mencionado, as

missões atingiram um rápido e notável sucesso, que despertou

uma série de desconfianças sobre as intenções dos

missionários. O prestígio dos jesuítas, bastante em alta

naquele momento, serviu para solapar as intenções da pobre

aristocracia local paraguaia de investir contra o colégio

jesuítico assuncenho.

Com a separação das províncias do Paraguai e do Rio da

Prata em 1620, o governador do Paraguai, Luis de Céspedes

Xeria, tomou medidas para garantir que as missões do Guairá

caíssem facilmente nas mãos dos mamelucos paulistas. Evitou

que fossem mandadas tropas e auxílio às reduções, que foram

destruídas pela bandeira de Raposo Tavares63. Os padres

63Conhecida como a “grande bandeira”, que reuniu uma quantidade considerávelde mamelucos, portugueses e seus cativos indígenas que correram grandeparte do território dos sertões da América portuguesa, liderados por Raposo

58

escreveram para o provincial, que mobilizou a destituição do

governador espalhando a denúncia de que ele estaria envolvido

com os colonos paulistas e, portanto, não defendia os

interesses da monarquia espanhola. Céspedes sofreu

investigações quando se descobriu que o governador possuía

propriedades em São Paulo, havia casado com uma portuguesa e

que empregava índios capturados no Paraguai em enormes

quantidades em suas propriedades no Brasil. Fora isso, os

jesuítas ainda alimentavam a suspeita de que ele estaria

envolvido na venda de cativos indígenas no comércio do tráfico

interprovincial da América portuguesa. Os jesuítas conseguiram

provar tal envolvimento quando recorreram aos seus colegas que

missionavam nas vilas paulistas, já envolvidos nas disputas

com os bandeirantes.64

Outro caso elucidativo é o que trata do confronto do

bispo Bernardino de Cárdenas com os jesuítas. O conflito das

ordens regulares com o clero secular perpassou praticamente

todo o período colonial e se traduziu, grosso modo, por uma

disputa de poder e jurisdição. A posição metropolitana em

tratar desse confronto é extremamente ambígua, contando com a

aproximação, em determinadas conjunturas, com um ou outro

lado. Boxer indica que “o conflito gerado entre os amplos

Tavares. Essa bandeira foi a responsável pela destruição quase total dasmissões no Paraguai ao longo da primeira metade do século XVII. Vide:ELLIS, Myriam. “A presença de Raposo Tavares na expansão paulista”. Revista doInstituto de Estudos Brasileiros, 9, 1970, pp.23-61; MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra.Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras. 1995.64Vide: Doc. LVIII – Três memoriais: 1) capítulos provados na sumária feitacontra o governador Luis de Céspedes Xeria; 2) pontos do processo que jáexistiam antes de se enviar juiz ao Paraguai; 3) informações e autos feitospelo governador Luis de Céspedes Xeria contra od religiosos da Companhia(1631), In: CORTESÃO, op.cit, pp: 409-426.

59

privilégios das ordens religiosas e os pleitos jurisdicionais

dos bispos jamais ficou completamente resolvido durante o

período colonial”.65

Segundo Neimar Machado de Souza, Bernardino de Cárdenas

tentava retirar da administração dos inacianos o controle das

missões do Itatim e, no caso das últimas invasões dos

portugueses (as que conduziram ao fim daquelas missões em

1648), o bispo utilizou seu poder para vetar o uso de armas

para a defesa das reduções. Como havia determinado o monarca,

a militarização das missões do Paraguai seria permitida, desde

que aprovada em conjunto pelas autoridades em Assunção66.

Contudo, após a batalha de M’bororé (1641) travada entre os

índios missioneiros e os lusitanos, já era notório que a as

missões possuíam ao menos uma considerável defesa,

possibilitada pelos armamentos comprados nos núcleos coloniais

pelos padres.

O fato é interessante para refletir não apenas sobre as

inimizades que os jesuítas acumularam ao longo do tempo, mas

ainda um possível envolvimento de Cárdenas – integrante do

clero secular – com os interesses dos colonos paraguaios. Essa

relação era tecida de forma muito mais complexa e dúbia do que

a princípio pode-se perceber, remetendo a ideia de que

principalmente durante o período da União Ibérica, os limites

(em todos os seus níveis) caminharam no sentido da fluidez e

os diferentes atores históricos traçavam suas próprias

65BOXER, Charles. A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770). Lisboa: Edições 70, 1989,p. 85.66SOUSA, Neimar Machado de. A Redução de Nuestra Señora de la Fe no Itatim: entre a cruz e aespada. Campo Grande: UCDB, 2002, p. 73.

60

políticas tentando viver e acima de tudo, sobreviver no mundo

colonial.

A expressão máxima das conquistas dos jesuítas sobre a

jurisdição indígena pode ser percebida com a nomeação dos

doutrinadores como protectores de los indios, a partir da década de

1630. Cada vez mais os religiosos interveriam nos assuntos que

diziam respeito aos índios das missões67. Acumulavam, assim, as

animosidades dos espanhóis de Assunção e de vários outros

grupos interessados na abundante mão-de-obra nativa que

habitava as reduções.

Contudo, a relativa prosperidade alcançada no início da

década de 1630 não duraria muito tempo. Duas grandes ondas de

ataques bandeirantes – concentrados em dois anos: 1632 e 1648

– seriam responsáveis por conduzir as missões do Itatim ao

colapso, não fosse a rapidez com que os jesuítas se

mobilizaram na organização da defesa das missões. Como já

mencionado, puderam comprar armas de fogo e treinar os índios

no manejo das mesmas, uma vez que o governo de Assunção se

negava a auxiliar os padres no momento em que essas invasões

ocorriam. O ano de 1632, por exemplo, foi marcante para o

Itatim. A bandeira organizada por Raposo Tavares que havia

destruído o Guairá, conseguiu com que as primeiras missões

organizadas entre os índios itatins fossem dizimadas e, assim,

deslocadas para mais longe, em direção ao interior do

67MORNER, Magnus, op.cit, p. 51.

61

continente68. Os jesuítas acreditavam que a relativa distância

dos paulistas pudesse de alguma forma retardar suas intenções.

Nesse sentido, foi possível remanejar as reduções em

torno de dois grandes núcleos indígenas: Nossa Senhora de Fé e

Santo Ignacio del Caaguaçu. A primeira missão foi entregue aos

cuidados do padre Diego Ferrer, a segunda, ao padre Justo

Mancilla. Juntas, essas reduções apresentaram um notório

crescimento ao longo da década de 1630, tendo relativamente

progredido até o ano de 1647.

Por outro lado, o fim da União Ibérica em 1640 acabou

representando a retomada direta das animosidades existentes

entre Espanha e Portugal, possivelmente tendo reflexos na

grande invasão que destruiu as missões do Itatim em 1648. A

realidade adversa enfrentada pelos índios itatins nesse

contexto, pode ajudar a compreender melhor sua trajetória ao

longo do período jesuítico. Nessa direção, se torna importante

não apenas discutir a atuação da Companhia de Jesus, mas

também a dos indígenas.

68Na realidade, a população restante da bandeira de 1629, que destruiu asmissões do Guairá, chefiada por Raposo Tavares, continuou ocupando a regiãoaté 1632. Nesse ano, um grupo bastante significativo liderado por AscensoQuadros atacou a cidade de Santiago de Xerez e capturou boa parte dapopulação do Itatim, que foi forçada a se deslocar junto com os padres emdireção ao interior do continente. Vide: GADELHA, Regina Maria A. F. AsMissões jesuíticas do Itatim: um estudo das estruturas sócio-econômicas coloniais do Paraguai,séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 241.

62

Capítulo 3

- Os índios “itatins” –

Os índios que ocupavam a região do Itatim, em sua

maioria, pertenciam à numerosa e complexa etnia guarani69.

Antes que os europeus chegassem à América, esses índios se69Segundo Neimar Machado de Sousa, “normalmente, a documentação etnográficaproduzida pelos jesuítas e viajantes engloba todos os índios do Itatim comoitatines e muitas vezes como Guarani-Itatines”. Essa afirmação nos permiteobservar que na realidade o etnônimo ‘itatins’ não passava de umadenominação genérica maior para um grupo composto por várias etnias deíndios além dos guarani. In: SOUSA, Neimar Machado de. A Redução de NuestraSeñora de la Fe no Itatim: entre a cruz e a espada. Campo Grande: UCDB, 2002.p. 52.

63

encontravam num estágio muito particular de organização

social. Sem estender muito a discussão em torno das origens

dos guaranis e como estes povoaram grandes extensões de

território no continente sul-americano, se faz indispensável

ressaltar algumas de suas principais características

socioculturais.

No período pré-colonial, os guaranis se concentravam

principalmente nas regiões do Rio da Prata e do Paraguai. Povo

de cultura seminômade, esses índios se familiarizavam com a

agricultura e a caça de animais, esta praticada

majoritariamente pelos homens. A coleta de alimentos também

era uma atividade comum, ainda que fosse um trabalho feminino

por excelência. Portanto, a divisão do trabalho se dava

através do gênero: as tarefas eram repartidas de acordo com o

sexo.

Além disso, sua organização social se constituía em

torno das redes de parentesco, tendo na figura do xamã a

personificação das atividades espirituais, a cura medicinal e

o contato com a religiosidade. A maioria dos homens guaranis

eram poligâmicos, formando numerosas famílias que se

encontravam interligadas por laços consanguíneos. A liderança

guarani era conferida ao índio mais capacitado da tribo, ou

seja, aquele que pudesse conduzir o grupo a vitórias contra

outros indígenas rivais. A chefia indígena – ou cacicado70 –

não era um status hereditário como se tornou posteriormente,

70“De fato, na sociedade guarani, os caciques tinham ordinariamente seupoder reduzido à proporção de seu prestígio pessoal”. In: GADELHA, ReginaMaria A. F. As Missões jesuíticas do Itatim: um estudo das estruturas sócio-econômicas coloniaisdo Paraguai, séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 213.

64

mas um posto conquistado pela guerra e pela capacidade do

chefe de mobilizar os seus parentes, garantindo a

sobrevivência do grupo.

O caso dos índios itatins é bastante específico quando

se considera o grau de autonomia em que eles se encontravam

quando da chegada dos europeus. Num primeiro momento, com a

conquista do Rio da Prata e do Paraguai, a repartição das

encomiendas foi praticamente ignorada pelos nativos. Jaime

Cortesão aponta as dificuldades de submeter tais índios ao

domínio do Estado colonial quando relata que, apesar de

distribuídas, eles nunca chegaram a prestar serviço pessoal

aos seus encomenderos de Assunção, uma vez que não se conseguia

atingir com facilidade a província do Itatim, bastante isolada

geograficamente, dificultando as intenções dos poderes locais

em fazer valer as determinações do governador71. Esta situação

demonstra a evidente dificuldade que existia de se conciliar a

teoria – ou seja, as determinações legais – com a vida prática

dessas populações, que poderiam ser caracterizadas das mais

distintas maneiras, divergindo do ideal visado pela

administração colonial. Contudo, esse limite entre teoria e

prática nem sempre era claro, servindo para estimular uma

série de situações conflitantes.

Apesar disso, o medo do trabalho compulsório, da

escravidão e da guerra sempre assolou as populações indígenas71“Se as encomiendas distribuídas pelo governador, nos mesmos anos, noGuairá, não representaram ocupação efetiva do solo, mas, quando muito, autilização dos serviços dos índios, e a titulo precário, estas nem estevalor tiveram. Não vão além duma aspiração dos moradores.” In: CORTESÃO,Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e Bandeirantes no Itatim. Rio deJaneiro. Biblioteca Nacional - Divisão de Obras Raras e Publicações, 1952,p. 05.

65

durante o período colonial. Nesse sentido, os nativos

procuraram reverter essa situação bastante danosa a eles. Uma

alternativa era viver enquanto índios cristãos, no interior

das missões jesuíticas, de forma a preservar sua liberdade

jurídica. O estabelecimento de alianças com os espanhóis no

início da colonização da região platina pode servir para

ilustrar a necessidade indígena de ter que traçar suas

próprias políticas, em contextos muitas vezes desfavoráveis.

Sobretudo no Itatim, aqueles que decidiram coabitar ao lado

dos europeus o fizeram em grande medida porque o quiseram.

Segundo as fontes, o governo assuncenho não possuía recursos

suficientes para coagir os índios. Além disso, a pressão de

outros grupos étnicos provenientes de regiões ermas do

Paraguai serviu para unir, grosso modo, guaranis e espanhóis

contra índios indiferentes à presença da sociedade colonial.

Mesmo os itatins, majoritariamente isolados, mantinham

relações de amizade e parentesco com alguns desses índios que

moravam em regiões afastadas. O trecho da carta ânua do padre

Diogo Ferrer salienta a percepção nebulosa que os jesuítas

tinham destes contatos:

Digo, pois, que desde a cidade de Assunção,mais de cém léguas rio acima, há varias nações Gualachasque se chamam Guanas, Tunus, Bayas, Guaramos, etc. Todasse compreendem pelos de nomes de Guaicurús eGuaicurutis, ainda que os do rio acima atravessassemantigamente a passagem, vindo contratar com estesitatins, mas como os Paiaguás que senhoreiam o rio sãoseus inimigos, não os querem dar passagem, para que elesnão tenham trato.72

72FERRER, Diogo, “Doc. VII – Ânua do Padre Diogo Ferrer para o provincialsobre a geografia e etnografia dos indígenas do Itatim. (21/08/1633)”, In:CORTESÃO, op.cit, pp: 45-46. (Tradução livre).

66

Contudo, nem todos os itatins pensavam da mesma maneira

ou compartilhavam as mesmas situações: com o decorrer da

expansão colonial pelo Paraguai, muitos nativos puderam

abandonar seus locais de origem e se submeter ao trabalho nos

núcleos urbanos, na tentativa de conseguir angariar mais

recursos. Elisa Garcia indica que “muitos índios também

deixavam as missões, individualmente ou em pequenos grupos,

motivados por expectativas de uma vida melhor. Alguns

permaneciam nos arredores dos seus pueblos, outros escolhiam as

cidades da região”73. Entretanto, nem sempre era possível fazer

isso, os mecanismos que impediam a ascensão social de índios –

impostos pelo paradigma de Antigo Regime – eram bastante

potentes e faziam com que eles facilmente pudessem cair numa

condição subalternizada, de escravidão ou de superexploração,

através do trabalho compulsório.

Por outro lado, existiam ainda índios que se

encontravam na condição de “administrados”: o caso da maioria

dos indígenas que habitavam a região de São Paulo na América

portuguesa. De acordo com John Monteiro, esses nativos

realizavam um tipo de trabalho muito similar aos que estavam

envolvidos na condição de escravos. Entretanto, na perspectiva

dos Estados coloniais ibéricos, a permanência da exploração

desmedida de mão-de-obra nativa seria responsável por conduzi-

la ao seu desaparecimento. Nesse sentido, sob a alcunha de

“administrados”, os colonos paulistas puderam alegar que na

73GARCIA, E. F. “Dimensões da liberdade indígena: missões do Paraguai,séculos XVII-XVIII”. Tempo - Vol. 19 n. 35 | Dossiê: Missões na América Ibérica – dimensõespolíticas e religiosas. p. 86.

67

realidade, seus índios se encontravam protegidos, quando na

prática, enfrentavam uma situação não menos adversa do que os

índios capturados em expedições. É bastante provável, devido à

proximidade do Guairá e do Itatim com São Paulo, que esse tipo

de categoria fosse empregada em algum momento por outros

colonos que lidavam com esses indígenas.74

A questão do trabalho nativo, bastante controversa por

conta dos variados caminhos que tomou ao longo do período,

ainda é um ponto de longa data de discussão entre os

historiadores. Se por um lado, Regina Gadelha considera que a

questão da mão-de-obra indígena foi o pano de fundo dos

conflitos existentes na região do Paraguai colonial, onde

jesuítas exerciam uma espécie de sonegação do trabalho

nativo75; Jaime Cortesão salienta a importância não apenas

econômica, mas também geopolítica das missões. Nesse sentido,

a hipótese de Cortesão colocaria os bandeirantes portugueses

como grandes responsáveis por expandir os limites territoriais

da América portuguesa, para além dos sertões.76

Entretanto, John Monteiro sugere que o principal

objetivo que conduziu mamelucos paulistas e suas tropas

indígenas a viajarem pelo interior do continente sul-

74John Monteiro ressalta a ambigüidade existente em torno da categoria deíndios “administrados”, ao salientar duas práticas comuns do período: avenda de índios cativos e a concessão de alforrias, que tinham por objetivodiminuir os encargos dos colonos envolvidos enquanto administradores. Nessesentido, Monteiro chama a atenção para a discussão acerca da natureza daliberdade indígena e como ela representava uma questão muito cara aogoverno colonial. Veja: MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra. Índios ebandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras. 1995. pp:147-148.75GADELHA, op.cit.76CORTESÃO, op.cit.

68

americano, seria única e exclusivamente a existência de braços

nativos numerosos, habituados ao trabalho dentro das missões,

que pudessem ser vendidos e empregados nos mercados de São

Paulo e São Vicente no Brasil, com o intuito de fomentar a

economia local. Uma vez que o objetivo inicial das missões

jesuíticas era organizar a vida indígena conforme os moldes

cristãos de sociedade, e isso incluía além da vida religiosa,

o hábito do trabalho, os bandeirantes puderam se aproveitar

enormemente dos índios que foram reduzidos pelos padres da

Companhia de Jesus.77

Nesse ponto, Monteiro descontrói a hipótese de

Cortesão, afirmando que os bandeirantes eram, em grande

medida, homens truculentos e gananciosos, preocupados apenas

com seus próprios interesses imediatos. Para ele, pensar que

esses bandeirantes foram responsáveis pela expansão da frente

de colonização portuguesa, se caracterizaria por uma

interpretação a-histórica do bandeirantismo, cujo caráter foi

sumariamente preador e, sobretudo, despovoador. Ainda que

Raposo Tavares tenha conseguido uma notória proeminência

política em Portugal, no fim da sua grande bandeira que

percorreu boa parte do Brasil, ele seria apenas mais um

empobrecido colono.78

Por outro lado, o complexo processo de construção de

identidades indígenas – etnogênese e etnificação79 – foi um77Veja-se: HAUBERT, Maxime. Índios e jesuítas no tempo das missões, séculos XVII-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.78MONTEIRO, op.cit.79Os processos de etnogênese e etnificação são conceitos antropológicos queauxiliam no entendimento das construções identitárias e ajudam a História apensar melhor essas sociedades indígenas, sendo conseqüência direta doscontatos. A etnogênese representa a formação de novas identidades indígenas

69

fenômeno bastante comum em toda a América e se constituiu, em

grandes proporções, a partir dos contatos impostos pela

situação colonial. O caso da natureza da instituição

missionária entre os índios fornece um aparato significativo

para pensar esses processos sociais, especialmente quando se

tenta perceber a relação dos índios com os seus doutrinadores.

É extremamente relevante salientar que mesmo a categoria

generalizante de “índios” foi um produto direto do impacto da

Conquista da América e, posteriormente, representou uma

tentativa do Estado castelhano de traçar políticas

corporativas voltadas para essa malha demasiado heterogênea de

grupos étnicos, os quais não se compreendiam enquanto um

conjunto. A ênfase nesses conceitos, acaba por minar a

ultrapassada concepção do índio enquanto um agente meramente

voltado para a resistência às tradições introduzidas no

processo colonial, demonstrando a concretude da ação política

indígena e, principalmente, como ela se molda a partir da

situação colonial.80

Embora essas políticas indigenistas não garantissem a

resolução de problemas mais pontuais de algumas localidades,

elas deveriam servir para proteger os nativos dos constantes

a partir deles mesmos, um processo endógeno. A etnificação seria a criaçãode identidades étnicas por parte do Estado, ou seja, uma construção de forapara dentro. Nesse sentido, entende-se a categoria “índio” dentro de umprocesso de etnificação, auxiliando nas percepções acerca das políticasindigenistas e as estratégias dos próprios índios. Para um aprofundamentomaior, vide: OLIVEIRA FILHO, J. P. Uma etnologia dos 'índios misturados'? Situaçãocolonial, territorialização e fluxos culturais. Mana (UFRJ. Impresso), Rio de Janeiro, v.4, n.1, p. 47-77,1998 ; MONTEIRO, John Manuel. “Entre o Etnocídio e aEtnogênese: Identidades Indígenas Coloniais”, in: Tempos Índios: Histórias eNarrativas do Novo Mundo, org. John Monteiro e Carlos Fausto, Lisboa.80SPALDING, Karen. “¿Quiénes son los indios?”, In: ______., De indio acampesino, Lima, Instituto de Estudios Peruanos, 1974, pp. 147-193.

70

abusos sofridos no decorrer da época colonial. Os nativos mais

familiarizados com os códigos e signos do mundo colonial

conseguiam, ainda que com enormes dificuldades, manejar esses

instrumentos legais de proteção. Por outro lado, quando esses

grupos se encontravam marginalizados do restante da sociedade,

eram as ordens religiosas, com destaque para o clero regular,

que muitas vezes precisavam acionar essas leis perante a

justiça colonial. Nesse sentido, o empoderamento indígena

ficava de certa forma comprometido, ainda que não

necessariamente esvaziado. Era preciso pensar alternativas e

estratégias diferenciadas, que em algumas conjunturas,

poderiam estar alinhadas aos objetivos dos missionários.

Finalmente, os europeus passaram a designar tais índios

através dos etnônimo guarani (guerreiro). Os próprios índios não

se compreendiam assim. Muitos documentos escritos por jesuítas

no século XVII, talvez mais capacitados para perceber as

sutilezas do mundo indígena, atestam que a malha étnica da

região do Paraguai era muito mais complexa do que os espanhóis

pensavam81. É possível também que os conquistadores

identificassem esses índios enquanto guaranis por esses

nativos partilharem de um mesmo tronco linguístico. A língua

poderia ser um importante instrumento coesivo e abria as

portas à negociação entre os grupos de espanhóis e índios,

ambos com interesses bastante conflitantes. Como salienta

Elisa Garcia, “com o tempo, a alteridade cultural radical

existente entre os dois grupos foi se atenuando. Ambos

81Uma série de obras atestam a diversidade étnica do Paraguai colonial, ondese destacam os trabalhos da antropóloga Branislava Susnik.(1920-1996).

71

passaram a compartilhar os códigos do mundo ibero-americano -

construídos coletivamente, ainda que de maneira conflituosa e

assimétrica”.82

3.1: Reinvindicações indígenas.

Temos nos alegrado e consolado muito depois deter ouvido o que o Rei e o Senhor disseram, e nos pareceque de agora em diante sua Majestade está nos olhando.Antigamente, quando vivíamos pobres e acossados pelosespanhóis nos parecia que sua Majestade não tinhanotícias de nós, mas de agora em diante, depois de terouvido suas provisões reais, nos consolamos por ver queele já as tem, e parece que agora ele nos olha e nosfavorece.83

O trecho do documento em questão narra um dos inúmeros

episódios que ocorreram na região do Paraguai colonial: os

abusos sofridos pelos índios submetidos ao trabalho

compulsório, onde eles constantemente reclamavam ao Rei

espanhol seus direitos de proteção e vassalagem. Esse

82GARCIA, op.cit, p. 84.83Doc: XLIX — “Resposta que os índios de Santo Inácio deram aos padresJoseph Cataldino e Cristoval de Mendiola, quando estes lhes comunicaram asprovisões reais em que manda aos índios das reduções não sirvam mais quedois meses, nem sejam levados à Maracaju na estação doentia. Acompanhado detestemunho de vários padres da Companhia. Santo Inácio, (14/08/1630)”. In:CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e Bandeirantes noGuairá. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional - Divisão de Obras Raras ePublicações, 1952, p. 354. (Tradução livre).

72

documento, com parte dele tendo sido supostamente escrito em

guarani pelos próprios índios, relata a resposta que os

nativos da aldeia de Santo Inácio – localizada no Guairá –

deram aos padres jesuítas, quando souberam que o monarca

espanhol se preocupava em diminuir o tempo de prestação de

serviço compulsório para dois meses de trabalho.

É muito provável que tal documento tenha sido escrito

pelos próprios jesuítas, que no decorrer do texto escrevem uma

série de pareceres que atestam as dificuldades enfrentadas

pelos indígenas quando prestavam serviços aos colonos,

padecendo de fome, doenças e maus tratos. Chamam a atenção

também para a extrema truculência dos colonos no trato com os

gentios, pedindo que o governo metropolitano tome alguma

medida prática para melhorar esse quadro. Na realidade, os

padres estavam interessados a todo custo em favorecer o seu

próprio projeto, uma vez que usaram boa parte das referências

indígenas na carta.

Contudo, não se pode descartar a ideia de que o

documento pode relevar algumas das intenções indígenas,

sobretudo quando destacam como se preocupavam que o monarca

lhes desse importância, através da garantia de que eles fossem

respeitados e bem-tratados pelos colonos. Ainda reforça como

as autoridades da monarquia davam ênfase às respostas

indígenas de acordo com as situações que aconteciam. Isso

talvez explique o fato dos jesuítas terem escrito o documento

usando as vozes dos nativos. No caso, os índios temiam ser

levados para a região de Maracaju, onde padeciam de enormes

atrocidades:

73

Para o Rei e Senhor nós dizemos e pedimos paraque não nos mande à Maracaju, a não ser que queiramos,porque se diz (o Rei) que vamos se queremos ir, osespanhóis não hão de nos afligir (e acoitar) (...). Nãonos levaram apenas com perseguições, mas sim contranossa vontade e dirão depois que só fomos porquequeremos, e nos amedrontaram (...) trazendo o tenente deMaracaju chamado Sayavedra com gente de guerra para noscastigar (...) por termos vindo de Maracaju depois dehaver trabalhado ali muitos meses, esgotando-nos diantedos olhos de nossos pais, mulheres e filhos, e aqui,nesse extenso Pueblo também castigaram o cacique RodrigoMbae ay, queimando-lhe a cara com um tição diante dosnossos olhos, quebrando a nossa coragem de dor.84

Além disso, pode-se depreender do documento a estima

dada pelos jesuítas aos anseios da população nativa. Muito

embora nem sempre fosse fácil perceber essas reinvindicações –

muito por conta da alteridade cultural radical – os padres se

esforçavam para defender as leis de proteção dos índios,

estabelecendo uma série de hostilidades com os mais diversos

agentes coloniais. Entretanto, o projeto jesuítico dependia do

envolvimento dos nativos para que vingasse – tinham de

negociar com os indígenas - e seu sucesso era o objetivo final

dos padres, mesmo que para isso fosse necessário defender os

índios em várias circunstâncias. Houve momentos em que os

jesuítas puderam usar as leis de proteção dos índios em

benefício próprio.

Por mais que muitos fossem contrários à pretensão dos

inacianos em controlar todas as nações indígenas presentes no84Doc: XLIX — “Resposta que os índios de Santo Inácio deram aos padresJoseph Cataldino e Cristoval de Mendiola, quando estes lhes comunicaram asprovisões reais em que manda aos índios das reduções não sirvam mais quedois meses, nem sejam levados à Maracaju na estação doentia. Acompanhado detestemunho de vários padres da Companhia. Santo Inácio, (14/08/1630)”. In:CORTESÃO, op.cit, p. 355. (Tradução livre).

74

Paraguai colonial, como planos de extensão das missões até as

regiões mais remotas da Amazônia e do Peru85, nem todos os

setores urbanos eram favoráveis ao fim das missões. Muitos

reconheciam a importância da presença do braço regular do

clero, comprometido com o trato dos nativos, caso de um dos

governadores de Buenos Aires, que escreveu uma carta ao

monarca espanhol, relatando a importância da manutenção das

missões e ressaltando a necessidade de se tratar esses índios

itatins enquanto espanhóis e súditos fiéis da Coroa:

Quando atualmente estava ocupado nos reparos edefesa de um agravante, sobre o que se pretende fazercom os índios da nação Guarani das Províncias do Paraná,Itatim e Uruguai, recém-convertidos, que estão a encargodos religiosos da Companhia de Jesus; e pelo o que tenhoexperimentado durante o tempo do meu cargo no governo,julgo que esses índios dessa nação devem ser tratadosnão como outros índios, mas sim como espanhóis, porqueem sua vida, obras, fidelidade e amor que tem por VossaMajestade, e obediência aos seus Governadores, acudindoa tudo quanto o Real serviço os encarregam, com grandepontualidade. 86

O que na realidade o governador expõe de forma clara no

documento, é uma preocupação com o estatuto jurídico dos

índios. Na sociedade corporativa de Antigo Regime, pautada

pela qualidade dos indivíduos, a diferenciação era um elemento

estrutural dessa sociedade. O estigma indígena era acionado

constantemente, por conta que esses grupos não possuíam o

estatuto jurídico dos espanhóis. Ao mesmo tempo em que a

85CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e Bandeirantes noItatim. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional - Divisão de Obras Raras ePublicações, 1952.86“Doc: XXVII – Carta do governador de Buenos Aires, D. Pedro Baigorri, parao Rei de Espanha, em defesa da Companhia e dos índios guarani(15/03/1659)”, In: CORTESÃO, op.cit, p. 273. (tradução livre).

75

qualidade de “índios” podia representar um elemento social

necessário em determinados momentos para as políticas pró-

indigenistas, em outros ele poderia servir para impedir que os

grupos pudessem alcançar graus na hierarquia mais altos aos

quais estariam teoricamente destinados. Mesmo no interior das

reduções a sociedade corporativa se manifestava, na medida em

que os jesuítas incentivavam a existência de uma hierarquia

social para organizar a vida nesses espaços. Na realidade, o

que o governo colonial propõe é que estes índios gozem da

qualidade de espanhóis como uma espécie de privilégio por

serviços prestados. Segundo Maxime Haubert, “os padres honram

os privilégios da antiga ‘nobreza’ indígena (...) é evidente

que há diferenças de acordo com a situação social de cada um.

Por exemplo, os caciques e outros magistrados municipais só

devem uma contribuição simbólica”87. Portanto, os espanhóis

reconheciam uma diferença fundamental entre os índios: os

nobres e os do comum. Essa diferenciação era incentivada pelos

padres nas reduções e embasava a estrutura da sociedade que se

organizou dentro das missões.

Na vida prática, os itatins, habitantes das fronteiras,

não sofriam de forma muito evidente o estigma da impureza de

sangue, porque possuíam a seu favor um favorável elemento de

negociação: eram eles que em grande medida protegiam os

limites do Império espanhol na região do Paraguai. Nessa

perspectiva, conseguiam obter maiores regalias do que outros

grupos, como por exemplo, a posse de armas de fogo e a

concessão de alguns privilégios mais imediatos. Afinal como

87HAUBERT, op.cit, pp: 206-207.

76

afirmou Regina Celestino, “para os índios, no entanto, as

aldeias missionárias tinham um significado e funções bastante

diferentes: terra e proteção, por exemplo, aparecem nos

documentos como algumas de suas expectativas básicas ao buscar

alianças”.88

Outra questão presente no trecho toca no ponto-chave da

sociedade da época: como que são as pessoas e situações

concretas – aqui entendidas como sendo seus interesses,

crenças e inimizades que mobilizam as práticas sociais desse

período. Segundo Guillermo Wilde, “o impacto da conquista

primeiro e da legislação posterior trouxe como consequência

alterações notáveis em todos os âmbitos e regiões e, como

consequência, a necessidade de adaptação às novas

circunstâncias por parte das populações indígenas”.89

Por fim, ainda que as missões tenham se consolidado ao

longo da década de 1630 e 1640, elas não escapariam das

posteriores investidas dos paulistas que seriam responsáveis

por conduzi-las ao colapso, causando a migração e dispersão de

várias famílias guaranis. O ano de 1648 seria decisivo por

destruir as reduções remanescentes dos itatins, a partir da

bandeira organizada por Raposo Tavares, que percorreu boa

parte do interior do continente sul-americano, causando enorme

estrago nas concentrações populacionais indígenas. Após a

derrota em M’bororé, os paulistas haviam se preparado e,

conhecendo razoavelmente a região, puderam se apoderar das

88ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História do Brasil. Rio deJaneiro: Editora FGV, 2010. p.75.89WILDE, Guillermo. Religión y poder en las misiones de guaraníes. BuenosAires: SB, 2009, p. 57.

77

missões dos itatins e expulsar provisoriamente os jesuítas de

sua administração. Segundo Regina Gadelha, quando os padres

puderam retornar ao Itatim, já na década de 1660, os itatins

já haviam perdido boa parte de suas terras e muitos se

misturaram as outras populações fronteiriças, ou migraram para

outras reduções mais afastadas das investidas dos lusitanos.

Com isso, inaugura-se um novo momento para a localidade, que

não possuindo mais suas características peculiares, passaria a

integrar os núcleos missioneiros dos arredores, tendo sua

população nativa dispersada90. Contudo, os itatins conseguiram

ao longo do tempo sair da região e puderam pensar novas formas

de vida: integrando os núcleos coloniais, se inserindo em

outras missões ou se misturando aos outros agrupamentos de

índios, para além das fronteiras coloniais.

90GADELHA, op.cit, p. 275.

78

Conclusões

O aparato teórico-metodológico utilizado pelos

historiadores para pensar a história de uma região específica

é, em grande medida, o da micro-história. Tal método de

79

análise se volta para uma densa descrição histórica de um

recorte microscópico em certo tempo-espaço, a fim de perceber

determinadas singularidades, embora não se descarte as

percepções e generalizações macroscópicas, colocadas no mesmo

grau de importância para o entendimento do todo91. A proposta

metodológica abre, assim, espaço para estudos mais

pormenorizados e específicos voltados para trabalhos ligados à

História indígena, que possui ainda diversas lacunas.

No caso deste trabalho, o estudo sobre o Itatim

pretende, como já assinalado, entender não apenas a dinâmica

daquela área, mas também perceber como a partir deste espaço

específico pode-se depreender questões relativas às disputas

coloniais entre as monarquias ibéricas e seus agentes

coloniais, que envolviam as populações nativas num imbricado

jogo de forças políticas. Contudo, os índios que até então

eram apresentados como atores passivos pela historiografia,

são elevados à categoria de sujeitos ativos na construção

daquele mundo colonial, especialmente a partir do emprego de

novos métodos de análise histórica.

Portanto, na tentativa de estabelecer um estudo

histórico pormenorizado do Itatim durante o período jesuítico,

é necessária uma crítica minuciosa da documentação produzida

pelos jesuítas. Contudo, existe um grande obstáculo ao tentar

interpretar - situação do presente trabalho - os anseios da

população indígena nas fontes, uma vez que estas se encontram

91“O princípio unificador de toda pesquisa micro-histórica é a crença em quea observação microscópica revelará fatores previamente não observados”. In:LEVI, Giovanni. “Sobre a micro-história” In: BURKE, Peter (org). A escrita da história:novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992.

80

dispersas dentro de uma documentação produzida por agentes

coloniais; jesuítas ou funcionários das monarquias ibéricas,

estes preocupados com questões relativas às suas respectivas

aspirações, desejos e motivações, que nem sempre estavam em

sintonia com as dos índios.

Nesse direção, é imprescindível o cruzamento de fontes

provenientes das mais diversas origens para compreender de

forma mais significativa a história do Itatim durante o

período jesuítico. Cartas escritas por jesuítas que atuaram no

Guairá, no Tape, ou até mesmo na América portuguesa, por

exemplo, ajudam a amarrar de forma mais coerente e concisa as

lacunas deixadas pelos padres que trabalharam no Itatim,

especialmente nos anos “prósperos” das missões (1634-1647). As

situações de conflito, como por exemplo, os anos de 1633 e

1648 possuem uma vasta produção de cartas pelos jesuítas, na

medida em que narram grandes animosidades entre os mais

variados setores da sociedade de forma detalhada. Por outro

lado, em determinados anos, a falta de dados factuais acerca

do Itatim serve de obstáculo para que mais questões possam ser

discutidas com maior profundidade.

Assim, ainda que a micro-história tenha sido usada

vastamente por historiadores no Brasil para tentar pensar de

forma mais articulada essas regiões mais distantes e obscuras

diante das áreas mais conhecidas dos Impérios ibéricos, esse

tipo de pesquisa metodológica não seria capaz de cumprir seus

objetivos sem o cruzamento das fontes históricas: cartas,

registros de nascimento, mapas, censos demográficos, dentre

outros. Com isso, a micro-história, trabalhada dentro da

81

historiografia sobre a História da América ou mesmo do Brasil,

se apóia nessas interlocuções e encontra um amplo campo de

interpretações inovadoras.

Sobretudo quando se trabalha com a história dos índios,

a necessidade de mapear a trajetória de determinados

indivíduos que habitam nessas áreas, sua vivência ao longo das

diferentes situações que vão surgindo no cotidiano, também

confere ao historiador uma fonte bastante interessante de

material, que possibilita refletir sobre novos tipos de

abordagens. A análise do conflito existente causado pelos

numerosos agentes envolvidos nessas questões concretas, ajuda

na elaboração de uma leitura mais sutil de determinados

aspectos da sociedade de Antigo Regime.

Quando se aprofunda na vida prática e no cotidiano dos

índios, jesuítas e agentes coloniais que moldaram a história

do Itatim colonial, percebe-se que aquela sociedade era muito

mais complexa do que se pensava, questionando as consagradas

visões da historiografia tradicional, uma delas de que os

índios seriam sujeitos sem história e que, no caso, o Itatim

seria apenas uma região sem importância ou secundária,

subordinada à historiografia de outras áreas, como a de São

Paulo. Como indica Hebe Castro, “a história social mantém,

entretanto, seu nexo básico de constituição, enquanto forma de

abordagem que prioriza a experiência humana e os processos de

diferenciação e individuação dos comportamentos e identidades

coletivos – sociais – na explicação histórica”.92

92CASTRO, Hebe. “História Social”. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS,Ronaldo. Domínios da História: ensaio de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus,1997.

82

Neste trabalho monográfico, o objetivo central foi

discutir tópicos que envolviam os índios, dando ênfase à

história social dos itatins. Através de situações narradas nas

cartas jesuíticas, tentou-se abordar os aspectos principais da

sociedade indígena daquela região, compreendendo as

perspectivas dos nativos acerca do processo de avanço da

colonização na região do Paraguai do século XVII. O período

jesuítico (1630-1650) fornece, nesse sentido, uma fonte

grandiosa de documentação histórica que possibilita pensar de

forma mais refinada a questão indígena nos seus mais diversos

aspectos. Com isso, partindo dos estudos relativos às

fronteiras americanas e a trajetória da Companhia de Jesus,

tentei demonstrar como o Itatim poderia ser entendido numa

perspectiva mais integrada às situações da época, evidenciando

sua relevância como uma área de presença colonial e,

sobretudo, indígena.

83

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História do Brasil.

Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. 167p.

_______________. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias

coloniais do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.

BOCCARA, Guillaume. “Poder colonial e etnicidade no Chile:

territorialização e reestruturação entre os Mapuche da época

colonial”. Revista Tempo, Rio de Janeiro, n°.23, pp.67-83, 2007.

84

BOLTON, Herbert Eugene. “La misión como institución de la frontera en el

septentrión de Nueva España” [1917], Estudios (Nuevos y Viejos) sobre la frontera,

Anexo 4 Revista de Indias 1990, Madri, CSIC, p.45-60.

BOXER, Charles. A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770). Lisboa:

Edições 70, 1989.

BURKE, Peter. A Escola dos Annales: 1929-1989. São Paulo: Edit.

Univ. Estadual Paulista, 1991.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. História Econômica da América Latina. Rio

de Janeiro: Edições Graal, 1983.

CASTELNAU-L’ESTOILE, Charlotte de. Operários de uma vinha estéril: os

jesuítas e a conversão dos índios no Brasil, 1580-1620. Bauru, SP: Edusc,

2006.

CASTRO, Hebe. “História Social”. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e

VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaio de Teoria e Metodologia. Rio

de Janeiro: Campus, 1997.

CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e

Bandeirantes no Guairá. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional -

Divisão de Obras Raras e Publicações, 1952.

_______________. Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e Bandeirantes

no Itatim. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional - Divisão de Obras

Raras e Publicações, 1952.

_______________. Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e Bandeirantes

no Tape. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional - Divisão de Obras

Raras e Publicações, 1952.

85

DA SILVA, Sérgio Moura. A Pedagogia Jesuítica durante a fase da conquista

espiritual dos Guaranis – Séculos XVI/XVII. Dissertação de Mestrado: UCDB,

1998

ELLIS, Myriam. “A presença de Raposo Tavares na expansão

paulista”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 9, 1970, p.23-61.

ELLIOTT, J. H. “A Espanha e a América nos Séculos XVI e XVII”.

In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina: a América Latina

Colonial 1. Vol. 1. São Paulo: Edusp; Brasília: Fundação Alexandre

Gusmão, 1997.

FRAGOSO, J.; BICALHO, M. F e & GOUVEA, M. F (orgs.). O Antigo

Regime nos trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de

Janeiro, Civilização Brasileira, 2001.

GADELHA, Regina Maria A. F. As Missões jesuíticas do Itatim: um estudo das

estruturas sócio-econômicas coloniais do Paraguai, séculos XVI e XVII. Rio

de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

GARCIA, E. F. As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas

indigenistas no extremo sul da América portuguesa. Rio de Janeiro:

Arquivo Nacional, 2009.

_______________. “Dimensões da liberdade indígena: missões do

Paraguai, séculos XVII-XVIII”. Tempo - Revista do Programa de pós-

graduação em Historia da UFF, Vol. 19 n. 35 | Dossiê: Missões na América Ibérica –

dimensões políticas e religiosas.

GELMAN, Jorge. “La lucha por el control del Estado:

administración y élites coloniales em Hispanoamérica”. In:

Enrique Tandeter (dir.). Historia General de América Latina – Procesos

86

americanos hacia la redefinición colonial. Madrid/Paris: Editorial

Trotta/Unesco, 2007, Vol.IV. pp. 251-264.

HAUBERT, Maxime. Índios e jesuítas no tempo das missões, séculos XVII-

XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

HEMMING, John. “Os índios e a fronteira no Brasil colonial”. IN: BETHELL,

Leslie. História da América Latina. v.2. São Paulo:

EDUSP/Brasília: FUNAG, 1999.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. 3ªed. São Paulo:

Cia das Letras, 1994.

JACKSON, Robert. Missões nas fronteiras da América espanhola: análise

comparativa. Estudos Iberoamericanos, tomo 24, 1998, p.51-78.

LEVI, Giovanni. “Sobre a micro-história” In: BURKE, Peter (org). A

escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP,

1992.

MAEDER, J. A Ernesto. Misiones del Paraguay: Conflicto y disolución de la

sociedad guaraní, Madrid, Mapfre, 1992.

_______________. “Las misiones jesuíticas” In: TELESCA, Ignacio

(Org.). Historia del Paraguay. Assunção: Taurus, 2010. p.113-

133.

MARCHANT, Alexander. Do escambo à escravidão. 2 ed. São Paulo:

Nacional; [Brasília]: INL, 1980.

MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra. Índios e bandeirantes nas origens de

São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras. 1995.

87

_______________. “Entre o Etnocídio e a Etnogênese:

Identidades Indígenas Coloniais”, in: Tempos Índios: Histórias e

Narrativas do Novo Mundo, org. John Monteiro e Carlos Fausto,

Lisboa.

MONTOYA, Antônio Ruiz de. Conquista Espiritual. 1a edição

brasileira, Porto Alegre, Martins Livreiro, 1985.

MORNER, Magnus. Actividades políticas y económicas de los jesuitas en el rio de la

Plata. Buenos Aires: Paidós, 1968.

_______________. “A Economia e a Sociedade Rural da América do Sul

Espanhola no período colonial”. In: BETHELL, Leslie (org.). História

da América Latina. São Paulo: Edusp, 1998, v. 2.

NEUMANN, Eduardo, O trabalho guarani missioneiro no Rio da Prata colonial,

1640-1750. Porto Alegre, Martins Livreiro, 1996.

OLIVEIRA FILHO, J. P. Uma etnologia dos 'índios misturados'? Situação

colonial, territorialização e fluxos culturais. Mana (UFRJ. Impresso), Rio de

Janeiro, v. 4, n.1, p. 47-77, 1998.

POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuia na Brasil

colonial. Bauru, SP: Edusc, 2003.

RATTO, Silvia & DE JONG, Ingrid. Dossier. La política en las fronteras

americanas, siglos XVIII y XIX. In:

http://historiapolitica.com/dossiers/fronterasamericanasxviiiy

xix/

RUSSEL-WOOD, A.J.R. Um mundo em movimento: os portugueses na África, Ásia

e América, (1415-1808). Lisboa: DIFEL, 1998.

88

_______________. “Centros e periferias no mundo luso-

brasileiro,1500-1808”. Rev. bras. Hist.[online]. 1998, vol.18, n.36,

p. 187-250.

SAIGNES, Thierry. “Las Zonas Conflictivas Fronteras Iniciales

de Guerra” In: Historia general de América Latina, Vol. 2, 1999 (El primer

contacto y la formación de nuevas sociedades). Paris: Unesco, Madrid,

Trotta, 2000.

SERVICE, Elman. The Encomienda in Paraguay. The Hispanic American

Historical Review 31 (2) (May 1951): 230-252.

SOUSA, Neimar Machado de. A Redução de Nuestra Señora de la Fe no Itatim:

entre a cruz e a espada. Campo Grande: UCDB, 2002.

SPALDING, Karen. “¿Quiénes son los indios?”, In: ______., De

indio a campesino. Lima, Instituto de Estudios Peruanos, 1974, pp.

147-193.

SWEET, David G. Reflections on the Ibero-American Frontier Mission as an

Institution in Native American History. University of Nebraska, 1994.

TURNER, Frederick Jackson. O significado da fronteira no Oeste Americano.

In: KNAUSS, Paulo (org). Oeste Americano: 4 ensaios de

História dos Estados Unidos da América de Frederick Jackson

Turner. Niterói: EDUFF, 2004.

WEBER, David. J & RAUSCH, Jane. M. Where Cultures Meet: Frontiers in

Latin American History. Wilmington, DE: Scholarly Resource s Inc,

1994.

89

WEBER, David. Bárbaros. Los españoles y sus salvajes en la era de la ilustración,

Barcelona, Crítica, 2007.

WILDE, Guillermo. Religión y poder en las misiones de

guaraníes. Buenos Aires: SB, 2009.