INSTITUIÇÕES E ELITES NO BRASIL (1930-1945): UMA NOVA ABORDAGEM

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1 Grupo de Trabalho: 14 INSTITUIÇÕES E ELITES NO BRASIL (1930-1945): UMA NOVA ABORDAGEM Matheus Piccoli UFSCar

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Grupo de Trabalho: 14

INSTITUIÇÕES E ELITES NO BRASIL (1930-1945): UMA NOVA ABORDAGEM

Matheus Piccoli – UFSCar

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INSTITUIÇÕES E ELITES NO BRASIL (1930-1945): UMA NOVA ABORDAGEM

Matheus Piccoli1

A transformação institucional no Brasil em 1930 e 1940 são o alvo deste artigo. Observa-se a relação entre a

elite política paulista, estado com maior organização social, com o surgimento de Vargas. Assim, pode-se

recortar o período em três: (1) mostra-se as instabilidades sociais após a queda da República e a instauração do

Governo Provisório até a Revolução de 1932; (2) as alterações institucionais após este fenômeno; (3) e a análise

da construção do Estado Novo. A hipótese central parte da fragmentação da elite política paulista e o avanço da

política gaúcha com o abalo do pacto paulista e mineiro, desconstruindo um arranjo institucional federalista que

os favorecia. Vargas, por sua vez, almeja um estado centralizado, mas com a falta de consenso político só o

efetue em 1937, quando incorpora as elites estaduais na máquina pública da União. O método utilizado para

análise é o institucionalismo individual, permitindo o estudo tanto no escopo institucional quanto a ação

individual.

Palavras-Chave: Estado de São Paulo, Elites políticas, Getúlio Vargas, Institucionalismo.

1. Introdução

É conhecida a vocação da década de 1920 no Brasil como a década voltada para as

revoltas sociais, como pode se verificar na literatura histórica do período (FAUSTO, 1972a;

FERREIRA & PINTO, 2006; FERREIRA, 1993; FERREIRA & GOMES, 1989, FRITSCH

1993, WOODARD, 2013). Não sem razão, pois foi nesta década que a sociedade brasileira

perpassou por momentos de instabilidade social que desembocaram em uma modificação

institucional na dinâmica política do país com a Revolução de Outubro de 1930.

A temática revolucionária era fruto não só da situação social vivida no Brasil, mas

também em outros países, como comprovam os movimentos revolucionários na Rússia, Itália,

Espanha, Portugal e Alemanha, todos possuindo em comum um processo de transição de

formas sociais tradicionais para a sociedade moderna, tendo o sistema político sofrido

alterações profundas.

O coronelismo (LEAL, 1975; QUEIROZ, 2006) , sistema político informal adotado no

Brasil nas práticas político-eleitorais, já enviava sinais de desgastes quanto aos resultados da

eleição de 1922, conhecida como a Reação Republicana, ter sido competitiva. O sistema da

Política dos Estados preconizado por Campos Salles demonstrava não suportar a presença de

uma oposição organizada as grandes oligarquias e pronta para disputar o poder.

1 Mestre pelo PPGPOL-UFSCar, UFSCar.

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Caso aparecesse, a instabilidade política era gerada, perturbando o domínio

hegemônico das oligarquias mais fortes como as de São Paulo e Minas Gerais. Em 1922,

como forma de combater os avanços da Reação Republicana após as eleições, o presidente

eleito Arthur Bernardes passa o seu mandato sob um estado de sítio.

A violência e a coerção física, suprimi nesses quatro anos (1922-1926) movimentos

sociais como os tenentes, anarquistas e comunistas, conseguindo chegar ao final do governo

em tons de aparente tranquilidade. Porém, com a eleição de Washington Luís em 1927, é

instaurado o Decreto nº 5.221 conhecido como Lei Celerada, que aumenta a censura a

imprensa e a organizações como sindicatos e partidos, entre eles o Partido Comunista do

Brasil (PCB). Aliada a essa faceta mais autoritária está também a revisão da Constituição de

1891 feita no ano de 1926, aumentando os poderes da presidência da República.

É neste cenário de severa instabilidade social que ocorre as eleições para a presidência

em 1930. As eleições ocorrem do mesmo modo como as anteriores, com o candidato

escolhido pela presidência vencendo o pleito. Mas o cenário político e social no Brasil de

1930 se difere drasticamente dos processos eleitorais anteriores, por diversos fatores como:

(1) o surgimento de uma oposição organizada em São Paulo (PRADO, 1986;

FAUSTO, 1972a),

(2) o rompimento do pacto político entre as elites paulista e mineira (AMARAL, 1930;

LIMA-SOBRINHO, 1975),

(3) a reorganização política no Rio Grande do Sul tendo a frente Getúlio Vargas

(FAUSTO, 1972a), e por fim,

(4) as escolhas político-administrativas tomadas por Washington Luís no meio deste

processo impar (VIEIRA, 1960; DEBES, 2002).

Todo esse novo arranjo político faz com que o sistema republicano oligárquico, não

preparado para suportar eleições competitivas e partidos oposicionistas; além de não

possibilitar um canal de escoamento de divergências por parte da falta de partidos nacionais

para mediar essas insatisfações, entre em colapso e se desintegre.

Vargas assume o poder com a prerrogativa de extirpar o regime oligárquico e construir

um novo sistema político derivado de maior centralização e prerrogativas para a União. O

mundo ao qual Vargas está inserido repercute um momento de crise mundial, com a Grande

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Depressão afetando incisivamente a produção agrícola brasileira, a qual dependia ferozmente.

Há também cada vez mais presentes novos atores sociais que necessitam ser ouvidos,

através do desenvolvimento social ao qual o país passa na década de 1930, criando as bases

para o seu posterior crescimento industrial. É nesta sociedade que se começa a se passar a

transição política de um regime pautado no domínio das oligarquias e do poder local do

coronel, para a criação de uma burocracia estatal especializada e "apolítica", baseada nos

grandes centros e capitais.

2. A transformação político-institucional

O objetivo principal deste artigo é trabalhar a mudança institucional existente no

Brasil com o marco político ocorrido com a revolução de 1930, relacionando a esta transição

a importância das elites estaduais neste arranjo político instável, priorizando o caso da elite

paulista neste contexto. Entretanto, busca-se aqui explanar um novo enfoque metodológico

para efetuar este tipo de estudo, trazendo assim novas perspectivas de estudo para a história

política brasileira.

Para entender este momento delicado, utiliza-se um esquema baseado em Camargo

(p.16-7, 1983), dividindo o fenômeno social em três períodos principais:

1º período: 1930-1932;

2º período: 1932-1937;

3º período: 1937-1945.

A explicação a esta divisão cronológica se dá pelos fatores políticos e institucionais

envolvidos em cada período proposto. Volta-se primeiramente ao ano de 1922, data na qual se

define a primeira eleição competitiva na Primeira República. Esta eleição é uma prévia do que

ocorreria novamente na corrida presidencial de 1930, na qual há uma ruptura entre as elites

hegemônicas que enfraqueceria o sistema político, levando a sua desintegração.

A partir deste episódio incomum na política brasileira republicana, uma série de

conturbações sociais ocorrem ao longo da década de 1920 evidenciando o caráter exaurido a

que se encontrava as instituições republicanas. Dentre estas instabilidades pode-se citar a

Revolta de 1922 em Copacabana, a Revolta paulista de 1924, a Coluna Prestes-Costa, entre

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outros acontecimentos que favoreceram uma maior centralização do poder no Governo

Central, através da Reforma Constitucional de 1926.

Assim, diferentemente das décadas passadas, a presidência da República tornava a ser

mais desejada pela suas prerrogativas de autoridade que passou a possuir, limitando assim a

independência dos estados e suas elites.

O 2º período evidenciado perpassa pelo momento de ruptura institucional em 1930 e a

formação ainda que prematura de um novo arranjo político no país, que só se concretizará

realmente no final do período, em 1937, com um novo golpe de Estado. Neste 2º período é

interessante observar as relações entre a elite paulista que aderiu aos revolucionários

outubristas e a Vargas, em dois momentos distintos; o primeiro de aproximação com o novo

governo, e o segundo de confrontamento explícito caracterizado objetivamente pela eclosão

da Revolução Constitucionalista de 1932.

Derrotados na disputa militar, os paulistas porém vencem na arena política e

conseguem a proclamação de novas eleições para uma Assembleia Constituinte. Esta elege

Getúlio Vargas como presidente constitucional, ao mesmo tempo que este não se anima com a

nova Carta de 1934. Inicia-se novamente um clima de instabilidade devido ao fortalecimento

de vários movimentos sociais, dentre eles os comunistas e integralistas, perturbando a ainda

frágil democracia. As elites estaduais ainda são importantes nesse cenário, dividindo o poder

legítimo com a figura de Getúlio Vargas, até a concretização do golpe de Estado em 1937.

Finalmente chega-se ao 3º período, caracterizado por um governo autoritário e

centralizador, nomeando-se como o Estado Novo. Neste novo regime, há a aproximação da

elite paulista com o ideal getulista, indicando novamente uma rotatividade de interesses e

ideologia, transformando-se a cada momento dos períodos elencados.

Esta divisão facilita a compreensão da relação entre as elites estaduais, tendo a paulista

como principal foco, e a União. Assim, é possível elaborar de forma mais clara a hipótese

central, perpassando por estes três momentos distintos para entender finalmente a transição

política ocorrida no Brasil desde a década de 1920 até 1945.

A hipótese parte do seguinte ponto, a fragmentação política ocorrida na elite paulista

em 1926 com a fundação do Partido Democrático (PD), a união existente entre os partidos

estaduais gaúchos e a quebra do pacto oligárquico entre Minas Gerais e São Paulo, abalou

toda a estrutura que dava o suporte para o modelo político vigente. Ruindo a Primeira

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República, surge um vácuo institucional, no qual é mais fácil para os novos atores tentarem

moldar novas instituições, devido ao fator de não haver resistência por parte das elites

políticas derrotadas.

Porém, ao chegar ao poder, Vargas não possuía total legitimidade para construir seu

próprio arranjo político derivado de suas ideias antiliberais e positivistas, dependendo de

muitos grupos políticos que davam suporte a sua posição, formados por diversas matizes

ideológicas. Assim, ainda havia margem para as elites estaduais buscarem suas prerrogativas

políticas, como o fez a elite paulista na Revolução Constitucionalista de 1932.

Concluída essa questão com a derrota militar, o último suspiro para as elites estaduais

foram as eleições para a Assembleia Legislativa de 1933, gerando a Constituição de 1934, e

que desde sua publicação passaria a ser desprestigiada por Vargas.

Ao ser impossibilitado de ser candidato em 1937, Vargas então utiliza de métodos de

confrontamento entre as regiões, revivendo o período republicano, mas agora de forma para

enterrar de vez o sistema oligárquico que ainda persistia em existir nas relações políticas.

Desse modo, chega-se ao poder com um golpe de Estado, e neutraliza as elites estaduais

definitivamente, reconfigurando-as para o uso interno da máquina pública.

Cabe nesta altura explicitar os motivos da escolha de priorizar a elite política paulista

para análise da transformação ocorrida socialmente no Brasil nos anos de 1930. Apesar de

possuir diferenças regionais gritantes entre as formações políticas estaduais na Primeira

República, não podendo se apegar ao caso paulista como representativo de toda sociedade

brasileira da época, São Paulo era o estado mais importante do arranjo institucional na

república.

Em segundo lugar, foi o único estado no qual se rebelou desde o início contra o

governo de Vargas, ao passo que fortalece ainda mais seu poderio econômico ao longo da

década. Assim, a transformação social que perpassa o Brasil no momento, está, no limite,

transbordando na sociedade paulista da época, por esta estar inteiramente conectada seja com

o campo político, seja com o econômico.

Em conjunto a este hipótese central, podemos sub-dividir esse esforço intelectual e

complementá-lo com as propostas colocadas por Lamounier (1994) acerca da construção do

Estado Nacional brasileiro e consequentemente de um ambiente institucional democrático.

Para isso, Lamounier (p.11-12; 19-20; 20-21, 1994) utiliza uma série de dispositivos

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empíricos e verificáveis, criando um modelo para administrar as transformações ocorridas nas

sociedades políticas modernas. Com o conceito de construção do Estado, Lamounier (p.14,

1994) busca ligá-lo com a noção da construção de uma estrutura institucional que consiga

abarcar posições políticas distintas nos campos ideológicos sem se fragmentar ou entrar em

uma instabilidade crítica, absorvendo assim as divergências no sistema.

Consoante a esse conceito, estão interligadas três características necessárias para a

construção ou instauração da democracia:

a) espaço eleitoral, para que as lutas sejam direcionadas em uma arena específica e que

permita o debate de ideias entre os grupos políticos;

b) reconhecimento da legitimidade dos grupos;

c) um Estado que ainda tenha um caráter burocrático-administrativo sobre as regiões e

territórios do país, absorvendo assim os confrontos políticos, regionais e partidários.

E como afirma Lamounier (p.19, 1994), a instauração da democracia em países recém

saídos de um sistema ditatorial, necessita-se também de três ações básicas:

d) recomposição da representatividade política mediante anistia e reintegração de

líderes antes proscritos ao debate político;

e) legitimação do arcabouço institucional, ou por reforma constitucional ou por

convocação de uma Assembleia Constituinte;

f) realizações de eleições livres para as esferas do poder político, tanto para o

Legislativo quanto para o Executivo.

Pode-se utilizar este recurso, ao meu ver, também para regimes de oligarquias

competitivas exemplificados através do quadro 1 explicativo feito por Lamounier (p.10,

1994), pois estes regimes apesar de não serem regimes autoritários ou ditatoriais, não

permitem que os atores sociais possam participar livremente do processo político partidário,

se elegendo para cargos públicos.

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Quadro 1 - O processo de consolidação democrática: desconcentração econômica e

fortalecimento do sistema representativo

Fonte: Lamounier (p. 10, 1994).

Assim, após a explicitação deste modelo, surge a pergunta: Toda essa configuração

política para a construção de instituições e da democracia ocorreu no Brasil após a Revolução

de 1930? Em um primeiro momento, creio que não. Dos seis itens citados, nenhum foi

executado ou proposto por Getúlio Vargas espontaneamente logo a sua chegada ao poder em

1930. Deste modo, com esta pesquisa busca-se esclarecer esse cenário político institucional

brasileiro do período.

3. Reconstrução bibliográfica da metodologia do estudo

A literatura acadêmica sobre a teoria das elites é extensa, como demonstra Grynszpan

(1996). Em sua revisão da bibliografia, que é acompanhada brevemente também por Blondel

& Müller-Rommel (p. 820-1, 2007), ela vai do final do século XIX até meados da década de

1970 do século XX.

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Perpassa-se assim pelos três teóricos clássicos do tema e suas obras, Mosca (2004),

Pareto (1933) e Michels (1982); analisa as obras posteriores do elitismo a partir do final da

década de 1940 com os debates entre a perspectiva de unidade ou monismo da elite de Mills

(1982) e o pluralismo de Dahl (1961), chegando até as teses neo-elitistas que emergiram na

década de 1970, com autores como Walker (1966). A revisão proposta por Grynszpan (p.35,

1996), como é explicitado pelo autor, busca apenas caracterizar os estudos efetuados no

exterior, não englobando assim a produção voltada para os temas nacionais.

Ao se deslocar o referencial da análise para o Brasil, observa-se a produção acadêmica

concentrada em determinados pontos específicos. Os estudos preconizados por Love (1982;

2006), Wirth (1982; 2006) e Levine (1980; 2006) acerca das elites estaduais na Primeira

República, juntamente, com os dois estudos de Carvalho (1996) sobre a elite política no

período imperial, procuram esquematizar quem são as elites e como se encontram na

sociedade brasileira, seja no Império ou na Primeira República.

Love (2011) em outro artigo faz uma análise da contribuição da Primeira República

para as instituições brasileiras, observando se essa passagem do Império para a República foi

benéfica para o Brasil; Diniz (1986) faz um balanço da transição política ao qual o país estava

vivendo no final do regime militar; e, finalmente, Wells (2010) busca fazer uma análise do

desenvolvimento democrático e a relação das elites brasileiras no período pós-ditadura

militar.

Em relação especificadamente com o tema proposto por este artigo, pode-se observar

três estudos próximos, dentre eles o de Love (1983), Camargo (1983) e Pandolfi & Grynszpan

(1987). Love utiliza-se de ferramentas computacionais para avaliar a elite política do período

entre 1889-1937, complementado sua pesquisa sobre a elite política de São Paulo de 1982.

Camargo (p.17, 1983), após construir um breve esquema para o estudo da transição

política a que o Brasil viveu em 1930, foca sua análise apenas no primeiro momento, as

origens do processo revolucionário que vão de 1920 até 1930 destacando-se em sua exposição

a tese da substituição das elites.

Pandolfi & Grynszpan (p.3, 1987), por sua vez, indicam um processo de depuração

das elites no período de 1930 a 1937, tendo utilizado como evidência para isso a vitória dos

atores que assumiram o poder em 1930 serem marginalizados do mesmo no regime anterior.

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Ambas as proposições de Pandolfi & Grynszpan e Camargo são criticadas por Codato

(p. 147, 2014), pois os dados da chefia do Departamento Administrativo do Estado de São

Paulo (DAESP) demonstram a reabilitação dos políticos do Partido Republicano Paulista

(PRP) e a extirpação dos membros do Partido Democrático, chamando a atenção justamente o

fato de todos os membros diretores serem homens ligados a política paulista.

Entretanto, o esgotamento das proposições teóricas elitistas para as explicações dos

fenômenos sociais e políticos parece patente com a desacelaração da produção acadêmica

partindo desse campo teórico nos anos 1970 do século XX, como demonstra Marenco (p.5,

2008). Um dos problemas enfrentados na utilização dos mesmos métodos passados é a

verificação quase certa da relação entre uma posição social relevante com os membros da

elite, e a partir disso analisar como elites monistas pode propor políticas distintas

(MARENCO, p. 11, 2008).

Neste ponto, podemos ver um conversão de análise entre Marenco (p.11, 2008) e

Codato (p. 152, 2014), não utilizando-se mais como centro da análise a categoria social em

que veio os personagens da elite, mas sim como esta categoria domina o quadro político-

administrativo através desta sua formação específica.

Enfim, na realidade, o que se evidencia não é a perda do poder explicativo da teoria

das elites, mas sim a necessidade de um redirecionamento da questão chave a pensar nestes

moldes. Foi de grande importância as formulações da primeira geração elitista que priorizava

observar se as minorias tinham mesmo influência no sistema democrático; ou a segunda

geração que buscava entender se essas minorias eram homogêneas ou não (MARENCO, p. 6,

2008).

Deste modo, neste estágio do conhecimento científico, essas indagações ficaram

saturadas pela exaustiva pesquisa acadêmica acerca das elites políticas. Assim, para continuar

a efetuar inovações e entendermos ainda mais as dinâmicas sociais, há de que se fazer ajustes

finos na teoria para se colher resultados diferenciados e inovadores. Portanto, este é o

momento de priorizar outras relações que podem ser analisadas, dentre elas a relação entre as

elites e as mudanças institucionais, particularmente proposto como o foco deste artigo.

Na bibliografia específica levantada, há uma gama de estudos que priorizaram outras

questões mais fundamentais na construção do pensamento elitista ao longo de sua execução,

já evidenciado neste espaço. Estudos relacionados com a abordagem identificada com o aqui

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proposto já estão em curso, demonstrando uma nova possibilidade de ampliação da análise

elitista para os fenômenos de transformação social e mudança institucional.

Percebe-se assim nas pesquisas de Codato (2008; 2014) a materialização da

transformação da ideologia da elite paulista no cerne do Estado Novo, na qual antes de aderir

ao governo autoritário tinha grandes ressalvas políticas, que foram deixadas para trás após

terem sido incorporadas pelo regime através da sua burocracia. Em conjunto ao estudo de

Love (1982) que mapeia a elite paulista de 1889 até 1937, Codato (2014) faz um

levantamento similar em relação ao Departamento Administrativo do Estado de São Paulo

(DAESP), órgão da burocracia pública criada por Vargas.

É no DAESP que está concentrada a elite estratégica do estado, ou seja, a elite que era

recrutada pelo seu conhecimento técnico, e não por suas relações sociais ou econômicas. É

neste órgão público que se verifica a transformação ocorrida da elite, passando de coronéis

com o domínio do poder local para bacharéis alocados nas capitais. Surgem então novos

rumos a serem estudados se utilizadas outras metodologias de pesquisa, revelando diversa

relação social presente nos arranjos institucionais brasileiros.

Cabe aqui ressaltar também algumas críticas levantadas por Soares (2014) acerca dos

estudos relacionados entre a transição política para uma democracia sólida e o papel das elites

neste contexto. Preocupado com outro período histórico vivido no Brasil, a redemocratização

após o regime militar de 1964 , Soares (p.58, 2014) enumera algumas críticas metodológicas

possíveis para não só a análise de um determinado período em si, mas sim para a temática

como um todo:

1) falta de definição de conceitos;

2) não há pesquisa empírica;

3) casos distintos utilizados como exemplo de acordo entre elites;

4) polarização do mundo entre elites e massa.

Essa reconstrução das transformações vividas pelas elites políticas do país possibilitam

entender melhor como foi formado o Estado moderno brasileiro e sua sociedade política, se

levada as devidas considerações estipuladas acima. Por ter sido um dos rompimentos

institucionais mais severos na sociedade brasileira, ele ainda reverbera nos costumes sociais

contemporâneos, visto a grande influência de Vargas para a política nacional.

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4. O institucionalismo individual como método e seus desafios

O método utilizado para se estudar as ciências sociais, como afirma Putnam (p.27,

2006), exige uma variação de técnicas de pesquisa que em seu conjunto possibilitam uma

melhor verificação dos resultados científicos, diminuindo as deficiências inerentes a cada uma

delas. Pensando nestes termos, utiliza-se nesta pesquisa uma abordagem metodológica aliada

a uma técnica de pesquisa, com o intuito de melhor observar os fenômenos sociais propostos,

tanto a transição e a construção das instituições no Brasil da década de 1930, quanto a

participação das elites e atores individuais neste processo.

Para o melhor trabalho da hipótese central de pesquisa, creio ser necessário um

método institucional que leve em consideração principalmente as ações individuais, não se

esquecendo porém das interferências as quais as instituições produzem no campo de ação

individual. Deste modo, seria interessante um meio termo entre os autores do

institucionalismo histórico e os institucionalismo da escolha racional, que se encontra na

corrente de pensamento do individualismo institucional (AGASSI, 1975, 1987; UDEHN,

2001, 2002; FERREIRA, 2008).

Inserido dentro da tradição de pensamento do individualismo metodológico, o

institucionalismo individual porém incorpora outros termos de análise. De acordo com a

versão original do individualismo metodológico, as instituições não pertencem a situação, elas

não são concebidas como pertencentes a uma realidade autônoma "acima" dos indivíduos,

capaz de atuar sobre eles.

Já pela corrente do individualismo metodológico austríaco, as instituições devem ser

analisadas e explicadas como o resultado das ações dos indivíduos, mas não como uma causa

de uma ação humana. Segundo o institucionalismo individual, no entanto, a ação humana é,

pelo menos em parte, causada por instituições sociais (UDEHN, p.209, 2001).

Pode-se, portanto, através da figura 1 formulada por Udehn (p.227, 2001), observar

como se dá o esquema formal da relação entre a sociedade e o ator individual:

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Figura 1 - Individualismo Institucional

Fonte: Udehn (p.227, 2001).

Com este esquema, é possível responder as duas questões fundamentais propostas

pelos estudos institucionalistas, que são:

(1) qual a relação entre as instituições e comportamentos individuais?

(2) como ocorre o processo de formação e transformação das instituições? (THÉRET,

p.227, 2003).

O ator individual age construindo instituições que moldam suas novas ações, num

processo contínuo. Em conjunto com o método do institucionalismo individual, utiliza-se para

o entendimento das transformações ocorridas no Brasil de 1930 técnicas de pesquisa em torno

das elites políticas da época.

O campo de pesquisa das elites pode ser dividido em 4 substantivas áreas de acordo

com Hoffman-Lange (p.911-2, 2007):

(1) Estudos de origem social: São feitos através de dados coletados das origens

familiares (tanto a importância econômica quanto a social); origens regionais; afiliações

religiosas; e educacionais;

(2) Análise das carreiras: Como são as estruturas disponíveis para o eventual avanço

as lideranças no interior das elites;

(3) Padrões e valores: torna possível estudar as atividades, valores e atitudes e revelar

padrões de conflito e consenso entre os diferentes grupos de elite;

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(4) Interações entre elites e a disputa do poder: a pesquisa de informações cruciais

sobre o acesso dos diversos grupos de elite, bem como de não-elites aos decisores políticos

centrais, bem como sobre o nível global de integração elite.

Dentre esses campos, o método de análise para a identificação das elites se divide em

três, representado por:

(1) Reputacional: são efetuadas perguntas para um determinado grupo de pessoas

sobre quem são os indivíduos mais importantes do local estudado; é um método melhor

utilizado para estudos de casos menores;

(2) Decisional: Estuda elites através da identificação delas com os processos de

decisões em importantes políticas públicas (também melhor utilizado em um estudo local);

(3) Posicional: usado para estudo de elites nacionais, é baseado na ligação dos poderes

e influências presentes nos donos de cargos de instituições públicas e privadas das sociedades

modernas.

Dadas essas características, a tarefa de definir uma técnica de pesquisa se torna mais

acurada, priorizando portanto determinadas bases de dados já construídas por pesquisadores

anteriores. Assim, a pesquisa se baseia no levantamento efetuado por Love (1980, 1983), no

qual se utiliza de um método posicional para a identificação das elites em São Paulo, técnica

mais apropriada para o estudo de elites nacionais; ao mesmo tempo que prioriza o campo das

interações entre as elites e a disputa pelo poder.

5. Conclusão

Foi possível observar na estruturação do artigo três preocupações fundamentais. Em

primeiro lugar, recorre-se ao tema estudado, recapitulando os fenômenos sociais ocorridos ao

longo das décadas de 1920, 1930 e 1940 como forma de delimitar o foco do estudo. Com o

tema claro, foi possível levantar hipóteses de pesquisa com o caráter de investigação futura.

Tendo essa perspectiva concluída, parte-se para um segundo momento em que se

delineia as dificuldades e os avanços teóricos existentes na literatura da área conexa,

reconstituindo sua bibliografia básica. Com os avanços obtidos através dos estudos sobre as

elites, sejam eles nacionais ou internacionais, busca-se uma nova forma de observar o

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fenômeno histórico brasileiro, com o uso de uma nova corrente teórica. A partir disso, pensa-

se um modo de buscar uma metodologia e técnica de pesquisa que permita equacionar os

desafios levantados pelos próprios estudos anteriores, e aos quais em determinado momento

se esgotaram em suas formulações propositivas.

Assim, surge como parâmetro de análise uma corrente teórica ainda pouco utilizada na

ciência social brasileira, o institucionalismo individual. Esta corrente permite elucidar com

um outro enfoque as hipóteses expostas. Ao invés da análise se basear apenas na ação dos

atores sociais, ou no estudo da ação institucional, procura-se entender a ação dos indivíduos

inseridos neste arcabouço institucional o qual também os afeta, mas não é o determinante

principal de suas ações.

Em um momento de extrema instabilidade política, como foi a década de 1930 no

Brasil, esta teoria traz novas perspectivas de análise para o estudo do fenômeno. Portanto,

mais do que responder as questões levantadas, este artigo é construído para a fomentar novas

indagações a respeito da temática, assim como introduzir este método ainda pouco difundido

no Brasil.

6. Referências

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