IMAGINÁRIO E IDENTIDADE NA CONVERSÃO DA ISLÂNDIA
-
Upload
independent -
Category
Documents
-
view
2 -
download
0
Transcript of IMAGINÁRIO E IDENTIDADE NA CONVERSÃO DA ISLÂNDIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ANDRÉ ARAÚJO DE OLIVEIRA
IMAGINÁRIO E IDENTIDADE NA CONVERSÃO DA ISLÂNDIA
Maranhão
2015
3
ANDRÉ ARAÚJO DE OLIVERA
IMAGINÁRIO E IDENTIDADE NA CONVERSÃO DA ISLÂNDIA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História do Centro de
Ciências Humanas da Universidade
Federal do Maranhão como requisito
parcial para a obtenção do grau de grau de
Mestre em História.
Área de Concentração: História Social.
Orientador: Prof. Dr. Marcus Baccega.
Maranhão
2015
4
ANDRÉ ARAÚJO DE OLIVEIRA
IMAGINÁRIO E IDENTIDADE NA CONVERSÃO DA ISLÂNDIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Centro de
Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre na área de concentração em História Social.
Aprovado em ........ de .................... de 2015.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Marcus Baccega
Universidade Federal do Maranhão
Orientador
Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos
Universidade Federal do Maranhão
Prof. Dra. Adriana Maria de Souza Zierer
Universidade Estadual do Ceará
6
AGRADECIMENTOS
Ao terminar um trabalho acadêmico é impossível não agradecer a todos que ajudaram
e me apoiaram nessa longa jornada, contudo a lista seria longa se não tivesse que me abster de
citar alguns nomes e narrar alguns momentos. Contudo saibam que mesmo sem especificar os
nomes, sou grato a todos que contribuíram de alguma forma ou outra para a construção dessa
dissertação.
Ao meu orientador Professor Doutor Marcus Baccega, que sem o nosso encontro
inesperado eu não poderia chegar onde cheguei, e pela sua paciência com minha indisciplina.
Conhecendo-o há pouco tempo e mesmo assim eu fico muito grato por todos os nossos
diálogos, que me auxiliaram a crescer como pesquisador.
Ao Professor Doutor Johnni Langer, que me convidou para fazer o mestrado no
Maranhão. Sem sua orientação inicial e co-orientação eu não teria a oportunidade de conhecer
e me aprofundar em uma área tão pouco estudada nacionalmente. Seu papel foi fundamental
para eu me tornar o pesquisador que sou hoje.
Ao Professor Doutor Lyndon de Araújo Santos, pela sua paciência ao ler minha escrita
prematura que auxiliou na progressão da minha pesquisa com suas críticas e comentários na
matéria Seminário de Pesquisa.
A Professora Doutora Adriana Maria de Souza Zierer, por aceitar gentilmente o convite
inesperado de participar da minha defesa, e ter a paciência de ler essa pesquisa para que possa
amadurecer.
Aos demais professores do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do
Maranhão, que alguma forma ou outra, auxiliaram no meu crescimento intelectual dentro do
seu espaço, e físico me deram uma oportunidade para um estrangeiro nessa terra chamada de
Atenas brasileira.
Agradeço igualmente pelo auxílio financeiro provido pela CAPES. Sem ela a minha
estadia no Maranhão e o custeio de livros seriam muito mais onerosos do que realmente foram.
Por fim, mas não menos importante, eu agradeço aos meus pais, Arno e Sonilda, e aos
meus irmãos Larissa, Yatska e Arthur, pois família é a base de tudo. Aos meus amigos
ludovicenses que ajudaram na adaptação em São Luis, principalmente a Arnaldo, Raissa e Sara.
Aos meus amigos do Espírito Santo que estão presentes na minha vida acadêmica e lúdica.
Aos meus amigos “vikings” espalhados pelo Brasil principalmente: Pablo e Munir.
]
7
RESUMO
Nessa dissertação, analisamos como se deu o processo de construção da identidade cristã
islandesa por meio da alterização da religiosidade pré-cristã com o uso do imaginário. Para
tanto, tomamos como documentação três sagas de bispos, Byskupasögur: Guðmundar sögur,
Jóns Saga helga e a Þorláks saga helga. A documentação foi produzida após o período o qual
descreve e narra à vida de três bispos islandeses, Guðmunðr, Jón e Þorlákr, que viveram no
século XII e XIII, narrando o seu papel na pregação, assim como ocasionais conflitos políticos.
A Islândia medieval no período estudado já está convertida ao cristianismo, contudo ainda
existem alguns senhores locais, os godar, que se dificultam a aceitação total do cristianismo
na ilha, assim como a permanência de alguns focos da religiosidade pré-cristã. Ao analisar a
documentação foi comprovada a hipótese da alterização da religiosidade pré-cristã para a
construção de um clero islandês forte, assim como indícios de uma religiosidade islandesa
cristã com influências pré-cristãs. Esse cristianismo islandês híbrido auxiliaria possivelmente
na conversão dos últimos focos de resistência ao clero.
Palavras-chave: Islândia Medieval. Saga dos Bispos. Identidade. Representação.
8
ABTRACT
In this thesis, we analyze how was the process of construction of Icelandic Christian identity
by othering the pre-Christian religion with the use of imagery. To this end, we take as docu-
mentation three sagas of bishops, Byskupasögur: Guðmundar sögur, Jons Saga helga and
Þorláks saga helga. The documentation was produced after the period which it describes and
chronicles the lives of three Icelandic bishops, Guðmunðr, Jón and Þorlákr, who lived in the
twelfth and thirteenth centuries chronicling their role in preaching and occasional political
conflicts. The medieval Iceland during the studied period is already converted to Christianity,
however there are still some local lords, the Goðar, which hinder the full acceptance of Chris-
tianity on the island, as well as the permanence of some outbreak of pre-Christian religion. By
analyzing, the documentation was proven the hypothesis of othering of pre-Christian religion
to build a strong Icelandic clergy, as well as evidence of a Christian Icelandic religiosity with
pre-Christian influences. This Icelandic hybrid Christianity possibly help in the conversion of
the last pockets of resistance to the clergy.
Keywords: Medieval Iceland. Bishops’s Saga. Identity. Representation.
9
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 Rei Haroldo Cabelo Belo.......................................................................17
Imagem 2 Mapa da Islândia....................................................................................19
Imagem 3 Foto da Lögberg, a pedra das leis..........................................................20
Imagem 4 Mödðruvallabók.......................................................................................24
Imagem 5 Localizações dos bispados de Holar e Skalhólt.....................................27
Imagem 6 Bispo Guðmunðr....................................................................................33
Imagem 7 Bispo Jön Ögmundarson...........................................................................35
Imagem 8 Sleipnir...................................................................................................39
Imagem 9 Pedra rúnica com ilustração de dragão..................................................43
Imagem 10 Cruz achada na Islândia com elementos híbridos..................................46
Imagem 11 Óðinn, Deus pré-cristão escandinavo....................................................81
Imagem 12 Bastão da Völva.....................................................................................83
Imagem 13 O Deus Loke...........................................................................................84
11
LISTA DE SIGLAS
AM........................Instituto Árna Magnússonar
UFES....................Universidade Federal do Espírito Santo
UFMA..................Universidade Federal do Maranhão
UNESP.................Universidade Estadual de São Paulo
UNESCO.............United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
12
SUMÁ RIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 13
2. AS VOZES E O IMAGINÁRIO NAS SAGAS ISLANDESAS ........................................ 22
2.1 As Sagas Islandesas ...................................................................................................... 22
2.2 O Imaginário nas Sagas e Sociedade Escandinava. ...................................................... 37
2.3.O Conceito de Identidade e sua Construção ................................................................. 42
3. A ALTERIZAÇÃO DA RELIGIOSIDADE PRÉ-CRISTÃ ............................................... 48
3.1 O imaginário nas fontes ................................................................................................ 51
3.2 Os milagres e o imaginário ........................................................................................... 58
3.3 A construção da alteridade no contexto de conversão .................................................. 67
4. O NOVO CRISTIANISMO ISLANDÊS ........................................................................... 76
4.1 O seiðr e a influência dos milagres ............................................................................... 79
4.2 O hibridismo cultural nos milagres............................................................................... 84
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 90
6. REFERENCIAS ................................................................................................................. 92
13
1. INTRODUÇÃO
Iniciei a vida no ensino superior de uma forma pouco convencional para alguém que
almeja uma carreira acadêmica na História, pois primeiramente prestei o vestibular para o
curso de Física, em 2005, sendo aprovado na seleção da Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES). A paixão pela “logificação” do mundo me acompanhou no novo vestibular que
iria prestar, no ano de 2007, quando fui aprovado no curso de História daquela mesma
instituição de ensino superior. Dentro do curso de História encontrei aquilo que talvez não
tivesse a consciência do que queria, mas o fato é que desde o primeiro período a minha
verdadeira vocação, em especial porque ainda no primeiro ano teria contato com a área que
guardo verdadeira paixão – a história medieval.
Vale ressaltar que antes mesmo de terminar as últimas avaliações do semestre 1/2008
a paixão foi notada pelo professor Sérgio Alberto Feldman, pois ele me convidou a participar
da iniciação científica em medieval. Suspeito que o convite foi devido ao meu interesse acima
do normal no tema, enfaticamente demonstrado na minha participação em sala. Assim, dei
início aos meus estudos na história medieval, e ainda que fosse prematuro, naquela época se
por um lado me faltava conhecimento historiográfico por outro era abundante a minha
motivação para o estudo.
No primeiro ano de pesquisa a minha evolução acadêmica foi acelerada, em parte pela
minha motivação que fazia “devorar” livros, mas, principalmente, graças à tutoria do Prof.
Feldman, com sua paciência e auxilio de costume. Em pouco tempo eu pude compreender o
ofício de historiador quando se debruça sobre um período distante como é o medieval. Naquela
época eu me dediquei a estudar o Catarismo francês no século XIII. Apesar do recorte temporal
e temático se distanciar razoavelmente do projeto atual, essa pesquisa me introduziu no estudo
da alteridade e religião. A orientação em iniciação científica teve duração de dois anos, nos
quais pude esmerar a escrita que havia deteriorado pelo laconismo matemático de números e
equações do curso de Física.
Na monografia, a etapa final na graduação do curso, foi trabalhada os registros
inquisitoriais franceses na cidade de Toulouse entre os anos de 1273 a 1280. A pesquisa teve
por objetivo procurar os indícios da alterização progressiva da heresia por meio de paradigmas
de inquirição. Na monografia, novamente, como em toda a minha graduação, o Outro e a
14
religião são elementos fundacionais, e se tornariam mais tarde, na pesquisa de Mestrado, os
principais conceitos trabalhados.
O tema atual de pesquisa não é um interesse novo, havia visto que existia desde a época
de graduação. O exotismo que a Escandinávia despertava a minha curiosidade tanto pela sua
“diferença” quanto pelo fato de ser uma área pouco explorada pela historiografia no Brasil,
notadamente percebida pela pouquíssima bibliografia publicada no país como também pelo
pouco conteúdo sobre “nórdicos” na grade curricular dos cursos de História. Com um pouco
de curiosidade/ interesse e outro tanto de coragem e sorte eu me lancei sobre essa área e, assim,
a tomei em minhas mãos, trocando assim o tema que até então havia estudado. Isso ocorreu
em 2011, na Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) em Assis-SP, quando encontrei o
professor Johnni Langer e a professora Luciana Campos. Lá, eu apresentei o tema da minha
monografia da UFES e pude ter meus primeiros contatos com o estudo acadêmico da
religiosidade escandinava.
Com a orientação inicial do professor Johnni Langer eu pude trocar radicalmente de
recorte espaço-temporal, sem prejuízos teórico-metodológicos ou mesmo historiográficos,
pois ele viria a suprir com uma indicação bibliográfica que orientaria para o novo passo que
me aventurava. Sob sua tutela pude ingressar com um pré-projeto tematicamente inovador na
Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Troquei, portanto, a religiosidade herética pela
religiosidade pré-cristã, porém apesar do objeto ser novo a temática se manteve inalterada,
pois permaneci fiel à temática da alteridade e religião. Nos últimos dois anos trabalhei
arduamente a fim de aplicar os conceitos em fontes, locais e épocas completamente diferentes
dos quais estava até então habituado.
Para a produção da presente dissertação sobre Idade Média a primeira coisa que se
deve marcar seria a Idade Média. A historiografia atual se afasta da divisão linear cronológica
ainda em voga no senso comum, para se aproximar de uma percepção deste período como
contexto onde ocorre um processo pluridimensional que faz por vezes compreendê-la como
inexiste. A construção de um período milenar, que se delimita da desestruturação do Império
Romano até a descoberta da América, veio como medida pedagógica para produzir um
sentimento de unidade a um período profundamente misto (AMALVI, 2006). Dentro da Idade
Média existe a Era Viking1 tradicionalmente aponta-se o início da Era Viking no ano de 793,
1 A “Era Viking” foi uma construção posterior, sendo que os escandinavos não sabiam que estavam na “Era
Viking”, sendo este um período construído pela historiografia. Sendo esse termo muito utilizado pelos
15
ano em que o mosteiro de Lindisfarne foi atacado, e seu fim no ano de 1066 com uma batalha
de Hastings em que Haroldo III Sigurdsson foi derrotado pelo rei inglês (BOYER, 2004).
Assim como a própria Idade Média, a “Era Viking” é igualmente complexa e cheia de
minúcias. Os “vikings” 2 são fundamentalmente os habitantes da Escandinávia, como os
habitantes das regiões atuais da Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia, Islândia e Groelândia.
Estes habilidosos navegadores cruzaram o Atlântico, com seus barcos longos e finos,
apropriados para atracar em qualquer praia arenosa (DURHAM, 2002). Esses barcos únicos
na sua época foram uma ferramenta de locomoção que fizeram os “homens do Norte” serem
conhecidos pelas suas habilidades de saque, comércio e transporte. As relações comerciais
chegaram a terras mais distantes como Bizâncio e o Oriente Médio.
Para se compreender como ocorreu a conversão da Islândia é importante compreender
como ocorreu a conversão da Noruega. A Heimskringla explica que a dinastia “viking” da
Noruega começou com a centralização do poder por Haroldo I em 885. Nessa mesma época
alguns noruegueses saiam do continente para colonizar a ilha que futuramente seria conhecida
como Islândia3. A autoridade do Haroldo era muito forte nas regiões ao sul, contudo ao norte
existia a região de Lade, que não se subjugaria facilmente. Perto do fim de sua vida, Haroldo
tinha vários filhos e mulheres, mas abdicou do trono em favor do seu filho Érico I.
documentários históricos atuais devido à popularidade do tema vem adquirindo nos últimos anos (LANGER,
2005). 2 A discussão historiográfica sobre a utilização dos termos Vikings ou escandinavos foi realizado por Régis Boyer
(2004). Islândia, Noruega, Suécia e Dinamarca são etnias distintas com ideias distintas, possuindo uma
“uniformidade” no seu idioma. 3 Estudos mais recentes como o de Lesley Abrams (2012) debate o conceito de diáspora para o período de
expansão da sociedade escandinava, no qual se apresenta as movimentações e colonizações feitas durante esses
séculos como um movimento de expansão em busca de novas rotas comerciais, assim como uma relação
problemática com a sociedade hospedeira anterior. Na sua análise, Abrams afirma que o conceito de diáspora se
aplica as movimentações escandinavas na chamada “Era Viking”. (ABRAMS, 2012, p.38)
16
Imagem 1: Imagem do primeiro rei da Noruega Haroldo Cabelos-belos. Ilustração produzida
no século XIV na Flateyjarbók.
Érico I era filho de Haroldo com a rainha dinamarquesa, e governou a Noruega de 933
até 935, quando foi deposto pelo seu meio irmão Haakon I4. Haakon foi adotado e criado pelo
rei inglês Athelstan para ser um cristão, e com este iniciou-se o apoio real ao cristianismo,
convidando missionários, como o bispo inglês Sigefridus, e construindo igrejas. O seu apoio
ao cristianismo acabaria levando a um conflito interno no qual os seguidores dos costumes
religiosos pré-cristãos queimaram igrejas e assassinaram padres missionários. Por volta de 950
os filhos de Érico I se rebelaram com o apoio dinamarquês e tiraram Haakon do trono. Sua
morte foi descrita por um poema escáldico, o Hákonarmál que é um poema em sua memória,
no qual curiosamente Haakon vai para o Valhöll, uma forma de paraíso pré-cristão
escandinavo, e não o paraíso cristão.
Haroldo Manto Cinzento, ou Haroldo II, era o filho mais velho de Érico I, e após
derrotar seu tio reinou por 10 anos. Contudo, seu reino foi descrito nas sagas dos reis,
konungasögur, como de colheitas e clima ruim, que foi justificado na documentação devido
sua política rígida com o culto as divindades pré-cristãs. Finalmente ele foi morto por um
complô entre o líder de Lade e o rei dinamarquês, Haroldo Dente-Azul. Com sua eventual
morte, o poder Norueguês ficou dividido entre o reino Dinamarquês e Haakon Sigurðsson.
4 Haakon, o bom, foi o primeiro rei a tentar cristianizar a Noruega e marcou o exemplo, segundo a ótica de Sverre
Bagge (2004), do que ocorreria na Noruega e Islândia. Uma cristianização tardia, por influência da Inglaterra, e
a resistência dos seguidores da religiosidade pré-cristã a nova religião.
17
Com a morte de Haakon Sigurðsson em 995, a Noruega não teria mais nenhum rei que
fosse pagão. Olavo Tryggvason 5 , personagem desconhecido até o momento, retornou a
Noruega em 995, aclamando sangue real, enfrentou Haakon, sendo vitorioso, em parte devido
as revoltas que Haakon estava enfrentando em todo seu reino. Após tornar-se rei, focou todos
os seus esforços para converter o reino ao cristianismo usando todos os meios a sua disposição,
centralizando seu poder combatendo o Lade, destruindo templos, torturando e matando
resistentes pagãos. Sendo que, o próprio Olavo I6 é considerado um dos responsáveis pela
conversão da Islândia, sua influência duraria até o ano 1000.
A Islândia é uma ilha dentro do Oceano Atlântico Norte com uma área de 103 mil
quilômetros quadrados, que está 950 km de distância da Noruega. Ela possui um relevo
acidentado com muitas montanhas e nascentes de águas quentes formando gêiser. Apesar de
pequena a ilha possui uma grande quantidade de atividade vulcânica, totalizando 30 sistemas
vulcânicos. As temperaturas no inverno chegam aos -3º C e no verão 8º C, fazendo um
contraste entre o fogo dos vulcões e o frio constante uma das características marcantes.
5 Olavo Tryggvason, nasceu em 960, filho de Astrid, que logo após o nascimento de seu filho fugiu para a Estônia
e Rússia, onde Olavo passou maior parte de sua infância na corte de Vladimir I. Na juventude e vida adulta entrou
na carreira de Viking e é registrado seus ataques a Inglaterra em 991, posteriormente foi convertido para o
cristianismo em 994. Em 995 retorna a Noruega e toma o trono de Haakon o grande. Ao se tornar soberano.
Fundou a cidade de Trondheim como centro do poder real e depois forçosamente exerceu pressão para converter
toda a Noruega, Ilhas do Norte e Islândia (HOLMAN, 2003). 6 O primeiro rei missionário, chamado assim pela historiografia escandinavista. Recebeu essa alcunha em parte
pelo seu fervor ao tentar converter a população ao cristianismo, usando, segundo Snorri Sturluson, cronista e
nobre, “meios drásticos”. O uso dessas práticas pouco singelas levou o avanço do cristianismo norueguês, que
nessa época se concentrava no sudeste da região, para as regiões mais ao norte, assim como a Islândia. (BAGGE,
2005, p.122)
18
Imagem 2: Uma foto da Islândia tirada por satélite com os territórios mais próximos para
comparação.
A ilha se organizava politicamente em torno de assembleias locais chamadas de Þing7.
Essas assembleias estavam sobre o domínio de chefes locais chamados de goðar8, que também
eram responsáveis pelo culto aos deuses. Quando ocorriam disputas ou decisões importantes
eram levadas para a assembleia geral, a chamada Alþing9, um exemplo, a decisão sobre o
cristianismo crescente vindo como uma pressão de Olavo Tryggvason, rei da Noruega.
(VÉISTEINSSON, 2000)
Na assembleia geral de 999 realizada na planície de Þingvellir10, com a presença do
Falador-das-leis11, indivíduo eleito a cada três anos responsável pela manutenção das leis, foi
7 É a palavra em Nórdico Antigo para assembleia em espaços abertos ou encontros onde se discutem a lei e justiça.
Elas eram realizadas com frequências regulares em escalas locais, regionais e nacionais (HOLMAN, 2003). 8 Os goðar, plural de goði, eram os líderes locais da Islândia. Sendo inicialmente 36, posteriormente 39 em 965
e finalmente 48 em 1005, seus números aumentaram em paralelo com o “desenvolvimento urbano” da ilha.
Originalmente o título não era vinculado diretamente a um território, mas uma relação de patronato com seus
seguidores, þingmenn. Os goðar tinham a função de eleger na Assembleia Geral o lögsögumaðr além de que
cooperavam entre si em busca de interesses locais e nacionais (HOLMAN, 2003) Além da função política dos
goðar, tinham na Islândia pré-cristã, uma função no culto a deuses específicos no edifício de culto chamado de
hof. (SUNDQVIST, 2008, p.224). 9 Alþing é a assembleia nacional da Islândia que se iniciou em 930 (HOLMAN, 2003, p.26). 10 Hoje em dia a planície se tornou um parque nacional como Patrimônio Mundial pela UNESCO. 11 Lögsögumaðr, o falador-das-leis, era eleito a cada três anos na Assembleia Geral pelos goðar na qual tinha um
“mandato” de três anos. A cada ano ele teria que citar um terço das leis, de modo que ao encerrar sua vez ele
citaria todas as leis. O Lögsögumaðr possuía o papel de resolver problemas políticos e decisões nacionais, como
19
decidido pela conversão de toda a Islândia para o cristianismo. As narrativas sobre a conversão
islandesa são tipicamente descritas como um exemplo excepcional de uma conversão pacífica.
Historiadores como Kathleen Self discordam dessas narrativas ao afirmarem que essa visão
ignora as violências físicas, verbais e sociais. (SELF, 2010, p. 182)
Imagem 3: Foto atual de Lögberg, a pedra da lei. Local onde era realizado a Assembleia Geral. O
centro político da Islândia medieval. Atualmente parte do parque de Þingvellir.
A história diz que, poucos dias depois do meio do verão um navio atracou em
Vestmannaeyjar na costa ao sul da Islândia. Dois goðar eram donos e navegavam o navio,
Gizurr Teitsson e Hjalti Skeggjasson, e com eles traziam um padre chamado Þormóðr. O rei
norueguês Olavo Tryggvason, estava começando a se irritar com a teimosia dos islandeses em
não se converterem ao cristianismo apesar de suas tentativas, ele pensava em matar todos os
islandeses em seu reinado como retaliação. Os dois goðar assumiram um papel vital em evitar
esse derramamento de sangue ao tentar converter a ilha. Os dois foram então, imediatamente
na direção da Assembleia Geral que iria acontecer no ano de 999, contudo Hjalti Skeggjasson
o caso da conversão da Islândia (HOLMAN, 2003, p. 26).
20
não poderia ir, pois havia sido banido por blasfemar aos deuses. (STRÖMBÄCK, 1975, p. 13)
Ao se aproximar do local da Assembleia Geral, Gizurr convocou seus aliados e amigos
para auxiliá-lo, pois havia ouvido boatos de que os opositores ao cristianismo tentariam usar
a força para impedi-lo de chegar ao seu destino. Enquanto esperaram os reforços, chegou uma
companhia inesperada, Hjati Skeggjasson, que apesar de estar banido de pisar no espaço
sagrado da Assembleia Geral resolveu participar da reunião. Chegando ao local da reunião
ambos os lados se prepararam para a batalha, mas por pouco não entraram em conflito e
decidiram resolver os desentendimentos por meio da Assembleia Geral. Ambos goðar cristãos
chegados da Noruega falaram do seu encontro com Olavo Tryggvason sobre a pedra da lei,
lögberg. Ocorreu uma comoção de ambos os lados e o assunto se dividiu completamente entre
seguidores da religiosidade pré-cristã e os goði cristãos (STRÖMBÄCK, 1975, p. 14-15)
Os goðar cristãos assim como os seguidores da religiosidade pré-cristã se diziam livres
de todos os laços legais com os membros do outro grupo. Os líderes cristãos pediram ao goði
Ali Þorsteinsson que falasse as leis apropriadas para eles, mas ele se recusou, utilizou da sua
influência com o falador das leis, lögsögumaðr para que ele dissesse novas leis para todos,
inicialmente ele não recusou, mas se retirou para pensar sobre isso. Durante um dia e uma
noite ele ficou isolado coberto por sua capa ponderando sobre a situação e na manhã seguinte
envia uma mensagem para reunir todos na lögberg. Lögsögumaðr iniciou seu discurso dizendo
que brigas e hostilidades dividiriam a ilha e levariam ao fim de todos. Então apresentou a ideia
de todos terem uma só lei e uma só fé, pois se rompesse a lei romperia com a paz. Ambos os
lados concordam que sua decisão deveria ser aceita pelos dois lados. E assim ele declarou a
nova lei, na qual todos deveriam ser cristãos, mas a exposição de crianças deveria permanecer
assim como o hábito de se alimentar de cavalos. Se as pessoas desejassem era permitido
sacrificar aos deuses em segredo e se fosse descoberto sofreria um banimento de 3 anos.
(STRÖMBÄCK, 1975, p. 16-17)
No primeiro capítulo abordaremos a documentação e os principais conceitos dessa
dissertação. Como essa pesquisa é um tema inovador e diferente para a grande maioria da
historiografia brasileira, é fundamental apresentar qual a documentação analisada e o
problema de sua análise. Nesse capítulo também iremos expor a razão pela qual se utilizará
costumes religiosos pré-cristãos, assim como não se utilizará a “Igreja” como referência para
a forma motriz da conversão da Escandinávia. Por fim, faremos uma explanação sobre o
processo construtor de identidade e como compreendemos a forma que se dá sua criação nesse
21
caso pontual.
No segundo capítulo entraremos na primeira parte da análise da conversão da Islândia.
Analisaremos as Byskupasögur (as sagas dos bispos), mas devido ao tempo dedicado a
pesquisa focou a análise em três documentos: Guðmundar sögur, Jóns Saga helga e a Þorláks
Saga Helga. No começo desse capítulo iniciaremos nossa análise pelo papel dos bispos na
conversão da ilha, em que o mesmo vai além da intenção de cristianizar, mas de construir uma
ilha cristã onde antes a Igreja tinha pouca, ou nenhuma influência. Isso se dará por meio de
uma antagonização da religiosidade pré-cristã e do sincretismo de elementos que não
conseguiram expurgar.
No terceiro capítulo estudaremos como se deu a construção desse cristianismo islandês.
Na construção da Igreja e Identidade islandesa se exclui elementos que eram claramente
negativos para uma futura ilha cristã, mas se conservou elementos que puderam ser
reinterpretados. Por meio de elementos da crença pré-cristã, os milagres, a apresentação da
emanação da força divina se dava de uma forma, pela a qual a população insular se identificava
à feitiçaria pré-cristã e elementos da crença dos seus antepassados.
Por fim, concluiremos a dissertação com as considerações finais. As considerações
finais apresentarão o resultado da pesquisa, no qual por meio da análise da documentação
conseguiu-se comprovar a hipótese e alcançou-se todos os objetivos levantados no início da
pesquisa. Além disso, apontaremos possíveis continuações para o projeto atual, onde perguntas
foram feitas e o tempo não permitiu a sua resposta.
22
2. AS VOZES E O IMAGINÁRIO NAS SAGAS ISLANDESAS
“Então foi declarado lei que todas as pessoas teriam que ser cristãs e aceitar
o batismo quem não tinha sido batizado até o momento no país. Mas a
exposição de crianças, assim como comer carne de cavalo, deverá
permanecer na lei antiga. Pessoas deveriam fazer seus sacrifícios em segredo,
se eles desejassem evitar três anos de ilegalidade, que aconteceria se fosse
visto. Alguns anos depois, essas práticas pagãs foram retiradas, assim como
as outras (ARI ÞORGILSSON, Íslendingabók) ” 12
2.1 As Sagas Islandesas
Para se iniciar a apresentação dessa pesquisa é importante apresentar a sua base: a
documentação e teoria. O primeiro passo é a origem dessa história com a documentação, as
sagas. Um curioso ao procurar no Minidicionário Aurélio (1993) os significados da palavra
saga ficaria decepcionado, pois não encontraria nada. Já um dicionário mais vasto como o
Webster’s Encyclopedic Unabridged Dictionary of the English Language (1989) foi possível
se satisfazer com uma breve descrição: “Narrativa nórdica ou islandesa medieval em prova
das proezas e eventos da história de um personagem, família, etc.”.13
As duas linhas acima transcritas não bastam para descrever uma documentação tão
vasta e complexa como são as sagas, por consequência, é necessário procurar uma descrição
ainda mais precisa e científica. Na obra de Katherine Holman, intitulada Historical Dictionary
of the Vikings (2003), foi possível constatar a sua complexidade, uma vez que não se encontrou
um único conceito para “saga”. Isto, porque a explicação se dá em múltiplos verbetes para as
várias sagas, sendo 18 no total. Deste total para surpresa nenhuma delas é uma saga de bispo.14
Nota-se assim que as sagas são uma documentação vasta abrangendo múltiplos momentos
históricos, em diferentes locais e diferentes épocas, normalmente envolvendo a população da
Escandinávia.
12 Original: “En hann lauk svá máli sínu, at hvárirtveggju játtu því, at allir skyldi ein lög hafa, þau sem hann
réði upp at segja. Þá var þat mælt í lögum, at allir menn skyldi kristnir vera ok skírn taka, þeir er áðr váru
óskírðir á landi hér. En of barnaútburð skyldu standa in fornu lög ok of hrossakjötsát. Skyldu menn blóta á laun,
ef vildu en varða fjörbaugsgarðr, er váttum of kæmi við. En síðar fám vetrum var sú heiðni af numin sem önnur.”. 13 Tradução própria. 14 São elas: Egils saga Skallagrímsonar, Eiríkr saga rauða, Eyrbyggja saga, Færeyinga saga, Göngu-Hrolfs saga,
Grænlendinga saga, Grettis saga, Hrólfs saga Kraka, Konungasögur, Knýtlinga saga, Laxdæla saga, Brennu-
Njáls saga, Orkneiynga saga, Fornaldarsögur, Íslendingasögur, Sagas ofst.Olaf, Völsunga saga, Ynglinga saga.
23
Completamos com a consulta de Lars Lönnroth (2008), no seu artigo The Icelandic
Sagas, presente no livro-referência The Viking World, foi apresentado à origem etimológica e
histórica das sagas. Saga vem do idioma Nórdico Antigo15, significa história, independente do
conteúdo dessa história. A palavra é relacionada à segja, que significa “falar” ou “dizer”.
Contudo é consenso que se tem para estudos que as sagas ou Sagas Islandesas, como também
são chamadas, é um tipo específico de prosa narrativa longa e épica escrita em Nórdico Antigo
na Islândia medieval algum tempo depois do ano 1150, baseando-se em tradições orais.
Imagem 4: Imagem do Mödðruvallabókou, AM 132, foi um dos compêndios de sagas mais completo achado até a atualidade contendo 11 sagas manuscritas no século 14 em papel velino.
15 O Nórdico Antigo é o principal idioma falado na Escandinávia a partir de aproximadamente o ano 700 d.C.
Possui sua origem como uma variação do idioma Germânico, e posteriormente ramificado para o Germânico do
Noroeste e doravante a ramificação do Germânico do Norte. Desta ramificação, o Germânico do Norte o Nórdico
Antigo tem sua origem. (BARNES, 2008)
24
Os três tipos mais antigos de sagas são: fornaldarsögur (as sagas mítico-heróicas),
konungasögur (sagas dos reis), normalmente sobre os reis da Noruega e Íslendingasögur (as
sagas de famílias ou sagas dos islandeses), que falam sobre preeminentes famílias islandesas
e indivíduos vivendo no período 850-1050. Outros tipos de gêneros são: samtiðar sögur (as
“sagas contemporâneas”), que são crônicas de eventos passados no século XII e XIII na
Islândia; heilagra manna sögur (sagas hagiográficas), biskupa sögur (sagas das biografias de
bispos), riddara sögur (saga dos romances de cavalaria). (LÖNNROTH, 2008, p.304)
Os textos das sagas mais bem preservados são manuscritos da segunda metade do
século XII, sendo ocasionalmente em norueguês antigo, mas normalmente em islandês antigo,
sendo claramente maior parte escritas por membros do clero. Esse período de escrita é referido
como a “Era Sturlung”, chamado assim devido à família Sturlung, que tivera papel dominante
tanto na política como na escrita das sagas sobre sua liderança, incluindo líderes como Snorri
Sturluson e Sturla Thorðarson que também eram reconhecidos escritores de sagas além de
patrocinadores dos escritos alheios. (LÖNNROTH, 2008, p.304)
Lars Lönnroth (2008) defende que a escrita das sagas na Islândia se deve a uma
cooperação única entre o clero e os chefes seculares. Na Islândia a liderança política local
controlava a instituição clerical e as escolas clericais e por consequência a produção literária.
Os líderes, apesar de terem o papel de líderes do culto cristão, eles também se viam como
guardiões dos saberes tradicionais da Era pré-cristã, na forma de poesias escáldicas, contos
heroicos, genealogias e lendas sobre seus ancestrais, principalmente se eles tiveram um papel
importante na história da Noruega e Islândia.
Os escritos se iniciaram no século XII com o livro da colonização, escrito pelo padre
Ari Þorgilsson, o sábio, que fala sobre os primeiros colonizadores da Islândia e uma breve
síntese histórica da história da Islândia e Noruega. Contudo, não foi até o século XIII que se
iniciou uma produção em larga escala dos textos. Estudos indicam que as sagas heroicas foram
as primeiras a serem escritas, enquanto as sagas reais vieram algumas décadas depois, e pôr
fim às sagas de família pelo fim do século. Contudo datar esses textos é algo notoriamente
incerto, e nos últimos anos tem se tornado um exercício continuamente praticado.
(LÖNNROTH, 2008, p.305)
Para falar da conversão da Islândia, os primeiros documentos a serem lidos são, a
Kristni saga e a Íslendingabók. A Kristni saga (a história da conversão), assim como a
25
Íslendingabók (a história dos Islandeses), foram influenciados pela Landnámanók, devido a
sua escrita ser posterior. Sendo uma das primeiras teorias é a qual se dividiu a história contida
na Landnámabók, no qual primeiro se escreveu a Íslendingabók e o material que sobrou
produziu-se a Kristni saga. A Kristni saga é preservada em um manuscrito medieval, o
Hauksbók, datado de aproximadamente 1306. (GRØNLIE, 2006, p.xxxii)
A Íslendingabók narra à história dos colonizadores da Islândia da sua chegada em 870
até aproximadamente o ano 1118. Escrita por Ari Thorgilsson, um clérigo, entre 1122 e 1132.
Nesse documento possui a apresentação da constituição da assembleia nacional na Assembleia
Geral, a criação das leis e administração da ilha, assim como o processo de conversão da ilha
ocorrida no ano 999, por meio da influência norueguesa. (HOLMAN, 2003, p.50)
O processo de conversão da Islândia foi continuado na documentação das Byskuspa
Sögur que narra a história dos primeiros bispos da Islândia, eventos ocorridos do ano 1045 até
1331. Com histórias como a Páls saga, Árna saga biskups, Þorláks saga helga, Laurentius
saga, Hungrvaka, Oddaverja þáttr, Jóns saga helga e Guðmundar saga biskups. Estas
histórias narram a vida de bispos e/ou santos islandeses no processo de cristianização da ilha,
incluindo elementos que possuem uma influência dos costumes religiosos pré-cristãos como
os milagres16. (MCCREESH, 2006, p.1)
As Bykuspa sögur são um dos conjuntos menos populares das sagas islandesas, isso se
deve ao seu conteúdo não ter presente os grandes ataques ou saques “vikings” ou descrições
de batalhas épicas como as histórias sobre vikings como Egill Skallagrímsson ou Hallfreðr
Vandræðaskáld. Suas informações ocasionalmente parecem ser embasadas em uma escrita
anterior ou em alguns casos a história do bispo recém-morto, que é passada oralmente. Essas
histórias ocorrem junto com a implementação dos primeiros bispados na Islândia, Hólar e
Skálholt, e o crescimento de sua influência com o passar dos anos.
16 Os milagres são compreendidos por nós como elementos do maravilhoso e imaginário. Esse imaginário oriundo
da conceituação de Le Goff (2011), no qual o imaginário remete à imaginação, não somente como a história da
imaginação, mas a história da criação e do uso das imagens que trazem a sociedade agir e pensar. (LE GOFF,
2011, p.13)
26
Imagem 5: Localização dos bispados de Skálholt (A) e Hólar (B).
Alguns exemplos de Bykuspasögur são as histórias dos bispos Jón, Þorlákr e
Guðmunðr. Existem aproximadamente 8 sagas que variam de época e protagonista na sua
narrativa. A Jóns saga helga conta a história de Jón Ögmundarson, bispo de Hólar. Jón se
tornou o primeiro bispo da diocese, a segunda diocese da Islândia, recém-criada em Hólar no
ano 1106. Buscou veementemente perseguir a religiosidade pré-cristã17, incluindo a mudança
os dias da semana que possuíam nomes em referência a deuses pré-cristãos, como Óðinsdagr,
para nomes prosaicos, como Miðvikudagr.
A Guðmundar saga biskups, conta a história do bispo Guðmunðr Arason, quinto bispo
de Hólar. A saga narra a vida de Guðmunðr desde sua infância até a época, no qual viveu como
bispo de Hólar. Segundo a saga, a sua vida é marcada por milagres constantes, e por conflitos
com lideranças locais, levando a um conflito que foi chamado de Víðinesbarbagi (batalha de
17 Nesse momento é importante ressaltar que a religiosidade pré-cristã não se limitava somente para uma esfera
de vivência, mas fazia parte do cotidiano. A religiosidade não se iniciava e acabava com os locais de culto, mas
se expandia para todas as esferas sociais. (ANDRÉN, 2005, p. 113)
27
Víðines), no qual suas tropas enfrentaram tropas inimigas em uma disputa de poder. Guðmunðr
teve uma vida repleta de confrontos em nome da fé. Contudo, isso não permitiu a sua
canonização na época.
A Þorláks saga helga servirá como um terceiro exemplo. Nessa saga se conta a história
do bispo Þorlákr Þórhallsson, bispo de Skálholt de 1178 até 1211. Vindo de uma família
aristocrata, foi ordenado diácono antes de fazer 15 anos e consagrado padre com 18 anos.
Possivelmente estudou em Paris e Lincoln tendo influências do cristianismo Francês e Inglês
dessa época.
Com qualquer documentação é fundamental problematizá-la, assim como se ter a
consciência da problemática de sua análise, para isso usaremos as reflexões de Bakhtin. A
análise bakhtiniana se apresenta na noção de gêneros do discurso, pela busca da
problematização no uso e estudo das sagas. Assentados na ideia de Bakhtin para análise das
sagas têm-se a concepção da não existência de um discurso18 inicial, que resulta na pluralidade
de discursos. A aplicabilidade e as análises das fontes esboçam uma complexidade no estudo
e o no uso destes documentos.
Para Bakhtin, a relação entre a “língua19” e o círculo de interações sociais se dá por
meio de formas de enunciados de tipos relativamente estáveis para cada esfera da relação
humana, onde esses tipos relativamente estáveis são compostos de três elementos-chaves:
conteúdo temático, estilo e construção composicional. O conteúdo temático, somado ao estilo,
que são os recursos lexicais, fraseológicos, e gramaticais e a construção composicional, são
inseparáveis do enunciado como um todo marcando uma especificidade que Bakhtin
denomina Gêneros do discurso20 (BAKHTIN, 2003, p.280).
As influências do Gênero do discurso de Bakhtin se deu também nos estudos de Carlo
Ginzburg. No livro de Carlos Ginzburg (1987) “O queijo e os vermes”, o autor intitula de
18 Discurso é um conceito da linguística que segundo Bakhtin é “... um sentido definido e único, uma significação
unitária, é propriedade que pertence a cada enunciação como um todo. Vamos chamar o sentido da enunciação
completa o seu tema. […] O tema da enunciação é na verdade, assim como a própria enunciação, individual e
não reiterável. Ele se apresenta como a expressão de uma situação histórica concreta que deu origem à enunciação”
(BAKHTIN, 2006, p. 131). 19 A língua para Bakhtin não é somente a comunicação verbal por meio da oralidade, mas inclui toda e qualquer
forma de enunciados, orais ou escritos, concretos e únicos, que provem de um indivíduo membro de uma esfera
da atividade humana (BAKHTIN, 2003, p.280). 20 Para Bakhtin os Gêneros do discurso são impossíveis de listar, pois são incontáveis. O fenômeno dos gêneros
discursivos ocorre na esfera dos interlocutores, na qual por meio do dialogismo, ocorre uma corrente ininterrupta
e constante de perguntas e respostas ad infinitum, além de ocorrer na esfera das atividades humanas que são
infinitas (LEITE, 2011, p.53).
28
“filtro deformador”, explicando isso por meio de um processo hermenêutico que ocorria com
o moleiro Menocchio, ao não fazer parte do gênero discursivo produtor do discurso o adaptou
para sua compreensão (LEITE, 2011, p.54).
O método bakhtiniano consiste na compreensão de que o discurso se dá no convívio
social, sendo o mesmo inseparável do contexto espaço-temporal produtor. Este discurso se dá
em um processo de interação entre indivíduos, que se correlacionam discursos similares e/ou
próximos. De forma que se constrói um discurso baseado no dialogismo, no qual os indivíduos
constroem um discurso com influências do seu meio e os indivíduos que coabitam nele. Isso
se deu pela compreensão do Círculo Bakhtiniano21 da sua noção de enunciado:
“... A enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente
organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser
substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o
locutor...” (BAKHTIN, 2006, p. 106).
Nas pesquisas sobre Escandinávia medieval, os estudos sobre as sagas certamente
ocupam um lugar diferencial, pois o estudo crescente das mesmas por toda Europa, demonstra
seu interesse crescente no mundo europeu ocidental nos dias de hoje 22 . No cinema, na
literatura ou na música é possível que se perceba a influência e abrangência dos estudos que
rodeiam as sagas
As sagas se constituem de uma narrativa literária que foi passada oralmente pelas
linhagens familiares da sociedade escandinava medieval, que caracterizam pela construção de
uma preservação identitária das tradições da região. A autoria das Sagas Islandesas é
desconhecida, contudo a sua escrita em prosa é considerada por muitos, um dos maiores
tesouros literários da humanidade (SMILEY, 2000, p.IX).
Segundo o estudo de Ross (2002) as sagas são um meio de memória cultural23, sendo
21 Os Círculos Bakhtinianos eram círculos de acadêmicos que debatiam variadas indagações surgidas pelas
reflexões de Bakhtin, como o dialogismo (LEITE, 2011, p.47). 22 Com obras de grande aceitação do público, a historiografia britânica tem tido sucesso ao produzir livros sobre
esse período problematizando uma grande quantidade de fontes e buscando esclarecer as massas sobre a
Escandinávia medieval. Isso se deve principalmente a influência de obras literárias como as Saxon Stories de
Bernard Cornwell. 23 O conceito de memória cultural é o utilizado por Ross para descrever a lembrança dos feitos importantes para
um grupo social com identidade coletiva, o termo usado por Le Goff é memória social. A memória coletiva foi
apresentada pelo mesmo como uma ferramenta de poder, por meio do controle do esquecimento. Portanto a
29
utilizadas para o desenvolvimento de uma autoimagem entre os islandeses medievais e
contemporâneos, auxiliando na formação de sua identidade nacional, incluindo-a na história
da Europa. Sendo que os estudos das sagas têm se voltado progressivamente para a natureza
ficcional da literatura das sagas islandesas.
Na análise das sagas por meio da ótica bakhtiniana se buscará a aplicação de seu
método, compreendendo que o discurso é produzido socialmente, e é fundido junto com o
contexto que o produz. Sendo assim, como foi explicado anteriormente, um discurso
mantenedor da memória é recheado de conteúdos fantásticos e sobrenaturais24. As reflexões
sobre as sagas que apresento, são exemplificadas por meio de uma ausência da necessidade de
um discurso original, partindo da ideia de um discurso formado socialmente como uma válvula
de escape para a situação histórica a qual viviam. Contudo, o método bakhtiniano se prevale
da análise e da interpretação de uma crítica do documento, e a partir da crítica e análise desses
documentos encontraremos a compreensão dos contextos e dos enunciados estudados.
Para se iniciarem as reflexões sobre a obra e pesquisa de Mikhail Mikhailovich Bakhtin
é necessário compreender a conjuntura de surgimento da reflexão desse pesquisador. Desse
modo, se esclarecerá a sua ótica sobre o seu objeto de estudo e sua interpretação do mesmo.
Bakhtin nasceu em 1895 em uma cidade provincial chamada Oriol situada às margens do rio
Oka, no oeste da Rússia. Mikhail pertenceu a uma família nobre que valorizava a educação,
por isso ele e seu irmão receberam a melhor possível na época, sendo introduzida a cultura
europeia (LEITE, 2011, p.44).
Aos nove anos de idade Bakhtin e sua família se mudaram para Vilno na Lituânia onde
ficou até os dezesseis anos, quando se mudou para Odessa, e essas duas cidades marcaram a
sua vida e se tornaram constantes na sua biografia e influenciaram seu modo de pensar. Vilno
possuía uma peculiaridade que era a multiplicidade de idiomas falados, tendo em um mesmo
local pessoas que eram polonesas, russas, judias sem contar os próprios lituanos. Cada um
desses povos falava seu próprio idioma e tinha seus próprios costumes, coisas que
posteriormente influenciaria Bakhtin na sua reflexão sobre as Vozes do discurso.
Vozes do discurso é um conceito bakhtiniano também chamado de plurivocidade,
memória, não é um objeto puro e intocado, mas se deforma com o tempo e interesses de quem a preserva e
reproduz. (LE GOFF, 2003, p. 422) 24 Nas sociedades orais, como a sociedade islandesa pré-cristã, o conhecimento uma vez adquirido devia ser
constantemente repetido ou se perdia, e o heroico e maravilhoso serviam a função específica de organizar o
conhecimento em um mundo oral. (ONG, 1996, p. 33-84)
30
heteroglossia e bivocalidade. A heteroglossia quer dizer de modo simplista:
“... um enunciado, ou discurso é permeado por discursos ou enunciados que
o antecedem, e como consequência em alguma instância os reproduz, e que
esses discursos ou enunciados antecedentes não pertenciam exatamente a
uma pessoa, mas sim ao meio social a que esse indivíduo pertencia, pois
quem se pronuncia, pronuncia a voz de uma sociedade, que às vezes
longínqua está no tempo e no espaço...” (LEITE, 2011, p. 55).
Isso significa que, segundo Bakhtin, a construção de sentido ao texto se dá tanto no
processo de produção com no processo de recepção, compreendendo assim que não existe um
discurso “original”, pois todo discurso possui as vozes que o antecederam assim como
construirá o discurso como uma voz posteriormente.
Em Odessa, Bakhtin iniciou sua vida acadêmica em 1913, para abandoná-la um ano
após e reiniciá-lo em Petrogrado, onde se matriculou no curso de estudos clássicos da
Faculdade Filológico-Histórica. Na faculdade ele se envolveu com círculos intelectuais que
seriam determinantes para sua compreensão do dialogismo no qual nunca se fala em uma voz
unívoca, mas sempre plural e em resposta ao outro (LEITE, 2011, p.45).
Bakhtin se formou em 1918, período conturbado na política em que ocorreram muitas
guerras e calamidade em território russo, isso obrigou Bakhtin a se mudar várias vezes. Por
fim assentando-se em Nevel, onde ele participou de reuniões para debates de intelectuais de
áreas distintas. Como produto dessas reuniões ele constituiu o que se chama hoje de círculo
bakhtiniano, um grupo de intelectuais russos que se harmoniza com suas ideias (LEITE, 2011,
p. 46).
Devido ao recorte temático da documentação, vamos exemplificar os conceitos
bakhtinianos na análise das sagas estudadas por meio de exemplificações e exposições das
mesmas.
O primeiro caso que vamos analisar são as sagas do santo Guðmundr. Elas são
31
divididas em 4 grupos, categorizados por letras, A25, B26, C27 e D28. Devido ao seu pouco
interesse popular as sagas possuem poucas traduções para o inglês. Na Guðmundar saga
biskups (saga do bispo Guðmunðr), A possui duas traduções a mais antiga de 1905 de
Gudbrand Vigfusson e F. York Powell, e a mais recente de 1942, feita por Turville-Petre e E.
S. Olszewska; A saga B é praticamente a mesma compilação do material da saga A, com o
adicional de um material extra, sua única tradução para o inglês está presente na mesma obra
de Turville-Petre e E. S. Olszewska de 1942; A saga C 29 , assim como a B é baseada
principalmente nas duas sagas anteriores com algum material adicional; A saga D, finalmente,
foi escrita depois de 1343 pelo monge Arngrímr onde a sua principal fonte foi a versão C da
saga. Não existe uma tradução específica dessa versão. (WOLF, 2013, p.129-149)
25 Conhecida como a saga mais antiga do Bispo Guðmundr Arason, foi composta pelos manuscritos: AM 122b
fol. (Reykjarfjarðarbók) (ca. 1375–1400, defective), AM 204 fol.(ca. 1650), AM 220 fol. II (ca. 1520–40), AM
394 4to (ca. 1575–1600, defective), AM 399 4to (Codex Resenianus) (ca. 1330–50, defective), AM 401 4to (ca.
1686–8, defective), AM 111 8vo (ca. 1575–1600, defective), Kall256 fol. (1750–1800), and Stock. Papp. fol. no.
3 (1689). 26 Conhecida como a saga do meio do Bispo Guðmundr Arason, foi composta pelos manuscritos: AM 204 fol.(ca.
1650), AM 657c 4to (ca. 1340–90, defective), andLbsfragm 5 (ca. 1330–70). 27Composta pelos manuscritos: AM 395 4to (ca. 1600–1700), AM 400 4to (ca. 1700, excerpts only), Stock. Papp.
fol. no. 3 (1689, defective), and Stock. Papp. 4to no. 4 (ca. 1600–50, defective). 28Composta pelos manuscritos: AM 219 fol.(ca. 1370–80, defective), AM 220 fol.III (ca. 1450), AM 220 fol. Iv
(ca. 1475–1525), AM 220 fol. v (ca. 1450–75), AM 394 4to (ca. 1575–1600, extracts), AM 396 4to (ca. 1350–
1400, defective), AM 397 4to (ca. 1700, defective), AM 398 4to (ca. 1600–1700, defective), AM dipl. isl. fasc.
LXX 7 (ca. 1400, defective), JS fragm 5 (ca. 1370–80), Lbsfragm.6 (ca. 1370–80), SÁM 2 (ca. 1370–80),
Stock.Papp. fol. no. 2 (1689), Stock. Perg. fol. no. 5 (ca. 1350–65), and Þjms 176 (ca. 1370–90). 29 Segundo Kirsten Wolf (2013) não existe tradução especificamente dessa versão da saga para o inglês, mas
compreendendo que ela possui semelhanças com a saga A e B, consideraremos a tradução de 1942 como aceitável
para compreensão geral do seu conteúdo.
32
Imagem 6: Imagem do bispo Guðmunðr do manuscrito Prestssaga Guðmundar góða.
Devido a acessibilidade das traduções e as similaridades entre as quatro versões
diferentes, iremos trabalhar com as versões traduzidas de 1905 e1942, paralelamente. Apesar
dessa tradução se basear na documentação das sagas A e B, e faltando material complementar
da saga C e D, consideramos que a documentação está em quase sua totalidade, e para a
finalidade de análise será suficiente para apresentar o objeto dessa pesquisa. Para facilitar a
leitura do texto não iremos especificar qual versão da saga, mas iremos tratá-la pelo seu nome
utilizado na historiografia escandinava, Guðmundar sögur (as sagas de Guðmunðr).
A chamada Jóns Saga helga (saga do santo Jón), apesar de ser apresentada pela
33
literatura sempre no singular, diferente da Guðmundar sögur, ela não é considerada uma saga
somente, mas 3 versões diferentes: A Jóns saga helga S30possui somente uma tradução para o
inglês, no mesmo compêndio que as Guðmundar sögur produzido em 1905 por Gudbrand
Vigfusson e F. York Powell; A Jóns saga helga L31por ser uma revisão do texto original está
presente também na tradução de 1905, mas somente alguns trechos e não sua totalidade. Outro
local que se é possível encontrar trechos da documentação traduzida é em uma tradução de
1965 feito por Jacqueline Simpson; por fim, a Jóns saga helga H32 é uma edição integral da
primeira saga com mais milagres inclusos, e ela infelizmente ela só possui uma tradução
“recente” para o Dinamarquês impossibilitando a sua análise. (WOLF, 2013, p. 180-197)
30 É a versão mais antiga da saga sobre o Bispo Jón Ögmundarson, provavelmente foi escrita em associação com
a Vita latina de Gunnlaugr Leifsson comissionada pelo Guðmundr Arason. Sendo que está saga pode ser
considerada uma versão resumida da sua Vita. Essa saga é composta pelos manuscritos: AM 221 fol.(ca. 1275–
1300, defective), AM 222 fol.(ca. 1700), AM 234 fol.(ca. 1340), AM 235 fol. (ca. 1400, defective), AM 391 4to
(ca.1690), AM 393 4to (ca. 1700), BLAdd 4867 (ca. 1675–1700), BLAdd 5313 (ca. 1750–1800), Kall 616 4to
(ca. 1700–1800), Kall 618 4to (ca. 1725–50), Kall 619 4to (ca. 1750–1800), Lbs 839 4to (ca. 1750–75), Lbs 1442
4to (ca. 1725), Lbs 2243 4to (ca. 1840–50), NBO 367 4to (ca. 1700–1800), NKS 1201 fol. (ca. 1700–1800), NrA
57 (ca. 1330), rask 30 (ca. 1800), TCD 1028 (ca. 1750), and Thott 1770 4to (ca. 1750–1800, defective).(WOLF,
2013, p.180) 31 Uma versão revisada do início do século XIV, baseado na sua primeira versão mas lembra a terceira versão da
saga. Composta pelos manuscritos: AM 205 fol.(1644), AM 210 fol. (ca. 1600–1700), AM 219 fol.(ca. 1370–80,
defective), AM 396 fol. (1676), AM 392 4to (ca. 1600–1700), Don. var. 1 vol. XII (ca. 1700), JS 21 fol. (1841),
JS 629 4to (ca. 1825–50), Lbs 140 4to (ca. 1750–90), Lbs 671 4to (1846–8), Lbs 795 4to (ca. 1700–1800), Lbs
1402 4to (ca. 1852), Lbs 1573 4to (ca. 1820–30), NKS 1202 fol. (1768), NrA 57 (ca. 1330), Stock. Papp. fol. no.
2 (1689), Stock. Papp. 4to no. 4 (ca. 1600–50), Stock. Perg. fol. no. 5 (ca.1350–65), and Thott 1748 4to (ca.
1760–70).(WOLF, 2013, p.186) 32 Composta pelos manuscritos: AM 392 4to (ca. 1600–1700) and Stock. Papp. 4to no. 4 (ca. 1600–50). (WOLF,
2013, p.193)
34
Imagem 7: Imagem do bispo Jön Ögmundarson de um manuscrito islandês do século XIX.
Finalmente a Þorláks saga helga (a saga do santo Þorlákr), possui o maior número de
variações das três documentações, podendo ser dividido em A33, B34,C35,D36,E37, Jarteinabók
33 A chamada saga mais antiga do bispo Þorlákr Þórhallsson, é composta pelos manuscritos: AM 205 fol.(1644),
AM 206 fol. (ca. 1650), AM 210 fol. (ca. 1600–1700,defective), AM 396 fol. (1676), Kall 261 fol. (ca. 1700–
1800), Stock.Papp. fol. no. 2 (1689), and Stock. Perg. fol. no. 5 (ca. 1350–65). (WOLF, 2013, p.372) 34 Chamada de saga jovem do Bispo Þorlákr Þórhallsson, possivelmente composta na tradução das relíquias do
santo. É composta pelos manuscritos AM 209 fol. (ca. 1600–1700, defective), AM 219 fol.(ca. 1370–80,
defective), AM 379 4to (1654), AM 380 4to (ca. 1600–1700), AM 382 4to (ca. 1350, defective), AM 383 4to I
(ca. 1250), AM 383 4to III (ca. 1400), AM 383 4to Iv (ca. 1370–90), AM 388 4to (ca. 1650–1700, defective),
and BLAdd 11.242 (ca. 1540–90).(WOLF, 2013, p.378) 35 Chamada da saga mais jovem do Bispo Þorlákr Þórhallsson. A vita corresponde a B. É de certa forma resumida,
mas contém material não presente na A ou B. É composta pelos manuscritos: AM 209 fol.(ca. 1600–1700,
defective), AM 219 fol.(ca. 1370–80, defective), AM 379 4to (1654), AM 380 4to (ca. 1600–1700), AM 383 4to
III (ca. 1400), AM 383 4to Iv (ca. 1370–90), AM 385 4to II (ca. 1375–1400), and AM 388 4to (ca. 1650–1700,
defective). (WOLF, 2013, p. 386) 36 É um fragmento de uma coleção de milagres do santo Þorlákr. é o manuscrito AM 383 4to I (ca. 1250). (WOLF,
2013, p. 389) 37 Assim como a D é um fragmento de uma coleção de milagres, é o manuscrito AM 383 4to II (ca. 1300). (WOLF,
2013, p. 390)
35
Þorláks biskupsönnur38 e a Jarteinabók Þorláks biskups in forna39: A Þorláks saga biskups A
possui duas traduções completas e uma parcial. A sua tradução mais recente foi feita pela
Kirsten Wolf em 2008, contudo só contém trechos. A tradução completa mais recente, está
presente na obra de 1905 de Gudbrand Vigfusson e F. York Powell, e a mais antiga é uma
tradução de 1895 da Mary Charlotte Julia Leith; A versão B da Þorláks saga biskups possui
três traduções, uma integral e duas parciais. A tradução integral está presente na mesma obra
de York Powell e Vigfusson (1905) que a saga A, e suas traduções parciais estão presentes na
mesma obra de Leith de 1985 e em um artigo da Jacqueline Simpson de 1965; A saga C só
possui uma tradução para o inglês de 2008 feito por Cormack Marganet; A Jarteinabók
Þorláks biskups in forna possui uma tradução presente na tese de Ph. D. de Roughton de 2002.
A saga D e E assim como a Jarteinabók Þorláks biskupsönnur não possuem traduções para o
inglês. (WOLF, 2013, p.368-391)
A documentação presente para o estudo da Þorláks saga biskups é bem numerosa, mas
com pouca variação. Sendo assim, decidiu-se trabalhar com a versão mais completa de
Gudbrand Vigfusson e F. York Powell, pois além de ser mais recente que a versão de Leith
(1895) está em um formato mais completo, podendo auxiliar na pesquisa por apresentar mais
informações.
É importante ressaltar que os bispos estudados não estão somente presentes nas sagas
que possuem seus nomes, mas em outros manuscritos, como a Hungrvaka40e a Oddaverja -
Þáttr 41 . Devido às limitações de uma pesquisa de mestrado tivemos que excluir essa
documentação da análise, além do fato de que elas não fazem, diferentes das sagas analisadas,
uma exposição mais constante dos milagres dos santos bispos islandeses.
Essas sagas fazem parte de uma esfera social de reprodução da representação da
identidade cristã como a pilastra fundamentadora da moralidade e do “correto”. Diferente das
fornaldarsögur, konungasögur e Íslendingasögur, esse conjunto textual narra fatos que
ocorreram a somente 100 ou 200 anos, em alguns casos menos tempo. Por consequência disso,
38 É uma coleção de milagres adicionados a Þorláks saga biskups C que ocorreram na época do bispo
PállJónsson’s time (1195–1211). É o manuscrito AM 379 4to (1654). (WOLF, 2013, p. 284) 39 A coleção mais antiga dos milagres adicionados a Þorláks saga biskups C. É composto pelos manuscritos: AM
209 fol.(ca. 1600–1700), AM 379 4to (1654), AM 380 4to (ca. 1600–1700), AM 383 4to Iv (ca. 1370–90), and
AM 645 4to (ca. 1220, defective). (WOLF, 2013, p. 369) 40 A Hungravaka é, resumidamente, a história do primeiro bispado da Islândia, em Skálholt, e se dedica a falar
sobre os primeiros cinco bispos que lá residiram. (BASSET, 2013, p.1) 41 A Oddaverja – Þáttr também chamado de “Segunda vida de Þorlákr”, que fala sobre a família Oddaverjar, uma
família nobre islandesa que acabou se conflitando com o bispo Þorlákr em múltiplas ocasiões (WOLF, p. 246)
36
a alteração causada pela heteroglossia é inferior ao que seria em uma saga antes da virada do
milênio, levando a saga a um grau maior de confiabilidade. Contudo, não podemos ignorar o
meio social no qual a saga foi produzida. Esses relatos sobre a vida de bispos foram produzidos
por seus pares, possuindo a possibilidade de elaborações poéticas para enaltecer a sua vida e
feitos. Essa construção de uma representação ou imaginário em cima dos bispos
sedimentadores da cristandade na ilha é, em parte, o produto do processo da formação de uma
identidade42 cristã que é um dos objetos dessa análise, buscar essa construção em cima da
documentação e analisá-la.
Pela interpretação da maioria dos estudiosos das sagas, a Islândia medieval é o local
ideal para passar a história adiante. Em um local isolado, longe da sua origem é comum venerar
a cultura mãe43 . Segundo o historiador dinamarquês Saxo Grammaticus44 , escrevendo em
torno de 1200 d.C., eles são confiáveis:
“...gastam seu tempo aprimorando seu conhecimento em outras áreas,
compensando pela sua pobreza intelectual. Eles têm grande prazer em
descobrir e comemorar proezas de todas as nações; segundo a sua visão é
esclarecedor discursar na proeza de outros para mostrar a sua própria...”
(BYOCK, 1998, p.VIII).
Ao se contar uma história em prosa se torna um dos atos mais valorizados, sendo
considerado uma alta arte. Ao se escrever essas prosas foi permitido aos contadores de histórias
retrabalhar mais amplamente e preservar o conhecimento do passado45. Como no começo do
século XIII em que foram reunidas em um único texto de forma coerente múltiplas aventuras.
42 A identidade não se constrói somente por meio da alterização, é importante ressaltar. A construção da identidade
islandesa pode ser dar por múltiplas formas, como demonstrado por ÁrmannJakobsson (2009) no seu estudo
sobre a alimentação da Islândia medieval e seu papel definidor de identidade. 43 É importante ressaltar nesse momento que não existe uma cultura mãe pura. Tzvetan Todorov, explica que:
“todas as culturas existentes são mistas, e os contatos entre grupos humanos recuam às origens da espécie deixam
sempre vestígios na maneiro como os membros de cada grupo se comunicam entre si”. (TODOROV, 2010, p.
69-70) 44SaxoGrammaticus (1150-1220) foi um escritor dinamarquês do século XII, que o apelido Grammaticus vem do
seu grande trabalho histórico elaborado em prosa no Latim. Pouco se sabe sobre sua vida, exceto que ele
provavelmente veio da ilha de Sjaelland e que era proveniente de uma família de guerreiros. Saxo foi mencionado
pela primeira vez na Historia Regum DanicaeCompendiosade SvenAggesen, no qual ele é descrito como o escrito
da história dos reis dinamarqueses do século XI (HOLMAN, 2003, p.236). 45 Segundo Robert Bartlett (2007), apesar dos islandeses não aparentarem ser menos cristãos que o resto da
Escandinávia, eles buscavam o conhecimento da sua cultura pré-cristã, quando as outras sociedades Escandinavas
cristianizadas realizavam de tudo para esquecer do seu passado. (p.53)
37
A coerência foi tão marcante que quase não se alterou o texto para sua recomposição em torno
do ano 1400, sendo que, em 1461 uma cópia da saga foi incluída em os “livros na língua
nórdica” na Biblioteca do monastério de Modruvellir no norte da Islândia (BYOCK, 1998,
p.VIII).
2.2 O Imaginário nas Sagas e Sociedade Escandinava.
O sobrenatural e o fantástico são dois conceitos muito comuns nos estudos das sagas,
devido ao seu amplo uso, uma análise mais detalhada sobre os conceitos seria relevante para
o estudo das sagas. Para estudar os conceitos e seus usos pelos pesquisadores é importante em
primeiro lugar, localizar o significado mais básico das palavras por meio de um dicionário,
como o dicionário Aurélio, por exemplo. Sobrenatural é um adjetivo no português que
significa algo não atribuído a natureza, mas relacionado com fenômenos extraterrenos.
(FERREIRA, 1993, p.509) E o adjetivo fantástico significa: só existente na fantasia ou
imaginário, extraordinário, falso. (FERREIRA, 1993, P. 244)
Ambos, o sobrenatural e o fantástico, são encontrados em todos os gêneros de sagas,
em maior ou menor extensão. O motivo que levou Mundal (2006, p.1) a essa discussão, foi
observar que os dois conceitos não eram claramente divididos, sendo importante compreender
essa divisão problemática entre o sobrenatural e o fantástico nas sagas islandesas. O
sobrenatural trata de seres e fenômenos que não são sujeitos as leis naturais. O fantástico, por
outro lado, lida com seres e fenômenos que não pertencem ao real, mas a imaginação e a
fantasia. Essa divisão parece simples, mas com o decorrer dos estudos o que é compreendido
como verdade se torna dependente de muitos fatores variantes.
Como exemplo há a definição dos dragões, eles são seres sobrenaturais ou fantásticos?
O fator determinante para essa definição é a crença que se tem neles. O estudo de Langer
demonstra que o dragão não nasceu com uma forma definida, mas se modificou com o decorrer
dos anos. O dragão presente nos mitos cristãos, como na heilagra manna sögur, são seres
sobrenaturais, pois são a representação do Demônio. O dragão na Bjarnar saga que Björn
enfrenta é, por outro lado, visto mais como um tipo de conto-de-fadas presente em um mundo
fantástico. Já na fornaldarsörgur, torna-se difícil decidir em qual das categorias os dragões se
38
encaixam. Os objetos mágicos são encontrados em diferentes sagas, e é complexo diferenciar
se estes objetos são relacionados ao sobrenatural ou fantástico. A variedade de objetos é
surpreendente: bebidas do esquecimento, força ou amor, pedras mágicas com poderes variados,
objetos que tornam uma pessoa invisível, armas e roupas mágicas. Sendo que os objetos são
espalhados em múltiplas sagas diferentes. (MUNDAL, 2006, p.3)
Imagem 8: Estela de Gotland, chamada Tjangvide I, datada do século IX, com ilustração do
Sleipnir, cavalo de 8 patas do deus Óðinn, um dos vários elementos do sobrenatural escandinavo.
Usando a lógica explicada anteriormente, ao se analisar a metamorfose, na qual um
humano se transforma em um animal por meio de seiðr (feitiçaria nórdica), concluir-se-ia que
seria algo fantástico, entretanto o seiðr é visto como algo acreditável e presente para os
nórdicos, não causando estranheza. (MUNDAL, 2006, p.3)
39
O fantástico pode ser compreendido como um fator, principalmente, para o
entretenimento. As sagas com seu caráter de oralidade têm a necessidade de elementos
“exóticos”, mas não podemos confundir os elementos fantásticos com histórias sem
historicidade, pois ambos se misturavam para a construção da narrativa. (MUNDAL, 2006,
p.8)
Para uma compreensão melhor dos habitantes da Islândia medieval é necessário expor
dois pontos fundamentais: O primeiro é que eles eram mais inclinados a acreditar em
fenômenos não materiais do que reais e acreditaram em seres e forças de outro mundo, de base
empírica não provável; o segundo é que na sua própria sociedade, existiram opiniões diferentes
entre os islandeses medievais sobre a realidade. (ROSS, 2002, p. 449)
Para a nossa análise, faremos uma separação das sagas em dois grupos, nos quais
compreendemos que o sobrenatural é usado com finalidades diferentes, o cristão e o seguidor
de costumes religiosos pré-cristãos. O sobrenatural surge nas sagas “cristãs” por meio
principalmente dos milagres, os quais muitos filósofos acreditam levarem a uma justificação
da crença religiosa e assim os pesquisadores que possuem uma ojeriza à religião utilizam esse
fator para discriminar essas sagas como menos precisas ou históricas. Entretanto devemos
lembrar que a presença ou ausência de milagres não é uma justificativa para a autenticidade
de um documento histórico. Os milagres faziam parte de um elemento comum na sociedade,
mas é necessário que se realize um processo crítico ao utilizá-los como fonte. Quando os
milagres podem ser rastreados até pessoas reais a sua autenticidade é comprovada. (GRØNLIE,
2006, p.1)
Como ocorre nas Byskupa sögur, o sobrenatural se apresenta nas histórias de três bispos:
Þorlákr, Jóns Ögmundarson e Guðmunðr Arason. Dos três bispos, o único que não conseguiu
ser canonizado é o Guðmunðr Arason, que foi bispo de 1203 a 1237. Þorlákr de Skálholt foi
bispo de 1176 até 1193 sendo canonizado em 1199 numa Assembleia Geral, e é o santo
padroeiro da Islândia. Jóns Ögmundarson foi o primeiro bispo de Hóllar, cidade que fica ao
norte da Islândia, de 1106 a 1121(MCCREESH, 2006, p.1), sendo o mesmo canonizado em
120046.
Os efeitos sobrenaturais acabam variando segundo as fontes, contudo seguem um
46 UnnarÁrnason. “Hver var JónÖgmundsson?“. Vísindavefurinn, 2003. Disponível em:
http://visindavefur.is/?id=3546. Acessado em 15/01/2013.
40
padrão presente nas hagiografias, no qual podemos citar o exemplo da saga de Jóns. Durante
o enterro do santo, seu corpo se tornou tão pesado a ponto de que ele não pudesse ser carregado,
mas neste caso, segundo McCreesh, a imobilidade do cadáver se deve a uma razão diferente
do apresentado nas hagiografias. No caso de Jóns o corpo causou um tipo de paralisia nos
homens que tentaram se opor a vontade do santo. (MCCREESH, 2006, p. 2)
O mundo natural, às vezes prova os instrumentos para os “efeitos” sobrenaturais. O
que hoje em dia, seria considerado sorte por algumas pessoas é interpretado como um sinal de
poderes sobrenaturais para outros, tais como controlar o clima, deslizamentos de terra, neblina,
um vento forte favorável, tempestades, entre vários outros elementos climáticos, podem ser
interpretados como um sinal de poderes extra-humanos. (MCCREESH, 2006, p.4). Um
exemplo disso é a neblina na Oddaverja þáttr que protege Þorlákr, padroeiro da Islândia, da
sua inimizade local, o Jón Loptsson47.
Essa teoria também é defendida por Egilsdóttir (2006, p.2), argumentando que a
fantasia é encontrada nos mitos mais básicos e eles determinam valores que não podem ser
validados cientificamente ou contam história que não seriam verificáveis. Incluindo, a
suposição de que outro uso para a fantasia no contexto da cristandade é para a manutenção da
moralidade. Para ele, a fantasia é qualquer desvio da realidade consensual, um impulso nativo
para a literatura está manifestado em inúmeras variações de monstros a metáforas.
Com esse diálogo alguns pesquisadores podem se perguntar. Por que não se utilizarem
dos termos mais comuns para eles tais como o Maravilhoso ou o Imaginário Social? Para
responder essa pergunta precisamos explicar superficialmente esses conceitos e demonstrar
porque não se encaixam exatamente no contexto exemplificado.
O maravilhoso é a fronteira entre o natural e o sobrenatural. Segundo os cristãos a
primeira maravilha de Deus foi a criação do mundo. A distinção entre milagre, de caráter
sobrenatural, e maravilha, de caráter natural, preocupou clérigos e laicos na Idade Média. A
maravilha assim como o milagre pode ser obra do Satã. Sendo difícil distinguir as maravilhas
de origem infernal, como feitiçarias e diabólicas, das maravilhas naturais e milagres criados
por Deus. As maravilhas de Deus são reais e verdadeiras, e as do Diabo eram ilusórias e falsas.
O maravilhoso, mirabilia em latim, é utilizado para definir um tipo de realidade (LE GOFF,
47Anônimo. Oddaverjaþáttr. In: ByskupaSögurI, ed. GuðniJónssonÍslendingasagnaútgjáfan, 1953. p. 147
41
2006, p.105). O maravilhoso na Idade Média é visto segundo Le Goff como:
“...um conjunto, uma coleção de seres, fenômenos, objetos, possuindo todos a
característica de serem surpreendentes, no sentido forte da expressão, e que podem
estar associados quer ao domínio propriamente divino..., quer ao domínio natural...,
quer ao domínio mágico, diabólico...” (LE GOFF, 2006, p.106)
Ao analisar as fontes do maravilhoso, Le Goff explica que o mesmo acolhe fontes
diversas, anteriores ou exteriores à Cristandade, para cristianizá-las em intensidades variadas.
(LE GOFF, 2006, p.108). Além disso o próprio paganismo bárbaro, segundo Le Goff, é outra
fonte do maravilhoso onde seres míticos aparecem e são explicados. (LE GOFF, 2006, p.110).
Compreendendo assim, é possível entender os seres das sagas como maravilhosos, mas o
conceito de maravilhoso tem uma base não presente nas sagas que é o espanto com o
extraordinário. Segundo as palavras do próprio autor:
“O maravilhoso medieval caracteriza-se pela raridade e pelo espanto que suscita,
em geral admirativo. Ele afeta primariamente o olhar e implica qualquer coisa de
visual, posto que deriva de raiz mir, a mesma que se encontra nos termos latinos de
miror, mirari (“surpreender-se”) e mirus (“surpreendente”). ”
O imaginário social basicamente atua como uma ferramenta para despertar a
consciência social em um grupo de indivíduos, no qual o imaginário é sua função catártica.
Ao expressar de forma histórica e cultural, instintos, emoções, sentimentos e pensamentos
mais enraizados do ser humano, os imaginários são válvulas de escape que impedem a
neurotização da sociedade. O imaginário é o guardião da vida coletiva. Toda ritualização tende
a construir uma identidade coletiva (JUNIOR ,2003, p.105).
O imaginário é o espelho da mentalidade, que revela e deforma. Toda imagem é uma
forma culturalmente elaborada com material pré-existente naquela cultura. (JÚNIOR, 2003,
p.97) Transportando isso para a realidade dos estudos das sagas, podemos observar no estudo
sobre o mito do dragão na Escandinávia da “Era Viking”, feito por Langer (2007), que o
referencial teórico para o imaginário social se encaixa harmonicamente na sua análise,
demonstrando a relevância do uso do imaginário social como um todo. Nesse estudo dividido
em três partes, Langer aborda a transformação do imaginário sobre o dragão com a progressão
42
temporal da “Era Viking”, confrontando fontes de tradição oral com a literatura germânica
medieval.
Imagem 9: Ilustração de uma pedra rúnica com o Dragão, um elemento do
maravilhoso escandinavo medieval. A pedra rúnica de Lingsberg na Suécia, conhecida como
U240.
2.3.O Conceito de Identidade e sua Construção
43
A identidade é um conceito complexo dentro do campo das humanidades, onde muitos
pesquisadores têm se dedicado a buscar sua construção e definição. (FORTES, 2013, p.30)
Como essa pesquisa se dedica a realizar um exercício similar, é fundamental apresentar qual
o parâmetro utilizado para a construção dessa identidade cristã que será buscada e analisada
nessa dissertação.
A identidade não é algo nato. Um indivíduo ou grupo de indivíduos não nascem com
uma identidade, essa identidade é construída. Essa construção é tanto simbólica quanto social.
Essa identidade adquire sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais
ela é apresentada. A identidade é relacional, dependendo de algo fora dela para existir. A sua
síntese se dá, segundo Kathryn Woodward (2000) por meio da exclusão, a construção da
diferença, em que a identidade se apresenta por aquilo que ela não é, e a diferença é sustentada
pela exclusão: ao se integrar em uma identidade não se pode ser o oposto dessa identidade
(WOODWARD, 2000, p.9-12).
Le Goff (2010), apesar de generalista apresenta a diferença, no contexto medieval de
modo sublime no qual aponta que:
“A cristandade medieval parece detestá-los e admirá-los ao mesmo tempo, tem medo
deles, num misto de atração e de terror. Mantém-nos à distância, mas fixa essa
distância a um nível bastante próximo, de modo a poder tê-los ao seu alcance. Aquilo
a que chama caridade em relação a eles assemelha-se muito ao comportamento do
gato que brinca com o rato. É o que sucede com as leprosarias, que devem estar
situadas a um ‘tiro de pedra da cidade’, de modo que a ‘caridade fraterna’ possa
exercer-se para postos à margem, porque perigosos, mas visíveis para que, graças
aos cuidados que lhes dispensa, ela possa ficar-se na sua boa consciência; e, mais
ainda, projeta e fixa neles, magicamente, todos os males que afasta de si” (p. 162-
163)
Classificamos o mundo social dividindo-o entre “nós” e “eles”, os “bons” e “maus”,
classificando os indivíduos em oposições binárias, em que fixar uma determinada identidade
como a norma é uma das formas de hierarquizar as identidades das diferenças. Onde a
identidade é normatizada e a alteridade desnaturalizada. Como em uma sociedade cristã o não-
cristão é alterizado, ou uma sociedade inicialmente não-cristã alteriza o novo credo (SILVA,
2000, p. 82-83).
O conversio medieval possui um significado diferente para o advento do cristianismo.
Além disso, o conceito medieval não pode ser traduzido como “cristianização” no sentido
moderno da palavra, “uma mudança interior da fé”. No caso medieval a mudança de atitude e
práticas sociais são mais importantes que a fé, como ocorria nos casos de batismos, sem o
44
requerimento da crença cristã per si. (SANMARK, 2004, p. 32)
Na documentação da época, não se compreendia o conceito de conversão ou
cristianização. A mudança de religiosidade é apresentada como o ato monstruoso de abandonar
os antigos costumes, fornum sið em nórdico antigo, pela nova fé, þann sið. Na saga de Njal, o
protagonista é confrontado com o cenário da conversão da Islândia. (LANGER, 2015, p. 67)
O conceito de conversão e cristianização é um termo que causa muita confusão, sendo
que, uma das fontes de confusão é sua definição. James C. Russell (1994) compilou uma
análise das definições, no qual inicialmente “conversão” é a modificação comportamental e
ideológica do indivíduo, resultando em uma nova visão de mundo48. Arthur Darby Nock (1933)
adiciona a essa reflexão que a conversão implica uma grande mudança consciente, que o antigo
é errado e o novo é certo. (SANMARK, 2004, p.13)
Por outro lado, a cristianização é vista como causadora de transformações na
sociedade49. Em alguns casos como as mudanças causadas em longo prazo pela conversão,
por consequência a cristianização não seria, para esses estudiosos, um fenômeno de aceitação
individual, mas sim uma transformação na sociedade, em vista disso um processo coletivo. Na
sua tese de Ph. D. Alexandra Sanmark (2004) utilizou essas reflexões e construiu algo mais
apropriado para o seu objeto de análise, e utilizaremos essa conceituação. A conversão são as
ações tomadas pelo poder secular e clérigos para que seja alcançada a cristianização da
sociedade. Sanmark divide essa conversão em duas etapas: A primeira envolvendo esforços
missionários em territórios particulares, com pouco ou nem um apoio secular; A segunda
quando o poder secular toma o ímpeto de iniciar a cristianização do seu território. Pelo recorte
documental escolhido para esse estudo, focaremos na segunda parte, onde o processo
cristianizador se tornou mais notável. (SANMARK, 2004, p.14) O uso do termo “pagão” para
tratar do culto pré-cristão já foi muito utilizado pela academia, assim como “religião pré-
cristã”.
Não usaremos o termo paganismo pelo contexto pejorativo o qual possui, e o termo
“religião pré-cristã”, é entendido por Sanmark (2004, p.15), como um conceito muito estreito
para tratar todos os aspectos do culto pré-cristão, sendo que este não engloba a feitiçaria. Para
48Pesquisadores como A. J. Krailsheimer, Hugh T. Kerr, John M. Mulder, Charles Y. Glock e Rodney Stark. 49
Como um fenômeno social, Russell crê que em condições perfeitas seja possível analisar o grau de
transformação da sociedade. Mas no contexto dessa dissertação tal ambição se torna demasiadamente complexa
devido a documentação ao tempo.
45
analisar ela o conceito de costumes religiosos pré-cristãos. Discordamos dela e nos
alinharemos com a maioria da academia europeia e nacional, que compreende o termo de
religiosidade pré-cristã representa bem o conceito.
O uso do termo Igreja para definir o clero é muito comum, contudo nos alinharemos
novamente com o posicionamento da Sanmark (2014, p.15), no qual ela argumenta que:
This expression implies a coherent organization that could ensure the
uniformity of Christian teachings and practices. In the early Middle Ages the
papacy had not yet manifested itself as the central ecclesiastical power.
Regional versions of Christianity could therefore develop, which were
accepted by local clergy, of which the papacy would not necessarily have
approved. The divergent medieval Christian teachings are also evidenced by
the drawn out disputes between clergy at this time. By the time of the
conversion of Scandinavia, the more unified ecclesiastical organization of the Later Middle Ages was emerging.50
Tratando da organização religiosa local usaremos o termo clero ou organização clerical,
por compreender que se encaixa melhor no contexto analisado, sem apresentar nenhuma forma
de empecilho ou alteração na exposição do recorte ou objeto.
50 Tradução: “Está expressão implica uma organização coerente, que poderia garantir a uniformidade dos
ensinamentos e práticas cristãs. Na Alta Idade Média o papado não tinha ainda se manifestado como o poder
eclesiástico central. Versões regionais do cristianismo poderiam portanto se desenvolver, que foram aceitas pelo
clero local, dos quais o papado não teria necessariamente aprovado. Os ensinamentos cristãos medievais
divergentes também são evidenciados pelas disputas entre o clero nesse momento. No momento da conversão da
Escandinávia, a organização eclesiástica mais unificada do final da Idade Média estava surgindo.” (SANMARK,
2014, p.15)
46
]
Imagem 10: Um dos símbolos mais conhecidos dos estudos arqueológicos da hibridização do
cristianismo com a religiosidade pré-cristã. Uma cruz cristã que também serve como o signo do
martelo do deus Þórr. Exemplar de prata achado próximo a Fossi na Islândia.
O abandono dos costumes religiosos pré-cristãos por uma prática cotidiana cristã foi
um processo curto, que acabou levando a um contato entre ambos, e assumindo
consequentemente a um sincretismo religiosos que será mais analisado posteriormente sob a
ótica do Hibridismo Cultural de Peter Burke (2013, p.23). Objetos, filosofias, línguas,
culinárias, religiões, arquitetura entre vários outros objetos podem ser resultado de uma
Hibridização Cultural no qual se “misturam” duas culturas resultando em algo que possui parte
de ambas. Dialogando com Peter Burke e Mikhail Bakhtin, se dá a construção de um novo
enunciado por meio das influências das vozes que os antecederam.
O cristianismo que buscaremos como resultado do processo cristianizador, não é o
mesmo cristianismo que chegou à Escandinávia, mas o resultado de um possível sincretismo51.
51 Esse novo cristianismo sincrético não é uma realidade somente na Islândia mas ocorreu em outros locais, como
por exemplo na Noruega. Ao realizar analises arqueológicas dos túmulos e dos martelos de Thor, a professora
Nordeide (2007) encontrou uma tendência no qual os martelos de Thor serviriam como um indicador do avanço
do cristianismo na Noruega, do sudeste ao norte, assim como os túmulos. Os túmulos com o avançar do
cristianismo apresentavam características cristãs e pré-cristãs. Como túmulos enterrado em Igrejas com indícios
de culto nórdico e túmulos cristãos enterrados a forma pré-cristã.
47
Um cristianismo modificado a sua nova realidade e meio social como produto de um diálogo
desigual com os costumes religiosos pré-cristãos. No qual, esse cristianismo resultado do
hibridismo não é uma mistura harmônica, mas sim uma mistura com poderes e influências
desiguais resultando em uma apropriação do cristianismo dos hábitos religiosos pré-cristãos
(BURKE, 2013, p.41). Apesar de partilhar o local e diversos aspectos da cultura em suas vidas
cotidianas ocorre uma síntese de uma nova identidade cristã52. (WOODWARD, 2000, p.8)
52 Essa nova identidade cristã, construída para os antigos seguidores da religiosidade pré-cristã é a osmose
gradual de elementos de ambas religiosidades, pré e cristã, pois segundo a ótica de Garipzanov (2014)
auxiliaria no processo de transição de uma religiosidade mais tradicional para o cristianismo recém chegado.
(GARIPZANOV, 2014, p. 3)
48
3. A ALTERIZAÇÃO DA RELIGIOSIDADE PRÉ-CRISTÃ
Na documentação analisada a identidade cristã está presente em todos os momentos.
Por se tratar de uma documentação produzida pelo clero e sobre o clero, o posicionamento
sobre a cristandade sempre está bem clara. O cristianismo e Deus são os motores de tudo, os
santos possuem força por interceder na vida cotidiana e o clero tem uma autoridade superior
à autoridade dos homens por defender a sua fé. Esse posicionamento imutável do clero acabou
ocasionalmente causando conflitos com os poderes seculares locais, como é falado comumente
nas sagas analisadas. Padres acabavam mortos por discordarem de uma decisão de um
poderoso nobre em uma assembleia. O próprio bispo Guðmunðr é uma figura polêmica, por
continuamente confrontar os poderosos nobres islandeses, sendo que aproximadamente
metade da sua saga se dedica a narrar os conflitos políticos do mesmo.
Um exemplo da participação dos bispos na vida política da ilha se dá no início da saga
de Guðmunðr. Dois nobres locais buscaram o bispo Pal para resolver uma disputa na
assembleia, ao invés de consultar os outros nobres. O bispo decide por uma divisão que acabou
não agradando a ambos, contudo, evitou o derramamento de sangue por um problema de
desentendimento com heranças.
“After the death of Jon, the son of Lopt, a dispute arose between his son
Sæmund and Sigurd, the son of Orm; they quarrelled about the inheritance
of a man called Gelli, for Jon had held Gelli's estate in trust, but the heirs
lived in Sigurd's district in the east, and Sigurd took possession of the
property and put a man called Kari in charge of it. Finally the agreement
was made that Bishop Pal should give his judgment in the dispute at the
Assembly. Both parties then went to the Assembly, and, after consulting the
men of highest standing, Bishop Pal delivered his judgment. He assigned the
property to Sæmund, but adjusted the terms so that both parties might be well
satisfied. Sæmund gained both honour and respect from this case. Kolbein,
the son of Tumi, was much dissatisfied with the settlement, and Sighvat, the
son of Sturla, even more.” (GUÐMUNDAR SÖGUR, p.37)
A participação dos bispos na vida política e religiosa foi muito prático para a
instauração do cristianismo na ilha. Os bispos, ao participarem constantemente das
assembleias , construíram uma autoridade paralela a autoridade dos poderes seculares. Esse
poder paralelo regido pelos bispos islandeses acabou facilitando o papel cristianizador dos
49
bispos, em uma população que ainda possuía resquícios da religiosidade pré-cristã.
Um dos meios utilizados pelo clero para esse “combate” com a religiosidade pré-cristã
foram as pregações. As pregações ajudavam a confortar a população em momentos difíceis,
mas ao mesmo tempo em que se pregava a fraternidade com o próximo, ele recorda os ouvintes
dos perigos daqueles que se afastam ou não seguem o caminho apontado pela Bíblia. Um dos
exemplos claros disso está presente na saga de Þorlákr quando se diz que ele pregava
chamando o rebanho para o caminho correto, e perdoar os seus erros, contudo, isso não o inibia
de repreender ou excomungar as pessoas que não se agregavam na sua forma de pensar:
“…But They that would not turn to the right way by his kindly upbraiding,
and not forsake their dangerous condition at his rebuke, then he would
interdict some, and excommunicate others, according as Christ bade His
disciples: ' Ye shall rebuke Your brother lovingly,' and ' if he neglect to hear
thee, let him be to thee as a heretic or a heathen ' [Matt, xviii.15,
17].”(ÞORLÁKS SAGA HELGA, p.485)
“The holy bishop Thor-lac so used the authority that was given to him when
he was consecrated, to bind and loose on God's behalf the condition of men,
that it seemed to wise and righteous men as if there was equal care taken on
the one side, that there should be no passion or lack of moderation, yet on
the other, that he was never so lack or lenient, though it were a difficult
matter to deal with, that it did not savour rather of meekness and mercy,
though he were to wait a long time, if it were rightly considered.”(ÞORLÁKS
SAGA HELGA, p. 486)
A saga de Þorlákr é uma das sagas que está mais claramente presente o elemento da
conversão e da construção de uma cristandade, apesar de não ser a saga que retrata o período
mais antigo das sagas analisadas. Isso se deve em parte a formação e personalidade do mesmo.
Sua saga narra que o bispo veio de uma família com dinheiro (ÞORLÁKS SAGA HELGA,
p.459), e devido a sua predestinação divina se tornou diácono aos 15 anos de idade.
(ÞORLÁKS SAGA HELGA, p.461) Diferente da maioria das pessoas, Þorlákr era tímido e
isolado apresentando características de uma modéstia admirável. (ÞORLÁKS SAGA HELGA,
p. 464) Na vida adulta a população insistiu para que ele se casasse, apesar das recusas iniciais
ele aceitou, contudo Deus lhe surgiu em um sonho dizendo que aquela mulher não era digna
para ele, e permaneceu casto pelo resto da vida. (ÞORLÁKS SAGA HELGA, p. 465). Sua
personalidade era muitíssima religiosa, focando muito seus ensinamentos e mandamentos em
50
uma vida regrada e mais isolada:
“He forbade the brethren roaming abroad, and every journey for which there
was no necessity, and bade them to be steadfast in good works at their duties,
according to the teaching of the apostle Paul in his epistle…'Pray without
ceasing,' saith he, 'and give God thanks in all things.' Moreover the Son of
God himself saith, ' Holpen is he that is steadfast in good deeds even unto
the end of his life '… He bade them to keep strict silence, when it was required,
but to hold good conversation when speech was llowed them, for according
to the words of the apostle Paul, ' Evil communications,' saith he, 'corrupt
good manners'…” (ÞORLÁKS SAGA HELGA, p. 470)
O posicionamento do bispo Þorlákr o ajudou a ser, segundo os documentos analisados,
o bispo mais fervoroso na perseguição e conversão da religiosidade pré-cristã. Exemplos de
sua perseguição e repressão são presentes em múltiplos momentos da sua saga, contudo o
conjunto como um todo apresenta um projeto cristianizador, no qual o não-cristão sofre uma
violência muito grande. A compreensão da violência da conversão da Islândia é uma teoria
recente, sendo apresentado pelo artigo da Kathleen M. Self (2010). Nesse artigo a autora
analisa o conflito na conversão dos islandeses, descritos pelos mesmo nas narrativas medievais.
Através principalmente de discursos coercivos, que possuem uma violência intrínseca. Usando
uma documentação diferente da analisada nessa pesquisa, a autora apresentou um pilar para
esse projeto. A conversão da Islândia não foi pacífica, apesar do pouco derramamento de
sangue, a violência dessa conversão está nos discursos clericais que buscam continuamente à
conversão dos ainda não cristãos. Como feito pelo bispo Þorlákr na sua saga, ao ouvir dois
homens falando mal de Deus e dos “homens bons”, o bispo decidiu conversar com os dois
homens e após alguns dias eles se converteram.
“And they dealt so with them that were in their charge as to take off the heavy
burdens that had been laid upon them by offences and evil-speaking against
God and good men and by indulgence to the Fiend, and lay upon them
instead God's burdens light and lenient with gentle shrifts and easy
penances.”… “So that it spread abroad over the country-side how unlike
they were to most men in their behaviour. And now it began to be the common
speech of wise men that there would be no more likely quarter to look towards
than that where they were, if a man were ever needed” (ÞORLÁKS SAGA
HELGA, p. 467)
A eficácia do bispo não era somente com as pessoas mais simples, o contato constante
51
com os líderes locais nas assembleias permitiu com que Þorlákr tivesse maior proximidade
com os poderes locais, assim como os outros dois bispos estudados. Por meio desse contato
dos bispos com os líderes seculares locais foi possível: usar o poder bélico local para se
defender como feito por Guðmunðr; converter a nobreza local e como consequência
influenciar os estamentos sociais inferiores, como realizado por Þorlákr; ou realizar banquetes,
como feito por Jóns para aproximar a nobreza e população da Igreja.
O estranhamento inicial que a Igreja causava também foi um elemento discorrido na
documentação analisada. Na saga de Þorlákr narra como os homens iriam para a igreja ver
como era o culto e o repetia, provavelmente sem compreender seu real significado. A prática
leva ao hábito, e a repetição do culto levou a mais um elemento cristão, que inicialmente
causava estranhamento, assimilado no cotidiano da população.
“Men used to go to this house of Canons of abbot Thor-lac from other
minsters and houses of regulars, both men of this land and aliens, to see and
copy the good customs there, and every one that went there bore witness that
they had never been to any place where there was such a fair life led as there
according to the ordinances of Thor-lac.”(ÞORLÁKS SAGA HELGA, p. 471)
A sociedade que antes da chegada do cristianismo tinha uma crença diferente, ao se
converter apropria-se dos valores cristãos na forma de pensar e viver dos cristãos. O processo
não foi imediato, mas um processo à longo prazo em que gradativamente a população por meio
de convivência iria se agregar aos fiéis da Igreja. Na tese de Ph.D. de Alexandra Sandmark,
que estuda a conversão na Escandinávia pelo método comparativo, contudo sem analisar a
Islândia, compreende que a conversão da Escandinávia foi em parte iniciada por influência da
Inglaterra (2004, p.75). A tese apresenta como um dos elementos sedimentadores do
cristianismo na região a presença regular do clero em todos os momentos da vida da população,
do batismo ao enterro, passando pelo casamento e festas. (2004, p.259).
3.1 O imaginário nas fontes
Como apresentado anteriormente, o imaginário é o espelho da mentalidade que revela
e deforma. Nessa conjuntura analisada, a mentalidade se apresenta por meio da escrita nas
52
sagas, narrando os feitos dos bispos e seus milagres. O intangível se torna uma ferramenta da
mentalidade. O poder de Deus, é na nossa documentação uma das formas de apresentação da
mentalidade analisada. A liberdade da expressão de compreensão do metafísico permite uma
análise conjuntural, no qual sua apresentação poderá ser compreendida como um enunciado a
ser problematizado.
O imaginário se apresenta nas três sagas analisadas inicialmente por meio da vida dos
santos. Os autores apresentaram os bispos com uma escrita teleológica, no qual os santos
nasceram com uma missão divina e essa missão se apresenta desde sua infância até a vida
adulta, no qual tudo estava premeditado para a construção da vida do “santo”.
A primeira juventude que podemos problematizar aqui é o do Bispo Jóns. Seu avô por
parte de pai foi o primeiro dos chefes do quadrante leste da ilha, Austfirðingafiórðunge, que
se batizou e abandonou oficialmente a religiosidade pré-cristã em nome da nova fé:
“The mother of bishop John was named Thor-gerd. She was the daughter of
Egil the son of Hall o' Side, who was the man who had the fortune to be the
first of the chiefs of the East-frith-men's Quarter to take baptism and the true
faith“(JÓNS SAGA HELGA, p. 536)
O destino do bispo está presente antes mesmo dele nascer. Pelo fato de descender do
primeiro chefe da sua região, que aceitou o cristianismo, e isso ser descrito na saga, aponta
sua importância. Não em um papel real ou palpável, mas é o imaginário construindo um
destino para o bispo, no qual até sua linhagem é abençoada. Recordo também que a identidade
como apresentada por Woodward (2000, p.13) é eterna, ela sempre foi assim e sempre será
assim. Por consequência, é impensável que um bispo como Jóns venha de uma linhagem
tradicionalmente não-cristã.
Como é de costume nas sagas analisadas é comum se apresentar fatos históricos
marcantes para a ilha ou para a política da região. No caso de Jóns, sua saga discorre sobre a
fundação do primeiro bispo da Islândia quando tinha apenas cinco anos de idade. O bispo
Ísleifr foi ordenado por Adalbert, arcebispo de Bremen na Saxônia, um ano após sua nomeação
ele fundou o primeiro bispado da ilha, nas terras da sua própria família em Skálholt.
“The holy bishop John grew up at home with his father and mother at Broad-
53
bowster until he was five winters old, and then there came about great tidings
and ones which all the people of this land were Greatly rejoiced at to wit, the
consecration as bishop of Is-laf, the son of Gizor the White, and daughter's
son of Thor-odd gode, according to the prayer of the whole people of this
country. He was hallowed bishop by Adalbert, archbishop of Bremen in
Saxland [Saxony], in the days of Leo, the ninth pope of that name. Is-lafwas
taught in Saxland in the town that is called Herfurd [Herford]. He was the
first consecrated to be bishop of this country that has had his see here. Many
bishops had come into this country aforetime which had not been
consecrated to be bishops of this country; some were here very many winters,
and some a short while. Is-laf was in Norway the next winter after he was
consecrated bishop, and afterwards he went to Iceland, and came out hither
the next summer after the great famine [1057], and set up his see and his
home in his own paternal heritage at Seal-holt.” (JÓNS SAGA HELGA, p.
536)
Outro sinal da premeditação do futuro do Jóns, se deu em uma visita a corte na
Dinamarca do rei Swein. Era a hora da refeição e todos se sentavam a mesa, e Jóns como uma
criança que era, esticou as mãos para pegar as coisas que estavam em cima da mesa, sem se
preocupar com formalidades. Sua mãe ao ver isso puxa suas mãos e as bate, para logo em
seguida ser reprimida pela rainha da Dinamarca. A rainha disse que não se deveria bater nas
mãos deles, pois são mãos de bispo. Novamente o futuro se apresenta para o jovem Jóns, agora
vindo de uma rainha cristã.
“Not so, not so, Thor-gerd mine; do not strike those hands, for they Are
bishop's hands.'”(JÓNS SAGA HELGA, p. 537)
Ao crescer, Jóns foi colocado para aprender com o bispo Ísleifr, demonstrando que
tinha vocação para aprender os ensinamentos sagrados e os bons costumes. Ele é descrito como
um belo jovem, os melhores olhos que qualquer homem poderia ter, cabelos claros, corpo forte.
Essa descrição é praticamente de um guerreiro, mas adiciona-se no final seu temperamento
gentil e sua voz naturalmente baixa, se tornando querido pelos homens e Deus. (Jóns, p.540)
Um dos seus primeiros sinais não naturais da benção do espírito santo, foi ainda em
sua juventude. Em uma visita a corte do rei da Dinamarca, o ainda vivo rei Swein, ocorreu
uma missa, no qual o rei e sua corte estavam presentes. O padre estava com dificuldade para
ler a “Paixão” para os presentes, como se algo pesado o impedisse. Ao observar a cena e
escutar os risos que se iniciavam, Jóns avançou e cuidadosamente tomou o livro do padre e
realizou a leitura em um tom baixo e belo, ficando todos surpresos com a bela leitura. O rei se
54
emocionou de tal forma que o convidou a ficar por mais algum tempo, e Jóns aceitou (JÓNS
SAGA HELGA, p.541). Novamente a predestinação aparece na saga onde o Jóns possui uma
voz que surpreende a todos e lhe traz o favor de um rei cristão.
Nesse tempo que Jóns passou junto ao rei dinamarquês ele teve um sonho e contou o
mesmo para o rei. Contou que viu Jesus sentado e aos seus pés estava o rei Davi tocando uma
belíssima música em uma harpa. Ao contar isso ele pediu uma harpa ao rei que prontamente a
conseguiu, e tocou uma música tão bela que fez o rei chorar de emoção. Isto, segundo a saga,
foi um evento importante que representou a iluminação de Deus e a manifestação da glória de
seus santos.
“Methought in the night that I was standing in a certain cathedral of
marvelous splendour, and in the choir of the church, as it were in the bishop's
seat, I saw our Lord Jesus Christ sitting, and on a foot-stool at His feet 1 saw
the holy king David sitting, and smiting his harp with most noble skill and
most fair music; and indeed I think, my lord, that there hath remained in my
mind somewhat of that fair music that he made. Now do thou, my lord, let
them bring me a harp, and I will try before thee if I can remember somewhat
of the music he made.' Then the king bade them bring a harp and give it to
John, and he took the harp and tuned it, and smote it with so great skill that
the king himself and all they that stood by cried out how well he
played.”(JÓNS SAGA HELGA, p. 542)
Pouco tempo depois Jóns quase perderia a cabeça por se envolver com problemas
políticos. Esse conflito incluía alguns islandeses e o rei da Noruega, no qual Jóns foi ajudar e
acabou em uma audiência real, onde ninguém poderia falar para proteger Jóns. Sua salvação
foi que o rei permitiu que ele falasse. Desta forma, sua fala foi tão bela e bem-feita que salvou
sua vida, assim ninguém morreu. Jóns resolveu o conflito com sua oralidade e capacidade de
negociação. (JÓNS SAGA HELGA, p. 543) Graças a essa negociação frutífera, salvou-se Jóns
e o Saemund Sigfusson, ambos, segundo a saga, pilares da Igreja na Islândia.
“They might also rightly be called Pillars of the Church, for they upheld her
fairly in their holy teaching, and many other goodly endowments which went
forth from them upon all them that were near them, or that would hearken to
or accept their wholesome admonitions.”(JÓNS SAGA HELGA, p. 544)
55
Logo em seguida desse feito, Jóns foi nomeado bispo. Contudo, sua vida como bispo
ainda não cabe ser discutida agora, isso será discussão posterior. Agora, vamos apresentar a
juventude e desenvolvimento de um segundo bispo, para demonstrar a sua sacralidade e como
sua vida estava premeditada para grandes coisas. Falaremos do bispo Þorlákr.
Na saga de Þorlákr antes mesmo de se começar a falar sobre sua vida ou juventude do
bispo, discorre-se sobre como o nome do bispo tem poder. Com uma simples benção usando
o nome do bispo Þorlákr consegue-se muitas coisas boas. Para justificar é citada a bíblia,
provérbios 22,1, “Vale mais ter um bom nome do que muitas riquezas” e o Eclesiastes 7,1,
“Melhor é a boa fama do que o melhor unguento...”.
“…now often proven by trial that sickness is of times speedily cured by
calling upon his name, that could never be healed before by any ointment or
any of the medicines that had been taken or tried before.”(ÞORLÁKS SAGA
HELGA, p. 459)
Þorlákr veio de uma família com dinheiro, pois antes de seu pai virar dono de terras ele era
um comerciante, atividade muito lucrativa. Citando a bíblia novamente, salmos 112,2, “A sua
semente será poderosa na terra” o escritor da saga aponta que a ascendência do Þorlákr é nobre
e vem de uma origem admirável (ÞORLÁKS SAGA HELGA, p. 459). Retornamos novamente
a não mutabilidade da identidade, no qual para ser um ótimo cristão a ascendência deve ser
impecável como a descendência.
Na sua infância é contado que diferente outros jovens, Þorlákr era gentil e esperto em
todas as coisas, obediente, silencioso, controlado e que aprendia rápido. Praticamente uma
criança perfeita, necessita ressaltar. Seriam essas qualidades reais de uma criança ou parte de
uma construção do mito hagiográfico do bispo? Jamais saberemos com certeza, resta analisar
e problematizar essas informações, assim como outras apresentadas como dúbias e com uma
intencionalidade, a promessa de um grande bispo.
Sua mãe, somente com uma conversa pôde observar o quanto a providência divina
estava naquele menino, entregando seu filho para ser cuidado por um homem de muito poder
e moral. Citando Paulo na passagem dos 1 coríntios 11,1 “Sede meus imitadores, como
também eu de Cristo”, o escritor da saga novamente apresenta Þorlákr vindo do mais puro
ambiente onde a própria Bíblia apresenta a Verdade.
56
“Eyjolf, Sae-mund's son, who had both great chiefship and good learning,
goodness and wisdom in greater measure than most other men. And we have
heard the blessed Thor-lac bear this witness of him that he had hardly ever
found a man so good as he was, and he made it to be seen afterwards that he
would not let those wholesome admonitions with respect to his master pass
by him…”(ÞORLÁKS SAGA HELGA, p. 460)
Com a morte do bispo Magnus não se tinha bispos em Skálholt. Realizou-se então uma
assembleia geral, para se escolher um novo bispo. Þorlákr, que já havia se tornado diácono,
foi um dos nomes mais populares. Sua dedicação a receber ordens, solidão e modéstia
ajudaram na sua escolha para a o cargo, assim como sua capacidade de gerenciar os bens do
clero.
“WHEN bishop Magnus was dead for some time there was no bishop at Seal-
holt, and there came to be a lack of clerks. It was then men's advice that
bishop Beorn should be asked to hold consecrations at the All-moot, and he
listened to their prayer, and it was then that Thor-lac was ordained Priest
and many other clerks with him. But when he was a priest and himself took
up the rule and maintenance of the offices [of The church]” (ÞORLÁKS
SAGA HELGA, p. 462)
Com Þorlákr tornando-se bispo, encerramos temporariamente sua cronologia.
Notamos aqui, que as escritas de ambas as sagas são diferentes, possivelmente de autorias
diferentes. A infância de Jóns era bem mais detalhada, focando nas minúcias da infância e
como elas apontavam para um futuro brilhante, como um grande bispo e posteriormente santo.
Contudo, não se utilizou de citações bíblicas tão veementemente como no caso de Þorlákr.
Continuamos agora para a infância do último bispo analisado na documentação, Guðmunðr.
Guðmunðr ao nascer, gritou tão forte que profetizaram seu futuro, ultrapassando todos
os outros homens. Notamos algo importante aqui, ultrapassar todos os outros homens, na sua
saga não se aponta para um futuro profético diretamente clerical, mas um futuro glorioso. Essa
informação será importante para compreender a peculiaridade dessa saga.
“Gunnar and Rannveig had a daughter called Ulfheid. Shewas married off
against her will, but afterwards Ari, the son of Thorgeir, made love to her.
Ulfheid bore him four children. One of their sons was Kloeng, who died
young. They had a second son who was called Gudmund. He was born on
the farm called Grjota in Horgardal. At that time Steinunn, the daughter of
Thorstein and Sigrid, daughter of Ulfhedin, had the farm. On her mother's
57
side Steinunn was a cousin of Ulfheid and great affection accompanied their
kinship. It was three nights after Michaelm as when this child was born. A
wise man, called, Gudmund Curly-head, was at Grjota then; he was learned
in many things and there is a story told concerning what words he said—and
they proved to be prophetic—when the new -born baby cried out. He declared
that he had never heard such a voice in a child and said he was convinced
that, if he lived, he would surpass all men; he had felt aghast when he heard
the cry.”(GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 3)
Apesar da saga se focar em falar sobre Guðmunðr só é mencionado do seu nascimento
na terceira página, e volta a falar na sétima. Diferente das outras sagas analisadas onde o foco
é constantemente nos bispos e suas atividades, essa saga fala sobre acontecimentos políticos e
muitos outros elementos que ocorreram na ilha. Um exemplo disso é a citação das estações
com seus nomes populares como o “Inverno Maravilhoso”. Nesse inverno foram vistos dois
sóis no céu, ao mesmo tempo, houve relatos de se verem elfos, uma mulher e uma criança
mortos misteriosamente por porcos que inexplicavelmente fugiram do chiqueiro.
(GUÐMUNDAR SÖGUR, p.8)
Um ano depois, aos 10 anos de idade, Guðmunðr brincava com muitas crianças,
principalmente com seu melhor amigo Ögmund. E quando ele brincava, independente com
quem fosse, ele sempre brincava de bispo com seu amigo. Essa brincadeira segundo o escritor
da saga, parece profética pela carreira destinada a ambos, Guðmunðr bispo e seu amigo
guerreiro com machado e escudo. Esse inverno foi chamado de inverno do terror, onde 80
pessoas morreram devido a avalanches.
“Thorvard's son Ogmund and Gudmund were playmates, and many other
children shared their games. But it always came to the same thing in their
games that, whatever game they began to play, in the end they gave Gudmund
a mitre, crozier, vestments, church and altar, and he always had to play at
being their bishop” (GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 8)
Quando Guðmunðr completou 12 anos, ocorreu o chamado bom inverno, a partir desse
inverno e pelos próximos 4 anos ele foi ordenado e recebeu a tonsura, se tornando um acólito,
e posteriormente um subdiácono aos 13 e diácono aos 14. (GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 9).
Claramente pode-se observar um acelerar na narrativa da história nesse momento. Isso pode
significar que o principal foco da saga não seja o próprio bispo, mas coisas posteriores que
envolvem a sua vida.
58
Guðmunðr aos 22 anos, se envolve em um conflito com poderes locais. Chamaram
esse verão de o “Verão Desastroso”, pois 500 homens haviam morrido de naufrágios. Indo ver
uma corrida de cavalos em Vesterhop, onde possivelmente encontraria Odd que se
transformaria em um fora da lei. Contudo, sua vida foi salva sem que ele precisasse sujar suas
mãos. Uma confusão ocorre em um segundo encontro, no qual o bispo está presente e seu
inimigo acaba se ferindo mortalmente, devido a uma graça divina. (GUÐMUNDAR SÖGUR,
p. 16)
Após essa descrição, se volta a falar do Guðmunðr em sua ordenação, aos 24 anos, sob
o cargo de bispo, após o banquete de São Gregório. (GUÐMUNDAR SÖGUR p. 17).
Encerramos aqui, mais uma vez a história do bispo, pois a intenção não é apresentar a
cronologia da vida dos bispos mas demonstrar como a narrativa das sagas é apresentada de tal
forma, no qual o imaginário apresenta um destino certo aos bispos estudados. Onde sua
vocação final é servir a Deus e serem grandes homens.
Das três sagas analisadas a que mais saiu desse paradigma foi a saga de Guðmunðr.
Essa saga possui características peculiares, no qual o bispo não é constantemente apresentado
como alguém santo até esse momento. Na sua infância ocorrem as brincadeiras de bispo,
contudo nota-se elementos peculiares na saga que faz ela se destacar em comparação com as
outras duas, que possuem um claro foco religioso.
3.2 Os milagres e o imaginário
Os milagres são parte do imaginário, como dito anteriormente. São a apresentação do
favor divino em prol dos bispos, como ocasionais ferramentas de discurso para defender sua
sacralidade em frente a miríade de possibilidade, no qual se poderá encontrar. O milagre não
é “somente um milagre”, mas um enunciado de uma intenção. A utilização de poderes sagrados
providos por Deus provém de seu detentor, uma autoridade superior e no contexto de
conversão no qual os bispos se encontram, é uma ferramenta de reafirmação.
A apresentação do poder divino pode ser dada de forma discreta ou explícita. Vamos
voltar aos estudos pontuais da documentação. A água benta faz parte da ritualização dentro da
Igreja, contudo também é uma ferramenta para proporcionar milagres, como ocorrido com
Þorlákr. Ao abençoar um gato respingando água benta, ele curou o gado da doença, e o deixou
59
imune ao clima e ataque de animais selvagens. Para coisas mais simples a água benta também
servia, como abençoar roupas e carne para que ratos jamais se aproximassem novamente.
“Many things also took place about him, which many men at once took to be
miracles. This thing came to pass when he was at ... to wit, that fire broke
out in the house, but as soon as Thor-lac came up and blessed it the fire was
quenched. If any live stock fell sick, they always began to mend as soon as
he had chanted over them, if there were any life in them. His hallowing of
water was mark-worthy insomuch that both men and cattle gat amendment
[of their ills] thereby. If water, that Thor-lac had hallowed, was sprinkled
over cattle, then well-nigh never did they take harm by sickness, or weather,
or wild beasts. If mice were doing any harm to meat or clothes, there would
arise a plague among them, or they would all disappear before the water if
it were sprinkled about, and if all were done as he gave orders.”(ÞORLÁKS
SAGA HELGA, p. 472)
Na saga de Guðmunðr a água benta possui poderes maravilhosos igualmente. Uma
senhora muito doente teve um sonho, no qual Maria, mãe de Deus, que disse para chamar
Guðmunðr, pois a água benta abençoada por ele tem o poder de cura. Logo após ser respingada
pela água benta a senhora ficou em ótimas condições novamente.
“One night a woman who was watching over her dreamed that Our Lady,
Blessed Mary, came to her and said: "Why are you so little resourceful in the
remedies you try on the raving woman who lies here?" In her dream she
answered: " We think we are trying many ways, but who are you that you seem
know what ought to be done?" She replied: "Here is Mary, the Mother of God,
on whom you have called. Now I will show you a plan which will. Send for
some water blessed by my friend, Gudmund the Good, for I believe his
benediction to be the best, and this will cure her." After that she awoke and
told what she had seen. They went to fetch the water, and when it was poured
and sprinkled over her, she was cured straightway.”(GUÐMUNDAR
SÖGUR, p. 23)
A água abençoada de Guðmunðr era um objeto miraculoso, além de curar os doentes
ele também tinha poderes para proteger os bens da Igreja. Uma noite antes do banquete de São
Leonardo, um edifício pegou fogo e acordou todos as casas da proximidade devido a claridade.
Quanto mais se jogava água, mais o fogo parecia aumentar. Fortificado pelas relíquias sagradas
e a fé em Deus, o bispo local, Brand, portando seu báculo e água benta avança em direção ao
fogo, a população se questionava se a água abençoada do bispo Guðmundr poderia apagar o
fogo. Ao se respingar gotas dessa poderosa água sobre o fogo, ele se extingue. Interpretou-se
isso como sinal divino como Holar tinha decaído, apesar das claras bênçãos de Deus sobre o
Guðmunðr. (GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 29)
60
Na mesma saga a água benta surge novamente como um elemento de cura, similar ao
caso da mulher que sonhou com Maria, mas dessa vez a água benta curou um jovem e não
uma pessoa de mais idade. Existia um garoto deficiente que era atormentado pela dor que mal
podia suportar. Com o auxílio da prece de Guðmunðr e de sua água abençoada, que foi
esfregada no rapaz até que ele ficasse todo molhado, assim as aflições que perturbavam o rapaz
cessaram.
“In the spring after Easter Gudmund went to Eyjafjord and as far as Saurbce,
where there was a crippled boy who was so tormented with pain that he could
hardly bear it. He spoke to Einar saying that Gudmund' the priest would
surely be ready to come to him and pray over him. Gudmund went to see the
boy and prayed over him for a long time and rubbed his holy water on him
until the boy's whole body was wet. And after that the boy's limbs began to
straighten out at once, and before long he had completely recovered from his
affliction.”(GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 37)
O clima também pode ser uma forma mais singela da emanação da força de Deus. Um
exemplo do poder de Deus sobre o clima na documentação estudada, foi na saga do bispo
Þorlákr. Þorlákr havia realizado uma visita ao arcebispo da Noruega para confirmar sua
nomeação como bispo. Ao retornar para a Islândia ele teve um desentendimento com o capitão
do navio que o iria retornar. O capitão se recusava e reduzir sua carga, mesmo com o bispo
avisando que o navio estava muito cheio, o barco zarpou. Ao se aproximar da Islândia o clima
piorou e o mastro do navio quebrou e boiou para longe. Todos os membros da tripulação se
prontificaram a fazer promessas para que Deus intercedesse por eles, contudo Þorlákr somente
aceitou suas promessas quando parte da carga foi jogada em alto mar. No dia seguinte o barco
conseguiu chegar à ilha sem problemas, e o bispo chegou a Skálholt antes da missa de são
Lourenço.
“Then the bishop went aboard again, and they put to sea with her as she was.
And when they were come hard by Iceland there came up a great gale, and
gat great damage, the halyard parted and the sail was carried away
overboard. Nearly all of them were minded to make vows [for safety], but
bishop Thor-lac said that they should not make vows till they had cast
overboard some of their lading. And when it was cast overboard as the
bishop wished, immediately the gale abated and they made land the next day,
and bishop Thor-lac came home to Seal-holt [Aug. 9, 1178], The day before
Lawrence-mass-day.” (ÞORLÁKS SAGA HELGA, p. 479)
61
O clima como elemento do sobrenatural era algo presente na sociedade Islandesa, antes
mesmo da sua conversão. O clima sobrenatural, que surge inesperadamente ou nesse caso,
apresenta a intencionalidade divina, era um elemento da feitiçaria escandinava pré-cristã, o
seiðr. Se o relato do poder divino veio por influências de um imaginário cristão ou pré-cristão
será debatido posteriormente no próximo capítulo no qual focaremos nas possíveis influências
da religiosidade pré-cristã dentro do cristianismo islandês crescente.
Para se colonizar a ilha, assim como, para manter relações comerciais os islandeses
dependiam dos seus barcos e do mar. Esse mar, elemento tão presente na vida dos islandeses,
também surgiu na documentação analisada como uma forma de demonstrar o poder de Deus.
Isso parece ser uma afirmação lógica para uma ilha tão pequena e rodeada pelo mar, contudo
ele por si só não é um elemento da emanação da força divina, pois já foi naturalizado. Mas os
elementos que o compõem podem ser interpretados como sinais divinos, como por exemplo,
sua vida marinha.
Guðmunðr estava viajando para visitar um conhecido, contudo sua caravana continha
muitas pessoas e lhe foi indicado que enviasse alguém na frente para avisar da sua chegada. O
bispo rejeitou essa ideia, pois Deus enviaria uma baleia para eles antes que sua viagem
terminasse. Como uma previsão do futuro, ou influência sobre os animais, uma baleia passou
nas costas de Vatnsfjörd avisando que em breve sua caravana iria chegar.
“From Sudavjk Gudmund went to Vatnsfjord, and from there to
Steingrimsfjord to visit Jon, the son of Brand. At that time he had a large
band of followers with him, and it was suggested that men should be sent
on ahead to tell Jon, so that they should not arrive unexpectedly. But
Gudmund said that there was no need for this: "for God will send them a
whale before our visitis ended." His words were fulfilled in this way, that on
the same day a finner-whale was washed up on that part of the shore where
Jon held sole rights of drift, and he was informed of it the following morning.
The people rejoiced at this happening, and Jon gave Gudmund a very
valuable book which Bishop Pal had given him.”(GUÐMUNDAR SÖGUR,
p. 40)
Ainda na saga de Guðmunðr, o vento forte auxilia seu barco a andar mais rápido
retornando do seu destino. Com o fim de uma assembleia o bispo desejou viajar e foi acertado
que o filho e serventes de um nobre local o auxiliasse na jornada de três milhas marinhas. Só
foi pedido pelo senhor nobre que seu filho e serventes voltassem a salvo. A ida foi sem
62
infortúnios ou imprevistos. Ao chegar na ilha, foi pedido ao bispo que cumprisse sua promessa
e rezasse pelo retorno seguro. Sua oração criou uma brisa favorável que rapidamente os jovens
retornaram as suas casas.
“Gudmund wished to leave Reykjanes and go out to Flatey in the Breidafjord,
a distance of three sea-miles, and it was arranged that Thorgils's young boys
and a serving-man should take him the whole way across. Thorgils said to
Gudmund: " Give my boys a favourable breeze and your blessing-, when they
make their return, for they have little strength and I commend them to your
care." Gudmund replied: "1 shall pray that God grant them a favourable breeze".
Then they set out and came to- Hvallatr, for there are many islands on the
way, and on the next evening they reached Flatey. There had been no wind
that day. Then the boys prepared at once for their return, and told Gudmund
that, he should fulfil his promise and give them a breeze, but he said he would
pray to God and went off to the church. The boys went to their boat, made
ready for sea and hoisted their sail. Straightway the sail caught a breeze, and
they sailed out of the anchorage and did not take in sail until -they were home
at the landing-stage the following morning. The further they sailed, the more
favourable had grown the breeze.”(GUÐMUNDAR SÖGUR, p.38)
O clima nas sagas nem sempre está auxiliando os bispos em suas viagens e pregações,
ele também aflige nas suas movimentações pela ilha. Um desses casos foi o encontro quase
letal que o bispo Guðmunðr teve com uma nevasca. No banquete de São Brettifa, depois do
natal, o bispo se preparava para viajar para oeste junto com um grupo de 16 pessoas, com o
avançar da viagem o clima foi constantemente piorando, os ventos aumentaram e uma nevasca
surgiu dificultando o progresso. A neve fez com que o grupo se separasse onde somente no dia
seguinte realizaram-se os resgates para localizar os sobreviventes e os corpos. A afilhada de
Guðmunðr morreu nessa viagem, contudo seu corpo foi protegido pela túnica do bispo, a única
parte maculada é onde o manto não a protegeu.
“…And they came on the place where the girl Una had been laid
down, and she was entirely unharmed by frost-bite, except on one toe;
this was the only part left uncovered by Gudmund's tunic, and it was
the only part to be frost-bitten. After this the search was abandoned.”
(GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 27)
Além da capa de Guðmunðr, o manto do bispo Jóns também ajudou a lidar com um
problema envolvendo a neve, contudo em um caso menos extremo. A Islândia nessa época
estava sofrendo, segundo a saga, de um frio acima do normal, e fazia alguns anos que o frio e
63
gelo não permitiam o crescimento da grama em boa quantidade para alimentar o gado. Jóns
prometeu boas estações e pediu ajuda para ampliar o espaço físico da Igreja, marcou o local
da fundação com sua capa. Poucas semanas depois o gelo derreteu e cresceu uma grama para
alimentar o gado.
There pressed upon them a great famine, and much [polar] ice and cold
seasons, so that the earth was not green at the spring-moot [c. May 15], And
the holy bishop John went to the spring-moot that was at Thing-ore, and
when he came there then he made a vow for good seasons, with the consent
of all men, That they would raise a church and homestead and all con- tribute
till the stead was established. After this vow the holy John put off his cloak
and himself marked out the foundation wall for the church. And men's estate
turned to the better straightway, so that that same week all the ice was gone
from which the famine had in great part come, so that none could be seen,
and the earth began to grow green at once, and that same week there was
sheep-pasture well-nigh sufficient. (JÓNS SAGA HELGA, p. 560)
A natureza e seus animais também sentem a presença do poder divino. Isso pode ser
demonstrado observando dois casos envolvendo o bispo Guðmunðr. No primeiro caso o bispo
encontrou cachorros raivosos brigando entre si, durante o enterro de sua afilhada, morta na
nevasca. Mesmo batendo nos cachorros e tentando separá-los eles não conseguiam aplacar sua
ira, mas com o sinal da cruz feito pelo bispo, os animais se acalmaram com ordenação em
nome do Pai, Filho e Espírito Santo que eles se separassem. Após este ato, os animais seguiram
em silêncio, com a ira aplacada.
“Water was thrown over them, they were pulled away from each other
and they were beaten, but still they would not let go. Then Gudmund
went up to them and made the sign of the cross over them, bidding
them let go and be silent, in the name of the Father and of the Son
and of the Holy Ghost. At once the dogs let go and were silent, and
each of them went his way.” (GUÐMUNDAR SÖGUR, p.28)
Outro momento, no qual a natureza apresentou a sacralidade do bispo Guðmunðr, foi
durante uma missa realizada pelo próprio. Não se tinha sacrarium além do altar, então padre
realizou o lavabo no chão. Quatro ramos de palmas que tinham sido usadas no ano anterior,
estavam atados no chão. Após a comunhão e o bispo lavar suas mãos sobre os mesmos, eles
voltaram à vida se florindo e abrindo as folhas.
64
“…there was no sacrarium set beside the altar, so that the priest
had to perform the lavabo over the floor. Four palms tied together
were lying here, which had been used the year before and put
down beside the altar, and after the Communion Gudmund was
hed his fingers over them. But then they were picked up, for
Gudmund said they should be kept safe elsewhere, and now both
flowers and’ leaves had sprouted on the palms.”(GUÐMUNDAR
SÖGUR, p. 25)
A missa é um dos rituais mais importantes da Igreja. É um momento de reunião da
população com o clero, e assim auxiliando no projeto de conversão organizado pelos bispos.
Assim como, essas folhas se abriram e floriram durante a missa, existem relatos de outros
momentos, no qual o bispo possuía um poder sobrenatural. Nada poderia impedi-lo de realizar
o culto da forma que deveria. Para iniciar esse exemplo falaremos de um momento na saga do
bispo Guðmunðr, no qual ele foi abrir a porta de uma Igreja que estava fechada, desta forma
ninguém compreendeu como o bispo conseguiu abrir a porta da Igreja pois ninguém da casa
se recordava te ter aberto a mesma.
“…He went to the door of the church and there was no need to look
for the key, for the church was standing open, and no one could say
who had unlocked the dopr for no member of the household had done
so.” (GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 24)
Em outra missa quando Guðmunðr tinha 32 anos e estava pregando em uma missa em
Vellir, ocorreu, segundo a documentação, outro milagre similar a esse anterior. O bispo se
preparava para realizar o oblatio, contudo o baú que continha o pão sagrado estava trancado e
não conseguiam achar a chave. Foi sugerido ao bispo que o baú poderia ser quebrado para
abrir, contudo o bispo proibiu. Guðmunðr realizou o culto normalmente como se a caixa
estivesse aberta, quando ele foi abrir o baú fez um sinal da cruz sobre o mesmo, e a tranca
voou para longe do baú sem ninguém ter tocado nela e o culto continuou sem nada para
atrapalhá-lo.
“…he was singing Mass and the clerks should have been preparing
the oblation, but the wafers were locked up in a chest and the key,
could not be found. Then it was suggested that the chest should be
broken open, but Gudmund forbade this. He sang 'Mass at his leisure
and as if he were not aware that the wafers were locked up. But when
65
the Gospel was over and the Canon begun, he made the -sign of the
cross over the chest containi'ng the wafers, and the lock sprang away
from the chest, though no one touched it, and fell onto the floor, and
thus the wafers were procured.”(GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 24)
O poder do sagrado emanado por meio de Guðmunðr não se limita à somente
apresentar-se permitindo a continuidade do culto, mas também como uma peculiaridade
própria em forma de uma visão. A saga do bispo Guðmunðr narra um evento quando o bispo
tinha 29 anos. Estava hospedado fora do seu bispado e auxiliava no culto local, ao se encerrar
o culto, os padres enunciaram Dominus vobiscum, e uma fiel local viu uma chama sair da boca
do bispo ascendendo no ar, muito mais brilhante do que qualquer chama que ela já havia visto
antes. Ela estava certa então, que o fogo que saiu da boca do bispo era o espírito santo.
“While Gudmund was staying at Miklabce, he used also to perform
divine service at a farm called Marbceli, and it was here" he was
saying Mass on a certain feast day. A wise a'hdintelligent woman called
Hallfrid, the daughter of Ofeig, who lived there, Was present at
Gudmund's Mass, and was following it attentively, as she always did.
When the Gospel was over and the priest turned round and said
Dominus vobiscum, she saw name coming from his mouth up into the
air, much brighter than any flame she had seen before. She
felt .convinced, as did 'whom she told of it, that it was the fire of the
Holy Spirit which she alone had seen.”(GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 22)
Pouco após esse feito, o bispo saiu da cidade e viajou para Vidvik, onde ficou
hospedado com um conhecido. Um dia durante um inverno, ele orou na Igreja das
proximidades, até o momento que foi interrompido pelo seu conhecido. Ma, entrou na Igreja
a tempo de ver um pequeno pássaro voar pelo ar a partir dos ombros de Guðmunðr e sumir no
ar como se nunca estivesse lá. Não pôde dizer qual pássaro era, pois ele estava pouco
acostumado a ver o espírito santo. Sendo interpretado por Ma como um sinal de que o bispo
era acima dos outros homens.
“And when Ma went inside he saw ;a little -bird fly up into the air
from Gudmund's shoulder, and then it vanished from his .sight. He
could not tell what kind of bird this was, for he was little accustomed
to seeing the-Holy Spirit.” (GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 22)
A cura é outra forma de milagre que é descrita ocasionalmente nas sagas analisadas. Desde
66
coisas mais simples como curar uma cabeça gelada como fez Guðmunðr. (Guðmunðr, p. 29) Até curas
mais complexas, como descrito anteriormente na recuperação de um jovem que sofria dores. A cabeça
gelada a qual Guðmunðr curou, foi a sua própria. Ele caiu doente e ficou aos cuidados de seus pupilos,
contudo em um momento que todos os pupilos sumiram um grande cão surgiu e ameaçou o bispo, após
rosnar e quase o morder, sumiu de um momento para outro, deixando a certeza no bispo que o cão foi
enviado pelo antagonista de Deus.
“While Gudmund was lying ill, his pupils had gone down to the beach
to play games, and a huge dog seemed to them to be making for them
with gaping jaws, ready to bite them. They were overcome with fear
and panic, and in their terror invoked the saints for help. The dog
vanished straightway, and the boys went home and related what had
befallen them; their; guardian felt'assured, as others may realise also,
that they had been tempted by the evil one.” (GUÐMUNDAR SÖGUR,
p. 29)
Na mesma saga outra narrativa sobre uma cura se passa alguns anos à frente do
confronto de Guðmunðr com o cão infernal. Aos 38 anos de idade um novilho que pertencia a
um conhecido do bispo, ficou doente sem explicações. Suspeitava-se que o animal estava
quase morto, e pediu ajuda ao bispo para uma possível melhora do novilho. Portando suas
relíquias sagradas o bispo rodeou o animal doente sete vezes, rezando pela sua melhora, ao
terminar o sétimo ciclo o animal se curou instantaneamente. (GUÐMUNDAR SÖGUR, p.36)
Outro caso de cura animal, ocorreu um ano anos depois, o bispo possuia 39 anos. Um
nobre local chamado Kolbein, tinha um carneiro que ele prezava muito, contudo o animal caiu
doente e o seu proprietário perdeu quase todas as esperanças. Guðmunðr intercedeu em seu
caso rezando sobre o animal doente pela sua melhora, colocou entre seus chifres uma imagem
de São João Batista e por fim o animal acabou curado do mal que lhe afligia.
“Kolbein had a ram of great value, which he .prized very highly. This
ram became- ill with the disease known as the staggers, and seemed
past all hope, but then Gudmund sang prayers over him and placed an
image of S. John the Baptist between his horns and he was
cured.”(GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 42)
Suspeito que essa preocupação com os animais não é sem intuitos secundários. Ambos
os animais eram de posse de pessoas com alguma influência na sociedade, e por consequência,
67
produtora de opinião. Ao se adquirir simpatia entre os membros desse estamento social o bispo
poderia acabar produzindo uma imagem positiva da sua atividade e vida. Em um contexto de
conversão, é importante a população apoiar o bispo para sua atividade ficar menos trabalhosa.
Notamos isso também logo após a narrativa sobre a cura do carneiro quando o bispo
Guðmunðr é convidado durante uma Assembleia Geral tanto por sulistas como homens do
Leste para que visitasse a casa deles.
“Gudmund spent this second winter at, Vidimyr in high regard. In the
spring he and his followers went on visits in the northern districts, out
to Flatey and then up into Eyjafjord. . From there they went south to
the General Assembly, which Gudmund attended that summer. At the
Assembly both southerners and easterners invited him to their homes,
and from it he rode south to Skalaholt.”(GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 42)
3.3 A construção da alteridade no contexto de conversão
Os milagres auxiliavam no processo de conversão e construção de uma identidade
cristã positiva, contudo notou-se por meio da documentação que o papel de conversão ia muito
além de uma prática passiva de conversão como se imaginava inicialmente ao se escolher a
temática do projeto. As hipóteses levantadas inicialmente não englobavam o papel ativo que
os bispos tomaram na perseguição da religiosidade e práticas pré-cristãs. Tentaremos expor
isso por meio da documentação analisada, assim como foi feito até agora.
Na tese de Ph.D. de Alexandra Sanmark, ela aponta a influência fundamental da realeza
para a cristianização e conversão na Escandinávia. (SANMARK, 2002, p. 75). A pesquisadora
faz um estudo comparado, onde por meio de uma ótica, o poder político foi fundamental para
a conversão dos reinados Escandinavos. Ao analisar muito brevemente a Islândia, a
pesquisadora compreende que é claro que os líderes locais da Islândia, os goðar, eram líderes
religiosos e políticos. Partindo desse ponto de vista, teoriza que os goðar poderiam usar sua
influência de duas formas: a primeira usando sua autoridade política para influenciar na
aceitação do cristianismo; a segunda, com um papel mais passivo servindo como inspiração
para a população mais ampla se sentir obrigada a aceitar a nova religião (SANMARK, 2002,
p. 84).
68
Na nossa análise, encontramos nas sagas estudadas algo similar ao teorizado por
Sanmark com uma documentação diferente. Os goðar possuem um papel ativo e passivo na
conversão da Islândia onde por meio de suas conversões voluntárias e compulsórias
estimularam outras pessoas a se convertem também. Isso ocorre no início da saga de Þorlákr,
na qual um proprietário da segunda melhor terra da região busca o bispo para se converter.
Essa conversão não somente trouxe para a cristandade um novo goði, singular de goðar, mas
também trouxe sua propriedade, a qual ele desejava deixar para a Igreja. Depois de dialogar
um pouco com o bispo, o goði aceita a vida monástica e se torna um monge.
“THE owner of the second best homestead in that country, which was named
Thick-by, was a man named Thor-kell the son of Geire, a wealthy man of
possessions and wise of understanding. And when he began to be stricken
somewhat in years, and had no very near kinsman to take the heritage after
him, then he gave a comfortable portion to his kinsfolk, and kept free for
himself at his own disposal what was left, a great and fair estate. And then
he declared that he wished to choose Christ and his saints as heirs of all that
was left, and that he wished to raise up a seat for canons in Thick-by.
Howbeit this matter was hard to put into effect at first, wherefore he sought
at first to get hold of that which was the hardest to get a man that might
'establish the rule which they, that wished to turn to a pure life there, were to
keep. And now he went to Kirk-by and called on Thor-lac to undertake it.
And he was not very hard to persuade, because he had already had it in his
heart to put of the world and come under rule [i. e. be canon or monk],
according to the words of Almighty God when he declareth that ' no man can
be wholly his disciple save he forsake all that he hath for God's sake, and
serveth him afterward with a purê heart' [Matt. xix.21].”(ÞORLÁKS SAGA
HELGA, p. 468)
A análise de Sanmark em comparação a documentação analisada nessa dissertação,
apresentou resultados iguais, contudo seus estudos sobre a Islândia foram superficiais,
faltando um elemento que descobrimos fundamental para a conversão da ilha, o papel dos
bispos. Na sua ampla análise política comparativa sua tese não incluiu uma análise nas sagas
dos bispos, e assim ignorando uma documentação mais contemporânea a época da conversão.
Nessa documentação os bispos assim como os goði possuíam poder de influência política para
converter, apesar de que a documentação analisada por Sanmark, as leis e algumas sagas, não
apontem isso.
Da documentação analisada, a saga do bispo Þorlákr é a que apresenta um papel mais
presente e contínuo do bispo na função de construtor de uma cristandade na Islândia. Com a
mudança dos costumes e os feriados obrigatórios, a sociedade iria continuamente se agregar
69
aos costumes e hábitos cristãos e assim progressivamente tornar a sociedade islandesa
possivelmente cristã. Entre essas mudanças está a guardar os dias de santo Ambrósio, santa
Cecília e santa Agnes, a obrigação de jejuar nas vigílias das missas apostólicas e de Nicolau,
entre várias outras coisas.
“In the days of bishop Thor-lac it was made law to keep holy Ambrose-day,
and Cecil's-day, and Agnes-day; and to fast the vigils of the Apostles' masses,
and Nicholas-mass. He strictly ordered the Friday fast to be kept in such wise
that there should be two meals eaten on no ordinary Friday, save the one that
is in Easter-week. He kept Friday so strictly himself that he ate nothing solid
if he were well; but he was so lenient and easy in this when he was sick that
he would eat white meat on Ember-days and Fridays if he were asked to do
so, and these ensamples he gave to men who now would act just so as they
hope may seem best in God's eyes. Bishop Thor-lac was sick while he was
bishop on a time when Yule-day fell on Friday [u8i, 1187 or 1192], and he
was in weak health, and he used flesh that day, and showed an example
therein that it were better so to do.”(ÞORLÁKS SAGA HELGA, p. 487)
Uma das mudanças feita por bispos mais clara na demonstração do seu poder, foi a
alteração do nome dos dias da semana feita pelo santo Jóns, no qual se abandonou o hábito de
chamar os dias da semana com o nome dos antigos deuses pré-cristãos. Os dias como Odin,
Tyr e Thor, se tornaram dias da semana usando a sua posição como referência. Além da
perseguição dos dias da semana o bispo também proibiu todos os costumes religiosos e
práticas pré-cristãs.
“…he forbade altogether all evil customs and heathendom and sacrifices,
magic and charms, and stood up against them with all his might, for it was
not altogether done away with while Christendom was young. He also
forbade all omens, which the men of old [heathens] had been wont to take
from the coming of the moon and [observance of] days, and dedicating days
to heathen men or gods as it is when they are called Tew's-day, Woden's-day,
or Thor's, and so of all the week- days ; but he bade men to keep the
reckoning which the holy fathers have set in the scriptures, and call them the
Second Day of the week, and the Third Day, and so on and all other things
beside, which he thought sprung from ill roots…”(JÓNS SAGA HELGA,
p.554)
Jóns possuía uma visão do que era correto, diferente do que era apresentado pela
sociedade islandesa. A sociedade islandesa como já comentado anteriormente tem a prática da
manutenção da memória seja por poesias ou histórias orais. Contudo, o Jóns acreditava que os
70
poemas amorosos feitos por homens e mulheres como uma forma de brincadeira amorosa era
algo negativo e devia ser proibido.
There was a play men used much, which was unseemly, wherein a man must
recite to a woman, and a woman to a man, verses foul and light and not fit
to listen to, and this he had abolished and altogether forbade itto be done.
Love-poems and songs he would not hear recited or have recited, but he
could not get rid of them altogether. This play was dear tc men before the
holy John was bishop, wherein a man would recite to a woman in the dance
effeminate and satirical poems, and a woman to a man love-verses. This play
he had abolished and strongly for bad e it. (JÓNS SAGA HELGA, p.555)
Essa separação do que é certo e errado começa a se destacar aqui. O bispo tem um
projeto para o que ele vê como uma sociedade correta, e almejável. A questão é, o que ocorre
com quem não se encaixa nessa sociedade? Essa pessoa é excluída, transformada na alteridade.
Realiza-se a construção do outro, dado por exemplo, em vários momentos nas sagas estudadas,
mas iremos apresentar agora os momentos nos quais isso ocorre de forma mais explícita.
Iniciaremos essa análise com um trecho da saga de Þorlákr. O bispo depois de se
estabilizar no cenário político e religioso resolve filtrar as suas amizades e contatos,
delimitando quais são bons e quais são maus. Projetando assim um paradigma de classificação,
no qual se você não está na identidade correta, ou no modo de agir correto, você é
automaticamente errado e por consequência evitável.
“…Bishop Thor-lac broke all those connections which he knew to have been
unlawfully made, whether those that had part therein were great or small.
He was not able to live in all communion with some [great] men and chiefs,
because he would only consent to the doings of those that were right and
good. He thought it were a far greater destruction to God's Christendom if
gentle-folks were to be excused in great matters, and he would not show them
any more indulgence, when they did not keep themselves from unlawful
dealings in this kind, because they had received from God a greater portion
of wealth and honour.”(ÞORLÁKS SAGA HELGA, p. 488)
Para a manutenção da identidade, assim como da alteridade, é necessário manter a
coesão do grupo. No caso da cristandade, isso se dá em parte pelo casamento, que constrói
unidades. O bispo Þorlákr está preocupado com a unidade dos casamentos cristãos na Islândia.
Devido à presença ainda existente da religiosidade pré-cristã o casamento ou relacionamento
71
de um homem cristão com uma mulher não-cristã poderia acabar não gerando um lar cristão.
Contudo, se um lar tem pai e mão cristãos é quase certo que os filhos permaneceriam na crença
dos pais.
“He took great pains to keep those folks together that were bound in holy
wedlock, and laid heavy penalties in fines and shrifts upon them that had
made grievous breaches therein. For he thought that it was the greatest
offence to God if that indulgence which is the greatest worldly thing Hehath
given to man, and which He hath made, for His loving-kindness' sake and
out of mercy and by reason of the lusts of men, lawful And blessed, which
indeed otherwise were a capital sin if this indulgence were monstrously
disgraced and wrongly abused.”(ÞORLÁKS SAGA HELGA, p. 487)
O posicionamento do bispo Þorlákr não se alterou durante sua vida, este
posicionamento brando no começo de sua vida e posteriormente rígido na vida adulta, o
acompanhou até seu leito de morte, no qual o próprio bispo manteve com relação as pessoas
que ele excomungou, e somente elas poderiam se livrar do mal da excomunhão que as afligia,
voltando para a Igreja. Mesmo as pessoas que o bispo condenou em sua vida com outras
penalidades na lei, ele perdoou, mas a excomunhão era algo mais radical.
' When I lay abed before,' said he, ' with little strength and received unction
in that sickness also, and when the chaunt [of the service for the dying] was
to be performed as it is now, then I declared beforehand that all those men
that were under grave charges before me should be free of his sentence if I
were to be taken away. And this I meant as an act of mercy, but not as a
condemnation of what I myself had done. But the reward I got therefore was
that those, who would not treat my intent fairly, said that they could see that
I had felt in my mind that I had gone farther in my sentences than 1 should,
and that I was to mitigate them altogether after my life was gone. But now I
will give a proof [and show] whether these things have been true. Ye shall
now hearken to and declare my sentence that I will that all my sentences
stand and the declarations of excommunication, unless they[that are under
them]be reconciled to those men whom I have appointed to loose my laws,
and I hold forth no absolution other than that which I have laid down be fore,
and if not they must wait for the bishop that is to come after me.'(ÞORLÁKS
SAGA HELGA, p, 495)
Essa radicalidade no posicionamento do bispo não deve ser compreendida como uma
característica perversa, mas como um projeto identitário, no qual o cristianismo é o paradigma
verdadeiro para todas as sociedades, segundo a visão do bispo. Sua rigidez não era somente
com os membros da sociedade, mas também com os membros do clero, no qual ele insistiu
para que todos do clero de sua diocese se confessassem ao menos uma vez por ano, e se
72
cometessem pecados capitais deveria confessar antes de participar da missa.
“He made a form of confession for the use of all the clergy in his diocese
[Dipl. Isl. i. p. 240], so that all might order it one way. And he bade all men
go to shrift once every twelve-month at least ; and all they that served at the
altar, if they fell into any capital sin, he bade confess themselves every time
before they touched God's service or sung mass.”(ÞORLÁKS SAGA HELGA,
p. 480)
O bispo Þorlákr possuía um posicionamento rígido tanto com o clero quanto com os
membros da sociedade não religiosa. Mas não se pode julgar o bispo como um homem sem
paixões. A saga descreve também sobre sua paixão, a música, na vida adulta. Talvez o trecho
tenha sido inserido para que a narrativa da vida do bispo não fosse marcada pela sua rigidez e
falta de empatia, causando uma figura pouco relacionável. Independente da razão pelo o qual
a documentação apresenta o gosto musical do bispo, ela descreve como uma forma de
afastamento do mundo.
He took pleasure in stories, and poems, and all songs and lays, and wise
men's conversation and dreams, and all that good men took pleasure in, save
plays, because he thought that such things kept men away from the
unprofitable ways of wicked men [wherefore he was beloved by all that were
about him].(ÞORLÁKS SAGA HELGA, p. 492)
Trocando o foco da análise para Jóns, observamos o bispo almejando uma ascensão
social por meio de contatos políticos. Como em uma Assembleia Geral, no qual ele diz que se
necessita agradecer, que pela primeira vez na história da Islândia se tem dois bispados.
Possivelmente uma tentativa para agregar mais simpatizantes devido ao crescente poder dos
bispos ou uma ferramenta para possíveis desentendimentos futuros.
“…in the summer he rode to the All-moot, and there he and bishop Gizor met
with much joy, and then bishop Gizor apprized the people how much good men
had to thank God for in the joyful tidings that had now come about that there
were two bishops in the country, which thing had never been before since
Christendom came into the land. The bishops talked over many things together
that were profitable, and put together with other clerks [help] the rules which
they should set over them that were under their care. “ (JÓNS SAGA HELGA,
p. 550)
73
O bispo Guðmunðr também se aproveita do poder e influência do poder crescente dos
bispos sobre a sociedade islandesa. Contudo, em sua narrativa a tentativa de exercer influência
acabou levando-o a ser perseguido continuamente pelos Goði. Podemos ressaltar ainda, que
mais da metade de sua saga, principalmente metade final, contém conflitos políticos com os
nobres locais, sem apresentação do tradicional discurso clerical enaltecendo e ressaltando o
espírito santo. Antes de chegar na segunda metade da saga de Guðmunðr, a narrativa de sua
saga faz uma profecia nem um pouco modesta, no qual o bispo será o maior de sua terra e
tomará um lugar não menos que o do arcebispo Thomar da Inglaterra. Novamente podemos
observar o enunciado das sagas defendendo, por meio da seleção ou construção dos fatos, uma
narrativa que sugere o crescimento dos bispos para um papel superior ao poder secular dos
goðar. (GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 35)
Um fato curioso sobre essa profecia é que ela é verbalizada por um membro do clero,
uma mulher que caiu em um transe e teve visões do inferno. Nesse transe a mulher viu os
principais santos da sua época, assim como sentiu o fogo do inferno em si. A parte mais
peculiar desse transe, é que ela apresenta elementos similares ao xamanismo pré-cristão, no
qual o xamã entra em um transe para entrar em contato com o mundo metafísico. Temos então
um possível elemento pré-cristão em uma saga sobre bispos, misturando visões do inferno.
Uma mistura peculiar.
A woman called Rannveig fell into a trance;…When she recovered
consciousness in the evening, she sat up and crossed herself and invoked
God's help for them all. She said had seen a vision of many wondrous
events which she must describe to the highest dignitaries of the Church,
and as these she chose Gudmund, the son of Ari, as soon as she could
get into touch with him, and Broddi the priest, who was then in the
Fljotsdal district. She said she would relate to everyone those things
which concerned them in her vision, unpleasant though the task might
be. Then she was more terrified than can be described and she called
on the Saints to intercede for God's mercy for her; she named first of
all Mary the Queen of Heaven and Peter the Apostle, and then S. Olaf
the King, S. Magnus the Earl and Hallvard, for many people in Iceland
used to invoke them in those days. And at that moment a great radiance
shone down on her and she saw figures within it, of noble countenance
yet awe- inspiring. This vision rejoiced her heart, arid straightway she
was so encouraged that she dared to ask who they were, and they told
her-they were King Olaf and Earl Magnus and Hallvard the Saint. They
took hold of her and rescued her from the clutches of the demons and
led her away. The demons lashed at her with a whip, striking her on
the shoulders, back and loins, saying to the Saints : "Although we have
to yield to you now, as is often the case in our dealing's against you,
74
yet something shall she get for her .depravity." The whip was red-hot and
burnt wherever it touched her. (GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 33)
Outra interpretação possível para esse trecho, no qual a mulher entra em transe seria
uma alegoria da população local não cristianizada, somente convertida, no qual seus hábitos
não condiziam com o que almejava a Igreja e seus bispos. Pois mesmo que o batismo seja
tomado e se assume como cristão, o caminho para o céu não é uma trilha simples, é necessário
abdicar de muitos costumes os quais faziam parte da história e tradição islandesa. Como é
apresentado na Íslendingabók, a documentação não problematizada, aqui mas trata da
conversão oficial da ilha. Nessa documentação aceitou-se a conversão, contudo os costumes
praticamente não eram alterados.
Dos três bispos estudados, Guðmunðr parece compreender o impacto que algumas
relíquias têm na vida e visão do povo. Duas vezes durante a sua saga ele é acusado de portar
ossos falsos alegando que são ossos de santos e ambos os casos ele confirma que tais ossos
são verídicos. No primeiro caso não se fala do uso da relíquia sagrada somente da acusação.
Quando Guðmunðr tinha 35 anos, o goði Thorstein, filho de Thrasláug, acusou o bispo de
guardar para si presentes dados pela população aos santos e Deus, e para agravar o caso o
bispo deixava a população beijar a sua relíquia sagrada, contudo Thorstein não saberia dizer
se são ossos de cavalos ou homens santos.
“In the following winter discord arose between Thorstein, the son of
Thraslaug, and Gudmund, and the cause of it was that the people of
Svarfadardal used to hand over to Gudmund the gifts they had promised
as offerings to God and the Saints, and Thor- stein said that Gudmund
kept these offerings for himself. Also, on holidays and festivals it was
Gudmund's custom to let people kiss the holy relics, but Thorstein
asserted that he did not know whether these were the bones of holy
men or of horses. For these 'reasons there was a -bitter quarrel between
them, and Thorstein demanded of Bishop Brand that he have Gndmund
removed from the district.” (GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 31)
A sacralidade de tais relíquias não cabe ser discutido aqui, o que convém a nós dessa,
é que o bispo sabia utilizar as relíquias ao seu favor construindo um modelo, no qual
Guðmunðr persistiu, levando a sua segunda acusação sobre a origem dos ossos alguns anos
depois. O bispo Guðmunðr entregou supostos ossos do Santo Jóns a Sigurd que lhe pediu
relíquias sagradas. Quando ele recebeu um pedaço dos ossos, um padre chamado Stein disse
75
que os ossos estavam com uma cor ruim e não aparentavam ser muito sagrado. O debate foi
resolvido quando todos rezaram um Pai Nosso com Guðmunðr e o santo Jóns fez com que
todos os presentes sentissem o cheiro de incenso. A única pessoa que não sentiu tal cheiro foi
o padre Stein, em punição por duvidar da sacralidade dos ossos. Somente após aceitar os ossos
e prometer honrar Guðmunðr ele foi capaz de sentir o aroma.
It happened at Svinafell that Sigurd asked Gudmund to give him some
holy relics, and Gudmund did so. But when he handed him a piece of
Bishop Jon's bone, a priest called Stein said that Bishop Jon's bone
seemed a bad colour to him, and he did not think it looked very holy.
Gudmund replied to him gently, and asked him whether he thought
Bishop Martin less holy than other men because his bones were black,
and whether he thought Bishop Thorlak was a saint or not. Stein
answered that he did not consider Bishop Jon the equal of Bishop
Thorlak. Then Gudmund said to those who were standing by : " Now
let us all pray to God and to blessed Mary the Queen of Heaven, and
to S. Jon the Bishop that he show some token of his sanctity to soften
Stein's unbelief."
They all fell on their knees and sang the Pater Noster with
Gudmund, ,after which he made each of them kiss the bones. Then all
of them smelt the sweetest smell of incense except for Stein alone; he
smelt nothing. Thereupon he grew ashamed of his unbelief and of the
words he had spoken, for the wrath of God and S. Jon the Bishop was
now visible upon him, when he was thus deprived of this joy. Stein
prayed to Bishop Jon for forgiveness with tears of repentance, and then
Gudmund offered to give him a piece of the Bishop's bone if he would
promise to honour him with his whole heart. He said he would gladly
do this, but he was afraid lest Bishop Jon should be unwilling to
accept his devotion. Then Gudmund went on to say that all should
pray that the blessed Bishop Jon would give some sign that he forgave
Stein for his words. And when Stein received the bones, he then smelt
the same fragrance as the others.(GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 44)
76
4. O NOVO CRISTIANISMO ISLANDÊS
Os bispos ao mesmo tempo que buscavam a consolidação do poder clerical na ilha,
reafirmavam a identidade islandesa com contínuas pregações e ocasionais citações da Bíblia
sagrada. Os elementos definidores da identidade cristã variam com o tempo e espaço, e não
seria diferente para o caso islandês, onde o cristianismo necessitaria se adaptar ao ambiente
“hostil” o qual havia recém-chegado.
A progressiva mudança do cristianismo, chamado por Garipzanov (2014) de osmose e
por Burke (2003) de hibridização, auxiliou no processo de conversão e aceitação do que antes
era um culto estranho, como já apontado na Þorláks saga helga (p.471). O culto cristão apesar
que estranho para muitas pessoas a repetição faria com que o culto e a vida cristã se tornassem
parte da vida das pessoas como apresentado na Jóns Saga helga:
“…And the holy bishop John strongly enjoined that which hath been kept
since, that men should come to hours on holidays and other set days, and he
bade the priests to repeat oftentimes those things which they needed to know.”
(JÓNS SAGA HELGA, p.553)
Além de estimular a manutenção da comunidade cristã por meio do constante convívio
da população em um local de culto, o bispo Jóns também estimulou a população a manter uma
prática caseira cristã, como rezar todas as manhãs assim que acordar, e fazer o sinal da cruz.
He bade men keep a daily custom, as beseems Christian men, that is to go
every day, late or early, to a cross or church, and there mindfully to put up
one's prayers. He bade them to have each in his lodging the mark of the holy
cross as a safeguard to himself, and as soon as a man woke he was to sign
himself and sing first Credo in Deum [the creed], and thus speak his belief
in Almighty God, and walk All day after armed with the mark of the holy
cross, with which he marked himself as soon as he woke, and never to take
sleep or meat or drink without signing himself beforehand. (JÓNS SAGA
HELGA, p.553)
77
Uma das bases do cristianismo, a oração, deveria ser aprendido, e repetida em múlti-
plos momentos no decorrer do dia. Com a manutenção contínua dessas práticas, o cristianismo
e as suas práticas se expandiram por grande parte norte da ilha.
He bade every man to learn Pater Nosttr and Credo in Deum, and Mary's
Verse [Ave Maria], and remember his hours seven times a day, according as
David the prophet saith, Septtes in die laudem tibi dixi, Domine Deus meus
[Ps. cxix. 164], that is to be interpreted in Northern [speech] ' Seven times a
day I have spoken praise to thee, O Lord my God,' and dutifully sing every
evening ere he slept Credo in Deum and Pater Noster, And that we may end
this discourse in few words, he got the ways of the people under him so or-
dered within a short space by God's help, that holy Christendom hath never
stood in such blossom in the North-landers Quarter, neither before nor since
as it stood then, when the people were so blessed in having such a bishop's
government over them. (JÓNS SAGA HELGA, p. 554)
Como já apresentado anteriormente, acompanhado da construção do sentimento de
identidade e unidade cristã, a religiosidade pré-cristã, e todos os seus resquícios foram classi-
ficados com uma estereotipação estigmatizante, alterizando-a. O zelo, no qual os bispos bus-
cavam elementos cristãos no dia-dia é apresentado na mudança até do dia da semana, assim
como a preocupação com a poesia romântica, era algo que poderia desvirtuar um bom cristão,
como ocorreria ao ler Ovídio.
It is told that he came to hear that Clong Thor-stan's son (he that was after-
wards bishop In Seal-holt), when he was a priestling and young in years, was
reading a book that is called Ovidius, De Arte [Amatoriâ]. In this book there
is much love -poetry, and he forbade him to read this kind of book, saying
that it was heavy work enough for every man to keep himself from fleshly
lust and unlawful love, even if he did not irritate his mind with any poetry
[Latin] or poems [vernacular] of this kind. (JÓNS SAGA HELGA, p. 555)
Jóns, segundo indica a documentação, foi o mais zeloso dos bispos estudados. Criou a
prática cristã por meio da oração e mudanças no dia-dia. A atividade do bispo não se encerrava
nas suas proximidades, ele andou por sua diocese “perseguindo” os homens maus, compreen-
didos no contexto da saga e do estudo como os não cristãos, ou aqueles que não iam de acordo
com o que o bispo acreditava ser o que deveria.
That summer bishop John began his visitation of his diocese, and set himself
to govern God's Christendom with mighty governing; he chastised evil men
with the power that was given him on God's behalf, and strengthened good
men and them of right conversation in many good ways. (JÓNS SAGA
78
HELGA, p.550)
O zelo e a radicalidade de Jóns o auxiliou na sua devoção, a atividade de expandir o
cristianismo. Ele se dedicou durante sua vida a construir um clero bem instruído e pronto para
auxiliar a população, para isso, além de instruir os que estavam ao seu redor, contratou um
homem de fora da ilha para ensinar o clero. Possivelmente isso seria uma forma de introduzir
a população ainda desacostumada aos hábitos cristãos, ao livro sagrado e ensinamentos da
Bíblia.
WHEN John had been a short while bishop, he had a school set up at home
there at the bishopstead, west of the church door, and had it well and
beautifully Built [and the mark of the houses -is still to be seen]. And to this
end, to govern the school and teach them that should be set there, he chose
him a man out of Gotland that was the best and quickest clerk: he was called
Gisle, and was the son of Finne. He paid him a great wage, both to teach the
priestlings and to give such support to holy Christendom along with the
bishop himself as he could manage in his teachings and addresses. And ever
when he was preaching before the people, he had a book lying before him,
and took therefrom what he spoke to the people, and he did this most out of
prudence and humility, because as he was young in Years those that listened
might lay more store by it, when they saw that he took what he taught out of
holy books and not out of his own natural know- ledge or breast-wit. And yet
so much advantage followed his teachings that the men that listened thereto
were much moved, and made great and good changes [in their lives] by his
advice. And that which he taught in his words he showed forth also in his
works. His teachings were lenient and light to bear to all good, and the wise
thought them seemly and interesting, and to the evil they became a great
terror and a true chastisement. (JÓNS SAGA HELGA, p. 552)
Quando tomou posse da sua função o bispo Jóns buscou alguém para acompanha-lo
em sua jornada de pregar a palavra e sedimentar o cristianismo. Na região, um senhor local se
ofereceu para acompanha-lo, contudo, o bispo somente aceitaria se o homem abandona-se a
herança de sua família, assim como as suas terras e se dedicasse de corpo e alma à pregação,
assim como o bispo.
“He was the only one of the men of worship of the North-landers
Quarter to rise up from the heritage of his fathers for God's sake and
the needs of Holy Church, because there had before been long
shufflings between the chiefs as to which of them should forsake his
father's heritage and his home, and there was none of them ready so
to do save this man only.”
79
4.1 O seiðr e a influência dos milagres
Como foi apresentado até esse momento, os milagres se apresentaram de múltiplas
formas, em vários contextos e intencionalidade. Cabe a nós nesse momento, refletir o quanto
estes milagres foram influenciados pela religiosidade pré-cristã. No caso, se a pregação e a
forma que o cristianismo se apresentou na Islândia foi alterada devido as condições pré-
existentes, é possível que os milagres, como produto do imaginário coletivo, sejam
influenciados igualmente.
A análise dos elementos do imaginário pré-cristãos nos milagres realizados nessa
pesquisa não foi um exercício solitário, mas encontramos um paper que realizou uma atividade
similar a essa. Bernadine McCreesh da Universidade do Quebec (2006), participou da 13º
Conferência Saga Internacional em Durham na Inglaterra, no qual ela comunicou e publicou
um paper que se trata do mesmo assunto. Por consequência, nossas análises vão se coincidir,
podendo ocasionalmente discordar. Além disso, tentaremos expandir a curta análise feita pela
mesma.
O clima, um elemento constante nas sagas e já apresentado até aqui, é um elemento
natural, mas o seu controle cai sobre o domínio do seiðr, a feitiçaria nórdica. Segundo Brink
(2008). É difícil achar uma palavra adequada no idioma moderno para seið, onde o português
contemporâneo poderia chamar de bruxaria, magia ou feitiçaria. Porém usaremos o termo
feitiçaria por ser o utilizado pela historiografia. (BRINK, 2008, p.2)
O uso do seiðr varia em um amplo prisma de propósitos, variando de soluções
domésticas até problemas maiores envolvendo a política. Entre os deuses da religiosidade pré-
cristã escandinava, Óðinn usou o seiðr primariamente em busca de conhecimento sobre o
futuro, especialmente perguntando questões aos mortos53. Óðinn é descrito caindo em transe,
deixando seu corpo para trás, viajando para longas distâncias em forma de espírito animal. A
deusa Freyja usa do poder sobrenatural para se disfarçar, mudando a sua forma e usando seus
53 Isso pode ser visto no poema Voluspá dentro da Edda Poética, no qual Óðinn, consulta uma vidente, para falar
sobre o destino dos deuses.
80
charmes físicos para atrapalhar a vida de seus inimigos. (PRICE, 2008) p. 246)
Imagem 11: Imagem do Deus Óðinn em uma cópia da Edda Poética produzida no século
XVII. Tradicionalmente apresentado como o Deus caolho e acompanhado de dois corvos, o
pensamento e a memória.
Na esfera das relações humanas, o seiðr era usado para trazer boa sorte ou azar para
comunidades ou indivíduos, além de, modificar o clima, dar abundância de peixes e colheitas,
ou curar os doentes. Outro uso comum do seiðr consistia prever o futuro, principalmente
quando uma volur ou outro tipo de conjurador de feitiços são especialmente convidados a ir a
um local e predizer o que ocorreria nos próximos anos. Não é de surpreender que esse convite
ocorra, principalmente, em anos de crise, seca ou preocupações econômicas. (PRICE, 2008,
81
p.247)
Outra peculiaridade do seiðr é sua conexão com a sexualidade, onde o vínculo de controle do
sobrenatural está presente no aspecto das deidades, assim como o universo físico dos humanos.
Além de, se encontrar uma variedade de encantamentos amorosos, para chamar atenção do
amado, curar impotência, encontra-se igualmente para causar tais efeitos. A historiografia
contemporânea aceita em sua maioria, que os rituais envolviam elementos sexuais em sua
performance, e é sugerido que a ritualização envolvia sexo ou sua simulação. (PRICE, 2008,
p.248)
O seiðr é uma prática ocorrida durante a era pré-cristã escandinava, que em sua maioria, estava
associada a mulher, limitando o espaço de participação do homem dentro da feitiçaria. Para a
pesquisadora Jochens (1933, p. 376), ela apresenta características do papel feminino na
feitiçaria e comparações do desempenho feminino e masculino na pratica do seiðr. De modo
que, a participação masculina é considerada uma fraqueza, desastre e mesmo passa a ser
denominado de afeminado, sendo referenciado pelo termo ergi. A presença do seiðr na
Byskupa sögur apresenta uma mudança no referencial de prática do seiðr, em que a influência
cristã permite uma mudançaa com relação a visão negativa do homem para com a prática.
Image 12: Bastão ritualístico da seiðkona. Medindo aproximadamente 82 cm esse bastão de
82
bronze foi encontrado em um navio-túmulo.
O bastão ritualístico presente em achados tumulares de praticante de seið, as seiðkona,
apresenta a sugestão de uma dupla utilidade para a ferramenta, no qual ela poderia ser utilizada
simbolicamente ou realmente em uma relação sexual. Até a prática da utilização de espelhos
mágicos envolvia, na sua descrição, uma sugestão do ritmo de relações sexuais. Se para o
ritual ser realizado como um todo envolvia o ato sexual ou sua simulação, limitava a
possibilidade do papel masculino na prática deste ato, sendo os praticamente masculinos
tomados de uma conotação feminina54. (PRICE, 2008, p.248)
Imagem 13: Imagem de Loki debatendo com os deuses, como é apresentado na Lokasenna.
Desenho de 1895 feito por Lorenz Frolich.
A sexualidade não influencia na nossa análise, pois o que procuramos foram indícios
54 Um exemplo desse caso está presente no poema na Edda Poética a Lokasenna. No qual, o deus Óðinn é caçoado
pelo deus Loki, o chamando de afeminado.
83
de relações entre seiðr e os milagres apresentados na documentação. Sendo assim, não
esperamos que os bispos se envolvam em qualquer forma de relação sexual, real ou
figurativamente, para realizar feitos sobrenaturais. Além disso, foram encontradas
similaridades da apresentação e compreensão do imaginário pré-cristão com os milagres
presentes nas Byskupa sögur estudadas.
O primeiro exemplo de milagre que leva as características de elementos da feitiçaria
pré-cristã é a tempestade criada por Deus para demonstrar que o bispo Þorlákr tinha razão. Um
capitão experiente com um navio que fez múltiplas viagens no trecho Noruega e Islândia era
de se esperar que conhecesse sobre quanto o seu navio suportaria ou não suportaria. Levando-
nos a duvidar que o capitão fosse tão imprudente, ao ponto de navegar com excesso de peso.
(ÞORLÁKS SAGA HELGA, p. 479)
Entretanto, a opinião de Þorlákr é demonstrada a correta devido da intervenção divina. Uma
tempestade inesperada quebrou o mastro do barco o levando para longe, desta forma, o clima
surge como um interventor, um apresentador de argumentos, possivelmente um elemento de
coerção. O capitão se viu obrigado a levar sua carga, ou seja, seu lucro e sustento, em alto mar
para fazer a vontade do bispo e somente no dia seguinte chegariam em terra firme. (ÞORLÁKS
SAGA HELGA, p. 479)
O bispo Guðmundr assim como Þorlákr consegue utilizar dos ventos ao seu favor. Na
Guðmundar sögur a oração do bispo cria ventos. Após ser escoltado pelo filho de um senhor
local ele cumpre sua parte do trato e reza por uma brisa favorável que rapidamente retornou
seus guias às suas casas. Analisando esse fato, encontramos os mesmos elementos envolvendo
a prática do seiðr¸ se fazendo um pedido a seiðkona, nesse caso o bispo. O indivíduo que tem
controle do sobrenatural recebe o pagamento prometido, nesse caso o bispo foi pago com uma
ida rápida de barco ao seu destino. Por fim, ocorre a ritualização para a produção do efeito
sobrenatural, no caso da seiðkona, o seiðr, no caso do bispo a oração, produziu efeitos
alterando o clima e criando ventos.
Outra forma de controle do clima é apresentada na saga de Jóns. Em uma época de
muita fome, o gelo e o frio impediam que a população se alimentasse. Similar a seiðkona, o
bispo Jóns intercede pela comunidade, contudo essa boa ação não ocorreria sem um
pagamento, assim a comunidade se compromete, como uma forma de retribuir a intervenção
a construir uma Igreja, que podemos chamar de forma de pagamento. Jóns então colocou no
chão seu manto e onde ele tocou a neve começou a derreter e o clima voltou a esquentar. A
84
população fez como foi pedido e o gado teve grama verde novamente para se alimentar.
4.2 O hibridismo cultural nos milagres
McCreesh (2006) apresentou o enterro do bispo Jóns como uma referência clara ao
seiðr. Durante o seu enterro seu corpo não pôde ser transportado até o túmulo até que o seu
anel episcopal fosse retornado ao seu dedo. Essa imobilidade do cadáver de um santo não é
um tópico exótico na hagiografia como dito por Loomis55 apud Mccreesh:
“O santo, particularmente depois de sua morte, impõe sua vontade nas
pessoas se recusando a deixar seu corpo ser levantada ou seu caixão movido
a menos que os seus carregadores fossem em certas direções” 56 (MCCREESH, 2006, p.1)
Koppenberg57 apud Mccreesh deriva essa cena na documentação de um incidente na
Martinus saga, no qual São Martim para fazer um grupo de pessoas se moverem fez o sinal
da cruz em sua direção, pois suspeitava que estavam portando um ídolo Pré-cristão. Quando a
inspeção provou sua falsa suspeita, fez outro sinal da cruz e as pessoas puderam continuar com
sua caminhada. Mccreesh argumenta que as diferenças nesses dois momentos são claras: O
que carregavam não era um corpo importante; O santo congelou eles no local, e não tornou o
objeto mais pesado; e por último, o santo e não o corpo carregado que causou a paralisia.
(MCCREESH, 2006, p.1)
A paralisia segundo Loomis apud Mccreesh, é diferente de aumento de peso. O
segundo caso é uma paralisia que afeta as pessoas e não o aumento de peso do cadáver como
ocorre com Jóns. Então Mccreesh apresenta a teoria, de que a peculiaridade desse milagre vem
da Escandinavia pré-cristã. A pesquisadores apresenta o caso das draugar, seres mortos-vivos
da crença escandinava pré-cristã. No caso específico ao que é apresentado na Eyrbyggja saga,
55 Loomis, Grant. White Magic: An Introduction to the Folklore of Christian Legend. Cambridge, Mass.:
Medieval. Academy of America, 1948. p.56. 56 Tradução própria. 57 Koppenberg, Peter. Hagiographische Studien zu den Biskupa Sögur. Bochum: Scandia Verlag, 1980. p.133
85
onde o corpo de alguém se tornou mais pesado com o passar do tempo.
Um outro exemplo similar encontrado nas sagas não-cristãs é na Grettis saga, no qual
o Glámr após ser morto por um monstro, tem seu corpo tão pesado que não consegue ser
levado de volta a Igreja. Corpos imóveis também são presentes nas histórias lendárias dos
deuses escandinavos como narrado na Edda, o enterro de Baldr, no qual seu corpo se torna
imóvel por alguma razão desconhecida. (MCCREESH, 2006, p.1)
A documentação analisada por McCreesh indica que o peso do corpo do santo não se
deve a uma influência cristã, mas em uma influência da religiosidade pré-cristã escandinava.
Não temos como afirmar com certeza absoluta a procedência do peso do corpo do santo, mas
a possibilidade da influência da escrita escandinava é uma teoria de muita importancia.
Apresentando assim o enterro do santo como mais um exemplo de uma hibridização, uma
influência da religiosidade pré-cristã na escrita e milagres dos santos.
Nas Guðmundar sögur surgem um outro elemento claramente não cristão, que até este
momento não foi apresentado, uma mulher troll. Um homem dos fiordes do Oeste era
constantemente atormentado por uma mulher-troll, e nesse dia específico narrado ele se
deslocava para a Igreja, quando foi atacado. A mulher-troll o perseguiu montanha acima
enquanto ele fugia, ao pedir ajuda de Guðmundr, uma luz surge em cima do homem e
respingando água na mulher-troll fez com que ela desaparecesse como se tivesse sido sugada
pela terra. Essa mesma luz que o salvou teria o acompanhado até a fazenda.
“Then the story came from the Western Fjords that a man called Snorri,
of Skalavik in the west, had been tormented by a troll-woman, who
used to attack him so ferociously that he felt unable to withstand her.
Before daybreak on that very night we have just mentioned, as it was
a Saturday night, Snorri betook himself to' divine service; he was alone
and had a long way to go. Then the troll-woman came upon him and
assailed him unceasingly, driving him up to a mountain. He called on
Gudmund to come to his aid and deliver him from this monster, if he
were so dear to God as he thought him to be. And at that moment a
great’ light seemed to shine down on him, and in its radiance was a
man wearing a cope, who held an aspergillum with which he sprinkled
water on the troll-woman, and she vanished straightway as if she had
sunk down into the earth. The light accompanied Snorri all the way to
the farm, and he thought he knew for sure that it was Gudmund the
priest who had appeared with it.”(GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 41)
86
Uma narrativa realmente maravilhosa, com elementos do sobrenatural por toda sua
extensão. Agora nos resta analisar a saga e procurar a procedência de tais elementos
sobrenaturais nessa narrativa. Claramente a mulher-troll exerce um papel demoníaco
impedindo o homem de fazer seu papel sagrado de ir para a Igreja. Com a excessão da Grettis
saga, a mulher-troll não aparece em nem uma Íslendingasögur, entretanto ela se faz presente
no imaginário coletivo, pois aparece nas fornaldarsögur, possivelmente devido seu caráter
mais fantasioso. Desta forma o imaginário pré-cristão povoa as Byskupa sögur. (MCCREESH,
2006, p.6)
Outro ser não natural que também marcou presença nas Guðmundr sögur é um elfo.
Elfos não são descritos em nenhuma das Íslendingasögur, curiosamente a descrição do
aparecimento de um é relatado na escrita. O autor da saga possivelmente mais influenciado
pela cultura popular, transbordou os elementos do imaginário pré-cristão dentro da vita do
bispo.
That winter was called the Wonder Winter, because there were many
strange happenings. Two suns58 were seen at the same lime. In Skagafjord
elves or other strange beings" were seen riding together in a great
host—An, the son of Bjorn, saw them. It happened on Hegranes that a
sow escaped from her sty and, breaking open the door, rushed at the
bed where a woman lay with her child. The sow fastened on to the
child, bit it to death, and then ran out. The child was left there dead,
while the sow ran back into her sty. (GUÐMUNDAR SÖGUR, p.8)
Para finalizar a análise das Guðmundr sögur, discorreremos sobre uma prática presenta
na religiosidade pré-cristã, que são as viagens extracorpóreas. Nas Guðmundr sögur ocorre
casos, nos quais uma mulher além do próprio bispo, tem experiências fora do corpo. O
primeiro caso já foi apresentado anteriormente no qual uma mulher pecadora é punida por ser
mulher de dois padres, se vestia com luxo demasiado para atrair homens e por costurar aos
domingos. A visão apresenta godar que abusaram de seu poder no inferno, bispos islandeses
já mortos no céu e uma vaga nesse céu, pronta para o bispo Guðmundr, que ainda estava vivo.
Apesar da visão do inferno não ser uma peculiaridade pré-cristã, a forma que ela faz
58 Apesar de ser apontado o aparecimento de dois sois, isso pode ser compreendido possivelmente como um
efeito meteorológico normal chamado de Parélio.
87
essa viagem, se assemelha as reações ocorridas com bruxas que mudavam de corpo, sem parar
de se mover, como num transe xamânico. Os ferimentos sofridos na jornada ao outro mundo
ficaram com ela com seu retorno. Similar ao caso da moça, ocorreu na Kormáks saga, quando
uma seiðkona se fere na forma de Morsa, sua forma humanoide também é ferida.
(MCCREESH, p.7, 2006)
“…when they -found her, they carried her back into her room, and
people sat by her throughout the day and saw that she was not dead,
for she would jerk her limbs violently from time to time, as if she were
in great agony.” (GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 32)
“And all of her that was bare was burned when she recovered consciousness.” (GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 33)
Contudo, ocorrem diferenças entre a jornada da mulher e a metamorfa seiðkona:
Primeiro, ela não viaja em forma animal; segundo, sua jornada é para outro mundo, não um
destino terrestre; terceiro, diferente da prática pré-cristã, ela não está dormindo durante a
viagem, mas está inconsciente; quarto, ela não viaja por vontade própria, mas é arrastada por
seres infernais. (MCCREESH, p. 7, 2006)
A experiência fora-do-corpo do bispo é descrita diferente. Ele descansa ao lado de um
homem doente, e para quem observava aparentava que havia adormecido rezando. Apesar de
parecer estar dormindo, o diácono não sentiu Guðmundr deitado sobre si, embora o diácono e
outras testemunhas o terem visto deitado.
“He lay on a bench beside the sick man, and he fell asleep at his
prayers, or so it seemed to those who were there. His deacon was lying
on the bench beside him, and he sank down on him as he fell asleep.
But when he had slept for a short time, the deacon did not feel that
he was lying on him, though he and others too saw that he was lying
there. “ (GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 41)
Em seguida o bispo tornou-se consciente, que apesar estar deitado do seu lado, ele não
podia senti-lo, contudo não ousou toca-lo. E então milagres ocorriam em outros distritos onde
não estava presente, mas chamavam por seu nome.
“…this deacon was aware that he could not feel Gudmund in the bed—
88
for he used to sleep beside him—though he never dared to put out his
hand towards him. At these times miracles always occurred in other
parts of the country, when men had invoked Gudmund in his absence.”
(GUÐMUNDAR SÖGUR, p. 41).
Essa experiência sofrida pelo bispo na literatura nativa, remete ao exemplo de ‘almas’
abandonando um corpo. Um exemplo disso é na Heimskringla, onde descrevo que Óðinn é
um metamorfo e deixa o corpo adormecido para trás, enquanto se transforma em um pássaro,
peixe, cobra, ou outro animal, e viaja para terras distantes. (MCCREESH, p. 8, 2006)
Outro exemplo está presente na Landnámanók e na Vatnsdaela saga, com os Saami59.
Os Saami realizavam viagens fora-do-corpo, da Noruega até a Islândia para localizar um
talismã perdido. Nas Íslendingasögur tem dois exemplos de seiðkona que podem enviar suas
almas enquanto dormem. Na Landnámabók, um homem com o dom da segunda-visão, a
habilidade de ver o que outros não podem ver, visualiza dois homens que estavam discutindo
em sua forma animal. Todas essas impressões criam a teoria, segundo McCreesh, de que o
corpo é deixado para trás e o espírito corpóreo ou alma, normalmente em forma animal, apesar
de não ser obrigatório, viajam em tempo real com que desejam. Mais uma vez surgem
diferenciações, entre a experiência fora-do-corpo do bispo e das comparações. Inicialmente, o
bispo não assume uma forma animal; segundo, seu sono não é agitado, terceiro, seu corpo se
torna sem peso, quarto, ele não aparece no chão ou água, mas no ar rodeado de luz.
(MCCREESH, 2006, p. 9)
O que justifica nas sagas analisadas as Guðmundr sögur, apresentarem mais elementos
sobrenaturais? Isso se justifica, segundo McCreesh, devido o respeito pela tradição crítica de
Saemundr e Ari. As sagas de Þorlákr e dos outros bispos de Skálholt são mais conscientes na
sua escrita em comparação as de Holar. Isso causa a discrepância entre os elementos
sobrenaturais nas sagas estudadas. A época na qual as Guðmundr sögur estão sendo escritas,
a crença no sobrenatural cristão já fazia parte de sua cultura, diferente das outras duas sagas
estudadas que estavam em um contexto de construção inicial do imaginário cristão. Os
seguidores do bispo Guðmundr em sua grande maioria, eram pessoas simples e sem uma
educação clerical, levando ser mais provável acreditarem em mulheres-troll, elfos, viagens
fora-do-corpo, além de milagres controladores de clima.
59 No português contemporâneo são chamados de Lapões, vivem na região norte da Escandinávia, e nessa
época eram independentes de qualquer poder real Norueguês.
89
Além da ótima conclusão da McCreesh eu agregaria o local de produção das sagas,
assim como o contexto influenciou no resultado final. Em um momento de contínuo embate
entre o clero local e a religiosidade pré-cristã ou os poderes locais, discursos com elementos
chamativos são mais apelativos que uma vita descritiva e sem o Maravilhoso que fazia parte
do imaginário islandês medieval. Agregando valores e elementos pré-cristãos além de agradar
ao público o clero criou uma forma de ser apelativo a uma população que almejava cativar.
90
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A exclusão ocorreu como esperado dentro da documentação analisada. Entretanto, não
era previsto o encontro de elementos pré-cristãos no cristianismo, que auxiliariam na aceitação
dessa nova forma de se relacionar com metafísico. Assim, o novo cristianismo islandês
gradativamente tornou-se mais aceitável para uma população acostumada a ouvir histórias de
seus antigos deuses com feitos maravilhosos, espíritos povoando o mundo selvagem e magia
agindo no dia-dia para influenciar as pessoas.
A documentação apresentou três bispos com uma atitude similares, quanto a
religiosidade pré-cristã, a alterização. Contudo, essa alterização ocorreu em graus diferentes e
de formas diferentes para cada bispo. Não podemos afirmar se foi a personalidade ou o
contexto de pregação que influenciou na forma que os bispos agiram perante o conflito entre
a necessidade de salvar o rebanho apesar do fato deste acreditar em coisas não-cristãs, cada
bispo se posicionou na sua forma singular.
Jóns Ögmundsson, provavelmente por ser o primeiro bispo de Holar, encontrou uma
sociedade muito longe do esperado. Seu contato com o papa no começo de sua carreira e vindo
de uma família cristianizada, seu posicionamento radical contra a religiosidade pré-cristã foi
se acentuando com o decorrer de sua vida que até mesmo na morte, sua vontade foi apresentada
por meio do seu corpo no enterro. Na saga de Jóns é a pontado a divisão clara da sociedade
nos membros do cristianismo, com os não membros o qual não desejava nem se quer se
associar. Um claro exemplo do que buscávamos ao iniciar a pesquisa.
Þorlákr Þórhallsson, hoje é o santo padroeiro da Islândia. Não teve um posicionamento
tão radical como Jóns, apesar disso notamos sutilezas que levam a construção da identidade
cristã. A busca de uma unidade cristã dentro da família por meio do casamento, assim como a
ameaça de excomunhão levava ele a não apresentar na documentação uma postura tão rígida
como a do bispo Jóns. No seu leito de morte, diferente do Jóns, o bispo apresentou uma postura
mais branda. Apesar de não mudar sua opinião e posicionamento sobre as pessoas que
excomungou, ele deixa a possibilidade delas se reconciliarem com a Igreja, possibilitando
bases para um maior diálogo com a Igreja.
Por fim, o Guðmundr Arason foi dos três bispos o que mais se relacionou com a política
local. Não podemos afirmar que sua saga possuía elementos da religiosidade pré-cristã
91
intencionalmente ou os elementos pré-cristãos faziam parte do imaginário social de tal forma
que sua presença em milagres não era nem notada. Entretanto, podemos afirmar, que esses
elementos possivelmente influenciaram a aceitação do bispo no imaginário islandês. O bispo
Guðmundr construiu um posicionamento político forte, entrando em conflitos continuamente
com os goðar islandeses. O conflito contínuo em busca de demonstração de poder levou a ser
perseguido no final de sua vida, contudo, nos mostra a busca pelo crescimento do poder
político da Igreja na Islândia.
Os três bispos, nas três sagas estudadas, atuaram de formas diferentes para a construção
de uma identidade cristã na Islândia. Uma ilha que ainda possuía no seu imaginário coletivo
reminiscências do seu passado pré-cristão. Restando assim, a difícil tarefa de gerir uma
comunidade cristã com inúmeros resquícios não-cristãos. A melhor solução para essa árdua
tarefa ocorreu, sem podermos afirmar que voluntariamente, na assimilação de elementos da
religiosidade dos antepassados para o cristianismo.
A pesquisa não se encerra com o fim do mestrado e a mesma deixou algumas
indagações em aberto para possivelmente no futuro continuar-se a estudar. A documentação
analisada nessa dissertação é limitada devido ao tempo de um mestrado, existindo a
possibilidade de futuramente se expandir a mesma análise com uma documentação mais vasta
agregando análises de outras Byskupa sögur, para além das três analisadas aqui.
Outra possível continuação dessa pesquisa seria um estudo comparativo entre a
conversão Norueguesa e a Islandesa, como se desejava inicialmente ao adentrar-se no
programa da pós-graduação. Com mais tempo e parte da documentação já analisada, poderia
enriquecer o debate sobre o processo de conversão nas regiões mais periféricas da Europa,
como nesse caso a Escandinávia.
Por fim, uma terceira continuação dessa pesquisa está na possibilidade de análise das
influências do cristianismo inglês no cristianismo Norueguês e/ou Islandês. É bem provável
que elementos marcantes da religiosidade Inglesa tenham transpassado o mar e chegado as
terras geladas da Escandinávia por meio dos discursos clericais ou reais. Isso permite polir
algumas teorias levantadas durante essa pesquisa, mas o recorte documental não deixou
abertura para fazer tal estudo.
92
6. REFERENCIAS
6.1. Documentos:
ANÔNIMO. Guðmundar saga A. Traduzido por TURVILLE-PETRE, G. e OLSZEWSKA,
E.S. The Life of Gudmund the Good, Bishop of Hólar. Coventry: Viking Society for
Northern research, 1942.
ANÔNIMO. Guðmundar saga B. Traduzido por TURVILLE-PETRE, G. e OLSZEWSKA,
E.S. The Life of Gudmund the Good, Bishop of Hólar. Coventry: Viking Society for Northern
research, 1942.
ANÔNIMO. Hungrvaka. Traduzido por BASSET, Camilla. Tese. Medieval Icelandic Studies.
University of Iceland, 2013.
ANÔNIMO, Hungrvaka. Traduzido por VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL, F. In:
VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL, F. Origines Islandicae: A Collection of the
More Important Sagas and Other Native Writings Relating to the Settlement and Early History
of Iceland. Oxford: Clarendon, 1905.
ANÔNIMO, Jóns saga helga L. Traduzido por VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL,
F. In: VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL, F. Origines Islandicae: A Collection of
the More Important Sagas and Other Native Writings Relating to the Settlement and Early
History of Iceland. Oxford: Clarendon, 1905.
ANÔNIMO. Jóns Saga helga L. Traduzido por SIMPSON, Jacqueline. In: The Northmen
Talk: A choice of Tales from Iceland. University of Wisconsin Press, 1965.
ANÔNIMO, Jóns saga helga S. Traduzido por VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL,
F. In: VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL, F. Origines Islandicae: A Collection of
the More Important Sagas and Other Native Writings Relating to the Settlement and Early
History of Iceland. Oxford: Clarendon, 1905.
ANÔNIMO, Jarteinabók Þorláks biskups in forna. Traduzido por ROUGHTON, Philip G.
“AM 645 4to and AM 652 / 630 4to: Study and Translation of Two Thirteenth-Century
Icelandic Collections of Apostles’ and Saints’ Lives.” Tese, University of Colorado, 2002.
93
ANÔNIMO. Þorláks saga biskups A. Traduzido por LEITH, Mary Charlotte Julia In: Stories
of the Bishops of Iceland London: Masters, 1895.
ANÔNIMO, Þorláks saga biskups A. Traduzido por VIGFUSSON, Gudbrand e YORK
POWELL, F. In: VIGFUSSON, Gudbrand; YORK POWELL, F. Origines Islandicae: A
Collection of the More Important Sagas and Other Native Writings Relating to the Settlement
and Early History of Iceland. Oxford: Clarendon, 1905.
ANÔNIMO, Þorláks saga biskups B. Traduzido por LEITH, Mary Charlotte Julia. In: Stories
of the Bishops of Iceland London: Masters, 1895.
ANÔNIMO, Þorláks saga biskups C. Traduzido por CORMACK, Margaret. Better Off Dead:
Approaches to Medieval Miracles. In: DUBOIS, Thomas (ORG.) Sanctity in the North:
Saints Lives, and Cults in Medieval Scandinavia. Toronto: University of Toronto Press
Incorporated, 2008.
ANÔNIMO, Oddaverjaþáttr. Traduzido por VIGFUSSON, Gudbrand e YORK POWELL, F.
In: VIGFUSSON, Gudbrand; YORK POWELL, F. Origines Islandicae: A Collection of the
More Important Sagas and Other Native Writings Relating to the Settlement and Early History
of Iceland. Oxford: Clarendon, 1905.
ANÔNIMO. Oddaverjaþáttr. In: Byskupa Sögur I, ed. Guðni Jónsson,
Íslendingasagnaútgjáfan, 1953.
ANÔNIMO. Íslendingabók — Kristni Saga, The Book Of The Icelanders — The Story Of The
Conversion. In: Viking Society for Northern Research, Vol. XVIII, 2006. (tradução e notas
de GRØNLIE. Siân)
6.2. Literatura:
AMALVI, Christian. Idade Média. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (ORG.).
Dicionário temático do Ocidente medieval. Bauru: EDUSC, 2006.
ABRAMS, Lesley. Diaspora and Identity in the Viking Age. In: Early Medieval Europe. No.
20 (I). Blackwell Publishing Ltd., 2012.
94
ANDRÉN, Anders. Behind Heathendom: Archaeological Studies of Old Norse Religion. In:
Scottish Archaeological Journal. Vol 27(2). 2005. p. 105-138
ÁRNASON, Unnar. “Hvervar Jón Ögmundsson?”Vísindavefurinn, 2003. Disponível em:
http://www.visindavefur.is/svar.php?id=3546. Acessado em 15/01/2013.
BARNES, Michael P. The Scandinavian Languages in the Viking Age. In: BRINK, Stefan;
PRICE, Neil. The Viking World. New York. Routledge, 2008.
BAGGE, Sverre. A Hero between Paganism and Christianity. Hakon the Good in Memory and
History. In: HOFF, Karin et al (org.). Poetik und Gedächtnis. Festschrift für Heiko
Ueckerzum 65. Frankfurt: Lang, 2004. p. 185 – 210.
______________. Christianization and State Formation in Early Medieval Norway. In:
Scandinavian Journal of History. No. 30. 2005. p. 107 – 134.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
_____________. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006.
BARLETT, Robert. From paganism to Christianity in medieval Europe. In: BEREND, Nora.
Christianization and the rise of Christian Monarchy: Scandinavia, Central Europe and Rus’
c. 900 – 1200. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 47 – 72.
BYOCK, Jesse L. Introduction. In: ANÔNIMO. The Saga of King Hrolf Kraki. London:
Penguin Books, 1998.
BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. São Leopoldo: Editora unisinos, 2013
BOYER, Régis. Les Vikings: Histoire et civilisation. Paris: Perrin, 2004.
BRINK, Stehan. Introduction. In: BRINK, Stefan; PRICE, Neil. The Viking World. New
York. Routledge, 2008. p. 1-4
DURHAM, Keith. Viking Longship. Oxford: Osprey Publishing, 2002.
EGILSDÓTTIR, Ástir. The fantastic reality: Hagiography, miracles and fantasy. : In: 13th
International Saga Conference. Durham: University of Durham, 2006.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
95
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
FORTES, Carolina Coelho. O conceito de Identidade: considerações sobre sua definição e
aplicação ao estudo da História Medieval. In: Revista Mundo Antigo. Ano II, V. 2, N° 04,
Dezembro, 2013.
GARIPZANOV. Ildar. Introduction: Networks and Conversion, cultural Osmosis, and
Identities in the Viking Age. In: GARIPZANOV, Ildar (org.). Conversion and Identity in the
Viking Age. Brepols Publishers, 2014.
GRØNLIE. Siân. Miracles, Magic and Missionaries: The Supernatural in the Conversion
þættir. In: 13th International Saga Conference. Durham: University of Durham, 2006.]
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido
pela Inquisição. São Paulo: Cia. Das Letras, 1987.
HOLMAN, Katherine. Historical Dictionaries of the Vikings. Oxford: The Scarecrow Press
Inc., 2003.
JACKOBSSON, Ármann. Royal Biography. In: MCTURK, Rory. A companion to Old Norse-
Icelandic Literature. Oxford: Blackwell Publishing, 2005.
_____________________. Food and the North-Icelandic Identity in 13th Century Iceland and
Norway. In: JAKOBSSON, Sverrir (org.). Images of the North: Histories – Identities – Ideas.
2009. p. 69-79.
JUNIOR, Hilário Franco. O fogo de Prometeu e o Escudo de Perseu. Reflexões sobre
mentalidade e imaginário. In: Signum – Revista da ABREM. São Paulo: ABREM, nº 5, 2003.
LANGER, Johnni. Revelando a religiosidade Viking. Saeculum (UFPB), v. 12, p. 167-171,
2005.
_____________. O mito do dragão na Escandinávia (parte dois: as Eddas e o sistema
ragnarokiano). Brathair. 7(1), 2007.
_____________. Na trilha dos Vikings: estudos de religiosidade nórdica. João Pessoa:
Universidade Federal da Paraíba, 2015.
LE GOFF, Jacques. Maravilhoso In: LE GOFF, Jacques, SCHMITT, Jean-Claude (Org.),
96
Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Bauru, SP:Edusc, 2006.
_________________. Heróis e maravilhas da Idade Média. Petrópolis: Editora Vozes. 2011.
_________________. História e Memória. Campinas: Editora Unicamp, 2003
_________________. O Maravilhoso e o quotidiano no ocidente medieval. Portugal: Lugar
da História, 2010.
LEITE, Francisco Benedito. Mikhail Mikhailovich Bakhtin: breve biografia e alguns
conceitos. Revista Magistro, Rio de Janeiro, v. 1, n.1, p.43-63, 2011.
LÖNNROTH, Lars. The Icelandic Sagas. In: BRINK, Stefan; PRICE, Neil. The Viking
World. New York. Routledge, 2008.
MUNDAL, Else. The treatment of the supernatural and the Fantastic in Different Saga Genres.
13th International Saga Conference. Durham: University of Durham, 2006.
MCCREESH Bernadine. Elements of the Pagan Supernatural in the Bishops' Sagas. In: 13th
International Saga Conference. Durham: University of Durham, 2006
NOCK, Arthur Darby. Conversion. The Old and the New in Religion from Alexander the
Great to Augustine of Hippo. Oxford, 1933.
NORDEIDE, Sæbjørg Walaker. The Christianization of Norway. In: Medieval Europe Paris:
4th International Congress of Medieval and Modern Archaeology, 2007
ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. Campinas: Papirus
Editora, 1998.
ÓSKARSDÓTTIR, Svanhildur. Introduction. In: ANÔNIMO. Egil's Saga. London: Penguin
Books, 2004.
PÁLSSON, Hermann; EDWARDS, Paul. Introduction In: ANÔNIMO. Eyrbyggja Saga
London: Penguin Books, 1989.
PRICE, Neil. Sorcery and circumpolar traditions, in Old Norse belief. In: In: BRINK, Stefan;
PRICE, Neil. The Viking World. New York. Routledge, 2008. p. 244-249
RUSSELL, James C. The Germanization of Early Medieval Christianity. A socio-historical
97
approach to religious transformation. Oxford, 1994.
ROSS, Margaret Clunies. The realism and the Fantastic in the Old Icelandic Sagas. In:
Scandinavian Studies. Vol. 74, No 4, 2002. p. 443. Disponível em:
http://www.jstor.org/stable/40920399. Acessado: 25/11/2012.
SANMARK, Alexandra. Power and conversion – A comparative study of christianization In
Scandinavia. 2004. 320 f. Tese (Ph. D. Pelo Departamento de Arqueologia e História Antiga)
– Uppsala University, 2004.
SELF, Kathleen M. – Remembering our violent conversion. In: ELSEVIER. Vol. 40, 2010.
Disponível em: www.elsevier.com/locate/religion.
SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu
(org.). Identidade e diferença, A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Editoras
Vozes, 2000.
SMILEY, Jane. Introduction. In: ÖRNÓLFUR, Thorrson (org.).The Sagas of Icelanders.
London: Penguin Books, 2000.
SUDQVIST, Olof. Cult leaders, rulers and religion. In: BRINK, Stefan; PRICE, Neil. The
Viking World. New York. Routledge, 2008. p. 223-226
STRÖMBACK, Dag. The Convertion of Iceland: A survey. London: University College
London. 1975.
TODOROV, Tzevetan. O medo dos Bárbaros: Para além do choque das civilizações.
Petrópolis: Editora Vozes, 2010.
VÉSTEINSSON, Orri. The Christianization of Iceland: Priests, Power and social Change
1000 – 1300. Oxford: Oxford University Press. 2000
WESBSTER, Merriam. Webster’s Encyclopedic Unabridged Dictionary of the English
Language. New York: Gramercy Books, 1989.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:
SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Identidade e diferença, A perspectiva dos Estudos Culturais.
Petrópolis: Editoras Vozes, 2000.
98
WOLF, Kirsten. The Legends of the Saints in Old Norse-Icelandic Prose. Toronto:
University of Toronto Press, 2013.
_____________. Pride and Politics in Iceland: Þorlákr þórhallsson. In: DUBOIS, Thormas
Andrew (org.). Sanctity in the North: Saints, Lives and Cults in Medieval Scandinavia. 2008.
99
ANEXOS
1.Lista Dos Primeiros Bispos Islandeses
Skálholt Hólar
1056 Ísleifur Gissurarson
1080
1082 Gissur Ísleifsson
1106
1118 St. Jón Ögmundsson
1121 Þorlákr Runólfsson
1122
1133 Ketill Þorsteinsson
1134
1145 Magnús Einarsson
1147
1148 Björn Gilsson
1152
1162 Klængur Þorsteinsson
1163
1176
1178 Brandur Sæmundsson
1193
1201 St. Þorlákr Þórhallsson
1203
1211 Guðmundur góði Arason
1216 Magnús Gissurarson
1237