Identidades Formadoras em Enfermagem: Novos académicos em novos ambientes do Ensino Superior.

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Identidades Formadoras em Enfermagem: Novos académicos em novos ambientes do Ensino Superior 1 Amélia Lopes, Ilda Lima, Fátima Pereira, Leanete Thomas Dotta, Elisabete Ferreira e Rita Sousa Introdução Nos últimos anos, com o desenvolvimento da sociedade e do conhecimento, e nomeadamente com o impacto desses desenvolvimentos nas universidades e no ensino superior em geral, tornou-se cada vez menos aceitável a insensibilidade da formação inicial de profissionais ao mundo da prática profissional. Esta mudança de perspetiva sobre o significado da qualidade do ensino superior pode trazer vantagens especiais para se pensar a formação inerente às ditas “profissões práticas”, ou seja, aquelas sobre as quais se diz, mesmo quando a formação inicial existe, que só a prática é efetivamente formadora, e também aquelas em que reiteradamente se fala de “choque da realidade” no período de inserção profissional efetiva. Não é por acaso que estas profissões práticas” são também aquelas em que a capacidade profissional está especialmente dependente de caraterísticas pessoais de diversa índole, ou seja, de um tipo de saber que, numa larga extensão, não corresponde ao saber académico tradicional. São normalmente profissões centradas na interação humana e em que a capacidade profissional depende em grande parte, mas não só, da competência interacional, enquanto parte integrante do “conhecimento profissional”. Entre estas profissões, as profissões de ajuda, do cuidado ou sociais nomeadamente a enfermagem, o ensino e o serviço social fazem desafios especiais aos profissionais e seus formadores, entre outros, porque, nelas, os problemas persistentes das estruturas sociais e as relações sociais de poder (Hugman, 2005) se cruzam, a maior parte das vezes, com expetativas e motivações pessoais idealizadas e pouco elaboradas (Sommers-Flanagan & Sommers-Flanagan, 2007). A fragilidade destas expectativas e motivações, ou a sua fragilização progressiva no decurso da socialização profissional, decorre, em grande parte, de um processo 1 Citar como: Lopes, A., Lima, I., Pereira, F., Thomas Dotta, L., Ferreira, E. & Sousa, R. (2013). Identidades Formadoras em Enfermagem: Novos académicos em novos ambientes do Ensino Superior. In V. Fartes, T. Caria & A. Lopes, Saber e formação no trabalho profissional relaciona, (pp. 165-186). Salvador/BA: EDUFBA

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Identidades Formadoras em Enfermagem: Novos académicos em

novos ambientes do Ensino Superior1

Amélia Lopes, Ilda Lima, Fátima Pereira, Leanete Thomas Dotta, Elisabete Ferreira e

Rita Sousa

Introdução

Nos últimos anos, com o desenvolvimento da sociedade e do conhecimento, e

nomeadamente com o impacto desses desenvolvimentos nas universidades e no ensino

superior em geral, tornou-se cada vez menos aceitável a insensibilidade da formação

inicial de profissionais ao mundo da prática profissional.

Esta mudança de perspetiva sobre o significado da qualidade do ensino superior

pode trazer vantagens especiais para se pensar a formação inerente às ditas “profissões

práticas”, ou seja, aquelas sobre as quais se diz, mesmo quando a formação inicial existe,

que só a prática é efetivamente formadora, e também aquelas em que reiteradamente se

fala de “choque da realidade” no período de inserção profissional efetiva.

Não é por acaso que estas “profissões práticas” são também aquelas em que a

capacidade profissional está especialmente dependente de caraterísticas pessoais de

diversa índole, ou seja, de um tipo de saber que, numa larga extensão, não corresponde

ao saber académico tradicional. São normalmente profissões centradas na interação

humana e em que a capacidade profissional depende em grande parte, mas não só, da

competência interacional, enquanto parte integrante do “conhecimento profissional”.

Entre estas profissões, as profissões de ajuda, do cuidado ou sociais –

nomeadamente a enfermagem, o ensino e o serviço social – fazem desafios especiais aos

profissionais e seus formadores, entre outros, porque, nelas, os problemas persistentes

das estruturas sociais e as relações sociais de poder (Hugman, 2005) se cruzam, a maior

parte das vezes, com expetativas e motivações pessoais idealizadas e pouco elaboradas

(Sommers-Flanagan & Sommers-Flanagan, 2007).

A fragilidade destas expectativas e motivações, ou a sua fragilização progressiva

no decurso da socialização profissional, decorre, em grande parte, de um processo

1 Citar como: Lopes, A., Lima, I., Pereira, F., Thomas Dotta, L., Ferreira, E. & Sousa, R. (2013).

Identidades Formadoras em Enfermagem: Novos académicos em novos ambientes do Ensino Superior. In

V. Fartes, T. Caria & A. Lopes, Saber e formação no trabalho profissional relaciona, (pp. 165-186).

Salvador/BA: EDUFBA

histórico, ainda patente nas estruturas de ação, que resultou intencionalmente na sua

subordinação, através da divisão do trabalho, em termos sociais, sexuais e científicos.

As transformações sociais, e suas novas exigências, e a evolução sofrida na

compreensão dos processos de profissionalização colocaram algumas destas profissões

num fortíssimo processo de profissionalização – como são os casos do ensino e da

enfermagem, nomeadamente em Portugal - através de um discurso centrado em modelos

profissionais de formação, ou seja, tendentes a valorizar os campos da ação e os

profissionais.

A progressiva elevação dos graus académicos conferidos pela formação inicial,

nomeadamente a passagem de bacharelato (3 anos em escolas não superiores) a

licenciatura (4 anos em escolas superiores), foi um dos passos mais visíveis nesse

processo, a que se associam novas perspetivas sobre a formação profissional enquanto

primeira etapa do desenvolvimento profissional e enquanto fundadora da primeira

identidade profissional.

O centro do debate sobre a formação de profissionais de ajuda coloca-se, a partir

daí, na junção destes dois movimentos, a que corresponde um esforço de melhoria,

simultaneamente, da dimensão científica e da dimensão profissional (ou vocacional) da

formação. Os desafios recentes lançados ao Ensino Superior, não apenas no que

concerne à componente pedagógica do processo de Bolonha, mas também no que

respeita ao seu ordenamento jurídico, fizeram com que este núcleo central do debate

tivesse uma tradução mais nítida na carreira dos formadores, que devem agora conciliar

de forma mais clara o esforço formativo com a produção e publicação de conhecimento

no seu campo de atividade.

O interesse do estudo das identidades dos formadores em contextos de formação

inicial de professores ou de enfermeiros encontra aqui a sua razão de ser e vê-se

aumentado se tivermos em conta que a questão que lhe está subjacente assume

claramente o lugar de caso exemplar em relação a todas as transformações a ocorrerem

no ensino superior, e portanto também em relação à construção de alternativas fortes ao

discurso hegemónico da mudança e respetiva fabricação de “identidades oficiais” (Lawn,

2001).

O projeto “Formação inicial de profissionais de ajuda e identidades dos

formadores: o caso do ensino e da enfermagem”2, que se desenvolve como um estudo

multicasos, pretende contribuir para essa construção comparando os dois casos e

identificando, para cada um, dispositivos de formação e de desenvolvimento

profissional que respondam ao desafio que a problematização apresentada coloca. Ao

mesmo tempo produz-se conhecimento sobre as profissões de ajuda e identificam-se

particularidades da experiência portuguesa por relação com a produção científica

internacional sobre as identidades dos formadores.

Neste texto apresentam-se e discutem-se dados exploratórios relativos às

identidades dos formadores em Enfermagem, recolhidos com o objetivo de informar

uma recolha de dados posterior mais abrangente, mas também de inserir, de início, a

experiência portuguesa no debate da produção científica internacional, permitindo

identificar eixos centrais de análise.

O texto que se segue organiza-se em quatro partes, relativas ao quadro teórico,

ao contexto e à metodologia, à análise dos dados e à discussão dos resultados.

Quadro teórico-concetual

O que se quer dizer quando se diz identidades dos formadores? Uma revisão da

literatura relativa às identidades dos formadores em Enfermagem permite-nos

identificar questões em análise e, de forma associada, conceitos e teorias capazes de ler,

e heuristicamente abrir soluções para, essas questões. Duas das questões mais abordadas

referem-se à passagem de uma identidade clínica (prática) a uma identidade

formadora/investigadora (por exemplo, Boyd, 2010; Andrew & Robb, 2011; Janhonena

& Sarjab, 2005), e às relações estabelecidas entre os diversos tipos de formadores

(professores, tutores, etc.) que integram o espaço formativo (por exemplo, Conway e

Elwin, 2006; Janhonena & Sarjab, 2005; Pinho, 2010). Estas questões permitem, desde

logo, considerar, na problematização da identidade dos formadores em enfermagem,

uma dimensão biográfica (a primeira) e uma dimensão relacional (a segunda), sendo a

formação da identidade de formador fruto da conjugação das duas.

São exatamente estas as duas dimensões abordadas por Claude Dubar (1997,

2006) quando define a construção da identidade profissional como “dupla transação”.

Dupla porque congrega duas transações: a subjetiva ou biográfica, do indivíduo consigo

2 Projeto financiado pela FCT/FEDER/COMPETE

próprio, entre o que tem sido e o que vai ser ou quer ser; e a relacional ou objetiva entre

o que ele é e quer ser e aquilo de que o contexto (definido sobretudo em termos

relacionais e semânticos) dispõe, ou não, para “oferecer” ao indivíduo. Wenger (1998),

autor mais frequentemente referido nos estudos sobre as identidades dos formadores em

Enfermagem, vai ao encontro desta perspetiva quando afirma que a construção da

identidade de uma pessoa é um processo que traduz a importância das experiências

adquiridas como membro de diferentes comunidades sociais.

A experiência vivida nas diferentes comunidades pode realizar-se de forma que

os desejos e as representações individuais vão ao encontro das possibilidades e desafios

dos sistemas relacionais dos contextos, ou pelo contrário. Se no primeiro caso o

processo identitário se dá por soluções de continuidade, no segundo ele implica rupturas,

mesmo que de forma transitória.

Também para Wenger (ibid.) como para Claude Dubar (ibid.), a identidade (já

não como processo, mas como produto) diz respeito ao modo como os indivíduos se

definem a si próprios em termos de diferença e similaridade, ou seja, em termos de

identificação e diferenciação, através da transação relacional, ou seja, nas relações com

os outros.

As identificações e diferenciações estabelecem-se, a um primeiro nível, através

das interações concretas estabilizadas num determinado lugar, preenchido de práticas,

interpretações e relações, no qual o indivíduo se posiciona de forma situada, tendo em

conta autoatribuições e heteroatribuições. A identidade situada, nos termos de Hewitt

(1991) e de Wiley e Alexander (1987), refere-se ao modo como a identidade pessoal e

as diferentes identidades sociais da pessoa se organizam em função de uma situação

concreta, recheada de parceiros concretos, provocando identificações e diferenciações,

confirmações ou novos desafios.

Entretanto, nenhuma situação - suas práticas, interpretações e desafios - é

independente dos contextos mais latos em que se insere. Daí que a identidade

profissional, e a construção da identidade profissional, não seja independente, do ponto

de vista sincrónico, mas também do ponto de vista diacrónico, dos modelos culturais,

das políticas específicas para campo, das estruturas sociais que se relacionam com a

atividade profissional ou a qualificação para ela e das outras identidades sociais da

pessoa (origem social, género e outros papéis).

A identidade profissional e a construção da identidade profissional são, por isso,

constructos ecológicos (Lopes, 2008, 2009). Ao dizer-se ecológico, faz-se efetivamente

referência à ecologia do desenvolvimento humano de Urie Bronfenbrenner (1979), quer

no que respeita à constituição, quer no que respeita à dinâmica (interacional, intra e

entre subssistemas) do sistema ecológico e ao papel dos cenários e do indivíduo. Daqui

que as transições ecológicas, sejam também transições de identidade.

Metodologia

O estudo empírico exploratório foi realizado em Portugal, numa Escola Superior

de Saúde (ESS) integrada num Instituto Superior Politécnico e incidiu no Curso de

Licenciatura em Enfermagem (CLE).

Com o objetivo de informar uma recolha de dados posterior mais abrangente, mas

também de inserir, de início, a experiência portuguesa no debate da produção científica

internacional, permitindo identificar eixos centrais de indagação a serem elaborados,

foram recolhidos dados através de entrevistas a informantes chave - Presidente do

Conselho Pedagógico, Diretor de Curso, Diretor de Escola, Presidente da Comissão

Técnico-Científica e Presidente da Associação de Estudantes - e de três grupos focais –

dois com formadores e outro com estudantes dos diferentes anos do CLE.

As entrevistas foram desenvolvidas como entrevistas semi diretivas e tinham por

objetivo específico permitir que o informante desse conta das suas

perspectivas/sentimentos sobre o curso/escola/instituto em função das funções/cargo

que exercia. O guião da entrevista foi organizado em cinco blocos temáticos:

Tema inicial - A pessoa no cargo: sentimentos iniciais, percurso e visões

Perspectivas sobre o curso/escola: forças, fragilidades, constrangimentos e

oportunidades

Caracterização do ambiente da formação: em geral, os estudantes e as suas

relações; os formadores e as suas relações; a relação formadores estudantes

Visões sobre a relação entre a teoria e a prática, entre a escola e os contextos de

trabalho (seus responsáveis e formadores), e sobre a formação nas práticas

Perspectivas sobre o trabalho dos formadores entre a formação e a investigação:

exigências atuais, efeitos na formação, impacto no quotidiano dos professores.

O grupo focal é um meio de investigação que teve a sua origem nos estudos de

marketing (Morgan, 1988), assumiu depois grande importância na área da saúde e, nas

últimas décadas, ganhou grande relevo nas ciências sociais e humanas (Gatti, 2005).

Podendo ser também um meio de intervenção, na medida em que se centra na interação

e na conversação, ou seja, na medida em que as perspetivas individuais e de grupo se

tornam explícitas (e se podem transformar) através da discussão, o grupo focal foi aqui

usado como meio de investigação. O facto de o grupo focal se centrar na discussão e

interação a propósito de temas partilhados, de uma forma ou de outra, pelos

participantes, pesou grandemente na escolha da sua utilização como meio de recolha de

dados exploratórios sobre as identidades em formação. Como afirmam Leclerc,

Bourassa, Picard e Courcy (2011) a facilitação de trocas espontâneas e a criação de um

espaço de intersubjetividade são duas das vantagens do uso dos grupos focais na

investigação em ciências sociais e humanas. Possuir discursos produzidos em

conversação permitiria atingir alguns dos eixos centrais através dos quais podem variar

as atribuições de identidade no contexto em estudo.

A realização de grupos focais com formadores, por um lado, e com estudantes, por

outro, quando é de identidades de formadores que se trata, pretende exatamente captar a

perceção dos estudantes sobre os formadores, as suas relações, a formação e as

instituições em que ela tem lugar.

Nos grupos focais de formadores participaram, num total de 7 elementos em cada

um, professores regentes de unidade curricular (enfermeiros e não enfermeiros; com

contrato a tempo parcial ou integral), gestores pedagógicos (assistentes enfermeiros

contratados a tempo inteiro e contratados a tempo parcial) com funções mais destinadas

para a orientação do estudante no practicum, e enfermeiros tutores do contexto

profissional, que prestam cuidados às pessoas sãs ou doentes e, simultaneamente,

orientam os estudantes no ensino prático.

O grupo focal de estudantes contou com 8 elementos a frequentarem os 1º, 2º, 3º e

4º anos do Curso de Licenciatura em Enfermagem (CLE).

Nos três casos, o desenvolvimento do grupo focal, que contou com a presença do

moderador e de um assessor do moderador, obedeceu ao mesmo guião, organizado nos

seguintes eixos de discussão:

Tema inicial: o melhor e o pior do curso

Ambiente de trabalho entre professores, entre professores e estudantes e entre

estudantes

Relações teoria e prática no quadro geral das características do ensino e da

aprendizagem.

Para o terceiro eixo de discussão, usou-se a técnica “The Wall” (Korthagen, 1992), tendo os

participantes sido confrontados com as seguintes frases, sobre as quais lhes foi solicitado que

escolhessem a mais importante para si e/ou acrescentassem outras.

Um bom aluno é um bom enfermeiro

Dominar os aspectos teóricos é fundamental

Só na prática se aprende a ser enfermeiro

Para formar enfermeiros(as), é fundamental ter sido enfermeiro

É nas actividades de ensino clínico/simulação que os estudantes se formam para

o exercício profissional

Para ensinar necessito de investigar

Os futuros profissionais devem aprender a investigar

Formar enfermeiros é uma oportunidade para salvar vidas

Análise de dados

O tratamento dos dados obedeceu à “análise em discurso” (Lopes & Pereira,

2012) e realizou-se com apoio do Software NVivo9. A “análise em discurso” é um tipo

de análise que tecnicamente corresponde à análise de conteúdo, mas em que, para

decisões de codificação e interpretação, os enunciados são tomados como discursos, ou

seja, como inseridos em, e expressivos de, relações sociais e interpessoais.

Para tratamento e análise, os dados foram tomados na sua globalidade, ou seja,

independentemente da fonte que lhes deu origem e também do tipo de formação em

estudo. Assim, tinha-se por objetivo construir indutivamente um sistema de codificação

passível de enquadrar todos os enunciados produzidos, permitindo identificar por

comparação, dimensões presentes e ausentes nos discursos produzidos no âmbito de um

ou outro tipo de formação ou por um tipo ou outro de sujeitos dentro de cada tipo de

formação.

A indagação sobre as identidades teve por base essa possibilidade e obedeceu às

seguintes questões de pesquisa: Quem fala, ou não, numa dada categoria? O que diz?

Como se relacionam os discursos dos diversos participantes?

A codificação incluiu, por isso, as caraterísticas de partida do autor de um

determinado enunciado - formador (regente, tutor e gestor pedagógico), estudante,

ocupante de cargo dirigente e tipo de cargo - mas também outras variáveis que tinham

aparecido com probabilidade de relevância na leitura flutuante: qualificação académica,

tipo de regência (por exemplo, da área da enfermagem ou das ciências sociais), no caso

dos regentes; tipo de vínculo à escola (externo, interno, percentagem de tempo de

dedicação), idade e sexo. No caso dos estudantes considerou-se o ano de frequência do

curso e o sexo.

Na Figura 1 apresenta-se o sistema de codificação emergente da análise.

Figura 1 – Sistema de codificação

A dimensão “profissão” descreve as “visões sobre a profissão de enfermagem” e

as “visões sobre as condições atuais do exercício da profissão”. A dimensão

“instituição” descreve as perspetivas sobre a instituição (Escola ou Instituto) salientando

os “modos de liderança”, as “políticas de formação”, a “garantia da qualidade” e as

“mais valias e os constrangimentos institucionais”. A dimensão “currículo” inclui as

perceções sobre a “organização do currículo”, o “desenvolvimento do currículo”, as

“componentes teórica, prática e sua articulação” e, também, sobre a “avaliação”. A

dimensão “formadores” carateriza as qualidade dos formadores e integra as suas

“caraterísticas” e as suas “relações”. O mesmo acontece com a dimensão”estudantes”.

Finalmente, a dimensão “formação” descreve o modelo de formação, enfatizando as

“relações de formação” nos diferentes espaços de ensino e aprendizagem e os principais

“princípios orientadores”.

Descrição qualitativa

Na dimensão “profissão”, os sujeitos sublinham tanto mais a importância da

enfermagem como profissão quanto mais próximos estão da instituição de formação (os

regentes valorizam-na mais), quanto mais elevada é a sua qualificação e quanto mais os

cargos que ocupam implicam a componente científica. Os regentes e os estudantes (de

maneiras diferentes) sublinham a importância de, na formação, se terem em conta as

especificidades da profissão como profissão. Os tutores referem-se mais à

profissionalidade ou ao trabalho enfermeiro e menos à profissão.

As condições atuais do exercício da profissão são sublinhadas sobretudo por

dirigentes, tutores e estudantes. Os dirigentes e os estudantes estão preocupados com o

desemprego, a flexibilidade do emprego e a necessidade de formar para o

empreendedorismo. Os tutores e gestores pedagógicos e os dirigentes estão preocupados

com o aumento do rácio enfermeiro / utente nos locais de trabalho, que retira

disponibilidade para orientar adequadamente os estudantes, e falam de novos mercados

e novas áreas privilegiadas da enfermagem.

Na dimensão “instituição” pronunciam-se sobretudo dirigentes, estudantes e

práticos. A escola, dizem os dirigentes e os práticos, tem por política investir na

formação avançada dos seus docentes, apostar nas parcerias com os contextos práticos e

numa formação que sublinha o desenvolvimento cognitivo, técnico e sócio-relacional.

A visão da escola é muito positiva: todos os formadores sublinham a qualidade

da formação (nomeadamente a importância dada ao desenvolvimento relacional) que é

reconhecida a nível nacional e internacional. O número de docentes doutorados, a

proximidade dos contextos da prática, a boa relação entre docentes, funcionários,

estudantes e dirigentes e a excelência dos serviços académicos são mais-valias da escola

identificadas sobretudo por dirigentes mas também por estudantes. O maior

constrangimento, identificado por dirigentes, estudantes e práticos, diz respeito à

intensificação do trabalho e respetiva falta de tempo ou sobrecarga. Os dirigentes

referem-se ainda ao facto de a formação não estar integrada na universidade e à

ausência de um centro de investigação próprio em que os seus formadores se integrem.

Em geral dirigentes e práticos enfatizam a qualidade da componente prática do

currículo na sua vertente reflexiva, crítica, de adequação à vida real e de planeamento.

Quando apontados, os aspetos negativos da componente prática dizem sempre respeito à

necessidade de mais prática ou a uma melhor organização da componente prática do

currículo. A dialetica entre a teoria e a prática ocupa os quadrantes positivos, sendo

sublinhada por dirigentes e práticos. A avaliação, de pendor sumativo e tradicional

ocupa os quadrantes negativos, sendo referida por dirigentes e estudantes.

Os estudantes referem-se negativamente aos horários, aos lugares de estágio

(dispersão), ao excesso de trabalho exigido em algumas disciplinas e ao número elevado

de estudantes nas aulas teóricas.

No que respeita à “organização do currículo” o debate centra-se na duração e

adequação do plano de estudos, umas vezes considerado ajustado (formadores mais

velhos) e outras desajustado, relevando-se o excesso de carga horária (dirigentes) e a

duração demasiado curta (estudantes).

A dimensão “formação” é aquela em que os enunciados dos diversos tipos de

participantes são mais consensuais. Os dirigentes acreditam que o modelo de formação

da escola é adequado, pertinente e ajustado e que promove uma formação credível,

holística e com qualidade reconhecida. Acreditam que o corpo docente é de qualidade,

demonstra competências pedagógicas, é dedicado e está motivado. Referem que as

relações estabelecidas são boas e promovem a aprendizagem, demonstrando

preocupação com um certo paternalismo que por vezes se evidencia e que pode inibir a

autonomia dos estudantes,

Os práticos referem que o modelo de formação da escola é adequado, pertinente

e ajustado e que promove uma formação credível, holística e com qualidade

reconhecida. Valorizam e entendem como mais-valias da formação promovida na escola

que o ensino seja feito por docentes enfermeiros. No corpo docente, realçam a

responsabilidade no ensino, a preocupação e o compromisso com a aprendizagem, a

acessibilidade e a disponibilidade para o acompanhamento e apoio aos estudantes.

Referem também a existência de excesso de paternalismo que inibe a autonomia, e a

falta de tempo para acompanhamento dos estudantes.

Os estudantes valorizam a formação prestada pela escola, referindo como mais

valias a dimensão do ‘cuidar’, a preocupação com uma formação integral, com a

aquisição de todos os tipos de competências (conhecimentos, habilidades técnicas e

atitudes), a promoção da reflexividade e do pensamento crítico e do espírito de grupo.

Reconhecem que efetuam mais aprendizagem para além das do currículo e que se

promovem suficientes oportunidades práticas. Relativamente ao corpo docente, são

bastante positivos: referem que os docentes são dedicados, atenciosos e prestáveis, que

se preocupam com os estudantes, demonstram interesse pelo seu desenvolvimento e

seus problemas, que têm disponibilidade e são acessíveis. Valorizam o facto de o ensino

ocorrer com docentes enfermeiros, pois os professores enfermeiros têm maior noção das

reais necessidades de formação e estabelecem melhor a ligação da teoria à prática.

Referem ainda que existe um ambiente propício à criação de boas relações e que as

relações entre os professores e os estudantes são de proximidade, embora possam existir

conflitos. Referem também o excesso de paternalismo.

São sobretudo os dirigentes e os estudantes que caraterizam os “formadores”, ou

seja, falam sobre os formadores aqueles que o não são. Os dirigentes insistem na

existência de um corpo docente qualificado e empenhado na melhoria (científica) e na

imagem exterior da escola. Os estudantes incidem em aspetos com impacto na

qualidade da sua formação: a articulação entre disciplinas, a carga de trabalho exigida

em cada uma, a existência de dois grupos de docentes: um aberto a novas ideias e

metodologias e mais próximo da prática e outro mais conservador a que chamam “a

velha escola”. Já sobre as relações entre formadores são sobretudo os próprios

formadores que se pronunciam. Os aspetos negativos referem-se à falta de

disponibilidade uns para os outros devido à intensificação do trabalho, à existência de

competição e à falta de parceria entre pares. De resto, a diferença entre os discursos dos

diversos formadores é paralela à sua progressiva distância em relação à escola de

enfermagem, discursos marcados pela posição ocupada no modelo de formação. O

discurso sobre os formadores é, então, atravessado por questões associadas à gestão da

prática, à vivência do trabalho (intensificado) e à articulação entre disciplinas.

Na dimensão “estudantes”, verifica-se que todos os participantes produziram

enunciados que caracterizam os estudantes e as suas relações. Os práticos valorizam a

sua bagagem, a sua capacidade relacional e autonomia. As caraterísticas negativas são

apontadas também por regentes e são relativas a desmotivação, imaturidade, falta de

competências relacionais e competição. Os dirigentes falam da mudança dos perfis do

estudante da escola e da sua heterogeneidade. Referem-se à existência de dificuldades

dos estudantes na transição para o ensino superior, mas também às suas capacidades

reflexivas, à sua maturidade face à avaliação e à sua capacidade de participação na

escola. Os estudantes valorizam a sua capacidade de entreajuda e lamentam a falta de

cultura de autonomia e participação entre os estudantes. Quando se trata de caraterizar

as relações entre os estudantes, as referências positivas (de dirigentes, formadores e

estudantes enfatizam a cooperação, a entreajuda e a solidariedade. As de caráter

negativo falam de competição, intriga e conflito, sobretudo por relação com a avaliação.

Discussão

O cruzamento da descrição realizada para cada uma das dimensões em análise, a

sua articulação com aspetos nucleares da investigação atual sobre a identidade dos

formadores e os objetivos da pesquisa mais abrangente em que este estudo se situa

permitem, de entre os diversos aspetos pertinentes, eleger os seguintes: a identidade da

formação em enfermagem; políticas neoliberais e a identidade da formação em

enfermagem; a identidade da formação em enfermagem e as identidades dos formadores.

Identidade da formação em enfermagem

No cruzamento dos discursos de todos os participantes, a formação oferecida na

ESS em estudo emerge consensualmente reconhecida como sendo de grande qualidade,

o que aliás vai ao encontro de informações objetivas obtidas sobre a instituição, que

possui efetivamente uma excelente reputação aos níveis nacional e internacional. Os

dirigentes e os formadores em geral definem essa qualidade recorrendo aos termos

“formação holística e credível”.

Os elementos sublinhados por todos os participantes como representativos da

qualidade da formação provêm de quase todas as dimensões, mas sobretudo das

dimensões “formação”, “currículo” e “instituição”, e podem ser explicitados do seguinte

modo: o bom número de regentes doutorados e, na maioria, enfermeiros; a dedicação e

acessibilidade destes; a proximidade dos contextos da prática; e as boas relações em

geral (entre docentes, funcionários, estudantes e dirigentes). No núcleo destas

apreciações estão o carater reflexivo, crítico, bem planificado e concreto da formação

prática e a boa dialética entre a teoria e a prática.

Em geral, trata-se de uma formação marcada por práticas orientadas para os

estudantes, aspeto também encontrado e sublinhado por Kantek e Baykal (2009) num

estudo de clima organizacional realizado em sete escolas de enfermagem do ensino

universitário na Turquia.

Assim sendo, poder-se-á considerar que se alguns destes aspetos caraterizam

especificamente a formação nesta ESS (no que diz respeito ao alto nível da qualidade),

também poderão caraterizar a identidade da formação em enfermagem.

Ao aludir-se a esta questão pretende-se trazer para este debate o conceito de “cultura

epistémica”. Numa clara alusão aos etnométodos, Cetina (1999, 2007) refere-se às

culturas epistémicas como “maquinarias do conhecimento”, inserindo-a, entre outros, a

um conjunto de práticas, regras e mecanismos ligados pela necessidade, afinidade e

coincidência histórica numa certa área de especialidade profissional. Guile (2008) é um

dos poucos autores que trazem o conceito de cultura epistémica para o campo da

educação. Discutindo as conexões que podem ser estabelecidas entre duas diferentes

concepções de conhecimento – teórico e tácito – através do conceito de culturas

epistémicas e suas implicações para a educação, Guile (2008) critica o uso distinto e

separado dos dois tipos de conhecimento e a não compreensão da conexão entre

conhecimento e cultura.

Se esta questão, a da conexão, em estruturas concretas de formação, entre dois

tipos de conhecimento e sua inserção na cultura, é importante e se coloca para a

formação em todas as profissões e situações em que a lógica da aplicação não só não é

suficiente como traz problemas graves ao campo da formação e da profissão, no caso da

enfermagem ela parece ter por centro um outro aspeto, entrevisto no modo como todos

os formadores (incluindo dirigentes, que também o são) convergem no termo “formação

credível” para dar conta da qualidade da formação na ESS. A questão da “credibilidade

clínica”, identificada por Andrew e Robb (2010) como central à identidade dos

formadores de enfermagem, parece aparecer, portanto, também como central à

credibilidade da própria formação, enquanto parte integrante das culturas profissionais

enquanto culturas epistémicas.

O caráter heurístico desta perspetiva fica mais claro se, comparando como o

campo do ensino, tivermos em conta que a “credibilidade clínica” parece ocupar o lugar

do “domínio do conhecimento” no caso dos formadores de professores, conhecimento

que é geralmente entendido como “conhecimento de conteúdo”, se usarmos a tipologia

de Shulman (1986).

Políticas neoliberais e a identidade da formação em enfermagem

O impacto das políticas de inspiração neoliberal na formação, nomeadamente na

área dos serviços públicos da educação e da saúde, é discutido por diversos autores.

Interessa trazer esta questão para esta discussão, pois muitos dos discursos captados no

estudo exploratório fazem alusão a mudanças a verificarem-se na formação e nos

contextos de trabalho, resultantes da “nova gestão pública” – na dimensão “profissão”

(desemprego, a flexibilidade do emprego e a necessidade de formar para o

empreendedorismo; e o aumento do rácio enfermeiro / utente nos locais de trabalho); na

dimensão “instituição” (intensificação do trabalho e respetiva falta de tempo ou

sobrecarga); e na dimensão “formadores” (falta de disponibilidade uns para os outros

devido à intensificação do trabalho, à existência de competição e à falta de parceria

entre pares)

Segundo Judith Sachs (2003, p. 20-22) são três as palavras-chave da “nova

gestão pública”: eficácia (gerir melhor a mudança), eficiência (focalizar os resultados) e

economia (fazer mais com menos). O seu referencial pode ser resumido nas seguintes

asserções: as estruturas, os procedimentos e os serviços públicos tradicionais são

ineficientes; há um conjunto de competências de “gestão” e as abordagens à gestão das

empresas privadas são melhores que quaisquer outras; as reformas estruturais

gerencialistas permitem mudar as práticas e assim aumentar a produtividade; os serviços

podem ser quantificados com vista à prestação de contas. Em geral, presume-se que a

aplicação da teoria do mercado e dos princípios e procedimentos do sector privado ao

sector público resultam em melhoria da qualidade do serviço.

O impacto nos quotidianos institucionais é enorme, nomeadamente: o movimento

dos standards - com virtualidades, enquanto ponto de partida objectivo para o debate e a

articulação das práticas - traduz-se antes na estandardização das práticas; os indicadores

de desempenho e os pareceres e avaliações das inspecções estabelecem as fronteiras da

profissionalidade; a competição entre escolas e entre professores substitui os apelos à

colaboração; e a autonomia e a independência diminuem, assim como o sentido de

pertença e a solidariedade.

Os discursos dos participantes são um exemplo claro, não só de como uma

formação de grande qualidade pode ser altamente prejudicada pelas decisões e

implementações inerentes ao discurso da “qualidade”, mas também de como estes

mesmos participantes “lutam” no quotidiano para dar sentido ao seu projeto de

formação. Reencontramos desta forma a interessante análise presente em Stronach,

Corbin, McNamara, Stark e Warne (2002), num esforço de recolocar a questão do

profissionalismo nas tradicionais semi-profissões (no caso, o ensino e a enfermagem),

na qual distinguem entre “economia da performance” e “ecologia da prática”, para

elaborar as formas da sua articulação que fogem ao mangerialismo. Na sua análise, os

autores concluem assim:

A nossa hipótese otimista é a de que os decisores políticos, em particular,

precisam de entender a performance profissional de forma muito diferente. Talvez

tenhamos que lhes dizer que a metáfora do profissionalismo é “pulsar” e não

“empurrar”. A teleologia do self profissional utópico e a ontologia do ser humano

orientado profissionalmente operam pulsando. Cada performance profissional –

bem ou mal sucedida – articula uma versão desse “pulsar”. (Stronach, et al., 2002:

131)

A identidade da formação em enfermagem e as identidades dos formadores

Maandag, et al. (2007: 168), analisando a formação de professores em diferentes

países da Europa, afirmam: “enquanto em França, na Alemanha e na Suécia a ênfase é

posta na formação académica, na Inglaterra e na Holanda a ênfase é posta no ensino

prático. Em cada um dos países analisados verificamos existir uma luta entre, por um

lado, o apelo para formar professores com um elevado nível académico e, por outro,

para organizar satisfatoriamente as relações entre a teoria e a prática”. O estudo não foi

realizado em Portugal, mas, se o tivesse sido, Portugal estaria entre aqueles que

enfatizam a formação académica. Não se passa o mesmo na formação em enfermagem.

Efetivamente, como acontece por exemplo em Inglaterra quer na formação de

professores quer na formação de enfermeiros (ver, Boyd, 2010), a formação em

enfermagem em Portugal, e como também indicam os resultados acima discutidos,

insere-se na segunda possibilidade referida.

Nestes casos, o debate sobre a construção da identidade dos formadores – com

vista à promoção da qualidade da formação e dos serviços de saúde - tem por centro a

questão de como manter a “credibilidade clínica” e simultaneamente assumir uma

“identidade académica”, traduzida mais precisamente na realização de investigação

(Boyd, 2010; Andrew & Robb, 2010), sabendo-se que a maior parte das vezes os

enfermeiros na transição para o papel de formadores sofrem um processo de

culpabilização ou de luto, devido ao receio de distanciação da prática.

A análise dos dados dá conta de como a adesão à investigação é um forte desafio

para os formadores participantes através da dimensão “profissão” - na ênfase dada à

profissão e à qualificação do corpo docente na reflexão sobre a formação - da dimensão

“instituição” - ao referir-se o grau académico de doutoramento da maioria dos

professores como sinal de qualidade – e da dimensão “formação”, sendo referidas de

novo as qualificações do corpo docente, mas também a importância da existência de um

centro de investigação. A análise de dados dá ainda conta da relação estabelecida entre

os diversos tipos de formadores na dimensão “formadores”, indiciando uma relação de

admiração mútua e complementaridade, mas também alguma assimetria ou dependência

dos “práticos” em relação aos “teóricos”.

A elaboração a este propósito situa-se portanto em dois patamares, que já

identificámos ao dar conta do quadro teórico concetual desta pesquisa: o da passagem

de uma identidade clínica (prática) a uma identidade formadora/investigadora; e o das

relações estabelecidas entre os diversos tipos de formadores (professores, tutores, etc.)

que integram o espaço formativo, mas também o espaço profissional (Conway & Elwin,

2006; Janhonena & Sarjab, 2005; Pinho, 2010).

No primeiro caso, por razões ligadas quer à identidade da formação em

enfermagem quer à identidade do formador em enfermagem, está em causa a definição

de um tipo de académico adequado a uma disciplina baseada na prática e, portanto, que

se mantenha próximo da prática, a que uns chamam “novos académicos” e outros

“académicos contemporâneos” (Boyd, 2010; Andrew & Robb, 2010; Janhonena &

Sarjab, 2005). A questão colocar-se-ia de forma especialmente “urgente” nas

“profissões de ajuda”, mas referir-se-ia a todos os académicos dados os novos desafios

do ensino superior que incidem na articulação entre ensino e investigação e inovação

(Ramsden, 2008; Harris, 2005).

Através de uma pesquisa empírica, Andrew e Robb (2010) propõem o “modelo

de trabalho próximo da prática” que se apresenta na Figura 2 para dar conta dos

“académicos para o século XXI”.

.

Fig. 2 Modelo de trabalho próximo da prática (in Andrew & Robb, 2010, adaptado de

Cook, 2005)

Como se verifica, o modelo integra, entre outros, quer a construção da

identidade académica, quer as relações entre os diversos formadores no que é

denominado ambiente de aprendizagem sustentável. Conway e Elwin (2006)

focalizando as relações intraprofissionais e a identidade do formador clínico, concluem

que os papéis dos diversos formadores se relacionam, mas devem também ser

clarificados na sua contribuição particular e que os formadores clínicos (práticos) são

capazes de integrar a capacidade prática e formativa quando estão inseridos em

ambientes consistentes de formação.

O debate sobre a identidade dos formadores surge, então, inseparável dos

ambientes (climas) de formação. Ou seja, o desenvolvimento de novas identidades

académicas é tanto uma questão pessoal como uma questão organizacional (e societal).

Identificar os dispositivos e dinâmicas das estruturas de formação que confluem para a

emergência dessas novas identidades académicas é o grande desafio para o ensino

superior em geral e para a formação de profissionais de ajuda em particular.

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